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VERA LUCIA FURLANETTO
MATO GROSSO DO SUL: SUA CRIAÇÃO PELAS REPRESENTAÇÕES DOS
JORNAIS O PROGRESSO E CORREIO DO ESTADO
DOURADOS - 2018
VERA LUCIA FURLANETTO
MATO GROSSO DO SUL: SUA CRIAÇÃO PELAS REPRESENTAÇÕES DOS
JORNAIS O PROGRESSO E CORREIO DO ESTADO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em História da Faculdade de Ciências Humanas da
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) como
parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em
História.
Área de concentração: História, Região e Identidades.
Orientador: Prof. Dr. Jérri Roberto Marin
DOURADOS - 2018
F985m Furlanetto, Vera Lucia
MATO GROSSO DO SUL: SUA CRIAÇÃO PELAS REPRESENTAÇÕES
DOS JORNAIS O PROGRESSO E CORREIO DO ESTADO / Vera Lucia
Furlanetto -- Dourados: UFGD, 2018.
188f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Jérri Roberto Marin
Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Ciências Humanas,
Universidade Federal da Grande Dourados.
Inclui bibliografia
1. Mato Grosso do Sul. 2. Divisionismo. 3. Representações. 4. Imprensa. I.
Título.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados
fornecidos pelo(a) autor(a).
©Direitos reservados. Permitido a reprodução parcial desde que citada a fonte.
VERA LUCIA FURLANETTO
MATO GROSSO DO SUL: SUA CRIAÇÃO PELAS REPRESENTAÇÕES DOS
JORNAIS O PROGRESSO E CORREIO DO ESTADO
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH/UFGD
Aprovada em ______ de __________________ de _________.
BANCA EXAMINADORA:
Presidente e orientador:
Jérri Roberto Marin (Dr., UFMS) ________________________________________
2º Examinador:
Paulo Roberto Cimó Queiróz (Dr., UFGD) _________________________________
3º Examinador:
Edvaldo Correa Sotana (Dr., UFMT) _______________________________________
A Marcelo da Silva Pereira por
cada passo trilhado no caminho da
compreensão sobre a grandiosidade da
vida.
RESUMO
Este estudo tem por objetivo analisar a divisão do estado de Mato Grosso, a criação de
Mato Grosso do Sul no ano de 1977 e os conflitos ocorridos entre os políticos das cidades de
Dourados e de Campo Grande propagados pelos jornais O Progresso (de Dourados) e o
Correio do Estado (de Campo Grande). Foram observados os aspectos estruturais dos
periódicos, como o surgimento, a equipe editorial e como defenderam os interesses políticos
acerca do divisionismo, sob a perspectiva das manipulações, da influência do poder político
sobre os meios de comunicação, utilizados como instrumentos para promover opiniões e
disseminar discursos ditados pelo poder hegemônico. Verificaram-se ainda, as disputas já
existentes entre políticos douradenses e campo-grandenses, que ultrapassavam a esfera
bipartidária e se acirraram no contexto da divisão do estado. Bem como, as estratégias
discursivas da imprensa, respaldadas na estruturação do texto e no lugar da produção que teve
por expectativa induzir fortes fatores de representação no imaginário sociodiscursivo, de
modo a defender a legitimidade de sua fala e deslocar a percepção do leitor para que
desconsiderasse a falta de consenso em torno da divisão. Já que, cada tipo de discurso modula
seus efeitos de verdade de uma maneira particular. O trabalho analisou também, os episódios
festivos, por meio das fotografias que retrataram as comemorações relacionadas à divisão em
1977, publicadas nos jornais, entendendo o documento fotográfico como uma representação
construída dentro de um processo, com elementos constitutivos que foram escolhas do
fotógrafo e de tudo aquilo que ele acreditava e usava, em termos de estética, técnica, ideologia
e cultura, para debater sobre a relação destes episódios na construção da memória e da história
de Mato Grosso do Sul. No aspecto metodológico foram fundamentais as categorias
desenvolvidas por Roger Chartier quanto à representação, por Pierre Bourdieu no referente a
poder simbólico e capital social, por Patrick Charaudeau e suas considerações sobre a
máquina midiática e, também as noções de análise de fotografias desenvolvidas por Boris
Kossoy. Essas teorias possibilitaram averiguar nesta dissertação as relações políticas, as
condições de poder, as práticas sociais conflituosas, heterogêneas e a força discursiva dos
agentes políticos vinculados à mídia durante a formação do novo estado. Delinearam-se
também, dentro dos estudos regionais, as representações midiáticas locais nos meandros do
divisionismo. Desta maneira, na história política contada por meio da mídia tendo os jornais
como interlocutores desta historicidade, verificou-se que os políticos locais necessitaram da
mídia para serem vistos socialmente e fizeram uso indiscriminado de todos os meios para
gerenciar o espaço público, para divulgar suas práticas, para propagar seus discursos, exercer
seu poder, realizar trocas sociais, construir representações, manipular signos, produzir
sentidos e interferir diretamente na vida social, nesse contexto da criação do estado de Mato
Grosso do Sul em 1977, da mesma forma a imprensa alinhou-se aos discursos políticos para
defender seus interesses e moldar o imaginário político-social de seus leitores.
Palavras-Chave: Mato Grosso do Sul. Divisionismo. Representações. Imprensa.
ABSTRACT
The objective of this research is to analyze the division of the state of Mato Grosso
and the creation of Mato Grosso do Sul in 1977 and the conflicts between the politicians of
the cities of Dourados and Campo Grande, propagated by the newspapers O Progresso (from
Dourados) and the Correio do Estado (from Campo Grande). One of the tasks was to look at
the structural aspects of journals such as the creation, the editorial team, and how they
defended the political interests of divisiveness from the perspective of manipulation and the
influence of political power on the media used as tools to promote opinions and disseminate
discourses dictated by hegemonic power. It is also verified the existing disputes between
politicians from Dourados and Campo Grande, which went beyond the bipartisan sphere and
intensified in the context of the division of the state, as well as the discursive strategies of the
press, supported by the structuring of the text and in the place of the production that had a
focus on inducing in the sociodiscursive imaginary strong representation factors in order to
defend the legitimacy of his discourse and to displace the reader's perception to disregard the
lack of consensus around the division. Even because each type of discourse modulates its
effects of truth in a particular way. The work also analyzed the festive episodes through the
use of the photos that portrayed the celebrations related to the division published in the
newspapers, understanding the photographic document as a representation built within a
process, with constitutive elements that were the photographer's choices and everything that
he believed and used, in terms of aesthetics, technique, ideology and culture, to discuss the
relation of these episodes in the construction of memory and the history of Mato Grosso do
Sul. The methodological structuring is based on the categories developed by Roger Chartier,
on the concept of representation, by Pierre Bourdieu, in relation to symbolic power and social
capital, by Patrick Charaudeau and his considerations on the media and also the methods of
photos analysis systematized by the Boris Kossoy. These theories made it possible to study in
this dissertation political relations, power conditions, conflicting, heterogeneous social
practices and the discursive force of political agents linked to the media during the formation
of the new state. Based on the regional studies, the local media representations were
delineated in the intricacies of divisionism. In this way, in the political history told through
the media, and newspapers assuming the role of interlocutors of this historicity, it was verified
that the local politicians needed the media to be seen socially and made indiscriminate use of
all means to manage the public space , to disseminate their practices, to propagate their
discourses, to exercise their power, to carry out social exchanges, to construct representations,
to manipulate signs, to produce meaning and directly interfere in social life, in this context of
the creation of the state of Mato Grosso do Sul in 1977, in the same way the press aligned
itself with the political speeches to defend the interests of media and to mold the political-
social imaginary of the readers.
Keywords: Mato Grosso do Sul. Divisionism. Representations. Press.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 1 – Passeata na rua 14 de Julho – vista de frente ..................................................... 163
Foto 2 – Veículos parados na rua 14 de Julho................................................................... 165
Foto 3 – Aglomeração em frente à sede do jornal Correio do Estado.............................. 166
Foto 4 – Passeata na rua 14 de Julho – vista de costas...................................................... 168
SUMÁRIO
Lista de Fotografias......................................................................................................... 06
Introdução ..................................................................................................................... 08
Capítulo 1
A MÍDIA IMPRESSA NO SUL DE MATO GROSSO: AS PERFORMANCES ESTRUTURAIS
E SUAS INTER-RELAÇÕES POLÍTICAS......................................................................................... 23
1.1 – Os políticos: a repetição como uma estratégia de representação........................... 30
1.2 – O envolvimento entre políticos e a mídia: o poder enaltecido para legitimar a
representação...................................................................................................................
38
1.3 – Imprensa: o palco político de consensos e dissensos............................................. 45
1.4 – A ligação dos políticos com o jornal O Progresso, anteriormente à divisão do
estado de Mato Grosso....................................................................................................
51
Capítulo 2
O JORNALISMO LOCAL NO PERÍODO DE PRÉ-DIVISÃO DO ESTADO DE MATO
GROSSO - INTERCORRÊNCIAS FEDERAIS E AS RELAÇÕES COM O SUL DO MATO
GROSSO...................................................................................................................................................
58
2.1 – As percepções e as ações da imprensa em face das primeiras expectativas sobre
a divisão..........................................................................................................................
66
2.2 – O Correio do Estado e a incógnita sobre a criação do novo estado ...................... 75
2.3 – O discurso acirrado do jornal campo-grandense em defesa da divisão do estado
de Mato Grosso................................................................................................................
86
Capítulo 3
AS DISPUTAS ENTRE OS POLÍTICOS DE CAMPO GRANDE E DOURADOS
DIVULGADAS PELA IMPRENSA........................................................................................................ 97
3.1 – O grande incômodo, o nome sugerido para o novo estado..................................... 107
3.2 – O arrefecimento dos ânimos................................................................................... 118
3.3 – Os meandros da defesa do O Progresso a Garcia Neto e o interesse de
Dourados ser Capital.......................................................................................................
127
Capítulo 4
O PROGRESSO E O CORREIO DO ESTADO: AS RELAÇÕES POLÍTICAS E AS
REPRESENTAÇÕES ACERCA DA DIVISÃO DE MATO GROSSO E DA CRIAÇÃO DE
MATO GROSSO DO SUL........................................................................................................... ............
136
4.1 – As comemorações sobre a divisão do estado......................................................... 150
4.2 – A discursividade imagética e a criação de Mato Grosso do Sul............................. 162
Considerações Finais..................................................................................................... 174
Apêndice......................................................................................................................... 178
Anexos............................................................................................................................. 180
Bibliografias e fontes .................................................................................................... 184
8
INTRODUÇÃO
Com o advento das comemorações pelos 40 anos da criação do estado de Mato Grosso
do Sul, muitos ideais foram retomados acerca da formação dessa região, que abrangeram
aspectos pautados no desenvolvimento econômico e nas relações políticas, envolvidas no
contexto da divisão do estado de Mato Grosso, ocorrida em 1977, após a implantação do
Pacote de Abril. Nesse ano, os rumores divisionistas se acentuaram e foram repercutidos pela
mídia com maior frequência1. Em face das comemorações, pretensiosas em consolidar uma
história regionalista construída sobre esse passado e, das complexas alianças envolvidas na
questão, foi necessário um olhar crítico e investigativo sobre as lutas simbólicas entre os
grupos sociais dominantes, douradenses e campo-grandenses. Bem como, a análise acerca do
papel dos meios de comunicação locais, mais especificamente, dos jornais O Progresso e
Correio do Estado que trabalharam na tentativa de melhor representarem os interesses dos
políticos na conjuntura da divisão do estado de Mato Grosso. Tendo em conta que o estudo
desse conflito envolvendo as cidades de Campo Grande e Dourados foi pouco pesquisado na
historiografia regional.
A historiografia enfoca as disputas entre as cidades de Campo Grande e Cuiabá,
notadas e concebidas como representantes de interesses antagônicos entre sul e norte,
respectivamente. No entanto, as divergências ocorridas na região sul do antigo estado uno
foram pouco abordadas. Muito há que se pesquisar sobre os contornos do processo da divisão
de Mato Grosso, sobre os agentes envolvidos e sobre as consequências em termos políticos,
econômicos, culturais e sociais, pois existem várias perspectivas possíveis a serem
exploradas. Esses aspectos foram impulsionadores dessa pesquisa, que buscou um novo olhar
sobre regiões bastante próximas, as cidades de Campo Grande e Dourados, nos conflitos
relacionados ao divisionismo.
A operação historiográfica é a combinação de um lugar social, de práticas científicas e
de uma escrita resultante de escolhas, de recortes do tempo e da realidade, um ponto de vista
1 O número de notícias publicadas nos jornais locais, sobre a divisão do estado de Mato Grosso e a criação de
Mato Grosso do Sul, foi maior no ano de 1977 do que nos três anos anteriores. FERNANDES, Mário Luiz.
ANDRADE, Danusa Santana. O jornal Correio do Estado, de Campo Grande, no processo de divisão de Mato
Grosso do Sul.
9
pautado nas diversas teorias acatadas e, delimitado pelo “corpus” social de onde se fala2.
Mesmo que nenhuma teoria seja capaz de abarcar todos os aspectos do real, seu uso é de
extrema importância para uma construção desdobrada da escrita, para estabelecer a
verossimilhança do relato, a validade do saber, a credibilidade3.
A renovação temática dos estudos da história tomou força a partir do ano de 1980,
quando as práticas culturais, os códigos cognitivos, as simbologias e suas interpretações
passaram a fazer parte do interesse do historiador e, acreditou-se “que a esfera social cultural
pode operar sobre o econômico-social e recriá-lo, modificá-lo” e que “as ações da vida social
são simbolicamente mediadas” 4.
A abordagem historiográfica dada à política se modernizou e passou a evidenciar a
dinâmica das relações envolvidas nos fenômenos de conquista, do exercício e da manutenção
de poder, das reciprocidades e das incompatibilidades, dos acordos e das disputas, envolvidos
na cultura política5. Assim, “o que era antes considerado imutável é agora encarado como
uma ‘construção cultural’ sujeita a variações, tanto no tempo quanto no espaço”6. O
“relativismo cultural” proporcionou a investigação de fatos históricos relacionados a recortes
de espaços regionais, já que “a ideia de que a realidade é social ou culturalmente construída
[...] destrói a distinção entre o que é central e o que é periférico na história” 7.
O estudo ora apresentado versa sobre as representações acerca da divisão de Mato
Grosso e a criação de Mato Grosso do Sul, no ano de 1977, por meio da Lei Complementar nº
31 de 11 de outubro e, seus contornos econômicos, políticos e sociais, tendo por base de
análise as mídias impressas O Progresso e o Correio do Estado. Foi avaliado ainda o
conteúdo textual e imagético dos periódicos em questão. O critério da escolha dos jornais foi
motivado pela localização da sede de cada um, pois os dois municípios eram os mais
2 CERTEAU, Michel de. A escrita da história, p. 66.
3 Ibidem.
4CARDOSO, Ciro Flamarion. Problemas específicos da epistemologia das ciências sociais e humanas. In:
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.) Novos domínios da história, p. 16.
5 Ibidem.
6 BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas, p. 10.
7 Ibidem, p. 12.
10
populosos naquele período8. Do mesmo modo, a data de fundação, ocorrida antes do estado
ser dividido e a atuação dessas mídias permanecerem até os dias atuais foram importantes
para a escolha, e ainda, o histórico de relação política de ambos no período em que a imprensa
diária em Mato Grosso representava as ideologias de partidos políticos que financiavam os
veículos de publicação jornalística impressa9.
Ao elencar esses periódicos como fonte histórica foi impreterível analisar suas
tendências em propagar os discursos políticos, manipular signos, produzir sentidos e formar
uma opinião pública10
. Para tanto, se constituiu fundamentalmente “praticar a crítica das
fontes, perguntar por que um dado texto ou imagem veio a existir, e se, por exemplo, seu
propósito era convencer o público a realizar alguma ação” e, averiguar as suas
funcionalidades no contexto social, cultural, econômico e político11
.
Enfocar a relação entre políticos e imprensa possibilitou esmiuçar as estratégias de
produção de poder simbólico e das representações que pretenderam construir um imaginário
político-social positivo sobre a criação do novo estado e da identidade sul- mato-grossense,
[...] no mundo político, de maneira geral, [...] o discurso aí manifestado está
intimamente ligado ao poder e, por conseguinte, à manipulação [...] as
mídias são utilizadas pelos políticos como um meio de manipulação da
opinião pública12
.
Observou-se que os jornais privilegiaram os aspectos políticos locais, quando trataram
do assunto do divisionismo por meio do espaço disponibilizado nas suas páginas, bem como
ao reproduzirem as falas e ações de alguns agentes públicos específicos. A discursividade
tendenciosa desses periódicos demonstrou que existiu interesse, por vezes explícito, na
8 EMBRATER - Coordenadoria Regional II. Mato Grosso do Sul – subsídios para o diagnóstico do estado,
Campo Grande, dez. 1977.
9 SCHWENGBER, Isabela de Fátima. Representações do MST na Imprensa de Mato Grosso do Sul (1995 a
2000).
10
A opinião pública não é a soma das opiniões individuais, mas sim, “um artefato puro e simples cuja função é
dissimular que o estado da opinião em um dado momento do tempo é um sistema de forças, de tensões”, e tem
por função primeira “legitimar uma política e reforçar as relações de força que a fundamentam ou a tornam
possível”, pois trata-se de uma “problemática que interessa essencialmente às pessoas que detêm o poder e
querem ser informadas sobre os meios de organizar sua ação política”. BOURDIEU, Pierre. A opinião pública
não existe, p. 3 e 8.
11
BURKE, Peter. O que é história cultural? p. 33.
12
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias, p. 17.
11
exposição das estratégias políticas, com fins de formar uma opinião pública que considerasse
válido o direcionamento e a maneira de se ver e entender a divisão do estado de Mato Grosso.
Privilegiou-se também a análise das comemorações, uma vez que esses eventos
durante o processo divisionista realçaram as temporalidades, demarcaram períodos históricos
e provocaram a reconstituição de lembranças e, consequentemente, atribuições de sentido à
identidade, uma vez que “criar arquivos, organizar celebrações, manter aniversários,
pronunciar elogios fúnebres, notariar atas” consistem em operações que “não são naturais” 13
.
E por fim, examinaram-se as fotografias publicadas nos jornais, principalmente as que
retrataram as comemorações relacionadas à divisão em 1977, para debater a relação destes
episódios na construção da memória e da história de Mato Grosso do Sul. Foi possível
identificar duas realidades, a primeira relacionada à iconologia, trata-se da imagem
propriamente dita e toda a simbologia existente naquilo que se vê. Já a segunda diz respeito à
realidade exterior, ligada à iconografia, ou seja, toda relação contextual para a produção
daquela imagem14
.
Foi imprescindível observar alguns pressupostos, primeiramente compreender que o
documento fotográfico é uma representação alicerçada no real e não uma cópia fiel da
realidade. Tal representação é construída dentro de um processo, com elementos constitutivos
que são escolhas do fotógrafo e de tudo aquilo que ele acredita e usa, em termos de estética,
técnica, ideologia e cultura15
.
Também, ponderou-se a fotografia como um objeto de investigação ao qual se
constroem realidades, vinculado a ele um processo de interpretação que depende de
conhecimentos multidisciplinares. Quanto mais amplo o repertório cultural, mais plural pode
ser a interpretação.
Na análise das fotografias, verificou-se a construção e a desmontagem do signo
fotográfico ponderando a estética, a memória e as ideologias intrínsecas tanto na produção,
quanto na recepção da imagem fotográfica e suas tramas e realidades indissociáveis da
dualidade ontológica de conteúdo, isto é, a foto em si e a imagem retratada nela, sem
13
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares, p. 19.
14
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na trama fotográfica, p. 38.
15
KOSSOY, Boris. Fotografia e História, p. 80 e 114.
12
desconsiderar os mecanismos internos usados por quem produziu as imagens, pois “através da
fotografia dialogamos com o passado, somos interlocutores das memórias silenciadas que elas
mantêm em suspensão”16
.
Alguns historiadores se debruçaram até então sobre os estudos que envolvem a divisão
do estado de Mato Grosso e a criação de Mato Grosso do Sul: Alisolete Antônia dos Santos
Weingartner, Marisa Bittar, Paulo Roberto Cimó Queiróz e Carlos Magno Mieres Amarilha.
Igualmente, na área da comunicação, Danusa Santana Andrade e, Delaine Márcia Martinelli,
nos estudos de linguagens.
A professora Alisolete Antônia dos Santos Weingartner em seu livro, Movimento
divisionista no Mato Grosso do Sul, abordou a relação das oligarquias políticas com a divisão
do estado de Mato Grosso, estudou o movimento pró-divisão em sua história não linear
concluindo que, “o desenvolvimento das vilas e das cidades e a presença dos militares na
região fizeram com que os divisionistas se juntassem aos militares como forma de obter a
divisão do Estado”17
.
Marisa Bittar, em sua tese de doutorado intitulada, Mato Grosso do Sul, a construção
de um estado, publicada em 2009 pela editora UFMS e em outros artigos, enfatizou como a
oligarquia agrária da porção sul do então Mato Grosso propôs criar para si um estado. Seu
recorte temporal compreendeu o ano de 1932 e finalizou-se no ano de 2007. A autora
ressaltou o regionalismo e a configuração geográfica, como fatores intrínsecos no
divisionismo, em razão das distâncias e das dificuldades de comunicação entre o norte e o sul
de Mato Grosso e utilizou o jornal Correio do Estado, do qual extraiu algumas notícias com
as quais justificou suas afirmações.
O professor Paulo Roberto Cimó Queiroz18
tratou em seus escritos sobre as tensões
políticas, as disputas econômicas, identitárias e de poder entre as regiões norte e sul do antigo
estado de Mato Grosso. E problematizou a interpretação de Bittar em relação aos seus
determinismos e dimensões simbólicas. Constatou que com a ascensão dos políticos do sul a
contar de 1945 ao centro do poder concentrado em Cuiabá, as disputas tomaram outra direção.
16
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo, p. 20.
17
WEINGARTNER, Alisolete Antônia dos Santos. Movimento divisionista no Mato Grosso do Sul, p. 80.
18
QUEIRÓZ, Paulo Roberto Cimó. Mato Grosso/Mato Grosso do Sul: Divisionismo e identidades (Um breve
ensaio).
13
O viés partidário eleitoral amenizou os conflitos e as diferenças que opunham a população
“nortista” à população “sulista”, ao ponto de marginalizar o intento da divisão.
Por sua vez, Amarilha19
, entre suas referências teóricas utilizou os ensaios de Marisa
Bittar e Paulo Roberto Cimó Queiróz. Estudou em seu mestrado os intelectuais e o poder na
história do divisionismo e na formação de identidade sul-mato-grossense. Concluiu de acordo
com Bittar e Cimó que existiu somente uma decisão autoritária e ditatorial de Geisel em
dividir o estado, respaldado apenas em interesses políticos de manter-se no poder, no qual não
importou se havia ou não uma vontade popular envolvida no processo.
Já, Danusa Santana Andrade20
, em sua dissertação investigou como os jornais Correio
do Estado de Campo Grande e O Estado de Mato Grosso de Cuiabá cobriram a criação do
estado de Mato Grosso do Sul. Sua análise priorizou o conteúdo das manchetes de capa e
respectivas reportagens no período de, 1 de janeiro a 12 de outubro de 1977. O estudo
também respondeu como os jornais defenderam as suas regiões acerca do divisionismo.
Delaine Márcia Martinelli21
observou a manutenção discursiva do querer do sujeito,
das figuras, da paixão pela divisão, além das manipulações presentes na enunciação, em
textos temáticos que abordam a criação do estado de Mato Grosso do Sul, com vistas a traçar
a identidade do sul-mato-grossense. Utilizou de aporte teórico-metodológico a semiótica de
linha francesa de Greimas. E, apontou dados da gênese de Mato Grosso do Sul e as
características identitárias do sul-mato-grossense, também considerando a oposição entre
“Norte” e “Sul”.
Em relação às categorias conceituais, utilizadas neste estudo, optou-se entre outras por
poder simbólico, que é “um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma
ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social)”22
.
Sobre representação, o trabalho apresenta a abordagem de Roger Chartier que destacou os três
19
AMARILHA, Carlos Magno Mieres. Os intelectuais e o poder: História, Divisionismo e Identidade em Mato
Grosso do Sul.
20
ANDRADE, Danusa Santana. A cobertura dos jornais Correio do Estado, de Campo Grande, e o Estado de
Mato Grosso, de Cuiabá, na criação de Mato Grosso do Sul: uma análise de conteúdo.
21
MARTINELLI, Delaine Márcia. A gênese do estado de Mato Grosso do Sul: matizes de uma identidade -
análise semiótica do Manifesto/Requerimento da Liga Sul-mato-grossense de 1934 e de textos jornalísticos
veiculados em 1977.
22
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico, p. 9, (Grifo do autor).
14
registros de realidade23
e entendeu que representar significa construir identidades sociais,
impor relações simbólicas de força e dominar simbolicamente, abrangendo nesse processo
sujeitos dominados que aceitam ou rejeitam as identidades impostas que visam a assegurar e
perpetuar seu assujeitamento.
Quanto à identidade, utilizou-se a noção de pertencimento do indivíduo que por ser
subjetivado reflete-o em suas ações, nos sonhos, na maneira de compreender e viver o
mundo24
. E também, como essa mesma identidade é fluida, está em constante mudança, não
sendo fixa nem estável, porquanto os indivíduos a negociam a todo o momento de acordo com
as diferentes situações25
.
Sobre região, elencou-se a visão de Albuquerque Junior que a concebeu como um
conjunto de construções mediadas por lutas simbólicas entre os sujeitos de um dado espaço,
que configuram atos, práticas e objetivos26
. Ou seja, construções textuais e imagéticas que
objetivam a região e criam fronteiras, por mais infundadas e perversas que elas sejam e,
instituem divisões. Uma série de elementos que estabelecem a subjetivação individual ou
coletiva, que permeiam e induzem a emoções, sentimentos, sentidos, conduzidos pelo poder-
saber daqueles que em lugar de destaque a cria e ditam as regras27
. O regionalismo ao inventar
as regiões forja subjetividades, fabrica a região e produz as diferenças, trazendo-a a existência
como uma região conhecida e reconhecida28
.
Este estudo contempla a nova história política. Nova por estar dentro da perspectiva da
“história problema”. Segundo Burke, “a expansão do universo histórico também tem tido
repercussões sobre a história política, pois também os acontecimentos podem ser explicados
de várias maneiras” e, abarcar um pouco mais da complexidade humana e suas atividades de
maneira a examinar muito mais variáveis, fundamentos e distinções nas relações políticas29
.
23
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude, p. 11, 165.
24
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes.
25
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
26
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.
27
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes.
28
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas reflexões em torno do conceito de
região.
29
BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas, p. 32.
15
Uma história política envolve definir os contornos do que se chama
‘política’, envolve identificar formas culturais, midiáticas, linguísticas,
ideológicas e representacionais sob as quais os agentes significam suas
existências, envolve ainda as inúmeras interações sociais nas quais estão
imersos os seres históricos (economia, famílias, instituições etc,). Todavia,
nenhum desses traços pode ser isolado de forma estanque em si mesmo,
como se nada devesse ao conjunto social no qual se afirma, adquirindo e
produzindo sentido30
.
O conceito e a visão sobre a política, de acordo com a propositura da História Cultural,
são de que “a história política tendeu a abandonar as ingenuidades do narrativismo tradicional
em favor de posições mais de acordo com a moderna ciência política”31
, em um contraponto à
maneira de fazer história da escola metódica, que valorava os grandes feitos e os heróis.
Fala-se mesmo em uma História Cultural do Político, mobilizada pelos
estudos que se centram em torno do imaginário do poder, sobre a
performance de atores, sobre a eficácia simbólica de ritos e imagens
produzidas segundo fins e usos do político, sobre os fenômenos que
presidem a repartição da autoridade e de poder entre grupos e indivíduos,
sobre mitos e crenças que levam os homens a acreditar em alguém ou algo,
pautando a ação e a percepção da realidade sobre os mecanismos pelos quais
se constroem identidades dotadas do poder simbólico de coesão social32
.
As relações de disputas entre políticos das duas cidades, Campo Grande e Dourados,
quando da formação do novo estado puderam ser pesquisadas e valoradas dentro dos estudos
regionais, “uma reação contra a globalização, enfatizando os valores das culturas regionais e
dos conhecimentos locais”33
ao modo de ver o regional e de examinar as representações
midiáticas locais nos meandros do divisionismo.
Foi necessário compreender a categoria de discurso, que de acordo com Patrick
Charaudeau não está restrito somente à linguística, por mais que seja a língua a responsável
pelo discurso.
30
MENDONÇA, Sonia Regina de; FONTES, Virgínia. História e teoria política. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Novos domínios da história, p. 60-61, (Grifo do autor).
31
CARDOSO, Ciro Flamarion, Uma nova história política? In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,
Ronaldo (Org.). Novos domínios da história, p. 45.
32
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias, p. 75.
33
BURKE, Peter. O que é história cultural? p. 61.
16
[...] e que este, num efeito de retorno, a modifique [...] o discurso está
voltado para outra coisa além das regras de uso da língua. Resulta da
combinação das circunstâncias em que se fala ou escreve (a identidade
daquele que fala e daquele a quem este se dirige, a relação de
intencionalidade que os liga e as condições físicas da troca) com a maneira
pela qual se fala34
.
A teia de condições está além da língua e das operações internas ao discurso que
possibilitam a construção de sentido. Portanto, para chegar-se ao sentido do discurso é
necessário estabelecer uma ligação entre os dois parâmetros, o fora e o dentro.
Acerca das informações emitidas pela mídia, foi preciso “se interrogar sobre a
mecânica de construção do sentido, sobre a natureza do saber que é transmitido e sobre o
efeito de verdade que pode produzir no receptor”35
. A fala é insuficiente, o relato sobre algo é
inócuo, porquanto o entendimento de quem ouve sobre quem fala é indispensável, há de ter
uma simetria na linguagem e o que é narrado tem que dizer respeito ao cotidiano das pessoas,
tem que tocá-las de uma maneira ou outra.
Todo discurso depende, para a construção de seu interesse social, das
condições específicas da situação de troca na qual ele surge. A situação de
comunicação constitui assim o quadro de referência ao qual se reportam os
indivíduos, de uma comunidade social quando enunciam uma comunicação
[...] A situação de comunicação é como um palco com suas restrições de
espaço, de tempo, de relações, de palavras, no qual se encenam as trocas
sociais e aquilo que constitui o seu valor simbólico 36
.
Quem fala tem que possuir um saber que o distinga dos demais ou que lhe dê
credibilidade junto a esses, ter voz autorizada em um contexto que legitima ou não essa fala, o
que auxilia a criar significado, desenvolver um sentido e possivelmente gerar uma nova
realidade. A linguagem é composta de signos compartilhados que podem ser imagens, formas,
gestos ou a língua propriamente dita.
A imprensa autorepresenta-se como verdadeira, imparcial, uma falsa ideia de
neutralidade, pois todo discurso é portador de ideologias. Os meios de comunicação devem
ser compreendidos como difusores ideológicos a serviço dos interesses do grupo ao qual
pertencem e que trabalham uma agenda de discussões.
34
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias, p. 40.
35
Ibidem.
36
Ibidem, p. 67.
17
E, ao estudar-se a história política narrada por meio da mídia, tendo os jornais como
interlocutores desta historicidade, verificou-se que os políticos locais necessitaram da mídia
para serem vistos socialmente. Fizeram uso indiscriminado dos meios de comunicação para
gerenciar o espaço público, para divulgar suas práticas, para propagar seus discursos, realizar
trocas sociais, construir representações, manipular signos, produzir sentidos e interferir
diretamente na vida social37
, no contexto da criação do estado de Mato Grosso do Sul, em
1977.
A relação política entre mandantes e mandatários perpassa construções que
ultrapassam a democracia representativa e o poder de fato dos políticos. O poder simbólico
produz um efeito de verdade na fala do político, principalmente quando este desenvolve seu
discurso utilizando como meio, um instrumento, a mídia. Esta, por sua vez, pode incutir nas
pessoas novas formas de se verem, de verem aos outros e aos próprios administradores
públicos, sendo que, “a eficácia simbólica das palavras só se exerce na medida em que aquele
que a experimenta reconhece aquele que a exerce como no direito de exercê-la”38
.
Por mais que a imparcialidade e a objetividade sejam discursos preconizados pelo
jornalismo, o que aparece nas notícias jornalísticas é uma concepção própria de sociedade que
atende à linha editorial do jornal, aos critérios de noticiabilidade e aos vínculos políticos e
institucionais dos proprietários. Conforme Mario Herbolato, a imprensa influência o público
consumidor das matérias, ao provocar a imaginação do leitor sobre as ações e planos dos
demais membros da sociedade e, de certa forma, tentam apreendê-las ao seu cotidiano39
.
Jorge Pedro de Sousa argumenta que as implicações jornalísticas se manifestam de
maneiras diversas, podendo alcançar resultados em indivíduos ou coletivos, associados ao
contexto, acumulados ao longo do tempo (em virtude da repetição da exposição à mensagem),
entre outros elementos. No receptor, a diversidade dos efeitos pode alcançar o nível pessoal,
ideológico, cultural ou retroalimentador. Estes efeitos são influenciados por fatores políticos,
econômicos e sociais, assim como todo trabalho jornalístico: da coleta de informações, do
enfoque e enquadramento da notícia, da escolha das fontes, da linguagem utilizada na
37
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias.
38
Ibidem, p. 65.
39
HERBOLATO, Mario. Deontologia da Comunicação Social.
18
redação, da política editorial das empresas, da produção, dos filtros e padrões do veículo, da
distribuição e área de cobertura40
.
Michael Kunczik analisa a relação entre o jornalismo e a sociedade, sob a perspectiva
das manipulações, da influência do poder político, da produção da notícia ao relativizar as
etapas do fazer jornalístico e os fatos publicados, refletindo sobre suas técnicas e conteúdos
inseridos dentro de aspectos econômicos, políticos e outras particularidades em voga no
desenvolvimento das sociedades. O autor, em sua releitura da bibliografia sociológica,
enfatiza os meios de comunicação como instrumentos para promoção de opiniões e
disseminação de discursos que exercem controle social, consolidam ou desequilibram as
instituições, agitam as massas, alienam, entre outras finalidades ditadas pelo poder
hegemônico41
.
Usou-se das fotografias para ampliar o campo de atuação e aprofundar os estudos
sobre representações, simbologias e sentidos. Panofsky cita referenciais importantes para a
análise das relações entre imagem e texto, principalmente em mídias impressas, nas quais o
uso da fotografia pode ser direcionado a sustentação de interesses e ideologias, com foco para
a manipulação das informações e, inculcar, por vezes, certas imagens estigmatizadas
culturalmente no imaginário coletivo consolidando mitos como se fossem verdades42
.
No contexto jornalístico foi possível pensar a relação entre referente (o objeto real ou
imaginário ao qual o signo faz alusão) e imagem, no campo da representação, saindo do
aspecto da verdade, passando pela construção cultural de uma sociedade e chegando aos
sentidos produzidos por ela43
.
As fotografias também foram concebidas como instrumento de interpretação e
expressão aos moldes das camadas sociais dominantes, no concernente a desejos,
40
SOUSA, Jorge Pedro. Teorias da notícia e do jornalismo.
41
KUNCZIK, Michael. Conceitos de Jornalismo.
42
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo, p. 113-114.
43
LIMA, Solange Ferraz de; CARVALHO, Vânia Carneiro de. Fotografia – usos sociais e Historiográficos. In:
PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de (Org). O Historiador e suas fontes, p. 46.
19
necessidades e manifestações dessas elites na vida social, o que pode provocar adesões e
legitimidade à maneira de pensar e de se comportar dessas pessoas, pelas demais44
.
Verificaram-se os textos e as legendas que acompanharam as fotografias, que muitas
vezes anteciparam a oportunidade de interpretação dando versões, às vezes, as mais variadas
para uma mesma imagem, “a objectividade da imagem é apenas uma ilusão, e as legendas que
a comentam podem alterar totalmente a sua significação” 45
. Nesse aspecto instrumental da
fotografia, ao que e a quem ela pôde servir, coube estar atento às intenções e interesses
daqueles que a utilizaram e, como acompanharam as notícias que tiveram por expectativa
enfatizar um discurso.
A fotografia foi interpretada como resultado de práticas sociais de produção de
sentido, pautado sobre códigos aceitos culturalmente. Uma mensagem que se construiu
historicamente, cujas unidades constituintes foram culturais, mas assumiram funções sígnicas
diferenciadas de acordo, tanto com o contexto no qual a mensagem foi veiculada, quanto com
o local que ocupou no interior da própria mensagem46
. Kossoy alerta para as “verdades” e
“realidades” criadas diariamente com as publicidades. As facetas de uso são múltiplas, mas
com resultados, muitas vezes, comuns47
. Foram ainda, feitas críticas internas e externas acerca
das incorporações das funções sígnicas, em razão de ser uma escolha entre outras possíveis, e
analisados a expressão e o conteúdo48
.
Verificou-se nos jornais pesquisados que o discurso midiático estabeleceu dissensos,
emitiu provocações e tentou a hegemonia, por meio das matérias publicadas. Portanto, as
fontes, assim como o objeto, ao serem selecionados partiram de uma escolha que, todavia, foi
restrito por um limite, ou seja, foi necessário embasá-las teoricamente e estipular um método
para a análise de maneira a:
[...] entender a Imprensa como linguagem constitutiva do social, que detém
uma historicidade e peculiaridades próprias, e requer ser trabalhada e
44
FREUND, Gisèle. Fotografia e Sociedade, p. 20.
45
Ibidem, p. 154.
46
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e História Interfaces, p. 1-7.
47
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na trama fotográfica, p. 20.
48
Mauad desenvolveu duas fichas para facilitar a análise, uma de conteúdo, outra de expressão, bem como, uma
realocação dos achados em categorias espaciais para melhor estruturação. O método completo de análise pode
ser encontrado em MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história interfaces, p. 73-98.
20
compreendida como tal, desvendando, a cada momento, as relações
imprensa/sociedade, e os movimentos de constituição e instituição do social
que esta relação propõe [...] importante problematizar superar pela análise a
ideologia da objetividade e da neutralidade da imprensa [...] não adianta
simplesmente apontar que a imprensa e as mídias ‘têm uma opinião’, mas
que em sua atuação delimitam espaços, marcam temas, mobilizam opiniões,
constituem adesões e consensos49
.
A mídia, enquanto fonte histórica exigiu um olhar crítico, visto que a imprensa não
atuou pura e simplesmente como mera intermediadora dos fatos, embora assim se
apresentasse. Ao contrário, tendeu a manipular o imaginário político-social de seus leitores
por meio de discursos textuais e fotográficos50
.
Os periódicos foram ponderados como difusores de ideologias a serviço dos interesses
do grupo ao qual pertenciam, porque sempre houve uma instituição mantenedora, uma
editora, um grupo de editores, uma comunidade de leitores e anunciantes, entre outros
aspectos que precisaram ser devidamente considerados por meio de um estudo profundo dos
próprios impressos e das demais fontes capazes de revelar as intenções e a organização
editorial dos periódicos selecionados. A proposta, portanto, estudou elementos internos, textos
e fotografias e, externos que estão nos bastidores dos jornais.
Acerca dos componentes textuais e das imagens vinculadas ao divisionismo e às
comemorações, a pesquisa investigou todas as páginas de O Progresso e do Correio do
Estado que abordaram algum dos temas elencados. Para filtragem recorreu-se ao acervo
digitalizado do Centro de Documentação Regional da UFGD em Dourados e à sede do jornal
Correio do Estado em Campo Grande.
Após coleta de notícias veiculadas nos dois jornais da época, o passo seguinte foi
detectar nos textos jornalísticos os discursos relacionados à divisão por meio de referencial
bibliográfico já mencionado, proporcionando uma problematização que fortaleceu os
elementos da pesquisa no cruzamento de dados obtidos.
Utilizando o suporte midiático e o registro documental dos jornais, além de outros
tipos de coberturas jornalísticas, as mensagens transmitidas registraram na memória do
49
CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador: Conversas sobre
História e Imprensa, p. 258, (Grifo do autor).
50
NEVES, Lucas Vieira Baeta. História e Imagem: A sociedade escrita com a luz (Rio de Janeiro 1840-1889).
21
público os acontecimentos, sendo a participação da mídia determinante para a produção da
materialidade do acontecimento histórico e o conhecimento mais amplo pela sociedade.
Seguindo a trajetória teórica apresentada até aqui, apresentaram-se os resultados da
pesquisa em quatro capítulos. O primeiro desvelará os vínculos partidários e políticos dos
jornais O Progresso e Correio do Estado, desde a fundação de cada um, e como essas
relações influenciaram nos posicionamentos adotados pelos periódicos, no sentido de
homogeneizar as práticas e os pensamentos sociais com os interesses dos grupos dominantes.
E ainda, o quanto a exaltação e a propagação dos nomes e das ações dos políticos locais e
federais por essas imprensas foram uma estratégia de representação e legitimação desses
indivíduos perante a sociedade. Demonstrará também, as disputas e as rivalidades políticas
existentes entre as elites51
de Campo Grande e de Dourados no ano de 1977, ultrapassando e
não obedecendo ao princípio da singularidade bipartidária praticada naquele período.
O segundo capítulo mostrará a ligação entre as medidas tomadas pelo governo federal,
em abril de 1977, e a futura divisão do estado de Mato Grosso. Explicará a relação entre o
regime militar, os políticos e a mídia. Revelará a postura adotada pelos jornais locais, em face
das primeiras notícias acerca da divisão do estado, em março e abril daquele ano, e como se
posicionaram perante as incógnitas que envolveram a criação do novo estado. Bem como, os
acordos realizados entre as elites campo-grandenses que apoiavam a divisão, amplamente
divulgados pelo Correio do Estado.
O terceiro capítulo abordará os conflitos e as tensões entre os políticos de Dourados e
de Campo Grande, após o anúncio presidencial de optar pela divisão de Mato Grosso e de
estabelecer para o novo estado o nome de Campo Grande e, quais circunstâncias
possibilitaram que aquela conjuntura fosse amenizada. Ainda, evidenciará o alinhamento
discursivo do O Progresso com os interesses do governador Garcia Neto, amparado pela
expectativa de Dourados ser indicada para a capital da futura unidade federativa.
O quarto capítulo demonstrará as defesas políticas realizadas por cada periódico
envolvendo as disputas políticas entre douradenses e campo-grandenses, na tentativa de
51
Um grupo de pessoas constituído pelos proprietários dos jornais, alguns políticos locais, empresários, grandes
proprietários de terra e outros colaboradores dos periódicos, que se aliaram em defesa a divisão do estado de
Mato Grosso e criação de Mato Grosso do Sul e divergiram entre si, e que correspondeu a concepção de elites
definida por PERISSINOTTO, Renato e MASSIMO Lucas. Apresentação do dossiê "elites em diferentes
escalas: teoria e metodologia no estudo dos grupos dirigentes" e SAES, Décio. Uma contribuição à crítica da
Teoria das Elites.
22
emplacarem um nome para ocupar o cargo de governador no futuro estado. Estudará também,
como foi orquestrado o evento comemorativo em Campo Grande relacionado à concretização
da divisão de Mato Grosso e criação de Mato Grosso do Sul. Por fim, serão analisadas
imagens sobre essas comemorações e como elas foram utilizadas pelo jornal Correio do
Estado.
23
I – A MÍDIA IMPRESSA NO SUL DE MATO GROSSO:
AS PERFORMANCES ESTRUTURAIS E SUAS INTER-RELAÇÕES POLÍTICAS.
A gênese dos jornais Correio do Estado e O Progresso é carregada de similaridades.
Os dois foram criados nos anos 1950 e tem na figura de seus fundadores e diretores vínculos
políticos e partidários. A transformação ocorrida na imprensa nacional nas décadas de 40 e
50, transição do jornalismo político-literário para o empresarial52
, não foi uma realidade
vivenciada por esses periódicos regionais.
A primeira edição do O Progresso foi lançada no dia 21 de abril de 1951, por
iniciativa de Weimar Gonçalves Torres53
, na cidade de Dourados onde atualmente está
sediado, em uma conjuntura de transformações econômicas, sociais e culturais na região, por
causa da expansão da Colônia Agrícola Nacional de Dourados. Do final dos anos 1940 aos
anos 1960 o município teve o número de habitantes passando aproximadamente de 15 mil
para 85 mil moradores do campo e da área urbana54
.
Oitenta dias antes da primeira edição ser publicada, Weimar Gonçalves Torres tomava
posse na Câmara Municipal de Dourados como vereador, eleito em outubro de 1950 pelo PSD
- Partido Social Democrático. O jornal seguia uma tendência de enfatizar a defesa desse
partido político.
Pela mesma sigla ele obteve a reeleição a vereador em 1954. Ficou como suplente de
deputado estadual em 1958, assumindo o mandato durante três meses, mas em 1962 obteve a
vaga para a Assembleia Legislativa. Com a extinção dos partidos políticos em 1965 e a
instituição do bipartidarismo, Weimar filiou-se à Arena - Aliança Renovadora Nacional. No
ano seguinte foi eleito deputado federal. Morreu em 1969, após um acidente de avião quando
ainda era deputado federal.
O Correio do Estado, por sua vez, foi criado em Campo Grande no dia 7 de fevereiro
de 1954, por um grupo de políticos da região sul de Mato Grosso ligado à UDN - União
Democrática Nacional. Concebeu, portanto, uma grande força política ao partido que tinha
52
Tratou-se da “mudança marcada pela intenção de produzir o jornalismo neutro, objetivo e distante dos partidos
e grupos políticos”, para maiores informações ler: SOTANA, Edvaldo Correa. A paz sob suspeita –
representações jornalísticas sobre a manutenção da paz mundial, 1945-1953.
53
SCHWENGBER, Isabela de Fátima. Representações do MST na Imprensa de Mato Grosso do Sul (1995 a
2000).
54
Fonte: IBGE – Agência Dourados (MS).
24
muitos partidários em Campo Grande. Por essas razões, apresentava abertamente suas
finalidades políticas, produto do esforço e das contribuições espontâneas dos agentes e dos
militantes daquele partido55
. Entre eles estavam o governador Fernando Correa da Costa; o
deputado estadual José Fragelli (que ocupou o cargo de diretor-presidente do jornal) e José
Inácio da Costa Moraes (financiador do projeto). Também foram mentores do Correio do
Estado o senador e ex-prefeito de Campo Grande Vespasiano Martins, Wilson Barbosa
Martins e Laucídio Coelho, todos eles referências nos setores político, jurídico ou econômico
da região sul de Mato Grosso56
.
Três anos após a fundação do Correio do Estado algumas mudanças ocorrem na chefia
do jornal. José Barbosa Rodrigues, que começou como zelador no Jornal do Comércio e
tempos depois passou a ser redator, assumiu a editoria-chefe do jornal antes comandado por
um grupo. Ao ganhar maior importância nas decisões da direção e capital financeiro,
Rodrigues comprou a parte de Costa Moraes e se tornou dono do Correio do Estado.
Na análise do jornal Correio do Estado, verificou-se que seu título estava relacionado
ao alcance simbólico desta imprensa periódica no estado de Mato Grosso, e não à cobertura
meramente geográfica, seria uma perspectiva de abarcar com seus discursos dimensões
atuantes na esfera da construção de sentidos, de práticas sociais e efeitos de verdade, para
garantir maior amplitude de sua representação.
A equipe jornalística em 1977, época da divisão do Mato Grosso, contava com o
diretor José Barbosa Rodrigues e o gerente José Maria Hugo Rodrigues. Os redatores eram
Júlio da Silva, Antônio João Hugo Rodrigues e Marcos Antônio Hugo Rodrigues. O conjunto
editorial escolhera o título, o conteúdo e os colaboradores, propusera as atividades a serem
desenvolvidas e a qual fim atenderiam e revelara os interesses financeiros a que se submetera.
Nenhuma notícia era assinada, já que os jornais recorriam às agências de notícias.
Os relatos de fatos nacionais ou internacionais publicados na imprensa
geralmente são provenientes de agências de notícias, que são empresas
produtoras e distribuidoras de notícias a um conjunto de veículos de
informação, mediante pagamento. A nenhum jornal seria possível manter
55
Ibidem.
56
SCHWENGBER, Isabela de Fátima. Representações do MST na Imprensa de Mato Grosso do Sul (1995 a
2000), p. 72.
25
correspondentes ou enviados especiais em todas as cidades do mundo,
portanto a solução é recorrer às agências57
.
O periódico enumerou seus “representantes” em alguns estados: São Paulo – RIAE,
Rio de Janeiro – RIAE, Porto Alegre – PROPAL e Salvador – SITRAL. Não houve no jornal
a definição das siglas, mas tratava-se de agências de notícias daquelas regiões.
Publicava de 10 a 12 páginas diariamente, nas quais eram distribuídas informações
variadas que iam de política a horóscopo, anúncios e propagandas. A capa geralmente
elencava os assuntos de maior importância, que eram desenvolvidos nas duas páginas
seguintes. A página quatro trazia atos do governo e orações. Na quinta página havia fatos
variados e propagandas, e a sexta era reservada para o horóscopo, notas sociais, anúncios
publicitários, algumas reportagens e guia de informativo profissional. A sétima página
continha destaques do governo.
Até março de 1977, o jornal finalizava na oitava página com anúncios populares,
editais e dados sobre cooperativas. Depois daquele mês, foram inclusas mais quatro páginas; a
nona para publicidade, a décima era um suplemento literário seguida por outra com anúncios
populares e finalizava na décima segunda com assuntos esportivos, priorizando o futebol.
Todo o periódico era confeccionado por apenas três redatores, ou seja, deveriam exercer
variadas atividades e estavam sobrecarregados com os trabalhos.
Para as notícias de cidades próximas o jornal contratou, segundo Schwengber 58
, um
correspondente em Dourados no ano de 1976, onde posteriormente instalou uma sucursal.
Como fontes para as matérias jornalísticas utilizavam também o convênio com a oficial
Agência de Notícia de Brasília, do governo federal, e a AE - Agência Estado vinculada ao
jornal Estado de São Paulo. A proposta da parceria com estas agências era veicular notícias
que não fossem regionais, principalmente as relacionadas ao governo federal.
Com relação ao uso de fotografias, havia uma exposição de muitas imagens,
principalmente na capa. A construção do imaginário social por meio da repetição imagética
ficou evidente na estruturação do jornal, geralmente as figuras eram grandes, com amplo
57
Ibidem.
58
Ibidem.
26
campo de visão, indicavam movimento e tomavam praticamente toda extensão da página59
deixando pouco espaço para textos, pequenas legendas de identificação introduziam uma
informação que seria explorada em outra folha, que apesar de desenvolver mais a narrativa,
também contava com as fotos60
em plano mais fechado e por vezes ao estilo retrato, todas em
branco e preto, pois o jornal na época não era colorido.
No jornal O Progresso o título remetia ao interesse principal de fomentar, evocar e
cultivar o avanço que considerava necessário para a região de Dourados, “transformando-se
em agente importante na caminhada a um futuro radiante”61
, especialmente na época pós
Colônia Agrícola de Dourados, instalada efetivamente em 1948. A primeira edição tratava de
enaltecer “o esplendor e a magnitude da terra dadivosa e fecunda que possui” e o município
que marcha “ em passos largos para um futuro radiante”62
.
Nas páginas de O Progresso havia a busca constante pela melhora dos aspectos
urbanos da cidade, dos quais o desenvolvimento fazia parte. A civilidade era um assunto
recorrente em 1977 e estava sempre associada à limpeza urbana que deveria ser
responsabilidade dos órgãos públicos e da população em geral. No dia 27 de março foi
emitida a nota: “A operação limpeza foi iniciada. O matagal está caindo fora. A cidade vai
ficar com bom aspecto. A prefeitura vai limpar por esta vez, sem ônus para o proprietário,
mas da próxima vai a conta, para cada um. Falei”63
.
Partindo de uma concepção sobre algo básico e fundamental, o asseio, evocava um
entendimento singular e coletivo da sociedade douradense, objetivando organizar os esquemas
de percepção a partir daquilo que coordenava e apreciava como válido.
Nossa cidade está passando por uma limpeza total. Os lotes baldios, os
canteiros públicos, nota-se em todos os locais um esmero no que tange a
limpeza e organização. Que assim continue, pois nós douradenses temos
59
Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7157, capa, 12 de jan. 1977; Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7216, capa, 26/27 de mar. 1977.
60
Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7216, p. 3, 26/27 de mar. 1977.
61
ALÉM, Fernando Castro. O jornal O Progresso e a dinâmica política e eleitoral em Dourados (1954, 1958 e
1962), p. 42. 62
O Progresso, Dourados/MT, n.1, 21 abr.1951, p. 1-4.
63
OLHO Grande. O Progresso, Dourados/MT, n. 1944, p. 8, 10 fev. 1977.
27
grande prazer em residir numa cidade limpa, zelada e humana. Vamos
colaborar?64
.
A intenção era homogeneizar as ações e os pensamentos sociais com os interesses dos
grupos dominantes, projetando trocas sociais e construindo representações de valores
subjacentes às suas práticas, instituindo e manuseando signos com finalidade de produzir
sentidos65
.
Ao que tudo indica, muitas modificações e melhoras, vamos ter na cidade.
Um vereador requer a remoção do lixo que é depositado ali perto do
matadouro [...]. Outro vereador requer a mudança da zona do baixo
meretrício, outro atentado ao pudor das famílias das vizinhanças [...]. Já é
tempo de pensar seriamente noutro local para a transferência daquelas casas
de tolerância.
Os problemas estão sendo focalizados.
Vamos ver quando eles serão acatados e atacados66
.
Ao tratar de outros assuntos um tanto mais complexos, como a economia e a política,
aspirava à mesma singular significação de valores, uma vez que “o discurso de informação
midiática joga com essas influências, pondo em cena, de maneira variável e com
consequências diversas, efeitos de autenticidade, de verossimilhança e de dramatização”67.
Dentro desta perspectiva, apelando para a “liberdade e tranquilidade da nação” fazia questão
de apresentar o posicionamento do senador Rachid Saldanha Derzi sobre o contexto político,
o foco foi abordar questões próximas aos leitores coadunadas aos interesses do jornal.
O senador Saldanha Derzi (Arena-MT), defendeu uma reforma geral da
Constituição, em que ‘vários pontos merecem revisão, além das emendas
que tramitaram no Congresso nos últimos anos’. Dentro desse ponto de vista,
o senador arenista quer que ‘se dê feição constitucional aos mecanismos,
com o AI-5, preservando-se todas as suas cláusulas, pois trata-se de
instrumento necessário para defender a liberdade e a tranquilidade da nação’
[...] — Não vejo quem não desfrute de liberdade no país. Por isso, sou
favorável à manutenção do AI-5, que tem sido usado muito pouco e apenas
contra subversivos que lutam contra a segurança e a liberdade e, por isso,
devem ser penalizados. O AI-5 por enquanto é instrumento forte da
sociedade, constituindo-se numa garantia contra os que desejam perturbar a
tranquilidade do país. Por isso, ele deve integrar a nova Constituição, que há
64
POSITIVO. O Progresso, Dourados/MT, n. 1945, p.1, 11 fev. 1977.
65
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias.
66
OLHO Grande. O Progresso, Dourados/MT, n. 1959, p.1, 04 mar. 1977.
67
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. p. 63.
28
de ser forte, porque, infelizmente, não há mais campo para a vigência de
uma democracia liberal no Brasil. O Governo tem sido muito parcimonioso
em seu uso, embora tenha sido instado a recorrer mais vezes a ele68
.
O jornal evocou o senador, uma figura política, que aparentemente se preocupava em
legitimar sua postura pró-políticos e pró-ditadura defendendo o AI-5, um instrumento
cerceador e punitivo a qualquer um que se manifestasse contrário aos mandos
governamentais, e assim, como construto das elites e como aliado dos políticos locais
defendeu os mesmos interesses e foi também, favorável ao regime militar.
A chefia do O Progresso era formada pelo diretor Vlademiro M. do Amaral, redatora-
chefe Adiles A. Torres e o secretário Nélio Marcílio Kegler. Integravam a equipe que
produziam as edições Elpídio Reis, o tenente-coronel Hilton José Ferreira Lemos, Ayrton B.
Ferreira, Benjamím Fernandez, Ymera Senatore Fedrizzi, Perciliano B. Cavalheiro, Gentro da
Silva Camargo, Maria Eugênia C. Amaral; Blanche Maria Torres e o repórter policial
Maurício. A família e a tradição estavam presentes, já que Vlademiro, Adiles, Maria Eugênia
e Blanche eram os membros que atuavam no periódico fundado por Weimar Torres. Poucas
publicações eram assinadas, a exemplo das escritas por Elpídio Reis, que residia no Rio de
Janeiro. Havia também, um tenente-coronel que fazia parte do quadro, expressão da relação
entre mídia e militares69
.
Na década de 1970, os jornais se sustentavam por meio de recursos de terceiros, de
anunciantes que pagavam para ter seus estabelecimentos propagandeados nas páginas, de
investimentos de colaboradores não divulgados e de órgãos estatais que pagavam para a
veiculação de seus atos oficiais, já que não existia imprensa pública nas cidades de Campo
Grande e Dourados. Por conseguinte, O Progresso se intitulava Diário Oficial do Município
de Dourados, inscrição que estava disposta em praticamente todas as suas capas.
O tabloide douradense variava suas páginas entre seis e dez, as quais alternavam
devido o número de publicidades, comerciais ou populares, disponíveis ao dia. Não dispunha
de uma capa propriamente dita com manchetes introdutórias, porquanto a primeira página já
trazia todo o conteúdo considerado de maior relevância. Nas páginas subsequentes havia um
68
CONSTITUCIONALIZAÇÃO do AI-5. O Progresso, Dourados-MT, n. 1945, p. 8, 11 fev. 1977, (Grifo do
autor).
69
Sobre o trabalho de jornalistas que exerciam a censura dentro dos jornais e de militares que atuaram como
jornalistas no período da ditadura, ler: KUSHNIR, Beatriz. Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à
constituição de 1988. “Não foram poucos os jornalistas que trabalharam como policiais contratados, como
também existiram policiais que deram expediente nas redações, escrevendo e assinando matérias”, p. 364.
29
misto de notícias regionais e internacionais, sobre política e economia, sempre mescladas com
propaganda, ponto forte do jornal, espalhadas por todas as folhas.
Similarmente, algumas estruturas textuais eram constantes e fixas no periódico, como
a Coluna Espírita, com tom moralista e religioso; o horóscopo; o indicador profissional; a
Ribalta Social, que discorria sobre os eventos e fatos ocorridos com a gente rica da cidade; a
Coluna Jovem, com seus recadinhos triviais sobre sentimentalidades e o Mundo Artístico, que
revelava as novidades sobre artistas, programas de TV e cinema. Igualmente, havia um espaço
nas páginas chamado Espaço para Leitor, no qual havia reclamos em relação às condições das
ruas, à sinalização, aos acidentes de trânsito, à poeira, à água, à iluminação pública, à
telefonia, à imagem televisiva, ao lixo, a questões que diziam respeito diretamente à estrutura
urbanística. O Espaço para Leitor não tinha página fixa e flutuava pelas estruturas do jornal
naquela época. Interessante ressaltar que apesar desse título remeter ao público receptor das
informações oferecidas pelo jornal, tais indivíduos não eram identificados, de maneira que o
entendemos como um artifício jornalístico, um espaço denominado “leitor”, como se a
população ali tivesse voz, todavia, servia para opiniões de cunho pessoal da equipe
jornalística.
Havia ainda, a charge In Vino Veritas com personagens fixos que diariamente se
posicionavam sobre algum assunto ao qual o periódico queria chamar a atenção, Colono e Zé
Pinga, apresentados sempre na capa desenvolviam seus diálogos cotidianamente acerca dos
mais variados temas, sucessivamente em tom polemizador sobre acontecimentos percebidos
interessantes pelo periódico. Também aludia com exaltação em suas reportagens o comércio
local, a agricultura e a pecuária da região. O assunto mais valorizado era relativo ao meio
rural. Em geral, relatava denúncias, resoluções e solicitações de medidas, de recursos e de
financiamento por parte do prefeito junto aos órgãos estaduais e federais, principalmente para
as situações nas quais ocorria grande produção agrícola, quando eram frequentes os
problemas com a estocagem dos grãos, as dificuldades de escoamento da safra, a falta de
iluminação pública e problemas nas estradas rurais. Em, 1º de março de 1977 enunciou.
O administrador da Prefeitura Municipal de Dourados, engenheiro José Elias
Moreira, seguirá hoje às 10 horas, para Brasília, onde manterá importantes
contatos de interesse do município.
Para a audiência na Capital Federal acompanham o engenheiro José Elias
Moreira, vários outros Prefeitos dos municípios denominado como ‘Grande
Dourados’ e três vereadores da Câmara local, Sultan Rasslan (presidente do
legislativo), Walter Benedito Carneiro (presidente da Arena local) e Joel
30
Pizzini, todos visando o mesmo objetivo em audiências já previamente
marcadas.
No gabinete do Ministério da Agricultura, os representantes dos municípios
darão continuidade aos contatos anteriormente levantados, ou seja, o
problema do escoamento da safra.
Como se recorda, no dia 18 do mês passado, o Prefeito Municipal José Elias
Moreira reuniu com representantes e técnicos da região visando solucionar o
problema de armazenagem e escoamento da safra prevista para 120.000.000
de sacas de arroz e soja. Na oportunidade, mantiveram contatos telefônicos
diretamente com o gabinete do Ministro Alysson Paulinelli.
Com as normas adotadas pelo racionamento do petróleo, os representantes
dos municípios reivindicaram caráter de ‘emergência’, junto ao Ministério
da Agricultura, uma unidade volante que foi criada com a finalidade em
oferecer socorros ao transporte da safra, em território brasileiro. Como é de
conhecimento, alguns estados já foram beneficiados pela medida
governamental a reivindicação é justamente em obter pelo menos uma destas
‘unidades’.
Quanto ao problema de armazenagem os Prefeitos oficializarão o ato
anteriormente estabelecido, de áreas a serem atendidas por ‘silos’70
.
Ao noticiar o crescimento da produtividade, reforçava o progresso já alcançado e o
posto de “celeiro do Brasil”.
As fotografias71
, na maioria das vezes, elucidavam as propagandas ou expunham
acontecimentos trágicos, acidentes automobilísticos, homicídios, casos de violência. Ao
retratar pessoas, valorizavam especialmente o rosto, mesmo nos anúncios de obtuários. Já, no
caso de representantes do poder político, obedeciam em sua maioria a um padrão de estrutura
modelo 3x4, de modo que “o uso sistemático de retratos de corte fechado sugere que eles
eram mais usados para identificar (e valorizar) a pessoa retratada do que para complementar
informativamente a notícia”72
, pois eram repetidas várias vezes como um reforço ao
conhecimento e reconhecimento daqueles personagens.
1.1 – Os políticos: a repetição como uma estratégia de representação
O jornal Correio do Estado, desde sua fundação em 7 de fevereiro de 1954, tendia
para uma linha editorial que priorizava a política. Sua fundação deu-se por um grupo do sul de
Mato Grosso ligado ao partido político UDN (União Democrática Nacional) com o objetivo
70
PREFEITO seguirá hoje para Brasília. O Progresso, Dourados/MT, n. 1956, p.1, 01 mar. 1977, (Grifo do
autor).
71
O Progresso, Dourados/MT, n. 1937, p. 1, 01 de fev. 1977.
72
PEREIRA, Silvio da Costa. Os primórdios do fotojornalismo em Campo Grande (MS) - Origens e gêneros das
fotografias dos diários entre as décadas de 1930 e 1960, p. 6-7.
31
de disseminar e apregoar as ideias do partido e servia como instrumento de atuação, “o jornal
campo-grandense surgiu efetivamente como um veículo jornalístico de ação udenista, que
defendia seus interesses político-partidários em oposição ao PSD (Partido Social
Democrata)”73
. Concebeu, portanto, uma grande força política ao partido, que tinha muitos
coligados em Campo Grande. Dessa maneira e, por essas razões, apresentava abertamente
suas finalidades políticas, produto do esforço e das contribuições espontâneas dos agentes e
dos militantes daquele partido74
.
A partir de 1964, o Correio do Estado seguiu a tendência da imprensa na época do
Golpe, de ser favorável à instalação do regime autoritário e manter boas relações com os
militares. Em 1977, selecionou, ordenou, estruturou e narrou, de uma determinada forma
aquilo que elegeu como digno de chegar até o público75
, quando se manifestou
partidariamente em relação à divisão do estado por meio de suas matérias e enfocou a visão
política das elites de suas regiões. Nesse mesmo período, O Progresso enfatizou a defesa
política e eleitoral e, atendeu à lógica da época, por ter em seus quadros representantes da
elite jurídica, médica e militar.
Entre as décadas de 50 e 60, as representações partidárias seguiam determinada
configuração: O Progresso defendia o PSD (Partido Social Democrático) e o Correio do
Estado defendia a UDN (União Democrática Nacional), um ensejo à rivalidade que
permaneceu no período divisionista. Depois que Weimar faleceu, em 1969, assumiu a direção
do jornal Vlademiro, seu sogro. Durante a ditadura militar adequou-se à censura ao restringir
o conteúdo noticioso da imprensa e a valorizar a economia local76
.
No enredo político sob qual o processo divisionista traçava seu percurso, algumas
figuras públicas foram recorrentemente citadas pelos jornais Correio do Estado e O
Progresso, de Campo Grande e Dourados, respectivamente. Quando não eram as falas dos
73
SALGUEIRO, Eduardo de Melo. Fugir do estigma, avançar no desenvolvimento: Fausto Vieira de Campos, a
revista Brasil-Oeste e seu projeto para Mato Grosso (décadas de 1950 e 1960), p. 106.
74
Idem.
75
LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.).
Fontes históricas.
76
SCHWENGBER, Isabela de Fátima. Representações do MST na Imprensa de Mato Grosso do Sul (1995 a
2000).
32
indivíduos propriamente ditas, transcritas nas matérias, eram as imagens dessas pessoas,
acompanhadas de notícias favoráveis sobre elas.
As personalidades nacionais que mais ganharam destaque nas páginas do Correio do
Estado foram o presidente da república Ernesto Geisel, que governou de 1974 a 1979; o seu
ministro do Interior Rangel Reis, o ministro da Agricultura Alysson Paulineli, o chefe da casa
civil Golbery do Couto e Silva, o ministro da Justiça Armando Falcão e o ministro do
Planejamento Reis Velloso.
Em âmbito regional, os periódicos tinham um compromisso com seus colaboradores,
empresários, comerciantes, grandes proprietários de terras e principalmente alguns políticos77
.
Portanto, cada jornal dava voz e reforçava os discursos de interesses desses agentes públicos.
Os nomes mais citados no Correio do Estado foram: Levy Dias, prefeito de Campo Grande na
gestão de 1973 a 1977; Francelino Pereira, presidente nacional da Arena; Pedro Pedrossian,
ex-governador de Mato Grosso (1966 a 1971), a quem foi atribuído um grupo de apoiadores,
como os deputados Valdomiro Gonçalves, Oscar Ribeiro, Benedito Canelas, Leite Schimitd,
Afro Stefanini, João Filgueiras e Ronald Albaneze; Lúdio Martins Coelho, presidente do
diretório regional da Arena; Marcelo Miranda, prefeito de Campo Grande (1977 a 1979),
Alberto Cubel vice-prefeito, Juvêncio Cesar da Fonseca chefe de gabinete; e ainda, José
Fragelli; Fernando Correa da Costa (tio de José Fragelli); Senador Italívio Coelho; Senador
Rachid Saldanha Derzi, estes quatro últimos, filiados do antigo UDN; deputado Ruben
Figueiró de Oliveira; deputado Sergio Cruz (MDB), Senador Petrônio Portella; Albino
Coimbra Filho, vereador de Campo Grande; Paulo Machado, coordenador da Liga Sul-mato-
grossense, ex-secretário da agricultura e vereador em Campo Grande por duas legislaturas,
além do governador do Mato Grosso, José Garcia Neto, personagem de acesso direto ao
presidente Ernesto Geisel, por quem fora indicado para chefe do Executivo estadual.
77
Esse grupo de pessoas foi entendido como pertencente às elites locais, no decorrer desse trabalho. Uma junção
de indivíduos com interesses comuns em poder econômico, social e político que por vezes divergiam entre si e
configuravam a hegemonia nas cidades de Dourados e Campo Grande. Vale ressaltar que não eram todos os
políticos locais que tinham espaço reservado nesses jornais, somente os políticos citados desfrutavam de
visibilidade e faziam parte desse grupo. A concepção de elites atendeu à esfera de atuação em escalas, ou seja, as
“elites (políticas, econômicas e sociais)” formadas por “agentes capazes de controlar os recursos sociais,
políticos e econômicos estratégicos, que lhes conferem um lugar privilegiado na disputa pelo acesso a posições
de mando na sociedade”. PERISSINOTTO, Renato e MASSIMO Lucas. Apresentação do dossiê "elites em
diferentes escalas: teoria e metodologia no estudo dos grupos dirigentes", p. 1. Para uma maior compreensão
sobre a elite política (classe reinante) ler: SAES, Décio. Uma contribuição à crítica da Teoria das Elites.
33
No diário douradense eram propagandeados: Alysson Paulineli, ministro da
Agricultura; senadores Rachid Saldanha Derzi e Antonio Mendes Canale; deputado federal
Vicente Vuolo; estes dois últimos filiados do antigo PSD; deputado federal Gastão Muller;
deputado estadual Horácio Cerzósimo de Souza; deputado estadual Henrique Pires de Freitas;
deputado estadual Londres Machado; José Fragelli; Sultan Rasslan (MDB) presidente da
Câmara Municipal e os outros doze vereadores, como também o deputado estadual Paulo
Saldanha, Antônio Carlos de Oliveira e também Garcia Neto.
Em 1977, o sistema político era definido pelo bipartidarismo criado em 1965 pelo ato
Institucional n. 2, que dissolveu os partidos políticos existentes e determinou novas regras
para a criação de outros, possibilitando se instituir somente dois partidos políticos. As
agremiações partidárias configuradas foram a Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido
dos militares e apoiadores da ditadura; e o partido contrário, o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), que ficou conhecido como oposição consentida78
. Era uma tentativa de
manter a lógica da coesão, a força estruturada e em funcionamento e, limitar a esfera de
atuação dos adversários.
No entanto, dissensos e divergências interpartidárias foram elencados pelos jornais,
ratificando-se que a homogeneidade e a coesão não passaram de estratégias quando a proposta
era alcançar um objetivo específico, “o poder pode consistir em dar a outras pessoas,
mediante certas ações, a impressão de ser capaz de fazer algo sem de fato fazê-lo”79
, ou seja, a
falsa ideia de uma união que não existia. Uma vez que o bipartidarismo incorporou várias
legendas de partidos opositores entre si, novas alianças entre os mais variados políticos se
configuraram baseadas em interesses atualizados.
Nas eleições para prefeitos e vereadores, no final do ano de 1976 em Mato Grosso,
houve uma cisão dentro da própria Arena, falava-se em Ala independente e Ala Autêntica80
.
78
BAUER, Caroline Silveira. A promulgação da lei de anistia brasileira: um debate sobre responsabilidade
penal e interdição do passado, p. 449.
79
CARDOSO, Ciro Flamarion, Uma nova história política? In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,
Ronaldo (Org.). Novos domínios da história, p. 47.
80
Posteriormente a Ala Autêntica foi nomeada nos próprios jornais como “Ortodoxa”. Sobre essa cisão dentro do
partido Arena, ler: CHAGAS, Wagner Cordeiro. As eleições de 1982 em Mato Grosso do Sul. Dourados: UFGD,
2016, p. 51: “A ARENA se encontrava dividida no estado entre ‘ortodoxos’, liderados pelo ex-governador José
Fragelli e pelo senador Antônio Mendes Canale, e ‘independentes’, que tinham como líder principal o senador
Italívio Coelho, que assumira a função após o falecimento de Filinto Müller, em 1973”, estes vinculados ao ex-
governador de Mato Grosso, Pedro Pedrossian. Vale lembrar que José Fragelli, foi partidário do antigo UDN e
Antônio Mendes Canale do PSD, e que em 1977 se aliaram em oposição a Pedrossian.
34
Na matéria do dia 8 de fevereiro de 1977, o Correio do Estado trouxe a conhecimento a
subdivisão e os conflitos gerados, em razão de novos acordos entre alguns membros,
incompatíveis com a proposta inicial do partido.
As denúncias que deverão ser feitas pelos independentes [...] mostrarão que
as visões entre as alas do partido são cada vez mais profundas e comprovam
que não está se fazendo nenhum esforço para diminuir os pontos de atrito,
muito pelo contrário, fomentando-os ainda mais81
.
A notícia versou sobre os seis vereadores eleitos em Dourados, pertencentes a Ala
Autêntica, que se uniram a emedebistas. Os deputados da Ala Independente de Campo Grande
criticaram os parlamentares douradenses, classificaram-nos como oportunistas e interessados
em prejudicar a administração do prefeito eleito, José Elias Moreira (Independente). A Ala
Independente de Campo Grande julgou que por esse motivo os vereadores Autênticos
deveriam ser cassados pelo presidente da república, por meio do uso do AI-5.
Este foi o primeiro momento em que um conflito ligado a temas políticos apareceu nas
páginas do jornal, em 1977. A partir daquele momento, observou-se um acirramento nas
vozes em destaque, cada periódico defendia mais seus horizontes de interesses, a ponto de
desmerecer e desguarnecer em variadas circunstâncias as forças e vontades daqueles que
foram se colocando como opositores.
A matéria deu continuidade ao assunto no dia 10 de fevereiro, com uma proposta de
acusação mais ousada, advinda dos Independentes.
A infidelidade de vereadores arenistas ‘autênticos’ de Dourados e Campo
Grande será levada à apreciação do deputado Francelino Pereira, presidente
nacional da Arena, pelos deputados federais da ‘ala independente’ da
Câmara, no início da próxima legislatura. A informação partiu de fontes
ligadas ao grupo dos ‘independentes’ e veio conturbar ainda mais os meios
arenistas matogrossenses, já preocupados com a escalada que os deputados
estaduais do grupo de Pedro Pedrossian e Levy Dias estão preparando contra
o que eles classificam de traidores que se uniram claramente ao MDB para
prejudicar os dois prefeitos eleitos pelos independentes.
Os deputados federais aliados de Pedrossian, Valdomiro Gonçalves e
Benedito Canellas, pretendem expor o problema visível de infidelidade ao
presidente arenista, para que ele intervenha pondo fim à ‘guerra fria’, que
começa a recrudescer. E se espera que o próprio Francelino adote medidas
objetivas para se evitar a repetição dos fatos que levaram a ARENA a perder
a maioria nas mesas dirigentes das câmaras municipais de Dourados e
Campo Grande, aparecendo como caso mais grave a posição da ‘autêntica’,
81
DEPUTADOS “independentes” podem até pedir cassação de “autênticos”. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7179, p. 5, 08 de fev. 1977.
35
em Dourados, onde até a presidência está em mãos do MDB, muito embora a
composição do Legislativo seja de dez arenistas contra apenas três
emedebistas 82
.
Existia um grupo ligado aos interesses de Pedro Pedrossian e Levy Dias, os
independentes e outros entendidos como não confiáveis e adversos aos primeiros, os
autênticos. Neste contexto, começou-se a evidenciar uma parceria entre o Correio do Estado e
Pedrossian, que será percebida mais nitidamente quando a divisão ocorrera de fato, notou-se
também o quanto a Arena estava enfraquecida em consequência de disputas internas.
O Progresso, por sua vez, dias antes já tinha se posicionado em relação aos novos
vínculos partidários dos vereadores eleitos na cidade de Dourados. Em uma nota, sob o título
Passarela Política, anunciou que mesmo com a agitação toda, quem mais ganhou foi o povo
que “politizado” elegeu “homens competentes”.
Aos poucos já se pode tirar conclusões da futura atuação da Câmara
Municipal de Dourados. Existem, como se sabe, 3 correntes políticas bem
definidas. A que tem como líder estadual Pedro Pedrossian, que apoiou
claramente o atual prefeito Jose Elias Moreira; a outra facção que perdeu as
eleições passadas, mas permaneceu coesa, fazendo maior número de
vereadores, tem chefe político João da Câmara. A terceira corrente e da
oposição, o MDB, que elegeu 3 vereadores.
Pode-se notar que nos bastidores houve uma união entre o MDB e a ARENA
- JOÃO DA CAMARA, que elegeram o Presidente da Câmara Sultan
Rasslan, do MDB. Dando assim maioria a João da Câmara, ex-prefeito e que
o Prefeito Jose Elias Moreira terá minoria na Câmara. E a briga interna entre
a própria ARENA. Quem mais ganhou na escolha dos vereadores foi o povo,
demonstrando boa politização, elegendo homens que sabemos irão
demonstrar alta competência nos próximos anos83
.
Houve, por parte do jornal, defesa aos políticos locais, independentemente da situação
em que se encontrassem ou quais alianças estabelecessem. Em 1977, várias ações que soaram
afirmativas e positivas foram escritas no periódico, relacionadas aos políticos eleitos em
Dourados, ao governador, ao presidente e aos seus ministros.
Os proprietários do Correio do Estado e do O Progresso, em 1977, eram empresários
que defendiam a sua classe e interessados em recursos financeiros mantinham complexas
relações com alguns políticos locais, já que, havia grande concentração e distribuição de
82
INFIDELIDADE de vereadores será levada à apreciação de Francelino. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7181, p. 3, 10 de fev. 1977, (Grifo do autor).
83
PASSARELA Política. O Progresso, Dourados/MT, n. 1938, p. 1, 02 de fev. 1977, (Grifo do autor).
36
dinheiro por parte do poder público para os jornais que faziam às vezes de imprensas públicas
inexistentes naquele período. E os políticos locais necessitavam da imprensa para imprimirem
suas falas e as tornarem legítimas. Já, sobre as questões nacionais os jornais se alinhavam à
política dos militares84
.
Os antagonismos políticos não eram ocasionais, tanto que, em agosto daquele ano
ainda era tema de algumas reportagens. A notícia publicada pelo Correio do Estado, em 2 de
agosto de 1977, expressava a preocupação de Lúdio Martins Coelho, presidente do diretório
estadual da Arena, com os dissensos internos do partido que poderiam levar a um prejuízo
eleitoral geral, incluindo a escolha do futuro governador.
As especulações em torno do futuro governador do futuro Estado de Mato
Grosso do Sul, a ser criado, podem vir a comprometer a Arena como
provocar a nomeação pelo presidente Geisel de um governo estranho aos
matogrossenses, uma demora na tramitação da Lei Complementar no
Congresso e ainda prejuízos nas eleições para senadores e deputados, no
próximo ano.
Estas foram as advertências feitas ontem pelo presidente do diretório
estadual da Arena, Lúdio Martins Coelho, ao reunir-se por 20 minutos com a
imprensa para fazer um apelo ‘aos meus respeitáveis companheiros do
partido que vem provocando estas especulações, para que deixemos primeiro
que o presidente Geisel crie o novo estado para que, unidos, possamos
contribuir para a escolha do governador’.
Lúdio não condena as atitudes de alguns políticos que passaram a lançar
nomes no ar, a partir da divisão do Estado, mas considera-as ‘inoportunas e
que, futuramente, vão comprometer o partido. Não estou acusando
companheiro nenhum, não existem radicalizações, mas a tendência é criá-
las. Esse procedimento não é bem visto pelo presidente Geisel. Devemos,
antes de mais nada, procurar nos unir. Bem ou mal a Arena é o partido que
atende as necessidades do País’85
.
84
No período ditatorial a censura foi uma constante no funcionamento da imprensa. Primeiramente com a lei da
censura prévia, Decreto-Lei nº 1.077, de 21 de janeiro de 1970 e depois a partir de 1975, no governo Geisel com
a autocensura, ou seja, o consentimento da imprensa à censura que seguia “um continuum desde o endosso da
repressão e aparente acatamento até a obediência às regras para proveito próprio e o que poderia ser chamado de
modalidades diárias de inércia. Essas constituem um padrão de aceitação cotidiana da repressão, de
cumprimentos das normas e de comportamento esperado, sem que haja necessariamente uma atribuição de
legitimidade ao sistema de dominação”, SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado: o consentimento da imprensa
à censura no Brasil, p. 10. Ademais, a imprensa ao concordar com a censura acabava por contribuir na formação
de uma imagem positiva do regime militar, uma vez que, a censura não era usada “apenas como instrumento
repressivo, mas também como uma estratégia através da qual buscou manter ou ampliar a base de apoio que
desfrutava entre diversos setores sociais”, SETEMY, Adrianna Cristina Lopes. Os dois lados da moeda: a
censura de imprensa entre a repressão e a legitimação, p. 4.
85 LÚDIO diz que ARENA deve unir-se para não prejudicar Mato Grosso - Sul. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n.7320, p. 9, 02 ago. 1977, (Grifo do autor).
37
Lúdio Coelho tentou amenizar os conflitos, não citando nomes e tentando ser conciliador,
contudo, ao evidenciar as atitudes dos companheiros arenistas como inoportunas e
comprometedoras ao sucesso do partido, expôs sua inquietação e desapontamento com os
dissensos do grupo.
O presidente do diretório arenista de Mato Grosso, totalmente contrário aos
debates em torno do futuro governador do novo Estado, anunciou ainda que
vai procurar conversar com todos os políticos, inclusive com a Oposição,
para pedir um acordo de cavalheiros que visará acalmar os ânimos. ‘Estou
aqui reunido com vocês para definir a posição da presidência da executiva da
Arena no Estado, num momento histórico para todos nós. Nas próximas
horas, o presidente vai encaminhar a Lei Complementar nº 20 ao Congresso
e devemos nos unir e participar com harmonia’.
Lúdio não diz ter candidatos (‘como posso ter, se ainda não existe o novo
Estado?’), mas que prefere um político para governar Mato Grosso do Sul.
‘Prefiro um político para contratar os técnicos’, disse, ao responder a um
repórter que perguntou sobre o que ele achava da escolha de um engenheiro.
Durante sua breve entrevista coletiva, Lúdio fez-se acompanhar pelo
deputado Ruben Figueiró e José Pereira Martins, secretário do diretório86
.
A visita de Lúdio e Figueiró87
ao Correio do Estado, relatada na matéria, deflagrou a
aliança entre os políticos e o jornal, e a similaridade entre seus interesses.
Visita ao Correio do Estado
Ontem à tarde o presidente do Diretório Regional da Arena e o deputado
Figueiró estiveram em visita à direção do CORREIO DO ESTADO, sendo
recepcionados pelo jornalista e diretor da empresa, J. Barbosa Rodrigues. Na
oportunidade, Lúdio Martins Coelho ressaltou que seu esforço na
presidência do diretório arenista é de pacificação e, principalmente, de união
entre todos para que a Arena possa vencer as próximas eleições e Mato
Grosso do Sul conseguir um governador que atenda os interesses dos
matogrossenses88
.
Em um momento conflitivo interessava aos políticos demonstrarem suas alianças com
a imprensa, o discurso necessitava do aporte midiático89
. Ao final da publicação, Lúdio
Coelho apelou novamente para o bom senso dos arenistas locais e solicitou tranquilidade e
sobriedade.
86
Ibidem, (Grifo do autor).
87
Ambos da Ala Independente.
88
Ibidem, (Grifo do autor).
89
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias.
38
Para Lúdio Coelho, é importante que os arenistas mantenham-se tranquilos e
sóbrios, evitando-se que com atitudes precipitadas venham a prejudicar o
processo de escolha do futuro governador e a eleição dos futuros
parlamentares do Mato Grosso do Sul. Lembrando que a escolha do
governador é atribuição do presidente, Lúdio disse acreditar que a
movimentação política é prematura e que primeiramente deve-se esperar a
criação do novo Estado para que depois se definam as posições, dentro de
um consenso racional, evitando-se eventuais radicalizações90
.
A desarmonia e desunião que predominava no interior da Arena foram evidenciadas
nas palavras do presidente do diretório de Mato Grosso, que aflito com os desentendimentos e
com a percepção negativa que o presidente Geisel poderia ter sobre as condutas políticas
divergentes, tentou conscientizar seus pares sobre a necessidade de uma homogeneidade,
forjada, aparente, mas que não desagradasse aos militares.
Constatou-se que a mídia juntamente com os políticos locais pensavam as relações
políticas, consideravam as condições de poder, desenvolviam práticas sociais conflituosas,
heterogêneas e usavam a força discursiva para manterem seu status quo, e ainda,
posicionaram-se como porta-vozes de uma fala autorizada, legitimada, com influência sobre
os leitores e suas construções de sentidos, sob a autoridade construída na neutralidade e na
objetividade. Com efeito, os discursos foram portadores de ideologias e este meio de
comunicação difusor ideológico a serviço dos interesses do grupo ao qual pertencia e
trabalhava.
1.2 - O envolvimento entre políticos e a mídia: o poder enaltecido para legitimar a
representação
Em relação à divisão do estado de Mato Grosso a imprensa, juntamente com alguns
políticos locais, traçou sua estratégia aproximando-se do executivo federal, que era o
responsável pelas decisões finais, na tentativa de obter privilégios e informações. Os políticos,
por sua vez, tinham expectativa de serem vistos e, por conseguinte, lembrados no momento da
distribuição do poder local, já que alguns cargos eram de indicação do presidente da
república, como o caso do futuro governador do estado a ser criado.
Em 1977, O Progresso e o Correio do Estado representaram suas ideologias políticas
e reforçaram a visão das elites de suas regiões respectivamente, quando se respaldaram nas
90
LÚDIO diz que ARENA deve unir-se para não prejudicar Mato Grosso - Sul. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n.7320, p. 9, 02 ago. 1977, (Grifo do autor).
39
ações e nos discursos dos mandatários acerca do divisionismo. Os impasses que envolviam a
política nacional e regional foram noticiados a partir de interesses diversos, pois colocaram
em pauta a divisão e as relações estabelecidas com ela, de acordo com Pesavento.
[...] pautando a ação e a percepção da realidade sobre os mecanismos pelos
quais se constroem identidades dotadas do poder simbólico de coesão social.
[...] o uso dos meios de comunicação de massa – lidando com efeitos de
verdade e efeitos de real, operando cada vez mais com o fazer crer, com
imagens computadorizadas ou discursos distanciados do real, mas que são
legitimados e aceitos, com curso de verdade91
.
Os editores utilizaram os predicados da mídia impressa para formar sentidos por meio
de seus signos textuais e imagéticos, enalteceram as falas e as ações dos políticos como “um
estrato de interesse social”. Ou seja, fizeram desses agentes públicos representantes dos
interesses do “povo” e articuladores em nome deste, para enfim, deixarem desfocados seus
interesses particulares e darem ares de unificação ao campo92
de atuação. Contudo, por
definição o campo político é um lugar de disputas por aqueles que o integram, na busca de
adquirirem cada vez mais capital simbólico, acaba-se por valorizarem-se uns integrantes em
detrimento de outros.
O Progresso, nesse contexto, dedicava-se consideravelmente para anunciar as ações de
Ernesto Geisel, o periódico tomou para si a função de dar ciência dos passos do presidente.
O Presidente Geisel visitará no dia 22 de abril a solenidade em uma aldeia
indígena composta por mais de 2 mil índios, próximo a Aquidauana, em
Mato Grosso, nos postos indígenas de Tomé. A informação procedeu do
Ministro do Interior Rangel Reis. Acrescentou que a comunidade dos
Terenas é uma das que em breve serão emancipadas93
.
Portanto, o fazia independentemente da relação da nota com a região local, qualquer
assunto relacionado a Geisel era publicado, as suas visitas a outros estados, os decretos
assinados. Bastava mencionar o presidente e a notícia se materializava no jornal, como uma
forma de dar-lhe credibilidade, de afiançar-lhe, de tonificar a representação de sua figura.
91
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias, p. 75.
92
Na concepção de Pierre Bourdieu.
93
GEISEL dia 22 em Mato Grosso. O Progresso, Dourados-MT, n. 1950, p. 1, 18 fev. 1977.
40
O Presidente Ernesto Geisel iniciou ontem viagem ao Território de
Rondônia. Em Vila Rondônia Geisel fez ontem entrega de títulos de
propriedade a 3 mil colonos. Ainda hoje o Presidente deverá ir ao Estado do
Acre onde presidirá a assinatura de convênios entre órgãos federais e
estaduais. Os ministros Hugo Abreu, Rangel Reis e Alysson Paulineli estão
fazendo parte de sua comitiva94
.
As atividades do presidente nada tinham de relevância com a região de Mato Grosso,
mesmo assim, eram veiculadas como excepcionais e dignas de publicidade. Seus ministros,
também eram noticiados, bastava que o acompanhassem.
Por ocasião de sua visita a Paranaguá hoje, sexta-feira, o presidente Geisel
vai conversar com os representantes e líderes portuários locais. Durante a
visita de 6 horas que fará ao Paraná, o Chefe da Nação vai ouvir ainda o
discurso do presidente da Cooperativa Iguaçu, além de participar com o
ministro da Agricultura Allysson Paulinelli, de uma série de inaugurações
naquela localidade. Logo após, Geisel segue de helicóptero até Palmeiras,
onde assistirá o desfile de estudantes, e uma amostra de gado leiteiro daquela
região95
.
O diário douradense deixou explicita sua postura favorável e colaborativa ao regime
militar, com o enaltecimento feito a Geisel no dia do seu aniversário de três anos de
presidência do Brasil, em matéria do dia 17 de março.
Brasil vive hoje um dia de glórias, porque precisamente hoje, completa o seu
terceiro ano de governo, essa figura impoluta, esse caráter sem jaça, que é o
General Ernesto Geisel. Desde a sua posse, o Brasil iniciou a marcha
desenvolvimentista que o faz agora respeitado no concerto das grandes
potências mundiais. O que somos e o que temos feito nestes três anos, gira
em torno do trabalho profícuo desse valoroso oficial general do nosso
glorioso Exército que tantas glórias tem trazido para o Brasil.
Assim se expressou o vereador Roberto Djalma Barros ao endereçar moção
congratulatória ao Presidente Ernesto Geisel. Concluindo afirmou ‘é para
nós uma honra imensa termos hoje condições de ver o nosso país ombrear-se
com as chamadas grandes potências e isso se deve como afirmamos ao pulso
forte do nosso eminente Presidente Geisel com quem nos congratulamos
nesta data festiva para a história do Brasil’96
.
94
GEISEL começou ontem viagem para Rondônia. O Progresso, Dourados-MT, n. 1945, p. 1, 11 fev. 1977.
95
PRESIDENTE Geisel visita Paraná. O Progresso, Dourados-MT, n. 1959, p. 1, 04 mar. 1977.
96
GEISEL: três anos de Governo. O Progresso, Dourados-MT, n. 1968, p. 1, 17 mar. 1977, (Grifo do autor).
41
Os predicados atribuídos ao presidente valoraram sua figura política e militar, “caráter
e pulso forte na busca do desenvolvimento do país”. A nota, também ressaltou que a gestão
municipal de Dourados aprovava e respaldava a maneira como Geisel conduzia o país.
Outro político que tinha sua imagem e ações constantemente divulgadas era o prefeito
de Dourados, José Elias Moreira, partidário da Arena (1977 a 1982).
O Prefeito Municipal, engenheiro José Elias Moreira recebeu no dia de
ontem, telegrama do Ministério da Saúde, cumprimentando-o pela posse. O
telegrama é dirigido pessoalmente ao Prefeito Municipal, sendo o titular do
Ministério, Paulo de Almeida Machado, o autor da mensagem97
.
Mesmo quando as notícias diziam respeito a José Elias, não deixavam de mencionar,
sempre que possível, os políticos da esfera nacional. Houve por parte do periódico a
personificação da figura pública do prefeito, suas “qualidades” pessoais foram enaltecidas,
sua juventude e sua disposição para o trabalho, uma propaganda das características que não
tinham ligações diretas com as capacidades de um agente político.
O prefeito José Elias, dando prosseguimento a sua iniciativa de consultar
figuras representativas da cidade de Dourados e ainda mostrar aspectos da
Reforma Administrativa, recebeu ontem em seu gabinete as mais destacadas
personalidades [...]. Mostrando vontade de trabalhar, tendo ainda a vantagem
de sua juventude, o prefeito da cidade de Dourados explicava
pormenorizadamente a melhor condição de trabalho que terá depois de
reformar o antigo sistema burocrático e administrativo da Prefeitura. Nem
mesmo o avançado da hora parou o ritmo de trabalho do eng. José Elias
Moreira, que fez uma exposição de motivos do seu plano governamental à
comissão de representantes da classe que também compareceu ao dos
engenheiros agrônomos em seu gabinete98
.
Na mescla dos elogios pessoais, enumerou as atividades administrativas e os trabalhos
realizados na prefeitura de Dourados por José Elias.
A Prefeitura Municipal de Dourados em sua fase de reestruturação e de
encaminhamento da Reforma Administrativa, ao legislativo tem procurado
em seu limite de trabalho a realização de obras preliminares.
Em seus diversos setores — pelos atuais departamentos — o Prefeito
Municipal, engenheiro José Elias Moreira realizou levantamentos
socioeconômicos, participou de encontros, programou diversas reuniões
classistas e iniciou diversas frentes de trabalho.
97
PAULO Machado cumprimenta prefeito. O Progresso, Dourados/MT, n. 1957, p. 1, 02 mar. 1977.
98
JOSÉ Elias quer administrar para o Município e com o povo. O Progresso, Dourados-MT, n. 1968, p. 8, 17
mar. 1977.
42
Dentro dos estudos preliminares e frente de trabalhos, destacamos o
Departamento Municipal de Obras Públicas, através de seu titular o
engenheiro Quirino Picolli.
Na fase inicial dos estudos, de conhecimento de seus recursos o
Departamento de Obras realizou o serviço de limpeza do ‘matagal’ no centro
urbano, a retirada de detritos das obras, a coleta de lixo, a melhoria no
ajardinamento, a poda das árvores e agora iniciará a operação denominada
‘tapa buracos’.
Em poder do Departamento o serviço necessário para realização de todos
reparos nas ruas asfaltadas da cidade, para o início da operação que
acontecerá no princípio do mês de abril99
.
O jornal se manifestou novamente, quanto à higienização, a limpeza e a organização
urbanística, aspectos constantemente valorizados e associados à civilidade. Essa iniciativa,
além de jogar com as influências, pôs em cena efeitos genuínos de veracidade e de
dramatização100
, demonstrava ainda, o interesse das elites em estabelecer uma disciplina à
população e um controle sobre seus comportamentos sociais, sob um viés tênue de
preocupação com o desenvolvimento da cidade, proporcionado pela administração pública.
A relação entre políticos e imprensa revelou as estratégias de produção de poder
simbólico e da representação, já que intencionavam construir um imaginário político-social na
cultura política que foram organizando. As falas dos políticos disseminadas pelos jornais
produziram “estratégias e práticas sociais”101
com propósitos específicos, de garantir que suas
perspectivas fossem aceitas como válidas e verdadeiras.
Também eram divulgadas notícias sobre os deputados e vereadores, tais como,
Horácio Cerzósimo de Souza, que ganhou destaque e extensas reportagens que ocuparam
mais de meia página, as quais elencaram seus feitos no ano anterior, 1976102
. Nas notas em
questão, O Progresso enalteceu o deputado do partido Arena e, Cerzósimo por sua vez,
agradeceu ao periódico pela parceria. Um artifício textual que expôs a relação de
reciprocidade entre a mídia e o político. Cedeu grande espaço às considerações feitas pelo
99
PREFEITURA iniciará operação “tapa buracos”. O Progresso, Dourados/MT, n. 1976, p. 1, 29 mar. 1977,
(Grifo do autor).
100
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. p. 63
101
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações.
102
DEPUTADO Horácio Cerzósimo visita O Progresso. O Progresso, Dourados/MT, n. 1928, p. 1, 19 jan. 1977;
DEPUTADO Horácio Cerzósimo mostra seu trabalho em 1.976. O Progresso, Dourados/MT, n. 1930, p. 1, 21
jan. 1977; DEPUTADO Horácio Cerzósimo visitou a região. O Progresso, Dourados/MT, n. 2013, p. 1, 25 mai.
1977.
43
deputado federal Gastão Muller103
, também deputado da Arena, no tangente às questões
políticas importantes que envolviam sua contraposição ao bipartidarismo vivido na época.
Em quase todos os meses daquele ano, uma vez ao menos, foram divulgadas as ações
dos vereadores em “Notícias da Câmara”104
, com exaltações e elogios ao legislativo
municipal, destacavam-se também, relatos de suas solicitações, denúncias, requisições e
resoluções que o jornal colocava como uma demanda dos leitores.
Com o mesmo teor, o Correio do Estado também demonstrava o seu envolvimento
político. No primeiro exemplar do ano já narrava sobre Levy Dias, prefeito campo-grandense
até então, que logo seria substituído por seu sucessor Marcelo Miranda, o vencedor do pleito
eleitoral de 1976.
Após a permanência de uma semana, em Brasília e São Paulo, o prefeito
Levy Dias, está sendo esperado em Campo Grande, ‘encerrando uma
frutífera viagem’ [...]. Levy conseguiu 15 milhões de cruzeiros junto à
Empresa Brasileira de Transportes Urbanos em Brasília, enquanto que em
São Paulo visitou obras do Prefeito Olavo Setubal105
.
Ainda, no dia 12 de janeiro o governador Garcia Neto teve sua foto estampada na
capa, ocupando um quarto da página do jornal, juntamente com outras figuras políticas e
militares uniformizados em continência, “[...] Garcia despediu-se de ministro paraguaio,
entregou ônibus para combate ao câncer e assinou contrato para a construção de 600 casas”.
O mesmo se dava com Marcelo Miranda, prefeito em 1977, recorrentemente citado
nas matérias.
O prefeito Marcelo Miranda seguiu ontem pela manhã para Cuiabá para
manter um encontro com diretores do Banco do Estado de Mato Grosso, que
será o agente financeiro que repassará os recursos do Programa CURA para
Campo Grande e que deverá entrar em execução em princípios do próximo
ano. Paralelamente, buscou manter contatos com a direção da Companhia de
Saneamento de Mato Grosso – SANEMAT, para que aquele órgão tenha
conhecimento das necessidades básicas da região a ser beneficiada pelo
CURA - que é a região da Avenida Bandeirantes e Vila Taveirópolis - no
sentido de que adote as primeiras providências para uma atuação efetiva no
103
GASTÃO Muller defende renovação. O Progresso, Dourados/MT, n. 1950, p. 5, 18 fev. 1977.
104
PIZZINI, Joel. Notícias da Câmara. O Progresso, Dourados-MT, nº 1902, p. 5, 26 abr. 1977; GOMES,
Sidney. Notícias da Câmara. O Progresso, Dourados-MT, nº 2005, p. 5, 13 mai. 1977.
105
LEVY chega hoje. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7157, p. 1, 12 jan. 1977, (Grifo do autor).
44
setor de saneamento básico de toda área, que terá recursos da ordem de 300
milhões de cruzeiros.
Hoje à tarde o prefeito de Campo Grande regressará, quando então vai dar
conhecimento das negociações que manteve ontem à tarde e hoje pela manhã
na Capital de Mato Grosso106.
As notícias referentes aos políticos foram de ordem propagandística de quaisquer atos,
meras expectativas de conquistas e não necessariamente de feitos realizados e aplicados.
O diário estabeleceu uma aproximação com o governador de Mato Grosso, Garcia
Neto, publicou diversas vezes sua fala, mas em alguns momentos a nuança era depreciativa,
deslegitimando as condutas de Garcia e colocando em dúvida suas ponderações.
Após afirmar que ‘o País vive uma conjuntura híbrida’, o governador Garcia
Neto afirmou que ‘a democracia está em convalescença’ e, por isso mesmo,
sem a motivação das disputas eleitorais diretas.
As declarações do governador foram feitas após Geisel ter enviado a sua
mensagem aos brasileiros, pela televisão: ele assistiu apenas uma parte, mas
afirmou que todos esperavam um discurso apolítico. 107
O Correio do Estado ao tratar do presidente Ernesto Geisel foi mais cauteloso, fez um
relato de suas ações, contudo diferentemente do O Progresso, priorizou as notas que
demonstravam uma relação direta do presidente com a região.
Nenhuma audiência, programação cumprida à risca, dentro dos prazos
estabelecidos, com pequenas alterações. Chegada ao Aeroporto Militar da
Base Aérea, exatamente às 8:15 horas; cumprimento às autoridades civis e
militares e deslocamento para a aldeia do Bananal, no Posto Indígena de
Taunay. Assim se resumiu, ontem pela manhã, a visita do presidente Ernesto
Geisel a Campo Grande, que transcorreu num clima de absoluta normalidade
e de mais liberalidade por parte da segurança [...] Uma visita ao campo, onde
estão sendo feitas pesquisas e à área experimental, marcaram o fim da visita
de Geisel a Campo Grande, deslocamento para a Base Aérea e embarque
para Taunay, para cumprir a segunda etapa da programação. Geisel e
comitiva regressaram a Campo Grande às 14:40 horas, fazendo o transbordo
do Búfalo para o Boeing presidencial, regressando à Brasília.
Comitiva
No avião presidencial, além do presidente Ernesto Geisel, vieram os
ministros Alysson Paulinelli, da Agricultura; Rangel Reis, do Interior; Hugo
de Abreu, chefe do Gabinete Militar108
.
106
MARCELO em Cuiabá. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7308, p. 3, 19 jul. 1977.
107
GARCIA Neto diz que democracia está ainda em convalescença. Correio do Estado, Campo Grande/MT, nº
7441, capa, 31 dez. 1977.
108
NENHUMA audiência, nenhum atraso, tudo informal, nada sobre divisão. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n.7243, p. 5, 29 abr. 1977, (Grifo do autor).
45
As investidas junto ao governo federal, mais atestavam a subserviência do jornal ao
regime militar do que uma proximidade propriamente dita aos políticos de tal esfera, mas,
sobretudo tinha por finalidade forjar o engajamento dos políticos locais com os nacionais.
Os jornais, Correio do Estado e O Progresso, foram utilizados pelos grupos políticos
para defenderem suas decisões e seus interesses. Eles necessitavam da mídia para serem
notados socialmente e fizeram uso indiscriminado para gerenciar o espaço público, para
divulgar suas práticas, para propagar seus discursos, exercer seu poder simbólico, realizar
trocas sociais, construir representações, manipular signos, produzir sentidos e interferir
diretamente na vida social109
, com total apoio destas imprensas.
Assim, representaram simbólica e performaticamente ritos, imagens e discursos
produzidos na esfera de fenômenos políticos e sociais. Como se esses agentes públicos
almejassem “uma visão de mundo partilhada, uma leitura comum do passado, uma projeção
no futuro a ser vivido em conjunto”110
. Os poderosos foram legitimados e justificados na
credibilidade dada a eles, suas performances políticas e midiáticas produziram efeitos de
verdade, sobre o que seria coesão social e interesses em comum. Porquanto os representantes
do Poder Legislativo e Executivo, vereadores e o prefeito, respectivamente, contavam com os
jornais para disseminarem diariamente seus trabalhos.
1.3 - Imprensa: o palco político de consensos e dissensos
Não só os acordos e justaposições políticas foram avalizados pelos jornais. Muitas
disputas entre os políticos de Dourados e de Campo Grande também foram reportadas nas
páginas do Correio do Estado e do O Progresso. Como visto anteriormente, a rivalidade
existia dentro dos próprios partidos e não era obedecido o princípio de singularidade do
bipartidarismo. Os embates, a luta pelo poder e por interesses próprios se mostraram, mais
efusivamente, no momento em que o governo federal sinalizava para a divisão do estado.
A competitividade entre as elites, pelo poder e por maior representatividade
institucional, foi potencializada com a promessa da instalação da Faculdade de Agronomia
109
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias
110
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias, p. 75.
46
pela Universidade Estadual de Mato Grosso111
. Em 1977, a implantação da Faculdade
começou a ser disputada acirradamente entre grupos de Campo Grande e de Dourados. Os
debates foram intensos, uma vez que na esfera simbólica, dentro da perspectiva de ser futura
capital com a criação de um novo estado, ambas as cidades almejavam intensamente esse
“troféu” social.
A primeira menção a esse assunto feito pelo Correio do Estado ocorreu na primeira
edição do ano de 1977 e, em princípio emitiu uma nota sem cunho opinativo.
Possivelmente em julho a Universidade Estadual já terá condições de
promover exames vestibulares para os cursos em Agronomia, Zootecnia e
Licenciatura de Ciências Agrárias, que serão criados no campus da UEMT,
segundo informou ontem o reitor João Pereira da Rosa.
Os processos para avaliação técnica e econômica estão prontos, assegurou o
reitor, que ontem obteve promessa de total apoio necessário para a
implantação dos cursos, oferecido polo governador Garcia Neto, que
reconhece a importância da Agronomia, da Zootecnia e Licenciatura de
Ciências Agrárias para Mato Grosso, um Estudo de vocação essencialmente
voltado para a agropecuária.
A informação do reitor João Pereira da Rosa, contida nas entrelinhas de uma
entrevista, surpreendeu os jornalistas, pela importância da realização da
UEMT e que vinha sendo mantido sob sigilo.
Paralelamente, anunciou-se a eliminação de cinco cursos dos centros
pedagógicos de Três Lagoas, Corumbá e Aquidauana. O reitor não quis
mencionar quais os cursos que serão extintos112
.
Em um segundo momento valorizou o curso, enfatizou sua necessidade, demonstrou
que o interesse ultrapassava a esfera regional e principalmente, destacou os benefícios que a
implantação geraria.
A implantação do Curso de Agronomia, na Universidade Estadual de Mato
Grosso, é uma das lutas mais antigas da classe estudantil, que ressente-se da
abertura de uma escola superior desse nível. Além disso, pelas características
regionais, Mato Grosso é um Estado que necessita muito da mão-de-obra
especializada no setor de Agronomia. Esses dois fatores levaram a reitoria da
UEMT a iniciar o processo de coleta de dados e informações visando a
criação do Curso de Agronomia [...]. É possível que o chefe do Executivo
consiga, até mesmo, recursos financeiros para auxiliar o governo a implantar
mais esta faculdade, de interesse não só de Mato Grosso, como da própria
Nação, que tem como meta principal a dinamização da agropecuária, como
111
A Faculdade de Agronomia foi criada pela Lei 2.851 no ano de 1968 e designava Dourados para sediá-la,
porém, sua implantação não havia sido realizada até 1977. Onze anos de espera e expectativa para os
douradenses.
112
UEMT vai criar Curso de Agronomia. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7157, p. 1, 12 jan. 1977.
47
maior fonte de recursos e de desenvolvimento. Isso, praticamente, assegura a
Garcia Neto sucesso em sua missão, hoje, junto a Ney Braga113
.
Posteriormente, fez árdua campanha para que a instalação ocorresse em Campo
Grande em detrimento da cidade de Dourados. O Progresso, no dia 27 de maio, publicou
extensa matéria defendendo-se das depreciações feitas pelo Correio do Estado e respondendo
item por item as arguições utilizadas pelo jornal campo-grandense.
Não é nosso interesse retrucar artigos escritos por maldosos jornalistas, com
o simples pretexto de criar polêmicas. No entanto em um Editorial publicado
no Jornal Correio do Estado de Campo Grande, anotamos para dar
demonstração ao povo da Grande Dourados da crescente aversão que
estamos criando a certos elementos que por toda forca buscam isolar
Dourados, melindrando-nos e obrigando-nos a enfrentar vexames. Senão
vejamos as ‘belas’ frases daquele editorial:
‘Essa campanha em favor da instalação da Faculdade de Agronomia ganha
corpo, à medida que os políticos vão fazendo pronunciamentos... com muita
demagogia’, ... ‘muitos desses pronunciamentos são distorcidos’... Isso é
uma ofensa a nossos representantes!114
Nesse primeiro momento o impasse e a rivalidade entre os interesses das elites das
duas cidades ficaram evidentes, enquanto o jornal de Campo Grande afirmava que os políticos
de Dourados eram demagogos, o diário douradense chamou os jornalistas da imprensa campo-
grandense de maldosos, promotores de intrigas e ofensivos aos representantes de Dourados.
‘Dourados não tem o número mínimo exigido de alunos concluindo o 2º
Grau’.
Mentira! Por acaso foi feita alguma pesquisa sobre os atuais alunos de
nossas Faculdades? Se o fizeram verão que muitos dos alunos são pessoas
maduras que há muito haviam deixado de estudar, mas, que resolveram fazê-
lo para o próprio aperfeiçoamento.
‘...a cidade que se propõe receber a faculdade deve ser considerada, em
primeira instância um polo de Distrito Geo-Educacional, ... a cidade teria
que ser, pelo menos núcleo germinal, e Dourados não o é’.
Não existe germinação na mentalidade daqueles, que as vezes aparentando
homens cultos, mas, na verdade possuem uma ignorância notória e maldosa.
‘... há necessidade que, na área a ser coberta pela Faculdade, não exista
nenhuma cidade que possua os requisitos’.
‘... o município de Dourados ainda está muito aquém das exigências
básicas...’
113
GOVERNADOR anunciou ontem criação do Curso de Agronomia. Correio do Estado, Campo Grande/MT,
n. 7219, p. 5, 30 mar. 1977.
114
FACULDADE de Agronomia. O Progresso, Dourados/MT, n. 2015, p. 1, 27 mai. 1977, (Grifo do autor).
48
Acreditamos que o prezadíssimo articulista não sabe separar o joio do trigo e
deve ter aprendido agricultura por correspondência115
Tanto as afirmativas feitas pelo Correio do Estado, quanto as réplicas exibidas pelo O
Progresso denunciavam muito mais o uso de estratégias discursivas para garantirem-se
legítimos a receberem o troféu social da implantação da Faculdade, do que uma apresentação
de dados concretos que demonstrassem as reais condições e justificativas pelas quais cada
cidade seria merecedora do curso de agronomia.
‘... a Prefeitura de Dourados deveria construir escolas, visando diminuir o
déficit de 12 mil vagas...’.
Que contradição! V.Sa. diz que não precisamos de uma Faculdade de
Agronomia por que não temos condições e depois revela a nossa realidade
em que a falta de escolas é gritante. Digamos que faltam 12.001 vagas em
nossas escolas, esta última poderia muito bem ser usada por V.Sa.
‘O que falta, realmente, aos que supostamente lutam por Douradas, é mais
honestidade, franqueza e cabeça fria’.
Caros leitores, vocês se ponham em nosso lugar. Nos chamaram de
desonestos. Desonesto é o modo como que sempre fomos tratados por
Campo Grande, que nem ainda é capital já quer usufruir de nossas riquezas.
Imaginem depois que for capital!116
No texto houve diminuição de valores pessoais e ofensas, que desacreditavam ambas
as cidades de suas capacidades em receberem e manterem uma faculdade, os douradenses
foram acusados de desonestos e os campo-grandenses de usurpadores e aproveitadores.
‘ existe uma chance em um milhão de que a cidade venha a sediar, a curto
prazo, uma Faculdade de Agronomia’.
Por favor, douradenses que se prezam, esta humilhação não pode ser
aguentada por esta terra de Marcelino Pires, que produz mais de 60% das
riquezas agrícolas do Estado.
‘Não se deve buscar promoção pessoal em torno de um curso que não vai
sair tão logo’.
A pessoa responsável pelo artigo deve ser um desajustado mental e sádico.
Pedimos aos seus familiares que procurem um psiquiatra imediatamente, sob
pena de graves consequências.
Está na hora de esquecermos as desavenças políticas todos nós da Grande
Dourados, de nos unirmos em torno de um único ideal: A defesa de nossos
interesses. Chega de abuso e descrédito a que sempre fomos subjugados
além do completo abandono a nossos anseios e necessidades [...]. Nós não
115
Ibidem, (Grifo do autor).
116
Ibidem, (Grifo do autor).
49
somos desonestos, como assim o fomos tratados e temos muito amor a esta
terra. Compramos a briga e vamos às consequências117
.
O auge dos insultos foi a atribuição de desajuste mental ao campo-grandense
responsável pela escrita do artigo. Três dias após a publicação dessa resposta, ainda houve a
retomada do assunto, para deixar evidente a postura combativa em relação ao Correio do
Estado e às suas considerações depreciativas à cidade de Dourados e sua infraestrutura.
Campo Grande anda dizendo que Dourados não oferece condições de
agasalhar uma Faculdade de Agronomia [...]. Tememos, porém, hoje,
quando constatamos que de Campo Grande nasce a ideia oca segundo o qual
Dourados não tem condições de receber, agasalhar e manter em
funcionamento uma Faculdade de Agronomia. O primeiro argumento sobre a
insuficiência do número de estudantes secundários e possíveis candidatos à
Faculdade já se viu por terra, graças à santa revolta deste mesmo jornal118
.
Novamente, o texto desmereceu o posicionamento do jornal de Campo Grande e se
vangloriou por sua defesa em formato de “revolta”.
Diante do assunto, não exigimos que nos presenteiem com uma Faculdade.
Queremos apenas que nos abram aquela que já existe por ato do Governo
Pedrossian. Muita gente espera por ela. Além dos atuais dez mil alunos do
curso secundário, há outro tanto que perambula pelas imensidões lavradas e
cultivadas da região, em busca da vocação agrícola, ou melhor, do caminho
próprio que o leve a ela. De todos os recantos do Brasil, aí estão os filhos
dos que chegaram e aqui ficaram, graças à uberdade do solo. Filhos muitas
vezes que devem apanhar para aprender, quando poderiam aprender para
produzir.
Não é ao Jornal ‘O Progresso’ que essa gente que se opõe a instalação de
uma Faculdade de Agronomia prejudica. Não é ao profissional liberal ou aos
proprietários de imóveis urbanos, mas a juventude e às crianças que
estendem olhares sobre a imensidão fértil que os espera. Se tratados com
indiferença, provavelmente hão de fugir da terra, porque viram decepada no
nascedouro a planta vocacional que lhes germinou nas almas, quando na
manhã da vida sentiram-se bem ao mirar uma lavoura de soja, trigo ou arroz.
Ao homem próprio, uma Faculdade própria! Ao homem da terra, uma
Faculdade que se volta para a terra! Isto queremos119
.
Na dramatização encampada trouxe à cena, com paixão e sentimentalismo, a
juventude e as crianças, como se todas elas sem exceção fossem futuramente beneficiadas
117
Ibidem, (Grifo do autor).
118
LUIZ, José Marques. Faculdade de Agronomia. O Progresso, Dourados/MT, n. 2017, p. 1, 31 mai. 1977.
119
Ibidem, (Grifo do autor).
50
com a implantação da Faculdade de Agronomia. Apelou para os valores da ruralidade, como
se em Dourados não houvesse também a urbanidade e opções outras, além da lida com a terra.
[...] instalada em Campo Grande, certamente terá alunos. Alunos que nascem
olhando para prédios de concreto. Alunos que crescem e que terão um
diploma de agrônomos para se dedicarem ao comércio e outras atividades
em grande porcentagem. Tudo por bairrismo, por vaidade ou por inveja.
Motivos que em nenhuma hipótese justificam o crime que se comete contra
o povo de Dourados [...]. Negar as condições da Região para a instalação da
dita faculdade, é negar o óbvio, é demonstrar bairrismo sem base, é arriscar-
se demais junto às raias da burrice!120
.
Na medição de forças provocada pelo Correio do Estado, O Progresso manifestou-se
veementemente desde o primeiro momento em prol da instalação da Faculdade em sua cidade,
e apontou impetuosamente os esforços aplicados pelos políticos locais.
Já no sábado, numa demonstração que trabalho é válido para qualquer hora,
o prefeito José Elias, logo após participar da Colação de Grau no Centro
Pedagógico de Dourados (onde formaram 74 alunos), conseguiu reunir-se
com o Reitor João Pereira da Rosa e voltou à carga sobre o assunto
Faculdade de Agronomia.
Nesse encontro do prefeito e o Reitor da Universidade Estadual de Mato
Grosso participaram os vereadores Walter Benedito Carneiro, Juarez Fiel
Alves, o Presidente da Câmara prof. Sultan Rasslan, os Secretários Osmair
Scarpati da Agricultura Indústria e Comércio) e Antônio Medina (da
Administração), e também os professores Laerte Cecílio Tetilla, Lori
Gressler, Zonir de Freitas Tetilla, além de outros políticos e líderes, tais
como o dep. Edson Pires de Almeida [...]121
.
Desta vez, para reforçar a ação do prefeito e dar peso a suas ponderações, além de
elencar as alianças políticas, associou-a a presença de professores. Também reforçou a fala de
José Elias ao reitor, convidando-o a visitar Dourados em companhia de técnicos educacionais,
apreciar sua estrutura agrícola e cogitá-lo como sede.
Em meio dos argumentos, o prefeito convidou o reitor para conhecer ‘in
loco’, a região de Dourados, para poder apreciar de perto a necessidade da
implantação da Faculdade de Agronomia.
E que quando ele pudesse vir, se acompanhasse de Técnicos do Conselho
Estadual de Educação, para em conjunto, após analisar a realidade agrícola
de Dourados na companhia da Comissão de Alto Nível (feita pela Secretaria
de Educação do Município) pudessem chegar a um denominador comum.
120
Ibidem.
121
Cr$ 180 MILHÕES para a Grande Dourados. O Progresso, Dourados/MT, n. 2012, p. 1, 24 mai. 1977.
51
Após os debates, o Sr. João Pereira da Rosa, levando em conta os
considerandos do prefeito e dos demais presentes, acabou por garantir: Que
se no Conselho Estadual de Educação, houver empate entre Dourados e
Campo Grande, o seu voto de Minerva (ou de desempate), seria para
Dourados.
Assumindo essa posição e considerando as palavras do reitor, é de se
garantir que a Faculdade de Agronomia, vem para Dourados, uma vez que o
reitor é também o Presidente do mencionado Conselho122
.
A assertiva sobre a implantação da Faculdade ser realizada em Dourados, foi uma
conclusão que o jornal realizou por si, sem respaldo concreto, sem diretrizes reais e, que
expressou o quanto não mediu forças para autenticar seus discursos em busca de uma
apropriação legítima de qualidades, suficientes e inquestionáveis.
1.4 – A ligação de políticos com o jornal O Progresso, anteriormente à divisão do
estado de Mato Grosso.
No momento em que o interesse comum pela Faculdade de Agronomia, entre as
cidades de Dourados e Campo Grande, virou uma disputa acirrada por legitimidade, houve
uma medição de forças no sentido de mostrar quem possuía maior poder e prestígio junto ao
governo estadual e federal. A imprensa foi amplamente utilizada para os grupos políticos
ajustarem suas relações e evidenciarem seus acordos e interesses.
Em 12 de maio de 1977, o jornal publicou a notícia, “Saldanha contesta entrevista do
Secretário de Educação”, que tratou do apelo do deputado Paulo Saldanha ao governador
Garcia Neto, para que se respeitando a Lei 2.851 de 1968, a Faculdade de Agronomia fosse
instalada em Dourados.
‘Cabe-me a responsabilidade de vir a esta Tribuna do Povo trazer a público
as nossas riquezas, as nossas misérias, as nossas alegrias o os nossos
desenganos, as nossas potencialidades, as nossas necessidades’, disse Paulo
Saldanha no início de seu pronunciamento dirigido ao Governador José
Garcia Neto.
‘Não vimos, em todo Mato Grosso, um local mais adequado mais propício
para a instalação do Curso de Agronomia que Dourados’, continuou
lembrando a reivindicação que dirigiu ao governador Garcia Neto, para que
o curso se instalasse em Ponta Porã, mas devido a argumentação do dirigente
do Estado em favor de Dourados, passou a defender, também essa tese.
Lembrando a existência da Lei 2.851, que cria a Faculdade de Agronomia
em Dourados, Paulo Saldanha defendeu a tese que iria beneficiar toda a
região. A Faculdade de Agronomia de Dourados acha-se, portanto,
legalmente criada, faltando tão somente a sua implantação pelos órgãos
122
Ibidem.
52
competentes do ensino superior do Estado de Mato Grosso com a devida
autorização para funcionamento do Conselho Estadual de Educação 123
.
Sob os argumentos de “melhor sede” e “a mais indicada” a receber a Faculdade, O
Progresso enalteceu os aspectos agrícolas e pecuários da região, chegando a evidenciá-la a
mais “rica do mundo”. Invocou aspectos legais irrefutáveis e a vontade do povo como base
para sua revindicação.
Disse, e lembrou a estratégica posição da cidade de Dourados, privilegiada
por sua elevada densidade demográfica e com vastas perspectivas e posturas
em face de sua base econômica assentada sobre a agricultura e pecuária, que
lhe dá a possibilidade de vir a se tornar numa das maiores cidades do Brasil.
Dentro desse quadro, raciocinou o deputado Paulo Saldanha, Dourados, que
sedia uma das mais ricas regiões do mundo, tem por aspiração maior a
Faculdade que, por Lei, já pertence desde 1968.
Ao final de seu pronunciamento, Paulo Saldanha convoca todos os
representantes da região na Assembleia Legislativa para, juntos defenderem
essa postura legal existente, colocando nas mãos do governador Garcia Neto
a compreensão e sensibilidade suficientes para alcançar a verdadeira
extensão da reivindicação do povo e da região de Dourados124
.
A implantação da Faculdade seria um grande ganho a Dourados, todavia, o prestígio
atribuído aos agentes que conseguissem o feito seria consideravelmente maior, uma vez que a
conquista seria utilizada em todo e qualquer discurso. A despeito do apelo popular evocado
por deputado Paulo Saldanha, sabe-se que apenas uma pequena elite se beneficiaria com o
curso de Agronomia. Assim, cada vez que um político invocava o povo como referência,
pretendia muito mais agregar valor a sua fala, legitimá-la e justificar seu lugar de poder, que
especificamente a busca de um bem geral. Ademais, foi uma ótima oportunidade para o
enaltecimento das duas cidades.
O Progresso elencou, ao máximo, os políticos que estavam favoráveis a Dourados. Foi
uma maneira de demonstrar, que na rivalidade, os douradenses tinham seus patronos e que
poderiam contar com eles em qualquer situação.
O deputado Horácio Cerzósimo de Souza defendeu na Assembleia
Legislativa de Mato Grosso, recentemente, a necessidade de se incluir no
plano prioritário do governo estadual, a instalação da Faculdade de
Agronomia de Dourados.
123
SALDANHA contesta entrevista do Secretário de Educação. O Progresso, Dourados/MT, n. 2004, p. 10,
12 mai. 1977, (Grifo do autor).
124
Ibidem.
53
A indicação do parlamentar douradense foi feita ao governador Garcia Neto
e com cópias ao Reitor da UEMT com sede em Campo Grande e ao
Secretário da Educação e Cultura do Estado. Em sua justificativa Horácio
Cerzósimo diz que ‘sendo do sul de Mato Grosso, uma das regiões com
índice de crescimento dos mais elevados do mundo no setor agrícola, é de se
esperar que procuremos encarar com séria atenção as reivindicações básicas
do nosso povo e da nossa agricultura, de forma que a juventude obtenha uma
educação que mais se ajuste a realidade, através do aprimoramento dos
conhecimentos vinculados ao atual ‘status’ da nossa dinâmica região’125
.
Na defesa encampada pelos políticos não houve limites ou respaldo técnico em suas
argumentações. Um exemplo disso foi o discurso do deputado estadual Horácio Cerzózimo ao
afirmar que Dourados era a região que mais crescia “no mundo” no setor agrícola.
Por todas essas razões, justificada está a decisão oficial de se implantar na
área de Dourados, a Faculdade de Agronomia; bem como, necessário se
impõe, a consolidação dessa feliz iniciativa, de modo a que não se protele
mais a sua instalação e que não se altere o projeto que determina claramente
a implantação de Faculdade de Agronomia em terras de Dourados, por força
e consequência de interesses de estranhos ao nosso fundado e merecido
direito.
Ninguém, em sã consciência, pode fazer a menor restrição ao potencial da
região da Grande Dourados, com cerca de oito milhões e setecentos mil
hectares da área agricultável e quase seis milhões de hectares, de férteis
solos, abrangendo quase 30 municípios de nosso Estado. A conjugação de
fatores preciosos e fundamentais, tais como topografia, solo e clima
asseguram a privilegiada situação de Dourados para abrigar a Faculdade de
Agronomia, que servirá de nosso trabalho agrícola e da extraordinária
sustentação de todo Mato Grosso, por meio da necessária e continuada
pesquisa visando acentuar o aumento da produção de cereais por área
trabalhada durante todo o ano, em superfície sempre ampliada de terras
agricultáveis. Nossos futuros engenheiros dinamizarão a vida agrícola da
Grande Dourados e do Estado126
.
Nas palavras do deputado o desenvolvimento e o futuro agrícola da Grande Dourados
estariam salvaguardados com a implantação do curso em Dourados, a pretensão enunciada
abarcou a possibilidade de que em tempos vindouros a produção da região seria capaz de
diminuir a fome da “humanidade”.
‘Temos infraestrutura agrícola. Temos utilizado racionalmente a nossa terra.
A malha rodoviária, senão ideal, garante o escoamento das nossas valiosas
safras para os grandes centros consumidores. Nosso setor de
armazenamento, ainda deficiente, pode ser julgado altamente favorável, em
confronto com as áreas norte e leste de Mato Grosso. Muito trabalho a
125
HORÁCIO Cerzósimo: Prioridade para Agronomia em Dourados. O Progresso, Dourados/MT, n. 2026, p. 3,
14 jun. 1977, (Grifo do autor).
126
Ibidem.
54
executar temos no futuro da Grande Dourados, pois, somente um percentual
de uns 30% de sua faixa agricultável, vem sendo explorado na atualidade.
Portanto, muito além do resultado de hoje, temos a produzir, a oferecer. Já
funciona em Dourados aos cuidados da EMBRAPA o único centro de
pesquisas agrícola do Estado; e a assistência e apoio técnico aos, nossos
agricultores estão sendo garantidas por inúmeras firmas de planejamento
rural.
A eletrificação rural não mais se consiste em sonho na região de Dourados,
ela já se torna uma realidade palpável, concreta.
Hoje em dia, contamos com o único laboratório de análises de sementes do
Estado. As cooperativas agrícolas são altamente estruturadas. O Programa de
Desenvolvimento da Grande Dourados amplia os nossos melhores sonhos de
constituirmos ali, um inestimável celeiro de alimentos para atenuarmos a
fome de parte da humanidade.
No campo tecnológico, Dourados sofre a carência do concurso de maior
número de qualificação de orientadores que pode ser encontrado a curto
prazo por meio da Faculdade de Agronomia. Estamos preparados para
receber a Faculdade de Agronomia, pois precisamos de seu imediato
funcionamento, pois, assim estará concretizada uma velha aspiração do povo
progressista e laborioso da vasta região da Grande Dourados, que em muito,
vem contribuindo em favor da economia estadual e inevitavelmente, será a
maior sustentação da Nova Unidade da Federação recém-criada em nosso
Estado’127
.
A disputa com a cidade de Campo Grande, representada nos dois periódicos, se fazia
necessária na lógica dos grupos políticos locais, uma vez que ambos tinham interesse nesse
“aporte” que os auxiliaria na construção de um enredo favorável na história política,
construindo no imaginário social um rol de conquistas, de proveitosos benefícios e, ainda,
demonstraria qual deles possuía maior poder político.
Quem semeia vento colhe tempestade. É muito melhor agrupar do que
redividir.
Ontem ao lermos um artigo no conceituado jornal ‘Correio do Estado’,
citando fontes do UEMAT sentimos enrubescer a face, indignados, quando
este dizia que a curto prazo Dourados não tinha condições nenhuma de ter a
sua faculdade de Agronomia. Falou inclusive que Campo Grande tinha 8 mil
estudantes no curso médio e que Dourados tem apenas 1.000 alunos no
segundo grau.
Que barbaridade, que desconhecimento, que desprezo [...]. Apenas dever-se-
ia atualizar, certos dados, na afirmação de que em Dourados e na Grande
Dourados existem mais de 10 mil estudantes que atualmente estão no curso
médio e bem mais de 140 mil estudantes em cursos primários, com enorme
interesse de em algum dia fazer um curso superior.
Aqui nós temos a agricultura como base econômica. O Brasil já é o segundo
país do mundo em produção de grãos, depois dos Estados Unidos. A Grande
Dourados desponta como possuidora das melhores terras do mundo, em
condições de exploração a curto prazo [...] nós aqui estamos muito mais
preocupados em salvaguardar a nossa produção, construindo centenas de
127
Ibidem, (Grifo do autor).
55
armazéns, e, contribuindo em muito na balança das exportações
brasileiras128
.
O jornal douradense fomentou a disputa ao apontar Ruben Figueiró de Oliveira,
parlamentar arenista, como inimigo de Dourados, porque o mesmo, entre outras coisas
defendia a implantação da faculdade em Campo Grande.
A antipatia por Figueiró tem aumentado em Dourados, após conhecer-se a
opinião daquele deputado sobre a implantação do curso de Agronomia. Em
recentes declarações à imprensa campo-grandense, o deputado foi favorável
a implantação do curso na cidade de Campo Grande acompanhando uma
pequena minoria que tem esse pensamento e contrariando opinião do próprio
governador Garcia Neto, que prometeu a instalação do curso na cidade de
Dourados.
Quando todos lutam pela implantação do curso em Dourados, Figueiró diz
que Campo Grande é que merece, mas com certeza, o povo saberá como
escolher seus representantes nas próximas eleições, principalmente os
eleitores da Grande Dourados, que terão grande peso nessa balança de
votos129
.
Na trama de interesses envolvidos nesse contexto, O Progresso abordou duas questões
em uma mesma reportagem, “divisão” e “faculdade de agronomia”, no discurso do vereador
Celso Amaral, apesar do aviso deste sobre os “maus intencionados”. Em princípio dois temas
tão distintos, porém, intrinsecamente relacionados na rivalidade da construção simbólica e da
aquisição de bens sociais que sobrepesassem o valor político130
.
Ocupando a Tribuna da Câmara Municipal, para, mais uma vez, defender a
implantação da Faculdade de Agronomia em Dourados, o vereador Celso
Muller do Amaral disse que ‘A Faculdade é nossa e por isso é que estamos
brigando por ela’. ‘Entretanto — continua Celso Amaral, não há motivos
para que se inicie uma briga entre Dourados e Campo Grande’, pois segundo
ele a cidade morena também tem o direito de lutar, ‘só que nossa aspiração
de conseguir esse curso é antiga, tem mais de 20 anos’.
O vereador Celso Amaral demonstrou sua preocupação diante do clima de
hostilidade que poderá haver entre as duas cidades, com a formação do novo
Estado. ‘Não podemos chegar em Campo Grande e considerá-la inimiga,
pois tanto há douradenses lá, como campo-grandenses que moram aqui’
Quanto a Faculdade de Agronomia, Celso Amaral disse que a reivindicação
de Dourados é das mais justas, pois ela já existe de direito, mas, isso não
impede que Campo lute também pelo mesmo objetivo. Alertou o vereador,
para o maquiavelismo que está sendo detectado, dizendo que Dourados —
128
CAMPO Grande acha inviável faculdade de Agronomia em Dourados. O Progresso, Dourados/MT, n. 2014,
p. 1, 26 mai. 1977, (Grifo do autor).
129
INIMIGO de Dourados. O Progresso, Dourados/MT, n. 2022, p. 1, 07 jun. 1977.
130
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico.
56
muito especialmente o seu povo — não quer guerra com Campo Grande. A
saída do Palácio Jaguaribe, falando à reportagem de O PROGRESSO, o
vereador Celso Amaral condenou aqueles que estão querendo subverter as
coisas, usando como subterfúgio a Faculdade de Agronomia e disse:
‘Dourados não tem caveira de burro, o que há são muitos burros que fazem a
caveira desta cidade’ 131
.
Enfatizou a fala do Deputado Henrique Pires de Freitas, que além de críticas severas
ao então reitor, João Pereira da Rosa, da Universidade Estadual de Mato Grosso, não poupou
julgamentos negativos à Liga Sul-mato-grossense que defendia os interesses das elites da
cidade de Campo Grande.
Aparteando o Deputado Paulo Saldanha, o Deputado Henrique Pires de
Freitas (MDB), disse que Dourados é a região que mais produz cereais em
Mato Grosso [...] Mais agressivo, chamou o reitor João Pereira da Rosa da
Universidade Estadual de Mato Grosso — U.E.M.T. — de mentiroso, pois
ele apregoou que os alunos em condições de freqüentar o Curso de
Agronomia, estão em Campo Grande, se esquecendo que Dourados e sua
região, é a que mais tem alunos carentes de um Curso Técnico Agrícola,
pelas suas condições essencialmente baseada no trato, cultivo e preparo da
terra. Disse o Deputado que o Reitor Pereira da Rosa não tem conhecimento
de causa e usando sua política caminhou na frente conseguindo parecer
favorável através do Conselho Federal de Educação, dando prioridade da
instalação do Curso de Agronomia para Campo Grande.
Louremberg deveria saber o que representa Dourados hoje. ‘Dourados é uma
terra onde não há mais lugar para o boi, e sim, para a soja, trigo, arroz, milho
e outros cereais’ — assinalou Freitas. Condenando os chamados
‘Agrônomos de Asfalto e de Laboratório’ o Deputado Emedebista fez severa
crítica a uma Liga Divisionista do Sul’, que se intitula defensora dos
interesses daquela região: Essa liga se veste de Líder, mas não representa
nossos legítimos interesses; conhecemos o passado político e eleitoreiros de
cada um dos seus integrantes.
Os Estudantes de Agronomia, segundo Saldanha (ARENA), Pires de Freitas
(MDB), e Cersózimo (ARENA), devem aprender numa região agrícola que é
o maior de todos os laboratórios132
.
Os políticos, juntamente com a mídia, encamparam uma luta discursiva que
designavam ser em nome da população, contra o que acreditava serem as intenções de cada
131
CELSO Amaral quer preservar amizade de Dourados com Campo Grande. O Progresso, Dourados/MT, n.
2024, p. 1, 09 jun. 1977, (Grifo do autor).
132
DEPUTADO Henrique Freitas chama Reitor de mentiroso. O Progresso, Dourados/MT, n. 2040, p. 4, 01 jul.
1977, (Grifo do autor).
57
cidade, mas que na realidade implicava muito mais em serem vistos socialmente, manipular a
opinião pública133
e assim legitimar suas rivalidades em um novo espaço de poder.
Dissensos e divergências inter e extrapartidárias, rivalidades já existentes entre elites
douradenses e campo-grandenses, foram publicadas em ambos os jornais, que expuseram seus
vínculos e compromissos com seus colaboradores, os políticos, que empregaram a influência
do poder e utilizaram os meios de comunicação como instrumentos para promoverem
opiniões e disseminarem discursos, com intenção de homogeneizar as ações e os pensamentos
sociais de acordo com seus interesses no contexto divisionista.
133
A opinião pública não é a somatória das opiniões individuais das pessoas em geral, como comumente se
entende, mas sim, um tema presente nas pautas dos meios de comunicação. A agenda dos meios determina a
agenda pública. A opinião pública, para ser pública, terá que ter um tema presente nos meios de comunicação de
massa. É preciso compreender que a percepção da opinião pública é fortemente determinada pelos meios de
comunicação. A mídia determina de acordo com seus interesses a opinião pública, interesses que podem ser
desde a simples audiência ou até mesmo interesses políticos. Para maiores informações ler: FERRARI, Douglas.
Opinião Pública segundo Clóvis de Barros Filho, Curso de Ciência Política. São Paulo: USP.
58
II – O JORNALISMO LOCAL NO PERÍODO DE PRÉ-DIVISÃO DO ESTADO DE
MATO GROSSO - INTERCORRÊNCIAS FEDERAIS E AS RELAÇÕES COM O SUL
DO MATO GROSSO.
Nos meses de março e abril que antecederam a divisão do estado de Mato Grosso em
1977, alguns atos presidenciais tiveram relação muito forte com a criação do novo estado.
Entre elas o Pacote de Abril134
, um conjunto de mudanças constitucionais decretado por
Geisel na primeira quinzena daquele mês que foi amplamente divulgado pelo Correio do
Estado e o Progresso.
Esse decreto, mais especificamente a emenda nº 8, reformou o processo eleitoral para
conter o crescimento do MDB, partido da oposição, manteve as eleições indiretas para o cargo
de governadores com o intuito de favorecer a Arena. A medida também criou a figura do
senador biônico, sendo um senador dos três, eleitos indiretamente pelas Assembleias
Legislativas em cada unidade da federação135
, assim, ao invés de depender de 2/3 da bancada,
para uma emenda ser aprovada bastava uma maioria simples136
. A imprensa local, em
conjunto com os políticos, tinha total interesse em apoiar o governo federal, almejando
possíveis vantagens.
O Progresso, na efervescência da discussão acerca das medidas presidenciais, em 2 de
abril, ressaltou a posição do vereador douradense Celso Amaral, da Arena, ao enaltecer o
regime e tecer elogios às condutas administrativas dos militares demonstrando sua conivência,
aceitação e colaboração ao governo autoritário.
A redentora Revolução de Março de 1964, que veio trazer a este País uma
administração séria, honesta, austera e patriótica, é outra forte razão para
justificar a medida que propomos. Pois, sob a égide dos sagrados princípios
desta Revolução, se têm imposto ao povo brasileiro os grandes e heróicos
sacrifícios da contenção de despesas, onde os que trabalham assalariados,
quer no setor público, quer no setor privado, percebem vencimentos muito
134
Para maiores informações sobre o Pacote de Abril e as medidas eleitorais tomadas pelo regime militar ler:
FLEISHER, David. Manipulações casuísticas do sistema eleitoral durante o período militar, ou como usualmente
o feitiço se voltava contra o feiticeiro. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon. D’ARAUJO, Maria Celina. 21 anos de
regime militar: balanços e perspectivas.
135
Para maiores informações sobre o período de ditadura militar no Brasil e suas configurações no estado de
Mato Grosso ler: ARAKAKI, Suzana. Dourados: memórias e representações de 1964 e LEITE, Eudes
Fernandes. Aquidauana: A baioneta, a toga e a utopia nos entremeios de uma pretensa revolução.
136
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984).
59
inferiores as suas reais necessidades, sacrifícios estes sofridos em silêncio e
com resignação, porque são para o bem do Brasil137
.
Entretanto, apesar do bipartidarismo os arenistas não acatavam todas as ações da
ditadura. Havia também acordos e diálogos entre a Arena e o MDB138
, como aconteceu em
Dourados no ano de 1976, nas eleições para prefeito e vereadores. Essas relações construídas
como amistosas foram amplamente divulgadas, mesmo nos momentos conflituosos em que
Geisel realizava medidas austeras o jornal apoiava as ações dos emedebistas.
No dia 7 de abril, foi publicada uma reportagem que relatava algumas táticas
governamentais adotadas pelo presidente e o impacto que causariam para os dois partidos:
Alguns benefícios para a Arena, como a recuperação da base parlamentar perdida nas eleições
de 1974139
, e os percalços a serem enfrentados pelo MDB.
Fontes extraoficiais já comentam as principais medidas que serão
introduzidas na reforma política que será feita pelo Poder Executivo durante
o recesso parlamentar. São elas: eleições indiretas com a inclusão de
vereadores nos colégios eleitorais, extensão das sublegendas para o Senado,
voto vinculado, modificação do quórum para votação de emendas
constitucionais e dos mandatos dos prefeitos e vereadores por dois anos, para
que se estabeleça a coincidência dos mandatos em 1982 [...] reduzindo a
exigência de dois terços para a maioria absoluta, o Governo passará a contar
novamente com a base parlamentar perdida nas eleições de 74, quando a
Oposição cresceu em número. Assim será tranquila qualquer aprovação de
novas emendas constitucionais que o Executivo julgar necessárias.
Quanto à modificação dos colégios eleitorais, sabe-se apenas que eles
contarão com a participação dos vereadores, embora essa participação ainda
não esteja definida.
Com isso, o Governo garante praticamente a indicação de todos os
governadores, excetuando-se o Rio de Janeiro, onde ainda assim o MDB
continuará majoritário no colégio eleitoral.
137
BANQUETE E churrasco com o dinheiro do povo?!! O Progresso, Dourados/MT, n. 1980, p. 1, 2/3 abr.
1977.
138
CHAVES, Eduardo dos Santos. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e a construção social da ditadura
civil-militar no Rio Grande do Sul.
139
Com a queda econômica e forte repressão política após o AI-5, os militares optaram por uma liberalização
política para o pleito de 1974, que incluía: “manutenção do eleitorado como base para calcular as bancadas
estaduais; aumento no número de cadeiras na Câmara de 310 para 364; acesso amplo de todos os candidatos à
nova rede integrada de TV via Embratel em nível estadual; proibição de sublegenda para o Senado; uma
“candidatura nata” para deputado federal, estadual e senador; e criação de um ambiente político mais livre para o
desenvolvimento das campanhas”. O que o governo não previu foi a força do MDB, que com essas condições,
“aumentou por meio das eleições de 1974, sua bancada de 28% para 44%, deixando o governo impossibilitado
de aprovar emendas constitucionais no Congresso sem seu apoio”. FLEISHER, David. Manipulações casuísticas
do sistema eleitoral durante o período militar, ou como usualmente o feitiço se voltava contra o feiticeiro. In:
SOARES, Gláucio Ary Dillon. D’ARAUJO, Maria Celina (Org.). 21 anos de regime militar: balanços e
perspectivas.
60
Quanto às eleições para o Senado, a reforma restabelecerá o sistema de
sublegendas, o que dificultará sensivelmente a posição dos candidatos
emedebistas. Isto, somando à vinculação do voto dos candidatos majoritários
e proporcionais, deverá garantir à ARENA a manutenção da maioria
parlamentar na Câmara e no Senado.
Sem dúvida, a mais surpreendente de todas essas medidas mais ou menos
previstas é a da coincidência de mandatos em 1982, através da dilatação por
dois anos dos mandatos dos vereadores e prefeitos eleitos em novembro do
ano passado140
.
A crescente base emedebista nas eleições regionais em 1976, fez com que o governo
federal ficasse mais atento e criasse estratégias para minar e reduzir seu avanço. Visava
cooptar os políticos eleitos, prefeitos e vereadores para apoiarem a Arena aumentando em
dois anos seus mandatos, institucionalizar o processo “revolucionário” e se necessário usar do
AI-5. A matéria em nenhum momento citou os problemas internos relacionados à Arena, no
entanto, fez questão de enfatizar as dificuldades do MDB em homogeneizar as vontades dos
seus membros.
Toma-se então, evidente que o Governo não só baseará a reforma política na
análise dos resultados eleitorais do ano passado como também procurará
conquistar a adesão, ainda que discreta, dos eleitos agora.
O Governo acha que, com a adoção dessas medidas que considera essenciais,
estará criando as condições para a institucionalização do processo
revolucionário, embora não se dispunha tão cedo a abrir mão do AI-5.
Os observadores políticos, por sua vez acreditam que, concretizadas essas
medidas, as chances do MDB, não só no que se refere aos Executivos
estaduais, como em relação ao crescimento de sua bancada, praticamente
desaparecem.
Contudo, restará à Oposição a possibilidade de conquistar, pelas eleições
indiretas, o governo do Rio de Janeiro. Mas, ainda, assim, cumpre registrar
que o MDB terá que superar seus próprios obstáculos internos [...]. De
qualquer maneira, muitas surpresas vão surgir. A semana que se inicia
deverá ser bastante significativa141
.
Em 12 de abril, mais uma nota sobre o assunto foi emitida, novamente não houve
qualquer questionamento, opinião contrária ou desaprovação aos decretos de Geisel, como se
estes fossem genuínos e autênticos, mesmo se tratando de um ato ditatorial de fechamento do
Congresso, no qual as lideranças não foram consultadas, somente informadas. Esse
distanciamento entre as proposituras dos militares e a participação dos políticos civis,
140
COM A reforma, prorrogação de mandatos. O Progresso, Dourados-MT, n. 1983, p. 1, 07 abr. 1977.
141
Ibidem.
61
acontecia por efeito da limpeza política, promovida pelo governo Castelo Branco, que
consistia em marginalizar os lideres de aporte nacional e preencher as lacunas da gestão
pública com “tecno-empresários” e militares. Os políticos tradicionais tornaram-se acessórios
nas decisões governamentais, porque foram excluídos do centro do poder, ao mesmo tempo,
em que os militares ampliavam suas atuações. Assim, “as Forças Armadas tornaram-se mais
articuladas, diferenciadas e independentes da sociedade civil, reforçadas por sua socialização
profissional específica”, o que permitia maior singularidade de pensamento e reordenamento
ideológico dentro da administração pública142
.
As reformas que o presidente Geisel deverá baixar por atos conjuntos, esta
semana, estão confirmadas na linha das revelações feitas pela imprensa,
devendo incluir ainda a antecipação da eleição do futuro presidente da
República, pelo Congresso, de 15 de janeiro de 1979, no segundo semestre
de 1978, antes das eleições gerais previstas [...]. O encontro deste fim de
semana, serviu apenas para que, os presidentes da Câmara, do Senado e da
Arena; tomassem conhecimento dos esboços definitivos dos textos, de todas
as reformas constitucionais ordinárias que o presidente pretende baixar por
atos conjuntamente, esta semana. As medidas só poderão ter efeito depois de
sua publicação no Diário Oficial da União [...]. Além de tudo, o presidente
pretende manter uma última e definitiva reunião com os seus líderes
políticos. Este último e definitivo encontro, antes do envio de todas as
matérias para publicação no Diário Oficial, poderão ocorrer hoje143
.
Em outra reportagem do mesmo dia, constou um dado importante: o presidente
aumentara o mandato do próximo presidente em um ano. A única dúvida expressada no texto
era a respeito da não evidência da extensão da medida tomada, se esta abarcaria as futuras
propostas de alteração constitucional de iniciativa do Congresso e do Executivo.
Definidas as últimas emendas que integrarão as reformas políticas.
O mandato do próximo presidente da República será ampliado de cinco para
seis anos.
Essa foi a última e principal emenda no conjunto das reformas políticas,
definida durante reunião do presidente Geisel com os ministros Golberi do
Couto e Silva, do Gabinete Civil, e Armando Falcão, da Justiça, e os líderes
políticos Petrônio Portela, Francelino Pereira e Marcos Maciel.
Assim, o mandato do sucessor do presidente Geisel, que tomará posse a 15
de março de 1979, se estenderá até 15 de março de 1985.
O anúncio foi feito por fonte política, após o término da reunião na Granja
do Riacho Fundo. A mesma fonte adiantou mais as seguintes emendas
constitucionais definidas na reunião.
142
DREIFUSS, René Armand; DULCI, Otávio Soares. As forças armadas e a política. In: SORJ, Bernardo;
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (Org.). Sociedade e política no Brasil pós-64, p. 150-151.
143
AS REFORMAS do Presidente Geisel. O Progresso, Dourados-MT, n. 1984, p. 1, 12 abr. 1977.
62
O número de deputados federais será proporcional à população dos Estados
(e não mais ao eleitorado) e haverá no máximo 400 cadeiras na Câmara
(atualmente há 364 cadeiras); — Os atuais governadores de Estado não
poderão candidatar-se ao Senado nas próximas eleições pela via indireta;
poderão, contudo, concorrer ao pleito direto (dois terços das cadeiras do
Senado).
Os funcionários da Imprensa Oficial mantêm-se de prontidão em Brasília,
aguardando a remessa dos textos das emendas para publicação no ‘Diário
Oficial’.
AINDA UMA DÚVIDA
Embora já esteja definida a emenda que estabelece o quórum de maioria
simples para aprovação, no Congresso, de matéria constitucional, restava
ainda, uma dúvida: se haveria igualdade de tratamento entre propostas de
alteração constitucional de iniciativa do Congresso e do Executivo.
Acreditava-se, nos meios políticos, que prevaleceria a tese que beneficia
com quórum de maioria simples (50 por cento mais um) apenas as iniciativas
governamentais.
As emendas propostas por congressistas continuariam, assim, a depender do
quórum de dois terços para serem aprovadas144
.
A reportagem, do dia 15 de abril, não deixou dúvidas da anuência da imprensa ao
governo federal. Foram vários os elogios enaltecendo a conduta de Geisel em decretar o
pacote de emendas que teria temas relacionados aos trabalhadores. Mencionou os benefícios
sociais e enalteceu a preocupação de Geisel com o desenvolvimento econômico do país. A
intenção foi criar uma imagem positiva do presidente como protetor dos trabalhadores e
compromissado com o desenvolvimento do país.
Um dos decretos lei que mais haverão de dar benefícios à população
brasileira é o que o Presidente Ernesto Geisel, no uso do AI-5, assinou na
emenda constitucional; trata-se das férias de 30 dias para o trabalhador e
com a possibilidade de 1/3 de conversão em dinheiro.
Trata-se de mais um benefício social que em muito diz da melhoria de
nossas condições econômicas de País que caminha para a condição
privilegiada economicamente nos próximos anos [...]. MAIORIA
ABSOLUTA, Doravante qualquer moção, decreto ou proposição a ser
aprovada no congresso terá como resultado de aprovação a maioria absoluta,
ou seja, metade dos congressistas mais um e não mais a quantia exigida de
2/3 para a aprovação dos mesmos145
.
Tais informações tinham como finalidade ser o “resultado de uma cointencionalidade
que compreende os efeitos visados, os efeitos possíveis e os efeitos produzidos”, funcionando
144
MANDATO presidencial será de 6 anos. O Progresso, Dourados-MT, n. 1984, p. 10, 12 abr. 1977, (Grifo do
autor).
145
10 DIAS de férias para os trabalhadores. O Progresso, Dourados-MT, n. 1987, p. 1, 15 abr. 1977, (Grifo do
autor).
63
em concomitância e se relacionando entre si “como um jogo de espelhos em que as imagens
incidem umas sobre as outras” e formam os sentidos, se transformam em signo e ensejam uma
concepção coletiva146
.
Na edição de 17 de abril, a questão das reformas políticas foi noticiada sem fazer
alardes, de forma resumida enumerou as alterações realizadas pelo presidente, que se
constituiriam no Pacote de Abril, sem lançar quaisquer discordâncias. Evidenciando sua
submissão e aprovação à ditadura militar.
O já esperado segundo ‘pacote’ das reformas decretadas pelo presidente
Geisel foi aberto com emenda à Constituição acompanhada de seis decretos-
leis, e mais um ato que reabre o Congresso Nacional. As novas providências
que alteram o quadro político brasileiro podem ser resumidas assim: a
eleição do presidente da República continuará sendo indireta (eleito por um
colégio), mas agora com um mandato de seis anos; não haverá mais eleição
direta para governadores dos Estados; o pleito será indireto (e os
governadores serão eleitos por um colégio formado de deputados estaduais e
vereadores (excluídos os prefeitos); haverá também eleição indireta para 1/3
dos senadores (um senador em cada Estado será eleito por deputados e
vereadores); as sublegendas (três para cada partido) foram introduzidas no
Senado; o prazo da inelegibilidade foi reduzido; e finalmente, a Lei Falcão
foi estendida a todos os pleitos (como se sabe, a Lei veda debates no rádio e
na televisão). Segundo ainda informações do Planalto, Geisel não vai alterar
a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional. Ao que parece, esgota-se
aí a reforma política, pelo menos nesta etapa. Tanto que, segundo o assessor
de imprensa, coronel Camargo, Geisel passa o resto do dia de hoje no
Alvorada, redigindo pessoalmente o discurso que fará em São Paulo,
segunda-feira, quando deverá enfocar o problema147
.
Sobre essas reformas o Correio do Estado, também disseminou as ações do presidente,
além de explanar aceitação fez exaltações aos atos despóticos. Inicialmente na chamada da
matéria, “Judiciário: Congresso arquiva projeto. Geisel promete reabrir processo
revolucionário”, citou que o presidente naquele momento faria uso do AI-5 para fazer valer
sua decisão, já que houve impasses promovidos pela oposição com a finalidade de criar
obstáculos às reformas. A convocação da reunião com as lideranças foi destacada para
salientar as boas intenções do governo e sua face “democrática”148
. Acusou os emedebistas de
146
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias, p. 28.
147
GEISEL completa reformas políticas. O Progresso, Dourados-MT, n. 1988, p. 1, 16/17 abr. 1977, (Grifo do
autor).
148
A democracia para os militares era o controle e a disciplina, aplicadas austeramente por eles: “Com o AI-5, as
Forças Armadas se tornaram o Poder Dirigente sobre a nação. Elas assumiram a promoção do Desenvolvimento
pela garantia da Segurança, na forma definida pelos ideólogos da Escola Superior de Guerra e dentro das
condições da lógica da coerção. Sua política voltava-se para a permanência do ‘poder revolucionário’ de modo a
64
se aproveitarem de um momento delicado das relações entre o governo brasileiro e dos
Estados Unidos, para atenuarem, ainda mais, a autoridade governamental, o que prejudicaria
os interesses e o desenvolvimento nacional.
O presidente Geisel comunicou aos dirigentes e líderes da Arena no
Congresso que o governo vai reabrir o processo revolucionário diante do
impasse criado pelo MDB impedindo a reforma do Judiciário. Essas medidas
deverão ser adotadas a partir de sexta-feira e provavelmente as lideranças
serão chamadas a analisá-las antes da palavra final do governo.
Geisel manifestou ontem a noite grande irritação diante da circunstância do
MDB estar se aproveitando de uma hora de grande dificuldade nas relações
Brasil-Estados Unidos para tentar enfraquecer a posição das autoridades do
governo brasileiro, confiando em um suposto respaldo externo.
Entre as medidas que o governo examina e que podem ser adotados estão o
recesso do Congresso, a conclusão de vários processos de cassação de
mandatos e outras medidas que viabilizem via revolucionária, a reforma
judiciária e reforma política, que não foram possíveis através do Congresso.
Após participar da reunião de Geisel com os líderes do governo, no
Congresso, no Palácio do Planalto, o presidente da Arena, Francelino
Pereira, disse que ‘o presidente da República lamentou o procedimento do
MDB na votação da reforma judiciária e ficou sensibilizado, mas não
surpreso, com a lealdade da Arena, diante do comparecimento maciço de
senadores e deputados de seu partido - o que evidencia – observou o general
Geisel – que a maioria da Nação é favorável à reforma e que a minoria
impediu esta grande conquista’149
.
Os termos, “processo revolucionário”, “irritação”, “MDB estar se aproveitando”,
“enfraquecer a posição das autoridades”, “recesso do Congresso”, “cassação de mandatos”,
“maioria da Nação é favorável”, “minoria impediu”, são suficientes para se entender o teor da
mensagem presidencial, de mando irrestrito e abusivo. Outra publicação que obedeceu ao
mesmo conjunto discursivo aconteceu no dia posterior à primeira, e contou com expressões
como, “Revolução de 31 de março” e “governo revolucionário”, quando evidenciou a fala de
Geisel para reforçar que o arquivamento do projeto de reforma do Judiciário, pelo MDB,
prejudicava os interesses nacionais, sobretudo do povo.
O presidente Geisel convocou para esta manhã, a partir das 8 horas, uma
reunião com todos os membros do Conselho de Segurança Nacional, para
fazer do país, por volta do fim do século, uma potência reconhecida mundialmente. Esse projeto nacional
demandava ‘estabilidade política’, a democracia seria o produto final de uma evolução controlada de cima. Um
conceito autoritário de poder foi então adotado como fundamento, como técnica e forma organizacional do
regime, cristalizando-se no Ato Institucional nº5”. DREIFUSS, René Armand; DULCI, Otávio Soares. As forças
armadas e a política. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (Org.). Sociedade e política
no Brasil pós-64, p. 143.
149
JUDICIÁRIO: Congresso arquiva projeto. Geisel promete reabrir processo revolucionário. Correio do
Estado, Campo Grande – MT, n. 7220, p. 1, 31 mar. 1977, (Grifo do autor).
65
discutir as medidas que serão adotadas em consequência do arquivamento,
pelo Congresso Nacional, do projeto de reforma do Judiciário, que não foi
aprovado tendo em vista que o MDB fechou questão em torno do assunto
para recusá-lo não permitindo alcançar os 2/3 necessários, exigidos pela
Constituição.
Ontem, falando às autoridades civis e militares na Vila Militar, após o
almoço em comemoração ao 13º aniversário da Revolução de 31 de março, o
presidente Ernesto Geisel deixou bem clara e patenteada a intenção do
governo revolucionário em promover a reforma, recusada pela oposição,
assinalando que ‘o prejudicado com essas medidas não é o governo, o
prejudicado é o povo, prejudicada é a Nação brasileira, que precisa de uma
nova Justiça. E eu lhes afirmo que essa justiça se fará’. O presidente
lamentou, ainda, ‘da atuação de uma minoria que praticamente dentro do
Congresso se transformou em uma ditadura, minoria que prevalece da
circunstância de que uma reforma constitucional exige um quorum de 2/3
para a aprovação de qualquer projeto’ e que ‘não foi possível obter a
aprovação dessas medidas, embora o governo contasse com o apoio integral,
maciço de todo o partido da Arena’150
.
Ao ressaltar a fala do presidente de que, “uma minoria que praticamente dentro do
Congresso se transformou em uma ditadura”, tinha como objetivo criticar e formar uma
opinião pública contrária ao MDB. Percebe-se que o Correio do Estado, nesse momento, se
colocou em defesa e apoio dos militares, não significando, todavia, que não tivesse acordos
também com emedebistas. O diário campo-grandense, nesse contexto de tensão, optou por
advogar em favor dos arenistas. Diferentemente do jornal O Progresso, que desde o primeiro
momento evidenciou sua relação tanto com a Arena quanto com a oposição, mesmo em
momentos conflituosos.
A falta de homogeneidade partidária e as plurais relações políticas da mídia local,
mesmo em tempos de bipartidarismo, se explicaram pela história de fundação dos partidos
Arena e MDB, que após o AI-2151
, tiveram que rearranjar vários partidos que articulavam
políticos das antigas legendas, muitas vezes adversários em pleitos eleitorais anteriores a
1965, em apenas duas agremiações, justificando “as cisões e discussões acaloradas que
permearam os partidos nas esferas estaduais e municipais”152
.
150
GEISEL convocou para hoje reunião do Conselho de Segurança Nacional. A reforma do Judiciário já está
decidida. Correio do Estado, Campo Grande – MT, n. 7221, p. 1, 1 abr. 1977, (Grifo do autor).
151
Ato Institucional Número 2, que em 1965 criou o bipartidarismo.
152
CHAVES, Eduardo dos Santos. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e a construção social da ditadura
civil-militar no Rio Grande do Sul.
66
Na publicação, do dia 3 de abril, o Correio do Estado fez alusão à validade e
legitimidade que o jornal atribuiu às atuações presidenciais, “Geisel usa AI-5 e põe Congresso
em recesso. Era uma medida que todos esperavam”153
. Nesta manchete ao dizer o que todos
esperavam, tentou induzir o leitor a acreditar que não havia ambiguidades quanto à medida,
que a aceitação era plena e que não existia qualquer outra condução a ser dada à situação.
Neste caso, o periódico se propôs a conduzir seus leitores a entenderem e a conceberem
virtuosamente o governo militar e suas decisões.
Em suma, a mídia local não só respaldava ou se submetia aos militares, mas também,
colaborava, com congratulações e reverências, ao defender os benefícios que alcançariam com
a conduta adotada, o objetivo era manipular uma opinião pública de apoio à ditadura, à Arena
e aos atos do governo. Uma vez que as disputas que ocorriam nos partidos estavam distantes
de ameaçar o regime ditatorial no Brasil.
2.1 – As percepções e as ações da imprensa em face das primeiras expectativas
sobre a divisão.
A imprensa ao noticiar e especular a decisão do governo federal de criar um novo
estado divulgou amplamente as medidas do Pacote de Abril. Este pacote ajudaria na
autorreforma do regime militar promovida pelo General e na intenção de fazer um sucessor
eleito pela nova composição do colégio eleitoral, aspectos da “política de distensão”154
do
presidente, no processo conhecido como abertura política lenta, gradual e segura, promovida
durante o regime militar155
. Mato Grosso do Sul seria mais um campo de atuação da Arena,
que fortaleceria Geisel e seu sucessor, porque os políticos locais ocupariam as novas cadeiras
decisórias no senado.
153
GEISEL usa AI-5 e põe Congresso em recesso. Era uma medida que todos esperavam. Correio do Estado,
Campo Grande – MT, n. 7223, p. 1, 3 abr. 1977.
154
Tratou-se de “um programa de medidas de liberalização cuidadosamente controladas” que resultariam na
“democracia relativa”, na qual o “Estado disporia, pela Constituição, de salvaguardas e poderes repressivos de
emergência para suspender os direitos individuais e governar por decreto sempre que se manifestasse ameaça
direta da contestação organizada. As instituições políticas de representação, entretanto, seriam dotadas de
suficiente flexibilidade para permitir uma participação limitada no processo decisório [...]. A ‘teoria de
distensão’ e as políticas derivadas dessa análise constituíam uma derradeira busca de legitimação do Estado. [...]
garantia-se o controle da sociedade civil pela aplicação seletiva do poder coercitivo. Uma das características da
institucionalização do estado em sua fase de distensão era a busca de maior legitimidade pelo fortalecimento
eleitoral”. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984) p. 186-187.
155
Para maiores informações acerca dos interesses de Geisel e a relação com a divisão do estado de Mato Grosso
ler: QUEIRÓZ, Paulo Roberto Cimó. Mato Grosso/Mato Grosso do Sul: Divisionismo e identidades (Um breve
ensaio) e BITTAR, Marisa. Geopolítica e separatismo na elevação de Campo Grande a capital.
67
Houve muitas dúvidas e expectativas, em razão do distanciamento, praticado na
ditadura, entre as decisões dos militares e a participação dos políticos e da sociedade civil. A
legitimação constitucional das Forças Armadas “reconhecida pelas ‘elites’, em nome da
sociedade, que as autorizava a agir na defesa de uma ordem consensual particular”, e as
manobras do social “para promover os interesses dominantes — enquanto estes se constituíam
em interlocutores privilegiados — assegurando-lhes condições para a sua supremacia através
da estratégia de desenvolvimento e segurança política adotada”156
, abonava o não
compartilhamento de suas táticas com os políticos ou com a mídia.
Em 12 de março, O Progresso noticiou uma declaração do comandante do Exército
sobre o entendimento dos militares acerca das críticas e das contestações ao regime.
O Governo aceita crítica e respeita todos os pontos de vista, mas não aceita
contestação ao regime. A declaração é do Comandante do Exército, General
Dilermando Gomes Monteiro, ao relatar aos jornalistas credenciados no QG,
as conversas mantidas com empresários paulistas, no jantar realizado na casa
do presidente da Coopersucar, Jorge Bouréia Paula. O general, na ocasião,
conversou com um grupo de empresários, entre os quais o presidente da
Associação Brasileira de Indústria de Máquinas157
.
Após essa manchete, o jornal silenciou sobre as intencionalidades do governo federal
em dividir o estado de Mato Grosso, e publicou somente uma reportagem, entre os meses de
março e abril158
, contrariamente à posição adotada pelo Correio do Estado que divulgou vinte
matérias sobre o tema, nessa ocasião. Cada jornal pronunciou-se diferentemente em relação à
possível divisão do estado, O Progresso cuidadoso e reservado em vários momentos, o
periódico campo-grandense mais arrojado e combativo.
O diário douradense evitou discursos inflamados, adotou uma atitude mais contida e
mostrou-se cauteloso, já que os lideres políticos de Cuiabá se colocaram desfavoráveis à
divisão do estado de Mato Grosso. Optou por uma posição estratégica de prudência e manteve
uma postura de apoio ao governo estadual. Na edição de 27 de abril, sob o título, “Divisão
pode ser definida dia 3”, publicou a única notícia do mês sobre o divisionismo, abordou o
156
DREIFUSS, René Armand; DULCI, Otávio Soares. As forças armadas e a política. In: SORJ, Bernardo;
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (Org.). Sociedade e política no Brasil pós-64.
157
O GOVERNO aceita críticas, mas não contestação ao regime. O Progresso, Dourados/MT, n. 1965, p. 1,
12/13 mar. 1977.
158
Indícios da autocensura, SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado: o consentimento da imprensa à censura
no Brasil.
68
futuro encontro do governador Garcia Neto com Geisel para tratar da divisão e sobre o
posicionamento das lideranças cuiabanas.
O projeto de divisão de Mato Grosso em dois Estados poderá ser conhecido
no próximo dia 3, em Brasília, quando o governador Garcia Neto deverá
encontrar-se com o presidente Geisel para entregar-lhe os últimos subsídios
sobre a matéria.
Enquanto o governador usa os próximos dias para colher dados sobre a
divisão, a Capital mato-grossense continua vivendo um clima de expectativa
em torno do assunto. Para seu encontro com Geisel, Garcia Neto está
preparando uma manifestação das lideranças políticas do norte do Estado.
Apesar de cartazes, adesivos e plásticos sobre a divisão já terem sido
espalhados por toda Campo Grande, quando o presidente Geisel visitar o
posto Indígena ‘Terena’, em Aquidauana, não deverá haver qualquer
manifestação a respeito. Os líderes políticos poderão ser ouvidos
separadamente, com certa reserva, no recinto do Centro Nacional de
Pesquisas de Gado, a ser inaugurado por Geisel. Mas isso é o máximo que se
espera da visita, em relação à divisão.
Ao mesmo tempo, novos apelos foram formulados contra a divisão, pelas
lideranças do norte do Estado. Em telex enviado a Presidência da República,
o ex-prefeito de Cuiabá, José V. Torres, externou sua preocupação,
afirmando que a medida surtiria efeitos negativos ‘no momento em que Mato
Grosso dá os primeiros passos para o desenvolvimento e sua contribuição à
economia do País’.
O ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado, Aecim Tocantins,
atualmente conselheiro do TC, também é de opinião que a divisão trará
graves problemas159
.
Apontou as manifestações pró-divisionismo, em andamento, promovidas pelas elites
campo-grandenses que ganhavam corpo no Correio do Estado, a partir de 14 de março com a
reportagem “Divisão de Mato Grosso depende apenas de decisão política”. O periódico de
Campo Grande expressou-se como opositor aos cuiabanos, antagonicamente ao O Progresso.
A primeira especulação do jornal campo-grandense acerca da divisão ocorreu nessa
publicação, quando assegurou que fontes do Ministério do Interior informaram sobre a
conclusão dos estudos que indicava “Mato Grosso do Norte com Capital em Cuiabá, e Mato
Grosso do Sul, com Capital em Campo Grande”, dependendo somente da decisão do
presidente para sua realização.
A divisão do Estado de Mato Grosso em duas unidades - Norte e Sul -
depende tão somente de uma decisão política do presidente Ernesto Geisel,
segundo fontes do Ministério do Interior.
Todos os estudos estão concluídos e nada mais resta a fazer senão esperar
que o chefe da Nação determine o momento certo para a mensagem [...].
159
DIVISÃO pode ser definida dia 3. O Progresso, Dourados/MT, n. 1993, p. 1, 27 abr. 1977, (Grifo do autor).
69
Mato Grosso do Norte com Capital em Cuiabá, e Mato Grosso do Sul, com
Capital em Campo Grande, marcará a divisão territorial brasileira prevista
para antes do final de 1977 [...]. As fontes do Ministério do Interior, ao
liberar tais informações; não quiseram revelar os limites futuros dos dois
novos estados brasileiros, indicando apenas que Mato Grosso do Norte será
muito maior, embora o Mato Grosso do Sul, com menor área, vá ter
condições de prover a sua própria sobrevivência sem maiores dificuldades,
inclusive, absorvendo poucos recursos para proporcionar a divisão160
.
Não houve evidências de que o jornal realmente tivesse acesso a informações
privilegiadas, considerando o sigilo e o afastamento com que os militares mantinham suas
ações, tanto do conhecimento dos próprios membros de seu partido, quanto da imprensa,
como assinalado anteriormente. Entretanto, valeu-se dessa nota para elencar Campo Grande
como o centro do poder político, capital do novo estado, “poderosa economicamente e
desenvolvimentista”, caso o estado fosse dividido, do contrário, continuaria “apenas”
responsável por “sustentar” o norte. Nomeou os nortistas de aproveitadores e injustos,
supervalorizou e privilegiou o sul em relação ao norte e optou por reforçar a aversão aos
cuiabanos.
A Região Sul de Mato Grosso, atualmente, é responsável por cerca de 85%
de toda a arrecadação estadual, com o que os sulinos praticamente sustentam
os nortistas, o que não é justo, comentou um técnico ao liberar a informação,
assinalando que tendo vida própria o Sul poderá, numa década, se
transformar num Estado altamente produtivo e de invejáveis condições
econômicas, o que não ocorrerá caso não haja a divisão, pois, a Região Norte
vai aparecer sempre como uma excessiva carga para o Sul161
.
Arrogou-se o direito de nomear o futuro estado, segundo sua preferência.
Em relação ao nome do novo Estado, tendo em vista que o Norte continuará
como Mato Grosso, há duas opções: de serem criados o Mato Grosso do Sul,
e o Mato Grosso do Norte ou, em última hipótese, dar nova denominação ao
novo estado sulino. Já existem sugestões, tais como Maracaju, Guaicurus e
outros, mas já se sabe, também, que os sulistas são contra essas duas
denominações, dando preferência a Mato Grosso do Sul162
.
Em 19 de março, aproveitou-se de um comunicado do ministro do interior sobre a
futura remessa do esboço da lei complementar, já concluído, que visava à divisão do estado e
160
DIVISÃO de Mato Grosso depende apenas de decisão política. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7205, p. 2, 14 mar. 1977.
161
Ibidem.
162
Ibidem.
70
reforçou a indicação da cidade de Campo Grande como a nova capital, pois segundo a matéria
esta informação fazia parte dos estudos do Ministério do Interior e não propriamente, do
Projeto de Lei.
O ministro do Interior, Maurício Rangel Reis, assegurou ontem pela primeira
vez, que ainda neste semestre o presidente Ernesto Geisel remeterá, ao
Congresso, o Projeto de Lei Complementar sobre a divisão do atual Estado
de Mato Grosso em duas novas unidades federativas [...]. Os estudos finais
do Ministério do Interior, assegurou Rangel Reis, já foram concluídos
inclusive o Projeto de Lei Complementar. No momento, um grupo
interministerial com representantes dos Ministérios do Planejamento, da
Fazenda e da Justiça, está preparando os demais documentos que comporão
o pacote de medidas que se seguirão à aprovação da Lei Complementar [...].
As capitais dos dois novos Estados que seriam criados, segundo os estudos
do Ministério do Interior: Campo Grande, no Mato Grosso do Sul e Cuiabá,
no Mato Grosso do Norte163.
Neste caso, convalidou sua postura nas palavras de Rangel Reis, agente do alto escalão
do governo federal e detentor de detalhes confidenciais sobre o assunto, todavia, acrescentara
elementos que não eram do acesso do periódico: os estudos do Ministério do Interior.
Também, lançou como verdade o último parágrafo, que não passou de mera especulação.
Contudo, repetiu a notícia no dia 22 seguinte e, dessa vez, sustentou sua fala novamente na
voz de Rangel.
O ministro Rangel Reis, do Interior, após despacho, ontem à tarde, com o
presidente Ernesto Geisel, no Palácio do Planalto, confirmou o envio no
primeiro semestre, do projeto de divisão territorial de Mato Grosso em dois
Estados -Mato Grosso do Norte, com Capital em Cuiabá e, Mato Grosso do
Sul, com Capital em Campo Grande.
O atual governador, Garcia Neto, segundo o ministro, cumprirá o seu
mandato até o fim, mas os dois primeiros governantes das futuras unidades
administrativas seriam interventores nomeados pelo governo federal164
.
No dia 23, descreveu a ansiedade com a qual os políticos locais esperavam pelo feito,
mais uma vez destacava-se o desconhecimento dos fatos e as pressões para obter a veracidade
sobre a divisão. Ainda, ressaltou a colaboração do governador Garcia Neto à causa.
163
DIVISÃO de Mato Grosso vai sair mesmo em 1978. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7210, capa,
19/20 mar. 1977.
164
RANGEL confirma e fala em dois interventores. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7212, capa, 22
mar. 1977.
71
Quando o ministro Rangel Reis, do Interior, chegar no próximo sábado ao
Mato Grosso, mais precisamente à cidade de Aquidauana, de onde seguirá
para o posto indígena de Taunay, junto com o presidente da FUNAI, general
Ismarth de Oliveira, deverá ser terrivelmente assediado não só pelos
jornalistas como principalmente pelos líderes políticos, dentre eles alguns
ex-governadores, para falar sobre a divisão territorial de Mato Grosso, por
ele anunciada oficialmente, na sexta-feira da semana passada, em Pelotas, no
Rio Grande do Sul, e confirmada anteontem em Brasília após despacho com
Geisel [...]. Em Campo Grande, os jornalistas e políticos esperam a visita
ministerial com indisfarçável ansiedade [...]. O governador Garcia Neto
também vai a Aquidauana no próximo sábado e manterá contato com o
ministro Rangel Reis, do Interior, segundo informaram ontem fontes
governamentais, assinalando que o governador mato-grossense vai pedir não
só a confirmação de viva voz do ministro, mas obter esclarecimentos sobre a
irreversível divisão territorial de Mato Grosso, em duas unidades distintas.
Em Cuiabá, o chefe do Executivo estadual confirmou, a repórteres políticos,
que na audiência que vai ter no próximo dia 5 com o presidente Ernesto
Geisel, tratará também da divisão, pedindo informações completas e até
mesmo orientação de como deverá proceder para adiantar os trabalhos que
permitam a cisão territorial com menores dificuldades165
.
Para a surpresa geral, Garcia Neto não sustentou a discursividade do Correio do
Estado, que o elencou apoiador e interventor favorável ao divisionismo. No dia seguinte, uma
publicação revelou o posicionamento contrário do governador e suas ponderações sobre as
dificuldades de se dividir o estado de Mato Grosso.
‘Dividir um Estado não e tão fácil quanto se pensa, principalmente quando
se trata de Mato Grosso’ disse ontem o governador Garcia Neto durante
encontro que manteve com os deputados estaduais, na Assembleia
Legislativa [...]. O chefe do Executivo estadual, continuando em seu ponto
de vista, lembrou que Mato Grosso tem uma grande extensão territorial e
uma população pequena - pouco mais de dois milhões de habitantes – e que
‘a divisão, em si, acarretaria a fixação de novos limites, e existência de um
poder superior para coordenar a distribuição patrimonial’ e que as
implicações são as mais diversas. ‘A divisão é a mais difícil e complicada
operação aritmética’, frisou o governador, acentuando que até agora não
encontrou nenhuma justificativa para divisão do Estado166
.
Por governar o estado, Garcia era o político local mais próximo ao presidente Geisel,
fato reconhecido pelos demais políticos e pela mídia, ou seja, o único a ter acesso a
informações fidedignas.
165
RANGEL Reis vem sábado e deve esclarecer divisão. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7213, p. 5,
23 mar. 1977.
166
GARCIA: dividir um Estado não é tão fácil quanto se pensa. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7214,
p. 3, 24 mar. 1977, (Grifo do autor).
72
‘Mas se o governo federal tomar alguma medida a respeito será para
encontrar a melhor solução para Mato Grosso’, frisou, indicando que há dois
anos o presidente Geisel prometeu-lhe que ele seria o primeiro a ser
cientificado de uma eventual divisão, caso ela realmente fosse ocorrer e que
‘até agora não tive qualquer comunicação, nesse sentido’167
.
No regime ditatorial os debates entre parlamentares nas Assembleias não eram bem
aceitos, porque os militares tratavam as divergências políticas com ações sistemáticas de
despolitização, ou seja, houvera a “supressão do envolvimento de militares dos escalões
intermediários em questões políticas ao lado de civis”, para dessa maneira, “impor como
orientação homogênea aquela que correspondia às opções do grupo que controlava política e
ideologicamente a instituição, vedado o debate em torno de suas posições”168
, fazendo com
que as disputas se mostrassem em outras esferas, na imprensa, por exemplo.
As declarações do governador, na Assembleia, foram feitas perante
deputados do Norte e do Sul, que não opinaram a respeito, apenas ouvindo a
opinião do governador: aliás — existe um acordo tácito entre os
parlamentares de um respeitar a opinião do outro em relação ao tema divisão
a fim de que não sejam feridas susceptibilidades e por isso não houve
qualquer tipo de debate [...]. Ainda durante o encontro com os deputados,
Garcia Neto lembrou que a criação de uma nova estrutura administrativa no
novo Estado causaria ‘sérios ônus’ para a União [...]. O governador Garcia
Neto regressará a Campo Grande na próxima segunda-feira, dia 20, e no dia
seguinte segue para Brasília para contatos na área ministerial e para uma
audiência com o presidente Ernesto Geisel, no dia 5 de abril [...]. Com o
chefe da Nação, além de assuntos administrativos de interesse de Mato
Grosso, o governador vai ouvir a versão oficial sobre os planos da divisão
territorial do Estado em duas unidades. No dia 6 de abril Garcia Neto
regressa a Cuiabá169
.
Assim, apesar do Correio do Estado enunciar “existe um acordo tácito entre os
parlamentares de um respeitar a opinião do outro em relação ao tema divisão a fim de que não
sejam feridas susceptibilidades”, não foi essa a atitude adotada no Correio do Estado, pois ao
criticar o posicionamento de que “a criação de uma nova estrutura administrativa no novo
Estado causaria ‘sérios ônus’ para a União”, Garcia Neto passou a ser alvo de depreciações e
167
Ibidem, (Grifo do autor).
168
DREIFUSS, René Armand; DULCI, Otávio Soares. As forças armadas e a política. In: SORJ, Bernardo;
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (Org.). Sociedade e política no Brasil pós-64, p. 160.
169
GARCIA: dividir um Estado não é tão fácil quanto se pensa. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7214,
p. 3, 24 mar. 1977, (Grifo do autor).
73
contraposições por parte dessa mídia que reprovou e deslegitimou todas as declarações
desfavoráveis à divisão.
Na publicação do dia 25 seguinte, o governador enfatizou com maior veemência sua
postura contrária ao divisionismo, porquanto não o percebia benéfico e aguardava ser
comunicado pessoalmente pelo presidente para entender o propósito e então emitir uma
opinião mais precisa.
‘Sou contra a divisão de Mato Grosso. Até que me provem que ela será
benéfica continuarei contra e garanto que até agora nenhum argumento
utilizado me convenceu desses eventuais benefícios. E enquanto não
acreditar que a divisão será benéfica, continuarei lutando pela manutenção
da Integridade de Mato Grosso. É uma opinião pessoal. No dia 5 terei uma
audiência com o presidente Geisel e só então tomarei conhecimento dos
motivos que levam o governo federal a propor a divisão e depois, talvez, eu
também seja favorável. Por enquanto, sou contra’.
Sorrindo muito, atendendo os jornalistas com muita cordialidade, o
governador Garcia Neto desembarcou às 14 horas de ontem no Aeroporto
Internacional de Campo Grande e depois seguiu para Ponta Porã onde, hoje,
vai presidir a solenidade de abertura da Exposição Agropecuária170
.
Sobre a realidade econômica do estado, o governador falou que a divisão acarretaria
um grande ônus financeiro para a União, tendo em vista que norte e sul separados não
possuíam recursos financeiros suficientes para se sustentarem. Corrigiu os dados
anteriormente divulgados pelo Correio do Estado, sobre a arrecadação do sul, que
correspondia a 70% e não 86%, e enfatizou o caráter episódico da situação, uma vez que no
passado quem arrecadava mais era o norte, o que poderia vir novamente a acontecer.
O governador mato-grossense, logo após a sua chegada, foi assediado pela
imprensa, e, como de outras vezes, foi objetivo ao indicar ser frontalmente
contra a divisão territorial de Mato Grosso. Na sua opinião - pessoal, ressalta
Garcia - não existem interesses, nem nacionais nem estaduais, que
recomendem a divisão territorial e explicou que essa cisão acarretaria
grandes despesas e que nenhum dos dois novos estados teria condições de
sobreviver sem injeções maciças de recursos federais, o que é
desaconselhável para o governo da Nação.
Garcia lembrou que o Sul colabora com cerca de 70% da arrecadação
estadual e não com 86% e que nos últimos anos a participação da Região
Norte tem aumentado consideravelmente, prevendo-se para breve um
equilíbrio em termos de arrecadação. O governador também não acha que a
divisão daria origem a um Mato Grosso do Sul forte e muito menos que os
sulistas tenham razões para reclamar de contribuir com a maior parcela
170
SOU Contra. Até que me provem que ela será benéfica. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7215, p. 9,
25 mar. 1977, (Grifo do autor).
74
‘porque, antes, era o Norte quem arrecadava mais e sustentava todo o
Estado’171
.
Garcia Neto deslegitimou as especulações da imprensa que consideravam a divisão
como certa, ponderando-as exageradas, em virtude da maneira como o governo conduzia sua
comunicação com os políticos e com a imprensa, uma vez que nem ele havia sido informado
dos interesses presidenciais. Reiterou-se contrário ao divisionismo, mesmo sabendo que não
ocorreria em seu governo.
O governador, entretanto, admitiu que vai haver a divisão, ‘pelo que tenho
lido nos jornais’, mas ressaltou que acredito que a imprensa esteja
exagerando um pouco nas afirmações do ministro Rangel Reis. Antes, um
entrevistador lhe perguntara, quando Garcia afirmou não acreditar que o
Estado estivesse prestes a ser dividido, se ele achava que o ministro era
mentiroso, ao que ele respondeu: ‘acho que a imprensa está exagerando um
pouco. E tenho meus motivos para acreditar nisso’. O governador também
lembrou que sua posição contra a divisão era mais do que definida: ‘Sou um
homem de posições definidas. Sempre fui contra a divisão e não é por
vaidade, porque sei que ela, se ocorrer, não acontecerá no meu governo. Vou
governar Mato Grosso inteiro até o fim do meu mandato e mesmo assim sou
contra a divisão, até que me provem em contrário’. Da mesma forma que
vocês jornalistas são a favor, eu sou contra. Se me convencerem que a
divisão será boa, passarei a defendê-la. Como acredito que vocês
defenderiam a não divisão se fossem convencidos de que ela não seria
realmente boa. É uma questão de bom senso - afirmou Garcia Neto. O chefe
do Executivo, que foi recebido por um grande número de políticos, dentre
eles o prefeito Marcelo Miranda, assinalou, ao final de sua entrevista, que já
pediu uma audiência ao presidente Geisel e ‘conforme ele me prometeu, se a
divisão for realmente acontecer, serei o primeiro a saber disso oficialmente,
em todos os detalhes’. E terminou: ‘e depois eu conto o que realmente vai
ser feito’172
.
Alguns elementos textuais ajudaram a entender o porquê da insatisfação do Correio do
Estado com Garcia Neto, pois, além de reiterar-se contra a divisão ele contrapôs a
argumentação anterior do jornal, retificando “o Sul colabora com cerca de 70% da
arrecadação estadual e não com 86%”. O texto trouxe expressões intencionalmente inseridas
para amenizar as ponderações de Garcia Neto. Tal aspecto pôde ser observado na frase: “O
governador, entretanto, admitiu que vai haver a divisão”, que veio seguida de uma
asseveração, “pelo que tenho lido nos jornais”, ou seja, o jornal inseriu uma afirmativa sua,
mesmo esta não sendo a convicção do entrevistado.
171
Ibidem, (Grifo do autor).
172
Ibidem, (Grifo do autor).
75
Também houve a reprodução da voz de um noticiarista que induziu o governador a
uma situação constrangedora, “lhe perguntara, quando Garcia afirmou não acreditar que o
Estado estivesse prestes a ser dividido, se ele achava que o ministro era mentiroso”.
Essa estratégia discursiva da imprensa, alicerçada na estruturação do texto e no lugar
da produção “que alimentam e tornam possível o funcionamento da máquina midiática”173
,
teve por expectativa inculcar no imaginário sociodiscursivo fortes aspectos de representação,
de modo a defender a legitimidade de sua fala e deslocar a percepção do leitor para que
desconsiderasse a falta de consenso em torno da divisão. Já que “cada tipo de discurso modula
seus efeitos de verdade de uma maneira particular”174
.
Teve por finalidade manipular as “lutas de representações, cujo objetivo é a ordenação
da própria estrutura social”175
e desvalidar qualquer contrariedade à sua vontade de dividir o
estado de Mato Grosso.
2.2 – O Correio do Estado e a incógnita sobre a criação do novo estado.
Com o silenciamento do O Progresso, em março de 1977, sobre a divisão territorial e,
frente às incertezas e a dificuldade de obter informações precisas junto ao governo federal,
restou aos editores do Correio do Estado fazerem especulações. As investidas não deixaram
de lado a figura do governador, porque era o modo de auto-afiançarem-se e tentarem
minimizar a contrariedade de Garcia e as improbabilidades existentes. Usaram uma
abordagem discursiva para reverter as declarações opostas em significações favoráveis ao
periódico e sua campanha divisionista e, consequentemente, projetaram os seus interesses e
anseios políticos.
Um exemplo foi a matéria do dia 30 de março de 1977, na qual a chamada fazia uma
afirmação sobre as ideias do governador, “Garcia já admite divisão territorial de Mato
Grosso”, sendo que o texto além de não sustentar a assertiva contrariou-a explicitamente, já
que o governador reforçou o conhecimento notório sobre os estudos realizados pelo governo
federal acerca da divisão do estado, mas enfatizou a ausência de pronunciamento presidencial.
173
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias, p. 28.
174
Ibidem, p. 50.
175
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude, p. 73.
76
O governador Garcia Neto admitiu, ontem, após uma audiência com o
prefeito Marcelo Miranda, que ‘há um estudo sobre divisão e todo mundo
sabe disso; um estudo que está sendo feito. Existem pessoas no governo
federal que lutam pela divisão, que argumentam pela divisão, isso ninguém
nega’. Novamente assediado pelos jornalistas, o governador esclareceu: ‘o
que nós sempre negamos é que haja uma decisão do presidente da República,
do gabinete da Presidência da República, da assessoria maior do governo’.
Garcia Neto confirmou que o ministro Rangel Reis, em Aquidauana, lhe
adiantou que ‘continuam os estudos’, e perguntou: ‘os estudos, hoje, estão
no mesmo pé que há dois anos atrás? Acredito que não. Aqueles estudos já
devem ter aumentado um pouco; não estão estáticos, parados’, disse o
governador, lembrando que os políticos de Mato Grosso deverão ser
chamados a opinar sobre a divisão176
.
Garcia Neto explicou sobre os procedimentos adotados pelo governo federal ao tratar
de assuntos complexos que envolviam conflitos de interesses, como esse da criação de um
novo estado, que obedeceriam à hierarquização metodológica adotada no regime militar177
e,
reafirmou-se contrário à divisão.
Em relação a não convocação do governador matogrossense para dar sua
opinião, até agora, Garcia explicou que ‘o assunto está sendo estudado
primeiramente pelos técnicos e, depois, naturalmente, pelos políticos’. Na
sua opinião, um assunto tão importante como esse ‘nasce em um gabinete,
num Ministério, num departamento’. Daí se fossem feitos chamados antes da
hora iria ‘surgir tanta discussão que não se chegaria a nada’: ele entende que
antes do presidente Geisel enviar a mensagem propondo a divisão, ao
Congresso Nacional, o assunto terá que ser discutido pelos políticos,
‘principalmente pelos de Mato Grosso’.
Garcia Neto finalizou sua entrevista, sobre divisão, lembrando que tanto já
se falou no assunto que ‘todos devem ter uma opinião formada sobre o
problema: a favor ou contra’ e reafirmou a sua condição de contrário à
divisão do território matogrossense178
.
A mensagem trazida pelo texto foi de imprecisão em relação à divisão de Mato
Grosso, bem explicitada na fala do administrador do estado quando enfatizou a existência,
somente de estudos sobre o tema e afirmou a inexistência de decisões presidenciais. Todavia,
uma chama de expectativa foi alimentada pela narração, quando apregoou que os políticos do
norte seriam chamados para discutir o assunto, assim, pode se compreender o porquê o jornal
176
GARCIA já admite divisão territorial de Mato Grosso. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7219, p. 5,
30 mar. 1977, (Grifo do autor).
177
DREIFUSS, René Armand; DULCI, Otávio Soares. As forças armadas e a política. In: SORJ, Bernardo;
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (Org.). Sociedade e política no Brasil pós-64.
178
Ibidem, (Grifo do autor).
77
apesar das críticas, não afrontara diretamente o governador, porquanto seria ele o agente
ouvido por Geisel.
As dúvidas, as indefinições, as expectativas e as frustrações foram os elementos mais
nítidos nas notas sequenciais, tal qual a do dia 5 de abril, porém, o periódico de Campo
Grande não abandonava sua tática de construir uma simbologia positiva ao impor a divisão.
Para isso, indicou até um nome ao futuro estado, conforme o título, “Geisel e Garcia, hoje,
falam da criação do Mato Grosso do Sul”, e elencou Campo Grande como capital, no entanto,
novamente não houve sustentação da narrativa ao longo da matéria.
O governador Garcia Neto, do Mato Grosso, será recebido hoje, às 15:30
horas pelo presidente Ernesto Geisel, e, na pauta dos assuntos prioritários
estão dois considerados importantíssimos: a criação do Estado de Mato
Grosso do Sul, com Capital em Campo Grande; e, a liberação de vultosos
recursos que terão que ser aplicados na Região Norte, o Mato Grosso do
Norte, para a criação de uma infra estrutura maior, que permita efetivar-se a
separação das duas regiões em 1979, como já anunciou o ministro Rangel
Reis, do Interior179
.
O Correio do Estado inseriu no texto uma conclusão sobre as percepções de Garcia,
que este já saberia que a divisão iria acontecer, mesmo não sendo esse o entendimento do
governador que se manifestava, reiteradamente, contrário.
O governador matogrossense, que já está em Brasília desde a tarde de ontem
- pela manhã, no Rio de Janeiro, esteve mantendo contatos com os diretores
do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem e do Departamento
Nacional de Obras e Saneamento confirmou que um dos assuntos que vai
tratar com o presidente será o da divisão de Mato Grosso, anunciada pelo
ministro do Interior.
Garcia Neto mostrou-se virtualmente contra a separação das duas regiões
continuando no seu ponto do vista manifestado quando das primeiras
informações sobre a divisão, mas ressaltou que ‘se a cisão for considerada de
interesse da Nação ela terá que ser feita’ e garantiu que caso o presidente lhe
confirme a divisão – que ele já parece saber que acontecerá - continuará a
administrar Mato Grosso como um todo, sem prejudicar o Sul ou beneficiar
o Norte e que todo o programa preparado para estes próximos dois anos será
cumprido à risca180
[...].
O jornal ressaltou a necessidade de recursos federais caso fosse realizada a separação
territorial e aproveitou para, novamente, supervalorizar o sul em detrimento do norte.
179
GEISEL e Garcia, hoje, falam da criação do Mato Grosso do Sul. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7224, p. 2, 05 abr. 1977.
180
Ibidem, (Grifo do autor).
78
O governador de Mato Grosso, entretanto, afirmou que se Geisel lhe
confirmar a intenção do governo em dividir o Estado que governa, vai pedir
que sejam liberados novos recursos para atendimento do Norte, uma região
mais pobre e com infra-estrutura excessivamente limitada, o que também
ocorre no Sul, mas não com tanta disparidade.
O encontro está movimentando todos os representantes, em Brasília, da
imprensa nacional, e que estão atentos ao desenrolar dos acontecimentos,
que poderá ter grande significação, principalmente, para os habitantes do
Mato Grosso do Sul, que há cerca do 80 anos lutaram pela separação do
Norte e do Sul181
.
Em nenhum momento o governador mencionou Mato Grosso do Sul, sequer Campo
Grande como capital. Coube ao noticioso inserir asseverações que conotavam assertividade
entre as ações e falas de Garcia Neto e as pretensões do jornal. O objetivo era disseminar um
discurso “intimamente ligado ao poder e, por conseguinte, à manipulação”, lembrando que “as
mídias são utilizadas pelos políticos como um meio de manipulação da opinião pública”182
.
No dia posterior, não publicou apenas a voz de Garcia, mas principalmente as
provocações e os artefatos transcricionais que, mais uma vez, reforçaram a tendenciosidade
com qual tratara o assunto. Pois o governador informou que o presidente, além de não
confirmar a divisão, admitiu apenas os estudos realizados, e que no próximo encontro Garcia
apresentaria subsídios indicando os propósitos para não se dividir o estado. Na reunião do dia
5 de abril, o assunto não teve a relevância que a imprensa esperava.
‘O presidente me comunicou hoje que continua estudando o problema da
divisão de Mato Grosso e que ainda não há uma definição a respeito do
assunto’. Essa declaração foi feita ontem pelo governador Garcia Neto, logo
após a audiência que teve com o presidente Geisel.
Garcia Neto acrescentou ter sido convocado pelo presidente da República
para uma nova audiência, ‘dentro de uns 15 ou 20 dias, quando deverei
trazer outros subsídios para que o presidente possa pesar os prós e os contras
da divisão’. O governador insistiu em afirmar que esse não foi o assunto
principal da audiência: - Nós conversamos sobre vários outros problemas do
Estado, principalmente a respeito das enchentes do Pantanal e das
providências que estão sendo tomadas para evitar maiores prejuízos183
.
181
Ibidem.
182
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias, p. 17.
183
GARCIA diz que Geisel só falou em estudos. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7225, p. 9, 06 abr.
1977, (Grifo do autor).
79
Os jornalistas ficaram inconformados com a irrelevância com que o divisionismo foi
tratado e queriam a todo custo mais detalhes. Garcia reprovou essa insistência e confirmou
que qualquer decisão presidencial sobre o assunto contaria previamente com sua participação.
O governador já ia longe na explicação de outros assuntos tratados quando,
um jornal instou-o a voltar a falar da criação dos Estados do Mato Grosso do
Norte e do Sul que era o que mais interessava a todos.
Garcia sorriu e disse:
- Vocês insistem mesmo na divisão. Não seria melhor somar?
Ferrenho adversário das teses divisionistas, o governador de Mato Grosso
voltou a falar no assunto, mostrando-se um tanto constrangido. E disse que o
presidente havia lhe prometido não tomar qualquer decisão a respeito da
divisão do Estado sem consultá-lo e que ontem foi a primeira vez que
conversaram a respeito dos estudos feitos pelo governo federal, para dividir
o Estado que vem governando desde 1975184
.
Obstinados a extrair uma comprovação sobre a separação do estado, criticaram o
governador, que outra vez informou a ausência de decisão presidencial, a falta de argumentos
suficientes sobre os benefícios que uma divisão traria e, principalmente, que o assunto estava
reservado a ele e ao presidente.
Garcia Neto procurou não comentar os diversos pronunciamentos que fez
contra a divisão de Mato Grosso e a possibilidade de ter que rever a sua
posição para aceitar uma decisão do governo federal. Disse, apenas: - O que
eu sempre afirmei foi que não tinha chegado a meu conhecimento nenhum
argumento capaz de me convencer da necessidade de dividir Mato Grosso.
Pode ser que o presidente me apresente esse argumento...
- E o presidente está tentando convencê-lo? Perguntou com muita ironia um
jornalista.
- Não se trata disso - foi a pronta resposta de Garcia. O presidente não
precisaria me convencer de nada, porque eu acataria qualquer decisão dele -
frisou Garcia Neto.
O governador disse, ainda, que cogita manter entendimentos nos próximos
dias, com os ministérios do Planejamento e do Interior, que estão elaborando
os estudos sobre a divisão de Mato Grosso e depois serão submetidos ao
presidente. E confirmou que até agora não houve nenhuma consulta ou
solicitação de informações de técnicos desses Ministérios ao governo
matogrossense, em torno da divisão territorial, ‘assunto que será tratado
entre eu e o presidente, em toda a sua profundidade, em nosso próximo
encontro’185
.
O periódico campo-grandense direcionou o relato, almejando formatar o enredo
divisionista e reafirmar a adversidade do governador à causa. Reorganizou as vozes
184
Ibidem.
185
Ibidem, (Grifo do autor).
80
disseminadas no jornal de forma a produzir estratégias e comportamentos sociais, que
“tendem a impor uma autoridade à custa de outras, por elas menosprezadas, a legitimar um
projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos as suas escolhas ou
condutas”186
. Para isso, publicou outra nota, no mesmo dia na página três, com quinze
parágrafos nos quais elencou os parâmetros da separação, os aspectos geoeconômicos, as
“diferenças culturais” que a justificariam e, novamente, a depreciação a Cuiabá.
Na opinião de inúmeros técnicos e políticos do Estado, Mato Grosso já está
dividido há muito tempo geoeconomicamente: com 1.131.569 quilômetros
quadrados e uma população aproximada de 2,3 milhões de habitantes, possui
quatro regiões características, todas elas bastante diferenciadas e, inclusive,
ocupadas por contingentes humanos que também apresentam sensíveis
diferenças [...]. Na história crescente da divisão, ou seja, nos últimos 10 anos
na colocação dos sulistas, todos eles ferrenhos adeptos do Mato Grosso
dividido, o que se tem alegado é que o Norte, embora potencialmente rico,
teria se transformado num eterno sugador da Região Sul, apontada como
responsável pela geração até de 70 por cento de toda a receita do Estado [...].
Entendendo sempre que o debate da divisão tem sido travado num ambiente
de paixões, um grupo de intelectuais de Cuiabá decidiram, há 15 dias,
fundarem uma espécie de ‘Associação Secreta Independente’, que vem se
reunindo sistematicamente para levantar todos os itens relacionados ao
assunto, desde aspectos históricos até as mais recentes caracterizações
econômicas187
.
Entretanto, a disputa era política. Em Campo Grande o grupo pró-divisão, que se
intitulava representante de todos os sulistas, usou a mídia como porta-voz de seus interesses
para enaltecer uma histórica luta, “crescente nos últimos 10 anos”, e contrapô-la aos
cuiabanos e a todos os opositores.
Nesse sentido, seguiu com os afrontamentos no dia seguinte, com a manchete
“Divisão: cuiabanos admitem que perderam a ‘guerra’”, cuja chamada ignorou todo o
conteúdo controverso sobre a divisão, mas que tinha por escopo primário, mais uma vez,
distinguir o “outro”, o antidivisionista, o inimigo, aquele que na guerra do poder tinha sua
força e suas armas. Assim, ressalvas foram feitas a todo o momento para dar sentido, maior e
mais significativo, ao título do que a integralidade dos dados e ainda, informar
especulativamente como certa a divisão.
186
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações, p. 17.
187
A “LINHA inteligente” que dividirá Mato Grosso do Sul, do Norte. Correio do Estado, Campo Grande/MT,
n. 7225, p. 3, 06 abr. 1977, (Grifo do autor).
81
A divisão de Mato Grosso em dois Estados já é admitida como certa até
mesmo por alguns assessores diretos do governador Garcia Neto, depois que
o presidente Geisel, na audiência que lhe concedeu na terça-feira, prometeu
convocá-lo dentro de 15 a 20 dias para tratar especialmente do assunto. O
presidente pediu a Garcia Neto subsídios sobre o assunto e ontem mesmo
nos diversos órgãos da administração estadual vários técnicos foram
mobilizados no levantamento de elementos sobre aspectos econômicos,
políticos e sociais de Mato Grosso188
.
Pautou-se na preocupação do chefe da Casa Civil, sobre quais parâmetros seriam
usados para estabelecer os limites das novas regiões caso essas viessem a ser formadas, para
forjá-la em decisões já definidas.
‘Nós já perdemos a guerra. Agora para fazer o armistício temos que saber
onde serão estabelecidos os limites’, dizia ontem, desanimado, o chefe da
Casa Civil, Archimedes Pereira Lima, um dos mais ardorosos
antidivisionistas.
Para ele, depois da convocação que Geisel prometeu fazer a Garcia, aqueles
que lutavam pela integridade territorial de Mato Grosso já ‘perderam a
guerra’, restando saber agora onde serão fixados os limites189
.
O antagonismo da reportagem ficou evidente no parágrafo seguinte, com os relatos do
secretário da Indústria e Comércio, David Balaniuc e de Oscar Ribeiro, deputado da Arena, de
que a divisão não estava definida e que os dados a serem apresentados pelo governador a
Geisel poderiam até implicar na desistência de realizá-la.
Ao contrário do que pensa o chefe da Casa Civil, o secretário da Indústria e
Comércio, David Balaniuc, acredita que a divisão não está ainda definida
pelo presidente da República e ‘pode até não sair’, dependendo de uma série
de estudos, principalmente dos subsídios que Garcia Neto levará ao
presidente nos próximos dias. Esta também é a opinião do deputado arenista
Oscar Ribeiro, 1º secretário da Assembleia, para que a anunciada
convocação de Garcia Neto a Brasília ‘será a grande chance do governador
argumentar, com base nos dados que levará em mãos, sobre a inconveniência
da divisão e até demover o presidente Geisel do projeto’190
.
Porém, o Correio do Estado anunciou a mudança de atitude de Garcia Neto que
enviaria estudos sobre a região a Geisel “não com intuito de demovê-lo da ideia da divisão”.
188
DIVISÃO: cuiabanos admitem que perderam a “guerra”. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7226, p.
3, 07 abr. 1977.
189
Ibidem, (Grifo do autor).
190
Ibidem, (Grifo do autor).
82
No entanto, nenhum dado foi oficial, o jornal em sua campanha pró-divisão apelava para
versões extraoficiais embasadas em fontes anônimas.
Outras fontes, que preferem que suas identidades sejam mantidas em sigilo
absoluto, acreditam que ontem mesmo o governador Garcia Neto tenha
mantido contato com o chefe da Casa Civil e com alguns assessores mais
diretos, pedindo que iniciassem a coleta de subsídios que deverão ser
enviados a Geisel, não com intuito de demovê-lo da ideia da divisão, mas tão
somente para garantir, ao Mato Grosso do Norte, uma divisa que seja pelo
menos relativamente boa.
Essas mesmas fontes indicaram que a manifestação do chefe da Casa Civil é
altamente significativa, pois o presidente deve ter informado a Garcia Neto
que a divisão está decidida. Os ‘subsídios’ que serão levados ao presidente
ainda neste mês - todos destacam a urgência da reunião como desejo
presidencial de acelerar logo o processo divisório - deverão se relacionar,
ainda, com a elaboração de solicitações de maiores investimentos na área,
antes da inevitáve1 divisão191
.
Para justificar suas considerações afiançou-se em abstrações.
Muito embora Archimedes Pereira Lima não tenha confirmado um contato
com o governador, é quase certo que ele tenha existido e que foi comunicado
que o Norte deve desistir das campanhas anti-divisionistas, pois a separação
está definida e assegurada, como já haviam informado, anteriormente, os
ministros Reis Velloso, do Planejamento, e Rangel Reis, do Interior, além de
técnicos encarregados dos estudos192
.
Demonstrou, por fim, como os divisionistas campo-grandenses arrogavam-se
deliberadamente detentores das mais privilegiadas informações, acreditavam na realização da
divisão e não perdiam a oportunidade de supervalorizar sua região.
Divisionistas gostam
Divisionistas, de Campo Grande, encaram a reunião próxima, ‘dentro de 15
ou 20 dias’ entre Garcia e Geisel como um indício seguro de que a divisão
realmente está decidida. E, a maioria, acha que ela só não foi anunciada
oficialmente tendo em vista que o governador assim solicitou a Geisel, para
que lhe desse tempo para preparar uma série de reivindicações para o Norte,
que seriam juntados ao ‘pacote’ de medidas a serem anunciadas
posteriormente: essas reivindicações visam permitir ao governo federal
garantir aos nortistas maciços investimentos, ainda no próximo ano, visando
promover mais aceleradamente o desenvolvimento da região que ficará
separada do Sul, o mais rico e economicamente o mais promissor, a médio
prazo.
191
Ibidem, (Grifo do autor).
192
Ibidem.
83
Ainda se acreditava que o anúncio da divisão deverá ser um pouco mais
retardado, tendo em vista que o secretário do Planejamento, Bento Porto, já
anunciou que devido às informações de uma ‘iminente divisão’ muitos
sulistas estão deixando de pagar seus tributos, o que vai prejudicar o Estado,
no seu todo, em seus últimos momentos de vida193
.
Para sustentar sua alocução pró-divisão enaltecia a região sul, evidenciando-a mais
rica economicamente e mais promissora, construindo no imaginário social sentidos positivos
justificadores da separação territorial. Personificava a Liga Sul-mato-grossense como
protagonizadora do enredo divisionista, considerando-a heroica, capaz de conduzir a divisão
de forma acertada. Ou seja, a Liga tornou-se um reforço para a obtenção de capital simbólico
no jogo das representações194
, após 16 anos de inativa foi recriada para servir aos propósitos
de uma parcela da elite campo-grandense.
A ociosidade da Liga nos anos anteriores a 1977 pode ser entendida pelos estudos
desenvolvidos pelo professor Paulo Roberto Cimó Queiroz195
, que analisou a força das elites
campo-grandenses no campo político e econômico, conflitante com os interesses das
oligarquias da capital Cuiabá, o centro de decisões governamentais. Nos anos de 1930 e 1932
em razão da Revolução de 30 e a Revolução Constitucional de 1932, respectivamente, nos
quais, intensa e conturbada rivalidade política se manifestou. Pela primeira vez a elite
intelectual do sul de Mato Grosso, em sua maioria campo-grandense, manifestou
publicamente e por escrito a vontade pela separação entre o sul e o norte do estado, por meio
de um movimento chamado Liga Sul-mato-grossense. O arrefecimento e a perda de força do
movimento pró-divisão com o passar das décadas aconteceu em virtude da ascensão dos
políticos do sul, a contar de 1945, ao centro do poder concentrado em Cuiabá, o que fez com
que as disputas tomassem outra direção, o viés partidário eleitoral.
Então, no ano de 1977, momento em que as forças políticas foram novamente postas à
prova pela possibilidade de se abrir um espaço de poder com a criação do novo estado, a Liga
Sul-mato-grossense foi reativada por Paulo Coelho Machado196
. Sua inserção nas publicações
193
Ibidem, (Grifo do autor).
194
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.
195
QUEIRÓZ, Paulo Roberto Cimó. Mato Grosso/Mato Grosso do Sul: Divisionismo e identidades (Um breve
ensaio).
196
Paulo Coelho Machado, além de duas legislaturas como vereador em Campo Grande, atuou politicamente nos
anos de 1971 a 1975 como Secretário de Agricultura, na gestão de José Fragelli, enquanto governador de Mato
Grosso. Em entrevista ao tabloide Executivo Plus em 1984, Paulo Coelho Machado declarou ter assessorado, em
84
do Correio do Estado iniciou-se em 4 de abril, sua propositura era “agilizar a divisão de Mato
Grosso”, conforme a chamada na capa, apesar de negar essa intenção a princípio e, reforçar as
dubiedades geralmente explicitadas pelo periódico.
‘A finalidade da Liga Sul Matogrossense não é lutar pela divisão de Mato
Grosso [...]. Não tem intenções de estimular confrontos, mas de ordenar o
movimento e assessorar os trabalhos de organização do Novo Estado’ disse
ontem o advogado Paulo Coelho Machado, ex-secretário da Agricultura do
governo de José Fragelli, ao abrir a grande assembleia da Liga Sul
Matogrossense, na Câmara Municipal197
.
As principais contradições apareceram no segundo parágrafo, após a afirmação de que
a Liga não tinha interesse em promover conflitos, nem “lutar pela divisão”, uma incoerência,
porque, em seguida, destacou e rechaçou a existência de “grupos anti-divisionistas” no norte e
elencou a assertiva de Paulo Machado a favor da divisão com respaldo em aspectos
geográficos.
Paulo Machado assinalou que não há intenções em criar polêmicas, mas
observou que atualmente, no Norte, existem grupos anti-divisionistas
utilizando-se de argumentos falhos para combater a divisão, que ele
reconhece necessária. E explicou que a própria conformação geográfica de
Mato Grosso, atualmente, faz com que seja difícil a sua administração, um
dos motivos que justificam a divisão.
Vários divisionistas convictos compareceram a reunião e deram integral
apoio a reativação da Liga, que ainda utiliza os antigos estatutos, elaborados
em 1932, data em que foi fundada e depois, por duas vezes, reativada, a
última delas em 1960198
.
Trouxe a questão da contribuição mensal dos componentes “para custeio das despesas
oriundas dos movimentos que serão deflagrados” e, por fim, a revelação contundente da
função manipulativa da Liga, “principalmente o que visa sensibilizar todos os sulistas para a
necessidade da divisão, dando ao movimento um caráter coletivo e de muita vida”,
sigilo, nos anos de 1974 e 1975 a SUDECO – Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste, em
estudos e pesquisas, para que Geisel definisse a viabilidade de dividir Mato Grosso. Coube a Paulo Coelho reunir
“informações econômicas e estatísticas” que incluíam levantamentos sobre estradas e eletrificação. As atividades
de Paulo Coelho na administração pública, suas relações políticas e sua proximidade com a divisão do estado
justificariam sua presença nas matérias do jornal Correio do Estado. MACHADO, Paulo Coelho. Os bastidores
da divisão II, p. 6.
197
NA CÂMARA Municipal, a grande assembleia da Liga Sul Matogrossense. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7221, p. 11, 01 abr. 1977, (Grifo do autor).
198
Ibidem.
85
pretendendo com a inscrição dos cartazes: “Não Fale em Crise. A divisão vem aí”, calar as
vozes insatisfeitas apontando como solução das mazelas, a divisão.
Todos os componentes da Liga se obrigaram a uma contribuição mensal para
custeio das despesas oriundas dos movimentos que serão deflagrados,
principalmente o que visa sensibilizar todos os sulistas para a necessidade da
divisão, dando ao movimento um caráter coletivo e de muita vida. Os
recursos serão utilizados, inclusive, para a confecção de faixas, cartazes e
slogans [...] só ontem, se conseguiu mais de 5 mil cruzeiros mensais entre os
divisionistas [...] até agora o grande incentivador tem sido Nerone Maiolino,
que com recursos próprios já elaborou ...60.000 mil cartazes com a frase :
‘Não Fale em Crise. A divisão vem aí’199
.
A Liga era formada pelas elites de Campo Grande sob a liderança de Paulo Coelho
Machado e tendo entre seus membros, José Barbosa Rodrigues, o então proprietário do
Correio do Estado.
Durante a assembléia de ontem, solicitou-se a todos os divisionistas que
enviassem mensagens felicitando o chefe da Nação pela iniciativa da divisão
territorial de Mato Grosso, para dar ao movimento uma amplitude de
dimensões nacionais [...]. Entre outros divisionistas, pertencem a Liga Sul
Matogrossense os srs. José Manoel Fontanillas Fragelli, Paulo Coelho
Machado, Nerone Maiolino, Cláudio Fragelli, J. Barbosa Rodrigues [...] e
outros200
.
A participação direta e oficial do jornal se configurou na construção de uma opinião
pública favorável à divisão e, no enfrentamento a todo e qualquer agente que fosse contra ou
tentasse minar a possibilidade de Mato Grosso ser dividido. Coadunava, dessa forma, com as
hipóteses defendidas por Andrade201
, de que o Correio do Estado construiu um discurso de
progresso representado pelo sul, agiu no convencimento da opinião pública e da sociedade
sobre suas posições acerca da criação do novo estado, atendendo a interesses políticos e
econômicos e privilegiando uma cobertura favorável à divisão.
199
Ibidem, (Grifo do autor).
200
NA CÂMARA Municipal, a grande assembleia da Liga Sul Matogrossense. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7221, p. 11, 01 abr. 1977.
201
ANDRADE, Danusa Santana. A cobertura dos jornais Correio do Estado, de Campo Grande, e o Estado de
Mato Grosso, de Cuiabá, na criação de Mato Grosso do Sul: uma análise de conteúdo.
86
2.3 – O discurso acirrado do jornal campo-grandense em defesa da divisão do
estado de Mato Grosso.
Após a participação direta e oficial de José Barbosa Rodrigues na Liga Sul-mato-
grossense em favor da divisão de Mato Grosso, o Correio do Estado acirrou a campanha
divisionista em suas matérias. Utilizou como aporte os instrumentos de conhecimento e de
comunicação objetivando apoio à causa.
A partir de 19 de abril de 1977, intensificou a presença dos políticos em suas
reportagens e, fortaleceu o círculo dos apoiadores da causa, com o deputado Sérgio Cruz, do
MDB, por exemplo. A contar desse momento, assim como fizera O Progresso, associou-se
também a políticos da base oposicionista ao governo, os jornais ora se aliaram a políticos da
Arena ora ao MDB, dependendo, somente, da situação de conflito vivenciada. Algumas
atitudes ficaram evidentes, O Progresso foi mais maleável desde o início de 1977 às
proposituras feitas por integrantes do MDB, sem deixar de defender os interesses dos
arenistas. Por sua vez, o Correio do Estado militou pela Arena, até o momento em que os
políticos do MDB passaram a advogar a favor da divisão do estado. Ficou explícito que os
benefícios políticos e econômicos que a divisão traria para as elites regionais superavam e
ultrapassavam as benesses dos acordos partidários.
Sérgio Cruz, em seu pronunciamento, desenvolveu uma conceituação histórica a
respeito da divisão e reforçou a depreciação ao norte.
Afirmando que ‘aprendi uma série de coisas com o pronunciamento do meu
colega Milton Figueiredo’, da ARENA, o deputado Sérgio Cruz, do MDB,
revelou que se a divisão tivesse ocorrido no início do século tudo seria
diferente agora. ‘O movimento separatista, começou numa época quando, ao
contrário do que ocorre hoje, o Sul dependia política e economicamente do
Norte’, assinalou, frisando que ‘na época das primeiras sementes desse
movimento que floresce agora, Mato Grosso era apenas uma insignificante
província, sem quaisquer perspectivas de se colocar entre os chamados
estados do terceiro mundo brasileiros’ e muito menos de figurar como
Estado de riqueza emergente.
O deputado oposicionista lembrou que a divisão já pode ser considerada ‘a
obra do século’ pois, ao estabelecer os limites oficiais entre os dois Mato
Grosso que já existiam, ‘o governo estará definindo uma nova macro-região,
constituída pelo grande Oeste que, a curto prazo, perderá a tutela do Brasil
Central e a onerosa dependência do sucesso industrializado’202
.
202
SÉRGIO Cruz – divisão, “a obra do século”. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7235, p. 2, 19 abr.
1977, (Grifo do autor).
87
O deputado adjetivou a divisão como um projeto de grande aspecto desenvolvimentista
“revolucionário”, que aconteceria na melhor conjuntura estadual.
‘Houvesse a divisão ocorrido no início do século a já incipiente economia
estadual se depararia com a inexistência de uma infra-estrutura, mas a
divisão do II Plano Nacional de Desenvolvimento deve ser encarada não
como um propósito imoralista e sim, como todo projeto de grande
envergadura, de caráter revolucionário e com vistas ao futuro que aguarda
não só Mato Grosso, mas o Brasil’, disse Sérgio Cruz. Para o deputado, ‘um
projeto dessa dimensão tem o seu preço’, que não poderia limitar-se ‘às
bagatelas choramingadas pelo secretário Bento Porto’203
.
Essa fala do deputado serviu também, para asseverar as ideias já disseminadas
anteriormente pelo jornal acerca das “mazelas do norte”, de sua “falta de riquezas”, de sua
“insignificância” e, da depreciação a Garcia Neto por se opor à divisão.
Sérgio Cruz, durante o seu pronunciamento, criticou a posição do governo,
frontalmente contrária à divisão, lembrando que ‘se houvesse entendido que
acima da solução que pretende dar, pusesse a razão que não se quer aceitar’,
não haveria motivos para a apreensão com a proposta do general Geisel.
‘Acontece que o governo ao invés de desmatar para depois plantar, botou
fogo na plantação’. O parlamentar criticou, também, a mania de se pensar
que apenas Cuiabá é que existe de bom no Estado do Norte, frisando que
enquanto se faz ‘tudo aqui, nada se faz mais adiante’, o que leva a serem
criadas dificuldades para a colonização da terra. ‘É nessa floresta que se
esquece, que está ficando o futuro dessa unidade federativa’204
.
Reforçou a dualidade criada entre um “nós” sulinos, e um “outro” nortista,
simplificando e limitando a compreensão para facilitar a aceitação social sobre seu
posicionamento favorável e justificador da divisão, impregnado de afrontamentos políticos,
disputas e estratégias que visavam domínio e conquista do novo espaço de poder205
.
Nessa circunstância, os vereadores que eram pouco mencionados pelo periódico
passaram a figurar no teatro político. Na reportagem do dia 19 de abril, relatou o encontro
pró-divisão dos vereadores do sudoeste, realizado na cidade de Aquidauana, que se
propuseram a solicitar ao presidente Ernesto Geisel, por meio de telegrama, a efetivação
203
Ibidem, (Grifo do autor).
204
Ibidem, (Grifo do autor).
205
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas reflexões em torno do conceito de
região.
88
imediata da divisão do estado de Mato Grosso, evocando fatores como a consolidação do
desenvolvimento econômico, político e social das duas regiões.
Mais de uma centena de vereadores, reunidos no I Congresso de Vereadores
do Sudoeste, em Aquidauana, enviaram telegrama ao presidente Geisel,
pedindo a ‘efetiva e imediata divisão territorial de Mato Grosso’.
O telegrama, que ontem deve ter chegado à Presidência da República, tem o
seguinte teor: ‘Reunidos no I Congresso de Vereadores Sudoeste, nesta data,
em Aquidauana, poderes legislativos de Aquidauana, Anastácio, Bela Vista,
Caracol, Guia Lopes da Laguna, Jardim, Miranda, Nioaque, Bonito, Porto
Murtinho e Campo Grande, manifestam por unanimidade, a Vossa
Excelência, perfeita identidade aos altos propósitos do governo da República
para efetiva e imediata divisão territorial de Mato Grosso com a criação de
dois estados, na forma preconizada de estudos existentes no gabinete de
V.Excia. A criação do Estado de Mato Grosso do Sul é imperativa para
consolidação do desenvolvimento econômico, político e social das duas
regiões do atual Mato Grosso, além das acalentadas aspirações do povo sul-
matogrossense que há dois séculos estabeleceu fundamentos de
nacionalidade neste Centro-Oeste Brasileiro’206
.
Frente à possível assertiva do governo federal criar um novo estado, as elites do sul
logo reuniram suas forças. Inicialmente reativaram a Liga, já inócua há 16 anos e,
posteriormente, realizaram um encontro de vereadores, o “I Congresso”, para mostrar uma
solidariedade e uma homogeneidade de interesses entre todas as cidades apontadas no
telegrama. Observou-se que a oposição a Garcia se fez presente novamente, quando o texto
expôs: “para efetiva e imediata divisão territorial de Mato Grosso com a criação de dois
estados, na forma preconizada de estudos existentes no gabinete de V.Excia”, ou seja, uma
solicitação a Geisel para não aceitar qualquer proposta apresentada pelo governador, mas sim,
que respeitasse os estudos já realizados e que estariam em posse do presidente.
A invocação à integração social foi nítida na afirmativa, “a criação do Estado de Mato
Grosso do Sul é imperativa para consolidação do desenvolvimento econômico, político e
social das duas regiões do atual Mato Grosso, além dos acalentados anseios do povo sul-
matogrossense”. Entretanto, era mais uma afronta a Garcia Neto, porque ele asseverava que a
divisão não traria benefícios políticos ou econômicos.
Nessa estruturação de “sistema simbólico”, o Correio do Estado cumpria “sua função
política de instrumento de imposição ou de legitimação da dominação [...] dando o reforço da
sua própria força às relações de força [...] contribuindo assim [...] para a domesticação dos
206
VEREADORES de Aquidauana pedem a Geisel pela divisão. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7235, p. 2, 19 abr. 1977, (Grifo do autor).
89
dominados”207
, porquanto ao disseminar a vontade das elites como sendo também a aspiração
da população, assegurou à primeira sua posição de visibilidade e legitimidade em detrimento
do apagamento e subjugação da segunda.
Tal assertiva ficou ainda mais visível com a inserção do Daclobe, Diretório
Acadêmico Clóvis Bevilácqua da Faculdade do Direito de Campo Grande. Toda e qualquer
organização que pudesse endossar o interesse político e fosse composta por grupos sociais
dominantes, fora elencada e justaposicionada em prol da divisão.
O DACLOBE - Diretório Acadêmico Clóvis Bevilacqua - da Faculdade do
Direito de Campo Grande iniciou um Movimento Pró-Divisão de Mato
Grosso e que denota o interesse que têm os universitários pelo problema de
maior repercussão nacional na hora que passa.
Segundo declarou ao CE o presidente do DACLOBE, Sidney Mello, de
início se reunirão os universitários que integram a diretoria do Diretório para
estabelecer um plano de trabalho. Em seguida serão convocados para o
Movimento todos os diretórios existentes em Campo Grande, tanto da
UEMT quanto da FUC-MT, a fim de que todos participem do Movimento,
sendo em seguida convocados os Centros Pedagógicos e as Faculdades de
outros municípios do futuro Mato Grosso do Sul, o que dará força e
dinamismo ao Movimento Pró-Divisão.
Adiantou o acadêmico Sidney Mello que no mais tardar, já no próximo
sábado haverá dentro da lei, uma passeata que reunirá apenas universitários,
que percorrerão diversos pontos da cidade, mostrando à população que os
universitários estão de fato engajados na campanha Pró-Divisão208
.
Outro discurso utilizado na composição deste cenário de conciliação à Geisel foi o uso
do telegrama. Uma ação que gerava a ideia de proximidade daqueles que o enviavam com
aqueles que o recebiam, construía assim, no imaginário social um sentido de avizinhamento
dos campo-grandenses com o governo nacional. Sidney Mello enfatizou a necessidade do
“contra-recibo”, como uma confirmação de que o escopo fora alcançado com sucesso e ainda,
um reforço para compreensão dessa simbologia por aqueles que recebessem a notícia.
‘Mande um telegrama ao presidente’
Paralelamente ao Movimento Pró-Divisão, o DACLOBE iniciou a
Campanha ‘MANDE UM TELEGRAMA AO PRESIDENTE’, com o
objetivo de, segundo Sidney Mello, partir de cada universitário um
telegrama ao Presidente Ernesto Geisel, enaltecendo a divisão e incentivando
o chefe da Nação a consumar o fato com a possível brevidade. Para Sidney
Mello isso é muito importante e necessário, motivo pelo qual o universitário,
207
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico, p. 11.
208
DACLOBE inicia movimento pró-divisão. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7236, p. 3, 20 abr.
1977.
90
após enviar o telegrama, deve entregar ao Diretório o contra-recebido para
juntada à documentação que ficará nos arquivos do Diretório como
recordação da tomada de posição da mocidade acadêmica em prol da divisão
de Mato Grosso209
.
O DACLOBE, ao assumir que a “documentação que ficará nos arquivos do Diretório
como recordação da tomada de posição da mocidade acadêmica em prol da divisão de Mato
Grosso”, deu indícios do quanto, as elites tinham interesse em tecer lembranças justificadoras
de suas investidas a serem impregnadas na memória coletiva como válidas e autênticas.
Em face das orientações dadas pelos assessores presidenciais, sobre as manifestações
no contexto ditatorial, no dia 25 de abril de 1977 o Correio do Estado emitiu uma nota que
relatava a visita de Geisel a Campo Grande, destacou que o jornal, os políticos e as
organizações divisionistas procederiam cautelosamente.
Assessores da Presidência da República não proibiram quaisquer tipos de
manifestações pró-divisão, em Campo Grande, quando da visita do
presidente Ernesto Geisel, no próximo dia 28. A informação é de alta fonte
ligada ao movimento divisionista, assinalando que ‘o que existe é uma
questão de bom senso: sugeriu-se que não fossem feitas manifestações, pois
essas poderiam desagradar o presidente, que deseja encontrar, na Região Sul,
um ambiente de tranquilidade e maturidade em relação ao problema’210
.
Sobre uma possível censura do governo federal às suas manifestações divisionistas,
refutou-as prontamente. Enumerou o outro, “o nortista”, que se diferenciava totalmente deste
“sulista”; aquele desmedido, excessivo em seus protestos, homicidas em potencial, este,
sóbrio, pacífico, civilizado, representante de uma “maioria” que ansiava pela separação
territorial.
Tanto o assunto ‘divisão’ não é proibido que o chefe da Nação vai receber
um grupo de divisionistas, para ouvir pessoalmente a opinião da maioria, que
deseja a separação do Sul e do Norte, esclarece a mesma fonte, criticando os
que dizem que é até mesmo proibido falar em divisão.
O que ocorre, esclareceu-se, e que as manifestações dos habitantes, políticos
e altas personalidades do Norte, contra a divisão, esta desagradando a
própria presidência, que não deseja encontrar um ânimo mesmo que de
longe, semelhante ao que existe entre os não divisionistas. O governo
federal, pelo que se sabe, está preocupado com a reação do Norte em relação
à divisão, principalmente no que toca às acusações de que o presidente será
209
Ibidem, (Grifo do autor).
210
PRESIDÊNCIA não proíbe as manifestações pró-divisão. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7239, p.
7, 25 abr. 1977, (Grifo do autor).
91
um ‘anti-patriota’ se dividir o Estado. Nos últimos dias, para completar, as
manifestações são ainda mais acirradas, a ponto de observarem-se tentativas
de homicídios contra divisionistas convidados pelos nortistas a falarem sobre
os benefícios da divisão211
.
O Correio do Estado deslegitimou as manifestações dos estudantes cuiabanos,
considerou-os equivocados e afirmou que suas atitudes resultariam em consequências opostas
ao desejado.
Tem desagradado, também, às atentas autoridades federais, as manifestações
estudantis contra a divisão de Mato Grosso: é comum grandes ou pequenos
grupos de estudantes cuiabanos saírem as ruas gritando ‘não queremos a
divisão’.
Essas manifestações todas, inclusive, vão apressar ainda mais o processo da
divisão por parte do governo federal e há quem acredite que se a reação
continuar nos mesmos moldes, serão adotadas medidas mais urgentes no
sentido de consolidar a divisão territorial, mesmo para que isso tenham que
ser nomeados, fora do tempo previsto, dois interventores que se encarregarão
da separação definitiva, a níveis técnicos, das duas regiões212
.
Com a Liga se propôs a forjar uma sobriedade, porque, anteriormente vários cartazes
haviam sido confeccionados e distribuídos. No momento da visita de Geisel, asseverou que
não adotaria a mesma postura, demonstrando desapego a “sentimentos regionalistas”, mas
com uma preocupação maior, a “segurança nacional”.
A Liga Sul Mato-grossenses, que sabe que manifestações radicais não
levarão a nada, continuará adotando a sua política de sobriedade em relação
ao assunto e por isso mesmo não colocará faixas pedindo a Geisel a divisão,
quando de sua visita. Não porque exista proibição - essas informações
partiram dos nortistas – mas porque acha-se que o presidente Ernesto Geisel
deve ver o Sul vivendo e trabalhando normalmente, à espera da solução do
governo federal, que não efetuará a divisão por sentimentos regionalistas,
mas apenas por uma questão de segurança nacional213
.
Endossou por fim, seu entendimento sobre a efetividade do divisionismo e novamente
apontou os “erros” cometidos pelos políticos cuiabanos, maldizendo seus posicionamentos.
Figueiró em Brasília
O deputado Ruben Figueiró seguiu neste final de semana para Brasília, para
manter contatos nas altas esferas federais, sobre o assunto divisão. Acredita-
211
Ibidem, (Grifo do autor).
212
Ibidem, (Grifo do autor).
213
Ibidem.
92
se que receberá orientação no sentido de pedir aos deputados nortistas que
mantenham-se calmos, quando a divisão territorial for anunciada, em
princípios do próximo mês, para que não se repitam pronunciamentos
semelhantes ao do deputado arenista Milton Figueiredo, acusando o
presidente Geisel de anti-patriotismo se definida a divisão, fato já tido como
consumado214
.
O jornal reiterou, repetidamente, uma animosidade aos nortistas, como maneira de se
defender em situações de tensão, pois previa o impacto negativo, caso as condutas cuiabanas
reverberassem no alto escalão do governo nacional. Para manter as ações divisionistas
praticadas em Campo Grande, pelos grupos dominantes, e ainda tentar influenciar no processo
da divisão, desviava a atenção das manifestações campo-grandenses e apontava para as que
ocorriam em Cuiabá. Fato assumido por Paulo Coelho Machado em entrevista dada anos mais
tarde, em 1984, para a revista Executivo Plus quando afirmou ter realizado uma “Guerrilha
Psicológica” contra os cuiabanos, como uma forma de interferir nas decisões presidenciais.
Então começamos a fazer um trabalho subterrâneo para que saísse a divisão,
montamos a estratégia. Provocamos os cuiabanos para que eles reagissem,
pois eles não podiam nem ouvir falar no assunto. A criação de atritos entre
os cuiabanos e nós (o Sul) era uma forma de acelerar o processo215
.
Sergio Cruz foi evocado outra vez, no dia 27 de abril subsequente, na matéria “Sérgio
Cruz condena três ‘agitadores da anti-divisão’”. Para o jornal, o deputado assumiu a posição
de “juiz” frente aos contrários à divisão, sendo instituído a ele poder “condenatório” no teatro
da discórdia, organizado e produzido pelo Correio do Estado.
O deputado Sérgio Cruz voltou a enfocar em discurso proferido no grande
expediente da sessão de ontem da Assembleia Legislativa, a questão
divisionista, afirmando que em termos locais, ‘o que se quer com a divisão é
a liberação de dois estados que de fato já existem, para que Norte e Sul,
desvencilhados deste romantismo borrego e capenga, deste tradicionalismo
rastejante e provinciano, possam seguir o seu próprio caminho, sem chapéu
na mão, mas com força suficiente para reivindicar do governo da República
as condições essenciais para assumirem a posição histórica no Programa de
Integração Nacional’.
Para o parlamentar sulista ‘o tamanho de Mato Grosso não tem representado,
na prática, nenhuma grandeza em termos econômicos sociais’. Tem, isto sim
– acentuou – ‘reduzido a ação governamental e impedindo a grande marcha
para o Oeste’.
214
Ibidem, (Grifo do autor).
215
MACHADO, Paulo Coelho. Os bastidores da divisão II, Executivo Plus, maio 1984, p. 6.
93
Após tecer considerações elogiosas às classes produtoras rurais do Norte que
já se definiram a favor da divisão, Sérgio Cruz lamentou ‘que esta mesma
sensatez não tenha encontrado guarida no oportunismo de Reis Costa, no
bailarismo de Bento Porto e no pedantismo de Raimundo Pombo’, aos quais
qualificou de ‘agitadores antidivisionistas’216
.
Ao afirmar sobre a existência dos dois estados, esse deputado colaborou para
disseminar a ideia de uma distinção caracterizada, entre o norte e o sul de Mato Grosso, como
um dado prévio, natural, a-histórico, meramente geográfico, quando na verdade estas
diferenças foram construídas no jogo do poder simbólico político. Neste, a própria linguagem
exerceu um papel fundamental “na elaboração e na reelaboração das noções espaciais” que
manipuladas deram “origem a práticas espaciais, a ações em relação aos espaços” que
serviram para dirigir “projetos políticos, administrativos, culturais, éticos, estéticos que
definem e delimitam fronteiras, domínios, territórios, lugares, regiões, nações”217
.
O periódico campo-grandense em sua discursividade usava elementos duais de
diferenciação, de conflituosidade e de discordâncias, para construir no imaginário social um
sentido de lugar218
na região sul, que promovesse junto a esta sociedade um sentimento de
pertença e homogeneização de interesses, considerando que “as regiões nascem das práticas
de significação e de ordenamento do mundo feito pelos homens. Operações de significação
que trazem imanente à sua realização estratégias de poder, de domínio, de controle, de
separação, de inclusão e exclusão”219
.
Em 29 de abril de 1977, a chamada, “Em Campo Grande, o presidente Geisel
inaugurou o Centro Nacional de Pesquisas de Gado de Corte, mas não concedeu audiências
nem a divisionistas”, demonstrou que o jornal foi especulativo nas matérias anteriores e
216
SÉRGIO Cruz condena três “agitadores da anti-divisão”. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7241, p.
11, 27 abr. 1977, (Grifo do autor).
217
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas reflexões em torno do conceito de
região, p. 57.
218
O lugar, nas palavras de Yi-Fu Tuan “tem mais substância do que nos sugere a palavra localização: ele é uma
entidade única, um conjunto 'especial', que tem história e significado. O lugar encarna as experiências e
aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a
ser esclarecida e compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado”. HOLZER, Werther. O
lugar na geografia humanista. Revista Território, p. 70. Para aprofundar o entendimento sobre esses conceitos
pertencentes especificamente ao campo de conhecimento da geografia indicamos: HOLZER, Werther. Um
estudo fenomenológico da paisagem e do lugar: a crônica dos viajantes do século XVI. São Paulo: USP, 1998.
219
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas reflexões em torno do conceito de
região, p. 62.
94
proliferou muitas incertezas, porquanto a imprensa em geral não tinha informações precisas
sobre as políticas ditatoriais. Nessa publicação, ficou evidente que a imprensa local forjou
aproximações e conciliações com o governo federal em suas investidas divisionistas. No
entanto, o distanciamento de Geisel ao movimento ficou nítido. O presidente chegou a Campo
Grande e cumpriu sua agenda, não se manifestou sobre a divisão e nem atendeu aos políticos
que queriam conversar sobre ela.
Nenhuma audiência, programação cumprida à risca, dentro dos prazos
estabelecidos [...] ontem pela manhã, a visita do presidente Ernesto Geisel a
Campo Grande, que transcorreu num clima de absoluta normalidade e de
mais liberalidade por parte da segurança [...]. Geisel e comitiva regressaram
a Campo Grande às 14:40 horas, fazendo o transbordo do Búfalo para o
Boeing presidencial, regressando à Brasília220
.
A frustração sobre a conduta de Geisel ficou comprovada quando se expôs a
exclusividade da questão à competência presidencial e, de que restou aos políticos sulistas
entregar indiretamente um pequeno manifesto para agentes do governo.
Divisão, um assunto que não iria agradar
Os jornalistas que participaram da cobertura da visita do presidente Geisel,
já na noite de quarta-feira haviam sido alertados de que o assunto divisão
territorial de Mato Grosso não seria visto com bons olhos pela presidência.
De forma que - embora não fosse proibido - não se deveria interpelar o chefe
da Nação sobre o assunto, para evitar situações ‘constrangedoras’. Foi o que
transmitiu aos jornalistas o major Valentim, da 5ª Secção, explicando que
não se tratava realmente e de uma proibição, muito mais, um pedido de
colaboração tendo em vista que a divisão é de competência exclusiva do
presidente e envolve uma série de fatores afetos à segurança.
Por isso, ontem pela manhã, quando o chefe da Nação esteve em visita a
Campo Grande, não se falou em divisão, não se atendeu, em audiência, os
divisionistas e não se viram manifestações pró-divisão. Apenas,
indiretamente, a Associação dos Vereadores do Sul de Mato Grosso entregou
ao presidente Geisel, por via indireta, um pequeno manifesto221
.
Mesmo com represálias, o periódico não deixou de expressar suas convicções e
enalteceu as falas dos senadores Italívio Coelho e Rachid Derzi, favoráveis a divisão.
Todavia, se a divisão não deveria ser assunto de destaque, foi comentada à
boca pequena, entre os jornalistas e políticos presentes, que não se furtaram
a pronunciamentos breves.
220
NENHUMA audiência, nenhum atraso, tudo informal, nada sobre divisão. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7243, p. 5, 29 abr. 1977.
221
Ibidem, (Grifo do autor). Observou-se aspectos da censura e autocensura nessa nota.
95
Para o senador Italívio Coelho, ‘a divisão é fato consumado’. E acredita que
as campanhas anti-divisionistas do Norte só servirão para acelerar ainda
mais os estudos e o anúncio oficial, pelo presidente. Italívio que ontem foi
para Brasília, é quem garante que ‘no dia 3 de maio, quando receber Garcia
Neto em audiência especial, o presidente Geisel vai definir o assunto de uma
vez por todas’.
A mesma opinião é do senador Rachid Derzi. Ele acha, inclusive, que o
plano governamental de dividir este ano e efetivar realmente a divisão em
1979, pode ser alterado, justamente pelo excesso de manifestações dos
nortistas. Rachid deu a entender que o governo parece disposto a intervir
antes do que deseja.
Ambos disseram que os nortistas tem sido os maiores incentivadores da
divisão, com as suas manifestações, que funcionam como agentes
aceleradores do processo. E o silêncio do Sul, em relação à divisão, tem sido
o maior trunfo dos divisionistas222
.
Ao menor indício de desaprovação às suas investidas, o jornal se colocava em posição
contrária às suas atitudes, elencando o “silêncio” e a “discrição” como características
indiscutíveis. Porém, em nenhum momento deixou de manifestar sua defesa à divisão. A
profusão de notícias sobre a possível separação territorial de Mato Grosso tinha por intenção
estabelecer o Correio do Estado como centralizador do discurso da divisão e difusor de ideias,
ditas verdades, dos políticos campo-grandenses, inserindo-as no cotidiano social como
representativas de toda a sociedade.
Nesse processo divisionista, membros das elites de Campo Grande e de Dourados
atuaram direta e indiretamente na vontade de se dividir o estado, cada qual preocupado em
manter seu poder político, social e econômico, “ao tomarem ciência da possibilidade concreta
da divisão, inicialmente procuraram intervir no processo de montagem do novo aparelho de
Estado”223
. Utilizaram a mídia impressa como instrumento para inculcar suas vozes, sob o
“signo da verdade” no imaginário social, e permanecerem hegemônicos, apesar do O
Progresso optar por silenciar-se sobre a divisão nos meses de março e abril de 1977.
Com a falta de informações oficiais, restava aos periódicos a especulação e a tentativa
de aproximação com Geisel, na esperança de serem beneficiados com dados privilegiados.
Para tanto, enalteceram o regime militar, os agentes públicos com os quais compartilhavam
interesses, mas também apontavam negativamente àqueles que atuavam contra suas
reivindicações. De maneira que, a disputa por representação no contexto divisionista não se
222
DIVISÃO, um assunto que não iria agradar. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7243, p. 5, 29 abr.
1977, (Grifo do autor).
223
SILVA, Ricardo Souza da. Mato Grosso do Sul: Labirintos da memória.
96
restringiu ao antagonismo norte e sul, não foi consensual, nem obedeceu aos princípios do
bipartidarismo, como também não foi uma demanda apoiada pelos partidos Arena ou MDB.
Alguns políticos pertencentes a essas agremiações, como por exemplo, Italívio Coelho e
Rachid Derzi, se aliaram aos jornais em 1977 na expectativa de influenciar o governo federal
em favor do divisionismo224
. Por outro lado, os políticos já inseridos no espaço de poder
concentrado em Cuiabá, sequer se posicionaram.
224
Demais políticos, que também fizeram campanha pela divisão, serão estudados mais adiante nesse trabalho,
como os integrantes, da Ala Independente, da Arena aliados a Pedro Pedrossian, da qual Italívio Coelho fez
parte.
97
III – AS DISPUTAS ENTRE OS POLÍTICOS DE CAMPO GRANDE E DOURADOS
DIVULGADAS PELA IMPRENSA.
Em maio de 1977, as discussões entre os políticos de Campo Grande e Dourados
ficaram mais exaltadas nos dois jornais locais, Correio do Estado e O Progresso, devido à
nota oficial que informava o interesse do governo federal em dividir Mato Grosso. Em cada
periódico houve uma abordagem diferente sobre a notícia de autorização, pelo presidente da
república ao Ministério da Justiça, para a elaboração do Projeto de Lei que viria a criar o novo
estado. A capa do periódico douradense, do dia 4 de maio, anunciou o encontro do
governador Garcia Neto com Ernesto Geisel no qual o presidente expôs sua decisão em
dividir o estado e nomear a nova entidade federativa de “estado de Campo Grande”.
O Presidente Ernesto Geisel recebeu ontem em audiência no final da tarde, o
Governador Garcia Neto, sendo que na pauta das conversações o assunto
mais importante, foi a divisão territorial de Mato Grosso. O Presidente
Geisel determinou ontem que se constitua no Ministério da Justiça, um
grupo interministerial para preparar projeto de Lei Complementar, a ser
submetido no Congresso Nacional, criando o novo estado na região sul de
Mato Grosso, que se chamará ESTADO DE CAMPO GRANDE [...]. Os
novos Estados: Mato Grosso e Campo Grande terão uma extensão territorial
de 900 mil e 300 mil quilômetros quadrados, respectivamente, tendo a sua
população dividida em 2,2 milhões de habitantes. O Estado de Campo
Grande será mais rico, porque assenta sua economia na produção agrícola na
Grande Dourados225
.
Ao afirmar que “o estado de Campo Grande será mais rico, porque assenta sua
economia na produção agrícola na Grande Dourados”, supervalorizou essa região e a
posicionou no centro econômico da região sul. Valorizou e reforçou as qualidades agrícolas
de Dourados como sendo o sustentáculo financeiro do novo estado. Além disso, a edição
trouxe em letras maiores que as demais, na sétima página a mensagem: “Queremos a Divisão
Mato Grosso Sul”226
.
O periódico campo-grandense, nesse dia, dedicou uma edição especial227
à divisão,
contendo aproximadamente quarenta páginas, a fim de comemorar a decisão de Geisel em
225
GEISEL fundamenta a divisão de Mato Grosso. O Progresso, Dourados/MT, n. 1998, p. 1, 4 mai. 1977,
(Grifo do autor).
226
QUEREMOS a Divisão Mato Grosso Sul. O Progresso, Dourados/MT, n. 1998, p. 7, 4 mai. 1977, (Grifo do
autor).
227
CAMPO Grande: O novo estado. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, Edição da Divisão, 04
mai. 1977.
98
transformar Campo Grande em capital e atribuir o nome da cidade ao novo estado. Algumas
das reportagens foram: “Campo Grande terá governador próprio já em 78, diz Rangel”;
“Geisel diz a Garcia que Mato Grosso será dividido”; “Câmara, uma reunião histórica; Nota
da Casa Civil”; “Emocionado, Pedrossian vê amor e soluções futuras”; “A Grande festa de
Campo Grande pela criação do Estado de Campo Grande”; “No norte, as lamentações”; “O
laconismo de José Elias”; “Marcelo Miranda diz pouco e conclama a união e História dos
movimentos divisionistas”. Na matéria, “E Geisel diz a Garcia que Mato Grosso será
dividido. Um novo Estado: Campo Grande; uma nova Capital: Campo Grande”, enfatizou o
nome escolhido para a futura unidade federativa e relatou o comunicado do presidente ao
governador de Mato Grosso, acerca da deliberação sobre a divisão. Ao contrário do O
Progresso, não usou expressões que evidenciassem o autoritarismo militar nesse episódio,
utilizou “comunicou” no lugar de “determinou” e ainda, amenizou a conduta ditatorial do
presidente com a frase “concluiu pela conveniência da medida”.
O presidente Geisel comunicou ontem ao governador Garcia Neto a divisão
do Mato Grosso em dois Estados e a constituição, no Ministério da Justiça,
de um grupo Interministerial encarregado de preparar o projeto de lei
complementar a ser enviado à consideração do Congresso, no qual será
determinado o processo da criação da nova unidade federativa, a chamar-se
Campo Grande. A decisão do presidente Geisel foi comunicada por nota
oficial da Assessoria de Imprensa do Palácio do Planalto, lida pelo coronel
Camargo na presença de Garcia Neto. E afirma que o Executivo concluiu
pela conveniência da medida após demorado estudo, e que as regiões Norte e
Sul do Mato Grosso, em sua nova expressão territorial, receberão apoio
financeiro da União, ‘quer na forma de ajuda para despesas iniciais de
custeio como em investimentos complementares que acelerem a
ultrapassagem da presente etapa de desenvolvimento’228
.
Esse foi o primeiro comunicado oficial do governo federal acerca da divisão, e o
Correio do Estado explorou amplamente a questão. Frisou em vários momentos, nas
chamadas e no interior das notas, o nome atribuído por Geisel ao novo estado e repetiu a
informação da decisão em outras reportagens. Em “Campo Grande: o novo Estado” enfocou a
decisão do presidente em consentir a preparação de um esboço de lei complementar, por um
grupo interministerial do Ministério da Justiça, que visasse à divisão do estado de Mato
Grosso.
228
E GEISEL diz a Garcia que Mato Grosso será dividido. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, p. 2,
04 mai. 1977, (Grifo do autor).
99
O Poder Executivo, após demorado estudo da questão, concluiu pela
conveniência de criar-se um novo Estado na região Sul de Mato Grosso.
Hoje, o Presidente da República comunicou ao governador do Estado de
Mato Grosso essa conclusão, e determinou que se constituísse no Ministério
da Justiça, um grupo interministerial para preparar o projeto da lei
complementar a ser submetido à alta consideração do Congresso Nacional.
Ambos os Estados, tanto o da região do Sul - Campo Grande - como
principalmente, do Norte - Mato Grosso - em sua nova expressão territorial,
receberão da União apoio financeiro, quer na forma de ajuda para despesas
iniciais de custeio, quer de investimentos complementares que acelerem a
ultrapassagem da presente etapa de desenvolvimento, como é o interesse da
região e do Brasil229
.
A determinação para constituir a comissão foi o primeiro passo de Ernesto Geisel ao
sinalizar a “conveniência” de criar o novo estado, porém, haveria um longo trâmite no interior
da administração federal. Esse pronunciamento oficial do General foi comemorado e
celebrado nas reportagens do Correio do Estado, que destacou também os festejos realizados
por políticos, como se a divisão fosse um dado certo e iminente. A Rádio Cultura, que fazia
parte do grupo de concessões pertencente a José Barbosa Rodrigues, foi utilizada para
divulgar as notícias sobre a divisão e mobilizar a população. Narrou uma “comoção pública”,
regada a champanhe e acompanhada de muito barulho, com fogos e buzinaço.
Aos gritos de ‘liberdade’ e de ‘libertação’, muitos vivas, milhares de
foguetes espocando por toda Campo Grande, champanhe sendo
distribuída na Rua 14 de julho, a principal da cidade, pelo vice-
presidente do Diretório Municipal da ARENA, Gabriel Spipe Calarge,
o ‘Gabura’, mais de cinco mil carros circulando incessantemente e
buzinando quase ininterruptamente. Lágrimas de alegria, euforia geral
na cidade inteira, resume a grande e imensa festa feita pelo campo-
grandense a partir das 16:30 horas, quando a Rádio Cultura anunciou,
em edição extraordinária, que pouco antes havia sido realizada, em
Brasília, uma reunião no gabinete do senador Petrônio Portella, com
todos os políticos mato-grossenses, para anunciar que às 18 horas – 17
horas em Mato Grosso - o Palácio do Planalto divulgaria nota oficial
dando conhecimento para toda a Nação, de que o governo havia
decidido dividir o Estado230
.
Quanto ao número de carros e da população nas ruas, observou-se que as imagens
apresentadas pelo jornal na página 3, não confirmaram a grande quantidade de pessoas. O
discurso foi sustentado pelo textual e não pelo visual. Foram seis fotografias, somente uma
229
CAMPO Grande: o novo Estado. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, capa, 04 mai. 1977.
230
ESTADO de Campo Grande é recebido com festa. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, capa, 04
mai. 1977, (Grifo do autor).
100
em plano aberto, com as pessoas de costas para o fotógrafo, revelava a aglomeração de poucas
pessoas. Outra focou o rosto lateral de Marcelo Miranda enquanto ele cumprimentava alguns
indivíduos. A terceira era de um sujeito isolado sentado em uma bicicleta, com um panfleto
escrito “Mato Grosso do Sul” preso ao guidão, e levando uma bandeira não identificável. A
quarta imagem continha uma bandeira com o nome “Mato Grosso do Sul” ao centro,
empunhada por duas jovens sentadas no capô de um veículo. A quinta foto trazia, em primeiro
plano, seis outras pessoas segurando os panfletos e, a última fotografia retratou dois homens
com bebidas nas mãos de frente para o fotógrafo, mais algumas outras crianças e adultos ao
fundo olhando em outra direção231
. Todas as imagens foram registradas no período da noite e
foram publicadas em preto e branco (ANEXO I).
Pela primeira vez atribuiu-se ao divisionismo, no Correio do Estado, a característica
de uma ação organizada e histórica, como “uma suposta luta contínua e persistente do
movimento divisionista”232
.
Meia hora depois, a informação era confirmada e, nessas alturas, o
carnaval na Rua já era uma realidade. A divisão, finalmente,
acontecera e era o resultado de uma luta de mais de 80 anos que
finalmente terminava com a última batalha, ‘comandada por um
grande general, o presidente Geisel’233
.
O jornal não poupou exageros ao envolver a sociedade como se a divisão fosse um
anseio popular. Enumerou “cinco mil carros” que estariam participando da comemoração,
porém, na sequência da reportagem contrariou-se ao afirmar que “a grande festa se
concentrava em alguns pontos isolados”.
Às 18:30 horas, a grande festa se concentrava em alguns pontos isolados e
com muita alegria. O prefeito Marcelo Miranda, que deixou o seu gabinete e
saiu às ruas, acabou tomando um banho - de champanhe e participou, por
alguns instantes da festa234
.
231
Ibidem.
232
SILVA, Ricardo Souza da. Mato Grosso do Sul: Labirintos da memória, p. 110.
233
ESTADO de Campo Grande é recebido com festa. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, capa, 04
mai. 1977.
234
Ibidem.
101
Outra estratégia utilizada, recorrentemente quando o assunto tratado era o
divisionismo, foi a reprodução das falas de Paulo Coelho Machado que, novamente, referiu-se
ao discurso de luta histórica.
E de políticos como Marcelo Miranda235
e Antônio Carlos de Oliveira, com apelo
popular conclamando a união de esforços, a soma de ações e a multiplicação de resultados.
‘Essa notícia, para nós, é o coroamento de uma luta de quase 70 anos, ou
talvez mais, de toda a população do Sul de Mato Grosso, uma grande
reivindicação, antiga e da maior importância. A mais importante desse
século. De maneira que posso dizer que, para Mato Grosso do Sul essa é, na
verdade, a notícia do século’, disse o ex-secretário da Agricultura, bastante
emocionado e dizendo-se sem condições de falar muita coisa.
‘Nosso povo hoje extravasa em emoções, comemorando nas ruas, como
irmãos, a histórica notícia’, disse o prefeito Marcelo Miranda, em nota
oficial, assinalando que ‘mais do que nunca é a hora da união de todos, para
reunir esforços, somar nas ações e multiplicar os resultados’.
‘É uma coisa maravilhosa. Estou feliz porque estou vivo para ver essa
grande vitória do Sul de Mato Grosso’, disse o deputado federal Antônio
Carlos de Oliveira, que telefonou para os jornais, diretamente de Brasília236
.
Para reunir a população de Campo Grande em torno do evento comemorativo, o
prefeito decretou ponto facultativo para os servidores públicos municipais. Solicitou que o
setor privado também paralisasse suas atividades, recorrendo a aspectos emocionais e
sentimentais. Porquanto não tinha competência legal para decretar um feriado, mas acreditava
importante, naquele momento, contribuir para que os festejos tivessem uma conotação
popular, e assim, criar uma memória positiva sobre a “histórica notícia”.
À noite, o prefeito Marcelo Miranda decretou ponto facultativo, ao mesmo
tempo em que apelava a todos os campo-grandenses para que, hoje, fizessem
um feriado por conta própria, para comemorar a grande notícia da divisão,
Miranda explicou que não poderia decretar pura e simplesmente um feriado,
devido à existência de lei federal que o impedia de tomar essa decisão237
.
235
MARCELO Miranda diz pouco e conclama a união. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, p. 3, 04
mai. 1977.
236
ESTADO de Campo Grande é recebido com festa. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, capa, 04
mai. 1977, (Grifo do autor).
237
Ibidem.
102
Outra informação relevante foi a comemoração do ex-governador Pedro Pedrossian
junto aos divisionistas. Comprovando que Pedrossian tinha uma relação estreita e alinhada
com aqueles que se intitulavam pró-divisão do estado.
Grande número de divisionistas compareceu à residência do ex-governador
Pedro Pedrossian, lotando sua casa, na Avenida Afonso Pena, para uma
comemoração que iria durar até a madrugada238
.
O periódico, em outra reportagem, “A grande festa de Campo Grande pela criação do
Estado de Campo Grande”, forneceu detalhes que reforçavam um elo social em torno de um
interesse particularizado, alicerçado apenas por algumas pessoas e por esta mídia. A
concepção de registrar fatos e argumentos que abarcassem a divisão reforçava as intenções do
grupo jornalístico de criar uma história própria de luta divisionista. Essa versão, no entanto,
era incompatível com a conjectura da ditadura militar que delimitava os interesses de Geisel,
em torno da divisão, à “defesa das fronteiras e dos interesses políticos imediatos”239
. O jornal
enumerou os mais de cem mil folhetos distribuídos com os dizeres “Mato Grosso do Sul -
ame-o ou deixe-o”, uma referência ao slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o”, iniciativa da polícia
política que vigorava no período do regime militar, embasado na doutrina de segurança
nacional240
.
Alfredo Perez Almeida (Almeidinha) [...] distribuindo cartazes e
incentivando o povo a gritar ‘Obrigado Geisel’, ‘Obrigado Geisel’. [...] a
população campo-grandense se reuniu para comemorar o sonho que tanto os
sulistas esperavam. [...] cerca de 100 mil folhetos com os dizeres ‘Mato
Grosso do Sul - ame-o ou deixe-o’ e ‘Obrigado, Geisel’.
O prefeito Marcelo Miranda abriu a primeira garrafa de champagne e acabou
levando um banho de bebida, no meio a centenas de pessoas que agitavam
pequenos cartazes e até uma bandeira verde, com os dizeres “Mato Grosso
do Sul” no sentido vertical241
.
238
Ibidem.
239
SILVA, Ricardo Souza da. Mato Grosso do Sul: Labirintos da memória, p.110.
240
O slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o” foi uma das “iniciativas da polícia política que preferia afirmar-se pela
força de uma “guerra psicológica”. Já a doutrina de segurança nacional “era um conjunto não muito criativo de
considerações geopolíticas que, tendo em vista certas premissas óbvias (tamanho do país e de sua população e
vulnerabilidade à convulsão social), perseguiam o objetivo do ‘Brasil potência’”. FICO, Carlos. Versões e
controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar.
241
A GRANDE festa de Campo Grande pela criação do Estado de Campo Grande. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7247, p.3, 04 mai. 1977, (Grifo do autor).
103
Eram expressões que denunciavam o autoritarismo militar e o afastamento de seus
interesses às causas civis e ainda, a pluralidade que envolvia a questão do divisionismo, os
conflitos e os dissensos existentes. O próprio folheto que anunciava “Mato Grosso do Sul -
ame-o ou deixe-o”, desconsiderou o nome do futuro estado, Campo Grande, tão referenciado
e apregoado pelo jornal.
A indiferença da população sobre os acontecimentos, e a teatralização orquestrada
pelo Correio do Estado foram mencionadas quando noticiou que muitos dos participantes
ignoravam completamente os propósitos dos festejos.
[...] participaram até mesmo aqueles que ignoravam por completo que o
presidente Geisel havia decretado a divisão, como o Sr. Joaquim Pereira,
peão de fazenda, que só sabia que ‘estão querendo cortar o Estado no
meio’242
.
Outra questão importante, nessa reportagem, foi o posicionamento do ministro do
interior Rangel Reis, responsável pelos estudos acerca da divisão de Mato Grosso, enunciando
sobre as sugestões de Dourados ou Maracaju sediarem a capital do novo estado. Apesar de
justificar os pretextos que levariam à escolha de Campo Grande em consequência “da
infraestrutura já existente nesta cidade, que a coloca em condições de melhor abrigar o novo
governo estadual”, essa informação não foi desprezada pelo O Progresso, como será
observado mais adiante nessa pesquisa.
A decisão política está tomada. Agora, é só acertar os detalhes.
Assim reagiu o ministro Maurício Rangel Reis, do Interior, quando
informado pelos repórteres da decisão do presidente da República. [...]
Embora tenha havido sugestões para a Capital do Estado ser localizada em
Dourados ou Maracaju, Rangel Reis sugeriu ao presidente que ela fique
mesmo em Campo Grande, em vista da infraestrutura já existente nesta
cidade, que a coloca em condições de melhor abrigar o novo governo
estadual.
O estudo final, que reúne todos os elementos possíveis sobre a divisão, foi
finalmente entregue ao general Ernesto Geisel anteontem. O gabinete do
ministro do Interior negou-se a fornecer mais Informações ou cópias do
estudo à imprensa, argumentando que ele ainda é ‘secreto’ e que sua
divulgação cabe ao Palácio do Planalto243
.
242
Ibidem, (Grifo do autor).
243
CAMPO Grande terá governador próprio já em 78, diz Rangel. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7247, p. 2, 04 mai. 1977.
104
Ressalta-se que para a efetiva realização da divisão, ainda era necessária a aprovação
do Congresso Nacional e, o conteúdo dos estudos realizados pelo ministério do interior eram
uma incógnita e não se sabia seu teor. Em face de todas as incertezas, o jornal e alguns
políticos agiram como se a conjuntura fosse totalmente favorável a eles e às suas investidas.
Focaram na construção de nomes, datas e de uma história popular para o divisionismo, na
qual constasse o “herói” divisionista, aquele que desde sempre lutara pela divisão, além de
reforçar uma imagem positiva da ditadura com agradecimentos a Geisel.
Câmara, uma reunião histórica
Sob a presidência do vereador Eduardo Contar Filho, um dos maiores
divisionistas da chamada ‘ala jovem’, a Câmara Municipal realizou ontem à
noite uma reunião ‘histórica’, contando com a presença de todos os
representantes populares, que, de uma forma ou de outra, exaltaram a
decisão governamental de dividir Mato Grosso.
Um tanto eufóricos, os vereadores sempre mostravam cartazes de ‘Obrigado
Geisel’ e ‘Mato Grosso do Sul, Ame-o ou deixe-o’, ou, ainda, um mapa de
Mato Grosso com uma tesoura em posição de corte, com a frase ‘Dividir
para multiplicar’.
Na plateia, um regular número de assistentes, que ia desde o estudante ao
trabalhador mais humilde e, no auge dos discursos, chegou a haver até
mesmo algumas discussões: todos queriam, para si, o título de ‘grande
batalhador pela divisão’244
.
O jornal Correio do Estado evidenciou o vínculo que mantinha com Pedro Pedrossian
e o interesse deste pela divisão, reportou as comemorações em sua residência como parte da
“vitória dos divisionistas”.
Muitos, foram à residência de Pedro Pedrossian, para continuar as
comemorações, outros, continuaram uma passeata pelas ruas. Uns poucos
foram para o Rádio Clube, onde observa-se um grande carnaval pela vitória
dos divisionistas.
Enquanto isso, em Dourados, alguns vereadores fizeram pronunciamentos
criticando o nome do novo Estado, chegando a ser até mesmo sugerida a
realização de um plebiscito entre os mato-grossenses do Sul245
.
O espaço destinado a Pedrossian nas páginas do noticioso aumentaram frente à
possibilidade da divisão. O ex-governador de Mato Grosso passou a ser idealizado, por essa
mídia e por políticos aliados, a ocupar o cargo de primeiro governador. E nessa perspectiva, o
244
CÂMARA, uma reunião histórica. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, p. 2, 04 mai. 1977, (Grifo
do autor).
245
Ibidem.
105
tom discursivo de Pedrossian ecoava aos leitores por meio do jornal, cheio de apelo afetivo,
ressaltando a importância histórica e decisiva do acontecimento.
O ex-governador de Mato Grosso, Pedro Pedrossian, falando na noite de
ontem, após divulgação pelo Palácio do Planalto da decisão do presidente
Ernesto Geisel, de dividir o Estado de Mato Grosso em duas novas unidades
federativas, disse que se sentia bastante emocionado ‘neste momento tão
histórico, neste momento tão decisivo, e difícil da gente separar a festa da
reflexão’246
.
Entretanto, uma das falas de Pedrossian foi emblemática e denotou a aliança com os
políticos, da Ala Independente, da Arena que apostavam nele como futuro governador, ao
afirmar que a criação do novo estado era um fato consumado. Apesar de considerar o nome a
ser dado como algo irrelevante, conhecia o poder simbólico da denominação de um estado no
jogo político, certamente, mensurava a força sígnica deste “troféu” no seu campo de
atuação247
. Apelou para os aspectos históricos e culturais comuns que a divisão não eliminava
e dos quais o novo estado e seu povo seriam herdeiros.
Mais adiante o ex-governador mato-grossense disse que ‘nós temos que
realmente refletir em torno daquilo que representou o grande Estado de Mato
Grosso, no papel desempenhado pelos nossos amigos, dos nossos irmãos do
Norte, mas hoje se verificou o fato, que é realmente um fato histórico, ou
seja, a criação do Estado do Mato Grosso do Sul ou Estado de Campo
Grande, não importando qual seja a cognominação’.
Referindo-se à separação do Norte do Sul do Estado, Pedro Pedrossian disse
que ‘nós temos a certeza que não é uma simples separação, os nossos irmãos
do Norte continuarão um processo de vocação histórica de construir a nossa
nacionalidade. Eles foram bravos e souberam lutar, souberam implantar uma
civilização’248
.
Sem deixar de atribuir vangloriações ao presidente, por contemplar com sua decisão os
anseios populares, Pedro Pedrossian fez apreciações acerca da divisão, demonstrando seu
posicionamento favorável e concebendo-a como a solução para todos os problemas. E
continuou com o discurso baseado em unidade, como uma maneira de “garantir” o
divisionismo.
246
Ibidem, (Grifo do autor).
247
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.
248
CÂMARA, UMA reunião histórica. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, p. 2, 04 mai. 1977,
(Grifo do autor).
106
Depois de agradecer o presidente Geisel ‘por vir de encontro ao grande
desejo deste povo que habita a Região Sul do Estado de Mato Grosso’, Pedro
Pedrossian disse que estava muito emocionado lembrando que ‘poucas
pessoas de nossa geração tiveram a oportunidade de apreciar esse espetáculo
de alegria do povo’, assinalando que ‘não é uma simples separação’ e que
‘esteja certo o presidente Geisel que tomou uma medida sensata. Ele veio de
encontro ao povo; ele veio de encontro às aspirações populares e há de
construir com uma simples assinatura um grande Estado, que há de resolver
os problemas de seus filhos, que há de ter condições, sobretudo, de ajudar o
País a resolver seus problemas. Que Deus abençoe este grande Estado que
surge neste momento sobre a égide do amor’249
.
O deputado Ruben Figueiró, invocando o patriotismo de Garcia Neto e de Geisel,
conclamou a população à confraternização e a união, posicionando-se como divisionista.
Após a notícia oficial de encomenda da lei, muitos políticos quiseram se filiar à causa
divisionista atribuindo um aspecto popular a ela, na expectativa de aumentarem seu “capital
político”250
.
De Cuiabá, o deputado Ruben Figueiró telefonou para o Correio do Estado
frisando que ‘Rejubilo-me com a decisão do presidente Geisel’ assinalando
que ‘desde a minha mocidade lutei para a emancipação do Estado’. Mais
adiante, assinalou que ‘espero que os mato-grossenses de todos os recantos
se confraternizem diante do histórico acontecimento, a fim de permitir que
os eminentes, presidente Geisel e governador Garcia Neto’ possam, ‘com
seriedade, serenidade e tranquilidade, estabelecer as bases para a
implantação da estrutura político-administrativa dos dois estados, marco
patriótico desses dois líderes de nossa comunidade251
.
Aqueles que se demonstraram desfavoráveis à divisão, ou não comemoraram com a
mesma efusividade, foram caracterizados pelo diário campo-grandense como adversários do
progresso e do desenvolvimento econômico, conforme as chamadas: “No Norte, as
lamentações” e “O laconismo de José Elias”. Na primeira nota, houve a depreciação à Cuiabá
e na segunda, um ataque direto ao prefeito de Dourados afirmando que ele “esquivou-se de
projetar os benefícios econômicos advindos com a divisão mato-grossense, preferindo manter
a posição apática”252
.
249
EMOCIONADO, Pedrossian vê amor e soluções futuras. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, p.
2, 04 mai. 1977, (Grifo do autor).
250
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico, p. 164.
251
Ibidem, (Grifo do autor).
252
O LACONISMO de José Elias. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7247, p. 3, 04 mai. 1977.
107
O periódico registrou em suas páginas as suas convicções políticas, o seu interesse
pelo divisionismo e as críticas a todos os que não compartilhavam igualmente de seus
posicionamentos. Praticava uma oposição dualista à Cuiabá, atual capital do estado uno e a
Dourados, pretensa capital do novo estado, pois a lei ainda não havia sido elaborada e havia
muitas incógnitas. O Correio do Estado não pretendia perder seu espaço junto ao poder
político, portanto disseminava Pedro Pedrossian como primeiro governador, pleiteava Campo
Grande como capital e propagandeava ao máximo seus aliados.
3.1. O grande incômodo, o nome sugerido para o novo estado.
Ao contrário do posicionamento do Correio do Estado que publicou a fala de Pedro
Pedrossian assegurando que o nome da nova entidade federativa não merecia a devida
importância, O Progresso tratou de maneira combativa a questão. Porque não admitia de
maneira alguma que se chamasse Estado de Campo Grande, em face da forte representação
simbólica que promoveria somente uma cidade da região sul.
As matérias veiculadas pelo jornal, entre os dias 4 a 27 de maio de 1977, expuseram o
descontentamento e os pedidos de políticos de Dourados, via telegrama ao presidente da
república, para reconsiderar o nome dado ao novo estado. A primeira crítica foi noticiada na
capa, do dia 04 de maio, com uma charge no quadro In Vino Veritas ilustrada pelo diálogo
entre os dois personagens (ANEXO II).
COLONO — Uai, cumpadre, vancê vai residi no Estado de Campo Grande?
ZÉ PINGA — É, infelizmente, não pela localização, pela falta de gosto na
escolha do nome.253
No dia 5 de maio, primeiro dia após a declaração presidencial sobre o nome de Campo
Grande para a futura entidade federativa, dedicou a sua primeira página para protestar,
divulgando onze chamadas contrárias à designação. Na manchete “Vereadores se manifestam
a favor da divisão, mas não aceitam o nome do novo estado”254
, foi dada a voz a quatro
Vereadores: “Sultan Protesta Contra Denominação de Estado de Campo Grande”, “Djalma
253
IN VINO Veritas fundamenta a divisão de Mato Grosso. O Progresso, Dourados/MT, n. 1998, p. 1, 4 mai.
1977.
254
VEREADORES se manifestam a favor da divisão, mas não aceitam o nome do novo estado. O Progresso,
Dourados/MT, n. 1999, p. 1, 5 mai. 1977.
108
Barros sugere o Plebiscito”, “Celso Amaral quer apoio das Lideranças” e “Juarez exige:
Estado De Mato Grosso Do Sul”.
O vereador Sultan Raslan conclamou as demais Câmaras Municipais da Grande
Dourados à manifestarem-se contrárias à denominação do futuro estado, por meio de
telegramas ao presidente Ernesto Geisel, ao Senado, à Câmara Federal e à Assembleia
Legislativa. Frente ao impasse, ressaltou o consenso entre vereadores de partidos diferentes,
que naquele momento se aliaram em defesa de Dourados e região.
O presidente da Câmara Municipal de Dourados, vereador Sultan Rasslan
(MDB), bastante chocado com a decisão tomada por Sua Excelência o
Presidente da República com a divisão de Mato Grosso e a denominação de
Estado de Campo Grande, apresentou na última Sessão do Legislativo um
veemente protesto contra aquela decisão e tomou a iniciativa de enviar a
todas as Câmaras Municipais que compõem a Grande Dourados, uma
solicitação concitando-as a se unirem neste mesmo pensamento, enviando
também os seus protestos ao eminente Presidente Ernesto Geisel, ao Senado,
à Câmara Federal e a Assembleia Legislativa para que a denominação do
novo Estado seja Estado de Mato Grosso do Sul ‘porque somos mato-
grossenses e pretendemos continuar mato-grossenses’. A Câmara foi coesa a
esse pronunciamento e o vereador Juarez Fiel Alves apresentou também
como líder do MDB, seus protestos nos mesmos moldes do vereador Sultan
Rasslan, assim como os vereadores Roberto Djalma Barros e Celso Muller
do Amaral (ARENA) reforçaram o seu pedido255
.
Nas questões identitárias arguidas por Sultan, “somos mato-grossenses e pretendemos
continuar mato-grossenses”, houve apelo às heranças culturais, políticas e econômicas de
Mato Grosso e um desejo de que esses vínculos permanecessem, mesmo com a instituição do
novo estado. Com essa fala, Sultan apelou para aspectos tradicionais e de pertencimento,
como forma de fortalecer seu discurso almejando homogeneizar todas as diferenças e
construir uma unidade256
. Já, Djalma Barros enfatizou a solicitação de um plebiscito como
solução para o tema.
Ao solidarizar-se com o vereador Sultan Rasslan, o edil Roberto Djalma
Barros (ARENA) sugeriu a realização de um plebiscito na região da Grande
Dourados para a escolha do nome oficial da nova unidade da Federação e
255
SULTAN Protesta Contra Denominação de Estado de Campo Grande. O Progresso, Dourados/MT, n. 1999,
p. 1, 5 mai. 1977, (Grifo do autor).
256
Sobre questões identitárias ler: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas
reflexões em torno do conceito de região.
109
endereçou solicitação a todas as Câmaras Municipais da região solicitando a
adesão ao seu pedido endereçado ao Presidente Geisel257
.
Por sua vez, Celso Amaral pediu o apoio dos deputados estaduais e federais, para junto
ao Presidente Geisel, solicitarem a nomenclatura de Mato Grosso do Sul.
O vereador Celso Muller do Amaral solicitou por sua vez o envio de
expediente aos senadores e deputados federais representantes de Mato
Grosso no Congresso Nacional para instarem junto ao Presidente Geisel a
fim, de ser efetivado o nome de Estado de Mato Grosso do Sul, enviando-se
também o mesmo pedido aos nossos deputados estaduais258
.
A solidariedade e o protesto dos vereadores, Valdenir Machado e Juarez Fiel Alves,
respectivamente, também foram noticiados no jornal, ressaltando a afirmativa deste último, de
que o nome do estado deveria “ser uma das bandeiras dos políticos”, encerrando a nota com o
apelo dos representantes da Câmara de Dourados por “Estado de Mato Grosso do Sul”.
O vereador Valdenir Machado (ARENA) solidarizou-se com Djalma Barros
e Celso Amaral, tendo na oportunidade o vereador Juarez Fiel Alves,
apresentado o seu protesto e dizendo do valor do Sul do Estado, cujo nome
deve ser uma das bandeiras dos políticos e da população local.
A Câmara de Dourados, por todos os seus representantes se levantaram em
protesto e desejam a todo custo que o novo Estado seja realmente
denominado ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL259
.
Entre os vereadores, o que obteve maior espaço no periódico foi Juarez Fiel Alves,
líder do MDB na Câmara Municipal de Dourados, ele reforçou a não aceitação ao nome de
Campo Grande à nova entidade federativa.
Somos favoráveis à divisão do Estado, somos favoráveis ainda que a capital
seja Campo Grande, mas não aceitamos de forma nenhuma que o Estado
também seja denominado Campo Grande, continuou o líder do MDB260
.
257
DJALMA Barros sugere o Plebiscito. O Progresso, Dourados/MT, n. 1999, p. 1, 5 mai. 1977, (Grifo do
autor).
258
CELSO Amaral quer apoio das Lideranças. O Progresso, Dourados/MT, n. 1999, p. 1, 5 mai. 1977.
259
Ibidem, (Grifo do autor).
260
JUAREZ exige: Estado De Mato Grosso Do Sul. O Progresso, Dourados/MT, n. 1999, p. 1, 5 mai. 1977.
110
Ressaltou que a denominação Mato Grosso do Sul era o slogan convencionado na
região e sustentou a identidade mato-grossense, um apelo ao sentido de pertencimento a Mato
Grosso, ou seja, mesmo sendo criado um novo estado não deixaria de ser mato-grossense.
No meu entender, alertou Juarez, isso virá gerar alguns tumultos, pois o
mato-grossense nato continuará a se chamar filho de Mato Grosso do Sul,
que por sinal foi e vem sendo o slogan de todos nós, radicados nesta região
do Estado.
[...] denomine nosso Estado de ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL,
porque seria um descaso muito grande um novo Estado com o nome de
Campo Grande.
E concluiu: ‘não estamos pedindo muito e sim o suficiente para que
possamos nos dedicar com mais entusiasmo em prol de MATO GROSSO
DO SUL mais forte e com maior destaque no cenário nacional’261
.
Ao final da coluna, os dizeres apareceram com letras em negrito e maiores que as
demais do texto, enfatizando a posição do jornal: “Mato Grosso do Sul e Mato Grosso do
Norte é o que o povo quer! Jamais Estado de Campo Grande”. Nessa publicação, em nome da
população, homogeneizou-se o conflito como sendo de entendimento geral e de consenso
mútuo da sociedade douradense. Entretanto, houve somente a fala dos políticos e dos editores.
A manchete, “Dourados recebeu com apatia o nome do Novo Estado”, foi uma
resposta ao Correio do Estado e uma crítica para deslegitimar o nome de Campo Grande para
o novo estado, evocou a origem mato-grossense, considerou humilhante a designação, e
atribuiu a Campo Grande o papel de usurpador dos recursos produzidos na Grande Dourados.
A população douradense sabia que a divisão de Mato Grosso já era um fato
consumado. Particularmente a maioria da população do sul sempre foi a
favor da divisão. Não ficamos satisfeitos com o nome do novo Estado, afinal
existem outros nomes que seriam bem mais apropriados. Estado de
Maracaju, Estado da Bodoquena ou Estado de Mato Grosso do Sul, para não
negarmos nossa origem. Mas. Estado de Campo Grande foi até uma
humilhação para os douradenses. Agora não adianta mais criticarmos, o jeito
é concordar. Permanece em nós aquela dúvida de que: será que Campo
Grande vai continuar a carrear grande parte dos recursos que na Grande
Dourados são produzidos?262
261
JUAREZ exige: Estado De Mato Grosso Do Sul. O Progresso, Dourados/MT, n. 1999, p. 1, 5 mai. 1977.
(Grifo do autor).
262
DOURADOS recebeu com apatia o nome do Novo Estado. O Progresso, Dourados/MT, n. 1999, p. 1, 5 mai.
1977.
111
Anis Faker, líder da Arena em Dourados, também demonstrou sua indignação ao
pronunciar-se como representante de toda a região sul, ressaltou a tristeza dos douradenses ao
serem nomeados como campo-grandenses, evocou a descendência e tradição mato-grossense
e revelou o conflito econômico existente na região sul do estado. Dourados era reconhecido
como o “celeiro do Brasil”, em razão de seu desenvolvimento agropecuário, e para o líder da
Arena a riqueza produzida na região era usurpada por Campo Grande que não possuía a
mesma potencialidade econômica.
Hoje milhares de pessoas da Região Sul, que compõem a ‘GRANDE,
DOURADOS’, estão tristes. O fato está quase que consumado, poucas
esperanças restam para que isto tudo não seja verdade, parece um sonho',
que deixaremos de dizer ‘somos matogrossenses’. Quero aqui como
VEREADOR e filho desta terra, apresentar o nosso protesto pelo nome do
novo Estado de CAMPO GRANDE, somos pela D1V1SÃO de nosso
Estado, com CAPITAL em Campo Grande. Queremos registrar a nossa
indignação, a nossa tristeza, por este resultado, que a exemplo do inverno
que chega, esfria esperanças e ilusões. Somos douradenses, portanto mato-
grossenses e não campo-grandenses. Nunca iremos negar nossa origem, é
muita pretensão para um Município que hoje, ontem e sempre estará
dependendo de nossa pujança, quer da pecuária ou da agricultura. O que
representa Campo Grande na Economia Nacional?263
Destacou a importância demográfica da região, sua capacidade eleitoral, as
divergências, as disputas e os conflitos que existiam entre políticos campo-grandenses e
cuiabanos, denunciou ainda a campanha depreciativa de menosprezo e marginalização
realizada em Campo Grande contra Cuiabá, que por ora, recairia também a Dourados.
Representamos mais de 600 mil pessoas na REGIÃO DA GRANDE
DOURADOS e vamos lançar hoje, nossa união com as demais cidades do
Sul que não pertencem à Região da Grande Dourados, para vermos no
futuro, quem será o nosso governante? Quem terá mais eleitores, quem será
mais forte, quem provará por dados exatos a região de mais produção? Ao
nascer este Novo Estado com esta denominação, surge aqui no Sul uma outra
CUIABÁ, e sabemos muito bem, o quanto seremos marginalizados por
Campo Grande e o quanto sofreu nossa Legendária Cuiabá. Aqueles campo-
grandenses fanáticos, que hoje comemoram nas ruas de Campo Grande esta
vitória, que não é simplesmente pela denominação ou divisão, mas em
sentido de menosprezo pela velha Capital264
.
263
FAKER, Anis. “Estado de Campo Grande – Capital Campo Grande”. O Progresso, Dourados/MT, n. 1999, p.
1, 5 mai. 1977, (Grifo do autor).
264
Ibidem, (Grifo do autor).
112
Anis Faker rebateu as informações transmitidas pela TV Morena, emissora de Campo
Grande utilizada para fomentar a campanha divisionista, que menosprezava o modo como os
douradenses haviam recebido a notícia da divisão e do nome dado ao novo estado. Pautado no
discurso do trabalho, da contribuição ao progresso e do desenvolvimento econômico, Anis
declarou um acatamento às decisões presidenciais, já que, a importância da questão estaria no
poder da economia e não na possibilidade de organizar manifestações.
Todos nós vimos e ouvimos ontem pela TV Morena, de que Dourados e
Corumbá estavam frios com os noticiários da divisão, com denominação de
ESTADO DE CAMPO GRANDE e não ESTADO DE MATO GROSSO
SUL, que todos nós esperávamos e aguardávamos ansiosamente. Realmente
não nos manifestamos, assim como Fátima do Sul, Caarapó, Naviraí,
Maracaju e creio que todas as demais que tem por cunho MATO GROSSO.
Estamos produzindo e não temos tempo para manifestações, nossas safras
são abundantes. Acatamos as decisões do Governo Federal para trabalhar em
prol de nosso desenvolvimento.
O que Dourados, Corumbá e outras representam para o Estado de Mato
Grosso? ‘O SUSTENTÁCULO PODEROSO DE SUA ECONOMIA’265
.
A imprensa explorou amplamente as disputas entre as cidades de Dourados e de
Campo Grande, em torno de quem sediaria a nova capital, sobre qual ideário identitário
evocariam e acerca das relações que o nome do novo estado representaria. Todos os
telegramas e solicitações enviadas ao presidente Geisel, para reconsiderar o nome do novo
estado, foram enunciados pelo jornal. Foram publicados telegramas de deputados e
vereadores, do prefeito José Elias Moreira, do vice - prefeito José Cerveira, de Lauro
Machado de Souza e também uma carta aberta de autoria deste (ANEXO III) pedindo, em
nome de “toda a população”, a troca do nome do novo estado. Apelava-se para sentimentos de
mágoa, de descontentamento, de subjugação, de revolta, para o potencial econômico e
heranças culturais, porquanto justificavam que independentemente da divisão não deixariam
de ser mato-grossenses.
O primeiro telegrama foi enviado a Geisel, no dia 5 de maio, pelos Deputados Horácio
Cersósimo266
e Edison Pires e pedia que fosse revisto tanto o nome do estado criado quanto da
escolha de sua capital, como uma forma de evitar a hegemonia pretendida por Campo Grande
que, desfavoreceria as outras cidades da região e geraria conflitos internos.
265
Ibidem, (Grifo do autor).
266
Ora o jornal escreve o sobrenome do deputado com “s” ora com “z”, a reprodução nesse texto ocorre ipsis
litteris ao escrito no jornal.
113
Acatando com respeito e simpatia decisão vocência referente divisão
territorial Estado, de Mato Grosso, representantes que somos de Dourados
nesta Assembleia Legislativa, pedimos vênia transmitir vocência fim de
evitar hegemonia pretendida por Campo Grande sobre os demais municípios
Sul Mato Grosso, sugestão seja modificado denominação nova unidade
Federação, bem como capital mesma seja localizada área neutra, sendo
construída uma capital essencialmente administrativa. Esperando esta
sugestão receba acolhida vocência, entendemos estar contribuindo em favor
da harmonia social e em sintonia perfeita população região Grande Dourados
com futura administração do novo Estado267
.
Também, nessa data, pronunciaram-se o prefeito e o vice, por telegrama, ao
presidente, evocando a demanda como sendo um anseio coletivo. José Elias, além de
parabenizar Geisel, iria conceder uma entrevista coletiva, a fim de explanar sobre a divisão:
“Prefeito vai abrir o jogo”, já o “Vice-prefeito, Dr. José Cerveira reivindica nome Mato
Grosso do Sul”.
Transmitimos congratulações eminente Chefe Nacional, determinação
medidas elaboração Projeto Lei divisão de Mato Grosso. Por motivos
históricos e sentimentais, reivindicamos nome Mato Grosso do Sul para
estado, certo interpretarmos anseios nosso povo268
.
Em 6 de maio, o Correio do Estado publicou “O Estado de Campo Grande; em 10
anos, a redenção”, elogiando o desenvolvimento econômico da região sul do Mato Grosso
ressaltou suas riquezas agropecuárias, minerais e comerciais e previu que, em uma década, o
novo estado cumpriria um importante papel no cenário nacional como, “uma das grandes
unidades da Federação e participando, decisivamente, na solução dos problemas nacionais”269
.
A matéria reforçou a campanha pró-divisionista do jornal, ao elencar as
potencialidades da região sul e as melhoras que o novo estado de Campo Grande alcançaria.
Essa linha editorial do Correio do Estado endossava os discursos veiculados pelos militares
de um “estado modelo”, caracterizado pelo “desenvolvimento de recursos produtivos,
industrialização e efetiva utilização de recursos naturais, extensa rede de transportes e
comunicações para integrar o território, assim como, o treinamento de força de trabalho
267
TELEGRAMA enviado ao presidente Geisel pelos deputados Horacio Cersósimo e Edison Pires. O
Progresso, Dourados/MT, n. 1999, p. 1, 5 mai. 1977.
268
VICE - PREFEITO, Dr. Jose Cerveira reivindica nome Mato Grosso do Sul. O Progresso, Dourados/MT, n.
1999, p. 1, 5 mai. 1977.
269
O ESTADO de Campo Grande; em 10 anos, a redenção. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7249, p.
3, 06 mai. 1977.
114
especializada”270
. Uma maneira de justificar a divisão de Mato Grosso como uma ação que
desencadearia pujança, desenvolvimento econômico, ordem e progresso, conciliando a
proposta dos militares à causa divisionista e ao nome do novo estado, vinculando-os ao
desenvolvimento econômico e à segurança nacional, seguindo a lógica do regime autoritário.
O periódico, em 9 de maio, enunciou as orientações do jornalista cuiabano, Pedro
Rocha Jucá, sobre a responsabilidade da imprensa local em não provocar dissidências maiores
durante o processo de divisão, entre o norte e o sul de Mato Grosso, mantendo-se assim, os
laços de amizade. O jornal, no entanto, utilizou do argumento de Jucá para criticar as atitudes
dos douradenses no conflito gerado em torno da nomenclatura dada à nova entidade federativa
e isentou-se da responsabilidade da escolha, já que esta teria sido uma opção conferida
unicamente a Geisel. Atribuiu ao colunista do O Progresso a culpa por insuflar a confusão e
informou que a luta dos divisionistas sempre visou à denominação “Mato Grosso do Sul”.
Responsabilidade
Em Campo Grande, o jornalista Pedro Rocha Jucá disse, neste final de
semana, que cabe à imprensa de todo o Mato Grosso, Norte e Sul, a grande
responsabilidade de conduzir a opinião popular, no sentido de não permitir o
aprofundamento das dissidências entre nortistas e sulistas [...] os meios de
comunicações, quer a imprensa, as emissoras de rádio ou a televisão, devem
colaborar numa campanha de orientação, que não permita o rompimento dos
laços de amizade entre mato-grossense do Norte e do Sul.
Acusações
Por outro lado, em Dourados, um colunista do jornal ‘O Progresso’ acusa os
três senadores do Sul de serem os grandes articuladores da campanha
visando dar a Mato Grosso do Sul a denominação de ‘Estado de Campo
Grande’, muito embora o próprio ministro Rangel Reis, do Interior, já tenha
explicado, oficialmente, que a escolha foi do presidente Geisel, muito
embora a sugestão inicial tenha sido da criação do Mato Grosso do Sul. O
mesmo articulista não levou em conta, também, que os três senadores
sulistas - Italívio Coelho, Mendes Canale e Rachid Derzi - sempre
batalharam pela criação do ‘Estado do Mato Grosso do Sul’ - e que os
divisionistas também sempre se bateram - e ainda batalham - por esta
denominação271
.
No mês de maio de 1977, não havia ainda uma resolução definitiva sobre a divisão
territorial, porque a criação do futuro estado seria instituída por lei, assim como os demais
assuntos a ela relacionados. A situação se prolongou e no dia 14 de julho, na manchete do
Correio do Estado, demonstrou-se expectativa e impaciência ao anunciar “Divisão: duas
270
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984), p. 48.
271
CUIABÁ: muitos boatos e recessão econômica. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7251, p. 7, 09
mai. 1977, (Grifo do autor).
115
horas de debates nada decide”, na qual o assessor de imprensa do Palácio do Planalto, coronel
Toledo de Camargo, informou não ter sido tomada nenhuma decisão acerca da divisão de
Mato Grosso, após a reunião da alta cúpula do governo federal, acrescentando que mais
reuniões seriam necessárias.
Divisão: duas horas de debates nada decide
Brasília (AE/CE) - Em reunião de duas horas com os ministros da Justiça,
Armando Falcão; do Interior, Rangel Reis; do Planejamento, Reis Velloso; e
do Gabinete Civil, Golbery do Couto e Silva, o presidente Geisel debateu
ontem detalhes relativos à divisão territorial de Mato Grosso, anunciada em
abril, mas que ainda terá que ser regulamentada.
O assessor de imprensa do Palácio do Planalto, coronel Toledo Camargo,
após o encontro, disse que nada se decidiu e que outras reuniões serão
realizadas brevemente.
Os novos encontros entre o presidente e os ministros, segundo Toledo, visa a
definição de todos os detalhes relativos à criação do Estado de Campo
Grande e aos investimentos que terão que ser feitos no Mato Grosso272
.
O Progresso, no dia 10 de maio, divulgou duas notas. A primeira foi uma resposta do
deputado Horácio Cerzósimo em defesa de Dourados às ofensivas do político campo-
grandense, deputado Sérgio Cruz, que fez algumas declarações no jornal Correio do Estado.
Acentuou a provisoriedade de Campo Grande como capital, rechaçou a influência que os
divisionistas campo-grandenses afirmavam ter na divisão e conferiu a exclusividade da
decisão a Geisel e à sua competência em atender os interesses do povo e da nação.
[...] respondendo as insinuações do Dep. Sergio Cruz declarou que ‘eles’ não
tem o direito de ofender ninguém e que Dourados não ira aceitar imposição
de políticos de Campo Grande capital ‘provisória’ da nova unidade
Federativa [...]. Com referencia a propalada pressão de grupos políticos e
econômicos que teriam intervido para a divisão do Estado, o deputado
Horacio Cerzósimo disse que ‘Admito que realmente houve pressões de
grupos políticos e econômicos do Sul, porém, a decisão do governo federal
não foi tomada atendendo a essas pressões, mas sim, visando o interesse do
povo mato-grossense e, acima de tudo, o interesse nacional273
.
A segunda foi a publicação do telegrama de Lauro Machado de Souza, que apreciou o
ato divisionista de Geisel, mas apelou pela troca do nome do estado Campo Grande, por
272
DIVISÃO: duas horas de debates nada decide. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7304, capa, 14 jul.
1977.
273
DEP. HORACIO Cerzosimo defende Mato Grosso do Sul. O Progresso, Dourados/MT, n. 2002, p. 1, 10 mai.
1977, (Grifo do autor).
116
efeito dos constrangimentos gerados pela escolha, que afetaram os sentimentos do povo
deixando-o descontente.
Receba nobre Presidente nosso mais profundo reconhecimento divisão Mato
Grosso. Contudo, pedimos vênia vossência não permitir consumar
denominação já ventilada. Nome Campo Grande para novo- Estado, feriu
sensibilidade povo demais cidades, originando marcante descontentamento
geral. Juntamos sentimento mágoa apelando última providência para ilustre
mandatário274
.
Os apelos foram tentativas de deslegitimar Campo Grande como nova capital e os seus
representantes. As justificativas fiaram-se em motivos históricos, identitários e coletivos para
que os políticos douradenses e da região da Grande Dourados perpetuassem seus interesses e
garantissem seu status.
No dia 11 de maio, noticiou “O povo de região de Dourados não reclamou contra a
divisão do Estado, como comentou um jornal de Campo Grande; queremos a divisão! Apenas
não nos agrada a mudança do nome”275
, foram também veiculados dois telegramas do
deputado Walter Benedito Carneiro, presidente do diretório municipal da Arena em Dourados,
enviados ao presidente Geisel.
Congratulamos Vossência medidas determinadas criação novo Estado.
Solicitamos denominação Mato Grosso do Sul, atendendo fatores históricos
e aspiração nosso povo, certos que divisão proporcionará desenvolvimento e
progresso ambas unidades desmembradas276
.
Solicitamos Vossência transmitir Presidente Ernesto Geisel satisfação
companheiros arenistas Dourados eminente criação novo Estado, que
esperamos seja denominação Mato Grosso do Sul, atendendo aspiração
legitima nossa gente fundada sentimento histórico277.
Em 13 de maio, citou uma resposta do senador Italívio Coelho ao telegrama enviado
pelo vereador Aniz Faker, na qual o senador informava seu esforço e interesse junto ao
governo federal para a revisão da nomenclatura do estado e, principalmente sua contribuição
na transição dos mato-grossenses a sul-mato-grossenses.
274
TELEGRAMA AO Presidente Geisel. O Progresso, Dourados/MT, n. 2002, p. 1, 10 mai. 1977.
275
OLHO GRANDE. O Progresso, Dourados/MT, n. 2003, p.10, 11 mai. 1977.
276
TELEGRAMAS. O Progresso, Dourados/MT, n. 2003, p. 1, 11 mai. 1977.
277
Ibidem.
117
Li com atenção seu manifesto propugnando pelo nome de Mato Grosso de
Sul. Tenho prazer comunicar meu empenho e demais parlamentares região
desmembrada ver atendida aspiração brasileiros nascidos mato-grossenses
tomarem-se sulmatogrossenses278.
Insistir pela mudança de nome significava para os governantes vinculados a Dourados
a possibilidade de legitimarem-se como verdadeiros representantes da vontade popular, como
defensores das memórias, das tradições, das riquezas e das potencialidades da gente do sul e
da região douradense. Os políticos e O Progresso apresentaram-se, também como
apaziguadores de conflitos e promovedores da paz, ao contrário das representações veiculadas
pelo jornal Correio do Estado. Nessa intenção de reafirmação e validação política O
Progresso, no dia 17 de maio, nomeou os possíveis futuros representantes do novo estado.
Prosseguiam-se, assim, as disputas pelo poder no âmbito estadual, uma vez que pretendiam
ter aliados políticos nesse novo espaço.
Já começam a aparecer certos nomes que por certo estarão ocupando cargos
como o Governador, Senadores e Deputados Federais. No norte aparecem os
nomes dos deputados Vicente Vuolo, Nunes Rocha, Gastão Muller e
Benedito Canellas. No Sul despontam os nomes dos ex-governadores279.
O periódico douradense noticiou, em 24 de maio, um telegrama de Edson Pires que
insistia por Mato Grosso do Sul, reverenciando Geisel e Rangel Reis como ícones históricos
da divisão para o povo sul-mato-grossense.
O deputado Edson Pires de Almeida, representante de Dourados na
Assembleia Legislativa de Mato Grosso, enviou telegrama ao Ministro
Rangel Reis, do Interior congratulando-se com aquela alta autoridade pela
divisão de Mato Grosso e solicitando ao mesmo tempo, que seja dado à nova
Unidade Federativa o nome de Mato Grosso do Sul e não Campo Grande,
como foi anunciado. ‘O presidente Geisel e V. Excelência — diz o deputado
a Rangel Reis — foram os artífices da divisão territorial de Mato Grosso e
por isso seus nomes ficarão gravados eternamente na história do povo sul-
mato-grossense’280
.
278
TELEGRAMAS. O Progresso, Dourados/MT, n. 2005, p. 1, 13 mai. 1977.
279
NOS BASTIDORES Políticos Com a divisão do Estado. O Progresso, Dourados/MT, n. 2007, p. 1, 17 mai.
1977.
280
EDSON Pires insiste por “Mato Grosso Do Sul”. O Progresso, Dourados/MT, n. 2012, p. 1, 24 mai. 1977,
(Grifo do autor).
118
Edson Pires, ao justificar o seu pedido para que fosse dado o nome de Mato Grosso do
Sul ao novo estado, assegurou que “a tristeza e a mágoa serão tão fortes quanto à alegria da
divisão, caso perdure o nome de Estado de Campo Grande”. Proferiu ainda, “o sentimento do
nosso povo, que se vê na iminência de perder a cidadania mato-grossense, atingiu proporções
incalculáveis”, pois “deixar de ser mato-grossense é quase deixar de ser brasileiro”. Para
finalizar acrescentou “dando-se ao novo Estado o nome de Mato Grosso do Sul, será
cristalizada a grande meta atingida” 281
.
A cada notícia propondo a troca ou a não aceitação da denominação do estado,
apareceram menções da subjugação de Dourados a Campo Grande, a imposição desta àquela
e a força econômica da primeira usurpada pela segunda. Isso refletia as tensões, as lutas
políticas e econômicas entre as duas cidades, trazendo à tona a angústia e o medo diante da
ameaça que o domínio político, social e cultural de Campo Grande poderia gerar. O maior
temor para os políticos douradenses era de ficarem à margem do poder local.
As publicações realizadas pelos dois veículos de imprensa, O Progresso e Correio do
Estado, assumiram o sentido de comunicar os seus posicionamentos e a opinião de seus
diretores e dos políticos aliados e não, necessariamente, o papel de informar a população
sobre o fato que transcorria. Ou seja, carregaram convergências direcionadas, partidárias,
superficiais e tendenciosas, à produção de sentidos a qual se propuseram282
.
3.2 – O arrefecimento dos ânimos.
Os ânimos só foram arrefecidos em razão das incógnitas que permeavam o assunto da
divisão de Mato Grosso, já que os estudos realizados pelo governo federal eram confidenciais
e o anteprojeto de lei ainda não havia sido criado. Bem como, em virtude de alguns
pronunciamentos realizados nos meses posteriores a maio.
A primeira reportagem que demonstrou as lacunas existentes acerca do divisionismo
foi do Correio do Estado, no dia primeiro de junho. Elencou haver uma minuta do anteprojeto
de lei que passaria pelo crivo do Senado Federal e que a denominação Campo Grande dada ao
futuro estado poderia ser alterada posteriormente em uma Assembleia Constituinte. Destacou
ainda, que a escolha da capital fora provisória, ensejando que haveria a possibilidade da
281
Ibidem.
282
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias.
119
capital ser instalada em outro município, inclusive Dourados, mencionado anteriormente,
como uma das alternativas elegidas pela alta cúpula do governo.
O presidente Geisel deverá enviar ainda neste mês de junho, ao Congresso
Nacional, o anteprojeto de Lei que criará o Estado de Campo Grande, a ser
desmembrado do atual Estado de Mato Grosso, segundo informaram ontem
fontes do Ministério do Interior, assinalando que ontem os ministros Rangel
Reis, daquela pasta; Reis Veloso, do Planejamento; e Armando Falcão, da
Justiça, receberam a minuta do anteprojeto de Lei complementar283
.
Insistiu pelo nome de Campo Grande, de escolha exclusiva de Geisel, porém, tentou
justificar como sendo uma referência aos campos sulinos e não à cidade.
As mesmas fontes indicaram que, de acordo com a lei, o governo federal
criará o Estado de Campo Grande - e não Mato Grosso do Sul - mas
lembraram que a denominação poderá ser alterada posteriormente, pela
futura Assembleia Constituinte, desde que seja o desejo não só da maioria
como do próprio presidente Geisel , que escolheu a denominação, não em
função do nome da capital provisória, Campo Grande, mas pelos mesmos
motivos que levaram os fundadores da cidade a dar-lhe a denominação atual,
Campo Grande, que lembra as vastidões dos campos de toda a região Sul de
Mato Grosso284
.
Outra alegação importante, naquela conjuntura, foi proferida pelo governador Garcia
Neto e noticiada pelo O Progresso, em 20 de junho, quando se reuniram em Dourados
prefeitos e vereadores de 29 municípios, do total de 55 que existiam no sul do Mato Grosso
naquela época. Os representantes da região da Grande Dourados juntaram-se para a eleição da
nova diretoria da Associação dos Municípios Sul-mato-grossense e da fundação da
Associação dos Vereadores da Grande Dourados. Garcia disse que mesmo com a divisão do
estado os municípios continuariam recebendo toda assistência de seu governo que se
cumpriria até o ano de 1979.
Após as palavras do prefeito José Elias, [...] falou aos presentes o
governador do Estado, que num discurso improvisado enumerou as
principais realizações de seu governo e disse que a mesma assistência que
até agora foi dada, para o sul do Estado, os municípios continuarão a receber
até o final de seu mandato em 79. Estas palavras foram ditas a propósito dos
comentários sobre a divisão, tendo o governador afirmado mais uma vez que
a divisão não significará barreiras entre os dois Estados. Garcia Neto, disse
da assistência que tem procurado dar às prefeituras afirmando que ‘posso ser
283
LEI da divisão no Congresso ainda neste mês de junho. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7271,
capa, 01 jun. 1977.
284
Ibidem.
120
equiparado com o governador que mais recebeu prefeitos até hoje’. E disse
também, que todos os municípios do Estado, tem recebido não só a visita do
governador, como também as obras que este governo está implantando
[...]285
.
A afirmação de Bento Porto, secretário de Planejamento e Coordenação Geral de Mato
Grosso, também acalmou os ânimos dos políticos douradenses que estavam preocupados em
ficarem à margem das decisões relevantes, caso o estado fosse dividido e Campo Grande
elencada definitivamente como a futura capital. Em virtude dos interesses antagônicos e dos
conflitos existentes entre os representantes daquelas cidades, contar com o apoio do governo
estadual seria crucial, já que Garcia Neto exerceria seu mandato por mais dois anos.
O Secretário de Planejamento e Coordenação Geral de Mato Grosso, Bento
de Souza Porto, disse sábado nesta cidade, após participar da abertura de
reunião da ASSULMAT, que a divisão do Estado não alterará o atual plano
de governo em relação aos municípios sulinos e garantiu que o mandato do
governador Garcia Neto continuará até março de 79. ‘Não recebi do sr.
governador, instruções para modificar o orçamento ou alterar o plano de
obras’, disse o secretário. Suas palavras foram dirigidas aos prefeitos e
vereadores dos municípios da Grande Dourados, no salão de festas do
restaurante Everest. Bento usou a palavra naquele local, pois teria que viajar
à tarde para Brasília, atendendo exigências de sua pasta286
.
Bento Porto enumerou as qualidades administrativas do governador e sua coerência
contrária à divisão até o momento do pronunciamento oficial de Geisel. Frisou que Garcia não
só acatou a opinião do presidente, como se tornou “um dos líderes do movimento” e que
estaria envolvido diretamente na realização da divisão.
Quanto à atitude do governador Garcia Neto, em relação aos municípios do
sul do Estado, o secretário disse que continuará sendo a mesma que até agora
tem caracterizado o chefe do governo, a quem qualificou de ‘homem de base
popular, de coerência administrativa indiscutível’. Bento Porto lembrou que
durante todo o processo da divisão do Estado, Garcia Neto manteve sua
posição contrária, mas quando teve a certeza da decisão do presidente
Geisel, acatou a ideia do chefe da nação, sendo agora um dos líderes do
movimento que culminará com a efetivação da divisão em 79287
.
285
JOSÉ Elias Moreira - o Novo Presidente da ASSULMAT. O Progresso, Dourados/MT, n. 2031, p. 1, 20 jun.
1977, (Grifo do autor).
286
BENTO Porto garante: Divisão não muda planos do Governo no Sul do Estado. O Progresso, Dourados/MT,
n. 2031, p. 3, 20 jun. 1977, (Grifo do autor).
287
Ibidem, (Grifo do autor).
121
O secretário evidenciou, em específico, a atenção administrativa direcionada à região
de Dourados, dando ênfase ao trabalho de execução de um pacto anterior às questões
divisionistas, e do comprometimento do presidente Geisel com todo o estado em sua porção
Norte e Sul.
Referindo-se especificamente a Dourados, Bento Porto disse que o
município não deixará de receber tudo aquilo que estava programado pelo
governo do Estado. Lembrou que inúmeras obras estão sendo inauguradas,
ao mesmo tempo que se anunciam outras que serão realizadas no decorrer
dos próximos dois anos288
.
Bento Porto defendeu, ainda, a implantação da Faculdade de Agronomia no
município douradense. Como já referido, entre as contendas que envolviam Dourados e
Campo Grande estava a disputa para sediar a faculdade.
Indagado pela imprensa sobre as possibilidades da implantação da Faculdade
de Agronomia, o secretário Bento Porto disse: ‘querer para os fracos, nem
sempre significa poder, mas para Dourados, querer é poder’.
A Faculdade de Agronomia, segundo Bento Porto, tem que se implantar
onde tem agricultura e disse reforçando o slogan já criado pelos
universitários douradenses, que ‘O Brasil não precisa de agrônomos do
asfalto’.
Bento Porto manifestou o desejo de que os entendimentos se concluam de
maneira a favorecer a aspiração das autoridades, do povo e principalmente
da juventude da região289
.
Marcelo Miranda, também esteve presente no encontro municipalista e, em sua
declaração anunciou perspectivas de unidade entre os prefeitos, se propôs a uma distribuição
de recursos que seriam divididos entre os municípios e não concentrados somente em Campo
Grande e, por fim, apresentou sua versão sobre a denominação a ser dada ao novo estado.
Enfatizou que independentemente do nome do novo estado, que ele nomeou de Mato Grosso
do Sul, seria criado para acelerar o processo de desenvolvimento nacional e necessitaria da
união das forças políticas dos prefeitos.
O prefeito de Campo Grande, Marcelo Miranda Soares, participou
anteontem da reunião da ASSULMAT, realizada em Dourados [...]. O
288
Ibidem.
289
Ibidem, (Grifo do autor).
122
prefeito da nova capital foi saudado por todos os participantes do encontro,
tendo falado aos presentes.
Depois de cumprimentar seus colegas da Grande Dourados e dizer das
perspectivas de progresso do Novo Estado, o prefeito Marcelo Miranda disse
que ‘não pretendemos crescer sozinhos’, para pregar a união que deve haver
entre todos os prefeitos do novo Estado.
‘Queremos distribuir os programas que virão para a nova unidade
federativa’, acrescentou.
Afirmou ainda que ‘Campo Grande não está reivindicando nome para o
Estado’. ‘Mato Grosso do Sul — disse — foi criado para o Brasil se
desenvolver mais rápido; que tenha qualquer nome, o que precisamos é da
união dos prefeitos’290
.
No dia 24 de junho, o Correio do Estado emitiu uma nota com as considerações de
Paulo Coelho Machado sobre a problemática criada em torno do nome da nova entidade
federativa, como uma maneira de construir uma unidade e diminuir as divergências a fim de
consolidar a criação do novo estado. No entanto, o jornal nomeou a reportagem com o título
“futuro Estado de Campo Grande”, apesar de, assim como Paulo Coelho, entender as disputas
em torno do nome irrelevantes e justificadoras do atraso na concretização da divisão.
O anteprojeto de Lei Complementar que fixará os grandes parâmetros para a
criação do, que se encontra em poder dos ministros Rangel Reis, do Interior;
Armando Falcão, da Justiça; e Reis Velloso, da Secretaria de Planejamento,
que receberam no final do mês passado do grupo encarregado dos estudos, e
que deverá ainda ser entregue ao presidente Geisel para análise, só deverá
ser encaminhado em agosto próximo ao Congresso Nacional, para votação,
devido ao recesso parlamentar de julho. A opinião foi emitida ontem pelo
coordenador da Liga Sul Mato-grossense, Paulo Coelho Machado, em
entrevista coletiva à imprensa, acrescentando que ‘se não fossem questões,
para nós irrelevantes, como a que se travou em torno do nome do novo
Estado, a mensagem já teria ido ao Congresso e a lei promulgada’291
.
Ainda que, Paulo Coelho Machado tenha se manifestado preocupado com o reflexo
dos impasses na demora do governo federal realizar a divisão e, mesmo se intitulando mato-
grossense, não deixou de culpabilizar os cuiabanos pela denominação Mato Grosso do Sul
não ter sido designada, uma vez que não aceitaram mudar o nome do estado para Mato
Grosso do Norte.
290
PREFEITO de Campo Grande no encontro municipalista. O Progresso, Dourados/MT, n. 2032, p. 1, 21 jun.
1977, (Grifo do autor).
291
MENSAGEM deverá seguir em agosto para o Congresso. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7288, p.
9, 24 jun. 1977, (Grifo do autor).
123
Paulo Coelho Machado disse que o nome para o novo Estado é secundário,
‘o importante mesmo é a divisão, mas alguns políticos para não perderem a
simpatia ou agradar outras regiões, encamparam o problema e passaram a
lutar pela modificação do nome’. Disse que o nome primeiramente lembrado
foi de ‘Mato Grosso do Sul’, pregado mesmo antes de ser anunciada a
determinação governamental, ‘porque queremos continuar mato-grossenses’,
mas surgiu a resistência cuiabana que não querem o acréscimo ‘do Norte’,
preferindo ser somente mato-grossense, não concordando que o futuro
Estado recebesse o sufixo ‘do Sul’. Para ele o assunto é, secundário e
poderia ser discutido mais tarde, na própria Assembleia Constituinte292
.
No mesmo dia, O Progresso publicou em duas reportagens a possibilidade de uma
nova designação a ser dada ao futuro estado, “Campos Dourados”, usando como fonte Gabriel
Muller.
É ponto pacífico que a nova unidade federativa que está sendo criada no
Brasil, com a divisão de Mato Grosso, chamar-se-á Campos de Dourados e
não Estado de Campo Grande.
A informação foi passada pelo sr. Gabriel Muller que acaba de retornar à
Brasília293
.
Muller reconheceu essa denominação como uma solução diplomática. No entanto,
reforçou que o apelo dos douradenses fora por Mato Grosso Sul e que houve resistências em
relação à nova escolha, uma vez que manter os vínculos com Mato Grosso era um dos ideais
políticos.
O povo gritou muito com a mudança do nome do Estado de Mato Grosso Sul
para Estado de Campo Grande. Para solucionar o problema foi escolhido
outro que não desgosta nenhum: Estado de Campos Dourados, a solução é
diplomata, mas não agradou a todos.
O ideal é não perder o nome de Mato Grosso; isto sim294
.
As ponderações do governador, que revelaram informações presidenciais, também
amenizaram os ânimos, porque possuíam oficialidade. Garcia Neto engrandeceu o governo e
apoiou os atos de Ernesto Geisel, posicionou-se como um colaborador irrestrito do presidente
e condenou os que se opuseram às decisões do governo federal. Passou a evidenciar a divisão
292
Ibidem, (Grifo do autor).
293
CAMPOS Dourados será o nome do Novo Estado. O Progresso, Dourados/MT, n. 2035, p. 10, 24 jun. 1977.
294
OLHO Grande. O Progresso, Dourados/MT, n. 2035, p. 10, 24 jun. 1977.
124
como uma solução para os problemas nacionais, um auxílio na construção de um futuro
glorioso para o Brasil.
O governador Garcia Neto, na abertura do Ciclo de Palestras para o
Acompanhamento do PRODEPAN, disse que o presidente Ernesto Geisel
‘está com as vistas voltadas para este novo Estado’[...].
Ao lembrar que ‘uma vez que o presidente Geisel decidiu dividir o Estado de
Mato Grosso’ o fez com intuito de beneficiar toda a Nação, e que ‘eu
acredito que o desmembramento venha, de fato, constituir o Estado Solução,
para solucionar os grandes problemas nacionais’. Garcia assinalou também
que ‘todos nós lutaremos para construir um País melhor e maior
economicamente neste momento difícil em que muitos estão tentando
prejudicar o governo revolucionário’295
.
O vice-governador Cássio Leite de Barros reforçou a fala de Garcia Neto e ressaltou
os investimentos financeiros federais que estavam chegando para a administração estadual.
Cássio Leite de Barros disse mais adiante em seu discurso ‘que quando
muita gente tenta atingir o governo, é que os pantaneiros se põem em pé,
como resposta de um povo que luta pela economia do País’, para acrescentar
logo a seguir que ‘nunca recebemos tanto do governo federal como estamos
recebendo agora’, destacando depois os investimentos federais aplicados na
área, ‘como incentivos para este povo confiante e otimista, quanto ao futuro
reservado do Brasil’296
.
Outro posicionamento apaziguador das tensões foi o do ex-presidente da República
Jânio Quadros, publicado no O Progresso, no dia 15 de julho. Nascido em Campo Grande se
posicionou favorável ao nome Mato Grosso do Sul, reprovando o nome de Estado de Campo
Grande.
Embora o grande público não esteja sendo informado sobre os problemas
envolventes a respeito das especulações em torno do nome da mais nova
unidade da federação, nos bastidores da alta cúpula política nacional o
problema vem sempre à baila, pois, é emergente.
Inquirido se ‘o nome natural desse estado não seria Mato Grosso do Sul’, o
campo-grandense Jânio Quadros disse textualmente: ‘Fico com a impressão
de que é esse o pensamento de todo mato-grossense do Sul’.
Sustentou que ‘teria sido melhor até para efeitos históricos’ e destacou:
‘acredito que se repare esse equívoco porque o nome de ‘Campo Grande’
não agradou a ninguém’.
Essa afirmação do ex-presidente da República foi prestada a equipe do
PASQUIM que o entrevistou para a edição comemorativa do seu oitavo
295
GARCIA diz que Geisel olha pelo novo Estado. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7295, p. 3, 02/03
jul. 1977, (Grifo do autor).
296
Ibidem, (Grifo do autor).
125
aniversário (Ano IX — n° 417 — Jânio Quadros abrindo o jogo para o
Pasquim)297
.
Após essa matéria, o jornal Correio do Estado noticiou pela primeira vez a divisão
do estado de Mato Grosso, atribuindo em letras maiúsculas, o nome de Mato Grosso do Sul ao
estado a ser criado. A reportagem, do dia 26 de julho, versou sobre o encontro de Garcia Neto
com Ernesto Geisel para tratar de assuntos relacionados ao divisionismo.
O governador José Garcia Neto será recebido pelo presidente Geisel, em
audiência especial, para tratar de assuntos relacionados com a divisão
territorial de Mato Grosso e com a criação do ESTADO DO MATO
GROSSO DO SUL e, ainda, sobre a real possibilidade dele vir a governar
apenas o Região Norte a partir do 1º de janeiro de 1978.
O governador Garcia Neto está na Capital Federal desde a tarde de domingo,
após ter tomado conhecimento, em caráter extraoficial, de que perderia o Sul
de Mato Grosso. Por isso ele vai falar com o presidente Geisel, pare ser
informado oficialmente da providência do governo federal e para tomar as
primeiras medidas para ajudar de fato a divisão acelerada298
.
No mesmo dia, o jornal douradense também emitiu uma nota, alicerçado em
informações enviadas de Brasília. Mais uma vez, evocou a identidade mato-grossense para
respaldar as suas reivindicações e elogiou a decisão governamental em acolhê-las. Iniciou a
manchete com o título “Mato Grosso do Sul será instalado em janeiro”.
Tivemos enorme satisfação ao sabermos da decisão governamental em dar o
nome da nova unidade da federação de Estado de Mato Grosso do Sul.
Foi uma atitude de bom senso de nossas autoridades que viram no desejo da
maioria dos habitantes aqui residentes a vontade de serem sempre mato-
grossenses299
.
Observaram-se, por essas duas últimas publicações, as diferenças entre as abordagens
do Correio do Estado e do O Progresso quando o assunto da divisão envolvia a figura de
Garcia Neto, e principalmente, quando ambos divulgaram os mesmos dados. O primeiro fez
questão de apontar aspectos negativos do governador, como por exemplo, dizer que Garcia
governaria “apenas a região norte a partir do 1º de janeiro de 1978” e “perderia o Sul de Mato
297
ESTADO de Campo Grande não agradou a ninguém. O Progresso, Dourados/MT, n. 2050, p. 1, 15 jul. 1977,
(Grifo do autor).
298
GARCIA Neto fala hoje sobre divisão com Geisel. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7314, p. 9, 26
jul. 1977, (Grifo do autor).
299
MATO Grosso do Sul será instalado em janeiro. O Progresso, Dourados/MT, n. 2057, p. 1, 26 jul. 1977.
126
Grosso”. Já, o segundo estabeleceu um tom incentivador ao governador quando o elencou
como aquele que continuaria a governar Cuiabá até o final de seu mandato, em 1979. Esses
textos demonstram o que foi apontado anteriormente por esta pesquisa, que o jornal campo-
grandense mantinha uma postura opositora e de críticas à Garcia Neto, enquanto o periódico
douradense se mostrava defensor e favorável a ele.
Apesar dos dois jornais destacarem o nome do futuro estado, Mato Grosso do Sul, a
questão não estava definida como expôs O Progresso, em 28 de julho, com a reportagem
“Geisel recebe hoje documento sobre divisão de Mato Grosso”. Mesmo intitulando a nova
unidade federativa o projeto de lei era apenas um conjunto de sugestões, porque, ainda seria
analisado por Geisel e pelos ministros.
Ao final do texto houve a revelação de Rangel Reis, que considerava “importante
ouvir a população da região atingida sobre os aspectos da divisão do Estado”, e que entre as
sugestões para o nome do estado a ser criado, escolha de competência presidencial, constavam
Mato Grosso do Sul, Maracaju, Dourados ou Estado da Bodoquena.
O documento final da divisão do Estado de Mato Grosso será entregue hoje
ao Presidente Geisel, pelos ministros do Interior, Justiça e Planejamento. A
informação é do ministro Rangel Reis, que se reuniu com seu colega
Armando Falcão para dar redação final ao documento, que contém o projeto-
de-lei a ser enviado ao Congresso Nacional.
Ao enfatizar que considera ‘importante ouvir a população da região atingida
sobre os aspectos da divisão do Estado’, Rangel Reis acrescentou que o
nome do novo Estado, por exemplo, é um dos detalhes que caberá ao
presidente decidir, sendo sugeridos os nomes: Mato Grosso do Sul,
Maracaju, Dourados ou Estado da Bodoquena300
.
Esta informação pôs fim aos debates relacionados em torno da denominação estadual e
contribuiu para arrefecer os ânimos. A possibilidade de Dourados figurar entre os nomes
sugeridos para futura capital, mencionados por Rangel Reis, fez com que os políticos locais
concebessem como um indicativo de que Dourados poderia ser elegida como capital, o que os
colocaria no centro do poder estadual. Entretanto, essa notícia não foi publicada pelo Correio
do Estado, reforçando a compreensão de que a disputa entre as elites campo-grandenses e
douradenses acerca dos interesses de transformarem suas cidades em possível capital era
300
GEISEL recebe hoje documento sobre divisão de Mato Grosso. O Progresso, Dourados/MT, n. 2059, p. 1, 28
jul. 1977, (Grifo do autor).
127
autêntica, e que o jornal de Campo Grande por compreender como uma ameaça a seus
propósitos não relatou esse fato.
3.3 – Os meandros da defesa do O Progresso a Garcia Neto e o interesse de
Dourados ser Capital.
As defesas do O Progresso a Garcia Neto puderam ser verificadas analisando-se os
dados veiculados entre, abril e julho de 1977. Notou-se uma aproximação entre a gestão local
e a estadual, e em nenhum momento percebeu-se aspectos depreciativos ao governador, ao
contrário, constatou-se o apoio e a apreciação de Garcia ao município de Dourados. Na
reportagem, de 26 de abril, o jornal descreveu a viagem do prefeito douradense à capital
Cuiabá para tratar de assuntos administrativos, onde faria reivindicações junto ao governo do
estado.
Na tarde de ontem, o prefeito José Elias Moreira viajou para a capital do
Estado, onde se avistará com diversos Secretários do Governo, tratando
exclusivamente de assuntos administrativos. Esta foi a informação prestada
na tarde de ontem pelo assessor de imprensa da Prefeitura Municipal de
Dourados, Dr. Isaac de Barros Junior pouco antes da partida do chefe do
Executivo301
.
No mesmo dia, em Notícias da Câmara, o vereador Joel Pizzini apontou duas ações
significativas de Garcia Neto. A primeira, a predileção do governador para Dourados sediar a
Faculdade de Agronomia, que em 1977, estava sendo disputada com a cidade de Campo
Grande. A segunda, sua defesa para a cidade de Dourados ser capital do futuro estado. O
vereador sinalizava que Garcia, “em agosto de 1975, transformara Dourados em capital do
Estado por três dias”. Essa preferência de Garcia por Dourados, em detrimento de Campo
Grande, estimulou nos políticos douradenses a esperança de estarem no centro do poder com a
criação do novo estado, como acontecera naqueles três dias, de 1975.
O Ministro da Educação e Cultura, e o Departamento de Assuntos
Universitários daquele Ministério, têm manifestado apoio a reivindicação
dos douradenses, por julgá-la sumamente importante para a qualificação da
mão de obra regional [...]. Para confirmar o que acima dissemos, é bom que
lembramos o compromisso assumido, publicamente, pelo Governador Garcia
Neto quando, em agosto de 1975, transformou Dourados em capital do
Estado por três dias. Palavras do Governador: ‘Se o curso de Agronomia for
criado durante o meu Governo, será em Dourados’. Esta afirmativa do ilustre
governador foi feita durante, digo perante as várias Comissões e
representações de classes que lhe encaminharam memorial reivindicatório, e
301
PREFEITO viajou para Cuiabá. O Progresso, Dourados-MT, n. 1902, p. 1, 26 abr. 1977.
128
também a mais de mil estudantes que se aglomeraram no auditório do Centro
Pedagógico para ouvir e dialogar com o governador de todos os mato-
grossenses, num acontecimento histórico e que nos encheu de esperanças302
.
Como não existiam comunicações oficiais por parte da presidência da república sobre
os parâmetros norteadores da divisão do estado e nem informações precisas por parte do
governo estadual, sobravam expectativas, fazendo com que O Progresso, no dia 03 de maio,
divulgasse uma publicação da Folha de São Paulo, que justificava sua aspiração por
Dourados ser capital. A manchete, “Cuiabá crê que Dourados seja a Capital do Sul”, reforçava
a defesa do jornal a Garcia Neto, pois acreditava que a proximidade do governador com
Geisel seria suficiente para exercer alguma influência acerca do divisionismo. Respaldava-se
na rivalidade existente entre Cuiabá e Campo Grande e na potencialidade agrícola de
Dourados para idealizá-lo como uma capital303
com capacidade de “centralizar o sul” de Mato
Grosso.
Em artigo escrito no influente Jornal FOLHA DE SÃO PAULO do último
dia 1º de Maio, nas entrelinhas, assim se manifesta quanto à divisão de Mato
Grosso: ‘A capital do novo Estado a surgir no sul seria — conforme todas as
previsões — Campo Grande. No entanto, no Norte, talvez como uma forma
de combater à própria divisão e agitar mais as rivalidades entre aquela
cidade e Cuiabá, autoridades e políticos afirmam que DOURADOS seria
uma hipótese mais viável para centralizar o sul, uma vez que suas condições
de desenvolvimento agrícola exercem bastante influência sobre a maioria
dos municípios do sul, não muito distantes uns dos outros’.
Nota-se que a opinião daquele jornal é válida, pois se no momento
arrecadamos quase 50% das rendas do Estado, com a divisão passaremos a
representar seguramente mais de 70% dos recursos financeiros de Mato
Grosso do Sul304
.
Diante da importância da questão e no jogo de forças para defender seus interesses e
de seus aliados, o Correio do Estado mais agressivo em suas abordagens, não ignorou a
notícia do O Progresso e, no dia seguinte, emitiu uma nota com os dizeres “Campo Grande
terá governador próprio já em 78, diz Rangel”. Afiançado na figura de Rangel Reis, ministro
302
PIZZINI, Joel. Notícias da Câmara. O Progresso, Dourados-MT, n. 1902, p. 5, 26 abr. 1977, (Grifo do autor).
303
Mesmo com o posicionamento de algumas personalidades douradenses aceitando Campo Grande como futura
capital, no momento em que se manifestavam pela alteração do nome sugestionado ao novo estado (citações 260,
262 e Anexo II), O Progresso e alguns políticos vislumbravam a possibilidade de Dourados sediar a capital,
apesar da conjuntura da ditadura militar.
304
CUIABÁ crê que Dourados seja a Capital do Sul. O Progresso, Dourados/MT, n. 1997, p.1, 03 mai. 1977,
(Grifo do autor).
129
do interior, reforçou a campanha de que Campo Grande era o município que deveria sediar a
capital do futuro estado e não Dourados.
Embora tenha havido sugestões para a Capital do Estado ser localizada em
Dourados ou Maracaju, Rangel Reis sugeriu ao presidente que ela fique
mesmo em Campo Grande, em vista da infraestrutura já existente nesta
cidade, que a coloca em condições de melhor abrigar o novo governo
estadual.
Assessores do Ministério do Interior informaram que o Rangel Reis vai
expor aos Ministérios da Justiça e da fazenda, à Secretaria do Planejamento e
ao Conselho de Segurança Nacional as diretrizes da divisão de Mato Grosso
a serem observadas na elaboração do anteprojeto-de-lei305
.
A reportagem foi rebatida, em 7 de maio, pelo jornal douradense na coluna In Vino
Veritas sob a versão de charge (ANEXO IV). Enquanto o Correio do Estado falava em
governador para Campo Grande em 1978, embasado em Rangel Reis, O Progresso sugeria
Garcia Neto para governar o sul, reforçando seu apoio a Garcia e se opondo a alguns políticos
e ao jornal campo-grandenses.
COLONO — Vancê sabe quem será o Governador do Sul?
ZÉ PINGA — Dizem que vai ser o Dr. Garcia Neto306
.
A edição, de 20 de maio, destacou a nova viagem realizada pelo prefeito José Elias a
Cuiabá. Detalhou a relação amistosa da administração municipal com o governador e com
militares no âmbito estadual, como uma forma de asseverar que o município de Dourados
estava sendo bem visto pelos olhos daqueles que poderiam ter acesso ao presidente Geisel, e
de alguma maneira, sugestioná-lo sobre o divisionismo.
Retornou ontem da capital do estado o prefeito José Elias Moreira, após
permanecer três dias reivindicando assuntos do interesse do município de
Dourados [...]. Durante a ausência do prefeito, o seu Secretariado recebeu o
encargo de recepcionar destacadas personalidades, dentre elas o General
Gentil Marcondes Filho (Comandante da 9ª Região Militar) e o Coronel
Aluzo Madeira Évora (Secretário da Segurança Pública do Estado de Mato
Grosso).
O Vice-prefeito José Cerveira, considerou a importância das visitas
recebidas [...]. Elogiando o grande progresso de Douradas, que segundo ele
será ‘uma das maiores metrópoles do novo estado’, o coronel Évora
permaneceu o dia de ontem na cidade307
.
305
CAMPO Grande terá governador próprio já em 78, diz Rangel. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7247, p. 2, 04 mai. 1977.
306
IN VINO Veritas. O Progresso, Dourados/MT, n. 2001, p.1, 07 mai. 1977.
307
PREFEITO regressou de Cuiabá. O Progresso, Dourados-MT, n. 2010, p. 1, 20 mai. 1977, (Grifo do autor).
130
No dia seguinte, o prefeito concedeu entrevista coletiva informando sobre os assuntos
tratados em Cuiabá acerca da implantação da Faculdade de Agronomia.
Em entrevista coletiva concedida ontem a imprensa douradense, após o seu
regresso da capital do Estado, o prefeito José Elias Moreira disse que nos
contatos que manteve com as autoridades estaduais, o assunto que mereceu
atenção especial foi a implantação da Faculdade de Agronomia de
Dourados308
.
O jornal, na manchete “Governo Sensibilizado”, enunciou mais uma vez o apoio de
Garcia Neto às causas douradenses, bem como, a relação amigável e receptiva do governador
ao prefeito José Elias e, o bom trânsito deste junto à administração estadual.
O Prefeito José Elias Moreira voltou entusiasmado com a boa acolhida que
teve em Cuiabá, principalmente por parte do governador Garcia Neto, que
demonstrou sua sensibilidade diante do projeto de implantação da Faculdade
de Agronomia de Dourados.
José Elias disse que percebeu que todos estão interessados pelo assunto,
embora existam ainda problemas que deverão ser solucionados, para se
chegar ao objetivo desejado por toda a juventude estudiosa de Dourados.
Entre esses problemas, o mais sério é a falta de dotação orçamentária,
esperando-se para os próximos dias um estudo detalhado do Reitor da
UEMT, que versará sobre as verbas que serão gastas na implantação do
curso309
.
Em 28 de maio, o periódico recordou o governo temporário de Garcia em Dourados. A
rememoração do fato e o engrandecimento da pessoa e do prestígio do governador tinham por
fim, promover no imaginário social a construção de um sentido positivo da sua gestão para
legitimar Dourados como futura capital, pois algo semelhante já havia ocorrido em 1975.
LEMBRAMOS QUE O EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR
GARCIA NETO, quando transformando no mês de agosto de 1975, em
capital do Estado, confirmou seu pensamento de homem público de grande
visão e de administrador experiente [...]310
.
308
PREFEITO fala sobre a Faculdade de Agronomia. O Progresso, Dourados-MT, n. 2011, p. 1, 21/22
mai.1977.
309
Ibidem.
310
DOURADOS impõe Faculdade de Agronomia. O Progresso, Dourados/MT, n. 2016, p. 1, 28/29 mai. 1977,
(Grifo do autor).
131
Para conferir autoridade à proposta, no espaço intitulado Olho Grande311
, atribuiu aos
reclamos políticos pela instalação da Faculdade de Agronomia em Dourados e pela mudança
do nome da futura capital, uma demanda popular, “o povo está empolgado e defendendo com
unhas e dentes estas duas importantes reivindicações”. Evocou ainda, importantes signos
como: acomodação, injustiça, direitos, luta, união e força, conclamando a população a
mobilizar-se em prol da defesa de seus direitos.
A rivalidade entre as elites de Campo Grande e Dourados, acerca da disputa pela
Faculdade de Agronomia, mostrava outras vertentes que abrangiam a luta por poder político e
por representatividade, no momento em que se versava sobre a divisão de Mato Grosso, o que
justificava a defesa do O Progresso a Garcia Neto, uma vez que este não encontrava apoio
junto aos políticos campo-grandenses e, Dourados era atacada pelo jornal Correio do Estado.
Inicia-se em Campo Grande, através da imprensa escrita, ou mais
precisamente, através de ‘O Correio do Estado’, uma campanha contra a
instalação da Faculdade de Agronomia de Dourados.
O Editorial inserido no exemplar do dia 25 de maio passado, daquele
conceituado Jornal, traz a marca de alguém que anda muito aquém da
realidade Douradense.
Aliás é preciso que se diga a bem da verdade, que há muito Dourados vem
sendo marginalizada por aquele periódico, ou então os seus articulistas não
têm conhecimento da existência da nossa Região. Vejam que durante a
campanha divisionista do território mato-grossense, costumava o parcial
Jornal campo-grandense publicar um mapa do Estado dividido, e, por
ignorância ou burrice, jamais naquele mapa se mencionava o nome de
Dourados. Limitavam os autores a mencionar Campo Grande como futura
capital, mencionando também as cidades das fronteiras como o Paraguai e
Bolívia, bem como algumas do Bolsão da região de Três Lagoas312
.
Nessa reportagem, do dia 1 de junho, o deputado estadual Edison Pires, por meio do
periódico douradense, caracterizou como má fé a ação do Correio do Estado que
marginalizava o município de Dourados, atribuindo àquele o receio das relações deste com o
governo federal e da sua potencialidade agrícola, vista como ameaçadora aos interesses dos
políticos campo-grandenses.
A má fé se caracterizava. A intenção era não propagar o nome de Dourados,
não podia colocar em evidência o nome da região que nos últimos anos era
objeto de constantes visitas de Ministros e, por duas vezes, do Presidente da
República.
311
OLHO Grande. O Progresso, Dourados/MT, n. 2016, p. 12, 28/29 mai. 1977.
312
O MOMENTO é de respeito. O Progresso, Dourados/MT, n. 2018, p. 10, 1 jun. 1977, (Grifo do autor).
132
A região polo de desenvolvimento de maior densidade demográfica, de
maior potencialidade agrícola não podia ser lembrada. Mencionar Corumbá,
Ponta Porã, Três Lagoas e outras cidades nos extremos não oferecia perigo
algum, pois elas jamais poderiam ser capitais, em virtude de suas posições
geográficas ou área de Segurança Nacional. Dourados está distante de
Campo Grande 220 KM. Façamos dois círculos, ambos com raios de 110
KM, um em torno de Dourados e outro em torno de Campo Grande e
vejamos quem é mais quem na Ordem do Dia. Entenderam alguns bairristas
da futura capital provisória — e que seja até definitiva — que Dourados
seria uma ameaça aos interesses de Campo Grande, e, por essa razão na
campanha da divisão, por medida de cautela preferiram sempre omitir o
nome de Dourados no Mapa do futuro Estado. Caso não sejam essas, que o
Correio do Estado se manifeste dizendo as razões que o fez assim
proceder313
.
Na sequência da reportagem ficou explícito o conflito entre os grupos de poder de
Dourados e de Campo Grande, que na fala do deputado foi adjetivado como “batalha”. Edison
Pires relembrou a rixa promovida por Campo Grande à Cuiabá no jornal Correio do Estado,
que com a divisão de Mato Grosso poderia cessar e alertou para o novo alvo do jornal campo-
grandense, Dourados.
A luta Campo Grande-Cuiabá parece-nos estar chegando ao final, com o
advento da divisão territorial de Mato Grosso. Inicia-se então a batalha
Campo Grande-Dourados314
.
O deputado convocou os representantes dos demais municípios da Grande Dourados
para unirem-se e evidenciou que as contendas, entre Dourados e Campo Grande, davam-se em
âmbito político e que a luta seria direcionada para um embate eleitoral. Enfatizou que a
estratégia seria promover uma sensibilização junto à população a favor dos políticos
douradenses, em face da marginalização provocada pelo periódico campo-grandense.
Ressaltou que o Correio do Estado estava agindo de maneira desrespeitosa, desconsiderando
o potencial político e econômico de Dourados, o que não era benéfico para os interesses do
novo estado.
Caso persista a campanha desrespeitosa como quer o Correio do Estado de
Campo Grande, a classe política da Grande Dourados haverá de dispor de
meios para uma tomada de posição capaz de sensibilizar a opinião pública da
área, orientando-a por ocasião dos embates eleitorais. A nossa força é e será
representada através da nossa produção e do nosso potencial eleitoral.
313
Ibidem.
314
Ibidem.
133
O pouco caso a que estamos sendo relegados especialmente pelo Correio do
Estado de Campo Grande, paixão e bairrismo idiota de inconformados não
soma nada, pelo contrário, tende a diminuir os entendimentos altos em
benefícios dos grandes interesses do Estado de Mato Grosso do Sul.
É chegado repito — O tempo de respeitar, e, a Região de Dourados, através
de seus números e valores exige o respeito para que também possa respeitar.
Afirmar que é inviável a instalação da Faculdade de Agronomia em
Dourados é tentar desmentir a vocação de nossa Região.
‘O pior cego é aquele que não quer enxergar’. Que a direção do Correio do
Estado de Campo Grande abra os olhos e desperte para a grande realidade315
.
Dezessete dias após a publicação das opiniões do deputado Edison Pires, O Progresso
noticiou em 18 de junho, acerca da instalação da Faculdade de Agronomia, a apreciação
favorável de Garcia Neto para a sede ser em Dourados e sua posição de “advogado” daquele
município na luta fomentada pelos jornais. Associando, mais uma vez, a questão histórica e
usando o amparo de Garcia Neto, o jornal douradense rememorou o ano de 1975, quando
temporariamente a sede do governo estadual foi instalada em Dourados, como uma maneira
de reforçar que com a divisão de Mato Grosso haveria uma possibilidade de intervenção do
governo estadual junto ao presidente Ernesto Geisel, caso houvesse um impasse sobre a
definição da capital da nova entidade federativa, a favor de Dourados.
Garcia: sou o advogado da Faculdade de Agronomia em Dourados
Em entrevista coletiva concedida à imprensa douradense na tarde de ontem,
o Governador Garcia Neto reiterou o propósito de lutas pela implantação da
Faculdade de Agronomia, tendo afirmado ‘vocês têm um advogado que sou
eu’, ao ser indagado sobre sua posição diante do assunto que ultimamente
vem merecendo manchetes nos principais jornais do Estado, tendo em vista
o interesse de Campo Grande, pelo mesmo curso.
Garcia Neto confirmou o que dissera em 1975, quando da instalação do seu
governo nesta cidade: ‘se a Faculdade de Agronomia for instalada em meu
governo, será em Dourados’. Finalizando as declarações sobre a Faculdade
de Agronomia, o governador deixou a esperança de que antes do término de
seu governo, o curso seja implantado em Dourados.
Perguntado sobre o relacionamento dos dois futuros Estados, Garcia Neto
respondeu que ‘assim como temos bom relacionamento com outros Estados
da Federação, o mesmo acontecerá entre Mato Grosso e Campo Grande’.
Acrescentando que ‘a divisão não pode significar fronteiras entre os dois
Estados’. O governador disse que durante todo o processo da divisão de
Mato Grosso, não se radicalizou em momento algum ‘apesar de ter sofrido
uma campanha tremenda’316
.
315
Ibidem, (Grifo do autor).
316
GARCIA: Sou o advogado da Faculdade de Agronomia em Dourados. O Progresso, Dourados/MT, n. 2030,
p. 1, 18/19 jun. 1977, (Grifo do autor).
134
E para finalizar, enunciou sobre a empreitada depreciativa sofrida por Garcia enquanto
este se posicionava desfavorável ao divisionismo. Já, que o Correio do Estado foi um dos
responsáveis por essa campanha e estrategicamente O Progresso se manteve em silêncio.
Entende-se que novamente o periódico douradense lançou luz à querela entre os dois jornais,
que defendiam respectivamente suas cidades, bem como implicitamente reverberou seu
posicionamento pró-Garcia. Como fez na manchete intitulada “Dourados ganha mais esgoto
do governo estadual”.
O governo de Mato Grosso, através de sua Companhia de Saneamento —
SANEMAT — iniciou esta semana a segunda etapa dos serviços de ligações
domiciliares de esgotos [...]. Nota-se assim, mais uma vez, a ação do
governador Garcia Neto, que, com obras de infraestrutura, como é o esgoto,
deixa a marca de sua administração em Dourados, cidade que sempre
mereceu especial atenção do atual mandatário estadual, desde os primeiros
dias de seu governo317
.
No entanto, não se restringiu a reforçar somente as boas relações que mantinha com
o governador, divulgou, em 6 de julho, a ida do prefeito José Elias a Brasília, demonstrando
que o administrador municipal tinha acesso aos ministros.
O prefeito José Elias Moreira, que seguiu na tarde de ontem para Brasília,
será recebido na tarde de hoje pelo ministro do Interior, Maurício Rangel
Reis. Na ocasião, o prefeito entregará ao ministro, amplo relatório
informativo do município, inclusive com recortes de jornais, que dizem da
necessidade da implantação da Faculdade de Agronomia318
.
Em outra nota, detalhou o encontro do prefeito com o ministro Alysson Paulinelli,
ocorrido em 8 de julho, para a entrega de um dossiê sobre a região da Grande Dourados. Com
dados que justificavam a possibilidade da Faculdade de Agronomia ser implantada em
Dourados, obteve o apoio irrestrito do ministro, que até ordenou a nomeação de um assessor
especial para contemplar a solicitação de José Elias. E relatou que o prefeito também seria
atendido pelo Ministro do Interior, Maurício Rangel Reis.
O prefeito douradense, José Elias Moreira, que encontra-se em Brasília
desde a última terça-feira, foi recebido na tarde de ontem pelo ministro da
Agricultura, Alysson Paulinelli, conforme informou a Assessoria de
Imprensa da Prefeitura. Durante o encontro, José Elias entregou a Paulinelli,
317
DOURADOS ganha mais Esgoto do Governo Estadual. O Progresso, Dourados/MT, n. 2048, p. 1, 13 jul.
1977.
318
PREFEITO José Elias hoje com Rangel Reis. O Progresso, Dourados/MT, n. 2043, p. 1, 06 jul. 1977.
135
completo relatório sobre a situação da Grande Dourados, com dados que
reivindicam para Dourados a Faculdade de Agronomia. O Ministro, por sua
vez, prometeu mobilizar todo apoio possível do Governo Federal e para
tanto, já ordenou que fosse nomeado um assessor especial, para atender à
reivindicação do prefeito e do povo douradense. Na tarde de hoje, segundo
ainda a assessoria de imprensa de José Elias, ele deverá ser recebido em
audiência pelo Ministro do Interior, Maurício Rangel Reis319
.
Essas aproximações entre a administração local e os governos estadual e federal, em
conjunto com aspectos históricos elencados pelo O Progresso, davam aos políticos
douradenses a esperança de serem atendidos e privilegiados, também no momento da escolha
da futura capital. Como concluiu a pesquisa de Borges e Souza, evidenciando que O
Progresso destacou “a importância da cidade de Dourados” e publicou “suas reportagens
sempre no sentido de garantir os interesses das elites locais” e pleiteou “a condição de capital
para Dourados, assim como o alinhamento com o comando político hegemônico do
momento”320
.
Dourados ser a capital do novo estado significaria receber recursos suficientes para a
implementação de avanços tecnológicos, que resultariam em mais prosperidade e
desenvolvimento para a região, além de implicar na vitória da disputa entre as duas regiões
situadas ao sul de Mato Grosso, garantindo a supremacia política dos douradenses em
detrimento dos campo-grandenses321
.
319
PREFEITO José Elias Moreira recebido por Alysson Paulinelli. O Progresso, Dourados/MT, n. 2045, p. 1, 08
jul. 1977.
320
BORGES, Felipe de Almeida; SOUZA, João Carlos de. A visão da imprensa periódica sobre a criação do
Estado de Mato Grosso do Sul (1977-1981).
321
A preocupação em 1977, que possibilitava a aliança entre mídia e políticos, era de “intervir no processo de
criação do novo estado. Apesar de pertencerem à mesma classe social, não formavam um todo homogêneo.
Dessa forma, cada segmento lançou-se ao ‘jogo’ à sua maneira, principalmente naquilo que diz respeito ao
campo da barganha política, que no Brasil costuma ser praticada, comumente, na base da disputa pela ocupação
de cargos públicos, sobretudo aqueles que possibilitam influenciar no direcionamento de obras e verbas
públicas”. SILVA, Ricardo Souza da. Mato Grosso do Sul: Labirintos da memória, p. 48.
136
IV – O PROGRESSO E O CORREIO DO ESTADO: AS RELAÇÕES POLÍTICAS E AS
REPRESENTAÇÕES ACERCA DA DIVISÃO DE MATO GROSSO E DA CRIAÇÃO
DE MATO GROSSO DO SUL.
No Brasil, em 1977, vigorava a política de distensão322
do regime militar. Tratava-se
de uma série de proposituras, dentre as quais se estabelecia as regras de condutas para os
políticos civis formularem as políticas que eram determinadas, executadas e controladas pelas
Forças Armadas e, da autocensura para a imprensa. Mesmo assim, os jornais O Progresso e
Correio do Estado deixaram transparecer vários conflitos políticos e carregaram de
intencionalidades seus discursos, pois ambos propagandearam o divisionismo e a constituição
do novo estado.
Até o início do segundo semestre, não foram divulgadas pelo governo federal
informações precisas sobre a divisão de Mato Grosso. As notícias veiculadas pela imprensa
eram desencontradas e especulativas, diante das dificuldades de obter dados confiáveis e
oficiais323
. Quanto mais se aproximavam as possibilidades reais da divisão e da assinatura da
lei pelo presidente da república, mais intensas se apresentavam as disputas entre os diferentes
grupos jornalísticos.
Verificou-se que as reportagens do periódico campo-grandense, não só clamaram pelo
movimento divisionista, mas também, muito antes de ter elementos mais concretos sobre a
criação do novo estado, propagandearam, desde maio de 1977, efusivamente o nome de Pedro
Pedrossian, ex-governador de Mato Grosso (1966-1971), para governar a futura unidade
federativa, apesar da indicação ser de competência única e exclusiva do presidente da
república.
O Progresso, em 17 de maio, logo após o pronunciamento oficial do presidente
Ernesto Geisel a respeito de seu interesse em dividir o estado de Mato Grosso, iniciou a
discussão com uma manchete sobre os “bastidores políticos”, repercutindo os nomes ligados
tanto ao norte quanto ao sul que poderiam ocupar o cargo.
322
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984) e DREIFUSS, René Armand;
DULCI, Otávio Soares. As forças armadas e a política. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia
Tavares de (Org.). Sociedade e política no Brasil pós-64.
323
Uma vez que “as Forças Armadas tornaram-se mais articuladas, diferenciadas e independentes da sociedade
civil”, DREIFUSS, René Armand; DULCI, Otávio Soares. As forças armadas e a política. In: SORJ, Bernardo;
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (Org.). Sociedade e política no Brasil pós-64, p. 151.
137
Com a divisão do Estado, já começam a aparecer certos nomes que por certo
estarão ocupando cargos como o Governador, Senadores e Deputados
Federais.
No Norte já aparecem os nomes dos deputados Vicente Vuolo, Nunes
Rocha, Gastão Muller e Benedito Canellas. No Sul despontam os nomes dos
ex-governadores José Fragelli e Pedro Pedrossian, os ex-prefeitos Levy Dias
e João da Câmara, do Senador Mendes Canalle e do Vice-Governador
Cássio Leite324
.
Em outra nota, do mesmo dia, “Ecos e comentários”, explicitou a desaprovação em
relação a Pedrossian. Apesar de não citar diretamente o nome do político, fez menção a ele e a
sua relação com o Correio do Estado no trecho “um dos ‘mais’ entusiasmados e que mais
reportagens faz nos jornais de Campo Grande”. Chamou-o de “politiqueiro” e expressou toda
a aversão ao cogitá-lo como futuro governador, porque, anteriormente, quando Pedrossian
ocupou o cargo vetou a criação da Faculdade de Agronomia em Dourados.
Foi só falar em divisão de Mato Grosso, para surgir muitos nomes de
candidatos para a governança de nosso Estado.
Alguns deles já governaram o estado; é bom que se diga que um dos ‘mais’
entusiasmados e que mais reportagens faz nos jornais de Campo Grande, já
foi governador e o que ele fez por Dourados, foi vetar a criação da Faculdade
de Agronomia em projeto apresentado na Assembleia Legislativa, mas os
deputados derrubaram o veto, prevalecendo assim a criação da dita
Faculdade.
É ... ele foi um grande governador, mas não para Dourados. Para nós ele foi
apenas um governador ‘grande’, isto é, de robusta estatura, mas, para nós de
pouca estrutura. Que Deus nos livre do mesmo. Que o governo nomeie um
governador técnico e não um politiqueiro, que não vá dar preferência a certas
regiões em detrimento a outras325
.
No dia 22 de maio, o Correio do Estado trouxe a denúncia de corrupção contra Pedro
Pedrossian, feita pelo Senador Mendes Canale da Arena, às autoridades federais. O articulista
defendeu o ex-governador com a reportagem: “Pedrossian ganha a primeira batalha:
Assembleia repudia manobra de Canalle”326
. Elencou as falas dos políticos desfavoráveis à
Canalle327
que atribuíram a este, “manobras abomináveis”, “infeliz iniciativa”, “lamentável
comportamento”, “desmerecedor de todo seu passado como homem público”, articulador de
324
NOS BASTIDORES políticos. O Progresso, Dourados/MT, n. 2007, p. 1, 17 mai. 1977.
325 ECOS e comentários. O Progresso, Dourados/MT, n. 2007, p.12, 17 mai. 1977, (Grifo do autor).
326
PEDROSSIAN ganha a primeira batalha: Assembleia repudia manobra de Canalle. Correio do Estado,
Campo Grande/MT, n. 7262, p. 11, 21/22 mai. 1977.
327
O sobrenome do senador Antonio Mendes Canale, ora é grafado com dois ll, ora grafado apenas com um, nos
jornais.
138
“campanha abominável”, de “atitudes impensadas e infantis”, “repudiado pelo Sul e eleito
pelo Norte”, “mau sulista”, criador de “um ambiente de discórdia”, de “atitude imprópria,
descabida e altamente inconsequente” e caluniador. A Pedro Pedrossian, ao contrário, foram
tecidos elogios à sua pessoa “um dos mais cotados para assumir a governança do futuro
Estado”, à sua “administração na Estrada de ferro Noroeste do Brasil” e à sua atuação
“sistemática de governo assentada no binômio segurança e desenvolvimento”; por ser “ilustre
e admirada pessoa”, de “tributos morais inatacáveis”, “homem público dotado de rara
sensibilidade e sempre imbuído dos melhores e sadios propósitos no trato da causa pública” e,
pelo seu “comportamento de arrojo”.
Os políticos que apoiaram o ex-governador foram os deputados estaduais, Leite
Schimidt, Afro Stefanini, Antônio Correa da Costa, Milton Figueiredo, Ruben Figueiró, Oscar
Soares, João Filgueiras, Ronald Albaneze, todos da Arena e Jesus Gaeta e Cleomenes Nunes
da Cunha, do MDB. E também, o deputado federal, Benedito Canellas, da Arena.
Deputados da Assembleia Legislativa hipotecaram, ontem, total
solidariedade ao ex-governador Pedro Pedrossian, ‘alvo do’ senador Antônio
Mendes Canalle, que decidiu ‘apresentar denúncias de corrupção’ às
autoridades federais contra o ex-governador, um dos mais cotados para
assumir a governança do futuro Estado de Campo Grande, a ser criado pelo
governo federal.
Ainda que extraoficialmente, tem-se como certo o recuo do senador Canalle,
no sentido de rever ‘fatos ultrapassados e já esclarecidos’ pelo próprio
governo revolucionário328
.
O jornal apoiou de forma estratégica Pedrossian, pois ao contrário do noticiado, o
senador Canalle reiterou as denúncias que havia feito anteriormente, em uma declaração ao
Jornal de Brasília, que foi publicada pelo Correio do Estado em 23 de maio.
[...] lembrou que, em se tratando de apurar corrupção, continuava
aguardando a conclusão do que havia sido iniciado em MT com o ex-
governador Pedro Pedrossian, a quem ‘conheceu pobre e é hoje considerado
uma das boas fortunas de MT’.
Logo, acentuou o senador Mendes Canale que não há na sua declaração
nenhum objetivo direto em cingir-se à atual conjuntura política do seu
Estado, embora reconheça poderá ocorrer, mas trata-se de uma posição de há
muito por ele adotada, em relação àquele ex-governador de MT329
.
328
Ibidem, (Grifo do autor).
329
CANALLE esclarece. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.7263, p. 2, 23 mai. 1977, (Grifo do autor).
139
Decorrido quase um mês, o articulista anunciou o apoio de Marcelo Miranda e Levy
Dias, que declararam, “em qualquer circunstância permaneço fiel ao ex-governador Pedro
Pedrossian” e “Pedrossian é nosso candidato à governança de Mato Grosso”, respectivamente.
Ambos pertencentes a Ala Independente da Arena, afirmaram haver coesão no grupo em
relação ao assunto330
.
No dia 17 de junho, a campanha pró-Pedrossian continuou e revelou mais um político
adepto, com a nota: “Caso de Canale é levado a ministro da Justiça”. Informou que o
deputado federal Emílio Vicente Vuolo, da Arena, em audiência com o ministro da Justiça,
Armando Falcão, discorrera sobre o caso da denúncia realizada pelo Senador, quando alegou
que “Mendes Canalle é oriundo do Sul e que, portanto, não tem condições de representar o
povo nortista no Senado”, ao que, o ministro “prometeu estudar a situação, para ver se
encontra uma solução conciliatória” 331
.
Após ser noticiado que o ministro Rangel Reis seria escolhido para governar a nova
entidade federativa e apesar das acusações de Canalle, em 7 de julho o Correio do Estado
refutou a possibilidade avalizando-se em “fontes arenistas”, defendendo novamente
Pedrossian devido seu “prestígio popular” porque ele tinha muitos eleitores.
Fontes arenistas comentaram ontem ser improcedentes as notícias segundo
as quais o atual ministro do Interior, Rangel Reis, seria nomeado pelo
presidente Geisel para assumir a intervenção no Estado de Campo Grande a
ser criado ainda este ano pelo governo federal.
Foram indicados, oficialmente, pela ARENA, ao governo federal, os ex-
governadores Pedro Pedrossian e José Fragelli, o ex-secretário de
Agricultura Paulo Coelho Machado, o atual vice-governador Cássio Leite de
Barros e o senador Rachid Saldanha Derzi. [...] um dos nomes mais cotados
é o do ex-governador Pedro Pedrossian. [...] o homem de maior acesso às
massas votantes no novo Estado [...]. A grande vantagem de Pedrossian,
todavia, é o seu inegável prestígio popular332
.
Enquanto ocorria o impasse provocado pelas denúncias, no O Progresso, foram
emitidas, no dia 14 de julho, as considerações de Elpídio Reis assegurando “que o primeiro
330
MARCELO Miranda e Levy Dias: continuamos com Pedrossian. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7281, p. 2, 15 jun. 1977.
331 CASO de Canale é levado a ministro da Justiça. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.7283, p. 3, 17 jun.
1977.
332 RANGEL Reis governando Estado de Campo Grande. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7299, p. 5,
07 jul. 1977.
140
Governador de Mato Grosso do Sul será um técnico em assuntos administrativos, de alto
nível, civil, integrante da equipe do Governo Federal” 333
.
Todavia, no Correio do Estado continuava o apoio a Pedro Pedrossian elencando-o,
como sendo o único dentre os demais indicados pela Arena, capacitado para governar o futuro
estado, respaldando-se em sua gestão anterior, em sua liderança e poder conciliatório entre os
políticos, em seu prestígio popular para alavancar votos ao partido e seu acesso à cúpula do
governo federal.
Pedro Pedrossian: apontado como a única solução viável para levar a
ARENA a uma esmagadora vitória nos próximos pleitos, desfruta de grande
prestígio popular. Reconhecidamente um bom administrador - revolucionou
a Noroeste e depois o Estado de Mato Grosso - tem todas as condições de
liderança e mantém posições discretas para conseguir um consenso político.
De grande acesso às altas esferas federais, aparece, novamente, como ‘o
homem certo para o lugar certo’ e por isso mesmo tem todas as condições
para assumir a governança do futuro Estado. Sua presença, em Brasília, para
uma reunião com o presidente Geisel e com os ministros Armando Falcão,
Rangel Reis, Golbery do Couto e Silva e Reis Velloso, desponta como o
grande indício de que também é considerado ‘o homem certo’ pelo governo
revolucionário334
.
O jornal douradense, novamente, publicou uma reportagem opondo-se à indicação do
ex-governador, tratando-o como interesseiro e eleitoreiro, uma vez que não contemplou
Dourados com obras significativas, da mesma forma que fez com outras regiões, enquanto
fora governador.
O ex-governador Pedrossian, no tempo de seu governo não quis construir em
nossa cidade um ginásio de esportes que seria útil para tal fim e muitos
outros, mas construía em Ponta Porã um enorme.
É...ele é muito amigo de Dourados, nas vésperas das eleições, depois vira as
costas335
.
Já, no periódico de Campo Grande, em 19 de julho, os apoiadores de Pedrossian,
Marcelo Miranda e Levy Dias, renovaram sua adesão. E José Elias Moreira, prefeito de
Dourados, arenista da Ala Independente, também se manifestou favorável a Pedro Pedrossian.
333
DO RIO para Dourados - Elpídio Reis. O primeiro governador de Mato Grosso do Sul. O Progresso,
Dourados/MT, n. 2049, p. 1, 14 jul. 1977.
334 PEDROSSIAN, O futuro governador do futuro Estado de Campo Grande. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7307, p. 9, 18 jul. 1977, (Grifo do autor).
335
OLHO Grande. O Progresso, Dourados/MT, n. 2052, p. 12, 19 jul. 1977.
141
O prefeito José Elias Moreira, de Dourados, que ontem esteve por Campo
Grande, também acredita que Pedrossian ‘é o homem certo’ para ocupar o
governo do futuro Estado. E vai mais adiante ao afirmar que tem toda
certeza de que o governo federal está preocupado em dar valor àqueles que
realmente tem valor e por isso não tem dúvidas de que a indicação de
Pedrossian é assegurada, ‘pela sua real condição de líder político e de líder
popular e de inegável capacidade administrativa’336
.
Nesse contexto, observou-se a aliança dos proprietários do jornal O Progresso com os
políticos que se posicionaram contrários ao ex-governador, como Saldanha Derzi e Antonio
Mendes Canale membros da Arena. O primeiro, por ser vice-líder do governo no Congresso
Nacional, o segundo pelo contato permanente mantido com o presidente Geisel. Ambos foram
indicados para ocuparem o cargo de futuro governador. Ficou evidente a falta de consenso
dentro do partido Arena em relação ao assunto e a existência de divergências entre os grupos
políticos de Dourados e Campo Grande.
O senador Rachid Saldanha Derzi, da Arena mato-grossense e vice-líder do
governo no Congresso Nacional, é o que tem mais força dentro do partido da
situação para governar o Estado de Mato Grosso do Sul a partir de janeiro do
próximo ano. Nem mesmo a presença do ex-governador Pedro Pedrossian no
mesmo hotel onde se hospedaram os prefeitos, fez com que diminuíssem os
comentários em torno do nome do senador Saldanha Derzi.
Henrique Pires disse que considera um forte candidato o primeiro secretário
do senado, Antonio Mendes Canale, que também está na ‘lista dos
prováveis’ [...] o senador Canale ‘muito forte candidato’, devido ao seu
contato permanente com o presidente Geisel337
.
Por sua vez, no Correio do Estado destacou-se o apoio a Pedrossian, no dia 28 de
julho, respaldando-se em Italívio Coelho reportou : “Italívio vê em Pedrossian o candidato
mais cotado”, no entanto, não houve transcrição da fala do senador. Reforçou ainda, que o
motivo dos opositores manifestarem-se contrários ao ex-governador ocorria pelo fato de
Pedrossian ter uma posição privilegiada junto ao governo federal.
O senador Italívio Coelho confirmou ontem que o ex-governador Pedro
Pedrossian, no seu modo de entender, é o mais cotado para assumir a
governança do Estado de Mato Grosso do Sul a ser criado pelo governo
Federal em princípios do próximo ano e praticamente deu seu apoio objetivo
336
PEDROSSIAN tem apoio significativo de influentes líderes populares. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7308, p. 3, 19 jul. 1977, (Grifo do autor).
337 SALDANHA Derzi deverá governar Mato Grosso do Sul. O Progresso, Dourados/MT, n. 2057, p. 1, 26 jul.
1977, (Grifo do autor).
142
a Pedrossian, que ultimamente, devido à sua posição privilegiada junto ao
governo Federal, vem sofrendo constantes ataques pessoais338
.
Em meio às disputas por representatividade o periódico campo-grandense publicou, no
dia 25 de julho, uma matéria indicando a criação do novo estado para o ano de 1978: “Mato
Grosso do Sul vai nascer a 1º de janeiro de 1978”339
.
No dia 23 de agosto, o jornal de Dourados pronunciou-se sobre a questão e, pontuou
que o projeto de lei que criaria o novo estado ainda não havia sido enviado ao Congresso
Nacional.
O Senador Mendes Canale, da Arena mato-grossense, em recente audiência
mantida com o presidente nacional da Arena, deputado Francelino Pereira
dos Santos, abordou o projeto sobre a divisão de Mato Grosso, a ser enviado
pelo Governo Federal ao Congresso Nacional nos próximos dias340
.
Já, o Correio do Estado antecipou a assinatura da lei em dois meses, no dia 25 de
agosto, noticiou: “Geisel assina hoje a “lei da divisão”341
, tratou-se, contudo, do envio do
anteprojeto da Lei Complementar para o Congresso Nacional, a fim de que fosse discutido,
um processo que demoraria, porquanto precisava tramitar pelas comissões até ser votado e
aprovado.
Foi nesta data que, pela primeira vez, extraoficialmente, o nome do novo estado como
Mato Grosso do Sul foi divulgado pelo alto escalão do governo federal. Na reportagem,
Garcia Neto explanou que em face do desagrado que “Estado de Campo Grande” provocara, o
presidente Ernesto Geisel optou, entre todas as sugestões, por Mato Grosso do Sul.
O Congresso Nacional começa a examinar ainda hoje, o anteprojeto de lei
complementar que divide o Estado de Mato Grosso, cria o Mato Grosso do
Sul e dá outras providências [...] o Legislativo federal tem exatamente 45
dias para analisar a Lei da Divisão e propor emendas, para que seja enviada à
sanção presidencial.
338
ITALÍVIO vê em Pedrossian o candidato mais cotado. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7316, p. 9,
28 jul. 1977.
339
MATO Grosso do Sul vai nascer a 1º de janeiro de 1978. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7313, p.
3, 26 jul. 1977.
340
CANALE fala da Divisão com Francelino Pereira. O Progresso, Dourados/MT, n. 2077, p. 1, 23 ago. 1977.
341
GEISEL assina hoje a “lei da divisão”. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7339, p. 11, 25 ago. 1977.
143
O governador Garcia Neto, em entrevista que concedeu à imprensa, no
Palácio do Planalto, logo apôs a cerimônia reiterou que, desde o dia 3 de
maio - quando o presidente Geisel lhe comunicou a decisão de dividir seu
Estado - não mais se opôs a divisão [...]. A modificação do nome do futuro
estado foi feita, segundo o governador, em atenção à repercussão negativa
que o nome previamente aventado - Estado de Campo Grande - obtivera em
Mato Grosso. Ele próprio dissera isso ao presidente da República, que se
mostrou sensível e acabou preferindo, entre as várias sugestões
encaminhadas, o nome de Mato Grosso do Sul342
.
No mesmo dia, emitiu outra reportagem, “Mato Grosso do Sul, um nome que completa
tudo”, elogiando a denominação escolhida, e justificando a festividade ocorrida em Campo
Grande, quando fora anunciado “Estado de Campo Grande”, sem, contudo, deixar de
depreciar Dourados por não ter comemorado. Outra informação relevante noticiada foi a
opção definitiva do governo federal em estabelecer Campo Grande como futura capital.
A denominação do novo Estado, como Mato Grosso do Sul, veio completar
a festa dos divisionistas [...] quando anunciou-se que o Estado chamar-se-ia
‘Campo Grande’, mesmo nome da atual Capital definitiva.
Na verdade, os mato-grossenses do Sul jamais pensaram em abdicar da
cidadania de ‘mato-grossense’, nem mesmo os campo-grandenses e por isso
a festa pelo anúncio da divisão [...] foi apenas limitada e em muitas cidades
como Dourados, por exemplo, nem chegou a existir. Inclusive, gerou uma
série de protestos, que acabaram acumulando-se e sugerindo ao governo que
optasse por Mato Grosso do Sul, um nome que existiu em todas as
campanhas divisionistas343
.
O Progresso, por sua vez publicou de forma mais sucinta, apenas uma matéria a
respeito do envio do projeto de divisão do estado ao Senado: “Geisel mandou ontem ao
Congresso o Projeto de Divisão do Estado”344
, porém, não mencionou a questão da capital.
Além das reportagens citadas acima, o Correio do Estado apresentou mais quinze
chamadas sobre assuntos relacionados à divisão, com o objetivo de elucidar e analisar as
diretrizes e os enquadramentos políticos necessários caso fosse criado o novo estado. Seguiu
com a campanha de sugerir o primeiro governador e, em 30 de agosto, os editores reforçaram
as qualidades políticas de Pedro Pedrossian, embasados em outro senador, Jarbas Passarinho,
342
DISCUSSÃO da lei começa hoje no Congresso. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7340, p. 2, 25
ago. 1977.
343 MATO Grosso do Sul, um nome que completa tudo. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7340, p. 2, 25
ago. 1977, (Grifo do autor).
344
GEISEL mandou ontem ao Congresso o Projeto de Divisão do Estado. O Progresso, Dourados/MT, n. 2079,
p. 1, 25 ago. 1977.
144
que afirmou sobre a capacidade eleitoral do ex-governador, sem, contudo, indicá-lo para a
governança do futuro estado.
Jarbas Passarinho, não quis citar nomes, que poderiam ser indicados pelo
presidente da República paro governar o futuro Estado de Mato Grosso do
Sul [...].
O senador paraense declarou que durante o período em que permaneceu
frente ao Ministério da Educação e Cultura, no governo do ex-presidente
Emílio Garrastazu Médici, quando visitou Mato Grosso por duas ou três
vezes quando o Estado era governado por Pedro Pedrossian, pode comprovar
pessoalmente que ele tinha uma popularidade bastante extensa, e que o
Estado sobressaiu entre os demais do País no setor educacional, e outros
setores estaduais além do ex-governador ter uma capacidade eleitoral
comprovada e gozar de grande prestígio345
.
No mês seguinte, em 2 de setembro, o diário douradense trouxe revelações
importantes acerca das pretensões dos políticos que apoiavam Pedrossian e sobre as intenções
deste ser indicado para governador. A matéria “Pedrossian só será governador se mudarem os
militares”, inicialmente veiculou um compilado do jornal Correio Braziliense que discorria
sobre a resistência dos militares ao nome do ex-governador.
O jornal ‘Correio Braziliense’, edição do dia 28 de agosto último publica
uma nota que desmente a indicação, pelo Palácio do Planalto, do engenheiro
Pedro Pedrossian para governar o novo Estado de Mato Grosso do Sul.
Segundo o jornal, que é um órgão dos Diários Associados, as resistências ao
nome de Pedrossian nas áreas militares, chegam a ser brutais.
No final da matéria, o jornal de Brasília diz: ‘Pedrossian só será Governador
se mudarem os militares, o que é uma possibilidade bem remota’346
.
A reportagem ressaltou de forma irônica o conflito de interesses que a notícia
representava à Ala Independente, apoiadora de Pedrossian, que “já estaria com sua equipe de
secretários formada”. Elencou a projeção dos arenistas ao novo cenário de poder alicerçados
em sua figura política, como o prefeito de Dourados José Elias Moreira, com interesse em um
novo mandato do ex-governador e Walter Benedito Carneiro, presidente da Arena
douradense, que julgava não necessitar fazer campanha para deputado estadual, pois contaria
com o prestígio eleitoral de Pedrossian.
345
PASSARINHO diz que Pedrossian tem condições para governar MT - Sul. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7342, p. 2, 30 ago. 1977.
346 PEDROSSIAN só será governador se mudarem os militares. O Progresso, Dourados/MT, n. 2085, p. 1, 02
set. 1977, (Grifo do autor).
145
A notícia é um desencontro aos interesses da ala independente da arena do
Sul Mato-grossense, que tem Pedrossian como seu líder. Inclusive, fontes
ligadas ao ex-governador garantem que Pedrossian já estaria com sua equipe
de secretários formada.
A notícia não pode também agradar o prefeito douradense, José Elias
Moreira, cujos planos administrativos estão vinculados à possibilidade de
Pedrossian vir a governar o novo Estado.
Walter Benedito Carneiro, presidente da Arena douradense, também
integrante da ala independente, candidato declarado a deputado estadual
garante: ‘dependendo do governador que for nomeado não preciso fazer
campanha’. Esse ‘dependendo’, logicamente que é atribuído a Pedro
Pedrossian, esquecendo-se talvez o jovem político douradense, que ‘caso
mudem os militares’, como disse o Jornal ‘Correio Braziliense’, Pedrossian
terá muitos compromissos, com diversos candidatos a candidatos, que
poderão estar pensando da mesma maneira347
.
Por fim, rechaçou a possibilidade do ex-governador assumir o cargo e apontou as
divergências existentes dentro do partido Arena, que refletia nas discordâncias com os outros
candidatos, uma vez que seu principal adversário político era o primeiro secretário do
Congresso Nacional, senador Mendes Canale.
A indicação do nome de Pedrossian torna-se ainda mais remota, quando a
intenção da direção arenista é a de conseguir um nome que possa aglutinar as
áreas divergentes da Arena mato-grossense, independentes ou não, o que
para o ex-governador não deve ser tarefa muito fácil, uma vez que seu
principal adversário político é o atual primeiro secretário do Congresso
Nacional, senador Mendes Canale. Sem se falar em José Fragelli, ex-
governador do Estado, pessoa muito bem vista nos meios militares e até no
próprio senador Saldanha Derzi, para quem a governança de Mato Grosso é
um antigo sonho.348
Diante das disputas que se apresentavam, quatro dias após esta nota, foi publicada uma
matéria que sugeria com base na fala do ex-governador José Fragelli, que o ministro do
Interior Rangel Reis, fosse indicado para ocupar o cargo de primeiro governador de Mato
Grosso do Sul, como uma maneira de solucionar os conflitos da Arena.
Para o ex-governador José Fragelli, o Governo Federal só tem uma saída,
para não cindir a Arena do novo Estado, ao escolher seu primeiro
Governador: indicar alguém de fora de Mato Grosso, embora
‘profundamente ligado’ aos seus problemas, como o atual ministro do
Interior, Rangel Reis. Isso porque, na sua opinião os dois grupos em que a
347
Ibidem, (Grifo do autor).
348 Ibidem.
146
Arena está dividida, ‘de força equilibrada’, não chegarão a um acordo, em
torno do nome de um político para governar o novo Estado349
.
Considerando o posicionamento de Fragelli, notas anteriores350
que indicavam essa
possibilidade e as consequências da nomeação de um técnico, que ameaçaria os interesses dos
políticos locais vinculados a Pedrossian, o Correio do Estado divulgou, em 12 de setembro, a
ida de Marcelo Miranda a Brasília: “Um dos importantes líderes da ‘ala independente’, que já
é maioria arenista, tentará uma definição do ministro Rangel Reis, para que possa definir a
situação política futura do novo Estado a ser criado”351
.
Uma das missões políticas mais importantes do prefeito Marcelo Miranda,
durante a sua estada, esta semana em Brasília, é falar com franqueza (e ter
resposta no mesmo nível) com o ministro Rangel Reis, do Interior, para
saber se, afinal, ele quer realmente ser o governador do Estado do Mato
Grosso do Sul, a ser criado a 1º de janeiro de 1979, pelo governo federal352
.
A intenção de Marcelo Miranda, como aliado de Pedro Pedrossian, era saber se, de
fato, Rangel tinha interesse em ser ou seria indicado para futuro governador. A Ala
Independente, da qual o prefeito fazia parte, passou a defender a “união da Arena” para
promover a capacidade do ex-governador em unir os dissidentes arenistas.
O conflito entre os apoiadores do ex-governador e os seus opositores ficou mais
evidente em cada edição dos dois jornais. O Progresso publicava os posicionamentos dos
políticos desfavoráveis à Pedrossian. Já, o Correio do Estado disseminava as falas dos aliados
políticos, revelando seu temor de não terem acesso ao poder. Em 13 de setembro, noticiou
“Italívio pede a Geisel governador escolhido no Sul”353
.
No dia seguinte, o periódico douradense trouxe uma nova informação, a
denominação dos arenistas oponentes à Ala Independente, os Ortodoxos, anteriormente
349
FRAGELLI: Rangel no Governo e a forma de não dividir a Arena. O Progresso, Dourados/MT, n. 2087, p. 1,
06 set. 1977, (Grifo do autor).
350
Em julho de 1977, foi divulgada a possível indicação de Rangel Reis, pelo presidente Geisel, à governança do
futuro estado (ver página 139 e nota de rodapé 332).
351
MARCELO Miranda fala com Rangel Reis. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.7352, p. 3, 12 set.
1977.
352
Ibidem.
353 ITALÍVIO pede a Geisel governador escolhido no Sul. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7353, p. 9,
13 set. 1977.
147
designados como Autênticos. Entre eles estariam “senador Mendes Canale, primeiro
secretário do Congresso Nacional; ex-governador José Fragelli; ministro Valdir dos Santos
Pereira, presidente da Arena campo-grandense e o ex-prefeito de Dourados, João da Câmara”.
Estes políticos “apontado o nome do empresário e pecuarista Lúdio Martins Coelho,
presidente do diretório regional da Arena mato-grossense, como o candidato do grupo”
ampliaram a lista de indicados ao cargo de governador. Ao final da reportagem até Rachid
Saldanha Derzi, foi cotado 354
.
O Correio do Estado, em 15 de setembro, noticiou a aprovação do “projeto de lei
complementar do Executivo, que divide o Estado de Mato Grosso e cria o Estado do Mato
Grosso do Sul, cuja capital será a cidade de Campo Grande” pelo Congresso Nacional. Desta
vez, não festejou a informação, mas aproveitou para mais uma vez, propagar o nome de
Pedrossian. Quanto à falta de manifestação deste, no jornal caracterizavam-na como um
“silenciamento tático” e estratégico.
A 1º de janeiro de 1979, a nova unidade da Federação passará a existir
oficialmente [...]. Caso prevaleçam até lá as tendências ontem observadas no
Palácio do Planalto, o governador do novo Estado será o engenheiro Pedro
Pedrossian, ex-governador de Mato Grosso e uma das maiores lideranças
regionais da ARENA, que agora já se une em torno de seu nome, numa
corrente bastante forte e amplamente favorável à sua indicação355
.
O Progresso também divulgou o ocorrido, no entanto, foi conciso e, em relação ao
futuro cargo administrativo expressou somente que Geisel a qualquer momento poderia
“escolher o governador do novo Estado de Mato Grosso do Sul”356
. Todavia, em 30 de
setembro, veiculou uma matéria do Correio Braziliense sobre a aproximação entre o Senador
Antonio Mendes Canale e Ernesto Geisel, esperava que as convicções de Canale fossem
ouvidas pelo presidente ao indicar o futuro governador.
O Senador Antonio Mendes Canale, primeiro secretário do Congresso
Nacional será um dos mato-grossenses que o presidente Geisel ouvirá antes
de nomear o governador de Mato Grosso do Sul, segundo o jornal ‘Correio
Braziliense’, que circulou dia 25 último, na capital federal.
354
LÚDIO Coelho entra no páreo. O Progresso, Dourados/MT, n. 2092, p. 1, 14 set. 1977.
355 APROVADA a “Lei da Divisão”: Pedrossian, o mais cotado para governar Mato Grosso do Sul. Correio do
Estado, Campo Grande/MT, n. 7355, capa, 15 set. 1977.
356 GEISEL vai sancionar a Lei da divisão e anunciar o 1º Governador de Mato Grosso do Sul. O Progresso,
Dourados/MT, n. 2094, p. 1, 16 set. 1977.
148
‘A designação do Interventor do futuro Estado de Mato Grosso do Sul não
será feita sem que haja uma conversa das partes interessadas numa mesa da
qual fará parte em lugar de destaque o Senador Mendes Canale’, disse o
jornal de Brasília.
O senador Mendes Canale não se manifestou ainda a favor de nenhum dos
postulantes ao cargo, mas, de outro lado, sua oposição ao nome de Pedro
Pedrossian já ganhou conhecimento público, diante do vasto noticiário de
toda a imprensa nacional357
.
Complementando, afirmou: “ainda contra Pedrossian, juntam-se a Canale o ex-
governador José Fragelli e o atual governador Garcia Neto, que também serão ouvidos sobre o
assunto, ambos indicados pelo sistema revolucionário, além do senador Saldanha Derzi”. E
concluiu que “tornam-se poucas as possibilidades de Pedro Pedrossian voltar ao governo,
como acreditam seus correligionários, e somente eles”. Percebeu-se que as alianças políticas
formadas naquele momento estavam fundamentadas muito mais em relação à figura do ex-
governador do que às antigas ou atuais filiações partidárias.
Em resposta, o Correio do Estado publicou, em 4 de outubro, uma nota asseverando
que o ministro do Interior Rangel Reis indicava Pedro Pedrossian para governar Mato Grosso
do Sul, bem como fizeram vários políticos arenistas na tentativa de neutralizar os opositores,
senador Antônio Mendes Canale e José Fragelli, ex-governador.
Animados com a revelação do ministro Rangel Reis, do Interior, segundo o
qual ‘se eu fosse mato-grossense votaria no sr. Pedro Pedrossian para
governador do Mato Grosso do Sul’, feita no final da semana passada em
Brasília, os principais líderes políticos do Sul, na reunião do próximo dia 11
com o presidente nacional da ARENA, deputado Francelino Pereira,
pretendem recomendar o nome de Pedrossian como ‘candidato único’ para o
governo e o Estado do Mato Grosso do Sul. Cerca de doze prefeitos
(inclusive os de Campo Grande - Marcelo Miranda - e o de Dourados - José
Elias Moreira), dois senadores (Rachid Derzi e Italívio Coelho), quatro
deputados federais, doze deputados estaduais, inúmeros presidentes de
diretórios municipais e quase meia centena de vereadores vão dar a
Francelino uma opinião definitiva, marginalizando, assim, os oponentes a
Pedrossian, que são o senador Antônio Mendes Canale e o ex-governador
José Fragelli358
.
Afiançado nas palavras de Marcelo Miranda que reiterava o noticiado, apregoou que
os ataques a Pedrossian foram injustificados e gratuitos, concebendo sua indicação como uma
357
CANALE será ouvido sobre o futuro Governador. O Progresso, Dourados/MT, n. 2104, p. 1, 30 set. 1977,
(Grifo do autor).
358 FRANCELINO ouvirá de políticos, no dia 11, apoio a Pedro Pedrossian. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7371, p. 5, 04 out. 1977, (Grifo do autor).
149
vitória arenista, que “consensualmente” indicava “o engenheiro e ex-governador Pedro
Pedrossian para governar o novo Estado”.
O prefeito Marcelo Miranda, que ontem seguiu para Brasília, em contato
com jornalistas disse que Rangel Reis assegurou que ‘Pedro Pedrossian foi
um excelente administrador quando de sua gestão anterior no governo do
Estado’ e que por isso, ‘não pensaria duas vezes em votar nele, se fosse
possível’. A palavra oficial do ministro, que hoje deverá seguir para Cuiabá,
segundo a qual as informações de que ele estaria querendo governar o novo
Estado, ‘não passa de estratégia adotada por alguns políticos de Campo
Grande’. Foi uma vitória da maioria arenista, que já se mostrava revoltada
com os constantes ataques gratuitos que vinham sendo feitos ao ex-
governador Pedro Pedrossian.
Assim, forma-se um consenso comum entre os principais líderes da ARENA
no Sul, para indicar o engenheiro e ex-governador Pedro Pedrossian para
governar o novo Estado, que passará a existir em 1º de janeiro de 1979 359
.
No entanto, O Progresso revelou, em 7 de outubro, que “o ministro Rangel Reis
negou, em Cuiabá, a informação veiculada por jornais do Rio e São Paulo, de que teria
manifestado apoio à candidatura de Pedro Pedrossian ao Governo de Mato Grosso do Sul” e
que sua declaração havia sido no sentido apenas, de manifestar-se contrário à indicação de seu
próprio nome para o cargo. O periodista cogitou a possibilidade da notícia, de apoio de
Rangel, ter sido “encomendada” e preparada por políticos da Ala Independente. Para reforçar
essas asseverações destacou, no dia seguinte, a audiência entre o Senador Mendes Canalle e o
presidente Ernesto Geisel e reiterou a oposição daquele à Pedrossian360
. Ao relatar o encontro,
fomentava a ameaça do ex-governador ser rechaçado pelo governo federal para assumir o
cargo, em razão de uma possível influência de Canalle.
Alguns políticos do sul do Estado acreditam que a notícia deve ter sido
distorcida e até mesmo que tenha sido feita de ‘encomenda’ pelos líderes da
ala independente ou por alguns de seus adeptos. Alguns deles, inclusive,
distribuíram grande número de fotocópias do recorte do JB, quando este
trouxe a notícia sobre o apoio de Rangel a Pedrossian, que na verdade não
existe, segundo o próprio ministro do Interior361
.
Contudo, no Correio do Estado não houve recuo na defesa a Pedro Pedrossian e, em
12 de outubro, continuava apoiando-o como “o mais cotado” para governar Mato Grosso do
359
Ibidem, (Grifo do autor).
360 PRESIDENTE Geisel recebe Senador Canale. O Progresso, Dourados/MT, n. 2110, p. 1, 08/09 out. 1977.
361 RANGEL Reis nega preferência por Pedrossian. O Progresso, Dourados/MT, n. 2109, p. 1, 07 out. 1977,
(Grifo do autor).
150
Sul, apesar da matéria trazer a fala de José Fragelli, que informava a cisão da Arena e
apontava para outros nomes.
Fragelli revelaria após a solenidade que existem vários nomes na
Administração Pública do Estado capacitados a assumir o governo e lembrou
que a ARENA local também se divide em correntes, e embora reconheça em
Pedrossian um líder de prestígio não é ele o único nome passível de ser
indicado para o cargo. Citou outros grupos, como os de Lúdio Coelho, Paulo
Machado e João Câmara que unidos a sua própria corrente dividem a
liderança política do Sul do Estado com Pedrossian362
.
Trouxe ainda, uma declaração do próprio Pedrossian afirmando que se fosse
“convocado pelo presidente Geisel para ser o governador do novo Estado de Mato Grosso do
Sul” 363
, aceitaria o cargo com satisfação.
Considerando a não linearidade e as rupturas da história, esses dados demonstraram
que houve grande interesse e forte campanha dos políticos apoiadores de Pedro Pedrossian da
Ala Independente da Arena, em 1977, pela divisão do estado de Mato Grosso, e também para
que o ex-governador ocupasse o cargo no novo estado. Apostavam na experiência
administrativa e no prestígio político de Pedrossian para ocuparem cargos na gestão pública,
na Assembleia Legislativa e no executivo estadual.
4.1– As comemorações sobre a divisão do estado.
No Correio do Estado, desde o dia 21 de setembro, houve várias publicações
relacionadas à concretização da divisão de Mato Grosso e criação de Mato Grosso do Sul que
ocorreria no dia 11 de outubro de 1977, por meio da assinatura da lei complementar Nº 35
pelo presidente Ernesto Geisel. Em 28 de setembro, reportou a lei aprovada pelos vereadores
que instituía o feriado em Campo Grande, devido à criação do novo estado, com a manchete
“11 de outubro: Câmara aprova feriado municipal”.
A Câmara Municipal aprovou ontem, por unanimidade, a Lei 2.208, de
autoria do vereador Eduardo Contar Filho, considerando o próximo dia 11 de
outubro feriado municipal, tendo em vista ser aquela data um marco
histórico, pois o presidente Geisel, às 11:30 horas, no Palácio do Planalto,
vai sancionar a Lei da Divisão, que criará oficialmente o Estado do Mato
Grosso do Sul.
Todos os vereadores, embora considerando que existe uma lei superior,
federal, regulamentando os feriados nacionais, estaduais e um municipal,
362
PEDROSSIAN, o mais cotado. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7377, última página, 12 out. 1977.
363 Ibidem.
151
acharam por bem aprovar a referida lei, já que a data é por demais
significativa para Campo Grande, que será a futura Capital e para toda a
Região Sul de Mato Grosso, que vai originar o Estado do Mato Grosso do
Sul364
.
Contudo, a medida não tinha respaldo constitucional, uma vez que cabia à esfera
federal a regulamentação sobre a instituição de feriados, mesmo que municipais. Mas ainda
assim, os políticos campo-grandenses empregaram a estratégia de marcar a data
simbolicamente ao vinculá-la a um feriado. Os vereadores cientes das possíveis sanções e
aliados ao administrador municipal assumiram os riscos, em uma coalizão de interesses,
visando à amplificação das comemorações, todavia, naquela ocasião não estenderam a ação
para além do ano vigente.
Hoje, o prefeito Marcelo Miranda deverá ser comunicado oficialmente da
decisão do Poder Legislativo e ontem mesmo confirmou que sancionará a
Lei 2.208, de forma a permitir que toda a população campograndense possa
comemorar, em casa ou nas ruas, a sanção presidencial à Lei da Divisão.
Na Câmara, não foi registrada qualquer tentativa de boicote à lei de Eduardo
Contar Filho, que foi subscrita por todos os vereadores presentes, como
forma de dividir as responsabilidades pela aprovação. Assim, ficou definido
que o próximo dia 11 de outubro será feriado municipal e os vereadores
afirmaram que a lei só terá validade para este ano, caindo nos anos seguintes,
quando então o governo do novo Estado deverá oficializar como feriado
estadual a data de 1º de Janeiro, que marcará o nascimento, de fato e de
direito do novo Estado bem como a elevação de Campo Grande a condição
de Capital do novo Estado, que vai ser criado pelo governo federal com
ampla aprovação dos membros do Congresso Nacional365
.
Assim, os festejos cívicos e celebrativos acerca da divisão tinham pretensões
comemorativas e pedagógicas, ao instituir uma data a ser lembrada e rememorada. Essa
situação pôde ser observada na matéria do dia 21 de setembro, quando o periódico campo-
grandense noticiou “As grandes homenagens programadas para o presidente divisionista”. Em
princípio, uma estátua e um distrito com o nome de Geisel seriam as ações realizadas por
aqueles que haviam “lutado” pela divisão, mas também não deixava de ser um
reconhecimento de que a divisão só seria realizada por decisão do presidente.
O presidente Ernesto Geisel, após a divisão de Mato Grosso, vai ser um dos
presidentes mais homenageados no novo Estado, o Mato Grosso do Sul: um
364
11 DE OUTUBRO: Câmara aprova feriado municipal. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7366, p. 3,
28 set. 1977.
365 Ibidem.
152
consenso afinado, entre vários divisionistas, preveem, inicialmente, o
erguimento de uma estátua do chefe da Nação na principal praça de Campo
Grande e a denominação de um distrito com o nome de ‘Presidente Ernesto
Geisel’.
Segundo revelaram ontem fontes ligadas aos maiores divisionistas, a estátua
de bronze será em tamanho natural e moldada por um artífice capaz e em
condições de realmente retratar o presidente, para perpetuá-lo para o novo
Estado. Em relação ao distrito, este terá que apresentar um índice de
crescimento muito bom, para que em menos de uma década seja elevado à
condição de município, em ampla fase de desenvolvimento. Um dos distritos
mais cotados é o da Vila Entroncamento ou Distrito de Nova Alvorada, no
Entroncamento da BR-163 com a BR-267, ponto de distribuição de tráfego
para São Paulo, região da Grande Dourados e para Campo Grande366
.
Mais uma vez, o jornal Correio do Estado expôs sua tática de aproximação entre as
ações políticas e os interesses do povo, embora este nunca tivesse de fato sua fala veiculada
nas páginas. Para demonstrar a gratidão e apoio aos militares sugeriu que a estátua a ser
erguida em homenagem a Geisel fosse financiada por meio de contribuição popular. A
preocupação era de que essa iniciativa não fosse considerada mera “subserviência ou gesto
estrito de agrado” ao presidente, mas “uma mostra da satisfação do sulista pela divisão e pela
criação do Estado do Mato Grosso do Sul”. Contudo, ficou nítida a tentativa de alguns
políticos em homenagear Geisel por criar Mato Grosso do Sul.
Caberá à Assembleia Legislativa de Mato Grosso ou dar o nome de
‘Presidente Ernesto Geisel’ ao distrito escolhido, mas a estátua será
construída com recursos angariados entre os líderes divisionistas e o povo de
todas as regiões do novo Estado: a contribuição individual não tem limite e
tanto poderá ser um como 100, 1.000 ou qualquer outra quantia. Quanto à
estátua de Geisel, ela só será inaugurada depois, quando o presidente já não
mais ocupar o cargo, para que o ato não seja classificado como de
subserviência ou gesto estrito de agrado. Tanto para a inauguração da estátua
como para a solenidade de inauguração do distrito, Ernesto Geisel será
convidado a comparecer para que as homenagens sejam realmente uma
mostra da satisfação do sulista pela divisão e pela criação do Estado do Mato
Grosso do Sul367
.
Naquela conjuntura, qualquer acontecimento sobre a criação do novo estado era
noticiado pelo Correio do Estado, até mesmo um telefonema do senador Italívio Coelho
pressupondo a data de assinatura da lei a ser marcada pelo presidente.
366
AS GRANDES homenagens programadas para o presidente divisionista. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7360, p. 5, 21 set. 1977, (Grifo do autor).
367 Ibidem, (Grifo do autor).
153
Data da assinatura da Lei da Divisão será marcada hoje
Segundo telefonema que recebemos ontem à tarde do senador Dr. Italívio
Coelho, diretamente de Brasília, o Palácio do Planalto deverá marcar hoje a
data em que o Presidente Ernesto Geisel sancionará a Lei que cria o Estado
de Mato Grosso do Sul.
O ato será revestido de grande solenidade, contando com a presença de altas
autoridades civis e militares, pois será ato de grande alcance histórico.
Tudo indica que a data a ser marcada deverá ser antes do dia 15 de outubro,
podendo ser até mesmo o dia 10 daquele mês368
.
A aprovação do feriado municipal pelo prefeito Marcelo Miranda, proposto pelo
vereador Eduardo Contar Filho, também foi publicada pelo jornal. Uma medida concebida
como fruto da “vontade popular”, sancionada para que os campo-grandenses pudessem
comemorar sem contratempos a data histórica da assinatura presidencial à Lei Complementar,
que criaria o estado de Mato Grosso do Sul e teria como capital Campo Grande.
Marcelo aprova feriado dia 11 e hoje deve sancionar a Lei
O prefeito Marcelo Miranda poderá sancionar ainda na tarde de hoje a Lei
2.208, de autoria do vereador Eduardo Contar Filho, que regulamenta feriado
municipal no próximo dia 11, quando o previdente Geisel assinará a
chamada ‘Lei da Divisão’, uma data histórica para todo o Sul de Mato
Grosso e, notadamente para Campo Grande, que será elevada à condição de
Capital de Estado.
Para Marcelo Miranda, a Lei do Legislativo é perfeitamente válida,
explicando que a aprovação unânime ‘reflete a vontade popular’ e que por
isso mesmo não vê nenhum problema em sancioná-la, para que os campo-
grandenses possam comemorar a sanção presidencial à Lei Complementar
que cria o Estado de Mato Grosso do Sul, que terá como Capital a cidade de
Campo Grande.
Se a Câmara enviar ainda hoje à tarde o texto da Lei ao prefeito, a sanção
será ainda antes de findo o expediente normal, para que entre em vigor
efetivamente, sem maiores problemas369
.
Ficou explicito o trabalho conjunto dos políticos com a imprensa para construir e
forjar uma comemoração que refletisse o poder e a influência de ambos, em criar uma história
reveladora de sua importância na divisão. Porquanto, a organização da festividade
programada para 11 de outubro contaria com bandas e escolas de samba, foguetório e
participação popular garantida em virtude do feriado.
Carnaval no dia 11
368
DATA da assinatura da Lei da Divisão será marcada hoje. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7361,
capa, 22 set. 1977.
369 MARCELO aprova feriado dia 11 e hoje deve sancionar a Lei. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7367, p. 9, 29 set. 1977, (Grifo do autor).
154
Bandas e escolas de samba sairão às ruas no dia 11, enquanto que milhares
de foguetes serão disparados no momento da assinatura da Lei
Complementar, pelo presidente. O povo também deverá participar das
comemorações, aproveitando o feriado: já se fala que até mesmo as
charangas operarianas e comercialinas vão ajudar na grande festa
divisionista.
O que se pretende, segundo se informou ontem, é promover uma
manifestação popular muito maior e mais ruidosa que a de 3 de maio,
quando o Palácio do Planalto confirmou que Mato Grosso seria dividido,
para se criar o Estado do Mato Grosso do Sul, Capital em Campo Grande370
.
Para os editores do O Progresso, tais informações não apresentaram relevância e não
foram veiculadas em suas páginas. Somente, em 1 de outubro, relatou a viagem que seria
realizada pelos douradenses a Brasília, por efeito da assinatura da lei da divisão pelo
presidente. Ao contrário do Correio do Estado, não vinculou manifestações locais à
solenidade do governo federal.
Douradenses vão a Brasília ver assinatura da Lei da Divisão
Atendendo convite dos senadores Mendes Canale, Italívio Coelho, da Liga
Sul- Mato-grossense e da própria direção arenista, diversos douradenses
deverão estar em Brasília no próximo dia 11, quando o presidente Ernesto
Geisel sancionará a Lei da Divisão do Estado de Mato Grosso, recentemente
aprovada pelo Congresso Nacional.
A viagem à capital federal acontecerá dia 11, às 7 horas da manhã, em voo
especial da Vasp que sairá da cidade de Campo Grande, retornando a
caravana no mesmo dia, às 20 horas371
.
E elencou, sem ufanismos, as personalidades de Dourados que participariam da
caravana que sairia de Campo Grande com destino à capital federal.
Entre os douradenses que já estão com os lugares reservados pela Liga Sul-
mato-grossense estão: o ex-prefeito João da Câmara, o Presidente da
COOTRISOJA, Antonio Tonani; o advogado Lauro Machado de Souza; os
vereadores Ramão Moacir da Fonseca e Celso Muller do Amaral; e os
jornalistas Vlademiro Muller do Amaral, que representará o jornal O
PROGRESSO, João Natalício de Oliveira e Valfrido Silva.
Ontem à tarde o assessor de imprensa da prefeitura disse que ainda não tinha
a confirmação da ida do prefeito José Elias Moreira, mas disse que além do
prefeito, diversos secretários municipais deverão viajar para Brasília dia 11.
Além do governador Garcia Neto, seus assessores e toda bancada arenista na
Assembleia Legislativa Estadual, que já tem presença garantida, políticos de
expressão de todo o Estado deverão estar em Brasília e lá serão
recepcionados pelos senadores e deputados federais de nosso Estado.
370
Ibidem.
371 DOURADENSES vão a Brasília ver assinatura da Lei da Divisão. O Progresso, Dourados/MT, n. 2105, p. 1,
01/02 out. 1977.
155
Após a assinatura do ato presidencial que divide Mato Grosso e cria Mato
Grosso do Sul, as lideranças do novo Estado terão um encontro com o
presidente nacional da ARENA, deputado Francelino Pereira dos Santos372
.
O Correio do Estado, por sua vez, em 6 de outubro, publicou duas chamadas que
mesclaram a data da assinatura, a solenidade e as comemorações populares, sob os títulos:
“No dia 11, Dia da Divisão, Campo Grande vai viver um dia inteiro de comemorações
populares”373
e “Alvorada, desfile, carnaval de rua vão marcar a solenidade histórica”374
.
Enquanto 550 divisionistas vão à Brasília para prestigiar a cerimônia
marcada para as 11:30 horas do próximo dia 11, na qual o presidente Ernesto
Geisel sancionará a Lei Complementar que cria o Estado do Mato Grosso do
Sul e trata da divisão territorial de Mato Grosso, milhares de pessoas
promoverão em Campo Grande, uma grandiosa festa, que inclui carnaval de
rua, bailes nos clubes sociais, alvorada festiva com participação ativa do
campo-grandense375
.
Na matéria ficou explicita a relação entre o jornal e os políticos locais, como o prefeito
Marcelo Miranda e os vereadores campo-grandenses, mostrando a aliança existente entre esse
grupo no episódio da divisão do estado, quando o conglomerado midiático de José Barbosa
Rodrigues (jornal Correio do Estado e a Rádio Cultura) em parceria com a Prefeitura
Municipal, mobilizando recursos públicos e privados, se juntaram para promover a “grandiosa
manifestação pública”, contando com o apoio de outras entidades. As festividades foram
promovidas pelo jornal Correio do Estado e pela Rádio Cultura e tiveram a colaboração da
Prefeitura Municipal, da Liga Sul Mato-grossense, da Secretaria de Educação e Cultura e dos
Diretórios Acadêmicos das Faculdades Unidas Católicas, Universidade Estadual de Mato
Grosso e Centro de Ensino Superior. O objetivo era promover um “grande dia de festa,
aproveitando o feriado municipal criado pela Câmara de Vereadores, com aprovação
unânime”. Com isso, esperava mobilizar a população para que saísse às ruas, tornando os
festejos uma “grandiosa manifestação pública, que tem a finalidade de marcar com muita
372
Ibidem.
373 NO DIA 11, Dia da Divisão, Campo Grande vai viver um dia inteiro de comemorações populares. Correio do
Estado, Campo Grande/MT, n. 7373, capa, 06 out. 1977.
374
ALVORADA, desfile, carnaval de rua vão marcar a solenidade histórica. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7373, p. 7, 06 out. 1977.
375
Ibidem.
156
alegria, a criação oficial e de direito do Estado de Mato Grosso do Sul, que passará a existir
de fato a 1º de janeiro de 1979”376
.
A programação das festividades, prevista para iniciar no dia 10 de outubro, foi
previamente divulgada e aconteceria em diferentes locais e horários. Entre eles destacava-se o
“desfile monstro”, para o qual “as empresas Andorinha e Mota colocaram à disposição 10
ônibus para servirem os moradores dos bairros”377
, a fim de promover uma passeata que
deveria ser ruidosa e animada, já que “os organizadores, Correio do Estado e Rádio Cultura”,
distribuiriam para os participantes do desfile, “mais de 5.000 foguetes” que tornariam “a
comemoração ainda mais marcante”.
A grande festa será iniciada às 23 horas do dia 10, com a realização, no
Rádio Clube, do ‘Baile da Divisão’, promovido pelos Diretórios Acadêmicos
da FUCMT e que prosseguirá até a madrugada, com muita animação. Às 6
horas do dia 11, será iniciada a alvorada festiva, com a participação dos
campo-grandenses e das fanfarras dos Colégios Dom Bosco, Nossa Senhora
Auxiliadora e Perpétuo Socorro.
Uma super concentração está prevista para às 9:30 horas da manhã [...] o
espetacular desfile que será iniciado instantes antes da solenidade de
assinatura da ‘Lei da Divisão’. As empresas Andorinha e Mota colocaram à
disposição 10 ônibus para servirem os moradores dos bairros. Será um
desfile-monstro, muito ruidoso e com animação total, segundo previsão dos
promotores378
.
No dia seguinte, exaltou a solenidade que ocorreria em Brasília, quando participariam
“850 mato-grossenses”, que estariam credenciados para participarem do ato de assinatura da
lei divisionista, como uma maneira de potencializar o acontecimento e demonstrar união e
apoio à divisão.
Divisão: Planalto credenciou mais de 850 mato-grossenses
Brasília - O senador Italívio Coelho (ARENA-MT), informou na tarde de
ontem que o número de divisionistas credenciados pelo Palácio do Planalto
para as solenidades de assinatura da Lei Complementar, que divide o atual
Estado do Mato Grosso, criando consequentemente o Estado de Mato Grosso
do Sul, que deverá ser implantado oficialmente a partir do 1.979, é superior a
850.
376
Ibidem.
377
Uma prática comum utilizada recorrentemente, que tinha por finalidade promover uma grande aglomeração
de pessoas para dar teor popular aos eventos promovidos pelo governo. HIGA, Roberto: depoimento [14 mar.
2015]. Entrevistadora: Vera Lucia Furlanetto. Campo Grande, 2015.
378
Ibidem, (Grifo do autor).
157
Segundo ainda o senador mato-grossense desses 850 divisionistas que foram
credenciados pelo Palácio do Planalto, 670 foram através do seu escritório
na Capital Federal, e são oriundos de diversas cidades do Estado de Mato
Grosso, principalmente do Sul, que são os favoráveis à decisão presidencial.
Todos esses mato-grossenses assistirão a assinatura da Lei Complementar
pelo presidente Ernesto Geisel, na próxima terça-feira, dia 11379
.
Outra notícia, publicada no dia 7 de outubro, teve por escopo contemplar a informação
de que o voo da companhia aérea Viação Aérea de São Paulo (VASP), destinada a transportar
os políticos até a capital brasileira receberia o nome do futuro estado, Mato Grosso do Sul,
evidenciando as relações entre o setor empresarial e o campo político, uma vez que a empresa
“atendeu a pedidos para um vôo especial” e a aeronave disponibilizada foi nomeada de
Boeing da divisão380
. Uma estratégia para estabelecer vínculos significativos entre a
sociedade e os divisionistas. E para finalizar as matérias do dia 7, acerca da divisão, destacou
as medidas de segurança a serem adotadas no dia da festividade, que envolveriam “batalhão
de Polícia e todo o pessoal das diversas delegacias”, a fim de garantir que não houvesse
quaisquer percalços na data de aprovação da lei em Campo Grande.
Segurança no dia da Divisão
Dia 11 do corrente, em que o Presidente Ernesto Geisel assinará a Lei
Complementar criando o Estado de Mato Grosso do Sul, para que a
população possa comemorar o evento com inteira liberdade, um forte
dispositivo de segurança vai ser armado, por elementos do batalhão de
Polícia e todo o pessoal das diversas delegacias de Campo Grande381
.
A preocupação fundamental do periódico foi a fixação da data comemorativa. Para
tanto, enalteceu todos os atos relacionados à solenidade. A criação de Mato Grosso do Sul foi
considerado um “sonho” realizado, o Correio do Estado enunciou, em 10 de outubro,
“Amanhã, em Campo Grande e Brasília, a grande festa da sonhada divisão”382
, reforçando a
reportagem anterior, do dia 6, que relatava todos os acontecimentos organizados e
programados pela imprensa em conjunto com setores públicos e privados.
379
DIVISÃO: Planalto credenciou mais de 850 mato-grossenses. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7374, p. 2, 07 out. 1977.
380
“BOEING da Divisão” terá nome de Mato Grosso do Sul. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7374, p.
2, 07 out. 1977, (Grifo do autor).
381
SEGURANÇA no Dia da Divisão. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7374, p. 2, 07 out. 1977.
382
AMANHÃ, em Campo Grande e Brasília, a grande festa da sonhada divisão. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7376, capa, 10 out. 1977.
158
Campo Grande, a maior festa: alvorada, desfile e até carnaval
A festa do campo-grandense será iniciada realmente ao primeiro minuto de
amanhã: O Baile da Divisão vai ganhar nova animação a partir da entrada do
dia 11 e espera-se até mesmo um entusiasmado carnaval pela madrugada
afora. Às 6 horas da manhã, as fanfarras dos colégios Dom Bosco, Nossa
Senhora Auxiliadora e Perpétuo Socorro se encarregarão de despertar
Campo Grande no seu dia de festa, no dia em que será elevada à condição,
oficialmente, de futura Capital de Estado e de Capital de Mato Grosso do
Sul. Ainda quando a alvorada festiva estiver sendo realizada, decolará do
Aeroporto Internacional de Antônio João o ‘Boeing da Divisão’, levando
119 divisionistas que participarão da solenidade especial em Brasília383
.
O jornal revelou, ainda, a estratégia de colocar veículos à disposição da população
para concentrá-las no centro e dessa maneira garantir uma massa considerável de indivíduos
espectadores, que seriam representados por meio de fotografias e, posteriormente, elencados
divisionistas, simpatizantes de todo o processo e favoráveis aos atos políticos e midiáticos que
nortearam a divisão do estado e criação de Mato Grosso do Sul.
As empresas de ônibus Motta e Andorinha colocaram à disposição dos
promotores e do público, dez ônibus que trarão para o centro da cidade e
para o ponto de concentração, os moradores dos bairros mais distantes, para
que possam participar da grande festa, tendo em vista que o feriado
municipal permitirá um deslocamento especial para o centro384
.
Ressaltou a participação do grupo de Barbosa Rodrigues, que além de organizar as
comemorações, também daria cobertura jornalística e registraria em imagens as festividades.
E nomeou a Praça da República de “Praça Presidente Geisel”, sugeriu como já criado, um
“Museu da Divisão” e prometeu até um jogo de futebol no estádio Morenão para garantir a
participação popular385
.
No dia posterior à assinatura da lei e às festividades realizadas, no Correio do Estado
não se poupou revanchismos a Dourados. Anunciou: “Sem muita festa Dourados recebe o
novo Estado”, fixando os douradenses do lado oposto da “história”, uma vez que “não
chegaram a motivar a população de fazer uma passeata pelas ruas, como se esperava”, relatou
que “nem feriado ou ponto facultativo foi decreto pelo prefeito José Elias Moreira, que não
383
CAMPO Grande, a maior festa: alvorada, desfile e até carnaval. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7376, p. 2, 10 out. 1977, (Grifo do autor).
384
Ibidem.
385
Ibidem.
159
viu razão desta medida”. Enfatizou ainda, que não foram capazes de realizarem os mesmos
feitos, do jornal e do prefeito, campo-grandenses.
Apenas alguns fogos de artifícios marcaram ontem em Dourados as
comemorações da assinatura da Lei Complementar que regulamentou a
divisão do Estado de Mato Grosso em duas unidades. Como de vezes
anteriores, o douradense não se manifestou publicamente, como ocorreu em
outras cidades mato-grossense, muito embora Dourados seja com a criação
do novo Estado, o segundo município em importância política e econômica.
Por volta das 10:30 horas de Mato Grosso, alguns divisionistas soltaram
foguetes comemorando o acontecimento, mas não chegaram a motivar a
população de fazer uma passeata pelas ruas, como se esperava, apesar de ser
esta uma data histórica para os sulistas.
Nem feriado ou ponto facultativo foi decreto pelo prefeito José Elias
Moreira, que não viu razão desta medida. O comércio, a rede bancária, e os
órgãos públicos estaduais e federais, funcionaram normalmente, apesar das
solicitações feitas por funcionários, de um feriado extra.
Pela manhã a cidade teve seu movimento normal, mas quando foi chegando
a hora da assinatura da Lei da Divisão formaram-se grupos em diversos
pontos de Dourados, para acompanhar as solenidades que estavam sendo
transmitidas por emissoras de rádio. No mesmo instante foram disparados
fogos, mas as comemorações não passaram disto, apesar de Dourados ser
uma das regiões mais beneficiadas com a criação do Mato Grosso do Sul,
devido a concentração de renda que haverá a partir de 1979 nesta região, a
maior produtora agrícola do Estado386
.
O Progresso noticiou sem exaltações a assinatura da lei de criação com a manchete:
“Geisel sancionou ontem a Lei da Divisão”. Apenas reproduziu, sem glorificações, uma
matéria de Brasília sobre a assinatura da Lei387
. O oposto do que foi praticado pelo Correio do
Estado, que fez questão de enaltecer o “sucesso” de seu esquema comemorativo e ressaltou os
pormenores da festividade promovida no dia 11 de outubro. Elencou-o como um dia
“essencialmente carnavalesco” com início “às 7 horas da manhã” e “às 16 horas” os primeiros
blocos e cordões, com a “Escola de Samba ‘Acadêmicos do Samba’, precedida pela demais
(quatro) existentes em Campo Grande” já ocupavam as principais ruas da cidade,
prosseguindo o carnaval “até cerca de 22 horas, com muita animação”. Contou com a
distribuição de “centenas de caixas de foguetes” que possibilitaram aos campo-grandenses
viverem “momentos ruidosos e um clima bastante alegre” 388
.
386
SEM muita festa Dourados recebe o novo Estado. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7377, p. 2, 12
out. 1977. 387
GEISEL sancionou ontem a Lei da Divisão. O Progresso, Dourados/MT, n. 2112, p. 1, 12 out. 1977.
388
CARNAVAL encerra Festa da Divisão. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7377, p. 2, 12 out. 1977.
160
Sobre a comemoração promovida pelo jornal, foram noticiados sentimentos de alegria
e as posturas emotivas da população, ações festivas de políticos, agradecimentos ao presidente
Geisel e, exaltação do nome do partido Arena e do nome de Pedro Pedrossian como primeiro
governador.
Os discursos realizados pela alta cúpula do governo federal em Brasília foram
anunciados pelo periódico. O presidente Ernesto Geisel proferiu um discurso enaltecedor de
Mato Grosso do Sul, no dia onze de outubro de 1977, quando da assinatura da lei. A criação
do estado foi justificada pela política de desenvolvimento geoestratégico do Brasil e uma
necessidade de ordem política389
. Geisel afirmou, “foi preocupação do meu governo abrir o
caminho no sentido de uma melhor divisão territorial do País” e enumerou os porquês,
evidenciando duas necessidades principais. A primeira, “de uma disposição geográfica;
decorrente também do desenvolvimento do País e sobretudo da ocupação” e a segunda, “de
ordem política, tendo em vista um melhor equilíbrio da Federação nos dias de amanhã”. O
presidente apontou, ainda, as dificuldades encontradas e julgou a divisão como um “problema
complexo” em consequência dos “sentimentos locais, dos sentimentos de regionalismo e
também da tradição histórica”. Contudo, considerou o problema solucionado e as “aspirações
da população” atendidas. Como decorrência, seria necessário viabilizar uma estrutura para a
nova unidade federativa, porquanto “[...] a partir de hoje teremos que iniciar uma longa tarefa,
para, com base nesse dispositivo legal, dar efetiva existência ao novo Estado”390
. Segundo
Geisel, a tarefa seria desenvolver tanto Mato Grosso do Sul quanto Mato Grosso. Para tal,
seria necessário associar suas riquezas e potencial econômico com o trabalho e habilidades da
população. Assim, o povo e os governos federal e estaduais deveriam estar unidos para a
região atingir pleno desenvolvimento. Refere-se Geisel: “Vamos construir praticamente dois
estados [...] Nessa luta estaremos todos juntos [...] usando as potencialidades do território e a
capacidade da população”391
. Apesar de evocar a luta conjunta do povo e sua competência de
389
A divisão “foi fruto de um ato da ditadura, portanto, não precedida de um processo de participação popular” e
de “caráter restrito, de demanda que nunca chegou a ser popular”, BITTAR, Marisa. Geopolítica e separatismo
na elevação de Campo Grande a capital, p. 134-135.
390
NASCEU Mato Grosso do Sul – uma tarefa imensa: a construção de dois estados. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7377, edição especial, capa, 12 out. 1977.
391
Ibidem.
161
transformação para a construção do novo estado, o ato interessava a políticos e empresários e
foi por eles apoiado392
.
Maurício Rangel Reis, ao discursar, assegurou que a criação do estado propiciava um
futuro glorioso à nova unidade federativa: “Surge nesse dia o Estado do Mato Grosso do Sul,
forte e pujante ao lado do seu irmão mais velho do Norte, o Estado de Mato Grosso, com seu
imenso potencial, elo natural com a Amazônia, no processo efetivo da integração nacional”393
,
para o ministro, o presidente objetivava “proporcionar ao país uma nova divisão territorial,
entendida como mais compatível com o estágio de desenvolvimento econômico e social do
Brasil”394
.
Os discursos, de Ernesto Geisel e Rangel Reis, escamotearam o autoritarismo de suas
ações395
, pois a democracia parecia existir, em virtude do Brasil ter uma constituição, partidos
políticos e um regime representativo, sugerindo que os anseios populares eram acatados pelo
governo396
. Assim, a criação de Mato Grosso do Sul seria exemplo de atendimento das
reivindicações e vontades populares. Entretanto, “não consistia apenas numa redivisão
territorial, mas também, e talvez principalmente, na reformulação da estrutura de poder
regionalizado de parte do Estado brasileiro”397
.
O Correio do Estado mostrou-se alinhado aos interesses dos militares e dos políticos
locais, da Ala Independente da Arena. Comprometeu-se com a campanha divisionista, em
1977, e organizou os festejos para comemorar a criação de Mato Grosso do Sul, pretendendo
transformar a data em registro histórico. Em nota de agradecimento, publicada no dia 13 de
outubro, agradeceu às parcerias da Prefeitura Municipal de Campo Grande, do 2º Batalhão de
392
Durante a ditadura militar as relações estabelecidas entre planejamento econômico, modernização e
desenvolvimento capitalista tinham na “teoria do capital humano” o seu elemento vital, a seiva ideológica que
alimentava o projeto societário materializado no slogan Brasil Grande Potência. BITTAR, Marisa. FERREIRA
JR, Amarilio. Educação e tecnologia tecnocrática na ditadura militar, p. 333.
393
NASCEU Mato Grosso do Sul – uma tarefa imensa: a construção de dois estados. Correio do Estado, Campo
Grande/MT, n. 7377, edição especial, capa, 12 out. 1977.
394
SILVA, Ricardo Souza da. Mato Grosso do Sul: Labirintos da memória, p. 45.
395
Porquanto, foi “uma decisão tomada de ‘cima para baixo’, numa circunstância de restrição às liberdades,
como as vividas no final da década de 1970”, SILVA, Ricardo Souza da. Mato Grosso do Sul: Labirintos da
memória, p. 46.
396
ARAKAKI, Suzana. Dourados: memórias e representações de 1964, p. 102.
397
SILVA, Ricardo Souza da. Mato Grosso do Sul: Labirintos da memória, p. 44.
162
Polícia Militar, da Liga Sul-mato-grossense e do povo; colaborações que “permitiram
abrilhantar e valorizar a festa da divisão”, porquanto “ajudaram o Correio do Estado e a
Rádio Cultura na promoção da maior festa popular já registrada em toda a história mato-
grossense”398
. O jornal atribuiu a si a responsabilidade pela campanha pró-divisão e seguiu
com seu propósito inclusive na construção dos aspectos comemorativos quando, finalmente,
suas expectativas foram realizadas. Preocupado em envolver a sociedade de uma maneira
geral com os interesses por ele desejados, incluía a população em suas pautas.
4.2 – A discursividade imagética e a criação de Mato Grosso do Sul.
As fotografias publicadas no Correio do Estado foram de autoria de Roberto Higa, o
fotógrafo era contratado pelo governo do estado de Mato Grosso, em 1977, para registrar as
ações governamentais e permaneceu, até 2017, exercendo sua profissão a serviço da
Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul. As fotografias acerca das comemorações
foram produzidas em Campo Grande. A primeira imagem a ser analisada foi veiculada pelo
Correio do Estado no dia 12 de outubro de 1977, junto com a Manchete: “Nasceu Mato
Grosso do Sul”.
Foram registros de pessoas em marcha na Avenida 14 de Julho, na passeata de 11 de
outubro de 1977 (Figuras I, II, III e IV), e deram evidências do olhar do fotógrafo de enfatizar
a aglomeração de pessoas. À primeira vista as fotografias de Higa trouxeram o aspecto de
uma unidade social, de um olhar que revelava por meio de imagens signos de comemoração
coletiva, consensual e homogênea, construindo a imagem de que a divisão fora um anseio de
toda a população.
Inicialmente, procedeu-se a apreciação do conteúdo das imagens que envolveram o
tema, as pessoas e os objetos retratados, bem como, os atributos das pessoas e da paisagem,
em seguida examinou-se a expressão, que diz respeito aos enquadramentos e nitidez.
Finalmente avaliou-se a estruturação final, tecendo-se as críticas necessárias, segundo as
indicações de Mauad399
.
398
AGRADECIMENTO. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n. 7378, capa, 13 out. 1977, (Grifo do autor).
399
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e História Interfaces, p. 12-13.
163
Foto I - Passeata na rua 14 de Julho.
Autor: Roberto Higa, (CORREIO DO ESTADO, 12 out. 1977, p. 1).
Ficha para análise de conteúdo:
Número da Foto I
Agência Produtora Não há, fotógrafo contratado.
Local retratado Rua
Tema retratado Comemoração divisionismo
Pessoas retratadas Aglomeração, adultos, crianças
Objetos retratados Rua, prédios, lojas, carros, bicicletas, postes de
luz,
Atributo das pessoas Andando, paradas, em cima de veículo, em
bicicletas, em veículos, aguardando.
Atributo da paisagem Urbana
Tempo retratado (dia - noite) Dia
Ficha para análise de expressão:
Número da Foto I
Agência Produtora
Ano
Tamanho da Foto
Não há, fotógrafo contratado.
1977
Padrão
Formato da Foto e Suporte (relação com
texto escrito)
Coerente, ilustrativa
Tipo de Foto Encomendada
Enquadramento I – sentido (horizontal ou
vertical)
Horizontal
Enquadramento II – direção
(esquerda, direita, centro)
Centro
Enquadramento III – distribuição de planos Desproporcionais
164
Ênfase plano baixo
Enquadramento IV – Objeto Central
(arranjo e equilíbrio)
Sem arranjo, desequilíbrio, ênfase na
aglomeração de pessoas
Nitidez I – Foco Sim, na rua
Nitidez II – Impressão Visual
(definição de linhas)
Maior em primeiro plano
Nitidez III - iluminação Natural
Produtor: amador ou profissional Profissional
As tabelas acima ajudaram a realizar uma leitura prévia das fotografias, aprofundando
a interpretação verificaram-se alguns detalhes interessantes. Na foto I, em primeiro plano
havia crianças paradas de costas para as lentes do fotógrafo, de frente para a passeata, em
frente aos carros, e demais pessoas as observando, o que sugeriu que aquele ponto da rua, era
um ponto final, uma chegada dos sujeitos que estavam em movimento.
Havia poucos veículos no meio da rua, junto à aglomeração, pôde-se ver um carro de
som com alto falante no teto, e algumas pessoas em cima desse veículo e de outro, o terceiro
estacionado do lado direito da rua, uma caminhonete com carroceria. Os demais automóveis
estavam estacionados nas laterais da via. As poucas lojas que se conseguiu ver estavam com
as portas fechadas. Tratou-se da rua 14 de Julho, duas quadras entre as ruas Marechal Cândido
Mariano Rondon e Antônio Maria Coelho, cruzando a rua Maracaju, no centro da cidade de
Campo Grande.
As pessoas andavam pelo declive e posterior aclive da avenida em direção ao
fotógrafo, no meio da rua e nas calçadas, o que favoreceu a visão da quantidade de indivíduos.
Não traziam cartazes ou faixas nas mãos, a maioria visível andava com as mãos abaixadas
junto à lateral do corpo, no máximo com braços dobrados e as mãos junto ao peito. A
seriedade estava estampada nas poucas faces distinguíveis, não havia sinais de vibração, festa
ou alegria.
Outra fotografia (II) captada por Higa no mesmo dia, sob outro ângulo que não foi
veiculada pelo jornal naquela data e que faz parte do acervo particular do fotógrafo (já
exposta por ele em várias outras oportunidades), retratou o mesmo evento, entretanto, aquela
que mostrou o maior número de pessoas foi eleita para ser publicada no jornal.
165
Foto II - Veículos parados na rua 14 de Julho.
Autor: Roberto Higa, 12 out. 1977 (Arquivo pessoal do fotógrafo).
Ficha para análise de conteúdo:
Número da Foto II
Agência Produtora Arq. Pessoal
Local retratado Rua
Tema retratado Comemoração divisionismo
Pessoas retratadas Pessoas dispersas
Objetos retratados Rua, prédios, lojas, carros, bicicletas, postes de
luz.
Atributo das pessoas Andando, paradas, em cima de veículo, em
bicicletas, em veículos, aguardando.
Atributo da paisagem Urbana
Tempo retratado (dia - noite) Dia
Ficha para análise de expressão:
Número da Foto II
Agência Produtora
Ano
Tamanho da Foto
Arq. Pessoal
1977
Padrão
Formato da Foto e Suporte (relação com
texto escrito)
Sem texto
Tipo de Foto Teste
Enquadramento I – sentido (horizontal ou
vertical)
Horizontal
166
Enquadramento II – direção
(esquerda, direita, centro)
Centro
Enquadramento III – distribuição de planos Desproporcionais
Ênfase plano baixo
Enquadramento IV – Objeto Central (arranjo
e equilíbrio)
Sem arranjo, desequilíbrio, ênfase na
aglomeração de pessoas
Nitidez I – Foco Sim, na rua
Nitidez II – Impressão Visual
(definição de linhas)
Maior em primeiro plano
Nitidez III - iluminação Natural
Produtor: amador ou profissional Profissional
A foto número II, foi uma imagem teste. Poucas pessoas na rua, algumas em cima de
bicicletas, outras nas calçadas aparentemente paradas, os veículos parados, indivíduos em
cima dos automóveis, como pôde ser visto, no primeiro carro na primeira faixa do lado
esquerdo; na Kombi, a primeira da faixa do lado direito, e atrás dela. Lembrando que este
retrato não foi publicado pelo jornal, está no arquivo pessoal de Higa, não foi escolhido entre
os que figuraram nas edições da comemoração, verificou-se também que outras ruas não
foram fotografadas, nem pessoas comemorando individualmente. Nenhum dos sujeitos foi
entrevistado pelo jornal, também não houve a presença de outros fotógrafos no local, o que
evidenciou uma montagem de cena para a comemoração e delineou a tentativa de forjar uma
festa amplamente popular por toda Campo Grande.
A terceira foto (III) retratou a aglomeração de pessoas no centro da cidade de Campo
Grande, em frente à sede do jornal Correio do Estado:
Foto III - Aglomeração em frente à sede do jornal Correio do Estado
Autor: Roberto Higa, (CORREIO DO ESTADO, 12 out. 1977, p. 3).
167
Ficha para análise de conteúdo:
Número da Foto III
Agência Produtora Não há, fotógrafo contratado.
Local retratado Rua
Tema retratado Comemoração divisionismo
Pessoas retratadas Aglomeração, adultos, crianças
Objetos retratados Rua, prédios, Correio do Estado
Atributo das pessoas Paradas aguardando.
Atributo da paisagem Urbana
Tempo retratado (dia - noite) Dia
Ficha para análise de expressão:
Número da Foto III
Agência Produtora
Ano
Tamanho da Foto
Não há, fotógrafo contratado.
1977
Padrão
Formato da Foto e Suporte (relação com texto
escrito)
Coerente, ilustrativa
Tipo de Foto Encomendada
Enquadramento I – sentido (horizontal ou
vertical)
Horizontal
Enquadramento II – direção
(esquerda, direita, centro)
Centro
Enquadramento III – distribuição de planos Desproporcionais
Ênfase plano baixo
Enquadramento IV – Objeto Central (arranjo e
equilíbrio)
Sem arranjo, desequilíbrio, ênfase na
aglomeração de pessoas
Nitidez I – Foco Sim na rua e Correio do Estado
Nitidez II – Impressão Visual
(definição de linhas)
Maior em primeiro plano
Nitidez III - iluminação Natural
Produtor: amador ou profissional Profissional
Na fotografia III, o ajuntamento estava em frente ao prédio do jornal Correio do
Estado, o foco principal foi a fachada do estabelecimento com o letreiro em evidência.
168
Adultos e crianças em pé, parados, apresentavam aspecto de espera, braços cruzados ou
levados à cintura deram essa percepção, a maioria estava de costas para o fotógrafo, havia
poucos carros e quase nenhuma bicicleta.
Outra fotografia registrou a atuação do Correio do Estado no planejamento da
comemoração, exibindo uma faixa, revelou o trabalho do jornal na construção do evento400
.
Foto IV - Passeata na rua 14 de Julho.
Autor: Roberto Higa, (CORREIO DO ESTADO, 12 out. 1977, p. 3).
Ficha para análise de conteúdo:
Número da Foto IV
Agência Produtora Não há, fotógrafo contratado.
Local retratado Rua
Tema retratado Comemoração divisionismo
Pessoas retratadas Aglomeração, adultos, crianças
Objetos retratados Rua, prédios, lojas, carros, bicicletas, postes
de luz,
Atributo das pessoas Andando, paradas, em cima de veículo, em
bicicletas, em veículos, aguardando.
Atributo da paisagem Urbana
Tempo retratado (dia - noite) Dia
400
Marisa Bittar relatou sobre a participação direta do Correio do Estado na promoção das festividades em
virtude da divisão do estado de MT e criação do estado de Mato Grosso do Sul, tendo Campo Grande como
capital. BITTAR, Marisa. Mato Grosso do Sul, a construção de um estado. Vol. 1 e Vol. 2: regionalismo e
divisionismo no sul de Mato Grosso.
169
Ficha para análise de expressão:
Número da Foto IV
Agência Produtora
Ano
Tamanho da Foto
Não há, fotógrafo contratado.
1977
Padrão
Formato da Foto e Suporte (relação com
texto escrito)
Coerente, ilustrativa
Tipo de Foto Encomendada
Enquadramento I – sentido (horizontal ou
vertical)
Horizontal
Enquadramento II – direção
(esquerda, direita, centro)
Centro
Enquadramento III – distribuição de planos Desproporcionais
Ênfase plano baixo
Enquadramento IV – Objeto Central
(arranjo e equilíbrio)
Sem arranjo, desequilíbrio, ênfase na
aglomeração de pessoas
Nitidez I – Foco Sim, na rua e na faixa do Correio do Estado.
Nitidez II – Impressão Visual
(definição de linhas)
Maior em primeiro plano
Nitidez III - iluminação Natural
Produtor: amador ou profissional Profissional
Por último, na quarta foto, as pessoas estavam em movimento todas de costas para as
lentes, descendo a rua 14 de Julho, algumas de bicicleta, os veículos estacionados nas laterais
e o foco maior se deu à faixa presa acima dos transeuntes, de um lado ao outro da rua, com os
dizeres: “Correio do Estado no dia do nascimento do novo estado abraça todos seus amigos e
leitores”.
Para auxiliar na análise dessas imagens, que foram relacionadas com a festa de criação
de Mato Grosso do Sul, acrescentou-se como fonte a entrevista do próprio profissional
Roberto Higa, pois ele mesmo disse ser fundamental “saber a história dos bastidores”401
.
401
HIGA, Roberto: depoimento [14 mar. 2015]. Entrevistadora: Vera Lucia Furlanetto. Campo Grande, 2015.
170
Em relação aos indivíduos em cima dos veículos, Higa revelou tratar-se de um
caminhão e de uma prática comum utilizada pelo governo na época, quando se pretendia
realizar uma manifestação, na qual se precisasse de muitas pessoas. Quando perguntado sobre
a organização dos festejos, do dia 11 de outubro de 1977, acerca da assinatura da lei que criou
Mato Grosso do Sul, o fotógrafo informou: “então, você pegava os caminhões, as kombis,
tudo quanto era meio de locomoção, distribuía nos bairros e trazia as pessoas com a promessa
de um suco de laranja, um guaraná, uma cachaça, um sanduiche depois”, disse ainda, que a
prática era comum e recorrente, e que as pessoas eram levadas “para a Praça Ari Coelho, toda
concentração era ali” e concluiu “o povo é massa de manobra”, “nem sabiam o que estavam
fazendo ali”402
. Ou seja, os organizadores, geralmente contratados pelo governo, utilizaram
automóveis maiores, com vários lugares, foram até os bairros da periferia e chamaram as
pessoas que ali estavam convidando-as para um passeio no centro da cidade, com promessa de
lanches e brindes. Cantores locais foram contratados para realizarem um show, e assim
promoveu-se a aglomeração das pessoas.
Sobre o uso dos veículos que locomoveram as pessoas dos bairros ao centro da cidade,
local do evento, para participarem da passeata, foi veiculada no jornal Correio do Estado, em
12 de outubro, a reportagem “dez ônibus colocados à disposição dos moradores dos bairros
mais distantes levaram, para local da concentração, cerca de duas mil pessoas, que se
juntaram às milhares que haviam chegado às aquelas que aguardavam, nas proximidades”403
.
As imagens que retratavam essas pessoas no centro da cidade, no entanto, eram
utilizadas segundo um discurso de verdade sobre uma manifestação teatralizada, com
interesses políticos definidos e específicos, muito mais a cargo de quem estava no poder e
manejando o “bico da pena” que por quaisquer daqueles populares ali envolvidos e exibidos.
As fotos produzidas por Roberto Higa, utilizadas para compor o discurso imagético do
Correio do Estado, “foram selecionadas conforme o interesse do periódico em demonstrar
uma multidão em festa”404
, aquelas que registraram um aspecto “grandioso” da comemoração
de criação de Mato Grosso do Sul e atribuíram-lhe valor, que “ratificaram” o ato unilateral do
governo federal, como validado e desejado por toda uma sociedade, e não apenas por parte
402
Ibidem.
403
PASSEATA da Divisão leva 50 mil campo-grandenses às ruas. Correio do Estado, Campo Grande/MT, n.
7377, p. 3, 12 out. 1977.
404 HIGA, Roberto: depoimento [14 mar. 2015]. Entrevistadora: Vera Lucia Furlanetto. Campo Grande, 2015.
171
dela, ou seja, elites com interesses próprios e poder social e econômico. As demais fotografias
não publicadas, porque não corresponderam a esses propósitos, fazem parte do acervo
particular do fotógrafo e são expostas atualmente em suas amostras.
Quanto ao interesse do Correio do Estado em promover a comemoração em torno da
criação de Mato Grosso do Sul e a eleição de Campo Grande como sua capital, Bittar relatou:
[...] a população, privada da participação, mostrou com seu silêncio um
misto de indiferença e aprovação [...] por seu lado o jornal Correio do Estado
talvez a única entidade a sustentar ininterruptamente, em toda a sua trajetória
de 40 anos, a bandeira pró-divisão, organizou em Campo Grande a ‘passeata
monstro’, distribuindo faixas e cartazes personalizados, com os dizeres
‘Obrigado Geisel. Bem vindo Pedrossian’. O agradecimento demonstrava
que, do seu ponto de vista, tinha sido o presidente o autor principal da
divisão. As boas vindas a Pedrossian declinava o apoio do jornal ao senador
que pleiteava ser nomeado o 1º governador da nova unidade. Embora
referindo-se a 50 mil, o número real dos presentes à passeata foi muito mais
modesto. É o que dá a perceber as fotos publicadas pelo próprio jornal405
.
Vários são os aspectos que envolvem a configuração de verdade para uma sociedade e
sobre tal regime, Foucault é categórico:
A verdade é deste mundo [...] ela é produzida nele graças a múltiplas
coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem
seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de
discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e
as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a
maneira como se sanciona uns e outro; as técnicas e os procedimentos que
são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que tem o
encargo de dizer o que funciona e o que não funciona como verdadeiro406
.
Deste modo, diz-se que a verdade é relativa, é externa e oportunista, está em constante
embate, em contínua disputa, por ser dinâmica é muito provisória, pois ela é a aceitação por
um grupo de pessoas de modo que não é única. Bem como, as representações imagéticas das
fotografias elencadas, não há uma verdade absoluta nelas, nem mesmo uma realidade total.
Para Freund, a imagem é apenas uma ilusão, as legendas ou os textos que a comentam tem o
poder de alterar totalmente sua significação407
.
405
BITTAR, Marisa. Mato Grosso do Sul: Do Estado Sonhado ao Estado Construído (1892-1997), p. 238, (Grifo
do autor).
406
FOUCAULT, Michel. A Hermenêutica do Sujeito, p. 12.
407
FREUND, Gisèle. Fotografia e Sociedade.
172
Porém, a fotografia esta inserida na contemporaneidade e atua na história juntamente
com os demais símbolos em uma linguagem imagética muito ligada a uma intimidade
individual ou familiar, bem como a uma sensibilização coletiva e até ideológica de
instituições e governos, conforme descreve Ana Maria Mauad, símbolos e signos que
envolvem a linguagem de uma sociedade e formam a memória coletiva e histórica dela408
.
Essas imagens são utilizadas em vários meios de comunicação atualmente e, por
vezes, são expostas em eventos promovidos pelo Poder Público de Mato Grosso do Sul e pelo
próprio profissional. A questão do fotógrafo estar ligado ao estado há mais de quarenta anos,
registrando imageticamente a vida social e política de seus agentes, auxiliou na construção da
memória coletiva sobre o regional.
Verifica-se que o interesse primordial para as elites, foi formar uma memória social
coletiva, as fotos foram compostas por uma visão de mundo própria, ligada diretamente
aquele que possuía o controle dos meios técnicos de produção cultural, neste caso, o
fotógrafo409
.
Assim, o periódico ao utilizar tais fotografias tentou a emolduração, a
monumentalização, o “registro para a memória” e a colaboração com a “história” do que seria
o estado de Mato Grosso do Sul. O dia da divisão tornou-se uma data a ser rememorada para
não ser esquecida. Ou seja, sua intencionalidade era de configurar uma “população geral” que
ovacionou o processo e a concretização do projeto de divisão territorial. Para tanto, foi
indispensável considerar nas fotografias de Higa, o ocultado, o avesso ao destacado, o oposto
do proeminente, os silêncios intencionais, como também a maneira como essas imagens
foram usadas e onde circularam, isto é, “levantar probabilidades, desdobramentos e
explicações possíveis para determinados acontecimentos, enquadrando-os em seu contexto,
conferindo-lhes significado”410
. As representações retratadas e escolhidas para figurarem nas
publicações foram condizentes com os interesses do Correio do Estado em construir uma
memória e uma história de engrandecimento ao novo estado.
408
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e História Interfaces.
409
Ibidem.
410
NEVES, Lucas Vieira Baeta. História e Imagem: A sociedade escrita com a luz.
173
Ao identificar, analisar e interpretar as imagens retratadas pelo fotógrafo Roberto
Higa, pôde se compreender a sociedade campo-grandense no contexto da divisão do estado.
As fotografias produzidas por Higa foram elaboradas para uma situação de consumo e para
que as imagens constituíssem um marco das elites na história da população, um recorte no
tempo que permanecesse eternizado, como uma verdade definida.
Mauad demonstrou que a “cultura comunica, a ideologia estrutura a comunicação e a
hegemonia social faz com a imagem da classe dominante predomine, erigindo-se como
modelo para as demais”411
, como uma verdade definida. Entretanto, “definir as ambigüidades
do mundo simbólico, a pluralidade das possíveis interpretações desse mundo e a luta que
ocorre em torno dos recursos simbólicos e também dos recursos materiais”412
, são possíveis.
As imagens ambicionaram transmitir uma ideia de que houve desejos e aspirações
coletivas desses atos individualizados. As fotografias de Higa ao longo dos anos tornaram-se
notórias e referenciáveis413
pelo governo e pelas elites de Campo Grande e, passaram a
circular por várias mídias. Sabe-se que “a fotografia faz parte da vida cotidiana [...] um dos
seus traços mais característicos é ser igualmente recebida por todos os estratos sociais”414
, no
entanto, essa imagens foram elaboradas para uma situação de consumo e mostraram-se
impregnadas de tensões sociais.
411
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e História Interfaces, p. 9.
412
LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história, p. 135.
413
COSTA, Rodrigo Lopes da. Dia Internacional da Fotografia é comemorado com exposição e palestra de
Roberto Higa.
414
FREUND, Gisèle. Fotografia e Sociedade.
174
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em 1977 ocorreu uma importante mudança no mapa geopolítico do Brasil, a divisão
do então estado de Mato Grosso e a consequente criação do estado de Mato Grosso do Sul.
Esse processo gerou várias disputas envolvendo os campos da política, da economia, da mídia
e da sociedade civil, tanto em âmbito nacional quanto local, pois importantes questões
estavam envolvidas, tais como a cidade que iria sediar a capital do novo estado, a criação de
cargos públicos, a ampliação do poder político e a maior participação dos grupos políticos
locais e a redistribuição de recursos financeiros que seriam concentrados na nova capital.
Nesse contexto, o país era governado pelos militares com Ernesto Geisel na
presidência. O estado de exceção impunha regras de comportamento e censuras à sociedade,
aos políticos e à imprensa. Apesar da censura estabelecida pela ditadura e da autocensura
exercida pela própria imprensa, os jornais locais O Progresso e Correio do Estado buscaram
uma aproximação com o governo federal, demonstraram subserviência e forjaram um
engajamento dos políticos locais com os nacionais. Ou seja, a mídia local respaldou as ações
dos militares, se submeteu a eles e colaborou com o regime por meio de congratulações e
reverências, defendiam os benefícios alcançados com a conduta adotada, manipulando uma
opinião pública de apoio à ditadura, à Arena e aos atos do governo. Uma vez que as disputas
que ocorriam nos partidos estavam distantes de ameaçar o regime ditatorial no Brasil.
Por mais que a imparcialidade e a objetividade fossem discursos preconizados pelo
jornalismo, o que apareceu nas notícias jornalísticas foi sua própria concepção de sociedade,
que atendeu à linha editorial dos jornais e aos vínculos políticos e institucionais dos seus
proprietários, porque foram divulgadores de ideologias e de interesses das elites, dos grupos
políticos, de instituições e do estado.
Os políticos, juntamente com a mídia, encamparam uma luta discursiva que
designavam ser em nome da população, mas que na realidade implicava muito mais em serem
vistos socialmente e manipular a opinião pública, ou seja, determinar de acordo com seus
interesses aquilo que seria entendido como a somatória das opiniões individuais das pessoas
em geral e, assim, legitimaram suas rivalidades em um novo espaço de poder.
Os jornais, Correio do Estado e O Progresso, deixaram transparecer vários conflitos e
carregaram de intencionalidades seus discursos, foram utilizados pelos grupos políticos para
defenderem suas decisões e seus interesses. Essa imprensa, também fez uso das relações
175
políticas, com fins de garantir privilégios, manter e fortalecer seu status, ora os periódicos se
aliaram a políticos da Arena, ora ao MDB, dependendo, somente, da situação de conflito
vivenciada. O Progresso foi mais maleável desde o início de 1977 às proposituras feitas por
integrantes do MDB, mas revelou-se defensor dos interesses da Ala Autêntica da Arena
quando o conflito acerca da divisão do estado se intensificou. Já, O Correio do Estado se
mostrou militante da Ala Independente da Arena, passando a aderir a alguns políticos do
MDB quando estes advogaram a favor da divisão do estado. A intenção foi homogeneizar as
ações e os pensamentos sociais de acordo com seus interesses no contexto divisionista.
No ano de 1977, o maior mote de disputa entre os políticos foi a divisão do estado de
Mato Grosso e criação de Mato Grosso do Sul, entretanto, somou-se à luta entre os políticos
de Campo Grande e de Dourados a instalação da Faculdade de Agronomia. O interesse nesse
“aporte” era auxiliar na construção de um enredo favorável da história política, elaborando no
imaginário social um rol de conquistas e de proveitosos benefícios, que demonstrariam o
poder político no jogo de forças, com objetivo final de construção da melhor versão de
Capital para o novo estado. Observou-se a aliança entre os políticos locais e a mídia, e seus
alinhamentos discursivos, a imprensa local foi tendenciosa e propagou as vozes de alguns
políticos demonstrando seu interesse em formar no imaginário político-social considerações
válidas e positivas sobre o divisionismo.
Houve muitas dúvidas e expectativas acerca da divisão, porquanto as ações militares
eram mantidas em sigilo e não eram compartilhadas com a sociedade civil, com os políticos
ou com a imprensa. Entre os aspectos da política de distensão, programa de medidas de
liberalização cuidadosamente controladas, que resultaram da democracia relativa promovida
pelo governo federal, estava o Pacote de Abril que fez parte do contexto divisionista. O
presidente intencionava promover um sucessor eleito pela nova composição do colégio
eleitoral e a redistribuição territorial no país resultaria no acréscimo de cadeiras para a
bancada arenista e auxiliaria na autorreforma do regime militar, impulsionada por Geisel.
A notícia oficial, de 4 de maio de 1977, sobre o interesse da presidência da república
em criar um novo estado na região sul de Mato Grosso, chamado Estado de Campo Grande,
que elencava a cidade de mesmo nome como possível capital, provocou intenso conflito
veiculado nos jornais. No Correio do Estado afirmou-se a irrelevância em relação à
denominação, já no O Progresso combateu-se intensamente a questão, em face da forte
representação simbólica que promoveria somente uma cidade da região sul. Foi mencionada a
176
subjugação de Dourados à Campo Grande, a imposição desta àquela e a força econômica da
primeira usurpada pela segunda. O episódio desvelou as tensões, as lutas políticas e
econômicas entre as duas cidades e o temor dos políticos douradenses de ficarem à margem
do poder local. Os ânimos só foram arrefecidos devido às incógnitas que permeavam o
assunto da divisão de Mato Grosso, já que os estudos realizados pelo governo federal eram
confidenciais e o anteprojeto de lei ainda não havia sido criado. Bem como, pela possibilidade
de Dourados figurar como capital do novo estado, que significaria receber recursos
financeiros, promover prosperidade e desenvolvimento para a região e garantir supremacia
política. Motivo que levou o jornal douradense aliar-se ao governador Garcia Neto, por
consequência de sua relação com Geisel, seu posicionamento apreciativo a Dourados e sua
oposição a Pedro Pedrossian.
O jornal Correio do Estado, além de promover campanha divisionista e pleitear
Campo Grande como capital, defendeu efusivamente o nome de Pedro Pedrossian para ser o
primeiro a governar Mato Grosso do Sul, aliado a Italívio Coelho, Levy Dias, Marcelo
Miranda e José Elias, pertencentes a Ala Independente da Arena. Já, O Progresso manifestou-
se oposicionista a Pedrossian, juntamente com os vereadores douradenses, o deputado
estadual José Fragelli, o senador Antonio Mendes Canale e o governador Garcia Neto,
participantes da Ala Autêntica da Arena. Os periódicos registraram em suas páginas as suas
convicções políticas, os seus interesses pelo divisionismo, e as críticas a todos os que não
compartilhavam igualmente de seus posicionamentos. Confirmando que a disputa por
representação no contexto divisionista não se restringiu ao antagonismo norte e sul, não foi
consensual, nem obedeceu aos princípios do bipartidarismo, como também não foi uma causa
defendida pelos partidos Arena ou MDB, mas por alguns políticos pertencentes a essas
agremiações.
O Correio do Estado praticava uma oposição dualista a Cuiabá, capital do estado uno,
e a Dourados, que almejava ser capital do novo estado, pois não pretendia perder seu espaço
junto ao poder político. Nesse embate promoveu duas festividades em Campo Grande, uma
reportada em 4 de maio de 1977, para comemorar a decisão de Geisel em transformar Campo
Grande em capital e atribuir o nome da cidade ao novo estado. E, em 11 de outubro, dia da
assinatura da lei complementar Nº 35 que dividiu Mato Grosso e criou Mato Grosso do Sul. O
objetivo foi construir e forjar uma comemoração, instituir uma data a ser lembrada e
177
rememorada, que refletisse o poder e a influência de criar uma história reveladora de sua
importância na divisão, com pretensões comemorativas e pedagógicas.
A organização do evento festivo expôs a aliança existente entre o grupo midiático de
José Barbosa Rodrigues (jornal Correio do Estado e a Rádio Cultura) e os políticos locais,
como o prefeito Marcelo Miranda e os vereadores campo-grandenses, uma vez que foram
mobilizados recursos públicos e privados, a fim de promover a “grandiosa manifestação
pública”. Outras táticas para enaltecer a divisão foram a sugestão de uma estátua em
homenagem a Geisel e um distrito de Campo Grande que recebesse seu nome. Ainda, no bojo
das simbologias criadas para engrandecer o acontecimento, o voo da Viação Aérea de São
Paulo (VASP), que levou os políticos locais a Brasília, recebeu o nome de Mato Grosso do
Sul, e a aeronave disponibilizada foi nomeada como o Boeing da Divisão.
A estratégia principal do jornal foi a representação das comemorações por meio de
fotografias, utilizando-as para “comprovar” que a população foi simpatizante de todo o
processo e favorável aos atos políticos e midiáticos que nortearam a divisão de Mato Grosso e
criação de Mato Grosso do Sul. Sob um discurso de verdade, a manifestação foi teatralizada,
com interesses políticos definidos e específicos, a cargo de quem estava no poder. As imagens
foram selecionadas conforme o interesse do periódico, não existindo nelas verdade absoluta,
nem mesmo uma realidade total. As fotografias ambicionaram transmitir uma ideia de que
houve desejos e anseios coletivos dos atos individualizados, no entanto, foram elaboradas
para uma situação de consumo e mostraram-se impregnadas de tensões sociais.
A finalidade desse trabalho foi contribuir com os estudos acerca da criação de Mato
Grosso do Sul, sobre o divisionismo e sobre a participação da imprensa. A pesquisa não é
conclusiva e abre novas perspectivas acerca do tema, tais como os posicionamentos dos
políticos e das mídias de outras localidades, também polos políticos e econômicos, como
Corumbá, Três Lagoas e Ponta Porã.
178
APÊNDICE
Cronologia dos fatos relacionados à divisão do estado de Mato Grosso e criação de
Mato Grosso do Sul, divulgados nos jornais O Progresso e Correio do Estado, em 1977.
Data Acontecimento
8 de fevereiro Apresentou a cisão da Arena em Ala Autêntica e Ala independente da
qual Pedro Pedrossian fazia parte. Notória parceria desta com o Correio
do Estado.
14 de março Início da campanha pró-divisionismo no Correio do Estado.
24 de março Garcia Neto se pronunciou contrário à divisão do estado.
30 de março Início das disputas pela implantação da Faculdade de Agronomia
Março e Abril Silenciamento do O Progresso sobre as intencionalidades do governo
federal em dividir o estado de Mato Grosso, publicando uma única
reportagem a respeito, no dia 27 de abril.
1 de abril Reativação da Liga Sul-mato-grossense com participação de José
Barbosa Rodrigues, proprietário do Correio do Estado.
7 de abril Primeiras notícias acerca das medidas adotas por Geisel, que
culminariam no Pacote de Abril outorgado em 13 de abril de 1977.
19 de abril Correio do Estado intensificou a presença dos políticos em suas
reportagens e fortaleceu o círculo de apoiadores da causa divisionista,
com o deputado Sérgio Cruz do MDB, por exemplo.
26 de abril Início das defesas do O Progresso a Garcia Neto e primeira notícia sobre
o interesse dos políticos locais na indicação de Dourados para capital do
futuro estado.
4 de maio Nota oficial que informava o interesse do governo federal em dividir
Mato Grosso, com determinação ao Ministério da Justiça para instituir
um grupo interministerial, a fim de preparar o projeto de Lei
Complementar. Nomeou a nova unidade federativa de Estado de Campo
Grande.
Primeira manifestação organizada pelo Correio do Estado e atribuição
de “ação organizada e histórica” ao divisionismo.
Declaração do ministro do interior Rangel Reis, responsável pelos
estudos acerca da divisão de Mato Grosso, enunciando sobre as
sugestões de Dourados ou Maracaju sediarem a capital do novo estado.
Apoio de Garcia Neto à divisão em razão da decisão presidencial.
4 a 27 de maio Campanha promovida pelo O Progresso, em conjunto com os políticos
douradenses para a reconsideração do nome dado ao novo estado pelo
179
governo federal.
17 de maio O Progresso elencou o nome de possíveis futuros governadores para o
novo estado se opondo a Pedro Pedrossian.
22 de maio Correio do Estado iniciou sua campanha a favor de Pedro Pedrossian
para assumir o governo da futura unidade federativa.
1 de junho Publicação do Correio do Estado destacando a provisoriedade na
escolha da capital Campo Grande, para o novo estado, por parte do
governo federal.
9 de junho O Progresso relacionou a implantação da Faculdade de Agronomia com
a divisão do estado de Mato Grosso, colocando as duas questões no
mesmo bojo dos conflitos políticos.
18 de junho Garcia se posicionou favorável à sede da Faculdade de Agronomia ser
em Dourados
26 de julho Informação, extraoficial e não definitiva, do governo federal em dar o
nome da nova unidade da federação de Mato Grosso do Sul, noticiada
no O Progresso e no Correio do Estado que passaram a usar essa
denominação em suas reportagens.
25 de agosto Envio do anteprojeto da Lei Complementar para o Congresso Nacional a
fim de que fosse discutido. Divulgação do nome do novo estado como
Mato Grosso do Sul relatado por Garcia Neto. E a escolha definitiva do
governo federal em estabelecer Campo Grande como futura capital
15 de setembro Aprovação pelo Congresso Nacional, do projeto de lei complementar,
sobre a divisão de Mato Grosso e criação de Mato Grosso do Sul com
capital em Campo Grande.
11 de outubro Assinatura da lei complementar Nº 35 pelo presidente Ernesto Geisel.
Organização dos festejos comemorativos pelo grupo midiático de José
Barbosa Rodrigues (jornal Correio do Estado e Rádio Cultura) em
conjunto com a administração pública municipal.
180
ANEXO I
181
ANEXO II
182
ANEXO III
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ANEXO IV
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Entrevista
HIGA, Roberto: depoimento [14 mar. 2015]. Entrevistadora: Vera Lucia Furlanetto. Campo Grande, 2015.
Arquivo de áudio digital. Entrevista concedida no âmbito do projeto de Trabalho de Conclusão de Curso
desenvolvido por Vera Lucia Furlanetto junto à Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul.