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1 A pesquisa científica na sala de aula Monica Cristina Mussi 1. A pesquisa científica na sala de aula Sabemos que uma das fontes principais dos conteúdos escolares são as ciências e seus campos conceituais. Os saberes das ciências são recontextualizados e retransmitidos no universo das escolas no geral na forma de “fatos prontos”, despregados dos processos investigativos que o legitimaram e lhe conferiram validade social. Nesse sentido, os saberes da ciência deixam de ser pensados, refletidos e debatidos na sua integralidade, para serem acumulados fragmentadamente pelos estudantes. Essa tendência para a disjunção entre processo de investigação e resultados científicos tem história! Mas a história da ciência já percorreu muitas mudanças e, até mesmo, revoluções. No percurso de sua história, a própria ciência, mais precisamente a ciência clássica, reconhecia seus saberes como verdades incontestáveis; definidos pelo postulado da certeza, seus princípios e práticas rejeitavam variáveis e dados que não referendassem seus sistemas objetivos. Sendo atividade para poucos, seria “desnecessário” e “árduo” por ao conhecimento e ao debate da sociedade seus processos de produção. Essa visão perdura até hoje em muitos domínios da vida social, desconsiderando que a própria comunidade científica operou uma profunda crítica aos paradigmas que orientavam essa visão. Entretanto, como afirma o filósofo francês Edgar Morin no livro Ciência com consciência” 1 : (...) o que é um conhecimento que não se pode partilhar, que permanece esotérico e fragmentado, que não se sabe vulgarizar a não ser em se degradando, que comanda o futuro das sociedades sem se comandar, que condena os cidadãos à crescente ignorância dos problemas de seu destino? (Morin, 1999, p.11) Com a atenção nessas questões, voltamo-nos nesta aula para a Pesquisa Científica na Sala de Aula como o meio privilegiado de os estudantes reconhecerem o conhecimento científico como algo construído; de se apropriarem dos códigos e das práticas envolvidos na produção dessa forma específica de conhecimento, portanto, não única e, por fim, como meio excepcional de os estudantes desenvolverem e cultivarem atitudes e formas de raciocínios – suscitadas e requeridas exclusivamente no fazer da Pesquisa Científica. 2. A importância da ciência Na atualidade, os saberes científicos estão cada vez mais presentes no cotidiano de vida dos sujeitos sociais, sobrepondo-se muitas vezes a todos os outros modos de conhecimento que persistem nas relações sociais. Não há dúvida de que os saberes da ciência atuaram de modo singular no destino da humanidade, tributando às sociedades formas mais elevadas de compreensão sobre o mundo físico-social e contribuindo de forma eminente para a existência e longevidade da espécie humana. 1 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

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A pesquisa científica na sala de aula

Monica Cristina Mussi

1. A pesquisa científica na sala de aula

Sabemos que uma das fontes principais dos conteúdos escolares são as ciências e seus campos conceituais. Os saberes das ciências são recontextualizados e retransmitidos no universo das escolas no geral na forma de “fatos prontos”, despregados dos processos investigativos que o legitimaram e lhe conferiram validade social. Nesse sentido, os saberes da ciência deixam de ser pensados, refletidos e debatidos na sua integralidade, para serem acumulados fragmentadamente pelos estudantes. Essa tendência para a disjunção entre processo de investigação e resultados científicos tem história! Mas a história da ciência já percorreu muitas mudanças e, até mesmo, revoluções. No percurso de sua história, a própria ciência, mais precisamente a ciência clássica, reconhecia seus saberes como verdades incontestáveis; definidos pelo postulado da certeza, seus princípios e práticas rejeitavam variáveis e dados que não referendassem seus sistemas objetivos. Sendo atividade para poucos, seria “desnecessário” e “árduo” por ao conhecimento e ao debate da sociedade seus processos de produção. Essa visão perdura até hoje em muitos domínios da vida social, desconsiderando que a própria comunidade científica operou uma profunda crítica aos paradigmas que orientavam essa visão. Entretanto, como afirma o filósofo francês Edgar Morin no livro “Ciência com consciência” 1:

(...) o que é um conhecimento que não se pode partilhar, que permanece esotérico e fragmentado, que não se sabe vulgarizar a não ser em se degradando, que comanda o futuro das sociedades sem se comandar, que condena os cidadãos à crescente ignorância dos problemas de seu destino? (Morin, 1999, p.11)

Com a atenção nessas questões, voltamo-nos nesta aula para a Pesquisa Científica na Sala de Aula como o meio privilegiado de os estudantes reconhecerem o conhecimento científico como algo construído; de se apropriarem dos códigos e das práticas envolvidos na produção dessa forma específica de conhecimento, portanto, não única e, por fim, como meio excepcional de os estudantes desenvolverem e cultivarem atitudes e formas de raciocínios – suscitadas e requeridas exclusivamente no fazer da Pesquisa Científica.

2. A importância da ciência

Na atualidade, os saberes científicos estão cada vez mais presentes no cotidiano de vida dos sujeitos sociais, sobrepondo-se muitas vezes a todos os outros modos de conhecimento que persistem nas relações sociais. Não há dúvida de que os saberes da ciência atuaram de modo singular no destino da humanidade, tributando às sociedades formas mais elevadas de compreensão sobre o mundo físico-social e contribuindo de forma eminente para a existência e longevidade da espécie humana.

1 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

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De acordo com Edgar Morin:

Há três séculos, o conhecimento científico não faz mais do que provar suas virtudes de verificação e de descoberta em relação a todos os outros modos de conhecimento. É o conhecimento vivo que conduz a grande aventura da descoberta do universo, da vida, do homem. Ele trouxe, e de forma singular neste século, fabuloso progresso ao nosso saber. Hoje, podemos medir, pesar, analisar o Sol, avaliar o número de partículas que constituem nosso universo, decifrar a linguagem genética que informa e programa toda organização viva. Esse conhecimento permite extrema precisão em todos os domínios da ação, incluindo a condução de naves espaciais fora da órbita terrestre. (Morin, 1999, p.15)

Se enumerássemos as razões ou os saberes que justificam a importância da ciência para humanidade, chegaríamos facilmente a uma lista extensa. Do ponto de vista das capacidades humanas, as ciências demandaram transformações nas estruturas do pensamento humano. O conhecimento científico e as práticas das ciências configuram-se como uma das mais intensas demonstrações de liberação do pensamento, da criação e da curiosidade do homem. Reconstituí-los junto aos estudantes significaria reacender essas liberações nas novas gerações, impulsionando-as ao prosseguimento e renovação permanente dessa forma de saber, fundamental à própria longevidade da ciência.

3. Desafios para a educação da ciência

Como chamamos a atenção na introdução desta aula, os saberes científicos circulam e se expressam socialmente diluídos por vezes em “fatos prontos”, isolados de suas condições de elaboração. Os saberes das ciências são também utilizados como sistema de legitimação para determinadas práticas sociais conquistarem credibilidade e adesão social – as práticas industriais, farmacêuticas; as políticas públicas..., são bons exemplos dessa “parceria” com as ciências. No entanto, essa última prática ocorre sem que a grande maioria dos sujeitos sociais detenham condições de conferir os graus de apropriação dos saberes científicos nas práticas institucionais, bem como avaliar a adequação e pertinência de seus usos. Essa forma sintética de comunicação dos saberes científicos, seja na escola, seja na vida cotidiana e societária, complica o conhecimento do conhecimento científico (Morin, 1999), “estimulando” uma relação mística dos sujeitos sociais com as ciências e forjando uma indiferenciação entre o processo de produção de conhecimento e seu resultado final. Assim, descortinar junto aos estudantes as formas específicas de se conhecer da ciência significa retirá-la de uma “ordem esotérica” e situá-la como produção humana, como algo desse mundo, portanto, intrinsecamente histórico, suscetível à aprendizagem e à renovação permanente. Dominar as formas de produção desse conhecimento também pode ser bastante relevante para uma melhor compreensão da linguagem científica, bem como para o alcance de uma participação crítica frente aos usos sociais das ciências em diferentes setores da vida. Mas, dificilmente os modos de se fazer ciência e a dimensão sociocultural desse saber serão reconhecidos e aprofundados no espaço da sala de aula, sem que os estudantes sejam iniciados no mundo da pesquisa, adentrando aos sistemas teóricos e metodológicos que o constituem. Nessa perspectiva, ao incluirmos as rotinas científicas na prática pedagógica; descortinar o horizonte de métodos, técnicas, ferramentas; exercer a orientação para a análise de conceitos, de asserções, de sistemas de crenças vinculados às comunidades científicas, estaremos capacitando os alunos a

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realizarem um diálogo mais autônomo entre suas experiências, os problemas de seu tempo e os saberes científicos socialmente estabelecidos e, por fim, a se guiarem por posições próprias e a tomarem decisões pessoais e coletivas mais críticas e fundamentadas. Vale ressaltar que por meio da vivência da pesquisa científica, os jovens poderão fazer a experiência de si como pesquisadores e como inventores de novas relações de conhecimentos, requisitos para um exercício mais pleno da cidadania.

4. A pesquisa científica: alguns pressupostos

“Não existe uma visão científica única, assim como não há uma visão poética única. A ciência é um mosaico de visões parciais e conflitantes.”

Freeman Dyson

Com a frase destacada na epígrafe, o cientista inglês Freeman Dyson inicia um contundente artigo, intitulado O cientista como Rebelde, a favor de uma ciência livre das imposições agenciadas pelas culturas predominantes. No texto, o autor desmistifica a ciência como um conhecimento unitário e defende a autonomia cultural e a livre imaginação na pesquisa científica. Recusando o pensamento ingênuo, o cientista afirma a dimensão revolucionária da ciência, argumentando sobre a capacidade de rebeldia e de subversão da ciência ao longo da história desse conhecimento. Vamos acompanhar mais alguns trechos do artigo:

Os cientistas devem ser artistas e rebeldes, obedecendo aos próprios instintos. Os cientistas não são santos nem demônios, mas seres humanos que compartilham as

fraquezas comuns da nossa espécie. Todos nós sabemos que os cientistas, assim como os políticos evangelizadores da TV não

estão imunes às influências corruptoras do dinheiro e poder. Muito da História da ciência e da religião é uma história de lutas motivadas pelo dinheiro e poder.

É um paradoxo curioso o fato de que vários dos maiores e mais criativos espíritos da ciência, depois de terem realizado descobertas importante, seguindo sua imaginação livre, no final da vida tenham ficado obcecados com a filosofia reducionista.

O progresso da ciência requer o avanço do entendimento em ambas as direções – descendente, do todo para as partes, e ascendente, das partes para o todo. Uma filosofia reducionista, pregando arbitrariamente que o conhecimento se desenvolva em apenas uma direção não faz sentido científico. Na verdade crenças filosóficas e dogmas não tem lugar na ciência. Tanto na ciência quanto na história há espaço para uma variedade de estilos e propósitos.

A ciência é uma atividade humana e a melhor maneira de entendê-la é compreender o indivíduo que a pratica.

A ciência floresce quando usa livremente todas as ferramentas disponíveis, desimpedida de noções preconcebidas sobre o que ela deveria ser. Toda vez que introduzimos uma nova ferramenta somos levados a descobertas novas e inesperadas, porque a imaginação da natureza é mais rica que a nossa.

Tive a sorte de ser introduzido na ciência durante a vida escolar, como uma atividade subversiva dos meninos mais novos. Organizamos uma sociedade de Ciência como ato de rebeldia contra o latim e o futebol obrigatórios. Deveríamos tentar introduzir nossas crianças na ciência hoje como rebeldia contra a miséria, a perversidade, o militarismo e a injustiça econômica.

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Por meio desses extratos abrimos um contato com o universo da ciência, com a importância e os entraves que lhes são constitutivos. Na última citação, o cientista parece fazer um conclamo à introdução da ciência na vida escolar, ressaltando a relevância da ciência para o combate de agudos problemas sociais, bastante conhecidos também entre nós, brasileiros. Sem dúvida, o autor convoca uma reflexão ética das ciências, assinalando ser a ciência também um fenômeno político. Uma questão urge nesse enredo: Qual a função política da ciência em nossa atualidade? Questão essa que, certamente, deve ser pensada pelo professor e trabalhada em sala de aula, como parte da experiência de um pesquisador-cientista. Vamos, agora, ver a letra da música de Cartola e Mestre Cachaça intitulada Ciência e Arte, composta em 19472:

Ciência e Arte (Cartola e Carlos Cachaça)

“Tu és meu Brasil em toda parte Quer na ciência ou na arte

Portentoso e altaneiro Os homens que escreveram tua história

Conquistaram tuas glórias Epopeias triunfais

Quero neste pobre enredo Reviver glorificando os homens teus

Levá-los ao panteon dos grandes imortais Pois merecem muito mais

Não querendo levá-los ao cume da altura Cientistas tu tens e tens cultura

E neste rude poema destes pobres vates Há sábios como Pedro Américo e Cesar Lattes”

No pequeno ensaio que acompanha a música de Cartola, o cientista brasileiro afirma, em consonância com o cientista inglês, que “todos os resultados científicos são provisórios”, o que quer dizer que o conhecimento científico não o é de uma vez por todas; estando sujeito às exigências de renovação de seus conteúdos, sejam elas mobilizadas:

Pela crítica a ação social desse saber e aos interesses societários com os quais se empenham; Pela invenção de um novo instrumento ou método de trabalho que lhe impõe outros

direcionamentos de pesquisa; Pelo desafio de propor respostas a novas problemáticas sociais; Pelas condições históricas e culturais emergentes em cada época;

2 Conheça um pouco do cientista brasileiro Cesar Lattes, mencionado na letra de Cartola em http://www.brasilcultura.com.br/cultura/ciencia-e-arte-do-paranaense-cesar-lattes/

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Por mudanças de paradigmas epistemológicos, entre outros. Na contemporaneidade, com a expansão das ciências, também é necessário considerar que um tema pode ser objeto de estudo em domínios científicos distintos, fazendo multiplicar versões em torno de um mesmo conceito/problema. Desse ponto de vista, a provisoriedade científica está estabelecida pela multiplicidade de pontos de vistas, de linhas de raciocínio e de respostas científicas em que um mesmo objeto se vê envolvido. Uma segunda ideia cotejada no ensaio, de grande relevância para o ensino da Pesquisa científica na Sala de Aula, é o estabelecimento de nexos e pontos de encontro entre os conhecimentos científicos e os conteúdos e artefatos da cultura que compõe o tecido experiencial dos indivíduos ou de um coletivo. Como pudemos observar no encontro entre o pesquisador Cesar Lattes e o compositor e músico popular Cartola, os saberes dispostos na vida social estão em contínua interação, à revelia de uma “didática segregacionista” que os afastam ou hierarquizam. Esse fenômeno interativo – de mútua constituição – pode se dar por diferentes vias e concretizar-se em múltiplos artefatos; despontando, por vezes, uma tessitura sublime entre os mesmos, como parece expressar os versos do compositor: “Tu és meu Brasil em toda parte. Quer na ciência ou na arte”. No cenário escolar, a interação entre os saberes dos alunos, constituídos na clivagem de fontes diversas, e os saberes científicos mostra-se relevante para a constituição de uma aprendizagem significativa e transformadora junto aos estudantes – na medida principalmente em que adotarmos a premissa de que a autonomia intelectual dos estudantes somente será alcançada quando os mesmos forem capazes de atribuir sentido aos seus saberes e experiências vividas, (re)visando-os a partir de novos planos interpretativos e axiológicos, ou mesmo pondo-os em composição com outros saberes. De outra forma, a interlocução entre saberes no currículo escolar mostra-se imperativa em um cenário em que saberes não científicos deixam cada vez mais de ser reconhecidos ou mesmo considerados necessários na orientação da vida social. Como constata o filósofo científico Ernst Nagel, “ao longo da história humana, os homens adquiriram muitas informações sobre o meio ambiente. Descobriram o fogo, a produção de ferramentas, como cultivar o solo, como fabricar meios de transporte etc e etc. Assim, a aquisição de conhecimentos sobre vários aspectos do mundo não começou exatamente com a ciência” e certamente não se encerra com a participação da ciência cada vez mais premente na vida social.

Cisnes – M.C. Escher: Disponível em http://www.villac.pro.br/da_individua%E7%E3o_escher.htm

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A atenção a essa interação entre saberes no ambiente escolar pressupõe promover contextos de aprendizagem na sala de aula que proponham relações ativas entre os saberes dos alunos e os saberes científicos, as quais incentivem questões junto aos estudantes que explicitem as visões conflitantes e as complementariedades (como sugere a imagem de Escher acima) que podem se estabelecer entre os mesmos. Pressupõe, igualmente, encaminhar situações que analisem a abrangência de cada saber na experiência pessoal e social dos indivíduos ou interroguem-se como tais saberes concorrem para uma “uma maior compreensão do espírito humano”, como propõe o cientista Marcelo Gleiser no texto A ciência é uma narrativa humana como a literatura ou a pintura3.

DICA

Para aprofundarmos algumas dessas ideias, apresentamos algumas indicações de leitura: Soberania, de Manoel de Barros, onde o poeta relata com delicadeza o desenredo insurgido das tensões que cruzam a imaginação e o pensamento formal: No interstício desse cruzamento - “botei um pouco de inocência na erudição” - parece emergir a capacidade inventiva do homem e um olhar renovado sobre o cotidiano “meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do chão mijadas de orvalho”. A ambivalência dos saberes, das faculdades humanas, finda por se fundir na forma da crítica “e vi que o homem não tem soberania nem para ser um bentevi”. Disponível em http://www.releituras.com/manoeldebarros_menu.asp

SOBERANIA Manoel de Barros

Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que

tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo do vento escorregava muito e eu não consegui pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso

carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado

e disse que eu tivera um vareio da imaginação. Mas que esses vareios acabariam com os estudos. E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.

E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria das idéias e da razão pura. Especulei filósofos

e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande saber. Achei que os eruditos nas suas altas

abstrações se esqueciam das coisas simples da terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo

— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: A imaginação é mais importante do que o saber. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei

um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do

chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam

3 Disponível em http://www.publico.pt/temas/jornal/a-ciencia-e-uma-narrativa-humana-como-a-literatura--ou-a-pintura-

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o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas

podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as próprias asas. E vi que o homem não tem soberania

nem pra ser um bentevi. Texto extraído do livro "Memórias Inventadas – A Terceira Infância", Editora Planeta - São Paulo,

2008, tomo X, com iluminuras de Martha Barros Uma entrevista realizada com o físico brasileiro Marcelo Gleiser, intitulada A ciência é uma narrativa humana como a literatura ou a pintura, onde o cientista retoma uma visão de ciência que interroga sobre si e que não se pretende definitiva: Disponível em http://www.publico.pt/temas/jornal/a-ciencia-e-uma-narrativa-humana-como-a-literatura--ou-a-pintura-22415363. MUNDOS IMAGINADOS - Freeman Dyson Programar um bicho de estimação num computador doméstico e encomendá-lo a uma fábrica genética, moldar o corpo humano para que ele se adapte num planeta distante, implantar microtransmissores de rádio no cérebro das pessoas, desviar grandes corpos celestes de suas trajetórias... Sem fazer ficção científica e baseando-se no princípio da liberdade individual, o físico Freeman Dyson apresenta uma visão do futuro que suscita uma permanente reflexão ética: a humanidade saberá prosseguir sem fazer mal a si mesma? Segundo Dyson, com o passar dos séculos não é impossível imaginar que diferentes partes da espécie terão se desenvolvido segundo trilhas tão diferentes que já não terão muito a falar umas com as outras. Alguns chegarão às estrelas, outros ficarão na Terra, a comunicação entre eles irremediavelmente dificultada e, mesmo, impossibilitada pelas leis da física; alguns usarão técnicas de engenharia genética para ampliar a capacidade intelectual de seus descendentes, outros não poderão, ou não desejarão, fazer isso. Alguns viverão por tempo cada vez maior, outros continuarão a ter horizontes de existência mais limitados. Disponível em: http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10968 Marcelo Gleiser investiga discurso ateísta da ciência; leia trecho Professor de filosofia natural e de física e astronomia, Marcelo Gleiser é conhecido no Brasil por apresentar temas complexos das ciências de maneira compreensível. Em seu novo livro, "Criação Imperfeita", Gleiser examina e contesta mais de 2.000 anos de desenvolvimento científico, ao desmontar o maior mito criado pela ciência: a perfeição da Natureza. Grandes nomes da ciência, como Galileu, Newton, Planck e Einstein, buscaram explicar o Universo em termos de simetria, harmonia e ordem. O físico esclarece a importância da imperfeição no desenvolvimento do Universo e argumenta que a ciência não é capaz de provar a inexistência de Deus e que jamais poderá explicar a realidade por completo, posição que contradiz Richard Dawkins e outros ateístas radicais. Para Roald Hoffman, ganhador do prêmio Nobel de química, "Marcelo Gleiser é nosso guia lúcido para onde a beleza é encontrada em um universo imperfeito, assimétrico e acidental". Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u706071.shtml

5. Pesquisa científica e Indagação

A partir do que foi explorado acima, podemos afirmar que entre as principais finalidades da pesquisa científica na sala de aula estão:

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1) A apropriação dos fazeres e conceitos científicos, na medida em que os estudantes refazem percursos que envolvem a produção desse tipo de conhecimento; capacitando-se para uma produção própria de conhecimento.

2) A apropriação de uma lógica crítica em relação aos saberes das ciências, na medida em que os estudantes têm oportunidades empíricas para acessar a complexidade que envolve a produção do conhecimento no campo das ciências, reconhecendo o fluxo movente de seus paradigmas e postulados, em detrimento de visões que mantém os saberes da ciência como fatos permanentes, estáticos, imparciais e cuja produção supostamente foi linearmente concebida.

3) Reconhecer os intercâmbios agenciados entre os conhecimentos das ciências, com os saberes da cultura e da vida cotidiana.

Do ponto de vista da aprendizagem, um traço essencial promovido pela pesquisa científica na sala de aula (e para a autoria discente) é a capacidade de essa prática social ensinar ao estudante a formulação de uma pergunta – a configuração de uma questão – o que significa situar os estudantes como agentes ativos na relação com os conhecimentos e com as realidades onde esses saberes encontram as suas conexões. Premissa sensibilizadora: Na pesquisa, as respostas formuladas necessitam acolher o desconhecido de uma questão.

Uma teoria não é o conhecimento, ela permite o conhecimento. Uma teoria não é uma chegada; é a possibilidade de uma partida. Uma teoria não é uma solução; é a possibilidade de tratar um problema.

Edgar Morin in Ciência com Consciência (1999)

Charge de Ivan Cabral sobre Pesquisa: Disponível em http://psicohomework.blogspot.com.br/2012/05/alguns-tipos-de-pesquisa-cientifica.html

Exercer a capacidade da indagação talvez seja a atividade mais nuclear e original da pesquisa científica. É a atividade pelo qual o humano reivindica a sua condição de inacabamento, de renovação de si, de aprendiz permanente, de direito ao pensamento ainda não pensado. Para pensar nessa questão, convoquemos o poeta Manoel de Barros! No poema abaixo, o autor explicita a incompletude humana e a sua necessidade de romper com modelos de vida adaptativos. O poeta propõe a si seguir “sendo outros”, dessacralizando-se nas borboletas. Nesse plano, a capacidade de indagação reivindica a saída do homem de um si mesmo, para uma abertura à outridade – ao encontro com o outro –, encontro, em última instância à coletividade da vida.

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A maior riqueza do homem é a sua incompletude.

Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,

que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde,

que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.

Perdoai Mas eu preciso ser Outros.

Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Manuel de Barros4

Para aprofundarmos esse tema, propomos uma reflexão sobre a conceituação proposta pelo pesquisador francês Bernard Charlot, radicado no Brasil e reconhecido entre nós pelos estudos desenvolvidos sobre a relação de sujeitos em aprendizagem com o saber. No livro “Da relação com o saber”, o autor afirma:

A relação com o saber é relação de um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com os outros. Apropriar-se do mundo é também apoderar-se materialmente dele, moldá-lo, transformá-lo. O mundo não é apenas um conjunto de significados, é, também, horizonte de atividades. Assim, a relação com o saber implica uma atividade do sujeito. (p.78-79) Bernard Charlot

Nesse pequeno trecho, destacamos a ideia de que a relação com o saber implica uma atividade do sujeito aprendente. Isso significa, para o que nos interessa aqui mais de perto, situar os estudantes em uma posição ativa nos processos de aprendizagem em que se veem envolvidos. O que quer dizer, situar os estudantes em aprendizagens nas quais a relação com o saber não se dê por abstrações desvinculadas da realidade ou memorização de fatos prontos, sem história, autoria e transformação de si, ou seja, significa afirmar que “não se aprende por transmissão direta de fatos”. No contexto da Pesquisa Científica, essa premissa requer não assumir o conhecimento científico como doutrina canônica, mas um conhecimento, como vimos, passível de reconstruções e reatualizações. Isso pode ser desencadeado na medida mesmo em que os estudantes são convidados a refazerem os percursos realizados pelos cientistas. De outro lado, significa ensinar aos estudantes, por meio de um saber fazer científico, o quanto a própria ciência, em seu processo de constituição e em seu funcionamento social atual, recusa a substancialidade de uma vez por todas.

4 Fragmento Soberania do poeta Manoel de Barros: Disponível em http://www.releituras.com/manoeldebarros_menu.asp

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Em outro texto, Desafios da Educação na contemporaneidade: reflexões de um pesquisador – Entrevista com Bernard Charlot5, o autor traz algumas questões sobre a prática educativa envolvida com a pesquisa, na qual destacamos algumas ideias para compor a nossa reflexão:

Se quisermos mudar a escola brasileira, teremos que trabalhar a realidade. Ela tem que ser

tomada como ponto de partida.

Decerto, não podemos dar receitas, isto é, modos de fazer que sempre funcionam, qualquer

que seja o contexto. Mas podemos e devemos oferecer técnicas de trabalho.

Esse distanciamento entre as questões teóricas e aquilo que a realidade suscita é um

problema quase crônico na educação.

Só aprende quem estuda, quem tem uma atividade intelectual. Mas só faço um esforço

intelectual se a atividade tem sentido para mim e me traz uma forma de prazer. Portanto, a

questão da atividade, do sentido e do prazer é central.

Mas como se pode ter desejo por um teorema de matemática ou uma fórmula de química?

Essa é uma questão muito “concreta”: um ensino é interessante quando um conteúdo

intelectual encontra um desejo profundo. Aliás Vygotsky percebe esse problema quando ele

distingue e tenta articular significado histórico-cultural e sentido pessoal.

O trabalho do pesquisador é evidenciar as contradições, inclusive aquelas que existem no seu

campo.

Darwin sempre carregava consigo um caderninho para anotar as objeções essenciais à sua

teoria, porque os argumentos a favor ele não ia esquecer, mas as objeções sim. Isso é

pesquisa. Além do mais, a pesquisa é um prazer quando se tem uma pergunta não

respondida, quando há um pouco de suspense, quando se encontram contradições. Assim, é

pesquisa viva e dá prazer pesquisar. Pesquisa sem ignorância não é pesquisa, pesquisa sem

esforços não existe, pesquisa sem prazer não vale a pena.

Uma questão nova merece tempo.

A pesquisa é, antes de tudo, uma aprendizagem, um artesanato.

Desde que nasci aprendi muitas coisas em casa, na escola, na rua ou em outros lugares. O

que é importante em tudo isso e o que estou esperando agora?

A primeira pergunta que faço a quem pede a minha orientação é: O que você quer saber que

ainda ninguém sabe, inclusive eu? Essa pergunta é o primeiro passo naquela aventura que

constitui a pesquisa.

O conhecimento é sempre resposta a uma questão.

6. A prática da Pesquisa Científica

Apresentamos a seguir, alguns desdobramentos práticos a serem levados em conta na aprendizagem e vivência da Pesquisa Científica na Sala de Aula.

DICA

Antes de percorremos a leitura dos tópicos abaixo, vamos assistir a um pequeno vídeo intitulado Quando começou seu interesse pela ciência. https://www.youtube.com/watch?v=dHT8FTJ7vHE.

5 Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ep/v36nspe/v36nspea12.pdf

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No vídeo, vamos conhecer relatos de cientistas de como chegaram a se interessar pela ciência.

6.1 Pesquisando também se aprende:

A pesquisa em sala de aula é uma competência que se desenvolve pela vivência direta das dinâmicas que concorrem nessa prática social e por meio de uma orientação contínua das etapas e procedimentos que a envolve.

É preciso considerar a complexidade que envolve a produção de conhecimento científico e,

por decorrência, a necessidade de se oferecer continuadamente aos estudantes subsídios que os repertoriem para o manejo de um determinado problema ou objeto de estudo e para ações operativas requisitadas em determinado percurso, como por exemplo, aprender a selecionar literatura científica e outros tipos de fontes bibliográficas; reconhecer as metodologias de pesquisa disponibilizadas pelas ciências ao longo de sua história; aprender a organizar e analisar dados e informações por meio de uma metodologia específica; aprender a formular questões que possam orientar leituras, levantamento de hipóteses etc.

O debate sobre a ciência e a sua historicidade devem ser estimulados permanentemente

junto aos estudantes. As dimensões culturais, sociais, epistemológicas que envolvem a pesquisa científica devem ser continuadamente trazidas à reflexão junto aos estudantes, podendo ocorrer antes de os estudantes mergulharem num projeto de pesquisa propriamente dito ou no decorrer do próprio processo de pesquisa.

Para que o estudante organize-se intelectualmente e estabeleça planos de trabalho

científicos é fundamental que o mesmo seja orientado a estruturar o percurso da pesquisa científica que realizará, marcando as etapas envolvidas e identificando as informações técnicas e metodológicas que serão necessárias na organização e análise dos dados. O problema de pesquisa deve ser o guia e o horizonte presentificado em todas as etapas da pesquisa.

Promover situações de avaliação e devolutivas sobre os encaminhamentos adotados em

cada etapa é requisito para os estudantes irem se apropriando reflexivamente do percurso, bem como para decidirem sobre redimensionamentos e mudanças de perspectivas que se mostrarem necessários.

As narrativas dos próprios cientistas sobre a pesquisa que realizaram ou estão a realizar pode

ser um meio profícuo para situar os estudantes nas dimensões contidas na pesquisa científica, bem como para reconhecerem a variabilidade de métodos e teorias envolvidos no processo científico.

6.2 O que se quer investigar?

A questão sobre o que investigar, em sala de aula, pode ser encaminhada de diferentes maneiras. Vejamos:

Pode-se investigar uma Pesquisa Científica específica, de relevância para o aprofundamento de um determinado estudo proposto em sala de aula. Para tanto, é preciso orientar os estudantes para formular perguntas operativas sobre o que desejam saber, o que estão a procurar e com quais finalidades.

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Pode-se refazer, junto com os estudantes, a trajetória de pesquisa realizada por um cientista

em especial. Situação em que os alunos terão oportunidades de entrar em contato com as problematizações, hipóteses, experimentos, quadro de referências epistemológicas, métodos e técnicas, dilemas éticos, cenários sociais concorrentes na sistematização de um conceito ou tese científica.

Na reconstituição de um percurso científico, podem-se fazer ampliações, como, por exemplo,

comparar estudos e teses científicas de visões conflitantes relacionados ao mesmo objeto de estudo (num mesmo período histórico ou em períodos históricos distintos). Por meio dessa proposta, os estudantes terão oportunidades de dominar as complexidades envolvidas numa pesquisa científica, bem como cartografar os fatores que concorrem para o delineamento de uma problemática de pesquisa.

A reconstituição de um percurso científico específico no contexto da sala de aula pode ser

feito por meio de pesquisa a fontes bibliográficas relacionadas ao cientista pesquisado. As fontes selecionadas, por sua vez, podem ser comparadas entre si e analisadas as suas abordagens.

Ao reconstituir uma trajetória de pesquisa, os alunos podem ser convidados a acrescentarem

um novo estudo vinculado ao tema reconstituído, levando-os a elaborar projetos de pesquisa próprios. É fundamental aos estudantes, numa atividade de pesquisa científica própria, mapearem as teorias e práticas de trabalho sobre os quais irão se movimentar intelectivamente, ou seja, reconhecer o contexto epistemológico ou pragmático no qual irão aprofundar conhecimentos, extrair um objeto de estudo, delinear um problema e formular, por fim, respostas pertinentes ao mesmo.

No processo de formulação de um problema de pesquisa, considerando uma pesquisa

própria dos estudantes, é fundamental que os estudantes sejam convidados a expressarem seus interesses sobre determinado estudo e explicitarem suas concepções primeiras sobre determinado tema de interesse, combinando-as ou confrontando-as com concepções extraídas de outras fontes. Exercitar-se na formulação de perguntas operativas sobre determinado tema de estudo é também um caminho auxiliar na configuração de um problema de pesquisa. Para “aquecer” os estudantes nesse processo, podem ser propostas algumas experimentações, como a que veremos logo a seguir.

DICA

Assista o documentário “Modalidades de Pesquisa em Educação (1/2)”: https://www.youtube.com/watch?v=PN_lIzD_JM4&index=3&list=PL8BBF8ABEAA751D1D O programa produzido pela UNIVESP (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) apresenta pesquisadores, os quais narram sobre suas trajetórias de pesquisa, marcando seus objetos de pesquisa e as etapas que cada qual seguiu. Os pesquisadores explicam e exemplificam os funcionamentos das ferramentas e metodologias que compuseram seus trabalhos. As pesquisas apresentadas foram todas desenvolvidas na área da Educação.

7. Alguns elementos da Metodologia de Pesquisa

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A pesquisa envolve a habilidade do grupo em selecionar fontes bibliográficas ou materiais de trabalho investigativo. A seleção de fontes é uma etapa móvel no percurso de uma pesquisa científica. Pode ter a função de mapeamento inicial de um tema, auxiliando o estudante ou o grupo a aprofundar-se em determinado conhecimento, repertoriando-o para o delineamento de um problema de pesquisa.

Após a delimitação de um tema e problema de pesquisa, a seleção de fontes bibliográficas

estará a serviço de mapear estudos ou linhas teóricas que abordam determinado assunto envolvido com o problema, instrumentalizando o estudante ou grupo a interpretar e analisar de forma aprofundada uma problemática e fundamentar a construção de um ponto de vista ao problema formulado.

Considerando que o conjunto de informações e estudos disponíveis para o desenvolvimento

de uma pesquisa na atualidade é múltiplo, o grupo deverá envolver-se com a tarefa de criar critérios para a seleção e recorte do material a ser investigado.

Vejamos abaixo alguns exemplos de critérios ou filtros para a seleção de fontes:

a) Definir o tipo de fonte que será investigada, por exemplo: artigos científicos; livros especializados; material visual (fotografias, filmografia); conteúdos da imprensa escrita etc.

b) Identificar sites, autores ou produções científicas que possuam base de dados ou estudos sobre determinado assunto;

c) Definir palavras-chave para a seleção de material de estudo. Definir, por exemplo, se as palavras-chave serão procuradas em títulos, sumários de livros, resumo de artigos etc.

d) Definir se serão privilegiados estudos produzidos no Brasil ou se serão privilegiados estudos desenvolvidos em outros países;

e) Definir a região em que determinado estudo (a ser pesquisado) foi realizado: São Paulo, Rio de Janeiro etc.

f) Definir o período de publicações sobre o assunto que se quer investigar, por exemplo: serão mapeados estudos realizados no século XX sobre o solo brasileiro, nas décadas de 60,70, 80.

g) Definir o período histórico que se quer investigar, por exemplo: o processo de industrialização no século XIX no Brasil; A prática de vacinação no Brasil do século XX etc.

h) Definir a quantidade de fontes que serão investigadas, por exemplo: 02 artigos; 03 produções científicas etc.

i) Definir a visão científica que se quer investigar. Pode-se também definir que o grupo irá selecionar fontes de visões científicas distintas sobre determinado assunto.

De posse das fontes, será necessário definir com os estudantes os meios de se relacionar com os materiais.

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Fonte: http://www.grupoa.com.br/revista-patio/multimidia/9915/charge-edicao-no-19.aspx

Vejamos então algumas ações nessa direção:

1) Leitura dos materiais, acompanhada de fichamento e registro das ideias centrais sobre o tema/problema investigado. A leitura poderá contar com alguns parâmetros (ou questões) que auxiliem o estudante a focalizar aspectos relativos ao problema de pesquisa;

2) Comparações das fontes consultadas, a partir da organização escrita das concepções contidas nos textos estudados e do mapeamento das ideias que se complementam, se alinham ou se confrontam entre as fontes. Esse é um momento em que o professor poderá chamar a atenção dos estudantes para aspectos específicos de um texto científico (caso seja a fonte bibliográfica principal), como, por exemplo: 2.1- Com qual problemática o autor trabalha? 2.2- Quais as referências bibliográficas utilizadas pelos autores do texto? 2.3- Qual a metodologia utilizada pelo autor para chegar a um determinado conceito ou

postulado? 2.4- O texto critica alguma teoria ou prática? 2.5- O texto propõe algo sobre o assunto tratado?

3) Apresentação escrita dos argumentos contidos nas fontes, relacionados ao tema e problema investigado;

4) Tratamento das informações e análise do material investigado, concentrando o foco no problema de pesquisa e no método de trabalho que será utilizado.

A organização e análise do material investigado é uma das etapas mais complexas no processo de produção científica, pois exige e solicita a definição (e também invenção) de um método pelo sujeito pesquisador. O método expressaria o caminho pelo qual determinado objeto ou problema de estudo tornar-se-á manipulável, verificável, em última instância, tornar-se-á concretizado à visão do pesquisador. O método aclararia, então, as ferramentas, instrumentos e os meios analíticos pelos quais o pesquisador desenvolverá raciocínios, hipóteses, testará teorias e, por fim, abrir-se-á a novas descobertas e a teorias renovadas sobre um tema-problema. Pode-se dizer que o método é ao mesmo tempo fonte de criação de novos conhecimentos no interior de uma pesquisa científica e um desafio de invenção intelectual permanente no interior das comunidades científicas.

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Inicialmente, os estudantes, na qualidade de aprendizes do fazer científico, poderão e

deverão (sempre orientados pelo professor) lançar mão de um corpus de métodos já disponibilizados pelas comunidades científicas. Entretanto, a seleção de um método já reconhecido no interior das ciências, não deve situar os estudantes como aplicadores mecânicos ou “consumidores” de um programa metodológico. Nesse sentido, o próprio programa metodológico deve ser objeto de reflexão contínua pelos aprendizes, incitando-os a perscrutarem suas potencialidades e limites frente ao problema de pesquisa.

Em coro com a UNESCO6, reafirmamos que é desafio das sociedades contemporâneas construir uma nova relação entre ciência e sociedade. Essa nova relação exige que a população de maneira geral e os estudantes de maneira específica tenham garantido o acesso a não somente às informações científicas, mas aos modos de se produzir e fazer ciência, como também às capacidades técnicas e de raciocínios que lhes são peculiares. Desafio que, sem dúvida, é convocatório de novas formas de ensinar e aprender. LEITURA COMPLEMENTAR

DICA

1. Para orientar os estudantes em procedimentos de pesquisa conheça aspectos do livro “Ensinar e aprender com pesquisa no ensino médio”: http://www.youtube.com/watch?v=93vr_FiEJao 2. Assista ao vídeo O que te encanta na ciência: https://www.youtube.com/watch?v=-gkkt_B13yM Trata-se de declarações de pesquisadores sobre suas tarefas como pesquisadores e a relação que possuem com a atividade científica.

A relação entre teoria e prática:

A relação entre fontes teóricas e as fontes práticas é uma questão de permanente preocupação na pesquisa científica. Para as comunidades científicas na atualidade, inventar novos meios de comunicação e diálogo com a realidade física e social é prerrogativa para dinamizar seus saberes e fazer surgir dados até então desconhecidos ou invisíveis a um sistema teórico ou corpus metodológicos já disponibilizados no interior das ciências. Revisitar um plano empírico também pressupõe reconhecer o movimento incessante das realidades, o que quer dizer que a realidade nunca será um plano totalmente conhecível e dominável. Concomitantemente, significa reconhecer que a ciência é um campo sempre aberto a novas interrogações de si e a mudanças nos modos de pensar o real.

Na sala de aula, a prática da pesquisa científica que preveja o encontro investigativo entre os

saberes produzidos pelas ciências com a vida cotidiana e com as questões que povoam as

6 Confira a definição de Educação Científica feita pela UNESCO em: http://educacaocientifica2013.wordpress.com/2013/02/07/definicao-de-educacao-cientifica-feita-pela-unesco/

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realidades sociais abre espaço para que os estudantes relacionem os princípios explicativos das ciências com o universo da vida prática e suas inúmeras variáveis. Também é um momento de confrontar saberes e problemáticas postas nos diferentes campos e estudar os melhores meios de se produzir conexões entre a ciência, o mundo, a vida e a sociedade. Uma outra perspectiva de análise, proporcionada pela relação entre as fontes teóricas e as fontes práticas, seria o exame das condições de aplicabilidade de um conhecimento científico em dada realidade. Igualmente, analisar a plausibilidade das respostas científicas frente a um recorte do real.

A relação entre fontes teóricas e fontes práticas pode ser conduzida na sala de aula com o

objetivo de perscrutar o modus operandi dos saberes científicos nas práticas institucionais, nas relações sociais e na vida cotidiana. Também é um meio de geração de novos dados, que podem concorrer, por sua vez, para a resolução de alguma problemática, seja uma problemática teórica, seja uma problemática social.

O acesso à empiria do real é bastante variável no interior das ciências. Dependendo da

proposta de pesquisa e do objeto investigado, pode emergir a necessidade para o grupo de realizar uma experimentação; coletar dados junto a uma instituição específica; entrevistar pessoas ligadas à determinada problemática ou prática laboral; constituir um estudo de caso; registrar visualmente um determinado território social ou de trabalho; realizar um trabalho de observação in lócus, entre outros.

Compartilhando os resultados da Pesquisa:

Um momento crucial da pesquisa desenvolvida na sala de aula é a produção da conclusão dos trabalhos. Trata-se de um momento onde o estudante será desafiado a constituir sua autonomia e expor seus pareceres e ideias, além de lançar uma proposição em relação à problemática que o acompanhou no percurso de sua pesquisa.

Os resultados da Pesquisa podem ser desdobrados em diferentes momentos, tal qual a

seleção e uso das fontes investigativas. Possibilitar momentos de comunicação dos trabalhos desenvolvidos pelos estudantes nas diferentes etapas da pesquisa permite aos jovens se apropriarem de seus próprios percursos, bem como oferecem contribuições, a partir de indagações do coletivo, para que o trabalho de pesquisa receba aprimoramentos e, caso necessário, seja revisado antes da conclusão da investigação.

A apresentação final da conclusão da pesquisa é um momento de culminância dos trabalhos,

onde o ponto de vista do pesquisador diante do problema investigado deve ganhar relevância. Nesse momento é importante oferecer ao grupo de estudantes formas de apresentar os resultados da pesquisa, tais como apresentação de trabalho em formato de comunicação oral, podendo ser acompanhada de arguições; exposição dos materiais coletados por meio de quadros sintéticos ou banners; debates a partir da apresentação do trabalho em pôster; oficinas de experimentação etc.

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REFERÊNCIAS

1- MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. 2- Vídeo Projetos de Jovens Cientistas do Ensino Médio: Disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=WF9ehMQ_k-o 3- Trechos do artigo O cientista como rebelde de Freeman Dyson, in Revista Serrote, nº3.

Instituto Moreira Salles, 2009. 4- Música de Cartola e Mestre Cachaça intitulada Ciência e Arte: Disponível em

http://www.brasilcultura.com.br/cultura/ciencia-e-arte-do-paranaense-cesar-lattes/ 5- Reportagem Ciência e arte do paranaense Cesar Lattes: Disponível

http://www.brasilcultura.com.br/cultura/ciencia-e-arte-do-paranaense-cesar-lattes/ 6- Obra Cisnes de M.C.Escher: Disponível em

http://www.villac.pro.br/da_individua%E7%E3o_escher.htm 7- Fragmento Soberania do poeta Manoel de Barros: Disponível em

http://www.releituras.com/manoeldebarros_menu.asp 8- Entrevista com o físico Marcelo Gleiser A ciência é uma narrativa humana como a literatura

ou a pintura: Disponível em http://www.publico.pt/temas/jornal/a-ciencia-e-uma-narrativa-humana-como-a-literatura--ou-a-pintura-22415363

9- Sinopse da obra “Mundos Imaginados” de Freeman Dyson: Disponível em http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10968

10- Sinopse da obra “Criação Imperfeita” de Marcelo Gleiser: Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u706071.shtml

11- Tira Mafalda: Disponível em http://educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/cartografia-ideologia-com-mafalda.htm

12- Artigo “Aprender com Autoria” de Pedro Demo (2012): Disponível em http://pedrodemo.blogspot.com.br/search/label/aprender%20com%20autoria

13- Charge de Ivan Cabral sobre Pesquisa: Disponível em http://psicohomework.blogspot.com.br/2012/05/alguns-tipos-de-pesquisa-cientifica.html

14- Poema, Manoel de Barros (livro: Retrato de Artista quando Coisa): Disponível em http://www.substantivoplural.com.br/o-poeta-das-coisas-desimportantes/

15- CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

16- Desafios da Educação na contemporaneidade: reflexões de um pesquisador – Entrevista com Bernard Charlot: Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ep/v36nspe/v36nspea12.pdf

17- Vídeo “Educação na Era Planetária” com Edgar Morin: Disponível em http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/melina-furman-afirma-preciso-ensinar-atitudes-cientificas-608110.shtml?page=2

1- Vídeo intitulado Quando começou seu interesse pela ciência. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=dHT8FTJ7vHE

2- Podcast “Paleontólogo fala sobre a descoberta do maior macaco das Américas”: Disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/11/15/paleontologo-conversa-sobre-o-maior-macaco-das-americas/

3- Podcast “Envelhecimento é tema de estudos em antropologia e biofísica”: Disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/10/11/envelhecimento-e-tema-de-estudos-em-antropologia-e-biofisica/

4- Podcasts direcionados à divulgação de pesquisas científicas: Disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/category/multimidia/podcast/

5- Filme “Luz, trevas e o método científico: Disponível em http://ciencianamidia.wordpress.com/2010/03/24/luz-trevas-e-o-metodo-cientifico/

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6- Entrevista com a educadora argentina Melina Furman, intitulada Melina Furman afirma que é preciso ensinar atitudes científicas: Disponível em http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/melina-furman-afirma-preciso-ensinar-atitudes-cientificas-608110.shtml?page=0

7- Atividade - Mudanças climáticas: você sabe o quanto elas afetam a nossa vida? – leitura/debate: Disponível em http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=41174

8- Documentário “Modalidades de Pesquisa em Educação (1/2)”: Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=rdwT-WCFlGE&list=PL8BBF8ABEAA751D1D.

9- Charge: Disponível em http://www.grupoa.com.br/revista-patio/multimidia/9915/charge-edicao-no-19.aspx

10- Apresentação do livro “Ensinar e aprender com pesquisa no ensino médio”: Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=93vr_FiEJao

11- Vídeo O que te encanta na ciência. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=-gkkt_B13yM

12- Vídeo “O que é pesquisa”: Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ksHmilEOdQI&list=PL8BBF8ABEAA751D1D.

13- Imagens “apresetnação de trabalhos científicos”: Disponível em http://astrono1000sic.wordpress.com/2008/11/15/xiii-semana-de-fisica-da-uel/ e http://mic.ifc-concordia.edu.br/?page_id=181

14- Slides “Como apresentar um trabalho num congresso científico: apresentação oral: Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ksHmilEOdQI&list=PL8BBF8ABEAA751D1D.

15- Declaração UNESCO, in zancan, Glaci T. “Educação Científica uma prioridade Nacional”. São Paulo: Perspectiva, 2000 : Disponível em http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n3/9764.pdf.

16- Documento da UNESCO A ciência no século XXI – uma nova visão e uma nova base de ação (Conferência realizada em Budapeste e São Domingos), publicada pela UNESCO em 2003: Disponível em http://educacaocientifica2013.wordpress.com/2013/02/07/definicao-de-educacao-cientifica-feita-pela-unesco