1 encontro catequistas - aparecida do …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (lc 1,51),...

35
1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO NORTE MARIA, CATEQUISTA DE JESUS, E JESUS, CATEQUISTA DO POVO 10 de fevereiro de 2019 frei Carlos Mesters, Carmelita Introdução: 1. Perguntas para nós catequistas 2. Perguntas nossas para Jesus 1ª Parte: Perguntas para Jesus, como Catequizando 1. Jesus, quem foi a sua catequista? 2. O que você mais lembra dela? 2ª Parte: Perguntas para Jesus, como Catequista do povo 1ª Pergunta: Jesus, como você fazia para o povo gostar tanto de sua fala? 2ª Pergunta: Jesus, você fez algum curso para ser catequista? 3ª Pergunta: Quais os recursos que você usava para atrair tanta gente? 4ª pergunta: Por que alguns doutores não gostavam do seu jeito de ensinar? 3ª Parte: Perguntas para Jesus, como Formador de catequistas 1. Jesus, como você acompanhava cada um dos discípulos, seus catequizandos? 2. Jesus, como você formava os discípulos envolvendo-os na missão 3. Jesus, como você acompanhava o processo de formação deles? 4. Jesus, quais os Conteúdos e Recursos didáticos que você usava 5. Jesus, você fazia encontros para ensinar como transmitir a Boa Nova de Deus? 6. Jesus, qual o ponto mais importante que nós devemos levar em conta? 7. Jesus, como você define a sua missão como catequista c? 8. Jesus, como você usava a Bíblia na sua vida pessoal e na catequese? 4ª Parte: Os quatro lados da Palavra de Deus: Da Mensagem do Sínodo dos bispos

Upload: others

Post on 04-Aug-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

1

ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO NORTE MARIA, CATEQUISTA DE JESUS, E JESUS, CATEQUISTA DO POVO

10 de fevereiro de 2019 frei Carlos Mesters, Carmelita

Introdução: 1. Perguntas para nós catequistas 2. Perguntas nossas para Jesus

1ª Parte: Perguntas para Jesus, como Catequizando 1. Jesus, quem foi a sua catequista?

2. O que você mais lembra dela?

2ª Parte: Perguntas para Jesus, como Catequista do povo 1ª Pergunta: Jesus, como você fazia para o povo gostar tanto de sua fala?

2ª Pergunta: Jesus, você fez algum curso para ser catequista?

3ª Pergunta: Quais os recursos que você usava para atrair tanta gente?

4ª pergunta: Por que alguns doutores não gostavam do seu jeito de ensinar?

3ª Parte: Perguntas para Jesus, como Formador de catequistas 1. Jesus, como você acompanhava cada um dos discípulos, seus catequizandos?

2. Jesus, como você formava os discípulos envolvendo-os na missão

3. Jesus, como você acompanhava o processo de formação deles?

4. Jesus, quais os Conteúdos e Recursos didáticos que você usava

5. Jesus, você fazia encontros para ensinar como transmitir a Boa Nova de Deus?

6. Jesus, qual o ponto mais importante que nós devemos levar em conta?

7. Jesus, como você define a sua missão como catequista c?

8. Jesus, como você usava a Bíblia na sua vida pessoal e na catequese?

4ª Parte: Os quatro lados da Palavra de Deus: Da Mensagem do Sínodo dos bispos

Page 2: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

2

Introdução: 1.

PERGUNTAS PARA NÓS CATEQUISTAS

Para começar, algumas perguntas para nós catequistas sobre nossa própria vida.

1. Por que você é catequista? Às vezes, a gente faz as coisas sem saber bem o

por quê. Faz por costume, por tradição, por necessidade, ou por opção. Muitas vezes,

os motivos se misturam. É bom conversar sobre o motivo que me leva a ser catequista.

2. O que você lembra da catequista que teve? O que lembra dela: doutrina ou

atitudes? Geralmente, lembra "atitudes!" As crianças vão lembrar o jeito que você

tinha de lidar com elas, de acolhê-las, de ser uma revelação bem pessoal daquilo que

você ensinava.

3. É mais fácil com os próprios filhos ou com os outros? Isto vale para as

catequistas casadas. Sempre se diz que a primeira catequista da gente é a própria mãe.

Outro dia, uma mãe me respondeu: "Para mim, é mais fácil com os outros".

4. Quem foi sua primeira catequista? Muitos dizem: foi minha mãe. Além da

mãe, vão lembrar uma ou mais pessoas que marcaram sua vida nos anos da infância.

5. Como você se relaciona com as crianças? Cada criança tem a sua história:

você consegue acompanhar cada uma? Em casa, a mãe consegue. Você catequista

consegue? A catequista que você teve conseguia acompanhar você? Cada criança tem

a sua família. Você consegue envolver os pais na formação das crianças? Consegue

fazer encontros com eles? O trabalho da catequese está integrado no conjunto da

pastoral da paróquia? Leva em conta as festas e o ano litúrgico?

6. Você faz hoje catequese igual ao que fazia 20 anos atrás? Sei que todas vão

responder: "Hoje, a gente faz diferente de ontem!" Pergunto: "Mas Jesus não mudou

de lá para cá. Por que você mudou sua catequese?" Uma catequista disse: "É verdade!

Mas quando o corpo cresce, a gente muda a roupa de acordo com o tamanho do

corpo. Mas mesmo diferente, o corpo estará sempre vestido! Isto não muda!"

7. Você gosta de ser catequista? Por quê? Qual o motivo mais profundo? Aqui,

cada uma responde conforme a resposta que lhe vem do coração.

Page 3: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

3

2. PERGUNTAS PARA JESUS

1. Para Jesus, o catequizando: Jesus, quem foi a sua catequista? O que você mais

lembra dela? Você também teve encontros de catequese na sinagoga? Você tinha que

fazer alguma prova para ser admitido na comunidade? Você teve catequistas de que

não gostava tanto?

2. Para Jesus, o catequista do povo: Jesus, o povo gostava quando você ensinava

para ele as coisas de Deus. Como é que você fazia? Você fez algum curso? Quais os

recursos que você usava para atrair tanta gente e tantas crianças? Por que alguns

doutores não gostavam do seu jeito de falar ao povo?

3. Para Jesus, o formador de catequistas: Você formou doze catequistas e

depois mais setenta e dois. Como você acompanhava cada um deles? Você também

fazia encontros como nós estamos fazendo hoje para aprender a transmitir melhor a

Boa Nova de Deus? Para você, Jesus, qual o ponto mais importante que nós

catequistas devemos levar em conta no nosso trabalho?

4. Para Jesus usando a Bíblia na catequese: Jesus, você usava a Bíblia? Você

tinha Bíblia em casa? Onde você aprendeu a ler e interpretar a Bíblia? Para nós nem

sempre é fácil, porque a Bíblia tem coisas difíceis que a gente não entende bem. Como

é que você fazia com os textos difíceis? Mais uma última pergunta bem pessoal: como

você usava a Bíblia para a sua vida pessoal? Desculpe tanta pergunta, Jesus. Mas é que

a gente quer aprender.

Page 4: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

4

1ª PARTE Perguntas para Jesus como Catequizando

Jesus, quem foi a sua catequista? O que mais você lembra dela? Você também teve catequese na sinagoga? Você tinha que fazer alguma prova para ser admitido na comunidade? Você também teve catequistas de que não gostava tanto?

1. Jesus, quem foi a sua catequista? O que você mais lembra dela?

Jesus responderia: "As minhas primeiras catequistas foram minha mãe e minha

avó". O que ele lembra delas é o que ele mesmo disse à mulher que elogiou sua mãe.

"Uma mulher levantou a voz no meio da multidão, e disse a Jesus: 'Feliz o ventre que te

carregou, e os seios que te amamentaram'. Jesus respondeu: "Mais felizes são aqueles

que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática." (Lc 11,27-28)

Jesus lembrava a felicidade da sua mãe de poder ouvir e praticar a palavra de

Deus: "Feliz quem ouve a palavra de Deus e coloca em pratica!" Uma mãe catequista

me disse: "Ser catequista é minha maior felicidade!" Uma criança disse: "Outro dia,

minha catequista não me falou sobre Deus, mas ficou meia hora comigo quando eu

estava triste. Foi tão bom. Foi Deus comigo!"

E a gente pergunta: "Como será que Maria foi a catequista de Jesus?" Difícil de

responder. Mas temos informações da própria bíblia de como Maria ouvia e praticava

a Palavra de Deus e também de como naquele templo era a transmissão da fé nas

casas e nas comunidades.

1. O testemunho de Maria, mãe e catequista de Jesus

A Bíblia fala muito pouco da Mãe de Jesus. Só sete livros a mencionam: Gálatas (Gl

4,4); Marcos (Mc 3,20-21.31-35); Lucas (Lc 1 e 2; 11,17); Atos (At 1,14); Mateus (Mt 1

e 2),;João (Jo 2,1-13; 19.25-26) e Apocalipse (Ap 12,1-17). Ela mesma fala menos

ainda. A bíblia conservou apenas sete palavras de Maria. Eis as sete palavras:

1ª Palavra: "Como pode ser isso se não conheço homem!" (Lc 1,34)

2ª Palavra: "Eis aqui a serva do Senhor!" (Lc 1,38)

3ª Palavra: "Minha alma louva o Senhor!" (Lc 1,46)

4ª Palavra: "Meu filho porque fez isso conosco?" (Lc 2,48).

5º Palavra: "Eles não têm mais vinho!" (Jo 2,3)

6ª Palavra: “Fazei tudo o que ele vos disser!" (Jo 2,5)

7ª Palavra: O silêncio ao pé da Cruz, mais eloquente que mil palavras! (Jo 19,25)

Page 5: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

5 Quando fala de Maria, Lucas pensa nas Comunidades. Na maneira de Maria

relacionar-se com a Palavra de Deus, ele vê a maneira mais correta para a comunidade

relacionar-se com a Palavra de Deus: descobri-la, escutá-la, acolhê-la e encarná-la,

mesmo quando não a entende ou quando ela a faz sofrer. Eis um breve comentário

das sete palavras de Maria, mãe e catequista de Jesus:

1. "Como pode ser isso se não conheço homem algum!" (Lc 1,34)

Maria não se exalta. Ela escuta o apelo de Deus, confronta-o com a sua condição

e pergunta: “Como pode ser isso, se não conheço homem algum!” Não é falta de fé ou

medo, mas é realismo humilde, sem exaltação. Maria não quer ser a causa de que o

plano de Deus corra perigo de fracassar devido às limitações da sua condição humana.

Pois dentro da situação concreta em que ela se encontrava, a proposta do anjo não

poderia ser realizada: “Não conheço homem algum!”.

2. "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra!" (Lc 1,38)

Esclarecida pelo anjo, Maria se oferece: “Eis aqui a serva do Senhor!” Ela sabe

que vai trazer problemas. Como explicar a gravidez ao povo de Nazaré? Como explicá-

la a José? Ela correria o perigo de ser apedrejada. Apesar de todas estas dificuldades

reais, Maria se entrega à ação da Palavra de Deus: “Faça-se em mim segundo a tua

palavra!” O que conta não é o bem-estar dela mesma, nem as suas aspirações

pessoais, mas sim ser um instrumento eficaz na realização do plano de Deus.

3. "Minha alma louva o Senhor, exulta meu espírito em Deus, meu Salvador!" (Lc 1,46)

O Cântico de Maria está permeado de frases da bíblia. Ela conhece os salmos.

Além disso, ela tem consciência clara da situação do seu povo: as pretensões dos

soberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52).

Unir o conhecimento crítico da realidade com a leitura orante da Bíblia é a chave que

abriu os olhos do coração de Maria para escutar os apelos de Deus nos fatos da vida.

4. "Meu filho porque fez isso conosco? Teu pai e eu, aflitos, te procurávamos" (Lc 2,48)

Maria não tem medo de perguntar pelo motivo das coisas que ela não entende e

a fazem sofrer. Jesus responde: “Por que me procuravam? Então não sabiam que devo

estar na casa do meu Pai!” Maria não entendeu a palavra de Jesus. Maria é como

todos nós. Muitas vezes não entendemos os fatos da vida nem as palavras da Bíblia.

Page 6: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

6 Importa imitar Maria. Ela continua buscando o sentido da palavra que não entendeu.

“Ela conservava no coração todas estas coisas” (Lc 2,19.51). Este é o caminho para

chegar à compreensão e aceitação da Palavra de Deus.

5. "Eles não tem mais vinho!" (Jo 2,3)

Maria é presença atenciosa. Despreocupada de si mesma, é capaz de perceber o

problema dos outros: “Eles não têm mais vinho!” Falta de bebida na festa de

casamento na roça era um problema sério que comprometia o bom nome dos noivos.

Maria recorre a Jesus, pois em Jesus chegou a possibilidade oferecida por Deus para

superar os limites e realizar, finalmente, as promessas da união entre Deus e seu povo.

6. “Fazei tudo o que ele vos disser!" (Jo 2,5)

Maria percebe o problema dos noivos e toma a iniciativa para solucioná-lo. Ela

recorre a Jesus. Jesus responde: “Mulher, o que há entre mim e ti? Minha hora ainda

não chegou”. Maria não entendeu a resposta de Jesus como recusa. Pelo contrário, ela

se dirige aos empregados: “Fazei tudo o que ele vos disser!” A realização plena das

promessas do AT se realizará através da “hora” de Jesus, isto é, sua morte e

ressurreição que transformarão a água da vida em vinho para a festa definitiva das

núpcias do Cordeiro (cf Apc 19,7;21,1.9). Seis ânforas cheias de água, cada uma com

cem litros. Seiscentos litros de vinho para uma festa que já estava no fim. É muito

vinho para pouca festa! O que fizeram com o vinho que sobrou? Estamos bebendo até

hoje!

7. O silêncio ao pé da Cruz, mais eloquente que mil palavras! (Jo 19,25)

Comentário silencioso

Estas poucas palavras e atitudes de Maria mostram como ela era catequista de

Jesus. Mostram como ela fazia para ouvir e praticar a Palavra de Deus e, assim,

encontrar a fonte da sua felicidade: olhar sempre com humildade a própria condição

humana; estar sempre disposto a entregar-se á ação da palavra, quando fica claro o

que Deus pede da gente; saber alegrar com os outros e não ser ingênuo, mas ter

consciência crítica a respeito da situação do país, onde existe tanta pobreza e

opressão; estar sempre atento às necessidades dos irmãos e das irmãs; ter Jesus como

norma da vida e da compreensão da Palavra: "Fazei tudo o que ele vos disser!"

Page 7: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

7 2. A catequese no tempo de Jesus: em casa, na comunidade e no templo

* Em casa: na família, todos os dias.

Paulo escreve para Timóteo: “Lembro-me da fé sincera que há em você (Timóteo), a

mesma que havia antes na sua avó Lóide, depois em sua mãe Eunice e que agora,

estou convencido, também há em você” (2Tim 1,5). E diz ainda: “Desde a infância você

conhece as Sagradas Escrituras; elas têm o poder de comunicar a sabedoria que conduz

à salvação pela fé em Jesus Cristo” (2Tim 3,15).

Estas palavras de Paulo para seu amigo Timóteo deixam transparecer como era o

ambiente da transmissão da fé nas casas das famílias judias: seja em Nazaré na casa de

Jesus, Maria e José, seja na casa da família de Paulo em Tarso. A transmissão da fé era

a meditação constante da Palavra de Deus na convivência familiar. O povo rezava

muito. Todos os dias, de manhã, à tarde e à noite. Desde criança, eles aprendiam os

salmos. Eis o esquema da oração diária:

* As 18 bênçãos (de manhã, à tarde e à noite) * O Shemá, composto de três benditos e três leituras (de ma-

nhã e à noite) 1. Um bendito ao Deus Criador que gera o povo 2. Um bendito ao Deus Revelador que elege o povo 3. Três breves leituras: Dt 6,4-9: receber o jugo do Reino Dt 11,13-21: receber o jugo da Lei de Deus Nm 15,37-41: receber o jugo da consagração 4. Um bendito ao Deus Redentor que liberta o povo * Tudo misturado com Salmos

Esta meditação da Palavra transparece no Cântico de Maria (Lc 1,46-55), todo

recheado de citações de salmos e evocações bíblicas. Sinal de que Maria conhecia a

Bíblia e rezava os salmos a ponto de conhecê-los de memória. No cântico de Maria

transparece também uma visão bem crítica a respeito da situação social e política do

seu povo. Ela reza: "Ele realiza proezas com seu braço: dispersa os soberbos de

coração, derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de

bens, e despede os ricos de mãos vazias" (Lc 1,51-53). Estes dois aspectos: meditação

orante da Palavra de Deus e visão crítica da realidade são as duas características da fé

que a catequista Maria transmitiu para seu filho Jesus.

* Na sinagoga: em comunidade, uma vez por semana.

Todo sábado, Jesus participava da celebração da Palavra na sinagoga. Era o

costume dele (Lc 4,16). Só havia uma única Bíblia na comunidade; era na sinagoga. O

Page 8: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

8 conhecimento que as pessoas tinham da Bíblia vinha destas reuniões semanais na

sinagoga, onde se faziam duas leituras: uma da Lei e outra dos profetas (At 13,15). Em

Nazaré, naquele sábado, Jesus fez a segunda leitura do profeta Isaías (Lc 4,18,19; Is

61,1-2). Nos sábados, a bíblia era lida na reunião da comunidade e, em seguida, era

ruminada em casa, na família. Pelo que nos informam os evangelhos, a gente percebe

que Jesus conhecia muito bem a Bíblia. Se você for juntar todas as alusões ou citações

que ele faz da bíblia, vai perceber que Jesus conhecia a Bíblia quase de cor e salteado.

* No Templo: no meio do povo, nas romarias ao longo do ano.

Aqui se situam as romarias (Ex 23,14-17), nas quais Jesus participava desde doze

anos de idade e que o empolgavam tanto a ponto de ele permanecer em Jerusalém no

meio dos doutores para aprender mais as coisas de Deus, lembradas nas Escrituras (Lc

2,41-50). A celebração das três grandes festas, Páscoa, Pentecostes e Tendas,

mantinha no povo a memória das grandes etapas da sua história. Mantinha viva a

consciência da sua missão como povo de Deus.

Como fazer isto HOJE? Como catequistas é importante dar muita atenção a estas

três dimensões ou três ambientes da transmissão da fé: o ambiente diário em casa, na

família: todos os dias; o ambiente semanal da comunidade, na sinagoga: todos os

sábados; o ambiente anual das romarias ao Templo, três vezes ao ano, todos os anos.

* Nossa missão como catequistas está mais ligada ao ambiente semanal da

comunidade. Mas em nós deve estar presente a preocupação de manter uma estreita

ligação com o ambiente diário da casa e com o ambiente anual mais amplo do Templo,

da matriz, da paróquia, da diocese.

* Hoje nas reuniões semanais da comunidade as crianças aprendem as orações,

os cânticos, os salmos, o credo, etc. Nestes encontros semanais é muito importante

saber ser criativo: falar de Jesus, contar as histórias da Bíblia, usar um salmo, decorar

frases, fazer ler trechos das parábolas, mandar encenar episódios da vida de Jesus,

criar costumes, gincanas, etc.

* O ano litúrgico com suas festas ao longo dos doze meses oferece uma boa

oportunidade para ajudar as crianças a conhecer melhor a história de Jesus e das

várias etapas da história do Povo de Deus.

Page 9: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

9 * Hoje, os catequizandos não vivem isolados, mas vivem integrados no contexto

mais amplo do bairro e da cidade com seus problemas e provocações. Você pergunta:

"No tempo de Jesus, como era o contexto mais amplo da vida dos catequizandos?"

3. O contexto mais amplo da catequese no tempo de Jesus.

1. A Convivência com o povo em Nazaré

2. O Trabalho na roça e na carpintaria

3. A Escola ou a Casa da Letra

4. A Galileia dos pagãos

* A Convivência com o povo em Nazaré. Nesta convivência de trinta anos Jesus

aprendeu as inúmeras coisas que todos nós aprendemos, como que naturalmente, ao

longo dos anos da nossa vida: as tradições, os costumes, as festas, os cânticos, os

tabus, as histórias, os medos, as doenças, os remédios. Quando Jesus, depois de

adulto, começou a agir e a falar diferente daquilo que os fariseus haviam ensinado nas

reuniões da sinagoga, o povo de Nazaré estranhou, não gostou nem acreditou (cf. Mc

6,4-6). E quando, numa reunião da comunidade, Jesus começou a ligar a Bíblia com a

vida deles (cf. Lc 4,21), a briga foi tanta que quiseram matá-lo (Lc 4,23-30). “Santo de

casa não faz milagre”. Maria, sua mãe, deve ter ficado muito reocupada.

* O Trabalho na roça e na carpintaria. Jesus se formou trabalhando. Servia ao

povo como carpinteiro (Mc 6,3). Naquela época, ser carpinteiro numa cidadezinha do

interior (como Nazaré) era o mesmo que ser o quebra-galho do povo, ao qual todos

recorriam para resolver os pequenos problemas caseiros. Jesus também trabalhava na

roça, tanto ele mesmo como Maria sua mãe. Pelas parábolas a gente percebe que

Jesus entendia as coisas da roça. Carpintaria e roça! Trabalho duro para viver,

sustentar a família e sobreviver. Na Galileia a terra não era ruim. Dava o suficiente para

o povo viver. Mas os impostos eram altos e o controle rígido. Havia muitos cobradores

de impostos (Mc 2,14.15). O povo não tinha defesa contra o sistema que o explorava.

* A Escola ou a Casa da Letra. Naquele tempo, nos povoados havia a Casa da

Letra. Era lá que os meninos aprendiam a ler e escrever. Jesus sabia ler, pois fazia a

leitura nas reuniões da comunidade (cf. Lc 4,16-17). Os meninos que deviam fazer a

leitura na celebração do sábado passavam a tarde da 6ª feira na sinagoga para se

preparar para fazer uma boa leitura no sábado. Pois, assim diziam, se a Lei de Deus é

perfeita (cf. Sl 19,7), perfeita deve ser também a sua leitura. Durante os anos da sua

Page 10: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

10 juventude Jesus deve ter passado muitas tardes de sexta na sinagoga para preparar a

leitura do dia seguinte.

* A Galileia dos pagãos. O povo da Galileia era mais aberto, mais ecumênico que

o povo da Judeia no Sul. Galileia estava cercada de cidades pagãs. Os judeus da Galileia

tinham mais contato com os pagãos do que os do Sul. Os do Sul achavam que o povo

da Galileia era relaxado e lhe deram um apelido: “Galileia dos pagãos” (Is 8,23; Mt

4,15). A palavra “Galileia” significa “distrito”. Distrito dos Pagãos! Este contato mais

frequente com os outros povos teve influência na formação de Jesus. Por exemplo, ele

viajava e ia para as regiões de Tiro e Sidônia (Mc 7, 24.31), da Decápole (Mc 5,1.20;

7,31), de Cesareia de Filipe (Mc 8,27) e de Samaria (Lc 17, 11). Andando por esses

lugares, ele conversava com o povo pagão (Mc 7,24-29; Jo 4,7-42), o que era proibido

para os judeus (cf. At 10,28). Jesus chegou a reconhecer o valor e a fé de pessoas não

judias e aprendia delas (Mt 8,10). Por exemplo, ele aprendeu da mulher cananeia que

era de outra raça e de outra religião (cf. Marcos 7,26).

Como fazer isto HOJE? Este mesmo contexto existe hoje e influi muito na vida das

crianças e dos jovens: ajudar as crianças a se situar no contexto de hoje do Brasil, da

Igreja, da cidade, da roça, do bairro, das religiões. Aprender de Jesus como ser

ecumênico e não fechado. Ajudar a perceber os apelos de Deus nesta realidade que

vivemos em casa, no bairro, na escola.

2ª PARTE

Perguntas para Jesus, como Catequista do povo

Jesus, como você fazia para o povo gostar tanto de ouvir você falar sobre Deus? Vo-cê fez algum curso? Que recursos que você usava para atrair o povo? Por que alguns doutores não gostavam do seu jeito de dar aula de catecismo ao povo?

1ª Pergunta: Jesus, como você fazia para o povo gostar tanto de sua fala?

No relacionamento com o povo, Jesus não era "professor", mas era "mestre".

Professor tem alunos que frequentam as aulas do professor. Mestre tem discípulos

que convivem com ele. Jesus tinha o seu próprio jeito de anunciar a Boa Nova de Deus

e de revelar o rosto do Pai para o povo da sua terra. Vamos ver alguns aspectos de

como Jesus se relacionava com o povo na sua missão de catequista.

Page 11: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

11 1. Jesus vai ao encontro das pessoas e as chama para segui-lo. Jesus vai ao

encontro das pessoas com sua bondade acolhedora. Onde há gente para escutá-lo, ele

fala e transmite a Boa Nova de Deus: nas sinagogas nos sábados (Mc 1, 21; 3,1; 6,2);

em reuniões nas casas de amigos (Mc 2,1.15; 7,17; 9,28; 10,10); andando pelo caminho

com os discípulos (Mc 2,23); ao longo do mar, à beira da praia, sentado num barco (Mc

4,1); no deserto onde o povo o procura (Mc 6,32-34); na montanha, de onde proclama

as bem-aventuranças (Mt 5,1); nas praças onde povo carrega seus doentes (Mc 6, 55-

56); no Templo de Jerusalém, nas romarias, diariamente, sem medo (Mc 14,49)! Em

vez de expor ou impor uma doutrina, Jesus propõe um caminho de vida, irradia uma

nova imagem de Deus.

2. Jesus recupera a dimensão caseira e festiva da fé. A religião oficial insistia

no espaço sagrado do Templo e nas coisas do culto. Jesus nunca aparece oferecendo

sacrifícios no templo. Até à idade de trinta anos, Jesus viveu no ambiente comunitário

e caseiro lá em Nazaré. Durante os três anos que andou pela Galiléia ele entrava e vivia

nas casas do povo: de Pedro (Mt 8,14), de Mateus (Mt 9,10), de Jairo (Mt 9,23), de

Simão o fariseu (Lc 7,36), de Simão o leproso (Mc 14,3), de Zaqueu (Lc 19,5). O oficial

reconhece: “Não sou digno de que entres em minha casa” (Mt 8,8). E o povo

procurava Jesus na casa dele (Mt 9,28; Mc 1,33; 2,1; 3,20). Em Betânia Jesus parava na

casa de Marta, Maria e Lázaro (Jo 11,3.5.45; 12,2). No envio dos discípulos e discípulas

a missão deles é entrar nas casas do povo e levar a paz (Mt 10,12-14; Mc 6,10; Lc 10,1-

9). Jesus recupera a dimensão sagrada e festiva da Casa. Ele participa da festa de

casamento em Caná (Jo 2,1-2) e é na sala superior da casa de um amigo que celebrou a

última páscoa com seus amigos (Mt 26,18-19). Depois da ressurreição, Jesus entrou

em casa com os dois discípulos em Emaús e foi reconhecido no gesto tão caseiro da

fração do pão (Lc 24,29-30).

3. Jesus reconstrói a vida comunitária nos povoados da Galiléia. Devida à

política dos romanos e ao sistema da religião oficial, a vida comunitária estava sendo

desintegrada. Mais da metade do orçamento familiar ia para os impostos e tributos.

Tais políticas excludentes geravam pobres e marginalizados. As famílias se fechavam

sobre si mesmas. A própria família de Jesus queria levá-lo de volta para Nazaré. Jesus

reage: “Quem é minha mãe e meus irmãos? É todo aquele que faz a vontade do Pai

que está nos céus” (Mc 3,34-35) Jesus alarga a família. Ele quer evitar que as famílias

se fechem sobre si mesmas e, assim, desintegrem a vida do clã, da comunidade. Por

Page 12: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

12 isso ele diz: "Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher, seus

filhos, irmãos, irmãs, e até mesmo à sua própria vida, esse não pode ser meu discípulo”

(Lc 14,26). Manda que as pequenas famílias se abram para a vida em comunidade.

4. Jesus acolhe os excluídos, sobretudo os doentes, e os trata com carinho.

Muita gente era marginalizada. Jesus recebe como irmão e irmã aqueles que a religião

e o governo excluíam: os imorais: prostitutas e pecadores(Mt 21,31-32; Mc 2,15; Lc

7,37-50; Jo 8,2-11); os hereges: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30; Jo

4,7-42); os impuros leprosos e possessos (Mt 8,2-4; Lc 11,14-22; 17,12-14; Mc 1,25-

26); os colaboradores: publicanos e soldados (Lc 18,9-14; 19,1-10); os pobres: o povo

da terra e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20.24; Mt 11,25-26). os marginalizados:

mulheres, crianças, doentes (Mc 1,32; Mt 8,17;19,13-15; Lc 8,2s). A doença era

considerada castigo divino. Eram afastados e marginalizados do convívio social.

Tocando no leproso para curá-lo, Jesus assumiu conscientemente uma marginalização

social, a ponto de já não poder entrar nas cidades (Mc 1,45).

5. Jesus recupera igualdade homem e mulher. Um grupo de mulheres seguia

Jesus e fazia parte da comunidade ao redor de Jesus (Lc 8,2-3; Mc 15,40-41). Aceitar

mulheres como discípulas dentro do grupo não era costume e não deve ter sido fácil

para os discípulos (Lc 24,11). Pelas suas atitudes Jesus tira o privilégio do homem

frente à mulher. Ele não permite que o homem se divorcie da sua mulher (cf. Mt 19,1-

12). A moça prostituída é defendida contra o fariseu (Lc 7,36-50). A mulher encurvada

é acolhida como filha de Abraão contra o dirigente da sinagoga (Lc 13,10-17). A mulher

adúltera, acusada pelos fariseus, não foi condenada por Jesus (Jo 8,1-11). A mulher

impura é acolhida e curada sem censura (Mc 5,25-34). A Samaritana, desprezada como

herética, é acolhida num longo diálogo (Jo 4,7-26). A mulher estrangeira de Tiro e

Sidônia é atendida por ele (Mc 7, 24-30). As mães com filhos pequenos são acolhidas e

abençoadas por Jesus (Mt 19,13-15; Mc 10,13-16). Maria Madalena, considerada

possessa, mas curada por Jesus (Lc 8,2), recebe a ordem de transmitir a Boa Nova da

ressurreição aos apóstolos (Jo 20,16-18). As mulheres, que ficaram perto da cruz de

Jesus (Mt 27,55-56.61), são as primeiras a experimentar a presença de Jesus

ressuscitado (Mt 28,9-10).

6. Jesus supera as barreiras de religião, raça e classe. Jesus não se fecha

dentro da sua própria raça e religião, mas sabe reconhecer as coisas boas que existem

Page 13: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

13 nas pessoas de outra raça e religião e acolhe lições da parte deles. À Samaritana revela

o segredo maior de ser o messias (Jo 4,26). A Cananéia ajuda Jesus a abrir a visão sobre

a sua missão (Mt 15,27-28). No contato com um oficial romano, Jesus reconhece

"nunca encontrei uma fé tão grande em Israel" (Mt 8,10). Ele acolhe e conversa com

Nicodemos (Jo 3,1), que era um membro da alta classe judaica, com assento no

Sinédrio. Desafiando as leis religiosos Jesus acolhe pessoas leprosos, impuros e

deficientes físicos. E o publicano Zaqueu é acolhido como filho de Abraão (Lc 19,9).

Jesus fala para todos, indistintamente, mas fala a partir dos pobres.

7. Jesus reflete o humano universal. No acolhimento às pessoas Jesus é

universal. Não distingue a religião e acolhe a todos. Nas oito bem-aventuranças Jesus

não faz distinção entre Judeus e não judeus, mas fala de todos os seres humanos:

"Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os aflitos,

porque serão consolados. Felizes os mansos, porque possuirão a terra. Felizes os que

têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os que são misericordiosos,

porque encontrarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus.

Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os que

são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu". (Mt 5,3-10). O

mesmo vale para o juízo final, onde ele não faz nenhuma distinção e se dirige ao ser

humano como tal (Mt 25,31-46).

2ª Pergunta: Jesus, você fez algum curso?

A palavra curso vem de correr: correr pela vida. Como todos nós, Jesus fez o

curso da vida; correu pela vida, desde o nascimento em Belém até a sua morte na cruz

em Jerusalém. A vida como tal foi o grande curso e o concurso de Jesus: Belém, Egito,

Nazaré, Galileia, Samaria, Judeia, Jerusalém. Todos os dias, durante trinta anos em

Nazaré: convivendo em casa, trabalhando na roça e na carpintaria, participando nas

reuniões da comunidade todos os sábados. Havia uma "escola da letra" onde os

rapazes aprendiam a ler. Era ministro da Palavra. Foi convidado para fazer a Leitura.

3ª Pergunta: Quais os recursos que você usava para atrair tanta gente?

Jesus tinha uma grande capacidade de contar parábolas para comparar as coisas

de Deus com as coisas da vida do povo. Isto supõe duas coisas na catequista: estar

Page 14: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

14 bem por dentro das coisas da vida do povo, e estar por dentro das coisas de Deus, do

Reino de Deus.

A parábola é uma forma participativa de ensinar e de educar. Não dá tudo

trocado em miúdo. Não faz saber, mas faz descobrir. Ela muda os olhos, faz a pessoa

ser contemplativa, observadora da realidade. Leva a pessoa a refletir sobre sua

própria experiência e faz com que esta experiência a leve a descobrir que Deus está

presente no cotidiano da vida de cada dia. Por ex. o agricultor que escuta a parábola

da semente, diz: “Semente no terreno, eu sei o que é. Mas Jesus diz que isso tem a

ver com o Reino de Deus. O que será que ele quis dizer com isto?” E aí vem as longas

conversas do povo em torno das parábolas que Jesus contava.

A parábola provoca. Em algumas parábolas acontecem coisas que não costumam

acontecer na vida normal. Por exemplo, onde se viu um pastor de cem ovelhas

abandonar noventa e nove no deserto para encontrar aquela única ovelha que se

perdeu? (Lc 15,4) Você faria? Onde se viu um pai acolher com festa o filho devasso,

sem dar nenhuma palavra de censura? (Lc 15,20-24). Seu pai faria? Onde se viu um

samaritano ser melhor que o levita e o sacerdote? (Lc 10,29-37). A parábola provoca

para pensar. Ela leva a pessoa a se envolver na história a partir da sua própria

experiência de vida.

Um bispo perguntou numa reunião da comunidade: “Jesus falou que devemos ser

como sal. Para que serve o sal?” Discutiram e, no fim, partilhando entre si suas

experiências com o sal, encontraram mais de dez finalidades para o sal. Aí eles foram

aplicar tudo isto à sua própria vida e descobriram que ser sal é difícil e exigente! Com

outras palavras, a parábola funcionou e ajudou-os a dar um passo. Iniciaram a

travessia em direção ao Reino!

Só poucas vezes Jesus explica as parábolas. Geralmente, ele diz: "Quem tem

ouvidos para ouvir ouça!" (Mt 13,9; 11,15; 13,43; Mc 7,16). Ou seja: "É isso! Vocês

ouviram! Agora tratem de entender!" De vez em quando, em casa, ele dava

explicação aos discípulos (Mc 4,34-34). Isto significa que o ensino em parábolas era

um voto de confiança de Jesus na capacidade do povo e dos discípulos de

entenderem o seu ensinamento. É bom para o formando saber e experimentar que a

catequista acredita nele e na sua capacidade compreender as coisas.

Page 15: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

15 4ª pergunta: Por que alguns doutores não gostavam do seu ensino?

Era o seu jeito de "ensinar com autoridade, diferente dos escribas e fariseus" (Mc

1,22). Para o povo, as autoridade daquele tempo ("escribas e fariseus"), não

ensinavam com autoridade. E Jesus, que não era uma autoridade, "ensinava com

autoridade". Eis o resumo da resposta nestes sete pontos da atitude de Jesus como

catequista:

1. Jesus irradiava uma nova imagem de Deus como Pai. Falava tanto do Pai que

Filipe chegou a dizer: "Mostra-nos o Pai e basta!" Jesus respondeu a Filipe: "Quem vê a

mim, vê o Pai!" Antes de falar do Pai, mesmo sem dizer uma só palavra, Jesus refletia o

Pai: "Quem vê a mim vê o Pai".

2. Jesus não fazia proselitismo, nem puxava o povo para o seu grupo, mas

irradiava um novo sentido da vida e da lei que atraía as pessoas. Aquilo que ele era

ensinava tocava o desejo mais profundo que todo ser humano sincero tem de justiça e

de verdade: "Quem é pela verdade escuta minha voz!" (Jo 18,37)

3. Jesus não trazia normas que fechavam e excluíam, mas abria as normas da lei

que fechavam e excluíam. Por seis (6) vezes ele repetia: "Antigamente foi dito, mas eu

digo!" (Mt 5,21.27.31.33.38.43).

4. Jesus não trazia uma nova doutrina, mas com um novo olhar ele relia e

explicava a doutrina dos antigos e corrigia suas limitações (cf. Mc 7,1-23).

5. Jesus, ajudado pela mulher Cananéia, descobriu que ele não veio só para as

ovelhas perdidas de Israel, mas para todos, também para os de outra raça e religião

(Mt 15,21-28).

6. Jesus se fazia irmão de todos. Diante da Samaritana, ele se declarava judeu (Jo

4,22). Para o evangelista João, Jesus não é o judeu que convida os pagãos, mas ele se

coloca do lado dos pagãos e convidava os judeus. Ele diz "vocês" (Jo 8,31), como se ele

não fosse judeu.

7. Jesus ensinava que não basta conhecer o sentido exato deste ou daquele texto

da Lei de Deus. Os textos devem ser lidos à luz dele mesmo, pois eles falam de Jesus

(Jo 5,46).

Por tudo isto, alguns doutores da lei não gostavam de Jesus e até procuravam

um jeito para matá-lo.

Page 16: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

16

3ª PARTE Perguntas para Jesus,

como Formador de catequistas

Jesus, você formou catequistas, primeiro doze e depois mais setenta e dois. 1. Como você acompanhava cada um deles? 2. Como formava os discípulos envolvendo-os na missão? 3. Como você acompanhava o processo de formação deles? 4. Quais os conteúdos e recursos didáticos que usava? 5. Você também fazia encontros para eles aprender como transmitir a Boa Nova de Deus? 6. Qual o ponto mais importante que nós catequistas devemos levar em conta? 7. Como você define a sua missão? 8. Como você usava a Bíblia para a sua vida pessoal e para a catequese?

1ª Pergunta: . Jesus, como você acompanhava cada um dos discípulos?

Ao longo daqueles três anos, Jesus acompanhava os discípulos. Ele era o amigo (Jo

15,15) que convivia com eles, comia com eles, andava com eles, se alegrava com eles,

sofria com eles. Era através desta convivência amiga que eles se formavam. Muitos

pequenos gestos refletem o testemunho com que Jesus marcava presença na vida dos

seus catequizandos: o seu jeito de ser e de conviver, de relacionar-se com as pessoas e

de acolher o povo que vinha falar com ele. Era a sua maneira de dar forma humana à

sua experiência de Deus como Abba, Pai, Papai. Eis alguns:

* Amigo: comparte tudo, até mesmo o segredo do Pai (Jn 15,15).

* Carinhoso: provoca respostas fortes de amor: da moça do perfume (Lc 7,37-38); de

um grupo de mulheres Galileia (Lc 8,2-3; Mc 15,40-41); de Pedro (Jo 6,67; 21,15-17);

de Tomé (Jo 11,16); da mulher do frasco de perfume caríssimo (Mc 14,3-9); de

tantos e tantas...

* Atencioso: preocupa-se com a alimentação dos discípulos (Jo 21,9), cuida do

descanso deles e procura estar a sós com eles para repousar (Mc 6,31).

* Pacífico: inspira paz e reconciliação: "A Paz esteja com vocês!" (Jn 20,19); “Não

tenham medo, vocês valem muito mais do que muitos pardais” (Mt 10,26-33);

manda perdoar setenta vezes sete (Mt 18,22).

* Compreensivo: aceita os discípulos do jeito que eles são, até mesmo a fuga, a

negação e a traição, sem romper com eles (Mc 14,27-28).

* Comprometido: defende os discípulos quando são criticados (Mc 2,18-19; 7,5-13).

* Manso e humilde: convida os pobres e oprimidos: "Venham todos a mim" (Mt 11,28).

* Exigente: pede para deixar tudo por amor a ele (Mc 10,17-31).

Page 17: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

17 * Sábio: conhece a fragilidade dos seus discípulos, sabe o que se passa no coração

deles e, por isso, insiste na vigilância e ensina-os a rezar (Lc 11,5-13; Mt 6,5-15).

* Homem de oração: reza nos momentos importantes de sua vida e desperta vontade

de rezar: "Senhor, ensina-nos a rezar!" (Lc 11,1-4; cf. Lc 3,21; 6,12; Jn 11,41-42; Mt

11,25; Jn 17,1-26; Lc 23,46; Mc 15,34)

* Humano: Jesus é humano, “tão humano como só Deus pode ser humano” dizia o

Papa Leão Magno (Séc. V).

Por este seu jeito de ser, Jesus encarnava o amor de Deus e o revelava aos

discípulos e discípulas (Mc 6,31; Mt 10,30; Lc 15,11-32). “Quem vê a mim, vê o Pai” (Jo

14,9). Tornava-se para eles uma pessoa significativa que os marcou pelo resto de sua

vida como "caminho, verdade e vida" (Jo 14,6).

2ª Pergunta: Jesus, como você formava os discípulos envolvendo-os na missão

Jesus não é um professor que tem alunos que o escutam. É mestre que tem

discípulos que convivem com ele. Jesus os envolve na missão que ele mesmo estava

realizando em obediência ao Pai. Esta participação efetiva no anúncio do Reino fazia

parte da catequese que Jesus dava a eles, pois a missão, isto é, a irradiação da Boa

Nova de Deus, era a razão de ser da vida comunitária ao redor de Jesus. (Lc 9,1-2;

10,1). Eis alguns aspectos desta sua atitude formadora com os discípulos:

* corrige-os quando erram e querem ser os primeiros (Mc 9,33-35; 10,14-15)

* sabe aguardar o momento oportuno para corrigir (Lc 9,46-48; Mc 10,14-15).

* ajuda-os a discernir porque não conseguem expulsar os demônios (Mc 9,28-29),

* interpela-os quando são lentos e não entendem as palavras (Mc 4,13; 8,14-21),

* prepara-os para o conflito e a perseguição (Jo 16,33; Mt 10,17-25),

* manda observar a realidade: "Quem dizem que eu sou?" (Mc 8,27-29; Jo 4,35)

* reflete com eles as questões do momento (Lc 13,1-5),

* confronta-os com as necessidades do povo (Jo 6,5),

* ensina que as necessidades do povo estão acima dos ritos e normas (Mt 12,7.12),

* esquece o próprio cansaço e acolhe o povo que o procura (Mt 9,36-38).

* tem momentos a sós com eles para poder instruí-los (Mc 4,34; 7,17; 9,30-31),

* sabe escutar, mesmo quando o diálogo é difícil: com a samaritana (Jo 4,7-30).

* ajuda as pessoas a se aceitarem a si mesmas: "Pedro, rezei por você!" (Lc 22,32).

* é severo com a hipocrisia (Lc 11,37-53).

Page 18: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

18 * faz mais perguntas do que respostas (Mc 8,17-21).

* é firme e não se deixa desviar do caminho (Mc 8,33; Lc 9,54).

* desperta liberdade: "O homem não foi feito para o sábado" (Mc 2,18.23.27).

* depois de tê-los enviado em missão, na volta faz revisãos (Lc 9,1-2;10,1; 10,17-20)

* pelas parábolas desperta a atenção dos discípulos para as coisas da vida (Lc 8,4-8).

3ª Pergunta: Jesus, como você acompanhava o processo de formação deles?

Não é pelo fato de uma pessoa andar com Jesus que ela já seja santa. O “fermento

de Herodes e dos fariseus” (Mc 8,15), a ideologia dominante da época, tinha raízes

profundas na vida daquele povo. Não é pelo fato de a criança estar na catequese que

ela já seja melhor que as outras. A conversão que Jesus pede e a formação que ele dá

procuram tirar de dentro de nós esse “fermento” da ideologia dominante.

Hoje, a ideologia dominante do sistema neoliberal renasce sempre de novo na vida

das comunidades, na nossa vida e na vida das crianças. O "fermento do consumismo"

tem raízes profundas na vida, tanto dos formandos como dos formadores, e exige uma

vigilância constante. Jesus ajudava os discípulos a viverem num processo permanente

de formação, de vigilância e de revisão.

Eis alguns casos desta vigilância com que Jesus acompanhava os discípulos:

* Mentalidade de grupo fechado. Alguém usava o nome de Jesus para expulsar

os demônios. João viu e proibiu. Ele disse: “Impedimos, porque ele não anda conosco”

(Mc 9,38). João pensa ter o monopólio de Jesus e quer impedir que outros usem o

nome dele para realizar o bem. Era a mentalidade antiga de "Povo eleito, Povo

separado!" Jesus diz: "Não impeçam! Quem não é contra é a favor!" (Lc 9,39-40). O

que importa não é se a pessoa faz ou não faz parte da comunidade, mas sim se ela faz

ou não o bem que Deus pede de nós.

* Mentalidade do grupo que se considera superior aos outros. Os samaritanos

não queriam dar hospedagem a Jesus. A reação de alguns foi violenta: “Que um fogo

do céu acabe com esse povo!” (Lc 9,54). Queriam imitar o profeta Elias (cf. 2Rs 1,10-

11). Achavam que, pelo fato de estarem com Jesus, todos deviam acolhê-los.

Pensavam ter Deus do seu lado para defendê-los. Era a mentalidade antiga de “Povo

eleito, Povo privilegiado!”. Jesus os repreende: "Vocês não sabem de que espírito estão

sendo animados" (Lc 9,55).

Page 19: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

19 * Mentalidade de competição e de prestígio. Os discípulos brigavam entre si

pelo primeiro lugar (Mc 9,33-34). Era a mentalidade de competição, que caracterizava

a sociedade do Império Romano. Ela já se infiltrava na pequena comunidade que

estava apenas nascendo ao redor de Jesus. Jesus reage e manda ter a mentalidade

contrária : "O primeiro seja o último" (Mc 9,35). É o ponto em que ele mais insistiu e

em que mais deu o próprio testemunho: “Não vim para ser servido, mas para servir”

(Mc 10,45; Mt 20,28; Jo 13,1-16).

* Mentalidade de quem marginaliza o pequeno. Mães com crianças querem

chegar perto de Jesus. Os discípulos as afastam. Era a mentalidade do medo de que as

mães e as crianças, tocando em Jesus com mãos impuras, causassem nele alguma

impureza. Mas Jesus diz: ”Deixem vir a mim as crianças!” (Mc 10,14). Ele os acolhe,

abraça e abençoa. Coloca a criança como professora de adulto: “Quem não receber o

Reino como uma criança, não pode entrar nele” (Lc 18,17). Jesus transgride as normas

da pureza legal que impediam o acolhimento e a ternura.

* Mentalidade de quem segue a opinião da ideologia dominante. Os

discípulos perguntam a Jesus: "Quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse

cego?" (Jo 9,2). Era opinião comum achar que sofrimento e doença fossem fruto de

pecado. Enquanto se pensa assim não é possível perceber todo o alcance da boa-nova

do Reino. Jesus os ajuda a ter uma visão mais crítica: “Nem ele, nem os pais dele, mas

para que nele se manifestem as obras de Deus” (cf. Jo 9,3). A resposta de Jesus supõe

uma consciência nova e uma leitura diferente da realidade.

Tudo isto mostra como Jesus estava atento ao processo de formação dos

discípulos. O catequista Jesus tinha visão crítica da sociedade em que vivia e do

“fermento” que os grandes comunicavam ao povo. Além disso, ele tinha uma

percepção clara de como este “fermento”, disfarçadamente, se infiltrava até na vida

dos discípulos.

4ª Pergunta: Jesus, quais os Conteúdos e Recursos didáticos que usava

O sistema educativo da época de Jesus era diferente de hoje. Jesus era Mestre. Não

era professor. Seus formandos não eram alunos, mas sim discípulos. Mesmo assim,

apesar das diferenças, vamos arriscar uma resposta para a pergunta: Quais eram os

recursos didáticos em que Jesus mais insistia e a que ele dava mais atenção no

processo de formação dos discípulos?

Page 20: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

20 * O testemunho de vida. O recurso básico é o testemunho de vida: "Segue-

me"(Lc 5,27) “Venham e vejam” (Jo 1,39). "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jn

14,16). O discípulo tem na vida do Mestre sua norma (Mt 10,24-25). Jesus reflete para

os catequizandos o rosto de Deus: "Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14,9). A raiz da

catequese: a coerência: viver o que anuncia.

* A Vida e a natureza. Jesus descobre e revela a vontade do Pai nos fenômenos

da natureza: na chuva que cai sobre bons e maus (Mt 5,45); nos pássaros e nos lírios

(Mt 6,26-30). A parábola provoca a reflexão sobre as coisas mais comuns da vida (Mt

13,1-52; Mc 4,1-34). As parábolas de Jesus são um retrato da vida do povo e da

realidade conflituosa da época.

* As grandes questões do momento e as perguntas do povo. O crime de Pilatos

contra os romeiros da Galileia, a queda da torre de Siloé que matou 18 operários (Lc

13,1-4), a discussão em torno de quem é o maior (Mc 9,33-36), a fome do povo (Lc

9,13), o ensinamento dos escribas (Mc 12,35-37): estes problemas funcionavam como

gancho para Jesus levar os discípulos a refletir, a cair em si e a descobrir algum

ensinamento ou apelo de Deus.

* O jeito de ensinar em qualquer lugar. Nas sinagogas nos sábados (Mc 1, 21;

3,1; 6,2); em reuniões nas casas (Mc 2,1.15; 7,17; 9,28; 10,10); andando pelo caminho

(Mc 2,23); na praia, sentado num barco (Mc 4,1); no deserto onde o povo o procurava

(Mc 1,45; 6,32-34); na montanha, onde proclamou as bem-aventuranças (Mt 5,1); nas

praças, onde povo carregava seus doentes (Mc 6,55-56); no Templo de Jerusalém, por

ocasião das romarias, (Mc 14,49).

* Memorização na base da repetição. Não havia livros, nem manuais como

hoje. O ensina era baseado na repetição do conteúdo a fim de favorecer a

memorização. Isto ainda transparece em algumas partes dos discursos de Jesus,

conservados nos evangelhos. O final do Sermão da Montanha, por exemplo, repete

duas vezes, de maneira rítmica, com poucas diferenças, a mesma frase (Mt 7,24-25 e

26-27). Nós fazemos o mesmo com as crianças para ensinar certas orações ou para

decorar algumas frases importantes de Jesus.

* Momentos a sós com os discípulos. Várias vezes, Jesus convida os discípulos

para ir com ele a um lugar distante, seja para instruir (Mc 4,34; 7,17; 9,30-31; 10,10;

13,3), seja para descansar (Mc 6,31). Ele chegou a fazer uma viagem ao exterior na

Page 21: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

21 terra de Tiro e Sidônia para poder estar a sós com eles e instruí-los a respeito da Cruz

(Mc 8,22-10,52).

* A Bíblia e a história do povo. É inegável o uso frequente que Jesus fazia da

Bíblia. Ele conhecia a Bíblia de cor e salteado. Jesus se orientava pela Bíblia para

realizar sua missão e a usava para instruir os discípulos e o povo.

* A Cruz e o sofrimento. Quando ficou claro que as autoridades decidiram matar

Jesus, ele começou a falar da cruz (Lc 9,31). Isto provocou reações fortes nos discípulos

(Mc 8,31-33), pois na lei estava escrito que um crucificado era um “maldito de Deus”

(Dt 21,22-23). Como um maldito de Deus poderia ser o Messias? Por isso, a partir

deste momento crítico, o eixo da formação que Jesus dava aos discípulos consistia em

ajudá-los a superar o escândalo da Cruz (Mc 8,31-34; 9,31-32; 10,33-34).

5ª Pergunta: Jesus, você fazia encontros para ensinar a transmitir a Boa Nova?

6ª Pergunta: . Qual o ponto mais importante que devemos levar em conta?

A resposta a esta pergunta está incluída nas palavras que Jesus dirigiu aos

setenta e dois discípulos ao enviá-los em missão. Aqui segue o texto e Lucs 10,1-9. Leia

o texto e tente descobrir a resposta para esta nossa 6ª pergunta:

1 O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos, e os enviou dois a dois, na sua frente, para

toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir. 2 E lhes dizia: "A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso peçam ao dono da colheita que mande trabalhadores para a colheita. 3 Vão! Estou enviando vocês como cordeiros para o meio de lobos. 4 Não levem bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não parem no caminho, para cumprimentar ninguém. 5 Em qualquer casa onde entrarem, digam primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ 6 Se aí morar alguém de paz, a paz de vocês irá repousar sobre ele; se não, ela voltará para vocês. 7 Permaneçam nessa mesma casa, comam e bebam do que tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não fiquem passando de casa em casa. 8 Quando entrarem numa cidade, e forem bem recebidos, comam o que servirem a vocês, 9 curem os doentes que nela houver. E digam ao povo: ‘O Reino de Deus chegou para vocês!’

Lucas 10,1-3: A Missão.

* Jesus escolheu: a escolha é dele.

* Setenta e dois: Números 11,16 e 26

* Jesus envia os discípulos na sua frente para os lugares aonde ele próprio deve ir.

O discípulo é porta-voz de Jesus. Não é dono da Boa Nova.

* Ele os envia dois a dois. Duas pessoas representam melhor a comunidade.

Lucas 10,2-3: A Corresponsabilidade.

* A primeira tarefa é rezar para que Deus envie operários. O discípulo deve sentir-

se responsável e rezar pela continuidade da missão.

Page 22: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

22 * Jesus diz: "Vão!" É o envio. É importante criar consciência de enviado.

* Jesus envia seus discípulos como cordeiros no meio de lobos. A missão é difícil e

perigosa. O sistema era e continua sendo contrária à Boa Nova de Deus e

contrária a um vida em comunidades vivas e fraternas.

Lucas 10,4-6: A Hospitalidade.

* Não levar nada. Só devem levar a paz. Devem ser pessoas pacíficas, acolhedoras.

* Não levar nada significa confiar na hospitalidade do povo. O discípulo pacífico que

vai sem nada, mostra que confia no povo. O povo se sente respeitado.

* A Boa Nova não está só em nós, mas também na participação do povo.

* Deste modo o discípulo critica as leis de exclusão e resgata os antigos valores da

convivência comunitária.

* Não saudar ninguém pelo caminho: não perder tempo com coisas que não sã da

missão. Evoca Eliseu: a missão é uma missão de vida (cf. 2Rs 4,29)

Lucas 10,7: A Partilha.

* Não andar de casa em casa, mas permanecer na mesma casa. Conviver e parti-

cipar da vida e viver do que recebe, pois o operário merece o seu salário.

* Isto significa que devem confiar na partilha, na ajuda mútua.

* Assim, resgatam uma antiga tradição do povo, criticam a cultura de acumulação

que marcava a política do Império Romano (e marca a cultura consumista de

hoje) e anunciam um novo modelo de convivência.

* Lucas 10,8: A Comunhão de mesa.

* Os outros missionários não confiavam na comida do povo que nem sempre era

ritualmente “pura”, e enfraqueciam a vivência comunitária.

* Comer o que o povo lhes oferece. Não podem viver separados, comendo sua

própria comida. Aceitar a comunhão de mesa; convivência amiga.

* Não ter medo de perder a pureza legal. Agindo assim, criticam as leis da pureza

em vigor e anunciam um novo acesso à pureza, isto é, à intimidade com Deus.

Lucas 10,9a: A Acolhida aos excluídos.

* Devem tratar dos doentes, curar os leprosos e expulsar os demônios (Mt 10,8).

Isto é, devem acolher para dentro da comunidade os que dela foram excluídos.

* Esta prática solidária critica a sociedade excludente e aponta saídas concretas. É o

que hoje faz a pastoral que acolhe os excluídos, os migrantes, os marginalizados.

Lucas 10,9b: A chegada do Reino.

Page 23: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

23 * Caso estas exigências forem preenchidas, podem gritar: O Reino chegou!

* Anunciar o Reino é levar as pessoas a uma nova maneira de viver e de conviver

como irmãos e irmãs a partir da Boa Nova de Jesus de que Deus é Pai.

* A gente sente algo desta atitude no jeito de ser e de conversar do Papa Francisco.

Ele cria proximidade com o povo, mesmo vivendo longe de nós lá em Roma.

7ª Pergunta: Jesus, como você define a sua missão como catequista?

Jesus definiu sua missão nesta frase: "O Filho do Homem não veio para ser

servido, mas para servir e dar sua vida em resgate para muitos" (Mc 10,45). Nesta

afirmação estão implicados os três títulos que Jesus mais gostava de usar: Filho do

Homem, Servo e Irmão mais velho. Foi através da janela destes três títulos, que os

primeiros cristãos descobriram o significado de Jesus para as suas vidas. Os três títulos

vem do Antigo Testamento.

O Filho do Homem se caracteriza pela humanidade. O Servo de Deus, pelo

serviço. O Irmão mais velho, pela acolhida aos irmãos menores. Humanizar, Servir,

Acolher. Estas três atitudes mostram como Jesus encarava a sua missão. Vejamos:

1. Jesus se apresenta como Filho do Homem

O nome que Jesus mais gostava de usar era “Filho do Homem”. Este nome

aparece 84 vezes nos evangelhos, uma única vez nos Atos dos Apóstolos (At 7,56) e

nenhuma vez nos outros escritos do Novo Testamento.

O nome Filho do Homem vem do livro do profeta Daniel, onde ele aparece depois

da visão dos grandes impérios mundiais dos Babilônios, Medos, Persas e Gregos (Dn

7,1-28). Nesta visão, os quatro impérios tem a aparência de “animais monstruosos” (cf.

Dn 7,3-8), pois são reinos animalescos, brutais, desumanos, que perseguem,

desumanizam a vida e matam (Dn 7,21.25).

Depois dos quatro reinos anti-humanos, aparece o Reino de Deus que é descrito

da seguinte maneira: "Eu continuava contemplando, nas minhas visões noturnas,

quando notei, vindo sobre as nuvens do céu, um como Filho de Homem. Ele adiantou-se

até ao Ancião e foi introduzido à sua presença. A ele foi outorgado o império, a honra e

o reino, e todos os povos, nações e línguas o serviram. Seu império é um império eterno

que jamais passará, e seu reino jamais será destruído" (Dn 7,13-14)

Page 24: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

24 O Reino de Deus tem a aparência, não de um animal, mas sim de um “Filho de

Homem”, isto é, de uma figura humana. É um reino com aparência de gente. Não é

animalesco, mas sim humano. Promove a vida; humaniza as pessoas.!

Na visão do profeta, a figura do Filho do Homem representa, não um indivíduo,

mas sim, como ele mesmo diz, o “povo dos Santos do Altíssimo” (Dn 7,27; cf Dn 7,18).

O povo de Deus não se deixa desumanizar nem enganar ou manipular pelo jeito de

pensar dos impérios animalescos. A missão do Filho do Homem, isto é, do povo de

Deus, consiste em realizar o Reino de Deus como um reino humano. Reino que não

persegue a vida, mas sim a promove! Um Reino que humaniza as pessoas.

* O Nome Filho do Homem no Novo Testamento

Apresentando-se aos discípulos como Filho do Homem, Jesus assume como sua

esta missão humanizadora do Povo de Deus. É como se dissesse a eles e a todos nós:

“Venham comigo! Esta missão não é só minha, mas é de todos! É do Povo de Deus!

Vamos juntos realizar esse Reino humano que Deus Pai sonhou para todos! Esta é a

nossa missão”.

Foi o que Jesus fez e viveu durante toda a sua vida, sobretudo, nos últimos três

anos. Dizia o Papa Leão Magno: “Jesus foi tão humano, mas tão humano, como só Deus

pode ser humano”. Quanto mais humano, tanto mais divino. Tudo que desumaniza

afasta de Deus. Tudo que humaniza aproxima de Deus. Jesus colocou o bem da pessoa

humana como prioridade acima das leis, acima do sábado (Mc 2,27). Só há uma única

maneira de a pessoa se divinizar, a saber: sendo profundamente humana! Esta é a

missão que recebemos de Deus como seres humanos: ser humano, humanizar! A

bíblia acentua o óbvio: a missão principal do ser humano é ser o que ele deve ser: ser

humano. Nada mais, nada menos!

Na hora de ser condenado pelo tribunal religioso, o Sumo Sacerdote perguntou:

“És tu o Messias, o Filho do Deus bendito?” Jesus respondeu: “Eu sou. E vocês verão o

Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu”

(Mc 14,62). Perguntado se era o “filho do Deus” (Mc 14,61), Jesus responde que é o

“filho do Homem”. Por causa desta sua afirmação ele foi declarado réu de morte. Jesus

realizou na sua vida aquilo que dizia a profecia: “O Filho do Homem não veio para ser

servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate para muitos” (Mc 10,45).

Page 25: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

25 2. Jesus se apresenta como Servo de Deus

Naquele tempo, havia entre os judeus uma grande variedade de expectativas

messiânicas. Havia gente que esperava um Messias Rei (Mc 15,9.32), outros um

Messias Santo ou Sumo Sacerdote (Mc 1,24), Messias Guerrilheiro (Lc 23,5; Mc 15,6;

13,6-8), Messias Doutor (Jo 4,25; Mc 1,22.27), Messias Juiz (Lc 3,5-9; Mc 1,8), Messias

Profeta (Mc 6,4; 14,65). Cada um, conforme os seus próprios interesses ou classe

social, encaixava o messias nos seus próprios desejos e projetos. Mas por mais

diferentes que fossem, todas aquelas expectativas concordavam numa coisa: o

messias seria forte e glorioso.

Ao que tudo indica, ninguém se lembrava do Messias Servidor anunciado pelo

profeta Isaías. Somente os pobres souberam valorizar a esperança messiânica como

um serviço do povo de Deus à humanidade. Maria, a pobre de Yahweh, disse ao anjo:

“Eis aqui a serva do Senhor!” Foi de Maria, sua mãe, que Jesus aprendeu o caminho do

serviço. Nas três vezes em que ele anunciou a sua paixão, morte e ressurreição, Jesus

se orientou pela profecia do Servo de Yahweh, tal como transparece nos quatro

cânticos do livro de Isaías (Mc 8,31; 9,31; 10,33).

A origem destes quatro cânticos do Servo de Yahweh (Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-9;

52,13 a 53,12) remonta ao tempo do cativeiro na Babilônia em torno de 550 aC. No

livro de Isaías, a figura do Servo de Yahweh indica não um indivíduo, mas sim o próprio

povo do cativeiro (Is 41,8-9; 42,18-20; 43,10; 44,1-2; 44,21; 45,4; 48,20; 54,17),

descrito como um povo “oprimido, sofredor, desfigurado, sem aparência de gente e

sem um mínimo de condição humana, povo explorado, maltratado e silenciado, sem

graça nem beleza, cheio de sofrimento, evitado pelos outros como se fosse um leproso,

condenado como um criminoso, sem julgamento nem defesa” (cf. Is 53,2-8). Retrato

perfeito de uma grande parte da humanidade, até hoje!

Os quatro cânticos do Servo eram uma espécie de cartilha para ajudar o povo

oprimido a descobrir e assumir a sua missão. Jesus conhecia estes cânticos e por eles

se orientou. O primeiro cântico (Is 42,1-9) descreve como Deus chama o povo para ser

o seu Servo e irradiar a justiça no mundo. O segundo cântico (Is 49,1-6) descreve como

foi difícil para aquele povo exilado acreditar na sua vocação como Servo de Deus. O

terceiro cântico (Is 50,4-9) traz o testemunho do próprio Servo contando como realiza

Page 26: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

26 a sua missão. O quarto cântico (Is 52,13 a 53,12) descreve o futuro do Servo: fiel a sua

missão, ele entrega sua vida pelos irmãos e Deus o confirma como o seu Servo,

ressuscitando-o da morte!

Deste povo-servo se diz no primeiro cântico: “Ele não grita, nem levanta a voz,

não solta berros pelas ruas, não quebra a planta machucada, nem apaga o pavio de

vela que ainda solta fumaça” (Is 42,2). Ou seja, perseguido, ele não persegue;

oprimido, não oprime; machucado, não machuca. Nele o vírus da violência do império

da Babilônia não conseguiu penetrar. Pelo contrário, ele promove o direito e a justiça

(Is 42,3.6). Esta atitude resistente do povo-servo é a semente da justiça que Deus quer

ver implantada no mundo inteiro. Por isso, Deus chama esse povo para ser o seu Servo

com a missão de irradiar a justiça de Deus e ser a “Luz do Mundo” (Is 42,2.6; 49,6).

É com este Servo que Jesus se identifica. Ele assume ser o Servo de Deus. O

testemunho do Servo, descrito no 3º cântico (Is 50,4-9), é quase um auto retrato de

Jesus:

"O Senhor me concedeu o dom de falar como seu discípulo, para eu

saber dizer uma palavra de conforto a quem está desanimado. Cada

manhã, ele me desperta, para que eu o escute,de ouvidos abertos,

como o fazem os discípulos. O Senhor me abriu os ouvidos e eu não

resisti, nem voltei atrás. Oferecei minhas costas aos que me batiam e o

queixo aos que me arrancavam a barba. Não escondi o rosto para

evitar insultos e escarros. O Senhor é a minha ajuda! Por isso, estas

ofensas não me desmoralizam. Faço cara dura como pedra, sabendo

que não vou ser um fracassado. Perto de mim está quem me faz justiça.

Quem tem coragem de depor conta mim? Vamos comparecer juntos no

tribunal! Quem tem algo contra mim? Que se apresente e faça a

denúncia! O Senhor é a minha ajuda!" (Is 50,4-9)

Não foi fácil viver a missão de Messias-Servo. Em Marcos 1,12-13, se diz que

Jesus foi tentado. Tentação é tudo aquilo que afasta alguém do caminho de Deus.

Mateus explicita a tentação: tentação do pão, tentação do prestígio, tentação do

poder (Mt 4,1-11). Foram estas as três tentações que derrubaram o povo de Deus no

deserto, depois da saída do Egito (Dt 8,3; 6,16; Dt 6.13). Orientando-se pela Palavra de

Deus, Jesus enfrenta as tentações. A carta aos hebreus diz: “Ele foi tentado em tudo

como nós, menos no pecado”(Hb 4,15). Em que consistia esta tentação e como ela se

manifestava a Jesus?

Page 27: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

27 Na medida em que a Boa Nova do Reino se divulgava no meio do povo,

aumentava sobre Jesus a pressão (a tentação) para ser o messias do jeito que os

outros queriam: messias glorioso. messias rei, sacerdote, juiz, doutor da lei ou

guerrilheiro. Esta tentação acompanhou Jesus, do começo ao fim, mas ela não

conseguiu desviar Jesus da sua missão. Jesus continuava firme no caminho do Messias-

Servo. E neste ponto ele não teve medo de provocar conflitos. Os que tentavam

desviá-lo do caminho do Servo recebiam respostas duras e reações inesperadas:

* Pedro tentou afastá-lo do caminho da Cruz e propôs o caminho do messias sem a

cruz (Mt 16,22). Mas teve que ouvir: "Vai embora, Satanás!" (Mc 8,33).

* Os parentes queriam levá-lo para casa. Diziam que estava louco (Mc 3,21). Mas

ouviram Jesus dizer: "Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos?" (Mc 3,33).

* Seus pais se queixaram: “Filho, porque você fez isso?” Respondeu: “Por que me

procuravam? Então não sabiam que devo estar na casa do meu Pai?” (Lc 2,48-49)

* Os apóstolos queriam que Jesus voltasse. Jesus respondeu: "Vamos para outros

lugares! Pois foi para isto que eu vim!" (Mc 1,38)

* João Batista esperava um messias-juiz severo (Lc 3,9; Mt 3,7-12) e perguntava:

"És tu ou devemos esperar por um outro?" (Mt 11,3) Jesus mandou João conferir

as profecias e confrontá-las com os fatos (Mt 11,4-6 e Is 29,18-19; 35,5-6; 61,1).

* Os fariseus diziam: "Vai embora daqui, porque Herodes quer te matar!" (Lc 13,31.

Jesus deixou claro que ninguém ia impedi-lo de realizar sua missão (Lc13, 32).

* O povo queria forçar Jesus a ser o messias-rei (Jo 6,15). Ao percebê-lo, Jesus

simplesmente foi embora e se refugiou na montanha (Jo 6,15).

* O demônio propõe o caminho do messias-novo-Moisés: que alimenta o povo no

deserto (Mt 4,3); que se impõe publicamente (Mt 4,5-6; Jo 7,27); que conquista o

mundo (Mt 4,9). Jesus responde com palavras da Bíblia (Mt 4, 4.7.10).

Jesus percorreu até o fim o caminho do serviço, proposto pelo profeta Isaías.

Através desta sua atitude de serviço, ele nos revelou a face de Deus como Pai, que nos

atrai e nos indica o caminho de volta para a casa do Pai. A vida de Jesus é o melhor

comentário dos quatro cânticos de Isaías.

3. Jesus se apresenta como o irmão mais velho

No tempo de Jesus, por causa da situação política-social e por causa da visão errada

de Deus que a religião oficial comunicava ao povo, a vida em comunidade tinha muitas

Page 28: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

28 falhas. Não havia mais aquela fraternidade que Deus deseja para todos. Havia muita

gente que era proibida de participar plenamente da comunidade: os doentes, os

deficientes físicos, os estrangeiros, as mulheres, as crianças, os publicanos. Por isso,

aquilo que o povo mais esperava do futuro Messias era ele resgatar os excluídos e

reintegra-los, novamente, na comunidade ou, como diziam naquele tempo,

“reconduzir o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais” (Mal

3,23; Eclo 48,10).

No Antigo Testamento, caso alguém, por motivo de pobreza ou de dívidas,

perdesse sua terra ou fosse vendido como escravo, o parente mais próximo ou o irmão

mais velho, chamado goêl na língua deles, devia entregar tudo de si para resgatar o

irmão mais novo (Lev 25,8-17; Dt 15,1-11). Assim, eles evitavam que a convivência

comunitária fosse quebrada. Era isto que o povo esperava do retorno do profeta Elias:

“reconduzir o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais” (Ml

3,23-24; Eclo 48,10), ou seja, restaurar a vida em família, em comunidade. Era este um

dos títulos mais antigos, que os primeiros cristãos tiraram do AT para expressar o

significado de Jesus para as suas vidas: Jesus é o Goêl, o redentor, o salvador, o

“primogênito", o irmão mais velho (Col 1,18; Apc 1,5).

O termo hebraico goêl é tão rico que não tem tradução perfeita na nossa língua.

No NT ocorrem os termos como libertador, redentor, salvador, consolador, advogado,

paráclito, defensor, parente próximo, irmão mais velho, primogênito. Todos estes

termos, quando usados para designar Jesus, referem-se, de uma ou de outra maneira,

a este costume antigo de Goêl, aplicado a Jesus, nosso irmão mais velho.

Jesus, nosso irmão mais velho, recebia como irmão e como irmã aqueles que

eram excluídos pela religião oficial, e os acolhia na sua nova família (Mc 3,34),:

os imorais: prostitutas e pecadores

Mc 2,15: Levi cobrador de impostos

Lc 7,37-50: a moça do perfume diante do fariseu

Jo 8,2-11: a mulher pega em flagrante de adultério

os hereges: pagãos e samaritanos

Lc 7,2-10: oficial romano: "Senhor não sou digno que entres em minha casa;

Jo 4,7-42: a conversa com a mulher samaritana

Lc 10,33: a parábola do bom Samaritano

Page 29: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

29 os impuros: leprosos e possessos

Mt 8,2-4: cura leprosos e toca neles; "sinal de que chegou o Reino"

Mc 5,15: "endemoninhado vestido no seu perfeito Juízo" (legião)

Mc 1,25-26: ensinamento novo, dado com autoridade, manda até nos espíritos.

os marginalizados: mulheres, crianças e doentes

Mt 8,17: "Ele tomou sobre si nossas enfermidades" (Isaías)

Mt 19,13-15: Deixai vir a mim as crianças

Lc 8,2-3: mulheres são discípulas: Joana, Susana, Madalena, Salomé, Marta, Maria

os colaboradores: publicanos e soldados

Lc 18,9-14: a parábola do fariseu e publicano no templo

Lc 19,1-10: Zaqueu, o publicano

Lc 7,2-10: a cura do empregado do oficial romano;

os pobres: o povo da terra e os pobres sem poder

Mt 5,3: Felizes os pobres em espírito, porque deles é o reino do céu

Lc 6,20.24: Felizes vocês pobres, porque o reino de Deus é de vocês

Mt 11,25-26: a oração de Jesus: "Pai, eu te agradeço,...".

Todas estas pessoas tiveram a experiência concreta de terem sido resgatados por

Jesus, o irmão mais velho, que cumpriu o seu dever de goêl para com elas. Paulo

chegou a dizer: “Ele me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). Jesus esvaziou-se a si

mesmo para nos enriquecer com a sua pobreza (2Cor 8,9), para que nós pudéssemos

recuperar a liberdade e retomar a vida. Apresentando-se como o goêl dos irmãos

menores, Jesus nos revela a face de Deus como Pai que acolhe a todos e vai atrás dos

abandonados e excluídos da convivência humana .

8ª Pergunta: Jesus, como você usava a Bíblia na vida pessoal e na catequese?

São três as características do uso que Jesus fazia da bíblia: Familiaridade,

Liberdade, Fidelidade. Vejamos de perto estas três características:

1. Familiaridade

O que caracteriza o uso que Jesus fazia da Bíblia é a familiaridade. Passando os

olhos pelos quatro evangelhos, a gente percebe que, para Jesus, a Bíblia não era um

livro estranho, nem um livro de estudo ou um manual a ser decorado, mas sim um

espelho onde encontrava refletida a vida do povo com seus problemas. Jesus ligava a

Bíblia com a vida do povo para iluminar os fatos e esclarecer as perguntas do povo. Ele

Page 30: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

30 conhecia tanto os livros como as etapas e os personagens da história do seu povo.

Com a máxima facilidade ele usava e citava a Bíblia para esclarecer, ensinar, discutir,

rezar, formar, se defender, provocar.

Escutando os ensinamentos de Jesus, você escuta neles a história da Bíblia inteira:

desde Abraão, Isaque e Jacó (Mc 12,26), a história de Moisés na sarça ardente (Mc

12,26), as prescrições da Lei sobre a pureza legal (Mc 1,44; 7,10) e o divórcio (Mc 10,3),

até Jonas (Mt 12,39-41), a rainha do Sul (Mt 12,42), Salomão (Lc 11,31), Elias e a viúva

de Sarepta, Eliseu e as histórias de Naamã o Sírio e (Lc 4,25-27), e tantos outros.

Ao jovem rico Jesus lembra os mandamentos da lei de Deus (Mc 10,19). Na

expulsão dos vendilhões do templo ele cita textos de Jeremias: “Vocês fizeram do

templo uma toca de ladrões” (Mc 11,17 e Jr 7,11), e de Isaías: “Minha casa será

chamada casa de oração para todos os povos” (Mc 1,17 e Is 56,7). Cita Oséias: “Quero

misericórdia e não sacrifício” (Mt 9,13; 12,7 e Os 6,6). Cita o primeiro mandamento do

livro do Deuteronômio (Mc 12,29-30 e Dt 6,4-5) e a lei do amor ao próximo do livro do

Levítico (Mc 12,31 e Lv 19,18), etc. etc..

O resultado do longo aprendizado de trinta anos em Nazaré transparece,

sobretudo, na facilidade e na frequência com que Jesus usa, reza e cita os salmos. Os

salmos eram o livro de canto que todos sabiam de memória. Jesus os cita e evoca nas

bem-aventuranças, nas parábolas, no Sermão da Montanha: “Felizes os mansos,

porque herdarão a terra” (Mt 5,4; Sl 37,11); “Felizes os que choram porque serão

consolados” (Mt 5,5; Sl 126,5); “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt

5,8; Sl 24,3-4); O pai que vê em segredo, escutará a prece feita em segredo (Mt 6,4; Sl

139,2-3). O abandono à providência divina (Mt 6,25-34; Sal 127). A parábola da vinha

(Mc 12,1; Sl 80,9-19). “Eu sou o bom pastor” (Jo 10,11; Sl 23).

Nas discussões com os fariseus e doutores os textos da Bíblia que ele mais cita

espontaneamente são os salmos. Sinal de que os conhecia de memória. Eles estavam

na ponta da língua. “Da boca dos pequeninos e das criancinhas preparaste um louvor

para ti” (Mt 21,16; Sl 8,3 LXX). “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a

pedra angular” (Mt 21,42; Sl 118,23). “O Senhor disse ao meu Senhor: senta-te à

minha direita” (Mt 22,44; Sl 110,1). “Vereis o Filho do Homem sentado à direita do

Poderoso” (Mc 14,62; Sl 110,1)

Page 31: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

31 Jesus revela sua união com o Pai através da reza dos salmos, sobretudo na hora do

sofrimento. No Horto, ele desabafa “Minha alma está triste” (Mc 14,34). A frase lhe é

fornecida por vários salmos (Sl 31,9-10; 42,5-6). Na cruz, ele reza dois salmos: “Meu

Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mc 15,34; Sl 22,1) e “Em tuas mãos

entrego o meu espírito” (Lc 23,46; Sl 31,6).

Nos três anos da sua atividade pastoral Jesus praticou o que aprendeu nos trinta

anos em Nazaré. Sua ação pastoral é o reflexo da leitura que fazia da Bíblia em casa e

na comunidade. Sem este ambiente orante comunitário não se entende o uso que

Jesus fazia da Bíblia. O Pai-Nosso é um resumo orante de tudo que Jesus ensinou e no

qual retoma os grandes ensinamentos que vinham desde o Antigo Testamento:

santificação do Nome, vinda do Reino, realização da vontade expressa na lei, o maná

ou o pão de cada dia, perdão das dívidas, resistência contra as tentações (Mt 6,9-13).

Na “Regra de Ouro” Jesus oferece um resumo prático de tudo que a lei e os profetas

ensinavam (Mt 7,12).

2. Liberdade

A característica da familiaridade indica não só o amplo conhecimento que Jesus

tinha da Bíblia, mas também a consciência de que a Bíblia não é um livro estranho que

pertence aos outros, mas é da nossa família. Esta consciência de “pertença familiar”

vinha do ambiente comunitário no qual se lia, usava e se transmitia a Bíblia. É nosso

livro, fala de nós! Eu não posso dispor de algo que não é meu. Mas quando uma coisa

me pertence, quando ela é nossa, aí tenho a liberdade de dispor dela. Jesus revela esta

liberdade frente às Escrituras Sagradas do seu povo, não para usá-las em seu próprio

benefício, mas para expressar a sua total fidelidade ao sentido mais profundo da

mensagem de Deus, revelada na Bíblia.

Jesus critica fortemente os doutores que insistem na observância da letra da lei e

que, por isso mesmo, já não percebem o objetivo da lei: “Ai de vocês, doutores da Lei e

fariseus hipócritas! Vocês pagam o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e

deixam de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a

misericórdia e a fidelidade. Vocês deveriam praticar isso, sem deixar aquilo. Guias

cegos! Vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo” (Mt 23,23-24)

Jesus critica o fundamentalismo que em nome de uma pretensa fidelidade

transgride o objetivo da lei: “Vocês são bastante espertos para deixar de lado o

Page 32: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

32 mandamento de Deus a fim de guardar as tradições de vocês. Com efeito, Moisés

ordenou: 'Honre seu pai e sua mãe'. E ainda: 'Quem amaldiçoa o pai ou a mãe, deve

morrer'. Mas vocês ensinam que é lícito a alguém dizer a seu pai e à sua mãe: 'O

sustento que vocês poderiam receber de mim é Corbã, isto é, consagrado a Deus'. E

essa pessoa fica dispensada de ajudar seu pai ou sua mãe. Assim vocês esvaziam a

Palavra de Deus com a tradição que vocês transmitem. E vocês fazem muitas outras

coisas como essas" (Mc 7,9-13).

Esta liberdade com que Jesus interpretava a Bíblia incomodava os doutores. Em

nome da compreensão fundamentalista da lei eles criticam a atitude pastoral de Jesus

e se recusam a crer nele (Mc 2,7.16.18.24; 3,2-4.22; 7,1-8). Eles o observam para poder

acusá-lo, e a acusação sempre vem da Bíblia, isto é, da interpretação que eles faziam

da Bíblia. As respostas de Jesus às acusações dos conservadores também são tiradas

da Bíblia. Nas respostas em torno do que pode e não pode em dia de Sábado, Jesus

cita as palavras de Oséias (Mt 9,11-13 e Os 6,6), lembra como o próprio Davi

transgredia a lei para atender à fome dos seus companheiros (Mc 2,25-26), e esclarece

o sentido exato da pureza, quebrando assim o literalismo das interpretações dos

doutores e fariseus (Mc 7,5-8.14-22). Esta liberdade no uso da Bíblia o colocou em

conflito com as autoridades religiosas e foi a causa da sua condenação à morte.

Ele esclarece João Batista que, em nome da sua maneira estreita de entender a

Bíblia, ficou na dúvida a respeito de Jesus: “É o senhor ou devemos esperar por

outro?” (Mt 11,2-3). Jesus usa textos de Isaías para ajudar o amigo a ler melhor os

fatos da vida: “Vão e digam a João o que estão vendo e ouvindo: Cegos vêem, coxos

andam, leprosos são limpos, e feliz quem não se escandalizar comigo!” (Mt 11,4-6 e Is

35,5-6)

Quando recebe a notícia da prisão de João Batista (Mc 1,14), Jesus capta a palavra

de Deus nos sinais dos tempos (cf. Mt 16,3) e diz: “Esgotou-se o prazo, o reino de Deus

chegou! Mudem de vida e acreditem nesta Boa Notícia” (Mc 1,15). Esta sua maneira de

ler os fatos à luz da Bíblia dá olhos novos para perceber a presença do Reino de Deus

no meio do povo. O Reino já estava aí, mas ninguém o percebia (Lc 17,20-21). Jesus o

percebe e o revela (Mt 16,1-3).

O anúncio do Reino é o centro do ensino de Jesus ao povo. Nas parábolas, ele usa

as coisas mais simples do dia-a-dia para ajudar o povo a perceber a presença do Reino

Page 33: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

33 nos fatos da vida. Deste modo, a própria vida com todos os seus detalhes começa a ser

um instrumento para poder entender a mensagem mais central das promessas em

torno do Reino de Deus. Jesus sabe usar o “segundo livro de Deus” que é a Bíblia para

ajudar o povo a entender “o primeiro livro de Deus” que é a vida.

3. Fidelidade

Por causa desta sua liberdade na interpretação da Bíblia, Jesus foi criticado. Diziam

que ele estava acabando com a Lei de Deus e com a Tradição dos Antigos. Ele

responde: “Não vim para acabar com a Lei, mas para levá-la ao pleno cumprimento”

(Mt 5,17). E dizia: “Se a justiça de vocês não for maior do que a justiça dos escribas e

fariseus, vocês não vão poder entrar no Reino de Deus” (Mt 5,17).

Jesus ajuda o povo a ultrapassar a letra e descobrir o espírito da lei. O Sábado

servir à vida (Mc 2,27). No Sermão da Montanha, seis vezes em seguida ele tem a

coragem de dizer: “Antigamente foi dito, mas eu digo” (Mt 5,21-22.27-28.31-32.33-

34.38-39.43-44). Assim ele esclarece o objetivo último do mandamento “Não

matarás!” Só observa plenamente este mandamento aquele que for capaz de eliminar

de dentro de si tudo aquilo que de uma ou de outra maneira possa levar ao

assassinato, como raiva, xingamento e briga (Mt 5,21-22). E ele faz o mesmo com os

mandamentos que proíbem o adultério (Mt 5,27-28), o falso testemunho (Mt 5,33-37)

e com os costumes e práticas, como, por exemplo: “Olho por olho, dente por dente”

(Mt 5,38-39) e “Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo” (Mt 5,43-44). O ideal

supremo, diz Jesus, é “ser perfeito como é perfeito o Pai de vocês que está no céu!”

(Mt 5,48).

Na longa instrução aos discípulos no evangelho de Marcos (Mc 8,27 a 10,45), Jesus

os ajuda a entender o verdadeiro sentido da profecia de Isaías sobre o Servo de Javé.

Ele cita três vezes aquelas palavras da profecia que falam do sofrimento e da morte do

Servo e as aplica a si mesmo (Mc 8,31; 9.31; 10,33-34). Mas os discípulos não deram

conta de entender a interpretação de Jesus (Mc 8,32-33; 9,32). Em vez de pensar na

cruz, pensavam na sua própria promoção. Jesus tentou ajudá-los (Mc 10,35-45), mas

nem sempre o conseguia. A catequese tradicionalista os impedia de perceber a

novidade trazida por Jesus.

Em outras ocasiões, Jesus corrige a interpretação dos fariseus a respeito da lei

referente ao divórcio (Mt 19,3-9), critica a visão errada dos escribas sobre o retorno de

Page 34: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

34 Elias (Mc 9,11-13) e provoca dúvida a respeito da exatidão do ensino dos

conservadores: “Como é que eles podem dizer que o Messias é filho de Davi se o

próprio Davi o chama de Meu Senhor?” (Mc 12,35-37). Para os discípulos Jesus

esclarece o sentido das parábolas e diz que a eles é dado conhecer o mistério do Reino

de Deus (Mc 4,10-11).

O evangelho de Lucas usa o episódio de Emaus para sugerir aos cristãos dos anos

80 o método que Jesus usava na interpretação da Bíblia (Lc 24,13-35). A primeira

atitude de Jesus é aproximar-se, caminhar junto e escutar a conversa. Ele faz

perguntas e quer saber o que estão falando (Lc 24,15-19). Ele só começa a usar a Bíblia

depois que eles conseguiram expressar o problema que os agitava por dentro. E ele

usa a Bíblia não para dar uma aula sobre a Bíblia, mas para iluminar o problema da

vida (Lc 24,25-27). E a Bíblia, ela sozinha, não abre os olhos, não faz enxergar. Ela faz

arder o coração (Lc 24,32), isto sim. Mas o que faz enxergar de fato é o gesto

comunitário da hospitalidade, de sentar juntos à mesa, de rezar juntos e de partilhar

juntos o pão. Aí os olhos se abrem e eles mesmos ressuscitam (Lc 24,28-31).

Page 35: 1 ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO …nossamatriz.com.br/textos/aparecida.pdfsoberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52). Unir o conhecimento

35

Conclusão Os quatro lados da Palavra de Deus

A mensagem final do Sínodo dos Bispos

Na mensagem final do Sínodo ao Povo de Deus, realizado em 2008, os bispos

sintetizaram todo o processo da descoberta, leitura e meditação da Palavra de Deus

em quatro símbolos muito sugestivos: a Voz da Palavra, o Rosto da Palavra, a Casa da

Palavra e o Caminho da Palavra.

A Voz da Palavra ressoa não só na Bíblia, mas também se faz ouvir na natureza, no

universo, na vida, nos fatos, “sem fala e sem palavras, sem que sua voz seja ouvida” (Sl

19,4). “De fato, desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, tais como

o seu poder eterno e sua divindade, podem ser contempladas, através da inteligência,

nas obras que ele realizou” (Rom 1,20).

O Rosto da Palavra é Jesus de Nazaré, sua vida, seus gestos, suas palavras, seus

ensinamentos. Ele é a revelação do Pai. Nele a Palavra se fez carne e habitou entre nós

(Jo 1,14). Ele podia dizer: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9).

A Casa da Palavra é a Comunidade, a Igreja. É onde o povo se reúne em torno da

Palavra de Deus: “Como pedras vivas, vocês vão entrando na construção do templo

espiritual, e formando um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais

que Deus aceita por meio de Jesus Cristo” (1Pd 2,5). Jesus dizia: “Onde dois ou três

estão reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). A Casa da

Palavra de Deus somos nós, quando estamos reunidos no Círculo Bíblico.

O Caminho da Palavra é a missão que recebemos como discípulos e missionários

de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida. “Caminho” é a palavra usada

no livro dos Atos para identificar os cristãos (At 9,2; 19,9; 22,4; 24,14). Indica o

compromisso assumido de levar a Boa Nova pelo mundo afora.

Os bispos retomam o convite do Salmo 1:

“Feliz o ser humano, que não segue os conselhos dos ímpios, não anda no caminho dos maus, nem frequenta a companhia dos gozadores. Pelo contrário, encontra seu prazer na lei do Senhor, e nela medita dia e noite. Ele é como árvore plantada junto d'água corrente: dá fruto no tempo devido, e suas folhas nunca murcham. Tudo o que ele faz é bem sucedido. Feliz este homem!” (Salmo 1,1-3).