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20 1 Introdução 1.1. Quinolonas As quinolonas são uma classe de antimicrobianos sintéticos caracterizados pela presença de um anel quinolônico em sua estrutura. O desenvolvimento destes antimicrobianos representou um importante avanço na medicina humana e veterinária e é a quarta classe de antimicrobianos mais usada em humanos [KHETAN and COLLINS, 2007]. Esses fármacos são indicados, dentre outros casos, para infecções do trato urinário, do trato respiratório, infecções ósseas, cutâneas, gastrintestinais, doenças sexualmente transmissíveis e também na prevenção da colonização bacteriana [HOOPER, 1998]. Há cerca de quarenta anos, o desenvolvimento farmacoterapêutico das quinolonas foi impulsionado com a descoberta do ácido nalidíxico (Figura 1), designado como o primeiro representante deste grupo de antibióticos empregado clinicamente seguido do ácido oxolônico, cinoxacino e ácido pipemídico que integram a primeira geração descobertos na década de 70 [KING, 2000; ITO, 2004]. N N O O OH Figura 1: Estrutura molecular do ácido nalidíxico (ácido 1-etil-7-metil-4-oxo-1,8- naftiridina-3-carboxílico) A melhor compreensão do mecanismo de ação das quinolonas aliada às mudanças estruturais do anel quinolônico levou ao desenvolvimento de novas moléculas com propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas de maior interesse na prática clínica [DOMAGALA et al, 1986]. Em especial, a adição de átomos de flúor no anel quinolônico deu origem a um novo grupo com amplo

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1 Introdução

1.1. Quinolonas

As quinolonas são uma classe de antimicrobianos sintéticos

caracterizados pela presença de um anel quinolônico em sua estrutura. O

desenvolvimento destes antimicrobianos representou um importante avanço na

medicina humana e veterinária e é a quarta classe de antimicrobianos mais

usada em humanos [KHETAN and COLLINS, 2007]. Esses fármacos são

indicados, dentre outros casos, para infecções do trato urinário, do trato

respiratório, infecções ósseas, cutâneas, gastrintestinais, doenças sexualmente

transmissíveis e também na prevenção da colonização bacteriana [HOOPER,

1998].

Há cerca de quarenta anos, o desenvolvimento farmacoterapêutico das

quinolonas foi impulsionado com a descoberta do ácido nalidíxico (Figura 1),

designado como o primeiro representante deste grupo de antibióticos empregado

clinicamente seguido do ácido oxolônico, cinoxacino e ácido pipemídico que

integram a primeira geração descobertos na década de 70 [KING, 2000; ITO,

2004].

NN

O O

OH

Figura 1: Estrutura molecular do ácido nalidíxico (ácido 1-etil-7-metil-4-oxo-1,8-

naftiridina-3-carboxílico)

A melhor compreensão do mecanismo de ação das quinolonas aliada às

mudanças estruturais do anel quinolônico levou ao desenvolvimento de novas

moléculas com propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas de maior

interesse na prática clínica [DOMAGALA et al, 1986]. Em especial, a adição de

átomos de flúor no anel quinolônico deu origem a um novo grupo com amplo

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espectro de ação antimicrobiano: as fluorquinolonas [CHIN et al, 1986]. Dentro

deste grupo, a enoxacina, perfloxacina, ofloxacina, norfloxacina e ciprofloxacina

representam quinolonas da segunda geração [KING, 2000; ITO, 2004].

Novas modificações deram origem aos análogos di e tri-fluorados do

ácido nalidíxico, levando a criação de moléculas pertencentes à terceira geração

das quinolonas: esparfloxacina, temafloxacina, grepafloxacina, levofloxacina e

lomefloxacina [MENDES et al, 1998; KING, 2000].

A busca de antimicrobianos quinolônicos mais potentes e eficazes deu

origem à quarta geração representada pela trovafloxacina, gatifloxacina,

moxifloxacina e clinafloxacina [ALEXANDER, 2000; KING, 2000].

Por fim, deve-se ressaltar um grupo mais recente de quinolonas,

constituído pelas desfluoroquinolonas, isto é, quinolonas que não contêm átomos

de flúor na posição 6 do núcleo quinolônico, mas que apresentam espectro de

ação e potência antimicrobiana similar às quinolonas fluoradas. A primeira

substância deste novo grupo desenvolvida para uso clínico foi a garenoxacina

[FUJIWAKA et al, 2005; ROLSTON, 2002].

1.1.1. Mecanismo de ação

O mecanismo de ação das quinolonas consiste na inibição de duas

enzimas importantes no processo de replicação do cromossomo bacteriano, a

DNA girase (topoisomerase II) e a topoisomerase IV [BLONDEAU, 2004; VAN

BAMBEKE et al, 2005].

O cromossomo bacteriano é formado por uma molécula de DNA circular

de fita dupla. Dentro da célula procariota, esse DNA encontra-se extremamente

compactado, possuindo alças e regiões superespiraladas, num espaço

denominado nucleóide. Durante o processo de replicação, a enzima DNA

helicase desenrola a fita dupla para que a DNA polimerase sintetize a nova fita.

Esta abertura da fita, juntamente com a ação da DNA polimerase gera uma

grande tensão na molécula de DNA. Este problema conformacional é contornado

por uma classe de enzimas conhecida como topoisomerase. Estas enzimas são

capazes de romper a ligação entre as fitas de DNA e posteriormente refazer a

ligação [TRUN and MARKO, 1998].

A DNA girase é um tetrâmero composto por duas subunidades

denominadas A e duas B. Ela é a única enzima bacteriana capaz de introduzir

espirais em direção contrária a fita helicoidal, chamados de espirais negativos.

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Além disso, ela possui outras funções com manter o nível de espiralização,

facilitar o movimento dos complexos de replicação e transcrição, removendo os

“nós” que se formam no DNA bacteriano e ajudando a curvar e dobrar o mesmo

[BLONDEAU, 2004; VAN BAMBEKE et al, 2005].

A topoisomerase IV também é um tetrâmero, sendo formada por duas

subunidades C e duas subunidades E. Essa enzima tem a função de separar as

fitas filhas de DNA após a divisão celular [BLONDEAU, 2004; VAN BAMBEKE et

al, 2005].

As quinolonas ligam-se ao complexo DNA-DNA girase ou DNA-

topoisomerase IV, causando modificações conformacionais que implicam na

inibição da atividade enzimática, resultando em uma rápida morte celular. A

ligação do fármaco se dá através de pontes de H entre grupos carbonila e

carboxila dos anéis quinolônicos e as bases nitrogenadas do DNA (Figura 2)

[DRLICA, 1999].

Figura 2: Esquema proposto para a interação das quinolonas: os retângulos entre as

fitas do DNA representam moléculas do fármaco ligadas por pontes de hidrogênio

representadas pelas linhas pontilhadas entre as fitas. As curvas tracejadas representam

a forma tetrâmera da DNA-girase. A ligação do fármaco com o complexo DNA-DNA

girase inibe a ação desta enzima (adaptado de MITSCHER, 2005).

As quinolonas possuem afinidade diferente para cada enzima. Em geral,

em bactérias Gram-negativas o principal sítio de ação é a DNA girase, ao passo

que, em bactérias Gram-positivas, o alvo principal será a topoisomerase IV.

Além disso, o gênero da bactéria também se mostra importante, pois nem todas

as bactérias possuem as duas enzimas. As bactérias Mycobacterium

tuberculosis, Helicobacter pylori e Treponema pallidum, por exemplo, possuem

apenas DNA girase [PAN and FISHER, 1998; HOOPER, 2001].

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1.1.2. Relação estrutura-atividade: enoxacina e esp arfloxacina

A estrutura básica das quinolonas é representada pelo núcleo conhecido

como 4-quinolona (Figura 3) caracterizada pela carbonila na posição 4. A

presença do ácido carboxílico na posição 3 é característico em praticamente

todas as quinolonas, evidenciando sua importância para a ação do fármaco

[ZHANG and HAEMERS, 1991; BRYSKIER and CHANTOT, 1995]. Outras

alterações estruturais do núcleo quinolônico permitiram a identificação de

posições e grupos farmacofóricos ou toxicofóricos. As importantes modificações

estruturais que deram origem às moléculas de interesse deste trabalho,

enoxacina e esparfloxacina, serão apresentadas a seguir.

Figura 3: Fórmula estrutural da 4-quinolona

A adição do átomo de flúor na posição 6 do anel está presente em todas

fluorquinolonas, o que resultou em um aumento da atividade destes fármacos. A

molécula de enoxacina (Figura 4) apresenta grandes avanços em relação a sua

estrutura-atividade quando comparadas às quinolonas de primeira geração.

NN

O

OH

O

N

NH

F

Figura 4: Fórmula estrutural da Enoxacina (ácido 1,4-diidro-1-etil-6-flúor-1,8-naftiridina-4-

oxo-7-piperazinil-3-carboxilico)

A inserção de um grupamento etila na posição 1 do anel permitiu uma

maior afinidade da sua ligação ao sítio alvo [ZHANG and HAEMERS, 1991]. A

introdução do grupamento piperazinil na posição 7 produziu melhorias

farmacocinéticas, melhorou a estabilidade dos metabólitos além de proporcionar

um aumento da atividade contra Pseudomonas aeruginosa [BRYSKIER and

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CHANTOT, 1995]. A substituição do átomo de carbono na posição 8 por um

átomo de nitrogênio melhorou consideravelmente a atividade desta

fluorquinolona, dando origem a um subgrupo denominado 1,8-naftiridinas.

A esparfloxacina (Figura 5) é uma amino-difluorquinolona, de amplo

espectro bacteriano.

N

O

OH

O

N

NH

F

F

NH2

Figura 5: Estrutura molecular da esparfloxacina (ácido 5-amino-1-ciclopropil-6,8-diflúor-

1,4-diidro-7-(cis-3,5-dimetil-1-piperazinil)-4-oxo-quinolino-3-carboxílico)

O radical ciclopropila presente na posição 1 do anel representou uma

vantagem em relação à enoxacina, pois esse radical confere à esparfloxacina

uma potência maior que aquela fornecida pelo grupo etila [ZHANG and

HAEMERS, 1991]. O aumento do espectro de atividade foi caracterizado pela

inserção do grupamento amino presente na posição 5 do anel [BRYSKIER and

CHANTOT, 1995; WAGSTAFF and BALFOUR, 1997]. A adição de átomos de

flúor nas posições 6 e 8 conferiram um aumento da atividade antimicrobiana

contra as enzimas alvo além de uma maior penetração do fármaco no interior

das células [ZHANG and HAEMERS, 1991]. Entretanto, a halogenação na

posição 8 pode estar associada à problemas de fototoxicidade apresentada por

este fármaco [BALL and TILLOTSON, 1995]. O radical 3,5-dimetil-piperazinil na

posição 7, além de aumentar a atividade contra P. aeruginosa, influencia no

controle da permeabilidade da membrana bacteriana nesta fluorquinolona

[BRYSKIER and CHANTOT, 1995].

1.1.3. Mecanismos de resistência

O crescente aparecimento de resistência, provocado pelo uso

indiscriminado de medicamentos e/ou a ausência de identificação do patógeno

responsável pela infecção, incentivam a descoberta de novos fármacos

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antimicrobianos fluorquinolonas. Elas vêm sendo substituídas no tratamento de

casos que apresentaram resistência a macrolídeos, sulfas e β-lactamases

[APPELBAUM and HUNTER, 2000; UBUKATA, 2003]. No entanto, a

administração desses antimicrobianos deve ser cautelosa, por exemplo, de

acordo com as Diretrizes da Sociedade Respiratória Japonesa para a Gestão da

Comunidade Pneumonia Adquirida em Adultos, quinolonas orais não são

normalmente recomendadas para uso em terapias empíricas. Estas devem ser

usadas quando a Streptococcus pneumoniae é identificada como agente

etiológico, e quando forem fortes as suspeitas de resistência a penicilina

[YOKOTA et al, 2009].

A resistência observada em inúmeros patógenos pode ocorrer através

dos seguintes mecanismos: (i) desenvolvimento de bombas de efluxo com

consequente aumento da retirada do fármaco do interior da célula; (ii)

capacidade do microorganismo de modificar a estrutura do fármaco impedindo

ou anulando sua atividade terapêutica; (iii) alteração da permeabilidade do

fármaco pela membrana celular da bactéria (porinas); (iv) mutação

cromossômica nos genes do DNA bacteriano, responsáveis pelas produção das

enzimas alvo. O surgimento espontâneo de mutações, a diminuição da

expressão de porinas na membrana externa ou hiperexpressão das bombas de

efluxo são os principais mecanismos de resistência associados às quinolonas

[MIRO et al, 2004; HOPKINS et al, 2005; RODRIGUEZ-MARTINEZ et al, 2008]

e, por isso, serão detalhados a seguir.

Para uma terapia eficaz, o fármaco deve alcançar uma concentração

mínima em seu local de ação, designada concentração inibitória mínima (CIM).

Em concentrações abaixo da CIM a ação antimicrobiana torna-se ineficaz, visto

que o fármaco não conseguiria difundir (gradiente de concentração) pela

membrana através de poros protéicos conhecidos como porinas. Essas

proteínas (poros protéicos) podem sofrer alterações em sua quantidade,

tamanho, estrutura e função, levando a diminuição da difusão da quinolona e,

por conseguinte, a diminuição da sua concentração intracelular, conferindo

resistência à terapia com este fármaco.

Outro mecanismo importante é a ação das bombas de efluxo. Esse

sistema é composto geralmente por três componentes: uma proteína capaz de

promover a extrusão de determinado substrato; uma proteína de membrana

externa; e, uma proteína de fusão de membrana. Este sistema tem como função

remover toxinas do citoplasma e da membrana celular. Algumas quinolonas são

reconhecidas como substrato por este sistema que as expulsa da célula,

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diminuindo sua eficácia terapêutica. A resistência por este mecanismo está

associada a mutações cromossômicas que levam a uma superexpressão deste

sistema.

O principal mecanismo de resistência às quinolonas é a mutação dos

genes gyr e par, que codificam as proteínas DNA girase e topoisomerase IV

respectivamente [HOOPER, 2001]. As subunidades GyrA e ParC constituem o

principal alvo de ação das quinolonas, portanto mutações sofridas em genes que

codificam essas unidades podem dar origem a enzimas menos susceptíveis à

ação do fármaco [DOMAGALA, 1986]. No entanto, as quinolonas mais novas

dificultam o desenvolvimento de resistência por apresentarem alta atividade

tanto contra a DNA girase como contra a topoisomerase IV, obrigando que

ocorra mutação de ambas as enzimas, visto que a ação em apenas uma das

enzimas será insuficiente para a inibição da bactéria [HOOPER, 1998]. Mais

recentemente, estudos realizados demonstraram que a aquisição de alto grau de

resistência às quinolonas pode estar associados a processos multifatoriais

[HOPKINS et al, 2005].

1.2. Esparfloxacina

A esparfloxacina encontra-se disponível em alguns países como Japão,

Rússia, Índia e Indonésia e é comercializada apenas com prescrição médica. Ela

está classificada na categoria de risco C pelo FDA, o que significa dizer que

estudos em animais revelaram efeitos adversos (teratogênicos ou outros) para o

feto, devendo ser administrada a gestantes apenas quando os benefícios

potenciais justificarem o risco para o feto. Atualmente podem ser encontradas

preparações farmacêuticas com os seguintes nomes fantasia: RESFLOK

(Sanbe Farma PT); SPARFLO (Dr. Reddy’s Laboratories Ltd); Newspar

(Interbat PT); SCAT EYE DROPS (Cadila Pharmaceuticals Limited); SPARA

(Dainippon Pharmaceuticals Co.). O SCAT EYE DROPS está disponível na

forma de solução oftalmológica 0,5% enquanto as demais se encontram nas

formas farmacêuticas para administração oral com dosagens entre 100 e 400

mg. O medicamento ZAGAM, contendo este mesmo princípio ativo, foi retirado

do mercado em diversos países, entre eles: Estados Unidos [PSATY, 2008],

França, Alemanha, África do Sul, Nova Zelândia e Hong Kong.

Esta fluorquinolona possui biodisponibilidade oral em torno de 92%,

atingindo a concentração máxima plasmática 3 a 6 h após a administração do

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medicamento [MONTAY, 1996]. A administração concomitante de antiácidos

contendo hidróxido de alumínio reduz a biodisponibilidade oral da esparfloxacina

em 25 a 30% [SHIMADA et al, 1993]. Este fármaco se liga fracamente às

proteínas plasmáticas (37%) e apresenta excelente distribuição em tecidos e

penetração efetiva em fluidos extracelulares. Após uma dose única diária de 400

mg, uma Cmáx de 1,6 µg/mL e um T½ entre 15 e 20 h foram observados em

voluntários saudáveis, indicando que a administração de dose única diária pode

ser adequada para o tratamento de várias infecções sistêmicas [JOHNSON et al,

1992]. Sua excreção é predominantemente urinária, cerca de 30%, sendo que 10

a 14% da dose administrada é eliminada na sua forma inalterada [SHIMADA et

al, 1993].

O principal efeito colateral indesejável observado durante e após o

tratamento com a esparfloxacina deve-se a reações cutâneas sensíveis a

exposição de luz solar (UVA + UVB) [PIERFITTE et al, 2000; DAWE et al, 2003].

Estas reações são provocadas pela formação de oxigênio singlete e radicais que

causam severos danos ao tecido. Por isso, recomenda-se a prevenção durante o

tratamento contra exposição à luz solar ou fontes de UVA artificial

[STAHLMANN, 2002].

1.3. Enoxacina

Esta fluorquinolona de segunda geração pode ser encontrada em países

como Áustria, Turquia, Alemanha, França, Itália e Japão com os seguintes

nomes comerciais: ENOXOR (Germania Pharmazeutika), ENOKSETIN

(Eczacibasi Pharmaceuticals Division), ENOXOR e BACTIDAN (Pierre Fabre

SA), ENOXEN (EG Pharmaceuticals) e FLUMARK (Dainippon

Pharmaceuticals Co.). Alguns medicamentos contendo este princípio ativo foram

proibidos nos Estados Unidos, Portugal, Inglaterra e México, dentre eles:

PENETREX, VINONE e COMPRECIN.

Estudos com voluntários saudáveis mostraram que, após administração de

uma dose de 400 mg, a enoxacina apresentou rápida absorção oral (0,5 a 2,5 h),

com tempo de meia-vida entre 4,2 a 6,8 h tornando efetiva a administração duas

vezes ao dia sem acúmulo significativo [TOOTHAKER, 1989; SOMOGYI and

BOCHNER, 1988]. A biodisponibilidade oral desta fluorquinolona foi encontrada

entre 80 e 100%, com ligação às proteínas plasmáticas menor quer 30%

[NEUMAN, 1988]. Cerca de 45% da dose foi recuperada na urina na sua forma

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inalterada [SOMOGYI and BOCHNER, 1988]. Assim como em outras

fluorquinolonas [LECOMTE et al, 1994], o uso da enoxacina com antiácidos

como hidróxido de alumínio-magnésio deve ser evitado visto que o uso

concomitante destes fármacos decresce significativamente a biodisponibilidade

oral da fluorquinolona [TOOTHAKER, 1989].

1.4. Métodos analíticos existentes para determinaçã o da enoxacina e esparfloxacina

1.4.1. Cromatografia líquida

Grande parte dos métodos reportados na literatura para determinação

quantitativa da enoxacina e esparfloxacina emprega técnicas de cromatografia

líquida de alta eficiência (HPLC). Recentemente, Liu et al (2010) desenvolveram

um método cromatográfico para determinação de esparfloxacina, enoxacina e

outras fluorquinolonas em leite usando extração dos analitos da amostra com

polímeros de impressão molecular (MIP). Estes foram usados na extração em

fase sólida das fluorquinolonas após tratamento da matriz com uma mistura de

ácido acético 2% e acetonitrila. Os limites de detecção obtidos para as

fluorquinolonas ficaram na faixa entre 1,34 e 7,35 µg kg-1 e valores de

recuperação entre 84,1 e 104,7%.

Outros exemplos de métodos cromatográficos de alta eficiência para a

esparfloxacina e enoxacina em diferentes matrizes estão resumidos na Tabela 1.

De um modo geral, fase estacionária reversa de C-18 e detecção óptica são

preferidas.

Tabela 1: Resumo de alguns métodos cromatográficos para esparfloxacina e enoxacina

Analito

Descrição da

técnica

Limite de detecção/

Recuperação

Matriz

Referência

Esparfloxacina

Coluna de troca

catiônica protegida

por coluna de guarda

0,05 mg L-1 /

99,5-100% (soro)

0,5 mg L-1 /

97-97,8% (urina)

Soro e urina Borner et al,

1992

Esparfloxacina

Coluna C-18 e

detecção UV

< 25 ng mL-1 /

98,6-104%

Plasma

Elsayed,

1995

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Tabela 1: (Continuação) Resumo de alguns métodos cromatográficos para

esparfloxacina e enoxacina

Analito

Descrição da

técnica

Limite de detecção/

Recuperação

Matriz

Referência

Enoxacina

Coluna C-18 e

detecção UV

10 ng mL-1 /

52% (plasma)

25 ng g-1 /

57% (tecido prostático)

Plasma e

tecido da

próstata

Hamel, 1998

Enoxacina e

outros

Coluna C-18 e

detecção UV

0,05 µg

73-80% (plasma)

58-80% (saliva)

Plasma e

saliva

Zhai et al,

1995

Enoxacina

TLC com

espectrodensitômetro

de fluorescência

LD*

95,4-105,2%.

Fluidos

corporais

Whang, 1998

Esparfloxacina

Detecção UV e pré-

coluna de ODS

50-2000 ng mL-1

97,5-100,3%

Plasma

Kudo et al,

1999

Esparfloxacina

C18 em fase reversa

e detecção UV

0,025 mg L-1 (plasma)

0,5 mg L-1 (urina)

97% -98% (ambos)

Urina e

plasma

Kamberi et

al, 1999

Esparfloxacina

Detecção

espectrofotométrica

5 ng mL-1 /

82–91%

Plasma

humano

Vangani et al,

1999

Enoxacina

Coluna Kromasil 100

C-18

0,02 ng em 20 µL /

91-103%

Medicamento

e soro

Samanidou,

2003

Esparfloxacina

e fleroxacina

Extração em fase

sólida

LD*

92%

Matriz

biológica

Kowalczuk et

al, 2003

Enoxacina e

ciprofloxacina

Cromatografia líquida

micelar

0,025 µg mL-1

93-105%

Soro

Vilchez JL et

al, 2004

Esparfloxacina

e outros

Acoplado a MS

1,7 ng L-1 /

93% ±12

Águas

residuárias

Xiao et al,

2008

Esparfloxacina

e outros LC – MS/MS

0,1 g kg-1 /

75,3 - 96,3% (porcos)

79,7 - 94.2% (peixes)

Músculos de

porcos e

peixes

Li et AL,

2009

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Tabela 1: (Continuação) Resumo de alguns métodos cromatográficos para

esparfloxacina e enoxacina

Analito

Descrição da

técnica

Limite de detecção/

Recuperação

Matriz

Referência

Esparfloxacina

C18 em fase-reversa

acoplado a MS

2 ng mL-1

90%

Plasma de

ratos

Keumhan et

al, 2010

Esparfloxacina

e outras

quinolonas

Acoplado ao MS

(extração seletiva

com MIP magnético)

3,2 – 6,2 ng L-1/

76,3 – 94,2%

Águas

ambientais

Chen et al,

2010

Esparfloxacina

Pré-coluna de

derivatização

fluorescente

LD*

91,5%

Urina

Du et al,

2001

* Limite de detecção não fornecido

1.4.2. Eletroforese capilar

Assim como em HPLC, a detecção espectrofotométrica de absorção na

região do UV-vis é a mais utilizada em métodos baseados na eletroforese capilar

como, por exemplo, o trabalho de Tuncel et al que validaram um método

analítico para a determinação de enoxacina em preparações farmacêuticas e

soro humano com detector de fotometria de absorção no UV-vis utilizando

capilar de sílica fundida [TUNCEL et al, 2001]. Outro grupo de pesquisadores

desenvolveu e validou um método de eletroforese capilar por zona para análise

de esparfloxacina em comprimidos [ALBASHIR et al, 2008].

Dependendo do tipo de amostra, é necessário o uso de detectores mais

sensíveis como, por exemplo, amperométricos, de condutividade, fluorescência e

de espectrometria de massas. Mais recentemente, um trabalho para detecção

simultânea da enoxacina e ofloxacina em urina, soro e amostras de colírio foi

desenvolvido [LIU et al, 2010]. Neste método, a detecção de

eletroquimioluminescência foi utilizada obtendo limites de detecção de 9,0 x 10-9

e 1,6 x 10-8 mol L-1 para a enoxacina e ofloxacina, respectivamente. A taxa de

recuperação destas quinolonas para diferentes níveis de concentração ficou

entre 94,0 e 106,7%.

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1.4.3. Espectroscopia de absorção e de luminescência molec ular

Alguns métodos de espectrofotométricos de absorção foram reportados

na literatura para a determinação de esparfloxacina e enoxacina, principalmente

em medicamentos [HOPKALA and KOWALCZUK, 2000; PATEL et al, 2007] e

em fluidos biológicos. De modo geral, essa técnica baseia-se na reação das

fluorquinolonas com substâncias que aumentam a absortividade molar dos

analitos (Tabela 2).

Adicionalmente, técnicas analíticas espectroluminescentes vêm sendo

amplamente pesquisadas para estas fluorquinolonas. Os métodos baseiam-se

em análises fluorimétricas e fosforimétricas utilizando artifícios que promovam

aumento do sinal analítico como a reação de quimioluminescência (Tabela 3).

Muitos dos métodos reportados usam artifícios de transferência de energia de

modo a aumentar o sinal de terras raras usado para sondar indiretamente as

fluorquinolonas ou se baseiam na atenuação da luminescência por meio dos

gráficos de Stern-Volmer.

Tabela 2: Resumo de alguns métodos espectrofotométricas para as fluorquinolonas

enoxacina e esparfloxacina

Analito Descrição da técnica

Limite de detecção/

Recuperação

Matriz Referência

Enoxacina

Reação com azul de

bromofenol e bromocresol

0,084 µg mL-1

99 – 100%

Medicamento

Suslu and

Tamer, 2002

Esparfloxacina

Método simples de

espectrofotometria UV-Vis;

LD*

98-102% Medicamento

Marona and

Schapoval,

1999;

Esparfloxacina

Complexação com azul de

bromotimol

LD*

97%

Medicamento

Marona and

Schapoval,

2001

Esparfloxacina

Oxidação com o

monovanadato de amônio

LD*

98-100%

Medicamento

e urina

Jan et al,

2010

Esparfloxacina

e outros

Espectrofotometria

derivada de complexos

com Cu(II)

5,1 ng mL-1

99-100%

Medicamento

Rizk et al,

2001

* Limite de detecção não fornecido

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32

Tabela 3: Resumo de alguns métodos espectroluminescentes para enoxacina e

esparfloxacina

Analito Descrição da técnica

Limite de detecção/

Recuperação

Matriz Referência

Enoxacina

Quimioluminescência de

complexos Eno: Ag(III)

2,0 x 10-5 g L-1

83,7-110%

Medicamento

soro e urina

Chen, 2010

Enoxacina

Quimioluminescência pela

sensibilização com Dy3+

0,22 ng mL-1

98%-105%

Medicamento

soro e urina

Sun et al,

2009

Enoxacina

Método luminescente

utilizando nanopartículas

de Térbio-acetilacetona

3 x 10-8mol L-1

97-98,6% (medicam.)

94,5-98,7% (urina)

Medicamento

e urina

Karim and

Lee, 2008

Enoxacina

Fosforimetria baseada nas

propriedades dos pontos

quânticos de Mn:ZnS

58,6 nmol L-1

94-104%

Urina e soro

He et al,

2008

Enoxacina

Método fluorimétrico

usando dodecilbenzeno

sulfonato de Térbio (III)

2,8 x 10-9 mol L-1

95,6–106,0%

Medicamento

Tong and

Xiang, 2007

Enoxacina

Método fluorimétrico

baseado no quenching da

enoxacina com a dopamina

2,0 ng mL-1

94,9-103,0% (soro)

94,9-108,0% (urina)

Urina e soro

Xiao et al,

2007

Enoxacina

Quimioluminescência

usando o tris (1,10-

fenantrolina) rutênio (II)-

cério (IV)

0,0210 µg mL-1

97,5 ± 0,44 (medic.)

95-98% (soro)

Medicamento

e soro

Karim et al,

2006

Enoxacina

Fluorimetria na presença

de Alumínio

0,018 µg mL-1

95-105%

Urina

Dai and

Aodeng,

2005

Enoxacina

Fluorimetria com o dodecil

sulfato de sódio

0,10 mg L-1

97%

Plasma

Du, 2003

Enoxacina

Fluorimetria de complexos

de Térbio (III)

5,9 x 10-10 mol l-1

95-102,5%

Urina

fortificada

You et al,

1999

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33

1.4.4. Métodos eletroquímicos

Alguns métodos eletroanalíticos (voltametria e polarografia) foram

reportados para a determinação da enoxacina e esparfloxacina. Rizk e outros

descreveram métodos para determinação da esparfloxacina baseados na

voltametria de corrente contínua, pulso diferencial e corrente alternada em

fluidos biológicos e em formulações farmacêuticas [RIZK et al, 2000]. Além

disso, determinaram as características eletroquímicas (por polarografia) dos

complexos de esparfloxacina com Ni(II) para análise de medicamentos e de

matérias-primas [RIZK et al, 2000]. Outros pesquisadores trabalharam na análise

qualitativa e quantitativa de medicamentos contendo esparfloxacina através da

polarografia de corrente contínua e pulso diferencial [JAIN et al, 2002] e

voltametria de pulso diferencial usando eletrodo de carbono vítreo [KUMAR et al,

2006].

Ghani et al reportaram em 2007 dois métodos de determinação

eletroquímica para a esparfloxacina. O primeiro explorava a adsorção deste

agente antibacteriano diretamente pelo eletrodo de gota de mercúrio enquanto o

outro se baseava na sua complexação com o PdCl2. Alguns parâmetros foram

estudados na resposta adsortiva, tais como, velocidade de varredura, pH, tempo

de acúmulo e potencial. Os limites de detecção e quantificação foram

respectivamente 2,0 x 10-8 e 6,0 x 10-8 mol L-1. Este método foi aplicado para

determinação de esparfloxacina e outras quinolonas em fluidos biológicos e

preparações farmacêuticas.

Alguns procedimentos polarográficos para determinação de enoxacina

foram desenvolvidos e aplicados para a análise desta fluorquinolona na urina

[ZHANG et al, 1996] e formas farmacêuticas [SQUELLA et al, 1993].

1.5. Técnicas utilizadas: Fluorimetria e Fosforimetr ia

1.5.1. Informações teóricas

A atividade luminescente das moléculas é decorrente da radiação emitida

por elétrons excitados quando estes retornam do estado excitado (maior nível

energético), para o estado fundamental. A luminescência originada pela

absorção de radiação é chamada de fotoluminescência e se divide em dois

fenômenos distintos: fluorescência e fosforescência [HURTUBISE, 1990].

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34

O processo de fotoluminescência pode ser compreendido por meio do

diagrama de Jablonski, abaixo representado, onde se observa os diferentes

níveis energéticos de uma molécula e os possíveis caminhos de retorno de uma

molécula do estado excitado para o fundamental.

Figura 6: Diagrama de Jablonski: A: absorção de energia; CI: cruzamento interno; RV:

relaxamento vibracional; CIS: cruzamento intersistemas invertido; P: fosforescência; F:

fluorescência

A excitação de uma população de moléculas se dá através da absorção de

fótons de energia apropriada. Estes fótons levam à promoção de elétrons de

valência para orbitais de maior energia promovendo as moléculas de seu nível

de energia fundamental (S0) para um nível de energia excitado (Sn). Após ocorrer

a excitação, a população de moléculas passa para o menor nível do estado

excitado singleto (S1), através de processos não-radiativos de desativação de

energia como o relaxamento vibracional (vibrações moleculares e colisões com

outras moléculas do sistema), processo que ocorre no tempo de 10-13 a 10-11 s, e

os cruzamentos internos (transições não-radiativas entre estados de energia de

mesma multiplicidade e que ocorrem através de níveis vibracionais

degenerados) [VO-DINH, 1984; HARRIS, 2001].

Em certos casos, ainda pode ocorrer uma transição do estado singleto S1

para um estado excitado tripleto Tn, através de um fenômeno conhecido como

cruzamento intersistemas (CIS). Este tipo de fenômeno consiste no acoplamento

entre os campos magnéticos gerados pelo movimento do spin e pelo movimento

angular do orbital do elétron e ocorre preferencialmente em regiões onde há o

encontro entre as curvas de potencial dos estados singleto e tripleto. O CIS tem

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um tempo de vida de aproximadamente 10-7 s e promove uma mistura

quantomecânica dos estados excitados. [VO-DINH, 1984; HURTYBISE, 1990].

Depois de alcançar o estado S1, a população de moléculas excitadas pode

retornar ao estado fundamental de duas maneiras diferentes que envolvem re-

emissão de fótons. No primeiro caso, a população de moléculas excitadas sofre

a transição S1→S0 com conseqüente emissão de radiação eletromagnética com

uma freqüência menor que a da radiação absorvida (deslocamento de Stokes).

Essa transição radiativa entre estados de mesma multiplicidade ocorre na ordem

de 10-7 a 10-9 s e recebe o nome de fluorescência, sendo base da técnica

analítica conhecida por fluorimetria. No segundo caso, a população sofre uma

troca de multiplicidade para o estado tripleto Tn e em seguida uma emissão de

radiação entre estados com multiplicidades diferentes (T1→S0), recebendo o

nome de fosforescência na qual se fundamenta a técnica analítica conhecida por

fosforimetria [HURTUBISE, 1990].

A estrutura química do luminóforo é de extrema importância na

determinação de suas características luminescentes, pois os saltos energéticos

dos elétrons ocorrem entre diferentes orbitais. Moléculas orgânicas de forte

luminescência apresentam elétrons π deslocalizados, cujas transições

eletrônicas ocorrem geralmente entre um orbital ligante π e um orbital antiligante

π*, resultando em um estado excitado denominado ππ*. Quando há presença de

heteroátomos (N, O ou S) no sistema conjugado de elétrons pode ocorrer a

promoção de elétrons de um orbital n para um orbital antiligante π*, resultando

em um estado excitado denominado nπ*. [VO-DINH, 1984; HARRIS, 2001;

SCHULMAN, 1975]. Em geral, as transições ππ* produzem bandas mais

intensas que as transições nπ* e o efeito da polaridade do solvente (onde a

molécula se encontra) afeta as duas transições de maneiras distintas. A

intensidade relativa das bandas luminescentes está também relacionada com a

eficiência do processo excitação/emissão, que por sua vez pode ser avaliada

pela eficiência quântica luminescente. Assim, as estruturas moleculares com

sistemas de elétrons em ligações conjugados e anéis aromáticos são mais

propensas aos fenômenos fotoluminescentes. O mesmo não se observa em

moléculas alifáticas devido à alta energia necessária para promover uma

transição do tipo σσ − o que geralmente provoca a decomposição desse tipo de

molécula [VO-DINH, 1984; HARRIS, 2001; SCHULMAN, 1975].

As transições energéticas presentes em hidrocarbonetos são do tipo π →

π*. Estas transições possuem altos coeficientes de absorção molar e altos

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36

rendimentos quânticos relativos de fluorescência. A presença de heteroátomos

envolvidos no sistema conjugado da estrutura origina transições do tipo n → π*.

Estas possuem coeficientes de absorção molar aproximadamente 100 vezes

menores do que aqueles das transições π → π*. Além de possuírem tempo de

vida radiativo da cerca de 100 vezes maior do que a transição π → π*. Isso

explica os baixos rendimentos quânticos de fluorescência encontrados em

moléculas com grupos azo, nitrogênio heterocíclicos como a piridina e/ou

presença de carbonila [MARQUES, 2009].

Algumas considerações podem ser feitas em relação à presença de

substituintes em sistemas aromáticos. Geralmente, substituintes que doam

elétrons para o sistema (OH, –OR, –NH2, –NHR, –NR

2) induzem um aumento do

coeficiente de absorção molar e um deslocamento nos espectros de absorção e

fluorescência para regiões de menor energia, os espectros tendem a ficar mais

largos e menos estruturados, porém a fluorescência é amplificada. Por sua vez,

grupos cetônicos (-C=O) e carboxílicos (-COOH) diminuem as energias de

transições devido ao aparecimento de transições do tipo n → π* e, com isso,

exibem um baixo rendimento quântico de fluorescência acarretado pela

ocorrência de cruzamentos intersistemas que alteram a multiplicidade da

população excitada (S1 � Tn) e por consequência a redução da fluorescência e

favorecimento da fosforescência [SCHULMAN, 1975]. A presença de átomos

pesados como Br e I como substituintes de moléculas aromáticas, em geral,

favorecem o cruzamento intersistemas, induzindo fosforescência e podendo

levar à extinção do sinal fluorescente [VALEUR, 2001].

1.5.2. Eficiência quântica da fluorescência e da fo sforescência

A eficiência quântica luminescente é um parâmetro que avalia a

contribuição do processo radiativo no processo geral da desativação da molécula

no estado excitado, sendo expresso pela razão entre o número de fótons

emitidos por luminescência e o número de fótons absorvidos (Equação1):

(1)

Onde:

IL – intensidades da radiação luminescente

IA – intensidade da radiação absorvida.

φ=A

L

I

I

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A eficiência quântica fluorescente (φf) pode ser definida como a razão entre

a constante Kf de velocidade da fluorescência e o somatório das constantes de

velocidade de todos os processos que desativam a população do estado

excitado singleto como representado na Equação 2:

f

mCISf

f

k k k

k φ=++

(2)

Onde:

k f – Constante de velocidade da fluorescência

kCIS – Constante de velocidade do cruzamento intersistemas

km – Constante de velocidade dos processos não-radiativos desativados de T1

A eficiência quântica fosforescente pφ , por sua vez, pode ser expressa em

função das constantes de velocidade (ou taxas de desativação) dos processos

radiativos e não radiativos de acordo com a Equação 3.

kkk

kkkk

pqp

p

fqfcis

cis

p +×

++=φ (3)

Onde:

fqfcis

ciscis kkk

k

++=φ (4)

Onde:

cisk = constante de velocidade do cruzamento intersistemas

fk = constante de velocidade da fluorescência

fqk = constante de velocidade dos processos não-radiativos S1 → S0

pk = constante de velocidade da fosforescência

pqk = constante de velocidade dos processos não-radiativos T1 → S0

cisφ = eficiência quântica do cruzamento intersistemas

Moléculas no estado T1 possuem grande probabilidade de se desativar

para S0 por processos não-radiativos, por causa do maior tempo de vida. Por

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38

isso, para aumentar a chance de uma molécula fosforescer, se faz necessário

minimizar esses processos não-radiativos de desativação de T1, por exemplo,

com a imobilização da molécula em um substrato sólido ou meio aquoso

organizado.

1.5.3. Parâmetros que afetam os sinais luminescente s

Diversos parâmetros interferem na fluorescência e na fosforescência,

dentre os quais se pode citar a natureza do solvente, temperatura, sistema de

solventes, o pH do meio onde o analito está dissolvido, a presença de íons de

átomos pesados e a presença de modificadores de superfície, tais como

surfactantes, e a presença de espécies desativadoras. Cada um destes fatores

será discutido detalhadamente a seguir.

1.5.3.1. Temperatura

O aumento da temperatura ocasiona um aumento da eficiência dos

processos de relaxamento vibracional na desativação do estado excitado. Esse

parâmetro é fundamental na fosforescência, que por ser um processo lento sofre

maior interferência dos processos não radiativos de desativação até S0. A

fosforescência é mais bem observada em baixas temperaturas, que minimizam o

efeito de difusão de espécies atenuadoras de estado excitado. Um exemplo é o

uso de meio criogênico, onde o fósforo (molécula fosforescente) se encontra

presa em um solvente congelado em temperaturas de 77 K o que permite a

observação do fenômeno em temperatura ambiente na escala de tempo de até

alguns segundos [SCHULMAN, 1975; MARQUES, 2005].

1.5.3.2. Sistema de solventes

A escolha do sistema de solventes deve levar em consideração aspectos

como a interação com o analito, a viscosidade, a polaridade e o caráter prótico.

Primeiramente, o sistema de solventes deve ser capaz de dissolver totalmente a

amostra estudada. Solventes viscosos podem ser interessantes devido a sua

capacidade de diminuir a taxa de colisões bimoleculares desativadoras

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(quenching) através da redução da difusão de espécies desativadoras e do

oxigênio do meio [MARQUES, 2009].

Solventes polares podem favorecer os processos de desativação radiativa

devido a seu efeito estabilizante no soluto. Quando em solução, substâncias

aromáticas se mostram mais polares no estado excitado, por isso, na presença

de solventes polares essas moléculas excitadas são estabilizadas por interações

eletrostáticas [SCHULMAN, 1975]. Solventes próticos, em geral, aumentam o

rendimento de fluorescência quando comparados a solventes derivados de

hidrocarbonetos. Os primeiros realizam ligações de hidrogênio que diminuem a

energia das transições π � π*, efeito esse desejável no fenômeno de

fluorescência [MARQUES, 2009].

1.5.3.3. Influência do oxigênio e da umidade

O oxigênio molecular é um interferente crítico para a fosforimetria por ser

um desativador do estado tripleto. O oxigênio em sua forma molecular

apresenta-se eletronicamente como um tripleto e, por isso, pode fazer

transferência de energia por multiplicidade de spin. Além disso, ele pode

desativar as moléculas por outros processos não-radiativos como colisões

moleculares [VALEUR, 2006].

A umidade, por sua vez, age como um forte desativador via colisões com

moléculas no estado excitado, além de ter seu poder desativador amplificado por

facilitar o transporte de oxigênio para dentro de um substrato sólido onde se

encontra imobilizado o fósforo [VO-DINH, 1984; HURTUBISE, 1997].

Outras substâncias podem desativar o estado excitado singleto por meio

da atenuação (quenching) dinâmica. O quenching pode ser definido como

transferência de energia do analito, por processo não-radiativo, no estado

excitado (fluoróforo) para outras moléculas, chamadas de agentes desativadores

(Q), que ao absorver energia passam para o estado excitado enquanto o

fluoróforo retorna para o estado fundamental. A atenuação dinâmica é um

processo colisional e por isso requer o contato entre as espécies envolvidas. Em

consequência, a magnitude dessa desativação é proporcional à concentração do

agente desativador e da sua capacidade de difusão no meio [SCHULMAN,

1975].

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1.5.3.4. Efeito do pH

O pH do sistema influencia no equilíbrio ácido-base de moléculas

potencialmente luminescentes. Estas moléculas normalmente possuem atividade

luminescente diferenciada quando carregadas. Com isso, o ajuste do pH é de

extrema importância no desenvolvimento de métodos baseados nos fenômenos

luminescentes. No caso da fosforescência, as moléculas eletricamente

carregadas têm maior probabilidade de mostrar sinais mais intensos devido à

rigidez molecular apresentada após serem adsorvidas no papel [MILLER, 1981].

1.5.3.5. Efeito do átomo pesado

Átomos de elevado número de massa promovem o acoplamento spin-

orbital entre esses átomos e moléculas no estado excitado causando a

desativação tanto por alteração de multiplicidade (S1 � Tn) quanto pelo aumento

da velocidade dos processos de desativação não-radiativos. Dentre as espécies

capazes de produzir esse efeito podemos citar Cd(II), Pb(II), Hg(II), Tl(I), Ag(I),

Iodeto , Th(IV) entre outros.

O efeito desejável de um átomo pesado é a diminuição da população no

estado S1 pela população de um estado Tn e a diminuição do tempo de vida da

fosforescência, aumentando sua competitividade em relação aos processos não

radiativos na desativação do estado excitado. Por causa da dificuldade de se

prever qual átomo pesado irá favorecer a fosforescência de um analito, torna-se

necessário o estudo sistemático [VALEUR, 2001; MARQUES, 2005; LASERNA,

1992].

1.5.4. Técnicas para aumento de seletividade

Alguns artifícios foram empregados com o objetivo de se aumentar a

seletividade dos métodos baseados na espectroluminescência. A varredura

sincronizada e a derivada superior de espectro são exemplos.

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41

1.5.4.1. Varredura sincronizada

A varredura sincronizada é uma estratégia é utilizada para diminuir a

influência de interferência espectral no sinal luminescente de interesse usando

as diferenças de energia entre as bandas de emissão e as bandas de absorção

(deslocamento de Stokes). Na espectrometria luminescente convencional, o

espectro de emissão pode ser obtido varrendo-se faixas de comprimentos de

onda de emissão (λem), enquanto um composto luminescente é excitado em um

comprimento de onda de excitação (λex) fixo, ou vice-versa. Na técnica de

varredura sincronizada, variam-se sincronizadamente os monocromadores de

excitação e de emissão, mantendo-se inalterada a diferença entre os

comprimentos de onda (ou energia) equivalente aos máximos de excitação e de

emissão do analito de interesse (∆λ = λem - λex) [VO-DINH, 1978].

O sinal luminescente sincronizado é dado pela Equação 5.

IS(λem, λex) = k.c.Eex(λex).Eem(λem) (5)

Onde:

k = fator experimental

c = concentração do analito

ISP = sinal fosforescente sincronizado

Eex = espectro de excitação

Eem = espectro de emissão

λem = comprimento de onda de emissão

λex = comprimento de onda de excitação

A Equação 5 ainda pode ser reescrita da seguinte forma:

IS(λem) = k.c.Eex(λem - ∆λ).Eem(λem) (6)

Nota-se que o sinal sincronizado depende diretamente da sobreposição

das bandas do Eex(λem - ∆λ) e Eem(λem) [VO-DINH, 1978].

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1.5.4.2. Fosforescência derivada superior (d n)

A técnica de ordem superior pode ser usada para aumentar a seletividade

das análises luminescentes, com a finalidade de separar espacialmente os sinais

de analitos cujas bandas não são coincidentes, mas se sobrepõem

significantemente [VO-DINH, 1984].

A derivada de um sinal I relacionado a um comprimento de onda pode ser

representada pela seguinte Equação:

dI/dλ = (dI/dt).(dt/dλ) (7)

Considerando a velocidade de varredura do comprimento de onda como

r = dλ/dt, obtemos:

dI/dλ = (1/r).(dI/dt) (8)

Uma vez medida a velocidade de mudança da curvatura do pico no modo

d2, não somente a razão sinal-ruído é amplificada, mas também a largura das

bandas é reduzida e os pequenos detalhes espectrais são amplificados pela

transformação das bandas em pulsos diferenciais. Nesse caso, o pico de

emissão máxima da banda original passa a ser correspondente ao ponto que

cruza o eixo da ordenada da varredura. Este efeito traz vantagens do ponto de

vista da resolução dos espectros, amplificando a capacidade seletiva da

espectrometria de luminescência [MARQUES, 2009; VO-DINH, 1984].

1.6. Objetivos

1.6.1. Objetivos gerais

Diversos métodos analíticos para a determinação e quantificação de

esparfloxacina e de enoxacina já foram desenvolvidos e encontram-se

disponíveis na literatura. Outros trabalhos identificam seus produtos de

degradação por meio de técnicas de separação [ARGEKAR and SHAH, 1999;

SALEM et al, 2006; MARONA et al, 1999]. Nesta dissertação, se aproveitou da

característica de fotossensibilidade da esparfloxacina à radiação UV para

desenvolver um método para determiná-la em matriz medicamentosa por meio

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do sinal de seu(s) fotoderivado(s) luminescente(s). De mesmo modo, realizou-se

também um estudo para identificar e otimizar as características fosforescentes

da enoxacina a fim de desenvolver uma metodologia analítica para a

quantificação deste fármaco em matriz medicamentosa de forma seletiva por

meio da técnica de espectrofosforimetria.

1.6.2. Objetivos específicos

Este trabalho tem como objetivos específicos:

• Desenvolvimento de um método fluorimétrico para a esparfloxacina

após estudos preliminares de condições para maximizar a

fluorescência de seu(s) derivados(s) fluorescente(s) (pH, sistema

de solventes e efeito da radiação UV);

• Desenvolvimento de um método fosforimétrico para a enoxacina

após estudos preliminares de condições para maximizar a

fosforescência em substrato sólido (sais de átomos pesados como

indutores da fosforescência, usando quando necessário o

modificador de superfície).

• Avaliação crítica do uso da otimização univariada e multivariada

(planejamento composto central) de fatores que influenciam na

fluorescência e fosforescência da esparfloxacina e enoxacina,

respectivamente;

• Validação dos métodos, por meio da obtenção dos parâmetros

analíticos de mérito (linearidade, LD, LQ, repetitividade,

reprodutividade, seletividade, robustez, recuperação) com posterior

comparação dos resultados com àqueles obtidos em um método de

referência adaptado (HPLC);

• Avaliação da aplicabilidade dos métodos.

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