ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · web viewtem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um...

23
Direito Tributário Ricardo Lodi __________________________________________________________________ ______________________ Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2001. IMUNIDADES É a não incidência qualificada pela Constituição ( ou não incidência constitucionalmente qualificada). Antes de qualquer coisa, é preciso que se faça a distinção entre imunidades e outros dois institutos que guardam semelhança do ponto de vista prático com a imunidade, mas que com ela não se podem confundir: isenção e não incidência em sentido estrito. Outro fenômeno que guarda alguma semelhança com a imunidade é o da alíquota zero, mas este não faz parte dessa família de não incidência, é como um primo distante. Assim: NÃO INCIDÊNCIA - Imunidade - Isenção - Não incidência sctricto sensu Nesses 3 casos, não ocorre a incidência, não ocorre o fato gerador, não há tributo. 1

Upload: hoangnguyet

Post on 23-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2001.

IMUNIDADES

É a não incidência qualificada pela Constituição ( ou não incidência constitucionalmente qualificada).

Antes de qualquer coisa, é preciso que se faça a distinção entre imunidades e outros dois institutos que guardam semelhança do ponto de vista prático com a imunidade, mas que com ela não se podem confundir: isenção e não incidência em sentido estrito. Outro fenômeno que guarda alguma semelhança com a imunidade é o da alíquota zero, mas este não faz parte dessa família de não incidência, é como um primo distante.

Assim:NÃO INCIDÊNCIA- Imunidade- Isenção- Não incidência sctricto sensu

Nesses 3 casos, não ocorre a incidência, não ocorre o fato gerador, não há tributo.

Vamos diferenciá-los a partir da regra, da lei de incidência. Pex: IPTU – Art. 1º: “Possuir propriedade imobiliária dentro da zona urbana do município”. O artigo seguinte diz: “São isentos os imóveis rurais” – X

1

IPTU

Page 2: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

(X)- imóveis rurais A regra de incidência está dentro do quadrado e os imóveis rurais estão fora. Esse fenômeno é o da não incidência, porque os imóveis rurais estão fora da regra de incidência. Essa não incidência não é qualificada por qualquer diploma legal, ela é vasta. Art. 3º: “Não incidirá sobre os templos de qualquer culto.” – Esse fenômeno é o da imunidade porque o templo é imóvel urbano, está dentro da regra de incidência, mas uma norma impede a incidência. Há uma antinomia entre uma norma que diz que não incide e outra que diz que incide. Essa antinomia vai se resolver pelo critério da hierarquia, porque essa norma que diz que não incide , é norma constitucional. Então se tem uma norma constitucional dizendo que não incide imposto sobre templo e uma norma infra-constitucional dizendo que cabe imposto sobre todos os imóveis, prevalecerá a norma constitucional. A CRFB impede que o fato se subsuma na norma. Aplica-se o dispositivo constitucional e deixa-se de aplicar o dispositivo legal que determina a incidência. Embora seja imóvel urbano localizado naquele município, não haverá incidência sobre o templo. Art. 4: “ São imunes os ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira”. Esse fenômeno é o da isenção (apesar da expressão “imunes”, que mostra que a norma freqüentemente dá o nomen iuris errado, mas ele não importa). O imóvel do ex-combatente está dentro do quadrado também, mas uma outra norma impede a incidência. Só que esta outra norma é da mesma hierarquia da lei da incidência. Essa antinomia se resolverá pela especialidade: vai se aplicar a norma da isenção em detrimento da norma de incidência. A norma de isenção é especial, trata daquele imóvel. A norma de incidência é a norma geral de todos os imóveis. Essa antinomia vai se resolver pela prevalência naquele caso concreto da lei de isenção e não da lei de incidência.

2

Page 3: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

Ao contrário do que se pensava há alguns anos, na isenção não ocorre o fato gerador. Na isenção não há incidência, não há tributo, assim como ocorre na imunidade e na não incidência propriamente dita. A diferença é como surge cada um desses fenômenos. A imunidade é qualificada pela Constituição. A isenção é qualificada pela lei. E a não incidência não precisa de nenhuma norma para qualificá-la, ela é fática. Ao contrário dos demais fenômenos, o fato não subsome na norma. Na isenção e na imunidade, em tese o fato se subsumiria na norma, mas uma outra norma, ressalva aquela pessoa ou aquele fato ou aquele bem. Essa outra norma pode ser a Constituição ou pode ser uma outra lei.

Assim, a diferença entre imunidade e isenção é a lei: a imunidade está na Constituição e a isenção está na lei.

Naquele art. 2º, onde diz “são isentos os imóveis localizados na zona rural” - é uma não incidência em sentido estrito. Mas porque está na lei, então? A não incidência não precisa estar na lei, não é qualificada pela lei. Caso seja revogado esse art. 2º não acontece nada, ele tem fins meramente didáticos. Se for revogado, a incidência sobre imóveis rurais não vai surgir1. É o que costuma chamar de não incidência legal ou isenção imprópria. É não incidência legal, pois está na lei, mas não é qualificada pela lei. A não incidência qualificada pela lei é isenção. Então não se deve confundir não incidência legal com não incidência legalmente qualificada. A não incidência legalmente qualificada é isenção, que precisa da lei para existir. Não incidência legal é que está na lei apenas para fins didáticos, que também é chamada de isenção imprópria. É imprópria porque, na verdade, não está isentando nada. A não incidência deriva do fato não se enquadrar na norma, por isso que é imprópria.

1 É um bom teste para se fazer: na hora da dúvida, revogar mentalmente o dispositivo legal. Se a incidência voltar, é porque aquilo era uma isenção. Se ela não voltar, é porque era uma não incidência ,que estava expressa na lei por uma questão de interpretação autêntica, mas que em nada contribuía para afastar a incidência.

3

Page 4: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

Durante muito tempo no Brasil, a doutrina majoritária defendeu que a isenção era dispensa legal do pagamento do tributo. Segundo essa corrente, defendida ardorosamente por Rubens Gomes de Sousa, da qual também faziam parte Balieiro e Falcão, na isenção o fato gerador ocorre, mas a lei dispensa o pagamento. Mas que lei é essa que nasce para não produzir qualquer efeito, já surgindo natimorta, contrariando o princípio da economia dos meios jurídicos? Não existe motivo para a lei surgir se não será eficaz. Hoje predomina a tese do Professor Souto M. Borges que diz que a isenção é a não incidência legalmente qualificada. O fato gerador não surge porque se tem a aplicação de uma lei especial, que é a lei de isenção, que afasta, naquele caso concreto, a aplicabilidade da outra. Então a diferença entre isenção e imunidade é quanto ao veículo, que é a lei.

Já ocorre de forma diferente na alíquota zero, onde há incidência, apenas o elemento quantitativo é zero. Não tem que pagar porque a alíquota é zero, mas ocorre o fato gerador. A qualquer momento a alíquota pode ser elevada para 1, para 2, para 3.... Esse fenômeno da alíquota zero geralmente se verifica nos impostos extrafiscais, onde o Presidente da República pode mudar alíquota a qualquer tempo. Se a alíquota zero se traduzisse em isenção, como querem alguns, isso não seria possível, o Presidente não poderia fazer isso, porque ele não pode modificar isenções. Inclusive o STF já disse também que alíquota zero não é isenção, podendo haver modificação pelo Poder Executivo na alíquota zero e não na isenção.

Não podemos ficar só nessa visão normativa da imunidade. A imunidade, na verdade, é algo que deriva dos direitos fundamentais, especialmente da liberdade, no caso liberdade do cidadão contra a tributação. Ricardo Lobo Torres chega a dizer que só é imunidade mesmo aquilo que deriva dos direitos fundamentais. Mas vamos encontrar na CRFB algumas imunidades que, na verdade, não derivam

4

Page 5: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

dos direitos fundamentais. Por exemplo: quando a CRFB diz que a exportação de produto industrializado é imune de IPI: isso não é um direito fundamental. Apenas o legislador constituinte resolveu, naquele momento histórico, desonerar as exportações. Pode ser que daqui a alguns anos, haja uma emenda e introduza a possibilidade de tributar. Ricardo Lobo Torres diz que se não é direito fundamental, não é imunidade. Seria uma nova categoria: não incidência constitucional, mas não é uma imunidade. Para ele, toda imunidade é uma não incidência constitucional, mas nem toda não incidência constitucional é uma imunidade. Aurélio Seixas Filho concorda com isso e denomina esse fenômeno de isenção constitucional, o que parece uma contradição em termos. Seria “isenção” porque não deriva de atos fundamentais e “constitucional” porque deriva da Constituição. Para Ricardo Lodi, não há muito com que se preocupar em chamar isso de imunidade, desde que tenhamos clareza para enxergar que nem toda imunidade é uma cláusula pétria. Cláusulas pétrias são os direitos individuais, ou para outros, os direitos fundamentais, e não as imunidades. Nem toda imunidade é uma cláusula pétria. A imunidade só vai ser cláusula pétria quando se basear em um direito fundamental. Não tem cláusula pétria para IPI na exportação.

Ricardo Lobo Torres vai mais longe e diz que as verdadeiras imunidades sequer precisam estar na CRFB, porque elas preexistem à Constituição, são inerentes à liberdade do ser humano. É o que se chamaria de imunidade implícita. Aurélio S. Filho exemplifica como imunidade implícita a imunidade dos consulados. Segundo ele, teríamos aí falta de capacidade contributiva do Estado, estrangeiro ou não. Na verdade, consulado não tem imunidade tributária e sim imunidade de jurisdição. Teria que pagar o tributo, o que não pode é ser executado. Imunidade implícita é um pouco complicado porque como saber, então, qual é a imunidade e qual não é. Seria um direito fundamental que é

5

Page 6: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

plenamente tributável. A propriedade é um direito fundamental e é, por natureza, objeto da tributação. Há uma insegurança em se saber, se afirmar o que é imune e o que não é. Ricardo Lobo Torres exemplifica como imunidade implícita o mínimo existencial. Para Ricardo Lodi, o mínimo existencial2 não é uma imunidade e sim ausência de capacidade contributiva. As imunidades não se vinculam necessariamente na capacidade contributiva e sim se vinculam com a liberdade, ao contrário das isenções. As isenções que se baseiam ou na capacidade contributiva ou na extrafiscalidade. Quando se isenta o partido político, o sindicato, o templo, não se está pesquisando se há capacidade contributiva ou não e sim se está garantindo a liberdade do cidadão, como a liberdade religiosa, liberdade política, liberdade sindical. O fundamento é outro. Na imunidade, não se preocupa com a capacidade contributiva.

Imunidade genérica é aquela que ser aplica a todos os impostos.

Imunidade específica é aquela que só se aplica a impostos específicos, que só estudaremos quando estudarmos os impostos específicos.

IMUNIDADE DE IMPOSTOS (ART. 150, VI CRFB)A imunidade do art. 150, VI é de impostos, não se aplicam a

outros tributos, como diz o Hugo de Brito Machado. Então não se aplicam a taxas, a contribuições de melhoria, a empréstimos compulsórios nem a contribuições parafiscais, ainda que estas últimas possuam fato gerador de imposto.

A) RECÍPROCA;2 Mínimo existencial é a parcela necessária e imprescindível para a manutenção da vida do ser humano, proveniente do princípio da dignidade da pessoa humana. Por exemplo, o IR tem isenção até R$ 900,00. O fundamento dessa isenção é o mínimo existencial.

6

Page 7: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

B) TEMPLOS;C) PARTIDOS POLÍTICOS, SINDICATO DOS TRABALHADORES,

ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E ENTIDADES EDUCACIONAIS, AMBAS SEM FINS LUCRATIVOS QUE CUMPRAM OS REQUISITOS PREVISTOS EM LEI;

D) LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E PAPEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO.

O fundamento das imunidades é a liberdade, com exceção da assistência social e educacional, onde o objetivo é o fomento da atividade de interesse público, que são prestadas pelo Estado e, paralelamente por entidades privadas. O objetivo dessa imunidade é fazer com que essas entidades cresçam e prestem cada vez mais serviços, juntamente com o Estado. Já que elas estão ajudando o Estado a prestar o serviço público, não tem muito sentido diminuir essa prestação para recolher imposto para o Estado. Já nos outros casos todos, é a liberdade que vai justificar. Na alínea a, é a liberdade do cidadão enquanto integrante de uma federação, ou seja, liberdade de federação. Na alínea b, é a liberdade religiosa. Na alínea c, é a liberdade política, liberdade sindical. Na alínea d, é a liberdade à imprensa escrita e não fomento à cultura, como dizem por aí. É imprensa escrita, não engloba rádio, televisão...

Nas 3 primeiras alíneas, temos, segundo a doutrina, imunidade subjetiva. Na letra d, é imunidade objetiva. Imunidade subjetiva é aquela que se vincula ao contribuinte, o sujeito, é imune porque é ele. A imunidade objetiva se prende ao fato gerador. Não importa quem é o contribuinte, não praticou aquele fato, é imune, pois aquele fato não será gerador. Para Ricardo Lodi, a imunidade dos templos é objetiva também, porque ela não beneficia a igreja, a pessoa, ela beneficia o templo. Mas isso é uma opinião só dele.

7

Page 8: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

As imunidades subjetivas, como se vinculam ao contribuinte, não vão se aplicar quando o imune for contribuinte de fato, pois este não é contribuinte. Ex.: o sindicato vai comprar uma mesa. Ele não vai pagar menos por essa mesa. Quando o imune for contribuinte de fato, não há imunidade. Quando for contribuinte de direito, ou seja, quando o sindicato ou partido vende uma camiseta com nome do sindicato ou com o nome do candidato, a imunidade, para Ricardo Lodi, persiste. Para o STF, a imunidade não persiste, pois não teria sentido manter essa imunidade, nos impostos indiretos, uma vez que quem suportaria o encargo financeiro é um terceiro, que não tem imunidade. Para Ricardo Lodi, uma tese é excludente da outra. Ou bem ele é imune sendo contribuinte de fato, ou bem ele é imune sendo contribuinte de direito. O que não se pode fazer é inverter de acordo com o caso concreto. Para Lodi, o contribuinte de direito, nos impostos indiretos, goza de imunidade justamente para que o produto seja vendido de forma barata. O STF nunca disse isso expressamente, mas diz que não se aplica quando o contribuinte for de fato nem também quando for de direito, nunca vai se aplicar aos impostos indiretos. Dentro dessa linha adotada pelo STF, a imunidade subjetiva não se aplica aos impostos indiretos3.

A imunidade objetiva não se prende ao contribuinte. A editora vai pagar todos os seus tributos – IR, COFINS, PIS - porque são fatos geradores que em nada tem a ver com as operações com livros, periódicos e papel. O que é imune não é o contribuinte e sim o livro. A operação com o livro será imune. Mas, se essa operação está gerando lucro, renda, é outra história e o contribuinte será tributado. Então na imunidade objetiva, como não interessa quem são os contribuintes, pode-se aplicá-la aos impostos indiretos. Quando qualquer pessoa, qualquer livraria vende um livro, não incide ICMS. Quando qualquer pessoa importa um livro, não incide IPI.

3 Os impostos indiretos, do ponto de vista jurídico, são: ICMS, IPI.

8

Page 9: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

ESPÉCIES DE IMUNIDADES:

1) IMUNIDADE RECÍPROCA (ART. 150, VI, a CRFB)

Imunidade recíproca surge da construção jurisprudencial da Suprema Corte Norte-Americana, da decisão onde o Juiz Marshall proferiu aquela famosa frase, “o poder de tributar é o poder de destruir”. Depois o Juiz Holmes disse : “o poder de tributar é o poder de destruir quando não mais existir essa Suprema Corte”, ou seja, havendo possibilidade de medida judiciária, o poder de tributar não é poder de destruir. Mas naquela ocasião, partindo da primeira afirmação, o Juiz Marshall disse que se assim é, não é possível que a população de um Estado norte-americano possa destruir o Estado (...?...) Ou seja, a vontade dos, pex, californianos, através da aprovação de uma lei estadual, não pode onerar o bolso do cidadão norte-americano, pois se a Califórnia tributasse a União, seria a vontade de uma parcela do povo dos EUA se sobrepondo aos interesses de todo o povo americano. Então tudo começou assim: afastando a aplicabilidade de um imposto estadual sobre o patrimônio da União. A imunidade recíproca não está escrita na Constituição dos EUA. A Constituição dos EUA é uma Constituição jurisprudencial. Só que, a partir dessa decisão , a jurisprudência foi evoluindo para abarcar também as rendas da União e os seus serviços. E em um terceiro momento, estabeleceu-se a reciprocidade, através da qual também a União não pode tributar um Estado, dando a configuração atual: a imunidade recíproca impede que a União, Estados e Municípios se tributem. A nossa versão foi dada por Rui Barbosa, na Constituinte de 1891. Então, quando a CRFB/88 diz , em seu art. 150, VI, a, “patrimônio, renda e serviços uns dos outros”, não é no sentido de restringir a imunidade e sim de ampliar, pois , se analisarmos a

9

Page 10: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

história, antes era só para patrimônio. Já houve tentativa de utilizar essa denominação “patrimônio, renda e serviços” no sentido de restringir a imunidade só para os impostos que diretamente incidissem sobre patrimônio, renda e serviço. Mas o intuito é o contrário, é para dizer que não é só do patrimônio, é ampla. Na época do Collor, a União tentou cobrar IOF dos Municípios4 e a alegação da União era que IOF não incide sobre patrimônio, renda e serviços, mas sim sobre operações financeiras. E STF disse que essa cláusula não é para restringir, e sim para ampliar. A imunidade é para todos os impostos, pois todos eles, direta ou indiretamente, incidem sobre patrimônio, renda e serviços. Quando o Município coloca seu dinheiro no banco, na verdade o que ele está colocando são as suas rendas. Se tributar isso, vai se estar violando a regra, só que indiretamente. Segundo o STF, não se pode restringir a amplitude da imunidade constitucional por conta de uma classificação econômica infra-constitucional.

A imunidade se aplica a todos os impostos. A imunidade incide sobre todos os impostos, não pode restringir a amplitude da norma constitucional.

Art. 150, §2º: A imunidade recíproca se aplica, não só à União, aos Estados e aos Municípios, como também às autarquias e às fundações públicas. Não se aplica às empresas públicas e sociedades de economia mista.

Só é imunidade recíproca quando a entidade pública está exercendo funções institucionais. Se o INSS resolver vender picolé na praia, vai pagar imposto. É o que está claro no:

§3º: A CRFB, no título da Ordem Econômica, determina, no art. 173, que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

4 Isso já caiu em prova 4 vezes: na PFN, OAB, AGU, PGR (“A União pode cobrar IOF dos Municípios?”)

10

Page 11: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

e quando assim for, não há benefícios fiscais. Quando o Estado, excepcionalmente, desempenhar atividade econômica, ele tem que ser tratado com igualdades de condições com o concorrente. Essa é a primeira ressalva à imunidade recíproca do §3º. São 3 as ressalvas, que estão no §3º do art. 150 da CRFB. A primeira foi essa, que quando explorar atividade econômica em regime de economia privada. A segunda ressalva, que é conseqüência da primeira, é quando o Estado cobrar preço ou tarifa pelo serviço público. Mas, se cobrar taxa, mantém-se a imunidade. A terceira ressalva é feita para uma situação bem específica, que era objeto de soluções dadas pelo STF no passado e que não eram desejadas. Antigamente, quando o sujeito prometia comprar um imóvel público, fazia promessa de comprar e venda para adquirir um imóvel, pex, da União. O sujeito se esquivava de pagar IR alegando que o bem era público, continuava sendo público, porque ele não havia comprado ainda, só prometido. Se o bem continuava sendo da União, sobre ele não incidia imposto, então não se pagava ITBI. Ora, mas isso era absurdo, pois a imunidade não visa beneficiar o particular, e sim visa beneficiar o Estado. Agora o constituinte deixou claro no §3º - e essa é a 3ª ressalva - que a imunidade não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto. No passado, o STF entendia que, por ser ainda público o imóvel, não incidia o imposto de transmissão, dada a imunidade.

11

Page 12: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

2) ART. 150, VI, b: TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

Cuidado para não confundir imunidade de templos com imunidade religiosa, que não existe. A imunidade dos templos é subjetiva. Ricardo Lodi acha que é objetiva. A igreja vai pagar impostos sobre tudo. Se tiver rádio, televisão, escritório, paga sobre tudo, pelo menos do ponto de vista da imunidade. Se o Município quiser dar isenção, é uma outra história. Só tem imunidade sobre o templo, sobre o culto. Essa imunidade surge com a Constituição de 1891. No tempo do Império, o Brasil tinha como religião oficial a religião católica apostólica romana, estava na Constituição Imperial isso. Com a Proclamação da República, há a separação do Estado e da Igreja, o Estado não tem religião oficial e compromete-se a assegurar a prática de todas as religiões, sem que vá fomentar qualquer delas. A imunidade não é para a religião crescer, o Estado não tem que incentivar a religião. O Estado tem que respeitar todas as religiões, assegurar que cada um possa praticar o seu culto. Misturar Estado com Igreja não dá certo, temos visto aí em que proporções isso pode chegar.

Então qual seria a extensão dessa imunidade? Seria o IPTU do templo, eventualmente o ITBI, desde que no momento da transmissão já seja um templo (uma igreja vende para outra) e, se conseguirmos vislumbrar, as atividades inerentes ao culto, como a famosa “sacolinha” que passa, que, em tese, poderia ser tributada, não fosse a imunidade, pois seria um ITD, doação, só que sendo inerente ao culto, está imune. Fora disso, tem que pagar imposto. As mercadorias que se vende dentro da igreja -> tem que pagar imposto. A imunidade é só para o templo. Templo é o local habitualmente destinado à prática do culto. Pode ser uma sala como a nossa sala de aula, um estabelecimento comercial, mas a imunidade vai estar restrita só ao espaço onde templo é realizado. É claro que, se eu tenho uma igreja e, ao lado da sacristia, o

12

Page 13: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

padre dorme, não tem porque retirar esse pedacinho onde o ele dorme para tributar. É uma extensão do templo. Mas se o padre mora em outro imóvel, não tem porque ter imunidade. Se o terreiro funciona nos fundos da casa do babalorixá, temos que verificar o seguinte: é um imóvel só? É uma inscrição só? Então é imune. Convento não é imune, pois convento não é templo, é residência. Pode ser até que no convento tenha uma igreja e aí só ela será imune. Eu tenho uma fazenda de 20 mil hectares e tenho uma capelinha nesta fazenda para batizar os colonos, um padre vem uma vez por ano para casar todo mundo e vai embora -> não será imune. É uma questão de verificar o que é que prevalece. Como foi dito, templo é o lugar onde se habitualmente realiza o culto. De vez em quando, o Bispo Macedo aluga o Maracanã para fazer um culto. O Maracanã é imune, mas não por isso. É imune porque é estadual. Mas o Morumbi, pex, é propriedade particular do São Paulo Futebol Clube. Se fizerem um culto da Igreja Universal lá, vai pagar porque não há habitualidade. Se eu pego um trailler e viajo o país fazendo missa de vilarejo em vilarejo, há habitualidade, não precisa ser um Imóvel, pode ser Móvel, não pagaria, no caso, o IPVA. Mas todas as outras atividades da igreja serão tributadas. Pode ser qualquer seita, todas. Mesmo que todos sabem que o religioso é, na verdade um picareta, é imune. Não interessa, para quem acredita, a coisa é séria. Não há como o Estado dar a imunidade para um e não dar para outro. Basta que tenha os fiéis, o lugar, o sacerdote que já é religião. Mas não teria que estar cadastrado como imune? Tem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico as atividades religiosas. Eu recebo o IPTU, mas não pago, pois sou imune. Aí eu recebo uma notificação do Cartório da Dívida Ativa e vem um oficial de justiça me dar a citação para uma execução fiscal, vai haver penhora do imóvel. O advogado vai embargar, alegando que o imóvel é imune. Vai ser procedente essa alegação? Ou

13

Page 14: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

porque eu não fiz o registro, não vou ter o direito, só depois que eu fizer que vai ser imune? O registro é constitutivo ou declaratório? A imunidade se traduz na ausência de competência para tributar. A CRFB, ao repartir a competência, excepcionou algumas pessoas e alguns fatos. O Município não tem competência para tributar um templo. Essa competência surgirá pelo descumprimento da obrigação acessória de se registrar. Vai pagar multa, porque não se registrou, obrigando o Estado a movimentar toda a sua máquina, afinal de contas houve lançamento, houve inscrição, houve ajuizamento, houve penhora, movimentando a máquina estatal, então a legislação tributária poderá dar um prazo para exigir a multa pelo descumprimento da obrigação de registrar. Mas aí não surge a possibilidade de tributar, porque é a própria ausência de competência tributária que se revela na imunidade, ao contrário da isenção condicionada. Esta depende do requerimento do interessado. O despacho da autoridade administrativa que concede a isenção condicionada tem efeito constitutivo. Já na imunidade, tudo é declaratório, devido a ausência de competência tributária, o Estado não pode tributar, ainda que o contribuinte não tenha se cadastrado.

3) ART. 150, VI, c

“Sem fins lucrativos e atendidos os requisitos da lei”: esses requisitos se aplicam às entidades de assistência social e às entidades educacionais e não aos partidos e sindicatos.

Partido político e suas fundações: garantia de liberdade multi-partidária. Se o governo municipal, pex, pudesse tributar os partidos, isso seria utilizado como instrumento de perseguição à oposição. Os partidos de oposição iriam ser fiscalizados com muito mais rigor do que o partido de direita. Então, não tem tributação. Engloba-se

14

Page 15: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

as fundações porque, geralmente, as atividades econômicas são realizadas pelas fundações e não pelo partido em si.

É preciso ter representante no Parlamento para ter imunidade? Para, pex, entrar com ADIn, precisa, mas para ter imunidade, não. Basta ser partido e para ser partido, basta ter registro no TRE. Não precisa ter voto. Tendo registro, partido é e por isso será imune.

Sindicato DE TRABALHADORES: não é para sindicato de patrão. Sindicato de servidor também é trabalhador, então também tem imunidade. A imunidade não é somente para trabalhador celetista, é para trabalhador em geral. Aposentado também é trabalhador, que já trabalhou tudo o que tinha para trabalhar. Dentro da dicotomia “capital - trabalho”, quando se fala em “trabalhador”, é para excluir sindicato de empresa. Então sindicato de aposentado é imune também, assim como sindicato de desempregado o é. Só excluem daí o sindicato patronal, aquele para defender o interesse das empresas. Ricardo Lodi fala, em caráter inédito, que aquele sindicato de empresário (se existir), para defender o interesse do empresário enquanto pessoa física, como, pex, defender o direito à aposendoria, também seria imune, porque empresário também é trabalhador. O que não é imune é o sindicato patronal, para defender o interesse das empresas. Sindicato de advogados, de profissionais liberais também é imune. Profissional liberal não é trabalhador no sentido celetista da palavra, mas também é trabalhador. Então qual seria a diferença do advogado para o empresário???

Ricardo Lobo Torres critica entidade sindical, dizendo que isso não é direito fundamental. Ele acha isso, pois não considera os direitos sociais como direito fundamental e a imunidade para o sindicato é derivada de um direito social. Há uma grande discussão sobre se direito social é um direito fundamental Direito fundamental, direitos

15

Page 16: ligacaoconcurso.files.wordpress.com  · Web viewTem, mas vamos supor que não esteja e eu tenha um terreiro de candomblé na minha casa. Eu não comunico nada a ninguém, mas pratico

Direito TributárioRicardo Lodi

________________________________________________________________________________________

humanos seria direito individual, direito social, direito político e direito econômico. Os direitos individual e político, para serem cumpridos, basta uma abstenção estatal: “não violar a propriedade”, “não interceptar telefone”, “não torturar”, “estabelecer eleições com voto direto, secreto, universal” ou seja, são inerentes à cidadania, à democracia. Os direitos sociais e econômicos: saúde, educação, férias remuneradas, salário-mínimo. Podemos ver que esses direitos dependem de recursos orçamentários, de prestações positivas do Estado. Então seriam direitos fundamentais, como fala Ricardo Lobo Torres. Ricardo Lodi acha que o assunto não se resolve nesse sentido. Para ele é direito fundamental sim, mas a interpretação é diferente. Os próprios tratados dos quais o Brasil faz parte estabelecem isso, que os direitos individuais e políticos são de cumprimento obrigatório e imediato por todos os países. Já os sociais e econômicos são de cumprimento progressivo e de acordo com a possibilidade orçamentária. Não adianta escrever na lei que saúde é direito de todos e dever do Estado, se o Estado não tem dinheiro. A questão é saber em que medida é possível o atendimento de cada um dos direitos sociais. Mas isso não retira do direito social a sua característica de fundamental, a própria CRFB assim o fez, incluindo o capítulo dos direitos sociais dentro do título dos direitos fundamentais, juntamente com os direitos individuais e políticos. Quando o STF julgou o IPMF e excluiu a imunidade, disse que tudo do inciso VI do art. 150 era cláusula pétria, inclusive o que se fala dos sindicatos. O STF equiparou, então, os direitos sociais aos direitos fundamentais.

(próxima aula: assistência social e educacional)

16