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TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
ESCOLA DE ENFERMAGEM AURORA DE AFONSO COSTA – EEAAC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO NA SAÚDE
ELUANA BORGES LEITÃO DE FIGUEIREDO
EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: INVENTANDO DESFORMAÇÕES
Niterói
2014
2
ELUANA BORGES LEITÃO DE FIGUEIREDO
EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: INVENTANDO DESFORMAÇÕES
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre no curso de
Mestrado Profissional em Ensino na Saúde da
Universidade Federal Fluminense, UFF.
Área de concentração: Ensino na saúde e suas interfaces com o SUS
Orientadora: Profa Drª Mônica Villela Gouvêa
Niterói, RJ
2014
3
FICHA CATALOGRÁFICA
F 475 Figueiredo, Eluana Borges Leitão de.
Educação Permanente em Saúde: inventando
desformações / Eluana Borges Leitão de Figueiredo. –
Niterói: [s.n.], 2014.
115 f.
Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino na Saúde)
- Universidade Federal Fluminense, 2014.
Orientador: Profª. Mônica Villela Gouvea.
1. Educação em saúde. 2. Políticas públicas. 3.
Educação continuada. 4. Sistema Único de Saúde. I.
Título.
CDD 614.07
4
ELUANA BORGES LEITÃO DE FIGUEIREDO
EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: INVENTANDO DESFORMAÇÕES
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre no curso de
Mestrado Profissional em Ensino na Saúde da
Universidade Federal Fluminense, UFF.
Área de concentração: Ensino na saúde e suas interfaces com o SUS
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Profª Drª Mônica Villela Gouvêa – Orientadora
Universidade Federal Fluminense – UFF
______________________________________________________________________
Profª Drª Maria Paula Cerqueira Gomes – 1ª Examinadora
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
______________________________________________________________________
Profª Drª Ana Lúcia Abrahão da Silva – 2ª Examinadora
Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa – UFF
______________________________________________________________________
Profª Drª Ândrea Cardoso de Souza – Suplente
Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa – UFF
______________________________________________________________________
Profª Drª Elaine F. Santos Araújo – Suplente
Escola de Enfermagem Anna Nery – UFRJ
Niterói
2014
5
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à professora Mônica Villela Gouvêa, por
considerá-la merecedora desta homenagem e também por ter sido
fundamental na construção de minha identidade acadêmica e
profissional numa disposição firme e comprometida com o ensino,
com a ética e com a verdade. Espero que este meu esforço em ser
melhor seja digno dela.
Mônica você cumpriu com seu papel de educadora!
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AGRADECIMENTOS
A Deus, que deu sentido a minha vida.
A meu pai, Sérgio Ventura, e a minha mãe, Ana, por minha existência.
A minha irmã, Alessandra, pelo amor e investimento.
A meu marido, Jonas de Figueiredo, pela paciência e por acreditar sempre em mim e me
apoiar nas escolhas.
Ao Dr. André Jaegger, por ter sido o primeiro a acreditar no meu potencial e me oportunizar a
experiência no campo da enfermagem.
À grande amiga Andrea Queiroz, por ter aberto as portas e acreditado em mim.
Ao meu “paitrão”, Eduardo Bandeira, responsável por minha formação e por dizer: “você é
capaz!”. E eu acreditei!
Aos membros do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Gestão e Trabalho em Saúde –
CNPQ/UFF, pelo rico espaço de contribuições e parcerias na produção de conhecimento.
À professora Ana Lúcia Abrahão, por me levar a lugares mais profundos e pela maneira tão
serena e perturbadora que me conduziu na construção desta dissertação. Levarei para sempre
o “radar” e a “pele”.
Aos profissionais de saúde que, de forma comprometida, participaram desta pesquisa
compartilhando comigo os seus mundos e suas vidas.
Ao Gustavo Adolf Fichter, por embarcar na minha ideia e pela leveza de alma e pelo desejo
apaixonado de fazer a EPS acontecer.
Ao secretário de saúde Dr. Brito, à Lígia Afonso e à Gabrielle Guerra, por terem acreditado
neste projeto e por terem me dado apoio na construção das ideias.
Às professoras integrantes da banca de avaliação, Profa Dr
a Maria Paula Cerqueira Gomes
(UFRJ), Profa Dr
a Elaine Santos Araújo (UFRJ), Prof
a Dr
a Ândrea Cardoso de Souza e Prof
a
Dra Ana Lúcia Abrahão (UFF).
E, por fim, aos amigos de alma: Jocely, Josely, Ana Carla, Renato, Kelly, Franklin, Rejane,
Verônica, Ana Paula, Luiz Carlos, Daiana, Didico e Sandra.
7
“Pois minha imaginação não tem estrada. Eu
não gosto mesmo de estrada.
Gosto de desvio e de desver”
Manoel de Barros
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RESUMO
A Educação Permanente em Saúde (EPS) e sua expressão nas práticas locais é o objeto deste
estudo. Buscou-se conhecer tal expressão em um município da região Médio Paraíba, interior
do estado do Rio de Janeiro, considerando os movimentos institucionais e inventivos sob o
referencial teórico de Paulo Freire e Adolfo Sanchez Vásquez em simbiose com a poesia de
Manoel de Barros. Três questões nortearam o estudo: Quais concepções pedagógicas
municipais predominam nas propostas e ações institucionais de formação? Como os
trabalhadores da gestão e da atenção básica concebem e praticam a EPS no município sob as
perspectivas institucional e inventiva? Como produzir, com os sujeitos participantes,
dinâmicas sociais inventivas? Como metodologia de trabalho, utilizou-se a pesquisa de campo
com abordagem qualitativa do tipo pesquisa ação, após aprovação pelo Comitê de Ética e
Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro e autorização da secretaria de saúde do
município em questão. Os dados foram coletados a partir de documentos oficiais do
município, entrevistas semiestruturadas com trabalhadores da gestão e da estratégia saúde da
família e observação participante em duas unidades de atenção básica. Os sujeitos
participantes foram gestores/responsáveis pela condução de processos institucionais de EPS
na região/município e profissionais da estratégia de saúde da família. Os documentos
pesquisados foram o Plano Municipal de Saúde, período 2011-2013, a Ata da VIII
Conferência Municipal de Saúde (2013) e os registros das atividades institucionais para
profissionais de saúde. Observou-se que, embora os documentos relativos ao Plano Municipal
de Saúde e a VIII Conferência Municipal de Saúde tenham mencionado a necessidade de
formação dos profissionais de saúde, a EPS foi pouco abordada no movimento institucional,
sendo a capacitação predominante. Os dados referentes às entrevistas apresentaram a EPS na
perspectiva da construção de espaços formais de cursos, palestras ou reuniões. Em
contrapartida, a observação participante apresentou a EPS com outro formato: sem nome,
horário definido e como expressão da inventividade dos trabalhadores. A analise dos dados
das entrevistas possibilitou a elaboração de duas categorias que refletem tanto a expressão da
EPS no município, quanto as potencialidades e dificuldades na construção de espaços de EPS.
O estudo conclui apontando para a criação de um espaço de EPS [Grupo EPensando], capaz
de abarcar tanto os movimentos institucionais, como a riqueza criadora e inventiva de
encontros potentes entre os trabalhadores da atenção, gestores e usuários dos serviços de
saúde.
Palavras-Chave: Educação Permanente em Saúde, Políticas Públicas; Educação Continuada;
SUS; Educação e Saúde.
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ABSTRACT
The Permanent Education in Health (EPS) and its expression in local practices is the subject
of this study. This research aimed to study such expression in a part of Middle Paraíba region,
in State of Rio de Janeiro, taking into account the institutional and inventive movements
under the theoretical framework of Paulo Freire and Adolfo Sanchez Vasquez and linked with
the poetry of Manoel de Barros. Three questions guided the study: Which municipal
pedagogical conceptions predominate in proposals and institutional training activities; how
the workers and the management of primary health care conceive and practice the EPS in city,
under the institutional and inventive perspectives; and how to produce inventive social
dynamics with participating subjects. As a working methodology, we used field research with
qualitative research approach and an action-type study, after the approval by the Research
Ethics Committee of the Antonio Pedro University Hospital and authorization of the health
department of the city in question. Data were collected from official documents of the city,
semi-structured interviews with workers or managers of Family Health Strategy program and
participant observation in two primary care units. Participants were managers and part of the
staff in charge for conducting EPS institutional processes in the region/city and professionals
from Family Health Strategy. The Municipal Health Plan from 2011 to2013, the Minutes of
the Eighth Municipal Health Conference (2013) and records of institutional activities for
health professionals were the documents studied. We observed that although the documents
relating to the Municipal Health Plan and the 8th
Municipal Health Conference have
mentioned the need for training of health professionals, EPS has been little addressed in the
institutional movement, being the predominant training.The data relating to interviews
presented the EPS into the perspective of building formal spaces for courses, lectures or
meetings; however, participant observation presented another format of EPS: with no name or
time defined as an expression of workers’ creativity. The analysis of the interview data
allowed the creation of two categories that reflect the expression of EPS in the municipality,
and the potential and difficulties in building EPS spaces. The study concludes by pointing to
the creation of an area of EPS [EPensando Group] that could encompass both institutional
movements as creative and inventive wealth of the powerful encounters between the health
care professionals, managers and users of the services.
Keywords: Continuing Education in Health, Public Policy; Continuing Education; SUS
(Brazilian Public Health System); Education and Health.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Representação gráfica da relação entre CGR/CIR e CIES 38
Figura 2: Microrregiões em que se encontram as CIES do estado do RJ 39
Figura 3: Organograma da saúde do município 54
Figura 4: O percurso da pesquisadora no conhecimento do objeto 81
Figura 5: Foto do encontro EPensando 93
Figura 6: Foto do encontro EPensando 93
Figura 7: Foto do encontro EPensando 94
11
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabela 1: Distribuição dos sujeitos do estudo de acordo com os critérios de
inclusão/exclusão 56
Tabela 2: Apresentação das técnicas e instrumentos de coleta de dados 57
Tabela 3: Recortes do Plano Municipal de Saúde com referência na atenção Básica e
na formação do trabalhador da saúde 63
Tabela 4: Recortes da ata da VIII Conferência Municipal de Saúde com referência na
atenção Básica e na formação do trabalhador da saúde 65
Tabela 5: Consolidado dos documentos dos processos educativos realizados no
município 66
Tabela 6: Caracterização dos sujeitos participantes da pesquisa 72
Tabela 7: Caracterização dos sujeitos participantes da pesquisa quanto à formação 73
Quadro 1: Quadro comparativo da EP na educação e da EP na saúde 28
Quadro 2: Estrutura organizacional das CIR/RJ: regiões, sedes definitivas e
municípios 36
12
LISTA DE SIGLAS
ACS: Agentes Comunitários de Saúde
CES: Conselho Estadual de Saúde
CGR: Colegiados de Gestão Regional
CIB: Comissão Intergestores Bipartite
CIES: Comissão de Integração Ensino e Serviço
CIT: Comissão Intergestores Tripartite
CNS: Conselho Nacional de Saúde
CEREST: Centros de Referência em Saúde do Trabalhador
DEGERTS: Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde
DEGES: Departamento de Gestão da Educação na Saúde
DST: Doenças Sexualmente Transmissíveis
EP: Educação Permanente
ESF: Estratégia Saúde da Família
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
MS: Ministério da Saúde
NDVS: Núcleo descentralizado de Vigilância em Saúde
NOAS: Norma Operacional da Assistência à Saúde
NOB-RH: Norma Operacional Básica de Recursos Humanos
OPAS: Organização Panamericana de Saúde
PACS: Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PARAPS: Plano Regional de Educação Permanente em Saúde
PDR: Plano Diretor Regional
PEPS: Polo de Educação Permanente em Saúde
PMAQ: Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica
PNEPS: Política Nacional de Educação Permanente em Saúde
PSF: Programa Saúde da Família
REFORSUS: Reforço à Reorganização do SUS
SES: Secretaria de Estado de Saúde
SESDEC: Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil
SGTES: Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
SISREG: Sistema Nacional de Regulação
SMS: Secretaria Municipal de Saúde
SUS: Sistema Único de Saúde
UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNIMED: Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico
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SUMÁRIO
PRIMEIRO CAPÍTULO
1. EM ESTADO DE PALAVRA 15
SEGUNDO CAPÍTULO
2. O ENCONTRO COM A EPS 17
TERCEIRO CAPÍTULO
3. O DESCOMEÇO: CONHECENDO O MOVIMENTO INTITUCIONAL DA
EPS 21
3.1. ACHADOUROS DE MEMÓRIAS: A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE
EDUCAÇÃO PERMANENTE NOS CAMPOS DA EDUCAÇAO E DA SAÚDE NO
MUNDO E NO BRASIL 21
3.1.1. Nascimento da educação permanente no campo da educação 21
3.1.2. Nascimento da educação permanente no campo da saúde 25
3.1.3. Desvelando conceitos: a educação permanente na educação e na saúde 28
3.2. DESEXPLICANDO: A EDUCAÇÃO PERMANENTE COMO UMA POLÍTICA
PÚBLICA NA SAÚDE 29
3.2.1. Comissão Intergestores Regional do estado do RJ 34
3.2.2. Comissões Permanentes de Integração Ensino e Serviço – CIES/RJ 39
QUARTO CAPÍTULO
4. A EPS, O POETA E OS EDUCADORES FILÓSOFOS: UM DIÁLOGO
CRÍTICO 41
QUINTO CAPÍTULO 52
5. MÉTODO 52
5.1. CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA 52
5.2. LOCAL OU CENÁRIO DA PESQUISA 53
5.2.1. Atenção básica 54
5.3. PARTICIPANTES DA PESQUISA 55
5.4. TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS 56
5.4.1. Análise documental 57
5.4.2. Entrevistas 58
5.4.3. Observação participante 59
5.5. PROCEDIMENTOS ÉTICOS, LEGAIS E SENTIMENTAIS 60
SEXTO CAPÍTULO
6. RESULTADOS 62
6.1. CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS NOS MOVIMENTOS INSTITUCIONAIS 62
6.2. CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE EPS 71
6.2.1. Os participantes da pesquisa 71
14
6.2.2. A EPS na expressão dos trabalhadores da gestão e da atenção básica 74
6.2.3. Potencialidades e dificuldades na construção de espaços de EPS 76
SÉTIMO CAPÍTULO
7. INVENTANDO DESVIOS E DESVERES 81
TECENDO DESCONCLUSÕES 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 100
APÊNDICES 109
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 109
Termo de Consentimento para autorização de coleta de dados 110
Instrumentos de coleta de dados: roteiros para Análise Documental e entrevistas
grupos I/II 111
Construção de texto sobre EPS no Plano Municipal de Saúde para os anos 2014/2016
do município estudado 114
ANEXO 115
Parecer consubstanciado do Comitê de Ética e Pesquisa 115
15
PRIMEIRO CAPÍTULO
Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água
que corre entre pedras: liberdade caça jeito.
(BARROS, 2010, p. 156)
1. EM ESTADO DE PALAVRA
O Sistema Único de Saúde (SUS), historicamente conquistado pela reforma sanitária e
estabelecido na Constituição Federal de 1988, apresenta muitos avanços expressos em seus
princípios e diretrizes, porém, ainda hoje, é uma obra em transformação, que envolve
movimentos de formação e desformação em um processo constante que não cessa sua
produção. Desformar, segundo o poeta brasileiro Manoel de Barros, é revisitar as formas
(RODRIGUES, 2010, p. 14).
No tocante à Educação Permanente em Saúde (EPS), esse contexto de desformação
faz pensar nos movimentos institucionais e inventivos que se entrelaçam no cotidiano do
trabalho em saúde. Movimento institucional, como aquele que é regido pelas políticas e
normatizações, e movimento inventivo, como inerente aos aspectos humanos e relacionais do
cotidiano, que promovem espaços de reflexão e análise do processo de trabalho.
Nesta pesquisa, ressalta-se que os movimentos institucionais e inventivos, embora
sejam instâncias com representações distintas e peculiares, não devem e não serão tratados
diferentemente, balizados sobre significados de grandeza um sobre o outro, uma vez que são
processos que correm num fluxo permanente e contínuo no outro, com o outro e pelo outro.
Perceber as relações e os entrelaçamentos entre o movimento institucional e o
inventivo da EPS nos cenários da saúde possibilita uma forma mais orgânica de compreender
a própria EPS. Assim, no sentido de materializar tal compreensão, fazemos alusão a uma
superfície não orientável, que não tem frente, verso, início e fim, a chamada tira de Moebius.
August Ferdinand Moebius, matemático alemão e criador da superfície, conseguiu não só
captar significados profundos das formas matemáticas e geométricas, como provocar uma
análise complexa das desformações e atravessamentos entre superfícies distintas. A tira de
Moebius foi construída por uma fita girada ao redor do seu eixo longitudinal, unida em seus
extremos de forma que não se pode distinguir a face interna da externa. O que ocorre é uma
dobra exposta ao agenciamento da outra dobra (GARCIA, 2008, p. 201).
Como na tira de Moebius, acredita-se que não se deve distinguir, no âmbito da EPS, os
movimentos institucionais, configurados pela política, normas e seus desdobramentos
16
formais, dos movimentos que acontecem espontaneamente nas relações entre os trabalhadores
e entre trabalhadores e usuários nos cenários de prática. Como dobras, esses movimentos
estão expostos ao agenciamento mútuo.
Essa compreensão faz pensar a necessidade de potencializar o fluxo entre as duas
faces, de forma a aproximar e mobilizar os cenários e o cotidiano dos serviços de saúde,
produzindo experiências criativas baseadas nos processos de reflexão, em que o institucional e
o inventivo se inspirem dialeticamente em um verdadeiro processo de transformação e de
práxis revolucionária.
Para Manoel de Barros, estar em estado de palavra significa instaurar um ato reflexivo
no qual se busca a libertação e o acesso a outras maneiras de ver, em que se podem enxergar
as coisas sem feitio, ou seja, as coisas ainda disformes e sem existência visível. No caso da
EPS, pretende-se percebê-la não apenas enquanto movimento político-institucional, e sim
como movimento natural que surge no cotidiano e que se configura como um espaço de
autoanálise do trabalho, ampliando os espaços de autonomia dos sujeitos, bem como a
construção de um pensamento crítico e reflexivo sobre a prática.
Em O Livro das Ignorãças, o poeta Manoel de Barros (2001) diz que dar nomes
significa empobrecer a imagem e isso pode tirar a beleza dos fatos que ocorrem naturalmente
na prática. No presente estudo, não se pretende acrescentar nome à EPS, mas potencializar a
perspectiva da inventividade, da criatividade e do conhecimento desta como espaço de
transformação e de reflexão sobre o trabalho.
Com esse horizonte, Adolfo Sanchez Vázquez descreve a prática como o ato ou objeto
que produz uma utilidade material, uma vantagem ou um benefício. Para ele, por si só a teoria
não é capaz de transformar a prática, ou seja, teorizar ou dar nomes a esses movimentos não
guardam, necessariamente, o potencial de transformação, nem as garantias de efetivação de
práticas concretas da EPS. A teoria apenas se torna prática quando penetra na consciência dos
homens (VÁZQUEZ, 1990). É nessa perspectiva de movimentos e de espaços menos
burocratizados e mais potencializadores de reflexão e autoanálise que a pesquisa foi
desenvolvida.
17
SEGUNDO CAPÍTULO
A ciência pode classificar e nomear os órgãos
de um sábio, mas não pode medir seus
encantos. (BARROS, 1996a, p. 53)
2. O ENCONTRO COM A EPS
A motivação para este estudo partiu de minha história pessoal e profissional, em que o
desejo pelo novo e pela desformação foi algo que sempre me encantou.
Ainda durante a graduação em enfermagem, pequenas incursões na obra de Paulo
Freire me incitavam a desver o mundo. Mas, nessa fase de formação acadêmica, o processo de
ensino/aprendizagem quase não promovia contato com o mundo da vida. Os conteúdos
engessados em disciplinas eram transmitidos de forma hierarquizada e asséptica, praticamente
sem ancoragem na realidade dos serviços e de seus usuários. Mesmo assim, desde minha
formação, trabalhar no SUS era um sonho, pelo desejo de fazer valer a beleza e a grandeza de
uma política pública que tem como princípios fundamentais os direitos humanos e o exercício
da cidadania plena.
No ano de 2011, após aprovação em concurso público para a secretaria de saúde de um
município da região do Médio Paraíba, fui designada a exercer minhas atividades
profissionais em uma unidade de atenção básica e, posteriormente, em uma unidade de
emergência. Feliz, iniciei minha trajetória no SUS e não demorei a perceber as fragilidades.
Durante o período de atuação em uma unidade de atenção básica, notei que minha
equipe de saúde apresentava lacunas quanto à qualificação profissional. Essa constatação me
causou inquietação, considerando que os profissionais exerciam as atividades com os usuários
há muitos anos, participavam de processos educativos promovidos pelo município e, ainda
assim, manifestavam dificuldades atreladas à formação profissional.
Disposta a participar na reversão desse quadro e, nessa época, sem qualquer
conhecimento sobre EPS, permiti-me renomear tudo o que estava instituído pela perspectiva
da criatividade. Passei a promover rodas de conversas com a equipe nos horários de reuniões
para que pudéssemos, juntos, refletir e construir saberes a partir das experiências. Nesses
encontros, foram abordados, criativamente, problemas mais incidentes no cotidiano da
comunidade e dos profissionais, tais como: diabetes, hipertensão arterial, doenças
sexualmente transmissíveis, amamentação, entre outros. Procurávamos aliar experiência,
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conhecimento e prática nos encontros e estes acabaram se desdobrando para além do espaço
da unidade: os profissionais começaram a promover encontros com grupos de usuários na
comunidade. Essa experiência marcou minha vida profissional.
Posteriormente, ao atuar mais intensamente em uma unidade de pronto atendimento no
mesmo município, deparei-me com um trabalho bastante técnico e com ausência de processos
geradores de reflexão coletiva sobre o cotidiano do trabalho.
Na vivência profissional realizada nas duas unidades e em momentos distintos, lacunas
e fragilidades foram percebidas no processo de trabalho das equipes de saúde uma vez que, na
minha concepção, estes profissionais exerciam suas funções de maneira técnica sem
protagonismo ou reflexão coletiva.
Nesse quadro, eu ficava me perguntando sobre o papel da instituição formadora dos
profissionais de saúde e da gestão dos serviços de saúde. Como diria Manoel de Barros: “Era
preciso desformar...”. Acreditava que tanto a instituição formadora, como a gestão dos
serviços, quando reprodutoras e acríticas, tangenciavam pessoas pouco reflexivas quanto à
realidade e com limitada capacidade de intervenção. Todo esse questionamento fomentou o
interesse no desformar saberes, competências e habilidades, trazendo um movimento de
produção diferente, capaz de gerar protagonismo. O olhar mais profundo sobre a formação e
qualificação de profissionais para o SUS tornou-se alvo de meu interesse.
Agenciada por tais inquietações, interessei-me pela linha de pesquisa Educação
Permanente em Saúde do Mestrado Profissional em Ensino na Saúde: Formação Docente
Interdisciplinar para o SUS (MPES). No MPES descobri a existência da Política Nacional de
Educação Permanente em Saúde (PNEPS), estabelecida pela Portaria Nº 198/GM/MS, de 13
de fevereiro de 2004, e pela Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Na PNEPS,
encontrei eco para minhas questões, pois a política defende a efetivação de mudanças nos
espaços produtores de saúde, nos quais educar para o trabalho em saúde deve deixar de ser a
transferência de recursos cognitivos para tornar-se a formação de protagonistas do setor da
saúde. Na sequência, envolvi-me com o curso de especialização em Ativadores de Processos
de Mudanças na Formação Superior (FIOCRUZ), com a Comissão de Integração Ensino e
Serviço (CIES) da região Médio Paraíba e com grupos de pesquisa da Universidade Federal
Fluminense (UFF) com ênfase na integração ensino e serviço e na educação permanente em
saúde.
Tais aproximações foram consolidando meu interesse na expressão da EPS no
cotidiano do trabalho vivo no município. A atenção básica me interessava, especialmente por
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ter sido cenário de minhas primeiras reflexões sobre a educação permanente em saúde, por
sua importância na organização do SUS, por absorver grande contingente de trabalhadores e
por concentrar a maioria dos processos educativos institucionais no meu município.
Parti, então, para a busca na literatura de experiências brasileiras com educação
permanente na ESF. A revisão bibliográfica foi realizada a partir dos descritores: Educação
em Saúde; Programa Saúde da Família; Sistema Único de Saúde; Educação Continuada; e
Políticas Públicas. A pesquisa foi feita nas bases de dados: Literatura Latino-Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde – LILACS (279 estudos), Public Medline – PUBMED (180
estudos), Índice Bibliográfico Espanhol em Ciências da Saúde – IBECS (14 estudos) e
Biblioteca Virtual em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz – BVS/FIOCRUZ (348 estudos).
Aplicando-se os critérios de recorte temporal (2007 a 2013) e língua (inglês, espanhol,
português, francês e italiano) e eliminando-se os estudos duplicados ou que não se referiam à
temática de pesquisa, restaram 25 estudos sobre experiências com educação permanente em
saúde na ESF, dos quais, 22 (88%) eram artigos científicos; dois eram teses de doutorado e
um era dissertação de mestrado.
Por um lado, os estudos apontaram que a ESF é um espaço em que a concepção de
educação permanente em saúde encontra campo fértil, tem maior receptividade e adesão por
trabalhadores e usuários. Por outro, sugerem dificuldades na compreensão do conceito de EPS
por trabalhadores, bem como barreiras para militar por uma formação/educação mais próxima
das realidades vivenciadas nos serviços de saúde e nos territórios vivos. O estudo apontou,
também, a crítica de que a organização dos serviços de saúde permanece pautada no modelo
biomédico de saúde e que ainda há forte predominância da concepção de educação de
profissionais de saúde com o caráter reprodutivo, impositivo e prescritivo.
Esse quadro fortaleceu minha intenção de estudar, no meu município de atuação
profissional, a EPS com foco na atenção básica, em especial, na ESF, tanto na perspectiva dos
movimentos institucionais, como na perspectiva dos movimentos inventivos, com o objetivo
de verificar e dar visibilidade à expressão da EPS nesse cenário.
Três questões nortearam o estudo: Quais as concepções pedagógicas municipais
predominam nas propostas e ações institucionais de formação? Como os trabalhadores da
gestão e da atenção básica concebem e praticam a EPS no município sob as perspectivas
institucionais e inventivas? E como produzir, com os sujeitos participantes, dinâmicas sociais
inventivas e desformadoras?
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Nesse sentido, o estudo teve como objetivos secundários: 1- identificar as ações e a
concepção pedagógica predominante nos processos educativos institucionais voltados para
profissionais da atenção básica em um município da região Médio Paraíba; 2- analisar como
os profissionais da gestão e da atenção básica concebem e praticam a EPS em seu cotidiano.
Por fim, quero ressaltar que esse estudo está fundado na firme disposição de participar
da construção de cenários que propiciem reflexão permanente das equipes multiprofissionais
sobre suas práticas e saberes, visando potencializar a capacidade institucional e inventiva de
trabalhadores da atenção, da gestão, da formação e dos usuários como autores de suas
histórias nos sistemas locais de saúde.
21
TERCEIRO CAPÍTULO
No achamento do chão também foram
descobertas as origens do vôo. (BARROS,
1996b, p. 276).
3. O DESCOMEÇO: CONHECENDO O MOVIMENTO INTITUCIONAL DA EPS
Este capítulo não pretende mostrar uma suposta origem da educação permanente.
Objetiva apresentar algumas reflexões no sentido de compreender como se deu o movimento
institucional da EPS.
Sabe-se que a educação permanente no campo da saúde brasileira apresenta-se como
uma expressão recente, inovadora e profundamente imbricada aos princípios constitutivos do
Sistema Único de Saúde. Parte-se do princípio de que tal aprofundamento é importante para
esse estudo, pois, como nos (en)canta Manoel de Barros, só conhecendo a forma é que se
pode desformar.
Dessa forma, inicialmente pretendeu-se iluminar a trajetória do termo Educação
Permanente (EP) no campo da educação. Na sequência, discutiu-se a construção do conceito
de EP no campo da saúde até sua consubstanciação na política pública brasileira e
operacionalização para, por fim, descrever como essa política chega e se expressa no
município estudado.
3.1. ACHADOUROS DE MEMÓRIAS: A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE EDUCAÇÃO
PERMANENTE NOS CAMPOS DA EDUCAÇAO E DA SAÚDE NO MUNDO E NO
BRASIL
3.1.1. Nascimento da educação permanente no campo da educação
A ideia de permanência da educação foi uma preocupação antiga no campo da
educação e teve sua trajetória marcada por acontecimentos que foram lhe conferindo uma
identidade própria.
Nesse campo, as marcas mais importantes foram assinaladas pelas revoluções
burguesas, sobretudo pela Revolução Francesa ocorrida em 1789, que desencadeou profundas
mudanças na forma de pensar a educação. Até então, a educação era considerada um
privilégio dos nobres, do clero e dos burgueses ricos e, por isso, os pobres e os trabalhadores
foram dela destituídos. A escola, que pretendia preservar a moral, a religião e o poder das
22
classes dominantes, foi duramente confrontada pelos interesses do capitalismo industrial. Fato
que trouxe não só o progresso técnico e financeiro, mas também a consciência social e de
direitos, quando o trabalhador passou a lutar por melhores condições de trabalho e, sobretudo,
de vida (PILETTI, C. e PILETTI, N., 1995, p. 128).
Para Jonas Cohn, foi uma época que “representava a volta do homem a este mundo, à
plenitude do pensar, agir e conhecer; o otimismo afetivo, convencido de poder produzir um
mundo melhor mediante a educação das gerações jovens” (1944 apud LUZURIAGA, 1986, p.
150).
Condorcet, filósofo e um dos líderes ideológicos da Revolução Francesa, em seu
relatório à Assembleia Legislativa, fez a seguinte observação: “[...] a instrução não deveria
abandonar os indivíduos no momento em que saem da escola, deveria abranger todas as
idades já que não há idade em que não seja útil e possível aprender.” (TRICOT, 1973 apud
GADOTTI, 1984, p. 59).
Foi nesse cenário, marcado pelo fim do absolutismo e início do capitalismo industrial,
que surgiu a ideia de educação como processo permanente, fruto não apenas da evolução
histórica do pensamento acerca da educação, mas de uma educação contínua que atendesse as
crescentes transformações da sociedade. Trata-se de um momento crucial na história, pois se
deu o estabelecimento de um instrumento que daria liberdade, direito e voz às pessoas. Tal
pensamento passou a ser exposto na sua essência e se tornou a base da concepção educativa
da Constituição Francesa de 1791, que no título I diz:
Será criada e organizada uma instrução pública comum a todos os cidadãos, gratuita
no que se refere ao ensino indispensável a todos os homens, e cujos
estabelecimentos serão distribuídos gradualmente, de acordo com a divisão do reino
(FRANÇA, 1791, p. 274).
O conceito de educação permanente começou a aparecer em documentos oficiais em
1919, a partir do relatório sobre educação publicado pela Comissão Governamental Britânica
de Estudos Pedagógicos. No entanto, nesse relatório, a educação foi apresentada como
necessidade permanente. Assim, a educação permanente não envolveria apenas a escola e a
juventude, seria uma educação por e para toda a vida, com a perspectiva de atender as
necessidades da sociedade e, ao mesmo tempo, de produzir conhecimentos (COLLET, 1976,
p. 17).
Gaston Bachelard, filósofo e poeta francês que estudou as ciências e a filosofia,
afirmou que a cultura restrita ao tempo escolar era a negação da própria ciência. Dessa
23
maneira, havia uma preocupação na ligação entre educação e ciência e sua contribuição para o
progresso e modernização do país. Suas palavras e ideias foram retomadas no Plano
Langevin-Wallon em 1946, em um documento que previa nova organização e reforma do
ensino com contínuo aperfeiçoamento do cidadão e do trabalhador. O trabalhador, que antes
era apenas força de trabalho, passou a ser visto como figura importante no processo de
desenvolvimento econômico (GADOTTI, 1984, p. 59).
Pierre Furter referiu que a terminologia “educação permanente” sugere um processo,
um continuum, e mencionou que, na Anglo-saxônica, foi empregado o termo Continuing
Education, logo após, Recurrent Education, para finalmente adotar Life-long Education
(FURTER, 1975, p 106).
Mas foi na França, no ano de 1955, que surgiu pela primeira vez o conceito “educação
permanente”, em descrição de Pierre Arents ao realizar um projeto de reforma do ensino:
Educação permanente deve ser entendida não no sentido de que os homens do nosso
tempo têm necessidade de serem conduzidos, mas no sentido de que têm
necessidade de serem ajudados a atuar e a agir num mundo complexo e móvel e, não
menos, de serem ajudados a resistir à tentação de abandonar pura e simplesmente a
própria vontade às correntes econômicas e sociais que ameaçam subjugá-los (Apud
ANTUNES, 1976, p. 380).
Na sequência (1956), o termo “educação permanente” foi oficializado pelo Ministro da
Educação Nacional da França René Billeres com a tônica da educação do trabalhador para a
promoção do trabalho (GADOTTI, 2005, p. 94). Após esse fato, a ideia da educação
permanente eclodiu e ganhou popularidade, principalmente, por estar relacionada ao
crescimento e favorecer o desenvolvimento econômico.
Para atender tal proposta, em 1960, Gaston Berger, conhecido pelo movimento da
educação prospectiva, propôs uma filosofia de educação permanente baseada na exigência
técnica, que era uma necessidade iminente dos ditos “novos tempos”. Isso porque, com o
processo de industrialização, crescia a demanda por mão de obra qualificada e especializada
sob pressão econômica e social. Se, outrora, a educação permanente se propunha a ser uma
educação para toda a vida, posteriormente, passou a ser instrumento de aceleração e de
mudança, uma reeducação acelerada que permitisse adaptação às crescentes mudanças.
Berger (2004) dizia que formar o homem era trabalhar para o futuro.
Esta foi uma proposta bastante atrativa para a sociedade, pois foi completa em todos
os sentidos. Trouxe a ideia de formar um indivíduo alfabetizado, profissionalizado, cidadão e,
sobretudo, crítico de sua realidade, capaz de reconhecer e intervir nos problemas do seu país
24
e, quiçá, do mundo. Já na visão do trabalhador, a educação permanente foi vista como
acréscimo na formação profissional, como uma possibilidade de tornar o trabalho mais
rentável e de se produzir mais, no sentido de suprir as novas exigências técnicas impostas pelo
sistema capitalista (GADOTTI, 2005, p. 95).
Diante da perspectiva de uma educação que impulsionasse a economia, o projeto de
educação permanente foi desejado por vários países. A popularidade da ideia se deu graças à
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura), que
passou a adotar a educação permanente como referência em sua política educacional. Edgard
Faure afirmou que “[...] propomos a educação permanente como ideia mestra das políticas
educativas para os anos vindouros, e isto, tanto para os países desenvolvidos, como para os
países em vias de desenvolvimento” (FAURE et al., 1972, p. 206).
Havia na educação permanente a possibilidade de reforma no sistema e em qualquer
sistema, independentemente dos aspectos sociais e econômicos do país. Alguns autores não
viram com bons olhos a ideia da educação permanente sustentada pela UNESCO. Gadotti
(2005, p. 93), por exemplo, acreditava que o que estava por trás da aparente neutralidade era o
favorecimento ao poder hegemônico das classes dominantes. Tal discurso coaduna com a
afirmação feita por Ipola (1977), ao retratar o excesso de idealismo, a despreocupação com a
realidade concreta e o humanismo abstrato como fatores limitadores e de inviabilidade do
discurso e conteúdo ideológico da educação permanente. Nesse sentido, afirmou: “tudo parece
indicar que a ideologia da educação permanente está destinada a tornar-se progressivamente a
ideologia dominante da educação nas sociedades capitalistas atuais” (IPOLA, 1977, p. 169).
O Brasil, é claro, não resistiu às promessas de todo o movimento desenvolvimentista
trazido pelos organismos internacionais e, em 1968, distante da realidade dos países
chamados desenvolvidos, importou o modelo de discurso ideológico da educação permanente
como um projeto para toda a vida e ao alcance de todos, ainda que não tivesse o nível
fundamental adequado ao seu povo. Nas palavras de Moacyr Gadotti: “[...] o Brasil é um país
que pretendeu arrancar para o progresso sem investir em educação” (1984, p. 62; Idem, 2005,
p. 123).
Essa “aquisição” se deu em pleno movimento de cerceamento da liberdade de
expressão e de repressão do pensamento. Movimento instrumentalizado e regido pela ditadura
militar, no qual se configurava o novo papel do estado, a saber: reforço executivo e
remanejamento das forças na estrutura de poder; aumento do controle feito pelo Conselho de
Segurança Nacional; centralização e modernização da administração pública; e cessação do
25
protesto social. Nesse período, foi deflagrada a crise no sistema educacional, o que demandou
uma reforma imediata que fosse adequada ao modelo de desenvolvimento econômico que, até
então, se consubstanciava no Brasil. A solução encontrada pelo governo foi fazer da educação
um negócio (ROMANELLI, 2001, p. 194; GADOTTI, 2005, p. 128).
Diante do fracasso da educação perante o regime militar, as agências internacionais,
responsáveis pela preservação da “boa” educação, propuseram formas de cooperação para
desenvolvimento do sistema educacional no Brasil. Romanelli (2001, p. 203 e 206) afirma
que, na medida em que essas agências ajudaram o desenvolvimento da educação no Brasil,
trouxeram consigo uma estratégia de compartimentação da realidade e importação de técnicas
isoladas do contexto real no qual os fatos aconteciam. Desse modo, observam-se
predominância e valorização acentuadas dos treinamentos nos processos de formação a fim de
atender as necessidades de desenvolvimento e a exigência de qualificação.
À época, um dos aspectos da crise da educação brasileira foi a incapacidade do
sistema educacional em “ofertar ao mercado os recursos humanos necessários ao pleno
movimento do capitalismo”. Nesse contexto, o regime militar utilizou a educação para
reproduzir a força de trabalho e, assim, gerar crescimento financeiro a uma minoria rica
(GADOTTI, 2005, p. 128).
3.1.2 Nascimento da educação permanente no campo da saúde
Tal como ocorreu na educação, o campo da saúde também sofreu reflexos da expansão
do mercado financeiro que exigia cada vez mais qualificação dos trabalhadores para atender
as novas demandas tecnológicas. Como bem coloca Durão (2006, p. 108), a estratégia
utilizada na saúde para atender as exigências por qualificação para o trabalho foi o
treinamento. Um ensino que permitiu a incorporação maciça de informações e colocou os
trabalhadores na condição permanente de dependência da chamada “educação continuada”.
Esse termo foi utilizado na VI Conferência Nacional de Saúde (CNS), de 1977. A
CNS discutiu e evidenciou dificuldades que deveriam ser enfrentadas, tais como, a
insuficiência nas capacitações e remunerações para os recursos humanos, além da deficiência
de integração entre ensino e serviço no interior das instituições. Algumas propostas da
conferência:
Aceleração dos processos de capacitação dos recursos humanos. [...] Articulação dos
sistemas de saúde e educação, de tal forma que, no ensino normal das profissões e
26
ocupações de saúde, seja enfatizado o exercício prático das ações (BRASIL, 1977,
Tema III p. 4 e 6).
Na mesma década em que ocorreu a VI CNS, pairavam sobre a saúde brasileira
questionamentos acerca da efetividade do modelo assistencial em saúde. Uma nova crise do
capitalismo se configurou mediante a crise do petróleo, da competição entre os países e da
resistência dos trabalhadores ao trabalho repetitivo. Esse fato incentivou a criação do
movimento de reforma sanitária, que resgatou a determinação social das questões sanitárias e
aliou-se aos movimentos reivindicatórios de ampliação de direitos. Com a crise instalada no
país, houve grande debate político que culminou na VIII Conferência Nacional de Saúde,
realizada em 1986, na qual foram definidos os princípios norteadores do novo sistema
nacional de saúde (BRASIL, 1986a).
Tal era a relevância dos processos de qualificação, treinamento e aperfeiçoamento, que
os trabalhadores passaram a ser considerados como “recursos humanos” dentro do sistema de
saúde e tornaram-se prioridades para o governo, para os serviços e para as instituições de
formação. Não era incomum ouvir termos como “reciclagem” e “adestramento”, o que faz
pensar que a capacitação estava alicerçada e fundamentada em conceitos pedagógicos
inapropriados à dimensão humana do trabalhador de saúde (Idem, 2004b, p. 3).
Essa importante questão instigou a realização da I Conferência Nacional de Recursos
Humanos no ano de 1986 com o título “A política de recursos humanos rumo à reforma
sanitária”. Nessa conferência, foi considerada a ineficiência do aparelho formador frente às
necessidades de saúde da população e dos serviços (Idem, 1986b).
Assim, o conceito de educação permanente chegou à saúde brasileira trazida pela
Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) na década de 80, vestida de uma nova
roupagem de qualificação profissional para atender as emergentes necessidades econômicas e
sociais da população (DURÃO, 2006, p. 113).
Na época, era notória a dificuldade na formação dos profissionais de saúde, que cada
vez mais não respondia às necessidades profissionais para o setor em função da inadequação
dos currículos frente à realidade dos serviços. Nesse cenário, cabe destacar uma importante
figura que contribuiu para o transver dos cenários da formação e para o desformar das
realidades concretas.
Empreendi aproximações com a história da enfermeira Isabel dos Santos, que foi uma
das pessoas que mais atuaram em defesa da qualificação do trabalhador de nível técnico em
saúde no Brasil. Ela incorporou a pedagogia problematizadora e conceitos freireanos ao setor
da saúde na formação de sujeitos críticos capazes de serem construtores do próprio
27
conhecimento, com a perspectiva de que é o próprio processo de trabalho quem deve formar
(desformar) o trabalhador, retirando dele os elementos de reflexão e de transformação
(BRASIL, 2004b, p. 3; SANTOS, 2007, p. 885). A proposta de Isabel foi transformar o
profissional de saúde (técnico) em um conhecedor da sua realidade local e de responder
pedagogicamente as mudanças profundas que ocorreram no Brasil e no mundo.
As críticas à educação continuada por sua inadequação ao sistema e por meio da
fragmentação do ensino, da forma verticalizada dos programas pedagógicos, do afastamento
da realidade dos serviços de saúde e do favorecimento da dicotomia entre ensino e serviço,
potencializou e favoreceu as reflexões e discussões sobre alternativas pedagógicas para a
intencionalidade da formação em saúde no Brasil.
A Constituição Federal Brasileira promulgada no ano de 1988 deu um importante
passo em direção à formação profissional através do Artigo 200, que atribuiu ao SUS a função
de ordenar a formação no país. Na sequência, a lei Federal N°. 8.080/90 trouxe, no artigo 14,
a necessidade de criação de Comissões Permanentes de Integração entre Ensino e Serviço
(BRASIL, 1988; Idem, 1990).
Outro movimento relevante para os rumos da EPS foi a II Conferência Nacional de
Recursos Humanos no ano de 1993, em que se discutiu a ausência de uma política específica
de recursos humanos para o SUS. A partir dessa constatação, foi criada a Norma Operacional
Básica de Recursos Humanos (NOB/RH) (Idem, 2005b), que propôs a elaboração de um
programa institucional de EPS para todos os trabalhadores da saúde sob sua responsabilidade,
com a função de assegurar a formação e capacitação dos trabalhadores em saúde (Ibidem).
A NOB/RH trouxe, pela primeira vez para o contexto do SUS, o termo “Educação
Permanente em Saúde”, identificando-a como processo de permanente aquisição de
informações pelo trabalhador e com o objetivo de melhorar e ampliar a capacidade laboral em
função das necessidades individuais, da equipe de trabalho e da instituição. Um fato
importante é que retomou a educação continuada com significado equivalente, porém com
menor dimensão em relação à EPS (Ibidem).
Dessa maneira, a NOB foi um passo fundamental em direção à garantia de um espaço
institucional e político para a construção da EPS no Brasil a partir da criação da Secretaria de
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) no ano de 2003. E esta tinha como
objetivo implementar uma política de valorização do trabalho e dos trabalhadores de saúde no
SUS (Ibidem, p 4).
28
Em 1996, por meio da publicação do edital público nº 04, de 06 de dezembro, os
estados foram convocados a apresentar projetos de desenvolvimento dos recursos humanos,
em um conjunto de iniciativas indutoras do fortalecimento da ESF no âmbito do SUS.
Inicialmente, foram instituídos onze polos de Programa de Saúde da Família e, no final de
2000, havia um total de vinte polos/PSF em funcionamento em todo o Brasil. Os polos foram
financiados com recursos do Reforço à Reorganização do SUS (ReforSUS) e considerados
como embriões do Polo de Educação Permanente em Saúde (PEPS), sendo criados antes
mesmo da portaria que instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (USP,
2008, p 99).
Nessa direção, em 2003, por meio da Resolução nº 335, a educação permanente se
materializa com a proposta de superar as concepções tradicionais de educação, ganhando o
estatuto de política pública para a formação e desenvolvimento no âmbito do SUS (BRASIL,
2003a).
3.1.3 Desvelando conceitos: a educação permanente na educação e na saúde
Com base na trajetória da concepção de EP na educação e na saúde, observa-se o
caminho percorrido em cada campo e sua consolidação na saúde como uma política pública.
A intenção de desver tais construções possibilitou a elaboração de um quadro que
aponta afinidades entre alguns aspectos da proposta da PNEPS e as obras de autores do campo
da educação.
Quadro 1: Quadro comparativo da EP na educação e da EP na saúde
EDUCAÇÃO PERMANENTE – CONCEITOS
E OBJETIVOS
EDUCAÇÃO PERMANENTE – CONCEITOS E
OBJETIVOS
CAMPO DA EDUCAÇAO CAMPO DA SAÚDE
A educação permanente é uma educação voltada
para adultos, que se manifesta por um processo e
visa ultrapassar uma consciência ingênua do
sujeito para instrumentalizá-lo com consciência
crítica.
Ela extrai da existência cotidiana os elementos
básicos à formação.
A educação não se distingue do trabalho, é
entendida como prática que estabelece novas
relações entre trabalho e educação.
A educação permanente prevê a ausculta das
motivações e carências dos indivíduos, ou seja,
necessidade vital em responder as necessidades do
A educação permanente é voltada para formação e
desenvolvimento dos trabalhadores de saúde.
Propõe a gestão colegiada em que as decisões sejam
tomadas por consenso baseadas na realidade.
A educação permanente é a aprendizagem no trabalho,
onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano.
Supõe a integração entre ensino e serviço.
Propõe uma educação com vistas às necessidades de
saúde das pessoas, reconhecendo os contextos reais e as
histórias de vida.
Estabelece relações cooperativas e negociações com os
diferentes atores para mudança na formação, a saber:
29
cotidiano.
Considera o homem no meio sócio-profissional,
entendendo este como colaborador do
desenvolvimento coletivo e parte da
transformação da sociedade.
A educação permanente se contrapõe à
transmissão de conhecimento. É considerada
revolucionária por duvidar dos sistemas
educacionais e por propor sua reestruturação.
É uma metodologia interdisciplinar que vai desde
a problematização da realidade até a busca por
soluções.
gestores, trabalhadores de saúde, instituições de ensino,
estudantes e usuários.
Supõe a ruptura com o conceito de sistema verticalizado
para trabalhar com a ideia de rede e sai da arquitetura de
organograma para a dinâmica da roda. Visa estabelecer
mudanças nas práticas de formação e desestabilização de
estruturas tradicionais.
Está fundamentada em práticas multiprofissionais e
estruturada a partir da problematização do processo de
trabalho.
Fonte: Elaboração própria baseada em Pierre Furter (1975), Edgard Faure (1972) e na PNEPS (2004a).
A análise foi realizada com base na perspectiva da EP no campo da educação
apresentada por Pierre Furter na obra Educação Permanente e Desenvolvimento Cultural
(1975) e na visão de Edgar Faure, presente na obra Aprendre à Ètre (1972).
Ao analisar as perspectivas da saúde e educação, nota-se que a EP no campo da saúde
possui componentes com alguns fundamentos considerados importantes por autores que
problematizaram a EP no campo da educação. A EP apresentada pelos autores da educação
estava atrelada à educação de adultos, da mesma forma que a EPS descrita pela PNEPS está
também voltada para adultos, mas com foco específico nos trabalhadores da saúde. Outro
ponto de convergência é que ambas consideram a realidade e o cotidiano como elementos
básicos à formação. Também sustentam a ideia de se conectar educação e trabalho na
perspectiva de responder as necessidades do cotidiano. Na visão dos autores, a EP na
educação tinha um potencial transgressor e revolucionário, assim como a EPS também é
referenciada como opositora aos métodos prescritivos e tradicionais de ensino. Outra
semelhança é que tanto autores ligados à educação quanto à PNEPS mencionaram a
problematização como estratégia fundamental nas soluções dos problemas cotidianos. Pôde-se
também observar uma convergência de concepção inclusiva, quando os autores da educação
trazem a interdisciplinaridade (educação) e a PNEPS, a multiprofissionalidade (saúde) como
importantes para a formação e para o trabalho.
3.2. DESEXPLICANDO: A EDUCAÇÃO PERMANENTE COMO UMA POLÍTICA
PÚBLICA NA SAÚDE
O descompasso entre a formação de profissionais de saúde e as reais necessidades dos
serviços de saúde não são novidades no setor público, mesmo sendo os trabalhadores de saúde
30
considerados fundamentais para o êxito da política de saúde e para o processo de
consolidação do SUS. Para tanto, com vistas à valorização do trabalhador de saúde em todas
as dimensões e à formulação de políticas orientadoras dos processos de formação e da gestão,
a partir da SGTES, o Ministério da Saúde assumiu o papel de Gestor Federal do SUS no que
diz respeito à formulação, distribuição e gestão dos trabalhadores de saúde no Brasil
(BRASIL, 2003b, p. 3).
A Portaria nº 399/2006 considera a EPS como essencial para a formação e para o
desenvolvimento dos trabalhadores do SUS e, para isso, conta com a cooperação técnica,
articulação e diálogo entre os gestores das três esferas de governo, no sentido de formular e
promover a EPS, assim como, garantir todos os processos de desenvolvimento e qualificação
dos trabalhadores do sistema.
Desde que se constituiu como política pública, a EPS, no âmbito institucional, vem
sendo operacionalizada e facilitada por instâncias responsáveis por sua condução. A Portaria
nº 1.996/2007 apresenta as estruturas para consolidação da EPS no Brasil, a saber: 1. Na
esfera municipal: Secretaria Municipal de Saúde (SMS); Setor de Educação Permanente em
Saúde (SEPS); Conselho Municipal de Saúde (CMS). 2. Na esfera das Regiões de Saúde:
Comissão Intergestores Regional (CIR); Comissões de Integração Ensino-Serviço (CIES
regional). 3. Na esfera estadual: Secretaria Estadual da Saúde (SES); Diretoria de Educação
Permanente em Saúde (DEPS); Comissões de Integração Ensino-Serviço Estadual (CIES
Estadual); Conselho Estadual de Saúde (CES); Comissões Intergestores Bipartite (CIB). 4. Na
esfera Federal: Ministério da Saúde (MS); Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação
na Saúde (SGTES); Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Comissão Intergestores Tripartite
(CIT).
A materialização da educação permanente enquanto política pública na saúde se deu a
partir da PNEPS, que foi instituída pela Portaria GM/MS nº 198, de 13 de fevereiro de 2004.
A referida política de saúde foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em 4 de setembro
de 2003 e pactuada na Comissão Intergestores Tripartite catorze dias depois (USP, 2008, p.
42). A mudança proposta pela portaria teve por base uma leitura crítica dos processos de
formação e capacitação dos profissionais de saúde e da proposta inicial caracterizada pelos
Polos/PSF, uma vez que foi reconhecida a limitação na capacidade de gerar impacto nas
instituições formadoras e de promover transformação nas práticas de saúde no âmbito do
SUS.
31
A política citada ressalta ainda o papel do Ministério da Saúde com a consolidação da
reforma sanitária e com a ordenação dos processos de formação dos recursos humanos e
desenvolvimento dos trabalhadores de saúde. Nela encontrou-se compreendida a importância
da integração entre o ensino e serviço, a necessidade do fortalecimento do controle social e o
papel fundamental da educação permanente como indutora de transformação das práticas de
saúde e da rede de serviços em uma rede-escola (BRASIL, 2004a, p. 1).
A portaria 198/2004 apresenta o seguinte conceito de EPS: “A Educação Permanente é
aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das
organizações e ao trabalho” (Ibidem, p. 6). A portaria converge para uma educação
profissional voltada para a realidade local e para as transformações das práticas de saúde,
rompendo com a verticalização e imprimindo a ideia de um trabalho em rede. O texto deixa
clara a necessidade de fazer desaparecer a diferença entre o que sabe e o que não sabe, entre o
possuidor da teoria e o que emerge da prática.
Com a portaria, foi ampliado o público-alvo das atividades de capacitação dos antigos
polos em que não seriam mais voltados exclusivamente para os profissionais da ESF, mas
para todos os demais integrantes do sistema de saúde. Foram configurados e fundamentados
os Polos de Educação Permanente para o SUS como instâncias locorregionais, responsáveis
por territórios determinados e conhecidos como espaços de diálogo, pactuação e negociação,
envolvendo diferentes atores para pensarem conjuntamente a saúde (Ibidem).
Compreendida como uma proposta fortemente comprometida e implicada com o
projeto ético-político da Reforma Sanitária (CECCIM; ARMANI, 2002), a condução
locorregional da PNEPS foi efetivada por um Colegiado de Gestão configurado como Polo de
Educação Permanente em Saúde. Nesse espaço, a gestão era colegiada e as instituições tinham
os mesmos poderes e puderam exercer sua própria transformação (BRASIL, 2004a, p. 2). O
contexto fortaleceu a noção do quadrilátero da formação (ensino, gestão, atenção e controle
social) proposta por Ceccim e Feuerwerker (CECCIM; FEUERWERKER, 2004).
No referido período, estava sendo gerado no Brasil o Pacto pela Saúde (PS), que se
efetivou por meio da Portaria 399, de 22 de fevereiro de 2006. O PS trouxe, no artigo 2º, a
aprovação das diretrizes operacionais na perspectiva de três componentes: Pactos pela Vida,
em Defesa do SUS e de Gestão. O PS focou não só os espaços regionais de planejamento e
gestão sob a forma de Colegiados de Gestão Regional, mas evidenciou a viabilidade da
educação permanente por meio do processo de regionalização (BRASIL, 2006a).
32
Feuerwerker (2014) considera o período compreendido entre janeiro de 2003 e julho
de 2005 como fértil em mobilizações e mudanças nos cenários de formação. Nesse período a
autora destaca um repertório de iniciativas no sentido das necessárias mudanças no campo da
formação em saúde, dentre elas: criação dos polos de EPS; criação do curso de ativadores dos
processos de mudança na graduação das profissões da saúde e a cooperação do MS com o
fórum de pró-reitores de extensão, associações e instituições de ensino superior e com o
movimento estudantil (FEUERWERKER, 2014).
Concernente à EPS, a autora ressalta que sua conformação política foi fruto de um
processo com intensas disputas que ocorreram no âmbito ministerial, a partir de distintas
visões, com múltiplas formulações e arranjos que, de certa forma, operaram novos modos de
aprender e ensinar em saúde.
Assim, embora tenha sido um momento importante de mudanças políticas e
estruturais, algumas iniciativas sofreram críticas e foram alvos de disputas ético-políticas.
Ademais, tais críticas constituíram-se como fator determinante para mudar a forma de
operacionalização da EPS no território nacional. Por meio de uma encomenda para avaliação
da PNEPS, feita pelo MS ao Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (USP) no ano de 2007 e, em especial para avaliação da
estratégia dos Polos de EPS, o MS revisou a Portaria GM/MS no 198/2004. Também, por
meio da Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007, definiu novas diretrizes e
estratégias de ação para implementar a PNEPS, adequando-a às diretrizes operacionais e aos
regulamentos do Pacto pela Saúde (USP, 2008, p. 42). A portaria em questão conferiu a
responsabilidade pela condução regional da PNEPS à CIR, juntamente com a participação das
Comissões de Integração Ensino-Serviço (CIES) (BRASIL, 2007, p. 3).
Contudo, outro estudo realizado pela USP no ano de 2010, para avaliação da
implementação da PNEPS em estados brasileiros, mostrou as dificuldades para este processo,
dentre os quais se destacam: o excesso de burocracia e lentidão dos processos licitatórios; a
resistência dos municípios em aceitar serem executores financeiros dos recursos; dificuldades
para pagamento de pessoal que não pertence ao quadro institucional; ausência de
regulamentação para pagamento de hora-aula em educação profissional aos servidores
públicos; impossibilidade de contratação de serviços sem licitação; morosidade nos trâmites
de convênios e processos licitatórios; dificuldades das instituições formadoras em trabalhar
com a lógica da Educação Permanente (currículo integrado e pedagogia problematizadora)
33
tendo em vista seus cursos serem pacotes preestabelecidos que não atendem a necessidade do
serviço; falta de profissionais qualificados, entre outros fatores apontados (USP, 2010, p. 20).
Já no ano de 2012, considerando a avaliação da PNEPS no Brasil pela SGTES, foi
possível observar que sua efetiva implantação no Brasil se constituiu como um desafio a ser
enfrentado. Alguns aspectos importantes foram abordados, a saber: 1- quantidade de
profissionais necessários para atuação no SUS e suas reais necessidades de formação e
educação permanente; 2- diagnóstico de que a maioria dos cursos da área da saúde são
hospitalocêntricos, com foco em disciplinas, sem integração ensino-serviço e desarticulados
de outras profissões da saúde; 3- formação ainda centrada em procedimentos com precária
integração com a realidade apresentada pelo SUS; 4- desarticulação das políticas de educação
permanente com as demais políticas de educação na saúde; 5- diretrizes da educação
permanente ainda não implementadas plenamente no cotidiano dos serviços; e 6- proposta
cujo eixo é transversal e integrador das políticas e transformadora da realidade (BRASIL,
2012, p. 4-5). O momento marcado pela instituição da PNEPS trouxe a expectativa e a
esperança de melhoria para a educação e para a saúde, mas parece que o desafio maior foi e,
ainda é, a viabilidade dessa proposta e sua incorporação por aqueles que estão na gestão dos
serviços de saúde.
Talvez tal fato decorra porque a EPS guarda em seus fundamentos uma dimensão
bastante revolucionária, pois sua proposta preza por ir na contramão da racionalidade
gerencial hegemônica e também por desestabilizar as estruturas cristalizadas e tradicionais ao
trazer para a cena o trabalhador, o trabalho e o usuário como fulcro central de suas ações e
intervenções. A lógica dessa política é diferente, porque está voltada para a ruptura das
relações de poder, dos antigos modelos de educação na saúde e de transmissão de
conhecimentos, dos cursos operacionalizados por um sistema verticalizado, hierarquizado e
excludente, que consomem os recursos, mas que não geram mudanças nas práticas. A
proposta trazida pela PNEPS vai ao encontro do que diz Merhy:
Não é possível sustentarmos mais as quase exclusivas visões gerenciais que se
posicionam sistematicamente pela noção de que a baixa eficácia das ações de saúde
é devida à falta de competência dos trabalhadores e que pode ser corrigida à medida
que suprimos, por cursos compensatórios, aquilo que lhes falta (2004, p. 172).
Todavia, como coloca Merhy, as ineficiências dos serviços de saúde frente às
necessidades dos usuários têm sido colocadas na conta dos trabalhadores, como se fossem
eles os únicos responsáveis pelos fracassos. O que se observa é que, para tentar solucionar tais
problemas, são propostos cursos e atividades educativas por pessoas que não fazem parte do
34
cotidiano dos serviços e que não envolvem os saberes e experiências desses trabalhadores,
acentuando ainda mais a dicotomia dos que pensam dos que fazem. Assim, considero
necessário que se diminua essa distância e que todo trabalhador saiba pensar o seu trabalho.
Para Pedro Demo (2007, p. 17), saber pensar não é algo tão corriqueiro e simples, já que saber
pensar não é só pensar, é saber intervir, é saber unir a teoria à prática: “[...] quem sabe pensar,
não faz por fazer, mas sabe por que e como faz”. E isso não pode ficar a cargo de uns sobre os
outros, de uma minoria, sobre uma maioria.
Assim, percebo que a possibilidade de romper com a atual formatação do sistema está
nas mãos dos trabalhadores, sejam eles ligados à gestão ou a atenção. Para isso, é importante
pensar além da utilização do dito “capital humano” como força de trabalho, e sim operar na
perspectiva do desenvolvimento de um sujeito crítico e reflexivo com mentalidade menos
condicionada e mais condicionante.
Se isso se efetivar nos cenários da saúde, teremos uma novidade de estado que ocorre
sempre que há comprometimento com a gestão e com a educação dos trabalhadores. Ou seja:
“quanto maior o comprometimento das instituições de ensino e dos municípios, maior a
imposição ética de mudarem a si mesmas, o que repercutirá em mudanças na educação e na
atenção à saúde” (BRASIL, 2004a, p. 8).
3.2.1 Comissão Intergestores Regional do estado do RJ
A estruturação institucional da EPS na Região do Médio Paraíba/Rio de Janeiro é
operacionalizada por algumas instâncias responsáveis pelo planejamento e operacionalização
de ações na região. São elas: Comissão de Intergestores Regional (CIR), outrora chamada de
Colegiados de Gestão Regional, e as Comissões Permanentes de Integração Ensino e Serviço-
CIES do Médio Paraíba.
O estado do Rio de Janeiro (RJ) está localizado na Região Sudeste do Brasil, possui
uma área total de 43.780,172 km2 (IBGE, 2010), faz limite com os estados de Minas Gerais,
São Paulo e Espírito Santo, tem uma costa com 635 quilômetros de extensão, banhada pelo
Oceano Atlântico. Está dividido em 92 municípios agrupados em oito regiões de Governo e
nove regiões de Saúde. O estado, em 2009, apresentou 10,9% do PIB do país, sendo superado
apenas por São Paulo (33,5%), e seguido por Minas Gerais (8,9%). Sua renda per capita foi
de R$ 22.103, inferior apenas a do Distrito Federal (R$ 45.978) e a de São Paulo (R$ 24.457).
O panorama demográfico mostra que o estado do RJ conta com cerca de 15.989.929
habitantes (IBGE, 2010). A análise da população confirma a existência de uma população
35
progressivamente mais idosa. Doenças como AIDS, tuberculose (maior taxa de incidência do
país), hanseníase, sífilis em gestante e congênita, além de dengue são preocupações e desafios
ainda encontrados no estado. Tem cobertura da Estratégia Saúde da Família de 40,30%. A
escolaridade dos fluminenses é, em média, de oito anos (RJ, 2012-2015).
O RJ configura-se como um importante cenário no Brasil por contar com uma agenda
de grandes eventos nacionais e internacionais e por aglutinar o maior número de unidades
assistenciais do SUS no Brasil. E como tantos outros estados brasileiros, tem como desafio a
tarefa de consolidar o SUS e de garantir uma assistência integral à população. Esse desafio
requer dos trabalhadores de saúde e de seus gestores um compromisso permanente com a
busca de qualidade, traduzida em melhores condições de vida e, portanto, em bem-estar
social. Para tanto, o Plano Estadual de Saúde do RJ para os anos 2012-2015, no eixo três, traz
como objetivo no âmbito dos trabalhadores de saúde: “Contribuir para a adequada formação,
alocação, qualificação, valorização e democratização das relações de trabalho dos
profissionais e trabalhadores da saúde” (Ibidem, p. 11).
A partir do pacto pela saúde, os Colegiados de Gestão Regional (CGR) foram criados.
E, com a Portaria GM/MS nº 1.996/2007, eles se tornaram responsáveis por instituir o
processo de planejamento regional para a educação permanente em saúde prioridades
definidas para qualificar o processo de regionalização. No que tange à EPS, esta apresenta as
seguintes atribuições: 1- elaborar o Plano de Ação Regional de Educação Permanente em
Saúde (PAREPS) em coerência com os planos estaduais e municipais concernentes à
educação em saúde; 2- submeter o Plano Regional de Educação Permanente em Saúde,
elaborado coletivamente com o apoio da CIES, à CIB para homologação; 3- incentivar e
promover a participação dos gestores, dos serviços de saúde, das instituições da área de
formação, dos trabalhadores de saúde, dos movimentos sociais e conselhos de saúde nas CIES
de sua área de abrangência; 4- avaliar e monitorar as ações de educação em saúde
implementadas na região; 5- avaliar periodicamente o funcionamento das CIES; 6- observar e
incentivar a criação de mecanismos que assegurem a gestão dos recursos financeiros alocados
para a região (BRASIL, 2007, p. 3).
Cabe ressaltar que os CGR abordados nas Portarias 198/2004 e GM/MS nº 1.996/2007
passaram por uma transição de nomenclatura a partir da publicação do decreto presidencial nº
7508, de 28 de junho de 2011, os quais foram denominados: Comissão Intergestores Regional
(CIR).
36
No estado do RJ, as CIR foram criadas após discussões em oficinas de regionalização
e instituídas por meio das deliberações da Comissão Intergestores Bipartite nº 648, de 5 de
maio de 2009, e nº 753, de 13 de novembro de 2009. Nas CIR, acontecem três tipos de
reuniões: plenárias, câmaras técnicas e grupos de trabalho. A plenária da CIR é composta por
gestores municipais de saúde ou seus suplentes, um representante do nível central da
Secretaria de Estado de Saúde (SES) ou seu suplente; um coordenador regional, um secretário
executivo e algum eventual convidado. Atualmente, as reuniões acontecem uma vez ao mês e
são discutidas questões relacionadas à saúde e questões de interesse da região. A câmara
técnica acontece uma semana antes da plenária e uma vez ao mês para discutir assuntos de
ordem técnica com os representantes técnicos municipais, com o coordenador regional e o
secretário executivo. Já os grupos de trabalho se reúnem para discutir assuntos de interesse da
região e para realizar estudos técnicos sobre políticas e programas de interesse para o campo
da saúde (RJ, 2012, art.3º e 5º).
Com todo o panorama do âmbito institucional apresentado no estudo, percebe-se que a
gestão da EPS encontra-se bem organizada nas diferentes esferas de governo, mas foi com a
criação da Norma Operacional de Assistência à Saúde de 2001 (NOAS) que entrou no cenário
da agenda do SUS o tema regionalização da assistência à saúde. Tal fato favoreceu,
sobremaneira, a chegada da EPS nos cenários locais da saúde, pois a regionalização da
assistência trouxe a promoção de uma maior qualidade, eficiência e equidade ao sistema por
meio da organização e articulação regional da oferta e do acesso aos serviços em seus
diferentes níveis de complexidade, inclusive no que se refere à formação dos trabalhadores de
saúde.
Conforme parágrafo único do art. 1º, da portaria GM/MS 1996/2007:
A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde deve considerar as
especificidades regionais, a superação das desigualdades regionais, as necessidades
de formação e desenvolvimento para o trabalho em saúde e a capacidade já instalada
de oferta institucional de ações formais de educação na saúde (BRASIL, 2007, p. 2).
Com o Plano Diretor de Regionalização (PDR) do RJ, criado no ano de 2001, foram
definidas nove regiões de saúde (RJ, 2001) e mantidas, em 2009, pela Deliberação CIB 648
que aprova a constituição dos CGR/CIR.
A Estrutura Organizacional das Comissões Intergestores Regionais é importante para
se compreender os espaços institucionais de EPS do RJ onde, de acordo com o Regimento
Interno da CIR aprovado na 1ª Reunião Ordinária da CIB-RJ, resultou na Deliberação CIB-RJ
nº 1550, de 12 de janeiro de 2012, com a seguinte estrutura organizacional:
37
Quadro 2: Estrutura organizacional das CIR/RJ: regiões, sedes definitivas e municípios
CIR/Regiões Municípios sedes Municípios integrantes
Baía da Ilha
Grande Angra dos Reis Angra dos Reis, Mangaratiba, Paraty.
Baixada Litorânea
São Pedro da
Aldeia
Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio,
Casimiro de Abreu, Iguaba Grande, Rio das Ostras, São Pedro da
Aldeia, Saquarema.
Centro Sul Três Rios
Areal, Comendador Levy Gasparian, Engenheiro Paulo de
Frontin, Mendes, Miguel Pereira, Paracambi, Paraíba do Sul, Paty
do Alferes, Sapucaia, Três Rios, Vassouras.
Médio Paraíba Volta Redonda
Barra do Piraí, Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real,
Quatis, Resende, Rio Claro, Rio das Flores, Valença, Volta
Redonda.
Metropolitana I Nova Iguaçu
Belford Roxo, Duque de Caxias, Itaguaí, Japeri, Magé, Mesquita,
Nilópolis, Nova Iguaçú, Queimados, Rio de Janeiro, São João de
Meriti, Seropédica.
Metropolitana II Niterói Itaboraí, Maricá, Niterói, Rio Bonito, São Gonçalo, Silva Jardim,
Tanguá.
Noroeste Itaperuna
Aperibé, Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci, Cardoso Moreira,
Italva, Itaocara, Itaperuna, Laje do Muriaé, Miracema,
Natividade, Porciúncula, Santo Antônio de Pádua, São José do
Ubá, Varre Sai.
Norte
Campos dos
Goytacazes
Campos dos Goytacazes, Carapebus, Conceição de Macabu,
Macaé, Quissamã, São Fidélis, São Francisco do Itabapoana, São
João da Barra.
Serrana Nova Friburgo
Bom Jardim, Cachoeiras de Macacu, Cantagalo, Carmo, Cordeiro,
Duas Barras, Guapimirim, Macuco, Nova Friburgo, Petrópolis,
Santa Maria Madalena, São José do Vale do Rio Preto, São
Sebastião do Alto, Sumidouro, Teresópolis, Trajano de Moraes.
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde do RJ. Deliberação CIB nº 0648, de 5 de maio de 2009.
No que se refere à EPS, voltada para os trabalhadores e para os processos de
formação, a CIR tem como competência o apoio aos processos de qualificação da gestão do
trabalho e da educação em saúde por meio da articulação direta com a CIES e com as
instituições formadoras no sentido de promover: caracterização da região de saúde;
identificação dos problemas de saúde; caracterização das necessidades de formação em saúde;
atores envolvidos; relação entre os problemas e a necessidade de EP; produtos e resultados
esperados; processo de avaliação e os recursos financeiros envolvidos (BRASIL, 2006b,
2007). Assim, a CIR e a CIES têm importantes papeis na condução e materialização das ações
de educação permanente em saúde no âmbito regional e municipal. Segue a representação
gráfica dos encaminhamentos da EPS conforme a condução da CIES e CIR:
38
Figura 1: Representação gráfica da relação entre CGR/CIR e CIES
Fonte: Elaboração própria baseada na Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007.
3.2.2 Comissões Permanentes de Integração Ensino e Serviço – CIES/RJ
As Comissões Permanentes de Integração Ensino e Serviço são instâncias
intersetoriais e interinstitucionais permanentes de condução e coordenação colegiada que
vieram substituir os polos de EPS descritos na Portaria nº 198/2004.
As CIES são formadas por: gestores de saúde municipais e estaduais, trabalhadores do
SUS, instituições de ensino com cursos na área da saúde (docentes e discentes) e movimentos
sociais ligados à gestão das políticas públicas de saúde e do controle social no SUS. Têm por
objetivo formular, conduzir e desenvolver a educação permanente, além de propor, planejar e
acompanhar a execução de ações de EPS.
No estado do Rio de Janeiro, as CIES foram criadas a partir da Deliberação Conjunta
CES-CIB nº 1, de 20 de março de 2009, e distribuídas nas regiões descritas, a saber: CIES
Baía da Ilha Grande, CIES Baixada Litorânea, CIES Centro Sul, CIES Médio Paraíba, CIES
Metropolitana I, CIES Metropolitana II, CIES Noroeste, CIES Norte e CIES Serrana.
Portanto, para melhor atender aos objetivos da presente pesquisa, limitaremo-nos a conhecer a
CIES Médio Paraíba, por ser a região de saúde envolvida com o campo deste estudo (RJ,
2009b). Cabe ressaltar que a CIES MP/RJ é composta pelos municípios de Barra do Piraí,
Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Rio Claro, Rio das Flores, Valença,
Volta Redonda e Resende. O quadro a seguir mostra a localização regional das CIES no
estado do RJ.
39
Figura 2: Microrregiões em que se encontram as CIES do estado do RJ
Fonte: Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro – CIDE.
A CIES da Região do Médio Paraíba (CIES-MP/RJ) foi criada a partir da Deliberação
CIB-RJ nº 1063, de 7 de outubro de 2010. No artigo 2º a CIES-MP/RJ é referida como uma
instância permanente de apoio e assessoria ao CGR/CIR-MP/RJ para fins de formulação,
condução e desenvolvimento da Política Regional de Educação Permanente em Saúde. É
formada pelos seguintes membros: um representante da Secretaria de Estado de Saúde e
Defesa Civil (SESDEC); um representante do Núcleo Descentralizado de Vigilância em
Saúde (NDVS); doze representantes dos Secretários Municipais de Saúde da Região; um
representante da CIES Estadual; um representante do Conselho Municipal de Saúde, um do
segmento usuário; um representante do Conselho de Saúde, um representante do segmento do
trabalhador; dois representantes das Instituições Públicas de Ensino Superior; dois
representantes das Instituições Privadas de Ensino Superior; dois representantes das Escolas
Técnicas; um representante do Consórcio Intermunicipal de Saúde; e um representante de
Instituição Estudantil vinculada à União Nacional dos Estudantes. A CIES MP/RJ tem como
atribuições descritas no artigo 3º da CIB-RJ nº 1063/10:
Apoiar e cooperar tecnicamente com a CIR-MP/RJ para a construção dos Planos de
Educação Permanente em Saúde;
Articular com as instituições para propor estratégias de intervenção no campo da
formação e desenvolvimento dos trabalhos;
40
Incentivar a adesão cooperativa de instituições de formação e desenvolvimento dos
trabalhadores de saúde aos princípios, à condução e ao desenvolvimento da Educação
Permanente em Saúde, ampliando a capacidade pedagógica em toda a rede de saúde e
educação;
Desenvolver ações de acompanhamento, monitoramento e avaliação das ações e
estratégias implementadas da Educação Permanente em Saúde;
Apoiar e cooperar com os gestores na discussão sobre Educação Permanente em
Saúde, na proposição de intervenções e no planejamento do desenvolvimento de
ações.
Contudo, apesar dos esforços e da colaboração integrada de vários setores estruturais,
que vão desde a esfera federal até a municipal, na busca pela consolidação da educação
permanente, estudos apontam para a confusão conceitual entre EPS, educação continuada e
em serviço, e também a predominância da educação continuada na formação dos
trabalhadores de saúde. (PEIXOTO et al., 2013; TESSER et al., 2011). O desafio, então,
passa a ser o de articular os diferentes atores vinculados à saúde, no sentido de dar
visibilidade e potência à EPS institucional e garantir a “chegada” da EPS aos cenários de
prática pelo viés político.
41
QUARTO CAPÍTULO
[...] para encontrar o azul eu uso pássaros
(BARROS, 1998, p. 61).
4. A EPS, O POETA E OS EDUCADORES FILÓSOFOS: UM DIÁLOGO CRÍTICO
Neste capítulo serão apresentados os conceitos e reflexões que ajudaram a organizar o
pensamento e a sistematizar os achados da pesquisa. Tem por objetivo informar ao leitor as
bases teóricas que conduziram e permearam o meu pensamento na construção e consolidação
do objeto de estudo.
Trata-se de uma reflexão teórica que buscou promover diálogo e conexão entre os
pressupostos da EPS e os conceitos e pensamentos apresentados pelo poeta brasileiro Manoel
de Barros e pelos educadores e filósofos Paulo Freire (brasileiro) e Adolfo Sanchez Vázquez
(espanhol). Surgiu como uma oportunidade de ancorar aos referenciais teóricos a importância
do investimento na qualidade da formação dos sujeitos-trabalhadores nos espaços
micropolíticos de trabalho. A partir da tentativa de construir pontes entre proposições poético-
filosóficas e princípios da PNEPS, observou-se que a EPS é capaz de operar na formação dos
trabalhadores de saúde, bem como, contribuir para o transver de sujeitos e cenários na direção
da práxis revolucionária, transformadora e libertadora.
Tomou-se como desafio o encontro com a arte, por um viés poético, dos pensamentos
de três grandes homens que compartilham entre si a indignação, a não neutralidade e a
militância a favor da desformação do homem e de suas práticas.
Manoel de Barros, um dos mais importantes poetas brasileiros, revelou em sua obra o
desejo de buscar a experiência do novo, afastando-se dos imperativos técnicos e tradicionais
das formas cristalizadas.
Educador e filósofo brasileiro, Paulo Freire se contrapôs à educação bancária,
tecnicista e alienante, sendo considerado um dos pensadores mais notáveis na história da
pedagogia mundial, influenciando o movimento da pedagogia crítica. E Adolfo Sanchez
Vázquez, também educador e filósofo, produziu uma interpretação humanista da filosofia de
Marx articulada ao seu conceito de práxis.
Percorrer caminhos ainda não conhecidos foi o maior desafio desta pesquisa. Transitar
por leituras mais fluidas, que compartilham entre si a propriedade de não resistir à
desformação, foi substancial para auferir a ela sentido e lucidez. Discorrer sobre esse tema é
42
discorrer sobre a minha própria realidade e desejo, sobre os agenciamentos que me tocaram e me
atravessaram cotidianamente e que possibilitaram ver com outros olhos, mostrando-me outros
caminhos e realidades possíveis.
Aproximei-me da literatura para que, com o poeta, pudesse apreender novas maneiras
de sentir e perceber o mundo em um verdadeiro movimento de ver, rever e transver. Esse
movimento me levou a Manoel de Barros, um dos mais importantes poetas brasileiros que, em
sua obra, revelou uma maneira especial de olhar a realidade.
Essa aproximação oportunizou-me o desejo de um olhar renovador sobre o processo
de trabalho e outras maneiras de desformar a realidade. Para tentar compreender a EPS em
seus aspectos institucionais e inventivos e para saber como ela se expressa no âmbito
municipal, fez-se necessário tornar possíveis outras imagens e outras formas. Em Freire e em
Barros, isso acontece por meio do rompimento e da transgressão, e em Vázquez, por meio da
revolução.
Manoel de Barros evidenciou tais aspectos transgressores em seu poema “As lições de
R.Q.”, dedicado ao pintor boliviano Rômulo Quiroga. Esse poema serviu como base de
reflexão para as proposições deste estudo. O poema constitui-se de rupturas, subversões,
desestabilizações de sentidos e evoca o potencial libertário e transformador, além da
capacidade de criar, de voar e de transver o mundo.
Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano): A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado. A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma
atormentada pode trazer para a voz um formato de um pássaro. Arte não pensa: O
olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo. Isto
seja: Deus deu a forma. Os artistas desformam. É preciso desformar o mundo: Tirar
da natureza as naturalidades. Fazer cavalo verde, por exemplo. Fazer noiva
camponesa voar – como em Chagall. Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu
saio por aí a desformar. Até já inventei mulher de 7 peitos para fazer vaginação
comigo (BARROS, 1996a, p. 75).
Considerando que a poesia de Manoel de Barros é marcada pela inquietação e
estranhamento da realidade, em analogia com a EPS, o poema mostrou a importância de
romper com as formas endurecidas do pensamento e com as práticas lógicas do “fazer” para
instaurar o novo. Daí emerge a necessidade de transformação da educação dos trabalhadores
de saúde pautados não mais na técnica e no puro fazer, mas na reflexão e nos processos que
produzem e geram mudança. Nesse sentido, busquei evidenciar o referencial teórico que
sustenta o estudo a partir do diálogo com os ensinamentos dos educadores e filósofos Paulo
Freire e Adolfo Sanchez Vázquez em simbiose com o poema de Manoel de Barros, como a
seguir:
43
“A expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado...”
Há séculos, a educação tem condicionado a “expressão reta” e, por isso, acostumado-
se aos traços. O sujeito emudece e perde pouco a pouco a capacidade de criar, transgredir, de
sonhar. Nesses versos, o poeta demonstrou que tudo que é institucionalizado, lógico e fechado
não é suscetível de poesia, de criação, de transformação. É no que não é ditado por regras e
pela razão que eclode a poesia e traz para a realidade a imaginação (BARROS, 1996a, p. 75).
Na arte do fazer e do educar, Paulo Freire pensa como o poeta ao conceder ao ser
humano a condição de inconcluso e inacabado, num permanente movimento de fazer e
refazer-se. A “linha reta” que não sonha é por Freire criticada e o treinamento desse ser
humano para desempenho de destrezas é objeto de sua resistência. Na dimensão do sonhar,
Freire afirma:
Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação de
forma histórico-social de estar sendo de mulheres e de homens. [...] Não há mudança
sem sonho como não há sonho sem esperança (FREIRE, 1993, p. 91).
O que se observa é que o ensino “bancário” referido por Freire tenta convencer de que
a realidade é reta e imutável e não passível de transformação, por isso tem, no treinamento, a
saída para sobreviver a essa realidade e, no conformismo, o meio de adaptação (Idem, 1996,
p. 6 e 39). A história, os sonhos e utopias estão cada vez mais esvaziados e a emergência em
preparar os sujeitos para um mercado, que a um só tempo os tornem consumidores e
mercadorias, é cada vez mais urgente, inclusive no campo da saúde.
Tradicionalmente, utiliza-se nas práticas em saúde a expressão “reta” e “traço
acostumado”, configuradas pela fragmentação da formação e da atenção, com predomínio de
práticas centradas em aspectos biológicos e tecnológicos de assistência. Tal fragmentação
concentra os saberes em forma de especialismos e inviabiliza novas maneiras de ver e de criar
outras realidades.
O ensino tradicional, que ao mesmo tempo forma e deforma, tem norteado há tempos
os processos educativos dos profissionais de saúde. Mesmo com as mudanças paradigmáticas
configuradas pela substituição de um modelo centrado na doença para outro centrado no
humano e em suas complexidades, a educação tradicional, a partir de práticas cerceadoras da
liberdade e criatividade, tem sido considerada como cega ao conhecimento da dimensão
global e multidimensional do ser humano (MORIN, 2000, p. 37-38). Daí emerge a
necessidade de um processo de formação que reforme o pensamento e que fomente a
participação crítica e ativa dos sujeitos na construção de seus conhecimentos.
44
As capacitações e treinamentos que fazem parte do dia a dia dos trabalhadores de
saúde nos espaços micropolíticos são considerados pouco capazes de incorporar o novo. Eles
mantêm as mesmas expressões e linearidades descontextualizadas da vida real, reduzindo a
educação à aplicação de métodos e técnicas pedagógicas como meios para alcançar objetivos
pontuais. O imediatismo em obter respostas rápidas gera baixa capacidade de problematizar e
promove a tendência em trabalhar com projetos educacionais com começo, meio e fim, ao
invés de fortalecer a educação com visão de processo permanente. Pressupõe, como
metodologia de ensino, a reunião das pessoas em sala de aula, isolando-as do contexto real do
trabalho, colocando-as diante de especialistas com expertises que transmitirão seus
conhecimentos para que sejam incorporados à realidade não vista e não vivida (BRASIL,
2009b, p. 39 e 41).
Para que sejam incorporados novos elementos à prática de saúde e para que haja
mudança dos cenários acostumados de ensino, é necessário que os profissionais de saúde
sintam os desconfortos e estranhamentos no cotidiano do trabalho. São esses incômodos que
operam novos movimentos, novas percepções e novos traços.
Nesse aspecto, Freire aponta na direção da reflexão critica sobre a prática como uma
exigência da relação teoria/prática, na qual as pessoas devem assumir-se como sujeitos que
produzem saberes, contrapondo, assim, a lógica de transmissão de conhecimento: “É
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”
(FREIRE, 1996, p. 22).
Para o educador, o discurso teórico necessário à reflexão crítica tem que ter tal
concretude que se confunda com a prática. Vázquez dialoga com ele quando diz sobre a
necessidade da teoria gerar uma ação prática: “A teoria que por si só não transforma o mundo
real torna-se prática quando penetra na consciência dos homens” (VÁZQUEZ, 1990, p. 127).
Freire tem, na reflexão crítica sobre a realidade, o meio para que a teoria não seja apenas
discurso e, a prática, simplesmente ativismo (FREIRE, 1996, p. 11).
Pedro Demo (2007, p. 132) lembra que a prática, embora se beneficie da expressão
concreta da realidade, apresenta uma tendência a converter-se em rotina, girando em torno de
si mesma, associando-se a normas e valores em um sistema produtor de repetição. Daí a
necessidade de que toda teoria confronte-se com a prática e que toda prática se volte para a
teoria dialeticamente.
Vázquez, ainda na dimensão dialética entre teoria/prática, adverte que a incorporação
da teoria só se torna prática efetiva se for aceita pelos homens. Esse aceitar é condição
45
essencial de uma verdadeira práxis transformadora. A práxis em Vázquez é a revolução, é
atingir o problema pela raiz, é olhar a realidade com outros modos de ver, e como o poeta,
transver. A práxis deve corresponder às necessidades radicais e, sobretudo, humanas,
passando do plano teórico ao prático (VÁZQUEZ, 1990, p. 127-128).
Ainda debruçada sobre o verso e analogizando com a EPS, a PNEPS explicita a
emergência em romper com a lógica de compra e pagamento de produtos e procedimentos
educacionais e ressalta a necessidade por mudança nos cenários institucionais. Vislumbra que
essa mudança pode ocorrer com a possibilidade do encontro entre os atores e a incorporação
do novo a partir da problematização do processo de trabalho. Em seu conteúdo teórico,
também expressa sobre a proposta de romper com estruturas rígidas e hierarquizadas do
ensino tradicional no sentido de contrapor as formas retas e acostumadas do produzir saúde.
O que se observa é que essas demandas por mudanças têm na EPS o cenário ideal,
uma vez que favorece a desestabilização das relações do poder e do saber para operar a
dialética do ensinar e do aprender com o outro, na qual quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender. A PNEPS prevê, por meio de um olhar renovado, a
transformação da prática, ou seja, o operar de uma práxis revolucionária (BRASIL, 2007, p.
11).
A práxis em Vázquez é mais que prática propriamente dita, é uma ação que tem fim
em si mesma, que não cria ou produz um objeto alheio ao agente ou a sua atividade. Ele
marca as condições que tornam possíveis a passagem e unidade entre uma e outra. A prática
revolucionária é, para o autor, a transformação da sociedade mediante a criação dos homens,
práxis esta que não pode ser esclarecida teoricamente, nem dirigida praticamente
(VÁZQUEZ, 1990, p. 4, 6 e 37).
A teoria que configura a PNEPS, para Vázquez, não é práxis enquanto permanece em
estado puramente teórico. A teoria propriamente dita não se configura como práxis, pois
somente com a teoria não se produz a mudança no mundo real. Para o educador e filósofo
espanhol, a teoria só poderá se tornar fecunda se não perder os laços com a realidade e com o
cotidiano, que é sua fonte inesgotável. Para que tal encontro aconteça nos cenários da saúde, é
preciso que os trabalhadores atuem criticamente sobre sua realidade e de forma
revolucionária. A teoria, segundo ele, transforma apenas nosso conhecimento dos fatos e
nossas ideias sobre as coisas, mas não as próprias coisas (Ibidem, p. 209-210). Assim, o
discurso sobre a teoria deve ser o exemplo concreto, prático da teoria. Sua encarnação
(FREIRE, 1996, p. 27).
46
“A força de um artista vem das suas derrotas”
Esse verso do poema mostra que o crescimento e a força vêm das derrotas. O poeta,
em sua inabilidade confessada, mostra como a realidade pode ser mutável, desafiadora e como
os homens podem ser falíveis. Em Freire, esses mesmos homens que se figuram pela ideia do
artista são para ele inacabados. Esse aporte filosófico-antropológico trazido por Freire
considera o ser humano como um ser de busca e de incompletude e que, por reconhecer que
não sabe tudo, busca permanentemente, o conhecer e o saber.
A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente
inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca
(FREIRE, 1996, p. 64).
A maior riqueza do homem é sua incompletude (BARROS, 1996c, p. 79).
Na visão de Freire, o inacabamento, a inconclusão ou a falibilidade do homem é
própria e inerente à existência vital (FREIRE, 1996, p. 29). São homens inacabados, capazes
de intervir no mundo, no trabalho e no curso da própria vida, em que o corpo humano vira
corpo captador, transformador, criador de beleza e não “espaço vazio” a ser preenchido por
conteúdos (Ibidem, p. 29 e 31). A grande questão que permeia o pensamento do educador, e
também do poeta, é o saber-se inacabado. Esse é um pensamento imbricado com a proposta
da EPS, uma vez que coloca todos os atores da prática na condição do aprender e do
inacabamento, assim como a vida cotidiana desses seres como potencial espaço educativo
(BRASIL, 2009b, p. 45).
Outro aporte que Freire também traz é o epistemológico, no qual a necessidade de uma
visão critica sobre si e sobre o outro é natural ao ser que inacabado, se sabe inacabado. Ao
afirmar que ninguém sabe tudo e que o conhecimento é um processo dialético de constante
construção e reconstrução, o educador funda a educação como processo permanente, uma vez
que a inconclusão do ser gera a educabilidade e constrói a própria educação: “Mulheres e
homens se tornam educáveis na medida em que se reconhecem inacabados” (FREIRE, 1996,
p. 33-34).
Adolfo Sanchez Vázquez também tece considerações importantes quando aprofunda o
significado de uma visão acrítica, tal como aquela que vê a atividade prática como o simples
dado que não exige explicação, numa relação direta e imediata com o mundo dos atos e
objetos práticos em que as conexões com o mundo estão num plano “ateórico”. O sujeito que
possui uma visão acrítica sobre a realidade que o cerca não sente necessidade de romper com
47
os hábitos institucionalizados que produzem sua prática. Ele pensa atos práticos, mas não faz
da práxis seu objeto (VÁZQUEZ, 1990, p. 8-9).
Vázquez agrega a importância de superar a ausência de processos reflexivos sobre a
realidade e a necessidade de ascender à práxis de forma que consiga unir pensamento e ação.
[...] uma ideia que continuará aferrado enquanto não sair da cotidianeidade e
ascender ao plano reflexivo. Enquanto a consciência comum não percorrer a
distância que a separa da consciência reflexiva, não poderá desenvolver uma
verdadeira práxis revolucionária (Ibidem, p. 11).
Para alcançar a práxis, é necessária uma abertura para o mundo, de maneira que se
admita o erro e a ilusão, e que seja fruto do debate de ideias, dialogando com a realidade,
ainda que esta a resista. Morin (2000, p. 23-24), ainda na dimensão das incompletudes
humanas, traz para o território da educação o princípio da incerteza e a racionalidade como
maneira de abrir-se ao diálogo de forma crítica e autocrítica, fruto da troca, da relação, do
afeto, do amor. Tal como em Freire, a racionalidade trazida por Morin reconhece e identifica
as insuficiências e os inacabamentos do homem. Distingue-se, portanto, de outro conceito
trazido pelo educador: racionalização, uma vez que nela considera-se o infalível e a
perfeição, fundamentada em bases falsas e dogmáticas. Diferente da racionalidade, a
racionalização é fechada e nutre-se de um modelo mecanicista e determinista.
Assim, adensando esse pensamento, a educação transformadora como processo
permanente deve estar aberta ao diálogo crítico. Em Freire, a educação é constituída por seres
inacabados, em constante mudança e que precisam, como em Vázquez, ascender à práxis.
Schön (1994) destaca que, por meio da ação, é possível construir conhecimentos com
crescentes níveis de criticidade. E a ferramenta para isso é o processo de reflexão e a
observação do real. Dessa forma, no que tange aos processos de educação permanente em
saúde, esta não deve apenas sujeitar seu lado material e prático ao seu lado ideal e teórico.
Deve envidar esforços no sentido de modificar o ideal em face das exigências do próprio real.
A prática da EPS no cotidiano da saúde requer um constante vai e vem de um plano a outro,
mas isso, só pode ser assegurado se a práxis que Vázquez traz se mostrar ativa durante todo o
processo e quando admitidos que os fins gerados pelo plano ideal podem ser inacabados,
inconclusos, exigindo assim, novos processos de reflexão-ação-reflexão.
“Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro. Arte não tem
pensa: O olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê.”
48
Manoel de Barros em seus versos explicita o olhar transgressor e transformador
instaurando a desordem para criar um novo jeito de ver a realidade sob a ótica de quem
captura o que o pensamento acrítico não vê. Trazer para voz o formato de um pássaro é não se
conformar com o natural, com as naturalidades, é de fato, criar outras possibilidades. O poeta
se distancia da lógica racionalizadora, das regras, do concebido e da linearidade dos fatos.
Assim como Barros, Paulo Freire aposta no arriscar-se, no revelar-se, no transgredir
como força criadora para transformação de um sujeito de construção. Se desvestir dos
desenhos habituais, das formas engessadas para sugerir novas maneiras de transcender os
traços acostumados são características deflagradoras da criação. Quanto maior a capacidade
de exercitar a indagação, a dúvida e o estranhamento da realidade, maior é o potencial de
tornarem-se críticos e revolucionários. Manter vivo o gosto da rebeldia e da não conformação
pode imunizar o sujeito contra o poder apassivador do ensino tradicional e bancário que
deforma ao invés de desformar, como bem retrata Freire (1996, p. 13, 41 e 47).
Diferente da arte que para o poeta não tem pensa, Freire nos convida a pensar certo, a
fazer constante reflexão crítica sobre a prática, pensando-a não como um dado já dado, mas
uma prática crítica e implicante do pensar certo, cujo movimento esteja voltado para o fazer e
o pensar sobre o fazer. Pedro Demo, na direção do pensar e do fazer, refere a importância do
“saber pensar” e associa este pensar ao saber intervir. Segundo ele, quem sabe pensar, não faz
por fazer, mas sabe por que e como faz. Em concordância com Freire e com Barros, Demo
afirma a necessidade de ver e como o poeta, de tranver para além das aparências utilizando a
ciência de ler os problemas do cotidiano, a fim de desfazer as tramas (DEMO, 2007, p. 17-
18).
É neste ponto que a EPS se conecta, uma vez que ela considera que os atores devem
ser reflexivos sobre a prática e construtores de conhecimento, problematizando o próprio fazer
(BRASIL, 2004). Saber que ensinar não é transferir conhecimento é, fundamentalmente,
pensar certo e, enquanto os atores que orientam e desenham a EPS no cotidiano do trabalho
em saúde não operarem esse pensar certo e partilharem os mesmos conhecimentos e padrões
acostumados que se contrapõem, não haverá transformação.
Sendo assim, a PNEPS propõe que os processos de educação dos trabalhadores da
saúde se façam a partir da problematização do processo de trabalho. A problematização é
referenciada por Berbel (1998, p. 142) a partir do Arco de Maguerez. Essa metodologia
pressupõe que o conhecimento parte da realidade e retorne a ela dialeticamente. Tal
movimento se assemelha ao processo de ver, rever e tranver trazido pelo poeta Manoel de
49
Barros, uma vez que, pela realidade observada, vista e concreta, inicia-se o processo de
problematização.
O processo de ver permitirá aos atores comprometidos com o cuidado e com o fazer a
identificação de dificuldades, carências, discrepâncias de várias ordens que serão
transformadas em problemas, ou seja, serão problematizadas. Após o observar de Berbel, ou o
ver de Barros, segue a etapa que o poeta chama de rever e que Berbel considera como
elaboração dos pontos-chaves, teorização e hipóteses de solução, ou seja, o processo em que
se dá a reflexão e o pensar sobre o visto, sobre o vivido. A partir dessa reflexão, os sujeitos
são convidados a tranver o problema e a encontrar formas de interferir e aplicar à realidade.
Completa-se assim, o Arco de Maguerez, com o sentido especial de levar os sujeitos a
exercitarem a cadeia dialética de reflexão-ação-reflexão ou, dito de outra maneira, ver, rever e
transver. Freire, na dimensão problematizadora, pressupõe que homens e mulheres
apresentem capacidade de pensar, criticar, escolher, decidir e sonhar um novo mundo ao
afirmar:
Não haverá criticidade sem a curiosidade que nos põe pacientemente impacientes
diante do mundo que não fizemos, acrescentando algo a ele que fazemos (FREIRE,
1996, p. 35).
Seguindo essa mesma concepção, Freire e Vázquez consideram o pensamento crítico e
reflexivo como processo libertador, no qual, por meio da práxis, os seres humanos se
descobrem como sujeitos de ação, transformação e de intervenção.
“É preciso transver o mundo”; “É preciso desformar o mundo”; “Agora é só puxar o
alarme do silêncio que eu saio por aí desformar.”
Tal como Freire, nos versos, o poeta afirma a necessidade de se passar do plano
teórico ao prático, da imaginação à intervenção, à desformação. Passar da imaginação à
realidade das coisas e tirar do natural as naturalidades é um exercício dialético. Para isso, é
fundamental estar aberto a esse transver. Isso guarda relação com o não aceitar as formas
condicionantes e condicionadas a que se está sujeito ou sujeitado no dia a dia. Assim, a partir
do que se vê e do que se lembra do que foi visto, podemos partir para a desformação. Manoel
de Barros exemplifica isso quando diz sobre fazer cavalos verdes e noiva voando. Desformar
o mundo tem a ver com transver as formas postas, as coisas naturais, as que estão
confortavelmente instaladas, as já institucionalizadas.
Essas institucionalizações são frutos de um idealismo que Morin considera como
sendo possessão do real pelas ideias, lugar em que não se encontra espaço para o diálogo. São
50
nas ideias que se instalam a segurança, pois, segundo ele, teorias e ideias não possuem
estrutura para acolher o novo. Por outro lado, Morin acrescenta a idealidade como modo
necessário para que a ideia saia do pensamento e da teoria e se traduza como realidade
(MORIN, 2000, p. 30).
Freire dialoga com Morin quando eleva a dimensão do ver ao transver e incita a
constatar e não apenas constatar, sobretudo, intervir na realidade como sujeito crítico e
criativo. Ao constatar, surge a capacidade de intervir, de desformar e, desformando, aprende-
se permanentemente e eleva-se o ser humano à dimensão de um ser concreto, que existe no
mundo e com o mundo como corpo consciente. A relação do homem com o mundo o coloca
como sujeito de práxis, na qual, ao passo que transforma, transforma-se (FREIRE, 1980, p. 7)
O ser humano é, naturalmente, um ser da intervenção no mundo à razão de que faz a
História. Nela, por isso mesmo, deve deixar suas marcas de sujeito e não pegadas de
puro objeto (Idem, 2000, p. 119).
Talvez por isso que o treinamento técnico e a transmissão de saber não dão conta do
desformar, pois o exercício educativo não busca a profundidade dos fatos e sim a
superficialidade deformadora. Freire diz que transformar a experiência educativa em puro
treino é amesquinhar o que há de mais humano na educação. Também considera que a
negação de uma formação integral do ser humano, com redução da educação ao treino,
fortalece a maneira autoritária de falar de cima para baixo e aos métodos silenciadores de
educar (Idem, 1996, p. 19 e 72).
O trecho do poema reflete o momento em que o conhecimento se constituiu. Após
todos os atributos necessários à criação: não usar o traço acostumado, ver, rever e transver,
estar-se-á apto a criar, a desformar, a realizar, a transformar. Uma conquista de um saber
fazer, de um saber ser, que se configura como um poder fazer.
O alarme do silêncio apontado pelo poeta é o instrumento que permite a habilidade do
ato de transver e de transformar. Freire diz que o “aprender é construir, reconstruir, constatar
para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco” (FREIRE, p. 41). Alarmar em silêncio
talvez reflita uma mudança interna e profunda que muitas vezes não precisa alarmar para
dizer que mudou. É a revolução silenciosa, lenta e progressiva, transformadora de pessoas e
de instituições tão caras e necessárias na saúde (MERHY, et al., 2006, p. 43).
Na mesma linha de pensamento, o Ministério da Saúde (2009b) faz refletir o próprio
conceito de trabalho como um espaço não neutro e que exerce influências tanto de pessoas
quanto das regras do jogo historicamente estabelecidas nas instituições. Nesse contexto,
Merhy diz que qualquer projeto que aspire a uma mudança deve tentar ao mesmo tempo a
51
mudança das pessoas (valores, culturas, ideologias) e também o funcionamento dos serviços.
Em outras palavras, para transformar pessoas e instituições, precisa-se promover relação
orgânica entre elas (MERHY et al., 2006, p. 30).
Freire vê no ensino a convicção de que a mudança é possível e só intervém quem
constata e quem se coloca como sujeito na intervenção. A constatação da realidade gera novos
saberes e novas habilidades de decisão, de escolha e de não neutralidade (FREIRE, 1996, p.
48).
Nessa direção, a PNEPS expressa a EPS como possibilidade de transformar as práticas
baseadas na aprendizagem significativa. É um tipo de aprendizado que requer uma
intervenção educativa, cujo eixo seja a discussão crítica das práticas concretas (BRASIL,
2009b, p. 51). Para alcançar tais objetivos, os processos educativos da EPS devem envolver a
construção de um sujeito coletivo com identidade coletiva e com lutas coletivas, o que implica
num complexo de institucionalização e desinstitucionalização constante (Ibidem, p. 52).
Adolfo Sanchez Vázquez, ainda na dimensão da transformação e da desformação, dá
pistas de alguns elementos importantes que podem nortear as ações da EPS, a saber:
conhecimento da realidade que é objeto da transformação; conhecimento dos meios e de sua
utilização da técnica exigida a cada prática – com que se leva a cabo essa transformação;
conhecimento da prática acumulada, em forma de teoria que sintetiza ou generaliza a
atividade prática na esfera em que ela se realiza; e, por último, que a teoria corresponda às
necessidades e condições reais, de forma que tome conta do conhecimento dos homens e
conte com os meios adequados para sua realização.
52
QUINTO CAPÍTULO
Que a importância de uma coisa não se mede
com fita métrica nem com balanças, nem com
barômetros etc. Que a importância de uma
coisa há que ser medida pelo encantamento
que a coisa produza em nós (BARROS, 2010,
p. 109).
5. MÉTODO
Realizar uma pesquisa é antes de tudo estar aberto para os encontros e desencontros, é
estar sensível à escuta da realidade. A pesquisa científica compreende múltiplos esforços
intelectuais, sobretudo na busca pela dialética entre a teoria e a realidade empírica, entre rigor
e criatividade, num verdadeiro trabalho vivo possuidor de afeto e imaginação (MINAYO,
2011, p. 31).
Para dar vez e voz a essa realidade, lançou-se mão de dimensões técnico/científicas e
ideológicas. Porém é importante ressaltar que o caminho da investigação foi desvisto e
desformado no percurso da pesquisa em uma busca permanente para a compreensão do objeto
e pela interrogação constante da realidade.
5.1. CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA
Este estudo está vinculado à linha de pesquisa Educação Permanente em Saúde no
SUS e pretende-se, com ele, interrogar os múltiplos sentidos da EPS cristalizados no cotidiano
da gestão e do trabalho na atenção básica do município, reconstruindo e intervindo na
trajetória dos movimentos institucionais e inventivos inerentes ao processo de trabalho. Trata-
se de pesquisa de campo do tipo pesquisa-ação, realizada em um município do interior do
estado do Rio de Janeiro.
A presente pesquisa não se limita a investigações de documentos e levantamento de
dados a serem arquivados. Com a pesquisa-ação, deseja-se um papel ativo e transformador da
realidade. Thiollent (2011, p. 20) conceitua pesquisa-ação como a pesquisa que busca a
resolução de problemas coletivos, em que o pesquisador associa-se aos participantes
implicados nos problemas investigados para uma ação.
53
Levando em conta essas proposições, a necessidade de incorporar o significado e a
intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais indicaram a
adequação de uma abordagem qualitativa, considerada como capaz de referir-se ao universo
das significações, motivos, aspirações, atitudes, crenças e valores (MINAYO, 2007, p. 10, 13,
28 e 134).
Nesse sentido, a principal motivação para a realização do estudo foi a perspectiva de
desvelar uma construção libertadora e a luta pela transformação. Um desejo real de mudança.
Uma abordagem de pesquisa que buscou compreender para transformar, para desformar, na
qual a prática concreta desafiou a teoria a repensar-se permanentemente.
5.2. LOCAL OU CENÁRIO DA PESQUISA
O estudo proposto tem por cenário um município localizado no interior do estado do
RJ. O município encontra-se na região Médio Paraíba, composta pelos municípios de Barra do
Piraí, Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Rio Claro, Resende, Rio das
Flores, Valença e Volta Redonda.
O município foi fundado em 1848 e está subdividido em seis distritos, ocupando uma
área total de 1.113,507 km², o equivalente a 17,7% da região do Médio Paraíba e 2,5% da área
total do estado do Rio de Janeiro. Possui relevo típico de vale e altitude que varia de 394,6m a
2.787m. O clima é tropical e atinge temperaturas que variam da média de 25ºC até graus
negativos.
Está localizado em grande planície, às margens do rio Paraíba do Sul e corresponde ao
maior município do eixo Rio-São Paulo. O município é atravessado pela Rodovia Presidente
Dutra e apresenta uma estimativa de 119.769 pessoas (IBGE, 2010). Devido à localização
privilegiada e excelente infraestrutura, o município atrai investidores e empresas de diversas
partes do Brasil e do mundo.
O seu polo automotivo abriga a Maschinenfabrik Augsburg-Nürnberg, maior fábrica
de caminhões e ônibus do Brasil e a maior fábrica do Grupo Nissan no Brasil no polo
industrial da cidade, que também é limítrofe à PSA Peugeot Citroën e à Michelin. Dentre suas
indústrias de destaque, está a moderna siderúrgica do Grupo Votorantim, que ocupa uma área
de quatro km² e a Usina Hidrelétrica do Funil.
A consolidação do crescimento do município foi confirmada pela Federação das
Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), órgão responsável pela avaliação dos
54
municípios nos seguintes quesitos: saúde, educação, emprego e renda. O Índice Firjan deu ao
município, no ano de 2014, o primeiro lugar no desempenho da avaliação de 2011 (FIRJAN,
2014).
A rede pública de saúde conta com um centro de especialidades odontológicas, três
unidades ambulatórias odontológicas, assistência farmacêutica, três centros de atenção
psicossocial, ouvidoria da saúde, serviços de atendimentos ambulatoriais, centro de
diagnóstico por imagem, centro municipal de reabilitação e hidroterapia, laboratório
municipal, tratamento fora do domicílio, casa da mulher (ambulatório para mulheres), área
técnica de alimentação e nutrição, centro de assistência ao adolescente, hemonúcleo, um
hospital de emergência, duas unidades de pronto atendimento, uma maternidade, vinte e
quatro unidades ESF e quatro unidades convencionais de atenção básica com o Programa
Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Para compreender melhor como se dá a gestão da
saúde no município, segue, na figura 3, a composição de áreas na organização, com
detalhamento para a superintendência de atenção básica.
Figura 3: Organograma da saúde do município
Fonte: Produção própria baseada na estrutura organizacional da Secretaria de Saúde do município estudado no
ano 2013.
5.2.1 Atenção básica
A atenção básica municipal é caracterizada por um conjunto de ações de saúde que
abrangem a promoção, proteção, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento e reabilitação
da saúde com o objetivo de promover uma atenção integral que impacte a vida das pessoas. A
atenção deve ser desenvolvida por meio do trabalho em equipe e em território delimitado no
qual assume a responsabilidade sanitária (BRASIL, 2011). A qualificação do município para a
adoção dessa estratégia ocorreu por meio da Portaria nº GM/MS 4031, de 14 de dezembro de
DIRETORIA
DE SAÚDE
BUCAL
55
1998, que deu origem à primeira unidade de saúde da família no município. Os horários de
funcionamento das unidades ESF são de segunda à sexta feira, de 7 às 17h, e sábados, de 7 às
12h. Cada equipe profissional se responsabiliza por, no máximo, quatro mil habitantes, sendo
a média recomendada de três mil habitantes. Cada agente comunitário é responsável em
média, por até 150 famílias. As unidades de ESF são compostas pelos seguintes profissionais:
médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem, dentista, fisioterapeuta, auxiliar de
saúde bucal e agentes comunitários de saúde. As unidades que abrigam o PACS contam com
enfermeiro e agentes comunitários de saúde.
A rede de atenção básica do município é composta por 24 unidades de saúde da
família (ESF), distribuídas em três grandes áreas, além de quatro unidades de atenção básica
com o PACS. Cabe destacar que as cinco unidades que estão localizadas na zona rural
possuem equipe itinerante.
5.3. PARTICIPANTES DA PESQUISA
Foram considerados participantes do estudo um conjunto de trabalhadores do SUS de
um município do interior do estado do Rio de Janeiro, envolvendo tanto profissionais da
gestão, como da atenção básica (ESF).
Considerando o tema, para facilitar a aproximação com os sujeitos e a análise dos
dados, os sujeitos participantes foram dispostos em dois grupos: grupo I, composto por
gestores responsáveis pela operacionalização da EPS no âmbito regional e pelos processos
educativos para trabalhadores da atenção básica municipal, e grupo II, por profissionais da
atenção básica. Ressalta-se que tal disposição em grupos não teve a intenção de dividir ou
hierarquizar os sujeitos, uma vez que o estudo pretendeu reunir os participantes em torno da
expressão institucional e inventiva da EPS no município. Segue o detalhamento dos grupos:
Grupo I: 4 participantes
a) Coordenadora da CIES regional;
b) Representante do secretário de saúde do município na CIR;
c) Representante do município estudado na CIES;
d) Profissional responsável pela organização dos processos educativos para profissionais
da Atenção Básica.
Grupo II: 14 participantes
56
Profissionais da saúde lotados na atenção básica municipal.
Foram considerados os seguintes critérios na escolha dos sujeitos participantes:
Grupo I: Profissionais com nível médio e superior; profissionais com pelo menos um
ano de vínculo público institucional; e profissionais responsáveis pela operacionalização de
processos EPS na região ou no município.
Grupo II: Profissionais com nível superior, médio e fundamental; profissionais com
pelo menos um ano de vínculo público institucional; profissionais com pelo menos um ano de
atuação numa mesma unidade da ESF; profissionais que tenham participado de, no mínimo,
um dos seguintes processos: processo educativo para trabalhadores oferecido pelo município e
oficina de educação permanente em saúde oferecida pela CIES Médio Paraíba.
A distribuição dos sujeitos por grupo, de acordo com os critérios de inclusão,
encontra-se ilustrada na tabela 1.
Tabela 1: Distribuição dos sujeitos do estudo de acordo com os critérios de inclusão/exclusão
Grupos Participantes
previstos
Atenderam
aos critérios
de inclusão
Foram excluídos Profissionais
Entrevistados
GRUPO I 4 4 0 4
GRUPO II 14 12 2 12
Fonte: Elaboração própria baseada na aplicação dos critérios de inclusão e exclusão.
A análise dos registros dos participantes dos processos educativos realizados no
município nos anos 2011, 2012 e 2013 permitiu a construção de uma relação de trabalhadores
utilizada para selecionar os catorze participantes do grupo II. Destaca-se que, dentre o
quantitativo total dos participantes do grupo II, dois participantes foram excluídos por estarem
de férias no momento da coleta de dados.
5.4. TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
57
O estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, que foi conduzida a partir da
aplicação de três técnicas: análise documental, entrevista semiestruturada e observação
participante.
As técnicas e instrumentos utilizados para coleta de dados estão descritas na tabela 2.
Tabela 2: Apresentação das técnicas e instrumentos de coleta de dados
Técnicas de coleta de dados Instrumentos de coleta
Análise Documental Roteiro para Análise
Documental (apêndice)
Diário de Campo
Entrevistas Semiestruturadas Roteiro para entrevistas
Grupo I e II (apêndice)
Diário de Campo
Observação Participante Diário de Campo
Fonte: Elaboração própria baseada nas técnicas e instrumentos de coletas de dados.
5.4.1 Análise documental
A análise documental, conforme conceitua Bardin (2009, p. 47), “[...] é uma operação
ou um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento de forma
diferente da original, a fim de facilitar, num estado ulterior, a sua consulta e referenciação”.
Documentos são registros escritos que proporcionam informações em prol da compreensão
dos fatos e relações.
A etapa documental de coleta de dados consistiu no levantamento de registros dos
seguintes documentos: Plano Municipal de Saúde (PMS) dos anos 2010 a 2013; Ata da VIII
da Conferência Municipal de Saúde do município para criação do plano municipal de saúde
para os anos 2014, 2015 e 2016; e Registros comprobatórios dos movimentos educativos
institucionais realizados com os profissionais das ESF do município nos anos 2011, 2012 e
2013. O recorte temporal se refere ao intervalo de tempo em que a documentação estava
disponível para consulta.
Os documentos foram eleitos por serem instrumentos que possibilitam observar os
encaminhamentos e direcionamentos acerca da EPS no âmbito municipal.
Destaca-se que a observação do plano municipal de saúde dos anos 2010 a 2013 se
deu por ser considerado como importante instrumento de planejamento das ações no setor da
saúde no momento da coleta de dados e a Ata da VIII conferência tomada como instrumento
norteador de construção do futuro plano municipal para os anos 2014 a 2016 (plano não
publicado até o momento da defesa desta dissertação).
O método de análise dos documentos seguiu o seguinte fluxo:
58
Fase de Análise Documental I: PMS 2010/2013 e Ata da VIII Conferência Municipal
de Saúde: leitura sistemática do material; identificação de propostas e ações de EPS para a
ESF com identificação de termos como educação, formação e ensino no corpo do texto;
Fase de Análise Documental II: registros dos processos educativos direcionados aos
trabalhadores da ESF e desenvolvidos no município nos anos 2011, 2012 e 2013.
Para a Fase de análise II, utilizou-se um instrumento composto por questões
relacionadas com as atividades educativas, tais como: quando foram realizadas; qual
abordagem metodológica; definição da carga horária; para quem foram voltadas; por quem
foram demandadas; e onde foram realizadas. Foram utilizados os seguintes critérios de
inclusão: listas de presenças dos processos educativos realizados com profissionais da ESF no
período 2011-2013; e critérios de exclusão: documentos ilegíveis, com meses não
especificados e que não atendiam aos objetivos do estudo. No ano de 2012, foram excluídos
cinco documentos por não serem configurados como processos educativos, mas como
informações passadas para as equipes.
O método de análise dos documentos na fase de Análise documental II seguiu o
seguinte fluxo: levantamento e organização dos documentos nos arquivos do município,
confecção de relação de participantes por unidades, leitura sistemática do material e análise da
concepção pedagógica a partir do tema e público-alvo do material.
5.4.2 Entrevistas
A entrevista foi utilizada neste estudo como uma forma de interação social por meio
da dinâmica das relações existentes no campo da pesquisa. Segundo Minayo (2007, p. 121), a
entrevista semiestruturada evidencia um discurso dinâmico que inclui a interação entre o
pesquisador e os atores sociais. Consiste em enumerar de forma abrangente as questões que o
pesquisador deseja abordar no campo, a partir de suas hipóteses ou pressupostos advindos da
definição do objeto de investigação.
Na segunda etapa, foram conduzidas as entrevistas com os sujeitos selecionados a
partir dos critérios de inclusão já mencionados. As entrevistas foram conduzidas com base em
um roteiro visando possibilitar aos entrevistados discorrer sobre o tema proposto e revelar
experiências, opiniões, sentimentos ou conhecimentos.
59
O roteiro das entrevistas com os grupos I e II serviu apenas de orientação e baliza para
abrir o campo de explanação e não para cerceamento da fala dos entrevistados.
As entrevistas foram realizadas nos espaços de atuação dos profissionais, em datas
previamente agendadas. A entrada no campo obedeceu as recomendações de Minayo (Ibidem,
p. 124-125) e incluíram conversa sobre os objetivos do estudo, justificativa da escolha do
entrevistado, garantia de anonimato/sigilo e submissão do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido – TCLE (apêndice).
Mediante autorização dos sujeitos, as entrevistas foram gravadas em meio digital
(mp4), transcritas na íntegra e agrupadas de acordo com a perspectiva de resposta aos
objetivos da pesquisa. Na sequência foi realizada a categorização das informações à luz dos
autores de referência para o estudo.
Nesse estudo lancei mão das comunicações (entrevistas), porém também utilizei a
“medida do encantamento”, a maneira como as falas me impactaram, como propõe Manuel de
Barros (BARROS, 2010, p. 109), na busca por um modo de analisar e investigar que utiliza
um viés não tradicional, trazendo para o estudo muito do que habita nas expressões e
pensamentos dos trabalhadores.
5.4.3 Observação participante
O trabalho de campo envolveu tanto a aproximação com a realidade, como a interação
com os diversos atores que a conformam. Nesse aspecto, Manoel de Barros é abastado, um
distinto decodificador da realidade que o cerca, revelando a potência de compreendê-la, e,
sobretudo, de explorá-la.
A compreensão de minha realidade exigiu um processo de observação, um processo
pelo qual me coloquei como observadora de uma situação social com a finalidade de realizar a
investigação científica. Minayo (2011) chamou esse processo de observação participante.
Observar, para a autora, não se trata apenas de ver, mas de examinar, de entender, de ouvir e
de sentir o que essa realidade observada diz ou quer dizer.
Assim, a observação participante foi a técnica escolhida para a minha inserção no
interior do grupo pesquisado a fim de compreender a forma como a realidade se apresenta.
A observação participante foi realizada nos meses de abril e maio de 2014 em duas
unidades de ESF do município, também local de trabalho de seis participantes deste estudo
(Água, Vento, Luz, Nuvem, Mar, Sol). A visita à primeira unidade se deu no dia 20 de janeiro
de 2014 para entrevista com a participante Água. Em função de um problema com o gravador,
60
foi marcada uma segunda visita à unidade no dia 2 de abril de 2014, com o objetivo
preliminar de refazer a entrevista e realizar a imersão no cotidiano daquela equipe de saúde. A
visita à segunda unidade (Vento, Luz, Nuvem, Mar, Sol) ocorreu no dia 26 de maio de 2014.
A maior dificuldade apresentada nas duas unidades decorreu do fato de que as
intenções eram três: entrevistar os participantes da pesquisa, participar de alguma reunião de
equipe e, também, como diria Manuel de Barros, “ir por reentrâncias, baixar em rachaduras de
paredes por frinchas, por gretas” (BARROS, 2006, p. 12) e perceber movimentos de EPS não
institucionalizados. Nessas visitas foram observados, além do processo de trabalho da equipe
multiprofissional, os encontros cotidianos e relacionais que os profissionais fazem na esfera
institucional e inventivo/espontâneo.
Durante a aplicação das técnicas de análise documental, entrevistas e observação
participante, foi utilizado o diário de campo como instrumento de apoio ao processo de
análise e para registro de impressões pessoais, memória, observações dos diálogos e tudo o
que pudesse contribuir para as proposições da pesquisa. Minayo (2007, p. 295), diz que o
diário de campo “é o que torna a pesquisa mais verdadeira”, além de ser considerado como
um acervo destinado a receber novas anotações, para que o pesquisador faça suas reflexões
sobre o campo de estudo (Idem, 2010).
5.5 PROCEDIMENTOS ÉTICOS, LEGAIS E SENTIMENTAIS
O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital
Universitário Antônio Pedro, conforme parecer 458.866, de 1º de novembro de 2013, e
autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Porém, o nome do município não foi
divulgado neste estudo em respeito à solicitação da direção de atenção básica.
Os participantes foram esclarecidos quanto à finalidade e aos objetivos da pesquisa,
bem como, ao direito de se retirarem livremente em qualquer fase do processo. Foi
esclarecido aos participantes que frente à percepção de algum risco ou constrangimento do
sujeito em consequência da pesquisa, ela seria imediatamente suspensa.
A entrevista foi iniciada apenas depois da leitura e assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido em duas vias, sendo-lhes garantido o anonimato em
quaisquer documentos produzidos pela pesquisa.
Os participantes foram identificados com elementos naturais usualmente explorados
por Manoel de Barros em suas poesias e que despertam sentidos e percepções próprias da
61
realidade concreta. Ele escolheu a natureza e suas simplicidades e as tomou para si em uma
verdadeira contemplação associada a metáforas desformadoras e libertadoras.
Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu na beira do Rio Cuiabá, no estado de Mato
Grosso. Inserido em um universo distinto dos centros urbanos, Manoel mostra-se como um
cidadão do mato, com cumplicidade e intimidade com a natureza pantaneira (flora e fauna e
ciclos da água). São com tais referências, baseadas na realidade concreta e em aspectos pouco
valorizados do dia a dia, que ele ancora suas poesias em um sentimento muito primitivo da
vida. Suas palavras e versos revelam o ver diferente, o ver imaginativo e quase infantil. Dessa
forma, ele vai desvendo o mundo e a sua própria realidade. Suas características linguísticas
mantêm-se em todas as obras e algumas delas foram usadas neste estudo tanto nos títulos
quanto para identificar os participantes. Para o GI foram agregados nomes de animais: Garça,
Peixe, Formiga, Caramujo, e para GII, elementos gerais da natureza: Flor, Céu, Lírio, Água,
Terra, Pedra, Rio, Luz, Vento, Sol, Nuvem e Mar. Eu identifiquei-me no estudo como
Borboleta.
62
SEXTO CAPÍTULO
As flores dessas árvores depois nascerão mais
perfumadas (BARROS, 2000, p. 13).
6. RESULTADOS
Neste capítulo, serão apresentados resultados e análises relativas aos documentos
selecionados e aos conteúdos das entrevistas realizadas com os Grupos I e II. Como Manoel
de Barros, entende-se que desvendo com cuidado esses resultados, suas flores nascerão mais
perfumadas.
6.1. CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS NOS MOVIMENTOS INSTITUCIONAIS
A análise dos documentos que se referem aos direcionamentos municipais e aos
processos educativos, considerados como EPS pela gestão, possibilitou vislumbrar ações e a
concepção pedagógica predominante, bem como, observar o movimento institucional na
direção da EPS no município.
Os resultados foram apresentados iniciando pela Fase de Análise I, que compreende os
documentos estruturantes e norteadores de ações no campo da saúde municipal.
1. Plano Municipal de Saúde dos anos 2011 a 2013:
O Plano Municipal de Saúde (PMS) é um importante guia das ações no setor da saúde
e um instrumento de orientação política de ações no conjunto das organizações de saúde
durante determinado período. Ele expressa um conteúdo com diretrizes, objetivos, ações,
indicadores e metas para o sistema local de saúde.
Ceccim e Feuerwerker (2004) consideram que o processo de educação no campo do
serviço reconhece o município como fonte fundamental de vivências, autorias e desafios e que
o PMS é um dos instrumentos que norteiam as ações em saúde e conferem direcionalidade às
propostas de qualificação dos trabalhadores de um município.
Foram analisados dados do PMS do município estudado para compreender possíveis
direcionamentos em EPS. O plano trouxe a responsabilidade do município na formulação e
promoção da gestão da educação permanente em saúde, orientadas pela integralidade da
63
atenção à saúde e pela criação de estruturas de coordenação e de execução da política de
formação e desenvolvimento prevendo, inclusive, seu financiamento.
A análise do PMS exigiu uma leitura cuidadosa em que se procurou captar, no texto,
referências ao trabalhador e à atenção básica que permitissem apreender o que tem sido
pensado e discutido com relação à EPS no município (tabela 3).
Tabela 3: Recortes do Plano Municipal de Saúde com referência na atenção Básica e na formação do
trabalhador da saúde
Plano Municipal de Saúde (PMS) do município – Período de 2011 a 2013
1. Diretrizes da Atenção Básica no PMS
Capacitação e melhoria dos processos de trabalho na Atenção Básica.
Capacitar e manter atualizados os profissionais da Atenção Básica, aprimorando o atendimento e a assistência
para melhor resolutividade enquanto porta de entrada.
2. Metas da Atenção Básica no PMS
Capacitar os profissionais no processo de humanização na atenção à saúde.
Capacitar profissionais e implementar as ações intersetoriais sobre violência e drogas.
Fonte: Elaboração própria baseada no PMS 2011/2013.
Para os anos 2011 a 2013, o PMS apontou a necessidade de educação e qualificação
profissional para suportar os avanços tecnológicos que o trabalho especializado requer e o
entendimento pelo governo municipal de que somente o investimento nos recursos humanos
poderá influenciar decisivamente na melhoria dos serviços de saúde prestados à população.
O texto do PMS considerou a EPS como processo permanente de aquisição de
informações pelo trabalhador, de todo e qualquer conhecimento, por meio de escolarização
formal ou não formal, de vivências, de experiências laborais e emocionais, no âmbito
institucional ou fora dele. Compreendeu, também, a formação profissional, qualificação,
requalificação, especialização, aperfeiçoamento e atualização com objetivo de melhorar e
ampliar a capacidade laboral do trabalhador, em função de suas necessidades individuais, da
equipe de trabalho e da instituição em que trabalha.
Embora o PMS tenha feito referência à EPS no município, não há metas claras que se
aproximassem dos pressupostos da PNEPS como, por exemplo: incorporação do ensino e
aprendizagem no contexto real em que ocorrem; modificação substancial das estratégias
educativas por meio da problematização do próprio fazer; favorecimento da formação de
pessoas reflexivas sobre a prática e construtores de conhecimento ao invés de receptores;
abordagem da equipe como um todo, evitando, dessa forma, a fragmentação disciplinar; e, por
64
fim, a ampliação dos espaços educativos fora da estrutura clássica de sala de aula e em outros
espaços da comunidade e da organização.
A análise do documento revelou que o termo capacitação predomina no texto, sempre
ligada à expressão atenção básica. Na análise das 40. 973 palavras contidas no texto, o termo
educação permanente em saúde aparece apenas três vezes (associado ao termo continuada e
como responsabilidade do município na educação dos profissionais de saúde). A palavra
capacitação/capacitar ocorre 26 vezes e a palavra protocolo, 11 vezes, o que parece indicar
que o processo de educação e formação dos trabalhadores de saúde ainda permanece centrado
na lógica do treinamento e estabelecimento de protocolos previamente definidos.
Cabe lembrar que o termo capacitação remete à continuidade do modelo escolar com
enfoque no conhecimento disciplinar, geralmente realizado em ambiente didático e baseado
em técnicas de transmissão e com fins de atualização (BRASIL, 2007; OLIVEIRA, 2014).
Lopes (2007) a descreve como sendo a atualização de conhecimentos técnicos de forma
descendente.
A PNEPS (2007) traz a capacitação como uma das estratégias mais usadas para o
desenvolvimento dos trabalhadores nos serviços de saúde e ressalta que a maioria consiste na
transmissão de conhecimento, repetindo sempre as mesmas fórmulas e métodos de ensino.
Nessa concepção educativa, aponta algumas características não desejáveis para a EPS, tais
como: simplificação, visão instrumental da educação, imediatismo, baixa discriminação de
problemas a superar e tendência em atuar por meio de programas e projetos, cuja lógica é de
começo e fim.
No que tange aos municípios, a política de EPS indica a necessidade de
comprometimento com a própria mudança institucional e a repercussão tanto na educação
quanto na atenção à saúde (BRASIL, 2007). Em outras palavras, diferentemente do
preconizado nas capacitações, é preciso comprometimento de todos os atores envolvidos no
cuidado à população e na autoria e participação na própria formação.
2. Ata da VIII Conferência Municipal de Saúde no ano de 2013:
As conferências municipais de saúde são importantes para o campo da saúde, uma vez
que possibilitam ouvir as contribuições da sociedade sobre os principais pontos a serem
contemplados pela política de saúde que será elaborada e implementada nos anos vindouros
(Idem, 1990).
65
Na análise da Ata da VIII Conferência Municipal de Saúde se procurou captar no
texto, referências que pudessem ser relacionadas a possíveis direcionamentos do município
com relação à EPS (tabela 4).
Tabela 4: Recortes da ata da VIII Conferência Municipal de Saúde com referência na atenção Básica e na
formação do trabalhador da saúde
Ata da VIII Conferência Municipal de Saúde – 2013
Diretrizes da Atenção Básica
Capacitar profissionais da saúde no que se refere à educação inclusiva não sexista, não racista, não homofóbica
e não lesbofóbica para implantar a política municipal de saúde direcionada a essa população alvo.
Fonte: Elaboração própria baseada na Ata da VIII Conferência Municipal de Saúde do município estudado.
A VIII Conferência Municipal de Saúde do município estudado, realizada no dia 29 de
junho de 2013, convocada pelo Decreto Municipal Nº 6840/2013 de 21/05/2013 para nortear
as ações da Gestão da Saúde para os anos 2014, 2015 e 2016 e para elaboração do Plano
Municipal de Saúde, não apresentou em seu relatório questões que envolvessem a EPS dos
trabalhadores de saúde, embora tenha mencionado o fato de que as práticas assistenciais de
gestão e de ensino no sistema de saúde precisam ser repensadas.
Como no PMS (2011/2013), a atenção básica foi o nível do sistema que mais incluiu a
necessidade de capacitação de seus trabalhadores, seguida pela área de atenção hospitalar.
Dos seis grupos formados, apenas dois apontaram a carência de capacitação. As demais
solicitaram profissionais, equipamentos, medicamentos, estrutura física, recursos, benefícios
para os trabalhadores e outros.
Dentre as 3.201 palavras contidas no texto, a EPS não apareceu nenhuma vez. O termo
“capacitação” aparece três vezes, “educação em saúde” aparece duas vezes e “educação
inclusiva”, uma vez.
3. Documentos comprobatórios dos movimentos educativos institucionais
realizados com os profissionais das ESF nos anos 2011, 2012 e 2013:
A Fase de Análise II, que compreende os processos educativos direcionados aos
trabalhadores da ESF desenvolvidos no município no período 2011/13, revelou os seguintes
resultados, como mostra a tabela 5.
66
Tabela 5: Consolidado dos documentos dos processos educativos realizados no município
Consolidado dos processos educativos voltados para profissionais da ESF.
2011 2012 2013 (janeiro a julho)
1. Distribuição dos processos educativos ao longo do tempo
42 processos 54 processos (5 excluídos) 24 Processos
2. Definição de carga horária (foi verificada a CH média das atividades)
52% com definição
48% sem definição
30% com definição
70% sem definição
8% com definição
92% sem definição
3. Identificação das atividades
Capacitação (40)
Termos diversos (2)
Capacitação (33)
Termos diversos (21)
Capacitação (15)
Oficina (6)
Termos diversos (21)
Exemplos de termos diversos: encontros, dengue para enfermeiros e médicos, reunião sobre dengue,
PMAQ, puericultura, violência doméstica, ergonomia, caderneta do adolescente e programa de valorização
do servidor.
4. Distribuição dos sistemas dos processos educativos
Saúde da mulher: 14
Saúde da criança/adolesc: 1
Saúde do adulto: 3
Cuidados de enfermagem: 6
Doenças: 12
Programas do MS: 4
EPS: 0
Saúde do trabalhador: 0
Não informado: 1
Saúde da mulher: 12
Saúde da criança/adolesc: 0
Saúde do adulto: 1
Cuidados de enfermagem: 4
Doenças: 14
Programas do MS: 9
EPS: 4
Saúde do trabalhador: 3
Não informado: 7
Saúde da mulher: 0
Saúde da criança/adolesc: 1
Saúde do adulto: 0
Cuidados de enfermagem: 2
Doenças: 19
Programas do MS: 2
EPS: 0
Saúde do trabalhador: 0
Não informado: 0
Legenda: MS- Ministério da Saúde; EPS- Educação Permanente em Saúde; Adolesc.- Adolescente;
SISREG- Sistema Nacional de Regulação.
5. Processos educativos por categorias profissionais
ACS: 14
Auxiliar de saúde bucal: 0
Auxiliar de serviços gerais: 0
Aux/téc. enfermagem: 6
Dentista: 1
Enfermeiro: 27
Fisioterapeuta: 1
Médico: 1
Recepcionista: 1
ACS: 30
Auxiliar de saúde bucal: 10
Auxiliar de serviços serais: 5
Aux/téc. enfermagem: 15
Dentista: 12
Enfermeiro: 39
Fisioterapeuta: 7
Médico: 20
Recepcionista: 15
ACS: 4
Auxiliar de saúde bucal: 0
Auxiliar de serviços gerais: 0
Aux/téc. enfermagem: 4
Dentista: 2
Enfermeiro: 12
Fisioterapeuta: 2
Médico: 11
Recepcionista: 2
Legenda: ACS- Agente Comunitário de Saúde; Aux- Auxiliar; Tec- Técnico.
67
6. Processos educativos por nível de formação dos participantes
Nível Médio/Fund.: 11
Nível Superior: 21
Nível Médio/Fund.: 11
Nível Superior: 20
Nível Médio/Fund.: 9
Nível Superior: 14
7. Profissionais da ESF que participaram dos processos educativos
1132 1747 513
8. Locais de realização das atividades
Unidades ESF: 1
Unidade de Saúde publica: 29
Faculdade particular: 8
Espaços na comunidade: 2
Unidade de saúde partic.:0
Não Informado: 2
Unidades ESF: 2
Unidade de Saúde publica: 15
Faculdade particular: 15
Espaços na comunidade: 10
Unidade de saúde partic.: 2
Não Informado: 10
Unidades ESF: 0
Unidade de Saúde publica: 2
Faculdade particular: 0
Espaços na comunidade: 2
Unidade de saúde partic.: 12
Não Informado: 20
Legenda: ESF- Estratégia Saúde da Família; Partic.- Particular.
Fonte: Elaboração própria baseada nos documentos dos processos educativos de um município da região Médio
Paraíba/RJ.
A análise dos documentos comprobatórios dos 120 processos educativos realizados no
município no período do estudo possibilitou a compreensão de como se deu a organização dos
processos institucionais pensados pela gestão como EPS, na direção da qualificação dos
trabalhadores da atenção básica, especificamente dos trabalhadores da ESF.
Nessa busca, não foram encontradas informações completas que pudessem nortear a
análise das atividades compreendidas como sendo de EPS no município. Os registros
demonstraram, por exemplo, falta de padronização no formato dos documentos, ausência de
informações sobre a profissão dos participantes e do local de atuação dos profissionais que
participaram dos processos, ausência de referência ao responsável pela organização da
atividade ou demandantes do tema e a falta de referência ao local de realização das atividades
educativas.
A leitura dos documentos mostrou que a frequência dos processos educativos oscilou
conforme os meses. A maior quantidade deu-se no mês de abril de 2013, com dezessete
processos educativos. A maioria dos registros não apresentou carga horária definida, apenas
horário de início. Os que apresentaram definição corresponderam a 22 processos educativos
em 2011; 16 em 2012 e 2 em 2013. De um total de 362 trabalhadores da atenção básica
(cálculo até julho de 2013), o município contou com 3.392 participações nos processos
educativos distribuídos por ano da seguinte forma: 1.132 (2011), 1.747 (2012) e 513 (até julho
de 2013), indicando a consistente presença dos trabalhadores nos eventos realizados pelo
município. Embora tenha havido expressiva frequência de cursos, não se observou
68
continuidade na abordagem dos temas, pois cada dia de curso abordava temas e públicos
diferentes.
Os achados são coerentes com a concepção de capacitação mencionada pela PNEPS,
que a reconhece como “uma estratégia descontínua de capacitação com rupturas no tempo:
são cursos periódicos sem sequência constante” (BRASIL, 2007, p. 44).
Nos títulos dos processos educativos realizados nos três anos – 2011, 2012 e 2013, até
julho –, foi predominante o termo “capacitação”, chegando a representar 99% no ano de 2012.
Considerando todo esse período, o termo “capacitação” apareceu em 88 processos, sendo 32
com outros títulos.
A predominância da capacitação enquanto instrumento pedagógico de ensino no
campo da saúde é referenciada pela PNEPS como aquela que considera as aprendizagens
individuais que nem sempre se traduzem em aprendizagem capaz de mudar as organizações e
o processo de trabalho e que podem não contribuir para os coletivos, nos quais os
trabalhadores fazem parte (Ibidem).
Na análise do material, percebeu-se que não há referência nos registros aos
demandantes das atividades análise. Porém, a análise dos títulos e temas dos processos
educativos pareceu indicar que estes ocorreram a partir de problemas municipais fundados em
dados epidemiológicos. Nesses casos, a gestão definiu os temas a serem trabalhados com os
profissionais sob o formato de palestras e cursos de capacitação, não tendo por base a
singularidade dos lugares e das pessoas. As temáticas que mais apareceram nos documentos
foram: tuberculose (2012 e 2013), com dezenove processos educativos ao todo, seguida de
dengue (2011), com oito atividades. Em um estudo realizado pela USP, considerou-se como
educação continuada/capacitação o desenvolvimento de atividades educativas feitas a partir
de uma leitura geral dos problemas, com temas e conteúdos trabalhados sob o formato de
cursos (USP, 2008).
O texto da PNEPS (2007) aponta que os temas abordados nas capacitações podem até
aproximar o que se diz do que se faz, mas podem não relacionar-se com problemas concretos
e práticos ou mobilizar comportamentos no sentido da transformação (BRASIL, 2007).
A análise indicou que os processos educativos, além de planejados numa concepção
pedagógica tradicional de capacitações, foram programados de forma descendente pelo
departamento de atenção básica a partir de questões epidemiológicas identificadas no
município. Oliveira e Wendhausen (2014, p. 138) afirmam que “[...] o primeiro passo para
69
provocar a mudança no processo de formação é entender que as propostas não podem mais ser
construídas isoladamente, e nem de cima para baixo”.
Pinto (2010) e Pinafo (2011) atribuem à educação continuada os processos que operam
a capacitação segundo práticas hegemônicas em que o conhecimento é transmitido por meio
da lógica centralizadora e verticalizada, prevalecendo uma relação impositiva e superior. Já
Mendonça (2011), em relação às práticas tradicionais de ensino, associa-as ao pouco diálogo e
à deficiente abertura para escuta e construção de processos coletivos.
Também foi possível observar que a maioria dos processos educativos registrados
foram específicos para uma categoria profissional, prevalecendo os cursos para nível superior
(55) em detrimento do nível médio (31), totalizando o número de 86. Dentre todos os
profissionais que compõem a ESF, o enfermeiro foi o principal alvo dos processos educativos,
participando de 27 no ano 2011, 39 no ano de 2012 e 12 no ano de 2013, seguidos dos ACS e
médicos.
Nota-se que alguns processos educativos foram feitos com mais de uma categoria
profissional (34), mas predominou a separação entre nível superior e nível médio. O processo
educativo com a maior variedade de profissionais reunia médicos, enfermeiros,
fisioterapeutas, dentistas, nutricionistas, técnicos em enfermagem, agentes comunitários de
saúde e auxiliares de saúde bucal (ASB) de distintas unidades de saúde, não sendo observada
nenhuma atividade multiprofissional dentro de uma mesma unidade/equipe de saúde.
A PNEPS (2007) enuncia a fragmentação da equipe como sendo foco da concepção de
capacitação, em que as ações são desenvolvidas por categoria profissional específica, com
níveis de formação diferentes. Tal separação, centradas em categorias profissionais distintas,
desconsidera, assim, a equipe multiprofissional e não guarda afinidade com o cotidiano de
práticas, nem favorecem discussões interdisciplinares.
A lógica da EPS, por outro lado, preconiza que o foco seja o processo de trabalho e
não as categorias profissionais disciplinares e aposta na inclusão de todas as variantes de
atores nos processos de reflexão. Morin (2000) diz que a educação tradicional tem sido
considerada cega ao conhecimento da dimensão global e multidimensional do ser humano.
Daí a necessidade de processos de formação capazes de aproximar os diferentes atores e
integrar os conhecimentos e experiências.
Concernentes aos locais de realização das atividades, observou-se que a ESF não foi o
cenário principal, sediando apenas três processos. Porém, mesmo nesses três casos, as
atividades envolveram trabalhadores de outras unidades e não das respectivas unidades de
70
saúde. 97 atividades foram feitas em auditórios e salas de reuniões destinadas a uma
quantidade maior de pessoas, tais como: faculdade privada, auditório da Sociedade
Cooperativa de Trabalho Médico (UNIMED) e Centro de Diagnóstico e Imagens (CDI). A
faculdade privada cedeu o espaço do auditório para a realização de atividades do município,
mas não foram observados/registrados alunos ou docentes das instituições de ensino nesses
eventos. Dos 120 processos educativos realizados nos anos 2011, 2012 e 2013, apenas três
foram feitos nos espaços internos da ESF.
A PNEPS (2007) ressalta que a lógica norteadora das ações de capacitação, diferente
das preconizadas pela EPS, pressupõe a reunião das pessoas em sala de aula, isolando-as do
contexto real de trabalho frente aos especialistas e expertises no assunto que transmitem os
conhecimentos com a expectativa de que sejam assimilados e praticados. A PNEPS ressalta
que a aplicação dos temas “transmitidos” à prática nunca se efetuam e que, apesar dessas
evidências, continua-se insistindo nesse modelo de educação.
Paulo Freire situa essa concepção educativa como “educação bancária”, em que as
pessoas recebem passivamente as informações, sendo meros depositários do conhecimento
oferecido pelo professor, reforçando ainda mais a separação entre os que sabem e os que não
sabem (FREIRE, 1987, 2011).
Na análise dos registros das atividades educativas, foram encontradas referências a
quatro processos educativos no ano de 2012 cujo tema foi Educação Permanente em Saúde.
Foram realizados no município quatro oficinas propostas pela CIES regional que, devido à
proximidade com o objeto de pesquisa, merecem ser detalhadas:
1. A primeira oficina foi realizada com a participação de técnicos de enfermagem, ACS,
médico e enfermeiro, totalizando 26 pessoas. Sendo que doze pessoas eram da ESF do
município estudado (unidades A e B) e sete de municípios vizinhos. A oficina em questão
teve duração de oito horas;
2. A segunda oficina aconteceu com o mesmo formato, acrescido de um município
vizinho e com um profissional dentista. Totalizou 29 pessoas, sendo os mesmos doze
trabalhadores do município estudado e catorze pessoas de outros municípios;
3. A terceira oficina de EPS ocorreu com trabalhadores da ESF A (sete trabalhadores) e
B (quatro trabalhadores) e não foram observadas participações de outros municípios;
4. A quarta e última oficina aconteceu com 27 pessoas, doze da ESF do município em
estudo (A e B) e com sete trabalhadores de outro município.
71
Destaca-se que, no ano de 2013, nos meses de novembro e dezembro, o município
envolvido nesse estudo foi novamente escolhido pela CIES como cenário para a realização
das oficinas de EPS. As oficinas tiveram o mesmo formato das realizadas em 2012, diferindo
apenas a participação de uma unidade ESF do município (unidade C) e a ausência da equipe
da unidade (A). A equipe ESF (B) manteve a participação.
Nesse sentido, analisando os documentos, foi possível observar que a única atividade
com EPS promovida pelo município não foi feita com a equipe de trabalho multidisciplinar
considerando seus contextos e vivências. As oficinas de EPS foram realizadas com diferentes
unidades e com unidades de outros municípios e de outros contextos de saúde e trabalho.
Observou-se também que somente três unidades de ESF (A, B e C) participaram dessas
oficinas. Algumas questões foram despertadas: Por que as únicas atividades institucionais
focadas na discussão da EPS no município não incluíram outras equipes locais e seus
contextos? Por que não houve uma continuidade nos processos de EPS desencadeados pela
CIES no município? Por que os trabalhadores não incorporaram as rodas de EPS em seu
cotidiano?
Pôde-se observar a existência de movimentos institucionais no município no sentido
de facilitar a formação de profissionais da atenção básica, predominantemente por meio de
cursos de capacitação. Nas iniciativas que, pelo título, pareceram intencionar favorecer a
autoanálise de coletivos (oficinas de EPS), percebeu-se distanciamento do real sentido da
EPS, uma vez que não ocorreu a permanência das rodas e tampouco o envolvimento da gestão
e dos profissionais na construção desses espaços nas unidades locais.
6.2. CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE EPS
6.2.1 Os participantes da pesquisa
Com relação aos participantes da pesquisa, verificou-se uma maioria de mulheres
(81%), entre 31 a 50 anos (75%), e de moradores do próprio município (69%). Quanto ao
cargo de lotação, foram entrevistados quatro gestores e doze profissionais da atenção básica.
O tempo de serviço público foi predominantemente maior do que quatro anos. No que se
refere à formação, foram entrevistados dois auxiliares de enfermagem e quatro agentes
comunitários de saúde, além de dez profissionais com nível superior (um psicólogo; um
economista; um administrador; quatro enfermeiros; um dentista e dois médicos), sendo três
mestres e sete especialistas.
72
Os sujeitos participantes do estudo ligados à gestão ocupam cargos propositivos com
relação a processos de EPS na região e no município, cujas falas dão pistas dos motivos pelos
quais os participantes assumiram os cargos de gestão. Dentre os sujeitos participantes, dois
atribuíram sua atuação na gestão ao fato de terem contribuído para a construção do SUS
regional ou municipal e outros dois consideraram que foram convidados a assumir seus cargos
pela proximidade com a academia, seja através da docência ou por terem pós-graduação em
área de interesse da gestão.
Destaca-se que dois participantes ligados ao Grupo I e um participante ligado ao
Grupo II concluíram cursos específicos de EPS (Facilitadores de EPS-FIOCRUZ); dois
possuem especialização em gestão/gerenciamento; um possui mestrado em saúde pública; e
um, mestrado em Ensino na Saúde.
Em relação aos participantes ligados à atenção básica, quando solicitados a falar sobre
sua trajetória, narraram distintas vivências, das quais apenas uma se referia à atuação anterior
em ESF, o que possibilitou observar que os demais participantes migraram de outras áreas
para a atenção básica. Dentre os doze entrevistados: sete participantes informaram que
buscaram inserção na atenção básica pela oportunidade de emprego; um por ter tido vínculo
privado considerado como instável; dois participantes relataram interesse pelo campo da
saúde em função de um familiar doente; um já trabalhava ajudando a comunidade; e um
participou do processo de implementação do PSF no município.
Quatro entrevistados informaram possuir pós-graduação específica no campo da
ESF/Saúde Pública ou Coletiva. Dos doze trabalhadores da atenção básica entrevistados,
apenas um havia participado de curso específico no campo da EPS. Nas tabelas 6 e 7, podem
ser observados dados que contribuem para a compreensão dos sujeitos participantes das
entrevistas.
Tabela 6: Caracterização dos sujeitos participantes da pesquisa
Código Sexo Idade Residência no município
GI Garça F 31 a 50 Não (Volta Redonda)
GI Peixe M 51 a 60 Sim
GI Formiga F 31 a 50 Sim
GI Borboleta F 31 a 50 Sim
GII Flor F 31 a 50 Não (Itatiaia)
GII Céu M 31 a 50 Sim
GII Lírio F 31 a 50 Não (Pinheiral)
GII Água F Até 30 Sim
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GII Terra F 51 a 60 Sim
GII Pedra F 31 a 50 Sim
GII Rio F 31 a 50 Sim
GII Luz M 31 a 50 Sim
GII Vento F 31 a 50 Não (Itatiaia)
GII Sol F 31 a 50 Sim
GII Nuvem F Até 30 Sim
GII Mar F 31 a 50 Sim
Fonte: Elaboração própria baseada nas entrevistas.
Tabela 7: Caracterização dos sujeitos participantes da pesquisa quanto à formação
Código Formação/Cargo Escolaridade Tipos de
Vínculos
Tempo de vínculo
público
GI Garça Psicologia
Coordenador CIES
Mestrado Estatutário Mais de 4 anos
GI Peixe Ciências Econômicas
Superintendente de Controle e
Avaliação
Especialização
Estatutário Mais de 4 anos
GI Formiga Administração
Representante na CIES
Especialização Contrato Mais de 4 anos
GI Caramujo Enfermagem
Supervisão de área
Especialização Contrato Até 4 anos
GII Flor Medicina
Médico
Mestrado Estatutário Mais de 4 anos
GII Céu Medicina
Médico
Especialização Estatutário Mais de 4 anos
GII Lírio Enfermagem
Enfermeiro
Especialização Estatutário Mais de 4 anos
GII Água Enfermagem
Enfermeiro
Especialização Estatutário Até 4 anos
GII Terra Ensino Médio
ACS
Ensino Médio CLT Mais de 4 anos
GII Pedra Ensino Médio
ACS
Ensino Médio CLT Mais de 4 anos
GII Rio Enfermagem
Auxiliar de Enfermagem
Graduação Estatutário Mais de 4 anos
GII Luz Ensino Médio
ACS
Ensino Médio CLT Mais de 4 anos
GII Vento Enfermagem
Enfermeiro
Especialização Estatutário Mais de 4 anos
GII Sol Enfermagem
Auxiliar de Enfermagem
Ensino
Fundamental
Estatutário Mais de 4 anos
GII Mar Odontologia
Dentista
Especialização Estatutário Mais de 4 anos
GII Nuvem Ensino Médio
ACS
Ensino Médio CLT Mais de 4 anos
Fonte: Elaboração própria baseada nas entrevistas.
74
6.2.2 A EPS na expressão dos trabalhadores da gestão e da atenção básica
Esta categoria se refere à análise feita com base nas entrevistas com os participantes
(Grupos I e II), segundo a questão que lhes foi proposta: expressão da EPS no município.
As análises dessa fase da pesquisa me possibilitaram compreender como se dão os
movimentos institucionais e inventivos entrelaçados no cotidiano do trabalho em saúde pela
perspectiva dos gestores e trabalhadores da atenção básica. A análise das transcrições das
entrevistas revelou distintas formas de desver a EPS. Cada fala, expressão e argumentação,
trouxeram ao estudo sentidos e possibilidades que, como diria Manoel de Barros,
“transbordam as margens” políticas e institucionalizadas da EPS. Nesse caminhar, observei
que o ato da entrevista/conversa com cada sujeito se apresentou como oportunidade de
disparar reflexão, sensibilizar e dar visibilidade às inventividades, tanto minhas quanto dos
participantes, num legítimo movimento de EPS.
Os trabalhadores acerca da expressão da EPS no município relataram que as iniciativas
municipais de educação/formação vêm acontecendo no formato de cursos, palestras ou
reuniões formais. Alguns identificaram tais iniciativas com a concepção de educação
continuada, devido à frequência de treinamentos mecânicos e capacitações voltadas para a
transmissão de informações ou para o ajuste de falhas na equipe. Assim, independentemente
do nome dado a tais atividades (EC ou EPS) os participantes se ressentiram do fato dessas
abordagens serem pontuais e repetitivas e de não promoverem trocas de experiências, espaços
de problematização, discussão e reflexão.
É voluntário, você fala. Se não quiser, não fala... É só palestra, você fica ouvindo,
ouvindo, ouvindo, ouvindo, ouvindo, dá sono... Ouve, ouve, ouve e só! [Grupo II
Céu]
A gente não tem espaço pra trocas. A gente ouve, no máximo o que a gente faz é
tirar dúvidas. As pessoas acabam não querendo ir, porque sabem que vão receber
pouco, porque são assuntos que eles [gestores] trazem... As mesmas coisas,
entendeu? Poderia ser mais rico... [Grupo II Vento]
Nessa direção, a PNEPS diz que a definição de uma política de formação e
desenvolvimento para o SUS, em âmbito municipal, deve considerar o conceito de EPS como
“aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao quotidiano das
organizações e ao trabalho”. Diz, também, que o objetivo final deve ser a transformação das
práticas profissionais e da própria organização do trabalho a partir da problematização
(BRASIL, 2007, p. 20).
75
Os entrevistados demonstraram entender que a EPS está profundamente imbricada
com a problematização como um passo importante para a efetivação de processos reflexivos e
críticos do cotidiano. Conforme relatam Flor e Rio:
Porque educação continuada tem... Você sai [da unidade e faz] um tour para assistir
uma palestra, mas não problematização, não discussão, não reflexão do que está
acontecendo dentro da sua unidade. [Grupo II Flor]
[nesses encontros], não tem diálogo, não tem escuta, não tem observação, não tem o
momento da fala, não tem problematização do cotidiano, não tem observação, não
tem... [Grupo II Rio]
A ação de problematizar, em Saviani, apresenta-se como necessidade cognoscitiva,
como necessidade dialética de busca por soluções (SAVIANI, 1980). Em Freire,
problematizar corresponde à ação do sujeito a partir de sua realidade, numa busca por
transformação e pela práxis a partir do sujeito (FREIRE, 1996). Para Ceccim (2005, p. 175), a
EPS "é uma estética pedagógica para a experiência da problematização e da invenção de
problemas".
Esse conceito parte da visão de que conhecimento não se transmite, mas é construído a
partir dos problemas vivenciados. Freire diz que a reflexão crítica sobre a prática é uma
exigência da relação teoria/prática e que o educando deve assumir-se como sujeito que produz
saber, contrapondo-se, assim, à lógica de transmissão de conhecimento (FREIRE, 1996).
Os entrevistados do Grupo II demonstraram pouco conhecimento sobre o conceito da
Educação Permanente em Saúde. Porém percebi, em suas falas, que reconhecem outras
maneiras de produção de análise do processo de trabalho. Alguns participantes afirmaram
que, apesar desses movimentos institucionais terem como padrão a disposição técnica,
normativa e prescritiva de procedimentos e informações, a EPS pode acontecer de forma
espontânea, fora dos espaços institucionalizados de reunião e das programações de agenda dos
profissionais. Nesse caso, reconheceram que a EPS se expressa a qualquer momento, em cada
oportunidade relacional, como a seguir:
A gente acaba fazendo isso [momentos de reflexão coletiva], [...] um idoso se
queixou com o fisioterapeuta que o neto tinha batido nele. A enfermeira, eu, o
agente comunitário, a técnica de enfermagem sentamos para discutir o caso. [Grupo
II Flor]
Nossos momentos de reflexão são aqueles de desabafo, a gente senta, almoça juntos,
se encontra e discute o que a gente não tá conseguindo fazer. Discutir, a gente
discute muito (...). Mas isso não pode ser assim. São momentos extra trabalho onde
a gente leva o trabalho pra discussão, mas aqui dentro não tem. [Grupo II Rio]
76
Paulo Freire (2004), no sentido dos encontros e das relações entre os sujeitos, diz que
onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há
sempre o que aprender, demonstrando que os processos educacionais se dão no outro com o
outro e pelo outro.
Os gestores participantes do estudo concordaram com a percepção dos trabalhadores
da atenção, de que os movimentos institucionais são muitas vezes reduzidos a processos de
educação continuada. Também ressaltaram que a EPS se expressa no município de formas
múltiplas, espontâneas e sem um formato definido.
[A EPS acontece], mas sem uma certa consciência sobre isso, quando ela [unidade
de saúde] se reúne em equipe para discutir um caso tal. Mas isso deveria ser uma
prática constante. Acho que até existe, mas sem consciência de que é EP. [Grupo I
Formiga]
Se ela [EP] acontece, mesmo com esse revestimento de ser EP ou não, ela deve
acontecer de formas múltiplas, muito variadas, muito espontâneas, muito sem
formato né? [...] sem a gente saber que é EP, ela acontece de forma muito dinâmica
e desconhecida [...] conforme o modo que cada ator enxerga o mundo, de acordo
com as leituras que cada um de nós fazemos o tempo todo, no espaço onde a gente
vive e trabalha. [Grupo I Peixe]
Nesse sentido, Vázquez ressalta a importância de que o cotidiano seja fonte dos
processos reflexivos e analíticos e que a teoria só poderá se tornar fecunda se não perder os
laços com a realidade, que é sua fonte inesgotável. Para que tal encontro aconteça nos
cenários da saúde, é preciso que os trabalhadores atuem criticamente sobre sua realidade e de
forma revolucionária. A teoria, segundo ele, ajuda a transformar nosso conhecimento dos
fatos e nossas ideias sobre as coisas, mas não as próprias coisas (VÁZQUEZ, 1990, p. 209-
210).
O trabalho potencialmente vivo e que se dá em ato deve se opor aos modelos impostos
e buscar a ordem do encontro e das interações. Assim, as relações informais/relacionais entre
os trabalhadores também devem ser consideradas como importantes para a produção de
conhecimento no cotidiano das instituições de saúde, sendo os problemas enfrentados no dia a
dia a base da mudança.
6.2.3 Potencialidades e dificuldades na construção de espaços de EPS
Esta categoria refere-se às potencialidades e dificuldades na construção de espaços de
EPS no município. Como potencialidades, a gestão pareceu reconhecer que o coletivo de
trabalhadores do município, no qual se inclui, está disposto e aberto para esse movimento e
que o seu papel deve ser garantir espaços de visibilidade para tais iniciativas. Nessa direção,
77
referiram o contexto político favorável, potência na participação municipal diferenciada na
CIES e sensibilidade institucional nos processos capazes de facilitar a reflexão pelos sujeitos
sobre o seu cotidiano de trabalho.
O município demonstra que quer ser polo, que quer levar essa discussão [sobre a EP]
pra lá [CIES]. Ele tem o desejo que seus atores participem e tenham facilidade de
participar. [Grupo I Garça]
Eu não conseguiria falar muito sobre dificuldades, acho que é uma questão de
aproximação que a gente vai fazer, para que a EP se revele como uma potência,
como uma força transformadora [...] você tá sempre agregando uma nova visão
sobre ela [EP], ela é uma coisa, mas ao mesmo tempo não é [...] tá sempre num
devir. [...] eu consigo é enxergar uma possibilidade [...] algo que vai crescer. [Grupo
I Peixe]
Para o grupo II, os aspectos relacionais da equipe foram considerados como
facilitadores do desenvolvimento da EPS, em que o bom relacionamento, a amizade e os
vínculos fortes favorecem os espaços de trocas, diálogo e compartilhamento.
Porque as pessoas são fáceis de lidar, né... Eles param pra te ouvir, se alguma coisa
acontece com a gente, oh, vamos prestar atenção porque não tá funcionando. [Grupo
II Lírio]
[...] acho que é a união, acho que formou a união entendeu? Acho que não tem
aquele negócio de intriga um com o outro, acho bem mais fácil trabalhar assim.
[Grupo II Luz]
Porque a equipe se dá muito bem, sabe... Uma equipe que tá muito tempo
trabalhando junta. [...] Uma equipe que tem um bom relacionamento um com o
outro. A gente tem como chegar e falar, né, assim, tem essa liberdade de um
conversar com o outro. [Grupo II Sol]
Os entrevistados gestores referiram que a construção de tais espaços está muito mais
ligada à disposição dos trabalhadores, independentemente do local em que atuam, e que todos
crescem quando exercitam a análise coletiva diante de vínculos fortes e respeitosos.
Ressaltaram ainda a importância do diálogo entre trabalhadores, gestores ou não, situados nas
diversas instâncias municipais.
Existe um compromisso forte das pessoas estarem motivadas a fazerem parte de um
processo de seriedade, de ética com a saúde, de preocupação com a saúde enquanto
bem e valor importante e fundamental para a sociedade [...] então acho que são
ingredientes fundamentais para que a EP [...] floresça nesse contexto. [Grupo I
Peixe]
Se não tiver o primeiro movimento de buscar sensibilizar outros atores, você fica
isolado, sozinho, tem boa intenção, mas não consegue levar essa ideia para mais
atores [...]. O primeiro fórum de sensibilização de educação permanente do
município [que se transformou no EPensando] vai ser construído com os
trabalhadores. O gestor tá participando disso, [...] tem um movimento acontecendo
78
[...] uma primeira vontade de tocar outros atores sobre esta história de EP, a partir
daí, as coisas vão acontecendo. [Grupo I Garça]
Algumas dificuldades foram apontadas pelos participantes quanto à construção e
espaços de EPS no município, a começar pela resistência à mudança de processos e de
comportamentos.
Quando solicitei aos gestores que descrevessem dificuldades na incorporação de
espaços de EPS no cotidiano do trabalho em saúde, estes reconheceram que o maior obstáculo
reside no fato de que a análise do próprio processo de trabalho pelo coletivo pressupõe tempo
e disposição dos trabalhadores, gestores ou não.
Colocaria como dificuldade a resistência das pessoas, gestores e demais
profissionais. A EP exige mudanças não só de processos como de comportamentos,
o que para muitas pessoas é uma dificuldade. [Grupo I Garça]
Tal mudança pode acontecer mediante a formação de sujeitos não mais como recursos
humanos, mas como “atores sociais”, com práticas libertárias e inovadoras. Isso implica num
trabalhador que se posicione em um constante processo de interrogação e discussão sobre o
mundo do trabalho (MERHY, 2005; CECCIM, 2007; FRANCO, 2007). O não
reconhecimento dessa autonomia gera pessoas dependentes, resistentes e submissas.
A questão do tempo foi apontada como dificuldade para os processos de EPS.
Apareceu fortemente relacionada à carga excessiva de trabalho nas falas dos trabalhadores da
atenção básica entrevistados. Nesse sentido, estes manifestaram sua insatisfação com a
omissão da gestão na garantia de espaços institucionais capazes de favorecer a análise do
processo de trabalho pelo próprio coletivo.
No dia a dia, na correria do próprio PSF [...], a gente acaba não fazendo [reunião de
equipe]. Se a gente tivesse um espaço pra isso... Porque, por exemplo, em dia de
reunião a prefeitura não aceita mais que feche a unidade, que pare o atendimento em
determinado horário pra que a gente faça [a reunião]. Então a gente tem que fazer
com o paciente dentro da unidade, com paciente chegando, telefone tocando... É
difícil... Acaba não acontecendo. Tudo isso acaba dificultando a EP. [Grupo II
Vento]
A prefeitura, infelizmente, não disponibiliza esses encontros, que fosse, sei lá... De
dois em dois meses... Não precisava ser todo mês [mas] teria que ter continuidade. A
prefeitura tinha que dar essa chance pra gente. [Grupo II Mar]
Os entrevistados da atenção básica ressaltaram que o excesso de carga de trabalho
muitas vezes inviabiliza encontros espontâneos entre os trabalhadores e que as reuniões de
equipe, que poderiam ser espaços garantidos para trocas, ficam esvaziadas de valor devido à
ocupação normativa e prescritiva desse que seria um tempo valioso para um bom encontro.
79
Durante as entrevistas e na análise das transcrições, pude observar, em alguns
momentos, uma disposição dos sujeitos entrevistados de se colocarem em posições quase
antagônicas: gestores de um lado e trabalhadores da atenção básica de outro. Essa postura
pode levar os sujeitos a se descuidarem do fato de que, apesar de suas distintas superfícies,
atravessam-se como na tira de Moebius (GARCIA, 2008, p. 201).
Daqui de dentro dos espaços fechados da gestão, a gente não consegue enxergar
como ela se dá nos diversos serviços de saúde. [Grupo I Peixe]
Sempre vem de lá [da gestão], sempre vem com tema, dia e horário, já convocando
quem vai e quem não vai. Quando não vem a convocação de lá, pra poder todo
mundo ter a oportunidade de participar, ela [a enfermeira] sorteia, entendeu? [Grupo
II Água]
Vem dos gestores para a unidade. Acho que seria legal ter sugestões das unidades
pra gestão, né? Pois a gente vivencia casos diferentes, a gente tem experiências
diferentes... [deve] ter um momento de discussão e de compartilhar com outras
equipes os momentos vivenciados. [Grupo II Pedra]
Montanha e Peduzzi (2010) se opõem a esse tipo de educação promovida nos cenários
da saúde, cujos cursos, palestras e treinamentos são feitos para aperfeiçoamento, não
oferecendo espaço para trocas e reflexões críticas entre os trabalhadores.
Nessa direção, as falas dos trabalhadores da atenção apontaram críticas à gestão, citada
por alguns como impositiva e pouco afeita às necessidades locais e, por isso, estaria
promovendo, há tempos, processos de educação continuada compreendidos como incapazes
de abarcar as singularidades e de proporcionar espaço de trocas e problematizações entre os
trabalhadores.
Na prefeitura é um arquipélago com várias ilhazinhas, cada um fazendo a seu modo.
[Grupo II Rio]
Os momentos de abertura que existem são momentos pré-montados, é algo que tem
que constar como obrigação. As reuniões que nós temos com as nossas supervisões,
têm o intuito de passar informações. [Grupo II Rio]
Os temas a serem discutidos [são] tirados da cartola. Então, não tem debate. Pra ter
educação permanente, a gestão, a ponta, os usuários, todos nós temos que estar
dentro de um diálogo, falando, escutando, ouvindo, observando, analisando
criticamente o que tá bom, o que tá errado. Mas, pra isso, a gente tem que estar
aberto ao outro. [Grupo II Rio]
Merhy (2005) contrapõe tal lógica quando diz que o processo que deseja ser
comprometido e implicado com a EPS precisa encontrar forças para gerar no trabalhador as
necessárias transformações da prática. Esse fato demanda por uma capacidade de
problematizar-se no próprio agir. Cecílio (2007) aponta para a importância de não levar
80
encomendas prontas, sistematizadas e modelos pré-determinados, mas, a partir do encontro
com o outro, produzam-se conhecimentos que não são exclusivamente dos gestores.
Para os gestores entrevistados, os trabalhadores, de uma maneira geral, não se
apropriaram efetivamente da EP e, por esse motivo, acreditam que dificilmente o município
possui expressão potente de EPS.
Do ponto de vista das relações, os entrelaçamentos entre os movimentos institucional
e inventivo da EPS pressupõem, antes de tudo, relações entre diferentes sujeitos. Ter
conversado com os participantes do estudo reforçou minha disposição de aproximar e
mobilizar cenários e cotidianos desses sujeitos, produzindo experiências criativas baseadas em
processos de reflexão.
O aprofundamento nessa realidade fortaleceu minha disposição de um olhar renovador
sobre o processo de trabalho e outras maneiras de desformar tal realidade. Para tentar
compreender a expressão da EPS no âmbito municipal, tanto em aspectos institucionais,
quanto inventivos, foi preciso escolher um caminho. Encontrei-o na ação por meio do
rompimento e da transgressão que Paulo Freire, Vázquez e Manoel de Barros trazem.
81
SÉTIMO CAPÍTULO
Eu tenho um gosto rasteiro de ir por
reentrâncias, baixar em rachaduras de
paredes por frinchas, por gretas – com
lascívia de hera (BARROS, 2006, p. 12).
7. INVENTANDO DESVIOS E DESVERES
Neste capítulo pretendo inicialmente clarear para o leitor o meu lugar diante do objeto
de estudo, revelando meu envolvimento com o processo de investigação. Na sequência,
intenciono relatar o caminho trilhado como pesquisadora (in)mundo. Para Abrahão et al.
(2014) um pesquisador (in)mundo é aquele que se mistura, que se emaranha, aquele que afeta
e se permite afetar pelas relações e encontros potentes no processo de pesquisa. Por fim, não
por que tenha terminado, mas pela exigência que o Mestrado e a Universidade me fazem de
defesa pública deste trabalho, relato a construção de um espaço coletivo de autoanalise e
expressão de dinâmicas sociais inventivas no cotidiano da gestão e do trabalho na saúde do
município: o grupo EPensando.
Antes de começar, gostaria de propor uma “graça” gráfica que ilustra todo esse meu
“borboletear” nos últimos tempos (figura 4). Na busca por dados que pudessem fundamentar a
análise sobre as questões do estudo, andei/voei muito. A realização desse trabalho exigiu
movimentos e as interações propiciadas foram diversas, em função da minha disposição para
a relação dialética com o meu objeto de interesse ou como diria Manoel de Barros, para o ver,
o rever e o transver.
Figura 4: O percurso da pesquisadora no conhecimento do objeto
Fonte: Elaboração própria.
82
Conforme descrito no segundo capítulo, meu encontro com a EPS se deu de maneira
espontânea e inventiva. Não tinha conhecimento sobre a PNEPS, rodas ou coisas do gênero,
mas minha atuação me dizia que havia um caminho ainda a ser descoberto e fui procurá-lo no
Mestrado Profissional em Ensino na Saúde (MPES). No MPES me dediquei, primeiramente, a
entender como a EPS se dava política e institucionalmente. O estudo da PNEPS trouxe muitas
dúvidas, mas eu tinha uma forte convicção de que a EPS deveria ter um espaço institucional
garantido nos serviços e no cotidiano dos trabalhadores. Aprendi com a PNEPS as instâncias
responsáveis por operacionalizar a EPS nas regiões e nos municípios e precisava ver de perto
como isso se dava na região do Médio Paraíba.
A primeira aproximação com a coordenadora e responsável regional da CIES do
Médio Paraíba (Garça) se deu de forma voluntária, no dia 23 de janeiro de 2013, no município
de Volta Redonda, interior do estado do Rio de Janeiro. Nela percebi dedicação e militância
em promover e facilitar os processos de educação permanente. A aproximação revelou
aspectos importantes sobre a condução da EPS na região e no município, dentre os quais
aspectos históricos de implantação da PNEPS na região, em 2004, através da implantação dos
polos de educação permanente, inicialmente chamado Polo Médio Paraíba, que cobria três
regiões do estado: Médio Paraíba, Centro Sul e Bahia da Ilha Grande. Posteriormente, em
2006, o polo passou a fazer cobertura apenas da região do Médio Paraíba, composta hoje por
doze municípios.
Minha percepção, a partir da visita à CIES Médio Paraíba, foi a de que a educação
permanente tinha muito a percorrer para que de fato atendesse aos pressupostos políticos e
institucionais. A educação continuada ainda era predominante na qualificação dos
profissionais de saúde da região e os processos de educação na saúde eram feitos de forma
desarticulada e fragmentada. Desse modo, a capacidade de impacto sobre as instituições
formadoras, sobre os serviços e, sobretudo, sobre as práticas profissionais apresentava-se
ainda limitada e incipiente. Nesse encontro, pude observar algumas iniciativas que considerei
positivas, em especial o estabelecimento da relação com as instituições de ensino,
principalmente com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) no sentido de
facilitar o acesso virtual dos profissionais aos cursos em seu local de trabalho.
Por outro lado, sentia falta de maior aproximação com os espaços, onde, de fato, as
coisas acontecem: os serviços locais de saúde. Pelas impressões apresentadas, intrigou-me o
fato de que eles, os trabalhadores de saúde, são retirados dos seus ambientes, ou seja, locais
onde as tensões e desafios se apresentam, para ouvir sobre EPS nas oficinas promovidas pela
83
CIES, tendo por cenário de reflexão espaços distantes de suas realidades. A visita me ajudou a
entender a realidade da EPS nos âmbitos institucional e regional, a identificar algumas
contradições entre o que deveria e o que efetivamente é feito e levou-me a analisar um pouco
os processos, limites e possibilidades da atuação da CIES. Apesar de subjetivos e complexos,
e do pouco tempo disponível para tal compreensão, os fenômenos contidos nos arranjos
sociais da organização – ideologias, cultura, vínculos políticos, profissionais, históricos e
afetivos – puderam ser percebidos.
Foi a partir dessa vivência que obtive também informações sobre a existência de
recursos financeiros destinados à EPS na região, além de iniciativas e projetos com vistas a
mudanças na formação e desenvolvimento dos trabalhadores de saúde. Conheci as principais
fragilidades no desenvolvimento das atividades da CIES Médio Paraíba, principalmente a
necessidade de adesão e sensibilização dos gestores dos municípios para abandonar a prática
de educação continuada e a implantação da educação permanente propriamente dita por meio
de núcleos de EPS. E endossei um lamento sobre a carência de profissionais com
especialização/ experiência em educação permanente na região que ativassem os movimentos
institucionais ou não de EPS.
Em meio ao feixe de elementos identificados na visita à CIES, fui construindo meu
próprio conceito do que seria desejável para a EPS no município de estudo e, cada vez mais,
acreditava que o movimento institucional era o grande responsável por garantir a EPS aos
trabalhadores.
A partir de então, dediquei-me a investigar como a EPS se expressava no município
em que trabalho. Fazia isso no tempo que me restava entre os plantões na unidade municipal
de urgência, na qual sou lotada desde 2012. Pela minha própria vivência e imbuída de um
(pré) conceito estritamente institucional, acreditava que a EPS não fazia parte da realidade e
do cotidiano dos serviços de saúde.
Descobri, na conversa com a coordenadora da CIES, que o município estudado
contava com uma representante na CIES (Formiga). Precisava, então, conhecê-la. De posse
dessa informação, no dia 24 de janeiro de 2013, fiz contato com a secretaria de saúde do
município e agendei uma conversa. Naquele tempo, depreendi que Formiga ainda não tinha se
apropriado de sua função na CIES, uma vez que havia chegado recentemente ao cargo, mas
identifiquei nela o mesmo desejo de entender e viabilizar a EPS no município. Em uma de
nossas conversas, descobri que Formiga havia feito o curso de facilitadores de EPS e que
havia mais dois profissionais de saúde no município com o mesmo título. Considerei que
84
essas pessoas teriam que ser incorporadas ao estudo, uma vez que eram facilitadoras da EPS e
poderiam ser aliadas nesse caminhar. Saber da existência de três pessoas no município que
tinham realizado o curso de facilitadores me ativou. Vi, nessas pessoas, possibilidades de
alianças para a mudança em um contexto que, até então, considerava bastante desfavorável à
EPS.
Essa informação me impulsionou a procurar no município outras pessoas que fossem
facilitadoras de EPS. Entrei em contato com a Universidade Aberta do Brasil, cujo polo dos
Facilitadores da FIOCRUZ encontra-se localizado no município de estudo. Procurei saber se
havia no município mais algum facilitador. Descobri que havia três pessoas, mas não consegui
localizá-las no quadro de profissionais da saúde do município.
Depois de conhecer Formiga, combinamos que eu a acompanharia nas reuniões da
CIES. Em uma dessas reuniões, foi mencionado o nome do representante da Comissão
Intergestores Regional do município estudado, ele era a pessoa que representava o secretário
de saúde nos encontros regionais e também era um facilitador de EPS.
Concomitantemente, iniciei oficialmente o trabalho de pesquisa avaliando os registros
das atividades educativas realizadas no município para profissionais de saúde da atenção
básica. Os achados cada vez mais corroboravam para um quadro de pouca expressão
municipal da EPS e isso me revelava que algo precisava ser feito.
A partir da compreensão de que a EPS é a estratégia capaz de transformar os serviços
e favorecer o protagonismo dos trabalhadores, e munida do diagnóstico de que a EPS tinha
pouca visibilidade e expressão no município, pensei em sugerir um Fórum de Educação
Permanente em Saúde no município estudado. O fórum foi pensado, inicialmente, como um
caminho para a exigência de um “produto” em meu trabalho no MPES. Ele teria o objetivo de
sensibilizar e aproximar os diversos atores (gestão, trabalhadores, responsáveis pela formação
e usuários) por meio do diálogo crítico e reflexão sobre as práticas profissionais à luz da
PNEPS, assim como, problematizar e levantar informações que favorecessem aos gestores e
profissionais de saúde a construção de espaços institucionais de EPS.
Com a ideia do fórum no papel, consegui uma agenda com o representante do
secretário de saúde na CIR Médio Paraíba (Peixe), pois este havia sido considerado por
Formiga um contato-chave com a secretaria de saúde. Outra razão para tal aproximação era o
fato de que Peixe teria governabilidade para desenvolver ações e planejamentos em EPS.
Inicialmente, o contato foi feito via e-mail no dia 3 de junho de 2013 e, após menção sobre o
estudo que estava sendo desenvolvido no município, obtive a seguinte resposta:
85
Prezada Eluana, inicialmente, gostaria de parabenizar a você por sua iniciativa na
realização do mestrado em ensino na saúde, na área de EPS. Agradeço por me
contemplar em seu projeto. Terei imensa satisfação em poder contribuir com o que
for possível [...]. [Peixe]
Depois dessa acolhida, marquei o primeiro encontro na própria secretaria de saúde. A
data agendada para esse encontro foi o dia 11 de outubro de 2013. Esse encontro foi muito
enriquecedor, tive a oportunidade de falar sobre a proposta do fórum e encontrei terreno fértil.
Nesse encontro, Peixe mencionou a necessidade de espaços de EPS no município, inclusive o
desconhecimento sobre o verdadeiro sentido da educação permanente, assumindo que esta era
tratada muitas vezes, como educação continuada. A proposta do fórum foi ao encontro dos
nossos pensamentos e discursos no sentido de fomentar, no município, a EPS como parte do
cotidiano de todos os trabalhadores de saúde. A despedida desse encontro se deu com a
proposta de envolver o secretário de saúde em encaminhamentos importantes no que tange a
EPS, a saber:
1. Viabilidade a realização do I Fórum Municipal de EPS (importante que, se tratando do
I, a ideia já nasce com a perspectiva de continuidade);
2. Criação de um núcleo de EPS no organograma da secretaria de saúde;
3. Inclusão da EPS no Plano Municipal de Saúde do município;
4. Sensibilização da gestão para garantir espaços de EPS no cotidiano dos serviços de
saúde.
Na ocasião, Peixe solicitou também minha contribuição com um pequeno texto sobre
EPS, que seria inserido no Plano Municipal de Saúde para o período 2014-2016 (apêndice) no
campo destinado à gestão do trabalho. O texto foi construído e encaminhado (apêndice) e, na
época, fiquei delirante, pois o fato de ter garantido um espaço para a EPS no Plano Municipal
de Saúde, na minha percepção, era um grande avanço. Peixe havia mencionado no e-mail do
dia 3 de junho de 2013: “A EPS, tal como hoje a entendemos, não faz parte sequer do Plano
Municipal de Saúde 2011-2013”.
Peixe viabilizou o encontro com o secretário de saúde uma semana depois. Na
conversa, discorremos sobre a PNEPS e sobre a importância e necessidade de que a EPS
fizesse parte do cotidiano do serviço e dos trabalhadores e o valor da sensibilização e
promoção do entendimento dos trabalhadores e da gestão sobre o tema. O secretário mostrou-
se receptivo com a proposta do fórum e garantiu apoio.
86
Posteriormente, foi marcado um encontro com a representante do município na CIES
(Formiga) para que pudéssemos trabalhar coletivamente a proposta, inclusive favorecer
aproximação com profissionais de saúde e com a gestão. Desde então, os encontros entre
pesquisadora/Borboleta, Peixe e Formiga passaram a acontecer periodicamente com a
finalidade de pensar maneiras de viabilizar a EPS na realidade do município.
Todo esse movimento gerou boas expectativas em relação à construção de espaços
institucionais de EPS no município e criou laços que me uniram aos outros atores (Peixe e
Formiga). Na época, ainda não conhecia Manoel de Barros, mas hoje entendo que a minha
perspectiva nesse coletivo, criado para pensar a EPS no município, era a contribuição de uma
trabalhadora da assistência e mestranda que, com os gestores, poderia construir novas
maneiras de ver e rever, transvendo os cenários de prática. Cabe lembrar, que nesse “bom
encontro”, fui atravessada por questões específicas da gestão que ampliaram meu
conhecimento e me possibilitaram entendimento ampliado das relações nesse cenário.
Acredito que, da mesma forma, os gestores também tiveram a possibilidade de se
aproximarem mais do mundo da prática.
A sensibilização dos gestores municipais foi discutida no encontro ocorrido no dia 8
de janeiro de 2014. Na oportunidade, foram propostas estratégias para envolver os oito
superintendentes da secretaria de saúde responsáveis por todas as áreas de saúde do município
com a construção do fórum. Ficou decidido que iríamos marcar um encontro (roda de EPS)
com estes gestores a fim de que, vivenciando um processo de EPS pudessem compreender
melhor seus efeitos e importância nos cenários de prática. Mas, por dificuldades de conciliar
agendas, essa proposta precisou ser desvista.
Outra aproximação importante feita pelo grupo foi com o secretário de cultura do
município, que teve o objetivo de obter apoio para a construção criativa e atraente do fórum.
Primeiramente, o contato foi feito por telefone e e-mail. Porém, a proposta era trazê-lo para as
discussões, bem como, trazer outros atores como os profissionais da formação (Faculdade
Estácio de Sá, única no município que oferece cursos voltados para a saúde); Conselho de
Saúde para pensar estratégias de participação de usuários no fórum e os trabalhadores que
fizeram o curso de EPS via CIES que, em principio, reconhecemos como aliados. A ideia era
que a construção do fórum não fosse algo verticalizado e, sim, com a participação ativa de
diversos atores (gestão, atenção, usuários e formação).
87
Além da sensibilização dos gestores municipais, foi percebida a necessidade de
aproximação do grupo (Borboleta, Peixe e Formiga) com a coordenadora da CIES Médio
Paraíba (Garça), a fim de compartilhar a proposta e garantir apoio regional ao evento.
O encontro se deu no dia 10 de fevereiro de 2014, na secretaria de saúde de Volta
Redonda. Nesse encontro estavam Garça, Peixe, Formiga e eu (Borboleta). Foi um encontro
potente, considerando a perspectiva de discussão sobre o fórum de EPS no município
estudado e, inclusive, sobre encaminhamentos da EPS posteriores ao fórum, com a criação de
um núcleo de EPS e a efetivação de rodas de reflexão com profissionais da atenção e gestão.
Diante de todo esse movimento feito, tudo levava a crer que os espaços institucionais
da EPS estavam garantidos no município estudado. Primeiro, pelo apoio da coordenadora da
CIES na região Médio Paraíba, depois, pelo apoio dos representantes da gestão municipal
(secretário de saúde, representante na CIES e superintendente de Controle e Avaliação) e pelo
abrir de caminhos para a sensibilização dos profissionais da rede e da gestão de todos os
âmbitos da saúde do município.
No meio do caminho, com força total na minha vida e neste trabalho, surgiu o poeta
Manoel de Barros. Ele, com suas poesias, com sua característica peculiar de fluidez e
insensatez, abriu terreno para a desformação das construções endurecidas e institucionais que
eu tinha da EPS. Essa EPS institucional não deixou de ter o seu valor, mas percebi no
caminho e, caminhando, percebi que ela é muito mais do que um espaço institucional. Ela
acontece e se expressa de formas muito variadas e criativas no cotidiano do trabalho e dos
trabalhadores. Cheguei à conclusão ou desconclusão de que estava andando com a EPS no
“trilho de ferro” mencionado por Barros.
Analisando minhas implicações com a EPS e o caminho percorrido até aquele
momento, percebi que qualquer trilho que se tente colocar no trem da EPS é uma exclusão
imediata de outros caminhos e possibilidades de expressão possíveis. Hoje compreendo que a
EPS se manifesta não apenas nos espaços institucionais, mas, sobretudo, como movimento
inventivo que acontece espontaneamente e em qualquer momento, sem hora, nome, diretrizes
ou protocolos.
Essa percepção exigiu mudanças de rumo. Para perceber esse movimento inventivo,
não bastaria conversar com trabalhadores sobre suas concepções de EPS, seria preciso imergir
no cotidiano, vivenciar as relações, os encontros e desencontros, me despir de um olhar
formatado. Somente assim, eu poderia perceber essa manifestação sutil. Assim, após alguns
contatos, me instalei, no dia 2 de abril de 2014, em uma unidade da ESF. Essa unidade foi
88
selecionada pelo fato de que eu era conhecida dos trabalhadores e, desse modo, não seria vista
como um “corpo estranho” pela unidade de saúde.
Nesse dia haveria reunião de equipe. Meu interesse era ver como a EPS se dava em
um espaço institucionalizado de reunião da equipe e, também, como ela se dava em
momentos não institucionalizados. Cheguei à unidade às 8 horas. Fui gentilmente recebida
pela equipe. O radar para EPS estava ligado. Logo, na cozinha, percebi que alguns
trabalhadores – dentre eles médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem – estavam discutindo
sobre o trabalho, especificamente, sobre o caso de uma paciente. Percebi que cada um dos
presentes falou sobre o caso e, na “pele”, senti que esse foi um momento de EPS, uma vez que
estavam discutindo e analisando o seu trabalho diante das necessidades daquela usuária. Esse
grupo se retirou e logo outro grupo entrou. Nela, estava o médico, com dois ACS. Também
discutiram sobre o trabalho, conversando sobre o excesso de pacientes que tinham procurado
a unidade no dia anterior e a maneira como cada um encontrava para lidar com a grande
demanda. Outro momento percebido foi durante o almoço. A enfermeira e a dentista,
conversando sobre o processo de trabalho na unidade, trouxeram reflexões que geraram
espaço para análise e discussão.
À tarde, por volta das 15 horas, aconteceu a reunião de equipe. Nela estavam presentes
onze ACS, duas recepcionistas, três auxiliares de enfermagem, um dentista, dois enfermeiros,
uma médica e um auxiliar de saúde bucal. Essa reunião envolvia trabalhadores da saúde com
diversas formações e funções, estavam em um espaço coletivo, mas a reunião restringiu-se a
passar informações da secretaria de saúde. A fala que predominava era das enfermeiras e os
demais participantes estavam em posição passiva diante das informações. Não percebi, nesse
encontro, análise do processo de trabalho e construção coletiva de conhecimento. Ficou claro
para mim que espaços institucionais nem sempre são garantias de “bons encontros”, eles
marcam a “boa hora para a conversa e não aproveitam a boa conversa na hora”. Nesse
sentido, na hora marcada, os atores muitas vezes não estão sensibilizados para a análise ou
reflexão sobre uma determinada situação do trabalho.
No dia 26 de maio de 2014, visitei a segunda unidade de saúde para saber se haveria
algum resultado diferente. No caminho, a localidade em que a unidade estava instalada me
impactou pela beleza. Logo pela manhã, ao chegar à unidade, deparei-me com uma equipe
muito agradável e gentil que prontamente me acolheu. Essa gentileza foi uma característica
que considerei como muito peculiar da equipe, pois eu era uma desconhecida. Novamente
liguei o “radar” da EPS e estava pronta para perceber os sinais mais sutis de sua expressão.
89
Essa equipe tinha algo em sua composição que a distinguia das demais, era uma equipe
itinerante que atuava em duas unidades de saúde da família na zona rural do município. A
equipe ficava a maior parte do tempo separada, tendo em vista a agenda dos profissionais ser
dividida entre duas unidades e comunidades diferentes.
Logo que cheguei, encontrei parte da equipe trabalhando, instalei-me nos espaços e fui
me inteirando da rotina e da realidade daqueles trabalhadores. Os demais profissionais se
encontravam em atendimento em outra unidade. A busca era por expressão de EPS. Mas, para
minha surpresa, não a percebi. Pensei: será que é pela quantidade reduzida de trabalhadores?
Ou a minha presença está inibindo o encontro? A informalidade e a espontaneidade das
conversas que estabeleci com alguns trabalhadores me mostraram aquilo que eu parecia não
ver, e que bastaria ouvir. Foi o que fiz. As conversas me revelavam o tempo todo que esta era
uma equipe que dialogava, que discutia sobre o trabalho, que naturalmente tomava decisões
coletivas e coletivamente buscavam solução para os problemas do dia a dia. Embora não
visível aos meus olhos, ela estava ali presente! Como diria Manoel de Barros, não vi
expressão com os olhos, mas, transvi com a imaginação.
À tarde foi agendada uma reunião de equipe. Nela estavam presentes os profissionais
das duas unidades de saúde, dentre eles: uma enfermeira, três ACS, um ASB, um médico, um
auxiliar de serviços gerais e um auxiliar de enfermagem. O espaço destinado à reunião tinha
suas limitações e isso era algo que incomodava muito a equipe. A reunião acontecia com a
unidade aberta para atendimentos e, por diversas vezes, era interrompida para o atendimento
de pacientes e do telefone. Percebi que, embora tivesse participação ativa dos trabalhadores na
construção de soluções para problemas do cotidiano, a reunião destinava-se a repassar
informações da secretaria de saúde, não sendo, portanto, cenário de processos coletivos de
reflexão.
A vivência proporcionada pela imersão nas duas unidades me deu segurança para
afirmar que, hoje, compreendo melhor a EPS do que no passado. Entendo que os movimentos
institucionais são importantes quando pensados de forma a promover espaços coletivos de
encontros potentes e trocas transformadoras que incluam os movimentos inventivos que
nascem das relações. Foi a EPS que mudou? Não, fui eu quem me tornei mais sensível a ela.
Esse congraçamento me provocou a fazer um balanço de mim mesma e de quanto isso me
implica.
O movimento de busca que internalizei na tentativa de compreender a expressão da
EPS no município me levou a lugares mais profundos e me incitou a sair da superficialidade
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das coisas que já foram ditas, para aventurar-me nas por dizer. Mergulhei nas leis, diretrizes,
portarias para apreender a EPS. Interessava-me o que elas diziam, sim, mas interessava-me
mais ainda pelo não dito, pelo desvelar das coisas, pela inventividade e força criadora que se
dá no trabalho em ato. Isso me deu a sensação de uma liberdade interior e, ao mesmo tempo,
um sentimento de captura. Liberdade e captura eram para mim sentimentos novos, que
substituíram a dureza de regimentos e das formas de um saber fazer para um aprender
fazendo. O contato com as experiências reais dos trabalhadores misturou-se aos poemas de
Manoel de Barros e tudo isso possibilitou uma atitude existencial e uma nova maneira de
habitar e ver o mundo.
Nesse movimento, o fórum que, inicialmente, teria um modelo “congresso”, com
falas estruturadas de convidados e do núcleo de EPS, bem como a reunião prévia apenas com
os gestores, foram transvistos! Agora, com a forte presença de Manoel, a ideia era dar
visibilidade à EPS no município e potencializar os movimentos inventivos que brotam do
cotidiano. Dessa maneira, fui buscar nas falas dos participantes da pesquisa as demandas que
os próprios trabalhadores iam me revelando durante as entrevistas:
Procurar saber com cada um, com as equipes, quais são os assuntos que você precisa
mais, que interessa mais. [Grupo II Vento]
A prefeitura tinha que dar essa chance pra gente! Vamos nos encontrar e trocar
experiências de realidades, a minha unidade, a sua unidade. Como é que você tá
fazendo isso? Entendeu? Eu sinto falta disso. [Grupo II Mar]
Logo percebi que desejavam a oportunidade dos “encontros potentes” ou de “bons
encontros”, da criação de um espaço (físico ou não) de construção de vínculos fortes para um
operar com sujeitos coletivos que possibilitasse, como diria Merhy (2005), a produção e
invenção de práticas cuidadoras e a implicação com um agir autopoético na saúde, como um
movimento da vida produzindo vida.
Foi, então, que surgiu a ideia de um encontro construído coletivamente pelos
participantes da pesquisa. O encontro passou então a ser modelado na perspectiva do que os
trabalhadores iam apontando e, assim, nasceu o grupo EPensando. Escolhemos, como meio
de comunicação, uma página do Facebook e um grupo no e-mail [Gmail] foi criado com a
finalidade de unir os diferentes atores.
O grupo nasceu como um espaço não hierarquizado imbuído da ideia de um lugar de
fluxos de conexões existenciais como propõem Deleuze e Guattari, com potência livre e
inventiva, produzidas de maneira rizomática, mediante os afetos e as relações estabelecidas
entre a gestão, docentes, trabalhadores e usuários (DELEUZE e GUATTARI, 2004, p. 32-33).
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O rizoma, diferente das árvores e raízes, conecta-se de um ponto a outro ponto qualquer. Um
espaço movediço, que monta e desmonta, que constrói e reconstrói, que é reversível e
modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga e em permanente
acontecimento.
Embora a proposta do grupo tenha iniciado com a perspectiva de maior abrangência,
ou seja, envolvendo os diferentes atores que compõem a rede, inclusive usuários e, portanto,
deslocando, momentaneamente, os profissionais dos seus cenários de atuação, a aposta é que
esse fosse um primeiro ponto de conexão do rizoma que naturalmente levará o fluxo da EPS
até os serviços locais.
O processo vivido no município envolveu o compromisso de devolver os resultados da
pesquisa aos gestores (primeiros apoiadores) e também ao grupo de trabalhadores que
participou da pesquisa. Considerando que os trabalhadores entrevistados estavam envolvidos
comigo no grupo EPensando, optei por iniciar pela devolutiva ao secretário de saúde do
município e aos gestores que participaram da pesquisa, até porque, desejava apresentar-lhes
os resultados e garantir o apoio no sentido de promover o grupo EPensando.
O encontro aconteceu no dia 5 de agosto de 2014, na secretaria de saúde do município.
Os resultados foram apresentados e a receptividade foi favorável à construção, ainda que
fosse notório o pouco entendimento sobre a proposta da EPS e tudo que ela abarca. Em
especial, a ideia da mistura entre profissionais de diferentes unidades de saúde foi recebida
com desconfiança. Porém, após uma calorosa argumentação minha e do Peixe, ainda que
permanecesse a dúvida (será que isso vai dar certo?), a proposta foi aceita pelo gestor.
De fato, não me dispus a responder tal pergunta, pois não tinha a resposta. Tal como
Larrossa, acredito que a resposta muitas vezes pode matar a intensidade da pergunta e o que
se agita nessa intensidade (LARROSA, 2003, p. 41).
Com a garantia de um espaço institucional nas mãos, restava-me investir no inventivo.
Por onde começar? O que fazer para desformar os cenários tão acostumados de formação do
município? Como produzir um espaço de EPS confortável e terapêutico aos trabalhadores?
Como unir gestão, formação, diferentes profissionais da atenção e usuários no mesmo
círculo? Com essas indagações, partimos para a ação. A primeira busca foi por aliados e
pessoas desejosas desses espaços. É claro que tínhamos em mente as nossas limitações. A
primeira roda de EPS criada abrangeria atores do município como um todo e optamos, nesse
momento, por captar aqueles que nos tocavam de alguma forma, que se apresentavam como
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possíveis agentes multiplicadores da EPS nos cenários locais. Como verdadeiras formigas,
fomos construindo pouco a pouco o primeiro encontro do EPensando.
Assim, além dos participantes da entrevista, que foram convidados por meio de um
convite personalizado (apêndice), partimos para a busca por profissionais da atenção com
distintas formações e cargos, lotados em instituições de saúde ou não, por usuários dos
serviços de saúde, profissionais ligados à formação no município e por diferentes gestores que
desejassem participar do movimento de EPS voluntariamente. Contando com a sensibilidade e
com a pele, fomos à busca dos participantes. Nesse movimento, o recurso das redes sociais
via Facebook, em que criamos uma página específica do EPensando e aplicativo de celular
Whatsapp, foi muito útil. Na medida em que as pessoas foram se interessando pelo
EPensando, conectávamo-nas a tais recursos. Candidataram-se 35 pessoas aproximadamente,
dentre elas, agentes comunitários de saúde, enfermeiros, dentistas, técnicos em enfermagem,
professores, nutricionistas, gestores, coordenadores e assistentes sociais.
Após disparar a ideia e os convites, eu e Peixe sentamos para conversar e organizar o
primeiro encontro do EPensando. A proposta do primeiro dia seria promover o encontro entre
os diferentes atores e, a partir desse movimento, construir coletivamente os rumos do grupo,
como, por exemplo, dias e horários dos encontros, local de realização (se itinerante ou não),
meios de comunicação, metodologia utilizada para discutir problemas que atravessam as
diferentes categorias profissionais, unidades, gestores e usuários e, principalmente, como
capilarizar esse movimento para o interior dos serviços. A data marcada foi o dia 5 de
setembro de 2014.
A ideia desse espaço de EPS começou a mobilizar as pessoas. Uma das integrantes do
grupo, auxiliar de enfermagem do serviço de emergência, prontificou-se a pensar e ajudar a
construção do cenário do encontro e o lanche que também precisava ser desformador. Desde
então, marcamos encontros para definir o cenário. Pensávamos num local acessível para os
integrantes, cujo espaço físico aguçasse os sentidos de visão, audição, tato e olfato e trouxesse
novos sentidos e percepções no que tange os cenários de trocas e reflexão. A articulação feita
com a secretaria de cultura acabou não se concretizando e o local de escolha foi a sala de
reuniões do Conselho Municipal de Saúde: um espaço tradicional com paredes brancas,
cadeiras enfileiradas e em formato de sala de aula que precisaria ser desformado.
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Figura 5: Foto do encontro EPensando
De mãos dadas com Manoel de Barros, arrumamos a sala em formato de roda e, para
provocar reflexão a partir do que se vê, ou do que se transvê, colamos no chão e nas paredes
questões provocadoras de reflexão relacionadas com o processo de trabalho e com a vida.
Tudo foi escrito e desenhado à mão. Dentre as questões EPensadas, encontravam-se: O que te
motiva? O que é cuidar para você? Que sentido tem o que você faz? O que te incomoda? O
que te realiza? O que é ser feliz para você? E quando todos os dias parecem iguais? Como
abrir mão do que você repete diariamente? O que te desmotiva? Você sabe ouvir? Você é
ouvido? O trabalho reprime ou liberta? Como se tornar invisível no ambiente? Quais são as
suas redes? Qual é o seu limite? Você faz o que gosta? Você gosta do que faz? O que faria
para abrir mão da rotina? O que é tocar para você? Quais são os seus excessos? Como usar o
poder? Qual é o som do seu silêncio?
Figura 6: Foto do encontro EPensando
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Figura 7: Foto do encontro EPensando
Além da visão, outro sentido considerado importante para desformar o cenário do
encontro e dar outro tom aos traços acostumados foi a musicalidade. Optamos por músicas
suaves que tivessem relação com a abordagem do encontro. Uma das músicas escolhidas foi
“Um novo tempo”, de Ivan Lins, que retrata bem o desafio de cada dia para sobreviver e nos
arvora no sentimento de luta e de coragem para enfrentarmos os obstáculos e adversidades
que surgem do cotidiano.
No novo tempo, apesar dos castigos. Estamos crescidos, estamos atentos, estamos
mais vivos. Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer [...] No novo tempo,
apesar dos perigos. Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta. [...]
No novo tempo, apesar dos castigos. De toda fadiga, de toda injustiça, estamos na
briga. Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer. [...] No novo tempo,
apesar dos castigos. Estamos em cena, estamos nas ruas, quebrando as algemas.
(LINS, Ivan; MARTINS, Vitor)
O sentido do olfato foi explorado também. Um suave perfume obtido com o uso de
essência em um aromatizador seria desformador para o tão acostumado espaço da “sala de
aula”. O estímulo da visão, do tato e do paladar se misturou a essa ideia: o chá e as pequenas
guloseimas deram um sabor agradável ao encontro, tecidos cuidadosamente escolhidos com
motivos que remetem ao território e ao conhecimento/reflexão foram arrumados no chão de
forma a oferecer assento aos interessados. Assim, todo o espaço físico foi pensado, refletido e
projetado para promover o EPensando.
Os dias que antecederam o encontro foram de grande ansiedade e esperança de que,
verdadeiramente, tivéssemos um bom encontro e que o EPensando se expressasse de maneira
livre, atraente e criativa. Peixe, em e-mail, mostrou-se completamente conectado ao
sentimento que também era meu, ao dizer:
Nestes últimos dias que antecedem o EPensando, meu sentimento foi o de convidar
muitos trabalhadores da saúde, imaginando uma grande roda onde todos pudessem
ter a chance de se exprimir... São poucos os espaços de conversa, e a pressa do
cotidiano nos afasta bastante da escuta e do diálogo... Acho que o EPensando pode
vir a ser esse espaço, quem sabe? [Grupo I Peixe]
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Um ano e nove meses se passaram desde que iniciei o movimento de pensar a EPS em
meu município. Cenário montado, coração vibrando de ansiedade e alegria ao mesmo tempo.
Fazer a EPS sair do papel e torná-la factível parecia um sonho!
Cada trabalhador que chegava ao local somava valor ao sentimento de missão
cumprida. As pessoas claramente se surpreendiam com o cenário. Uma participante chegou a
chamá-lo de “espaço terapêutico”. Peixe fez uma comparação do ambiente humanizado do
EPensando com o cenário duro das frequentes reuniões da gestão que ocorrem no município e
elogiou a transformação do local que acolhe reuniões tensas, em especial, os encontros entre
conselho de saúde e gestores.
Considerando se tratar de um encontro de participação voluntária, realizado durante o
período de trabalho e sem uma pré-definição clara de temas de discussão, eu e Peixe
pensávamos que a presença talvez fosse pequena. No entanto, a sala lotou. Ao todo foram 33
pessoas: gestores, professores, coordenadores de unidades e profissionais de diferentes
instituições e com diferentes formações/funções. Apesar do local, não compareceram os
representantes do conselho, em especial os usuários, cuja presença nos era tão cara, embora
estes tenham justificado o não comparecimento. Dos dezesseis sujeitos participantes das
entrevistas da pesquisa, cinco foram ao encontro.
Nesse primeiro momento, fizemos as apresentações e definimos o teor do espaço com
voz garantida a todos os presentes. Pactuamos também que o EPensando se reunirá sempre
às segundas e sextas-feiras de cada mês. As pessoas puderam falar um pouco e ficou claro
que elas queriam falar mais sobre si e sobre o que faziam. Para nortear a apresentação e
facilitar o momento de expressão dos participantes, projetamos as seguintes perguntas: Quem
é você? O que você faz? De onde você veio? O que você traz?
As falas, invariavelmente, remetiam para a importância desse espaço de trocas e de
encontros e mostraram o quanto as pessoas que ali estavam tinham experiências potentes na
saúde. A maioria dos integrantes do grupo tinha um tempo de atuação na saúde do município
de mais de dez anos. Havia também algumas pessoas recém contratadas pelo município e
estas se disseram surpresas e encantadas com o EPensando e com o quanto ele poderia
contribuir positivamente para a sua integração na rede municipal de saúde.
Nesse primeiro encontro, o tempo foi justo e ficou a expectativa dos próximos
encontros. No dia seguinte, já havia manifestações sobre o EPensando no Facebook:
Foi um grande e bom encontro! Uma experiência maravilhosa que revela e fortalece
o protagonismo do trabalhador da saúde! [Peixe]
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Dada a largada! Vamos q vamos! [participante Sol]
YES!!! O primeiro passo foi dado... [Mar]
Parabéns!!!! Desejo que os princípios da EP atravessem os muros e quadrados,
principalmente os internos e reverberem positivamente no comportamento, nas
atitudes e nas ações dos profissionais, contribuindo para a melhoria da qualidade dos
serviços de saúde e consequentemente, na qualidade de vida da população.
[Formiga]
O desafio passou a ser o de manter a conexão entre os participantes e mobilizar novos
trabalhadores na micropolítica dos encontros e das afecções em um processo de
desterritorialização e re-territorialização constante, como diria Feuerwerker (2014), em um
movimento rizomático, que não tem fim em si mesmo, produzindo fluxos potentes de EPS no
cotidiano dos trabalhadores de saúde.
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TECENDO DESCONCLUSÕES
E agora o que fazer com essa manhã
desabrochada a pássaros? (Manuel de Barros,
2007, p. 27).
O movimento que esta pesquisa causou nos cenários de prática de um município da
região Médio Paraíba introduziu a necessidade de se pensar outras maneiras de ver a educação
permanente em saúde, para além de um espaço institucional e burocrático, regido apenas na
perspectiva endurecida das leis.
O despertar de uma busca pela compreensão da EPS se deu a partir de diversos fluxos
e de diversas conexões e, porque não dizer, de movimentos. O primeiro movimento
apreendido foi o das instituições, o que me levou a ponderar sobre a expressão da EPS na
região e no município estudado. Para isso, observei a EPS enquanto instituição política e,
também, as suas ramificações dentro das esferas regionais da EPS no Sistema Único.
Observei, a partir dos resultados, que a EPS ainda se expressa mais em formato de
educação continuada e no modelo tradicional de ensino do que sob a égide da aprendizagem
significativa e problematizadora apontada pela Política Nacional de Educação Permanente. A
educação continuada apresentada mostrou-se desprovida de uma ação reflexiva sobre o
trabalho e sobre o trabalhador e, portanto, reprodutora de um modelo tecnicista e
institucionalizado, no qual o trabalhador não é sujeito e, sim, cumpridor de ordens, regras e
normas determinadas por pessoas que, muitas vezes, não fazem parte do processo de trabalho
e, por isso, estão distantes de suas realidades concretas.
Observou-se, ainda, que os atores da prática e da gestão estavam pouco
sensibilizados para o movimento proposto, o que conferiu ao estudo o desafio da perspectiva
desformadora. Esse fluxo de conhecimento e aproximação institucional se iniciou pela
compreensão das estratégias regionais de operacionalização da PNEPS e pela análise
documental dos registros dos processos educativos voltados para os trabalhadores da saúde.
Essa fase da pesquisa aguçou o meu desejo de construir e compartilhar novos
significados para a EPS em meu município. Mas, por onde começar? Que parâmetros usar
para essa descoberta? Os movimentos institucionais não deram respostas as minhas
indagações.
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Assim, parti para um segundo movimento: o das relações. Nesse fluxo, encontrei
potência para desver a EPS institucional e agregar-lhe novos elementos, tais como:
inventividade, criatividade e espontaneidade.
Foi na construção dessa outra perspectiva da EPS que encontrei um caminho, desvisto
a partir das vivências junto aos profissionais de saúde nos locais onde as coisas acontecem: o
cotidiano do serviço. A associação entre os dados obtidos a partir das entrevistas e a
observação participante me propiciaram uma percepção viva, sob a ótica dos trabalhadores da
gestão e da atenção básica. A pesquisa, então, tomou outra conformação, além dos
movimentos institucionais e organizacionais da EPS. Passou a se fundamentar na vivência e
na proximidade com ações espontâneas e inventivas dos trabalhadores de saúde.
O conhecimento adquirido pela apropriação desses dois parâmetros foi registrado não
como as lentes de um fotógrafo, que a tudo torna estático, mas como um filme que reproduz o
permanente movimento, essencialmente criativo, ousado, crítico e reflexivo. Essa fase da
pesquisa coincidiu com a descoberta de Manoel de Barros, que me motivou a promover a
unidade entre o que se diz e o que se faz, entre reflexão e ação e, portanto, incitou-me a uma
nova atitude existencial de ser, existir e estar no mundo desformando.
Na maioria das falas dos trabalhadores, percebi algum grau de desconhecimento do
real sentido da EPS, sendo em diferentes momentos confundida com a educação continuada.
Dentre os que compreendiam seu conceito, notei que negavam a expressão dela no município,
mas prevalecia em suas falas o desejo da produção de um espaço coletivo de autoanálise,
trocas de experiências e de expressão de dinâmicas que conectassem trabalhadores da gestão e
da atenção com um só propósito: pensar o trabalho em saúde. Mas, definitivamente, foi na
imersão e na observação do cotidiano que encontrei as maiores expressões de EPS do
município.
As conclusões ou desconclusões, oriundas da análise documental, das entrevistas e da
observação participante possibilitaram pensar com trabalhadores da gestão e da atenção
básica, mudanças na perspectiva da EPS, novas conformações em uma visão ampliada e mais
orgânica de processos de autoanálise dos processos de trabalho.
Nesse sentido, pensamos numa proposta capaz de dar visibilidade aos movimentos de
EPS que acontecem espontaneamente e sem um formato predefinido: surgiu o grupo
EPensando. O grupo resgata a esperança dos bons encontros entre trabalhadores da atenção e
da gestão, usuários e profissionais da formação e vislumbra a possibilidade de conectar o
movimento institucional e o movimento inventivo da EPS em um mesmo espaço.
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Desconcluindo, resta alertar que o recorte da pesquisa está posto, mas os movimentos
participativos e reflexivos estão vivos e em caráter de permanente construção e reconstrução.
Como pesquisadora, deixo meu relatório de um recorte temporal, mas como trabalhadora
afetada pelo processo da pesquisa-ação, continuo me questionando, transvendo a lógica
tradicional de ensino-aprendizagem da rede de serviços públicos de saúde, inventando-me e
reinventando, desformando-me. Sigo, assim, EPpensando e lutando para manter a educação
permanente em saúde sempre em movimento.
100
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APÊNDICES
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Dados de identificação
Título do Projeto: EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: INVENTANDO DESFORMAÇÕES
Pesquisador Responsável: Eluana Borges Leitão de Figueiredo
Instituição: Universidade Federal Fluminense- UFF
Telefones para contato: (21) 98061-2938
Nome do voluntário: ___________________________________________________________
Idade: _____________ anos R.G. ___________________________________
O(A) Sr. (ª) está sendo convidado(a) a participar do projeto de pesquisa “Educação
permanente em saúde: inventando desformações” de responsabilidade da pesquisadora Eluana
Borges Leitão de Figueiredo. O estudo se propõe a entender a Educação Permanente em
Saúde (EPS) no município do interior do Estado do RJ considerando a Política Nacional de
EPS e sua construção no cotidiano dos serviços de saúde. A pesquisa está fundamentada na
parceria entre pesquisadora e participantes, no sentido da mudança ou melhoria dos processos
de Educação Permanente em Saúde (EPS) no município. Os objetivos do estudo são:
identificar a concepção predominante nas ações educativas no município da região Médio
Paraíba/RJ compreendendo os direcionamentos dados a EPS na perspectiva política e
micropolítica; descrever as potencialidades e as dificuldades na incorporação de espaços de
EPS no cotidiano do trabalho em saúde nas perspectivas da gestão e dos trabalhadores e gerar
um produto que favoreça a reflexão sobre a EPS no município por meio do diálogo entre
gestão e trabalhadores. A participação na pesquisa é voluntária e qualquer sujeito que se
enquadre nos critérios de inclusão poderá optar por não participar ou desistir da pesquisa em
qualquer momento do estudo, não sofrendo com isso nenhum tipo de desconforto ou
constrangimento na continuidade de sua prática social ou laboral cotidiana. Caso concorde em
participar do estudo, você participará de uma entrevista em que se procurará conhecer a sua
opinião a respeito dos objetivos da pesquisa. As entrevistas serão gravadas e transcritas
integralmente. No decorrer do estudo, os achados preliminares serão devolvidos a todos os
participantes por meio de reuniões periódicas, visando problematizar a qualidade da atenção
prestada. Durante todo o estudo, você será acompanhado e auxiliado pela pesquisadora,
podendo sanar a qualquer momento toda e qualquer dúvida acerca do processo da pesquisa.
Em caso de você decidir interromper sua participação no estudo, a pesquisadora deve ser
comunicada para que seus dados relativos ao estudo sejam imediatamente excluídos. Seu
nome não será revelado ainda que informações relativas à sua entrevista possam ser
consultadas pela pesquisadora e pelos Comitês de Ética em Pesquisa do município e da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense do Hospital Universitário
Antônio Pedro. Não haverá qualquer custo pela sua participação no estudo. Os encontros
serão pré-agendados, em dias e horários convenientes ao seu processo de trabalho.
Eu, __________________________________________, RG nº _____________________
declaro ter sido informado e concordo em participar, como voluntário, do projeto de pesquisa
acima descrito.
Rio de Janeiro, _____ de ____________ de _______.
___________________________ ____________________________
Nome e assinatura do profissional Nome e assinatura do responsável
111
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS- ROTEIRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL
DATA
ABORD. METODOL.
CARGA
HORÁRIA
PARA QUÊ
PARA QUEM
ORIGINÁRIO DE QUAL
UNIDADE
POR QUEM FOI DEMANDADO
ONDE FOI
REALIZADO
112
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS: ROTEIRO PARA ENTREVISTA GI
CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PARTICIPANTE DATA:___________ HORÁRIO: I___:___ T___:____
Profissionais Gestores
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
( ) coordenadora regional da CIES Médio Paraíba
( ) superintendente da secretaria municipal de saúde
( ) representante do município na CIES Médio Paraíba
( ) responsável por organizar os processos educativos da atenção básica
do município
SEXO: M ( ) F ( )
FAIXA ETÁRIA:
( ) Até 30 anos
( ) De 31 a 50 anos
( ) De 51 a 60 anos
( ) Mais de 60 anos
PROFISSÃO:
( ) Médico
( ) Enfermeiro
( ) Cirurgião Dentista
( ) Outros, especificar:________________________
MORADIA:
( ) no município estudado
( ) Outro, especificar:________________________
TEMPO NO CARGO ATUAL
( ) De 1 ano e 1mês a 2 anos
( ) De 2 anos e 1 mês a 3 anos
( ) Mais de 3 anos, especificar: _____
TEMPO DE VÍNCULO PÚBLICO NO
MUNICIPO
( ) De 2 anos e 1mês a 3 anos
( ) De 3 anos e 1 mês a 4 anos
( ) Mais de 4 anos, especificar: _____
ESCOLARIDADE:
( ) Somente graduação
Especificar IES:__________________
Ano de formatura: _______________
( ) Pós-graduação – especialização
especificar:________________________
( ) Pós-graduação – mestrado
especificar:________________________
( ) Pós-graduação – doutorado
especificar:________________________
POSSUI EXPERIENCIA ANTERIOR EM GESTÃO DA SAÚDE?
Não ( )
Sim ( ) Especificar:
TEM ALGUM CURSO ESPECÍFICO NA ÁREA DE GESTÃO DA SAÚDE?
Não ( )
Sim ( ) Especificar:
TEM ALGUM CURSO ESPECÍFICO NA ÁREA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE?
Não ( )
Sim ( ) Especificar:
QUESTÕES NORTEADORAS PARA A ENTREVISTA:
História do sujeito
1-Como você chegou ao cargo que ocupa hoje?
Objetivo 1: descrever as potencialidades e dificuldades na incorporação de espaços de EPS no cotidiano do
trabalho em saúde
2-Quais as facilidades e dificuldades que você considera na condução de espaços de educação permanente em saúde
no município? Houve algum avanço nos últimos anos?
Objetivo 2: analisar como os profissionais da gestão e da atenção identificam a expressão da EPS no cotidiano
do município
3-Qual o seu diagnóstico pessoal de como se expressa a EPS no município?
113
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS: ROTEIRO PARA ENTREVISTA GII
CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO PARTICIPANTE DATA:____________ HORÁRIO: I___:___ T___:____
Profissionais da Atenção Básica
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
( ) participou da oficina EPS/CIES 2012
( ) participou da oficina EPS/CIES 2013
( ) participou do curso facilitadores de EPS no polo Resende
SEXO: M ( ) F ( )
MORADIA:
( ) município estudado
( ) Outro, especificar:________________________
FAIXA ETÁRIA:
( ) Até 30 anos
( ) De 31 a 50 anos
( ) De 51 a 60 anos
( ) Mais de 60 anos
PROFISSÃO:
( ) Médico
( ) Enfermeiro
( ) Cirurgião Dentista
( ) Outro, especificar:________________________
( ) Técnico, especificar:______________________
( ) Agente/auxiliar, especificar:______________________
UNIDADE ESF DE LOTAÇÃO:
TEMPO NA UNIDADE ESF ATUAL
( ) De 1 ano e 1mês a 2 anos
( ) De 2 anos e 1 mês a 3 anos
( ) Mais de 3 anos, especificar: _____
VINCULO EMPREGATÍCIO:
( ) estatutário
( ) contrato ou CLT
TEMPO DE VÍNCULO PÚBLICO NO
MUNICIPIO
( ) De 1 ano e 1mês a 3 anos
( ) De 3 anos e 1 mês a 4 anos
( ) Mais de 4 anos, especificar: _____
ESCOLARIDADE:
( ) Médio
( ) Somente graduação
Especificar IES:__________________
Ano de formatura: _______________
( ) Pós-graduação – especialização
especificar:________________________
( ) Pós-graduação – mestrado
especificar:________________________
( ) Pós-graduação – doutorado
especificar:________________________
POSSUI EXPERIENCIA ANTERIOR EM ESF?
Não ( )
Sim ( ) Especificar:
JÁ PARTICIPOU DE OUTRAS ATIVIDADES OU CURSOS NA ÁREA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM
SAÚDE?
Não ( )
Sim ( ) Especificar:
QUESTÕES NORTEADORAS PARA A ENTREVISTA:
História do sujeito
1-Como você chegou ao cargo que ocupa hoje?
Objetivo 1: descrever as potencialidades e dificuldades na incorporação de espaços de EPS no cotidiano do
trabalho em saúde
2-Quais as dificuldades e facilidades que você considera na construção de espaços de EPS no seu município? E na
sua unidade?
Objetivo 2: analisar como os profissionais da gestão e da atenção identificam a expressão da EPS no
cotidiano do município
3-Você identifica os processos educativos que o município oferece como sendo educação permanente em saúde?
Por quê?
3.1- Esses processos oferecidos pelo município são:
a) capazes de mudar sua prática cotidiana de trabalho
b) não consideram sua realidade específica e são direcionadas pela gestão
4-Você consegue em seu processo de trabalho ter momentos de reflexão e aprendizado envolvendo todos os
profissionais de sua unidade?
114
TEXTO CONSTRUÍDO PARA O PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE PARA OS ANOS
2014/2016 PARA UM MUNICÍPIO DA REGIÃO MÉDIO PARAÍBA
Gestão do Trabalho
De acordo com a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para o SUS
(NOB/RH-SUS) a gestão do trabalho tem sido apontada como substancial para o processo de
implementação e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e os trabalhadores de
saúde como base para tornar exeqüíveis projetos, ações e serviços de saúde disponíveis a
população.
Assim, a NOB/RH-SUS traz no seu conteúdo a importância do trabalho e a
necessidade do desenvolvimento do trabalhador para o SUS, assim como, a valorização
dos profissionais na implantação dos modelos assistenciais de saúde, de forma a assegurar-
lhes satisfação plena com o fazer e com o pensar sobre o fazer.
Diante da necessidade de assegurar formação e qualificação profissional que dê
conta da estruturação de um novo processo de trabalho em saúde, a NOB/RH SUS respaldada
pela Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) considera a educação
permanente como um importante elo entre a educação e o trabalho em que, a partir do ensino
problematizador, se possibilita a formação de trabalhadores mais resolutivos e implicados
com os usuários dos sistemas de saúde.
A EPS é consubstanciada como uma proposta politico-pedagógica capaz de mobilizar
o cotidiano dos serviços de saúde e de influir decisivamente na qualidade da assistência ao
usuário. Ela retira os trabalhadores de saúde da condição de “recursos humanos” auferindo-
lhes o estatuto de protagonistas dos processos de transformação, com nova missão de pensar
ações educativas no trabalho, pelo trabalho e para o trabalho.
Dessa forma, a educação permanente partilha com a gestão do trabalho o desafio da
histórica falta de priorização de políticas voltadas para o trabalho/trabalhador no SUS e ambas
constituem-se como influencias decisivas na qualidade do trabalho e da assistência, tornando-
se emergencial a criação de espaços de articulação capazes de envolver trabalhadores, gestão,
formação e controle social.