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TRANSCRIPT
Sydneysempresesentiuinvisível,jáquePeyton,seuirmãomaisvelho,eraofocodaatençãodafamília.Atéqueelecausaumacidentepordirigirbêbado,deixandoumgarotoparalítico,evaiparaaprisão.Sydneypareceseraúnicaaresponsabilizá-lo, ao contrário de seus pais, que enxergam o Gilho comovítima.Para fugir do clima insuportável em casa, certa tarde Sydney entra numapizzariaaoacaso.LáconheceLayla,Gilhadodonodorestaurante,eaamizadeentreasduasé instantânea.LogoSydney sevê contandoàgarota segredosqueninguémmaissabe,eencontraentreafamíliadelaumespaçoondetodosaenxergameaaceitamcomoé.
1
—Oréupoderiaselevantar,porfavor?Nãosetratavadeumaperguntadeverdade,emborasoassecomotal.Eu
tinhapercebidoissodesdeaprimeiravezquenosreunimoslá,nasmesmascircunstâncias. Era um comando, uma ordem. O “por favor” era só umaformalidade.Meu irmão levantou.Aomeu lado,minhamãe ficou tensaeprendeua
respiração.DojeitoquepedemparavocêinspirarantesdeumraioX,paraque consigam vermais, captar tudo.Meu pai olhava para a frente, comosempre,comumaexpressãoindecifrável.Ojuizvoltouafalar,maseunãoconseguiaprestaratenção.Emvezdisso,
olheiparaasjanelasaltas,asárvoresbalançandocomoventoláfora.Eracomeçodeagosto;asaulascomeçariamemtrêssemanas.Tinhaasensaçãode ter passado o verão inteiro exatamente naquela sala, talvez naquelamesma cadeira, mas sabia que não era o caso. O tempo simplesmentepareciapararali.Mas,nocasodepessoascomoPeyton, talvezoobjetivofossejustamenteesse.Foisóquandominhamãesoltouumgemidoeseinclinouparaagarraro
bancoda frentequepercebiqueasentençahaviasidodada.Olheiparaomeu irmão.Ele era conhecidopor sua coragem. Issonopassado, quandoéramos crianças que brincavam no bosque atrás de casa.Mas um dia osgarotosmaisvelhosodesafiaramaatravessaraqueletroncofinoquepassasobre um buraco enorme e profundo. Ele atravessou, mas suas orelhasqueimavam,vermelhas.Eletevemedo.Naquelediaenotribunal.A batida do martelo soou. Estávamos dispensados. Os advogados se
voltaramparaomeuirmão:umdelesseinclinavaparadizeralgoenquantoooutropunhaamãonascostasdele.Aspessoaslevantaramecomeçaramasairemfila.Davaparasentirosolharessobrenósenquantoeuengoliaonónagargantaemantinhaosolhosfixosnasmãossobreocolo.Aomeulado,
minhamãesoluçava.—Sydney?—chamouAmes.—Vocêestábem?Nãoconseguiresponder.Sófizquesimcomacabeça.—Vamos—meupaidisse,pondo-sedepé.Eletomouobraçodaminhamãeegesticulouparaqueeucaminhasseà
frentedelesatéondeestavamosadvogadosePeyton.—Precisoiraobanheiro—eudisse.Minhamãe, com os olhos vermelhos, só me encarou. Como se aquilo,
depois de tudo o que tinha acontecido, fosse a única coisa que ela nãopudessesuportar.—Tudobem—Amesdisse.—Euvoucomela.Meupaiassentiuedeuumtapinhanoombrodelequandopassamos.No
saguãodotribunal,vipessoasabrindoasportasesaindoparaaluzdodiadoladodefora.Desejeimaisdoquetudoserumadelas.Amesmeenvolveuemseubraçoenquantocaminhávamos.—Esperovocêaqui—dissequandochegamosaobanheirofeminino.—
Certo?Ládentro,aluzerabrilhante,impiedosa.Caminheiatéapiaemeolhei
noespelho.Rostopálido,olhosescuros,vaziosesemvida.Aportadeumadascabinesabriuatrásdemimeumameninasaiu.Era
maisoumenosdaminhaaltura, umpoucomenoremaismagra.Quandoparou ao meu lado, pude ver seu cabelo loiro enrolado numa trançabagunçada que pendia sobre um dos ombros, com alguns fios soltosemoldurandoorosto.Elausavaumvestidodeverão,botasdecaubóieumajaquetajeans.Sentiquemeobservavaquandolaveiamãoumavez,depoisduas,pegueiumatoalhaevireiparaaporta.Ao abrir, logo vi Ames encostado na parede oposta do corredor de
braçoscruzados.Quandomeviu,eleendireitouocorpoedeuumpassoàfrente.Hesitei,pareieagarota,quetambémsaía,tromboucomigo.—Ah!Perdão!—eladisse.—Não—respondi,virando.—Foi…culpaminha.Elaolhouparamimporumsegundoedepois,porcimadomeuombro,
paraAmes.Observeiseusolhosverdescontemplaremaqueleestranhoporumlongomomentoantesdevoltaremaatençãoamim.Eununcaa tinhavisto antes. Mas uma única expressão em seu rosto bastou para que eusoubesseexatamenteoqueelaestavapensando.Vocêestábem?Estavaacostumadaaser invisível.Aspessoasraramentemeviame,se
viam,nuncameolhavamdeperto.Eunãoeraradianteeencantadoracomo
meuirmão, lindaegraciosacomoaminhamãe,ouinteligenteedinâmicacomominhasamigas.Masessaéaquestão.Vocêsempreachaquequersernotada.Atésernotada.Agarotacontinuouameobservar,àesperadeumarespostaàpergunta
quenemfizeraemvozalta.Etalvezeutivesserespondido.Masentãosentiumamãonomeucotovelo.Ames.—Sidney?Estápronta?Tambémnãorespondiessapergunta.Ederepenteestávamosacaminho
do saguão, onde meus pais conversavam com os advogados. Enquantoandávamos, continuei a olhar para trás, tentando ver aquela garota,masnão consegui encontrá-la no meio da multidão agitada que se enfiavadentro do tribunal. Assim que nos desvencilhamos das pessoas, porém,olheiparatrásumaúltimavezefiqueisurpresaaoveragarotabemondeeua tinhadeixado. Seuolhar aindaestava fixo emmim, comose elanãotivessemeperdidodevistaummomentosequer.
2
Aprimeiracoisaqueseviaaoentrarnanossacasaeraumretratodomeuirmão. Estava pendurado bem na frente da grande porta de vidro, logoacimadoaparadordemadeiraedovasochinêsondemeupaideixavaosguarda-chuvas. Mas seria compreensível se um visitante jamais notasseessesoutrosobjetos.AssimquevissePeyton,nãoconseguiriatirarosolhosdele.Embora compartilhássemos os mesmos traços (cabelo escuro, pele
morena,olhos castanhosquasepretos), eleosostentavadeumamaneiracompletamentediferente.Eueracomum,meiobonitinha.MasPeyton—osegundocomessenomeemcasa,poismeupaitambémsechamavaassim— era estonteante. Já tinha ouvido o compararem com tudo, de antigosastrosdocinemaapersonagensdaficção.Eutinhacertezadeque,quandocriança,meuirmãonãosedavacontadaatençãoquerecebianasfilasdossupermercadosecorreios.Meperguntavaqualteriasidosuasensaçãoaocompreender de repente o efeito de sua aparência sobre as pessoas,especialmente as mulheres. Era como descobrir um superpoder, algoempolganteeassustadoraomesmotempo.Antes de tudo isso, porém, ele era apenasmeu irmão. Três anosmais
velho, a cama com lençóis azuis de personagens de videogame quecontrastavacomasfadasdomeulençolrosa.Eubasicamenteoidolatrava.Comopoderiaserdiferente?Eleeraoreidoverdadeoudesafio(esempreescolhia a segunda opção, naturalmente), o corredor mais rápido davizinhança, a única pessoa que conseguia ficar de pé no guidão de umabicicletaemmovimentosemperderoequilíbrio.Masseumaiortalento,paramim,eradesaparecer.Brincávamos muito de esconde-esconde quando crianças, e Peyton
levavaabrincadeiramuitoasério.Agacharatrásdaprimeiracadeiracomqueesbarrasseouescolheroóbvioquartinhodalimpeza?Coisadeamador.
Meu irmão preferia se contorcer debaixo do armário do banheiro, seesmagarcompletamentedebaixodacama,escalaroboxedochuveiroedarumjeitodesesegurarnoteto.Semprequeeupediaparamecontarseussegredos,eleapenasabriaumsorrisoedizia:“Vocêsóprecisaencontrarolugarinvisível”.Massóelepareciaenxergaresselugar.Treinávamos golpes de luta enquanto assistíamos desenhos animados
nasmanhãsde fimde semana, brigávamospara verdequemo cachorrogostavamais (adivinha?), e passávamos as horas sem atividades (futebolpara ele, ginástica para mim) depois da escola explorando a área verdeatrás da vizinhança. Era assim que eu ainda via meu irmão sempre quepensava nele: com um graveto na mão, caminhando à minha frente porentreobosquecoloridopelooutono.Mesmoquandoeuficavatensacomapossibilidade de nos perdermos, Peyton sempre mantinha a calma. Acoragemmais uma vez. Uma paisagem plana nunca o atraía. Ele sempreprecisavadealgumobstáculoparasuperar.Quandoascoisasficaramruinspara Peyton, eu desejava que ainda estivéssemos lá, andando. Como seaindanãotivéssemoschegadoaonossodestinoehouvesseapossibilidadedeirmospararemoutrolugar.Euestavanosextoanoquandoascoisascomeçaramamudar.Atéentão,
ambos tínhamos estudado na Perkins Day, a escola particular quefrequentávamosdesdeojardim.Naqueleano,porém,elefoiparaoensinomédio. Em poucas semanas, começou a andar com um bando de alunosmais velhos. Eles o tratavam feitomascote, desafiando-o a fazer idioticestiporoubarpicolésnafiladalanchoneteouseescondernoporta-malasdealgumcarroparasairdaescolanahoradoalmoço.FoientãoqueafamadePeytoncomeçoudeverdade.Elogotomouproporçõesmaioresdoquesuavida,maioresdoqueanossavida.Enquanto isso, quando não era dia de ginástica, eu voltava para casa
sozinhadeônibus,depoiscomiameulanchesozinhanobalcãodacozinha.Tinha meus próprios amigos, claro, mas a maioria deles nunca estavadisponível à tarde por causa das várias atividades que faziam. Isso eratípicodonossobairro,Arbors,ondeo custodevidapadrãoera capazdebancar qualquer atividade extracurricular, desde aulas de mandarim atédançairlandesa.Financeiramente,minhafamíliaestavanamédiadaregião.Meupai,quecomeçouacarreiranoexércitoantesdeirparaafaculdadededireito,ganhavadinheiroresolvendoconflitoscorporativos.Eleeraocaraque chamavam quando uma empresa tinha problemas — ameaça deprocesso, questões graves entre funcionários, práticas questionáveisprestesavirapúblico—eprecisavadarumjeito.Nãoeradesurpreender
queeutivessecrescidoacreditandonãoexistirproblemaquemeupainãofosse capaz de solucionar. Passei boa parte da vida sem ver prova docontrário.Semeupaieraogeneral,minhamãeeraachefedeoperações.Diferente
de outros pais, que encaravamo cuidadodos filhos comoumesporte derevezamento, nossa família dividia bem as responsabilidades.Meupai seencarregavadascontas,dacasaedoquintal,eminhamãeficavacomtodooresto. JulieStanfordera “a”mãe—aquelaque lia todosos livrossobreeducação dos filhos e estocava na minivan lanches e artigos esportivossuficientesparatodasascriançasdobairro.Assimcomomeupai,seminhamãe se dispunha a fazer algo, fazia direito. Então foi bem surpreendentequando,nofimdascontas,ascoisasderamerrado.Peytoncomeçouacriarproblemasnasfériasdeinvernodosegundoano.
Umatarde,euestavaassistindoTVnasalacomumbaldedepipocaquandoacampainhatocou.Olheiparaforaeviumaviaturadapolíciaemfrenteànossagaragem.—Mãe?—chameidopédaescada.Elaestavaemseuescritório,queera
basicamenteacentraldecomandodacasa inteira.Meupaiochamavade“SaladeGuerra”.—Temalguémaqui.Não sei por que não disse que era a polícia. A impressão era que
pronunciaraquelapalavratornariatudomaisreal,eeunãosabiadireitooquenosesperavaláfora.— Sydney, você é perfeitamente capaz de atender a porta — ela
respondeu, mas como sempre ouvi seus passos na escada um segundodepois.Mantive os olhos na TV, onde as participantes do meu reality show
favorito,Big Nova York, estavam no meio de mais uma briga à mesa dojantar.OsprogramasdafranquiaBigfaziampartedomeuritualvespertinodesdequePeytonentraranoensinomédio;eramomaisculposodosmeusprazeres. “A vidademulheres ricas, lindas e superficiais”, foi a descriçãoqueouvi,eeraissomesmo.Haviaunsseisprogramasdiferentes—Dallas,LosAngeleseChicagoentreeles—,oquedavaesobravaparapreenchermeutempoatéahoradojantar.Ficavatãoenvolvidacomoprogramaqueera comose aquelasmulheres fossemminhasamigas, emuitas vezesmepegavafalandocomaTVcomosepudessemmeouvir,ouentãopensandonasbrigaseproblemasdelasmesmoquandonãoestavaassistindo.Eraumtipoestranhodesolidão,asensaçãodequealgumasdasminhasmelhoresamigasnemsabiamqueeuexistia.Aindaqueminhamãeestivesseemcasa,semelasolugarpareciatãovazioquecriavaumasensaçãodevaziodentro
demim, tão forte que eu chegava a lamentar o momento que descia doônibus depois da escola. Sentia queminha própria vida era entediante etriste na maior parte do tempo, então de certa forma era reconfortantemergulharnavidadeoutrapessoa.Assim,euestavaassistindoRosalie,aex-atriz,acusarAyre,amodelo,de
bullying enquanto a vida da minha família dava uma reviravolta. Numminuto, a porta estava fechada e as coisas estavam bem. No minutoseguinte,aportaestavaabertaeláestavaPeytonaoladodeumpolicial.—Senhora—oguardacomeçou,eminhamãedeuumpassoparatráse
levouamãoaopeito—,esterapazéseufilho?Eradissoquemelembrariamaistarde.Umaúnicapergunta,deresposta
óbvia, com que meus pais, minha mãe especialmente, teriam de lidar apartir daí. Desde aquele dia, quando Peyton foi pego fumando maconhacomosamigosnoestacionamentodaPerkinsDay,meuirmãocomeçouasetransformar em alguém que nem sempre reconhecíamos. Haveria outrasvisitasdasautoridades,idasàdelegaciae,porfim,julgamentoseperíodosde reabilitação. Mas foi esse primeiro dia que ficou na minha cabeça,detalhe por detalhe. O balde cheio de pipoca quente nomeu colo. A vozagudadeRosalie.Eminhamãe,dandoumpassoparatrásparadeixarmeuirmão entrar. Quando o policial o conduziu pelo corredor até a cozinha,meuirmãoolhouparamim.Suasorelhasestavamvermelhascomobrasa.Comoelenãoestavaportandomaconha, a escoladecidiu trataro caso
apenas comouma infração; ele foi suspensoeprecisoucumprirhorasdetrabalho voluntário como tutor do ensino fundamental. A história —especialmenteapartesobrePeytontersidooúnicoacorrer, forçandoospoliciaisapersegui-lo—seespalhou,eadistânciaqueelepercorreu(umaquadra, cinco, um quilômetro) crescia cada vez que alguém a contava.Minhamãechorou.Meupai,furioso,oproibiudesairdecasaporummês.Masascoisasnãovoltaramasercomoantes.Elecumpriuocastigo,jurouteraprendidoalição.Trêsmesesdepois,foipresoporinvasãodedomicílio.Umfenômenoestranhoacontecequandoumacoisadeixadeserumfato
isolado para se tornar um hábito. Como se o problema já não fosse umvisitantetemporário,masalguémquesemudoudevezparaasuacasa.Depois disso, caímos na rotina. Meu irmão aceitava a punição emeus
pais aos poucos relaxavam, acreditando piamente nas várias teorias quecriavam para se convencer de que aquilo jamais aconteceria de novo. Eentão Peyton era preso — drogas, furtos, direção perigosa — e todosentrávamos de novo no labirinto de processos, advogados, tribunal esentenças.
Depoisdesuaprimeiraprisãoporfurtarumaloja,Peytonfoiobrigadoafazer tratamentodepoisqueospoliciaisencontrarammaconhadurantearevista. Voltou com um distintivo de um mês limpo no chaveiro e uminteresseemtocarguitarragraçasaoseucompanheirodequartonaclínicaEvergreen.Meus pais pagaram as aulas e fizeram planos de transformarpartedoporãoemumpequenoestúdioparaqueelepudessegravarsuascomposições. A obra estava na metade quando a escola descobriu umapequenaquantidadedepílulasnoarmáriodele.Elefoisuspensoportrêssemanas,tempoquedeveriausarparaficarem
casaeseprepararparaojulgamento.Doisdiasantesdadatamarcadaparasua volta à escola, fui acordada do meu sono profundo pelo barulho dagaragem abrindo. Olhei pela janela e vi o carro domeu paimanobrandoparaarua.Meurelógiomarcavatrêsequinzedamadrugada.Levanteiesaínocorredor,queestavaescuroesilencioso,eentãodescia
escadadevagar.Aluzdacozinhaestavaacesa.Láencontreiminhamãe,depijamaemoletom,fazendocafé.Aomever,elaapenasbalançouacabeça.—Vádormir—eladisse.—Amanhãcontopravocê.Namanhãseguinte,meuirmãojátinhasidoliberadosobfiançademais
umaacusaçãodeinvasãodedomicílio,dessavezagravadaporagressãoeresistênciaàprisão.Nanoiteanterior,depoisquemeuspaisforamparaacama,eletinhasaídoescondidodoquarto,subidoaruaepuladoacercadamaiorcasadeArbors.Eleencontrouumajaneladestrancadaeseesgueiroupara dentro. Bisbilhotou só por uns cinco minutos até a polícia chegar,avisada por um alarme silencioso. Quando os guardas entraram, ele saiuvoandopelaportados fundos. Eles oderrubaramnodequedapiscina, oque deixou arranhões enormes e sangrentos no rosto de Peyton.Inacreditavelmente,minhamãepareciamaispreocupadacomissodoquecomtodooresto.—Talvezpudéssemosusarissocontraapolícia—eladisseparaomeu
paimais tardenaquelamesmamanhã. Já estava toda vestidademaneiraformalparaumareuniãocomoadvogadodePeytonàsnoveemponto.—Vocêviuaquelesmachucados?Nãoéviolênciapolicial?—Julie,eleestavafugindo—meupairespondeucomavozcansada.—Sim,euentendo.Maseleaindaémenordeidade,eachoqueaforça
foidesnecessária.Tinhaumacerca.Elenãoiamuitolonge.Ia sim, pensei, embora fosse espertaobastanteparanãodizer emvoz
alta. Quanto mais Peyton arranjava confusão, mais minha mãe pareciadesesperada para culpar toda e qualquer pessoa. A escola queria acabarcomele.Ospoliciaisforammuitoduros.Masmeuirmãoestavalongedeser
inocente: bastava encarar os fatos. Só que às vezes eume sentia a únicacapazdeenxergá-los.Nodiaseguinteahistóriajátinhaseespalhadopelaescola,eeurecebia
olharesdecantodeolhopeloscorredores.EstavadecididoquePeyton iadeixar a Perkins Day e terminar os estudos em outro lugar, embora asopiniõesdivergissemsobrequemhaviadeterminadoisso—meuspaisouaescola.Eutinhasortedeteramigosquemeapoiaram,afirmandoaosoutrosque
eunãoeracomomeuirmãoapesardecompartilharmososmesmostraçoseosobrenome.Jenn,queeuconheciadesdeostemposdapré-escola,foiaquemaismeprotegeu.Opaidelatambémtiveraseusproblemascomaleinaépocadafaculdade.—Elesemprefoisinceroquantoaisso,quefoisóparaexperimentar—
ela contou ao sentarmos na lanchonete para o almoço.— Ele pagou suadívida coma sociedade e, veja, agora é CEO de uma empresa, super bem-sucedido.Peytontambémserá.Issotambémvaipassar.Jennsempresoavadaquelejeito,maisvelhadoqueera,principalmente
porqueseuspaisativeramaosquarentaesempreatrataramcomoadulta.Ela até parecia adulta, com seu corte de cabelo elegante, os óculos e osapato confortável. Às vezes era estranho, como se ela tivesse pulado ainfância inteira. Mas naquele momento, me senti reconfortada. Queriaacreditarnela.Acreditaremqualquercoisa.Peytonrecebeutrêsmesesdeprisãoeumamulta.Foiaprimeiravezque
todosnósestivemosjuntosnotribunal.Oadvogadodele,SawyerAmbrose,cujosanúnciosestampavamospontosdeônibusdacidadeinteira(PRECISADEUMADVOGADO?OSAWYERESTÁDOSEULADO!),garantiaqueeracrucialqueojúrinosvissesentadosatrásdomeuirmãocomoumafamíliaunidaeleal.TambémestavapresenteonovomelhoramigodePeyton,umcaraque
eletinhaconhecidonareuniãodosNarcóticosAnônimosqueeraobrigadoa frequentar. Ames era um ano mais velho que Peyton, alto, cabelobagunçado,etinhasidopresoporvendermaconhaumanoantes.Elehaviacumpridoseismesesedesdeentãosemantiveralongedeconfusão,dandoo tipo de exemplo que todos concordavam ser necessário aomeu irmão.Elestomavammuitocaféjuntos,jogavamvideogameeestudavam,Peytonpara a escola alternativa onde tinha ido parar, Ames para o curso dehotelariaquefazianaLakeviewTech.OplanodeleseraquePeytonfariaomesmodepoisdeseformar,ejuntososdoistrabalhariamemalgumresort.Minhamãeadoravaaideiaejátinhatodaapapeladanecessáriaparafazerisso acontecer: estava tudo num envelope etiquetado em cima da mesa
dela.Sófaltavaresolverodetalhedaprisão.Meu irmãoacaboucumprindosete semanasna casadedetenção local.
Eu não tinha permissão para vê-lo,masminhamãe visitava sempre querecebia autorização. Enquanto isso, Ames permanecia por perto: estavasempre namesa da cozinha com um café, exceto durante uma ou outraescapada para fumar no quintal, onde usava um cinzeiro de areia que aminhamãe(quedetestavaohábito)tinhapostolásóparaele.Àsvezeseleapareciacomanamorada,Marla,umamanicure loira,deolhosgrandeseazuis e uma timidez tão grande que ela mal falava. Quando alguém lhedirigiaapalavra,ficavasupernervosa,comoaquelescachorrinhosansiososdemaisqueestãosempretremendo.EusabiaqueAmeseraumconfortoparaminhamãe.Masalgoneleme
deixavareceosa.Comoasvezesemqueoflagravameolhandoporcimadocopodecafé,acompanhandomeusmovimentoscomosolhosescuros.Ouquando vinhame cumprimentar e sempre dava um jeito deme tocar—apertando meu ombro, roçando meu braço. Como ele nunca tinha feitonadademaiscomigo,achavaqueeracoisadaminhacabeça.Alémdisso,eletinhanamorada.Tudooquequeria—conformemedisseváriaseváriasvezes—eratomarcontademimcomoPeytontomaria.—Foiaúnicacoisaqueelemepediuantesdeir—Amesmecontoulogo
quemeuirmãofoiembora.Estávamosnacozinhaeminhamãetinhasaídopara atender uma ligação, nos deixando a sós. — Ele disse: “Cuida daSydney,cara.Contocomvocê”.Eu não sabia o que responder. Em primeiro lugar, aquela frase não
pareciavirdePeyton,quemalpassavaumahoradodiacomigonosmesesantes de ir embora. Além disso, mesmo antes, ele nunca fora do tipoprotetor.MasAmesconheciabemomeuirmão,eaverdadeeraqueeunão.Entãoprecisavaacreditarnapalavradele.—Bom—reagi,sentindoquedeviadizeralgo—,hum,obrigada.—Disponha.—Elemelançoumaisumdaqueleslongosolhares.—Éo
mínimoquepossofazer.Depoisdesersolto,Peytoncontinuoucalado,sóquemaisparticipativo,
maisprestativoemcasa,presentedeumjeitoquenãoestiveranosmesesanteriores.Àsvezes,depoisdechegardaescola,atéassistiaTVcomigo.MaselesóconseguiaaturaroBigNovaYorkouMiamiporcurtosperíodosantesdeficarenojadocomcadaumadasparticipantes.—EssaéAyre—eutentavaexplicarsemprequeaex-capadaPlayboy,
esqueléticaecheiadeplásticas,surtava.—ElaeRosalie,aatriz,tiponãosebicam.
Peytonnãodizia nada, apenas fazia cara de tédio. Comecei a perceberqueeletinhapoucapaciênciaparatudo.—Podeescolher—eudiziaempurrandoocontroleparaele.—Sério,
nãoligoparaoqueassistirmos.Masnuncafuncionava.Eracomoseelesópudessepassaraqueleexato
tempo ao meu lado, para depois seguir em frente e checar os e-mails,dedilharoviolãoouarranjaralgumacoisaparacomer.Suainquietaçãomedeixavanervosa.Minhamãetambémnotou.Eracomoseumafonteinternadeenergiativesseperdidooescapeefosseseacumulando,diaapósdia,atéencontraroutro.Ele se formou em junho, numa pequena cerimônia com apenas oito
colegas de classe; a maior parte deles também tinha sido enxotada daescolaanterior.Todosfomos,inclusiveAmeseMarla,edepoissaímosparajantar no Luna Blu, um dos meus restaurantes favoritos. Lá, enquantocomíamos uma porção dos famosos picles fritos do lugar, brindamos aomeuirmãocomrefrigeranteantesdemeuspaislhedaremseupresentedeformatura: duas passagens de ida e volta para Jacksonville, Flórida, paraqueeleeAmespudessemconferiro famosocursodehotelariadaregião.Minhamãe chegou até amarcar hora como diretor da escola e tambémagendouumtourparticular.Claro.—Que ótimo—meu irmão disse com os olhos nas passagens.—De
verdade.Obrigado.Minhamãesorriu,comosolhosmarejados,emeupaiestendeuobraço
paradaruns tapinhasnoombrodePeyton.Estávamossentadosnopátioexternodorestaurante,umasériedeluzinhaspendiasobrenósetínhamosacabadode fazerumaótimarefeição juntos.Aquelemomentoparecia tãodistante do ano que tivéramos, como se tudo que tinha acontecido nooutonoeantesnãopassassedeumpesadelo.Nodiaseguinte,minhamãesentou comigo para conversar sobre as minhas perspectivas deuniversidade.Enfimeueraoprojeto.Eraaminhavez.Naqueleoutono,comeceiosegundoanonaPerkinsDay.Minhatransição
para o ensinomédio no ano anterior tinha sido tão comum quanto a domeuirmãotinhasidoagitada.Jenneeufizemosamizadecomumagarotanova,Meredith,quehaviasemudadoparaLakeviewparatreinarginásticanas instalaçõesdauniversidade.Elaerapequenaeatlética,comamelhorpostura que eu já tinha visto, sem falar do seu altivo rabo de cavalo. Elatreinava para competições desde os seis anos. Eu nunca tinha conhecidoalguémtãodeterminadaedisciplinada;elabasicamentepassavacadahoraforadaescolanoginásio. Juntas,nós trêsconstruímosumaamizade fácil,
porque todasnossentíamosumpoucomaisvelhasqueasnossascolegasdeclasse:Jennporcausadesuacriação;Meredithporcausadoesporte;eeupor causade tudooque tinhaacontecidonoanoanterior.A lendadomeuirmão,paraobemeparaomal,aindameprecedia.Masminhaescolhadeamigas—eo fatodeevitarmostodasas festaseatividades ilegais,aocontráriodenossoscolegas—deixavaclaroqueéramosdiferentes.ComPeyton trabalhando de atendente no hotel da cidade e fazendo o
cursodehotelariacomAmesnaLakeviewTech,meupaiviajandomaiseminhamãevoltandoaosseusprojetoscomovoluntária,euquasesempretinhaacasainteirasóparamimdepoisdaescola.Comeceiasentiraquelatristeza,esgueirando-seacadatardecomopôrdosol.Tenteipreenchê-lacomoBigNovaYorkouMiami,assistindoumepisódioatrásdooutroatéavisãoembaçar.Aindaassim,sempresentiaumalívioquandoouviaaportada garagem abrir, sinal de que alguém havia voltado e de que haviacomeçadooturnodanoite,quandoeujánãoestariamaissó.Então, no dia seguinte ao Dia dos Namorados, meu irmão saiu do
trabalhonohoráriodesempre,umpoucodepoisdasdezdanoite.Emvezdevirpara a casa,porém, foi visitarumvelhoamigodaPerkinsDay. Lá,bebeuváriascervejas,algunsdestilados,eignorouasrepetidasligaçõesdaminhamãeatéasuacaixapostalficarcheia.Àsduasdamanhã,elesaiudoapartamento do amigo, entrou no carro e partiu para casa. Ao mesmotempo, um menino de quinze anos chamado David Ibarra montou nabicicletaparapedalara curtadistânciaque separava sua casada casadoprimo, onde ele tinha caído no sono jogando videogame. Ele estavadobrandoaesquinadaruaDombeycomaavenidaPikequandomeuirmãooacertoudefrente.Naquelediaacordeicomosomdogritodaminhamãe,umsomvisceral,
terrível, que jamais tinha escutado antes. Pela primeira vez, entendi deverdadeo significadode sentiro sanguegelarnasveias. Saí correndodoquarto,desciaescadaepareiumpoucoantesdeentrarnacozinha,comarepentina consciência de que não sabia se estava preparada para o queacontecialádentro.Masminhamãeaindagritava,entãomeforceiaentrar.Ela estava de joelhos, com a cabeça baixa.Meu pai estava diante dela,
comasmãosapertandoseusombros.Elaemitiaumsomtãoterrível,piordoqueodeumanimalsofrendo.Aprimeiracoisaquepenseifoiquemeuirmãotinhamorrido.—Julie—meupaidizia.—Respire,querida.Respire.Minhamãebalançouacabeça.Seurostoestavabranco.Veraminhamãe
—sempre forte, sempre segura—daquele jeito foi umadas coisasmais
assustadorasporquejápassei.Entãomeforceiafalar:—Mãe?Meupaivirouemeviu.—Sydney,volteparaoquarto.Jásubolá.Voltei. Não sabia mais o que fazer. Então sentei na cama e esperei.
Naquelemomento,tiveasensaçãodequeotempohaviarealmenteparadoporcinco,quinzeousabe-seláquantosminutos.Finalmentemeu pai apareceu na porta. A primeira coisa que notei foi
comoacamisadeleestavaamassada,retorcidaemalgumaspartes,comosealguémtivesseseagarradonela.Maistarde,eumelembrariamaisdissodoquedoresto.Daquelaestampaxadreztodadesalinhada.—Aconteceuumacidente—eledisse.Suavozsoavacrua.—Seuirmão
machucoualguém.Mais tarde, ao lembrar dessas palavras, eu perceberia como eram
significativas.Seu irmãomachucoualguém. Era como umametáfora, comum sentido literal e vários outros. David Ibarra tinha sido a vítima emquestão.Masnãofoioúnicoferido.Peytonestavanadelegacia,paraondeolevaramdepoisdeobafômetro
terconfirmadoqueoníveldeálcoolnosanguedeleeraodobrodolimitepermitido. Mas a acusação de dirigir embriagado era o menor dosproblemas. Como ele ainda estava em condicional, não haveria leniêncianem fiança, pelo menos não a princípio. Meu pai ligou para SawyerAmbrose,trocoudecamisaesaiuparaencontrarcomelenadelegacia.Fuiparaaescolaporquenãosabiamaisoquefazer.—Vocêtemcertezadequeestábem?—Jennperguntouaopassarpelo
meuarmáriologodepoisdaprimeiraaula.—Pareceestranha.—Estoubem—respondienquantoenfiavaumlivronamochila.—Só
cansada.Não sei por que não quis contar. Era como se a história fosse grande
demais,eeuqueriasufocá-la.Alémdisso,aspessoaslogodescobririam.Comeceiarecebermensagensdetextonofimdatarde,pertodahorado
jantar. Primeiro Jenn, depois Meredith, depois um punhado de outrosamigos.Desligueio telefone, imaginandoqueanotíciaseespalhavacomogotas de corante que lentamente dominam um copo d’água. Minha mãeaindaestavanoquartoemeupaiestava fora.Fizumpoucodemacarrãocomqueijoparamimecomidepénobalcãodacozinha.Depoisfuiparaoquarto e fiquei olhandopara o teto até ouvir o som familiar da porta dagaragemabrindo.Dessavez,porém,nãomefezsentirmelhor.Minutosdepois,umabatidasoouàportaemeupaientrou.Eleparecia
tãocansado,comolheirasenormes,comosetivesseenvelhecidodezanosnaúltimanoite.—Estoupreocupadacomamamãe—desabafeiantesqueelepudesse
começar a falar. Eu nem tinha planejado dizer aquilo; foi como se outrapessoativessefaladocomaminhavoz.—Eusei.Elavaificarbem.Vocêcomeu?—Comi.Ele me encarou por um instante e depois atravessou o quarto para
sentar na beira da cama. Meu pai não era e nunca tinha sido do tipopegajoso.Eleeramaisdeafagaroombrodaspessoas,ummestredoabraçodetrêstapinhasnascostas.Eraaminhamãequesempremepuxavaparaocolo para me fazer cafuné e me apertar forte. Mas então, naquele diaestranhíssimoeassustador,meupaimedeuumabraço.Retribuí,comoseminha vida dependesse daquilo. Permanecemos assim pelo que pareceuumlongotempo.Havia tanta coisa ainda por vir, algumas conhecidas e, infelizmente,
outras novas em folha.Meu irmão nuncamais seria omesmo. Eu nuncamais passaria um dia sem pensar emDavid Ibarra pelomenos uma vez.Minhamãeiacontinuarlutando,mastinhaperdidoalgo.Nuncamaisseriacapaz de olhar para ela e não dar por essa falta. Tantos “nuncas”. Masnaquelemomento,sóabraceimeupaiecerreibemosolhos,tentandofazerotempoparardenovo.Nãofuncionou.
3
—Nervosa?Olheiparaaminhamãe,sentadaàmesadacozinhacomumbagelque
nãoiacomerdiantedesi.Foibomvê-lafazerumesforço.— Não muito — disse enquanto fechava o zíper da mala. Não era
verdade:eujátinhaconferidoduasvezesmeucartãodeestacionamentoeohoráriodasaulas,emesmoassimcontinuavainsegura.Maseunãoqueriadeixarminhamãepreocupada.Nãocomigo,pelomenos.—Éumamudançagrande,umaescolanova—elacomentou.Nosilênciosubsequente,afrasepairouentrenós,comoumganchovazio
à espera de que algo fosse pendurado nele. Desde o começo de junho,quandoeudecidiradeixaraPerkinsDayemematricularnaJackson,minhamãevinhamedandooportunidadesparaexplicaromotivo.Eupensavajáter explicado. Passei a vida toda na Perkins Day. Precisava de umamudança, especialmente depois do último ano. Além domotivo que nãomencionei:dinheiro.AúltimadefesadePeytonnãotinhasaídobarata,eascontas,somadas
aos honorários de Sawyer Ambrose, começavam a acumular. Ainda queninguém tenha falado sobre isso às claras, eu sabia que estávamosmaisapertados do que nunca. Dispensamos a empregada e vendemos umdoscarros,etambémacasadepraiaqueraramenteusávamosemColby,nossacidade preferida no litoral. Ninguém disse nada sobre os gastos com ocolégio,mascoma faculdadedaliadoisanos, imagineiqueeraomínimoqueeupodiafazer.Alémdisso,estavaprontaparaseranônima.Minha mãe e eu fomos a Jackson me matricular dois dias depois da
sentençadomeuirmão.Elaaindacaminhavacomoumfantasma,bebendouma xícara de café atrás da outra e mal comendo. Meu pai retomou asviagens, aceitando consultoria atrásde consultoria forada cidade.Assim,ficávamossónósduasemcasa—pelomenosquandominhamãenãofazia
aviagemdetrêshorasdeidaevoltaparaapenitenciáriadeLincoln,duasvezesporsemanaeacadaquinzediasnosfinaisdesemana.Aindaassim,elatinhamarcadohoracomocoordenadordaescola,passadomaquiageme organizadomeu histórico escolar numa pasta commeu nome. Quandoestacionamos na vaga de visitantes, ela desligou o motor e levantou osolhosparaoprédioprincipal.—É grande— comentou. E então olhou paramim, como se eu talvez
fossemudardeideia,maseujáestavaabrindoaporta.O interior da escola cheirava a produto de limpeza e colchonetes de
ginástica,oqueeraestranhoporqueoginásioficavadooutroladodopátiocentral. No prédio do ensinomédio da Perkins— que tinha acabado depassarporumareforma total custeadaporumex-alunoque fundouumarede social, a Ume.com —, tudo era novo ou quase novo. Jackson, emcontrapartida,pareciamaisumacolchaderetalhosfeitadeprédiosvelhosacrescidosdenovasdependênciasmaisumououtrotrailerqueserviadeescritório. Não havia ninguém lá no dia da nossa visita a não ser umpunhado de professores e outros funcionários, o que fazia os corredorespareceremaindamaislargoseoterrenomuitomaior.Nãohavianinguémnarecepção,quecheiravaaaromatizadordecanela,entãosentamosnumsofádecadente.Minhamãecruzouaspernaseolhouparaaestantedemetalàdireita,
quecontinhaumacaixaderoupasdiscrepantescomamarcação“achadoseperdidos”,umapilhadepanfletossobredistúrbiosalimentareseumacaixade lenços de papel vazia. Dava para ler no seu rosto que, se ela já nãoestivessedeprimida,aquelepanoramabastariaparadeixá-la.—Tudobem,mãe—eudisse.—Éoqueeuquero.—Ah,Sydney—elarespondeuparaentão,donada,começarachorar.
IssotambémfaziapartedanovaJulie.Elasempreforachorona,masparacoisascomocasamentosefilmesbregas.Normal.Essenegóciodesoluçoselágrimasrepentinaseracompletamentenovo,eeununcasabiaoquefazerquando acontecia. Naquele momento, não pude sequer lhe oferecer umlenço.Mas,voltandoàcozinha,conferiamochiladenovo,eentãomeperguntei
sedeviatrocarderoupa.AgenteusavauniformenaPerkinsDay,entãonãoestava acostumada a me vestir para a escola. Depois de experimentarmúltiplas opções, fiquei com um jeans e a minha camiseta favorita —branca,combotões,estampadacomminúsculoscogumelosroxos—,bemcomo os brincos de argola prateados que ganhei no aniversário dedezesseisanos.Maseuteriausadoestampacamufladaseachassequeme
ajudariaadesaparecernomeiodamultidão.—Vocêestáótima—minhamãedissecomose lesseminhamente.—
Masémelhorir.Nãovaiquererchegaratrasadanoprimeirodia.Fiz que sim com a cabeça, joguei amochila numdos ombros e fui até
ondeelaestavasentada.Obageljátinhalevadoumamordida.Progresso.— Te amo — eu disse, me inclinando para dar um beijo em sua
bochecha.Ela baixou a mão até a minha e a apertou, com um pouco de força
demais.—Tambémteamo.Tenhaumbomdia.Fizquesim,fuiparaagaragemeentreinomeucarro.Enquantodavaré,
olheiparaajaneladacozinhaeaviaindasentadalá.Penseiquetalvezelafosse olhar paramim também,mas não. Em vez disso, ela olhava para aparede, com a caneca na mão. Ela nem bebia nem a botava de volta namesa, só a mantinha ali, bem na altura do coração, e algo naquilo medeixavatãotristequenãoviaahoradeirembora.A escola acabava às três e quinze. Dez minutos depois do sinal, meu
carroeraoúnicoaindanoestacionamentoinferior.Pelaprimeiravez,mesentibemporestarsozinha.Aescolaerasimplesmentetãogrande.Oscorredoresquepareceramtão
largos três semanas antes estavam, quando entrei ali, completamenteentupidosdegente:eraimpossíveldarumpassosemtrombarcomalguém,oupelomenossemesbarraremumbraçooucotovelo.Mas issoeu tinhaimaginado. O barulho é que foi a verdadeira surpresa. Havia o sinalestridente: tons longos de arrebentar os tímpanos. As britadeiras dospedreiros refazendo as várias calçadas quebradas. E, sempre, as pessoasgritando:noscorredores,pelopátio,numvolumeespantosomesmocomaportabemfechada.Numlugartãoapertado,nãofaziasentidoaspessoasseesforçarem tanto para serem ouvidas. Mas todos se esforçavam.Aparentemente.Sóinteragiumaúnicavezodiainteiro,comumagarotamuitoanimada
chamada Deb, que era — nas próprias palavras — uma “embaixadoraautonomeadadaJackson!”.Elatinhaaparecidoantesdaprimeiraaulacomuma sacola de boas-vindas contendo um calendário escolar, um lápis dotimede futeboldaescolaeunsbiscoitoscaseiros,assimcomoseucartãopessoal caso eu tivesse alguma dúvida ou preocupação. Quando ela saiu,todosmeolharamcomoseeufosseaindamaisestranha.Ótimo.
Sozinhanoestacionamento,mepergunteioque fazeremseguida.Nãopodiairparaacasaaindaporquefaltavamumasduashorasparaojantar,amesmajaneladetempoquesemprelamentaradesdeantesdemeuirmãopartir. De repente, me senti desamparada. Eu odiava multidões, mastambémodiavaaminhaprópriacompanhia.Oqueeuiafazer?Faziatempoquenãosentiaumatristezatãogrande.Deiapartidanocarroesaícomosepudessedeixaratristezaparatrás.Paradanosemáforoaumaquadradaescola,olheiparaooutroladoda
ruae viumpequeno centro comercial.Haviaumamanicure, uma lojadebebidas,umalojadeprodutosparaperderpesoe,nocanto,umapizzaria.Paramim,comerpizzadepoisdaaulaeratãotradicionalquantocomer
pipocaassistindoBig.AumaquadradaPerkinstambémhaviaumpequenoshopping, eo restaurante italianode lá,Antonella’s, funcionavacomoumclubeinformalparaaescolainteira.Olugarserviapizzasgourmetassadasnofornodetijolinhos,café,sorvetes,etinhaamáquinaderefrigerantecomascocasmaisdocesque jáprovei.Meredith iadiretoparaauniversidadetreinar,masJenneeupassávamosnoAntonella’spelomenosumavezporsemana para dividir uma pizza de presunto, abacaxi e brócolis enquantofingíamosfazerliçãodecasa.Namaioriadasvezes,porém,fofocávamoseespiávamososcarasmaispopularesdaescola,quesempresentavamnasmesas longase familiarespertoda janela,atirandobolinhasdepapelunsnosoutrosepaquerando.Tudo naquele dia tinha sido novo. A pizza era minha chance de
finalmente encontrar alguma normalidade. Antes que pudesse pensardemais,deiseta,troqueidefaixaeentreinoestacionamento.Percebi nominuto em que entrei no restaurante que aquele lugar era
bemdiferente.ASeasidePizzaerapequenaeestreita, iluminadanãoporlustres modernos como o Antonella’s, mas com lâmpadas fluorescentesamarelas, algumas delas quebradas. Algumas mesas eram rodeadas porbancosdecourogasto,outrastinhamassentosmaissimples,aopassoqueas paredes eram cobertas de painéis demadeira escura e fotografias empretoebrancodecaisepraias.Haviaumbalcãoaltodevidro,eatrásdeleumafileiradetiposdiferentesdepizzaeumfornosurradocomapalavraQUENTEpintadaemletrasdesbotadasnaporta.Umtelevisor,queexibiaumprogramaesportivo,pendiadotetobememcimadamáquinadebebidas.Ao lado, estava uma pilha alta e capenga de cardápios de plástico. Umamúsicavinhadecima,eeupodiajurarquesoavacomoumbanjo.Assimqueentrei,deixeiaportafecharatrásdemim,masnãotireiamão
do vidro, já que percebi que tinha, de novo, cometido um erro. O
restauranteclaramentenãoerapopularcomosalunosdaJacksonou,diga-sedepassagem,comninguém:eueraaúnicapessoalá.Vireiparasair,masentãoviquehaviaumcaradooutroladodaporta,
querendoentrar.Eleeraalto,cabelocastanhonaalturadoombro;estavadecamisetabranca, calça jeansemochilanas costas.Elemeesperoudarumpassoparatrás,edepoisoutro,antesdeabri-ladevagareentrar.Não tinha como escapar sem parecer uma estranha, então fui até o
balcão e peguei um cardápio na pilha. Pensei em fingir que avaliava asopçõesedepoissairdefininhoenquantoelefaziaopedido.Quandoerguios olhos um segundo depois, dei com ele atrás do balcão amarrando oavental.Droga.Eletrabalhavalá.Eagoraestavaolhandoparamim.— Posso ajudar? — perguntou. Sua camiseta, só então vi, dizia
GERENCIAMENTODERAIVA:OPROGRAMA.RÁDIOWCOM.—Hum…—disse,voltandoabaixarosolhosparaocardápio.Oplástico
estavapegajoso,enãoentendibulhufasdaspalavrasqueli.Empânico,deiuma olhada nas fatias de pizza enfileiradas no balcão. — Uma fatia depepperoni.Eumrefrigerante.—É pra já— ele respondeu e pegou uma forma de pizza atrás de si.
Depois,comumpegador,afastourapidamenteasoutrasfatiasparaolado,tirouumpedaçoenormeejogounaforma,queenfiounoforno.Devoltaaocaixa,tirouumamechadocabelodafrentedoolhoeapertouunsbotões.—Trêsdólaresequarentaedois.Tateei para encontrar a carteira e paguei com uma nota de cinco.
Enquanto ele pegava o troco, reparei num copo ao lado da registradoracheiodepirulitosYumYum.PEGUEUM!diziaumavisomaisatrásescritoemcanetinha rosa.Euadoravaaquelespirulitosquandocriança, e faziaanosquenãocomiaum.Comeceiarevirarocopo,garimpandoentreváriosdemaçãverde,melanciaecerejaàprocuradomeusaborfavorito.—Umecinquentaeoitodetroco—ocaradissecomodinheironamão.
Pegueiasmoedaseocopovazioqueeletinhadeixadonobalcão.—Seestáprocurando o de sabor chiclete ou algodão doce, vou poupar seu tempo:nãotemnenhum.Levanteiassobrancelhas.—Elessãopopulares?—Popularépouco.Foientãoquealguémescancarouaportaepassoupormimcompassos
rápidos e barulhentos. Virei bem a tempo de ver uma garota loiradesaparecernumasaletanofundocomosdizeresÁREARESTRITAantesdeaportabater.
Orapazfranziuatestaeolhouparaaportaedepoisparamim.—Asuafatiaficaprontanumminuto.Eulevonamesa.Concordeicomacabeçaefuiencherocopoepegarguardanapo.Senteià
mesa, e então fiquei mexendo no celular só para ter o que fazer. Unsminutos depois ouvi a porta do forno abrir e fechar. O rapaz saiu pelasportas de vaivém com aminha pizza num prato de papelão e a colocoudiantedemim.—Obrigada.—Denada—elerespondeu.Entãooescuteicaminharatéaportarestritaebater.—Vai embora—umavozde garotadisse.Umminutodepois, porém,
ouviaportaabrir.Sozinha de novo, dei umamordida na pizza apesar de não estar com
muita fome.Entãodeioutramordida.Eentãopreciseimecontrolarparanãoenfiarorestodopedaçointeironaboca.Querdizer,pizzadepepperoniépizzadepepperoni.É, tipo,osabormaisgenéricode todos.Masaquelaestavaboa.Abordaestavamacia e crocante aomesmo tempo—não seicomo—,eomolhotinhaumtoquepicante,entreodoceeosalgado.Eoqueijo:indescritível.MeuDeus!Eu estava tão concentrada em comer a pizza que nem notei de cara
quandoalguémsurgiudetrásdobalcão.Entãoouviumavoz:—Tudocerto?Levanteiosolhosedeicomumhomemmaisoumenosdaidadedomeu
pai,talvezumpoucomaisjovem.Eletinhacabeloescurosalpicadodefiosbrancoseusavaumavental.—Estáótimo—eudissecomabocameiocheia.Engolieacrescentei:—
Provavelmenteamelhorpizzaquejácomi.Ele sorriu como comentário, claramente contente, e então estendeu o
braçoatéaregistradoraparapegarocopodepirulitos.—Vocêpegouumpirulito?Éotira-gostoperfeito.Masnãopercatempo
procurandoodealgodãodoceoudechiclete.Nãotem.—Jámedisseramquesãoosmaispopulares.Aoouvir isso,elefechouacaraebalançouacabeça,eouviaportados
fundos abrir. Ummomento depois, o rapaz passou pormim com a loiraatrás.Elaestavacomumpirulitonamão.Umpirulitorosa.— Agora você deixa o balcão sem ninguém? — o homem perguntou
enquantoajeitavaasfatiascomopegador.—Ninguémmeavisouqueaquiagentetrabalhanabasedaconfiança.—Nãobriguecomele—agarotadisse.Elaestavacomumvestidoleve,
chinelos eumaporçãodepulseirasprateadasnumdosbraços.—Ele foiverseestavatudobemcomigo.Ohomemmaisvelhoabriuoforno,olhoudentroeentãofechouaporta
comforça.—Evocêprecisadisso?—Hojeprecisei—elapuxouumacadeiradamesaemfrenteaocaixae
sentou.—Danielacaboudemedarumfora.Eleparoudesemexeresevirouparaela.—Oquê?Sério?Agarotaassentiudevagarebotouopirulitonabocadenovo.Depoisde
umsegundo,estendeuamãoatéoporta-guardanaposmaispróximo,pegouumesecouosolhos.—Nuncagosteidaquelegaroto—ohomemdisseenquantosevoltava
denovoparaoforno.—Gostavasim—orapazdisseemvozbaixa.—Nãogostava.Eleerabonitodemais.Todoaquelecabelo.Nãodápara
confiarnumcaracomaquelecabelo.—Pai,estátudobem—agarotadisseaindasecandoosolhos.Elatirou
opirulito daboca e continuou:—Éoúltimo anodele na escola, ele nãoquerficaramarrado,blá,blá,blá.— Quemerda— o pai dela disse. Em seguida, virando para mim:—
Perdão.Flagradaprestandoatenção,sentiminhasbochechasqueimaremevoltei
paraaminhapizza,ouoquetinhasobradodela.—Masochato—agarotaretomouaopegaroutroguardanapo—éque
esse foi omesmomotivo que Jake deu paramedispensar no começo doverão. “É verão!Nãoquero ficar amarrado!”Tipo, fala sério.Não consigolidarcomesseabandonosazonal.Édurodemais.—Aquelecabelo—ohomemmurmurou.—Sempreodieiaquelecabelo.A porta da frente se abriu naquele momento e dois caras entraram
carregandoseusskates.Durantea transaçãoqueseseguiu, termineimeupedaço e tentei não olharmais para a loira que, sentada sobre uma daspernas e com o queixo apoiado namão, chupava o pirulito olhando pelajanela.Osskatistasescolheramumamesaelogoorapazveioentregaracomida
deles.Nocaminhodevoltaparaobalcão,eleapertouoombrodagarotaedissealgoquenãoconseguientender.Elaolhouparaele, concordando, eeleprosseguiu.Conferiorelógio.Sesaíssedelá,aindateriapelomenosumahoraatéo
jantar. Só de pensar nisso senti um peso nas costas. Não que ficar naSeasidePizza fosseo ideal.Maspelomenosnão eramasmesmasquatroparedesqueecoavamovazio.Levanteiereabasteciocopo.—Pegueumpirulito—agarotasugeriu,comosolhosaindanajanela,
quandovireiparavoltaràmesa.—Sãocortesiadacasa.Claramenteerainútilresistir:esperavamaquilodemim.Entãovolteiaté
ocopodepirulitose comeceia fuçar.Chegueiaesperarqueagarotameavisassedafaltadesaboresrosa,maselanãoavisou.Depoisquepasseiumtempoali,elaenfimfalou:—Quesaborvocêestáprocurando?Lanceiumolharparaela.Atrásdobalcão,seupaiespalhavamolhonum
disco de massa, enquanto o rapaz da minha idade contava as notas daregistradora.—Coca-cola—respondi.Elameencarou.—Sério?Estavaclaramentechocada.Issomesurpreendeutantoquenãoconsegui
formularumaresposta.Maslogoelavoltouafalar:— Ninguém gosta de YumYum de coca-cola. É o que sempre sobra
quando todos os outros acabam, até os mais sem graça tipo mirtilo ouaquelesaborsurpresa.—Qualoproblemadopirulitodemirtilo?—ohomemperguntou.—Éazul—elarespondeucomvozdetédioevoltouaatençãoparamim
mais uma vez.—Você está sendo completamente sincera? Eles são seusfavoritosdeverdade?Todo mundo mantinha os olhos fixos em mim. Engoli em seco e
respondi:—Hum…são.A reação dela foi afastar a cadeira e levantar. Então, antes que eu
pudesse entender o que estava acontecendo, ela veio na minha direção.Penseiquetalvezestivesseprestesameenvolvernumabrigaporcausadedocespreferidos,oqueseriaalgoinédito,masentãoelapassoureto.Vireiparatráseaviseguiratéamesmaportadosfundoseentrarnasala.Olheiparaohomematrásdobalcão,masele apenasdeudeombrose
continuou a jogar o queijo ralado sobre omolho da pizza em confecção.Então comecei a ouvir barulhos vindos da sala dos fundos — gavetasabrindo e fechando, armários batendo —, mas não consegui ver nada.Depoisveioumsilêncioeagarotareapareceucomumasacoladeplásticonamão.Elaveiodiretoatémim,atéficarmosacentímetrosdedistância,e
estendeuobraço.—Aqui—disse.—Pravocê.Peguei a sacola. Dentro dela estavam pelo menos cinquenta pirulitos
YumYum de coca-cola, talvez até mais. Apenas os contemplei por umminuto,sempalavras,antesdelevantarosolhosparaela.—Possoodiaresses,massãopirulitosdomesmojeito—elaexplicou.
—Nãopodiasimplesmentejogarfora.Baixeiosolhosparaasacoladenovo:aquilopesavamesmo.—Obrigada—eudisse.—Denada—ela respondeucomumsorrisoeemseguidaestendeua
mão:—MeunomeéLayla.—Sydney.Nos cumprimentamos. E depois houve uma pausa. Quando ergui os
olhosdenovo,elafranziuatesta.— Ah! — eu disse rápido e logo tratei de pegar um pirulito e
desembrulhar.Enfieiodocenabocaelogotinhadezanosdenovo.VoltavacomPeytondoQuik-Zipdepoisdegastar amesada inteira emdoces.Elesempre comprava chocolate: com amendoim, com amêndoas, comcaramelo.Maseugostavadeaçúcarpuroequeriatempoparasaboreá-lo.EmcadapacotedeYumYumhaviapelomenosdoisdecoca-cola:eusemprecomiaumnoatoeguardavaooutroparadepoisqueosoutrosacabassem.PenseinomeuirmãonaLincolneimagineiseelecomiachocolatelá.Penseiemdizeràminhamãeparalevaralgumparaele.Bemnaquelahoraotelefonetocouatrásdobalcão.Orapazatendeu.—SeasidePizza,Macfalando—elepegouumblocodenotasepuxouo
lápis da orelha. — Aham. Sim. Custa um dólar a mais. Claro. Qual é oendereço?Enquantoescrevia,ohomemolhouporcimadoseuombro,leuopedido
eentãopegouumabolademassaecomeçouagirá-la.—Aentregaépertodecasa,vocêpodeficarlá—eledisseparaLayla.—
Ligueparaasuamãeparaverseelaprecisadealgumacoisa.—O.k.—eladisseporcimadoombroedepoisvoltouaolharparamim.
—VocêestudanaJackson?Fizquesimcomacabeça.—Comeceihoje.Elafezumacareta.—Argh.Comofoi?—Nãomuitobom—respondieemseguidaolheiparaasacola.—Mas
issoaquiajuda.
—Sempre—eladisse.Laylaentãoacenou,deumeia-voltaeseguiuparaaportadosfundosde
novo. Voltei à mesa com todos os meus pirulitos para recolher o lixo epegaraminhamochila.—Digaaelaparameencontrarláfora—orapazfalouparaohomem
enquanto eume dirigia à porta.— O carro andameio teimoso para darpartida.Talvezprecisemexer.—Nãoesqueçaaplacadessavez!Acabamos saindo juntos, como entramos. Enquanto eu cruzava o
estacionamento para chegar ao carro, ele seguia até uma caminhoneteantiga. Eu o observei ir até a caçamba, pegar uma placa magnética eprendê-lanaportadomotorista. SEASIDE PIZZA, dizia,A MELHOR DO PEDAÇO.Otelefoneestavaimpressologoabaixo.Era tarde o suficiente para eu sair e chegar em casa bem na hora do
jantar.Masfiquei láatéLaylasurgircomumacaixaquadradadepizzanamão.Dois carros nos separavamquandoparamosno primeiro semáforo,mas permaneci atrás da caminhonetemais umas quadras até os trajetosnos separarem. Só então abri outro pirulito, que saboreei até chegar emcasa.
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Nadamelhoroumuitonaescolanosdoisdiasseguintes.Mastambémnãopiorou.Descobriocaminhomaisrápidoatéassalas,chegueiàconclusãodequenaverdadeeramaisfácilencontrarvaganoestacionamentodecima,etive duas conversas com colegas de classe (embora uma tenha sidoobrigatória, pois fomosobrigados a formarumaduplaparaum trabalho;aindaassimjáeraalgumacoisa).Não voltei mais à Seaside Pizza; estava preocupada demais com a
possibilidadedeparecerestranha,maníacaouasduascoisas.Emvezdisso,emumdosdiasencontreiJennnapadariaFrazierprabotaropapoemdiae fazer lição de casa. No dia seguinte, fui pra casa depois da escola,pensando que talvez não fosse tão ruim. Até que vi o carro de Amesestacionadonafrentedagaragem.—Sydney?Évocê?Deixeiamochilanaescadaerespireifundoantesdeiratéacozinha.Pra
variar,láestavaelesentadoàmesacomaminhamãe,tomandocafé.Umatravessa de biscoitos estava entre os dois. Ao me ver, minha mãe aempurrounaminhadireção.—Oi,sumida—Amescumprimentouenquantoeuiaatéageladeirapra
pegarumagarrafinhadeágua.—Quantotempo.Emboraeletenhadito issocomumsorriso,aquilomedeucalafrios.Só
queaminhamãejápuxavaumacadeira,imaginandoqueeumejuntariaaeles,efoioquefiz.— Como foi a escola? — ela perguntou. E, voltando-se para ele,
acrescentou:—ElacomeçounaJacksonestasemana.— Sério? — ele perguntou com um sorriso estranho. — Conheço a
parada.Aindatemcheirodecloroportodolado?—VocêestudounaJackson?—minhamãeperguntou.—Nãosabia!—Nosegundoenoterceiroano—Amesrespondeu,recostando-sena
cadeiraeesticandoaspernas.—Depoisfuiconvidadoameretirar.—Parecealguémqueeuconheço—minhamãedisseetomoumaisum
goledecafé.—Estágostando?—Amesmeperguntou.Fizquesimcomacabeça:—Estou.Ébacana.Era minha resposta padrão sempre que me perguntavam qualquer
variantedessapergunta.Sóconteiaverdadeumavez,efoiparaLayla,umacompletaestranha.Nãosabiabemporquê.Foientãoqueescuteiumzumbido:otelefonedaminhamãeemcimado
balcão.Elalevantou,conferiuoaparelhoesoltouumsuspiro.—Esquecicompletamentequetinhamecomprometidocomumevento
nohospitalinfantil.Agoraelesficammeenchendoosacootempotodocomessasreuniõeseorçamentos.—Lembre-sedoqueestávamosconversando,Julie—Amesdisse.—As
prioridadesemprimeirolugar.Elaoolhoucomgratidão.—Eusei.Masprecisopelomenosmedespedircomdignidade.Jávolto.EcomissoelaseretirouesubiuaescadarumoàSaladeGuerra.Oque
medeixouasóscomAmes.—Então—eledisse,inclinando-separamim—,agoraquesomossónós
dois,digaaverdade.Comovocêestá?Ele sempre cheirava a cigarro, mesmo quando fazia tempo que não
fumava.Relaxeiumpouconacadeira.—Bem.Édiferente,maseuqueriamudar.—Aposto que é difícil seguir em frente comummodelo comoPeyton
para se espelhar, tão distante do ideal. Meu irmão mais novo sentiu amesmacoisa.Concordei com a cabeça, peguei um biscoito e dei uma mordida.
Desejavaqueminhamãeseapressasseedescesselogo.— Sabe — ele continuou —, se você precisar conversar, estou aqui.
SobrePeyton.Sobrequalquercoisa.Certo?Não,valeu,pensei.Masemvozaltadisse:—Certo.Lá pela hora do almoço no dia seguinte, eu já começava a lamentar a
horadeirembora.NãofaziaideiadafrequênciacomqueAmesapareciaemcasadetarde,mastinhacertezadequenãoqueriavê-lo,muitomenosfalarcomele,especialmentesemaminhamãeporperto.Aopensarnisso,sentiimediatamenteumapontadadeculpa.Elenãotinhafeitonadaalémdeme
assustar.Eissonãoeraumaofensaquemerecessepunição.Eu sabia que poderia falar com a minha mãe, mas ela estava com a
cabeçatãocheiaultimamente…EAmeseraomelhoramigodePeyton.Eleofereceu apoio durante a última crise, e em todas as outras desde queentrou em nossas vidas. Mesmo quandomeu pai já não aguentavamaisouvirminhamãefalardaLincoln,dodiretoredaapelaçãodePeyton,Amesescutava.Eunãoqueriaqueelaoperdessetambém.Especialmenteporquenão tinha nada específico contra ele, apenas um mau instinto. E todomundotemdesses.Houveumtempoemqueeucontavatudoàminhamãe.Mesmodepois
de conhecer Jenn, mesmo depois de Meredith, eu sempre a tinhaconsideradominhamelhoramiga.Nósduassimplesmentevíamosascoisasdomesmojeito.Atéqueissoacabou.Começou com as primeiras prisões de Peyton, com a minha surpresa
enorme ao ouvi-la defendê-lo, mesmo quando o que ele fazia eraindefensável. Não importava o crime, ela conseguia encontrar algummotivoparameuirmãonãosertotalmenteculpado.EentãoveiooacidentecomDavidIbarra.Nosprimeirosdiasdepoisdoacidente,enquantomeuspaislidavamcom
fiança e advogados, eu só conseguia pensar naquele menino, um poucomais jovemqueeu,deitadonum leitodehospital.Eusabiapelasnotíciasqueouviaouprocuravaqueele tinha ficadoparaplégicoeprovavelmentejamaisvoltariaaandar.Masnãohaviamuitosdetalhes,pelomenosnãonocomeço.Eeutinhatantasperguntas.Nãopodiadeixardefazê-las.—Agentenãodeviapedirdesculpas?—eudissecertavez.—Tipo,pelo
jornal,oudarumadeclaração?Elamelançouumolharpesadoetriste.— Foi uma coisa terrível o que aconteceu, Sydney. Mas a lei é
complicada.Émelhoragenteseconcentraremseguiradiante.Naprimeiravezqueouviessafrase,fiqueipensativa.Lápelaquartaou
quinta, entendi o que ela realmente queria dizer. Eu olhava para DavidIbarra e só enxergava vergonha e arrependimento; minha mãe sóenxergava Peyton. Daquelemomento em diante, tive certeza de que nãoimportavaoquevíssemos,nossasperspectivasjamaisseriamasmesmas.Nomeu quarto dia de Jackson, eu estava almoçando um sanduíche de
peitodeperu e folheandoo livrodematemáticaquando senti alguém seescorarnaparedealiperto.Ouviunscliques,depoisumbarulhocomosealguémafinasse as cordas de umviolão.Quando virei para o lado, vi umcaradeóculosescuros,jeans,camisadebotõesestiloretrôeumviolãono
colo,queelededilhavadistraído.Peloquenotei,orapaznãotocavamúsicaalguma.Tiravamaistrechose
arranjos curtos: um acorde aqui, uma breve melodia acolá. De vez emquando,cantarolavaporunssegundosoupuxavaumrefrão,àsvezescomumapausaparadarumaconferidanumcadernoaolado.Volteiparaomeulivro.Unsminutosmaistarde,porém,escuteiumavoz:—Ah,Eric.Sério?LevanteioolhareláestavaLayla.Elausavashorts,umacamisetaflorida
bemmaiordoqueelaesandáliasde tiras;seucabelo loiroestavasoltoecaíapelosombros.Apenasaobservei levarasmãosàcinturae inclinaracabeça.—Quê?—ocarareagiu.—Estoupraticando.— Ah, por favor, está nada— ela replicou.— Você está jogando seu
velhotruquepracimadessapobregarota.Masnãovaifuncionarporqueeujáaalerteisobrevocê.Eleparoudetocar.—Alertou?Oqueeusouagora?Umpredador?—Chegapralá.Foioqueelefez,comardescontente.Laylasoltouocorpoesentouentre
nós,orostovoltadoparamim.— Eu estava procurando você. Mas devia ter imaginado que Eric a
encontrariaprimeiro.Eletemfaroparasanguenovo.—Vocêprecisamesmopararcomisso—Ericdisse.Layla o descartou com um movimento da mão como se ele fosse um
mosquitoanosrodear.Emseguidadisseparamim:— Não acho que você é uma garota que cairia nesse tipo de teatro;
jamaisa insultariadesse jeito.Sóqueeucaí.Por issomedeiamissãodepouparoutrasgarotasdessaexperiência.— Nós— o cara disse, tocando um acorde alto para dar destaque às
palavras—játerminamoshámaisdeumano.Achoquevocêjápodepararcomisso.Ela voltou o olhar para ele e de novo inclinou a cabeça. Em seguida,
estendeuamãoejogouafranjadeleparatrás.— Você precisa cortar o cabelo. Esse estilo hipster desleixado não
combinacomvocê.—Nãometoque—eleresmungou,mascombomhumor,percebi.Elese
curvousobreoviolãoevoltouatocar;elaporsuavezsorriuevirouparamim.—Ericestánabandadomeuirmão—contou.—Prasersincera,eles
sãobemruins.— O irmão dela — Eric corrigiu — toca bateria naminha banda. E
estamosnumafasedetransição.— Eles não conseguem segurar nenhum guitarrista — ela explicou
apontadoparaorapazcomacabeça.—Émuitoegonumlugarsó.—Alguémtemqueserolíder!—Ericdisse.Laylasorriudenovo.— Que seja. Eles vão tocar sexta à noite, no Bendo. Aquele clube em
Overland,sabe?Paratodasasidades.Epizzagrátispraquemchegarcedo.Vocêdeviair.Oconvitefoiumchoque.Agentetinhaseencontradosóumavez;elanão
medevianada.Emesmoassimeutinhacertezadequeiria.—Claro—eudisse.—Pareceótimo.—Perfeito.—Elaentãolevantou,ajeitandoocabeloatrásdaorelha.—
Ah,umaúltimacoisa:sequisercompanhiaparaoalmoço,agentesentaali.Elaapontouparaadireitadoprédioprincipal,ondehaviaumcírculode
bancosemvoltadeumaárvore.Numdeles,viocaradapizzaria—oirmãodela, descobri— descascando uma laranja enquanto olhava para o livroabertoaoseulado.—Ah—falei.—Tudobem.—Sempressão—elaemendourápido.—Tipo,sósevocêquiser.Concordei com a cabeça e ela logo se afastou com as mãos no bolso.
Enquantoeuaobservava,Ericlimpouagarganta.—Anossa bandanão é tão ruim assim—ele disse.—É ela que tem
padrõesmuitoaltos.Eunãosabiaoqueresponder,entãoprovavelmentefoibomosinalter
tocadonaquelemomento.Eleguardouaguitarra,euboteiminhascoisasnamochila e nos despedimos com um aceno antes de seguir para ladosdiferentes.Passeiatardeinteira—duranteduasaulaseumaatividadenolaboratório—pensandonoqueeletinhadito.Padrõesmuitoaltos.Mesmoassim, ela me convidou. Talvez se arrependesse mais tarde. Mas eusinceramenteesperavaquenão.— Não sei — Jenn torceu o nariz, como sempre fazia quando estava
desconfiada.—Esselugarnãoéumacasanoturna?— É uma casa de shows— eu disse.— E esse show é para todas as
idades.Elapegouolápisecomeçouagirá-loentreopolegareoindicador:
—PenseiqueíamosencontraraMernasexta.—Oencontroéàsquatro.Oshowétrêshorasdepois.Ela não ia. Soube no minuto em que a convidei. Nós não éramos de
balada, nunca fomos. Mas o nosso “nós” já tinha mudado. Pelo menos aminhapartedele.Corri osolhospelaFrazier, onde semprepassávamosdepoisda escola
quandonãoestávamosafimdeirnoAntonella’s.Tinhasanduíches,saladasedoces,umamisturaestranhaentreacomidaderedesderestauranteeumambiente caseiro forçado: decoração com bordados, cadeirasperfeitamente gastas diante de uma lareira falsa, refeição servida sobrepapel manteiga com estampa xadrez em vermelho e branco, talherespresos com um laço. Naquele dia, fui convencida a comprar um caféespecialpelobalconistabonitinho—DAVE!anunciavaocrachá—,quetinhajurado que aquilomudaria aminha vida. Aparentemente, isso significavaque eu ficaria pilhada e fazendo xixi sem parar. Não era bem o que euesperava.— Vamos lá, pelomenos por uma hora— eu disse enquanto tomava
outrogoledabebida,apesardetudo.—Sevocêodiar,podeirembora.—Porqueissoétãoimportante?—Jennmeperguntoupondoolápisde
voltasobreamesa.—Vocênuncafoidebaladaantes.—Nãoébalada.Éumabanda,apresentandoumshow.Elaajeitouosóculoseemseguidabaixouavistaparaolivroàfrente.—Équenãoéminhapraia,Sydney.Desculpa.Euaconheciabem.QuandoJenndecidiaumacoisa,nãomudavadeideia
depois.—Tudobem.Semproblemas.Elasorriuparamimeambasvoltamosàlição.Amúsicacontemporânea
defundo,obolinhodemirtilodeJenneaminhafatiadebolodecenoura,amesapertodajanela:tudotãofamiliarquantomeuprópriorosto.Masmevi incapazdemeconcentrarnocálculo,não importavaoquantotentasse.Apenasfiqueiali,ouvindoolápisdeladeslizarsobreapáginaatéahoradeirembora.Assim,euestavasozinhaquandoentreinoBendonanoiteseguinteeum
cara parrudo com uma tatuagem vermelha no pescoço carimbou minhamão. Eu havia tido uma reunião do meu trabalho em grupo de inglêsduranteoalmoço,entãofuiapenascomomeuconviteinformaleumaboadosedereceio.Semfalarnamentira.—Vocêvaisair?—minhamãeperguntouquandodesciaescadadepois
do jantar, após trocar de roupa duas vezes antes de voltar à primeira
escolha.Elaolhouparaorelógio.—Nãosabiaquevocêtinhaplanos.—SóvouencontrarJenneMeredithparaumasobremesa—eudisse.—
Voltoàsdez.Elaolhouparaomeupai,sentadoaoladodelanosofá,comoseelefosse
fazer alguma objeção. Como ele não fez, preferindo manter os olhos nocanal de notícias vinte e quatro horas da região e num relatório sobre anovadivisãododistritoescolar,eladisse:—Talvezsejamelhoràsnoveemeia.Senti uma fagulha de irritação. Diferentemente de Peyton, eu jamais
tinha feito qualquer coisa para merecer desconfiança. Apesar de estarmentindonaquelemomento,mesentiofendida.—Sério,mãe?Jáestounosegundoano.Então ambos olharam paramim.Minhamãe arqueou as sobrancelhas
paraomeupai,quedisse:—Precisolembrarquesomosnósquefazemosasregras?— Ah, vamos — repliquei. — Meu limite é às dez desde que tirei a
habilitação.—Asuamãequervocêemcasamaiscedo—elerebateuvoltandoàTV.
—Façaissoestanoiteedepoisconversamos.Aíaminhafagulhavirouumalabareda.Olheiparaaminhamãe.—Mesmo?Ela não dissemais nada. Simplesmente voltou a ler a revista no colo.
Permaneci ali por umminuto e depois outro. Então deimeia-volta e saí.Nãoconseguiamelembrardaúltimavezemquetinhaficadocomraivadaminhamãe.Nosúltimostempos,sótinhasentidopenaetristeza,alémdeumanecessidadeimensadeprotegê-la.Araivaeranova,emedeixoutensa.Comosefossemmudançasdemaiseeunãoestivessepreparada.EntreinoBendoenão tinhaamenor ideiadoque fazer.Eraum lugar
grande,comasparedespintadasdepretoeumbarnumadaslaterais.Napartedafrente,opalco,ondeabateria,osmicrofoneseosamplificadoresestavammontados.Euesperavaqueolugarestivesselotadoequeeulogomeperdessenamultidão,massóhaviaumpunhadodepessoas,amaioriadelasreunidaemtornodeumasériedecaixadepizzasnumadaspontasdobar.Mesentideslocadanahora,quissairantesdepassarvergonha.—Ei,vocêveio.Olhei para trás e vi Eric, o cara do violão. Ele vestia um jeans e uma
camisa xadrez que pareciam ter saído de um brechó e carregava umafinadornobolsodafrente.Pareciatercortadoocabelo.—Euestavacuriosa—disse.
Elesorriu,comoseaquilooagradasse.—Estanoitevamostentarumascoisasnovasemquetemostrabalhado.
Émeioexperimental.Esperoqueopúblicoacompanhe.Fizquesimcomacabeça;nãosabiaaocertooqueresponder.No fim,
nãodeviatermepreocupado,porqueelecontinuouafalar:—Agentetemevoluídomuitocomobandaultimamente,oqueeuacho
essencial.Amúsicanãoéestática,certo?Entãovocênãopodeser.Noanopassado, focamos bastante em fazer um som de pegada mais rockabilly-barra-bluegrass-barra-metal. Quer dizer, ninguém fazia o mesmo que agente.Mas,claro,logotodomundocomeçouacopiaronossosomeanossaabordagem, então eu precisei pensar na frente de novo. Vou dizer paravocê: dámuito trabalho ser líder de uma boa banda. Qualquer um podeliderarumabandalixoesemcriatividade.Amaioriadaspessoasfaz isso.Maseu…De repente, senti uma mão agarrar meu braço e me afastar de Eric.
QuasetropeceidetãosurpresaatéperceberqueeraLayla.Elaestavacomumvestidoazul,chineloseosolhosbemmarcadoscomdelineadogatinho.—Estoufazendoissoparaoseuprópriobem—eladeclaroudiantedo
meuolhardedesculpasparaEric.—Vocênãoquerserarrastadaparaumadiscussãosobrebandascomele.Nãodápraescapar.Depois dessas palavras, ela me depositou num banco do bar e se
empoleirounobancoaolado.Logoemseguida,Ericsejuntouanóscomardescontente.—Euestavafalando—eledisseaLayla.—Vocêestásemprefalando—elareplicou.—Eelaéminhaamiga.Eu
queaconvidei.Pisquei,espantada.Entãoéramosamigas?Ericfezcarafeiaparaelaeem
seguidapegouumpedaçodepizzaeapoiouascostasnobalcão.—Jáveioaquiantes?—Laylameperguntou.Fizquenãocomacabeça.—Éumlugarbemlegal,tirandoofatodetudoestarsempregrudento.
Querumafatia?Antesqueeupudesseresponder,elapegoudoispratosdepapeldeuma
pilhapróximaepôsumafatiaemcadaum.—Pizzaéachavedapopularidadedabanda—eladisseaodeslizarum
dospratosnaminhadireção.—A ideia é: se vocêalimentaopúblico, elevem.—Elevemporcausadamúsica—Ericdisse.—Quebomquevocêacreditanisso.
Laylasorriuparamime,enquantoabocanhavaumbompedaçodepizza,olhouparaopalco,ondeoirmãoajustavaalgonabateria.—Eentão?ComofoiaprimeirasemananaJackson?—elaperguntou.—
Sejasincera.Engolioqueestavamastigando.Apizzaestavaótima,aindamelhordo
queeumelembrava.—Nãomuitoboa.—Vocêacaboudesemudarparacá?—Não.MetransferidaPerkinsDay.Aessaspalavras,elaeErictrocaramolhares.—Uau—eledisse.—Láébemcaro.—Eumaescolamuitoboa—elaacrescentou,fuzilando-ocomosolhos.
—Porquetrocoudeescola?Umabatidadospratosdabateriaecooudopalcoseguidadeumtestede
som.—Euprecisavadeumamudança—respondi.Laylaanalisoumeurostoporumsegundo.—Entendo.Mudarébom.—É—concordei.—Éoqueesperopelomenos.Derepente,Laylaobservoualgoatrásdemim,distraída.Seguiadireção
de seus olhos e vi uma garota um poucomais velha que a gente entrar;usando jeans, camiseta e o cabelo preso num rabo, ela empurrava umacadeiraderodas.Sentadanela,haviaumamulhervestindoumconjuntodeveludo.Eraapessoamaisvelhanacasaporpelomenosvinteanos.Como sempre acontecia quando via alguém numa cadeira de rodas,
pensei em David Ibarra. Era um dos gatilhos que disparava em mim alembrança do rosto dele— que eu conhecia bem por conta de todas asfotos de jornal e reportagens na internet que procurei nos dias emesesseguintes ao que aconteceu — e me fazia reviver tudo aquilo. Outrosgatilhos:barulhodepneuscantando;alguémdebicicletanarua;e,parasersincera,osomdaminhaprópriarespiração.Elenuncaseafastavamuitodaminhaconsciência.Apesardafilosofiadaminhamãedeseguiremfrente,ofato de eu conhecer seu rosto e relembrá-lo com frequência era minhapenitênciapeloquePeytonfizera,asentençaqueeurecebera.O fato de ele ter acabado de fazer quinze anos quando o acidente
aconteceu. Um jogador de futebol, um atacante. O fato de o impacto terdestruído sua coluna, deixando-o com os movimentos dos braços e dotronco,masdependentedecadeiraderodas.Euconseguiriafazerumalistadetodasascampanhasdedoaçãoorganizadasparacomprarumacadeira
de rodasmoderna para ele— bazares comunitários, shows beneficentes—,bemcomoas instituiçõesdecaridadeengajadasem tornara casadospaisdelecompletamenteacessível,comrampas,portasmaislargasenovasinstalações.Procureiessasinformaçõesporquesentiaqueerameudever,comosepudessediminuirminhaculpa.Maselanuncadiminuiu.—Elaschegaram—Layladisse,agoraparaEric,metrazendodevoltaà
realidade.—Vamos.Amboslevantarameseguiramemdireçãoàsenhoranacadeiraderodas,
queagorajátinhasidoempurradapelagarotaatéomeiodosalão.Eunãosabiadireitooquefazer,entãopermanecisentadaeobserveiEricarrumaruma mesa enquanto Layla assumiu a cadeira de rodas e a levoucuidadosamenteatéela. Instantesdepois,o irmãodeLaylaapareceucomumalatadepepsieumcopocomgelo.Eleserviuabebidaeapôsnamesaenquantoagarotamaisvelhasentava.Laylaolhouparamimemechamoucomumgesto,comosetudoaquilo
fosse a coisamais natural domundo. E talvez fosse, porque eu obedeci.Quandochegueiàmesa,eladisse:—Oi,mãe.EssaéaSydney.Lembraqueeufaleidelapravocê?Amãedela levantouosolhosparamim.Ela tinhaumrosto redondoe
terno, usava batom vermelho e o cabelo loiro com certeza tinha sidopenteadoparaaocasião.Elaestendeuamão.—TriciaChatham.Éumprazerconhecervocê.—Oprazerémeu—eudisse.—Querpizza?—Laylaperguntou.—Aindaestáquente.—Ah,não,querida.Trouxemeuprópriolanche.Rosie,vocêpodepegar
minhabolsa?Aessaspalavras,agarotamaisvelharemexeuatrásdacadeiraderodas
esoltouumadasbolsasacolchoadasgrandesecoloridaspenduradasali.Arosacomestampadeflores.Elaaabriueapôssobreamesa,eamãelogoenfiouamãoerevirouointeriordabolsaporumtempoantesdetirarumpotedesalgadinhosdequeijo.Semninguémpedir,oirmãodeLaylatirouatampaedevolveuàmulher.—EsseéoMac—Layladisseapontandoparaele.—Eessaéaminha
irmã,Rosie.Disse oi e Rosieme cumprimentou com a cabeça. Reparei que as três
mulherestinhamomesmocabeloclaroeolhosverdes,masdistribuídosdemaneiradiferente:emexcessonamãe,emfaltaemRosieenamedidacertaemLayla.Macclaramentetinhapuxadoocabeloeosolhosescurosdopai.—Quando amúsica vai começar?— amãe deles perguntou pegando
uma porção de salgadinhos. — Alguns de nós temos que voltar àprogramaçãodaTV.—Mãe,agentepôsaTVpragravar—Rosiedisse.—Éoquevocêdiz.—Elacomeuumsalgadinhoeentãoseviroupara
mim.—Nãoconfionatecnologia.Especialmentequandomeusprogramasestãoemjogo.—ElagostamuitodeTV—Laylameexplicou.Depois,olhouparaErice
arqueouassobrancelhas.—Certo—eleconfirmou.—Vamosnosaprontar.EleeMacsaíramrumoaopalco.Enquantoisso,Laylapegoumaisduas
cadeiraseascolocoujuntodamesa.Emseguida,fezumgestoparaqueeusentassecomela.— Então, Sydney— a mãe dela disse ao pegar mais um punhado de
salgadinhos.—Qualéasuahistória?—Mãe—Rosiedisse,revirandoosolhos.Elasentavacomumapostura
muitoeretaeaspernasbemcruzadas.—Porfavor,né?—Oquê?Éfaltadeeducação?—Sevocêprecisaperguntar,arespostaprovavelmenteésim—Rosie
respondeu.Amãedelanãodeubolaecontinuouaolharparamim.— Hum… Eu acabei de me transferir para a Jackson. Mas moro em
Lakeviewdesdeostrêsanos.— Ela estudava na Perkins Day — Layla acrescentou. Rosie e a sra.
Chathamseentreolharam.—Precisavadeumamudança.—Todosprecisamos—Rosiedisseemvozbaixa.— A Perkins Day é uma escola excelente— disse a sra. Chatham.—
Melhoravaliaçãododistrito.— Minha mãe trabalhava na administração de escolas — Layla me
explicou.—Foivice-diretora.—Pordezanos—asra.Chathamacrescentou.Elameofereceualatade
salgadinhos,querecusei,edepoisapassouparaLayla,quepegouum.—Aindaestarialásenãotivesseficadodoente.Euadoravaotrabalho.— Ela tem esclerose múltipla — Layla disse. — Com outras
complicações.Épéssimo.— Concordo. — A sra. Chatham ofereceu a lata para Rosie. Então
balançou a cabeça. — Mas cada um tem seu fardo no mundo. O quepodemosfazer?Em resposta, um chiado estridente soou no palco, o que fez todos se
encolherem.
—Ótimo.Jáestoucomdordecabeça—Rosiedisse.—Tenhampaciência—asra.Chathamfalou.—Elesvêmtrabalhando
emcoisasnovas.Parecequeébemexperimental.Achei graça, e ela viu o meu sorriso e retribuiu. Se antes era só uma
intuição,naquelemomento tive certeza.Estavamuito,masmuito felizdeterido.Eric,jáatrásdomicrofone,batucouaguitarracomosdedosecomeçou:—Um,dois,três.E então tocou alguns acordes. Outro guitarrista, alto emagro com um
pomodeadãoquedavaparaverdelonge,subiuaopalco.—Um,dois.Laylafezcaradetédioevirouparamim.—Elesjáfizeramapassagemdesom.Céus,comoeleéestrelinha.OlheidenovoparaEric,quetinhaviradoparafalarcomMac.—Entãovocêsjánamoraram?—perguntei.—Quandoeueraaindajovem,verdedejulgamento—elarespondeu.Diantedomeuolharconfuso,elaexplicou:—CitaçãodeShakespeare.Vamoslá,PerkinsDay,nãodeixeonívelcair!Fiqueisemgraça.—Foimal.— É brincadeira. — Ela estendeu a mão, agarrou o meu braço e o
chacoalhou.—E sim: nós namoramos. Emminha defesa, digo que aindaestavanosegundoanoeeraumaidiota.Ericjáestavadevoltaaomicrofoneeàcontagem.—Elenãoparecetãoruim.—Elenãoéruim.—Elaprendeuo cabelo.—Só temumegoenorme
que, se ninguém ficar de olho, é uma ameaça para a sociedade. Por issotentofazeraminhaparte.—Um,dois—Ericrepetiu,batucandonomicrofone.—Um…—Todomundoestáouvindo!—Laylaberrou.—Comecemlogo!Asra.Chathampediuparaafilhafazersilêncio,masabroncafuncionou:
depoisdeseapresentaremcomo“anovaversãoaprimoradadarenomadabandalocalHeyDude”,começaramatocar.Eunãoeraexpertemmúsica—ecomcertezanãotinhapadrõesmuitoaltos—,masacheiosomdelesbom.Umpoucobarulhentodemais,masestávamospertodopalco.Nocomeço,nãoconseguientenderoqueEriccantava,emboraamelodiafossefamiliar.Logo que o refrão começou, porém,me dei conta de que na verdade eusabiaaquelamúsicadecor:
Elaéarainhadobaile,comsuacoroadourada,Passapormimeficosóolhando…FaleinoouvidodeLayla:—Poracasoissoé…—LoganOxford—ela completouparamim.—Lembra?Eu tinhaum
pôsterdelenaparedequandoestavanosextoano.Eutinhaumcadernocomfotosdelenacapa.Assimcomoabsolutamente
todas as músicas que ele tinha gravado na vida e até uma cópia dodocumentário Essa é pra você, com trechos de seus shows. Apesar davergonhaemadmitir,quandoeramaisnovanutriaaquele tipodepaixãoquemefaziaimaginarcomoseriacasarcomele.Ai,quevergonha.Naquelemomento, no meio da casa de shows grande e grudenta, senti umaavalanchedelembranças.DesejeiqueJenntivessevindo.Elaeraaindamaisloucaporele.—Nãoentendi—Rosiegritouparaquenósaouvíssemosdooutrolado
damesa.—Elesagoratocamhitsultrapassados?—Euacho—asra.Chathamcomeçou,enquantopegavaocopodepepsi
—queéumatentativadeironizarauniversalidadedaexperiênciadoiníciodaadolescência.Mastalvezeutenhaentendidoerrado.Confessoquepossotermedistraídoemalgummomento.—EuamavaLoganOxford—Laylasuspiroucomendooutrosalgadinho.
—Lembradocabelodele?Eascovinhasquandoelesorria?Eulembrava.—Elenãofoipresopordrogas?—Rosieperguntou.—Olhaquemfala.Pisqueideespanto.MasRosie,longedeseincomodar,apenasmostrouo
dedoprairmã.—Senhoritas—asra.Chathamdisse.—Comportem-se,porfavor.Dizer que eu estava chocada seria um grande eufemismo.Quem eram
aquelaspessoas?HeyDudetinhaterminadodetocar“Rainhadobaile”e,depoisdeuma
transição meio atropelada, emendou com “Eu+você+esta noite”. Agarotinhadetrezeanosdentrodemimquasedesmaioudeemoção;olheiparaLaylaenoteiqueelacantavajunto.Eladisse:—Lembradoclipe?Eleestavanumconversível,dirigindopelodeserto
sozinho…— E as luzes apareciam ao longe, e de repente ele estava numa rua
movimentada—completei.
—Sim!—Eupasseianosquerendoumcarrodaquele—eudisse.Laylaapoiouoqueixonamãoesuspirou.—Euaindaquero.O show continuava, e cada canção trazia consigo uma lembrança dos
meusanosconstrangedoresnocomeçodaadolescência.DepoisdeoutradoLoganOxford,elestocaramumadoSTAR7(“Amor,medáoutrachance,juroque vai ser diferente”) e ummix demúsicas do Brotown; uma delas, eulembravaclaramente,foiaprimeiramúsicalentaquedanceinavida.Teveumpoucodemicrofonia, e Eric se inclinavamuito perto domicrofone, oqueabafavaasuavoz,masláprofinaldoshowumnúmeroconsideráveldepessoas tinha se juntadoperto dopalco, amaioria garotas.Quandoduasmorenaspassaramcorrendopelanossamesa,cantandoaltoerindo,Laylaestreitouosolhos.— Oh-oh — disse. — Acho que Eric ganhou umas tietes. Dá pra
acreditar?—Não—Rosiedisseseca.MasEricestavaadorando.Suaempolgaçãoeraevidente,emaisumavez
ele cantou perto demais do microfone, antes de tocar os acordes finaisfazendograça.Osaplausosforamrealmentealtos,evieramacompanhadosdegritoseassovios.Asra.Chathamolhouaoredor,sorridente.—Ora,vejamsó—eladisse.—Talvezelestenhamfuturomesmo.Ericcomeçouaacenarparaaplateia,absorvendocadainstante,aopasso
que Mac e o outro guitarrista deixaram o palco. As morenas abriramcaminho até a frente e conseguiram chamar a atenção de Eric, que seabaixoue levouamãoàorelhaparaouviroqueumadelas falava.Dessavez,Laylaficouquieta.—Com licença—ouviumavozatrásdagente.Erauma ruivavestida
com uma camiseta preta justa e jeans brancos. — Mas você é RosieChatham?Rosieaencarou.—Sou.—SouHeatherBanks.EupatinavanapistadeLakewoodquandovocê
estavalá,nãoseisevocêlembra.O rostodeRosie assumiuumaexpressãonãomuito acolhedora.A sra.
Chathamdisse:—Quemaravilha!VocêtreinavacomArthur?—Não,comWendyLoomis.Esóestavafazendoaulas,nãoiacompetir.
—AmoçavoltouaolharparaRosie.—Équeeuprecisodizer…vocêera
incrível.Ondevocêtreinaagora?—Nãoestoutreinando.—Ah—Heatherexclamou,corando.—Eunãosabia.Eu…—Elateveumalesão—asra.Chathamcontou.—Problemanojoelho.
MasantesdissopassoudoisanosemturnêcomacompanhiaMariposa.—Uau!Queincrível!Entãovocêera,tipo,umadaspersonagens?— Vou pegar uma bebida— Rosie anunciou e afastou a cadeira. Em
seguida,simplesmentefoiemboraedeixouacoitadaláparada.—Éumassuntosensível—asra.Chathamexplicoudepoisdosilêncio
constrangedorqueseseguiu.—Esperoqueentenda.— Ah, totalmente! — Heather disse. — Eu só, hum, queria dizer oi.
Tenhamumaboanoite.—Vocêtambém,querida—asra.Chathamrespondeu.Assim que a garota saiu, ela olhou para o bar, onde Rosie conversava
comMac.Olheibemparaela,eentãopercebiqueelatinhamesmocorpodepatinadora: pequeno, atlético e compacto. Ela meio que me lembravaMeredith,emboramaisvelhaecomumaaparênciaumpoucodescuidada.—Rosietemproblemas—Laylameexplicou.—Todomundotemproblemas—amãedisse.—Agoravailáverseela
estábem.Decarafechada,Laylalevantouedeixouamesa.Mepergunteisedeveria
ir junto,mas isso significaria deixar a sra. Chatham sozinha. Então fiqueiondeestava.Depoisdeuminstantedesilêncio,eladisse:—Quebomquevocêveio.Eunãosabiadireitoseelaestava lendoaminhamenteousefalavado
seupontodevista.—Euestavanervosa—eudisse.—Nãoconhecianinguémetal.—Masagoravocêconhece—elafaloucomumsorriso.—Eficofelizde
verLaylacomumanovaamiga.Osúltimostemposforamdifíceisparaela.—Ouvidizerqueelaeonamoradoacabaramdeterminar.— O segundo em três meses — a sra. Chatham disse, balançando a
cabeça.—Osgarotosnessa idadepodemserbemcruéis.Masnem todossãomaus.Pelomenoséoquesempredigoaela.Macapareceubemnaquelahoracomumalatageladadepepsi.Eleusava
umacalça jeanseumacamisetadesbotadadaSeasidePizza,epareciatersuadobastanteduranteoshow.Nãoqueeutenhaficadoolhandomuitooucoisaassim.—Esseéomeugaroto—amãedeledeclarouquandoeleabriualatae
encheuocopodela.—Obrigada.
—Algomais?—Nada.Sentacomagente.Elesentoubemdomeulado,oquefoiumpouquinhotenso.Napizzaria,
haviaumadistânciaentrenósnamaiorpartedotempo:aporta,obalcão,ou ele estava de pé e eu sentada. A proximidade evidenciava coisas quepassarambatidas antes, como seus cílios longos e amanchinha suavenoseunariz,bemcomoacorrentinhaprateadaquedespontavadagoladesuacamiseta.—Salgadinho?—asra.ChathamperguntouaMac,estendendoalata.—Sério,mãe?—Comoassim?Écálcio.Mac fez cara de tédio e levantou os olhos para o palco. Então a sra.
Chathamcomentoucomigo:—Eleestátãosaudávelultimamente.Éumsaco.—Diabetesprecocetambéméumsaco.Amãesuspiroueestendeualataparamim.Comohesitei,eladisse:—Viuoquevocêfez?Elanemconseguepegarum.Vocêtraumatizoua
menina.Macolhouparamim.—Desculpa.—Tudobem.—Sentiorostoqueimar.Oquefaziasentido,porqueele
eramaisbonitoqueoLoganOxfordnoaugedacarreiraequeoDave!daFrazierjuntos.—Eu,hum…,nuncafuimuitofãdesalgadinhomesmo.Céus,comoeueraidiota.Nemsabiaoqueestavadizendo.GraçasaDeus
Laylaescolheuaquelahoraparavoltaràmesa.—Ericestáprocurandovocê—ela informouoirmão.—Elequer,nas
palavrasdele, “fazer comentárioseobservações sobreo seudesempenhopessoalmente”.— Ótimo—Mac disse secamente e levantou. A correntinha prateada
desapareceu de novo e se perdeu de vista.—Mãe, você vai ficar para asegundaparte?—Ah,querido,estoumuitocansada—asra.Chathamdisse.—Eomeu
programapassaàsdez,então…—Eujádisse—Rosie,quetinhasejuntadoanósdenovo,interveio—,
programeiparagravar.Aoouvirisso,lembreiderepentequetambémprecisavaestaremalgum
lugarnumadeterminadahora.Olheiparaorelógio:noveepouquinho.—Naverdade,tambémprecisoir—anunciei.— Deixe-me adivinhar — Layla disse. — Você também é viciada em
Status:Misteryenãoacreditaqueatecnologiavaifuncionarcorretamentenasuaausência.Rosieriu,eeudisse:—Ah,nãoébemisso.Geralmenteposso ficar foraatémais tarde,mas
aconteceram umas coisas. Minhamãe quer que eu fiquemais por perto.Entãoeudissequevoltariamaiscedoestanoite.Sódepoisdeterminaressemonólogopercebioquantotinhasidolongo
e desnecessário. Não fazia ideia de por que sentira necessidade de meexplicartantoparapessoasqueacabaradeconhecer,epelojeitoqueelesmeolharamquandoconcluí,tambémnãotinhamentendido.Ops.—Bom,entãoémelhorir—disseasra.Chathamparaenfimmesalvar.
—Masnãoseesqueçadenós.Passaláemcasaqualquerhora.Fizquesimcomacabeçaelevantei.—Obrigada.—Vamos acompanhar você—Layla disse olhando paraMac.—Esse
estacionamentopodeserumpoucosinistro.Agentejávolta,mãe.A sra. Chatham acenou para nós e segui Layla através da crescente
multidãoatéaporta,comMacatrásdemim.Espremidaentreosdois,noteiaspessoasnosexaminandoenquantopassávamos,etivecertezadequeeueraapeçadiferente,apartequenãoencaixava.Masessesentimentonãoeranovo.E,pelomenosali,faziasentido.—Onde você estacionou?—Layla perguntou assim que chegamos no
estacionamento.Apontei na direção do carro. Depois de caminharmos por entre
grupinhosaoredordeseusprópriosveículos,eladisse:—Uau.Belocarro.Éumaversãoesportiva?Olheiparaomeu carro,umaBMW que foradaminhamãeantesde ela
decidirterumutilitárioesportivo.—Talvez—eudisse,mesentindoumacompletaignorante.—Eunão…—É um 2007—Mac disse ao olhar o interior.— Automático. Então
achoquenão.—Masparecequederamumaincrementada.Olhasóasrodas.—Layla
soltouumassoviobaixo.—Sãodemais.Meu rosto devia estar tão perdido quanto aminhamente, porque um
segundodepoisMacmeolhouedisse:—Ah,foimal.Équeonossopaiéfãdecarros.—Emcasaagenterecebeeducaçãoobrigatórianessetema,quergoste
ounão—Laylacomplementou.—Edepoisquevocêaprendeessascoisas,éimpossívelnãoreparar.Acredite.Eutentei.
—Ei,cara!—ouvialguémberrar.TodosviramosparadarcomEricnaentradadacasa,aparentementeirritado.—Sevocêsnãoestiveremmuitoocupados,queromeubateristadevolta.—Ele não é seu!— Layla gritou de volta.—Até onde eu sei, bandas
funcionamnabasedacolaboração.—Tantofaz—Ericrespondeuantesdejogarasmãosparaoaltoevirar
paraentrardenovo.—Vamos retomaro showemcincominutos. Seeleestiverafimdesejuntaranós.LaylariueMacaolhoucomacarafechada.—Desculpa,desculpa.MasétãofáciltirarEricdosério.Evocêtemque
reconhecerqueeleficabeminsuportávelquandoentranomodoestrelinha.—Verdade—Macadmitiu.—Masvocêtambémnãoajuda.Jáeramnoveequinze.Euprecisavamesmoir.Destraveiocarro,asluzes
piscaram,edeiumpassoàfrenteparaabriraporta.—Obrigadapeloconvite—agradeciLayla.—Foimuitodivertido.—Quebom—eladisse.—Eminhamãetemrazão.Vocêprecisairláem
casa qualquer dia desses. Vou ensinar umas coisas sobre o seu carro.Mesmoquevocênãoqueiraaprender.—Parecebom—faleicomumsorriso.—Nosvemosnaescola,Sydney.ElamedeuumacenoedepoisapertouopassoparasejuntaraMac,que
já voltavapara o show.O estacionamento estava bemmais cheio doquequandocheguei,ecadavezapareciammaiscarros.Paraalgumaspessoas,anoitemal tinhacomeçado.Eradifícildeacreditar,principalmenteporqueminha noite já tinha sido a mais animada que tive em, sei lá, séculos.Observei os Chatham cruzarem o estacionamento até se perderem namultidão diante da porta. Então corri para casa, rezando pelos sinaisverdes,eembiqueinagaragemàsnoveetrintaecinco.Entreiemcasacomas desculpas prontas, mas encontrei o andar de baixo vazio. Minhamãeestavanacama,emeupai, trancadonoescritórionuma ligação.Eu tinhafeitoacoisacerta.Eusemprefazia.Seriabomsealguémnotasse.
5
O panfleto estava à minha espera na mesa quando desci para o café damanhã na segunda-feira. Vi logo que entrei na cozinha, mas só quandochegueipertopudeleroquedizia:
DIADAFAMÍLIA:sábado,20desetembro,das13hàs17h.INFORMAÇÕES:[email protected]
—Oqueéisso?—pergunteiàminhamãe,queestavanofogãomexendo
obaconnafrigideira.Elameolhouporcimadoombro.—VaisernaLincolndaquiaalgumassemanas.—MasPeytonnãoquerqueeuválá—eudisse.—Certo?—Nãoéqueelenãoqueira.Éque…—Elahesitouesoltouumsuspiro.
—Minhaesperançaéqueessaoportunidadepossafazê-lomudardeideia.Logoquemeuirmãofoipreso,tevedepreencherformuláriosparacada
visitante que queria receber.Meus pais estavam garantidos, claro, assimcomoAmes,eminhamãeachavaqueeutambém.MasapesardeaLincolnpermitir—eatéencorajar,porqueacreditavaqueocontatocomafamíliaera importanteparaos internos—a entradade crianças e adolescentes,Peytondissequenão,nãoqueriaqueeufosselá.Eissomedeixoumuito,muitofeliz.Minhamãe,poroutrolado,estavaconvictadequeelemudariadeideia
maistarde.Elaqueriaqueeufizessepartedaquilo,assimcomoqueriaqueeufalassecomPeytonquandoeletelefonavaeescrevessecartasparaele,duascoisasaqueeuresistia.Sabiaqueissometornavaumapéssimairmã.Masseeunãosaberiaoquedizeraomeuirmãoseelesentassenaminhafrentenaquelamesmíssimamesada cozinha, saberiamuitomenos agoraque ele estava trancado numa prisão em outro estado. Era natural tanto
paraminhamãequantoparaAmespermanecercompletamentenotimedePeyton, apesar do que ele fizera com David Ibarra, sem falar na nossafamília.Paramim,nãoeratãofácil.Eutinhafaladocomeleapenasduasvezesdesdequeelefoiembora.Em
ambasocasiões,eueraaúnicapessoaemcasaparaatenderotelefone.Nãohaviaaopçãodedeixartocaratécairnasecretáriaeletrônica.Peytonnãotinha acesso fácil ao telefone. Quando ele conseguia ligar, tínhamos queaceitarachamadaeconversarportodootempodisponível.Ponto.Eutinhaaprendidoessaliçãonamarra,numatardeemqueaminhamãe
estavanomercado.Atendi, aceitei a chamada e então esperei emmeio aumasériedecliquesebipesaté,enfim,meuirmãofalar:—Sydney?Foiaprimeiravezqueescuteisuavozemmaisdeummês.Eleparecia
distante,comose falasse longedobocal.Alémdisso,a ligaçãochiavasemparar,oquetornavadifícilentender.—Oi!—cumprimentei.—Amamãenãotá.Me arrependi um instante depois de ter falado isso. Emminhadefesa,
porém,elesempre falavacomela.Semeupaiatendia,asconversaserammais curtas e tratavam mais de questões legais do que qualquer outracoisa.—Ah.Houveumapausa,eentãoeleperguntou:—Comovocêestá?—Tudobem.Evocê?Estremeci.Ninguémperguntacomoumpresidiárioestá. Simplesmente
assumequearespostaé“nãomuitobem”.MasPeytonrespondeumesmoassim:—Tudocerto.Apiorparteaquiéotédio.Eusabiaqueeleestavaapenasjogandoconversafora.Massóconseguia
pensar em David Ibarra na cadeira de rodas. Devia ser bem entediantetambém.— Você precisa me escrever uma carta — ele disse em seguida. —
Contarasnovidades.Jáeradifícilconversardaquelejeito,eeleaindaqueriaqueeupusesseas
palavrasnopapel?Minhamãetinhaditoqueocorreiopodiaserumfatorimportantíssimo para a saúde mental dos detentos. Por isso convocouváriosparenteseamigospróximosaenviar cartase cartões-postaisparaPeyton. Até fornecia selos e envelopes já endereçados; uma pilha delespermanecia intocada na escrivaninha do meu quarto. Sempre que eu
cogitavapegarumpapeletentarescrever,sóconseguiapensaremencheraqueleespaçobrancocomtodasaspalavrasqueeununca, jamaisdiria.Osilêncioeramaisseguro.Acabei por desligar logo em seguida, e disse a ele que avisariaminha
mãe sobre o telefonema. Quando ela entrou em casa, dez minutos maistarde,deiorecadoeelaficoufuriosa.—VocênãoesperouatémandaremPeytondesligar?—elaquis saber,
soltando umadas sacolas de pano cheias de compras no balcão.—Vocêsimplesmentedesligounacaradele?—Não—respondi.—Agentesedespediuantesdedesligar.—Maselepodiaterfaladomais?Ninguémomandouparar?Derepentesentivontadedechorar.—Eu…eusintomuito.Minhamãemordeuolábioemeencarouporumlongotempo.Porfim,
soltouumsuspiroepôsasmãosnosmeusombros.— Sydney, você não sabe como é importante para o seu irmão ter
contatocomomundodefora.Nemquevocêsconversassemsobreotempo.Ousobreoquevocêcomeunoalmoço.Apenasfale.Faleatéotempodelenotelefoneacabar.Éfundamental.Vocêentende?Confirmei com a cabeça; não sabia se seria capaz de responder sem
soluçar. Quando elame deu as costas para guardar as compras, preciseirespirarfundováriasvezesatémeacalmarobastanteparaajudar.AsegundavezquefaleicomPeytonfoiquandochegueiemcasadepois
deumcafécomJennedepareicomAmescomeleaotelefone.— Sua irmã linda acabou de entrar — ele disse antes de me
cumprimentar com a mão livre. — Sim. Ah, não se preocupe. Estoumantendoosgarotoslongedela.Elesvãoterquepensarduasvezesantesdeseaproximardanossagarota.Sentimeurostoqueimar,comosempreaconteciaquandoelediziacoisas
dessetipo.Distraído,elemeabriuumsorrisoepuxouacadeiraaoseulado.—Sim,elaestábemaqui.Voupassarpraela.Não.Vouestaraídaquiuns
dias com o dinheiro para amáquina de refrigerante namão. Certo. Falacomela.Eleestendeuofoneparamimeeupeguei.Obocalestavaquentedoseu
hálito,entãoprocureimanteroslábioslongeaodizer:—Oi,Peyton.—Oi—eledisse.—Comovãoascoisas?—Tudobem—olhei paraAmes, quemeobservava.—Você, hum, já
faloucomamamãe?
—Sim.Foielaqueatendeu.—Ah,certo—eudisse.—Bom…Um tom alto soou na linha seguido de uma gravação avisando que a
ligaçãoseriainterrompidaemtrintasegundos.—Melhoreuir—meuirmãodisse.—Digaàmãequeeuaamo,certo?—Claro—respondi.—Tchau,Sydney.Não respondi. Logo a linha ficou muda. Continuei parada por um
momento deixando o tom de discagem preencher meu ouvido antes debotarofonenogancho.—Acabouotempo.—Sempreacabarápidodemais—Amesdisseesorriuparamim.—Ele
parecebempelavoz,não?Fizquesim,emboraparamimelenãoseparecessecomnada.Nemcom
Peyton.Masaquilotinhasidonotelefone.NoDiadaFamília,seriacaraacara.De
volta à cozinha, eu estava sentada brincando com o garfo e minha mãesentouàminhafrente.Ocheirodebaconfritotinhamedeixadosalivando,masdepoisdanotícia,comereraaúltimacoisaqueeuqueria.—Opapaivainesseencontro?—Seestivernacidade—eladisse,dandoumamordidinhanatorradae
umgoledecaféparadescer.—Senão,seremossóvocê,eueAmes.Apoieiogarfodevoltanoprato.—Nãosei—eudisse.—Tenhomedodesurtaroucoisaassim.Elameencarou.—Surtar?Deideombros.—Équeémeioassustador.— É mesmo — ela concordou e tomou outro gole de café. Quando
retomou a fala, seu tom estava mais áspero. — É muito assustador.Especialmente para o seu irmão, que está trancafiado, sozinho, semqualquerapoioalémdenós,suafamília.—Mãe…—eudisse.—Seelepodeaguentar isso por dezessetemeses—ela continuou—,
acho que você pode aguentar umas poucas horas de desconforto. Nãoconcorda?— Sim — respondi baixinho. Ela ainda me encarava, então repeti a
resposta,maisalto:—Sim.Foiaúltimavezquefalamosdaquilo.Quandochegouahoradeeuirpara
a escola, ela já tinha voltado ao normal: perguntou se eu tinha dinheiropara o almoço e acenou para mim da janela quando tirei o carro dagaragem.Paraela,oassuntoestavaresolvido.Eu,porém,aindaestavaabalada.Naescola,desligueiomotorefiqueino
carro,observandoasoutraspessoasiremparaasalaatéosinaltocareeunãoterescolhasenãomejuntaraelas.Jennligouquandosaíparaoalmoço,seguindonossanovarotina.Elae
Meredith me colocavam no viva-voz, como se eu estivesse lá, e mecontavam as novidades da Perkins. Algo na voz delas me tranquilizava,anulavaaconstantecacofoniadaJackson.Naqueledia,porém,foiJennqueouviualgoestranho.—Você está bem?—ela perguntoudepois deMeredithme contar da
competiçãoquetevenofinaldesemana.—Estou.Porquê?—Vocênãopareceamesma—eladisse.—Estátudobem?— Está— eu disse. A imagem do panfleto sobre a mesa passou pela
minhacabeça.—Ésóquetemmuitobarulhoaqui.Comosempre.Comoqueparaconfirmarminhaspalavras,umaexplosãodegargalhadas
soouatrásdemim.—MeuDeus—Meredithdisse.—Comovocêconsegueseconcentrar?—Eusóestousaindoparaoalmoço—respondi.—Nãoéumgrande
desafiomental.Ambas ficaram caladas por um momento. Dessa vez eu é que estava
magoandoosoutros.—Desculpa— eu disse.—Posso ligar pra vocês daqui a pouco? Vou
procurarumlugartranquilo.—O.k.—Jennrespondeu.—Agentesefalamaistarde.Meredithficoucalada.Elatinhaumaforçafísicaincrível,massempreera
aprimeiraaficarchateadacomdiscussõesoubrigas.—Tchau,Mer—eudisse,tentandoarrancaralgumareaçãodela.—Tchau—elarespondeu,maseraevidentequenãoestavabem.Elas
desligaramantesqueeupudessefalardenovo.Suspirando, cheguei aopátio. Enquanto caminhava até os trailers para
comprarcomida,deiumaolhadanogramadoondeLaylaalmoçava,masosbancosestavamvazios.Pegueiumqueijoquenteeumabebida, senteinomuroe larguei amochilano chão.Então fiz uma coisaquenão tinhamepermitidohaviasemanas:pegueiocelular,abrionavegadoredigiteiduaspalavras:
DavidIbarra
Houveumtempoemqueeufaziaissoquasediariamente.Passavahoras
seguindoapresençanainternetdaquelegarotoquejamaisconheci.SoubequeoseuapelidoeraIrmão,porque,segundoumdosmuitosartigosapósoacidente, ele tratava a todos como família. Seunomepipocava emváriosfóruns de jogos, então logo fiquei sabendo que ele era muito bom noWarworld.Oarquivodeesportesdagazetalocaltinhaoregistrodetodasas estatísticas dele no futebol: bom na defesa, nem tanto no ataque. Eembora seu perfil na Ume.com fosse privado, havia uma página públicadedicada a ele chamada Amigos do Irmão, aparentemente mantida pelairmã dele. Foi lá que encontrei amaior parte das informações sobre suarecuperação e sobre as diversas vaquinhas para ajudar nas despesasmédicas.A“AmigosdoIrmão”tambémcontinhapáginasemaispáginasdecomentáriosdosseusparenteseamigos.Muitoorgulhodasuaforça,perseverançaecoragem!Amamosvocê.
Nãovamospoderirnamacarronada,masjámandamosnossacontribuição.Vocêénossoherói,Irmão.
Mandamos desejos de melhora aqui do Texas! Não vemos a hora de encontrá-lo naconfraternização.Continuefirme.
Pensei várias vezes em deixar um comentário, embora soubesse que
jamais poderia.Meu sobrenome era a última coisa que eles queriam vernaquela página, mesmo que aparecesse seguido de um pedido dedesculpas.Àsvezes,nospioresdias, chegavaame imaginarencontrandoDavid pessoalmente e dizendo tudo aquilo que pesava no meu coração.Será que ele me escutaria e, talvez, entenderia? No momento seguinte,porém, sentia comoqueum tapana carapor ser tãopatética apontodepensarnisso.Comoseeupudesse fazeralgumacoisaparaapagaraquelanoiteedevolveromovimentodaspernasdele.Omais difícil, porém, era a descrição da página na Ume.com, postada
bemnoalto.Eupodiaxeretar centenasde comentários cheiosdeamoredesejosdemelhora.Masaquelas frasescurtassempremeatingiamcomoumsoconoestômago.
Emfevereirode2014,DavidIbarrafoiatropeladoporummotoristabêbadoenquantovoltavadebicicletadacasadoprimo.Oacidenteodeixouparcialmenteparaplégico.Estapáginaédedicadaàhistóriadele.Porfavor,deixeumcomentário.Obrigadopeloapoio.
Ali, sentada no muro, li aquelas palavras familiares uma, duas vezes.
Como se fossem uma espécie demantra, um feitiço para cancelar o quetinhaacontecidodemanhãnaconversacomaminhamãe.Eusempremelembrariadaverdade.Apenasparagarantir,porém,fizquestãodecolocá-laemdestaque,bemdiantedosmeusolhos.Não faltarammaus momentos naquelas primeiras semanas depois do
acidentedePeyton.Masumdelesmemarcou.Umcomentáriorápidoqueouvi de passagem ao descer a escada um dia. Meus pais estavam nacozinha.—Masoqueumgarotodequinzeanosestava fazendodebicicletaàs
duasdamanhã,afinal?Silêncio.Entãoveioavozdomeupai:—Julie…—Eusei,eusei.Sóficomeperguntando.Só fico me perguntando. Naquele momento tomei consciência de que
minhamãejamaisseriacapazderesponsabilizarPeytonpeloacontecido.Olaço entre eles era forte demais, apertado demais para enxergar a razão.Comosealguémmerecesseseratropeladoeficarparaplégico.Durantediasdepoisdissomalconseguiolharparaeladireito.Emfevereirode2014,DavidIbarrafoiatropeladoporummotoristabêbadoenquantovoltavadebicicletadacasadoprimo.Oacidenteodeixouparcialmenteparaplégico.Estapáginaédedicadaàhistóriadele.Porfavor,deixeumcomentário.Obrigadopeloapoio.
Sóficomeperguntando.—Ei.Ao olhar para cima, surpresa, pensei por um segundoque veriaDavid
Ibarradiantedemim.MaseraLayla.Quandoelaviumeurosto,arregalouosolhos.—Oquehouve?Engoliemseco.Edepois,donada,comeceiafalar:—Meu irmãoestápresopordirigirembriagado.Eledeixouumgaroto
paraplégico.Eeuoodeioporcausadisso.Depoisdefalar,percebiquetinhaguardadoaquelaspalavrasportanto
tempoetãolánofundoquesentioespaçovazioquedeixaramaosair.Eratãovastoquenãoconseguipensaremnadaparadizeremseguida.Laylaolhouparamimporum longomomento.Eentão sentouaomeu
ladoedisse:—Então,eutenhoessacoisa…Nãoseiquerespostaeuesperava,masnãoeraaquela.—Hein?—perguntei.—Nuncaesqueçoumrosto.Tipo,nunca.Atéqueriaesqueceràsvezes.
—Elaengoliuemsecoevirouparamim.—Euvivocênotribunal.Unsdiasatrás.Vocêestavasaindodobanheiro.Até aquele momento, eu tinha esquecido completamente tudo
relacionadoàqueledia,excetoasentençadePeyton.Mascomaspalavrasdela, os outros detalhes irromperam na minha mente. Ames meacompanhandoatéobanheiroeesperandodoladodefora.Eulavandoasmãos,lamentandoterquemejuntaraele.Eumagarotaquemeolhounosolhossemdesviarorosto.—Eravocê?Elaconfirmoucomacabeça.—Eutinhaesquecido.—Eu sei. Qualquer outra pessoa teria esquecido.Mas te reconheci no
instanteemquetevinapizzaria.—Vocênemfalounada.—Porquenogeralissoassustaaspessoas.—Elasoltouumsuspiro.—
Quer dizer, todo mundo vê um estranho e esquece. Os rostos só ficamgravados na sua memória por algummotivo. Mas comigo é como se eutirasseumafotoearquivassenacabeça.—Queloucura—comentei.—Eusei.Macsempredizqueeudeviaentrarprocirco,ouarmaralgum
esquemapratirarproveitodessemeupoder.Ficamosemsilênciopormaisunsinstantes.Porfim,perguntei:—Porquevocêestavalá?—No tribunal?—Fizquesimcomacabeça.—EstavacomRosie.Ela
precisa se apresentar ao juiz de meses em meses para mostrar seuprogressodepoisdaprisão.EntãomeveioàmenteapiadaqueairmãdelatinhafeitosobreLogan
OxfordeocomentárioigualmenteácidocomqueLaylaarebateu.—Foipordrogas?—Sim.—Laylaencostounomuroeergueuorostoparaosol.—Depois
dalesãonojoelhoelanãoconseguiupararcomoVicodinquederamparao
tratamento. Tentou usar umas receitas falsas para comprar. Totalmenteidiota.Foipega,tipo,deimediato.—Elafoiparaacadeia?Laylabalançouacabeça.—Reabilitação. Depois botaram uma tornozeleira nela. Só tirou umas
semanasatrás.—Sério?—É.SevocêachaqueRosieérabugentaagora,imaginepresadentrode
casaporseismeses—eladisse, suspirando.—Masaculpaédaprópriaidioticedela.Dámuita raiva.Ela tinha tudoencaminhadoesimplesmentejogouparaoalto.—Quenemmeuirmão.—Eranovidadefalardissocomalguémqueeu
nãoconheciatanto,masestavasendobemmaisfácildoqueimaginava.—Ele teve tantas chances. Mas não parava de arrumar problema mesmoassim.Eentãoveiooacidente.Hesitei. Não sabia direito o quanto queria entrar nesse assunto. Layla
ficou calada. No silêncio, percebi que eu queria continuar a falar.Desesperadamente,naverdade.—Eletinhapassadomaisdeumanosóbrio.Estava indomuitobem.E
então, certa noite, sem qualquer motivo que possamos imaginar, ficoubêbadoepegounovolante.Atropelouumgarotoqueandavadebicicleta.Ogarotoestádecadeiraderodasagora.Parasempre.Laylaestremeceu.—Nossa.Issoéhorrível.Era.Erahorrível,horrívelmesmo.EnãoapenasparaPeyton,meuspais
oumesmoparamim.—OnomedeleéDavidIbarra—disse,paraemseguidabaixarosolhos.
—Pensoneleotempotodo.—Claroquevocêpensa—eladissecomnaturalidade.—Qualquerum
pensaria.—Écomovocêcomosrostos.Nãoconsigoparar.—Respireifundo.—E
aminhamãe…ÉcomoseelanãoconseguisseenxergaroquePeytonfezdeverdade.Elasósepreocupacomeleecomasituaçãodele,emeupainãofalanada,eagoraelaquerqueeuvávisitar.Eeunãoquero.Nemumpouco.Brigamosporcausadissohojedemanhã.Essas palavras me fizeram compreender por que nunca tinha falado
dessejeitocomJennouMeredith.Laylapodiaconhecermeurosto,masnãosabianadadePeyton,nãotinhaporqueficardoladodele.Aocontráriodetodasasoutraspessoasnomeumundo.
—Sevocênãoquerir,nãová—eladisse.—Falaprasuamãequenãoestáprontapraissoainda.—Nãoseiseumdiavouestar.Querdizer,sempreameiomeuirmão—
eudisse.—Masnomomentoeuoodeiopravaler.Do outro lado do pátio, alguém riu. Duas garotas com uniforme de
hóquei na grama passaram por nós, uma no celular, a outra abrindo umchiclete.Vidas felizes, normais, emque tudo aconteciademaneira feliz enormalnummundoquepodiasertudo,menosfelizenormal.Depoisquesetomaconsciênciadisso,quepassamosporalgoquetornaissoclarocomoaágua,nãodápraesquecer.Comoumrosto.Ouumnome.Nãoimportacomovocê descobre essa verdade absoluta: uma vez que você a aprende, elanuncamaisvaiembora.
6
NosprimeirosdiasdepoisdecontaraLaylasobrePeytonfiqueiàesperadoarrependimento.Eraestranhocontarahistóriadesdeocomeçoemvezdeatualizar alguém sobre o último e terrível capítulo. Foi como se eufinalmente tivesse encontrado um lugar calmo e seguro para escutá-latambém. Apenas os fatos, dispostos na mesa como cartas de baralho.Aconteceuisto,depoisistoeporfimisto.Fim.Aindaassim,eupensaraqueaquilomudariatudo.Afinal,oscrimeseas
prisõesdePeytonhaviamtransformadoavisãoqueaspessoastinhamdaminhafamíliainteira.Osvizinhosounosencaravamoufaziamquestãodenão nos olhar; as conversas na piscina ou ao pé do mural de avisos dacomunidadeparavamquandochegávamospertoosuficienteparaescutar.Eracomosetivéssemosentradonumacasadosespelhosedescobertoquedeveríamospermanecerlá.Eueraairmãdodelinquentedavizinhança,docaraqueusavadrogasebebia.Nãoimportavaqueeunãotivessefeitonadadisso.Avergonha,comoumaepidemia,contaminaquemestáporperto.Mas aparentemente não era assim para Layla. Em vez de semanter à
distânciademim,elamepuxoumaisparadentrodoseumundo,quelogodescobri ser lotado mesmo antes da minha chegada. Se eu era a garotainvisível, Layla era a estrela cintilante em torno da qual seus amigos eparentes giravam. Não é que estabelecemos uma amizade: eu fui sugadaporsuaórbita.Umavezali,entendiporqueosoutrostambémestavam.— Pessoal, essa é Sydney — ela anunciou um dia depois da nossa
conversa, quando finalmente criei coragem para aceitar seu convite dealmoçarcomelaeosamigos.—ElasetransferiudaPerkinsDay,dirigeumcarroincrívelegostadepirulitodecoca-cola.Pisquei,surpresaportersidodescritadaquelejeito.Maseramelhordo
quequalqueroutrorótuloqueconseguiapensar,entãosenteinumdostrêsbancos que eles ocupavam todos os dias.Mac estava no outro, comendo
uvasdeumsaquinhoplástico,enquantoEric,dechapéufedora,dedilhavaoviolãoencarandoopátio.—Jánosconhecemos,lembra?—Macfalou.—Elajáconheceuvocêsdois—Laylarespondeu.—MasoIrvnão.—QueméIrv?—perguntei.E nesse momento me vi coberta por uma sombra. Não uma sombra
metafórica, simbólica, mas uma sombra real, de verdade, como quandoalgumacoisagrandebloqueiaosol.Emumsegundo,precisavaapertarosolhospor causa da luz; no seguinte, estava sentada à sombra.Olhei paratrásnaexpectativadever—oquê?Umarranha-céusúbito?Ummuro?Emvezdisso,vioequivalentehumanodessascoisas:ocaramaislargoemaisalto que encontrei na vida. Ele era negro, usava calça social, camisa,gravata, uma jaqueta do time de futebol da Jackson por cima, e óculosescuros.Enquantoeuapenasolhava,eleestendeuamãoenorme.—IrvingFearrington—disse.—Prazeremconhecer.Minhamãopareciaumbrinquedoenvoltanadele.Porum instanteme
passoupelacabeçaqueeleseriacapazdearrancarmeubraçoecomereeunãoficariasurpresa.Dealgumjeito,apesardisso,conseguidizeroi.— O que você trouxe para o almoço hoje, Irv? — Layla perguntou
enquanto ele baixava sua ampla circunferência sobre o último bancodisponível.—Algodebom?—Aindanãosei.Entãoeleabriuamochila—céus,ospulsosdeleerammaisgrossosque
asminhaspernas—e tirouumabolsa térmica enorme.Quandoabriu, vique estava lotadade sacos plásticos, que ele começou a descarregar.Umdelesaparentementecontinhacoxasde frango.Outro,umtipodegrão.E,um atrás do outro, os sacos não acabavam: edamame, uma pilha dehambúrgueres,ovoscozidos.Nofim,bemnofundodabolsa,haviaumsacorepletodecookies.—Viva!—Laylaexclamouaoveraquilo. Irvabriuumsorriso,oqueo
deixoubemmenos intimidador. Como se ele fosse capazdearrancar umbraço,masnãodecomê-lo.—Jogaesseparacá.—Nadadisso—eledisse,balançandoodedoenormeparaela.—Você
sabeasregras.Proteínaprimeiro.—Irving,peloamordeDeus.Jábastaumchatodasdietasnaminhavida.—Eunãofaleinada—Macdisseenquantocomiamaisumauva.—Proteínaprimeiro—Irvrepetiu,indicandosuasubstanciosarefeição.
—Aescolhaésua.—Tudobem.Medáosovos.
Ele entregou o pacote, que ela abriu e devolveu depois de pegar dois.Irvingentãooestendeuparamim.—Ovos?Aclaraéafonteperfeitadeproteínas.— Ah, não, obrigada — eu disse mostrando o sanduíche que tinha
comprado.—Estoubem.—Sortesua—Laylaresmungouenquantodescascavaumovo.—Seeu
aparecessecomalgoassim,iaouvirummontedessesdois.—Masvocê jamaisapareceriacomalgoassim—Macdisse.—Vocêia
comerbatatafritaeacharquetinhaalmoçado.Ebatatafritanãoérefeição.—Tábom,vó.Quetalcalarabocaecomerasuvas?Arespostadelefoiatirarumauvanela.Erroufeio,porém,emeacertou
bemna cara. A fruta quicou e saiu rolando pela grama, diante dos olhosarregaladosehorrorizadosdeMac.—Ótimo,MacaulayChatham—a irmãdeledisse.— Isso fazpartedo
seu jogo agora? Jogar comida nas garotas bonitas pra chamar a atençãodelas?Entãoeuerabonita?Logonósdoisestávamosvermelhos.—Eunãoestavamirandonela—elefalou,obviamenteenvergonhado.
Paramim,eledisse:—Desculpa.—Tudobem—eudisse.—Emboraeuvejacomoessepodeserocomeçodeumagrandehistória
deamor—Layladisse.—Lávamosnós—Irvmurmurouenquantoengoliameiohambúrguer
comumamordida.Laylaignorouocomentário,apoiouumdospésnobancoecontinuou:— É sério. Vocês não veem? “Ele jogou uma uva em mim num dia
ensolarado,eentãotivecertezadequeeraamor.”—Essa—Macdissee fezumapausaparacuspirumasemente—éa
históriaromânticamaisidiotaquevocêjáinventouatéhoje.—Eolhaquejáforamvárias—Irvacrescentou.Elafezumacareta,torceuonarizeentãomedisse:—Essesgarotosnãoentendemnadaderomance.Eu,poroutrolado,sou
especialista.—Vocêsedizespecialistaemtudo—oirmãoacusou.—Tudonão.Sódoces,batatafritaeamor.—Elasorriuparamim.—Só
oqueimporta.Mas,falandosério,euseireconhecerocomeçodeumaboahistóriadeamor.Afinal,jálicentenasdelas.Levanteiassobrancelhas.—Sério?
Doseubanco,Macsoltouumsuspiroalto.—Ah,sim.É,tipo,aminhapraia.—Layladescascouosegundoovo.—
Romancesemanuaisdeinstrução.—Masnãomanuaisde instruçãosobreromances—Eric,queeunem
imaginavaqueestivesseouvindo,emendou.—Mas,falandosério—Laylaretomou—,euamolersobrecomofazer
ascoisas.Mesmoquando,sei lá,éumacoisaquenunca farianememummilhãodeanos,comotecerumtapeteoucimentarumpiso.—Uau—eudisse.—Eusei.Achoquesouviciadaemprocedimentosoucoisaassim.—Ela
mastigou, pensativa. Depois de engolir, acrescentou: — Ou, sei lá, umaespecialista.Fato: eu estava com dificuldade para acompanhar. Não só a conversa,
mas até as pessoas envolvidas nela. Tinha passado tanto tempo sozinhaultimamentequemeesqueceradoqueeraestaràvontadenacompanhiadosoutros.Egostei.Depoisdaqueleprimeiroalmoço,passeiacomercomelestodososdias.
Assimquetocavaosinal,compravaalgoparacomernostrailersecruzavaogramadoparaencontrarquem jáestivesse láouguardarosbancosatéeles chegarem. Em termos de comida, todo o dia era igual:Mac e Irvingtraziamopróprioalmoço.Ericpreferiaosucoeoqueijoquentelotadodemanteigadalanchonete.ELaylaiaatrásdebatatafrita.Elanãoestavabrincandoaodizerqueeraespecialista.Agarota levava
batatafritaasério.Nãobastavaserembatatasefritas—aúnicacoisaqueimportava para a maioria das pessoas, inclusive eu. Ah, não. Haviaespecificações. Temperos necessários. Regras para tudo, desde atemperaturaatéaembalagemeseoketchupvinhaemsachêounabisnaga.(Esteúltimoitempossuíasub-regraseadendostambém.)Procurarbatatafrita comLayla era como acompanharminhamãe quando ela examinavamaterial de escritório: requeria tanto paciência como um empenhosubstancialdetempo.QuandoLaylafinalmenteencontravaoquequeria,euquase sempre já tinha terminado de almoçar ou já estava com fome denovo.—Omaisimportanteéoformato—elameexplicounaprimeiravezem
queaacompanheinessasaga.—Elas têmqueser longas,nãogordinhas.Uma largurarazoável, sempassardeumdedo.Sócomtemperosbásicos,nadadeinvencionices.Eservidasquentes.—Masnãoquentesdemais?—pergunteienquantoelaenfiavaacabeça
najaneladotrailerdaDoubleBurgerefungava.
—Nadadisso—elarespondeu.—Batatasquentesesfriam.Batatasfriasnunca esquentam. Vamos em frente. Não estou gostando do cheiro degorduradaquihoje.O cara atrásdobalcãoapenasaobservoudarmeia-volta e retomaras
buscas.Euencolhiosombroscomosepedissedesculpas.—Easbatatasdasredesdefast-food?—perguntei.—Sãobasicamente
amesmacoisa,certo?Laylaparounoato.Quasetrombeicomela.—Sydney—eladisse,virandoparamim.—Vocêestácompletamente
errada. Da próxima vez que eu fizer uma Trifecta, você vem junto. Voumostraroquantoestáenganada.—UmaTrifecta?—Équandocomprobatatasnotop3—elaexplicouecomeçouacontar
nos dedos.— Littles, Bradbury Burger e Pamlico Grill. Nenhuma delas éperfeita.Mas quando vocêmistura, é o paraíso das batatas. Leva tempo,entãosófaçoemocasiõesespeciaisouquandoestousuperdeprimida.Aoouvirisso,tiveaquelasensaçãodenovo,comoseaconversafosseum
bandodecavalos indomáveiscorrendodiantedemimedeixandoapenaspoeira para trás. Trifecta? Deprimida? Cheiro de gordura? Ela já tinhavoltadoafalar.— Esses trailers não são o melhor lugar para comprar batata frita,
porque as fritadeiras móveis são diferentes das que existem nosrestaurantes fixos.Mas eles até conseguem alguns sabores que você nãoencontranos lugares tradicionais.Temumdelesdequeeugostomuito…Ah,elesestãoaquihoje!Vem.Sentio celularvibrarnobolso.Pegueioaparelhoedeiumaolhadana
tela. JENN estava escrito, junto com uma foto dela na sua última festa deaniversário, comuma tiarabaratadeplásticona cabeça.Botei odedonobotão de ignorar, sentindo uma pontada de culpa. Mas não forte osuficienteparaqueeunãooapertasse.Maistardeeuligava.Enquanto isso, Layla já tinha ido até um trailer que eu nunca havia
experimentadocujonomeeraBimBimSlim’s.ElesvendiamumamisturadecozinhaasiáticaepratostípicosdaLouisiana.Oaromaquevinhadelánãopareciacomnadaqueeu já tivessesentidoantes.Laylasequerolhouparaomenu.—Umaporçãode fritasBim—eledisseaoatendente.—Naverdade,
duasporções.Semmolho.Sóunssachêsextrasdeketchup.—Éprajá.Instantesdepois,eleentregouumpacotecomumaromacelestialondejá
brotavammanchasdegordura.Laylasorriu,satisfeita.—Perfeito.Vamos.Devoltaaosbancos,elaempurrouEricpraforadoassento.—Chegapralá,precisoprepararascoisas!Então ela sentou, abriu o pacote de batatas e pôs o rosto sobre a
abertura. Enquanto todos observávamos, ela respirou fundo, de olhosfechados.Eentão,silêncio.— Estamos esperando algo?— cochichei com Irv, que devorava uma
coxadeperu.—Overedito—elerespondeu,tambémemvozbaixa.Enfim,Laylaabriuosolhos.—O.k.Estasservem.Oqueseseguiuentãofoiumintrincadoprocessocommúltiplospassos
que começou comadobradura e oposicionamentodopacotedemodo atorná-lo uma superfície adequada à refeição e terminou com trêsconcentrações de tamanhos idênticos de ketchup, cada uma em umguardanapo. A uma, ela acrescentou pimenta do reino. À outra, sal. Àterceira,umasubstâncianãoidentificadanumtubodeensaioqueelatiroudabolsa.—Euseioquevocêestápensando—Irvmedisse.—Ascoisasforam
bemdramáticasatéaqui,masagoraestãoficandoestranhas.Sentiamesmacoisanocomeço.—Issoporqueémuitoestranholevarseutemperopersonalizadoporaí
—Macdisse,semtirarosolhosdolivrodehistória.Eutinhareparadoqueelesempreestudavanoalmoço,masmesmoassimouviatudo.Layla ignorou ambos, pegou uma batata e a mergulhou em um dos
ketchups. Ela deu uma mordida, mastigou pensativa e depois repetiu oprocessocomasduasoutrasopções.Terminadaabatatinha,elalimpouasmãosnumguardanapoeolhouparamim.—Muitobem.Suavez.—Minhavez?—Eutinhapensadoqueaquiloeraumesporteindividual.Ela fez que sim e gesticulou para que me aproximasse. Foi o que fiz,
tomandooassentopróximoaumdospostosdeketchup,eelaempurrouopacote-pratonaminhadireção.—Pegueumadomeio.Sãoasmelhores.Semprecomodedentropara
fora.Fiz como ela mandou e escolhi uma batata grossa mas nem tanto. Só
entãopercebique,emboracomessebatatafritadesdequemeentendiaporgente,pelaprimeiraveznãosabiacomofazer.Eterumpúblicosópiorava
ascoisas.— Um, dois, três — disse Layla, apontando para cada ketchup. —
Mergulhetrêsvezes,comametadedabatata,depois façaomesmocomooutroladodela.Assimémaishigiênico.—Oquetemnesseúltimo?—perguntei,aindahesitante.— Uma criação minha. Não se preocupe: não é apimentado ou ruim.
Prometo.Todaamizade,emalgummomento,trazumteste.Porém,nuncanavida
eutinhapassadoporalgumqueenvolvessecomida.Tudotemumaprimeiravez,pensei,eseguiasinstruções.Não sabia direito o que esperar. Uma batatinha gostosa? Um molho
levementepicante?Nãoesperava,porém,aperfeiçãoquesereveloudentroda minha boca. Com aquele preparo intrincado, talvez eu devesse terprevisto isso. Mas a crocância da superfície, a maciez tenra e quente dabatata por dentro, com um toque súbito da doçura do ketchup foi umasurpresatotal.Uau.—Viu?—disseLayla,sorrindoparamim.—Demais,nãoé?— É maravilhoso — eu disse, já tratando de virar a batatinha para
prepararapróximamordida.Elabateupalmas,claramenteemocionada.—Adoroquandoalguémseconverteaomeuprocesso.—Bem-vindaàdoença—Macdisse.—Ah,nemligapraele.Maccostumavacomeropesodeleembatatinhas.
E parecia um bárbaro. Simplesmente as jogava no prato, cobria comketchupemandavaver.Agh.LanceiumolharparaMac,quecomiaumamaçã.Aomever,elerevirou
os olhos e desviei o olhar. No segundo seguinte, como sempre, mearrependi, mas havia algo nele que me deixava tão nervosa. Vindo dealguémtãobonito,mesmoomenorinstantedeatençãodavaasensaçãodeestardebaixodoholofotemaisintenso.Eu conhecia bem essa reação porque já a tinha visto nas garotas que
rodeavam omeu irmão. Ele e Mac tinham amesma aparência intensa esombria, um modo idêntico de atrair atenção apenas por existir. MasenquantoPeytontinhaconsciênciadissohaviaanos,minhasensaçãoeradequeMacaindanãosabia.Elenãosecomportavacomoalguémquesabiaseratraente.E,àsvezes,aomeflagrarolhando,pareciasurpreso.Mas eu não devia pensar essas coisas, e não só porqueMac jamais se
interessariapormim,paracomeçodeconversa.EutinhacomeçadoaandarcomLaylahaviamaisoumenosumasemana,mascertasregras,ditassem
serem pronunciadas, já estavam claras. Não comer batata frita feito umbárbaro. Não pegar os pirulitos sabor chiclete ou algodão doce. E jamaissequerpensaremnamoraro irmãodela.BastavaperguntarparaKimmieCrandall.Eu tinha ouvido o nome dela pela primeira vez numa típica conversa
animada durante o almoço. Começou com uma discussão sobre como aspessoasgostavammuitodeleiteouodiavam:semmeio-termo.Daíopapopassouparaoutrascoisasqueaspessoasodiavam,oqueevoluiuparaumbate-bola em que Layla, Eric e Irv tentavam criar a pior combinação detodosostempos.—Alguémquevocêodeiacomendodebocaaberta—Ericpropôs.—E
umacoisanojenta.Tiposaladadeovo.—Qualoproblemacomsaladadeovo?—perguntouIrv.—Apenasentrenojogo—Laylalhedisse.Irvpensouporumsegundo.— Alguém que você odeia comendo salada de ovo de boca aberta
enquantousaumablusacomcheirodecachorromolhado.Minhavez:—Hum…Alguémquevocêodeiacomendosaladadeovodebocaaberta
comablusacheirandoacachorromolhadoecontandoumahistóriachataeinútil.—Bom—Laylaelogiou.—Odeioisso.Suavez,Mac.Mac,quecontinuavacomasrodadasdefrutasdiversasnoalmoçocom
umpunhadodeamoras,disse:—Tudooquevocêsdisserammaisgolfe.Laylasuspirou.— Você tem que repetir a frase inteira. Meu Deus, você nunca brinca
direito.—Entãome exclua.Não vou ficarmal, prometo—ele disse e virou a
páginadolivrodequímica.—Estraga-prazeres—Irvdisse.Macatirouumaamoranele,acertando
dessavez.—Cuidado,gordinho—Irvacrescentou.—Muitoengraçado—Macrespondeu,massemparecerchateado.Muito
menosgordo.Haviamuitacoisaqueeudesconheciaainda,claro.Laylaseendireitounobanco,ergueuasmãoseanunciou:— Já sei. Que tal: Kimmie Crandall, comendo salada de ovo de boca
aberta, usando uma blusa cheirando a cachorromolhado, contando umahistóriachatasobregolfe.—Acabou!—Ericdisse.—Vocêvenceu!
—Eumerendo—Irvconcordou.—Vocêaindaéacampeã.Macvirouorostonadireçãodopátioeficoucalado.—QueméKimmieCrandall?—perguntei.Silêncio.Laylaentãodisse:—Aex-namoradadoMac.Eminhaex-melhoramiga.—Ah.—Aquiloexplicavaosilêncio.—Desculpa.—Nãosedesculpe.Ambosestamosbemmelhorsemela.Mac então amassou o lixo do almoço e levantou para jogar fora.
Enquantoseafastava,Irvperguntou:—Aindaécedoprafalardela?— Já faz trêsmeses— Layla disse, relaxando no banco.— Existe um
limitedeatéquandopodemosfingirquealguémnãoexiste.—Talvezsejadiferentequandoessealguémésuaex-namorada—Eric
disse.—Elaquebrouocódigodaamizade.Issosignificaquepossotirarsarro
delasemprequequiser.—Laylavirouparamim.—EstavanacaraqueelacomeçouaandarcomigoprachegarnoMac.Euéqueestavadesesperadaesemamigosparaenxergarisso.Edepoiselaofisgou,partiuseucoraçãoesaiufalandomaldagenteparaquemquisesseouvir.—Quehorrível—eudisseolhandoparaMac,quevoltavaparaonosso
grupopassandoamãonocabelo.—Elaestudaaqui?Laylabalançouacabeça.—EstudanaFountain.Eraumahippiedesgraçada.Quemimaginavaque
essetipoexistia?Vadia.FoiacoisamaisduraqueouviLayladizer,oqueme fez ficarpasmae
calada por ummomento. Obviamente, apesar de todas as provocações eguerrasdecomida,haviaumalealdadeprofundaentreosdois.Assimqueapercebi, vi uma prova atrás da outra. Não me identificava com osentimento,porquequandoPeytontinhacomeçadoanamorarjáestavasedistanciandodenós.Eupodia,contudo,guardaralição.Foioquefiz.Duasnoitesdepois,foiavezdaminhamãedeencontraralgoemcimada
mesa.Emvezdeumpanfleto,umfolheto.Tudooqueconseguiverfoiafotodeumapraia.—Oqueéisso?—eladisseaoentrarcarregandoumabandejadefrango
assado. Ela a apoiou na mesa, mas não pegou o papel. Como se aquilojamaispudesseserparaela,entãonãodeveriasequertocar.—HotelSt.Clair—meupaidissepraela,jádeolhonofrango.Meupai
estava sempre com fome. Ele beliscava o tempo todo, e era famoso porpassarlongosperíodosdiantedageladeira,ruminando,esempreavançarnacomidaassimqueeraservida.—NasIlhasSt.Ivy.—Porqueestánomeuprato?—Porque—meupaidisse,servindo-sedeumagenerosaporção—eu
tenho uma conferência lá semana que vem, e quero que você meacompanhe.No ato, o rosto da minha mãe disseNÃO. Ou talvez até umNÃO! Foi
possível ver surgir a ruguinha entre seus olhos, aquela que Peyton, nummomentonãomuitofeliz,chamoude“câniondaraiva”pertodela.—Umaviagem?Agora?Ah,achoquenão.—Medêummotivoparanãoirmos.Elasuspirou,sentouepôsofolhetodeladoparapegaroguardanapo.—FimdesemanaquevemédiadevisitanaLincoln.—Julie,vocêsemprevai.Podeperderumdia.—Elecontacomaminhapresença,Peyton.—VamosgarantirqueAmesovisite,então.Elabalançouacabeça.—E Sydney acabou de começar na nova escola… Simplesmente não é
umaboaideia.Meupaimeolhou. Suaexpressãodeixava claroqueeudeviadizerum
“Estoubem”.Foioquefiz.— Querida, não dá pra você ficar aqui sozinha — ela me disse com
cansaçonavoz.—JáfaleicomospaisdeJenn.Elesadorariamrecebê-la.Pisquei,surpresa.EraverdadequenãotinhaconversadocomJennnos
últimos dias, mas mesmo assim fiquei espantada por ela não comentarnadasobreisso.Foientãoquemedeicontadequetalveznemelasoubesse.Quandomeupaiqueriaalgo,corriaatrás.— Julie— ele retomou—, você precisa ir.Nós precisamos. Dois dias,
numapraialinda,comtudopago.Ésódizerquesim.ONÃOaindaestavaestampadonorostodaminhamãe.—Voupensar—elarespondeu.Meu pai permaneceu calado, com o rosto contido, sentindo que era
melhornãoinsistirnoassunto.—O.k.—eledisseenfim.—Façaisso.Simples assim, o assunto saiu de pauta. Mas claramente não foi
esquecido,poisouviosdoisfalaremdissomaisduasvezesnaquelanoite:aprimeira enquanto assistiam o noticiário e eu, em silêncio, colocava os
pratos na lava-louças; depois, ouvi a conversa deles do meu quarto,enquantome aprontava para a cama.Namanhã seguinte, ao passar pelaSaladeGuerra,viqueelatinhabotadoapastacomaetiqueta“viagem”emcimada escrivaninha; dentro, listas doque levar, diagramas complicadossobrecomodobrarasroupasetodososguiasdeviagemqueelatinha.Seeles fossem,seriaaprimeiraviagememmaisdeumano,eeuqueriaqueela sedistraísse.Alémdisso,um fimdesemana inteirocom Jennpoderiaajudar a diminuir a distância que eu vinha sentindo nas nossas cada vezmais raras conversas, tanto por telefone como pessoalmente. Talvez aviagem fosseboapara todosnós.Masnamanhãemqueelesplanejavampartir,recebemosumtelefonema:— Jenn está doente — minha mãe informou quando desci para ir à
escola.Meupai,encostadonageladeira,tomavaseucafé.—Dordebarriga.Todospegaram.—Agh—eudisse.—Exatamente.Entãovocênãopodepassarofinaldesemanalá.Elaolhouparaomeupai.—Eagora?—Meredith?—Elatemumacompetição—contei.—Viajouontem.Minhamãesuspirou.— Então é isso. Peyton, você vai, eu fico. Talvez seja melhor assim
mesmo.—Não,não,espera—meupaidisse.—Deixaeupensar.—Tenhodezesseteanos—disse.—Possoficarsozinhaporumfimde
semana.—Nadadisso—minhamãefalouparamim.—Achoquetodossabemos
ondeafaltadesupervisãopodeacabar.Fiqueimagoadacomisso.Eujamaistinhafeitoqualquercoisadeerrado,
sequer matado aula. A última coisa que merecia era ser medida pelosmesmosparâmetros aplicados aos outros.Mas a questão claramentenãoeraeu.— Espera — meu pai disse, pegando o celular do bolso e digitando
algumacoisaenquantoeumeserviadecereal.Estavaprestesaacrescentaroleitequantoeledisse:—Pronto.Problemaresolvido.Olheiparaele.Entãoeueraumproblema.Legal.—Como?—perguntei.Elerespondeuparaaminhamãe,nãoparamim:—AmeseMarla.Chegamaquiàsquatroeficamofimdesemanainteiro.
Eledizquenãoéincômodonenhum.—Ah, eles não precisam fazer isso— eu disse rápido.— Estou bem.
Querdizer,vouficarbem.—AmeseMarla?—minhamãe franziu a testa.—Ah,detesto abusar
delesdessejeito.ElejávaiparaaLincolnamanhã.—Eledizqueficafelizemajudar.EMarlatirouofimdesemanainteiro
defolga.Queótimo.EutinhaouvidoMarlapronunciarumtotaldecercadedez
palavras desde que a conheci. De verdade, tê-la por perto não seriadiferentedeficarasóscomAmes.—Hummm,na verdade eu tenho essanova amiga, Layla. Comcerteza
poderiaficarcomela.Ambosolharamparamim:—Umanovaamiga?Vocênãomencionouisso.—Bom,euaconhecihápoucotempo.Mas…—Nãovoumandarvocêparaacasadeumafamíliaqueeunemconheço,
Sydney — minha mãe disse. — Pode até ser pior do que deixá-la aquisozinha.—Entãoprefiroficarsozinha.—AmeseMarlavãovir—meupaidisse.Otomdasuavozdeixavaclaro
que a discussão estava encerrada. — Agora tome seu café da manhã,Sydney.Vocêvaichegaratrasada.Vencida,meacomodeiàmesa.Meupaifoiatéaminhamãe,beijou-lhea
testa e então disse algo baixinho que não consegui escutar. Ela sorriu,relutante,eentãomedeicontadeháquantotemponãoaviafazermaisdoquetentarseguiremfrenteouficarpuraesimplesmentetriste.Eoqueeuiadizer a ela, afinal?Queapessoaemquemela tanto confia eque tantoadorameassusta—semqualquermotivoespecífico—equeanamoradadessapessoanãoajudanemumpouco?Euparecerialouca.Talvezeufosse.—Sydney?—elameperguntouderepente.Levanteiosolhos.—Tudo
bem?Eu a encarei em silêncio, desejando que ela falasse alguma coisa.
Desejando que, de algummodo, emmeio a toda sua dor e distração, elapudessefinalmentemeenxergar,jáquenãopoderiaouviraspalavrasqueeueraincapazdedizeremvozalta.Umsegundopassou,depoisoutro.Elacomeçavaaparecerpreocupada,e
ocâniondesenhava-sedenovoemseurosto.Daporta,meupaitambémmeobservava.—Sim—eudisseaosdois.—Estoubem.
7
Dessavez,tivecerteza.AmúsicatocandonaSeasideeramesmobluegrass.—Queroutrafatia?Balanceiacabeça.Laylalevantoudamesaemquesentávamos,levandoo
pratoconsigo.Enquantoelaabaixavaatrásdobalcãoparapegaroutrafatiaeaquecer,fuiatéajukebox.Eraumadaquelasemestiloretrô,comotítulodas músicas datilografado e uma entrada para moedas. Cada pedidacustavavinteecincocentavos.Acançãoquetocavanomomentochamava“Balançodecorda”.—Chamamosessacoisadedinossauro—Layladisseatrásdemim.Um
momentodepois,estavaapoiadanovidro.—Meupaicomprounumafeiradecoisasusadasquandoassumiuolugardomeuavôaqui.—Entãoapizzaédefamília?—Nãoexatamente.Aitalianaéaminhamãe.Afamíliadomeupaiédas
montanhas — ela respondeu. — Mas quando eles casaram, ficousubentendidoque ele acabaria assumindo a Seaside.Masmeupai queriadeixar o lugarmais com a sua cara. Aí entra o dinossauro. Foi quando aregradamúsicacomeçou.—Regradamúsica?—Nadaalémdebluegrassnohoráriocomercial—eladisse,balançando
a cabeça.— Tentamos argumentar racionalmente com ele. Veja: o lugarchama Seaside, “beira-mar”. E bluegrass é música das montanhas.Totalmentediscrepante.—Masébonita—eucomenteiaoouvirdenovoorefrãode“Balançode
corda”.—Ah,élinda.Querdizer,foiaprimeiracoisaqueaprendiatocar.Sónão
é bem o que os adolescentes querem ouvir depois da escola. E comoestamossempretentandoatrairmaisclientes,émeioridículo.—Vocêtoca?
Elaconfirmoucomacabeça,aindacomosolhosnasopçõesdemúsica.— É a única coisa por que meu pai se interessa além de carros e
trabalho.Elemeensinoubanjoquandoeutinhaseteanos.—Vocêtocabanjo?—Vocêfalacomoseeutivesseditoqueeraneurocirurgiãoucastradora
deelefantes—eladisseeriu.—Ébemimpressionante.Eladeudeombros.—Prefirocantar.MasRosieéquemtemamelhorvoz.Ela deumeia-volta e foi de novo para trás do balcão. Mac também já
tinha voltado pra lá. Enquanto ele preparava um disco demassa— semtirar os olhos de um livro aberto apoiado no balcão da frente—, o paipicava pimentões. Talvez aquela fosse apenas minha terceira visita àSeasidedepoisda escola,mas já tinhaaprendidobastanteda rotinaparamesentirconfortávelali.Porissofizquestãodeirpralánaqueledia.Meuplanoeraficaromáximopossível.Eutinhasaídodecasafaltandoquinzeparaasoito.Noalmoço,conferia
caixapostaldocelulareencontreiumamensagemdaminhamãe:elaemeupai já tinham ido para o aeroporto com mais ou menos uma hora deantecedência.Eladissequeovooestavanohorário,queelapassariatodoofinaldesemanacomocelularporpertoequeeupodialigarseprecisassedealgumacoisa.Maseunãosabiadoqueprecisava;sabiaapenasdoquecomcertezanãoprecisava:ficarpresacomAmes(easilenciosaeretraídaMarla)ofinaldesemanainteiro.Eu passei o dia ruminando um jeito de ficar fora de casa o máximo
possível. Tinha a aula, pelo menos, e em seguida encontraria Layla naSeaside, para onde ela ia todo dia após o último sinal e de onde só saíaquandoasentregascomeçavameMacadeixavaemcasa.Eupoderiaficaratéasseis,seisepouco,echegaremcasaapenasalgumashorasantesdedormir.Nosábado,oplanoerasumir logocedoepassarodiatodolongecomumadesculpaqueaindanãotinhaformulado.Efoiaíqueparei.VolteiparaamesaesenteiemfrenteaLayla,quenomomentoatacava
suasegundafatiadepizza.Aocontráriodabatatafrita,elaconsumiapizzadeumamaneiraaténormal:dobrando-anomeiocomosefosseumtacoeavançandodapontaatéaborda.Emcontrapartida,jamaistinhavistoMacsequer experimentar qualquer coisa da Seaside, o que devia exigir umenormeautocontrole.Oúnicomotivoparaeuterrecusadoasegundafatiaeraapreocupação,quemetiravaafome.Bemnomomentoemqueeupensavanisso,meucelularapitou.Tirei-o
dabolsa: era umamensagemdeAmes, cujo númerominhamãe insistiraparaqueeuadicionasseantesdeirparaaescola.
Acabeidechegar.Vocêvaidemorar?Estoufazendojantarpravocê!
—Quefoi?Levantei os olhos para Layla, que limpava a boca com o guardanapo;
metadedafatiajátinhasidodevorada.—Nada—respondi.—Sóumamensagemd…dosmeuspais.Elesforam
viajar.—Equeremsaberseestátudobem?—É.Ela voltou a comer, e me perguntei por que não tinha contado o que
estavaacontecendo.Nadaasurpreenderaatéomomento;provavelmenteisso também não a chocaria.Mas eu gostava de Layla, eme consideravasortudapor ela saber ahistóriadePeytone continuar gostandodemim.Acrescentar mais uma camada de bizarrice à mistura, porém, poderiamudarascoisas.Respondiamensagem:
Voudemorarmaisoumenosumahora.Nãoprecisacozinhar.
AperteiENVIAReelerespondeuemsegundos:
Euquero.
Enfieiocelulardevoltanabolsaesilencieiotoque.Aofazerisso,senti
umnovoímpetoderaivacontraomeuirmão.Asmásescolhasdeletiveramdiversosefeitoscolaterais,masquemtinhaquelidarcomesseeraapenaseu.Muitoobrigada.Engoliemsecoeolheiparaocaixa.Mac jádobravaaborda,usandoas
duasmãos para dar forma e espessura. Apenas observei; osmovimentosrepetitivosmetranquilizavam.Eentão,derepenteeleolhoupramim.Pelaprimeiravez,sustenteioolhar,porumsegundoaomenos,antesdevirarorosto.Às cinco emeia, o telefone começou a tocar e a clientela, a chegar. O
bluegrass, que aparentemente tocava sem parar quer alguém botasse ounão umamoeda namáquina, passou de claramente audível para fraco, e
depois para abafado à medida que mais e mais pessoas entravam napizzaria.Lápelasquinzeparaasseis,quandoLaylaeeu juntamosnossascoisaseliberamosamesa,jáhaviaumafilanobalcão,oscarasdoturnodanoitejátinhamchegadoeMacguardavacaixasdepizzaembolsastérmicasparaprepararasentregas.—Achoquevocê jávai,né?—pergunteiaLaylaenquantoMacseguia
paraacaminhoneteestacionadanacalçada.Ela lançou um olhar para o balcão, onde seu pai entregava o troco a
alguém.—Parecequehojevaisercheio,entãoprovavelmentevouficarporaqui
atéMacirfazeralgumaentregapertodecasa.—Possolevarvocêpracasa—propus.—Nãoprecisa.Éprovávelquemeupaiqueiraqueeuanoteospedidos.
Masobrigada.Euqueromuitoandarnoseucarroalgumdia.Apostoqueéespetacular.Eu estava tão desesperada para evitar o queme aguardava que quase
ofereciocarroaLaylasóparafazerhora.Maselajáestavavoltandoparatrásdobalcão.—Vejovocênasegunda,certo?—Sim—eudisseenquantojogavaamochilanoombro.—Atésegunda.Ao abrir a porta para o estacionamento, encontreiMac empilhando as
caixasdepizzanacaminhonete.Quandopasseidiantedele,falou:—Secuida.Me virei para ele. Aquelas palavras eram comuns de se dizer para
qualquerpessoaqueestivesseentrandonumcarroousedespedindo.Nãopossuíammuito significadoou importância simbólica.Masmesmoassim,aoouvi-lodizerisso,sentilágrimasnosolhos.—Obrigada—respondi.—Vocêtambém.Ele acenou com a cabeça e voltou ao trabalho. Entrei no carro, pus o
cintoedeiapartida.ComonaminhaprimeiravisitaàSeaside,acabeiatrásdelenosemáforoporduas,depoistrêsquadras.Nabifurcaçãoseguinte,eledeusetaeentrouàdireita.Aofazeracurva,acenoudajanela.Apenasummovimentodosdedos,umsinaldereconhecimento.Apartirdaí,fiqueisó.Quandoentreiemcasa,aprimeiracoisaqueviforamasvelas.Daquelas
queminhamãeguardavadentrodoaparador,atrásdasbebidas,esótiravadeláparaocasiõesespeciais,comoNataleDiadeAçãodeGraças.Alguémque não soubesse disso teria que procurar bastante para encontrá-las.
Estavamtodassobreamesa,aindaapagadas.—Olá— Ames disse ao surgir na porta da cozinha vestido com uma
camisajeansdebotão,calçajeansetênis.Namão,umadasnossascolheresdepau.—Comofoiaaula?Foi completamente estranha a combinação daquela pergunta — que
minhamãe costumava fazer todo dia— com as velas, que sugeriam umalgoquaseromântico.—EMarla?—perguntei.Apesarde elanão terumapresença fortenemnadado tipo,de algum
jeitoeusentiaqueestávamosasósnaminhacasa.—Doente—elerespondeu.—Dordebarriga.Coitada.Umapena,né?Pelo modo como ele virou para voltar à cozinha pude perceber que
esperavaqueeuoseguisse.Maspermaneciondeestava,sentindoorostocorar.Marlanãoviria?Mesmo?—Vocênãoprecisavacozinhar—eudisse.—Eusei.Masvocênãopodiapassaravidasemprovarmeuespagueteà
bolonhesa. Estaria prestando um desserviço a você se não a deixassepassarporessaexperiência.—Nãoestoucommuitafome.Aoouvirisso,elevirouparamimcomumapontadadeirritaçãonorosto,
quesumiutãorápidoquantotinhaaparecido.—Entãoapenasexperimente.Vocênãovaisearrepender,prometo.Euestavanumbecosemsaída.Nãoeraumapessoapropensaaentrar
empânico,masnaquelemomentopodiasentirmeucoraçãodisparado.—Vou…hã…guardarasminhascoisas.—Tudobem—eledisse.—Nãodemoremuito.Queroconversar.Faz
tempoquenãofalamos.Subi a escada de dois em dois degraus, como se estivessem me
perseguindo,meenfieinoquartoefecheiaporta.Senteinacama,pegueiocelularecomeceiapensar.Umsegundodepois,amúsicacomeçouainvadirmeuquartovindadoandardebaixo.Poralgummotivo,tivecertezadequeeletinhaacendidoasvelas.Foientãoqueprocureiumnúmeroedisquei.Umhomematendeu.—SeasidePizza.Ummomento.EuesperavaquefosseLayla.Nãosabiaoquefazer.—Tudobem.Escutei um clique e depois nada. Pensei em desligar, mas antes que
fizesseisso,elevoltou:—Obrigadoporaguardar.Emquepossoajudar?
Merda.—Hummm…Queriafazerumpedido…Davaparaouvirvozesaofundo,masnenhumafeminina.—Podefalar.—Umapizzagrande,meiapepperoni,meiaespecial—pedi.—Algomais?—Sóisso.—Endereço?Respireifundo.—Rua…Ouviumruídometálicoaofundo.—Perdão.Vocêpodeaguardarmaisumminuto?—Claro—eudisse.Outramúsicajátocavaláembaixo,eumcheirode
alhoentravaporbaixodaportafechadadomeuquarto.—Desculpeademora—umavozdissenaoutrapontadalinha.Erauma
garota. Ai meu Deus. — Então é uma grande, meia pepperoni, meiaespecial?Nome?—Layla?—Sim?—elarespondeudepoisdeumapausa.—Soueu,Sydney.—Ah,oi!—elapareceutãocontenteemouvirminhavozquequasecaí
nochoro.—Quehouve?Arrependidaporsó tercomidouma fatiahojeàtarde?—Querdormiraquiestanoite?Eu literalmente disparei o convite; duvidei até que ela fosse entender.
MasLaylamesurpreendeu,denovo.—Claro.Vousóperguntarsetudobem.Ouviumabatidaquandoelapôsotelefonenobalcão.Sentadaali,aosom
dos bipes da registradora e de conversas abafadas,me dei conta de queestavaprendendoarespiração.Quandoelavoltou,aindanãotinhasoltadooar.—Combinado— ela disse, alegre.—Mac podeme levar junto com a
pizza.Em,tipo,unsvinteminutos?—Ótimo!—eudisse,comumentusiasmoexcessivo.—Obrigada.—Semproblemas.Ésópassaroendereçoeonúmerodotelefone.Passei e desligamos. Entrei no banheiro, lavei o rosto e repeti a mim
mesma que era capaz de suportar qualquer coisa por vinte minutos. Eentãodesci.Amesestavanofogão,decostasparamim,quandoentrei.
—Prontapracomer?Jápusamesa.Examinei a sala de jantar: como esperado, as velas estavam acesas, e
haviadoispratospostoscomtalhereseguardanaposdobrados.—Naverdade,hum,umaamigaminhavaivir.Elavaitrazerpizza.Eleficouquietoporuminstante.Emseguida,virouparamimedisse:—Euaviseiqueestavacozinhando.—Eusei,mas…—Suamãenãocomentounadasobreavisitadessaamiga—elefalou.ElatambémachouqueMarlaestariaaqui,pensei.— Sydney, não é muito educado fazer outros planos quando alguém
abriumãodasobrigaçõesprafazeralgoporvocê.Nãopedinada,pensei.Masdisse:—Sintomuito…Achoquefoiumafalhadecomunicação.Elemeencarouporumbomtempo,semqualqueresforçoparaesconder
airritação.Depois,devagar,viroudecostasedisse:—Vocêpodepelomenosexperimentar,jáquetivetantotrabalho.—Certo—concordei.Eraestranhoverumadultofazerbirra.—Claro.Quandosentamos,eleserviuosdoispratoseemseguidaergueuocopo
decoca.—Àamizade.Bati meu copo no dele e tomei o gole obrigatório enquanto ele me
observavaportrásdovidro.Olheiparaorelógio.Játinhamsepassadodezminutos.—Então,alugueiunsfilmes—eledisseenquantoenrolavaunsfiosde
macarrãocomogarfo.—Penseiquepoderíamossentarnosofá,comerumpouco de pipoca. Espero que você curta bastante manteiga. Se não, nãovamosmaispoderseramigos.Quemmederafossetãofácil.—Sim,claro.Elesorriuparamim,comosemeperdoasse.Comoseeumerecesseuma
segundachanceoucoisaassim.Estavatudoerradonaquelasituação.Dozeminutos.—Estábom—eudisse,meobrigandoaprovaromacarrão.—Obrigada
porcozinhar.—De nada— ele sorriu, com evidente satisfação.—É omínimo que
posso fazer já que você vai ter que passar o fim de semana todo presacomigo.Porfalarnisso,oquevaifazeramanhã?VouverPeytondemanhã,mastenhoatardelivre.Penseiqueagentepodiairaocinema,jogarbolicheoujantarforaemalgumlugar.
—Na verdade, tenho uma coisa da escola— eu disse.— É, hã,meioobrigatória.Umapausa.—Nofimdesemana?Confirmeicomacabeça.—Éumprojetodeserviçocomunitário.Voupassaramaiorpartedodia
fora.—Ah.—Umapalavra,tantasconotações.—Bom,agentevêdepois.Sentiumnónoestômago,eporumoudoissegundostivecertezadeque
iria vomitar o pouco que tinha conseguido engolir. Mas então, graças aDeus—graçasatudonomundo—acampainhatocou.—Euatendo—disse,levantandocomumsaltoeatirandooguardanapo
nacadeira.Aodaroprimeiropassorumoàporta,batioquadrilnamesa,oquefezalgobalançarcombastantebarulho.Nãomedetiveparaveroqueera.Na entrada, liberei a trava da porta e abri com um puxão. Layla, que
estava bem na frente com a caixa de pizza na mão, ficou claramentesurpresa.TambémpudeverMacnacaminhonete,estacionadanoportãodagaragem.—Oi—eudisse,quasesemar.—Estoutãofelizporvocêestaraqui.—Uau,quelegalreceberboas-vindastãoanimadas.Elaentãoobservouasjanelasaltasdecadaladodaportaearregalouos
olhos.—Suacasaémaravilhosa.—Obrigada.Entre.Euvou,hã,pegarodinheirodapizza.—Ah,nãosepreocupe—eladisse.—Ficanaconta…De repente, ela parou de falar e lançou um olhar por cima do meu
ombro.Aexpressãoamigável logodeu lugaraumacaradedesconfiança.Mesmoantesdeolharparatrás,eujásabiaqueAmestinhaaparecido.—Essaéasuaamiga?—eledissequandoporfimvireiparaele.—Layla—eudisse.Paraela,acrescentei:—Podeentrar.Elanão semoveu.Emvezdisso, virouo rostonadireçãodeMac.Não
consegui ver sua expressão, mas um segundo depois ele desceu dacaminhonete. Quando chegou aos degraus da entrada, ela finalmenteentrou.—AmesBentley—Amesdisseaosdoiscomamãoestendida.—Amigo
próximodafamília.—EsseéMac—eudisse.Eles se cumprimentaram.Peguei apizzada
mãodeLayla.—Vamosparaacozinha.
Fomos,comigonafrente,AmeslogoatráseosChathamnaretaguarda.Logodecara,viLaylaexaminarocenáriodasaladejantar.Aoverasvelas,cravouosolhosnosmeus.—Quesofisticado—elacomentou.—Oqueestáacontecendo?— Apenas exibindo meus dotes culinários para Sydney — Ames
respondeu.—Penseiquefosseimpressioná-lacommeumolho,maselafoiláepediupizza.Essaaípartiumeucoração.—Ondesuamãeestámesmo?—Laylameperguntou,ignorandoafala
deAmes.—Elaeomeupaiestãonumaconferência.—Ofinaldesemanainteiro?— Olha, não venham com a ideia de dar uma festa — Ames disse,
erguendoosbraços.—Éparaevitarissoqueestouaqui.—Eunãoiadarumafesta—faleiemvozbaixa.—Claro.EleabriuumsorrisoamareloedepoisolhouparaMac.—Vocêsqueremjantar?Ouumabebida?Sósemálcool.Regrasdacasa.—Não,obrigado—Macdissebemnahoraqueoseucelulartocou.Ele
tirouoaparelhodobolso,olhouparaatelaedisseaLayla:—Outropedido.Melhoreuir.—Quesorteaminha—Amesdisse.—Passaranoitecomduasgarotas
lindas.Macrespondeuapenascomumolhar,frioesério.Noinstanteseguinte,
disseaLayla:—Vocêdeixousuascoisasnacaminhonete.—Ah—eladisse.—Certo.Vouláforacomvocê.Ele virou e partiu em direção à porta. Ao fazer omesmo, Layla olhou
paramim,indicandoquequeriaqueeufossejunto.Antesqueeupudessesegui-la,sentiamãodeAmesnomeuombro.—Vocêmeajudaaarrumarascoisas,Sydney?Volteicomeleparaasaladejantar.Elerecolheuopratoe,emvozbaixa,
disse:—Vocêsabequevouterquecontarissoprasuamãequandoelaligar,
né?—Nãoestoufazendonadadeerrado—eudisse.—Maselanãoesperavaquevocêtivessecompanhia.OlheiparaAmes,inclinadosobreamesaparapegaroguardanapo.Senti
um impulsode raivapercorrermeucorpo.Comoseaminhamãe tivesseesperadooqueeleplanejavaparaaquelanoite.
—Nãosepreocupe—eleacrescentoujáacaminhodacozinha.—Vouatenuarahistóriaomáximopossível.Evocêmedeveuma.Nãorespondinada.Apenasfiqueilá,parada,enquantoacaminhonetede
Macsaíaderé.Aochegarnoasfalto,asluzesdosfaróisinvadiramajanelaemeenvolveramemseubrilho.Macpermaneceuparadoporumsegundo.Depoisoutro.Eentão,devagar,partiu.—Muito bem—Layla começou, sentando àminha frente—, qual é a
dessecara?Baixei os olhos. Depois de uma conversa tensa na cozinha, com Ames
escutando cada palavra que dizíamos, ela tinha pedido para ver o meuquarto, uma desculpa para que subíssemos. Fechei a porta assim queentramos;Layla foi trancá-la,apenasparadescobrirquenãohaviacomo.Da primeira vez que Peyton arrumou confusão, minha mãe removeu astrancasdetodasasportaseimplementouapolíticadesemprebaterantesde entrar.Aparentemente, eraumaquestãode respeito e confiança. Pelomenosfoioqueeladisse.—Eleéomelhoramigodomeuirmão—conteiaLayla.—Emeassusta
demais.— Claro que assusta — ela disse secamente. Era um fato. — Ele é
sinistro.Eleestavacomvocênaqueledia,certo?Notribunal.Isso explicava a expressão dela quando o viu pela primeira vez. Ela
nuncaesqueciaumrostomesmo.—Estava—respondi.—Ele,hum,costumaficarporperto.Pudenotarumcalafriopercorrerseucorpo.—Eoqueasuamãediz?—Elaamaessecara.Écomoseelepreenchessea lacunadeixadapelo
meuirmão,oupelomenosatornassemenosvazia.—Eoseupai?—Meupainãoprestamuitaatençãoanadarelacionadoamim.Eu nunca tinha pensado nisso antes, para ser sincera, mas ao dizer
aquelaspalavras,percebioquantoeramverdadeiras.Adistraçãodaminhamãe era recente, efeito de uma causa específica. Meu pai sempre ficoudistante.AntesdePeyton,adesculpaeraotrabalho.Antesdotrabalho,vaisaber.—Bom, que droga— ela disse, e então lançou um olhar ao redor do
quarto.—Eelevaipassarduasnoitesaquicomvocê?—Eraparaeuficarnacasadeumaamiga.Elaficoudoente,eomeupai
pediupraeleeanamoradaviremdeúltimahora.—Namorada?—Estácomdordebarriga—expliquei.—Aoqueparece.—Comcertezaelenãoficouchateado—elacomentou.—Issoseelea
convidoumesmo,pracomeçodeconversa.—Será?—perguntei.Elarespondeuapenascomumolhar.—Asvelaseojantarforamumpoucoinesperadas—concluí.—Ugh—Laylaestremeceu.—Estoufelizporvocêtermeligado.—Eeuporvocêtervindo.Elasorriu.— Depois a gente pensa na noite de amanhã. Agora preciso dar uma
espiadanoseuguarda-roupa.Parecegigante.Édaquelesqueagentepodeentrar,nãoé?O que se seguiu, então, foi uma extensa turnê não apenas pelo meu
guarda-roupa—que,sim,eratãograndequedavaparaumapessoaentrar—,maspelacasainteira.EnquantoAmesfumavaláforadebaixodobeiraldagaragem,Laylasoltouum“oh”porcausadabanheiranasuítedosmeuspais(“Édemármore?”),deixouescaparum“uau”naSaladeGuerra(“Suamãeé tãoorganizada!”)enãosecansoudeadmiraros toquesecológicosqueminhamãederanacasa(“Eumalconsigofazermeuspaisreciclarem”).Mas foiapenasquandodescemosaescadaatéa saladeginásticaqueelaficourealmenteimpressionada.Não foram os halteres, o elíptico, a esteira nem a TV de tela plana
penduradanaparedequeaimpressionaram,masaportaatrásdapilhadecolchonetes, blocos e cintas de ioga. Ao abri-la, Layla deixou escapar umassovio,impressionada.—Ai,meuDeus.Issoé…umestúdiodegravação?— Parte dele— respondi enquanto tateava pelo interruptor. Quando
acendi,aluzrevelouapequenacabinecomisolamentoacústico,bemcomoa mesa de som, cheia de controles e botões. Fazia tempo que ninguémentrava lá, por isso o cheiro de ar parado; havia dois copos de café paraviagemnochãoe,depésobreapequenapoltrona,umaguitarra,comosealguémtivesseacabadodecolocá-laali.—Édomeuirmão.Faltavasópintarquandotudoaconteceu.—Tudobemseeuentrar?—Claro.Elacruzouaportaeeufuiatrás.Aperteioutrointerruptor,queacendiaa
luzdacabineeoutrafileiradelâmpadasnoteto.Observei-acaminharatéa
poltronaepegaraguitarra,admirada.— Uma Les Paul Standard— ela disse, claramente impressionada.—
Uau.Eutinhamesentidoumpoucoestranhadurantetodoaqueletour.Mas
sónaquelemomento,quandoelaexaminouumadasmuitasguitarrascarasdePeyton,experimenteialgobempróximodepuravergonha.—Oquevocêsduasestãofazendoaqui?Puleidesusto.NãotinhaescutadoAmeschegar.—Hã,nada.SóestoumostrandoacasaparaLayla.Ele lançouumolharpara ela, aindanapoltrona, e entrou, roçandoem
mimaopassar.—Vocêgostadeguitarras?—perguntou.—Sim—elarespondeusemolharparaele.Amesfoiatéapoltronaeseespremeuaoladodela.—Olhasó—eledisse,passandoobraçoportrásdosombrosdelapara
segurarsuasduasmãos.—Vouensinarunsacordespravocê.—Não precisa— ela rebateu. Pelo tom, era como se tivesse dito “Cai
fora”.Ames entendeu o recado e fez o que ela queria. Recompondo-se, deu
alguns passos até a parede oposta e pegou outra guitarra, que estavaapoiada num suporte. Layla continuou a ignorá-lo e começou a tocaralgumasnotas.Enquantoisso,elefranziuatestaetiroualgunsacordes.—Faltaafinar—eledissedepoisdeumtempo.—Masserveparauma
aularápida.Agoraveja:voumostrarosacordesbásicospravocê.EsteéoF…ObserveiademonstraçãodeAmes.Laylanão.Quandoelesedeuconta,
começouatocardeverdade,comumaversãoimprovisadade“StairwaytoHeaven”, uma das primeiras músicas que Peyton tinha aprendido nareabilitação.Eentão,quandoeuachavaqueascoisasnãopodiamficarmaisbizarras, ele começou a cantar. Com a voz fina e esganiçada, os olhospateticamente fechados, ele desafinou pelos dois primeiros versos dacanção.Paraanossatristeza,tivemosqueassistiràquilo.Foi péssimo. E eu que tinha pensado que nada poderia ser pior que o
jantar.Sentiumavontademuitofortedesimplesmentecairnagargalhada,mas sabia que não podia, então mordi o lábio. Então Layla tambémcomeçou a tocar. Primeiro baixinho, mas cada vez mais alto conformeavançavae seusdedosmoviam-semais rápido.Nãomedei contadoqueestava acontecendo até ela, de repente, já estar acompanhandoAmes. Sóqueelanãoimprovisavacomoele;eraevidentequesabiamuitobemoque
estavafazendo.Amespercebeujuntocomigoecalou-senoato.Sóentãoelacomeçouacantar.LembreiqueLaylamedisseraalgumashorasantesqueRosieeraquem
tinhaamelhorvozpracantar.Seesseeraocaso,entãoRosiedeviaestarnoníveldascantorasdeópera,porqueLaylacantavamaravilhosamentebem.Asalalogofoipreenchidacomosomdasuavoz,puraemelódica,enquantoseusdedossemoviamtãorápidopelascordasquesódavaparaenxergarumborrão.Eutinhacertezadequeaminhabocaestavaaberta.EseiqueadeAmesestava.QuandoLaylaterminou,asensaçãoeradequeoarànossavoltatinhasidosugado.Silêncio.—Uau—conseguifalarafinal.—Foiincrível.—Vocêébemboa—Amesacrescentou.—É“StairwaytoHeaven”.Qualquerumconseguetocar.Laylaentãopôsaguitarradevoltaondetinhaencontradoeseviroupara
mim.—Prontaparaapizza?Eucomcertezaestou.EncerramosanoitecomoAmeshaviaplanejado:assistindofilme.Elefez
sua“famosa”pipocaensopadademanteigaderretidaesentoubemnomeiodosofá,de frenteparaaTV.Assim,quemquisessesentarali tambémnãotinhaescolhasenãoficaraoladodele.Laylapreferiuseacomodarnochãoebateu no tapete ao seu lado, me chamando para sentar ali. Quando fui,Ames me lançou um olhar cortante. Ele nem tentava mais esconder airritação.As duas opções de filme eram comédias românticas, e Layla, a
especialista, játinhavistoambas.Elarecomendouofilmemaisengraçadoemvezdooutrocomacapaetéreadeumcasalsebeijando.Dispensandoapipoca,LaylaabriuabolsaetirouumpunhadodepirulitosYumYum,quedepoismeofereceu.Haviaumde coca-colaentreeles, oque comcertezanãoeracoincidência.ElatambémosofereceuaAmes,querecusoucomacabeça.— Não gosto desses doces duros — ele lhe disse. — E, de qualquer
forma,todosossaboressãosempremuitoazedos.Layla sequer honrou o comentário com uma resposta. Em vez disso,
abriu com tudo o pirulito rosa e enfiou na boca. Peguei um pouco depipoca;jáestavamesentindomeiomalporele.Apipocaestavatãomeladaqueamanteigaquaseescorriapelamão.Deixeimeupunhadoemcimadoguardanapo.Maisoumenosnametadedo filme,umcelular começoua tocar.Ames
sacouoaparelhoeolhouparaonomenatela.
—Éasuamãe—elemedisseantesdeatendernoviva-voz.—Oi,Julie.Comoestáopasseio?LaylaaindachupavaopirulitosemdesgrudarosolhosdaTV enquanto
minha mãe contava que a viagem tinha sido boa, que os voos foramtranquilosequeelestinhamacabadodevoltardeumjantarmaravilhoso.Ames parecia não ter pressa para contar que eu havia convidado umagarotaqueelanãoconheciaparadormiremcasa.—Sydneyestáaí?—minhamãeperguntouenfim.—Claro—elerespondeu.Eentãopassouotelefoneparamim.—Oi,mãe—eudisse.Tivevontadededesligaroviva-voz,masseriameioestranhofazerisso
comumcelularquenãoerameu.Claroqueelequeriaescutartudooqueeudissesse.—Oi,querida!—pelavoz,minhamãepareciafelizdeverdade,eporum
momentomesentimalporterdesejadoqueelanãoviajasse.—Comovocêestá?SedivertindocomAmeseMarla?—Naverdade,Marlaestádoente.MesmacoisaqueJenn—eudisse.Comabocacheiadepipoca,Amesaindameobservava.—Coitada!Issoestáseespalhandomesmo.Pausa.—Deresto,tudobem?—minhamãefinalmenteretomou.—Jantou?—Ames cozinhou— eu disse, ao que ele abriu um leve sorriso.— E
agoraestamosvendoumfilme.—Quebom.Aquiélindo.Nãovejoumapraiatãobrancaassimdesde…
bom,desdesempre.Talvezatévoltebronzeada.—Queótimo.—Bom,amanhãvocêsabequeAmesvaisaircedopravisitarseuirmão.
Então você pode tomar café fora de casa, ou comer o de sempre. Deixeidinheirocasovocêsqueiramjantarforaoupedircomida.Tudobem?—Claro.— Vamos voltar lá pela hora do jantar no domingo — minha mãe
continuou. — E diga a Ames que vamos levar alguma coisa pra comer,entãoelepodeseprogramarparaesperar.Éomínimoquepodemosfazerpararetribuiressaajudatãoemcimadahora.EseMarlaestivermelhor,falapraeleconvidá-latambém.Domeulado,Laylatirouopirulitodabocaeolhoubemparamim.Em
seguida,tossiudemaneiraostensivaeaudível.Duasvezes.Amestrocoudeposiçãonosofáedeixouobaldedepipocanochão.As
falas do filme continuavam rolando na TV, então não sabia ao certo se
minhamãetinhaescutadoatosseatéeladizer:—Sydney?Tem…maisalguémaí?OlheiparaLayla,queacenouacabeçadamaneiramaisdiscretapossível.
Entãorespondi:—Tem.Aamigadequemfaleihojecedo.Layla.Elatrouxepizza.—Oi,sra.Stanford!—Laylacumprimentou.—Prazeremconhecê-la!Houveumabrevepausaatéminhamãe,geralmenteinabalávelemseus
bonsmodosepolidez,recuperaracompostura.—Oi!Ouvimuitosobrevocê.Nãosabia…— Sydney está meio que salvando a minha vida agora — Layla
interrompeu.—Estãoreformandoaminhacasa,ejustohojecomeçaramapintarmeu quarto e a botar um carpete novo. O cheiro das duas coisascombinadaséhorrível.Nosofá,Amesaencarou.—Nãosepreocupe,Julie.Vougarantirqueelaváemboracedoparaque
Sydneynãofiqueacordadaatétarde.—Ah,sim—Laylaacrescentou,encarando-odevolta.—Jáfazmaisou
menos uma hora que abriram o quarto para arejar. Acho que tudo bemdormirlá.Foientãoquecomeceiaentender.—Vocêvaidormirnessequartoestanoite?—minhamãeperguntou.—Hum,sim.Pausa.Entãominhamãedisse:—Layla,seiquenãoédaminhaconta,masnãoénadaseguroseexpor
aocheirodatintaedacoladocarpete,principalmentequandoaindaestãofrescos.Osgasesqueessascoisasliberamsãoperigosos.Claro,oidealseriausarprodutossemtantaquímica,masentendoquenemsempreépossível.Laylaarregalouosolhoscomoseminhamãepudesseversuareação.—Asenhoraachaqueeunãodeviadormirlá?—Bom,seriamelhorevitar.Háalgumcômodomaisventilado?—Nenhumquejánãoestejaocupado.Mas,deverdade,tudobem.Eles
devemterminarapinturaamanhã,então…—LaylanãotirouosolhosdeAmesenquantodiziaisso.Oolharentreosdoiseratãotensoqueeraquasepossívelenxergá-loeimaginá-lovibrar.Outrapausa.Entãominhamãedisse:—Sydney?Vocêpodetirardoviva-voz,porfavor?Fizissoeleveioaparelhoaoouvido.—Tirei.Podefalar.Então ouvi um ruído abafado.Minhamãe devia ter coberto o telefone
comamãoouoapertadocontraopeito.Masdeuparaouvirmeupaidizeralgumacoisaeminhamãeresponder.Depoisdeunsinstantes,elavoltou:—Querida,vocêconhecebemessagarota?Levanteiefuiparaacozinha:—Eutedisse.Elaéaúnicaamigaquefizna Jacksonetemsidomuito
legalcomigo.—Esperaaí.Maisconversaabafada.— Nesse caso — minha mãe retomou —, acho que dadas as
circunstâncias, ela deveria passar a noite aí. E, para ser sincera, amanhãtambém,seareformacontinuar.Seelaésuaamiga,voumesentirmelhorassim.Émaisseguroparaela.—Sério?—perguntei.—Mãe,issoseriademaisdasuaparte.—Imagina…—elasoousurpresa.Econtente.—Ésóumaquestãode
educação.Vocêachaqueseriamelhoreuligarparaospaisdelaeperguntarsetudobem?Volteiàsaladeestar.AmesaindaolhavaLaylapelocantodoolho,mas
elatinhavoltadoaverTV,comopirulitonaboca.—Ei,vocêquerpassarofinaldesemanaaqui?—perguntei.Elapiscou,comumasurpresafingida.—Vocêachaquenãotemproblema?—Claroquenão.Minhamãesóquersaber seprecisa ligarparaa sua
antes.—Ah,não—eladisseemaltoebomsom.—Osremédiosnovosquea
minhamãeestátomandodãomuitosono,entãoelajádeveestarnacama.Voumandarumamensagemparaaminhairmã.Elaavisademanhã.—Amãedelatemesclerosemúltipla,mãe.—Puxa,sintomuito.—Minhamãefezumsilênciorespeitoso.—Bom,
cuideparaqueelatenhatudooqueprecise,o.k.?Ocolchãodearestánoquartodehóspedes,enoarmáriotemcobertoresextraseumaescovadedentesnova.—Tudobem.—Vireidecostasecompleteiemvozbaixa:—Obrigada,
mãe.Deverdade.—Ah…Bem,denada—pelavoz, elapareciaestar sorrindo.—Agora
vocêmedeixafalarcomAmesdenovo,porfavor?Caminheiatéeleeestendiotelefone.Elepôsapipocadelado,limpoua
mãogordurosanacalça,levantouesóentãopegouoaparelho.Emseguida,saiudasalaeesperouparafalarapenasquandojánãopudéssemosouvir.Doseulugarnochão,Layladisse:
—Essefilmeémuitobom,né?Olhei para ela. Layla estava prestando atenção em mim, não na TV, e
sorrindodeorelhaaorelha.—Éótimo.Achoquetalvezsejameupreferido.Elanãorespondeu.Apenasviroudenovoparaatela.Senteiaoladodela,
aceiteioutroYumYumerelaxei.Duranteahoraseguinte,na tela,umcasalseapaixonouperdidamente,
passou por uma provação terrível e se separou para, no último segundo,redescobriroamorquesentiamumpelooutro.Nomundoreal,Amessaiudotelefone,foifumareresmungouquejáestavatardequandooscréditoscomeçaramarolar.QuandoLaylaeeuenfimfomosparaoquartodormir,ofereciminhacamaaela,querecusou,dizendoestarfelizcomocolchãodear. Imagineiquesóestavasendoeducada,comotodaboahóspede.Entãobotamosocolchãodelabemaoladodaminhacama.Depoisdeapagarasluzes,conversamosumpoucoatéquecaínosono.
Quandoacordeidenovo,jáàsduasdamanhã,roleiparaoladoafimdeverLayla,maselanãoestava lá.Confusa,erguio troncoeesfregueiosolhos.Foientãoqueavi:elatinhamudadoocolchãodelugar,queagoraestavaencostado à porta fechada—mas destrancada— do quarto. Ela dormiaencolhidaali,deguarda,paramemantersegura.Foiaminhamelhornoitedesonoemmeses.
8
MinhamãeeeunãotínhamosconversadomaissobreoDiadaFamílianaLincolndesdequeelaomencionarapelaprimeiravez.Acheiquefosseumbomsinal.Quatrodiasantesdadata,percebioquãoenganadaeuestava.—Então—eladissedofogão,ondemexiaumapaneladesopaquetinha
preparadoparaojantar—,precisamoscombinarcertinhocomovaisernofinaldesemana.Aqueleeraoseupapotípico—elagostavadeplanoseagendasesempre
garantia que ambos estivessem definidos com dias de antecedência. Porissonãopercebidoqueestavafalando.—TenhooaniversáriodeJennnasexta.ELaylameconvidouparajantar
nosábado,senãotiverproblema.Eleprovouumacolheradadasopa,aindadecostasparamim,edisse:— Tudo bem na sexta. Mas sábado temos o Dia da Família. Talvez a
gentevoltetarde,entãoémelhornãofazeroutrosplanos.Fiquei em silêncio por um minuto, ganhando tempo para pensar em
comoreagir.Porfim,respireifundoedisse:—EntãoPeytondissequepossoircomvocês?Pausa.Emseguida:—Seupaitemumaconferência,entãovamossersónósduas.EPeyton
chegouapreencherumformulárioparavocê.Achoqueissoquerdizerquesim.Aocontráriodaminhamãe,meupainãovisitavaPeytoncomfrequência.
Eleatinhaacompanhadonasprimeirasvezes;semprevoltavacomumardeexaustãoedesaparecianoescritório.Paraalguémqueganhavaavidaconsertandoascoisas,nãodeviaserfácilveroprópriofilhonumasituaçãoimpossível de consertar. Ele conversava com Peyton e garantia que eletivessetudodequeprecisasseemtermosdeprodutosdehigieneealgunspequenosluxospermitidos.Maseutinhaasensaçãodequeparaomeupai
eramais fácil acreditar quemeu irmão só estava fora, sem saber demaissobreo lugarondeviviadeverdade.Eleomantinhalongedosolhosparafingirqueestavalongedocoração.Eu claramente não ia ter essa opção, mesmo se meu irmão e eu a
preferíssemos.Erararominhamãedesistirdealgoquejátinhacolocadonacabeça.Gostandoounão,euirianosábado.—Uau— Jenn disse depois que contei para ela sobre sábado quando
nos encontramos na Frazier depois da escola para estudar.—Nunca fuinumaprisão.—Amaioriadaspessoasnuncafoi—repliquei,melancólica,etomeium
gole do complexo café que Dave! mais uma vez tinha me convencido acomprar. Era uma bebida gelada, pastosa como barro, mal subia pelocanudinho,masdeliciosa.—Sóossortudoscomoaminhafamília.Meredith,numararatardelivre,olhouparamimdooutroladodamesa.—Deveserestranho,né?Vocêestácommedo?Tipo,medodasoutras
pessoasqueestãolá?Eraumaperguntaque,naverdade,jamaistinhameocorrido.Conseguia
lidar com outros criminosos encarcerados; só meu irmão me deixavadesconfortável.—Eurealmentenãoqueriair.Queriaquefossepossívelfaltar.Ambas me encararam com o olhar solidário. E então Jenn pôs a mão
sobreaminha.— Mas a gente vai se divertir muito sexta à noite, certo? Margaret
tambémvai.Vocêfinalmentevaipoderconhecê-la.Jenn tinha comentado algumas semanas antes sobre essa nova amiga,
que tinha acabado de chegar de Massachusetts. Desde então, raramentetivemosumaconversaemqueonomedelanãofossemencionado.Aoqueparecia,Margareteraincrivelmenteengraçada,legaleatémaisinteligentequeJenn,oqueeunemsabiaqueerapossível.MesmoMeredith,quenãoseimpressionavafácil—anãosercomalguémquesaltassemelhordoqueela—, veiome contar queMargaret não só falavamandarim como já tinhasaídocomumcaraqueeraprimodeumatordeumdosnossosprogramasprediletos.—Ótimo—eudisse.—Nãovejoahoradeconhecê-la.—VocêvaiamaraMargaret—Jenndisse.—Elaétãoengraçada.—Ai,meuDeus—Meredithinterveio.—Outrodia,naauladeeducação
física,estávamosfazendounsmovimentosdeiogaeelasedesequilibrounaposiçãodaárvoreedeucomtudonochão.Foihilário.Ambasriramao lembrardisso.Comcertezaeutambémririasetivesse
estado lá. Mas depois de apenas algumas semanas na Jackson, já nãoconseguiameimaginarfazendoioganaeducaçãofísica.Naquelemomento,minhavidanaPerkinsmepareceuaquilômetrosdedistância.Eofatodeque já não saíamos tantonão ajudava. Como empregodemonitoria queJenntinhaarranjandonoKigerCentereaagendasuperapertadadetreinosdeMeredith,tínhamossortedeconseguirnosver,mesmoquesódevezemquando.Sópercebioquantoanossaamizadesebaseavanaescolaquandoperdemosessepontoemcomum.Averdadeeraqueeutinhamudado.Amaiorpartedessamudança—o.k.,provavelmentetodaessamudança
—sedevia a Layla.Desdeo fimde semanaemque eladormira em casamantivemos contato constante. Era como se ela tivesse passado deestranhaamelhoramigadodiaparaanoite.Parecia impossívelqueumacompleta desconhecida até seis meses antes fosse naquele momento aúnicapessoaquemecompreendia.Mas esse era o ponto: Layla entendia. Não só meu desconforto com
Ames,mastambémmeussentimentosemrelaçãoaPeyton.Rosienãotinhasidopresa,masosproblemasdela respingaramem todososChathamdeum jeito ou de outro. Eu sabia que Jenn e Meredith me amavam e quesempreestariamdispostasameouvir.Mashaviaumsentimentoderaivaevergonha envolvido na minha história que elas jamais poderiamcompreender.Sóquandoencontreialguémqueentendiatomeiconsciênciadoquantoprecisavadisso.— Argh. Essas aqui são de quinta. É evidente que não estou num dia
bom.Normalmentenemconsiderariaalgoassim.Olhei para Layla que, apesar dessa declaração, preparava com a
meticulosidadedesempreasbatatasfritasquecompraranalanchonetedapista de patinação. Uma dupla camada de guardanapos cobria parte daarquibancada entre nós, onde as batatas estavam dispostas numa fileira.Laylatinhamisturadodoistiposdeketchupnumcopoplástico,masnemsederaotrabalhodepegarotemperopersonalizado,quetratavacomoouro.—Aquestão—elacontinuouenquantopegavaumabatatinhadocentro
e amergulhava no copo— é que ninguémme decepciona tanto quantoRosie.Seoesportedelafossechatearaspessoas,comcertezateriachegadoàsolimpíadas.Semdúvida.Abri um sorriso e, apertando o suéter contra o corpo, peguei uma
batatinhaquandoelaofereceu.HaviaanosqueeunãoiaàpistadegelodeLakewood.MinhamãecostumavanoslevarláquandoPeytoneeuéramos
crianças. Ele chegou a jogar hóquei nessa pista em algumas temporadasdurante o ensino fundamental,mas eununca consegui sequer evitar quemeus tornozelos dobrassem pra dentro enquanto patinava. Aquele era oúltimo lugar aonde imaginava ir quando cheguei na Seaside depois daescola,masjáestavaaprendendoquetudoerapossívelquandosetratavadosChatham.Naquele dia, tínhamos acabado de tirar as mochilas das costas e
estávamosprestesapedirnossafatiadepizzadesemprequandoocelulardeLaylatocou.Elaviuquemeranatelaantesdeatender.—Oi—pausa.—Napizzaria,ondemais?Mac, que estudava atrás do balcão com um lápis apoiado na orelha,
lançou um olhar para ela. Àquela altura, eu já era quase capaz de nãodesviarorostoquandoeleprestavaatençãoemmim.Quase.—Bom,vocêdevia terpensadomelhorquando falouque iria—Layla
disse, para então esperarummomento, soltarum suspiro e olharparaoteto.—Não,opapainãoestáaqui.FoicomoCamrynomecânicoprasaberqualéoproblemadacaminhonete.—Éocontrário—Macdisseemvozbaixa.—Quê?—ÉoCamryqueestánoconserto—eledisseàirmã.—Acaminhonete
estáfuncionando,sófalhaumpoucopradarpartida.— Tanto faz— Layla disse. Eu também já tinhame acostumado com
isso. Os Chatham tinham dois carros, e ambos sempre quebravam.— Aquestão — ela retomou ao telefone — é que não temos um carro nomomento.PelovistoRosie tinhabastanteadizersobre isso,porqueLaylapassou
umbomtemposemfalarnada.Porfim,deumamaneiraquedeixavabemclaroqueelaprecisavainterromper,Layladisse:—Rosie,vocêpodefalaroquantoquiser.Nãotenhocomoajudar.Ah,vai
você!—Ei—Macinterveio.—Oquehouve?— Ela disse que precisa de carona para a pista. Parece que é uma
emergência de patinação.— Layla fechou a cara e afastou o telefone dorostoenquantoRosierespondiaaosberros.—QuandoRosiequeralgumacoisa,ésempreumaemergência—eladisseparamim.—Podemoslevá-laquandoopapaichegar—Macfalou.—Daquiameia
horamaisoumenos.Laylarepassouainformaçãoedepoisrelatouoresultado:— Não, isso é inaceitável. E sim, essas são as palavras exatas que ela
usou,casovocêestejaseperguntando.Macdeudeombrosevoltouaolivro.Rosieaindafalava.—Possodarumacarona—propus.—Querdizer,sevocêquiser.—Nãoprecisa fazer isso—Laylarespondeu,eentãodisseaRosie:—
Nada.Sydneysóestásendomaislegaldoquedeviacomvocê.—Deverdade,eunão ligo—falei.—Tenhoatéasseisprachegarem
casa.Laylameencaroucomumaexpressãocáustica.—Nãoprecisafazernadapelaminhairmã.—Eusei.Masestouoferecendo.Achavaqueeraomínimoquepodiafazer.Emborativessetentadopagar
o café da manhã de Layla nos dois dias em que ela dormiu em casa, etambémofilmequefomosvernocinema,elanãodeixou.—Euéqueprecisoagradecerporficarnasuacasaemvezdeaguentar
minhafamílialouca—eladissera.Comoeunãotinhaconseguidoretribuirofavor,acaronaeraminhaopçãomaispróxima.Dez minutos depois, estávamos virando numa ruazinha residencial a
poucas quadras da Seaside. Casas pequenas, alguns quintais abarrotadoscom carros, balanços emobília de jardim.Bemno fimda rua ficavaumacasatérreadetijoloscomgaragemanexa.Ogramadotinhaváriosburacosehaviapelomenosquatrocarrosdesmontados,emdiferentesestadosdedeterioração, estacionados na lateral. Uma bandeira decorativa perto daporta dizia BOAS FESTAS, apesar de ainda estarmos em setembro. Atrás detudo,estavaafloresta.Asárvoresatrásdacasadelesestavamentreasmaioresqueeujátinha
visto. Arbors contava com uma vegetação variada: carvalhos, arbustos,alguns cedros altos.Mas ali havia apenas pinheiros altos e largos, um aoladodooutro.Pelaprimeiravezentendioqueaexpressão“florestadensa”queriadizer.Eracomoseascasas fossemapenasuma trilhade farelodepãoparaconduziraspessoasatéaescuridãoatrásdetudo.—Bem-vindaaoparaíso—Layladissecomironiaquandoestacionamos
nomeio-fio. Aodescermosdo carro,meus olhos logo se fixaramnaquelemarverdediantedenós.—Aflorestaédemais,nãoé?—elacomentou.—Quandoeueracriança,tinhapesadeloscomela.Aindahojedurmocomaspersianasfechadas.Elasubiuospoucosdegrausquelevavamàportadafrente,eeufuiatrás.
Deperto,noteiqueabandeiradeBOASFESTASestavatãovelhaegastapelotempo que tinha ficado translúcida e dava para ver o sol brilhar atravésdela.Laylagirouamaçanetaeabriuaporta.
—Soueu—elagritouparaaescuridãonointeriordacasa.—ESydney.Rosie,émelhorvocêestarpronta!Layla segurou a porta para mim. Assim que entrei, precisei de um
minuto para entender a disposição da casa. Enfim percebi que nãoestávamosnumhallounumaantessala,masjánaprópriasaladeestar.Tudo estava bem limpo, mas amontoado. Fotografias emolduradas
cobriam o aparador da lareira. Sobre a mesa de centro havia umascaixinhasdediversostamanhosemateriais:madeirapolida,madrepéroladelicada,metalcromado.Umacoleçãodecanecasdecervejaenfileirava-sesobreumaprateleira,ondetambémestavaumporta-retratoscomasesdebaralho. Havia ainda um sofá grande, coberto por mantas de crochê deestampasvariadas,eumanamoradeiracomalmofadasbordadasqueficavade frente para a TV de tela plana na parede oposta. Por fim, havia umapoltrona.Eraumapoltronabemgasta, ladeadaporduasmesinhasbaixas. Sobre
uma delas estava um copo térmico enorme com um canudinho pra fora,umalatatamanhofamíliadecastanhaseumacaixadelençosdepapel.Naoutramesa, havia umapilha alta de revistas, dois controles remotos, umtelefone e uma porção de frascos de remédios e vitaminas. Embora apoltronaemsi estivessevazia, eraóbvioquequemsentavaali dominavaaquelasala,querestivessepresenteounão.Laylacaminhoupelocarpeteazul-claroatéacozinha.Aoverqueestava
vazia,suspirou,voltouparaasalaelargouabolsanosofá.—Típico—disse.—Podesentar.Vouatrásdela.Assim que ela desapareceu pelo corredor à esquerda, fui até o sofá e
puxeiumadasmantasparaoladoafimdeabrirespaçoprasentar.Aofazerisso,minhamãoentrouemcontatonãocomotecido,mascomalgopesadoemorno.Equetinhadentes.Soltei um gritinho e recuei. Eu ainda estava parada, apertando amão
contraopeito,quandoLaylareapareceu.—Oquehouve?—elaperguntou.—Temalgumacoisa—respondibalançandoacabeça.—Puxeiamanta
eentão…Elaseaproximouearrancouamantacomumpuxão,comoosmágicos
quefazemtruquescomtoalhasdemesa.Ogestoreveloutrêscachorrinhos—bempequenosebemfeios—quenãopareciamnemumpoucofelizesemnosver.—Desculpe—elamedisse.—Machucoumuito?Baixei os olhos para a mão. Nada de sangue apesar de a ponta do
indicadorlatejar.—Não—respondi.—Bichinhosmalditos—elapraguejouaopegaromaiordelesnocolo.
Tratava-sedeumacadeladepelobemcurto,cinzentoearrepiado,cabeçacareca e olhos pequenos e brilhantes; com um deles, ela me encaravaenquantoLaylacoçavasuaorelha.Osoutrosdoiscachorros,aindanosofá,tentavam se enfiar debaixo da outra manta, provavelmente para seesconderàesperadapróximavítima.—Mas,céus,comoagenteamaessestrês—elacompletou.—Dequeraçasão?—perguntei.Logoemseguidaacachorranocolode
Layla deu um arroto mais apropriado para um animal com o dobro dotamanho.—Elesnãotêmraçadefinida.Sãosóumamisturabizarradanatureza—
elarespondeudepoisdebeijaracabeçapeladadacadela.—EstaéAyre.OsoutrosdoissãoDestinyeRussell.Minhareaçãofoiapenasencará-laeperguntar:—Como…noBigNovaYork?Elainclinouacabeçaparaolado.—Nãovaimedizerquevocêassisteesseprograma?—Assisto—confessei.Embora“assistir”fosseumeufemismo.Antesde
conhecer Layla, era a única coisa que fazia de tarde.—Para ser sincera,assistotodosdafranquiaBig.—Eusabiaque tinhaummotivoparaeugostardessagarota!—Virei
para trás e vi a sra. Chatham de agasalho vermelho, atravessando ocorredor apoiada num andador. Rosie vinha atrás, com uma bolsa deginásticaesuacarapadrãodedesgostoqueeu jáconhecia.—VocêtorceparaRosalieouAyre?Paraminhatristeza,nempreciseipensarpararesponder:—Ayre.—Entãopodeficar—eladissecomumsorriso.Comcaradeenfado,Laylaobservouamãeseaproximardapoltronae
soltar o corpo no assento. Rosie, por sua vez, pegou uma dasmantas dosofá (ouvi os cachorros rosnarem para ela e depois entre si) enquantoLaylalevavaocopotérmicoparaacozinha.Momentosdepois,elaotrouxedevoltaeopôsnamesa,nãosemantesrosquearbematampa.— Obrigada, querida — a sra. Chatham agradeceu enquanto Rosie a
cobria comamanta.—Agorapodemparar deme cercar. Eu estoubem.Não é bom deixar Arthur esperando, já que ele encaixou você no últimominuto.
—Voltamosmais tarde,assimqueMacpudernospegar,o.k.?—Layladisseàmãe.—Emeucelularestáligado.— Sou perfeitamente capaz de passar umas horas sozinha. Agora vão,
todasvocês.Comum gesto damão ela dispensou as filhas. Rosie pegou a bolsa de
ginásticaeLaylaligouaTVnumepisódiodeBigChicagoqueeuaindanãotinha visto. Elena, a socialite, chorava sem borrar a maquiagem. A sra.Chatham sorriu e recostou na cadeira. Enquanto saíamos, ouvi elaaumentarovolumedoaparelho.—Belocarro—RosiecomentouquandochegamosnomeuBMW.Assim
comoLaylafizeraantes,elacorreuamãopeloassentodecouro,admirada,ergueuosolhosparaotetosolareperguntou:—Éaversãoesportiva?—Não—Laylarespondeu.—Dápraverpelasrodas.—Comcertezaémelhorqueosnossos—Rosieemendouaorecostarno
banco.—Possoficarmalacostumadacomisso.—Nãofique—Layladisse.—Sydneyestáfazendoumgrandefavorpra
você.—Eeuagradeço.—Entãotalvezdevessedizerissoaela.—Nãoénada,deverdade—falei.—Odeioirpracasadepoisdaescola.Issochamouaatençãodelas:sentioolhardeambaspousarsobremim,
apesardeestardeolhonapista.—Émesmo?—Rosieperguntou.—Porquê?—Cuidedasuavida—Laylacortou.— Qual é? Ninguém diz uma coisa dessas se não quer que os outros
perguntem.—Evocêépsicólogaagora?Tiveasensaçãodequeaquelatrocadefarpaslogosetornariaumabriga
deverdade,ereceavaqueopequenoespaçoqueocupávamosfosseincapazdecontê-la.Entãofalei:—Équeémeio…estranho.Desdequemeuirmãofoiembora.Solitário,
acho.Nãoimporta.Averdadeéqueestoucontentedeteralgoprafazer.Deverdade.PudenotarqueRosie,atrásdemim,queriafazermaisperguntas.Layla
baixouoquebra-solcomosequisesseolhar-senoespelho,masousouparalançarumolharfeioparaairmã.Seguimoscaladaspelorestodocaminho,quenãoeralongo.Assim que chegamos à pista, Rosie foi para o vestiário e Layla partiu
direto para a lanchonete e para as batatas abaixo damédia. Enquanto a
atendenteascolocavanumaembalagemdepapel,Laylasuspirou.—Desculpeportudo.Minhairmãmedeixalouca.—Estátudobem,deverdade—eudisse.—Elaétão…—Laylafezumapausaparasoltaroutrosuspiroerevirar
ocestodesachêsdeketchup,comoseumpudessesermelhorqueooutro.Conhecendosuasobsessões,deviaterumjeitodedescobrir.—…folgada.Comoseomundolhedevessealgo.Semprefoiassim.—Meuirmãoémeioparecido—contei.—Penseiquetinhaavercomo
fatodeseroúnicofilhohomem.Talvezsejaumproblemadosmaisvelhos.—AchoquenomeucasooproblemaéaprópriaRosie.—Elaescolheu
umsegundosachêedepoispegouunsguardanapos.—Pelomenosquandoela era mais jovem podia culpar o estresse da patinação, toda acompetitividade.—Entãoelaeraboa?—Elaeraexcelente.—Layladeslizouumanotadecincopelobalcão.—
Claro,issonãoeradesculpaparaserumavaca.Massaberqueelaeracapazdealgobelo,algoalémdasuachatice,tornavamaisfácilsuportarascoisas.As palavras dela fizeram um estranho sentido pramim. Não quemeu
irmãotivessealgumtalentoimpressionantecomoapatinação,maseraummestredocharme.Peloqueeuestavaaprendendo,ninguémeracemporcentoruim.Mesmoapiordaspessoasemalgummomentotevealguémqueaamasse.Na arquibancada, Layla arrastououtrabatatinhapelapoçade ketchup
apimentado (pimentchup?) e deu umamordida desanimada. Lá embaixo,nogelo,umhomemdemeia-idadeecabeloloirobempenteado,comcalçadelycraecasacoazuldeveludo,orientavaumagarotadeunsdozeanosadaralgunssaltos.Elatinhaoaspectotípicodaspatinadorasqueeuvianosprogramasesportivosdesábadoàtarde:pequenaeágil,comumrabodecavalo.Aofinalizarcadasalto,orostodohomemdeixavaclaroseeleestavafelizounão.— Aquele é Arthur — Layla comentou quando viu que eu estava
prestandoatençãonele.—Éporcausadelequevouterdentestortosprasempre.—Seusdentesnãosãotortos.—Mas tambémnão são retos.Não comoos seus.Vocêusouaparelho,
nãousou?Fizquesimcomacabeça.—Odiavausar.—É,masficoubom.—Elapegououtrabatatinha.—Euprecisavausar.
O dentista falou. Mas pagar um técnico como Arthur para treinosindividuaisnãoébarato,então…Voltei a encarar a pista de gelo. A garota acabara de dar outro salto e
patinavaemcírculosparatentardenovo.—Elaqueriamesmochegaràsolimpíadas?—Sim,masnuncapassoudascompetiçõesregionais.Edepoisaceitouo
empregoparafazerturnêscomacompanhiaMariposa.Pelomenosajudavameuspais financeiramente. Fiquei com tanta raiva quando ela foi pega etevequeabandonaro trabalho—Laylaadmitiu,balançandoacabeça.—Entendoqueàsvezestemosquerelevarascoisaspelobemdetodos.Maselafoitãoidiota…quemachucou.Comosetodosaquelesanos,todoaqueledinheiro,nãorepresentassemnada.QuandoLaylaterminoudefalar,outragarotaentrounapista.Leveium
tempoatéperceberqueeraRosie.Talvezfosseporcausadadistânciaoudaroupa de patinação,mas ela estava diferente. Ela começou a deslizar emcírculos na beira da pista, aumentando aos poucos a velocidade. Mesmoaquelesmovimentostãobásicosjáprovavamqueelaeramelhordoqueagarotaanterior.Haviaumagraçapuraesimplesemseusmovimentos,algototalmenteopostoàRosiehabitual,semprereclamandoetorcendoonariz.Como se ao invés de murchar no frio, como a maioria das pessoas, elaflorescesse.Layla tambémaviupassarpornósumavez,depoisoutra.Na terceira,
quandoRosienotounossapresença,Laylaacenoucoma cabeçae sorriu.Issomedeixousurpresa,depoisdetudooquetínhamosconversado.MasentãolembreiquemuitacoisasobreLaylaaindaeraummistério.—Rosieestábemnervosa—elameexplicou,comosesentisseminha
confusão.— Ela estava treinando sozinha; esta é a primeira vez que eleconcordouemvê-ladepoisdoqueaconteceu.Éporissoqueelaestavatãoestressada.Umdosmotivos,pelomenos.DepoisdetrocaralgumaspalavrascomArthur,agarotamaisjovemsaiu
dapistaeotreinadorchamouRosiecomumgesto.Elesconversaramporummomentoeentãoelefezumgestoparaeladaroutravoltanapista.— Ah,meu Deus, não consigo assistir. Mesmo no treino fico louca de
ansiedade por ela. Costumava ficar tão mal nas competições que minhamãe implorava para eu ir comprar batata frita.— Layla pegou o celular,digitouasenhaeabriuagaleria.—Masquandoconseguiaver,sempresaíafeliz.Veja.Ele me entregou o aparelho para me mostrar um vídeo. Tinha sido
gravadoemoutrapista,maissofisticada,eRosiegiravanocentro.Devagar
no começo, com os braços bem abertos, mas cada vez mais rápido atétornar-sequaseumborrãoecolarosbraçosnocorpo.Amúsicadefundosuaveedistanteentãoparouderepente,eRosefezomesmo,comacabeçajogada para trás numa posição incrível. O público então explodiu emaplausoseovações,umsomestrondoso,eelasorria.—Essefoinoúltimoanoemqueelacompetiu—Layladisse.Ela passou para a foto seguinte, em que se via a sra. Chatham,
claramentecomasaúdemelhor,aoladodeLayla,Rosie(quecarregavaumbuquêde rosas)eum troféuenorme.Nocantoda imagem,meio cortadopela câmera, estava um sujeito gordo com um moletom folgado e calçajeans.Nocomeço,penseiquetivessesaídonafotosemquerer.Depoismetoquei.—Esseé…—comeceiafalar,masparei.Pegueiotelefoneeolheibem
paraatela.—Mac—Laylacompletoupramim.—Sim,éele.Amplieiaimagemcomopolegareoindicadoratéorostodeleocupara
tela inteira. Aquele corpo mais robusto e um caso sério de espinhas odeixavam bem diferente; eu mal conseguia acreditar que se tratava damesma pessoa. Mas os olhos eram idênticos, assim como o cacho quependiasobreatesta.—Uau.Comoele…?—Para começar, perdeu trezequilos. E quandopassou a se alimentar
melhor,apelemelhorou—elaexplicouenquantopegavaoutrabatatinha.— Loucura, né? Às vezes ainda cruzo com ele no corredor de casa emeperguntoqueméessecara.—Nãoacreditoqueeleeraassim.—Acreditariasevisseoqueelecomia.Ocaraeravoraz.Quenem Irv,
massemaaltura,osmúsculoseofutebol.Esócomiaporcaria.—Nãoconsigonemimaginar isso—disse.Semtirarosolhosdaquele
rostolargoecheiodeespinhas,perguntei:—Oqueofezquerermudar?— Você não iria querer? — Layla respondeu, acenando a cabeça na
direçãoda foto e comendoabatatinha.—Mas,pra falar a verdade, achoque ele finalmente cansou de ser “o garoto gordinho”. Desde que meentendoporgente,Rosieeraatalentosa;eu,abonitinha;eele,ogordinho.Nãoeranovidadepramim:teravidainteiraresumidanumasópalavra
que não tinha sido escolha sua. Eu sabia melhor do que ninguém. Massemprequelembravadissodesejavaaindamaisqueascoisasnãofossemassim.—Ecomoeleperdeupeso?—perguntei.
— Começou a fazer caminhadas pela floresta. Então passou para acorrida; primeiromais leve e depois com velocidade. Acordava antes daescola e sumia no meio do mato por horas. Ele ainda faz isso todas asmanhãs.—Nossa.—Ficocansadasódeouvi-losairàscincoemeiadamanhã—elafalou.
— Além disso, ele nuncamais comeu, tipo, coisas gostosas. Só proteína,legumesefrutas.Eunãoaguentariaumdiaassim.Achoquenemumahora.Ouvimosumgrito napista de gelo e voltamos a olhar paraRosie, que
tinha acabado de finalizar um salto, aparentemente de um jeito bemestabanado. Arthur balançou a cabeça e vociferou alguma coisa, e Rosiecontinuouapatinar em círculos, asmãosnoquadril, concordando comacabeça.—Argh!—Laylaexclamouenquantolimpavaosdedosnoguardanapo.
— Não aguento isso, é tenso demais. Daqui a pouco vou ser obrigada acomprarmaisdessasbatatinhaspéssimassópramecontrolar.Abriumsorrisoeolheiparaorelógio.Eramcincoequarentaecinco;eu
tinha quinze minutos para chegar em casa — ou seja, não cumpriria ohoráriomesmose saíssenaquele instante.Comonãoestavaansiosaparajantar e conversar mais sobre o Dia da Família na Lincoln, resolvi ficar.Assim, pude ver Rosie dar alguns giros, tropeçar uma vez, e por fimarrancar umminúsculo sorriso de aprovação de Arthur, o que fez Laylasoltarumsuspirosonorodealívio.—Vejovocêamanhã—disseaelaenquantojuntavaminhascoisas.—
Desculpenãopoderlevá-lasdevolta.—Tudobem.Mac está sempreporperto. E você já fezmaisdoqueo
suficiente.Abriumsorrisoe,acenandoemdespedida,comeceiadescerosdegraus
atéasaída.Antesdeabriraportaquedavaparaosaguão,olheiparatrásbematempodeverRosiedarseumelhorsaltoatéentão,aterrissarbemecontinuar deslizando.Me pareceu omelhormomento de ir embora, comtudoperfeito,aomenosporumsegundo.Saíantesquepudessevermaisalgumacoisa.
9
—Você veio!— Jenn exclamou agarrandomeupulso eme levandoparadentroda casadela comumpuxão.—Estou tão feliz em te ver! Faz umséculo!Quando ela me deu um beijo meio desastrado na bochecha, porém,
percebi que alguma coisa estava estranha. Jenn era várias coisas, masefusivanãoeraumadelas.—Ei!Oqueestáacontecendo?—pergunteiquandoelacomeçouame
puxarpelocorredor.—Estamosnosdivertindotanto!—elarespondeu.—Vem,vocêprecisa
conhecerMargaret.A julgarpelospuxõescomqueelameconduzia,aparentementeeunão
tinha opção a não ser deixá-la me levar até a cozinha. Lá, vi Meredithsentada ao balcão com um ar de desconforto enquanto uma garota decabeloescurojogavagelonoliquidificador.—Sydneychegou!—Jenn,quejamaisfalavaalto,gritou.—Eprecisade
umabebida.—Claroqueprecisa—Margaretdisse,voltando-separamim.Elatinha
cabelo longo caído sobreos ombros, olhos azuis vivos e sardas esparsas.Umagarotabonita,comumaespéciedebrilhoquelogochamavaaatenção.—Esteaquiacaboudesair.Paracomeçar.Só vi a garrafa de rum quando ela se afastou para abrir o armário
suspenso. Olhei de novo paraMeredith, cujo copo parecia intacto. Haviaoutros dois copos sobre o balcão, mas ambos não tinham nada além deespumaegeloderretendo.—Quebebidaéessa?—perguntei.—Piñacolada—Jennanunciou.—ReceitaespecialdeMargaret.Eestá
umadelícia.— O segredo é o gelo — Margaret explicou ao entregar meu copo e
reabastecerosoutrosdois.—Amaioriadaspessoasnãosabedisso.Pegueiocopoqueelameofereceu,masnãobebi.—Entãoseuspaisnãoestãoaqui?—Não,estãonasala—Jennrespondeu.Apenasaencarei.—Ébrincadeira!Claroquenão.Elesvãopassaranoitefora.Eudissea
eles que a gente ia comer pizza noAntonella’s e depois ver um filme nocinema.—Enãovamos?—perguntei.—Éissoquevocêquerfazer?—Margaretmeperguntou.— Não — respondi. Havia algo no seu tom de voz, no seu jeito de
arquearasobrancelhaquemefezdizerissoautomaticamente.—Équeeunãosabia…Desdequandovocêbebe,Jenn?Elabaixouocopoelimpouabocacomamão.—Oquevocêquerdizer?Jábebiantes.—Quando?—Otempotodo.Vocêsabedisso,Sydney.Margaret observava o diálogo com uma leve expressão satisfeita.
Enquantoisso,nobalcão,Meredithdavaumgoleemseucopo.—Certo—eudisse, semquerer jogarna carade Jennquea conhecia
desdeapré-escolaeque jamaisavira iralémdogoledevinhooferecidopelos pais na ceia de Natal.— O que tem aqui?— perguntei depois decheirarmeucopo.—Ah,apenasbeba—Margaretdisse,gesticulandoparamim.—Vaite
ajudararelaxar.Olheibemparaela.—Nãoprecisorelaxar.Eladeuumgolegenerosonasuabebida.—O que eu quero dizer é que esta é uma festa de aniversário. Então
vamosnosdivertir,o.k.?—Apoiada!—Jenndisseerguendoocopo.Margaret fez omesmo e acenou a cabeça paraMeredith, que também
levantouodela.Eentãotodasolharamparamim.Erguimeucopo.—ParaJenn.Felizaniversário.—Feliz aniversário!— todas repetiram.Tim-tim. Jenn tomouumbom
gole de imediato,masMargaret não bebeu. Apenasme observou levar ocopoàbocae tomarumgole.Aíela fezomesmo,massemdesgrudarosolhosdemim.—Muitobem—eladisse.—Agorasiméumafesta.
—Mandalogoumamensagempraele.Nãopensedemais.Apenasfaça.Jenn,corando,balançouacabeça.—Nãoconsigo!Émuitoconstrangedor.—Ah,porfavor—Margaretreclamoueseesticounosofáparatomaro
celulardeJenn.—Eumandoentão.—Não!—Jenngritouevoounamãodelapararecuperaroaparelho.—
PeloamordeDeus,Margaret,sevocêfizerissoeujuroque…—…vaimeagradecerprasempreporjuntarvocêeocaraporquemé
apaixonada?Denada.Margaretdigitoualgonocelularcomumamãoenquantousavaaoutra
paramanterJennlonge.—Pronto—disse.—Jámandei.Agoraésóesperar.—Odeio você— Jenn disse,mas tinha um sorrisomalicioso no rosto
corado.Pelasminhascontas,ela já tinha tomadoduasbebidasdesdequecheguei.—Podeatéodiaragora—Margaretfalou.—Masseeleaparecer,você
vaimeamarparasempre.O“ele”emquestãoeraChrisMcMichaels,porquemminhamelhoramiga
aparentemente era apaixonada havia tempos, embora jamais tivessemencionadoparamim.Margaret,porsuavez,sabiaqueelesentavaatrásdelanaauladehistória,quesemprepediaumafolhaoucanetaemprestada,quehaviaacabadodelargaranamoradadeanos,HannahRiggsbee,oqueodeixava,naspalavrasdeMargaret,“prontoparaoataque”.—Eleprovavelmentevaimeacharumalouca—Jennchoramingoucom
acabeçaenterradaentreasmãos.—Mandarmensagemsextaànoite…— Se ele não quisesse saber de você não teria te dado o número—
Margaretafirmouenquantoenchiaocopodeambas.—Elepassouporcausadeumtrabalhoemgrupo!Margaretabanouamãoemdesdém.—Detalhes.Nesse momento, o celular vibrou. Jenn foi ver, mas Margaret chegou
primeiroeexaminouatela.—Bom,olhasó.Eleestáporpertoedissequevaipassaraquicomuns
amigos.—Oquê?—Jennsoltouumgritoagudoeagarrouoaparelho.Elaleua
mensagemedepoislevantouosolhosparaMargaret.—Vocêdisseparaelequeestávamosbebendo?
—Vocêdisse—elarespondeu.—Éumafesta,certo?— Ai meu Deus! — Jenn exclamou, agarrando meu braço. — Chris
McMichaelsvaiviraqui?Naminhacasa?Nãoseiseaguento.— Claro que aguenta. Vou preparar mais uma rodada — Margaret
declarou,paraemseguidapegarojarrovazio,darmeia-voltaerumarparaacozinha.Finalmentenóstrêsestávamosasós.—Jenn—comecei;elatomououtrogole.—Vocêtemcertezadisso?—Dissooquê?OlheiparaMeredith,quepareciatãohesitantequantoeu.—Bom,vamossersinceras.Vocênãobebe.Eagorachamaunscaraspra
virnasuacasa?Elameencarou,irritada.—Qualéoseuproblemahoje?—Meuproblema?—rebati.—Évocêqueestáestranha.—Estoumedivertindo,Sydney.Émeuaniversário.—Eusei—eudisse.—Sousuamelhoramiga,lembra?— Então por que está sendo tão estraga-prazeres?— Ela balançou a
cabeça e bufou. — Pra ser sincera, estou chocada. Com o seu histórico,imagineiqueseriaaúltimapessoaajulgarosoutros.Na outra ponta do sofá,Meredith arregalou os olhos. Precisei respirar
fundoantesdeperguntar:—Meuhistórico?— O seu irmão — ela respondeu em tom seco. Na cozinha, o
liquidificadorcomeçouabater.—Querdizer,euentendo.Vocêdeveacharqueseeubebertambémvoupararnacadeia.Nãovou.Ficatranquila,o.k.?Tomasuabebida.Relaxa.Não sabia como reagir a isso. Ela parecia outra pessoa, mas com a
aparência e o jeito de sempre, que eu conhecia tão bem como se fossemmeus.Baixeiavoz:—NãoacreditoquevocêenfiouPeytonnaconversa.Elafezcaradetédio.— Ah, não se preocupe. Não é como se fosse um grande segredo. A
Margaretjásabe.Margaretentrounasalacomocopodoliquidificadornamão.—Oque“aMargaretjásabe”?—Nada—respondiolhandosériaparaJenn.—Deixapralá.A meia hora seguinte consistiu numa “transformação express” que
MargaretrealizouemJenn.Envolviabotarumablusinhadecotada,algumasbijuteriaseváriascamadasderímel.Margarettambémtrocouderoupae
pôsumvestidoquetrouxeranamala.Eraevidentequeelatinhaprevistouma mudança no visual, ao contrário do resto de nós. Durante todo oprocesso,asduascontinuaramvirandoumcopoatrásdooutroe,portanto,ficaramcadavezmaistontas.OladobomfoiquenenhumadasduasnotouqueMereditheeutínhamospassadoabeberágua.Àsnoveemeia,quandoosrapazesdeveriamchegar,Meredithpuloufora.— Chata! — Margaret gritou da cozinha, onde estava fazendo “um
aumentoessencialdevolume”nocabelodeJenn,práticaquepareciaexigirumbarrildefixador.—Estraga-prazeres!—Jennacrescentou.—Tenho competição amanhã à tarde—Meredith disse paramimem
vozbaixa, como se fosse euqueprecisassede explicações.—E isto aquiestá…estranho.—Deacordo—eudisse,erguendoocopod’água.Elabrindoucomigoedepoissorriu.—Vocêvaidormiraqui?—NãoqueroiremboraedeixarJenndessejeito.Meredith olhou de novo para a cozinha, onde Jenn parecia um pouco
enjoada.Oh-oh.—Vocêéumaboaamiga,Sydney.—Vocêtambém.—Meaproximeiparadarumabraçonela.—Boasorte
amanhã.—Obrigada.Elaacenouparaasduasnacozinha,massóMargaretretribuiuogesto.
AssimqueMeredithpôsopéprafora,fuivercomoJennestava.—Comovocêestá?—pergunteiaela.—Vocênãoparecemuitobem.— Ela está ótima. Só precisa comer alguma coisa — Margaret se
intrometeu, embora eu tenha notado Jenn estremecer ao ouvir isso. —Vamospedirpizza.Qualéonúmerodaquelelugarquevocêgosta,Jenn?— Eles não entregam — Jenn balbuciou e levantou da banqueta,
apoiando-senobalcãoparanãocair.—Eu…Euvouaobanheiro.Elasaiudacozinha,seescorandopelasparedes.Margaretaobservoue
depoistomouumgoledebebida.— Ela vai ficar bem — disse. — Uma vomitadinha rápida e ela fica
novinhaemfolha.Fiqueiobservandoelapegarumestojodepócompactoparaseolharno
espelhinho.—Sópravocêsaber,elanãobebe—faleifinalmente.—Ocopovaziodizoutra coisa—Margaret replicouenquantopegava
um pouco de gloss com a ponta do dedo. Ela passou nos lábios e meencarou.—Olha, quando cheguei com o rum ela não reclamou nem umpouco.—Provavelmentesóqueriateimpressionar.—Vocêlêamentedelaagora,é?—Souamelhoramigadela.Nosconhecemosdesdeapré-escola.— Bom, então você sabe que ela é uma garota capaz de tomar as
própriasdecisões—eladisseaofecharoestojodepó.—Porquevocênãovaivercomoelaestá,hein?Voupedircomidapragenteteroqueofereceraosgarotosquandoeleschegarem.Margaret pegou o celular para mostrar que a nossa conversa estava
encerrada.Sentiosangueferveràmedidaquecaminhavapelocorredoratéolavabo,deondedavaparaouvirJennvomitando.Batilevementenaportaantesdeabrir.—Ei,soueu.Jennestavadebruçadanaprivadacoma cabeçaapoiadanobraço. Seu
rosto estava branco e horrível, e o banheiro exalava um cheiro forte devômito.Eca.— Estou morrendo — ela gemeu. — Vou morrer no dia do meu
aniversário.Émuitasimetria,masumatragédia.Abriumsorriso.AquelaeraaJennqueconhecia.—Vocênãovaimorrer.Sóestábêbada.— Me sinto péssima. — Ela se virou para mim. Havia umas mechas
molhadas grudadas na testa. Adeus madeixas volumosas. — Você meodeia?—Claroquenão— respondi, já pegandouma toalhapertodapia e a
encharcandocomáguafria.—Porqueodiaria?—PorquefaleidePeyton.Eobrigueivocêabeber.—Vocênãomeobrigouanada.—Entregueiatoalhaaela.—Ponhano
rosto.Vaiajudar.Elaobedeceuesenteiencostadanaporta,abraçandoosjoelhos.—VocênãogostadeMargaret—eladisseafinal.Nãoeraumapergunta.—Eunemconheçoela—respondi,tirandoocorpoforamesmoassim.—Elaélegal,Syd,juro!Etãoengraçada!E,bom,elanãoédaqui.Nãome
vê como as outras pessoas. Acha que sou capaz de namorar ChrisMcMichaels, de beber piñas coladas. E… de ser diferente. Vocêcompreende?Fizquesimcomacabeça.Compreendiaaquilo,àminhamaneira.Nãoa
parte sobre o garoto ou a bebedeira, mas o histórico zerado que
acompanhavaumanovaamizade.— Sinto saudades suas— eu disse, triste por pensar nisso enquanto
estavanapresençadela.—Tambémsintosaudades.—Elavoltouaolharpramim.—Vocêvai
passaranoiteaqui?Seiquenãoestavanosseusplanos.—Claro—eudisse.—Sóvouversenãotemproblema.Minha mãe atendeu no segundo toque, aparentemente irritada. A
princípiopenseiquepodiaserculpaminha.Estava ligandopertodahoraem que devia voltar pra casa, e talvez ela achasse que eu ia pedir maistempo.Mas logo descobri que,mais uma vez, a irritação não tinha a vercomigo.—Vocêpodeficar,sim—eladissequandopergunteisepodiadormirna
casadeJenn.—NãovamosmaisàLincolnamanhã.Arregaleiosolhos,surpresa.—Não?Silêncio.— Parece que seu irmão teve o direito a visitas revogado — ela
respondeuafinal.—Claroquenãoconsigodescobriromotivo,apesardasváriastentativasdeentraremcontatocomodiretordaprisão.Ela falava como se a prisão fosse um colégio e como se uma conversa
comodiretorresolvessetudo.NãofoiaprimeiravezquemepergunteiseminhamãerealmentecompreendiaondePeytonestava.—Sintomuito,mãe—eudisse.—Seiquevocêestavaansiosaporesse
dia.— Estava — sua voz soou completamente derrotada. Nunca tinha
pensadoquealgopudesseserpiorqueatristezadela,masaqueleperíodoporqueestávamospassandomeensinavaquesemprepodiapiorar.Depoisde uns instantes, ela se recompôs.—Deseje felicidades a Jenn pormim.Nosvemosamanhãcedo.Teamo.—Tambémteamo.NomeuretornoaobanheiroencontreiJennumpoucomelhor,comuma
corzinhanasbochechas.Masaindanãoestavaprontaparaseafastarmuitoda privada. Fui informar Margaret da situação. Estava quase na cozinhaquandoouvivozesepercebiqueosrapazestinhamchegado.Elesestavamaglomerados ao redor do balcão, eMargaret servia as bebidas. Ela haviatiradoossapatosepassadobatomvermelhoenquantoestive fora.Aomever,sorriucomosefôssemosmelhoresamigas.— Sydney! — ela gritou, e todos os garotos olharam pra mim. Eu
conhecia todos eles, claro, já que estudávamos namesma escola desde o
jardimdeinfância.AlémdeChrisMcMichaels,quetinhaumairmãdaidadedePeyton,estavamláCharlieJernigan,quetambémmoravaemArbors,eHuckWebster,capitãodotimedefuteboldaPerkinsDay.—Comoestáaaniversariante?—Margaretperguntou.—Bem—respondienquantomeaproximava.Chrisjáestavabebendo;
CharlieeHuckolhavammeiodesconfiadosparaoscopos.—Elajávem.—Fizmais um drinque pra você—Margaretme disse, estendendo a
bebida.—Vocêprecisabotaraconversaemdia.Calada,pegueiabebidaedeiumgole.Prasersincera,ocheiroeratão
parecidocomodobanheiroqueminhavontadeeralargaralimesmo,masnãoqueriadarmargemparacomentáriosdeMargaret.—Obrigada—agradeci.—Comoestáaescolanova,Sydney?—Charliemeperguntou.—Está
gostando?Fizquesimcomacabeça.—Éboa.Diferente.—OuvifalarquevocêmudouparaaJackson—Margaretdisse.—Por
quê?—Estavaprecisandodeumamudança—expliquei.—Foimaisumarevoluçãodoqueumamudança.Elaajeitouovestido.
— Disseram que todo dia tem briga. Entre garotas. Minha amiga queestudavalánãoianemnobanheiro.—Nãoéverdade—falei.—Dequalquerforma,Sydneyédurona—Chrisdisse,sorrindopramim.
—Ninguémvaimexercomela.— Exato— concordei.— Todomundo já estámorrendo demedo de
mim,inclusive.Osgarotosriram.Margaretrodouoanelnodedoesuspirou.—Estouentediada—eladisse.—Vamosfazerumjogocomabebida.
Quemtemumamoeda?Comessaspalavras,elapegouocopodoliquidificadoreconduziutodos
atéamesadacozinha.VolteiparavercomoJennestavaelogoaencontreidormindonochãodobanheiro.Fimdalinhaparaaaniversariante.—Ei—chamei,abaixandoecutucandoobraçodela.—Jenn,acorde.— Ainda não é hora de acordar — ela murmurou e rolou de lado,
pressionandoabochechacontraopiso.Ouvi uma batida seca na porta. Sabia que era um dos garotos — os
homensatéanunciamsuapresençadeumjeitodiferente.—Sóumminuto—falei.
—Hum… tudo bem— ouvi o garoto dizer e se afastar. Então escuteiMargaretrindonacozinha.—Jenn—chameiemaisumavezcutuqueioombrodela.Minhaamiga
fechouacaraemelançouumolharcortante,comoseissofossemefazerirembora.—Vocêtemquelevantar—insisti.—NãovaiquererqueChrisavejaassim,nãoé?Ela soltou um resmungo, mas me deixou botá-la sentada. Então seus
olhossearregalaram.—Chrisestáaqui?Vocêestáfalandosério?—Nacozinha.ComMargaret.Elabaixouacabeça.—MeuDeus,nãoacredito.Nãoqueeutivessechance,masseelemevir
todavomitadadessejeito…—Elenão vai ver— interrompi.—Apenas se concentre em levantar.
Voutirarvocêdaqui.Ela resmungou de novo, mas apoiou as mãos no chão e levantou.
Enquanto isso, abriuma frestadaportaeespieio corredor.O jogoaindanão tinha acabado. Margaret estava numa das pontas da mesa, Chris naoutra, e Charlie e Huck nas laterais. Chris acertou a moeda em um doscoposeapontouparaMargaret.Elaabriuumsorrisomaliciosoepegouocopo.OlheidenovoparaJenn,queseapoiavanapia.—Vamos—falei.—Éagoraoununca.Ela deu um passo à frente e passei o braço em volta de seu ombro.
Depois de apagar a luz do banheiro, saímos pelo corredor escuro.Estávamos perto da sala de estar, e dali eu pensava em seguir até asescadasparaoquartodeJenn.Sóque,depoisdealgunspassos,elaapertouminhamão,desesperada.Pareideandar.— Acho que vou vomitar— ela sussurrou. Esperei com a respiração
presa.Porfim,elasoltouoar.—Tudobem,vamos.E assim passamos pelo sofá, pela mesinha de centro e pelo piano,
fazendo apenas mais duas paradas. Bem quando estávamos em frente àportadaentrada,acampainhatocou.—Céus— Jenngemeuao apertardenovo aminhamão.—Achoque
vou…Dessavez,tiveasensaçãodequeerapravaler.Sempensar,totalmente
desesperada,abriaportacomtudoeempurreiJennparaosdegraus.Elasesegurouno corrimãodecorado, inclinou-separa a frente edespejou tudoemcimadosarbustos.Nosdegraus,umpoucoparaolado,comumabolsa
térmicanamãoeumacamisetadaSeaside,estavaMacChatham.Aprincípioeusimplesmentenãoprocesseiainformação.Eracomoseeu
estivesse delirando, exceto pela parte do vômito. Ele se afastourapidamentequandoJennvomitoudenovo.Emseguida,olhouparamimeergueuassobrancelhas.—Oi—foioconseguidizeraosomdasgolfadasdeJenn.—Tudobem?Eleolhoubemparamim.—Vocêpediupizza?—Não—respondi.Entãoeleficouconfuso.—Querdizer,elaspediram.
Ouestagarotaaquipediu.Eunãosabiaque…—Sydney—Jenngrunhiuantesdesoltarocorponosdegrausaospés
dele.—Socorro.—Ummomento— eu disse paraMac com um olhar de desculpas ao
fecharaportaatrásdemimeagacharaoladodeJenn.Corriamãoporseucabeloopacoeentãoexpliquei:—Éaniversáriodela.—Ah—elelimpouagarganta.—Hum…felizaniversário.Depoisdisso,eladesabouemcimademim.Antesquemedessecontado
queestavaacontecendo,acabeçadelajáestavanomeucoloesuaspernas,encolhidascontraocorrimão.Fiqueiali,parada,semsaberaocertooquefazer.Umsegundodepois,elajáestavaroncando.ErguiosolhosparaMac.—Eu…tenhodinheironobolso.Quantoficamaspizzas?Imagineiqueele ficariamaisdoque contente emreceber e seguir seu
caminho; não conseguia pensar numa situação mais infeliz com que sedeparar. Em vez disso, Mac me surpreendeu — o que se tornaria algocomum,maseuaindanãosabiadisso.—Vamoslevarsuaamigapradentroprimeiro—elefalou.—Aúltima
coisaquevocêqueréqueosvizinhosvejamisso.Eletinharazão.AscasasdaruadeJennerambempróximas,edooutro
ladodaruatodasaindaestavamcomasluzesacesas.—Nãoprecisameajudar—eudisse.—Deverdade.Elenãorespondeu.Emvezdisso,entregouabolsatérmicacomaspizzas
pramim.Aceitei,sementenderoqueestavaacontecendoatéelesecurvarepegarJennnosbraços.AcabeçadelabateudelevenoombrodeMaceelaseagitouumpouco,paralogoapagardenovo.—Vainafrente—eledisse.Fui. Atravessamos a porta— com uma parada para eu deixar a bolsa
térmica namesa lateral—, passamos pelas escadas e pelo corredor, atéchegaraoquartoescurode Jenn.Aoacendera luz,meveioàcabeçaque,
dentre todos os finais que eu havia imaginado para aquela noite, entrarnumquartocomMacChathameraomenosprováveldetodos.Ele, porém, parecia bem à vontade, como se botasse desconhecidas
inconscientes na cama com regularidade. Esperava que não fosse o caso.Assim que encostou no colchão, Jenn resmungou, se encolheu e enfiou acabeçanotravesseiro.Meaproximeiparatirarseussapatos.— Émelhor trazer um copo d’água pra ela—Mac sugeriu.— E uma
lixeira,setiveralgumaporperto.Havia,eeupeguei,juntocomaáguaeatoalhamolhada,quepussobrea
testadeJenn.Quandotermineitudo,volteiparapertodeMac,queestavaaopédaporta.—Elanuncabebe—expliquei.—Nãoseiondeestavacomacabeça.—Provavelmentenempensounoqueestavafazendo—elecomentou.
—Acontece.Especialmenteemaniversários.—Elavaificarbem,né?—Sóprecisadormiratépassar.Mordiolábio,preocupada.—Sydney,elaestábem—eleacrescentou.Amaneiracomoelepronuncioumeunome,tãofamiliarereconfortante,
foiaindamaiscomoventedoquetudooquejátinhafeitoatéentão.—Obrigada—disse a ele.—De verdade.Não sei o que teria feito se
vocênãotivesseaparecido.—Todos os entregadores de pizza recebem esse tipo de treinamento.
Fazpartedotrabalho.Sorriparaelequasesemperceber.Sódepoismedeicontadequeaquela
era a primeira vez que conversava com ele a sós desde que nosconhecemos. E eu estava conversando com ele, sem corar nem gaguejar,pelo menos até o momento. Quem poderia imaginar que aquela noiteacabariadeumjeitotãodiferentedecomocomeçara,mesmosemsairdecasa?—Émelhornão te seguraraqui—eudisse.—Achoqueprecisamde
vocêparaasoutrasentregas,não?—Esta é aúltimadanoite, naverdade.—Ele coçoua cabeça.—Mas
preciso mesmo ir pra casa. Tenho que levar hambúrguer e fritas doWebster’sparaLaylaeminhamãe.Elaslevamasérioquandooassuntoécomida.—Éverdade.Saímosparao corredor, apagamosa luzdoquarto e fechamosaporta
comcuidado.Nomeiodaescada,trombamoscomMargareteChris.
—Sydney?—eladisse,arregalandoosolhosaonotarMacatrásdemim.—Oquevocêestáfazendo?Considerando que ela estava a sós com um cara por quem Jenn tinha
deixado clara sua paixão, seguindo para uma área da casa que só tinhaquartos, fiquei com vontade de devolver a pergunta. Em vez disso,respondi:—EsteéMac.Umamigomeudaescola.—Umamigo,é?—elarepetiu.—Eoquevocêsdoisestavamfazendoaí
emcima?— Vendo como Jenn estava— afirmei com a cara fechada. — Assim
comovocê,certo?—Certo—elarespondeusemhesitar.—Claro.PasseiporMargaretecontinueiadescerosdegrauscomMaclogoatrás.
Quandoelepassou,elareparounacamiseta.— Espere— disse, voltando-se para nós.— Esse é o… entregador de
pizza?Suavozsaiunumtomderiso,maisagudanofinal.Eujátinhadecidido
que não gostava dela, mas só então senti um forte acesso de raiva. Euestavaprestesadizerondeelapodiaenfiarapizza,emdetalhes,masMacfoimaisrápido.—Sãodezesseteequarentaedois—eleinformouaMargaret.—Temos
preferênciapordinheirotrocado.Margaretapenaslançouumolhargeladoaele.Macretribuiu,mostrando
queaquilonãoointimidava.Porfim,elaviroupramim.—Odinheiroestáemcimadobalcão,dentrodeumenvelope.Nãodê
gorjetademais.Ela então voltou a subir a escada. Chris permaneceuonde estava, com
umardehesitação.—Ei—elemedisseemvozbaixa.—Eu…—Vem—Margaretrugiuládoalto.Umsegundodepois,elenosdeuas
costasedesapareceupelocorredordoandardecima.Como rostoquentede vergonha e raiva aomesmo tempo, desci até a
cozinha.—Elaébacana…—Maccomentou.—Suaamiga?—Não—rebati.Nacozinha,encontramosHuckeCharlieaindaàmesa.Bebiamrumpuro
e tentavam acertar amendoins na boca umdo outro. Estavambêbados obastanteparanãonosnotar,masviMacexaminá-losenquantoeupegavaoenvelopequeamãedeJennhaviadeixado.“Paraseujantardeaniversário”,
diziamasletrasrebuscadasnafrente.Ah,seelasoubesse…PegueivinteecincodólaresedeslizeiparaMac,quedevolveuanotadecinco.—Pega—insisti,empurrandoodinheirodenovo.Eledevolveumaisumavez.—Sydney,não.Devolvi.—Mac,éomínimoquepossofazer.Eledevolveu.—Nãovouaceitarsuacaridade.Devolvi.—Odinheironãoémeu.Eledevolveu.—Nãoimporta.Pusamãonanotaparaempurrá-ladenovo,eMacfezomesmo.Nossas
mãosacabaramseencontrandobememcimadorostodeAbrahamLincoln.Nenhum de nós se mexeu. Pude sentir o calor de seus dedos, que maltocavamosmeus.Ficamosassimporumsegundo.Dois.Eentão,donada,umcelularvibrou.Semtiraramãodanota,Macpuxouocelulardobolsode tráseolhou
paraatela,queemseguidamemostrou.LAYLAeraonomeindicadonotopo.Amensagemdiziaapenas:
Cadêaminhabatatafrita??????????
Acheigraça.—Quantospontosdeinterrogação.—Eudisse:elaslevamcomidaasério.OsdedosdeleseafastaramlevementedosmeuseMacempurrouanota
paramimpelaúltimavez.EntãoolhouparaHuckeCharlie,queriamfeitogarotinhasdealgosobreamesa.—Vocêvaificarbemaqui?—Macperguntou.—Vou—respondi.—Conheçoessesgarotosdesdesempre.Sãogente
boa.Eleassentiu,guardouocelularnobolsoepartiuemdireçãoàsaída.Fui
atráseabriaportaenquantoeletiravaaspizzasdabolsatérmicaparameentregar.—Obrigadadenovo.Portudo—eudisseassimqueelecruzouaporta.—Semproblemas.Comoeudisse,fazpartedotrabalho.—Parecequesim.
Permaneci ali, com as pizzas namão. Ele desceu a escada e entrou nacaminhonete.Noandardecima,Margaretfaziasabe-seláoquecomChrisMcMichaels,eeutinhamaisdoisbêbadosparacuidarassimquevoltasseàcozinha. Mas Jenn estava a salvo, e eu também, e pelo menos tínhamospizza.AceneiparaMac,que jádavarénocarro.Elepiscouos faróisparamimantesdepartir.De volta à cozinha, os garotos voaram em cima das pizzas sem
pestanejar, mas eu fui até o balcão. A nota de cinco ainda estava lá. Aocontrário de certas pessoas, não pegava o que não erameu. Então acheioutra nota de cinco na carteira e a guardei no envelope antes de tomarpossedanotaoriginal.Dobrei-a com cuidado. Caminhei até a porta da frente e espiei a rua
vazia.Mac está sempre por perto, Layla dissera, mas não tinha me dadocontadecomoaquiloeraverdade.PasseiaquelanoiteencolhidaaoladodeJenn na cama; a respiração suave dela preenchia o quarto. Dormi com amãonobolso,comanotaentreosdedos.Semprequeacordava,verificavaseaindaestavalá.
10
“ADOLESCENTE DA REGIÃO ENFRENTA TRAGÉDIA E DÁ A VOLTA POR CIMA”, dizia amanchete. Logo abaixo, uma foto de David Ibarra na cadeira de rodas.Sorrindo.De repente, tudo fez sentido. Era por isso que, quando desci até a
cozinha,encontreimeupaidepé,olhandoojornalabertosobreamesa.Eleestavadecostaspramim,masdavapraverquehavialevadoamãoàboca.Seusombrostremiam.—Pai?Elepôsamãonamesaerespiroufundoantesdesevirar.—Oi—eledisse.—Prontaparaocafédamanhã?Fizque simcoma cabeça.Ele fechouo jornal e foiparao fogãopegar
uma frigideira comovosmexidosnamanteiga.Meupai eradaquelesquenãodispensavamumaboarefeiçãodemanhã:começavacadadiacomumaquantidade mínima de ovos, bacon ou linguiça, e torradas. Ele acordavasupercedo e quase sempre já estava na rua quando eu descia para ir àescola,deixandoparatrásapenasassobraseocheirodecarnedeporco.Encontrá-lo ainda na cozinha às sete era uma raridade. Vê-lo chorarbeiravaoassustador.Deiumaolhadanojornalenquantoelepreparavaumpratoenormepra
mim. Queria saber o que estava lendo. Só quando o telefone tocou tivechancededescobrir.DavidIbarraestánumdiabom.Nãosentedor,acaboudeconseguirumaboapontuaçãonoseujogo de videogame favorito, e está prestes a se deliciar com uma pizza especial. Para alguns,coisas assim talvez não representem muito. Mas para David, atropelado por um motoristaembriagadosetemesesatráseparaplégico,cadadiaéumavitória.
Senti meu estômago revirar. Meu pai ainda falava ao telefone nocorredor.Depressa,continueialer.Dia15de fevereiro.Davidmais umavez jogavaWarworld.Apalavra “competitividade”não ésuficienteparadefinirarelaçãoqueeleeseuprimoRicardomantinhamquandosetratavadessejogotãopopular.Semprequepossível,osdoispassavamhoras jogando,muitasvezesatéaltashoras. Aquela noite, David conta, “foi especialmente incrível, mesmo para os nossos padrões.Jogamos por tanto tempo que eu mal conseguia manter os olhos abertos. No final, acabeidormindo,eacordeicomocontroleemcimadopeito.”Elesabiaqueestavaencrencado,mas imaginouqueacordarnaprópriacamapoderiaaliviarabronca.Afinal,acasadele ficavaaapenasduasquadrasdali.Porvoltadasduasdamanhã,elesubiunabicicletaeseguiuseucaminhopelasruasescuras.Estavaquaseemcasaquandoviuosfaróis.“Foi uma loucura”, ele recorda. “Não tinhanenhumcarrona rua, nada.De repente, surgiu umbemnaminhafrente.Enãopareciaqueiaparar.”Elenãolembradoacidenteemsi,oquesuamãeconsideraumabênção.Suaprimeiralembrançaédeacordarnacalçadaeveraspernasretorcidas.Entãoveioador.
Ouvipassosnocorredor:meupaiestavavoltando.Fecheilogoojornale
oafasteidemimbemnahoraqueeleapareceunaporta.—Comoestãoosovos?—perguntou.—Bons.Obrigada.Cadêamamãe?— Não está se sentindo bem — ele disse ao encher sua caneca
novamentenacafeteira.—Voltouparaacama.Minhamãe costumava acordar aindamais cedo quemeu pai; sempre
buscava o jornal e lia do começo ao fim. Até conseguia imaginá-la:debruçada sobre a mesa, com a caneca de café perto do cotovelo comosempre, virando a página e dando de cara com amanchete e a foto. Portodaacidade,outraspessoasfaziamomesmo.Derepente,nocaminhoparaaescola,passeianotarmaisosjornaisna
portadascasaseàvendanospostosdegasolinaelojasdeconveniência.Aoentrarnaescola,tiveasensaçãodequetodosmeencaravam,emboranãofizesse ideia se eles sabiamquePeyton erameu irmão.Na sala, antes daprimeira aula, enquanto todos conversavam e riam ao meu redor semprestaratençãonosavisos,abrioartigonocelular.
DUASVIDASCONVERGEM,eraachamadaparaaseçãoseguinte.Aosolhosdetodos,PeytonStanfordpareciaestarreconstruindoaprópriavida.Depoisdeuma
sériedeprisõesporinvasãodepropriedadeeportededrogas(entreoutrosdelitos),concluíraotratamento numa clínica de reabilitação e estava sóbrio havia um ano. Mas naquela noite defevereiro,depoisdeumafestaregadaaálcooledrogas,elesentouatrásdovolantedoseuBMWesportivo.ComoDavidIbarra,queriairparaacasa.
O sinal tocou, alto como sempre. Fechei os olhos. Senti um enjoo
repentino.Àminhavolta,aspessoas juntavamascoisaseseguiamparaaporta, mas fiquei ali, parada; as palavras do artigo se embaralhavam naminhafrente.Sópercebiqueeraaúnicaaindanasalaquandoasra.Sacher,minhaprofessoradeinglês,chamoumeunome.—Sydney?Levanteiacabeça.Elaera jovem,simpática, tinhaumrostogentile ria
fácil.—Tudobem?—elaperguntou.—Sim—respondienquantoguardavaocelularnamochila.—Desculpa.Passei o resto do dia aproveitando qualquer oportunidade para
continuar a ler o artigo. Nos poucos minutos livres no final da aula dehistória. No armário no meio do caminho entre a sala de inglês e a dematemática.Quandodeuahoradoalmoço,sófaltavaumparágrafo.Há momentos em que David sente raiva por tudo o que aconteceu. Momentos em que nãoconseguedeixardepensarcomoascoisaspoderiamtersidodiferentes.Seeletivesseficadonacasa do primo… Se tivesse saído dez minutos mais cedo… É difícil não seguir essa linha deraciocínioeafundarnadepressão.Masnestemomentoelenãopensanisso.Hojeéumdiabom.
—Aquiestá—disseoatendentedotrailerdoGreatGrillers.Levanteia
cabeça e o encontrei segurando a sacola com o sanduíche que eu haviapedidodentro.—Algomais?Balancei a cabeça. Tinha certeza de que, se abrisse a boca, poderia
acabaraosprantos.EntãorespireifundoalgumasvezesefuiatéondeLaylaeorestodopessoalestavamsentados.Otemadaconversaeramnomesdebanda, um assunto recorrente nas nossas discussões. O novo conceitoadotadopelaHeyDude,Ericargumentava,pediaumnovonome.Mas,claro,tinhaqueserperfeito.—QuetalLoganOxfordExperience?—Irvpropôs.—TipoadoHendrix,
sóquenão.Ericoencarou.—Issoestátão,mastãodistantedoqueestoufalandoquenãoconsigo
nemdarumarespostaadequada.Irvdeudeombros,semseimportar.—Tinhaqueserrelacionadoàsboybands,mascomalgoamais—Layla
disse.—Não,não—Ericbufou,comoseanossaignorânciacoletivarealmente
lhecausassesofrimento.—Precisodeumnomequedêcontadapropostainteira, e não de um truque de publicidade. Algo capaz de explicar osignificado, a ironia, porque é evidente que ninguém consegue entender.Nãopossodeixarquepensemquesomosapenasumabandacoverretrô.—Entãotalvezfossemelhorvocêspararemdetocarcoversdemúsicas
antigas—Laylasugeriu.—Aquestãoaquinãosãooscovers—Ericrebateu.—Éaexperiência
universaldeconsumoemmassademúsica.Comoumamúsicapodefazervocê lembrar de ummomento específico da vida, como se pertencesse avocê.Masquãopessoalessamúsicapodeserdeverdadeseummilhãodepessoastambémsentemomesmo?Éumsignificadofalso,emcimadeumsignificadofabricado,divididoporumsignificadoreal.Silêncio.EntãoIrvdisse:—Cara,vocêtomousuaritalinahoje?Num banco ao lado, estudando feito louco para uma prova de
matemática, Mac torceu o nariz e abriu um queijo em palito. Desde suaapariçãonacasadeJennumasemanaantes,eunãoconseguiaesqueceromomento emque ficamos com amão sobre a nota de cinco. Era, porém,uma lembrança que eu gostava de reviver. Ao contrário daquela queocupavaminhacabeçanomomentoeanulavamaisdoquemeuapetite.— Você está bem?— Layla me perguntou. Ela espichou a cabeça na
direçãodomeualmoço,aindadentrodasacola.—Nemcomeu.—Estousemfome—falei.—Qualéasensação?—Irvperguntou,etodosriram.Layla,porsuavez,
manteve o olhar sobre mim por tanto tempo que tirei o sanduíche dedentro da sacola. Em silêncio, entreguei a ela as batatas fritas queacompanhavam.—GreatGrillers?—elaperguntou.Confirmeicomacabeça.—Costumamserfinasdemaispromeugosto—elaprosseguiu.—Não
gostodebatatinhasmagrelas.Masjáquevocêestáoferecendo…Ela começou seu minucioso ritual de preparação. Dei uma mordida
desanimada no sanduíche e logo o deixei de lado. Senti um ímpetorepentino de ligar para aminhamãe. Nuncamais tínhamos falado sobre
DavidIbarradesdeasminhasprimeirastentativas,rejeitadasporcausadesuafilosofiadeseguiremfrente.Masestavatãosozinhanaquelemomentoqueansiavaporalguém,qualquerpessoa,quepudessemeentender.—Ei—umavozdisse.LevanteiosolhoseviqueeraMac,comolixodo
seulanchenamão,depénaminhafrente.—Temcertezadequeestábem?—Sydney?—Laylachamou.—Oquehouve?Balancei a cabeça e levantei depressa. A atenção deles, somada à
perseguiçãoquepassaraodiaimaginando,derepentefoidemais.—Eu…euprecisoir—falei.—Vejovocêsdepois.Ninguém falou nada enquanto eu saía. Ninguém tentoume seguir. Fui
paraobanheiroemetranqueinumadascabines.Porfim,estavasó,comoqueria.Asensaçãoerahorrível.Comosetalvezeuamerecessemesmo.
*Ànoite,ascoisas játinhamvoltadoaonormalemcasa.O jornalestava
nolixoreciclável,areportagemjáerapassadoenósseguiríamosemfrente.Mas embora minha mãe circulasse pela cozinha, conversando enquantopreparava o jantar, ainda me sentia estranha. Não só pelo artigo, mastambémpelojeitocomofugideLaylaedosoutros.Elaconheciaahistóriade Peyton; eu poderia ter contado do jornal. Mesmo assim não contei.Aindanãosabiaaocertoporquê.Logo depois do jantar, enquanto ajudava a colocar os pratos na lava-
louças,meucelularapitou.Layla.
Minhamãequerquevocêvenhajantaramanhã.S/N/Talvez?
Olheiparaapia,ondeminhamãepreparavaocafédamanhãseguinte,
comoeracostumedepoisdojantar.Espereiacafeteiraterminardemoerosgrãos(orgânicosedeboaprocedência,claro)parafalar.—Mãe?—Sim?—elaperguntou,seaproximando.—VoujantarcomLaylaamanhã,tudobem?Oprimeiromausinal foivê-ladeixara jarracomáguapelametadeem
cimadapia.Osegundofoiaexpressãoemseurosto.— Preciso de você aqui. Sawyer e aquela ativista, Michelle, vão vir,
lembra?Eu não lembrava, mas então tudo me voltou à cabeça. Depois de ter
fracassadoemsuastentativasdedescobriroquePeytonfizeraparaperder
o direito à visita,minhamãe descobriu umaONG que ajudava famílias depresidiários a navegar pelo sistema legal. Na semana anterior, ela tiveradoisencontroscomumamulherdeláchamadaMichelleevoltoudizendoque ela era “muito competente, nossa salvação”, e “exatamente a pessoaqueprecisamosnonossotime”.—MasvocêssóvãofalardePeyton—respondi.—Precisomesmoestar
presente?Orostodelaficoutenso,eaquelaruguinhasurgiuentreosolhos.—Éimportantesemprenosapresentarmoscomoumafamíliaunidaque
apoiaPeyton.Evocêfazpartedela.Elavoltouparaapia.Mordiolábioefixeiosolhosnossapatos.Meupai
entrouefoidiretoabrirocongelador.Eleficouparadodiantedeleporumminutoantesdeperguntar:—Acabouosorvetedechocolate?Comoissoépossível?— Sydney não quer jantar conosco amanhã—minhamãe respondeu,
comoseissotivessealgumacoisaavercomapergunta.—Parecequeelapreferecomernacasadanovaamiga.— O que vai acontecer amanhã? — meu pai quis saber enquanto
afastavaumpotedebaunilhaparaveroquetinhaatrás.Minhamãeabriuoreservatóriodeáguadacafeteiracomtantaforçaque
atampaacertouoarmárioatrás.—Sawyer?Aativista?Ojantar?Poracasoalguémprestaatençãonoque
eudigo?Meu pai, que tinha encontrado seu sorvete, virou para ela com a
embalagemnamão.Elepareciatãosurpresoquemesentimalporele.—Julie?Oquehouve?—Sóestou cansadade seraúnicaque se importa comPeyton.—Ela
enfiouajarratérmicabruscamentenolugar.—Nãopeçoparavocêsiremcomigo nas visitas, não peço para se manterem em dia com as datas equestões importantes.Mas acho que possopedir para vocês jantaremnacasadevocês,senãoforcomplicadodemais.—Mãe—eudisse—,voujantaraqui.—Claroqueelavai.—Meupailargouosorvete,seaproximoudaminha
mãeepôsamãonosombrosdela.—Querida, tudobem.Faremosoquevocêquiser.—Nãoépormimquevocêstêmquefazer—avozdelavacilou.—Essaé
aquestão.Maistarde,escreviparaLaylanomeuquarto:
Nãovaidar.Coisadefamília.Maseubemquequeria.
Nadaporalgunsminutos.Então,finalmenteumtoque:
Certezadequeestábem?
Meudedohesitousobreoteclado.Respondi:
Não,nãoestou.
Outrapausa,dessavezmenor.Eentão:
Dormeaquisábado.S?
Ela nãomandou umNão ouTalvez namensagem. Às vezes é bom ter
poucasopções.Respondi:
Voutentar.
Eacrescentei,depoisdeuminstante:
Obrigada.
Elarespondeu:
Bjs.
Edepois,comoseeujátivesseescolhido:
Nosvemossábado.
SawyerAmbroseeraumcaragordoeforte,comcabelobrancocacheado
e bochechas sempre coradas. Era como o Papai Noel, mas de terno egravata em vez de roupa vermelha. Pontualmente às seis e meia do diaseguinte,quandoabriaporta,láestavaelecomumagarrafadevinho,umatortaeumsorriso.—Sydney—elefalou.—Comovai?
—Bem—respondi.—Entre.Quandodeiumpassoproladoparadeixá-loentrar,oLexusvermelhode
Amesembicounafrentedagaragem.Elesaiudepressadocarroeacenouparamim,oquesignificavaque,anãoserqueeudecidissefecharaportanacaradele,nãotinhaescolhasenãoesperar.Eleabriuosbraçosedisse:—Oi!Quantotempo.Odiava ter que abraçá-lo. Erauma coisa relativamentenova, instituída
depoisdofimdesemanaqueelepassoucomigo.Enãohaviacomorejeitarumabraçosemparecerumaescrota,eosdeleeramespecialmentelongoseapertados.Deixei-meserabduzidaetenteinãoendurecercompletamenteocorpoquandoeledeslizouasmãossobremim.—Semanadifícil,hein?—elecomentou.—Tudobemcomvocê?—Sim—eudissequandoconseguimedesvencilhar.—Minhamãeestá
ládentro.—Ótimo.Sorrindo, ele passou por mim e seguiu pelo corredor. De lá o ouvi
cumprimentar Sawyer e meus pais com a familiaridade barulhenta decostume.Permanecinohall de casa, coma sensaçãodequeprecisavadeumbanho.Acampainhasooudenovoeabriaporta.Umamulhermagracomcabelotrançado,usandoumvestidoesvoaçanteetamancosdecouro,estavanaminhafrente.Elapareciabemsurpresaaomever,comosenãotivesseapertadoacampainha.—O-oi—elagaguejou.—Eu,humm,estouaquipara…—Michelle,certo?—perguntei.Corandoumpouco,elafezquesimcom
acabeça.—SouSydney,irmãdePeyton.Entre.Elaentroutrazendoconsigoodoceperfumedealgumóleoaromático.—Quecasalinda—elaelogiouenquantoeuaconduziapelocorredor.
—Eu…nuncaestivenestebairroantes.—Éumbairrobemgostoso—falei,porque,sério,oquemaispoderia
dizer? Felizmente, mais dois passos e estávamos na cozinha. — Mãe,Michellechegou.— Olá!—minhamãe cumprimentou, já ligada nomodo avançado de
anfitriãsimpática,algoquenãoviafaziatempo.AntesdosproblemasdePeyton,meuspaisrecebiammuitosconvidados,
tantodotrabalhodomeupaiquantodocírculosocialdeambos.Noúltimoano,porém,osjantaresecoquetéispassaramdeesporádicosainexistentes.Ninguémestavaemclimadefesta.— Muito obrigada por vir — minha mãe continuou. — É uma honra
recebê-la.
—Suacasaélinda—Michellerepetiu.Havia uma camada de pelos — de gato? Cachorro? Outro bicho de
estimação?—nascostasdeseuvestido.—EsteéSawyerAmbrose,advogadodafamília—minhamãedisse.—E
o meu marido, Peyton, e nosso amigo Ames Bentley. Você conheceuSydney?Michelleassentiu.—Sim.Ela…Sim,conheci.Eu não era nenhuma especialista, mas achava que uma ativista
profissional precisava saber conversar pelo menos um pouco com aspessoas. Não era o caso de Michelle. Enquanto minha mãe servia umaperitivo de queijos e vinhos, ela parecia nervosa sempre que alguém sedirigiaaela.Semseabalar,minhamãenãoparoude falarcomamulher,inteirandomeu pai e Ames das várias conversas que as duas tiveram aolongodaúltimasemanasobre como lidar comodiretordapenitenciária,obterinformaçõesdifíceiseencontrarformasdeajudarPeytondeforadacadeia.—Então—Sawyermedissenomeiodetudoaquilo—,soubequevocê
estánaJacksonagora.Oqueestáachando?—Éumaboaescola—eudisse.—MinhafilhaIsleyestudalá—elemecontouenquantoseserviadeum
biscoitinhoeumafatiabemgrandedegouda.—Osprofessoressãobons,mas os garotos são encrenqueiros. Talvez seja assim em qualquer lugar,nãoacha?—Hum,é—concordei.Minhamãehaviaredescobertosuashabilidades
sociais, mas eu não encontrava as minhas em lugar nenhum.Aparentemente.—Achoquesim.— Ela passou o verão namorando um cara— ele prosseguiu. — Um
sujeitometido.Andavaporaícomumafinadornobolso,tagarelandosobreironiaenuance.Adescriçãosoavaterrivelmentefamiliar.—Comoelechamava?—Eric—elesuspirou.—Pelomenoselavoltouasiantesqueascoisas
fossem longe demais. Se dependesse de mim, ela só namoraria nafaculdade.Masnãodepende,claro.—Sawyer—minhamãe interrompeu, jácomamãonobraçodele—,
MichelleacaboudefalarsobrealgumasoportunidadesparaasfamíliasseenvolveremnaLincoln.—Estoudentro—Amesdisselogodecara.—Contemais.
—Nãosei…—Sawyerdisseedeuumgolenovinho.—Épreciso tercuidado. Talvez fossemelhor para Peyton se existisse uma divisão claraentreavidaládentroeavidaaquifora.—Bom, claroqueobem-estardePeyton énossamaiorprioridade—
meupaiacrescentou,eAmesconcordoucomacabeça.Michellelimpouagarganta.—Pelaminhaexperiência,possodizerqueaLincolnéuma instituição
bemmaisprogressistaqueasoutras.—Pausa.Bemlonga.Então,quandominhamãe estava prestes a intervir, a ativista continuou:—O diretor énovo e veio de outro estado, creio que Nova York. Tem fama de sercompassivocomasfamílias.—Bom, espero que seja o caso—minhamãe disse.—Mas primeiro
gostariaqueeleretornasseminhasligações.—Vocêligouparaodiretor?—Sawyerperguntou,surpreso.—Bom…—MinhamãeolhouparaomeupaiedepoisparaMichelle.—
Sim.Liguei.Nãotivemosinformaçõessobreessaúltimainfração.Acheiqueseriaimportante…—Julie—eleinterrompeu—,aquiloéumacadeia,nãoumaassociação
depaiseprofessores.—Eu sei— ela disse, comumaponta de irritação na voz. Ela própria
deveterouvido,porquefezumapausaeserecompôsantesdecontinuar:—Sóqueriasaberoqueestavaacontecendo.— O que é direito seu — Ames disse. — Eles não podem omitir
informações.—Naverdade,podemsim—Sawyerdisseenquantolimpavaunsfarelos
daboca.—Deverdade,omelhorquevocêpodefazerparaPeytonédeixá-lo cumprir a pena com o mínimo de interferência possível. Ele precisabaixar a cabeça e fazer o quemandam. É o único jeito de reduzirem seutempo.—Nãoestouinterferindo—minhamãedisse.—Claroquenão—Ameslheassegurou.Céus,quepuxa-saco!— É importante que as famílias se sintam envolvidas — Michelle
acrescentou.Elacorouquandotodosviramosparaela.—Émelhordoqueficarfrustradosempoderfazernada.—Semofensas,senhorita,massouadvogadohávinteanos.Jávimuitos
clientesnessasituação.Algumascoisascomplicamtudo,outrasfacilitam.—Estánahoradeservirojantar—minhamãeanunciou,levantando.—
Apenasmedeemumminuto.Sydney,podemeajudar?Eu a acompanhei até a cozinha, onde ela abriu o forno com um
pouquinhomaisdeforçaqueonecessário.—Tudobem?—perguntei.— Claro. — Ela tirou a luva e pegou uma espátula. — Só acho que
devemosexplorar todasasopções, tradicionaisounovas.Nãohánadadeerradonisso.Sawyer, contudo,discordava,e foioque fezao longodo jantar inteiro.
Passou o tempo todo confrontando minha mãe, Ames e uma nervosaMichelle.Meupai,porsuavez,mantinhaacabeçabaixaeengoliaomaiorpedaçodelasanhaqueeuoviracomernosúltimostempos.—Aquestãopuraesimples—Sawyerdisseemdeterminadomomento,
bemdepoisdeeuteracabadodecomer—équenãoimportaoquePeytonfaça, o motivo para estar ali é indiscutível. São os fatos. Suponho quetenhamlidoojornalessasemana?—Nãovamos…—meupaicomeçou.—Artigototalmentetendencioso—Amesinterrompeu.—Tendencioso?—eudisse,etodosolharamparamim.—Comovocê
pode…?Sófalavadogaroto.—É,masa formacomoescreveram…—eleabanouamão, comoseo
gestocompletassesuafrase.—Estousódizendo.Oque ele estava dizendo? Não importava. Com certeza eu não queria
ouvir.—Claroquenossentimosmuitomalpelogarotoesuafamília—minha
mãe disse. — Mas Peyton é nosso filho. Nossa responsabilidade. Temosobrigaçãodecuidardele.Aquilosoavafamiliar.— Mas não há nada que você possa fazer, Julie — Sawyer disse. —
Precisaaceitarisso.—Bom,euachoquevocêestáerrado—eladissesimplesmente.Meupai
eeunosentreolhamos.—Quemquersobremesa?Numapalavra:anoite foiexcruciante.Depoisdo jantar,Amessaiupra
fumaremeupai levouSawyerproescritórioparamostrarocomputadornovoqueacabaradecomprar.MinhamãeeMichelle ficaramnamesadacozinhacomsuasdosesdecafé.—Cadaumadaspartesdesseprocessotemumpontodevistadiferente
— Michelle disse à minha mãe, acariciando seu braço. Ela parecia maisconfortávelconversandocomumapessoasó.—Éporissoqueprecisamosdemuitasvozes.Sóassimpodemosfazeradiscussãoavançar.Minhamãesuspirouecorreuodedopelabordadacaneca.—Éque…Étãodifícil.Nuncamesentitãoinútil.
—Énormal.Vocêémãe.Seutrabalhoéprotegê-lo.Nãoconsegueparar,mesmoquepeçam.Porvoltadasnovedanoite,tantoSawyerquantoMichellejátinhamido
embora. Ames permaneceu àmesa, conversando commeus pais, emborapraticamente só minha mãe falasse. A irritação que ela mal conseguiraesconderantesjáhaviasetransformadoemódiototal,eoalvoeraSawyer.—Eu achavaque ele fossenos apoiarmais depois de todoo dinheiro
quepagamos—eladisseemdeterminadomomento.Pegouumpedaçodoquesobraradatortadiretodabandejaecomeu.—Querdizer,nãosepodeparardedefenderumapessoaassimqueojulgamentotermina.—Sawyeragiucorretamenteconosco—meupaidisse.—Ésóqueele
enxergaascoisasdeumjeitodiferente.—Bom,entãotalvezsejahoradeprocuraralguémcomumaperspectiva
nova.OuviótimasreferênciasdeBillThomas.Meu pai suspirou, deixando claro que não estava convencido. Já Ames
disse:—OfocoprincipaltemqueserPeyton.Nãopodemosesquecerdisso.— Exatamente — minha mãe falou, apontando o garfo para ele. —
GraçasaDeusalguémconcordacomigo.Nãopelaprimeiravez,comeceiapensarsenãoseriaesseomotivodeeu
estar tão obcecada com David Ibarra e sua vida pós-acidente. Alguémprecisavacarregaraculpa.Semeuspaisnãopodiam—ounãoqueriam—,sórestavaeu.—Aindaé cedo—Amesme falouassimqueminhamãe levantoupra
terminardelimparacozinhaemeupaidesapareceunoandardecima.—Quersairpratomarumsorvete?Eupago.— Ah, que gentil da sua parte, Ames— minha mãe elogiou com um
sorrisoenquantosecavaasmãosnopanodeprato.—SeiquenãoerabemassimqueSydneygostariadeterpassadoanoite.Naverdade,elasabiamuitobemqualteriasidominhaescolha.—Obrigada,masestoumeiocansada.— Vamos — ele insistiu. — Você vai mesmo recusar um sundae de
chocolatecomcaldaquente?Issosemfalardaexcelentecompanhia.—Queremsaber?—minhamãeinterveiopegandoabolsa.—Eupago
pravocêsdois.—Nãoestoumesmonoclima—disseaela.—Masobrigada.Minhamãeolhoupramimeergueuasobrancelha.—Vocêestábem?—Sim.Foisó…umasemanalonga.
ElaeAmestrocaramumolhardecompreensão.— Foi mesmo — ela concordou, aproximando-se para acariciar meu
cabelo.—Issosemfalarnanoiteinterminável.Ames,ficaparaapróxima,certo?—Claro—eledisse.Sentindoqueeraminhachancedeescapar,levantei.—Achoquevousubiremeprepararpracama.Minhamãe olhou para o seu relógio.Nove emeia ainda.Quando virei
parasairdacozinha,eladisse:—Amanhãodiaétodoseu,o.k.?Prafazeroquequiser.TiveasensaçãodequeiràcasadeLaylanãoeraoqueminhamãetinha
emmenteaodizerisso.Mastudooqueeuqueriaerasairdaquelacasa,irparaalgumlugarondeofantasmadomeuirmão,quenemtinhamorrido,nãomeassombrasseemcadacanto.No meu quarto, vesti o pijama e escovei os dentes. Verifiquei várias
vezesseAmes já tinha idoembora.Meperguntavaoquemaisele teriaadizeràminhamãe.Meiahorasepassou,depoismaismeiahora,eocarrodele continuava lá. Por fim, me esgueirei até a metade da escada paraescutar.—Elaestáindobem—diziaele.—Éumagrandeadaptação.Imagineo
queéestarnoensinomédioeterquelidarcomisso.— Eu só queria que ela tivesse ficado na Perkins. Sinto que estou
perdendocontatocomelaporquenãoseimuitodasuarotina.—Parecequenãoéaprimeiravezquevocêsenteisso—Amesdisse,e
revireiosolhos.—Poisé—pausa.—Sóqueriaqueelesfossemfelizes.—Pedirquesejamfelizesotempotodoépedirdemais.—Nãoprecisaserotempotodo—elareplicou.—Nãomais.Ficariafeliz
sócomumpouquinho.Ela soava tão triste, tão cansada.Àsvezeseraatédifícil lembrar como
minhamãe já tinha sidoumavez, repletadeenergiaeprojetos. Senossafamíliaeraumaroda,elasemdúvidaeraocentro,quenosmantinhaunidospara que tudo continuasse girando. Ultimamente, porém, a roda andavafrouxaequasenãosaíadolugar.Antesdeapagarasluzesdoquarto,pegueiocelularefiqueiolhandopra
última mensagem de Layla. Queria poder contar tudo o que tinhaacontecidodeumasóvez,paraqueelasoubesseoqueeuestavasentindonaquelemomentoetalvezmecompreendesse.Abrionavegadoreacesseioendereço da reportagem, que ainda estava nos favoritos; copiei o link e
colei numa mensagem nova para ela. Antes que pensasse duas vezes,apertei ENVIAR. Sem explicações nem comentários. Apenas a matéria talcomo era. Fiquei acordada um bom tempo me perguntando se elaresponderia.Quandoacordeidemanhã,nãosabiaseficavaalegreoutristeporelanãoterrespondido.
11
Euestava certa.Apesardaspromessasnanoite anterior,minhamãenãoficoumuitocontenteaodescobrirqueoqueeuqueriafazernosábadoeradormirnacasadeLayla.—Ah,querida—eladissequandolevanteioassunto.Eramapenasnove
damanhã,maselajásoavaexausta.—Achoquenão.Asemanajáfoilonga,eeunemconheçoessagarota.—Mas ela já até dormiu aqui uma vez— relembrei na esperança de
apelarparaseusensodeboasmaneirasecontratossociais.—Duasnoites,naverdade.—A situação era diferente— ela rebateu enquanto se servia demais
café.—Vocêestavaaqui,eAmesestavajunto.Oquecomcertezatornavatudomuitomaisseguro,pensei.Maseraclaro
que ela achava issomesmo.Me perguntei se ele também era fisicamentediferente aos olhos dela, com traços completamente outros, já que oenxergávamosdemaneirastãoopostas.—Fiqueiemcasaontemànoite,comovocêpediu.Vocêtinhaditoque
hojeodiaerameuprafazeroquequisesse.— Quis dizer um programa como ir ao cinema ou almoçar fora, não
sumiranoiteinteiranacasadeumaestranha.—Mãe,édooutroladodacidade,nãonaTerradoNunca.Ela fechou a cara e olhouparaomeupai, que sedebruçava sobre seu
pratãousualdebaconeovosenquantoliaocadernodeesportes.—Peyton?Vocêpodedarsuaopinião?— Claro — ele disse, recostando na cadeira e limpando a mão num
guardanapo.—Sobreoquê?—SydneyquerpassaranoitenacasadesuaamigaLaylahoje.Meu pai olhou paramim, depois para aminhamãe; era evidente que
tentavadescobrirqualeraaquestão.Comosempre,meadmiravacomsua
capacidadedeestar literalmentenomeiodeumaconversaeaindaassimnãocaptarnada.—Eoproblemaé…?—elequissaber.—Quenãoconhecemosessagarota?Nemafamíliadela?—Enãopodemosconhecer?Minhamãeolhoupramim,comoseessaperspectivafossemurcharmeu
entusiasmo.—Claroquepodem—eudisse.—Ospaisdelatêmumapizzariaperto
daescola.Comcertezavãoabrirparaoalmoço,eopaidelaquasesempreestálá.LevarminhamãenaSeasideeraprovadotamanhodomeudesespero.
Masnãosetratavaapenasdeconseguiroqueeuqueria.AspalavrasqueeuaouvidizeraAmesnanoiteanterioraindaestavamnaminhacabeça.Nãohavia muito que ela pudesse fazer pra conhecer melhor o mundo dePeyton.Entãotalvezeupudesselhemostrarumpouquinhodomeu.Três horas depois, lá estava eu no assento do passageiro do utilitário
esportivo daminhamãe procurando uma vaga para estacionar. Meu paitinha ido jogar raquetebol, então fomos só nós duas, e eu estavaestranhamentenervosa,comoseaquilofosseumaespéciedetesteemqueeu tinha que passar. Ela desligou o motor e baixou o quebra-sol paraconferirobatom.—Estácomfome?—perguntou.—Demais—respondi.—Apizzadaquiéótima.Ládentro,viMacatrásdobalcão,decamisetadaSeasideecalça jeans,
passandomolhonumdiscodemassa cru.Pelaprimeiravez conseguiversua correntinha de prata inteira e notei que tinha um pingente circular,parecidocomumamoeda,emborafossedifícildizerdelonge.—Oi—eledisse.—Laylafalouquevocêtalvezaparecesse.—Elaestáporaí?—Acaminho.Unscincominutos.Olheiparaminhamãe,quecontemplavaemsilêncioadecoraçãoescura,
asmesasdeplásticoeasfotografiasempretoebranconaparede.—Mãe,esseéMac—disseaela.—IrmãodeLayla.—Prazeremconhecê-la—eledissedepoisdelimparamãonumpano
próximo e estendê-la. Minha mãe estendeu a dela e eles secumprimentaram.—Possoserviralgumacoisapravocês?Minhamãeexaminouocardápio.—Comosãoassaladas?—Nãotãoboasquantoaspizzas—Macrespondeu.
Elaachougraça.—Nuncasão,nãoé?—Nãomesmo.LanceiaMacumolhardegratidão,imaginandooqueLaylateriacontado
aele.Eutinhamandadoumamensagempraelaantes:
SeupaiestánaSeaside?Minhamãequerconhecê-loantesdeeupassaranoiteaí.
Elarespondeu:
Meio-dia.Nãosepreocupe.Somoslimpinhos.
Nunca dá pra ter certeza do tom das frases nas mensagens de texto,
então quando vi essa resposta fiquei pensando se não a teria ofendido.Porém,quandoelacruzouaportadapizzariadezminutosmaistarde,logodecarativecertezaquenãodeviatermepreocupado.—Oi—eladisseaoentrar.Layla vestia uma saia rodada estampada e uma blusinha branca de
manga curta. Cabelo preso num rabo de cavalo, chinelo nos pés e umreluzente pirulito de algodão doce namão. O pai dela entrou logo atrás,carregandoalgumassacolasdecompras.—Enfimnosconhecemos—eladisseàminhamãe,estendendoamão.
—MeunomeéLayla.—Olá—minhamãedisseaoapertar suamão.—Ouvi falarmuitode
você.—Esperoquesócoisasboas—Laylafalou,eentãoolhouparamim.—
Masapostoquequasetudotinhaavercomcomida.—Laylaadorabatatafrita—expliqueiàminhamãe.—Epirulitos.—Todososingredientesdeumadietasaudável—Laylabrincou.Quando minha amiga se virou para o pai, percebi que minha mãe a
analisava e me perguntei como será que a via. Roupas sem etiqueta demarcasfamosas,bolsagastaquenãoeradaquelaestaçãoetalveznemdaanterior.Eopirulito.—Pai,venhaaquiumsegundo—Laylachamou.Osr.Chathamsurgiudetrásdobalcãoamarrandooaventalnacintura.— Você deve ser amãe de Sydney— ele disse àminhamãe.—Mac
Chatham.—JulieStanford.Vocêeoseufilhotêmomesmonome?—minhamãe
dissequandosecumprimentaram.—Tradiçãode família—eleexplicou.—Meupai tambémsechamava
Macaulay.—Éomesmocommeumarido,opaideleeo irmãodeSydney.Todos
chamadosPeyton.Quandoestãonomesmolugar,aconfusãoreina.—Geralmenteconsigodistinguircomquemminhamulherestágritando
pelo tomdevoz—eledisse.—Elapegamais leve comigopor causadofatorcasamento.Masnãomuito.—Vocêtemoutrosfilhos?—Maisuma.Rosie.Elaédoisanosmaisvelhaqueesteaqui—eledisse
cutucandoMac.—Elacompeteemtorneiosdepatinaçãonogelo—acrescentei.—Saiu
emturnêcomacompanhiaMariposa.—Émesmo?—minhamãedisse.—Queincrível.Vocêdeveestarmuito
orgulhoso.—Estavaatéelaserpegacomdrogas—Laylaseintrometeu.—Depois
nemtanto.Osr.Chathamapenasencarouafilha,enquantominhamãe,claramente
surpresa, lutava para retomar o controle da expressão do próprio rosto.Fecheiosolhos.—Nãoimporta—Laylaprosseguiu.—Vocêsjápediramoquequeriam?
Bebidas?Pãodealho?—Já—respondi.—Nãovejoahorademinhamãeexperimentarapizza
devocês.— Vou garantir que você receba uma fatia extragrande— disse o sr.
Chathamaovoltarparatrásdobalcão.—Prazeremconhecê-la,Julie.— Igualmente!—minhamãe retribuiu. Em seguida voltou a sentar e,
quandoLaylaseguiuopai,virouparameencarar.Assimquetevecertezaquenenhumdosdoisescutaria,perguntouemvozbaixa:—Drogas?—Rosieteveumalesãoeacaboucomproblemascomapolíciaporcausa
dasreceitas—expliquei,prestandobastanteatençãonorostodela.Antesdos problemas de Peyton, o julgamento teria sido automático, quase umreflexo.Depois,elajánãotinhaessaopção,anãoserquequisessecorreroriscodeserchamadadehipócrita.PercebiqueLaylatinhasidoespertaaoexpornossodenominadorcomumlogodecara,deixandoclaroparaminhamãeque,apesardetodasasdiferenças,tínhamosalgoemcomum.—Elaestávoltandoapatinaragora—acrescentei.—Viumtreinodela
outrodia.—Viu?—minhamãeperguntou.
Fizquesimcomacabeça.—Foibemimpressionante.Macapareceuaonossoladocomdoispratosdepizzanasmãos.—Umadepepperonieumaromana—eledisseaoservir.—Algomais?—Achoqueagoranão—respondi.—Obrigada.Eleassentiuevoltouaocaixa,ondeLaylaestavaapoiada,comopirulito
naboca,nosobservando.Opaientãolhedissealgumacoisa;elafezquesimcomacabeça,respondeuecolocouumamechadecabeloatrásdaorelha.—Uau—minhamãedissedepoisdepassaroguardanaponaboca.—É
boamesmo.—Eudisse—falei.Ela olhoupara a fotografia aonosso lado: um cais repleto de jogosde
azareomarvisívelaofundo.—Fiqueicuriosacomessenome.Estamosmeiolongedapraia.—Achoqueveiodonorte,deoutrorestaurantequeoavôdeLaylatinha
—eudisse.Minhamãeassentiu,paroudemastigareinclinouacabeçaparaolado.—Éumbanjoqueestououvindo?—Bluegrass—falei.—Ésóoquetemnajukebox.Comemos em silêncio por um tempo. O telefone tocou no balcão.Mac
anotouopedido.Osr.Chathamseenfiounoescritório.Enquantoisso,osolentravapelosvidrosdafrentedaloja,eosraiosfaziamapoeiradamesaaoladodançar.— Como foi mesmo que você conheceu Layla? — minha mãe me
perguntouafinal.Engolioquetinhaboca.— Aqui. Vim comer um pedaço de pizza depois da escola e nós
simplesmentecomeçamosaconversar.ElaolhoumaisumavezparaMac,queretiravaumapizzadoforno.—Vocêdissequeamãedelaestavadoente?—Elatemesclerose.Achoqueserevezampracuidardela.—Quehorrível.—Elalimpouaboca.—Eondeelesmoram?—Háumasduasquadrasdaqui.Pudesentirqueestavaprestesaobteroquequeria;estavatãopertoque
tivemedodedeixarescapar.Entãopermanecicaladaeespereiqueminhamãefalassedenovo.Masopróximosomqueouvisaiudocelulardela.Elao tiroudabolsa.Aovera tela,arregalouosolhose,ansiosa, tratou
logodeapertarobotãoparaatender.—Alô?
Ouviaolongeavozdagravação.—Sim—avozdaminhamãesaiutãonítidaealtaquetantoLaylacomo
Macolharamparanós.—Aceitoosencargos.EraPeyton.Davaparaverpelorostodela,pelamaneiracomoseusolhos
seencheramdelágrimasquando,depoisdeumsinal,elecomeçouafalar.Nãoconseguiouviroquedizia,masnãoprecisava.Eusempresabiaquandoerameuirmão.E,dequalquerforma,sóavozdeletinhamaispresençadoqueamaiorpartedaspessoasconseguiateraovivo.—Ah,querido—eladisse, levandoaoutramãoao rosto.—Alô.Alô!
Comovocêestá?Estavatãopreocupada!Enquantoelefalava,minhamãelevantouefoiemdireçãoàportacomo
celulargrudadonaorelha.Umavezláfora,começouaandarpraláepracánacalçada,orostotodoconcentradoeoouvidoatento.—Parecequeéumaligaçãoimportante.LevanteioolharedeicomLayladepéaomeulado.—Éomeuirmão.Eleestavasemacessoaotelefoneháumtempo.Ela ficou observando minha mãe andar de um lado para o outro na
frentedorestaurante.—Elaparecebemfeliz.—É,elaestámesmo.Ambaspermanecemoscaladasporummomento.Então,emsilêncio,ela
pôsumpirulitodecoca-colaaoladodomeuprato.Compensação?Umgestode simpatia?Podia ser asduas coisas ounenhumadelas.Não importava.Fiqueigrata.Quando cheguei à casa de Layla mais tarde, fiquei surpresa ao ver
diversos carrosparadosem frente à garageme estacionadosao longodacalçada.Aparentementeeunãotinhasidoaúnicaconvidada.Masissonãoimportava.Estavafelizsóporestarlá,mesmoquetivesse
precisado do meu irmão para isso acontecer. Depois de falar com ele,minha mãe ficou tão nas nuvens que provavelmente me daria qualquercoisaqueeupedisse.Aquilo,porém,eratudooqueeuqueria.EstacioneiatrásdeumaminivanquereconheciseradeFord,obaixista
dabandadeEriceMac,cujonomeaindaestavaporserdecidido.AntesdeHeyDude, eles eramconhecidos comoHotDogWater, eEric achavaquenenhuma das duas opções “fazia jus à arte deles”. Na sexta-feira, esseassuntotinhasidomotivodeoutralongadiscussão,eaopiniãodeLaylaeraque Eric devia escolher um nome logo e não mudar mais, para que as
pessoas ao menos pudessem reconhecê-los. Já ele argumentava que aidentidade da banda não podia ser decidida na pressa: eles seriamimportantes dali para a frente. Ao contrário de Hot Dog Water, porexemplo.Apartirdaíaconversaseguiuomesmorumodetodasasoutras:passou
deumadiscussãomaisoumenoscivilizadaparaummonólogodeEricqueninguémpodiainterromper.Euquasesemprevoltavadoalmoçoexausta,enaquelediaquasecaínosononaauladeecologiaqueveiodepois.A banda podia não ter nome, mas pelo visto isso não os impedia de
ensaiar—obarulhoqueouvienquantocaminhavaatéacasapareciaserumbomindicativo.Amúsicavinhadalateraldacasa,eeuaseguiatémedepararcomumgalpãoqueficavaentreumacaminhoneteapoiadaemunstijoloseumsedãgrandecomotetoafundado.Oespaçoeramenorqueumagaragem, mas maior que um barraco, e suas duas portas de madeiraabertasrevelavamMacsentadoàbateria,Ericatrásdomicrofone,eFordmexendonumamplificador.Diantedeles,Layla,deóculosescuros,estavasentadanumacadeiradejardim.— Meu veredito? — dizia quando me aproximei por trás dela. —
Barulhentodemais.Nãoestábom.Ericapenasaencarou.—Nãoprecisapegarleve,Chatham.—Nãosepreocupe.Nãovou.—Masnóstemosqueserbarulhentos—disseFord,enquantoplugavae
desplugava alguma coisa. — É parte da nossa identidade, certo? Essamúsica originalmente era supercontrolada, produzida, e atécomputadorizada.Tocardeumjeitocruévirarissodoavesso.Mac,comasbaquetasnamão,arqueouassobrancelhas.—Cara—disseele—,vocêtempassadotempodemaiscomEric.—Pelocontrário—Ericinterveio—,achoquealguémfinalmentedisse
algoracionalaqui.Agorasóprecisamosqueonossobateristaembarquenamensagemquequeremospassareestaremosprontos.— Esqueçam amensagem— Layla disse.— Concentrem-se em tocar
bem.— Ninguém te perguntou — Eric disse. — Você não tem nenhum
ketchupespecialprainventaroualgoassim?—Não—elarespondeu,recostandonacadeiraecruzandoaspernas.—
Nomomentotenhotodotempodomundo.— Que sorte a nossa — Eric resmungou e voltou a olhar para os
membros da banda.— O.k., vamos tentar “Rainha do baile” de novo, do
começo.Mac contou até quatro e então eles recomeçaram a tocar. No início
soaramumpoucodescompassados,atéseestabilizaremmelhornofinaldaprimeira estrofe. Apesar da reclamação constante de Layla, eu a viacompanharamúsicacomopéquandochegueiaoseulado.—Assentosnaprimeirafileira,hein?—falei.—Oi!—suavozsooucomoseelaestivessegenuinamentealegreemme
ver.—Bom,estálongedeseroverdadeiroLoganOxford,maspelomenosnãoprecisamosirmuitolonge.Espera,voupegarumacadeiraparavocê.—Ah—eudisse.—Nãoprecisa…MaselajátinhaentradonogalpãoeseespremidoparapassarporForde
seubaixoevoltarcomumavelhacadeiradepraiacor-de-rosa,estampadacom palmeiras. Enquanto ela abria a cadeira na minha frente, pude verduasaranhasmortascaírem.Laylaasignorouetirouopódoassentocomamãoantesdeoferecerpramim.—Melhorlugardacasa.Oupelomenosdestacasa.Sentei. A banda ainda tocava, apesar de Eric ter parado de cantar e
viradoparatrás,dandoascostasparaagente.—Entãoéaquiqueelesensaiam?—perguntei.—Àsvezes—Layla respondeu, já sentadadenovona sua cadeira.—
TemtambémoporãonacasadeFord,maséondeficaalavanderiaeEricdizquecheirodeamaciantedádordecabeça.—Problemasdeastrodorock.— Problemas de Eric. — Ela suspirou. — São tipo os problemas do
primeiromundo,sóqueaindamaisesnobes.Olheiparao caraemquestão,que já tinhaparadode tocareafinavaa
guitarra com uma expressão frustrada. Quando Mac e Ford cantaram orefrão sozinhos, me dei conta de que ambos soavam melhor sem Eric.Talveztenhasidoporissoquecomentei:—Vocêpegapesadocomele.— Com Eric? — Confirmei com a cabeça. — É, acho que sim — ela
admitiu.—Maséporumbommotivo, juro.AntesdeeleconhecerMacecomeçaraandarcomagente,eleeratão,mastãobabaca.Umtípicosabe-tudometido.Masaquestãoéque…naverdade,issonãoeraculpadele.—Não?Elabalançouacabeça:— Os pais dele tentaram ter filhos durante, sei lá, a vida inteira. Um
monte de problemas de fertilidade, perderam vários bebês. Basicamentedisserampraelesquenãotinhacomoacontecer.Entãoquandoamãedele
engravidou sem estar esperando foi como… um milagre. E quando Ericnasceu,foiassimqueotrataram.—Comoummilagre?—ComoumpresentedeDeus.EraoqueelespensavamqueEricera.—
Laylaseajeitounacadeira.—Oproblemafoiquandoelemesmocomeçouase ver assim, e não havia ninguém para dizer o contrário na cara dele.EntãoeleconheceuMac.—EMacdisse?—Dojeitodele—elarespondeu.—Meuirmãotemisso:ésutil,sabe?E
umcarabacana,umcaraquevocêquerquegostedevocê.Limpeiagargantacomapreocupaçãodequetalvezestivessecorando.—EntãoMacsódisseaEricqueelenãoprecisavaseexibirtanto:ganhar
todasasdiscussões, falarmaisaltoquetodomundo.Essetipodecoisa.EEric,verdadesejadita,escutou.Agoraelejánãoestátãomal,apesardetersuas recaídas. E quando tem, sinto que é minha obrigação falar. Todossentimos.—Pelobemcomum—falei.—Bom,auniãofaza força—elaexplicou.—Eocasodeleprecisade
muitaunião.Sério.Umacidadeinteirareunida.Commuitoshabitantes.Caínagargalhada.Derepente,ouvimosumaexplosãodemicrofoniano
palcoseguidadosgritosdeEric.Laylaestremeceucomobarulho.—O.k.,precisodeumapausa.Vamospegaralgoparacomer.Elalevantoueeuasegui.Cruzamosalamadoquintalporumatrilhade
paralelepípedoscobertosdemusgoquelevavaàportadosfundosdacasa.As dobradiças rangeram quando Layla abriu, e o som pareceu terconvocado os cachorros, que vieram cercar nossas pernas e latirloucamenteànossachegada.—Sydneyestáaqui—Laylagritouaofecharaporta.Leveiunssegundosparaajustaravistaàescuridãodentrodacasa.Mas
quandoconsegui,estavatudonomesmolugar:osofá,aTVenorme,asduasmesinhaslotadasrodeandoapoltrona,ondeasra.ChathamestavasentadavestindoummoletomcomapalavraMIAMIeumacalçadesarja.Enquantoeuaolhava,oscachorros,quejátinhamperdidotodoointeresseemnós,pularamparaocolodelaeseenfiaramdebaixodamanta.— Bem-vinda— a sra. Chathamme cumprimentou.— Disseram que
vocêvaipassaranoiteaqui.—Sim—confirmei.—Obrigadapordeixar.— Não agradeça ainda — Layla disse. — Talvez você mude de ideia
quandoamúsicacomeçar.
—Amúsica?—repetieolheiparaajanela.—Maselesjáestãotocando.—Nãoaquelamúsica.Adomeupai.Eletambémconvidouumbandode
gentepraviraquiestanoite.Nãoqueeutenhasidoavisada.—ApostoqueSydneyvaiadorar—amãedeladisse.—Vaiserbluegrass—Laylamedisse.—Enadaalémdebluegrass.A
noiteinteira.Vocêvaiterproblemassenãogostardosomdobandolim.— Seu quarto tem porta e você é livre para usá-la— a sra. Chatham
disse num tom alegre, mas que deixava claro que a discussão estavaencerrada.—Agoravocêpoderia fazerumpoucodepipoca,querida,porfavor?QueriaconversarumsegundocomSydney.Laylameolhourapidamenteparadepoisvirareseguirrumoàcozinha.
Por um minuto, tive a sensação de ter feito algo errado, embora fosseincapazdeimaginaroquê.Quandoolheiparaasra.Chatham,porém,viqueelaestavasorrindo.SenteinumacadeirapróximabemnomomentoemqueLaylaligouomicro-ondas.—Então—eladisseenquantoumdoscachorrostrocavadeposiçãoem
seucolo.—Vioartigonojornal.Aolongodosúltimosmeseseutinhapercebidoquenãoexistiaumjeito
idealparaalguémfalarcomigosobrePeyton.Seevitavamoassunto,apesardeserclarooquetinhamemmente,oclimaficavaesquisito.Sóquefalardomeu irmão sem rodeios costumava ser pior, como um trem vindo naminhadireçãosemqueeupudesseparar.Nenhumaabordagemmedeixavaconfortável.Porém,essecomentáriodelicadofoiomaispertoquealguémchegou disso. Ela mencionou o tema com simpatia, mas respeitando osfatos.Aquilomepegoutãodesurpresaqueaprincípionãoconseguifalar.Entãofiqueifelizquandoelacontinuou:— Deve ter sido tão difícil para você e para a sua família — ela
comentou.—Nãoconsigonemimaginar.— É— consegui falar enfim.— É difícil mesmo. Principalmente para
minhamãe.Odeiooqueissofezcomela.—Elaestásofrendo—asra.Chathamafirmou.— Está— concordei, com a cabeça baixa.—Mas… o garoto também.
DavidIbarra.Querdizer,elequeestásofrendodeverdade.—Claro—denovo, o tomna vozdela não erade julgamento.Queria
apenasdarumadeixaparaeucontinuar.Foioquefiz.—Acho…—comecei,masderepenteaquilomepareceugrandedemais
para ser dito emesmo para existir fora daminha cabeça. Uma coisa eradeixar esses pensamentos assombrarem os cantos escuros da minhamente, mas outra completamente diferente era trazê-los à luz, torná-los
reais.Masasra.Chathammeolhavacommuitaatenção,eaquelelugareracompletamente novo, sem qualquer semelhança com o mundo de antesalémdofatodeeuestarali.—AchoquemeuspaisenxergamPeytoncomovítimaemcertosaspectos.Eeuodeioisso.Dánojo.Étão…Éerrado.—Vocêsesenteculpada.—Sim—eudisse,eaveemênciadessaúnicapalavramesurpreendeu.
Como se confirmar aquilo fizesse minha alma evaporar.— Sinto. Muito.Todososdias.—Ah,querida.—Elaestendeuamãoeapôssobreaminha.Nacozinha,
apipocaestourava,exalandoaquelecheirodemanteigaqueeuassociavacomfilmeseastardessolitáriasdepoisdaescola.—Porquevocêachaqueprecisacarregararesponsabilidadedoseuirmão?—Porque alguémprecisa fazer isso— eu disse. Olhei nos olhos dela,
queeramverdes-acastanhadoscomoosdeLayla.—Porisso.Emvezdeargumentar,elaapertouminhamão.Eusabiaquepodiatirá-
la e que tudo continuaria bem. Mas quando Layla entrou na sala com apipoca algunsminutos depois, foi assim que nos encontrou. Eu tinhamedesprendidodetantacoisa,finalmente.Faziasentidoquereralgoaquemeapegarnaquelemomento.
12
—Faltamuitoprachegar?—Vocêsempreperguntaisso.—Porqueeusemprequerosaber.—Pausa.—Sério,estámuitolonge?Àfrente,MacviroueapontoualanternaparaLayla.—Sevocêquerquealguémtecarregue,ésópedir.Elaabriuumsorriso.—Eunãoqueriaabusar…Em resposta, Irv, que estava caminhando ao lado de Mac, parou um
poucoparaqueoalcançássemos.— Pode subir — ele disse, abaixando para que Layla montasse de
cavalinho.Eentãocontinuamosaavançarnoescuro.Eutinhaficadotãoabaladaapósaconversacomasra.Chathamque,pra
ser sincera, fiquei grata pelo caos que veio em seguida. Depois queacabamos comapipocae terminamosdeassistirumepisódiodeBigLosAngeles (uma briga de mulher, dois fins de namoro e inúmeras roupaslindas),Mac,EriceFordentraramparaatacarageladeira.AíRosiechegoucomduasamigasdaMariposaqueestavamnacidadeparaumasemanadeapresentaçõesnoLakeviewCenter.Acasa jápareciaabarrotadadegenteantes de o sr. Chatham voltar e os amigos dele chegarem com osinstrumentos.DepoisdosilêncioconstantenaminhacasacomasaídadePeyton, pensei que o oposto fosse me deixar agoniada. Em vez disso,descobriquegostavadobarulhoedoburburinhoconstantes,dasensaçãodeplenitudeproduzidapelapresençademuitagenteemuitaenergianumespaçopequeno.Eupodiaficarnocanto,sóobservando,emesmoassimmesentirenvolvida.Erabom.O jantar consistiu numa quantidade enorme de pizza, salada e pão de
alhodaSeaside,quecomemosnogalpãoenquantoospaisdeLaylaeseusamigoslotavamasalaeacozinha.Jáestavacomeçandoaescurecerquando
ouviosprimeirosacordessaíremdacasapelaportadosfundos.OsomeraparecidocomodajukeboxnaSeaside,sóquemaisreal.Vivo.Naminhacabeça,agenteiavoltarpradentroeouvirmúsica,mastodos
tinhamoutrosplanos.Depoisdever sea sra.Chathamprecisavadealgo,Mac reapareceu com umamochila e entrou na garagem.Momentosmaistarde, voltou com a mochila visivelmente mais cheia nas costas. Laylapegouumalanternanumarmáriopróximo,aopassoqueIrv—quetinhachegado no momento pós-pipoca e pré-pizza — agarrou a mochila quetrouxera. Eric botou o violão no estojo e todos seguiram para fora numconsensosilencioso.Eu,aúnicaanãofazerideiadodestino,fuiatrás.Aoqueparecia, íamosparaa floresta.Todosseguiramnadireçãodela,
comoseentrarnumaáreavastaecheiadeárvoresnomeiodanoitefizessetotalsentido.Achoqueparaelesfazia.—Ei—Layladisse,olhandopramim.—Tudobem.Podevir.QuandoPeytoneeuentrávamosnobosqueatrásdecasa,levávamosuns
minutos para deixar nosso quintal e vizinhança pra trás. Ali, porém, eradiferente.Malpúnhamosopénaflorestaejáéramosengolidos;asluzesdacasadosChathamcomeçavamadesvanecer,atésumircompletamente.Euestava grata pela camiseta branca de Mac, que parecia quase brilharconforme nos conduzia cada vez mais floresta adentro. Tínhamoscaminhado por uns vinte minutos quando Layla reclamou pela primeiravez. Depois que ela subiu nas costas de Irv, continuamos pormais vintecomfacilidade.—Sempreesqueçocomodemorapracaramba—Ericreclamou,coma
caixadoviolãobatendocontraaperna.—QuerqueIrvcarreguevocêtambém?—Laylaperguntou.EujáestavameioesbaforidaporcausadoritmoaceleradodeMaceda
distância.Irv,porém,parecianemsentir,mesmocomoscinquentaquilosamaisnascostas.Continuamosacaminhada.E então, quando eu tinha certezadequemais alguém— talvez até eu
mesma—estavaprestesareclamardenovo,avisteiumaclareiraàfrente.Asárvorescomeçaramararearatédesaparecerporcompleto,edemosdecaracomumagrandeestruturademetal,cravadanomeiodaquelaflorestacomoseDeusempessoaativessesoltadoali.— Finalmente— Layla disse, como se tivesse caminhado por todo o
percurso.EladeslizoudascostasdeIrv.—Alguémmedáumacerveja.Macjátinhapostoamochilanochãoeabertoozíper.Observei-ojogar
umalataparaairmã,queaagarroucomumamão,epassaroutraparaEric,que soltava o violão. Depois ofereceu uma pra mim. Olhei para Irv, que
estavamaispertoe,peloqueeusabia,eramaiordeidade.Maselebalançouacabeça.—Irvnãobebe—Macexplicou.—Nãofazsentidopraele.—Elenãoficabêbado—Laylamecontou.—Égrandedemaispraisso.—ÉporissoqueagenteochamadePP—Macdisse.—Pesopesado.Em
oposiçãoa…—Nãofale—Ericalertouenquantoabriasualatinha.—PL—Laylacompletou.—OutrodosváriosapelidosdeEric.—Eunãosoupeso leve.—Comoqueparademonstrar,Ericvirouboa
parte da cerveja e soltou um arroto bem alto. Depois, virou pramim.—Queruma?Eunãoeramuitodebeber,principalmentedepoisdodesastredapiña
coladadeJenn.Masnãoiadirigir,eestávamosà luzda lua.Entãoaceitei.Maciamejogarumalata,masEricapegouantes,abriuetrouxeatémim.—Obrigada—eudisse,sentindoalatagelarminhamão.—Éumprazer—eledisse,eentãoergueuobraçoepropôs:—Avocê!Laylafezcaradetédio,massegurouoscomentáriosedeixouseudever
cívico de lado para sentar na beira da estrutura que eu vira antes. Nocomeço achei que fosse umveículo, talvez um caminhão, abandonadonomeio da trilha para transporte de lenha que, pelo que havia notado,serpenteava pela floresta. Ao olhar mais de perto, vi que era algocompletamentediferente:umvelhocarrossel,tãoenferrujadoquequasesemesclavacomaescuridão.Passeiumtempoali,parada,contemplando.Seeu tivesse tomadomais do que um gole de cerveja, ia pensar que estavadelirando.—Legal,né?—Laylafalou,empoleiradanabasedeumdoscavalinhos.
—Macdescobriuenquantopasseavaporaípraperderpeso.—Eramtreinosdecorrida,nãopasseios.— Não importa. A questão é que alguém largou isto aqui em algum
momento.Masporquê?Ecomo?Trouxeramdecaminhãopradepoisvoltarprapegar?Oumontaramaquimesmo?Rodeei a frente do carrossel e notei vários outros cavalos e uma
carruagemfrágilcommatocrescendoemumburaconoassento.—Incrível—eudisse.—Vocêsnãosabemdequemé?—Ascasasmaispertoficamaquilômetrosdedistância.—Eatrilha?—perguntei,acenandoacabeçanadireçãodela.—Sevocêseguir,vaiverqueacabalogo,bemantesdolimitedafloresta.
—Laylatomouumgoledacervejaebalançouaspernas.—Étãosinistro.Maseunãoachava.Paramim,ocarrosselpareciamágico,otipodecoisa
quePeytoneeu sonhávamosdescobrirnasnossasexplorações.A chancede encontrar algo assim é o que leva alguém a entrar na floresta pracomeçodeconversa.Estava comessepensamentona cabeçaquandoolheiparaMac. Fiquei
surpresaaodescobrirqueelemeobservavaporcimadalatinha.Retribuíoolhar,lembrandodaquelanotadecincobemguardadanaminhacarteira.—Vocêdeviaverooutro lado—Ericdisse, surgindodonadaaomeu
lado.Ouviumestalo:eleestavaabrindoasegundacerveja.—Penduraramumanelláparaoscorajosospegarem.Vem,voutemostrar.Segui Eric até o outro lado, passando pela carruagem até nos
depararmos comumcavalo grande, empinado, coma cabeça jogadaparatrás e a boca aberta. Quem quer que tenha feito aquilo levou um bomtempo.— Você tem que estar no lugar certo pra ver— Eric disse, para em
seguidasubiraoladodocavaloeestenderamão.—Euteajudo.Olhei na direção de Layla, que eu mal conseguia enxergar naquela
escuridão.Mactinhasaídocompletamentedomeucampodevisão.ApenasIrv permanecia totalmente visível,mas não era alguémque se camuflavafácil.DeiamãoaEricesentiseusdedosapertaremosmeusàmedidaquemepuxava.Ocarrosselrangiasobnossospés.—Certo—eledisse,comumamãonomeuombroeaoutraapontada
paraotetodocarrossel.—Estávendoasbarrasdeferrosejuntandoaliemcima?Assenti.—Estou.— Então olhe um pouco para a esquerda — ele indicou. — É meio
pequeno,masestálá.Depoisdealgunsmomentosconseguienxergar:umanelsimplespendia
sobrenós,pertoobastanteparaalguémpegarquandoocavaloatingisseopontomaisalto.—Estouumpoucosurpresaqueninguémtenhaarrancadoesseaneldaí.—Ah,podeacreditar:agente tentou.—Elebebeumaisumpouco.—
Estábempreso.Quemfezissonãoqueriaqueninguémarrancasse.Defato,erabemtentador.Quemnãoiaquerersearriscarpeloprêmio,já
queestavatãoperto?—Mascomovocêsconseguemalcançar?—Quandoocarrosselgira.Virei para ele e só então percebi que estávamos muito próximos,
praticamentecomosrostoscolados.Eric,porsuavez,nãoparecianemum
poucoincomodado.Logotiveasensação,quandonãoacerteza,dequeelejátinhafeitoisso—tudoisso—antes.—Ocarrosselgira?—Sóquandoalguémempurra—escuteiMacdizer.De algum jeito, ele tinha se aproximado sem a gente ouvir e estava
paradobemnafrentedocavalo.Aluzdaluamefeznotarmaisumavezamoeda que pendia de sua correntinha. Instintivamente, dei um passo nadireçãodeleemesolteidasmãosdeEric,aindanosmeusombros.—Comoépossível?—perguntei.—Issoaquinãoé,seilá,pesadopara
caramba?— Até que não se não estiver lotado — Mac respondeu. — Já
conseguimosgirarporumbomtempo.EspecialmentequandoIrvvem.AvozdebarítonodeIrvsoounaescuridão:—Não consigo ficar bêbado, tenhoque girar o carrossel.Não sei nem
porqueaindaandocomvocês.—Porquevocêamaagente!—Layla,quetambémtinhachegado,gritou
praele.EmseguidalevantouosolhosparaEric:—Sópravocêsaber,seucelularapitou.—Ah,devesersobreoshownofimdesemanaquevem.Vouver.Volto
numsegundo—eledisse,acariciandomeuombro.Laylaapenasoobservoucontornarocarrosselatéooutro lado.Então,
sem qualquer comentário, foi atrás dele, me deixando a sós com Mac.Ficamosemsilêncioporumtempo.PudeouvirLaylaconversarcomIrveoutracervejaseraberta.Finalmente,eudisse:— Queria ter encontrado uma coisa assim quando caminhava pelo
bosque.Eleolhoupracima.—Mesmo?Confirmeicomacabeça.—Acoisamaislegalquejáencontreifoiumapontadeflecha.Ah,eum
crâniodemorcego.—Parecequevocêiabastantepralá.—Euemeuirmão,quandoagenteeracriança.—Olheinovamentepara
oanel.Soba luzcerta,quandoo luarpassavaporumburacoenferrujadopertodele,erapossívelenxergarcomnitidez.Tomeiumgoledacerveja.—Naverdade,eleeraoaventureiro.Eusóacompanhava.Queria fazer tudoqueelefazia.Maissilêncio.OuviarisadadeLayla.Macentãodisse:—Ouvifalardoqueaconteceucomseuirmão.Sintomuito.
—Nãoaconteceucomele.Elefezacontecer.Édiferente.Assimque termineide falarmedeicontadaraivanomeutomdevoz.
Maccomeçouadizer:—Eunãoquis…—Não,tudobem—interrompirápido.—Ésó…umaquestãodelicada
pramim.Acho.Nãofaziaideiadoquetinhamedadoprafalardequestõesdelicadascom
umcarabonitoqueeumalconhecia.Tomeiumgolebemgrandedecerveja,emaisoutroemseguida.—Bom—eledissedepoisdeumtempo—,cadaumtemasua.Seusolhosestavamfixosnotopodasárvoreseorosto, iluminadopelo
luar.Talvezporcausadacervejaouporeujáterditoacoisaerradaduasvezes,sentiquenãotinhamuitoaperder.Entãoarrisquei:—Atévocê?Eleolhoupramim.—Eueraogordinhoespinhentoatépoucotempo.Nãoéfácilesquecer.Balanceiacabeça.—Aindanãoacreditonisso.— Está documentado. — Ele deu mais um gole. — Apesar do meu
esforçoparadestruirtodaequalquerprova.EscuteiarisadadeLaylaaolonge.—Acheiquevocê iaquererasprovas.Talvezelas tedeixassem,sei lá,
orgulhosodesairdaquelasituação.—Euficariamaisorgulhososenãotivessechegadonaquelasituação—
elereplicou.—Nãodápramudaropassado.Elelevouamãoatéopescoçoepassouodedopelacorrentinha.—Issonãoquerdizerquevocêprecisaseprenderaele.Ericnãoeraoúnicopeso leveali: eu sentiaa cerveja começara subir.
Termineialataeapusnochão.—Qualéadessamoeda?—Moeda?—Aponteiacabeçapropingenteeeleolhouprabaixo.—Ah!
Naverdadeéamedalhinhadeumasanta.Minhamãedeuumapracadaumquandoagenteeracriança.—Umasanta?— É. — Ele puxou a medalhinha pra fora e a expôs à luz da lua. —
Batilde, santa padroeira das crianças. Acho que minha mãe pensou queprecisaríamosdetodaajudapossível.Chegueimaispertoemalpudeverafiguraeaspalavrasminúsculasna
medalhinha.—Ébonita.—Sim,mastambéméumlembrete.—Doquê?—Noaugedopeso,issomesufocava.Sério.Deixavamarcasvermelhas.
Eeunãoqueriatirar.Jamais.Precisavadetodaaajudapossível.—Proteção—sugeri.—Algoassim—eledisse,tirandoamãodopingente.—Agoracontinuo
ausarpranãoesqueceroqueperdi.Eraestranhoouvirisso.Estavaacostumadaaocontrário:ausênciacomo
sinônimodedor.Derepentemevieramummilhãodeperguntas,ecomacervejaeaescuridão,acheiqueconseguiriafazê-las.MasentãoEricsurgiucomoviolãonamão.—Desculpeinterromper—eledisse,epercebiquefalavaenrolado.—
Masvocêsestãosendoumpoucomal-educadosseisolandoaqui.—Quantas cervejas você tomou?—Macperguntoua ele enquantoeu
desciadocarrossellevandominhalatinhavazia.— Apenas uma quantia ínfima — Eric respondeu, mas quando
começamosasegui-lonoteiqueseuspassoseramtudomenosfirmes.— Eric está falando empolado — Mac informou a Layla e Irv, que
estavam sentados um de frente pro outro na carruagem. Ainda haviabastante espaço no assento de Layla, mas Irv mal cabia no dele: aimpressãoeradequeometalpoderiacederaqualquermomento.—Acabouafarra—Layladisse.—Semmaiscervejaspravocê,Bates.—Elefalapeloscotovelosquandoestáalto—Irvmeexplicou.—Éum
dosmuitosindícios.—Estouperfeitamentesãodecorpoealma—Ericprotestouparaem
seguida sentar desajeitado na grama e dedilhar o violão.— Vou provarentretendo vocês comum interlúdiomusical. Sydney, junte-se amim emterrafirmeemedigaoquequerouvir.—Ah,peloamordeDeus—Layladisse,erguendoasmãos.—Porfavor,
pareantesdepassarvergonha.—Tardedemais—Irvdisse.Eric,semseabalar,deuunstapinhasnagramaaoseulado.—Vem.Desfrutedasminhascomposiçõesmusicais.Mesentitãomalporelequefui.Logoquesentei,eleseencostouemmim
ecomeçouatocar:— Conheci uma garota, Sydney era o nome dela… Me fez perder a
cabeça,eraincrivelmentebela…
—Possotomaroutracerveja?—pedi.Irvriu.Macmejogouumalatinha.—Elaestavanaescola,alipertodomuro…—Ericcantarolava.—Sentei
aoseulado,entregueimeufuturo…—Ó-timo—Layladisse,descendodacarruagem.—Achoqueéhorade
voltar.Minhamãevaificarpreocupada.—Estounomeiodeumacomposiçãooriginalaqui—Ericprotestou.—Vocêvaimeagradecermaistarde—elareplicou.Macpegouamochilaecomeçouaenchercomaslatasvazias.Irvdesceu
docarrossel,queemitiuumsomparecidocomumsuspiroaliviado.Aomeulado, Eric felizmente tinha parado de cantar, embora ainda tocasse unsacordestoscos.—Masantesdeir,podemosdarumavoltanocarrossel?—Laylapediu.—Uma volta— Eric balbuciou—, volta por cima… Vamos nos casar,
seguirnossasina…IrvolhouparaMac,quedeudeombros.—Tudobem—eleconcordou.—Subam.Laylabateupalminhas,subiudenovonocarrosseleseagarrounumdos
cavalos.—Vem—elamedisse.—Vocêprecisaexperimentarisso.Um pouco zonza, sentindo o peso da cerveja e meia, caminhei até o
brinquedo e me juntei a ela. Meu cavalo era pequeno. Subi meiodesequilibradaetenteilembrarqualtinhasidoaúltimavezqueandeinumcarrossel.—Prontas?—Irvperguntou.—Prontas!—Layla gritou, viroupara trás e sorriupramim. Sorri de
voltaautomaticamente,apesardenadateracontecidoainda.Mac e Irv foram para lados opostos do carrossel e começaram a
empurrar. O brinquedo começou girando devagar, com um rangidoconsiderável, mas depois de um ou dois minutos já nos movíamos numbom ritmo. Quando o cavalinho subiu, senti o vento no cabelo; à frente,Laylajogavaocorpoparatrásdetantorir.Girávamoscadavezmaisrápido.A noite e a floresta pareciam cada vez maiores à nossa volta. Foi umdaquelesmomentosquenoatotivecertezadequeficarianamemóriaprasempre,mesmoantesdeoanel entrarnomeucampodevisãoe ficaraomeu alcance. Mas nem tentei pegá-lo; não precisava. Já tinha ganhado anoite.
*
Escutamos a música antes de ver a casa. Num instante, o único somvinha das folhas esmagadas pelos nossos passos; no instante seguinte,ouvimosinstrumentoseumaúnicavoz,carregadadeemoção.Laylaparouparaescutarbemnolimitedafloresta.—Rosieestácantando.Uau.Queriasabercomoconvenceramela.Maisàfrente,acasaestavatodaacesa,epelaportadosfundosdavapara
verasaladeestarlotadadegente.Enquantoisso,avozcontinuava,doceeaguda. Eu não conseguia distinguir as palavras,masmesmo assim fiqueitodaarrepiada.—O.k.—Maccomeçou—,qualéoplanoagora?Laylaolhoupara Irv,quecarregavaumdesacordadoEricnascostas.A
partirdametadedocaminhoele tinhacomeçadoa tropeçarmuito.Entãoanunciouqueprecisavadescansaredeitousobreumcolchãoderamosdepinheiro. Aparentemente, assim como as palavras empoladas, aquilo eraumaocorrênciacomum,porquelogoIrvobotounascostassemdizernadaeseguimosemfrente.ComorostoenterradonocasacodeIrv,Ericpareciaquasedoce,comoobebê-milagrequeumdiafora.—Ésódormirquepassa—Layladisse.—Eleviráatrásdenósquando
acordar.SeguiLaylaatéogalpãoondeabandatinhaensaiadoantes.Elatirouuns
papéis e um par de baquetas de um sofá gasto, onde Irv depositou Eric.Layladepoisocobriucomumsacodedormir.Semacordar,elebalbucioualguma coisa enquanto ela ajeitava a coberta improvisada. Os outrostinhamseguidoemdireçãoàcasa,entãofuiaúnicaaverLaylaacariciaratestadeEricporumtempo,comoseoninasse.A casa não estava apenas cheia: estava abarrotada. Tivemos de nos
espremer pra entrar, pedir desculpas e desviar de pés e cotovelos atéchegar à cozinha, onde havia mais espaço pra respirar. Assim quechegamoslá,vireiorostoeviasra.Chathamnapoltronaeomaridodelano sofá, coma cabeçabaixa e o banjo apoiadono colo.Ao seu lado, doisoutros homens, que também tocavam, e uma ruiva de violino no ombrosentada numa cadeira próxima.Mas todosmantinham os olhos fixos emRosie.Ela estavadepénabeirado sofá, de jeans, blusinha semmanga e seu
tradicionalrabodecavalo.Elacantavadeolhosfechados.Eunãoconheciaaquelamúsica, assim como não conhecia as que tocavam no jukebox daSeaside. Mas era comovente, sobre uma garota, uma montanha e umalembrança. Só quando Rosie terminou é que fui perceber que estavaprendendoarespiração.
—Uau!—exclameiparaLaylaenquantotodosaplaudiam.Rosie,comasbochechasvermelhas,abriuumrarosorrisoefoiencostar
naparedecomosbraçoscruzados.—Vocênãoestavadebrincadeira.Elaéincrível—comentei.—Eusei—Laylarespondeu.—Nãoésemprequeelatemvontadede
cantar.Masquandotem,ficoperplexa.Atrásdenós,osgarotos—maisconcentradosnacomida—reviravam
osarmáriosumaum.— Preciso de alguma coisa gostosa — Irv disse. — Em grande
quantidade.—Cenoura?—Macpropôs.—Carnedesoja?Irv,queolhavaparaumasériedepotesdetempero,viroulentamentea
cabeçaeencarouMac.—Vocêestáfalandosério?Eulátenhocaradevegetariano?—Equecaraumvegetarianotem?—Diferente daminha.— Irv fechou um armário e abriu outro, onde
encontrouumacaixadecookiespré-assados.—Agorasim.Eradistoqueeuestavafalando.—Tambémquero!—Laylagritou.—Vouver se temoscoberturapra
passarneles.Irvestalouosdedoseapontoupraela.—Gostodassuasideias.Mac,encostadonapia,suspirou.Observei-oabrirumarmáriomenor,no
alto.Umavisoestavacoladonaparte internadaporta:COMIDADOMAC.NÃOCOMA!—Comosealguémfossequerer—Layladisseaoseaproximardemim
comendocoberturademorangodiretodopotecomumacolher.Irvabriuofornoelétricoecomeçouaenfileiraroscookiesnagradealidentro.—Nemosratosdaquitocamnessearmário.Mac, ignorando tudo isso,pegouumpacotedebolachadeáguae sal e
revirou a geladeira por ummomento até encontrar um tipo de patê. Emseguida, sentou à mesa com uma faca bem na hora que a músicarecomeçou.AproveiteiparatomaroassentodefrentepraelequandoLaylalevantouparaconferircomIrvoajustedoforno.Macentãovirouopacotedebolachapramim.—Vocêvaisearrepender—Laylaadvertiu.—Confieemmim.Espere
praprovarnossoscookiescomcobertura.Mas achei que seria grosseria recusar. Estendi a mão e peguei uma
bolacha,quetinhaformatooctogonaleestavarepletadegrãosesementes.
Macobservouenquantoeudavaumamordida.Amassaera tãoduraquemeusdentesquasenãoaperfuraram.Duraeseca.Muito,muitoseca.— Obrigada — eu disse, conseguindo pronunciar metade da palavra
antes de ser tomada por um acesso de tosse. Em resposta a isso, Laylabotou um copo d’água aomeu lado namesa. Aquela garota pensava emtudo.— Ficam melhores com homus — Mac disse enquanto eu tentava
recuperar o fôlego. Era como se aquele pedacinho de biscoito estivesseagarradocomunhasedentesaomeuesôfago.—Aqui.Ele deslizou o patê e a faca, equilibrada em cima do pote, na minha
direção.Abri um sorriso e tomei um gole d’água. No outro lado da cozinha, o
fornoelétricosoou.—Estamossalvos!—Irvexclamouaoabriraportadoforno.Eleenfiou
amãodentroparapegaroscookies,maslogoapuxoudevolta.—Merda,táquente.Layla pegou uma colher de madeira e a usou para tirar os cookies e
empilhá-losnumprato.—Vocênuncaaprende,hein?Pegaacobertura.Horadeatacar.Eles sentaram à mesa, à minha esquerda e à minha direita. Layla
arrancouduasfolhasdepapel-toalha,pôsumcookie—comumagenerosaporção de cobertura — sobre cada uma e serviu. Enquanto ela e Irvbrindavam com a comida, olhei para o resto da minha bolacha. Entãomergulhei-anohomus,memantendofielaoquejátinhacomeçado.Ogostomelhorou.Nãoficoubom.Masmelhorou.Sótossiumpouco.—Qualéonomedissomesmo?—pergunteiaMac.—Kwackers—elerespondeu,virandoopacoteparaqueeupudesseler
o rótulo. — São bolachas sem açúcar de baixa caloria fortificadas comsementesespeciais,quesãotiposoja,sóquemaissaudáveis.— Nham — Layla caçoou ao me entregar um papel-toalha com um
cookie.—Nãosemartirize,Sydney.NemporMac.—Essescookiessãoosmeus?Levantei os olhos e vi Rosie se espremer pra dentro da cozinha junto
com duas garotas do mesmo tamanho e tipo físico; uma loira e outramorena.Amorenausavauma legging e ummoletomdaMariposa comomascote da equipe estampado— uma borboleta rosa que reconheci dosdesenhosdesábadodemanhãdaminhainfância.Aloiraestavadeshorteumablusinhaquemostravaoumbigoeumdosabdomensmaisperfeitosquejávinavida.
—Seunomenãoestavaescritoneles—Layla rebateu.—Mas fiqueàvontadeparaseservir.Rosie se aproximou e pegou um, que ofereceu às amigas. Depois que
ambasrecusaram,elaquebrouumpedaçodocookie,mergulhounohomusdeMacemordeu.—Eca—foiocomentáriodeIrv.—Naverdadenãoétãoruim—Laylalhedisse.—Vocêjáexperimentou?—Nahoradodesespero.AmorenasaiudetrásdeRosieeestendeuamãoparaMac.—EusouaLucy.Vocêé?— Meu irmão — Rosie disse secamente enquanto os dois se
cumprimentavam.—Eletemdezesseteanos.—Dezesseteéótimo—Lucyfaloucomumsorriso.— Sou a Layla — Layla se apresentou estendendo a mão. — Tenho
dezesseisanos.— Oi — Lucy a cumprimentou, com um entusiasmo evidentemente
menor.Agarota como tanquinhopor algummotivonão se apresentou, assim
comoorestodenós.EstendiamãoemdireçãoaopacotedeKwackersdeMacprapegar outra bolacha, e ele o empurroupraperto demim.Dessavez, tinha plena consciência de que os olhos de Layla, e os das outraspessoas,estavamsobremim.—Então, só pra você saber, vamos ficar com seuquarto esta noite—
RosieinformouaLaylaenquantomergulhavaaoutrametadedocookienacobertura.—Oquê?—Laylaperguntou.—Amamãedissequetudobem—Rosierespondeu.Aos poucos, a música parou na sala de estar, e foi seguida por uma
explosãodegargalhadasmisturadacomaplausosesparsos.—Oquartonãoédela.EaSydneyvaidormiraquihoje.—Você sabemuitobemqueeudurmonumcubículo.Não temespaço
pranóstrês.—EondeSydneyeeuvamosdormir?—Nosofá?Seilá.—Masessepessoalvaificaraquianoiteinteira.—Rosie!—osr.Chathamchamoudasala.—Voltaaqui,menina.Vem
cantaroutrapranós.Peloseuvelhopai.Macsoltouumsuspiro.
—Quantascervejaseletomou?—Irvperguntou.—Menosdoqueaindavai tomar.—Mac levantouemeofereceuuma
últimabolacha,quenegueicomacabeça.Rosiedeumeia-voltaesaiuemdireçãoàsala.Aloiraaseguiu,masLucy
fezumapausanaportaparaobservarMacseesticarpraguardarabolacha.Acamisetadelesubiuumpouco,expondoseucintoepartedesuabarriga.—Vocêspodem ficar comomeuquarto—eleofereceu.—Durmono
sofá.—Eaindaporcimaécavalheiro—Lucycomentou.—Menos, garota— Layla disparou. Lucy ou não escutou ou ignorou,
masfinalmentefoiembora,caminhandodevagardemaisparaomeugosto.—Argh—LaylaresmungouquandoRosierecomeçouacantar.—Essas
garotas da Mariposa são tão nojentas. Sério. Se as menininhas quecompramosingressossoubessem…—Nemtodassãodesejogarfora—Macdisseaofecharoarmário.Layla revirou os olhos, mas permaneceu calada. A voz de Rosie, que
começarabaixa,foiaospoucossubindo,apontodepreenchertodaasalaenossos ouvidos. A canção dessa vez tinha um ritmo mais acelerado quedava pra dançar. Na poltrona, a sra. Chatham sorria e batia os pésempolgada,aopassoqueaviolinista,deolhosfechados,corriaoarcopelascordas.Paramim,era incrívelqueumaúnicanoitepudessecontertantascoisas:desdeumcarrossel,passandoporcookiescomcoberturaatéavozmais lindaquejáouvi.Penseinaminhacasa,dooutro ladodacidade.Noalto de um morro, apenas as luzes em uso acesas, as restantes todasapagadas,apenastrêsmoradorescirculandonaqueleespaçoenorme.AvozdeRosieficoumaisalta;oviolinoacelerou;alguémbatiaospés;e
atéminhasbochechasesquentaram.Era incrívelcomoeupodiamesentirtãoemcasanumlugarque tinhaacabadodeconhecer.Anoiteaindanãoestavanempertodeacabar.Aindaassim, sóconseguiapensarnoquantodesejavaquenãoacabasse.—Queria que você soubesse que não era isso que eu tinha emmente
quandoconvideivocêpradormiraqui—Layladisseenquantoestendiaolençolnacama.JáhaviamsepassadoumasduashoraseestávamosnoquartodeMac.
Depois de escutar música por mais um tempo, tínhamos ido para agaragem,ondeLaylaacordouEriceofezandarumpoucopraficarsóbrioantesqueIrvolevassepracasa.
—Foiótimo—eudisseaela.— Não tenho tanta certeza. — Ela botou uma fronha limpa no
travesseiro e o afofou.—Émuito típico de Rosie simplesmente tomar omeuquarto.Elasemprefazoquequer.—Deverdade,nãomeimportodedormirnosofá.— Sem chance. Você é visita.Mac vai ficar bem lá.— Layla virou pra
pegar um dos sacos de dormir que tínhamos trazido da garagem e ochacoalhoupratiraracapa.Senteinacama—acamadeMac,medeiconta,oquedealgumaformaa
tornou diferente. Enquanto ela forrava o saco de dormir com um lençol,corriosolhospeloquarto.Erapequeno,comumacamadesolteiroeumamesinha,ambasfeitasdamesmamadeiraamarelaegasta.Doispôsteresdecarro—umAudieumBMW—estavamcoladosnaparede,bemcomoummapaquepareciaserdeLakeview,cheiodemarcaçõesfeitasalápis.Numaescrivaninhademetalmeioamassada,ficavamcomputador,alto-falanteseumafileiradelivros,quasetodossobrecorridaeexercícios.Napontahaviadiversos despertadores em diferentes graus de precariedade: uns sembotões,outrosemovidrodomostradoreatéumcomasmolaspra fora,comosetivesseexplodido.— Ele é meio cientista maluco — Layla disse. Me virei pra ela, que
apontouaescrivaninhacomoqueixo.—Outalveznãosejamaluco,apenascurioso.Elegostadevercomoascoisasfuncionam.—Ondeeleconseguiutodosessesrádios?—Brechós—elarespondeu,afofandooprópriotravesseiro.—Lojasde
segundamão.Osmesmos lugaresondeminhamãe compraas coisasquecoleciona.Sevocêforjunto,logovaidescobriralgoporqueseinteressar.Éinevitável.Mac,porexemplo,gostadessasFrankentralhas.—Hein?— É o nome que eu dei — ela explicou. — Já ele diz que está
“aprimorandoobjetos”.Tipopegaralgumacoisaeafazerfuncionarmelhor.Sóprecisadescobriroquefaltaeacrescentar.Estávendoaquelerelógio?Olheinadireçãoqueelaapontou,paraocriado-mudoaomeu lado.Ali
ficava um despertador que, à primeira vista,me pareceu completamentenormal. Quando olhei melhor, porém, vi que tinham acrescentado umagrandelentecircularapontadaparaotetoeumtecladinhonapartedetrás.—Sim—confirmei.—Eraótimo,sóquezeravasozinhootempotodo,eMacqueriaqueele
projetasseashorasnoteto.Eletinhaumoutroquefaziaexatamenteisso,maseratãofracoqueninguémconseguiaenxergar.Porissojuntouosdois,
acrescentouumdispositivoparaajustedehorapersonalizado…—Umoquê?—interrompi.—Sãopalavrasdele—Laylaexplicou.—Dequalquer forma,esseéo
resultadofinal.Ahorasempreestácertaebrilhantepracarambanoteto.Eufaleipravocêquemeuirmãoeraestranho.Olhei de novo para o relógio, reparei bem no teclado que havia sido
preso ao resto com cuidado, nas lentes, que pareciam ter feito parte dorelógiodesdesempre.—Maseleébomnisso—falei.—Poisé.Comcertezadevia serengenheiroe construiraviõesoualgo
assim—elaafirmou.—Éumapenaqueseufuturováacabarempizza.—Comoassim?—perguntei,surpresa.—ASeaside.—Elaajeitouocobertorumpoucomaisparaadireita.—
Sedependerdomeupai,Macvaiassumirorestauranteassimcomomeupaioherdoudomeuavô.Eninguémprecisairprafaculdadepraaprenderafazerpizza.—Entãoelenãovai?—Duvidomuito.Elalançoumaisumolharparaaescrivaninhacheiade
aparelhosquebrados.—Éumadroga,né?Por issovivodizendopromeupaiqueeuéquedeviaassumirosnegócios.Souaescolhalógica,nãosou?Rosie, assim esperamos, vai voltar pra patinação, e eu vou ficar radiantequandoterminaraescola.MasMacédiferente.Elesemprefoiointeligente.Pensei em Mac, sempre com um livro ao lado no almoço ou mesmo
enquantopreparavaamassanapizzaria.Parecialoucurapramimqueumcara tão curioso e motivado, capaz de melhorar muito um despertadorsimples,nãotivessechancedeentrarnafaculdadeeaprenderafazerissoemoutronível.DesdeocomeçoeuhaviapercebidoqueosChathameramdiferentesdaminhafamília—ecadavezmaismeconvenciadisso.Foradoquarto,nasala,tudoestavacalmo:amaioriadosconvidadosjá
tinhaidoembora.AmãedeLaylaforapracamaaindamaiscedo,maisoumenos na mesma hora que Rosie e suas amigas da Mariposadesapareceram.Sóumbanjosoava,distanteemelancólico.—Por falar em irmão… li o artigoquevocêmandou—Layladissede
repente.—Sobreaquelegaroto.MostreiproMactambém.Baixeiosolhosedisse:—Fiqueicomreceiodemandar.—Ficou?Confirmeicomacabeça.—Penseiquemejulgariam.
—Porquê?—Nãosei—respondi,dandodeombros.—Éoquetodomundofaz.—Sydney.—Layladissemeunomedeumjeitoquedeixavaclaroque
eudeveriaolharparaela.Foioque fiz.—Nãosomoscomotodomundo.Vocêaindanãopercebeu?—Estoucomeçandoaentender—respondicomumsorriso.— Se fosse comigo— ela disse, se ajeitando no saco de dormir—, ia
quererconversarcomogaroto,pedirdesculpas.—Éoqueeuquero—falei,surpresaporelateracertadonamoscatão
rápido.—Masmepareceegoísmo.Tipo:quebemissovaifazerpraele?Omeu“sintomuito”nãovaitrazeraspernasdeledevolta.—Sefosseumfilme—Layla imaginou,comosolhosnoteto—,vocês
dois virariam grandes amigos por causa de um passatempo em comum,tipoumconcursodequemcomemais.Depoisvocêoajudariaaaprenderaandardenovo.Cortaparaofinalfeliz.Olheiparaela.—Concursodequemcomemais?—Acabeidepensarnessefilme!—elaprotestou,oquemefezrir.—Dá
umdesconto.Mantivemossilêncioporumtempo.Obanjoaindasoavanasala.—Sóquenãoéumfilme—retomeiaconversa.—Enãotemfinalfeliz.
Apenas…umfinal,acho.Laylacolocouocabeloatrásdaorelha.—Odeioquandoissoacontece—eladisseemtomsuave.—Vocênão
odeia?Antesqueeupudesseresponder,alguémbateulevementenaporta,ea
cabeçadeMacapareceunafresta.—Amamãeestátechamando—eleavisouLayla.Elalevantouimediatamente:—Estátudobem?Emvezderesponder,MacabriuaportatodaparaLaylapassareseguir
pelo corredor. Dava pra ver o sr. Chatham na sala, de pé, com o banjopendurado no pescoço. Seu rosto estava vermelho e, quando me viu,demorouumpoucopralembrarquemeuera.—Querágua?—Macperguntouparaele,quedesviouoolhardemim.—Eumesmopego—elerespondeu.Emseguida,pôsobanjodevagarno
sofá e então deu um passo pra trás. Mac me lançou um olhar antes defecharaportacomcuidado.Minhasensação foide teresperadosozinhaporumbomtempo.Maso
despertador ao meu lado marcou apenas dois minutos até o retorno deLayla.—Apenastonturas.Nadacomquesepreocupar.—Tonturas?Elaassentiuesentoucomaspernascruzadas.— Minha mãe toma um monte de remédios. E, tipo, todos nós
precisamos ficar de olho pra saber quando ela toma cada um. Às vezes,quando fica cansada ou acordada até tarde, ela sente tonturas e acordaconfusa.DevezemquandochamaRosie,mashojemechamou.Layla tinhadeixadoaportaaberta;a salaestavavazia, eamesinhade
centro,lotadadelatasdecervejaeembalagensdecomida.—Háquantotempoelaestádoente?—perguntei.—Desdequeeuestavanosextoano.—Elacruzouasmãoseconferiuas
unhas. — Não era tão grave no começo. Ela ainda conseguia andarnormalmenteecontinuavamandonacomodecostume,visitandotodasaslojas de segunda mão possíveis aos sábados de manhã. Mas a doença éprogressiva.Oanopassadofoibemdifícil,esóvaipiorar.—Nãotemcura?— Não. — Ela deixou as mãos caírem sobre o colo. — Os remédios
ajudambastante,maseventualmenteadoençavaienfraquecerminhamãeaté o corpo dela parar de funcionar. Espero que demore bastante prachegaraesseponto.Faziapouco tempoque eu conhecia aquela família,masumaprovado
tamanhoda importânciada sra.Chathamerao fatodeeu ser incapazdeimaginá-los sem ela. Assim como aminhamãe, ela era o centro da rodadaquelafamília,aquetodosestavamconectadosedeondetodostiravamenergia.Elaprecisavadeumsantoparasimesma.—Sintomuito—lamentei.—Poisé—Layladisse,comotristetomdevozdequemaceitaummal
inevitável.Erapossívelentreverosmilhõesdepensamentosnãoditosquevinhamjuntocomassuaspalavras.—Eutambémsinto.Acasaaospoucosficavaemsilêncio.Laylafoiatéopróprioquartopara
botaropijamaeescovarosdenteseindicouopequenobanheiroondeeupoderiafazeromesmo.Quandosaí,nãohavianinguémporpertoalémdeMac, comum sacode lixonamãopara jogar fora a bagunça em cimadamesinha.—Querajuda?—perguntei.—Nãoprecisa—elerespondeu.Mesmoassim, fuiatéoutramesa, junteiunsguardanaposamassadose
unscoposdeplásticousadosejogueitudonosaco.—Foiumafestaetanto—comentei.—Issoaquivaiestarfedendoamanhãdemanhãseeudeixarassim—
elecomentoucomumpunhadodetampinhasdegarrafanamão.—Evaiparecerqueeudorminumalixeira.—Estágrudento.—Efedorento.Ele levantou uma pilha de cobertores, revelando umdos cachorros da
casa.Oanimalrosnava,masMac,semseabalar,otomounosbraçoseopôsno chão. O bicho logo se esgueirou para debaixo do sofá, de onde noslançavaolharesameaçadores.—Desculpeportomarseuquarto—faleipraele.— Não é culpa sua. — Mac recolheu um punhado de guardanapos
molhados e fez uma careta de nojo. — Rosie sempre foi meio folgada.Engraçado:elanuncadormenosofá.— Eu falei pra Layla que posso dormir aqui — contei. — Não me
importo,deverdade.—Oscachorroscomeriamvocêviva.—Quê?!Ele achou graça da expressão que fiz. E abriu um sorriso, um sorriso
lindo.Ver isso era omesmoque ganhar umprêmio, já que seus sorrisoseramtãoescassos.— Falo em sentidometafórico— ele explicou em seguida.—Embora
elessoltemunsgasesmortais.—Quemsoltagases?—Laylaperguntouaovoltardobanheiro.—Oscachorros—respondi.—MeuDeus,nãoébrincadeira.—Elaatéestremeceuaessaspalavras.
—Jamaisosdeixeentrardebaixodassuascobertas.Vocêvaisonharqueestásendosufocada.Deverdade.Precisadeoutrosacodelixo?Mac fez que sim, e Layla foi até a cozinha buscar mais. Eu e ele
continuamos a limpeza num silêncio companheiro até ela voltar. Entãotodos terminamos a faxina juntos. Já eramais de umadamanhã quandoMaclevouosacodedormireotravesseiroparaosofáeapagamosaluz.Laylainsistiuparaeudormirnacama,apesardeeuterditoqueficaria
bem no chão. Eu sabia que ela só estava sendo uma boa anfitriã. Aindaassim, saber que Mac dormia ali era ao mesmo tempo estranho eemocionante.MeuDeus,comoeueraboba.Assim que as luzes apagaram, ela começou a se mexer pra encontrar
umaposiçãoconfortável.
—Eudemoroprasossegar—elatinhameexplicadoquandodormiuemcasa,duranteessesmesmosajustes—,masquandocaionosono,desmaio.Seprecisardemimpraalgumacoisa,mechuta.Forte.O.k.?—Podedeixar—eudisse.Em contrapartida, naquele momento na casa dos Chatham eu estava
deitadaimóvel,comasmãoscruzadassobreopeito.Tentei imaginarMacnaquelemesmolugartodasasnoites,olhandoparaomesmoteto,ondeseudespertadorprojetava o horário intensamente acimadasnossas cabeças:1h22.—Céus,comoeuodeioesse troço—Laylareclamou.Pelavoz,percebi
que jáestavasonolenta.—Aúltimacoisaquequeroéser lembrada todavezqueabroosolhosquantotempofaltaparaahoradelevantar.—Masamanhãédomingo—recordei.—É,maseutomocontadaminhamãedemanhã—eladissecomum
bocejo.—Entãotenhoqueacordarjuntocomela,àsseis.—Ah.Entendi.Silêncio.Entãoeladissecomavozmonótona:—Umaevinteetrêsdamanhã.Horadedormir,perdedora.Vocêjávai
sesentirpéssimademanhã.Comeceiarir,eelasemexeuumpoucomaisantesdemedarboa-noite.
Momentosdepois—naverdade,precisamentetrêsminutosdepois,à1h26—ouvisuarespiraçãoficarlongaeconstante.Eu,poroutro lado,aindamesentiabemacordada.Então,à1h45,ouvi
claramentequandoalguémcomeçouafalarnasala.Eraavozdeumagarotanocomeço.Davaparasaberpelotom,masnão
conseguidistinguiraspalavras.Então,depoisdeumapausa,umavozmaisgrave respondeu. Virei de lado e olhei para Layla, que dormiaprofundamentecomosjoelhoscontraopeito.À1h50, depois que tudo voltou a ficar em silêncio, senti uma vontade
repentinadefazerxixi.Erasempreestranhocircularpelacasadosoutros,principalmente tarde da noite. À 1h59, porém, percebi que não tinhaescolha. Saí da cama, passei por Layla com cuidado e girei o maissilenciosamentepossívelamaçanetadaporta.AprimeiracoisaquevifoiLucy,aamigadeRosiedaMariposa,sentada
no sofá, de regata e short de pijama, com o cabelo solto por cima dosombros.Macestavaaoseulado,comosolhospregadosnaTV,quepassavaumcomercialqueeu já tinhavisto,deumprodutoquecortava frutasemformatos divertidos. Mac prestava tanta atenção que parecia assistir umplantãodenotícias.
Ambosolharamnaminhadireçãoquandoaparecinocorredor.—Tudocerto?—Macperguntou.— Sim. Só, hum…— e apontei para o banheiro. Apertei o passo, me
sentidosuperconstrangida.Assimque fecheiaporta,ouviLucydizeralgumacoisaerir.Não tinha
comosabersefalavademim,masmesmoassimsentiorostocorar.Fizoquetinhaquefazer,laveiasmãoseconferiocabelo.Aindaqueeu
não tivesse dormido, já estava bem bagunçado. Abri a porta fazendo omáximodebarulhopossívelparadeixarclaroqueestavameaproximando.OcomercialaindapassavanaTV—“ENÃOÉSÓISSO!”—eMaccontinuava
totalmente concentrado. Lucy, por sua vez, tinha se aproximadomais dogaroto e estava com a cabeça apoiada no ombrodele.Dessa vez, ela nãoolhoupramim.—Boanoite—medespedideMacantesdeabriraportadoquarto.Eujáestavaprestesaentrarquandoeledisse:—Aquiloestáteincomodando?Deimeia-volta.—Oquê?— O despertador— ele disse, apontando na direção do quarto. — É
meiobrilhante.Possodesligarsevocêquiser.Lucy se mexeu e apertou o corpo ainda mais contra o dele. Na TV, a
mulher estava empolgada demais com a perspectiva de cortarmelanciasem formato de estrela. Voltei o rosto para Mac, queme encarava de talmaneiraqueeusoube,dealgumjeito,quedeviadizerquesim.—Prasersincera—respondi—,euestavameperguntadocomo…Antesde eu terminar a frase ele já estavadepé, oque assustouLucy;
dessavezelameolhou,claramenteirritada.RecueiparadeixarMacentrarnoquartoe,aindasoboolhardela,fecheiaportadevagaratrásdenós.Oambienteestavabemescuroefiqueiimóvelporumtempoatéminha
visão se adaptar. Mac, porém, foi direto até a cama, sentou e pegou orelógio.Bastouapertarumbotãoparadesligaraprojeçãodohorário.—Obrigado—eledisse.—Pormesalvar.— Ela é bem…— comecei, mas me segurei para não usar o adjetivo
errado.—Incisiva.—É ummodo de dizer.—Ele recolocou o relógio ao lado da cama e
levantou.—Precisadealgomais?—Não—respondi.—Obrigada.Ele acenou com a cabeça e passou cuidadosamente por Layla, que
roncavaumpouco.Quandopôsamãonamaçaneta,deixeiescapar:
—Vocêpodeficarsequiser.Atéelairdormir.Oquartoéseu,afinal.Ficobemnochão.Percebi, tardedemais,comominhaspalavraspoderiamsoar:agoraera
euagarotapartindopracima.MasMacviroupramimaliviado.—Podedeixarqueeuficonochão.Enquanto ele pegava um cobertor no armário pra estender sobre o
carpete, voltei até a cama eme cobri. Com Layla desmaiada nomeio doquarto, ele não tinha outra opção senão se acomodar paralelo à cama.Aindaassim,deixouomaiorespaçopossívelentrenós,oqueoobrigavaaficarcomacabeçaapoiadanaescrivaninha.—Vocêquerotravesseiro?—oferecienquantoelesemexiaembusca
deumpoucodeespaçoparaacabeça.—Não,podeficar.—Nãopreciso.Evocêestánochão.—Estoubem.—Elesemexeudenovoe,dessavez,ouviumabatida.—
Ai!Nãoconseguisegurararisada.—Ah,quebonito—elebrincou.—Caçoandodaminhador.—Eutenteitedarotravesseiro.—Nãoprecisa—eledisse.Entãoouvioutrabatida.—Droga!Senteinacamaejogueiotravesseiropraele.Acerteibemnorosto.Ops.—Foimal—eudisse.—Nãoqueria…Antes que eu pudesse concluir, o travesseiro voltounaminhadireção,
duas vezes mais rápido do que eu tinha jogado. Desviei, e o travesseiroquicounaparedeeacertouodespertador,quenoatovoltouaprojetarohorárionotetocomumaluzclaracomoodia.—Viuoquevocêfez?—eledisse.—Sãoduasequinzedamanhã—rebati,retribuindoogolpe.—Horade
pegarseutravesseiro.Derepente,umabatidasuavenaporta.Ambosficamosemsilêncio.Um
instantedepois,elaseabriuosuficienteparadeixarumfeixedeluzentrar.—Mac?—umavozdisse.Lucy.—Oi?Fecheiosolhos.Porunsinstantes,aúnicacoisaqueouvifoiarespiração
deLayla.Entãoaportafechoucomumclique.Mesmodepois,permanecemosemsilênciopordoisminutosinteiros,de
acordocomorelógio.EucomeçavaaacharquetalvezMactivessedormidoquandootravesseiromeacertoubemnomeiodacara.—Nãovoujogardevolta—sussurrei.—Vocêacabadeabrirmãodele
oficialmente.
—Nemqueriamesmo.—Dormelogoantesqueelavolte—sugeri.—Évocêquenãoparadefalar—elebrincou.Sentimeurostoabrirumsorrisoenormenoescuro.Eram2h22.—Boanoite,Mac.—Boanoite,Sydney.Durmabem.Maspramimissoeraimpossívelnaquelemomento,comeleaapenasum
braço ou menos de distância. Então fiquei surpresa quando acordeisobressaltada às 4h32 de um sonho profundo e pesado cujos detalhesdesapareceramassimquedespertei.Esfregueiosolhosevireiparaconferircomo estavam Layla, ainda abraçada aos joelhos, e Mac, que tinha seafastado da escrivaninha e dormido de lado — com uma das mãosestendidanaminhadireção.Eledormiaprofundamentee,claro,nãofaziaideiadenadadisso.Nãodáparaescolheroquefazemosnossonhos.Masfiqueifelizmesmoassim.
13
Pensei que tinha escapado do Dia da Família na Lincoln. Duas semanasdepois,porém,outroproblemaapareceu.Comosousortuda.— Tenho ótimas notícias — minha mãe anunciou um dia durante o
jantar.Derepente,tudofezsentido:amaneiracomoelacantarolavaaopôramesa, o jeito superalegre como perguntou sobremeu dia na escola.—VamosconseguirverPeyton.Todosnós,juntos.—Sério?—meupaiperguntou.Elaconfirmoucomacabeça.Estavatãofelizquequeriafazersuspense.— Recebi uma ligação hoje. Ele completou o primeiro curso lá e vão
fazerumacerimôniadeformatura.Todososparentesestãoconvidados.DojeitoqueminhamãefalavapareciaquePeytoniareceberumdiploma
deHarvard,nãoocertificadodeumcursonaprisãoque,paraserhonesta,eraobrigatório.Masminhamãeeraassim.QuandooassuntoeraPeyton,qualquercoisinhabobajáviravaumfeitosensacional.—Éocursodecidadania?—meupaiquissaberenquantopegavamais
pão.—Cidadania e leis.—Ela tomouumgole de vinho.—É tãobom.Ele
aprendeumuitoeagoraqueconcluiuocursopodefazeroutros.Háváriasopções na verdade. Michelle diz que a Lincoln é ótima nesse sentido. Odiretoracreditamuitonaimportânciadaeducação.—Quandovaiserisso?—outraperguntadomeupai.— Final de novembro— ela respondeu. — Acho que podemos ir de
carronanoiteanteriore ficarnumhotelaliperto.Assimnãoprecisamossairdaquidemadrugada.—Maseutenhoaula—comenteiautomaticamente.Pelaprimeiraveznaqueledia,aanimaçãodaminhamãemurchou.—Vocêpodefaltarumdia,Sydney.Éimportante.Fim da discussão. Meu pai me lançou um olhar, como se estivesse
prestes a dizer algo, mas então voltou a comer. E assim começou acontagemregressiva.Tudo foiplanejadoedoisquartosdehotel foramreservados.Umpara
mim e minha mãe, outro para meu pai e Ames, que logicamente nosacompanharia. Minha mãe ativou o modo “fazer contatos” e falou comalgumas famílias de “formandos” da Lincoln (ela insistia em chamá-losassim)paraque levassembolos edocesparaumcafédamanhã especialdepoisdacerimônia.Bastouissoparaminhamãevoltaràzonadeconforto.Defato,estavatãoocupadaquemalpercebiaqueeupassavaquasetodasastardesnaSeaside.Pormim,tudobem.— Então ele fez um curso?— Layla me perguntou um dia enquanto
fazíamos lição de casa. — Não sabia que tinha escola dentro da prisão.Penseiqueficartrancafiadojáfossepuniçãosuficiente.Ao contrário de Jenn e Meredith, com quem sempre compartilhei a
vontadedeirbemnaescola,Laylabasicamentepassavaasaulascontandoosminutosparaosinaltocar.Atéaliçãodecasaadeixavademauhumor,eelaprecisavadeumamédiadetrêspirulitosparaterminá-la.— É um curso que todomundo lá precisa fazer, sobre leis.— Virei a
páginadolivrodematemática.—Achoquepralembrarospresosdenãoquebrá-las.—Euachavaque todaessahistóriade ficar atrásdas grades já servia
praisso.—Elapôsopirulitonabocaetirouemseguida.——Masachoqueconsigoentenderopropósitodeles.Seteraulafosseaúnicaatividadequeeupudessefazer,comcertezaiaamar.Erguiuma sobrancelha e olhei bempra ela. Já faziamaisdeumahora
queestávamosalisentadaseLaylasótinharabiscadoopróprionomeeunscoraçõezinhosnopapel.—O.k., talvez não— ela suspirou.—Acho que é hora de uma pausa.
QuerirnaSuperThrift?—Layla.—Quinzeminutos.—Não.— Dez. Juro que vou embora quando você mandar. — Olhei pra ela,
cética.—Ésério!Vamos!—elagarantiu.Aindacontrariada,guardeiomaterialedeixeiamochilaatrásdobalcão,
ondeMacpreparavalegumescomolivrodequímicaaolado.—Aondevocêsvão?—eleperguntou.—Lugarnenhum—Laylarespondeu.—SuperThrift—eudisseaomesmotempo.
Macbalançouacabeçaemeencarou.—Elapodeatéprometerumavisitarápida,masdepoisqueentrarnão
vaiquerersair.— Vamos voltar em dez minutos — Layla disse ao mesmo tempo,
animada.Suspireiefuiatrásdela.ASuperThriftficavanumpredinhosemgraçaaumaquadradaSeaside.
Játinhapassadonafrentedecarroummilhãodevezessemnemreparar;minhafamílianãocostumavacomprarartigosdesegundamão.Doávamosbastantecoisa—minhamãesemprereviravameuguarda-roupacomumasacolaperguntando se eu tinhausado aspeçasnoúltimoano—,mas sóparainstituiçõesdecaridade.EaSuperThrifteraumaempresa.O primeiro cheiro que dava pra sentir ao entrar na loja era o do
aromatizador de amora. Um cheiro forte e irritante, que formava umaespéciedebarreiranaentrada.Contudo,aoatravessá-la,omotivodesuaexistênciapassavaafazersentido:opróximocheiroerademofoepó.—Adoroocheirodepechinchaspelatarde—Layladisse.Atransiçãode
aromas sempre faziameu nariz coçar,mas aparentemente deixava Laylaelétrica: eu precisava apertar o passo para acompanhá-la.—Ah, olha sóisso!Quando vi as araras cheias de roupas estendendo-se até os fundos da
lojapelaprimeiravez, jámesenticansada.Tinhapeçasdemais,dispostasde um jeito que tornava trabalhoso encontrar qualquer coisa, já que nãohaviacategoriasnemseções:umcasacogrossode invernoestavaao ladodeumacamisavagabundacomombreiras, espremidaentredoisvestidosdefestahorríveis.Eissoerasóumaamostradoquehavialá.Layla,porém,tinhaumdom:dealgumjeitoeracapazdeacharascoisas
boas,pormaismalapresentadasqueestivessem.Antesqueeuconseguisseme livrar de uma calça masculina de tweed dos anos 50, ela já tinhaencontradoumajaquetadecourocurtinhaeumacamisasocialbrancaquesóprecisavadeumaboapassadaparaficarigualaalgoquequalqueramigaminhadaPerkinsusaria.—Ésóprática—elameexplicounaprimeiravezquecomenteiisso.—
Minhamãeéumacaçadoradepechinchasprofissional.Agentecostumavapassar por aqui, por outros brechós e por vendas de garagem todos osfinais de semana. Ela sempre disse que o importante era olhar e agirrápido.Bastafazercomfrequênciaeissosetornanatural.TipoMaccomosrelógios.QuandoconheciLayla,nãotinhapercebidoquantascoisasdelaeramde
segundamão.Foiapenasnamanhãseguinteànoitequepasseinacasados
Chatham,quandoRosieeasamigas finalmentedesocuparamoquartodeLayla, que pude dar uma olhada no guarda-roupa dela. Embora fossepequeno, estava abarrotado de roupas, todas meticulosamenteorganizadas.Quandoelaviuqueeutinhareparado,deixoubemclaroqueeraummotivodeorgulho.—Estaaqui—eladissenaapresentaçãoquese seguiu,aopegaruma
calçajeansdobradacomesmeronumcabide—encontreinaThriftWorld.ÉdaCourtneyAmanda!Malfoiusada,esópreciseifazerabarra.Foiumdiadesorte.LogomedeicontadequetodasasroupasdeLaylatinhamumaorigem
similar.Eueraincapazdelembrarondehaviacompradoablusaqueusavanaquelemomento,maselaconheciaahistóriadecadaumadesuaspeças.Fiqueienvergonhada,aindamaisporsempretercompradoapenasroupasnovas. Layla, porém,nãoparecia se incomodar comasnossasdiferenças.Simplesmente…avidaeraassim.Maisummotivoparaeuquerersercomoela.Sempre que íamos à SuperThrift Layla também procurava coisas pra
mim.Enquantoeuseguravaoespirroemmeioaumamontoadoderoupõescom estampas sortidas, ela surgia ao meu lado com um vestido vintage,botasdomeunúmeroquasenovaseumsuéterdecaxemira“daminhacor”,edesapareciaemseguida.Depoisdasprimeiras idas, simplesmentepareideprocurarcoisaspramimepasseiamatarotempozanzandopela loja:sabiaque,sehouvessepeçasboaspramimali,Laylaencontraria.Naquelavisitadedezminutos,elatrouxepramimumacalçacapripreta
eumabolsadejuta,ambasdescobertaslogoquechegamos.—Seisminutos—lembreiaela.Laylafingiuquenãoouviu.Àquela altura,meunariz já estava escorrendo.Depois deprocurarum
lenço, segui paraos fundosda loja.Os calçados, ao contráriodas roupas,estavamorganizadosporsexoetamanho,emboraeunãotivesse ideiadequemhaviafeitoisso.NuncavininguémtrabalhandonaSuperThriftalémdasmulheresquesurgiamdeumasaletadevidro—ondeassistiamTV—quandotocávamosacampainhapertodocaixa.Aindaassim,pareciaqueoverdadeiroempregodasduaserademonstraroquantoodiavamajudarosclientes.Os calçados femininos e infantis ficavam à esquerda; osmasculinos, à
direita (erampoucose,poralgummotivo,amaioriadeboliche).Por fim,havia uma seção chamada apenas “etc.”. Naquele dia, estava cheia degalochas.Esse era o negócio da SuperThrift. Laylame explicara uma vez que o
estoquedelesconsistiaemdoações,sobrasdevendasdegaragemepeçasque outros brechós não conseguiam despachar. Mas às vezes recebiamcoleçõesinteirasdeestabelecimentosprestesafecharoudosherdeirosdealgumfalecido.Issoexplicavaporquê,numadasprimeirasvisitas,eutinhaencontrado uma arara inteira cheia de ternos grandes e compridos emdiversos estilos e cores. Também era a explicação mais provável para osurgimentodeumacaixademacacõesdefrentistaoutrodia.Apresençadasgalochas,entretanto,eramaisdifícildeentender.Eram
modelos infantis bem coloridos: verdes, amarelos, vermelhos, combolinhas. Estava na cara que as botas eram usadas— notei uns riscos emanchas—,masquemtinhatantosfilhos?Jáhaviacontadopelomenosdezparesquandoouviumavozdizer:—Cara,quantabota,hein?Se alguém me perguntasse quem eu esperava encontrar na seção de
calçadosdaSuperThriftaoolharpratrás,aúltimapessoaamepassarpelacabeça seria David Ibarra. E, no entanto, lá estava ele, de calça jeans,moletomvermelhoecadeiraderodas.Sorrindopramim.Porumsegundosaíforadoar.Depois,fiqueiimóvel,encarandoogaroto
boquiaberta.Tantosmesesanalisandoseurosto,absorvendocadadetalheque descobria, e lá estava ele: em carne e osso. Tive a sensação de queDavidsabiaquemeuera,quemerameuirmão,comoseeuemitissealgumodorqueoalertasse.—Cara,quantabota!EraLayla,vindonaminhadireçãocomosbraçoscarregadosderoupas.
Ela espiou as botas e depois olhou para David Ibarra. Seus olhos searregalaramnahora.Elatinhalidooartigoenuncaesqueciaumrosto.— Era o que eu estava dizendo— ele falou aomexer no controle da
cadeiraparaseaproximardasgalochas.—Achoqueissosignificaqueumbandodecriançasvaificardepémolhadonapróximachuva.—Quandoencontrocoisasassimporaqui—Layladissedevagar,como
olharfixoemmim—,ficocomvontadedecomprarsópelahistória.—Eunão—elerespondeu,recuandoacadeiramaisumavez.—Nãoé
porquealguémselivroudaquelemontederoupõesaliatrásqueeuquerosaberomotivo.— Irmão? — ouvi uma voz chamar de trás de uma arara repleta de
vestidos.—Ondevocêestá?—Estouindo—elerespondeuedeumeia-volta.Eu ainda não tinha dito uma palavra. Não conseguia. Mas talvez ele
estivesseacostumadocomosolharesdaspessoas,porqueacenouparanós
duascomsimpatiaeseretirou.—Ei—Layladisse,jogandoasroupasnochãoevindoaomeuencontro.
—Sydney.Vocêestápálida.—Aquele…era…Elapôsamãonomeuombro.—Eusei.Masrespirafundo.Vocêestámeassustando.Fizoqueelamandoueinspireiaquelecheirohorrível.Aolonge,escutei
um som motorizado conforme David Ibarra e quem o acompanhavaseguiamatéaentradada loja.Depoisdeumtempo,Laylaseafastouesedebruçounobalcãoparaverseosdoisaindaestavamlá.Antesdesairdolugar,fizelajurarduasvezespelamãequeelesjátinhamdeixadonãosóalojamastambémoestacionamento.Quandofinalmentesaímos,fiqueiescoradanavitrinedeolhosfechados
enquanto Layla pagava suas compras. Caminhamos de volta à pizzaria esentamosparacontinuaraliçãodecasa.Dessavez,porém,Laylafoiaúnicaque conseguiu fazer alguma coisa. Eu só fiquei ali, parada, com o livroabertonafrente.Semprequetentavameconcentrar,vianãoaspalavrasouo rosto de David Ibarra, mas aquele arco-íris de galochas deslocadas edestoantes.Sónahoradeirembora,quandoLaylameentregouumasacola,percebi
nãosóqueeuhavialargadonochãoascoisasqueelasepararapramimnaSuperThrift,mas também que ela tinha recolhido tudo e juntado com asprópriascompras.Nãoqueriasergrossa,entãoaceiteiascoisaseasenfieinofundodoguarda-roupaquandochegueiemcasa.Sabiaqueminhamãeencontraria aquelas peças na época das doações e perguntaria se eramimportantes. Eu teria que dizer que sim. Como tantas outras coisas,ficariamcomigoprasempre,mesmosequisessemelivrardelas.Pormotivosóbvios,eunãoestavanoclimaprafazercomprasnasemana
seguinte. Layla, porém, estava de olho em algumas peças no seu brechófavorito.Entãoelaborouumplano.— Uma dupla de entregadoras de pizza— ela anunciou ao pai certa
tarde. Layla tinha pedido para ele sentar e ouvir a apresentação daquiloquechamavade“umaimportantepropostadenegócios”.—Imaginesó:umnichodemercado.Criaremosumamarcavisualespecíficadeatendimentoaoconsumidor.Arregalei os olhos. Uns dias antes ela tinha encontrado um guia para
pequenas empresas num sebo.Apesar de não gostar da escola, Layla era
capazdedevorarqualquermanualdeinstruçõesouromanceaçucaradoemquestãodehoras.—Nãoéumaboaideia—foiocomentáriodeMac,quenãotinhasido
convidadoasentarmasescutavatudocomosempre.—Ninguémpediusuaopinião—Layladisparou.—Não importa.Nãoéseguro—eleemendou.—Vocêvaiparaacasa
dosoutros,paraapartamentosdegenteestranha…—Mas Sydney vai estar comigo— ela disse. Arregalei aindamais os
olhos;nãotinhapercebidoqueestavaenvolvida.—Eagentevaideixarasentregasnosbairrosperigosospravocê.—Esetodasasligaçõesforemdebairrosperigosos?— Então vamos precisar repensar nossa estratégia de mercado, não
acha?—Elasevoltouparaopai.—Vocêmesmodissequeospedidosnãoparamdecrescer,principalmenteemfimdesemanadejogo.Agentepodeajudar. Assim mantemos as coisas na família e eu aproveito pra ganharmaisexperiênciaaquinapizzaria.Vouprecisar,jáquepassareiodiainteiroaquidepoisquemeformar.Aoouvirisso,Maclevantouosolhosparaairmã.—Peloquesei,ninguémdiscutiuessapossibilidade.—Éexatamenteporissoqueprecisamosdiscutir—Laylaemendouno
ato.—Éumpoucomachistasimplesmentepartirdopressupostoqueumagarotanãopodeassumirumcargodeliderança,nãoacha?—Liderança?—perguntouosr.Chatham.—Penseiqueestivéssemos
falandodeentregarpizza.— Estamos falando de negócios — Layla suspirou. — O fato é: você
precisadeajudacomasentregas,eeudeexperiência.Todomundoganha.Osr.Chathampassouamãonorosto.Aindanãotinhanegado,masera
óbvioqueestavaaquilômetrosdeconcordar.—Seeufossepensarnessaideiadevocêsfazeremasentregas…—Nãopense—Macinterveio.—…precisariahaveralgumasregras,comcerteza.Layla,sentindoavitóriaseaproximar,abriuumsorrisosagazpramim.—Conformeeudisse,estaríamossemprejuntas.Enósduasiríamosaté
aporta,sempre.Enquanto o pai de Layla ruminava a ideia, Mac balançava a cabeça e
continuavaaespalharmolhosobreamassa.—Talvezescritórios—osr.Chathamdissefinalmente.—Equemsabe
algumas áreas residenciais aos finais de semana, de dia.Mas não à noitenememcondomínios.
—Ah,pai,queótimo!Obrigada!—Mas—eledisseemvozalta,erguendoamão—,Macvai treinaras
duas primeiro e faremos um teste no sábado durante o jogo, semcompromissonenhum.Entendido?—Entendido—Layla respondeuconfianteemecutucouporbaixoda
mesaparaqueeudissesseomesmo.Eentãoficoudecidido.Nossotreinamentoaconteceudoisdiasdepois,na
tarde de quinta-feira. Falei pra minha mãe que ia na casa de Jenn,imaginandoqueelanãoficariamuitofelizsesoubessequeeuiatrabalhar,aindamaisnaqueletipodeserviço.Naverdade,eusótinhaconcordadoporLayla,entãofiqueisurpresaaodescobriroquantogostavadaquilo.Nãosabiadizerexatamenteomotivo.Passávamosbastantetempocom
Mac,oqueeuachavaótimo.Desdeanoitequepasseinacasadele,ficamosbemmaispróximos, emboraeunotassequeelemantinha certadistânciaquandoLayla estavaporperto. E eu aindanão tinha esquecido comoelaficavabravaaofalardeKimmieCrandall,quehavianamoradoMacedepoisterminadotudo.Eunãoqueriaquebrarnenhumaregra,emboraissofossedifíciljáquenãosabiadireitoquaiseramessasregras.MasnãofoisóacompanhiadeMacquemefezgostardasentregas.Layla
— apesar de suas aspirações de liderança — logo se entediou com asexplicações detalhadas do irmão sobre os procedimentos do negócio. Eu,porém,fiqueiintrigadacomaquilo.Haviaalgoquemefascinavanaideiadeir na casa de gente estranha, de espiar outros lugares e as pessoas quemoravam ali. Talvez porque sentia que minha família era observada otempotodoporpessoasdefora.Eralegalpoderestardooutrolado.Na nossa primeira parada, um cara de roupão atendeu a porta. A sala
estava escura; a única luz vinha dos dois televisores sintonizados nomesmocanaledeumafileiradenotebooksemcimadamesadecentro.Eleapertavaosolhoscomoumatoupeira,comosea luzo ferisse.Pagousemfalarnadaefechouaportananossacara.Napróximaentrega,interrompemosumasessãodeestudobíblicopara
adolescentes. Uma garota radiante de aparelho atendeu e nos convidoupara comer um pedaço de pizza e ouvir alguns testemunhos. Apesar danossarecusa,elanosdeuumaboagorjeta.Jesuscomcertezaaprovaria.EmseguidafomosatéohotelWalker,ondeesperamosnolobbycomtrês
caixasatéohóspededescerparapegá-las. (Macexplicouqueohotelnãogostava que os entregadores subissem, já que eles tinham serviço dequarto.) Enquanto esperávamos, ele ficou papeando com os valetes deuniformevermelhoaoredordoclaviculário.
Em apenas uma hora, tínhamos visto pedacinhos de várias vidas,formandoumaespéciede colagemdaprópria cidadedeLakeview.Layla,aindaentediada,passouamaiorpartedotemponocelular—sóseanimounohotel,porcausadosfuncionáriosbonitos.Masquandoderamoitohoraseelaprecisouvoltarparaficarcomamãe,tivevontadedecontinuar.Mac deve ter falado bem da nossa experiência, porque fomos
autorizadas a fazer o teste no fim de semana. Namanhã de sábado, umpoucodepoisdasonzeemeia,láestávamosLaylaeeunoestacionamentoàesperadequeeletrouxessedoescritórioumaplacamagnéticaparaomeucarro.Passaram-sedezminutosenadadeMacaparecer.—Parecequeeleestáfazendodetudopraevitarqueeuleveumaparte
das gorjetas— Layla reclamou enquanto ajustava a roupa pela enésimavez:umacamisetadaSeaside,jeansebotaspretasdemotoqueira.Por causado seuguiaparapequenasempresas,Layla tinhaenfatizado
muitoaimportânciadanossa“identidadevisual”.Comoeunãotinhabotademotoqueira,useiasdeRosie,queerampelomenosumnúmeromenorqueomeu.Aparentementeminhaidentidadevisualenvolviamancar.—EstoutentandoajudaroMac—elaretomou.—Praelepoder fazer
faculdadenofuturo.Eledeviaficarfelizemdividirsuafortuna.— Acho que é mais uma questão de proteção— comentei.— Ele se
preocupacomvocê.—Bom,masnãodeveria.Vouentregarpizza,nãopartirparaaguerra.Aquilomefezrir,masquandoMacapareceucomeceiameperguntarse
Laylanão tinhaumpoucoderazão.Primeiro,elerepetiumaisumavezoque nos ensinara sobre como lidar com o dinheiro e a importância detravar as portas do carro sempre, mesmo se só fôssemos ficar fora umminuto.Emseguida,dissequedepoisdetocaracampainhadevíamosnosafastar da porta para que ninguém pudesse nos alcançar ao abrir. Eleestavaprestesa ilustraressesconselhoscomalgunsepisódiosdaprópriaexperiênciaparaenfatizaressespontosquandoLaylaolhouparaopulsoedisse:—Jápodemoscomeçar?Elefezumacareta.—Vocêestásemrelógio.—Verdade,mas seestivesseelemediriaquevocê já faloudemais.—
Layladeuascostasaoirmãoepartiuemdireçãoàpizzaria.—Sydney,voubuscarnossoprimeiropedido.Podeirligandoocarro!Mac e eu apenas a observamos. Ela avançava com passos leves, mais
empolgadadoquedurantetodootreinamento.
—Nãoadeixeirsozinhamesmoseelainsistirqueestátudobem—elemedissequandoLaylaentrounaSeaside.—Eseelacomeçaraconversardemais com os clientes, corte. Pegue o dinheiro, entregue a pizza e váembora.Nuncadevelevarmaisdoquecincominutos.— Certo — afirmei, de novo com a sensação de que estava sendo
preparadaparacruzaraslinhasinimigas.—Esóleveatéaportaodinheironecessário.Seprecisarcontarotroco,
viredecostas.—Entendi.—Eseemalgummomentovocêsesentirinseguraouacharoambiente
estranho,deixeapizzaeváembora.Nãovaleapenasearriscar.Fizquesimcomacabeça.BemnaquelemomentoLayla reapareceuna
portadaSeasidecomumacaixanamão.Elaseaproximouradiante.—Éanossaprimeiraentrega!Enoseubairro,Sydney.—Mesmo?Elameentregouafichacomoendereço;comcertezaficavaemArbors,
emboraeunãoconhecesse.—Precisamostercuidado—eladissecomosolhossérios,cravadosem
Mac.—Vocêsabecomoessagentericapodeserperigosa.—Ha-ha—foiareaçãodele.Layla então abriu a porta de trás do carro e pôs a pizza no assoalho,
comoMac tinhaensinado. (Diminuíaoriscodeoqueijocairpra fora,umpecadomortaldasentregas.)—Dirijacomcuidado—elemedisse.—Podedeixar.Otrajetoatéacasafoitranquilo,marcadoapenaspelosgrandesplanos
queLaylafaziaparaasgorjetasquereceberíamos.Quandoparamosdianteda casa enorme em estilo colonial nomeu bairro, Layla já tinha gastadomais dinheiro do que imaginava que ganharíamos. A não ser quefizéssemos entregas até os trinta anos. Mal sabia eu que quando aquelaportaabrisse,nossonovoempreendimentoacabariaantesdecomeçar.—Apizzachegou!—umavozgritouacompanhadadepassose,depois,
dosomdachavenafechadura.Ambasdemosumpassoparatrás(Macteriaficado orgulhoso) quando a porta abriu para revelar um rapaz mais oumenos da nossa idade, loiro, de olhos azuis e ombros largos com umacamisadefutebol.Elesorriuaonosver.—Vocêquerqueeuvápagar?—umavozdemulher,maisvelha,gritou
docorredordacasa.—Não,podedeixar—elerespondeu,deuumpassoàfrenteefechoua
porta atrásde si.Dei outropassopara trás,masLaylapermaneceuondeestava.— Extragrande, meia queijo, meia presunto e abacaxi— falei.— São
quinzeenovecomimpostos.(“Sempreinformeopedidoeopreço,mesmoseapizzajáestiverpaga.É
como um contrato verbal que eles não podem desfazer. Além disso, ficamaisfácilparaelessaberemovalordagorjeta.”)Eu que tinha falado, mas ele olhava para Layla ao tirar as notas da
carteira.—Quantopelaentrega?—Pravocêédegraça—elarespondeu.—Entãoémeudiadesorte—eledisseaosepararumanotadevintee
entregarpraela.—Podeficarcomotroco.—Obrigada!—eladisse,animada,guardandoanota.Quandoentreguei
apizzaaogaroto,elacompletou:—Aproveiteoalmoço.—Euaproveitariasevocênãofosseembora—eledisse.—Odevermechama—elarespondeu,maseutinhaquasecertezade
queaviracorar.—Tenhoentregasafazeredinheiropraganhar.Vireidecostas,naesperançadesinalizarqueeladevia fazeromesmo.
Mas,claro,elaenrolouumpoucoedesceuapenasumdegraucomigo.—Se eu fizesseoutropedido—eledisse comamãonamaçaneta—,
vocêviriaentregardenovo?—Talvez—elafalou,comamãonocabelo.—Poderserquemeuirmão
maisvelhovenha.Elesorriu.—Cinquentaporcentodechance?Aceitoorisco.Laylanãorespondeunada,apenasmeseguiudevoltaatéocarro.Assim
queestávamossãsesalvas,comomotorligado,comentei:—Vocêtemconsciênciadequequebrou,tipo,todasasregrasdoMac?—Vocêconheceessecara?—elaperguntou.—Aquidavizinhança?— Não— respondi secamente. Ele ainda nos observava dos degraus,
comosepensassequetalvezLayla fossevoltar.Manobreirápidoesaí.—Nuncavinavida.Quando voltamos à pizzaria, havia outro pedido do mesmo endereço.
Então atravessamos a cidade de novo, e dessa vez Layla passou todo otrajeto se maquiando. Mais paquera, uma nota de cinco de gorjeta, enovamente fiquei de lado, constrangida para dizer o mínimo. Dessa vez,quandoretornamos,Macnosesperavacomumacaixanamão.—Denovoomesmoendereço?—eleperguntou.—Trêspizzas?
—Eles estão commuita fome— Layla disse, estendendo o braço prapegaraembalagem.Macapuxouparalongedairmã.—Istoaquiéumrestaurante,nãoumaagênciadeencontros.—Souumaprofissionaleopedidoprecisaserentregue!Eleaencarou.—Entãoeulevo.Seuturnojáacabou.—Mac!—elareclamou,masviqueelenãoiaceder.—Vamosveroque
opapaiacha.Elaseguiuparaoescritório.Macentãoviroupramim.—Pelomenosdigaqueeleédaidadedela.—Ésim—faleie,olhandoparaorelógio,emendei:—Possoentregara
pizzanocaminhopracasaepoupoumaviagemsua.—Não.—Énomeubairro—argumentei.—Eelejáteveduaschancesdematar
agente,sefosseessaaintenção.Macarqueouassobrancelhas.—Éassimquevocêquermeconvencer?Mesmo?—Medálogoapizza.Depoisdehesitaralgunsinstantes,eletirouumacanetadobolsodetrás
eanotoualgonoversodaficha.— Este é o meu número. Manda uma mensagem depois que fizer a
entrega.Combinado?—Combinado.Elemedeuacaixaemeobservoucolocá-lanoassoalhodobancodetrás.
Emseguida,entreiparamedespedirdeLayla,queestavasentadadecaraamarradacomumpirulitodemorangonaboca.Elaseanimouumpoucoquandoentregueisuametadedasgorjetas.—Vamosarrebentarnapróxima—eudisse.—Conseguirmaisgorjetas.—É,é—eladisse,acenandocomopirulito.—Queseja.DevoltaaArbors,toqueiacampainhaeesperei.Omesmocaraabriua
porta,mastinhatrocadoovisualdespojadoporumacamisadeabotoaresapatos.Nemseesforçouparaesconderafrustraçãoaomeversozinha.— São quinze e nove com impostos — eu disse com a voz animada
mesmoassim.—Obrigada.Eleolhouparamimeentãotiroumaisumanotadevintedobolso.—Qualonomedasuaamiga?Balanceiacabeça.—Nãopossodizer.
Elepensouumpouco.—Tudobem.Mas se ela quiser saber se euperguntei…—Ele anotou
algonaabadacaixadepizzaearrancou.—Entregueissopraela.Eunãodissesimnemnão.Apenaspegueiopapel,volteiparaocarroe
escreviparaMac:
Saindoagora.Sãesalva.
Jáestavaentrandonagaragemdecasaquandoelerespondeu:
Elaquersaberseelepediuonúmerodela.
Penseiumpoucosobreaquemdeveriaserlealnaquelemomento.Então
digitei:
Não.
Nãoeramentira.Depoisdeumtempodeespera,meucelularapitoude
novo.DessavezeraLayla.
Eledeixouonúmerodelepramim?
Sorri.Não importavaoquãoespertaeumeachasse,elaestavasempre
um passo à frente. Mas se era para estar atrás de alguém, não havianinguémmelhorqueLaylapraseguir.
Sim.
Outrotoque.Duasfileirasdecarinhasfelizes.Masminhaatençãoestava
todanamensagemdeMacquandodesliguei omotordo carro. “ADICIONARAOS CONTATOS?” meu celular perguntou, como sempre fazia quando eurecebia mensagem ou ligação de números desconhecidos. Talvez euestivesse apostando demais. Mesmo assim, apertei SALVAR, olhei de novoparaascarinhasfelizesetambémsorri.
14
OnomedeleeraMasonAlbertSpencer,mastodosochamavamdeSpence.Ele tinha acabado de mudar para Lakeview e estudava na AcademiaW.Hunt, o colégio militar nos arredores da cidade. Quando se tornouoficialmenteonamoradodeLayla,tudocomeçouamudar.Bem, nem tudo. Ainda almoçávamos juntas todos os dias e íamos pra
Seasidedepoisdaescola.Spencetinhaumaagendaapertadadeatividadesextracurriculares, então só podia ver Layla aos fins de semana, emesmoassimporpouquíssimotempo.Nocomeço,acheiqueelefossecomotantosgarotosdeArborscujonúmerodeatividadesrefletiaodinheirodisponívelpara participar delas. E o padrasto de Spence, um cirurgião plástico, eracapazdebancarpraticamentequalquercoisa.Logo,porém,comeceiasacaralgumascoisassobreSpencequemedeixaramhesitante.SóquenãoqueriacomentarcomLayla.Elaestavatãofeliz.—Eleéomaisfofodetodos—elamedissenumdiaemquesentávamos
ànossamesahabitualcomapenasabordadasfatiasdepizzaentrenós.Ocelular,queelasempredeixavaàmão,tinhaviradopartedoseucorpo.
Elanãotiravaosolhosdele,sempreàesperadequalquermensagem.—Querdizer—Laylacontinuou—,eleéumcavalheiro,sabe?Quemé
assimhojeemdia?Ejáconteipravocêojeitocomoelecomebatatafrita?Já:Spencecomiabatatafritacommostardausandogarfoefaca.Sópor
isso dava pra dizer que eles tinham nascido um pro outro. Infelizmente,porém,haviaoutrasquestõesemjogo.Umadelas:W.Hunteraseuterceirocolégioemtrêsanos.Eleacabouali
depois de passar por dois internatos diferentes. Ele disse a Layla que ascoisas“nãotinhamdadocerto”,masissosoavamuitocomoashistóriasdePeyton pro meu gosto. Além disso, ele fazia várias horas de trabalhovoluntário por semana—emasilos, abrigos de animais—, atémais queJenn, a pessoa mais altruísta que eu conhecia. Claro, talvez tivesse um
coraçãograndeequisesseajudar.Maseusabiareconhecerquandoalguémestavaprestandoserviçocomunitárioobrigatório.Porúltimo,ocharme.Eutinhacaptadoumpoucodissonaqueleprimeiro
diaàportadacasadele,masnasegundavezqueencontramoscomele,naFrazier, estava com força total. Qualquer uma que o visse chegar comaquelesorrisoenormeefloresprovavelmenteficariatãofelizquantoLayla.Maseuconheciabemaquelamisturadeconfiançaefolga.—Você—Layladissequandoelesentouaoseuladoeentregouasflores
comumgestoteatral—élouco.—Loucoporvocê—elerespondeu,aproximandoorostoparabeijá-la.Quando se largaram — dois segundos além do meu limite de
constrangimento—elefinalmenteprestouatençãoemmim:—Sydney,oi!—Oi—cumprimentei.Depois dessa formalidade, ele voltou a focar em Layla, que logo se
encheudealegria.TinhasidoideiadelaescolheraFrazierenãoaSeaside;elaargumentavaque tantoopai comoMacodiavamtodososnamoradosdela àprimeira vista. Eu lembravadeouvirMac comentarquenão tinhasido o caso com o último namorado dela, apesar de o sr. Chatham nãoquerer admitir. Isso era só um detalhe. Mas todo aquele segredo sóaumentavaminhadesconfiança.Logo ficou claro que Spence nutria a mesma falta de entusiasmo por
mim. No começo, parecia não se importar com a minha presença nosencontrosdosdois.Depoisdeumassemanas,porém,comeceianotarqueos dois queriam ficar sozinhos durante o pouco tempo que arranjavamentre a agenda apertada dele e o trabalho constante de Layla. Talvez eudevessetermetocadoedadomaisespaçoparaosdoisficaremàvontade.Emvezdisso,tivequeouvirLaylamedizerissocomtodasasletras.—Ésóque—elacomeçouduranteumalmoço,enquantoEric,MaceIrv
discutiammaisumavezospossíveisnomesparaabanda—Spencegostamuito de você. Quer dizer, ele acha você engraçada e inteligente. Porquevocêémesmo.Franzi a testa. Esse tipo de elogio sempre acabava com um puxão de
tapete.—Mas— ela continuou, olhando para as própriasmãos—, nós dois
queríamos,hum,terumachancedenosconhecermelhor.Asós.Lancei um olhar para Mac, mas ele estava ocupado comendo um
punhado de sementes de girassol e ouvindo Eric defender o nome Cro-Magnoncomoreferênciaànatureza“evolutiva”dorumodabanda.
—Ecomovocêpretendefazerisso?—pergunteiaLayla.Elalimpouagargantaantesderesponder.—Bem,seeufosseprasuacasadevezemquando…—Vocêquerficarcomseunamoradonaminhacasa?—Não!—eladisse.Emseguida,olhouparaosgarotosebaixouainda
mais o tomde voz:—Elepodiamebuscar lá. E eu voltariadepois.Maistarde.—VocêquerqueeumintaparaMactambém?— Sydney, não émentir.— Lancei um olhar zangado pra ela.—Não
mesmo!Euvouestarnasuacasa.Sónão…otempotodo.Eusabiaquedevianegar:essetipodecoisanuncaacabavabem.Masera
Layla quem estava pedindo, e ela tinha feito tanto por mim. Entãoconcordei.Naprimeiravez,tudosaiuconformeoplano.Fomosparaaminhacasa
depoisdaescolaeminhamãeentrouimediatamentenomodo“servirumlancheeperguntardaescola”.QuandoelasubiuparaaSaladeGuerraparacuidar de alguma coisa relacionada à formatura na Lincoln, Layla e eusaímosparadarumavolta.Emtese,íamosatéumalojadeconveniêncianobairro vizinho tomar raspadinhas. Spencer estava à nossa espera a doisquarteirõesdecasa.—Nos encontramosdaqui a umahora—eudisse a Laylaquandoela
subiu toda contente no banco do passageiro do Chevrolet Suburbanenormedonamorado.—Bemaqui,certo?—Certo!—elaconcordou.AmãodeSpencejáestavanojoelhodela.—
Obrigada!Eelesvoltarambemnahora,despedindo-secomumbeijotãolongoque
precisei me distrair examinando o jardim de um quintal próximo.Caminhamosjuntasasduasquadrasdevoltaatéaminhacasa,eeununcatinhavistoLaylatãofeliz.Issobastouparameconvencerdeque,fosseláoqueestivéssemosfazendo,nãopodiaserdetodomau.Tentamosdenovonaoutrasemanaseguindoosmesmospassos.Dessa
vez,porém,duascoisasaconteceram:LaylaseatrasoueMacapareceudonada.Eu estava sentada nomeio-fio quando o vi se aproximar. A princípio,
senti omisto de nervosismo e alegria que sempre surgia emmim com apresençadele.Aalegria,porém,logocomeçouadiminuiratédesaparecerporcompletoquandomedeicontadeduascoisas:airmãdelenãoestavaàvistaeeunemfaziaideiadeondeelaestava.Era tarde demais para tentar escapar dele. Então permaneci sentada
quando ele estacionou perto de mim. Mac vestia uma camisa de mangacompridaazul.Quandoenfiouacabeçapela janelaparaolharpramim,amedalhinha da Santa Batilde ficou visível. Sempre que eu a via tentavaimaginar Mac com um pescoço tão gordo que a correntinha ficasseapertada.Aindanãoconseguiavisualizar.—Ei—eledisse.—Oquevocêestáfazendo?Eraumaperguntajusta.Infelizmente,eunãotinhaumaboaresposta.—Err,sóestousentada.Esperando.—Oquê?Seu tom de voz não era acusador nem ríspido. Masmesmo assimme
rendicompletamentenoato:—Laylavoltar.Por algum motivo ele não pareceu surpreso ao ouvir isso. Apenas
desligouomotorevoltouarecostarnoassento.—Elaestácomaquelecara,nãoé?Ocomedordetrêspizzas?Euéquemesurpreendicomapergunta.—Comovocêsabe?Elemeencarou.—Sydney,porfavor.Vocêsduasnãosãomuitodiscretas.—Ei!—reclamei.—Oquê?Poracasovocêqueriaserumapessoadissimulada?Eletinhaumponto.—Parecequeelagostadeledeverdade—comentei.—Devegostarmesmo,pradeixarvocêaquisentadasozinha.Baixeiosolhos,semsaberdireitooquefalar.—Precisofazerumaentrega—eledissefinalmente.—Quervirjunto?—Sério?Em resposta ele deu a partida e tirou umas coisas do banco do
passageiro.Deiavoltanocarro,abriaportaeentrei.
Macapareceu.
FoiessaamensagemqueenvieiparaLaylaassimqueelefezoretornoe
pegamos o caminho para sair do bairro. Ela respondeu depois de unsinstantes:
Merda.
Digitei:
Vamosfazerumaentrega.Mesmolugarem20min?
O.k.
Logo depois, quando estava prestes a guardar o celular, outra
mensagem:
Sintomuito.
Eu não. Na verdade, quandoMac e eu saímos de Arbors, percebi que
faziatempoquenãomesentiatãofeliz.E,pormaisestranhoquefosse,nãoestava nervosa. Era como se aquele lugar — ao lado dele numacaminhoneteempoeiradacomorádiotocandobaixinho—nãofossenovo,masfamiliar.Umlugaraqueeuvoltavadepoisdemuitotempolonge.UmaprovadecomoapresençadeMacmefaziaesquecerdorestofoia
demora para eu perceber o estado da ignição do carro. Mas bastouentrarmos no acesso para uma pista lateral que alguma coisa bateu naminha perna. Quando olhei para baixo, fiquei surpresa ao ver um alicatependendodopainel,presoemalgunsfiosenrolados.— Erm— comecei, na esperança queminha voz não demonstrasse o
pânicoquecomeçavaasentir—,achoqueocarroestásedesfazendo…Macolhouparamimeparaoalicate.—Nada—elefalou.—Esseéomotordearranque.Tudo bem, eu não era perita em carros. Masme sentia relativamente
confianteparadizer:—Penseiquefosseaignição.— Seria, no mundo ideal — ele explicou enquanto dava seta e
desacelerava. — Mas a caminhonete é velha. Às vezes precisa de umamodificaçãoparapoderandar,sabe?Aqueles despertadores na escrivaninha dele com as engrenagens
aparecendomevieramàmente.—Layladissequevocêgostadefuçarnascoisas.—Eunãofuço—eledisparoucomumtomdevozofendido.—Fuçaré
coisadevelhosdeavental.Ops.—Foimal—eudisse.
Elemeolhoudenovo.—Tudobem.Éumaquestãodelicada.—Cadaumtemasua—comenteicomumsorriso.—Éoqueouvidizer.—Elevoltouarecostarnobanco.—Laylatema
tendência de fazer todas as minhas atividades parecerem infantis. Eu“passeio pela floresta”, “fuço nas coisas”. É como se eu fosse o gnomoparticulardela.Essa imagemestava tãodistantedaqueeu faziadelequequasecaína
gargalhada.GraçasaDeusconseguimeseguraredizerapenas:—Seissoservedeelogio,fiqueiimpressionadacomseudespertador.E
semeumotordearranquepifasse,euteriaqueandarapéepontofinal.—Serve,obrigado.—Elereduziuavelocidadeparafazeroutracurva.—
Euachoquenãotemnadadevergonhosoemtentarconsertarascoisas.Émelhordoquesimplesmenteaceitaroestrago.Queria dizer que ele tinha sorte por ter essa alternativa. Que, para a
maioriadaspessoas,quandoumacoisaquebravajáera.Euadorariasentirpelomenosumavezasensaçãodemedepararcomumacoisaquebradaeenxergarumasaídaemvezdeumfinal.Opedidohaviasidofeitoporumaescoladeginásticaeerabemgrande:
sete pizzas, quatro saladas e pães de alho suficientes para que o cheiroatravessasseaembalagemdeplástico.Euleveiassaladaseumapizza,Macpegouorestoeassimentramosnoprédio.Ládentro,haviaumajanelaquedava para o ginásio enorme da escola, coberto de colchonetes, com umatrave olímpica, barras paralelas assimétricas e uma mesa para salto.Garotas de todas as idades circulavam com collants coloridos e rabos decavalo,comoumexércitodeMerediths.—Podedeixaraqui—Macdisseaobotarabolsa térmicaemcimado
balcãonaentrada.Coloquei a pizza lá, depois as outras embalagens. Mac tinha quase
terminadodedescarregarapartedelequandoouvioprimeiroberro.Foiumgritoagudo,quemedeixousurpresa.Quandoolheinadireçãodo
som, vi que atrás da janela enorme se encontravamquatro garotas, duasbem pequenas, duas mais altas, todas muito magras, olhando para nós.Umadelas—provavelmenteaquetinhagritado—tinhaasbochechasbemvermelhas.—Oi,Mac—duasdelascumprimentaramaomesmotempoatravésdo
vidro antes de se desfazerem em risinhos. Mac, que ainda empilhava aspizzas,acenouparaelascomacabeça.—TreinadoraWashington!—uma dasmenores chamou.—Mac está
aqui!Maisrisinhos.Algumasoutrasginastasapareceramtambém,enquantoa
coradaficoutãovermelhaquecomeceiameperguntarseelesteriamumdesfibriladorparaocasodeelaterumtreco.—Muitobem,garotas,abramcaminho,porfavor—ouviumavozdizer,
easgarotashipnotizadassedispersaramparadarpassagemaumamulherbaixa,decabeloarrepiado,calçademoletomeregata.Umapitopendiadoseu pescoço, mas mesmo sem ele dava pra saber que era ela quemmandava ali. Amulher abriu a porta do ginásio e veio na nossa direção,enquantoalgumasgarotasseesgueiravamatrásdela.—Orasenãoénossoentregadorfavoritomaisumavezdisparandoos
hormôniosdasmeninas.Mac,claramentesemgraça,botouaúltimapizzasobreobalcão.—Pedidograndehoje.—AmistosocontraoBeamDreams—amulherexplicouparandodiante
denós.Elalevouasmãosàcintura,numaposturaperfeita.Atéendireiteiocorpo.—Equeméessa?—Vocêtemnamorada?—perguntouumadasgarotas.Maisrisinhos.—Funcionáriaemtreinamento,naverdade—respondiàtreinadora.—
Acabeidecomeçar.— Já era hora de você ter ajuda — ela comentou. — Vou pegar o
dinheirodevocês.Elaentrounoescritóriodarecepção,masasgarotaspermaneceramna
janelae,claro,conversavamsobrenós.DeiascostasparaelasepergunteiaMac:—Ésempreassim?—Não—elerespondeudeumamaneiratãosecaquelogoentendique
sim,erasempredaquelejeito.A treinadora reapareceu, entregou a gorjeta a Mac e agradeceu. Nos
dirigimosparaasaídae,noinstanteemqueeleabriuaportapramim,umcorodevozesveiodetrásdenós:—Tchau,Mac!Dessavez,osrisinhosforamdescontrolados.Tenteinãorirnocaminhoatéacaminhonete.Eulembravamuitobemda
minha pré-adolescência, quando bastava estar perto de um rapaz maisvelhoebonitoparaterasensaçãodequeiriaexplodir.SeumfamosonaTV,comoLoganOxford,jáeraosuficienteparamedeixarlouca,encontrarseuequivalentenavidarealerademaisparaaguentar.Macdeuapartidaemanobrouaindaemsilêncio.Enfim,falou:
— O único momento em que desejo que realmente tivéssemos outroentregadoréquandoreceboumpedidodaqui.—Você é bem popular— comentei. Pela cara que ele fez, vi que não
teriaescolhidoaqueleadjetivo.—Que foi?Algumaspessoassesentiriamlisonjeadascomtantaadmiração.—Vocêsesentiria?Penseiumpoucoantesderesponder.—Provavelmentenão.Eleconcordoucomacabeça,comoseesperasseaquelaresposta.— Mas já estou acostumada a ser invisível — continuei. — Então
qualqueratençãojámedeixanervosa.Sempre tinha pensado nisso, mas nunca dissera em voz alta. Foi a
primeiravez—longedeseraúltima—quecompreendiqueacompanhiade Mac tinha esse efeito sobre mim. Antes que eu conseguisse merecompor,elefalou:—Você?Invisível?—Elemelançouumolhareligouasetadocarro.—
Sério?—Porquê?—Ésóque…nuncateenxergueidessejeito.Aessaspalavras,olheibrevementemeureflexonoretrovisoreimaginei
comoelemeenxergava.—Bom,équevocênãoconhecemeuirmão.Estávamosnumsemáforo,jáquaseparados.—Eletempersonalidadeforte?Olheipelajanela,dessavezfazendoquestãodenãoveroreflexodomeu
rosto.— Ele… Quando ele está por perto, atrai toda a atenção. Não dá pra
enxergarmaisnada.Eutambémsintoissopertodele.—Masàsvezesémelhornãoservisto—eleconfessou.—Antesdeeu
emagrecer, as pessoas ou me encaravam ou faziam um esforço enormeparanãomeencarar.Eupreferiaasegundaopção.Aindaprefiro.Pensei em todas aquelas garotas no ginásio o observando pela janela.
Como devia ser estranho passar de uma aparência para outracompletamente diferente. Chamar atenção por um motivo diferente emesmo assim não se sentir confortável. Talvez a invisibilidade não fossesempreruim.—Achoqueo ideal seriaummeio-termo.Querdizer, ser reconhecido
semserofocodasatenções—falei.—É—eledissequandoosemáforoabriu.—Seriabom.
Derepentetomamosumafechadadeoutrocarro,eMacmeteuamãonabuzina.Asenhoraatrásdovolantenosmostrouodedo.Queótimo.—Aindanãoacreditoqueeravocênasfotosquevi—comentei.—Você
perdeumesmotodoaquelepesosócomdietaeexercício?—Umadietarígida—elerespondeu.—Sabeaquelabolachaquevocê
experimentou?Eraaminhasobremesa.Emontesdeexercício.—Comopassearnafloresta?Elemelançouumolharsevero,maslogoabriuumsorriso.— Um lugar para se exercitar de graça nos fundos de casa — ele
explicou,esticandoosdedosnovolante.—Nãotinhadesculpa.Semprequesobravatempo,iaprafloresta.LevavaoGPSemarcavaotrajeto,entãosabiaadistânciapercorrida.Pensei nomapa cheio demarcações a lápis na parede do quarto dele.
Eramoscaminhosporondepassava.—Evocêaindaencontrouocarrossel.—Foiumdiaincrível.Fizumacurvaeláestavaele.Pormuitotemponão
contei pra ninguém, nem pra Layla. Mas depois acabei cedendo. Era umsegredomuitobomparadeixarguardado.Bonssegredos,pensei.Queideiainteressante.— Sinto falta de andar no meio do mato— falei.—Meu irmão e eu
costumávamosfazerissodireto.—Asárvorescontinuamnomesmolugar—eledestacou.—Verdade.PenseiemPeytoncaminhandoàminha frente,noruídodas folhasque
euesmagavacomospassos.—Masagoraédiferente—retomei.—Maisassustador.—Sério?Concordeicomacabeçaevislumbreiamedalhinhaemseupescoço.—Talvez eu esteja precisando de um santo protetor. O padroeiro dos
andarilhos.Oudasflorestas.—Comcertezaexistem—eleafirmou.—Temsantopratudo:ferreiros,
contadores.Divórcio.Qualquercoisa.—Vocêéespecialista,hein?—Minhamãeé.—Elerecostounoassentoquandoparamosemoutro
semáforo. — Ela sempre gostou da ideia de proteção, principalmentedepoisque ficoudoente.Nãoacredito tantonisso,masachoquemalnãofaz,sabe?Às vezes isso é o melhor que se pode esperar. Nem vantagem nem
punição.Apenasalgonomeio.
—Sei—concordei.Voltamosaolugarondetínhamosnosencontrado.ComoLaylaaindanão
tinhaaparecido,estacionamospertodacalçadaparaesperareMactirouoalicatedafiaçãoparadesligaromotor.—Ah, obrigada— eu agradeci a ele depois de umminuto.—Porme
levarjunto.—Vocêgostadefazerentregas?Volteiorostoparaele.—Parasersincera,gosto.—Mesmo?—Mesmo.—Fizumapausaebaixeiosolhos.—Dápravertodasessas
pessoasemlugaresdiferentes.Sãocomopequenosretratosemtemporealdomundointeiro.Éestranhopensarassim?—Sim—elerespondeucomseriedade.—Muito.—Quebom—ironizei.—Brincadeira, brincadeira.—Ele estendeu amão e tocoumeu pulso
levemente.—Entendooquevocêquerdizer.— Mas você acha maluquice enxergar um simbolismo profundo nas
entregas?—Umpouco—ele reconheceu.Fecheiacara.—Masatégosto.Fazo
trabalhoparecermaisnobre,importante,oualgoassim.—Eusoutãoidiota—falei,maisumavezdandovozaumpensamento
guardadoportantotempoquejáfaziapartepermanentedomeucérebro.—Énada—eledisse,apertandoosseusdedosnomeupulso.Passamos um instante apenas olhando um para o outro. Era o fim de
umatardedeoutono,océunumtomderosaquesóapareceantesdopôrdosol,comoseodiasecurvassepararecebernossosaplausos.Euestavanumlugarnovo,comalguémquenãoconheciamuitobem,emesmoassimpareciaacoisamaisnaturaldomundomeinclinarparaafrentejuntocomMac até ficarmos face a face, os dedos dele ainda no meu braço. EntãoSpenceeLaylaestacionaramdonossolado.Nosafastamos rápidoassimqueelabaixouovidroda janela.Mesenti
culpadanahora,semsaberoqueelatinhavisto.MasfoiLaylaquedisse:—Ei,desculpem.Spencesorriu.—VocêdeveserMac.—Isso.Silêncio.Comexceçãodomeucoração,quelatejavanopeitoenosmeus
ouvidos.Masninguémouvia.Pelomenoseuesperavaquenão.
—Nãoédemaisestecarro?Igualaqueleemquevocêestavadeolho—Layla disse a Mac com pressa demais. Como ele não respondeu, elasuspirou.—Olha,nãoéculpadeleeunãotercontadopravocê.Sóestavapreocupadacomareaçãodopapai.—Reaçãoaosseussegredosementiras?—Macperguntou.—Achoque
nãovaiserboa.—Ótimo—eladisseerguendoasmãos,derrotada.—LevoSpencena
Seasideamanhã,o.k.?Vaitedeixarfeliz?—Nãosoueuquetenhoqueficarfeliz—Macrespondeu.Eacrescentou:
—Precisamosir.Amamãeestáesperando.LaylavoltouaolharparaSpenceedepois,paranós.—Vousómedespedir,tá?Antes que Mac pudesse responder, eles arrancaram com o carro e
estacionaram à nossa frente. À medida que o tempo passava, comecei aimaginaroqueaconteciaatrásdaquelesvidrosescuros.Mac,aparentandoomesmodesconfortoqueeu,cutucavaumpedacinhosoltodovolante.Seráque tínhamosmesmoquasenosbeijado?Parecia tão surreal, comose eutivessesonhado.Ou,senão,eraomelhorsegredodetodos.—Bem—eudisseafinal—,achoquetambémprecisoirpracasa.—Quercarona?—Nãoprecisa.Nãodánemduasquadras.Abriaporta.—Obrigadapormelevar.Foilegal.Deverdade.—Disponha—eledisse.Abriumsorrisoedescidocarro.Quandofechei
aportaecomeceiaandar,ouviMacchamar:—Ei,Sydney.—Sim?— Você vestia uma camiseta com estampa de cogumelos; seu cabelo
estavapreso.Brincosprateados.Pizzadepepperoni.Nãoquispirulito.Olheiparaele,confusa.Laylavinhananossadireção.—AprimeiravezquevocêentrounaSeaside—eleesclareceu.—Você
nãoerainvisível,nãopramim.Sópravocêsaber.Não sabia o que dizer. Fiquei ali, imóvel. Spence saiu com o carro
buzinandoeLaylasubiuondeeuestiverasentada.—Vamos—eladisseparaMac,edepoisolhoupramim.—Nosvemos
amanhã?Mac deu a partida no motor e nossos olhos se encontraram de novo.
Layla tinha enfiado a cabeça dentro da bolsa, já distraída à procura dealgumacoisa.Por isso,nãonotouque foiparaele,eapenasparaele,querespondi:
—Sim.Atéamanhã.
15
TenteimanterdistânciadeMac. Juroquetentei.MaseradifícilcomLaylasemprenosempurrandoumparaooutro.— Eu me sinto tãomal — ela disse na Seaside, mais ou menos uma
semanadepoisdelevarSpenceparaconheceropaieoficializararelação.Ele já não faziamais trabalho voluntário à tarde como antes— Layla
alegava que ele tinha se sobrecarregado e que decidiumaneirar,mas euimaginei que já devia ter cumprido as horas obrigatórias—, então eu sóencontravaminhaamiganosdiasemqueeletinhaoutroscompromissos.—Nuncaquisseragarotaquetrocaamelhoramigapelonamorado—
elalamentou.—Vocênãometrocou—eudisse.—Estamosaquiagora,nãoestamos?Ela fez que sim e pegou a borda da pizza, olhou para ela por um
momentoeajogoudevoltanoprato.—Mas quando eu não estiver, você pode fazer entregas comMac. Ele
dissequevocêgostou.— Layla — eu falei, pondo o lápis de lado —, você não precisa me
arranjarumababá.Estoubem.—Eusei,eusei—eladisse,erguendoasmãosnadefensiva.—Éque…Ocelulardelaapitoueatelaacendeu.Elaconferiuamensageme,com
um sorriso, digitou uma resposta. Era engraçado como poucas palavraseram capazes de alegrar uma pessoa. Eu entendia isso muito bem,especialmentenosúltimosdias.Desde queMacme dissera que lembrava da primeira vez queme viu,
algumacoisamudou.Antes,aideiadequepoderíamosficarjuntoseraumafantasia distante, o mais ridículo dos devaneios. Mas naquele momento,com Layla obcecada por Spence e nós dois passandomais tempo juntos,sem falar no que quase tinha acontecidona caminhonete…havia algo deinevitável no ar. Já não era mais uma questão de “se”, mas apenas de
“quando”.— São vinte e seis e quarenta e dois descontados no seu cartão de
crédito— informeià senhora comcaradeacabada, vestida comcalçademoletom e um cardigã amarrotado. Atrás dela, do outro lado da porta,várias crianças pulavam num sofá diante da TV, que exibia desenhosanimados.Emsilêncio, elapegouasduaspizzasdasminhasmãos.Assimqueme
deuagorjeta,umadascriançassedesequilibroudosofáecaiuno tapetecomumbaque.Pausa.Quandoochorocomeçou,elafechouaporta.— Cinco dólares— falei para Mac ao subir na caminhonete.— E eu
estava certa: pizzas só de queijo são sinal de crianças, várias crianças. Evocêperdeuumadelascaindodecaranotapete.—Droga—elefaloueengatouaré.Quandofuicolocaranotanocopo
plásticoqueficavanopainel,eledisse:—Ésua.Vocêquetrabalhou.Olheibemparaele.—Eusófuiatéaporta.—Jáconta—eleinsistiu.Guardeianotacomasoutrasmesmoassim.Depois de uns dias de entregas juntos, tínhamos desenvolvido um
sistema:MacdirigiaecontrolavaospedidosàesperanaSeaside;eucorriadeumladoparaooutro,parapegaracomidaealevaratéosfregueses.Eleachava que era eficiente, que gastava melhor o tempo programando apróximaparadaeasnossasviagensdevoltaparapegarmaispedidos.Maseutinhacertezadequeelesóqueriaqueeurealizasseminhavontadedeveroquehaviaatrásdasportas.— Universitárias— relatei depois de voltar da parada seguinte, uma
casa grande e amarela bem em frente à faculdade. — Eu devia teradivinhadocomtodasaquelassaladas.—Vejasóvocê:aadivinhadoradasentregas.—Masháciênciaportrásdisso—eudisseaobotaragorjetanocopo.
Quandosenteinobanco,repareiqueeleestavameolhando.—Quefoi?—Nada—elerespondeu,balançandoacabeça.Eramapenasalgumashoras,maisoumenosa cadadoisdias,masnão
importava:aquelesmomentos logose tornaramamelhorpartedaminhasemana.Laylatalveztenhasentidoanecessidadedesedesculparporterseapaixonadotãorápido.Elanãopercebiaqueeuestavafazendoomesmo.Foientãoquemeucelularapitou.MaisumamensagemdeJenn,umadas
várias que trocamos na tentativa de arranjar um horário para nos
encontrarmos.Comotrabalhodelademonitoria,suasváriasatividadeseminhanovarotinacomMac,tínhamospassadodepelomenosumencontrosemanalparaquasenenhum.Elaescreveu:
Frazier,às5?Saioàs4h30.Merpodechegarumpoucodepois.
Olheiparao relógio:quatroda tarde,oqueaindamedavaduashoras
comMacantesdeterquevoltarparacasa.PenseiemLayla,emtodasassuasdesculpas,emesenticulpadadepôr
asamigasemsegundoplanoporcausadeumgaroto,aindamaisumquenemerameudeverdade.Mesmoassim,escrevi:
Nãoposso.Amanhã?
Elarespondeu:
Ficoforaatésegunda.Semanaquevemcomcerteza.
Isso me deixava com mais duas tardes inteiras sem outros
compromissos. Jenn era uma boa amiga, mesmo que não tivesseconsciênciadisso.Digitei:
Combinado.Bjs
A última entrega do dia era em Arbors, logo na entrada principal do
bairro.Eramduaspizzastamanhofamíliadepepperonicomqueijoextra,eeu apostava que os clientes eram homens que provavelmente estavambebendo cerveja. Em vez disso, quem abriu a porta foi uma mulherpequenaebronzeadacomroupasdeginástica.Elamechamoude“querida”edeudezdólaresdegorjeta.Euestavaachandoquetinhaperdidoo jeitoda coisa quando vi o adesivo na caminhonete parada em frente à nossa:CARPINTARIABASSET.ESPECIALISTAEMDEQUES.Lanceiumolharparaoquintaldosfundosevivárioscarasabrindoaspizzas.Ebebendocerveja.— Você é igual a Layla com aquela coisa dos rostos—Macme disse
quando lhe contei.— Apenas garanta que vai usar seus poderes para obem,nãoparaomal.—Voutentar—respondiaosairmoscomocarro.Tínhamosavançado
apenasalgunsmetrosquandoviumacoisa.—Ei,pareumpouquinho.Eleparou.Eeubaixeia janelaparavermelhor.Logodooutro ladoda
rua,depoisdacalçada,haviaumpequenoburacoentreosarbustos.—Quefoi?—Macperguntou.—Estávendoaquelaabertura?Entreaárvorefinaeotoco?Eleesticouocorpoporcimadomeuparaenxergar.—Estou.—Costumavaseramelhortrilhadobosque.Davaparaentrarbemaqui,
ondeascasascomeçam,eseguirocaminhotodoatéapartedetrás,ondeficaaminhacasa.Quilômetrosequilômetros.Semprenosperguntávamosquemteriaabertoatrilha.—Provavelmentecriançascomovocês.—Tinhaumtrecho—continuei;umcarroreduziuenospassou—com
umavala enorme.Gigante. Alguém tinhadadoum jeito de derrubar umaárvoreporcima,eagentecostumavadesafiarunsaosoutrosaatravessaroburacoseequilibrandonotronco.—Vocêatravessou?—Semchance—disse,aoscalafrios.—MasPeytonsim.Elefoioúnico
quevifazerisso.Contaressahistóriabastouparaqueeuvisseacenanítidanacabeça.As
árvoressemfolhasdofinaldooutono.Océuamploeazul.Eeueaquelesgarotosmais velhos que encontramos no bosque naquele dia, assistindomeu irmãoenquantoelepunhaumpéna frentedooutro,devagarecomfirmeza,atéchegardooutrolado.—Podemosirlásevocêquiser—Macdisse.Distraída,mevireiparaele.
—Temostempo.Vocêpodememostrar.Olhei mais uma vez para a trilha. Mal dava para enxergá-la. Quem ia
sabercomoelaestava,oquehaviaporládepoisdetantotempo?Partedemim queria ver, especialmente por ter companhia. Mas outra parte, quefaloumaisalto,nãoestavapronta.Aindanão.—Talvezoutrodia—respondi.Àsseisdatarde,comosempre,voltamosàSeasideparaeupoderirpra
casa.Mac,porsuavez,continuavacomasentregasatéofimdoexpediente.Eu geralmente passava o resto da noite imaginando o que ele estavafazendo.Nuncame ocorreu que ele talvez fizesse omesmo em relação amim.Masnaquelanoite,quandoeuestavasentadanacamacomolivrodeinglês,meucelularapitou:
3especiais,2pepperoniechampignon.6porçõesdepãodealho.Valendo.
Comumsorriso,respondi:
Deveserumtime.Sóhomens.
Pausa.Tenteivoltarparaolivro.Enfim,aresposta:umafotodaplacana
frentedoBoliche7-10.EocomentáriodeMac:
Impressionante.
Respondi:
Façooqueposso.
Eleescreveu:
Umdiaeutepego.
Rialtonaminhacama.
Vamosver.
Foiassimquecomeçouatrocademensagens.Laylajánãoeraaúnicaa
manterocelularàmãootempotodo.Ànoite,enquantoeujantavaoufaziaa lição de casa e Mac rodava pela cidade, mantínhamos contato. Era amelhorcoisaqueeupodiafazerquandonãoestavacomelenasentregas.Outalvezamelhorcoisaeponto.— Esta é uma chamada a cobrar de um interno da penitenciária de
Lincoln.Vocêaceitaacobrança?Dava para ouvir a porta da garagem abrir para o carro daminhamãe
entrar. Em apenas cincominutos, ela estaria dentro de casa.Mas Peytonligoubemnaquelemomento.—Sim—respondi.Depoisdeumcliquenalinha,ouviavozdomeuirmão:—Alô?—Oi.ÉaSydney.
—Ah,oi—elelimpouagarganta.—Comovocêestá?—Bem—respondi.—Amamãeacaboudechegar.Daquiapouquinho
estaráaqui.—O.k.Permanecemosemsilêncioporunsinstantesouvindooruídodefundo
dalinha.Porfim,eleperguntou:—Ecomoestáaescola?DisseramquevocêestánaJacksonagora.—Tudobem—respondi.—Édiferente.Masfizalgunsamigos.—Émaisoumenosissoquepossofalardaquitambém—elecomentou,
rindobaixo.—Masescolheriafácilirparaaescolaemvezdeficaraqui.Eeuodiavaaescola.— Odiava? — Estava realmente surpresa. Apesar de tudo o que
aconteceu,jamaisduvideiquePeytonsedivertisse,pelomenosquandonãoarrumavaconfusão.—Ah,semdúvida—eledisse.—Talvezporissoeufossetãoimbecil.A
tristezafazaspessoasagiremcomoidiotas.Era tão estranho ouvir ele falar daquele jeito. Era como se eu não o
conhecessenemumpouco.—Porqueeratãoruim?Eleficouquietoporunsinstantesantesderesponder:—Não sei. O de sempre.Notas baixas, pressão do pai e damãe. Você
sabe.Só que eu não sabia. Não mesmo. Pra mim, ser o primogênito só
implicavarecebertodososprivilégios.Nuncatinhapensadonooutroladodamoeda,naresponsabilidade,nofatodeseroprimeiroapassarportodasassituações.Comissoemmente,falei:— Eu vi aquela trilha ontem. A que a gente pegava para o bosque.
Lembra?Eleficouquietoporummomento.—Lembro.Ondetinhaavala.— Isso — confirmei. — Você até atravessou daquela vez que te
desafiaram— ao dizer isso, tomei consciência do quanto queria que elelembrasse.Outrapausa.Eentão:—Nãofoiumdosmeusmelhoresmomentos.Mais uma vez fiquei surpresa. O quemais enxergávamos demaneiras
diferentes?—Masvocêconseguiu—insisti.
—É.—Elesuspirou.—Comodisse,jáfizmuitaidiotice.Nenhum de nós falou pelo que pareceu um longo tempo. Foi tão
constrangedorquefinalmentedisse:—Então,estouansiosaparaavisita.Todosestamos.—Quevisita?—eleperguntou.—Aformatura.Doseucurso—expliquei.—Amamãesófaladissofaz
umtempão.—Vocêvaivir?—suavozsoavasurpresa.—Vou.—Ah.—Pausa.—Vocêsabequenãoprecisa.— Não tem problema. A mamãe disse que você preencheu um
formuláriopramim—contei.— Preenchi.Mas só para…— Ele hesitou.—Na verdade, não vai ser
grandecoisa.Duvidoqueafamíliadealguémmaisvávir.—Masamamãeestáplanejandotudo.—Está?— Sim. — Finalmente ouvi minha mãe pôr a chave na porta. — Eu,
hum…Vaiserbomvervocê.Finalmente.Silêncio.Sóqueumsilênciodiferente.Daquelesqueindicamnãosóque
ninguém está falando,mas que uma coisa bem específica não está sendodita.Minhamãeentroucomduassacolasdecomprasdomercadoeabolsapenduradanoombro.—Sydney,vocêjáchegou.—Éamamãe?—É.—Possofalarcomela?—Claro.—Caminheiatéela,quecomeçavaadescarregarascoisas.—
Mãe.ÉoPeyton.—Ah!—Elavirouparamimcomumsorrisoepegouotelefone.—Oi,
querido.Quesurpresaagradável.Comovocêestá?Volteiparaamesadacozinhaetireioprato,agoravazio,emquehavia
comidoumafatiadepizzadaSeaside.Sótinhadadoumapassadarápida,pois Layla estava com Spence, e Mac, no ensaio da banda. Minha pizzadepois da escola já tinha se tornado um hábito forte demais paraabandonar,mesmoquandoeueraabandonadaporeles.—Bom,eujátedisse.FoiaMichellequemecontou—minhamãefalou
aotelefoneenquantoguardavaumalatadesopanoarmário.—Aativistacomquemestouconversando.Elameajudaa lidarmelhorcomodiretordaí.
Fui botar o prato na lava-louças. Algo na voz da minhamãe, um tomdefensivo,mefezfecharaportadamáquinadevagar,semfazerbarulho.—Sim,fizisso,Peyton—elacontinuava.—Váriasvezes,naverdade.—
Ela pegou outra lata, mas não guardou. — Não, eu lembro bem dessaconversa.Masvocêdissequeestariaprontoemalgummomento.Foiporisso que preencheu o formulário. E pensei que essa seria uma grandeoportunidade…Davaparaouvirmeuirmãofalandodooutroladodalinha.Muito.—Tenhoplena consciênciadisso—eladissedepoisdeum tempo,de
maneiratãoabruptaqueestavaclaroquetevedeinterromper.—Porquenão concordo que por isso devemos abandonar você ou não reconhecersuasconquistas.E…Pegueiamochila,certadequeerahoradesairdefininho.—Bom,nãoéissoqueaMichelleacha.Enemeu.—Elasoltoualatano
balcão, com raiva. — Bom, espero que sim. Acho que se você tirar umtempoprarefletirmelhor…OutrainterrupçãodePeyton.Maisaltadessavez.— Acho que é melhor não falarmos sobre isso agora. Você está
claramente irritado e…—Euapenas a observei levar amão ao rosto.—Tudobem.Sim.Ótimo.Falamosdepois.Minhamãedesligouo telefoneesuspirou.Semsaberoque fazer,virei
paraajanela,ajeiteiamochilanascostaseolheiparaarua.Umminutosepassou. Depois outro. Então ela saiu da cozinha e ouvi seus passos naescada.Pelo que eu sabia, era assim que muitas das conversas entre os dois
terminavam,entãoeugeralmentenãoficavaporpertoduranteasligações.Masfaziatempoquenãoviaminhamãetãochateadaecomeceiapensarsenãoeraocasodeirfalarcomela.Eunãotinhaaspalavrascertas,nemfaziaideia de quais poderiam ser. Então resolvi apenas guardar as compras.Assim,quandoelavoltasseàcozinha,pelomenosumacoisaestariadojeitoqueelaqueria.—Ouçam—Ericanunciou.—Tenhograndesnotícias.Eufuiaúnicaaolharparaele.Ericerafãtantodeanúnciosquantode
pronunciamentos: não bastava informar, tinha que ser uma entrevistacoletiva.Osoutrostinhamconvividocomeleportemposuficienteparanãoentraremsuaondadefalatórios.—Ésobreaseñorita?—Irvperguntou.
Ericolhouparaele.—Quem?Mac,quecomiasuasbolachasenquantofaziaaliçãodehistória,engoliu
oquetinhanabocaefalou:—Agarotadasuasaladeespanhol.Aquelaquevocêtinhacertezaque
estavaobcecadaporvocê.— Ah, não — Eric fez um gesto com a mão: a señorita tinha sido
esquecida.—Émaisimportantequeisso.Ésobreabanda.Comisso,eleganhouaatençãodeMacetalvezdosoutros.—Abanda?Eric,sorrindo,sentounapontadobancoemqueeuestava.—Bom,émeiosobreLayla.Mastambémsobreabanda.—Hein?—Laylaperguntoudaoutrapontadobanco.Comosempre,ela
estava com o celular na mão, decidida a não perder a chance de trocarmensagenscomSpenceno intervalodoalmoço.Celulareseramproibidosna W. Hunt, mas mesmo assim quase todos os dias Spence conseguiaescreverpraela.—Oqueeutenhoavercomisso?Agora que Eric havia prendido nossa atenção, estava determinado a
demoraromáximopossívelpararevelaroquetinhaemmente.Assim,sónos restou observá-lo tirar um panfleto do bolso, desdobrá-locuidadosamenteeenfimmostrarparanós.—Vamosnosinscrevernisto.Evocêvainosajudar.Opanfletoanunciavaemletraspretasegrandes:
FESTIVALDOSCAIPIRASCINCOBANDAS,UMPRÊMIO.INSCRIÇÕESABERTAS.
INFORMAÇÕESEM:BENDO.COM/CAIPIRAS
— Essa é a grande notícia?—Mac perguntou.— Já participamos de
festivaisantes.— Este não é só mais um festival — Eric respondeu. — É uma
competição,equemvencerpodegravarumálbumdemo.—Eoqueissotemavercomigo?—Laylaperguntou.— É o que vou dizer. — Silêncio. Mac olhou para mim e soltou um
suspiroenquantoesperávamosaboavontadedonossoamigo.Porfim,EriccontouaLayla:—Vocêénossaarmasecreta.—Desdequando?—elaperguntou.—Desdequeeufizumapesquisaedescobriquepoucasbandasporaí
têmmulheresnovocal,ouemqualquerfunção,aliás.Todassãocomonós,
centradas em caras. Com você na frente, vamos nos destacar. Aumentarnossaschances.—Esperaaí—Laylapôsocelulardelado,oquesignificavaqueiafalar
sério.—Vocêestádizendoquevaimedeixarseravocalista?Porqueissodefinitivamentenãoédoseu feitio.Anãoserquevocêtenha levadoumapancadanacabeçaeeunãoestejasabendo.—Essainsinuaçãomeofende—Ericprotestou.—Sempreboteiogrupo
emprimeirolugar.Irvcaiunagargalhadaaoouvirisso.Mac,porsuavez,perguntou:—Qualéapegadinha?—Nãotempegadinha.Sóqueroganhar—Ericdisse.—Emtodocaso,
Layla não ia ser a vocalista principal. Só cantaria umamúsica sozinha, anova,easoutrasduasseriamdorepertóriodesempre.—Entãosouumavocalistaconvidada?—Vocêéintegrantedabanda!Comotodososoutros!—Sóquenão—elarebateu.—Maseles—Ericreagiu,agitandoopapelnafrentedela—nãosabem
disso. Nem precisam saber. A gente ganha o concurso, leva o prêmio egravamosoquequisermos.—Nãosei—eladisse,voltandoapegarocelular.—Nãotenhoestado
muitoafimdecantarultimamente.Ericolhoubemparaelaesuplicou:—Vocêprecisanosajudar.—Naverdade, nãopreciso—eladisse enquantomexiano celular.—
PeçaparaRosie.Éelaquetemamelhorvozmesmo.—NãoqueroRosie.Querovocê.Aíeleganhoutodaanossaatenção.Nãoimportavaqueeleestivesse,em
teoria,falandodabanda.OfatodequeEricaindapensavaemLaylamesesdepois do fim do curto relacionamento entre os dois era tão conhecidoentre nós quanto seu ego gigante e sua tendência a se exibir. Contudo,aquelafoiaprimeiravezqueotestemunheifazendoumareferênciaaissoem voz alta. Ele também percebeu o próprio escorregão, e seu rostocomeçouacorar.—Vocêpartedoprincípiodeque estaremospreparados—Mac falou
paraquebraroestranhosilêncioqueseseguiu.—Acontecequefazpoucotempoquevoltamosaensaiar.Enemtemosumnome.—Sãoapenastrêsmúsicas—Ericdisse.—Esóumanova.—Quandoéaeliminatória?—Nãotemeliminatória.Ainscriçãoéfeitacomumademo.
—Oquê?—Macbalançouacabeça.—Entãonemadiantadiscutir.—Porquê?—Porquenãotemosumademo?Nemdinheiroparaproduziruma?—Nãodevesertãocaro.—Mastambémnãoébarato.—Bom,euganheiumdinheirodeaniversário.Vocêtrabalha.Achoque
ospaisdoFordpoderiamentrarnavaquinha…Ele parou por aí. Claro que ainda não tinha pensado nessa parte do
plano.Layla,quevoltaraaocelular,oencaroucompiedade.Osinaldaescolatocouetodoscomeçamosajuntarascoisas.Ericficou
nobanco,deprimido,enquantoorestodenóslevantouesaiuemdireçõesdiferentes.—Vaihaveroutrofestival—Irvdissedando-lheumtapinhanoombro.
—Comaudições.Prometo.—Tábom,tábom.—Ericdeudeombros.Pegueiamochilae segui—devagar—emdireçãoaoprédiodeartes,
ondeteriaapróximaaula.AsextaauladeMaceranamesmadireção,entãosubimosaescadajuntos.Eric,quetinhaaquelehoráriolivre,permaneceunobanco,comoviolãoaospés.—Coitado—comentei.—Pareceumgarotinhoquederrubouosorvete
nochão.—Elevaisobreviver—Macdisse.—Etalvezissoomotiveaarrumar
umemprego.Aíteríamosdinheiroparaumademo.—Étãocaroassim?Eleajeitouamochilanoombro.—Ademoemsi,não.Otempodeestúdioqueencarecetudo.Nãopenseimaisnesseassuntoduranteaauladeecologiaeaprovade
matemáticaquevieramdepois.Foinaúltimaaula,quandoaprofessoradeinglês,asra.Feldman,falavademetáforas,queumaideiameveioàcabeça.Talvezhouvesseumjeitodeeuajudarmeusamigos,pravariarumpouco.Naquelatarde,aochegarnaSeasidedepoisdaescola,eraeuquemtinha
umplano.—Espere—Macdisse.—Vocêtemumestúdiodegravaçãoemcasa?— Inacabado— falei.— Meus pais estavam construindo para o meu
irmão.—MeuDeus,éverdade!—Layladesviouaatençãodajaneladafrente,
ondesempreesperavaparaverSpencechegar.—Eeufuilá!Comoesquecidisso?—Bem—eufalei—,foiumanoitemeioestranha.
Elapensouporumsegundo.—Ah,é.Verdade.Fizquestãodeapagardamemória.Macolhouparamim.—Oquê?Oestúdioéassombradooucoisaassim?—Nãoexatamente—Layladisse.—Aquelecaraestavalá,oamigodo
irmãodaSydney.Lembra?—Ah.—Elemeolhou.—Verdade.Ocarasinistro.EuachavaqueeraimpossívelgostarmaisdeMac.Estavaenganada.— Com certeza não vai ter problema — eu disse. — Ninguém usa
mesmo.— Ainda assim precisaríamos de alguém para editar a demo— Mac
disse.—Mas não foi isso que Eric aprendeu a fazer ano passado durante o
verão inteiro, numacampamento?—Layla falou.—Ele voltou contandovantagem.— Estamos falando de Eric. Ele age como se soubesse fazer qualquer
coisa.—Mandaumamensagempraeleperguntando.Macpegouocelulareolhouparamim.—Vocêtemcertezaquenãovaiterproblema?Porqueseeucontarpra
ele,Ericvaifazerquenemumcachorrocomoosso.Elenãosabeabrirmãodascoisas,mesmoquandodeveria.Bemnessahora,umjipegrandeepretoestacionounafrentedapizzaria.—Spencechegou!—Laylagritouparanóseparaopai,queestavana
cozinha.—Estouindo!—Devoltaàscincoemeia—Osr.Chathamdisse.—Seisnomáximo!—ela respondeuevooupara foraantesqueopai
pudessereagir.Mac a observou subir no banco do passageiro com uma expressão de
desconfiança.SegundoLayla,eleeraassimcom todososnamoradosdela,superprotetor e receoso demais. Isso eu notava. Mas desde que Spencecomeçou a aparecer mais depois da escola, Layla andava forçando oslimites.Voltava cadavezmais tarde.Era evasiva até comigo sobreaondeiameoquefaziam.Seeutinhareparadonisso,comcertezaMactambémtinha.— Vou pedir para os meus pais, mas tenho certeza que não tem
problema— eu disse a ele quando os dois partiram.— E quero ajudarvocês.—Nãoprecisa—eledisse.
—Eu sei— falei. E depois, olhandopara o celular dele, completei:—MandaamensagemproEric.Podedaroossoprocachorro.ClaroqueEricgarantiuquepoderiacuidardetudosetivesseumestúdio
e sugeriu que tentássemos no dia seguinte ou, se não fosse possível, nopróximofimdesemana.Sófaltavaaautorizaçãooficial.Enãoseriadifícilconseguir.Entreina cozinhaduashorasdepois.Geralmente às seisminhamãe já
estavacomasuatradicionaltaçadevinhoservida,ojantarquaseprontoeastípicasperguntassobreodianamanga.Naqueledia,porém,nemsinaldela.DeixeiamochilanamesaesubiparaaSaladeGuerra.Aportaestavaentreaberta,epudeouvirsuaconversa.—Sóestoucomasensaçãodequetemmaisalgumacoisaacontecendo
—eladizia.—Eletemseirritadocomtantafacilidadenasnossasúltimasconversas.Nãoquerfalarsobrenada.Eaívaiteraformatura…Ela se calou para que a pessoa na outra ponta da linha falasse. Lá
embaixo,meupaiacabavadeentrar.— Cheguei a ler que o fim dos primeiros três meses marca uma
transição. A sensação de novidade desaparece e ainda faltamuito para apena acabar. — Outra pausa. — Bom, isso faz bastante sentido. Peytonnuncagostoudeconversarsobreoquesentia.Naverdade,achoqueessaincapacidade é a culpada de boa parte dos problemas dele. Se aomenosconseguissesersincerosobreadorquesente…—Julie?—avozdomeupaisoouaopédaescada.—Vocêestáaíem
cima?Aparecinocorredoreavisei:—Estánotelefone.—Ah—eleolhouparaa cozinha, claramente seperguntandosobreo
jantartambém.—Tudobem.—Nossa,jáéessahora?—minhamãedisseaosairdasala.Aomever,
abriu um sorriso cansado.—Não sei onde a tarde foi parar. Acho que émelhoragenteveroquedápraprepararprojantar,né?Fizquesimcomacabeçaeaseguiatéacozinha,ondemeupaiabriauma
cerveja.—Dialongo?—eleperguntou.—Demais—elarespondeuaoabrirageladeira.—Vejamos.Euestava
prestes a fazer carne de porco quando fui interrompida. Acho que aindatemosumpoucodefrangoaqui…— Ou podemos pedir comida — sugeriu meu pai, que gostava de
praticamentetudo.
—Podemos—minhamãeconcordou.Elafechouaportadageladeiraevirouparamim.—Que talpizza?Sydneyme levounum lugardelicioso.Elesentregam,
nãoentregam?—Sim—confirmei,surpresa.—Claro.—Perfeito.Oquevocêacha,Peyton?Umagrande,meiaespecial,meia
romana?— Que tal uma especial grande e uma romana grande? — meu pai
sugeriudenovo.—Eulevoassobrasparaalmoçaramanhã.Essaideiaestavalongedemesurpreender.Meupaieracapazdecomer
pizza aqualquerhoradodiaoudanoite comseuapetite aparentementeinfinito. As sobras nunca duravam na nossa geladeira, mesmo quandoalguém tentava separar um pouco escrevendoonome na embalagem. Eusabiaissoporexperiênciaprópria.—Ótimo—minhamãedisse.—Podeligar.Euligueieosr.Chathamatendeu.—Sydney!Háquanto tempo.SevocêestáatrásdeLayla, elanãoestá.
Meiahoradeatrasojá.Denovo.Oh-oh,pensei.—Naverdadeeuqueriafazerumpedido.—É?—elesooucontente.—Ótimo.Oquevaiser?Falei o que queríamos. Ele pegou o número do cartão daminhamãe,
disse que ia incluir uns pães de alho — apesar de eu insistir que nãoprecisava—equeMacestarianaminhacasaemvinteminutos.Depoisdedesligar,fuiescovarocabelo,trocardecamisetaepassarum
poucodegloss.Quandodesciaescada,meupaimeencarou.—Ondeéafesta?—Nãotemfesta—respondi,tambémsoboolhardaminhamãe.—Só
acheiquetinhavoltadomuitoacabadadaescola.— Está bem arrumada para uma pizza— ele observou e começou a
folhearojornaldaquelamanhã.—Euachoqueestábonita—minhamãefalou,abrindoumsorrisopara
mim.Revirei os olhos. Era um momento simples, mas parecia tão
maravilhosamentenormal que tivevontadedeguardá-lo.Meuspaiseeu,pizza num dia de semana: a típica cena familiar. Pelomenos por algunsminutos.Talvezporissodecidi,naquelahora,mencionaroassuntodoestúdio.—Então,mãe,queriapedirumfavor.
—Oqueé?—Bom,sabeoirmãodaLayla,Mac?Vocêoconheceunapizzaria.—Sim,eulembro.— Ele tem uma banda. E eles precisam gravar uma demo para um
festivaldequequeremparticipar.Seráqueelespodiamusaroestúdioládebaixo?Elaolhouparaomeupai,quecorriaosolhospelocadernodeesportes.—Nãovejoporquenão.—Sério?—perguntei.—Depoisdetodootrabalhoquetivemos,bemquealguémpodiausar,
nãoacha,Peyton?—Comcerteza—meupairespondeu,deumjeitoquedeixoubemclaro
quenãotinhaouvidonada.—Quedemais!—exclamei.—Obrigada.Deverdade.Elameolhousurpresaesorriu.—Denada.Foi entãoqueo telefone tocou.Pensandoquepodia ser a Seaside com
algumaperguntasobreopedido,atendinoato:—Alô?— Esta é uma chamada a cobrar de um interno da penitenciária de
Lincoln.Vocêaceitaacobrança?—Sim—eudisse,eentãoespereipeloruídoepeloclique.—Peyton?Ao ouvir o nome domeu irmão,minhamãe cravou os olhos emmim,
alerta,preocupada.—Oi—Peytondisse.—Quaissãoasnovidades?—Nãomuitas.Vamosjantar—respondi.—Amamãeestáporaí?—Está.Umsegundo.Ela já estava ao meu lado, com a mão pronta para pegar o telefone.
Quandolheentreguei,elaacariciouminhacabeçaantesdelevaroaparelhoaoouvido.—Oi!Comovocêestá?Empolgadocomaformatura?Quandominhamãe foi para o outro lado da cozinha,meu pai abriu a
geladeira,deuumaolhadanoquetinhadentroetomouumgoledecerveja.Olheinorelógio:passaram-sedezminutos.LogoMacchegariaeeupoderianãosócontaraboanotíciasobreoestúdiocomotambémapresentá-loaomeupai.Depois de tanto tempo coma sensaçãodeque a vida estavadeponta-cabeça, as coisas finalmentepareciamvoltarao lugar.Antigamenteeunãodavavalorànormalidade.Masdepoisdetudooqueacontecera,eu
tinhaaprendidonãosóanotaressesmomentoscomotambémasaboreá-los.Oqueprovavelmenteeraumerro.—Parasersincera,nãoseideondevocêtirouisso—minhamãedisse
ao telefone. Não fazia muito tempo desde que ouvira sua voz, mas empoucos segundos tinhapassadode relaxadapara tensae aguda.Meupai,quetambémouviu,olhouparaela.—Penseiquejátivéssemosconversadosobreisso.PausaparaPeytonfalar.—Porqueéumaconquistaquedevesercomemorada.Etodososmeus
contatoseleiturasdizemque…Elaparounomeiodafrase,interrompida.—Bom, eu discordo. E acho que as outras famílias também—minha
mãecontinuou.—Julie—meupaichamou.—Oqueestáacontecendo?Elagesticulouparaqueeleficassequieto.—Simplesmentenãoentendoporquevocêfazissocomagente.Oquê?
Eudiscordo.Souumamãeparticipativa,Peyton.Esóquero…Pelo canto do olho, percebi o movimento do lado de fora. Olhei pela
janelaeviMacestacionar.— Não dá para conversar com você desse jeito — minha mãe disse,
balançandoacabeça.—Nemmedeixa…Meupaiseaproximoueestendeuamão.—Medáotelefone.Elanegoucomacabeça.Láfora,Macdesciadacaminhonete.— Julie — meu pai pôs uma mão no ombro dela. Em seguida,
delicadamente,estendeuaoutraetomouoaparelho:—Peyton,soueu.Porqueessadiscussãotoda?Com lágrimas nos olhos,minhamãe encostou no balcão e observou a
conversadosdois.Quandoacampainhatocoulogoemseguida,tivecertezaabsolutadequefuiaúnicaaescutar.Poucos minutos antes eu só queria convidar Mac para entrar e
apresentá-lo.Naquelemomento,porém,aovê-locomaspizzasnumamãoeumasacoladepapelnaoutra,desejeisairpelaportaeiremboracomele.—Oi—eledisseaoentregarasacola.—Esperoqueestejaafimdepão
dealho.Meupaimandou,tipo,umafornadainteira.Antes que eu conseguisse responder, os olhos dele desviaram domeu
rostoeseguiramalgoatrásdemim.Vireibematempodeverminhamãesubiraescadadedoisemdoisdegraus.—Ótimo—eudissecomumpassoparatrás.—Entra.
Ele entrou eme acompanhou até a cozinha, ondemeu pai acabava dedesligarotelefone.Decostasparamim,eledisse:—Suamãeestá,hum,nervosa.Ela…—Apizzachegou—eucorteirápido.Meupaivirouenosviu.—Ah,certo.—Pai,esteéoMac—eudisse.—Eleéumamigodaescola.— Prazer em conhecer—Mac lhe disse botando as pizzas namesa e
estendendoamão.—Oprazerémeu—meupaifaloueapertouamãodele.—Ouvidizer
queessapizzaéótima.—Émesmo—eufalei.—Vocêvaiadorar.Ouvimosumaporta fecharnoandarde cima.Não foibem umabatida,
masdeuparaouvir.—Então—meupaidisseaosacaracarteira—,quandodevo?—Eupusnocartão—avisei.—Ototalfoivinteetrêsequarentaedois.EleentãotirouumanotadecincoeduasdeumeentregouaMac.—Pravocê.—Obrigado.—Então,meuspaisdisseramquetudobem—falei,lançandoumolhar
aomeupai—vocêsusaremoestúdio.—Sério?—Macdisse.—Uau.Quedemais.Ericvaipirar.—Ericéovocalista—expliqueiaomeupai.—Mactocabateria.— Legal — foi o comentário do meu pai, que estava claramente
distraído. — Eu, hum, vou ver como sua mãe está. Ponha a mesa, o.k.?Prazeremconhecê-lo,Mac.—Igualmente.Meupaisubiuaescadaeeuabrioarmárioparapegarospratos,embora
estivessecertadequenãoteríamosmaisatípicarefeiçãoemfamília.—Meuirmãoacaboudeligar—expliqueiparaMac.—Estáirritadocom
algumacoisa.Éporissoqueminhamãeestáchateada.—Ah—eledisse.—Sintomuito.—Nãoéquesejaumgrandeproblema.Masestávamostendoumanoite
boa,sabe?Pravariar.Macnãocomentounada.Pusospratosnobalcãoe,láemcima,ouvimos
outraportafechando.—Pedi para vocês usarem o estúdio, e eles foram superlegais, e você
estava chegando… — Engoli em seco enquanto abria a gaveta dosguardanapos. — Estou tão cansada disso. De meu irmão significar
absolutamentetudo.Macapenasobservouenquantoeupegavaostalheres.Conteitrêsgarfos
esentiqueestavaprestesachorar.Logoestavachorandomesmo.Não foram aquelas lágrimas que brotam nos olhos devagar, ou aquele
levenónagargantaquedá tempoderespirar fundoe, talvez,controlarasituação.Emvezdisso,comeceiasoluçarderepente:peitoapertado,narizescorrendo,sonsquaseanimais.Agarreiabordadobalcão,baixeiacabeçaetenteiinspirarumpoucodearparameacalmar.Quandomeveioàcabeçaque devia me envergonhar daquela cena, senti as mãos de Mac no meuombro.—Ei—eledisse.Aspalmasdamãodeleestavamquentes.—Estátudo
bem.Tudobem,Sydney.Masnãoestava.Nadaestavabemhaviamuitotempo.Esemprequeeu
achava que as coisas estavam perto de se ajeitar, como tinha pensadomomentos antes, algo acontecia para lembrar o universo que eu nãomerecia,nãoainda.Oqueeumerecia,então?Apenasunspouquíssimossegundosemqueas
coisas pareciam bem, o suficiente parame fazer desejarmais? Era isso?Comeceiaacharquesim,quesimplesmentenãoconseguiaoquequeria,etalveznemfizesseideiadoqueera.MasquandoMacmefezvirarparaeleenossos olhares se encontraram, percebi que estava errada. Então dei umúnicopassoàfrente:primeiroumpé,depoisooutro,eosbraçosdelemeenvolveramemepuxaramparasi.
16
Peytonnãoqueriaqueeufossenaformatura.Naverdade,nãoqueriaquenenhumdenós fosse.Masminhamãe só estavadisposta a abrirmãodemim.—Nãoéqueelenãoqueiravervocêouquenãosintasaudades—ela
explicou namanhã seguinte.—Ele só prefere que vocês não entrem emcontatonaqueleambienteporenquanto.Acheiquemudariadeideiaaessaaltura,masnãomudou.Naverdade,essesentimentodospresosemrelaçãoàfamíliaébemcomum,principalmentequandosetratadecrianças.Ela falava devagar e escolhia as palavras com cuidado. Que diferença
dozehorasfaziam.Naúltimavezemqueeuavira,elatinhacorridoescadaacimaaosprantos.Namanhãseguinte, ela surgiu calma,descansadae sãdiantedacafeteira.Estavapreocupadacomamaneiracomoeureceberiaanotícia. Parecia ter esquecido que eu nem queria ir, pra começo deconversa.—Euentendo—falei.—Tudobem.Ela não tirou os olhos de mim durante o café. De repente, parecia se
importarcommeubem-estar,oqueseriabemlegalseeunãosoubesseoreal motivo de todo aquele interesse. Ao se concentrar no fato de quePeytonnãoqueriaminhapresença lá, elapodiamascararaverdademaisabrangente sobre como ele se sentia em relação à presença dela. Minhamãesempreforaboaemdiminuirosproblemas.—Comoeujádisse—elaprosseguiu—,otempodePeytonnaLincoln
serámarcadoporumasériede transições.Ébempossívelqueacarênciaemocional dele em relação a nós se manifeste como uma vontade de seafastar.Porissoéimportantepermitirqueelefaçaoquejulganecessário,demonstrando aomesmo tempo que estamos ao lado dele e não vamosabandoná-lo.Meu pai, numa das raras vezes em que podia entrar mais tarde no
escritório,entrounacozinhaajeitandoagravata.Elejátinhacomido,masmesmoassimparoudiantedofogãoebeliscouosovosmexidos.—Entãovocêaindavai?—perguntei.—Paraaformatura?—Seupaieeuvamos.VamospedirparaAmeseMarlaficaremaquicom
você.Achoqueéomelhorplano.—Nãoprecisodeninguémaquicomigo—disparei.—Querdizer,ésó
umanoite.— Jáestá tudocerto—elamedissecomosolhosnomeupai.—Não
está?—Comenteicomeleontem—meupairespondeuenquantolimpavaa
bocanopanodeprato.—ParecequearelaçãocomMarla…esfriou.Maselevaificarfelizemajudar.—Émesmo?—Minhamãearregalouosolhosparaomeupai.—Eunão
faziaideia!Elenãomecontounadasobreofimdonamoro.Com o tanto que ele e a minha mãe conversavam, era até que
surpreendente.MaseutinhaaprendidoaesperartudodeAmes.—Ele nãopareceu chateado—meupai disse commais umpoucode
ovosmexidosnaboca.—Emtodocaso,elevaitrabalharànoitenessedia,masvaitentarsairmaiscedo.—Nãoprecisa—falei,talvezcomumtomdevozfirmedemais,porque
osdoismeencararam.—Vouficarbem.—Sydney,jáconversamossobreisso.Nãoquerovocêsozinha—minha
mãedisse.—Amesficoucomvocêdaúltimavezedeucerto,nãodeu?—EuficonacasadaLayla—propus,emvezderesponder.—Comescolanodiaseguinte?Não.—Elarecostounacadeira.—Para
ser sincera, considerando o tempo que você passa lá e na pizzaria deles,estoupreocupadaquejáestamosabusando.—Entãoeuaconvidoparadormiraqui.—Depoisdepensarumpouco,
emendei:— Na verdade, podíamos usar o estúdio nesse dia. Assim nãoincomodaríamosvocês.Elaarregalouosolhos.—Oestúdio?OestúdiodePeyton?—É—eudisseenquantoelaolhavaparaomeupai,quedeudeombros.
—VocêdissequeabandadeMacpodiausar,paraagravação.— Mac? — ela repetiu como se tentasse resgatar uma lembrança
distanteeobscura.—Eunão…— O irmão da Layla. Meu amigo.— Virei para o meu pai.— Você o
conheceuontemànoite.Eupergunteiseabandadelepodiausaroestúdioparagravarumademoevocêsdisseramquesim.
— Ah, Sydney, não sei — minha mãe disse. — Mesmo se Peytonconcordasse,enósteríamosqueperguntarpraeleantes,nãodariaparasersemanossapresença.—Masvocêfalou…—Entãofaleisempensar—elameinterrompeu,denovocomosolhos
no meu pai. — Ou nós falamos. O fato é que enquanto essa história deformaturanãoacabarnãovouconseguirmeconcentrarnoresto.—Nãoéoresto—rebati.—Éaminhavida.Osmeusamigos.Pudenotarqueosdoisficaramsurpresos.Eusempreaceitaraosegundo
lugarnalistadeprioridades.Eraminhaposiçãonahierarquia.Masquandosetratavadisso—deMac—,estavadispostaalutar.Comosefinalmentetivesseummotivorealparaisso.Teriasidomelhorlutarpormimmesma.Masaquilocontavamesmoassim.— Você nem conhecia essas pessoas três meses atrás — minha mãe
disse.—Édifícilacreditarquederepenteelessãomaisimportantesqueasuafamília.—Mãe…—Chegadesseassunto—elamecortou,levantoueajeitouacadeira.—
Vamos apoiar seu irmão porque ele precisa da gente, mesmo que nãoqueira reconhecer isso agora. Depois, podemos falar de qualquer outracoisa.Ela caminhouaté a cafeteira emedeuas costaspara encher a caneca.
Meupai a observou edepoisme lançouumolharde compaixão.Mas, denovo,nãofarianada.Comoseadecisãofosseapenasdelaeelenãopudessepassarporcima,pormaisqueeuquisesse.Apesar de as coisas serem sempre assim, senti um ímpeto de raiva
inéditoerepentinosurgirdentrodemim.Primeiroelameclassificoucomo“resto”;depois,como“qualqueroutracoisa”.Eusempretinhasidoaoutra,aquenãoeraPeyton. Játinhaatéaceitado.Masentãofinalmenteconhecipessoasquemeenxergavamdeumjeitodiferente.Agoraqueeuerarealeestavaemprimeiroplanoparaalguém,nuncamaisqueriaserinvisível.—Aminhaideia—Ericcomeçou—écomeçarmoscomforçacomuma
do LoganOxford e terminar de um jeito grandioso com aquela “Seis pormeiadúzia”commeusolo.BotamosLaylanovocalnamúsicadomeioparaagitarascoisas.— Certo, mas qual vai ser a música? — Mac perguntou enquanto
descascavaoutra tangerina.Ocelularde Irvestavadesmontadona frente
deMacparaqueeletrocasseatelaquebrada,consequênciadeumacidenteemqueodonohaviasentadoemcima.Euficavacomdordecabeçasódeveraquelesparafusosminúsculos.—Agentenãoensaioucomela.—Nãoécomplicado,émúsicapop—Ericargumentou.—Elajáconhece
asletras.Ésóescolherumacomosignificadoperfeito.—Masvocêacaboudedizerquemúsicapopésimples—Irvcomentou
ao terminarde comeroquepareciaumacoxade frango, a terceirapelasminhascontas.—Comopodetersignificado?—Éaíqueentraaironia.—Ericsuspirou.Maisumaveznenhumdenós
acompanhava seu raciocínio.— Vou escolher uma escrita claramente doponto de vista de um homem, virar o arranjo original de ponta-cabeça,talvezfazerumaversãoacústica,epôrumagarotaparacantar.—Nós — Mac disse baixo enquanto apertava outro parafuso. —Nós
vamosescolherumamúsica.— Certo, certo— Eric disse, gesticulando.— O consenso é bom.Mas
sejamos sinceros: eu sou o único que trabalha para transmitir aprofundidadedanossamensagem.— Profundidade da mensagem? — Irv repetiu para depois cair na
gargalhada.—Cara,vocêestásesuperandoagora.Ao meu lado, Mac também riu, e forcei um sorriso para não ficar
deslocada.Euaindanãotinhapensadoemcomodaranotíciadequemeuspais já não estavam confortáveis com a ideia de a banda usar o estúdio.Entãonãocontei,eemvezdissosenteicomelesparaficarcadavezmaisnervosaàmedidaqueelesfaziamplanosjustamenteparausaroestúdio.Eunãoeraaúnicacomacabeçalonge.Apesardeserpartedoassuntoda
conversa,Laylanãoestavaprestandoatenção.Emvezdisso,concentrava-senocelular.Pela suacara, eraóbvioquenãoestava feliz,maso fatodenãotertocadonoalmoçoeraaprovacabal.—Tudobem?—pergunteipelasegundaveznaqueledia.Nós tínhamosnoscruzadonocorredordepoisdaprimeiraaula,bema
tempodeeuaverdesligarocelular,irritada.Ambasestávamosatrasadaseíamosparadireçõesopostas,entãoquandoeladissequeestavatudobem,acreditei.— Tudo— ela disse sem olhar paramim.— É só… Coisa do Spence.
Besteira.Hesitei, sem saber direito o quanto poderia insistir no assunto. Desde
queosdois começaramapassarmais tempos juntos, eusósabiadeumacoisaououtradorelacionamentodeles.Tinhareparadoqueafasemágicado “Ele é tão fofo e incrível!” passara. Aparentemente, eu não tinha me
enganado ao achar que o namorado perfeito dela tinha uma históriacomplicada.Depoisdepressioná-laumpouco,elaconfessounãosóqueotrabalhovoluntárioeraserviçocomunitárioobrigatório,masqueeletinhasidoexpulsodetrêsescolasantesdeentrarnaW.Hunt.Quandoosdoisseconheceram, ele estava se mantendo na linha e melhorando. Mas compessoasassimsemprehaviaachancedeumarecaída.—Entãoestouinclinado—Ericcontinuava—airdePauliePrescottna
músicadeLayla.—PauliePrescott?Eraocaradocabelo?—Irvperguntou.—Vocêprecisasermaisespecífico—Macaconselhou.—Ocabelo—Irvafirmou,agitandoamãosobreacabeça.—Lembram?
Ocarasemprepareciatersaídodeumaventania.—Não,esseéoutro—Ericdisse.—Ocaracomavozbemaguda.—AbeRabe—Laylaeeudissemosaomesmotempo.Elanemlevantou
oolhar.Mac,comatelanovanamão,arregalouosolhos.—Uau.Issonãofoinemumpoucoestranho.Sorriparaele,maisumavezpensandonoquetinhaacontecidonaoutra
noite.Apesardomeunervosismo inicialpertodele, tiveumasensaçãodefamiliaridadequandoMacmeabraçou,comose játivéssemosfeitoaquiloum milhão de vezes. Sem constrangimentos, sem precisar fazer ajustes.Apenasmeencolhicontraseupeito—amedalhinhacontraabochecha—esentiseucheiro.Eutinhacertezadepoucascoisas,masumadelaseraqueteríamosnosbeijado semeupai não tivessedescido a escadamomentosdepois. Tanta certeza que naquele momento — sentada perto dele masnemtanto,elesorrindoparamim—minhasensaçãoeradequetínhamosmesmonosbeijado.—PauliePrescotteraometidoagângster—Ericdisse.—Umriquinho
decondomínioquecantavasobreopassadonasruas.Eletinhatodoumardebadboytentandoseregenerar.Asgarotassederretiam.—Ah,é—Irvdisse,torcendoonariz.—Euodiavaessecara.—Todomundoodiava.—Ericnãoviaproblemasemfalarpelomundo.
—MaséporissoqueseriainteressanteLaylacantarumamúsicadele.Tireaprodução,afachadaeboteopalavrórionabocadeumamulher.Vaiserprofundo.Épico.— Por acaso você disse palavrório? — Mac perguntou. — Você está
bêbado?Layla de repente levantou, pegou a bolsa e partiu a passos rápidos na
direção do prédio principal. Nós apenas assistimos à cena em silêncio.
EntãoIrvdisse:—Céus,oquevocêfez,Eric?—Eu?Levanteitambém.—Vocêsabeoquehouve?—Macperguntou.—Não—respondipegandoamochila—,mastenhoumpalpite.Fuiprimeironobanheirofeminino,olugaraondeeusempreiaembusca
de refúgio, mas as únicas pessoas lá eram um grupo de dançarinasocupadas com um tutorial demaquiagem. Voltei ao corredor, pensei porum instante, e parti rumo ao armário de Layla, minha segunda melhoraposta.Nocaminhoatélá,aencontreisentadanasescadas.Aomever,elamordeuolábio.—O.k.—eudisse,sentandoaoladodela—,oqueestáacontecendo?Elasuspirou,esticouaspernasecomeçou:— Spence andou fazendo… coisas. Coisas que não devia fazer, com o
históricoquetem.Basicamenteéisso.—Drogas?Elaconfirmoulevementecomacabeça.—Sómaconha.Eunscomprimidos.Deixamelediferente.Sóquequando
reclamo,eleficabravoenãorespondeminhasmensagens.Entãoficosemsaberoqueeleestáfazendo,oqueéaindapior.—Vocênãovaiconseguirmudá-lo—afirmei.—Eusei,eusei—elaapertouosjoelhoscontraopeito.—Éumsaco,
porquesefaloalgumacoisa,eledesaparece.Senãofalo,tenhoqueassistirenquantoelesabotaaprópriavida.Écomoseeunãotivessecomoganhar.Dois caras carregando instrumentos abriram caminho entre nós para
subirasescadas.—Odeioessasensação—falei.Não foram palavras sábias ou esclarecedoras; pelo menos não me
soaramassim.Masaoouvi-las,Laylasoltouumsuspiro,encostouacabeçanomeu ombro e fechou os olhos. Sempreme esforcei tanto para dizer acoisacerta,esemprefracassava.Fiqueifelizdeacertaraomenosumavez,mesmoquesemquerer.—Muito bem—Mac disse quando subi na caminhonete.— Hora de
fazersuamágica.Olheiparaopedidoquetinhanamão:quatroporçõesde fettuccineao
molhoalfredo,quatrosaladas.
—Alguémvaifingirquecozinhou—previ.—Apostocincodólaresqueospratosjáestãonamesaequevãojogaracomidaprontadentrodeles.—Vamosver—eledisseaoligaromotor.Normalmente eu tinha tanta confiança nas minhas previsões que as
estendiaumpoucomais.Naqueledia,porém,nãoestavanoclima.SabendoqueteriadecontaraMac(queteriadecontaraEric,queficariapéssimo)sobre a proibiçãodo estúdio e depois de ter ouvido a confissãode Layla(quemefezjurarqueeuguardariasegredo),eutinhamuitosmotivosparaficarcalada.EescondertudoissodeMacsópioravaascoisas.Quandoaportada casa se abriu euma jovemapareceu—de vestido,
colar de pérolas, maquiagem pesada, anel de brilhantes e uma aliançadourada que parecia nova — eu mal tinha disposição para me dar osparabénsmentalmente,emborativessesidobemlegalacertar.—Ah, que alívio—ela disse ao tirar o avental que usava, onde se lia
COZINHEIRA(equeaindatinhaosvincosdedobra;talvezfosseaprimeiravezqueelaousava).—Meussogrosvãochegaremvinteminutos.— Bom apetite — eu lhe disse ao entregar a comida. Ela me olhou
agradecidaedeuumagorjetagenerosaantesdefecharaporta.Mac, que assistiu a tudo da caminhonete, me olhava impressionado à
medidaqueeumeaproximava.— Tudo bem, eu costumava achar isso incrível. Agora está meio
assustador.Conseguiabrirumsorrisoaosubirnobanco.—Nãocorteomeubarato.Tenhopoucostalentos.—Ah,nãoachoqueissosejaverdade—elereplicouaoengatararé.—
VocêconseguefazerLaylaseabrir.EusabiaqueeleesperavaqueeucontasseoquetinhadeixadoLaylatão
chateadanoalmoço.Porcausadaminhapromessa,porém,disseapenas:— Coisas de relacionamento. Toda garota leva jeito pra isso. Está na
nossagenética.—Émesmo?—É.Eraóbvioqueeuestavadesviandodoassunto,mas felizmenteelenão
insistiu.Emvezdisso,meentregouopróximopedido.—Boasortecomesteaqui.Ébembizarro.Pegueiopapeledeiumaolhada:— Duas pizzas grandes de queijo, quatro pães de alho. O que tem de
complicadonisso?—Leiaoqueestáembaixo.
—SCP?—perguntei.Asiglaestavasublinhadaduasvezes.—Oqueissoquerdizer?Eledeusetaemudoudefaixaquandonosaproximamosdosemáforo.—Sócupons.Significaqueelestêmcuponsdedescontosuficientespara
opedidosairdegraça.—Degraça?—olheiparaopedidodenovo.—Comoissoépossível?—Nãoeraparaacontecer—eleexplicou.—Agentefazumapromoção
às quintas. A propaganda devia dizer que se você compra uma pizza dequeijo e uma porção de pão de alho, você ganha outra pizza de queijo eoutraporçãodegraça.Masháumanoatrásmaisoumenos,ascópiasdopanfletodepropagandasaíramerradas.Bemerradas.—E?—E—elecontinuoudepoisdeentrarnumapistalateral—ficaramsem
aprimeirapartedaoferta.Sóimprimiramasegunda.Preciseipensarumpouco.— Então o panfleto dava uma pizza e uma porção de pão de alho de
graça?Semapessoaprecisarcomprarnada?—Isso.Agoraelestinhamquecolocaramãonamassa—literalmente.—Quantospanfletosvocêsdistribuíram?—Mandamosporcorreio—Macrespondeu.—Paratodososendereços
dacidade.—MeuDeus!—exclamei.—Seupaideveterficadodesesperado.—Eleficou.—Macrecostounobancoecorreuamãopelovolante.—A
maioria das pessoas simplesmente admitiria o erro e não aceitaria ospedidos.Masmeupainãoéassim.Entãoeleaceitaospedidos,apesardeficarbemcontrariado.IssoexplicavaporqueosublinhadodasiglaSCPestavabemmaisescuro
doqueasletras.—Etemsidoassimháumano?—Jánãorecebemostantos.Masalgumaspessoas,depoisdeperceberem
o erro, fizeram questão de juntar o maior número de panfletos queconseguissem.—Esãotodasdomesmotipo—falei,finalmentecompreendendo.Eleconcordoucomacabeçaeesperou.Penseiporummomento.—Sãopessoasespertas.Quesabemsevirar.Alémdisso,tiveramtempo
de juntar e organizar os cupons. Só que isso émuito trabalho só paraconseguir uma pizza grátis. Então são pessoas sem dinheiro ou jovens.
Provavelmenteasduascoisas.Estávamoschegandopertodeumcomplexodeapartamentos.—Algomais?—Macperguntou.—Sãogarotos—respondi.—Porquê?—Nãosei.Ésóumpalpite.Eraosegundopalpitedodiaatéomomento,mastinhamesentidomais
segura quando tentara adivinhar o motivo da irritação de Layla. Macsempremeacompanhavaquandoaentregaeraemumapartamento,masquando ele desceu do carro comigo daquela vez, imaginei que tambémquisessemevererrarpelaprimeiravez.Subimosdoislancesdeescadaatéumaportaquevibravacomamúsica
lá dentro. Mac bateu na porta e, alguns instantes depois, um magrelo,provavelmente universitário, de camisa xadrez, calça jeans e fone deouvidoabriu.—SeasidePizza—Macanunciousecamente.—Vocêfezumpedido?—Nósfizemos—ocaradisse.Eleolhouparatrás,ondedavaparaver
outros dois caras, também com fones, num sofá jogando videogame. —Quantoficou?—Vocêtemcupons?Osorrisodocaraaumentou.—Vocêprecisaver?—Sim—Macrespondeu.—Preciso.Elenosdeuascostasefoiatéumamesaondehaviaumapilhadelivros,
várias embalagens de comida vazias e uma série de carregadores natomadaquenãoestavam ligadosanenhumaparelho.Depoisdeprocurarumpouco,elevoltou.—Aqui está— ele disse sorrindo.—Como você pode ver, esses dois
cupons nos dão direito a duas pizzas e duas porções de pão de alhogratuitasdoseurespeitadoestabelecimento.—Pizza!—umdosoutroscaras,focadonaTV,dissecomavozrobótica.—Pizzagrátis—orapazdiantedenósdisse,eentãovirouparamim:—
Atéogostoémelhor,sabia?FiqueicaladaenquantoMacexaminavaoscupons—frenteeverso—e
depois os guardava no bolso. Quando ele fez que sim com a cabeça,entregueiacomida.— O preço normal é vinte e quatro e setenta e dois — informei, na
esperançadequeelepelomenosdessegorjeta.—Poisé!—eledisseradiante.—Éótimo.Obrigado.
E fechou a porta. Fiquei tão surpresa que permaneci imóvel por umtempo,olhandoparao2Bnaporta.Mac,porsuavez,jádesciaasescadas.Quandooalcancei,disse:— Quero corrigir minha previsão. Esqueci de dizer que eles são uns
babacas.—Concordo.—Macpareciatãoincomodadoqueacheimelhorficarem
silêncio no trajeto até a caminhonete. Quando estávamos chegando, elepegou o celular e olhou para a tela. — Não chegaram outros pedidos.Precisodeumapausa.Vamosfazeralgumacoisa.—Oquevocêtememmente?—pergunteiaoabriraporta.—Estamospertodoseubairro—elerespondeu.—Quermemostrar
aquelavala?Penseinomeuirmãoaotelefone,emcomosuareaçãoquandomencionei
esseassunto tinhamesurpreendido.Comoo fatodeeleverahistóriadeoutro jeito—uma idiotice,nãouma façanha—davaa impressãodequenadadaquilotinhaacontecido.—Claro—afirmei.—Vamoslá.Atrilhaeramaisestreitadoqueeulembrava,eomatojátinhacrescido
tanto em alguns trechos que precisei parar e afastar alguns ramos deárvore para passar. Era estranho caminhar à frente, já que eu sempreseguia Peyton. Depois de quase um quilômetro, as árvores espacejarammais eMacpôdeandar aomeu lado.Enquanto subíamosumapedra,umfalcãoalçouvoosobrenóseMacmedeuamão.A mão dele era quente, e a minha parecia pequena dentro dela.
Protegida.Nãoconversamosnocaminho.Oúnicosomvinhadasfolhasqueesmagávamosnochãoeoassoviodasárvoresàpassagemdovento.Penseiemtodasastardesemquecaminharaporaquelatrilha,ecomodaquelavezeradiferente,porváriosmotivos.—Deve estar emalgum lugar aqui em cima— falei paraMacquando
subimosoutromorro.—Eulembrodessaclareira.—Parecequeelesvãoconstruiralgumacoisaaqui.—Talvez.Ousócortaramasárvoresprafazerlenha.Passamos entre um punhado de tocos de árvore cobertos de fungos e
líquen.Duasgarrafasdecerveja,meiocheiascomáguadachuva,estavamapoiadascontraumdeles.Eentão,quandocomeceiameperguntarsenãotinhaimaginadoaquilotudo,avisteiavala:umlugarondeochãoseabriafeitoumaboca.Caminhamosatéaborda.Não era tão grande quanto eu lembrava, e não havia mais tronco
passando por cima.Mas havia algo familiar naquelas raízes expostas, na
camada de barro vermelho que descia rumo ao fundo, em sua apariçãoinesperada.—Achoquenão é tão impressionante— falei paraMac.—Não tanto
quantoocarrossel.—Mesmoassimeunãomearriscariaaatravessar.Sorri.—QuandoPeytonatravessou,sentiocoraçãonaboca.Eutinhacerteza
queeleiacaireeuiaterquevoltarpracasaecontartudopraminhamãe.Macseaproximouaindamaisdavalaesecurvouparaverofundo.—Maselenãocaiu.—Não.—Olhei para o céu azul sobre nós.—Acho que ele tinha um
santoprotetornaépoca.Existealgumparaidiotasquesearriscamnomeiodomato?—Achoquenão.Mastemunscomváriasaplicações.Comoosantodos
nômades,viajanteseperdidos.Oualgoassim.—Elepuxouamedalhinhaedeu uma olhada. — O favorito da minha mãe é o São Longuinho, queencontra objetos perdidos. Ela até recita os versinhos quando perdealgumacoisa: “SãoLonguinho, SãoLonguinho, seachar tal coisadou trêspulinhos”.—Funciona?—perguntei.— Às vezes — ele respondeu, guardando o pingente debaixo da
camiseta. Como sempre, notei a folga na correntinha, o espaço vazio quetinhasurgido.—Malnãofaz.Permanecemosimóveisporunsinstantes,tudoemsilênciocomexceção
dabrisaquesopravaacimadenós.Aoolharparaooutroladodavala,meveioàcabeçaaimagemdePeyton,comosombrostensos,caminhandoemcimadaárvore.Pelaprimeiravezestavaconcentradonãoemdescobrirumlugarinvisível,masematrairaatençãodetodos.Eraapenasocomeço.Lembra?, eu havia perguntado a ele no telefone na noite em que
mencioneioassunto.Nãofoiumdosmeusmelhoresmomentos.EutinhapassadotodoaqueletempoachandoquePeytonenxergavaasi
mesmo como eu e como todos nós o enxergávamos. Invencível. Fora desérie. Mas ele descobriu a própria humanidade bem antes de mim. Outalvezsempresoube.Macvirouparamim.—Oquehouve?Eu sabia que ele estava perguntando porque eu devia ter feito algum
barulho ou careta ao pensar naquilo. Ou talvez porque tivesse ficado
paralisada.Masencareiaquelaperguntademaneiramaisampla,incluindotudooquetinhamudadodesdeoprimeirodiaquefuiatéaSeaside.Tudooquetinhamudadoemmim.Oquehouve?Talvezasvidasqueeutinhaespiadonasúltimasentregas:
os estudantes pilantras saboreando a própria esperteza, a recém-casadaservindomassa compradanas louçasqueganharadepresente.Ou talvezaquelelugar,tãofortenaminhamemória,emboraeuestivesseconstruindooutra lembrança naquele exato momento. Só consegui pensar que ali,finalmente,pelaprimeiravez,eunãoestavaapenasvendoeregistrandoasmudanças.Eutambémfaziapartedaquelemundoemtransformação.SolteiamãodeMacetoqueisuabochecha.Quandofizisso,elelevoua
mão àminha cintura eme puxou para perto. Foi tudo fluido, fácil, comosempre,desdequenosconhecemos.Fiqueinapontadospésefinalmente,finalmente nos beijamos. Ali, no bosque, numa quinta-feira de final deoutono.Foiperfeito.Claro,eunãotinhacomosaberqueseriaassimantesdeacontecer.Foiapenasumpalpite.
17
—Espera.Querdizerquenãopodemosusaroestúdio?—Não,vocêspodem—respondi.—Sóvaisermaiscomplicadodoque
eutinhapensado.EuestavaencostadanopeitodeMacnacaminhonete,envoltaemseus
braços.Quandovirei,elemeolhoudeum jeitoque jáera familiar:alerta,atento.OMacdesempre.—Complicado—elerepetiu.—Quepromissor.—Vaidarcerto—respondi,voltandoaolharparaa frente.—Apenas
confieemmim.Certo?Eleficouemsilêncio.Volteiaencostaracabeçanopeitodeleeabraceios
joelhos.Acabinedacaminhoneteestavalotadadecoisasecheiravaaalho.Estava longe de ser o lugar ideal para ficarmos juntos. Mas eu tinhaaprendido a não esperar a perfeição. E, na verdade, aquilo estava bempróximodela.Faziamenosdeumasemanadesdeatardenobosque.Apartirdeentão,
uma coisa inacreditável tinha acontecido atrásda outra.Nosdespedimosmeiahoramaistardeeaindaassimficamosenrolando,coisaqueeusóviraacontecer com os outros, até que finalmente tomei o caminho de casa.Trocademensagensanoite inteiraeumtelefonemafinal,demodoqueavoz dele foi a última coisa que ouvi antes de dormir. Então veio o diaseguinte,oprimeironaescola.Tudofoitãodiferente,pelomenosparanós.Denovo,eueraumagarotacomumsegredo.Dessavez,porém,umbomsegredo.Eume sentiamal emesconderqualquer coisadeLayla, especialmente
algo tão grande como aquilo: eume apaixonando pela primeira vez.Masera complicado. Kimmie Crandall, o caso exemplar, estava sempre naminha cabeça. Por mais que Layla gostasse de mim, Mac era seu irmão.Melhorserdiscreta,pelomenosporenquanto.
Então nos esforçamos para agir normalmente. Na escola, durante oalmoço, sentávamos nos nossos bancos separados. Na Seaside, ele semantinha atrás do balcão com os livros enquanto Layla e eu íamos paranossamesadecostumefazer liçãodecasa.Nadatinhamudado,anãoserquandoficávamosasós.Como naquele momento, estacionados num parquinho de bairro. Sem
entregas a fazer, sem lugares aonde ir. Omotor estava desligado,mas acabinecontinuavaquentequandomeencolhicontraele.Doladodefora,abrisalevantavafolhasvermelhaseamarelasqueserpenteavampelopara-brisadocarro.Numatransformaçãoqueeujamaisesperaria,aquelashorasentreaescolaeojantarqueanteseutantolamentavatinhamsetornadoasmaisesperadasdodia.Eutambémaprendiacoisasnovassobreeleotempotodo.Nãosóqueele
beijavabem(muitobem,naverdade)equetinhaoabdomemaisrígidoqueeujáviraoutocara(talvezporcausadosKwackers?).Tambémnoteicomosuafranjaprecisavasempreserpostaparaolado,oqueelefaziajogandolevemente a cabeça para trás, gesto que eu considerava sua marcaregistrada.Haviaaindaojeitoquefalavadeumassuntoqueopreocupava—odesejodopaiqueeleassumisseapizzaria,porexemplo.Macbaixavaautomaticamenteavoz,fazendocomquemeaproximasse,prestassemaisatenção.—Parameupai,ascoisassãoassimepronto—elemecontouunsdias
antesquandooassuntoveioàtona.—Apizzariaéafamília,evice-versa.Nadapassaporcimadisso.— Você na faculdade seria bom para a família — enfatizei. — Mais
estudo,potencialparaganharmais.ELaylaquerassumiraSeaside.—Layladizquequerassumir—elecorrigiu.—Háumadiferença.—EaindatemRosie—eudisse.—Nãodevia ficarnassuascostassó
porvocêserhomem.—Nãoéassimqueeleenxergaasituação—eledisse,etirouocabelodo
olho de novo.— Mas mesmo assim pretendo me inscrever em algumasuniversidades.Nãopossodeixardetentar.Seriadesistir.Pensei na nossa conversa de antes sobre coisas quebradas e como ele
não aceitava que não houvesse um jeito de consertar. Ele não se referiaapenas a despertadores emotores de arranque.Mac se importavamuitocomváriascoisas.Mesentiamuitofelizdeestarentreelas.Desde queme entendia por gente, os outros oume ofuscavam oume
largavam sozinha.MasMac, comoLayla tinhadito semanas antes, estavasempre por perto. Eleme dava espaço suficiente para ficar sozinha,mas
permanecia a postos quando eu precisava. Era o ponto ideal, descobri.Comoseelefosseomeusantoprotetor,aquelequeeuestavaesperando.Nada deixou issomais claro do que a vez em que conversamos sobre
Ames.Umdia,fazíamosentregasquandoumLexusvermelhoapareceudonossolado.Gelei,elepercebeu,equandomedeicontajáestavacontandotudo.—Nãoacreditoqueseuspaisnãotêmconsciênciadisso—elecomentou
quandofinalmentetermineidefalar.—Aquelecaratemumarsinistro.—Nãoparaeles—eudisse.—Elesdeviampelomenosnotarquandovocêagedeumjeitoestranho.Deideombros.—Jáfalei,elesnãoprestammuitaatençãoemmim.—Entãofaçacomqueprestem.Sevocêcontasseaelesoqueacaboude
mecontar,elesprestariamatenção.Eusabiaqueeleestavacerto.Massóaideiadelevantaroassuntocoma
minhamãejámedeixavanervosa,insegura.—Apenaspensenisso—eleinsistiu,notandominhahesitação.—Tudo
bem?—Sim—respondi.—Tudobem.Emresposta,elevirouparamim.Quandoseaproximouparamebeijar
—primeironaboca, depoisna testa—,me senti seguraobastanteparafecharosolhos.Em casa, por outro lado, as coisas ficavam cada vez mais tensas. Na
quintameuspaisviajariamatéumhotelemLincolnparapoderparticiparda formaturadePeytonnamanhã seguinte.Minhamãe estavaobcecada,dandoumtelefonemaatrásdooutroeenviandoe-mails comouma loucapara organizar a recepção que ela e outros parentes dos presos iamoferecer.—PenseiquetalvezpudéssemosjantarcomosBiscoenavéspera—ela
nos disse certa noite.—Os pais de Rogerson, sabe? Falei sobre ele comvocês,estánomesmocorredorquePeyton.Talvezsejabomcompartilharnossas histórias, conhecer outros pais. Descobri um lugar que aceitareservas.— Julie—avozdomeupaiera suave, apesardeele claramenteestar
interrompendo.—Talvezfossemelhordeixarissoparaoutraocasião.Elepôsogarfonamesa.—Porquê?Meu pai parecia tão desconfortável que atéme remexi na cadeira em
solidariedade, como se fosse eu que tivesse entrado na linha de fogo da
minhamãe.—Vamosparaumeventonumaprisão—eledisse finalmente—,não
numjardimdeinfância.Osorrisodaminhamãedesapareceunoato.—Vocêachamesmoqueprecisamelembrardisso?—Achavaquenão.Masdojeitoquevocêfala…— Eu — ela disse com a voz trêmula e mais alta — estou tentando
enxergar o lado positivo de uma situação ruim. Quando só há escuridão,temosquecelebrarqualquerluz.Essaéaminhaluz.Medeixaaproveitar.Provadequeasituaçãoestavabemsombriaeraofatodeaqueleevento
significar claridade. Sempre tive consciência de como as coisas haviammudado.Masmomentoscomoessesempremesurpreendiam.Eunãopodiaconversarcomelasobreisso,claro,nemcommeupai.Mas
haviaalguémquecompreendiaou,pelomenos,escutava.Aindabem.— Então, Sydney— a sra. Chatham disse.— Como vão as coisas em
casa?Estávamosnasaladacasadela.Asra.Chathamemsuapoltrona,euno
sofá,mantendodistânciadoscachorros.Mactinhafeitoumapausaentreasentregas para tentar consertar o motor de arranque teimoso dacaminhonete. E eu aproveitei para passar um tempo com amãe dele atéMacterminaroualgumpedidochegar.—Comosempre—respondienquantooroncodomotorpareciavoltar
àvidaláfora,paralogodepoismorrer.—Meuspaisvãoemumaformaturanaprisão, eminhamãeestá completamenteobcecadapor isso.Pelo jeitoqueelaage,pareceatéquemeuirmãovaireceberumdiplomadeHarvard.Elaachougraça.—Tive amesma sensaçãoquandoRosie terminouo tratamento.Acho
queagentesealegracomoquedá.Ambas ficamos em silêncio por uns instantes. Tive quase certeza de
ouvirMacsoltarumpalavrãoláfora.—LaylamedissequevocêtromboucomaquelegarotonaSuperThrift
—elacomentou.Sódeouvir,jálembreidasgalochas.—É.Foiaprimeiravezqueoviaovivo.—E?— Entrei em pânico. — Na outra ponta do sofá, um dos cachorros
bocejou.—Nãoconseguinemfalar.—Ah,querida—elacomeçou,maslogofezumapausa.—Aspalavras
não iam vir fácilmesmo, se é que algumdia virão. Você tem consciência
disso,nãotem?—Simplesmentenãoseioquepoderiadizeraelequefizessediferença.
Umpedidodedesculpasnãomudarianada.— Talvez você não devesse esperar que mudasse. Não para ele, pelo
menos.—Elameencaroudojeitogentildesempre.—Masissonãoquerdizer que não te ajudaria de alguma forma. Talvez aliviasse um pouco opeso.Denovo,elatinhaacertadonamosca.Sentiaopesodaculpasobremim
comosefossemdezdaquelesaventaisdechumboquetemosqueusarnodentista antes de tirar uma radiografia. Mais que suficiente para conteralguém,pormaisforçaquesefaçaparalevantar.—Nãosei—eudisse.—Nãoprecisasaberagora—elamedisse.—Vocêestáindobem.Eunãotinhatantacertezadisso.Maserasempreumconsoloouvirque
sim. Bem como ouvir o som da caminhonete dando a partida, o motorganhandovida.Fazendoascoisasfuncionarem.Dealgumjeito.Naquela tarde, encontrei a casa vazia e o telefone tocando quando
cheguei. Faltavam quinzeminutos para as cinco, horário em que Peytonsempreligava.Dessavez,porém,nãolamenteicomodecostumeaoouviragravaçãodapenitenciária.—Eaí?—eudissequandoeleentrounalinha.—Comovãoascoisas?—Bem—elerespondeuedepoisfezumapausa.—Evocê,comoestá?Então foi a minha vez de parar um pouco para pensar no que dizer.
PareciaestranhofalardeMacoudosChatham,ummundodoqualelenãofaziaparte,queerasómeu.Masentãolembreidaqueledianobosque.—Fuinaquelavalacomumamigo—eudisse.—Estádiferente.—É?Fizquesimcomcabeça,emboraelenãopudessemever.—Quer dizer, está igual, acho.Mas a perspectiva foi outra. Lembrava
queeratãogrande.Enorme.—Pareceaindamaiorquandovocêestánomeiodela—eledisse.—Apostoquesim.Ambosficamosemsilêncioporumtempo.Entãoeledisse:— Engraçado. Sabe aquele programa que você adora, com aquelas
mulheresloucas?Eu…andeiassistindo.Arregaleiosolhosdesurpresa.—VocêestávendoBigNovaYork?Eleriu:—ELosAngeles.Nemacreditoqueestouadmitindoisso.
—Penseiquevocêodiasseessesprogramas—falei,aindachocada.—Euodiava—elesuspirou.—Mastemumamigomeuaqui…queéfã.
Ele émédico, psiquiatra. Alega que assiste por causa dos transtornos depersonalidade, de todo aquele narcisismo. Mas eu acho que ele gostamesmoédodrama.—Eleéseumédico?Outrarisada.— Não. Ele é um dos presos, viciado. Foi preso por vender receitas.
Chamamoselededoutor.Éumcaralegal.ApesardomaugostoparaTV.—Ei!—protestei.—Lembre-secomquemestáfalando.—Comoseeupudesseesquecer—eledisse.Nessemomentoouvimosa
gravaçãoavisandoqueotempoiaacabar.Pelaprimeiravezdesejeiquenãoacabasse.Não comentei nada disso com aminhamãe, apesar de ter contado do
telefonema.Depoisdetodaaquelainsistênciaparaqueeuconversassecommeu irmão, resolvi guardar aquilo para mim. Peyton também nãocomentou.Maisumsegredo,sónosso.Averdadeeraqueaminhamãeestavatão imersanosplanosquenem
prestavaatençãonascoisas.OladobomeraqueelanãotinhacomentadomaisnadasobreAmesvirficarcomigo.Eusabiaqueerabesteiraacharquetinhaescapadodessaarmadilhaque,afinal,nemtinhasidomontadaainda.Mastodoorestocorriatãobem.Eudeviatersidomaisesperta.—Então—elacomeçouadizernaquelamanhãquandodesciparaocafé
—,seupaieeusaímosamanhãàstrês.Amesvaichegarnomaistardaràsdez.Nãoéideal,mascomMarlaforadecenaeoempregodelenohotel,éomelhorquepodemosfazer.Ela falava de costas pramim, enquanto conferia os itens demais uma
lista. Empilhados sobre o balcão, estavam todos os doces que ela tinhacompradonoBigClub, o atacadista, para a formatura: cookies, cupcakes,bolos.Acozinhainteiracheiravaaaçúcar.— Eu realmente acho que posso ficar sozinha— falei.— Quando ele
chegar,jávouatéestarnacama.Elapegouumacaixadecupcakeseabotounotopodeoutrapilha.—Jáestátudocombinado.Agoraterminedecomerouvaiseatrasar.Fimdepapo.Maisumavez,eueraapenasumitemnumalista,riscadoe
arquivado. Ao sair, vinteminutosmais tarde, não conseguime segurar ebatiaporta.Maistarde,nacaminhonete,ocelulardeMacvibrou.Elesemexeuatrás
demimparaalcançarobolso.
—Outraentrega.Precisovoltaraotrabalho.Olheiparaorelógio.Eramcincoequinze,eeutinhaditoàminhamãe
que estaria em casa antes das seis,mas tudo o que queria era continuarnaquelelugarseguroeconfortável,comosbraçosdeMacaoredordemim.Elejáseendireitavanobancoquandopedi:—Maiscincominutos?— Dois.— Ele beijouminha cabeça e se recostou no banco de novo.
Depoisdeunsinstantes, falou:—Sabe,agentenãoprecisagravarnasuacasaseissoforteatrapalhar.Ericpodedarumjeito.Elesempredá.—Nãovaimeatrapalhar—garanti.—Vaiserperfeito.Eu não costumava usar muito essa palavra. Mas nos últimos tempos
tinha me dado o direito de pensar que as coisas podiam realmente darcertodevezemquando.Afinal,euestavaalicomele,equemteriaesperadoqueissofosseacontecer?Ele me deixou na Seaside e parou ao lado do meu carro antes de ir
buscar o pedido. Nos despedimos com o cuidado de sempre e desci dacaminhonete.Assimque comecei ame afastar, olhei para o sol poente, océuazulmanchadoderosa.Perfeito,ouseipensardenovo,pelomenosporuminstante.Deimeia-voltaefuiatéajaneladeMac,aindaaberta.—Esqueceualgumacoisa?—eleperguntou.—Esqueci—respondi.—Disso.Fiquei na ponta dos pés, inclinei a cabeça e o beijei. Pude sentir sua
surpresa, que logo se tornou hesitação, até enfim relaxar. Era arriscadofazer isso em público daquele jeito, mas eu já estava cansada de meesconder. E Layla estava com Spence, afinal. Nãome passou pela cabeçaqueoutrapessoapoderianosver.Pelomenosnãonaquelemomento.—Uau!—Ericexclamouquandoabriaporta.—Belasinstalações.— Você disse “instalações”?— Irv perguntou atrás dele, onde tapava
todaaporta.—Sériomesmo?—Quequetem?Éumapalavrabemcomum.—E issoaquiestábempesado.Entãopoderiaadentraras instalações,
porobséquio?Ericrevirouosolhos,edeiumpassoparaoladoparaabrircaminho.Ele
estavacomaguitarraeamochilanoombro.Logoatrás,carregandotodoorestodoequipamento,estavamIrv,Forde,porúltimo,Mac.Devoterdeixadoevidenteminhasurpresacomaqueladisparidade,pois
Macexplicou:
—Erictemproblemanascostas.—Eric—Irvacrescentou,resfolegandoumpoucoaolevantarumacaixa
que tinhametade domeu tamanho—diz que tem problema nas costas.Nuncaviqualquerprovadisso,excetoquandotemosquecarregarpeso.—SãoasvértebrasL3eL4—Ericrebateucomavozcansada.—Opeso
provocador.—Evocêprovocaminhapaciência—Irvreclamou.—Essamerdapesa.
—Elepôsacaixanochão,oquefeztremeramesadevidrosoboretratodomeuirmão.—Paraondelevamos?—Láprabaixo—eudisse.—Venham.Euosconduzipelacozinha,pelasescadassinuosas(maisreclamaçõese
comentáriossobreascostasdeEric)epelasaladeginásticaatéchegaraoestúdio.Quandoacendialuz,Ericdeuumpassoparatrásparaapreciarolugarenquantoosoutroscarregavamascoisas.—Uau.Tudoissoédoseuirmão?—Erapraser—respondi.—Eleandouocupadoantesdepoderusarde
fato.— É assim que chamamos a prisão agora?— Irv perguntou.— Uma
ocupação?Maclhedeuumcutucãoforte.—Ei,cuidadocomoquefala.—Oquê?—Irvolhouparaele,depoispramim.—Foimal,Sydney.Falei
sempensar.—Tudobem—eudissecomumsorriso.Mesmo assim, Mac se aproximou quando Ford e Eric começaram a
desembalarosinstrumentos.— Sintomuito pelo que ele disse. Irv é sincero demais, especialmente
comcertascoisas.—Eletemrazão—falei.—Meuirmãoestánaprisão.Naverdade,ouvir
alguémdizercomtodasasletraséatébom.—É?Fizquesimcomacabeça.EntãoFordchamouMace lhepediualguma
coisa.Quandoelefoiatéláeabaixouparaabrirumadascaixas,pudeveramedalhinhadeSantaBatildeporunsinstantesatéeleaguardardentrodagola.Umdia antes, eu a tinha seguradonamão, entreosdedos, e giradocontraaluztênuedoparque.Fiqueivermelhasódelembrar.— Então, Sydney — Eric disse, me trazendo de volta à realidade —,
parece que estamos apertados de tempo aqui. Quantas horas temosexatamente?
Olheiparaorelógio.Eramseisemeia.—Umastrêshoras.—Nãoémuitopararepassarmostodasamúsicas.Elebotouaguitarraeamochilanosofáaliperto—ummovimentoque
parecianãoafetarsuacoluna—eesfregouasmãos.—QuandovocêdissequeLaylaiachegar?—Àssetenomaistardar—Macrespondeu.—Certo.Entãoémelhoreumefamiliarizarcomesseequipamento.Eric foi até amesa com os controles e botões e sentou na cadeira de
rodinhasdoestúdio.—Cara—falou—,émelhordoqueaquetínhamosnoVAMP.—VAMP?Elereclinouacadeiraegirouumbotão.—Oacampamentodemúsicaondepasseioverão.Aulasdemúsicaede
produçãodedia,ensaiospravalerànoite.—Uau.Pareceincrível.—Mudouminhavida—eleafirmou.—Passaroitosemanascomgente
querealmentegostademúsicatantoquantoeu…Foiumverdadeirooásisnodesertocriativoqueéaminhavidaaqui.Umasbatidassoaramnovidroquenosseparavadacabine.Quandoergui
osolhos,viMacaliparado.—Agenteconsegueouvir,sabia?Eric deu de ombros, nem um pouco incomodado. Mas notei que ele
desativou o único botão cuja função eu conhecia— comunicação com acabine—antesdedizer:—Olha, nãome leve amal. Esses caras gostamde tocar.Mas não são
apaixonados. Assim que a escola acabar, vão contar histórias de quandotinhamumabanda.Maseuqueromaisqueisso,sabe?FizquesimcomacabeçaenquantoIrveFordpunhamumamplificador
emcimadooutro.Macestavaaofundo,prendendoospratosnabateria.EuobservavaseurostoconcentradoquandoEricdisse:—Então,hum,temumacoisaqueeuqueriateperguntarfazumtempo.—Perguntarpramim?—É,pravocê—eleconfirmoucomumsorriso.—Nãoésegredoquete
acholegal,Sydney.Queriasaircomvocê.Oqueacha?Sinceramente, não sabia o quedizer. Era umapergunta tão direta que
não havia como contornar ou desviar. Ainda assim, tentava pensar numjeitodefugirquandoouviacampainha.Estavasalva.— Poxa — eu disse, como se não estivesse imensamente grata pela
interrupção.—Jávolto,o.k.?Embora tivesse todoo caminho—desdea saladeginástica, passando
pelaescadaepelacozinhaatéchegaraohall—parapensarnoquedizerquandovoltasse,nãoconseguiavançarmuitonessesentido.Quandoabriaporta e dei com Layla segurando um Spence molhado, com o narizvermelho e roupa suja de lama, todos os pensamentos sobre Ericdesapareceram.— Uma ajudinha? — ela disse, arrastando o namorado pra dentro.
Quandoelespassarampormim,sentiumodorfortedeálcool.E,pormaisestranhoqueparecesse,umcheirodefertilizantemisturado.—Vocêtemumatoalhaoualgoassim?—elaperguntou.—Oi,Sydney—Spencebalbuciouparamim,contente.—Comoestá?—Vocêpodepararde semexer, por favor?—Layladisse.—Não sai
daqui.Etiraotênis.Ela disparou rumo ao lavabo e nos deixou a sós. Respirando com
dificuldade,SpencetirouotênisdaNike,umpédecadavez,dandochutesnoar.Emseguidaenfiouamãonobolsodetrásepuxouumagarrafinhadevidro.Eleaabriu,tomouumbomgoleemeofereceu:—Vodca?—Não,obrigada—disse.—Estáchovendo?Elefezquenãocomacabeçaetomououtrogole.—Irrigadores.Dispararamquandoeuestavacruzandooquintaldoseu
vizinho.Altapressãodeágua.Parece.Certezaquenãoquerumgole?—Elanãoquer—Laylarespondeuaosairdobanheiro.Elaestavacom
umatoalhaderostonamãoeamostrouparamim,hesitante.Fizquesimcomacabeçaeelaaatirounonamorado.—Sesecaeguardaagarrafinha.Elesjánãovãogostardeeutertrazido
vocêparacomeçodeconversa.— Besteira. — Spence guardou a garrafa no bolso, aproximou-se de
Laylaepassouosbraçospelacinturadela.—Eujádisse,amor.Ninguémnemvainotaraminhapresença.EmboraLaylaobviamenteduvidassedaquilo,aceitouumbeijodele.Para
a surpresa dela, sem falar na minha, o selinho logo virou um beijo combastantelíngua.Porsorte,otelefonetocoubemnaquelemomento.Corriparaacozinhaeagarreioaparelho.—Alô?— Esta é uma chamada a cobrar de um interno da penitenciária de
Lincoln—anunciouaconhecidavozautomática.—Vocêaceita…—Sim—eudisse,indoemdireçãoàjaneladafrente.
—Eles estão lá em baixo?— Layla perguntou atrás demim. Quandovireiparaela,viSpenceroçandoonarizemseupescoço.Fizquesimcomacabeça.—Elesjácomeçaram?Depoisdoruídoedoclique,Peytonfalou:—Sydney?—Soueu.Sóumsegundo—respondiaomeu irmão.EparaLayla:—
Nãosei.Desçodaquiapouco,o.k.?Ela fezque sim coma cabeça e seguiupelo corredor. Spence foi atrás,
maisumavezpuxandoagarrafadobolso.Ótimo.—Desculpa— eu disse para Peyton.—Uns amigos estão aqui. Como
vãoascoisas?—Bem—eledisse.— Já tenhouma favoritanaqueleprogramabesta
quevocêtantoadora.—Deixe-meadivinhar.Ayre?—Não—elerespondeu.—Odoutortorcepraela.MaseusouRosalie
atéofim.—Comoassim?—eudisse.—Éloucura.Elaédoente.—Ah, e aAyrenão?Vocênãoviu aquele jantar emqueela empurrou
Delilahnapiscina?—Elafoiprovocada—defendi.—Aham,foi—eledesdenhou.—Bom,nãoquerosegurarvocêcomseus
amigosaí.Amamãeestá?Arregaleiosolhosdesurpresa.—Não.Elajáfoipraí.—Quê?—Elaeopaisaíramdetarde.Paraacerimônia.—Massóvaiaconteceramanhã—eledisse.—É,masachoqueelatinhaummontedecoisasparaprepararoualgo
assim.— Ele ficou calado.— Vão ficar num hotel. Para conhecer outrasfamílias,acho.Havia uma diferença entre um silêncio normal e um silêncio zangado.
Uméleveeooutro,pesado.Naquelemomento,sentiaconexãoentrenóspesarumatonelada.—Nãoacredito—eledisseenfim.Aofundo,obarulhotípicoqueeujá
tinha escutado nas outras conversas: vozes altas, batidas, campainhas. AcadeiaeramaisbarulhentaqueaJackson.—Faleiquenãoqueriaqueelafizesse nada disso. Nem queria que eles viessem, na verdade. Estou nacadeia.Nãonaescola.Nãoseiporqueelanãoconsegueentenderisso.Uau, pensei. Eu tinha esperado muito tempo para que alguém mais
sentisseisso.SónãoesperavaquefossePeyton.Enquantopensavaemalgoparacomentar,ouviumabatidaláembaixo,noestúdio.—Acho…—comecei,hesitante;alinhaemitiuumruído.—Elaquerse
agarraraqualquercoisaquetragaumpoucodenormalidade.—Mas isto aqui não é normal—ele disparou.—Eu ferrei com tudo,
machuqueiumapessoaeestoucumprindopenaporisso.Quandoelatentafazerascoisaspareceremnormais…medeixalouco.Temqueserdiferente,sabe?Duro.Todomundoentendeisso.Sóelaquenão.Mesmocomasconversasrecentes,aquelaspalavraserammaisdoque
meu irmão jamaismedisseraemmeses, senãoanos.Foi tão inesperado,para não dizer dramático, que me segurei para não chorar. Eu tinhapassadotantotempoconsiderandoPeytonemeuspaisumacoisasó,comamesmalinhadeação.Maselememostrouquetinhapersonalidadeequecarregavaseuprópriofardo.Comoeunãotinhasidocapazdecompreenderisso?—Sintomuito—eudisse. Foramapenas duas palavras,mas também
pareciampesadas.—Poisé.—Umapausa.Avozdele soava tensa.Penseinele cruzando
aquelavala:enxergueivalentia,maseleviuoutracoisa.—Vou,hum,tentarocelulardela.—Certo.Secuida,Peyton.—Tchau,Syd.Outrocliqueealigaçãofoiencerrada.Boteiofonenogancho,sentindo
umapontada ao lembrardaminhamãeorganizandoosdocesdemanhã,sem falarem todoo resto.Elapodiadizerparanóseparaosoutrosquetudo aquilo era para Peyton. Talvez até ela acreditasse nisso. Eu já nãotinha tanta certeza. Jamais havia pensado que poderia sentir aindamaisvergonhadetodaaquelasituação.Estavaerrada.Denovo.
18
—Esperem— Eric disse.— Não gostei desse começo. Vamos tentar denovo.Fordresmungou.Macrelaxouocorponobancodabateria,revirandoos
olhos.—Cara—Irvdisseaomeulado—,éumagravaçãoparaumfestival,não
paraoseuprimeiroálbum.—Nemporissoprecisaserumadroga—Ericreplicou.—Nãovainemexistirsevocênãomaneirar—Irvemendou.—Estamos
aquijáfaz…Quantotempo,Sydney?—Umahoraemeia—informei.—Uma hora e meia — ele repetiu, dando destaque às palavras—, e
vocêsnãogravaramnada.Émelhorcomeçaralevarasério.—Euestoulevandoasério—Ericdisse.—Entãolevemenosasério—Macinterveio.—Vamosacabarlogocom
isso.Eric, comuma expressão sombria, deu as costas para o vidro que nos
separava e começou a ajustar alguma coisa na guitarra. Olhei para orelógio: Ames apareceria às dez, quando meus amigos e todo oequipamento deveriam estar bem longe de casa. No começo da tarde,aquilo parecia bem factível. Naquele momento, porém, começava a terminhasdúvidas.OperfeccionismodeEriceraumdosproblemas.OutroeraSpence,que,
depoisdechegarelogoderrubardoisamplificadores(foiessaabatidaqueouvira mais cedo), recebeu de Layla a ordem de ficar no sofá e nãoatrapalhar. Lá, porém, ele passou a beber quase toda a vodca e fazer oscomentáriosmaisinúteis(“Temcertezadequeissoestáafinado?Maisalto,porfavor!”).Eunãofaziaideiadeporqueelaohaviatrazido.—Eunão trouxe—elamedissequandodemosumaescapadapara a
sala de ginástica durante outra disputa acirrada sobre as transições dasestrofes namúsica.—Eudisse a ele que ia vir aqui e que seus pais nãoestavam. Para Spence, foi como se eu dissesse “festa”, então pegou umagarrafaeveiopracá.QuandoRosiemedeixouaqui,elejáestavaàesperanafrentedasuacasa.Lembreidequandoabriaportaeoviapoiadonela.—Elebebeassimsempre?—Não—eladissecomavozseca.Depoisacrescentou:—Querdizer,
elebebedevezemquando,masgeralmentenãodessejeito.Emtodocaso,não é culpa dele que a banda não esteja conseguindo gravar. É culpa doEric.Lanceiumolharparaoestúdio,ondeencontreiIrvsentadonamesade
somcomamãonorosto.Euocompreendia.—Lay-la—Spence chamou, se esticandono sofánanossadireção.—
Vemcá.Tôcomsaudade.—Umsegundo—eladisseaotirarocelulardobolsoeolharparaatela.
—Merda.—Quefoi?—perguntei.—Minhamãe.—Elavoltouparaoestúdioepassouobraçoporcimade
Irv para apertar o botão de comunicação. — Mac. Rosie mandou umamensagem.Elaachaqueamamãetalvezpreciseirparaohospital.Maclevantounahoraefoiatéaporta.—Oquehouve?—Nãosei.Vouligarpraela.Laylapôsotelefonenoouvidoefoiencostarnaparede.Spence,dosofá,
lheofereceuagarrafaquasevaziadevodca,queelaafastoucomumgesto.—Oi,soueu—eladisseàirmã.—Oquehouve?FizemossilêncioenquantoelaouviaarespostadeRosie.OlheiparaMac,
maseletinhaosolhosfixosemLayla.—O.k.— ela disse enfim.—É.Mande notícias. Se você decidir levar,
encontramos vocês lá. O quê? Planejávamos chegar às dez e meia, maspodemosiragoraseelaquiser.Alguémsoltouumsuspirodefrustração.Eric,provavelmente.—Tudobem.Sim,façaisso.Obrigada,Rô.LayladesligoueentãosedirigiuaMac:—Sóo de sempre. Tontura, falta de ar. Ela começou a delirar eRosie
entrou em pânico, mas amamãe disse que estámelhor agora. Rosie vaificardeolho.— Podem ser os remédios novos— ele disse, como se não houvesse
maisninguémlá.—Estavaescritoqueosefeitoscolaterais talvez fossemmaisfortes,mesmocomadosemenor.—Oqueéumadroga,porqueelesestãofuncionando—Layladisseao
guardarocelularnobolso.—Emtodocaso,vamosterminarlogo?Queroirpracasa.—Apoiado—Macdisseeentãovoltouparaacabinedegravação.Assim
que entrou, disse a Eric: — Última tentativa para essa música. Depoispassamosparaapróxima.Eric não parecia feliz,mas concordou com a cabeçamesmo assim. Ele
ajustou a faixa da guitarra, Irv preparou a mesa de som de novo e Maccontou até quarto. Começaram a tocar. Prendi a respiração quando elespassaramdaprimeiraestrofeedorefrão,omaislongequetinhamchegadoatéentão.—Sentaerelaxa.Tomaumgole—SpencedisseaLaylapuxando-apara
si.Elasuspiroue,paraminhasurpresa,pegouagarrafaedeuumgole.—Essaéaminhagarota.Melhoragora,não?Elaengoliuabebidatremendoepassouamãonaboca.—Juroquenãoseicomoessanoitepoderiaficarpior.Eusabia.PorquebemnaquelemomentoAmesapareceunaporta.Fiquei
tãoapavoradacomapresençadeleque,porumminuto,penseique fossefruto daminha imaginação.Quando ele falou, porém, tive certeza de queerareal.—Ora,vejamsenãoéumafesta—eledisse.Abriabocapararesponder,masinfelizmenteSpencefoimaisrápido:—Agorasim!—ElevirouparaAmeselheestendeuagarrafa.—Bem-
vindo,colega.Bebida?— Não — respondi por ele. Ainda me recompondo, ou ao menos
tentando,disse:—Nãoéumafesta.Elessóestãogravando.Ames fez questão de olhar para a garrafa, e para Spence caído sobre
Layla,antesdemeencarar.—Suamãenãofalounadadisso.—Ela andadistraída— repliquei.—Dequalquer forma, eles já estão
quaseterminando.—Quemdera—Irvdisse.Osgarotosestavamnofinaldamúsica;pela
primeira vez, conseguiram terminar.—Mas pelomenos chegamosmaislonge.NãogosteidojeitocomoAmesinspecionavaoambiente:Laylanosofá,
osgarotosdooutroladodovidro,Irvàmesadesom.Eentão,porúltimo,eu.
—Vamosconversaralifora—elefalou.—Podeser?Layla me observou caminhar atrás dele até a sala de ginástica, onde
Amesfezumgestoparaqueeusentasseemumdosaparelhosdomeupai.—Então—eleperguntoucruzandoosbraços—,quermedizeroque
estáacontecendoaqui?—Jádisse.Elesestãogravandoumademo.—Ebebendo—eleacrescentou.—Spenceestábebendo—corrigi.—Eunemoconheçodireito.—Emesmoassimeleestáaqui,nasuacasa,comPeytoneJuliefora.—
Ele inclinou a cabeça para o lado antes de continuar. — Preciso dizer,Sydney,queestousurpreso.Issonãoédoseufeitio.— Eles sãomeus amigos e precisavam de um estúdio. Não é nada de
mais.—Eocaradabateria?Quemé?Pisquei,pegadesprevenida.—Porquê?Eledeudeombroseentãoencostounaparedeparaexaminarmeurosto.— Só estou curioso. Vi você com ele outro dia, no estacionamento
daquele centro comercial em Mason. Vocês pareciam próximos. Muitopróximos,naverdade.Levei um tempo parame recompor. Ele aproveitou parame observar,
comumlevesorrisonorosto.—Vocêvaicontarpraminhamãe?Emvezderesponder,ele lançouumolharparaoestúdio,ondeSpence
estavaestiradonosofá,deolhosfechados,comagarrafaaolado,nochão.Laylatinhasumido,oquemefezsuporqueenfimtinhampassadoparaamúsicadela.—Nãosei—Amesdisse,enfim.—Conversamosdepois.Euqueriasabernaqueleinstante.Assimpoderiaaceitarminhasentença
earealidadedasrepercussões.MaseuconheciaAmes.Elefinalmentetinhaumavantagemsobremimenãoiaabrirmãodelatãocedo.—Sydney.Vireiorostonadireçãodoestúdio.Irvtapavatodaaportaeolhavapara
nós.—Sim?—Precisamosdevocê.OlheiparaAmes.—Váemfrente—eledisse.—Estoulogoatrás.AcompanheiIrvedepareicomLayladooutroladodovidro,comfones
nacabeça,diantedeummicrofone.EricestavanamesaajeitandoascoisasparaqueIrvpudessegravar.Atrásdemim,osomdoroncodeSpence.—Quehouve?—perguntei.— Precisamos de um vocal de apoio — Eric me informou, ainda
revirandobotõesecontroles.—Nãodátempodesobreporasfaixas.Entãoéasuachance.—Eu?—reagi,surpresa.—Eunãoseicantar.—Qualquerpessoasabecantar.—Deixe-mereformularafrase:eunãocantobem.—Não se tratadeumaópera—ele rebateu.—Sóprecisamosdeum
som de fundo. Você conhece a música, não conhece? Paulie Prescott,“Quatrodamanhã”?Claroqueeuconhecia.Depoisquesupereiminhafixaçãopelobom-moço
LoganOxford,PauliePrescottfoioprimeirobadboyporquemmederreti,aindaque sua rebeldia se resumisseapassar sombranoolhoe tocaremshoppings.“Quatrodamanhã”foiseumaiorsucesso,comumapegadameiorap,sobreoretornopracasadepoisdeumanoitadaeavontadede ligarparaumagarota,concluindonofinalqueelamereciacoisamelhor.Erabemotipodeletraqueumameninadetrezeanosqueriaouvirdeumrebeldeapaixonado.Passeisemanasescutandosemparar.—Achoquelembro—respondiparaEric.—Ótimo!—Elelevantoueolhoupramim.—Vamosfazerumaversão
acústica, bem tranquila, o oposto do original. Lembra de todas aquelasguitarras?Eratudosuperproduzido,deumjeitobemforçado.Porissonósvamos seguir o caminho inverso e tocar num estilomais leve, de baladaromântica.Comoumacançãodeamor,emvezdadeclaraçãoegocêntricadeváriosatosdebravuraquepodemteracontecidoounão.Aomeulado,Amespiscou,atordoado.—Uau.—Exato!—Eric lhe disse.—Então você só precisa entrar no refrão,
numtomabaixodeLayla,paratransmitiroaspectoderotinadisso,aideiadequenãoé sóumagarotaquesente isso,masvárias. Sóprecisa cantardoisversos:“Seiqueestádormindopertodaqui/Masmesinto longe,emoutrolugar”.Osdoisversosseguintes…—“Querotever,tetocar,tesentir/Massónossonhosvocêpodeficar”?
—emendei,decidindoparardefingirquenãosabiaaletradecor.—Isso.QueroqueLaylacanteessesdoissozinha,pracriarumcontraste.
Vejabem,seusversossãosobreaverdadedasituação:odesejo.Osoutrossãosobreoideal:oqueasgarotasqueriamqueoscarassentissemporelas.
O.k.?O raciocíniome pareceu lógico, o que era prova de como eu já estava
acostumadacomEricesuasdiscussõesmusicais.Ames,porém,soltouumsuspiro quando Eric voltou para a cabine de gravação e, em seguida,comentou:—Cara, jáouviessamúsicamilhõesdevezes.Nuncapenseineladesse
jeito.—Ninguémpensa—Irvdisseaeleenquantoajustavaalgumacoisana
mesa.VireimaisumaveznadireçãodovidroeolheiparaLayla,queassentia
enquanto Eric lhe dizia alguma coisa. Mac tinha voltado à bateria econversavacomFord.FoientãoquesentiAmesseaproximarepôrasmãosnosmeusombros.Eleapertoudeleveemanteveasmãosali,dizendo:—Entãovocêvaicantar?Nãovejoahoradetestemunharisso.Nervosa?—Não—respondi,apesardeestar.Memexiumpouconatentativade
escapar daquelas mãos, mas Ames estava perto demais, e apertoumeusombrosdenovo.—Vaiserótimo.Apenasrelaxe.Engoli em seco e fiz exatamente o contrário: enrijeci os músculos na
esperança de que ele percebesse a deixa e se afastasse. Mas não. Elepermaneceuali,comosdedosapoiadosdelevenosmeusombros,atéqueMacergueuosolhosenosviu.Aoverseurosto,meveioàcabeçaaimagemdeLaylanotribunal,meses
antes.Aperguntanoolhardela,quenaépocaaindaeraumaestranhapramim,tinhasido“Estátudobem?”.Agora,amensagemnorostodeMaceraoutra.Elesabiaqueeunãoestavabeme,porisso,tambémnãoestava.MacpareciaprestesalevantarquandoEricfalou:—Sydney,vocêestápronta?LogomedesvencilheideAmeseentreinacabinedegravação,ondeEric
me preparava um microfone. Quando me chamou para assumir minhaposiçãoali,Laylacochichounomeuouvido:—Oqueeleestáfazendoaqui?—Vaipassaranoite.Massóiaaparecerdepoisdasdez.—Argh.—Elaajustouos fonesdeouvido.—Queazar.Elevai contar
prasuamãe?—Eledizquevamosconversarsobreisso.Elame lançouumolhar preocupado enquantoAmesnosmandava um
joinha.— Juro que ficaria se pudesse— ela falou.—Mas preciso ir pra casa
ficarcomaminhamãe.—Tudobem—eudisse.Emseguida,mevirei e lanceiumolharpara
Mac,que,comoesperado,meobservava.Eutinhaapenasumsegundoparaconvencê-lo de que não devia se preocupar, que eu estava bem. Paragarantir,porém,disseemvozalta:—Vaidartudocerto.Naquele momento, apesar de tudo, eu ainda acreditava nisso. Essa
confiançapermaneceucomigoenquanto fazíamosaquele rápidoensaioe,em seguida, durante a gravação. Quase consegui esquecer de Ames dooutroladodovidroedoquepoderiaacontecerdepois.Naqueleinstante,sóamúsicaexistiapramim.OviolãodeEric,eodeFordatrásdele.Adoçuraespantosa da voz de Layla percorrendo as palavras que eu conhecia tãobem,assimcomominhaprópriavozentrandonamistura,aindaquesóporum instante. Em meio a tudo aquilo, Mac permanecia atrás de mim,marcando o ritmo, mantendo todas as peças juntas. Mais tarde, euconsideraria aquele momento a última vez que as coisas me pareceramperfeitas.Eficariagrata.Algumaspessoasjamaistêmalgoassim.—Estápronto?Todos esperávamos em silêncio enquanto Eric, de testa franzida,
pressionavaalgunsbotões.Então,dissefinalmente:—É.Está.—Aleluia—Irvdisse,falandoportodos.—Podemosircomeragora?—Vocêpassouotempotodocomendo—Laylalembrou.—Eupasseiotempotodobeliscando—eleacorrigiu.—Agoraéhora
darefeição.—Naverdade,éhoradeirembora—eladisse.—Rosieestáesperando.
Vamosguardarascoisas?Macconcordoucomacabeçaevoltouparaacabinedegravação,onde
ele,IrveFordcomeçaramadesmontarosinstrumentoseoequipamento.Noandardecima,davaparaouvirAmescircularpelacasaenquantoLaylafocavaemSpence,aindacapotadonosofá.Elenãotinhasemexidonemummilímetrodepoisquecaíranosono.—Aindabemqueeleficasóbriorápido—elamedisseaoseaproximar
donamoradoebalançaroombrodele.—Spence.Acorda.Horadeir.— Sómais cincominutos— ele balbuciou com o rosto enterrado nas
almofadas.Laylabalançouacabeçaepegouagarrafadevodcadochão.Começoua
fechar a tampa, mas mudou de ideia, abriu e deu um gole. Depois, me
ofereceu.Eurepassariaessemomentonaminhacabeçaváriasvezesnaspróximas
semanas. Foi uma besteira tão grande, uma questão de segundos.Entretanto,foiumdivisordeáguasnaminhavida.Nãoseiporquepegueiagarrafaeleveiàboca.Talvezporcausadanoitelonga.Ouporcausadoqueaindaviriapelafrente,comacompanhiadeAmes.Nãoimportavaomotivo:eutomeiumbomgoleeengoliavodcaapertandoosolhos.Quandoosabridenovo,minhamãeestavanaporta.Assim comoAmes, ela simplesmente apareceu. Quando olhei para seu
rosto,omundoparou:ovidrolisodagarrafanaminhamão;opédeSpencependendo do sofá; os rapazes passando pela sala, conversando entre si;Laylaaomeulado,igualmentesurpresa.Maisumavezagarrafanaminhamão.—Sydney?—minhamãeperguntou,comosenãotivessecertezadeque
eraeuali.Arugaentreassobrancelhasdelanuncafoitãoprofunda.—Oqueestáacontecendo?—Mãe— eu falei rápido, soltando a garrafa;me pareceu importante
fazerisso,emboraeusoubessequenãomudarianada.—Nãoé…Elesestãosóusandooestúdio.— Você está bebendo— a afirmação soou tão incrédula que poderia
muitobemtersidoumapergunta.—Naverdade,não.Eladirigiuo olharpara a vodca edepoispara Spence, que roncavade
levenosofá.—Querdizer—retomei—,sótomeiumgole.Agora.—Vocêestábebendo—elarepetiu.Edepois,olhandoparaacabinede
gravação:—QuemsãoessaspessoasnoestúdiodePeyton?—Abandadomeuirmão—Laylainterveio.Minhamãeolhoupraela.—
Mac. Você o conheceu na pizzaria, lembra? Eles precisavam gravar umademo,eSydney…—Eucomenteicomvocê,lembra?—atropelei.—Eeudissequenão—avozdelasaiucortante,assílabasafiadas.Ela
meencarou.—Vocêmedesobedeceudeliberadamente, Sydney.E trouxeálcoolparadentrodecasa,semfalarnessaspessoasquenãoconheço.—Mãe…Elaergueuamão.—Podeparar.Nãoqueroouvir.Tiveumanoitelongaepéssima.Quero
queselivredessagente.Agora.Layla logo semexeu e sacudiu Spence com força suficientepara enfim
acordá-lo.—Quê?—elebalbuciou.—Vamos—eladisse.Emseguida, foiatéamesaeapertouobotãode
comunicação.—Acelerem,pessoal.Horadeirembora.Eric,decostasparanós,suspirou.—Estamosindoomaisrápidopossível.Oequipamentoédelicado.—Vámaisrápido—eladisparouebateuamãonamesa.Ao ouvir isso, todos pararam de se mexer e olharam para nós e,
finalmente, viramminhamãe.Macarregalouosolhos.Eraestranhovê-losurpreso.Quandomedeiconta,elejáestavavindonanossadireção.Ai, Meu Deus, pensei, ao mesmo tempo grata e apavorada de vê-lo
atravessaraporta.Laylaocupava-secomSpence,entãoeuestavasozinhacomaminhamãequandoeleseaproximou.—Sra.Stanford—eledisse—,nãoé…Sydneysóestavamefazendoum
favor.Eunãoadeviaterpostonessasituação.Aculpaétodaminha.Sintomuito.Aspalavrassoaramtãoverdadeiras, tãogenuínas,queaquecerammeu
coração.SemprequeachavaquejásentiatudooqueerapossívelporMac,descobriaqueosentimentoaindapodiaaumentar.Deslizeiamãopelobraçodeleeenlaceiosdedosnosseus.—Vocênãoprecisavadizerisso—falei.—Maseuqueria—elereplicou.—Desculpa,masquemévocê?—minhamãedisparou.—Mac—eudisse.—IrmãodaLayla.Meuamigo.— Namorado— outra voz disse, vinda do lado de fora. Ames.— Ou
namoradoouumcaraqueelabeijaemestacionamentosporaí.—Comoé?Me virei devagar e encontrei Layla imóvel atrás demim. Ela encarava
nossas mãos ainda unidas do mesmo jeito que minha mãe tinha olhadoparaagarrafa,comosenãopudesseacreditarnosprópriosolhos.—Euviosdois—Amescontouparaaminhamãe.—Eunãoiacontar,
penseiqueSydneydiria.Agoravocêjásabe.—Agoraeusei—minhamãerepetiu.Emseguida,perguntouaMac:—
Essabebidaésua?—Não—elerespondeu.—Nãoé.— Quero essa gente fora daqui, Sydney — ela me disse por fim. —
Entendeu?—Sra.Stanford…—Maccomeçou.—Nãomedirijaapalavra!—Elamanteveosolhosfirmes,sombriose
furiosos cravados nos meus. — Apenas saia da minha casa e leve seusamigosjunto.Agora.Maccontinuousegurandominhamãopormaisuminstanteatéabriros
dedosesoltar.A chegada deles para montar o equipamento tinha sido recheada de
conversas: instruções de posicionamento, discussões sobre a vértebra deEric, todaaagitaçãonormaldeumgrupodepessoas tentando fazeralgoemconjunto.Jánahoradeirembora,ninguémabriaaboca.Permaneciali,parada,retribuindooolhardaminhamãe,aindacravadoemmim.Depoisdepassartantotempoinvisível,agoraeuerao focodasatençõesdela.Sóquenãocomogostaria.Tinhaconsciênciade tudoaomeuredor:Laylapassandopormimsem
dizer nada, arrastando um trôpego e sonolento Spence atrás de si. AexpressãocautelosanosrostosdeEriceFord.E,por fim,Mac,oúltimoanosdeixar. Só entãominhamãedesviouoolhardemimpara focarnele,coisaquenãoconseguifazer.Euaindanãotinharecebidomeucastigo,nemsabia o que aconteceria depois.Mas todoo espaçoque se abrira nomeucoração depois de tanto tempo já começava a se retrair. Quando elescruzaramaportaeforamembora,sentimeucoraçãofechar.
19
Não estávamos no tribunal e ninguém me pediu para levantar. Mesmoassim,sabiareconhecerumacondenaçãoquandoviauma.Minhamãe,sentadadooutroladodamesa,limpouagargantaedepois
olhou para o meu pai. Eram sete da manhã do dia seguinte; meia horaantes,eletinhamepedidoparalevantar,tomarbanhoedescer.Aprimeirapartefoi fácil, jáqueeunãotinhadormidoanoitetoda.Oqueestavaporviréqueseriadifícil.—Sydney—elecomeçou;tensa,cruzeiaspernasdebaixodamesa—,
achoquenemprecisamosdizerqueestamosmuito,muito decepcionadoscomvocê.Fiqueicalada.Sabiaquenãoerahoradefalarainda.—Suamãedisseclaramentequeseusamigosnãopodiamusaroestúdio
—eleprosseguiu.—Aindaassim,vocêoschamou.Vocêémenordeidadeeconheceasregrasdestacasa.Mesmoassim,haviaálcool,evocêbebeu.Nãoconseguisegurar:—Eusó…Ele ergueu amão,mas foi o olhar cortante daminhamãe queme fez
interromperafrase.—Vocêsabeoquantonósnospreocupamoscomseuirmãoeasituação
dele. Sinceramente, é inacreditável que você tenha decidido aumentarnossofardo,dofardodestafamília,comessetipodecomportamento.—Nãoqueria aumentaro fardodeninguém—eudisse emvozbaixa
comosolhosfixosnotampodamesa.—Sóquisajudarumamigo.—EssetaldeMac?—minhamãeperguntou,pronunciandoonomedele
comosefosseumadoença.—Amesdissequeéseunamorado.Sentimeurostocorar,deraivadessavez.—Amesnãosabenadasobremim.— Claro. Ele veio na expectativa de assistir um filme com você e
encontrouumafesta.—Nãoeraumafesta!—Sydney!Haviaumrapazbêbadoaqui!—EraonamoradodeLayla,eeunãooconvidei.Eumaloconheço!—Ah,queótimo.Ficomaisaliviada—minhamãedisse.—Nãofoiissoque…—Fizumapausaemeobrigueiarespirarfundo.—
MaceLaylasãomeusamigos.AbandadeMactinhaachancedeparticipardeumfestival,masparaissoprecisavagravarumademo.Enóstemosumestúdio.—Umestúdio—minhamãeacrescentou—queeudissequevocênão
podiausar.—Masnocomeçovocêdeixou!—relembrei.—Naquelanoiteemque
pedimospizza.Vocêestavaabertaà ideia.EentãoPeytontelefonou, ficoubravocomvocêe,donada,vocêmudoudeideia.—Nãoestamosfalandodoseuirmão—meupaidisse.—Pra variarumpouco!—eudisse.Ambos ficaram surpresos:minha
vozsaiumaisaguda,maisaltadoqueeuesperava.—TudogiraemtornodePeyton.Otempotodo.O.k.,euentendo.Masissoerasóumacoisinhapramim,queeuqueria.—Vocêqueriachamarosamigosprabebersemsupervisãoemcasa—
minhamãedisse.—Bom,queótimo.Simplesmentemaravilhoso.—Não—eufalei,numtomaltoosuficienteparaganharumolharduro
domeupai.Baixeiavoz:—Queriafazeralgoparaagradecermeusamigos.Parapagarumpoucodadívidaquetenhocomelespormeacolherem.Sóisso.Minhamãe bufou e tomou um gole de café, ao passo quemeu pai se
inclinounaminhadireção.—Achoquevocêentende—eledisse—queéumasurpresaparanós
vervocêtãopróximadepessoasquemalconhecemos,apontodequebrarasregraseanossaconfiançadessejeito.—Euqueriaquevocêsconhecessemmeusamigos—eudisse.—Ainda
quero.ConvideiMacpraentrarnaquelanoite,quandoconversamossobreoestúdiopelaprimeiravez.Vocêoconheceu,pai.Nãoerasegredo.—Ah,quebom—minhamãedisse.—Porqueeujáestavaachandoque
tinhamentidoarespeitodetudo.—Porquevocêsestãoagindoassim?—pergunteiaela.—Nãosouuma
máfilha,evocêssabemdisso.Foiumanoite,umerro.Esintomuito,masvocêsnãopodem…— Seu irmão também começou com um erro — ela rebateu. — Que
levouaoutro.Edepoisoutro.—EunãosouPeyton—falei.Parecialoucuraterquedizerisso,jáque
ao longo de toda a minha vida eles fizeram questão de deixar isso bemclaro.—Vocêestácertíssima:nãoé.Enãovaificardaquelejeitoenquantoeu
estiverporperto.—Elaafastouacadeiraelevantouantesdecontinuar:—A primeira coisa que faremos na segunda-feira será ir até a Perkins Dayacertarsuatransferência.Enquantoisso,vocêvaidaescolaparacasaesó.Querovê-laaquitododiaàstrêsemeiaatéresolvermostudo.—Resolvermos tudo?—minha voz emeu pânico cresceram.—Você
nãopodemeobrigaratrocardeescola.De repente, ela vooupara a frente, por cimadamesa, e bateu asduas
mãosnamesa.—Eu—eladisse,comosolhoscravadosnomeurosto;leveiumsustoe
tenteirecuar—possofazeroquequiser.Sousuamãe,euditoasregras.Edeagoraemdiantevocêvaisegui-las.Epontofinal.Ela se afastou e endireitou o corpo, mas eu fiquei onde estava. Ainda
agarravaosbraçosdacadeiraquandoelasaiu.Meupaipermaneceualiporunsinstantes,calado.Ambossabíamosque
ele a seguiria, como sempre. Mais tarde, porém, me recordaria apenasdesse silêncio. Como se aquela fosse a chance de fazer meus paisinverteremseusrespectivospapéis.Talvezeleteriaescutadoseeudissessealgumacoisa.Nãocustavanadatentar.Maseujamaissaberia,porquelogoeleestavalevantandoeajeitandoacadeira.Fimdojulgamento.Eu tinha que agradecer a Peyton por tudo o que acontecera naquela
noite.Depoisdanossaconversa,elede fato tinhaconseguido falar comaminhamãenocelular,bemnahoraquemeuspaischegavamaohotel.Davaparavisualizaracena:elaatendendocomorostoradiante, comosempreacontecia quando escutava a voz dele; o sorriso murchando quando eledissesse que definitivamente não a queria lá. Imaginei-a resistindo,explicando, falando com a voz embargada e os olhosmarejados. E entãosilêncioparaouvirPeytondizerquenãoparticipariadacerimônia,mesmoqueelafosse,eenfimdesligar.Era muito fácil imaginar tudo isso, bem como a viagem de volta e o
momento em que ela entrou em casa e Ames lhe contou o que estavaacontecendoláembaixo.Oestranhoeraque,apesardeeutervistoascenasseguintescomosprópriosolhos,essaeraaúnicapartequeaindapareceria
surreal.Namanhãdedomingo,minhamãeestavadescansadaeprontaparase
concentrar num novo projeto: eu. Isso ficou claro no momento em quedesciparaocaféeaencontreiàmesacomumapastanovaemfolhaeumacanecadecafé.— Entrei em contato com a diretora Florence — ela disse sem me
cumprimentar—eelaachaquemudarnomeiodosemestrenãoseriabompravocê.Pareiondeestavaparaofereceràsra.Florence—umamulheraltacom
caradepássaroquenuncagostaramuitodemim—minhagratidãoeterna.—EntãovoupoderficarnaJackson?Minhamãepegouocaféedeuumgole.— Até o final do ano letivo, sim. Depois vamos rever a situação.
Enquantoisso,faremosalgumasmodificações.Aquilonãomeparecianadaanimador.Fuiatéageladeiraepegueileite
para o cereal. Tinha certeza que minha mãe estava esperando que euperguntasse o que ela tinha em mente, mas meu único poder naquelemomentoeramerecusarafazerisso.Entãofiqueiquieta.—FizsuamatrículanoKigerCenter—eladisse.—Amanhãcomeçam
suas aulas de reforço para os exames de admissão das faculdades. Desegundaasexta,dastrêsàscinco.OKigerCentereraondeJenntrabalhava,nocentrocomercialemfrente
àportariadeArbors.—Maseutenhoboasnotas.Evoubemnossimulados.—Sempreháoquemelhorar—eladisse.—Alémdisso,háumgrupode
estudo do Kiger que se reúne na Jackson na hora do almoço. Tambéminscrevivocênele.—Vouterqueestudarnoalmoço?Elaergueuosolhospramim.— Você está no segundo ano agora. A preparação para os exames é
crucial.Precisadetodoestudopossível.—Mas—comecei,percebendonoatoquequalquerargumentaçãoseria
inútil—eupraticamentesóvouestudar.Elaabriuapastaeescreveualgumacoisanumafolhadepapel.— Bom, assim você vai estar mais do que preparada para voltar à
Perkinsdepoisdasfériasouparafrequentaralgumadasoutrasescolasqueestouanalisando.—Outrasescolas?Acoisasópiorava.
—Naverdade,apareceramváriasopçõesdesdeaúltimavezquefizessetipodepesquisa—eladisse,pegandoumafolhaepondodiantedemim.—Kiffney-Brownéaprimeiradaminha lista,masvocêvai terquedarduroparapassarnoexamedeadmissão.Tambémacabaramdeabrirumaescolavocacional focada em matemática e ciências. Parece interessante, masaindanãolimuitosobreela.Euachavaquetodaatristezaquevinhasentindodesdeaquintaanterior
jáhaviaatingidooápice.Aplanilhaimpressacominformaçõesdasescolas—amédiaderesultadosnosexames,amensalidade(quandohavia)eosrequisitos de matrícula— provou que eu estava errada. Eu sabia o queacontecia quando minha mãe se dedicava a um novo projeto. Peytonfinalmenteconseguirafazercomqueelaparassedeorganizaravidadele.Agoraelapodiafocartodooseuarsenalderecursos—etodooseutempodisponível—apenasemmim.—Elaestáapenasreagindo—Macmedissequandolheconteitudo.Tirarmeucelularaindanãoerapartedocastigoplanejadopelosmeus
pais.Porissoeumandavamensagenseligavapraelesemprequepossível.—Elaficouassustada—elecontinuou—quandoviuvocêcomaquela
garrafaetodosnósali.Lembroudemaisoseuirmão.—Ela quermemandar para a Kiffney-Brown— falei.—É, tipo, uma
escola para superdotados. Ela está delirando.Nem com todo o tempo deestudoqueelamearranjoueuteriachance.— Ainda assim seria melhor do que a escola vocacional. Irv tem uns
amigosláedizquepareceumafaculdade.Maistristeza.Nãoporcausadosestudos,emboraissoestivesselongede
serumalívio.Opiorera ficar longedeMac,deLayla,daquelemundoemqueeutinhaencontradoumlugar.Issoseelesaindamequisessem.—Elacomentoualgumacoisa?—pergunteidenovopraele.Desdeoocorrido,mandeiinúmerasmensagensparaLaylaechegueiaté
agravarumanacaixapostal,masnãotivequalquerretorno.Paraserjusta,elatinhadeixadobemclaraaregrasobrenamorarMac.Maseuqueriaseuperdãoou,senãofossepossível,pelomenosumachancedemeexplicar.—ElaestáenroladacomSpence—elerespondeu.—Dramatotal.Você
sabecomoelessão.Foi gentil dapartedeledesviar o assunto,mas sómedeixoupior. Pra
mim,osChathameramcomoaquelecarrosselnomeiodafloresta.Depoisdemuitotemposemsaberdesuaexistência,porpurasortetrombeicomeles.Agoraeueraincapazdeesquecerevoltarasercomoantes.Sósaberqueelesexistiamjámudavatudo.Principalmenteamimmesma.
Namanhãdesegunda,minhamãememandouparaaescolacomumapastacontendoasinformaçõessobreogrupodeestudosdoKigernahorado almoço (Frequência diária, ela tinha destacado em amarelo-fluorescente),bemcomoumenvelopecomtodososdetalhesdasatividadespós-escola.Quandochegueinomeuarmárioantesdoprimeirosinal,Macestavaàminhaespera.Oúnicoladobomdetudoaquilo—eeramuitobom—foinãoprecisarmosmaisnosesconder.—Ei—eledisse—,quantotempo.Sorri,oupelomenostentei,elogoelemeabraçouforte.Apesardetodaa
barulheiratípicadaJacksonaonossoredor,tudopareceuficaremsilêncioquando pressionei o rosto contra a camiseta dele e senti a medalhinhacontraaminhatesta.Elecheiravaasaboneteecafé,eaminhavontadeeradeficarali,respirandosomenteaquelear,pelomaiortempopossível.Masosinaltocou.Elemeacompanhouatéasala,medeuumbeijoesumiunamultidão.Entreasaulas,euprocuravaporeleotempotodo,etambémporLayla.
Aquela escola, tão vasta e infinita nomeuprimeiro dia, tinha se tornadonavegável,familiaraté,depoisquefizeraamigoslá.Semcontatonoalmoço,minhas chances de ver qualquer um deles dependiam do acaso. Entre asegunda e a quarta aulas, consegui avistar Eric no meio das pessoas.Desviava todos os meus caminhos sempre que possível para passar nafrentedoarmáriodeLayla;elanuncaestavalá.Noalmoço,correndoparairaogrupodeestudos,estiqueiopescoçonumajanelanatentativadeverosbancos onde eles sentavam, mas em vão. O plano da minha mãe estavafuncionando.Euestavasozinhadenovo.Eeramuitomaisdifícildessavez.— Vai ficar tudo bem — Mac me disse naquela tarde durante uns
pouquíssimos minutos que conseguimos passar juntos na caminhoneteantesde eu irparaoKiger.Minhamãe já tinhaenviadoduasmensagenspara lembrar que eu devia estar lá às três e meia em ponto para umaapresentação do programa.— É só o primeiro dia. Vamos dar um jeito,prometo.Euqueriaacreditarnisso,masconheciaminhamãe.Quandoelatinhaum
projeto nas mãos, agarrava-o cada vez mais forte. Mas não disse issoquando ele se inclinou e seus lábios encontraram os meus. Quandofinalmente nos afastamos, abri os olhos e vi Layla do outro lado doestacionamento.Elaestavacomajaquetadoexércitoeocabelosoltosobreosombros.Quandonosviu,paroudeandar.Olhamosumaparaaoutraporummomento,Macnomeio,semperceber.Elaentãodeuascostasevoltoupelocaminhodeondetinhavindo.
— Certo — Jenn me disse naquela tarde, depois que minha mãe
finalmente foi embora do Kiger depois de ter exaurido todomundo comsuasperguntasepreocupações.Faltavamquinzeparaascinco,entãonãodavatempodecomeçarnada,masminhamãeinsistiuqueeuficasseláatéofinalmesmoassim.—Oqueaconteceu?Estávamosnarecepção.Osalunosdela,quase todosgarotosdeArbors
noensinofundamental,faziamumsimuladonofimdocorredor.—Aversãocurtaéquechameimeusamigosparairememcasaquando
minhamãeestavafora.Elavoltouantesemepegoubebendo.Jennarregalouosolhos.Semprepodiacontarcomalgumareaçãodela.—Sério?Confirmeicomacabeça.— A versão longa tem a ver com a minha tentativa de ajudar meus
amigos,Ames sendosinistro comosempreea chegadadaminhamãenoexatomomentoemquetomeimeuúnicogoledeálcool.—Aversãolongaparecemaiscomplicada.—Porissoqueélonga.—Recosteinacadeiradesconfortávelquehavia
escolhido; ela claramente tinha sido feita para as pessoas sentarem porpoucotempo,nãoparaficaremconfortáveis.—MeuspaisiamparaLincolnparticipardeumeventodePeyton.Maselefalouquenãoqueriaqueminhamãe fosse. Ela voltou pra casa, me pegou no flagra e estou basicamentepresaemcasadesdeentão.—Comexceçãodasaulasdiáriasaqui—Jenndisse.Elaolhouparaos
lados,baixouavozeacrescentou:—Aulasqueninguém frequenta,aliás.Nemquemprecisa.Evocênãoprecisa.—Elame inscreveu no grupo de estudos doKiger na hora do almoço
também.—Quê?—Olhosaindamaisarregalados.Céus,comoeuamavaJenn.—
Oqueelaquer?Quevocêadianteumanooucoisaassim?—OobjetivodelaéaKiffney-Brown.Ouanovaescolavocacional.—Nossa,vocênãovaiquerernenhumadasduas.OsalunosdaKiffney
sãotãocompetitivosquechegamasersanguinários.EétãodifícilentrarnaMarks Charter que sei de gente que teve que tomar diazepam de tantoestudarprapassarnaprova.—EssaeramesmoaespecialidadedeJenn.—Dequalquerforma,todomundosabequeacontinuidadedosestudoséalgoqueasfaculdadeslevamemcontanaseleção.Suamãerealmentequerquevocêtenhadeexplicarporquefrequentoutrêsescolasemdoisanos?
—AchoquenomomentoelasóquermemanterlongedeMaceLayla.Orestoésecundário,apesardeelaseesforçarparafingirquenão.Risinhossoaramnofimdocorredor.—Eu estou ouvindo tudo!— Jenn gritou, e logo o silêncio voltou. Ela
soltouumsuspiro,balançouacabeçaeperguntou:—EuseiqueméLayla.MaseMac?—Irmãodela—respondi.—Oentregadordasuafesta?Vocêlembra?—Tentoapagaraspoucaslembrançasquesobraram.—Jennlimpoua
garganta.—Qualoproblemadasuamãecomele?Baixeiacabeça,tentandopensarnumjeitodeexplicaroquehaviaentre
mimeMac.FoientãoqueouviJenndarrisada.Paraamigasdelongadata,osilênciojádiztudo.—Sydney!—ela falou,medandoumtapinhanaperna.—MeuDeus!
Porquevocênãomecontou?!—Éque…—Você está vermelha!— ela exclamou.— Então é por isso que não
estavaquerendosairnosúltimosdias…Levanteioolharparaela.—Desculpa.Tenho sidoumapéssima amiga.Achoque…estavamuito
envolvida.Ela ficouemsilêncioporuns instantes,digerindominhaexplicaçãoeo
pedidodedesculpas.Masdepoissorriu.—Tudobem.Masvocêprecisamecontar tudo.Equeroveruma foto.
Vocêtem?Eu tinha. Várias. Algumas daquela noite no carrossel, outras poucas
tiradas do banco do passageiro enquanto circulávamos pela cidade nacaminhonete.Masapenasumadenósdois juntos,queeu tinha tiradonacabinedocarronaquelatardenoparque.Euhaviaestendidoobraçocomocelular namão e encostado nele, que apoiara o queixo naminha cabeça.Davapraverasfolhascaindoláforaatrásdenós.Clique.—Uau— Jenndisse ao chegarnessa.—Eudevia estarmuitobêbada
mesmo,porquedessecaraeulembraria.Abriumsorrisoetambémolheiprafoto.— Ele é muito legal. E tudo isso só aconteceu faz, tipo, muito pouco
tempo.Eagoratemorolocomaminhamãe,eLayladescobriuqueagenteestavajunto…—Descobriu?—elarepetiu.—Porquê?Erasegredo?—Era.Maisoumenos.—Guardeiocelular.—Aúltimaamigadelaque
namorouMacodeixouarrasado.
—Mas vocênão faria isso—ela disse, com tanta certeza quepareciaenunciarumteoremaouumfatohistórico.—Elasabedisso,nãosabe?—Esperoquesim—falei.—Nomomento,nãoestáfalandocomigo.Jennrecostounacadeiraecruzouaperna.—Uau.Nãonosfalamosporumaouduassemanasetudonasuavidajá
mudou.Aúnicamudançanaminhafoiotoquedocelular.—Paracomisso—eudissecomumsorriso.—É verdade!—Ela olhou para os carros passando na rua lá fora.—
TalvezeudevessemetransferirparaaJackson.—Sim!Aívocêpodeirnogrupodeestudoscomigo.Jennriueolhouparaorelógio.—Melhorvoltarparaosmeusburrinhos.—Jenn!—exclamei,surpresa.—Ah,porfavor.Nãoésegredonenhum,acredite.Amaioriadelesestá
fazendoessaaulapelaterceiravez.Elaseinclinouparaafrenteemedeuumabraçorápido.— Odeio que você tenha vindo parar aqui, mas estou feliz por nos
vermos.Issoéruim?—elaperguntou.Balanceiacabeça.— Não. Só não enjoe de mim. Vou aparecer bastante se depender da
minhamãe.—Jamaisvouenjoar—elameconfortou, levantandoemseguida.—A
gentesevêamanhã?—Isso.Ela seguiu pelo corredor e entrou numa porta à esquerda. Continuei
sentadaatéorelógiodarecepçãobaterascincoemponto,entãofuiparaocarro.Eutinhaacabadodeentrarquandomeucelularapitou.Eraaminhamãe.
Jáestávoltandopracasa?
Chegueiatéaolharpros lados,desconfiadadeque talvezelaestivesse
meobservandodealgumlugarporali.Nãomesurpreenderia.Respondi:
Estou
Fiz uma pausa antes de dar a partida e engatar a ré.NoKiger Center,
algunsdos“burrinhos”deJenncomeçavamasair,conversandoentresi.
Nosvemosem5min
Foiarespostadaminhamãe.Paraalgumaspessoas, tratava-sedeuma
figurade linguagemcomum.Mas eu sabiaque ela estava literalmentedeolhonorelógio.Dirigiomaisdevagarpossível,comoseissopudessemudaroqueestavaàminhaespera.Quandopareinagaragem,pudevislumbrartodasas tardesseguintesenfileiradasdiantedemim,comoquadradinhosperfeitos no calendário. Tive vontade de acelerar para longe dali e nãoolhar pra trás. Mas eu era uma boa filha, apesar do que meus paispensavam.Entrei.
20
2 vegetarianas extragrandes, 2 margueritas extragrandes. Salada grega. Anéis decebola.Valendo.
Pegueiocelularaoladodolivrodecálculo.Sorrindo,escreviaresposta:
Garotas. Vegetarianas mas não saudáveis. A que pediu salada também pediu osanéis.
Apertei ENVIAR e esperei. Era uma noite de quinta-feira, e fazia duas
semanasqueeuestavaseguindoanovarotina.Pareciamaistempo—anos,prasersincera—,apesardeeuterarranjadoumjeitodeverMacalgunsminutosantesdaescola,umpouquinhodepoisenocaminhoparaogrupodeestudosnoalmoço.Ànoite,noquarto,enquantofaziaaindamais liçãode casa, deixava o celular àmão paramantermos contato o tempo todo.Nãoeraomesmoqueoacompanharnasentregas,masservia.Logo que comecei a nova rotina, tínhamos nos encontrado no meu
armárioantesdoprimeirosinal.Macentãomepediuparafecharosolhoseestenderamão.Foioquefiz,ealgocaiunela.—O.k.Podeolharagora.Abriosolhoseviumacorrentinhadeprata,igualàdelesóquemaisfina
elonga,comumamedalhinhadesanto.Nãoeraamesmasantaqueadele;eraoperfildeumhomemolhandoparacima.—Quemé?—perguntei.— Não faço ideia. Encontrei num pote da minha mãe cheio de
medalhinhas— ele respondeu.— Primeiro procurei uma igual àminha,depoisalgumsantoquereconhecesse.Entãopenseiquetalvez fossemaislegal ter um santo misterioso, sabe? Que não serve para uma coisa
específica,masqualquercoisa.Assimelepodeseropadroeirodoquevocêquiser.Girei amedalhinha namão. O verso, assim como a imagem da frente,
estavabemgasto,easpoucaspalavrasalieramilegíveis.—SantoQualquer.—ErguiosolhosparaMac.—Amei.Obrigada.—Denada.Elepegouacorrentinhaeabriuo fecho.Euvireidecostase levanteio
cabelo.Eleapassoupelomeupescoçoeprendeu.Amedalhaficoubaixa,naalturadomeucoração.Pareciaolugarcerto,jáqueeraaliqueeumantinhaMac também. Daquele momento em diante, ela se tornou um lembretediárioeconcretodeque,apesardepassarmuitotemposozinha,eujánãoestavasó.Nãomais.Embora eu continuasse a fazer tudo o queminhamãe queria, ela não
recuavanemummilímetro.Continueicomohorárioapertado;meusdiasconsistiam apenas em escola e estudo. Me tornei uma presença tãoconstantenoKigerqueatémeofereceramumempregonarecepção.Esórecebiautorizaçãoparaaceitarporqueerapertodecasaecairiabemnosformuláriosde inscriçãopara asuniversidades.Então,no lugardas aulasqueJenngarantiuàminhamãequeeunãoprecisava,euatendiaotelefone,tiravadúvidaseajudavaaaplicaros simulados.Estavabem longede sertãodivertidoquantoentregarpizza.Maspelomenoseraforadecasa.De volta ao meu quarto e às mensagens, Mac me mandou outra uns
minutosdepois:
Acertoudenovo.Apartamentocheiodeestrogênio.
Vocêduvidoudemim?
Pausa.Eentão:
Não.
Essasmensagens—somadasàsconversasbrevesentreasentregaseas
maislongasquandoelechegavaemcasaefaziaaliçãoantesdedormir—eramo queme fazia suportar aquela situação. O celular, que antes eu jáconsideravanecessário,passaraaseroúnicovestígiodaminhavidaantesda noite no estúdio. A escola e aminha casa estavam diferentes,mas asminhasfotos,minhasmensagenseotoquequetinhaprogramadosópara
Mac (sinos, comonumcarrossel) eramaprovadequeeu jáviveraoutravida.Mesmoqueelaestivessesuspensaporenquanto.—De verdade, você não está perdendomuita coisa— eleme contou
certanoite.—Irvaindacometudooquevêpelafrente.Ericestáobcecadocom a ideia de arranjar o nome perfeito para a banda antes do festival.Tudonamesma.—Easuamãe?A sra. Chathamprecisara ir ao pronto-socorro duas vezes nos últimos
diasporcausadeumproblemadepressãocausadopormaisumremédionovoquevinhatomando.Emambasfoiliberadarelativamenterápido,masdavapranotarainquietaçãodeMac;acautelanaturaldesuavozpassavaparaumapreocupaçãoescancarada.—Estámelhor—elerespondeu.—Voudizerquevocêperguntou.Ficamosemsilêncioporumtempo.Entãofinalmentesoltei:—ELayla?—Elaestásuperando—elemedisse.—Dêmaisumtempo.Isso eupodia fazer: tempo eraaúnica coisa que eu tinha,mesmoque
não pudesse escolher como empregá-lo. À tarde, quando sentava narecepção do Kiger ou namesa da cozinha de casa pra fazer lição, sentiamuita saudade de Layla. Não a saudade aguda e dolorida que nutria porMac,masumsentimentomaisamplo.EupensavanosnossosmomentosnaSeaside, a mesa cheia de bordas de pizza, ela batucando com o lápisenquantoolhavapelajanelaaosomdobluegrassdajukebox.Acomplicadapreparaçãodasbatatasfritasnoalmoço.Suavoz,cantandoemaltoebomsom,ourindoaotirarsarrodeEric.MesentiacomoaDorothydoMágicodeOz:passaradopretoebrancoparaocoloridoedepoisvoltaraaopretoebrancodenovo.Eraprecisoprimeiro teralgo—umamudança,uma luz,umaamizade—parasentirsuaperda.Eeudefinitivamentesentia.EutambémtinhapercebidoquePeytonjánãoestavamaistelefonando.
Umoudoismesesantes,talveznemtivessenotado—esetivesse,ficariaaliviada. Mas agora, nos dias que estava em casa, eu sintonizava no BigNovaYorkouLosAngelesetentavameconcentrar,pensandoquetalvezelee os amigos estivessem fazendo o mesmo. Só que em vez de me sentirmelhor,issomefaziasentirumafaltainexplicáveldele.Tudotinhamudadotanto.No sábado seguinte, eu estava no trabalho ajudando uma menina do
nonoanocomuniformedehóquei abaixaronossoaplicativo.Comonãoconseguiadescobrirseoproblemaeranocelulardelaounanossainternet,abaixeiatrásdobalcãoparareiniciaromodem.Quandolevantei,deicom
Spencenaminhafrente.—Ei—eledisse,exibindoaquelesorrisocharmosoqueeulembravado
DiadasTrêsPizzas.—Olhasóquemestáaqui.—Poisé—eudisseenquantogesticulavaparaagarotatentarbaixarde
novo.—Oquevocêfazaqui?—Aula de reforço— ele respondeu, enfiando asmãos nos bolsos.—
Preciso melhorar as notas. Ouvi dizer que as monitoras daqui sãosupergatas.Éverdade?Amenina do nono ano deu um passo para o lado para aumentar sua
distânciadeSpence.Garotaesperta.—ComoestáLayla?—perguntei.Eledeudeombros.—Bem.Nãotenhoconseguidoencontrarmuitocomelaultimamente.A
merdabateunoventiladorláemcasa.—Nãomediga.—É.—Eleabanouamãoecomessegestoresumiuahistóriatoda.—
Fazeroquê?Seeuderascarasaquiporumtempo,limpoaminhabarra.Nesse momento Jenn apareceu no corredor para acompanhar seus
alunosdasduashorasatéasaída.Enquantoelesseespremiampelaporta,elasoltouocorponacadeiraaoladodaminha.—Jásãocincohoras?—perguntou.—Emalgumlugar,sim—Spencerespondeu,apoiandooscotovelosno
balcão.—Éoquesempredigo.Jennabriuumsorrisoeducado.PuxeiaagendadaKigernocomputador
edisseaela:—EsteéSpence.Seualunodastrêshoras.— Caramba, não acredito— ele disse, com um sorriso malicioso pra
mimedepoispraela.—Meudiaacaboudeficarmelhor.Eoseupior,escrevinumpapelzinhoquedeslizeiparaJennporbaixodo
balcão.Ela arqueouas sobrancelhas.É o namorado da Layla, acrescentei.Àquelaaltura, já lhecontaraosuficientedaversão longadahistóriaparaqueeladispensassemaisdetalhes.—Certo—eladisseaolevantar.EntãoperguntouparaSpence:—Você
trouxeomaterialdeestudo?—Materialdoquê?—A lista que enviamos por e-mail? Com o que precisamos para cada
aula?Spenceolhouparamim.—Minhamãequemearrumouisso.Nemseiquelistaéessa.Foimal.
Jennsuspirouecontornouobalcão.—Venha.Ele foi, e assim começou a primeira de muitas aulas de reforço
“excruciantesedolorosas”,naspalavrasdeJenn.—Oproblemanãoésóeleseacharomáximo—elamecontoudepois,
quandonospreparávamosparasair.—Emboraeleseachemesmo.Équeeletambémémuito,masmuitoburro.Nãoéumacombinaçãomuitoboa.NãoconsigoentendercomoLaylaosuporta.—Elaseriaaprimeiraaadmitirquenãotembomgostoparanamorados
—comentei.—Enemseiseosdoisaindaestãojuntos,aliás.—Pelobemdela,esperoquenão—elafalouaofecharabolsa.—Nem
conheçoessagarota,mastenhocertezaquemerececoisamelhor.Ao que parecia, Layla ainda não tinha se dado conta disso. No sábado
seguinte,olheipela janelaeviRosieestacionarna frentedoKiger.A sra.Chathamestavanobancodopassageiro.Quandoelavirouparaoassentodetrás,viLayla,ajeitandoabolsanocolo.Seucabeloestavacaídonoolho,entãoelanãomeviuaoresponderamãeesairdocarro.Foisóquandoocarrosaiuqueelaolhoupradentroenossosolharessecruzaram.Nuncaesqueçoumrosto,elamedisseratantassemanasantes.Porém,me
pergunteioqueestariapensandonaquelemomento,encarandoomeu.Elaestavadecasacopreto,calçajeans,botademotoqueiraeabolsaatiracolo.Comoemtodasasoutrasvezesqueaviradepassagemdesdeaquelanoitefatídica, percebi o quanto sentia sua falta. Na minha frente, meu celularacendeuaoreceberumamensagem:a fotodeMacapareceuna tela.Pelaprimeira vez, porém, não abri de imediato. E então, como se fosse umarecompensa,Laylaentrou.Aportaapitou—bip!—,masnenhumadenósdisseoi.Elatambémnão
se aproximou do balcão; em vez disso, parou perto de uma das nossascadeirasdesconfortáveis.Aindaassim,jáeraumavanço,entãofizaminhaparteefaleiprimeiro:—Oi.VeioencontrarSpence?Elaolhoupramim.—Sim.Elecontouquevocêestavatrabalhandoaqui.Entãoelasabiaefoimesmoassim.Outrobomsinal.—Fazpoucotempoquecomecei.—Estágostando?—Não—eudisse.Issomerendeuumlevesorriso,estímulosuficiente
para acrescentar:—Minhamãememandou vir aqui todos os dias. Pelomenosassimsoupaga.
Laylasentounobraçodacadeiraeapoiouabolsanocolo.—Macdissequeelabotouvocênacoleira.— Está mais para um enforcador. — O nervosismo fazia minha
respiração vacilar.Mas ela tinhamencionadoMac. Também era um bomsinal,certo?MeuDeus,comoeuesperavaquesim.—Evocê,comoestá?Eladeudeombrosepassouabrincarcomafranjadabolsa.—Bem.Ocupada.Minhamãeandoudoente.Masachoquevocêjásabe.Atéaqueleponto,todaaconversapareciaumcastelodecartas,prestesa
desmoronar.MaseraLayla.Eusempreforadiretacomela.Mesentiriamalsenãoagisseassimagora,mesmoquenãofosseseguro.—Olha—comecei—,eudeviatertecontadosobreMac,sobreoqueeu
sentia.Desculpa.Elamordeuolábio,aindabrincandocomabolsa.Entãoolhoupramim.—Eunãoconseguiaacreditarquevocêguardousegredo.Penseiquea
gentecontavatudoumapraoutra.—Agentecontava—confirmei.Elaergueuumasobrancelha.—Tudo
bem,tudobem.Équevocêtinhasidotãoclarasobrenãoquererquesuasamigas gostassem dele. E eu gostava… Eu gosto. Não queria ter queescolherentrevocêsdois.Masaí tudoaquiloaconteceu, evocêmeodeiamesmoassim.—Sydney.—Elainclinouacabeçaprolado.—Eunãoteodeio.—Vocêestáchateada.—Porquevocêsdoisaprontaramnasminhascostas!—Ecomoeuiacontarpravocê?Vocêdissequenuncamaisqueriaque
umaamiganamorassecomele.— Não, eu disse — ela me corrigiu — que nunca mais queria ser
responsávelpor colocarnavidadelealguémqueomagoasse.Nãoéesseseuplano,é?Balanceiacabeça.—Não.— Ótimo. Então não tem problema. Só que vocês dois me fizeram de
idiota.Eeuodeiofazerpapeldeidiota.Vocêsabedisso.—Sintomuito—eudisse,decoração.— Tudo bem. — Ela respirou fundo. — Mas se você magoá-lo, não
importaquesejaminhamelhoramiga,vouquebrarasuacaradomesmojeito.Estamosentendidas?—Estamos—respondi.Nessemomento ganhei um sorriso de verdade, e logo em seguida ela
veioatéobalcão.
—Então,mecontadatutoradeSpence.Eledissequeelatemumaquedaporele.Éverdade?PelosdezminutosqueseseguiramatéJenneSpencesurgiremdasalade
estudos, conversamos sem parar. Sobre as visitas da sra. Chatham aopronto-socorro e mais um remédio novo que ela estava tomando. Sobrecomo iam os treinos de Rosie e as esperanças que ela tinha de voltar àMariposa. Sobre a entrega da demopara o festival—nenhuma respostaainda,masEricestavaconfiantecomosempre—eodebatecontínuosobreonomedabanda.Porúltimo,finalmentefalamossobreocastigodeSpencedepois que foi pego arrombando a adega do padrasto e como isso tinhatornadoosencontroscomLaylaquaseimpossíveis.—Masvocêestáaqui—comentei.— Só depois demuito esforço, e só por uma hora— ela disse.—Ele
falou para amãe que ia ter uma aula amais, então só precisa chegar àscincoemcasa.Mastiraramocarrodele,ecomoeununcaficocomumdosnossos,dependodaboavontadedeRosie.—OudeMac—acrescentei.Elabalançouacabeça.—ElenuncafoifãdeSpence.Depoisdoqueaconteceuaquelanoitena
suacasa,depoisdoqueaconteceucomvocê…Elenão fazmaisnada paraajudá-lo.Mesmosefossemeajudartambém.Aoouvirisso,mesentitocadaeculpadaaomesmotempo.—Sintomuito.—Tudobem.Euentendo.—Elapassouumamechadecabeloparatrás
da orelha. — Mas é como você disse: quando a gente gosta mesmo dealguém, não consegue simplesmente parar de gostar. Mesmo se tem umbommotivo,sabe?Fiz que sim com a cabeça, e logo em seguida Jenn despontou no
corredor,comcaradecansada.Atrásdela,avozdeSpencedizia:—Calma!Nãoquisofender. Sódissequevocê seriabonita se sorrisse
mais.—Apenasparedefalar—Jennpediu.—Porfavor.—Maisbonita!Euquisdizermaisbonita!—eleemendoubemquando
dobrouaesquinadocorredor.—Ah!Oi!Querida!Vocêestáaqui.Laylaapenasoencarou,comumaexpressãogelada.Eufalei:—Hum…Jenn,estaéLayla.Layla,estaéaminhaamigaJenn,daPerkins
Day.Jenn,sempresimpática,estendeuamão.—Éótimofinalmenteconhecê-la.Ouvimuitodevocê.
— Eu também— Layla retribuiu. As duas se cumprimentaram. — Eentão?Elejáéumgênio?— Ainda não — Jenn respondeu ao sentar atrás do balcão. — Mas
avançamosumpouconovocabulário.—Absconder—SpencedisseaLayla,passandoobraçopelacinturadela
—significa“ocultar”.Impressionada?—Não—eladisse,recuando.—Eseeucomprarbatatafrita?—eleperguntou.— Já éumcomeço.—Ela suspirou, pendurou abolsanoombro eme
disse:—Nosvemosnasegunda?Fizquesimcomacabeça.—Atémais.Jenn e eu observamos eles saírem pela porta, que apitou quando
passaram.ElesatravessaramoestacionamentorumoaoCrashBurger,cujasfritasLaylaavaliavaemsetenasuaescaladedezpontos.SortedeSpence.Eleestavaprecisando.Àscincoda tarde, Jenneeudesligamososcomputadores, trancamoso
prédio e nos despedimos. Quando eu estava parada à porta do carroprocurandoachavenabolsa,ouviumabuzina.OlheiparaoladoeláestavaRosie,estacionandonumavagapróxima.Quandoacenei,asra.Chathamfezsinalparaqueeumeaproximasse.—Oi—eudissequandoelabaixouovidroesorriupramim.—Oi!—elarespondeuassimqueRosieparouocarro.—Oquefazaqui?—EstoutrabalhandonoKiger—respondi.—Mãe,vouàfarmácia.Precisadealgumacoisa?—Rosieperguntou.—Não.VouficaraquiebotaraconversaemdiacomSydney.Rosiedesceudocarroebateuaporta.—Eentão?Comovãoascoisasemcasa?Eunãosabiaaocertooquantohaviamlhecontado.Meupalpiteeraque
tinhamcontadoosuficienteparaqueaminharespostafizessesentido:—Complicadas.—Sei—eladisse,acenandocomacabeça.—Comoestáseuirmão?—Ele…—minhavozvacilou.Pelaprimeiraveznãosoubequepalavra
usar para descrever Peyton.—Nós tínhamos começado a conversar umpouco,sobreaminhamãe,sobreoquetinhaacontecidoetambémoutrascoisas.Nãomuito,masumpouco.—Quebomouvirisso—eladissesorrindo.—Jáéumavanço.— Eu percebi que…— comecei, para logo parar e respirar fundo.—
Talvezeunãosoubessedireitocomoelesesentia.Eusupunhamuitacoisa.
Mesintoumpoucomalporisso.—Nãodeveria—eladisse.—As relações evoluem, comoaspessoas.
Conhecer alguém não significa conhecer tudo sobre esse alguém.Mesmoquesejaseuirmão.— É que é estranho. Tipo, eu me acostumei a falar com ele, mas ele
brigoucomaminhamãeeparoudeligar.—Baixeiosolhosparaachavedocarro.—Eleficouirritadocomtodooenvolvimentodelanavidadele,mesmonacadeia.Entãoagorasouonovoprojetodela.— Ouvi dizer que você tem andado bem ocupada — a sra. Chatham
comentou.LanceiumolharparaoCrashBurger:nemsinaldeLayla.Deacordocom
orelógionaportadeumbanco,jáeram5h04datarde.Minhamãeestavaàespera.Maseunãoqueriair,aindanão.— A questão é que reconheço que fiz algo que não devia. Quebrei a
confiança dela.Mas foi a única vez na vida, a única vez que fizqualquercoisaerrada.Pelocastigoqueelamedeu,pareceatéquefuieuquequasemateialguém.Um carro passou pela rua, com a música quase estourando os alto-
falantes.Asra.Chathamesperouocarroiremborapradizer:—Elatemmedo,Sydney.Nãoquerperdervocêtambém.—Mas não é justo. Estou pagando pelo que Peyton fez. De novo. Não
aguentomais.Elameolhoucomcarinho.— Lembra que você me contou o quanto pensava naquele garoto?
Aquelequeseuirmãomachucou?—DavidIbarra—eudisse.Elafezquesimcomacabeça.—Sevocêjásesenteassim,tãoculpada,seráqueécapazdeimaginar
como é para ela? Você viu tudo de fora. Mas seu irmão é filho dela.Responsabilidadedela.Tudooqueelefizerfazpartedasuamãe.Sempre.PenseiemRosie,nasuaprisão,quesótinhafeitomalaelamesma.Ou
pelomenoseraoqueeuachava.—O que quero dizer é que ela não pode desfazer o que ele fez, nem
mesmo consertar— a sra. Chatham prosseguiu.— Mas ela pode tentargarantirquenãoaconteçaamesmacoisacomvocê,pelomenosenquantoela estiverdeolho.Éumaquestãode como lidar comoarrependimento.Talvezvocêdevessefalarcomelasobreisso.— Minha mãe nunca fala sobre David Ibarra — falei. — No que diz
respeitoaela,oproblemaéapenasPeyton.
—Ofatodeumapessoanãofalarsobrealgonãosignificaquenãopensenisso.Naverdade,emgeraléjustamenteesseomotivoparaapessoanãofalar.Fiquei em silêncio por ummomento, pensando em comoPeyton tinha
mesurpreendido.Entãodisse:—Porquefalartornaacoisareal.—Exatamente.Umabrisasoprouatrásdemimelevantoualgumasfolhasnoar.Naquela
hora,desejeiestarnoparquecomMac,sempensaremnadadisso.Eramaisfácil simplesmente sentir raiva da minha mãe; simpatia e empatia sãocoisascomplicadas.Masnadaerasimpleshaviaumbomtempo.Olheiparaorelógio:cincoedez.—Tenhoqueir—faleiaomesmotempoqueRosiesaiudafarmáciacom
umasacolanamão.AindanenhumsinaldeLayla.—Minhamãeficaloucasenãodousatisfaçãodeondeestou.Asra.Chathamacenoucomacabeçaeestendeuamãopelajanelacoma
palmaviradaparacima.Deiaminhamão,queelaapertoucomforça.—Sópensenoqueeudisse,sim?Sobreconversarcomela.—Voupensar—respondi.—Eobrigada.Eladeuumapiscadinhapramimesoltouaminhamão.Rosieentrouno
carroeseajeitouatrásdovolante.Depois,domeucarro,olheiparaasduassentadas juntas. Conversando. Rosie tomava um refrigerante enquanto asra.Chathamcomiaumsalgadinho.Euavibotarumnabocaeestenderaembalagem para a filha. Rosie pegou um e depois passou o refrigerantepara amãe dar um gole. Tudo sem palavras, tão natural, uma harmoniaconstruída haviamuito tempo. Uma cena simples, sem importância, masquemeacompanhouatéemcasa.—Bom,masissoéridículo.Nuncaouvifalardealgoassim.Chegueiemcasacomasra.Chathamaindanacabeça.Quandoestacionei
e vi o Lexus de Ames na frente da garagem, porém, sabia que qualquerchance demencionar David Ibarra tinha ido por água abaixo. Ao entrar,depareicomelenamesadacozinhaenquantominhamãeestavadepéaofogãomexendoumrisoto.—Eusótinhaatrasadoummêsantesdisso—Amesdizia.—Um!Acho
que só queriammesmome enxotar pra subir o aluguel pra algum outrootário.— Você precisa dar uma olhada no contrato—minhamãe disse, me
observandopôramochilasobreobalcãopelocantodoolho.—Parasaberseelespodemmesmofazerisso.PossoligarparaSawyersevocêquiser.—Não, não quero dar trabalho—Ames disse a ela. Então virou para
mim.—Sydney!Estavameperguntandoquandovocêiaaparecer.—Trabalhouatémaistarde?—minhamãeperguntou.Éclaroqueela
tinhanotado.—Sóumpouco—respondi.—Querajuda?—Podepôramesa.ColoqueumpratoparaAmes;elevaijantarconosco.—Ah,Julie!—eledisse,comosenãosoubessequeapareceràquelahora
significava um convite automático para comer.— Não precisa ficar compenademim.Jásougrandinho.—Vocêépraticamenteumsem-teto—minhamãerebateu.—Omínimo
quepossofazeréoferecercomida.Fui até a gaveta dos talheres, atrás da mesa da cozinha, fazendo um
esforçopropositaldenãoolharparaAmes.— O maldito dono do apartamento me despejou hoje— ele explicou
mesmosemeuterperguntado.—Somandoissoàminhademissãosemanapassada,estounumaótimafase.—É ridículo—minhamãe disse de novo.—Má notícia nunca chega
sozinha.—Nomeucasovieramdecaravana—Amescomentou.Elecontinuavaa
sedirigiramim:—Mastenhoduasindicaçõesdetrabalhoealgunsamigosquepodemmeabrigar.Vouficarbem.Meupaiembicouocarronagarageme ficouàesperadequeoportão
subisse.—Vocênãoprecisaapelarpraissosetemosumquartovagobemaqui
—minhamãedisse.—Podeficarconoscoatéencontrarumlugarnovo.Congeleiondeestava,comamãocheiadegarfos.—Julie,nãoprecisa—Amesprotestou fingindoestardeterminado.—
Nãopossoabusardevocêsassim.—Nãoéabusonenhum—elarespondeu.—Depoisdetudooquevocê
fezporPeytonepornós,éomínimoquepodemosfazer.Não sei como,mas consegui terminardepôr amesa e aturar o jantar.
Ames tinha tomado o assento que tradicionalmente era domeu irmão, àdireitadomeupaienaminhafrente.LogoeletambémassumiriaoquartodePeyton.Elecontinuouafingirqueresistiaàideiaenquantominhamãelheasseguravaqueeraapenasatéele“sereerguer”.Depoisdojantar,gasteio maior tempo possível botando a louça na máquina e arrumando tudoantes de subir para fazer a lição. Mesmo assim, assisti de camarote
enquanto Ames aos poucos levava suas coisas — que coincidência, poracasoestavatudonocarro—paraoquartoaoladodomeu.Todavezquepassava,olhavapramim.Nãoaguenteiefecheiaporta.
21
—Estamosdentro!NuncatinhavistoEriccorrerantes,masnossegundosqueprecederam
esse anúncio, ele atravessou o estacionamento da escola num piscar deolhos.Então,resfolegando,paroudiantedenóscomosolhosarregalados.—Estamosdentro…?—Macrepetiuparaqueelecompletasse.— Do festival! Conseguimos! — Ele se curvou, apoiando as mãos no
joelho, respirou fundoe finalmente se endireitou.—Acabeide receber amensagem.—Sério?—Laylaperguntou.Ericconfirmoucomacabeça,aindarespirandoforte.—Daqui a três sextas-feiras, noBendo. Cincobandas, todas as idades.
Caramba,achoquevouterumenfarte.—Cara—disseIrv,queestavaencostadonacaminhonetecomendoum
pacotedepretzels—,vocêprecisaseexercitarmais.Sério.—Trêssemanas—Macdisse.—Nãotemosmuitotempopraensaiar.— E é por isso — Eric emendou — que precisamos dar o máximo.
Liberaraagenda,partirpracima.Éanossaprioridadenúmeroumapartirdeagora.—Algunsdenóstêmempregos—Maclembrou.—Evidas—Laylaacrescentou.Ericolhoubemparaosdois.—Vocêsestãofalandosério?Éanossachance.Nossagrandechance!O
vencedorgravaumálbumdemonaHamboneRecords.Foi láqueoTruthSquadeoSpinnerbaitcomeçaram.—OdeiooSpinnerbait—Macdisse.—Verdade.Masofatoéquenadaémaisimportantedoqueissoagora.—Exceto aminha refeição depois da escola— Irv disse.—Então, se
quisercarona,vocêpagaacontanoDoubleBurger.
—Nãoacreditoquevocêvai lá—Layladisse,balançandoacabeça.—Asbatatinhassãogordurosas.Emoles.—Do jeito que eu gosto— Irv emendou, e Layla revirou os olhos.—
Venha,Bates.Meuestômagoestároncando.Ele disse isso enquanto ainda mastigava os pretzels. O apetite de Irv
sempremesurpreendia,masemmomentosassimchegavaameassustar.—Ensaio—Ericdisse.—Amanhã, depoisda escola. Certo?Falo com
Ford.—Vouveroquepossofazer—Macdisse.—Façaopossível.Issoésério.Nãotemmeio-termo.Éganharouperder.
Triunfooudesastre.Sucessoou…—Porquenuncaexistemeio-termocomvocê?— Irv interrompeu.—
Tudoéoumaravilhosooucatastrófico.—Porqueosverdadeirosartistassãoassim—Ericrespondeu.—Essedeviaseronomedabandadevocês—Layladissesemtiraros
olhosdocelular.—VerdadeirosArtistas?—Irvperguntou.—Não.MaravilhosoouCatastrófico.Silêncio. Pelaminha experiência, esperava a rejeição imediata da ideia
por alguém (provavelmente Eric), seguida pelo recomeço da discussãointerminável.MasentãoMacdisse:—Eugosto.—Defato,éinstigante—Ericconcordou.Elepensouporunsinstantes
antesderetomar:—Alémdisso,combinacomanossaabordagemirônicadasmúsicasetambémcomoqueelasfizeramcomacomunidademusicalcomoumtodo.Tãopopulares,grudamnoouvido:éprecisoreconheceroméritodoscompositores.Mastambémdevemosreconhecerosdanosquecausaramnãosóàintegridadedaindústriamusical,masàsociedadecomoumtodo.—Àsociedade?—perguntei.—Eugostodecomoonomesoa—Irvdisse,jácomeçandoaseretirar.—Voupensarumpouco.Depoisdigooqueacho—Ericfalouefoiatrás
deIrv.Ao vê-los se afastar, só consegui pensar que formavam a dupla mais
estranhadomundo.— Montanha e Homem-Hipster — Layla comentou, de novo lendo a
minhamente.—Sãocomosuper-heróis.Semossuperpoderes.Deirisadaeolheiorelógio.Vinhafazendomuitoissonosúltimosdias.—Estáficandotarde.Melhoreuir.
—Já?—Macperguntou.Oscercadequinzeminutosqueeutinhanoestacionamentoantesdeir
paraoKigersemprepassavamrápidodemais.—Deixei o carregadordonotebook emcasa,minhamãevai levarpra
mim.Precisochegarnahorahoje.—Tudobem—eledisse.Masseusbraçoscontinuaramaomeuredore
não me mexi. Sempre precisávamos de várias tentativas antes de nossepararmos.Euestavapensandonissoquandosentio celulardele,nobolso, vibrar
contraaminhaperna.Recueiumpoucoparaqueelepudessepegar.—Merda—eledisseaoolharatela.—Oquefoi?—perguntei.—Minhamãe.Layla,queencaravaoprópriocelular,ergueuacabeça.—Oqueaconteceu?Macjátinhacomeçadoadigitaralgumacoisa.— Falta de ar, desmaios. Ligaram para o médico. Vão encontrá-lo no
hospital.—Merda—Layladisse.—Vamos.Elaabriuaportadopassageirodacaminhoneteejogouabolsaládentro.
Mac,porém,permaneceuondeestava,maisumavezcomosolhosnatela.—TemosqueirparaaSeasideeficarlá.—Oquê?Queroirprohospital.—Opapaidissequenão.Precisadegentenapizzaria—Macfoifalando
enquantodavaavoltanacaminhonete.—Rosievaidarnotícias.—Vocêsabequeelaépéssimanisso—Layladisse.—Temossortede
elateravisadoqueestãoindoprohospital.Euprecisoirtambém.— Você não está me ouvindo? Não posso te levar. Agora entra,
precisamosirprapizzaria.—Eutelevo—dissesempensar.Sónoinstanteseguintelembreiquejá
estavaatrasadaparairaoKiger.—Temcerteza?—Macperguntouaoentrarnocarro.—Easuamãe?—Éumaemergência.Elavaientender.Eraaminhaesperança.—Mandanotícias?—Claro—Layladisseaopegarabolsa.Macdeupartida.—Obrigada,
Sydney.—Imagina.Eledeuré,levantandoumanuvemdepoeiraaonossoredor,earrancou
emdireçãoà saídadoestacionamento,desviandodosburacos familiares.Malparounaportaria,oquelherendeuumgritodosegurança.Esumiu.—Quehospitalqueé?—pergunteiaLaylaenquantotambémsaíamos.—Universitário.Eradooutroladodacidade.—Temcerteza?—Éoúnicoqueaceitanossoconvênio—elarespondeu.—Desculpa.—Não, tudobem—assegurei.Olheiparao relógionopainel. Jáeram
trêsemeiaenemtínhamossaído.Tenteinãopensarnohorário, apesardeencontrar todosos semáforos
pelocaminhovermelhos.Eununcahavia idoaoHospitalUniversitário—todomundoemArborsianoMetodista,queeranovoeficavaaapenasumquilômetrodobairro—eeradifícilseguirasplacas,principalmentenumapartedacidadequeeunãoconheciabem.Porfim,depoisdecontornarmosumcanteirodeobrasepassarmosmais
doissemáforos,embicamosnaentradadopronto-socorro.—Certo—Layladisse,juntandoascoisas,enquantoeuparavaatrásde
umaambulânciacomasportasescancaradas.Nãohavianinguémdentro.—Vocêquerqueeuentrecomvocê?—perguntei.—Não,estoubem.Obrigada.Eutelefono,o.k.?Ela desceu, fechou a porta, botou a bolsa no ombro e cruzou
rapidamenteasportasautomáticasdohospital.Mesenticulpadapornãoacompanhá-la,mastambémumcertoalíviodefinalmentepartirnadireçãocerta.Aochegarnarotatória,passeiemfrenteaumpontodeônibus,lotadodegente.Umgarotinhocomobraçonumatipoiaeexpressãosériaolhoupramim.Àquelaaltura, jáestavameiahoraatrasadaparaomeuturnonoKiger.
Havia mandado uma mensagem a Jenn avisando que tivera umaemergênciaequechegariaomaisrápidopossível.Maseusabiaqueelanãoseriaaúnicaa ficarpreocupada.Durante todoo trajetode idaevoltadohospital,nomeiodotrânsitoedetantossemáforos,espereimeutelefonevibrar.“Ondevocêestá?”—minhamãeperguntaria,eeunemsabiacomoresponder emuma simplesmensagem.Tinha esperança de que ela fossemais compassivaquandonos encontrássemosaovivo.QuandoestacioneinoKiger,porém,depareicomAmes.—Sydney,Sydney—eledissequandocaminheiatéele.Ele estava com o meu carregador na mão, enrolado com esmero —
trabalhodaminhamãe.—Erapravocêterchegadoháquarentaecincominutos.
—Preciseiresolverumacoisa—eudisse,tentandopegarocarregador.Eleafastouamãoeotiroudomeualcance.—Engraçado.Julienãocomentounadasobrevocêteroutrosplanos.Ela
sabia?Sentiomaxilarficartenso.DentrodoKiger,Jennnosobservavadetrás
dobalcão.—Preciseilevarumaamigaatéohospital.—Oh!—Elecontinuousegurandoocarregador.—Estátudobem?—Esperoquesim.Podemedarissoagora?Porfim,devagar,elemeentregou.—Vocêsabe—elecomeçou—quemepôsnumaposiçãodifícildenovo.
Suamãefezmuitopormim.Nãoachocertomentirpraela.—Nãoestoupedindopravocêmentir—retruquei.—Masseeucontarissoaela—elecontinuou,comoseeunãotivesse
faladonada—,suspeitoqueelavaitiraraindamaisasualiberdade.Enãoqueroserresponsávelporisso.Dessavez,fiqueicalada.Queriaveraondeelequeriachegar.—Vamosmanterissoentrenós,então—eleconcluiu.—Masvocême
deveuma.—Podecontarpraela—falei.—Nãomeimporto.—Nada disso— ele falou, erguendo os braços.—Não quero fazer o
papeldechato.Éonossosegredo.Combinado?Aquilo não me soava bem. Mas antes que eu pudesse dizer qualquer
coisa,meutelefonevibrou.EraumamensagemdeMac:
Sóumsusto.Tudobem.
—Precisoentrar—eudisseaAmesantesdeabriraporta.—Estãome
esperando.—Claro—eledisse animadoe começoua se afastar.—Vejovocêno
jantar.Atravesseiarecepçãoefuiatéobalcão.Quandoparei,jogueiabolsano
chão.Jenn,naoutracadeira,observavaAmesentrarnocarro.—Oquefoiisso?—perguntou.—Nada—respondi.—SóAmessendosinistrocomosempre.Elapegouumapastaedisse:—Vouvercomoestãoosburrinhos.Vocêtemcertezaqueestábem?Fizquesimcomacabeçaeelaseenfioupelocorredor.Pegueiocelular
pararesponderaMac:
Felizemsaber.Estavapreocupada.
Nãofique.Tudocerto.
Olhei para fora; começava a escurecer. O inverno estava chegando.
Aquelaspalavraspermaneceramna teladomeucelular,àesperadeumaresposta. Ou talvez não. “Tudo certo” era uma boa conclusão, que euseguraria enquanto pudesse. Se eu esticasse aquele momento, talvez elenão acabasse. Se eu não enviasse uma mensagem, não haveria maisconversa,boaouruim.Permanecialiporumahora.Nãochegueiaescrevernada.Passei uns bons cinco minutos com a impressão de ouvir alguém
mastigar.Porfim,tivecerteza:—Vocêestácomendoalgumacoisa?Silêncio.Então,umsegundodepois:—Salgadinho.Fiqueichocada.Desdequeoconhecera,jamaistinhavistoMacconsumir
algoquenão fosse saudável.Ele costumavaalmoçar rolinhosdepeitodeperu com queijo light, um punhado de amêndoas e duas tangerinas. Eradifícilimaginá-locomendoqualquercoisacomgorduratrans.Nãoconseguinemfalar.—Seja láoquevocêestejapensando—eledisseenfim—,tambémjá
pensei.Comumsentimentodeculpamassacrante.—Desdequandovocêcomesalgadinho?—Desdequenasci,parasersincero—outramordida.—Atémarçodo
ano passado. Depois disso, me livrei deles como um viciado se livra dadroga.—Até…—Ontem—maismastigação.—Acho que estou sentindo o peso das
coisas.Denovo,nãosabiadireitooquefalar.Maceranaturalmentereservado;
nãosaíaporaíemrompantesdeotimismonememseusmelhoresdias.Poregoísmo, porém — e então foi minha vez de me sentir culpada —, mepreocupeiqueaquilopudesseteravercomigo.—Quetipodecoisas?—quissaber.
—Minhamãe—elerespondeu.Suspiro.Edepoisosomdeumpacotedesalgadinhovaziosendoamassado.Nossa.—Ofestival.E,vocêsabe,nósdois.Lá fora, alguém caminhava pelo corredor, diminuindo os passos ao se
aproximardaminhaporta. Instintivamente,olheiparao lugarexatoondeestariaafechadura,seeutivesseuma.Baixeiavoz:—Nósdois?—É—elerespondeunumtomcasual.—Nãomeentendamal,quero
vervocêdequalquerjeito,mesmoquesejapouco.Masessasituação…estálongedoideal.Sorriquasesemperceber.—Eusei.Sintomuito.—Nãoéculpasua.ÉdeSpence.—Macmudoudeposiçãoealinhaficou
abafadaporunssegundos.—Querdizer,seriaruimsesuamãeentrasseenosencontrasselá,comcerteza.Masnãotãoruimassim.—Laylacomentouquevocêaindaestavacomraiva.—Elatemrazão.Ficamosemsilêncioporummomento.Nãodavaparasaberseapessoa
nocorredortinhaidoemboraouseaindaestavalá,dooutroladodaporta.Emumasemanamorandoconosco,Amesjátinhafeitoasduascoisas.Eupensavaqueanteseraruim,quandoelevisitavaotempotodo.Masos
olhares longose esquisitos, o jeitoque seusolhosme seguiampela casa:nada se comparava a morar com ele. Embora ele tivesse trazido apenasuma mala, uma mochila, algumas caixas e um computador, já haviaocupadoboapartedonossoespaçocomum.Oquecomeçoucomummaçodecigarrospertodaportadagaragemtornou-seumatoalhadebasqueteencharcada pela qual eu precisava passar para usar o banheiro quedividíamos. Mais tarde, essa toalha transformou-se no som constante deprogramas de rádio saindo dos alto-falantes de Peyton, bem na minhaparede.Vozesdiaenoite.Eusonhavacompalestrasemesas-redondas.Issoquandonãotinhapesadelos.E havia as visitas constantes:Você tem pasta de dente pra emprestar?
Ondeestãoguardadasaslâmpadas?Vocêtambémestápassandocaloraquiem cima? E isso só nas primeiras trinta e seis horas. Ele parecia estarsemprepassandopelaminhaporta,meespiando,parandoparaconversarencostado no batente. Depois que comecei a fechar a porta com maisfrequência, ele passou a bater: três batidas leves, uma devagar, duasrápidas.Seeuabrisse,elesempreentrava.—Estudosério,hein?—elemedisserananoiteanteriorenquantoeu
terminavaumtrabalhodeinglêssobreOmorrodosventosuivantes.Euestavanaescrivaninha,eelenacama,folheandoumarevistaqueeu
tinhadeixadoaberta.Geralmente,àquelaalturaeujáteriavestidoopijama,maspassaraafazerissosemprenoúltimominuto.— Eu deveria ter sidomais como você na escola. Poderia ter evitado
muitosproblemas—elecontinuou.Comodecostume,respondiacenandoumavezacabeça, fingindoestar
mergulhadanomeuparágrafodeconclusão.— Peyton costumava dizer a mesma coisa — ele insistia em falar
enquanto folheavaoutrapágina.—Comovocêeradiferentedele,ecomoissooalegrava.Eusempremesentiadesconfortávelquandoelefalavadomeuirmãopra
mim.Jáparaminhamãe,esseeraoprincipalmotivoparamanterAmesporperto,principalmentecomosilênciodePeytonnosúltimostempos.Elavinhatentandoentraremcontatocommeuirmãodetodososjeitos
possíveisdesdeofracassodacerimônia.Comonãodavapratelefonar,elaescreviacartastodososdias,emobilizoutodososcontatosquefizera—aativista, a assistente social — para transmitir suas súplicas. A únicaresposta que conseguiu veio de Ames, com quem meu irmão aindaconversava.—Ele sóprecisadeumpoucode espaço—euoouvira comentar em
mais um diálogo regado a café na mesa da cozinha. — Vai entrar emcontatoquandoestiverpronto.—Sóachoqueseelemeouvisse,entenderia—minhamãedisse.—Se
aomenosligassepravocêquandoeuestivesseporperto,eupoderiafalarcomele.—Tambémqueroqueissoaconteça—Amesassegurou.—Epodeser
quesim.Masporenquantoémelhorrespeitaravontadedele,sabe?Ao ouvir isso, minha mãe apenas se entristeceu. Eu achava estranho:
Ames passava o dia inteiro em casa (ele dizia estar “no mercado detrabalho”,apesardenãovê-lofazernadaarespeito),masnenhumadessasligaçõesdePeytonque ele informava tinhamacontecido comminhamãeporperto.Aparentemente,eueraaúnicaaacharesquisito.DevoltaàconversacomMacpelotelefone,levantei,fuiatéaportaeabri.
O corredor estava vazio, mas a porta do quarto do meu irmão estavaescancarada,luzesomjorrandodali.Aoolharparaooutrolado,pudeverminhamãeusandoocomputadordaSaladeGuerra.— Espero — eu disse, ao fechar a porta de novo — que meu bom
comportamento faça minha mãe aliviar um pouco. Queria muito ir no
festival.—Seeufossevocê,baixariaasexpectativas—Macdisse.—Começaria,
seilá,pelodireitodeescolherondealmoçardevezemquando.—Essediatambémvaichegar—falei,comavozmaisconfiantedoque
me sentia.—Maso festival éumadata especial, única.O showé cedo, eestoufazendoomáximoquepossoparaacumularpontos.—Sónãoqueroquevocêfiquefrustradasenãoder.Querovocêlá,você
sabe.Masissonãoétudo.Erabemessaaquestão.Eu tinhaaprendidoanãoesperar tudo;afinal,
eununca tive tudo.Sóqueriaaquilo.Mesmoque fossemiraraltodemais,pelo menos me dava um objetivo para suportar as longas tardes detrabalho no Kiger ou as noites no meu quarto, observando a porta semfechadura,apenascomacompanhiadomeuSantoQualquer.—Maspensepositivopormim,o.k.?—pedi.—Emantenhadistância
dossalgadinhos.Elerespirouforte;euofizerasorrir.—Fareiopossível.Quando desligamos, observei o calendário na escrivaninha. Ele só
marcava as obrigações do trabalho e da escola — assuntos pessoaisficavam no celular —, e corri os olhos pelos vários itens: simulado,pagamento,palestra sobre faculdades.Entãopegueiumacaneta, fui atéadata do festival e tracei um círculo ao redor, e depois outro.Não escrevinada; seria excesso de confiança. Mas só o fato de marcar o dia faziaparecerpossível.E,dequalquerforma,eusabiadoquesetratava.
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Meupailimpouagarganta.Porexperiênciaprópria,sabiaqueissoindicavaumamudançadeassunto,umanúncioouumcomentárioimportante,entãoprestei totalatenção.Assimcomominhamãe.Ames,porém,continuavaacomer.—Então.Quaissãoasnovidadesnoquesitoemprego?Minhamãe tomouumgoledevinho.Pelomodocomoolhavameupai,
estava claro que aquela pergunta não era espontânea. Ela havia sidoprecedidadeumdebate.Tudoaquiloforaplanejado.Amesengoliuacomidaerespondeu:—Tenhoalgumas ideias.UmamigomeunoWalker faloudeumavaga
derecepcionistanonovoHotelValley.Ébemconcorrida,entãonãoseisetenhomuitachance.—Tenhocertezadequeexistemoutrasoportunidadesforadosetorde
hotelaria—meu pai comentou.—Tenho vistomuitas placas de ESTAMOSCONTRATANDOultimamente.—Talvez—Amesdisseaopegarocopod’água.—Masprefiroesperar
umavaganomeuramo.Meuspaisseentreolharam.Entãomeupaidisse:—Massalárioésalário.—Verdade—Ames concordou.—Mas tenho a sensação de que essa
vaganoValleyvaidarcerto.Osilêncioqueseseguiuaessediálogo foi tãoconstrangedorquesenti
atéumdesconfortonoestômago.Enfim,algumacoisaestavamudando.Eusónãosabiaoqueeraainda.Depois do jantar, subi para o quarto e sentei à escrivaninha, com o
celularporperto,casoMactivessealgunsminutosentreasentregasparaconversar.Euestavanocomeçoda liçãodeecologiaquandoouvialguémsubiraescada.Uminstantedepois:toc,toc-toc.
Levanteieabriaporta.—Quefoi?—Umapergunta—Amesdisse, jádandoumpassoà frente,demodo
quenãotiveescolhasenãoabrirpassagemedeixá-loentrar.—Vocêtemumcarregadordecelularprameemprestar?Nãoconsigoacharomeu.Logoelejáestavasentadonacamapegandoumadasminhasrevistasdo
criado-mudo. Abri a gaveta da escrivaninha, peguei o carregador e oentregueiaele.—Toma.Elevirouumapáginaeolhoupramim,massempegarocarregador.—Ótimo.Obrigado.Solteiafonteemcimadacama,aoladodele,evolteiàescrivaninha.Ele
nemsemexeu,mesmodepoisde eu retomara lição.A cadaminutoeuoouviavirarumapágina.Meucelularapitouefuiconferir.EraumamensagemdeMac:
6porçõesdepãodealho.Nadamais.Ideias?
Abriumsorriso.
Espaguetedejanta?Encontrodosviciadosemcarboidratos?
Jádigo.
—Então—Amesdisse—,estáfazendoliçãodequê?Solteioaparelho.—Ecologia.—Argh.—Elefezumacareta.—Sóapalavrajásoadifícil.Nãorespondiocomentário.Apenasvolteiaotrabalhonaesperadeque
ele aproveitasse adeixa.Nãodei sorte.Comecei ameperguntar sedeviapedirparaelesairdoquartoquandominhamãeapareceunaporta.—Sydney,esquecidedizerque…—Elaparoudefalarderepenteaodar
comAmesnaminhacama.—Ah.Penseiquevocêestivesseestudando.—Euestou—afirmei.—Eeuestouatrapalhando—Amesdissedebomhumoreentãofechou
arevista.Àmedidaquearugaentreosolhosdaminhamãecrescia, tivecerteza
quenãomeenganaraduranteojantar:oencantoqueAmesexerciasobre
elaestavasedesfazendo,issosejánãotivesseacabado.Eelenempercebia.—Melhordeixá-lavoltaraotrabalho—eladissecomumavozcortante.
—Certo?Ameslevantouacabeça.—Ah.Claro.Minhamãeseafastoudaportaparadarpassagemaele.Umsegundose
passou,emaisoutro,atéqueelefinalmenteentendeuorecadoelevantou.—Obrigadopelocarregador—elemedisse,apertandomeuombroao
passar.—Vocêédemais.Permanecicalada,comosolhosnaminhamãe,queoobservavaenrolar
parasairdoquarto.Aopassarporela,Amesaindadisse:—Quercafé?Achoquevoufazerumpouco.—Não,estoubem—elarespondeu.—Tenhoquetrabalhar.—Certo— ele disse, partindo emdireção ao quarto de Peyton.— Se
mudardeideia,ésódizer.Minha mãe o observou se afastar. Quando virou para mim, voltei os
olhosparaolivro.—Vocêprefereabertaoufechada?—elaperguntouapontandoparaa
porta.Nosentreolhamosporumbom tempo.Ela entendeu, pensei.Não tudo,
maspelomenosumaparte.Finalmente.—Fechada—eudisse.Elaacenoucomacabeçaefechouaporta.Na tarde seguinte, euestava sentadaatrásdobalcãodoKigerouvindo
Jenn ensinar equação de segundo grau aos burrinhos quando acaminhonetedeMacparoubememfrenteàporta.Esfregueiosolhos,nãoacreditandonoquevia.MasquandoLayladesceueentrou,tivecertezadequeerareal.—Eleestáaqui?—elaperguntou.Seurostoestavavermelho,osolhos
inchados.—Spence?—perguntei,emborasoubesse.Elaconfirmou.—Não.Elamordeuo lábioemeentregouocelular.Atelaexibiaumatrocade
mensagens. Na primeira, Layla perguntava se eles podiam ao menos seencontrarpraconversar.Eentãoarespostadele:
Monitoria.Desculpa.
—Elemedeuofora—eladisse.Erguiosolhos:elachoravadeverdade.
—Pelomalditotelefone.— Ai, Layla — eu disse. Do lado de fora, Mac ainda estava atrás do
volante.Pormaisquequisessevê-lo(esemprequeria),entendiomotivodemanterdistância.O focodeveriaserela,nãoagente.—Sintomuito.Quemerda.—Eleéumbabaca.—Fungando, ela secouosolhos comas costasda
mão.—Eusabiaquealgumacoisaestavaacontecendo.Donadaele ficousuperocupado, não respondiaminhasmensagens…Então liguei pra ele eperguntei de cara. Ele nem tentou negar. — Ela limpou a garganta eguardouocelulardevoltanobolso.LanceioutroolharparaMac:eleaindanosobservava.—Nãoseiporqueessascoisassempreacontecemcomigo.Souumaboapessoa,querdizer,pelomenostentoe…—Vocêéótima—eudisse,dandoavoltanobalcão.—Sóqueroalguémdecente.—Elafungoudenovo,eosolhosvoltaram
aencherdelágrimas.—Vocêsabe,alguémgentil,bacana.Comoemtodasashistóriasdeamoremquesouespecialista.Nãopodesersó ficção,nãopode. Esses caras estão em algum lugar por aí. Eu sei que estão. Só nãoconsigoencontrar.Logo sua voz se desfez. Eu a abracei e ela enterrou a cabeça nomeu
ombro. Eu sabia que Layla não ouviria nada do que eu dissesse naquelemomento; esse tipo de dor vem sempre acompanhado de uma surdez.Porém, seela fossecapazdeouvir, eu teriaditoqueela temrazão:essescaras estãomesmo por aí. Na verdade, um deles nos observava naqueleexato momento, ali perto. Mantendo distância, consciente de que elaprecisavamaisdemim.Aindaassim,estavaali,logoatrásdaporta.—Nãoestouentendendoporquevocêsprecisamdemim—Layladisse,
triste. Estávamos sentadas no capô do meu carro dois dias depois. —Penseiquesófosseajudarnademo.FaltavammenosdeduassemanasparaofestivaleMacclaramentenão
era o único tenso por causa disso. Eric, que já era agitado normalmente,estava obcecado com os preparativos e exigia ensaios e concentraçãoconstantes. Embora Mac precisasse trabalhar, Ford estivesse maisinteressadoemficarchapadoeLaylasofressecomocoraçãopartido,Ericnãosedeteve.—Esseeraoplano—Ericdisseaelaenquantoandavadeumladopara
o outro no curto espaço que separava meu carro do próximo.—Mas oretorno que me deram dizia que eles tinham gostado especialmente
daquelamúsica.Nãopodemosdeixá-ladeforaagora.—Maseunãoqueriaparticipardenadapúblico.Nãoestouconseguindo
lidarnemcommeuprópriorostonoespelho.OlheiparaMac,queestavasentadonopara-choqueaomeulado.Embora
LaylativesseacabadodelevarumforaquandoaconhecinaSeaside,aquelafoiaprimeiravezquepresencieiaquelaperda totaldeautoestima.Antesumagarota tãoousada,agoraelaparecia termurchado.Apenaso tempo,Mac dissera, a traria de volta pra nós, embora batata frita ajudasse umpouco.Ericentãoseaproximoueapoiouasmãosnosombrosdela.Euachava
queLayla ficaria desconfortável e tentaria sedesvencilhar. Emvezdisso,porém,elaapenasdesviouoolharquandoeledisse:—Vocêvaisesairbem.Talvezsejaexatamentedissoquevocêprecisa.— Cantar umamúsica sobre um relacionamento fracassado para uma
multidão?—Elasuspirou.—Achoquenão.— Cantar uma música sobre força e coragem diante da desilusão
amorosaparaumamultidão—eleacorrigiu.—Confieemmim,certo?Ela não pareceu convencida.Mas tambémnão enxotou Eric. E quando
eleseinclinouparadarumbeijonatestadela,Laylafechouosolhos.OlheiparaMacecochicheiemseuouvido:—Oquefoiisso?— Insanidade temporária — ele respondeu, também baixinho. — Eu
disse,elanãoestánormal.—Oquevocêsdoisestãocochichandoaí?—Laylaquissaber.—Nada—Macrespondeu.— Minha ida ao festival — respondi ao mesmo tempo. Ops. Ela me
encarou,séria.—Voupedirparaaminhamãehojeànoite.Medesejaboasorte?—Boasorte.—Elaapertouosjoelhoscontraopeitoevirouorostopara
osol.—Todomundoestáprecisando.Quando saí doKigerno fimdaquela tarde e fui pra casa jantar, estava
pronta:tinhadecoradominhapropostaeensaiadoasrespostasparatodasasobjeçõespossíveis.Mesmoqueeladissessenão—eeutorciamuitoparaque ela não dissesse —, ao menos ficaria impressionada com a minhapreparação.Quandoentreiemcasa,minhamãeestavanacozinha,mexendonofogão.—Oquevocêestáfazendo?—pergunteiaopôrabolsanacadeira.—Refogado de tempeh compimenta— ela respondeu, acrescentando
umingredientequefezafrigideirachiar.Haviaumlivrodeculináriaaberto
à sua esquerda. — Achei que era hora de experimentar novas receitas,variarumpoucoascoisas.—Nossa—eudisse.—Algummotivoespecial?— Não— ela respondeu, jogando mais um punhado de temperos na
frigideira;momentosdepois, senti cheirode cebola.—Só estou a fimdefazeralgumasmudanças.Aquele poderia ser o melhor ou o pior momento. Como me sentia
otimista,comecei:— Na verdade, eu estava querendo conversar com você sobre algo
relacionadoaisso.Elamexiaafrigideiraeovaporsubia.—Relacionadoa…?—Mudanças.Umapausa.Maisvapor.Então:—Estououvindo.Certo.Respireifundo.— Bom, sei que fiz mal em chamar meus amigos naquela noite. E o
namoradodeLaylabeber…—Vocêtambémbebeu,peloquemelembro.Umgole,pensei,eentãomeforceiamanteraconcentração:— Verdade. O que fiz foi errado. Mas desde então, acho que tenho
cumprido tudoquevocêeopaipediram.Ogrupodeestudosnoalmoço,Kigersemprequenãoestounaescolaealiçãodecasanofimdodia.Nãosaíparanenhumoutrolugarnempediprafazerisso.Elaaindaestavadecostasparamim,entãonãoconseguiaversuareação.
Masconsidereiumbomsinalquandoeladisse:—Estouacompanhando.Vi luzes de farol na janela, o que indicava quemeu pai ou Ames logo
entrariam.Falarasóseramelhor.Precisavacontinuaravançando.—Abandadosmeusamigosconseguiuentrarnumfestival.Ovencedor
vai gravar uma demo de verdade numa gravadora de verdade. O showcomeçacedo,àssete,sextaquevem.Paratodasasidades.Eeuqueromuitoir.Elabaixouo fogoepôsa colherde lado.Emseguida, viroupramime
perguntou:—Sãoosmesmosamigosqueestiveramaqui?Confirmeicomacabeça.—São.—Ah, Sydney…—Ela suspirou,passandoamãona cabeça.—Queria
quevocêtivessepedidoqualqueroutracoisa.Sentimeuestômagoafundar.—Masésóissoqueeuquero.—Irnumacasadeshows?Compessoasqueeuseiquebebem?—SóonamoradodeLaylabebe.Eelesnãoestãomaisjuntos.—Essanãoéaquestão—elarebateu.—Vocêestáexigindoumpasso
muitograndedenós.Seupaieeuqueremosdevolverseusprivilégiosaospoucos,combasenoandamentodascoisas.OqueeraexatamenteoqueMacdissera.— É só uma noite— insisti. Ainda não estava pronta para ceder. —
Depoisvoltamosparaamesmarotinaquetemosagora.—Vocêfalacomosefosseruim.Vocêtemsesaídotãobemnosúltimos
tempos—eladisse, voltandoao fogão.—Pra ser sincera, estouaté comreceiodemudar.—Masvocêacaboudedizerqueestavaafimdemudanças.Elariu.—Euestavafalandodojantar.Aportadagaragemcomeçoua abrir.Eu tinhaumminuto, talvezdois,
antesdeosreforçosdelachegarem.— Por favor, pense com carinho. É só o que eu peço. Não quero um
“não”,pelomenosporenquanto.Porfavor?Eu tinha feito o pedido e exposto meus argumentos. Não podia fazer
maisnadaalémdetorcerparaqueasortedequeLaylafalavafinalmentemeencontrasse.— Tudo bem— ela disse quando o portão da garagem terminou de
abrir. — Vou pensar. Agora você pode pegar o curry e o cominho noarmário,porfavor?Omolhoestáengrossando.Meafasteiparapegaros frascoseos leveiatéela.Oconteúdodaquela
frigideira grande não se parecia com nada que ela já tivesse cozinhadoantes. Eu nem sabia o que era tempeh, e não parecia muito apetitoso.Guardeiessaimpressãoparamimaoentregarostemperos.Elaapertouosolhosparaconsultarolivroabertoedesrosqueouofrascodecominho.—Lá vai—ela disse ao jogar umpoucodopó sobre a comida.Outra
nuvemdevaporsubiu,emaisoutraquandofoiavezdocurry.Elaenfiouacolhernamisturaevirouoslegumesduasvezes.—Oqueacha?—perguntou.—Éumamudança.—Comcerteza.Ela jogou mais um pouco de cominho e então se inclinou sobre a
frigideira para sentir melhor o cheiro. Depois, gesticulou para que eufizesseomesmo.Fiz,hesitandoumpouco.Nãocheiravamalnembem.Sónovo.Diferente.
23
Erasábadodemanhãeeu tinhaacabadodesairdochuveiro.AprimeiravozqueouviquandoabriaportadobanheirofoiadeAmes.—Julie?Vocêtemumminuto?Eledespontouno corredor como celularnamão. Por instinto, apertei
aindamaisatoalhacontraocorpo.—Na verdade, não—minhamãe avisou da Sala de Guerra.— Estou
meioocupada.—Suspeitoquevocênãovaiseimportarcomessainterrupção.Ele sorriu pramim, de orelha a orelha, enquanto seguia rumo à porta
abertadaSaladeGuerra.Quandochegou,parousobobatenteeentregouocelularàminhamãe.Eraprecisoreconheceroméritodogaroto:diantedaperspectivadeser
expulsodanossacasaedonossodiaadia,eleoperouoúnicomilagredequeeracapaz.Tivecertezaassimqueminhamãedisse“alô”.— Peyton — ele mexeu os lábios para me dizer, sem desmanchar o
sorriso.Derepente,minhamãeperdeuofôlego,começouarireadespejarum
montedepalavras.Mesmodeoutrocômodo,sentiseuhumormelhorarevisualizeiseurostocoradoefeliz.Eapenasissobastouparatudomudar.Masnãocompletamente.Apesardeosdois teremconversadoporuma
horainteira—duranteaqualminhamãenãopôsospéspraforadaSaladeGuerra,comoseissofossequebraramagiadaqueletelefonema—,Peytonqueriairdevagar.Quandoelaperguntousepodiavisitá-lo,respondeuquenão,aindanão,quesóestavapreparadoparatelefonemas.Maistarde,meperguntei como Ames o teria feitomudar de ideia, o que teria dito pararesolvero impasse.Sehaviamãescapazesdearrancarcarrosdecimadeseus bebês, fazia sentido que uma pessoa fosse ainda mais além parapreservarasimesma.
Euestava tãoacostumadacoma faltade ligaçõesdePeytonque fiqueisurpresa de verdade quando o telefone tocou uns dias depois, à tarde.Quandoamensagemgravadaterminou,respireifundo.—Oi—eudisse.—Quantotempo.Silêncio.Pudeouvirvozesaofundo.—É,ascoisasficarammeio…tensas.Nãotinhanadaavercomvocê.Dessavezfoiaminhavezdefazersilêncio.—Poraquitambém—faleiporfim.—Amamãemepegoucommeus
amigos em casa, e eu estava bebendo. Ela surtou eme trancou em casadesdeentão.—Oquê?Vocêbebeu?Suavozsoavatãosurpresa,puraesimplesmentechocada,quechegueia
meperguntarseeletinhaesquecidodeondemeligava.—Foisóumgole—eudisse.—E…—Sydney,nãosemetacomessascoisas.Vocêéinteligentedemaispra
isso.—Foi só um gole— repeti.— E ela basicamente tirou tudo o que eu
tinha.Nãoéjusto.Durante o silêncio que se seguiu, percebi que essas palavras foram o
maispertoqueeuchegueidedizeraPeytoncomomesentiapeloqueelefizeraecomoissotinhaafetadoatodosnós.Nahora,fiqueicomvontadedevoltar atrás, de retirar o que disse. Como se tivesse falado demais, cedodemais.Aomesmotempo,porém,penseiqueeleestavaprecisandoouvirissofaziamuitotempo.Abriaboca,maselefalouprimeiro:—Vocêtemrazão—eledisse.—Nãoéjusto.Éumadroga.Sintomuito
mesmo.Nãoestavapreparadaparaoque sentiriaaoouviressas trêspalavras.
TinhapassadotantotempoàesperadequePeytonaspronunciasse.Enomomentoquechegaram,doeramnomeucoração.—Tudobem—eudisse.Eparamosporaí.Tudobem,ouomaisperto
dissoqueconseguimos.Aindaassim,eurepassariaessaconversanacabeçavárias vezes, na tentativa de me acostumar à sensação que provocava.ComooSantoQualquer, eraumconfortoqueeunão sabiaqueprecisavaatéfinalmenteobtê-lo.Àmedidaqueosdiaspassavameohumordaminhamãenãoparavade
melhorar, me permiti sentir um pouco de esperança. O festival estavamuitoperto,eofatodeelaestardistraídacomPeytondenovosópodiamefavorecer.Nãotivepressapararetomaroassunto.Emvezdisso,continueia irpraescola,proKigereproquarto,naexpectativadequeelanotasse
meu comportamento. Os momentos que conseguia passar com Mac e apromessademaismedavamforçasparacontinuar.Desdeominutoemqueo via antes da primeira aula até o último beijo quando entrava no carroparairaoKiger,odiasómelhorava.Elemeligoualgumasvezesenquantoabandasereunianogalpãoatrás
da casa dele para que eu pudesse ouvir o ensaio da Maravilhoso ouCatastrófico,onomeoficial,pelomenosporenquanto.Euligavaoviva-vozdocelulareopunhapertodemimnoKigerounaescrivaninhadoquarto.Aoouvir, imaginavaacena:Eric fazendoposenomicrofone,Fordemseuestado de transe, Mac ao fundo mantendo o ritmo. Aconteciam algumasinterrupções e recomeços repentinos, explosões de microfonia e asdiscussões de sempre. Contudo, sempre que Layla cantava, eu ficavaarrepiada.Malpodiaimaginarcomoseriaouvi-laaovivonoBendo.Seeuconseguisseir.Quandonãoestavaensaiando,Mactrabalhava.Quandotinhaentregasno
meubairro,faziaumaparadarápidanoKigerparadarumoienosvermosumpouco.Omaiscomum,porém,eratrocarmosmensagens.Naquelaterça,euestavadesligandoocomputadornotrabalhoquandoeleescreveu:
Acabeidefazerumaentregaesquisita.
Estranhei. Ele costumava começar pelo pedido para me desafiar a
adivinharcomooclienteera.Perguntei:
Qualopedido?
Elerespondeu:
Pepperonigrande.Pãodealho.
Atéeusabiaqueaqueleeraopedidomaisgenéricopossível;podiaser
qualquer um. Ou todo mundo. Estava prestes a escrever pedindo maisdetalhesquandoocelularapitoudenovo:
Achoqueeraaquelegaroto.
Franziatesta,confusa.
Quegaroto?
Pausa.Jennsaiudasaladereuniõeseapagoualuzdocorredor.—Prontaparairembora?—Sim—respondi.—Umsegundo.EntãoveioamensagemdeMac:
Ibarra?
Fixei os olhos naquela palavra. No começo, as letras não se juntavam.
Como quando você olha tanto para uma coisa que ela começa a pareceroutralíngua.Jennjáestavanaporta,comamochilanoombro.Saídetrásdo balcão, passei pela porta com ela e esperei, imóvel, enquanto eladigitavaocódigodesegurançaparatravarafechadura.—Vejovocêamanhã?—elameperguntou.Fizquesimcomacabeça,eelaseguiupeloestacionamentoatéocarro.
Nocaminhoatéomeu,selecioneionomedeMac,oprimeirodosFavoritos,eaperteiLIGAR.—Comovocêsabiaqueeraele?—pergunteilogoqueeleatendeu.—Nãoreconhecidecara—elerespondeu,nemumpoucosurpresopor
euterpuladoo“alô”.—Naverdade,jáfizentregasláantes.Éumacasadetijolinhos,na…—AvenidaPike.—Claroqueeusabiaondeera.—Isso.Eleestavadirigindo;davapraouvirobarulhodasetaligada.—Nãoseiporquê—elecontinuou—,massóligueiospontoshoje.Ele
éumgarotosimpático.Claroqueera.Eentão,emboraeu já tivessevistoDavid Ibarracomos
próprios olhos na SuperThrift nãomuito tempo antes, naquelemomentoelesetornoumaisrealdoquenunca.Éissoqueumencontroaoacasopodefazer—unirderepentecoisasdistintas.Comoseodestinonoscutucassenascostaspedindomaisatenção.—Precisoir—falei.—Aúltimacoisaqueprecisoagoraémeatrasar.Pausa.—Vocêestábem,Sydney?—eleperguntou.Estava?Nãosabiadizer.Depoisdetantotemporemando,tentandonão
afundar,sentiamaréviraremetragar.Ofestivalseriaemtrêsdias.DavidIbarranãoeraapenasumrostoouumapáginanaUme.com,masumlugar
aondeeupoderiairsequisesse.Eutinhapassadomuitotempoesperandoalgoacontecer,umamudançachegar.Agoraquesentiaqueestavaperto,aúnicacoisaquepodiafazereranãorecuar.Erahora.—Mãe?MinhamãeergueuosolhosdaescrivaninhanaSaladeGuerra.—Sim?—Podemosconversarumsegundo?Emvezderesponder,elafechouapastaqueestavaabertanasuafrente.
Eraquarta-feira, finalda tarde,momentoqueeuhaviaescolhidopornãoser longedemaisdasextanememcimadahora.Tambémtinhaesperadoela sair do telefonemadiário dePeyton, quando sabia que as chances depegá-ladebomhumorerammaiores.Paracompletarocenário,tantomeupaicomoAmesestavamfora.Eraagoraoununca.—Queriafalarcomvocêsobresexta—comecei—eofestivalquetinha
comentado.Arugasurgiuentreassobrancelhasdela:nãoeraumbomsinal.—Festival?—AbandadeMaceLayla?—Nãoentreempânico,disseamimmesma.
Issopodeserbom.—Oshowparatodasas idades?Quevocêdisseque iapensar?Nãoerabomfalarsócomperguntas.Confiançaeraapeça-chave.Hora
dereelaborar.— Começa às sete — eu disse, como se ela já tivesse concordado e
estivéssemosapenasacertandoosdetalhes.—Elessãoasegundabanda.Entãoeuchegariaemcasaàsdeznomáximo.Arugaseaprofundou.Querianãoternotado.—Achei que tínhamos combinado de começar com algomais leve do
queumshow,Sydney.—Passeisemanassemfazernadanemiralugarnenhum,mãe.Elasuspirou,comoseaconversajáacansasse.— Não acho que é uma boa ideia. Por que você não liga para Jenn e
Meredithevêseelasnãoqueremfazeralgo?— Não é a mesma coisa, mãe— respondi, embora soubesse que era
exatamentepor issoqueela tinhadadoasugestão.—Mãe,por favor, dizqueeupossoir.Porfavor.Já havia chegado ao último recurso dos desesperados: suplicar. Da
próximavez,nadadeestratégias,nadadeplanos.Sóo fatodeeu jáestarpensando na próxima vez confirmava o óbvio: eu tinha perdido. Aindaassim,continueialieaobrigueiadizeraquilonaminhacara.—Querida,não—elafalou,abrindoumsorrisotriste,oquesópiorouas
coisas.—Sintomuito.Foiassim.Aboladaminhavida,acobrançadefaltacapazdevirarojogo,
acabousaindotãotortaquemesentiidiotaporteresperadoalgodiferente.Eupodia ter ficadoe insistidomais, reforçando todososargumentosquehaviareunido.Masemvão.Minhamãeeramuitascoisas,masmolenãoeraumadelas.“Não”era“não”.—Tudobem—Macmedissenamanhãseguintequandoconteiaeleno
meu armário antes do primeiro sinal. Cheguei até a chorar, o que erahumilhante,pranãodizerpoucoatraente.—Ésóumshow.Outrosvirão.—Oquevocêfez?Virei o rosto na direção da voz. Lá estava Layla, fuzilandoMac com o
olhar.—Nada—Macdisse.—Agarotaestáchorando,Macaulay—eladisse,eentãoenfiouamão
nabolsaetiroudeláumpacotedelencinhospramim.—Émelhorvocêsdoisnãoestaremterminandobemagora.Seeunãopossoterumnamorofeliz,precisopelomenosestarpróximadeum.—Nãoéele—faleiaopegardoislenços.—Éaminhamãe.Dizeraquilobastouparamedeixarabaladadenovo,entãotrateideme
recompor.—ElanãodeixouSydneyiraofestival—Macdisse.—Vocêestáchorandoporisso?—Laylabufou.—Porfavor.Eubemque
queriaquealguémmeproibissedeirtambém.Ericjáestátodomandãoeinsuportável.Esóvaipiorar.PoracasoMaccontouqueagoraelequerqueagentemediteantesdoshow?Aquilomecomoveu:sabiaqueelaestavatentandomeanimar.—Comoassim?—Parece— ela explicou, apoiando-se no armário ao lado domeu de
maneiraqueficamosombroaombro—queéissoqueasgrandesbandasfazem antes de se apresentar.Meditam e visualizam. Ele diz que vai nosdeixarnomesmoplanomental,“emharmoniaespiritualantesdecriarmosumaharmoniareal”.—Parecealgoqueelediria—comenteidepoisdefungaronariz.—Poisé!—Laylaapoiouacabeçanomeuombroantesdecontinuar:—
Sentiremos sua falta.Mas é só uma noite besta. Infelizmente, é provável
quehajaoutras.Osinaltocou:horadaaula.Orelógionuncaestavaameufavor.Macme
envolveucomobraçoemepuxouparasi.—Vocêvaificarbem?—Vou— respondi e segurei suamão. Ele a afagou por ummomento
antesdeseafastar.Assimqueseguiuparaasala,volteiachorar.—Começodenamoro—Layladisseaomeentregaroutrolenço.Sequeiosolhos,envergonhada.Elestinhamrazão:erasóumanoite,só
umshow.Eeunãoeradechorar;aquelasemoções,repentinasefortes,mepegaram de surpresa. Tanto que só tomei consciência da parte maischocantedaquilohorasdepois.Omaissurpreendentenãoeraochoroemsi,masofatodeeuterchoradonafrentedeoutraspessoas.Naverdade,sódesabamos diante de quem sabemos que podem nos reconstruir. Mac eLaylaestiveramaomeulado.Mesmo—eespecialmente—quandoeunãopodiafazeromesmoporeles.
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—VocêcombinoualgumprogramacomJenn?Minhamãesesentiumalpornãoterdeixadoeuiraofestival.Claroque
não a ponto demudar de ideia.Mas se eu pedisse qualquer outra coisa,tinhaasensaçãodequeaschancesdesucessoeramboas.Penaqueeusóqueriaofestival.—Não—respondiaofecharaportadalava-louças.Eu podia sentir o olhar dela sobre mim quando peguei a esponja e
comecei a esfregar o balcão. Na sala de jantar, meu pai e Ames aindaestavamàmesa,continuandoumaconversasobreasnovidadesnoquesitoemprego/ moradia. Ames ficou obviamente surpreso quando o assuntoveio à tona. Estava claroque tinha imaginadoque restabelecer o contatoentreminhamãeePeyton lhegarantiriamaisdoqueapenasalgunsdias.Eu poderia ter dito a ele que meus pais nunca esqueciam. Sempre quelevantavam uma questão, ela permanecia à vista, mesmo se você nãoquisesseenxergar.—Bom—Amesdisseraaelesenquantopegavamaisumafatiadepão
—,minha indicação no Valley não deu certo.Masmandei currículo paraoutroslugares.—Eoapartamento?Amesolhouparaaminhamãe.—Éumproblemaeuficaraqui?—Jáconversamossobre isso—meupai lhedisse.—Essaestadiaera
prasertemporáriaedependiadasuaprocuraativaporalternativas.—Masnãohávagas—Amesfalouenquantopassavamanteiganopão.
Ele tinhamuito a aprender.Nomínimo, devia terparadode comer.—Omercado…estádifícilnomomento.Meupai olhoupara aminhamãe, e elabaixouamãoatéo assentoda
cadeiravaziaaolado,ondepegouumapasta,quepôssobreamesa.Oh-oh.
—Tomei a liberdadede examinar os classificadoshoje. Encontrei seisvagas para as quais você tem qualificação. E tantos anúncios de pessoasquerendodividirapartamentoquenemdavaparacontar.Enquanto Ames mastigava, com os olhos fixos na minha mãe, ela
deslizouapastanadireçãodele.Quandofinalmenteengoliu,eledisse:—Sevocêsqueremqueeusaia,eusaio.Silêncio.Aquelaeraaboladavidadele.—Achoqueémelhor—minhamãeconcordou.—Peyton?— Concordo. — Meu pai pegou o guardanapo e limpou a boca. —
Agradecemostudooquevocêfezpornós,masassimémelhorparatodos.Fiquei chocada.Omundo funcionadeum jeito engraçado.Agente fica
semuma coisa que realmente deseja,mas então o universo oferece umacompensaçãoinesperada.Eeuachavaqueeraprecisofazerumdesejoparaascoisasacontecerem.Ames,comoeradeseesperar,nãoserendeutãofácil.Primeiro,tentou
negociar mais um mês. Depois, mais uma semana. À medida que suaspropostas diminuíam cada vez mais, foi ficando difícil de assistir, entãominhamãeeeuseguimosparaacozinha.Meupai,porsuavez,estavaemseuhabitatnatural.Poderiacontinuaranoiteinteira,eeutinhaasensaçãodequetalvezfossenecessário.Elesaindaestavamláquandosubiaescadaparaoquartoàsseteemeia.
O festival começara às sete, e Irv tinhameprometidoque iamandarumconvitenoHiThere!quandoabandaentrasse,àsquinzeprasoito.Assimeupoderia assistir o show no celular. Enquanto isso, estava com elesvirtualmente, na troca alucinada de mensagens com Layla e Mac. Laylaenviou:
Eric acabou de dizer queminha roupa não émuito “autorreferencial”. Que porraissoquerdizer?
Respondi:
Precisausarmaispreto?
Mac:
Apassagemdesomfoiumabostaetodomundoestábrigandoporcausaderoupa.Queromorrer.
Escrevipraele:
Vocêsvãoarrasar.
Ouvi um barulho no corredor através da porta entreaberta. Fiz uma
pausaparaescutar.Uminstantedepois,ouviminhamãeandandonaSaladeGuerraevolteiaocelular.Nessemeio-tempo,Laylatinhamandadooutramensagem:
Muitagenteaqui.
Nervosa?
Não.
Pausa.Depois:
Sim.
Outrobipe.Mac:
VouterquesocarEric.Pelobemcomum.
Respondi:
Tentesecontrolar.Parecequevocêstêmumgrandepúblico.
Ofestival.Nãoagente.
Típico,pensei.DevoltaaLayla:
Éestranhosemvc.Queriaqueestivesseaqui.
Bipe.Mac.Passeiparaateladele.
Preferiairnoparquecomvocê.
Dava tonturamanterasduasconversasaomesmo tempo.Então fiqueifelizporpoderdaraosdoisamesmaresposta:
Eutambém.
Eram quinze pras oito em ponto quando Irv me mandou o convite.
AperteiACEITAReentãoorostodeleapareceuetomoucontadatelainteira.Malconseguiaouvi-loporcausadabarulheiradaplateia.—Eles estão subindonopalco—ele informou.Umagarotade cabelo
loiroplatinadotrombounascostasdele.—Comofoiaprimeirabanda?—Péssima.Gritariaamplificada,basicamente.Temossortedeopúblico
nãoter idoembora.—Elemudoudeposiçãoparaumcarade jaquetadecouropassar.—TodosnasposiçõesmenosEric.Ele…Ah,ali.Estáentrandopelomeiodopúblico.Recosteinacama,sorrindo.—Claroqueestá.Algunsacordes,umasbatidasnabateria:amúsicaiacomeçar.—O.k.—Irvgritou.—Pronta?Alguémpassavapelocorredor,masdessaveznãomeimportei.—Sim.Memostra.Boteiocelularnahorizontalbemnomomentoemqueaimagemmudou.
GraçasàposiçãoprivilegiadadeIrveàsuaenvergaduraenorme,eupodiaver o palco inteiro e a primeira fila espremida contra ele. Lá estava Ericcom seu chapéu fedora, se posicionando em frente ao microfone. À suadireita,Fordagitavaospésenormes.Edooutrolado,Layla,combotasdevaqueira e vestido vermelho, o cabelo preso de um jeito desleixado naalturadopescoço.Ericolhoupraela,sorriuecomeçouatocar.Nervosa por eles, segurei minha medalhinha do Santo Qualquer e
aumenteiovolumedocelularaomáximo.QuandoEriccomeçouacantaramúsicadeLoganOxfordqueeusabiadecor, leveiamãoàtelaemexinozoom do vídeo. Depois de uns instantes para acertar o foco, achei o queprocurava.Eleestavacurvadosobreabateria,tocandocomforça,ocabelocaídosobreorosto.Talvezeufosseaúnicaaprestaratençãonele.Jamaissaberia.Maselenãoerainvisível,nãopramim.Aíestávocê,pensei.Aíestávocê.
Algumanovidade?
Aindanão.
Já passava dameia-noite e todas as bandas já tinham se apresentado.
Agora só faltava os juízes e patrocinadores do festival escolherem ovencedor. Enquanto isso, o público aguardava no Bendo e eu, no meuquarto.Eutenteiestudar,masnãoconseguiameconcentrar,distraídapelonervosismo coletivo de Mac e Layla (eu nunca tinha trocado tantasmensagensemtãopoucotempo,oquedefinitivamenteeraumrecorde)epelobarulhoquevinhadoquartoaolado.Dessaveznãoerasóorádio,mastambémosomdemalassendofeitas.Comraiva.Só tinha me dado conta do que estava acontecendo no final da
apresentaçãodeles.Elestocarambem,comdestaqueparaaparticipaçãodeLayla,eapesardeorefrãodaterceiramúsicatersaídomeioembolado,eutinha certeza de que ninguém mais havia notado. Do começo ao fim, amúsicasaiualta,mesmonacaixadomeucelular,assimcomoaspalmaseaclamações no final. Quando Irv desligou, tudo ficou muito quieto derepente.Foientãoqueouvioprimeirobaque,seguidodobarulhosecodeumagavetafechadacomforça.Quandoaportadoarmáriotambémbateu,meuspaisjáestavamnaminhaporta.—Amesvaiemboraamanhãdemanhã—minhamãemedissequando
euabri.—Sóqueríamosquevocêsoubesse.Outrabatida.Meupaifranziuatesta.Perguntei:—Estátudobem?—Sim—elemedisse.—Foidecomumacordo.A barulheira contínua durante a hora seguinte dizia o contrário. Toda
gaveta aberta era fechada com força, a porta do armário tremia nasdobradiças quando era usada. Era tão preocupante que, no silênciorepentinodeumadaspausasparaocigarrodeAmes,fuiatélá,abriaportaeenfieiacabeçadentrodoquarto.Depoisdedarumaolhadanocorredor,fui até a cama, onde estava uma fileira de caixas. Uma estava repleta delivros, romances baratos e alguns títulos sobre reabilitação e comocombater os vícios. Outra continha lençóis e toalhas, algumas meiasdobradas. A última era a do que tinha sobrado: copos de café, isqueiros,carregadores.Escondidanumcanto,umapilhadefotos.A primeira era dele e Peyton numa praia, provavelmente durante a
viagem para Jacksonville. Os dois sorrindo, um com amão no ombro do
outro. Passei para a seguinte: de novomeu irmão, dessa vez namesa dacozinha, com um café ao lado e a sobrancelha levantada, sinal de leveirritação enquanto esperava o clique da foto. A próxima era de Ames eMarlanafrentedeumaárvoredeNatal.Aúltima,nofinal,eradojantardeformatura de Peyton no LunaBlu. Lembrei que aminhamãe entregou ocelularàgarçoneteparaquetodospudéssemosaparecer.Meuirmãoestavanomeio,decamisabrancaemacia,entreosmeuspais.Euestavapertodaminha mãe, e ao meu lado Ames e depois Marla. Todos sorríamos, e asluzinhassobrenósperderamofocoquandooflashdisparou.Aolonge,ouviumbipedomeucelular.Guardeiasfotosdevoltanacaixa
efuiatéaminhacamaparaverseeraamensagemqueeuesperava.Nãoera.Dessavez,Macescreveraporeleepelairmã:
Acaminhodohospital.Minhamãe.Égrave.
*
Dáprafazermuitacoisacomumcelular.Enviarumamensagemoufoto.
Conferiraprevisãodotempo,asnotíciasouohoróscopo.Veraspessoaseconversaremtemporeal, jogar,pagaroestacionamento.Umacoisaqueatecnologiaaindanãotinhadominado,porém,eraoatodeestarrealmenteemoutrolugar.Eutinhalidadobemcomadistânciaduranteofestival.Masnãolidariabemcomisso.Nemmeocorreupedirpermissãoparairaohospital.Jáerabemmaisde
meia-noiteeeu já tinharecebidováriasrespostasnegativasparapedidosrazoáveis.Porisso,nosminutosdepânicoqueseseguiramaorecebimentodaquelamensagem,boteiocelulardelado,senteiàescrivaninhaeescreviumbilhete.Nãomeiludi.Sabiaqueminhamãeprovavelmentesóleriaatéasegunda
fraseantesdeiratrásdemimsemseimportarcomoresto.Mesmoassim,achei importante que nessa última discussão eu pudesse dizer o quepensava. Se era para eu ser condenada, queria que os detalhes do meucrimeestivessemclarostambém.Mãe,FuiparaoHospitalUniversitário.AmãedeLaylaeMacestá lá, equeroficar ao lado deles. Nunca quis desobedecer você, nem naquela noite doestúdionemhoje.NãosouPeyton.Faço issoporquesouumaboaamiga,nãoumamá filha. Sei que talvez vocênão compreenda,mas espero que
tente.Deixei no teclado do meu notebook aberto. Então peguei a bolsa, a
jaqueta e saí, fechando a porta atrás de mim. Depois de todos aquelesmeses olhando o relógio e controlando o tempo, eu sabia que nãodemoraria muito para ser descoberta. Eu não era a única que sempreconseguiaouviroportãodagaragemabrindo.Noandardebaixo,acasaestavaescura,excetoporumaluznacozinha.
Deiumaolhada:vazia.Masquandopusamãonaportadagaragem,alguémsurgiubematrásdemim.Primeiro senti a presença de um corpo. Depois o calor. Por fim, a
respiração,bemnaminhanuca.Gelei.Umamãoapareceubemnafrentedomeurosto,osdedosabertossobreaporta.—Ondevocêpensaquevai?Porinstinto,agarreiamaçanetaepuxeicomforça.Aportanãosemexeu.
Fecheiosolhosevirei,emborasoubessequeassimficaríamoscaraacara,senãonarizanariz.—Medeixaempaz—eudisseaAmes,meesforçandoparamantera
vozaomesmotempobaixaefirme.—Sydney, émeia-noite—a vozdele saiu aguda, em tomde gozação.
Numvolumecompletamenteaudível.Merda.—Achoqueseuspaisnãovãogostardisso.Virei o rosto. Só conseguia sentir o cheiro de cigarro. Estávamos
desconfortavelmentepróximos.Eunãopodiarecuar,porqueestavacontraaporta.Eleescolheunãorecuar.—Medeixaempaz—repeti.Em vez de se afastar, ele se aproximou. Quando levantei as mãos,
abertas,paraempurrá-lo,eleagarroumeuspulsos.Fiqueisurpresacomosomqueproduzi,arfei,quasegritei.Durantetodo
aqueletempo—Amesprimeirocomovisitante,depoismorandosobnossoteto—mejulgueipresa.Masestavaerrada.Tinhaacabadodedescobriroqueeraestarpresadeverdade.—Ames—eudisse,avozjávacilante—,mesolta.Ao ouvir isso, ele sorriu. Então apertou ainda mais meus pulsos e os
forçouparatrás,nadireçãodasminhasorelhas.Foientãoquesentimedo.Masquandoeleavançou,deolhosfechados,eusabiaqueprecisavaagir.
Tinhasidopassivapormuitotempo.AssistindoTVnaquelastardeslongasesolitárias.Namesaalidolado,semcontaraosmeuspaisascoisasquemeassustavam. Por toda a parte, naquela casa, havia provas e símbolos da
garotaqueeuforaenãoqueriamaisser.Peytonnãoeraoúnicotrancadodentrodealgumacoisa.Apertei os olhos, tentei virar a cabeça àmedida que os lábios dele se
aproximavamdosmeus,maseleagarroumeurostoeopuxoudevoltaparasi.Eusentiaseusdedosseenterrandonomeuqueixo.—Queroquevocêolhepramim—eledisse.Mantiveosolhosfechados.—Não.—Sydney—eleapertoumais.—Olhapramim.—Não—minhavozsaiuaguda,comoumgrito.Sóentãomedeiconta
dequeminhamãodireitaestavalivre.—Apenas…—elecomeçou,masentãominhamãoacertousuacara,o
somdepelecontrapele,umestalo.Eletropeçouparatrásebateucontraaparede.Baixeiamãoatéamaçaneta,quepressionavaaminhacoluna,e tentei
alcançá-la. Eu tinha acabado de abrir a porta e me virar, quase livre,quando eleme agarrou pela cintura. Dessa vez, gritei pra valer, e tenteiescapar com todas as forças que tinha, jogando todo o peso do corpo nadireção oposta. Continuava presa, e então, de repente, numa fração desegundo, fui lançada para a frente aos tropeços, livre, pelos degraus dagaragem.Estendiamãoemeapoieinocarrodaminhamãeparameequilibrar.
Entãomevirei,àesperadequeelemeatacassedenovo.Emvezdisso,vimeupai.EletinhapassadoobraçopelopescoçodeAmes,comopunhocerrado,e
apertava com força, puxando-o para trás pelo corredor e para longe demim.Foi tudo tão loucoe rápidoquesópudemeconcentrarnosomdospésdeAmespatinandonoassoalho.Meupaitinhaumaexpressãonorostoquejamaistinhavistoantes.Quasenãooreconheci.—Oquevocêiafazer?—eleperguntava,aspalavrasentrecortadaspor
suarespiraçãoforteepontuada.—Oquevocêiafazer?— Ei— Ames gania, erguendo os braços para tentar escapar.—Não
consigo…—Vocêestábem?—meupaimeperguntou,ignorando-o.Fizquesimcomacabeça,emsilêncio.Entãoumaluzacendeuatrásdele
eouviavozdaminhamãe:—Peyton?Oqueestáacontecendoaíembaixo?Olheidenovoparaomeupai eparao rostodeAmes, agoranum tom
vermelho vivo. Não havia como explicar isso rapidamente, e me restava
poucotempo.Assim,enquantomeupaipuxavaAmesparaumacadeiranacozinha,easombradaminhamãeficavacadavezmaioràmedidaqueeladesciaaescada,corriparadentrodomeucarro.Meuspulsosdoíam,eeuaindaconseguiasentirosdedosdeleapertando
meuqueixo.Maspormaisabaladaqueestivesse,sabiaquehaviapessoasqueprecisavamdemim,e todoorestoteriaqueesperar.Quandoerguiobraço para apertar o botão do controle da garagempreso ao quebra-sol,percebi o quão apropriados eram aqueles rangidos e estalidos familiaresnaquelemomento. Foi o som que ouvi quandomeu pai saiu na noite daprisãodePeytonequeindicavaachegadadaminhamãenaquelastardessolitárias. Agora também marcava o início do que quer que estivesseacontecendo. Aquele som indicava os momentos em que a nossa vidanaquela casa se revelava aomundo brevemente antes de se esconder denovo.Quandodeiré,nemolheipraversealguémtinhasaídopratentarmeimpedir.Nãoqueriasaber.Edeixeioportãodagaragemaberto.Apesardacabeçacheiaportudooquetinhaacontecido,conferiocelular
emtodosossemáforosvermelhosnocaminhoatéohospital.EuconheciaMac: ele teria me avisado que estava tudo bem, se fosse o caso. Semmensagens.O Hospital Universitário estava todo iluminado e cheio. Parei num
estacionamento próximo e corri para a emergência, que estava lotada ebarulhenta como a Jackson, só que commais adultos e bebês chorando.Depoisdelongosquinzeminutosdeespera,umaenfermeirameinformouqueasra.Chathamtinhasidoadmitidaeescreveuonúmerodoquartonumpedaçodepapel:919.Quandotomeioelevadorparasubir,mantiveavistabaixa,olhandoparaaquelenúmero,comosealihouvessealgumaindicaçãodoqueeuencontrariaaochegar.Devaneiosdiantedarealidadeconcreta.Quandoaportaabriu,enfieiopapelnobolso.Cada ação que realizava— apertar o botão 9, observar o número do
andarsubir,darosprimeirospassosnaquelechãoriscadoegastoderesina—me fazia imaginar outra ação que devia estar acontecendo aomesmotempo.Minhamãeacordandoporcausadabrigaláembaixooudasnossasvozes;vendomeupaieAmesnacozinhaantesdedarmeia-voltaparameprocurar; indoaomeuquartoeencontrandoobilhete;pegandoqualquerroupa para entrar no carro e me seguir. Duas vidas que se moviam emparalelo,masqueestavamprestesasecruzar,nãomuitodiferentedoqueaconteceucomPeytoneDavidIbarranaquelaoutranoite.Acadainstante,
havia infinitas chancesde caminhos se cruzareme vidas se chocarem, seuniremoualgodotipo.Eraincrívelquefôssemoscapazesdeviversabendoquetudopodiaocorrerporpuroacaso.Masqualeraaalternativa?Aalternativaàvidaestavabempresentealinohospital.Eupodiavê-la
nos quartos pelos quais eu passava com máquinas apitando, cortinasfechadasouabertas, suspirosegemidos.No fimdocorredor,avisteiumaplaca:SALADEESPERA.Asala—quecontavacomsofás,poltronaseumaTVsilenciosaaocanto—estavavazia.Mashaviaumestojodeguitarraeumamochila apoiados contra a parede. E na única mesa, uma bolsa que euconhecia estava apoiada numa cadeira e havia umpirulito de chiclete, jáchupado, emcimadeumguardanapo.Eles estiveramali recentemente.Esaíramcompressa.919, pensei ao voltar pelo corredor. Os quartos pareciam borrados à
minha passagem; só focava nos números. 927. Imaginei aminhamãe aovolante,dirigindonoescuro.925.Ohospitalfinalmentesurgindoaolonge.923. Aquelemesmo saguão iluminado e cheio. 921. Tão pouco tempo. Eentãocheguei.A porta estava aberta. Parei do lado de fora, respirando forte. Logo à
frente, com suas costas largas e enormes, estava Irv. Segurando suamãoestavaRosie, de casacodaMariposa e rabode cavalo,minúscula ao ladodele.QuemseguravaaoutramãodelaeraEric, semchapéu, como rostojovem e assustado. Então vinha Layla, com o cabelo solto por cima doombro,olhandoparaafrente,eMac,aoladodela.Juntos,rodeavamoleitoem que a sra. Chatham estava deitada, commáscara de oxigênio e olhosfechados.Osr.Chathamestavasentadonaúnicacadeira,comasmãosnacabeça.Nomeubolso,ocelularvibrou.Eusabiaquemera,sabiaqueaquelaseria
a primeira ligação de muitas. Mas não me mexi. Em vez disso, foi o sr.Chathamquedealgummodomeviu.Emseguida,Laylatambémsevirou.Quando nossos olhos se encontraram, pensei de novo naquela tarde
distantenotribunal.Quandonosvemosdiantedacoisamaisassustadora,sóqueremosvoltaratrás,nosescondernonosso lugar invisível.Masnãopodemos.Éporissoqueoimportantenãoéapenassermosvistos,masteralguémquenosvejatambém.LaylasoltouamãodeMaceestendeuadelapramim.Quandoentreino
meiodosdoispara fecharocírculo,sentioolhardeMacsobremim.Masmeus olhos estavam fixos em Layla. E eu os mantive abertos, atentos,enquantoLaylafechavaosdela.
25
—Pravocê.Laylaseendireitounapoltronaelimpouabocacomamão.Umladodo
seucabeloestavapracima,esuabochechatinhamarcasdacosturagrossadoencosto.—Oqueé?—Abre.Ela pegou a sacola com cuidado dasminhasmãos para não acordar a
mãe. Dormir era quase tudo o que a sra. Chatham fazia enquanto serecuperava do leve enfarte que os episódios recentes tinham causado.Duranteseuspoucosmomentosdespertos,elaperguntavadosr.Chatham,dequalquerumdosfilhosquenãoestivessepresente,edevezemquandodas últimas notícias do Big Nova York e Big Los Angeles. Em seguida,cansada, ela apagava de novo, deixando-nos à espera da próximaoportunidadedefazermosnossasperguntas.Eu estava sentada na outra cadeira. O assento estava quente, já que
Rosietinhaacabadodelevantarpratomarumpoucodearfrescoecafé.Láfora,osolcomeçavaasepôr.Eradifícilacreditarquefaziamenosdevinteequatrohorasquetínhamosnosreunidoali,soboutraescuridão.Édifícilnãoperderanoçãodotempoemlugarescomoaquele.Pelomenosfoioqueouvidizer.Masnãofoisóohospitalquefezasúltimashoraspareceremtãolongaspramim.Laylaabriuasacolacomumamão,enquantoaoutraabafavaumbocejo.
Aoveroconteúdo,arregalouosolhos.Elalevantouacabeçaeperguntou:—Você…?Nãopodeser.Sorri.—Ocasiãoespecial.—Vocêestáfalandosério?—Shhhhhh!—sibilouumaenfermeiradepassagempelocorredor.Elas
circulavam com muita discrição, até o momento em que precisavamrepreenderalguém.—Desculpa—Laylafaloubaixinho.Depois,comumsorrisodeorelhaaorelha,enfiouamãonasacolaetirou
umacaixadebatatasfritasdoLittleseapôsnamesaaolado.Emseguidatirou a camadade guardanapos—aprovando coma cabeçameuesforçopara evitar contaminações —, a caixa do Bradbury Burger, maisguardanapos,eaporçãofinal,doPamlicoGrill.Emseguida,alinhouastrêsnamesaeseafastouparacontemplaracena.—ATrifecta.Incrível.—Acheiquevocêfossegostar.— Estou honrada. — Ela suspirou alegremente e então deu outra
espiadadentrodasacola.—Poracasovocê…Enfiei amãonabolsa epuxei outra sacola, cheiadeketchupsdos três
lugaresdiferentes.Eraclaroqueogostonãoeraomesmo;haviapequenasvariações.Quemnãosabiadisso?—Aqui—faleiaoestenderanovasacola.Ela sorriu de novo e a pegou. Em seguida, tirou os pés de debaixo do
corpoecomeçouospreparativos.Enquantoeuobservava,asra.Chathamsuspiravaemseusono,agitandooraumpé,oraoutro.Eutambémestavacansada,maisdoquejáestiveranavida.Comtudoo
queaconteceranasúltimasvinteequatrohoras,eumaltinhadormido—apenasumashorinhasroubadasdemanhãentreaconversacommeuspaise o retorno ao hospital. Durante aquele curto período, escapei depresenciar a retirada das coisas de Ames da nossa casa. Quando estavaquase caindo no sono, ouvi ao longeminhamãe emeu pai conversandocomSawyernaSaladeGuerra,enquantoumdosfuncionáriosdelelevavaascaixas.Quandoacordei,sóhaviasilêncio.Mesmoassim,fuiatéoquartodePeytonparavê-lovaziocomosprópriosolhos.Ocolchãosemlençóis,ajanelaquebrada,ocarpetejáaspirado:elerealmentetinhaidoembora.Maistarde,teriaquedecidirseprestariaqueixaeconsultariaopsicólogo
queaminhamãeinsistiaparaqueeuvisse,tantoacompanhadadosmeuspaisquantosozinha.Esseeraapenasoprimeiropassoparalidarcomoquetinhaacontecidonaquelanoiteenosmesesqueantecederamaela.PorterfugidoparaencontrarLaylaeMac,eujamaissaberiaaspalavrasqueforamditas quandominhamãe desceu a escada, ou os golpes que causaram aslesõespelasquaisoadvogadodeAmesmaistardetentariaconseguirumacompensação.Oquequerquetenhaocorridoemcasamepermitiunãosóchegaratéoleitodasra.Chatham,mastambémpermanecerláportempo
suficientepara,aoladodeMaceLayla,vê-lafinalmenteabrirosolhos.Pelomenosumavezotempoagiuameufavor.Quando issoaconteceu,porém,eunãotinhaconsciênciadenadadisso.
EstavafocadaapenasnamãodeMacnaminhaeLaylaaolado,apoiadanomeu ombro. Apesar de estarem ao todo oito pessoas naquele espaçopequeno,oquartoestavatãosilenciosoqueoúnicosomeramosbipesdomonitor cardíaco. Essa vigia silenciosa era assustadora, mais do quequalquercoisaqueeujátinhavivenciadoantes.Maseunãoqueriaestaremnenhumoutro lugar.Não importavaoquanto aquilome custaria—e euaindanãosabiaotamanhototaldacifra—,játinhacertezadequevaliaapena.Eraporvoltadasduasdamadrugadaquandocomeceiamepreocupar
comaminhamãe.Esperavaqueelaaparecesseaqualquermomento,eàmedidaqueotempopassavasemqueissoacontecesse—semfalarnafaltade mensagens e ligações —, comecei a me perguntar por quê. Eu nãoconseguia imaginar o que a faria não vir atrás demim e ainda por cimaevitaroconflitoqueseseguiria.Àstrêsdamanhã,porém,estavarealmentepreocupada. Assim, enquanto todos falavam ao mesmo tempo, aliviadospela sra. Chatham ter acordado e conseguir falar, sussurrei aMac que iafazerumaligaçãorápida.Quandopusospésnocorredor,euavi.Ela estava bem perto da porta, numa cadeira de metal encostada na
parede.Tãopertoqueseeutivesseolhado,teriavistoládedentro.Comoeu,elatinhachegadoaohospital,perguntadopelasra.Chathamerecebidoo número do quarto. Embora estivesse abalada pelo que acontecera comAmes— e tivesse finalmente compreendido omotivo de eu reclamar deficarasóscomele—,elaaindaficoubravaporeutersaídodecasa.Tudooqueelaqueriaerametirardali.— Mas você não tirou — disse a ela na manhã seguinte, quando
finalmentesentamoscommeupaiparaconversar.—Vocênementrou.Minhamãeesfregouosolhos;pareciatãocansadaquantoeu.— Eu ia entrar. Estava decidida a arrastar você dali pelos cabelos, se
preciso.—Eoqueaconteceu?—perguntei.Elalevantouosolhosparamim,comaexpressãoidênticaàqueeuvira
nohospitalnanoiteanterior.Cansada,triste.—Euvivocê—eladisseapenas.Eu,rodeadaporpessoascomquemmepreocupava.Eu,sendoumaboa
pessoa, uma boa amiga, todas as coisas que ela se orgulhava de ter meensinado.Depoisdetantosmesesolhandopramimapenasnocontextodo
meuirmão,por fim,soba luzbrancae fortedaquelehospital,minhamãemevislumbraracomoSydney,semprecedentesoucomparações.Peyton sempre estivera presente, dando cores à paisagem. Cores
vibrantes e intensasno começo;depois, cinzae tons escurosnosúltimosdoisanos.Masnaquelemomento,rodeadadepessoasqueelanãoconhecianumlugarestranho,eueraoopostodeinvisível:eraaúnicacoisafamiliar.E isso a fez compreender o que eu havia passado tanto tempo tentandoexplicar:eueradiferentedomeu irmão.E talvez issosignificassequeelatambémpodiacomeçaraserdiferente.Eu não sabia disso quando saí do quarto e a encontrei no corredor.
Apenasfiqueiimóvel,surpresaaovê-la.Nemconseguifalar.—Elaestábem?—elaperguntouafinal,apontandocomacabeçaparao
número919daportaaberta.—Vaificar—respondi.Quandoela levouamãoaorosto,esperei: instruções,censuras,alguma
coisa. O fim de uma perseguição significava que alguém tinha sido pego.Depoiserasóumaquestãodetratardosdetalhes.E, mais tarde, eles viriam. Nossa conversa à mesa namanhã seguinte
seria a primeira demuitas sobre os últimosmeses. Não falamos apenasdaquelanoite,masdetudo,voltandoatéotempoemquePeytonaindanãotinhasemetidoemencrenca.Ascaminhadasnobosque.Astardeslongasesolitárias. Minha escolha de mudar para a Jackson. Mac e Layla. DavidIbarra.Ames.Depoisde ter guardado tudoaquilopor tanto tempo, euàsvezessentiaquemefaltavaarparafalartudooquequeria.Mas,dealgumjeito,aspalavrassaíram.Quandoaconversa ficavapesada—eela ficou—,euvoltavaapensar
naquele instante no corredor do hospital. Eu estava acostumada com aminhamãesempreterumplano.Daquelavezfoidiferente.Euaviinclinar-separaafrente,colocaroscotovelossobreosjoelhose
apoiar a cabeça entre as mãos. Uma enfermeira vinha pelo corredor nanossadireção, e seus sapatos rangiamde leve. Elamalnosolhou. Estavaacostumadacomaangústia.Nosacostumamoscomo jeitodeserdaspessoas;contamoscomele.E
quandoocomportamentodelassurpreende,paraobemouparaomal,écapaz demexer profundamente conosco. Minhamãe sempre fora rígida,forteeprotetora.Jamaisteriaimaginadoquevê-ladesabarseriaqualquercoisaalémdedesolador.Malsabiaeuqueissomedariaachancede,enfim,serforte.Ajoelheiaoladodacadeiraepasseiosbraçosàsuavolta.Nocomeço,ela
endureceuumpoucoocorpo, surpresa.Então,devagar, senti seupesosesuavizar;umpesohumano,vivoeterno.Demosumabraçoesquisito—ocabelodelanomeurosto,umdosmeustornozelosmeiotorcido—,comosó as coisasmais vulneráveis são.Mas estávamos lá, juntas, e na sala aolado,omonitoraindasoava.Registrandoasbatidasdeumoutrocoraçãoefornecendoumaprovapermanenteeconcretadonosso.
26
—Pronta?OlheiparaMacatrásdovolantedacaminhonete.—Comojamaisestarei.Ele sorriu e apertou minha mão. Então saímos da vaga em frente à
Seasideeseguimosnossorumo.Tinhamsepassadodoismesesdesdeanoitedofestival,eumnovoano
seiniciara.Eujásabiaqueseriamelhorqueoanterior.Asra.Chathamserecuperavaemcasa,eosfilhoseomaridosereuniam
à sua voltamais do que nunca. AMaravilhoso ou Catastrófico não tinhavencidoofestival—osjuízesdeviamsermaisfãsdegritariadoqueIrv—,masatraíraointeressedeumdonodeestúdiodaregião,quegravariaumademodeverdadeparaabandaemtrocadotrabalhodeEric.Umempregorealmenteligadoàmúsicadeixouoegodeleaindamaior,algoquepareciaimpossível.Layla, por sua vez, com certeza enxergava as coisas de um jeito
diferente; pelo menos foi o que percebi no hospital dois dias depois daapresentação. Com as minhas provisões de costume — batatas fritas,revistasepirulitos—namão,entreinoquartoesperandoencontrá-lanolugardesempre:apoltronaaoladodoleitodamãe.Elaestavalá,masnãoasós.Eric estavaestiradonapoltrona reclinada, e ela aninhada contra ele,comosbraçosemvoltadoseupescoço.Deiumpassoparatrás,surpresa,enão comentei nada quando nos encontramos depois no corredor. Duassemanasmais tarde, quando eles anunciaram oficialmente o namoro, fizquestãodefingirsurpresa.QuantoàminharelaçãocomMac,estávamosfirmes.O fatodeaminha
mãe ter aliviado o controle da minha agenda contribuía. Eu não tinhaliberdadeplena—tratava-sedeJulieStanford,afinal—,masencontramosummeio-termo.Euestavalivrenoalmoço,masaindatrabalhavatrêsdias
por semana no Kiger com Jenn. Isso nos ajudou a manter contato, eMeredith aparecia com frequência para almoçar com a gente (nem eranecessáriodizerqueMargaret,apesardeaindaestarporperto,nãoestavaconvidada). Layla e eu tínhamos pelo menos uma tarde reservada porsemanapara iràSuperThriftesairembuscadasmelhoresbatatas fritas,isso quando eu não estava tentando ensiná-la a dirigir — um processoassustadorehilário,quasesempreaomesmotempo.Otempoquesobravaeupassava comMac, ouna casadele, ouna Seaside, ouna caminhonete,fazendo entregas. Minhas previsões continuavam certeiras, modéstia àparte. O sr. Chatham disse que eu levava jeito para o negócio. Pra sersincera,nuncaficaratãofelizcomumelogio.Quando decidimos não prestar queixas contra Ames, o advogado dele
paroudeentraremcontatocomomeupaiarespeitodas lesões,enuncamaisouvimosfalardosdois.Meuirmão,porsuavez,tinhapassadoaligarregularmente no meu celular para que pudéssemos conversar longe decasaedosnossospais.TínhamosmuitooquedizerdepoisdoqueocorreracomAmesetudomais.Àsvezesaspausaseossilênciospareciampesadosapontodemeesmagar.Quandotudofalhava,podíamosvoltaraoBigNovaYork.EuestavaquaseoconvencendoamudarparaotimedaAyre.Eraumavanço.Peyton também mantinha um contato cada vez mais constante com
meus pais e ligava commais frequência. Ele tinha começado a correr napistatodososdiasduranteobanhodesoleestavafocadoemmelhoraravelocidade, lendo tudo o que conseguia sobre treinamentos. Minhamãe,queparticiparadaequipedecorridacrosscountrynafaculdade,eraperitanamatéria,ecomesseinteresseemcomumumanovaehesitantefasedarelaçãodosdoiscomeçou.Nofim,Peytonpediuqueelafossevisitá-lo.Logoque soube, fiquei apreensiva, receosadeque suaobsessãopela vidadelevoltasse. Mas minha mãe me surpreendeu. Ela visitava, gostava dostelefonemas e especialmente das conversas sobre corrida. Mas deu aPeytonoespaçodequeeleprecisavaeodeixouseaproximardeladevezemquando,emvezdesempreiratrásdele.O fato de ela ter encontradoumanova causa a que se dedicar ajudou.
DepoisdaquelanoitenoHospitalUniversitário,elevoltouparavisitarasra.Chatham. As duas acabaram conversando sobre os problemas dosconvêniosedafaltadeatençãodohospitalemrelaçãoaospacientesesuasfamílias. O que começou como uma oferta de se reunir com algunsadministradores do hospital em nome dos Chatham para levantarinformações acabou, ao longo das semanas seguintes, com ela se
voluntariandoparaajudarnarelaçãocomospacientesecomaperspectivadeumempregode fato. Ela dizia que ainda estavapensando, que estavaocupada com outras coisas, mas meu pai e eu sabíamos que acabariaaceitando. Minha mãe adorava uma boa causa e jamais faltaria uma nohospital.Peytonainda tinhamaisdezmesesnaLincoln;suapenadiminuíraum
poucoporbomcomportamento.Assimquefosse liberado,elesemudariapara uma casa de recuperação por seis semanas enquanto arrumavaemprego e moradia, ao mesmo tempo que treinava para sua primeiracorridadedezquilômetros.Apesardetodooprogresso,davaparaverqueminhamãeestavasurtandopornãopoderajudarnisso,emaisdeumavezencontrei o computador dela com páginas de classificados e imóveis dealuguel na tela. Velhos hábitos não morrem fácil, mas eu sabia que elaestavaseesforçando.Eeutambém.OutroDiadaFamíliaacontecerianaLincolnemfevereiro,
eeutinhadecididoir.Minhamãeficouradiante—claro—,masmurchouumpoucoquando lhedissequePeytoneeu tínhamosdecidoqueeu iriasozinha.Jáhavíamossuperadoumapequenadistânciasozinhos,masaindahaviamuito pela frente. De uma coisa eu estava certa: o relacionamentoquemeuirmãoeeuteríamosquandoelesaísse,fossequalfosse,seriabemdiferente da nossa infância. Ambos tínhamos crescido, de modoscompletamente diferentes. Mas eu estava ansiosa para conhecê-lo. Eesperavaqueelesentisseomesmo.Enquanto isso, em casa, também estávamos aprendendo a viver junto
semaconstantepresençadePeytonemespírito,senãoempessoa.Minhamãeeeuconversávamossobrefaculdadesefazíamosplanosparavisitaroscampi. Pensávamos em um futuro diferente. O meu. E depois de muitapressãodeminhaparte,Mactinhafinalmenteconversadocomopaisobresuas esperanças de cursar engenharia na universidade de Lakeview oumesmo em outro lugar. O sr. Chatham ficou em dúvida, algo que todosesperávamos.Masnãodissenão.Assim,duranteastardesnaSeaside,Mace eu passávamos um tempo pesquisando faculdades entre uma lição decasa e outra, descobrindo tudo o que pudéssemos sobre os processosseletivos. Enquanto isso, Layla — que tinha demonstrado um novointeressenosnegóciosdepoisdeencontraralgunslivrosdeadministraçãonabiblioteca—trabalhavaparasubstituirosistemaderegistrodaSeasidee tentava convencer o pai de outras mudanças. Ele também estavahesitantequantoaisso,masouvia.Afinal,elaeraumaespecialista.Equemsabe?TalvezmesmocomMaclongeporcausadafaculdadeedacarreira,a
Seasidepermanecessenafamília,afinal.Eraisso.Ninguémeracapazdesaberoqueviriaadiante;ofuturoeraa
única coisa que jamais poderia ser destruída, porque ainda não tivera achance de existir. Num minuto, você está andando sozinha pelo bosqueescuro; noutro, a paisagem muda, e você enxerga. Enxerga algomaravilhoso e inesperado, quasemágico, que jamais teria encontrado senãotivesseseguidoemfrente.Comoumanovaamizadequepareceantiga,umalembrançaquenuncavaiesquecer.Talvezatéumcarrossel.Quantoamim,eutinhaassuntosantigosaresolver.Foiasra.Chatham,
naverdade,quemepôsaideianacabeçanumadasprimeirasvezesquefuiacompanharsuarecuperaçãonocentrocardíacodohospital.Elesatinhamfeitoandarpeloscorredorespararecuperaraforça,eelavoltaraaoquartoexausta; foi logo para a cama e fechou os olhos. Pensei que estivessedormindoecomeceiafazeraliçãodecasadematemática.Entãoelafalou:—Vocêsabequeprecisafalarcomele.Nós tínhamos conversado sobre Peyton durante a caminhada juntas,
sobrecomonósdoisestávamosaospoucosacertandoascoisas,apesardasdificuldades. Isso sempreaconteciadurante a recuperaçãodela:não raroelaretomavaalgumassuntoqueeujáesquecera.Osmédicosdiziamquesedeviaemparteaosremédioseaocansaço.—Estoutentando—eudisse.—Masquasesempre,mesmoagora,não
seioquedizer.—Sim,vocêsabe.—Elabocejouaovirarorostoparaotravesseiro.—
Comecepedindodesculpas.—Desculpas?—repeti.Elasuspirou.Comcertezajáiaapagar.—Entãocontinuedaí.Fiquei lá, sentada e confusa. Um homem passou do lado de fora com
flores e vários balões de hélio na mão. Observei-os flutuar, brilhantes evivos,meperguntandopor quepediria desculpas paraPeyton. Só nodiaseguintemedeicontadequetalvezelanãoestivessefalandodele.De volta à caminhonete, o celular vibrou no meu bolso. Peguei para
conferir.
NoestúdiocomEric.Elenãocabeemsi.Estámemostrandotudo.MeuDeus.
Acheigraça.
Vocêestáadorando.
Juroquenão.
Outrotoque.Minhamãedessavez:
Trazumapizzapracasa?Eoseupaiquerpãodealho.
Respondi:
Podedeixar.Chegoàsseis.
O.k.
—Tudobem?—Macperguntou.—Sim—respondi.—Tudocerto.Maseuficavacadavezmaisnervosaàmedidaquenosaproximávamos.
Emboraconhecessebemasruas, jáqueeumesmatinhapassadoporelasmaisdeumavez,faziatempoquenãoviaaquelacurva,aquelecruzamento.No momento em que ele estacionou na frente de uma pequena casa detijolinhoscomvigaspretas,pudesentirocoraçãolatejarnopeito.Macdesligouomotoreviroupramim.Atentocomosempre,àesperado
meusinal.Pusamãonotrincodaporta,abriedesci.Enquantocontornavaa caminhonete para subir na calçada, ele pegou a bolsa térmica atrás doassento.Quandochegueiàjaneladele,jáestavaprontaparaserlevada.—Possoircomvocê—eledisse—,seissofacilitarascoisas.—Facilitaria—falei.—Masachoquetemqueserdifícil.Emvezderesponder,eleseguroumeurostoemedeuumbeijo.Como
sempre,desejeiquedurasseprasempre.Comosabiaque teríamosmuitotempodepois,meobrigueiarecuar.E então, de algum modo, já estava atravessando o quintal da casa.
Quantomaismeaproximavadaporta,maisconcentrada ficava.Eracomose eu fosse capaz de ver e sentir tudo, com nitidez, de perto. Um gatomalhado lambia a pata nos degraus. A leve inclinação da rampa que eusubia. O som de uma TV ou rádio lá dentro. Alguém rindo. Ao chegar naporta,lanceiumolharporcimadoombroparaMac.Estaraoladodelenãotinharesolvidotudonaminhavida;nenhumapessoaseriacapazdisso.Maserabom.Emtodocaso,erairrealesperarvivernumafelicidadeconstante.
Navidareal,jáémuitasortechegarmaisoumenospertodisso.Ajeiteiapizzaebatinaporta.Hásempreumalacunaentreomomento
em que você anuncia sua chegada e omomento em que a porta abre. Enesses instantes você espera pra ver o que há do outro lado. FazendoentregascomMac,eutinhacaptadocenasdetantasvidas,partículasdeummilhãodehistórias.Aquela,porém,eraminha.—Jávou—umavozgritou,eentãoouviumsomdemotor,aumentando
conformeseaproximava.LeveiamãoatéamedalhinhaqueMactinhamedado,comosempremepegavafazendo.MeuSantoQualquer.Eugostavadaideiadeteralguémolhandopormim,fossequemfosse.Todosprecisamosdeproteção,mesmosenemsempresabemosdoquê.Afechadurafezumclique,eobserveiamaçanetagirareaportaseabrir.
EentãoDavidIbarraestavameencarandocomorostosurpreso.—Nóspedimospizza?—Nãoexatamente.Eu não fazia ideia do que aconteceria dali em diante, nem se existiam
palavrasparadizertudooqueeuestavasentindo.Elepodiabateraportanaminhacara.Perguntarquebemeufaziaestandoali.Eutinhaimaginadotodasessassituações,ecadaumadaspossíveisvariações.Massónaquelemomento,quandomeexpus,descobririaoqueiaacontecerdeverdade.Comece pedindo desculpas, a sra. Chatham tinha dito. Ali, de pé diante
dele,eusóconseguiapensaremumoutrocomeço,naqueletribunalváriosmesesantes.Ojuiztinhafeitoumapergunta—Oréupoderia se levantar,porfavor?—,eoqueseseguiua isso foi—paramim,paraPeyton,parameuspais,Mac,Layla, todos—umacontínuaresposta.Entãoachei justo,naquelemomento,fazerminhaprópriapergunta:—MeunomeéSydneyStanford—eudisse.—Possoentrar?
FIM
KPOPHOTOSARAHDESSENéumdosmaioresdestaquesda literatura jovemadultacontemporânea. Autora de doze livros que juntos somammais de 7milhões de exemplares vendidos no mundo, já recebeu diversosprêmiose seunomeépresençaconstantena listadebest-sellersdoNew York Times. Mora em Chapel Hill, Carolina do Norte, com omaridoeafilha.