10 lendas de moura a utopia da convivência (im · pdf filedos santos ... anos idos de...

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10 LENDAS DE MOURA

A MOURA AMOR A MORTE

OU

A UTOPIA DA CONVIVÊNCIA (IM)POSSÍVEL

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José Penedo de Moura

10 LENDAS DE MOURA

A MOURA AMOR A MORTE

A MAGIA

OU

A UTOPIA DA CONVIVÊNCIA (IM)POSSÍVEL

Penedo Gordo, Beja – 1994

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Moura – o Castelo

Penedo Gordo, Beja - 1994 © in Revista Arquivo de Beja, Vol. VI – Série III – Dezembro de 1997, José Penedo de Moura, um deNÓMIO de José Rabaça Gaspar www.joraga.net © Primeira edição virtual e em papel, e-libro.net, Buenos Aires, Maio de 2004 ISBN 1-4135-0164-8 a edição virtual ISBN 1-4135-0165-6 da edição em papel

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dedicatória

dedico este trabalho

às minhas companheiras e companheiros de jor-nada…

as mouras e mouros, ciganas e ciganos das terras de santa maria e todo o mundo,

que acreditam na utopia da convivência na diver-sidade...

O Cigano Castanho - josé penedo de moura

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apresentação

...viagens maravilhosas através da fantasia

de um tal cigano CASTANHO e da cigana MARIANA

contando, cantando co(a)ntado e ca(o)ntando

vão lendo a LENDA as LENDAS da moura princesa de nome SALÚQUIA

que vence morrendo derrota a vitória vencedores vencidos por seu heroísmo

dando nome à terra que fica cristã

com nome de MOURA com mouros cristãos de valores estranhos

que mistura raças que mistura credos respeita diferenças

cria um mundo novo regresso ao futuro escrito nos astros

que só pode ler quem lê as estrelas…

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ÍNDICE

UMA EXPLICAÇÃO.........................................13 AS 10 LENDAS de MOURA transcritas ...........17

00 - A abrir... em viagem... .....................................19 01 - LENDA DA VILLA DE MOURA, por Cardoso dos Santos ...............................................................35 02 – A ALCAIDESSA SALÚQUIA, pelo Conde de Ficalho (1837-1903), ..............................................42 03 - A MOURA SALÚQUIA (Lenda do Séc. XIII), por Nicolás Diáz y Pérez ........................................44 04 - A MOURA SALUQUIA E O NOME DA VILA, Teófilo Braga...............................................50 05 - A LENDA DA MOURA SALÚQUIA, pelo Dr. Vítor Mendes. .........................................................52 06 – LENDA DA BELA SALÚQUIA, Gentil Marques ..................................................................66 07 - LENDA DE MOURA, por Fernanda Frazão. .78 08 - LENDA DA MOURA SALÚQUIA................85 09 - LENDA DA MOURA SALÚQUIA por Maria José Balancho e Ana Maria Santos.........................88 10 - À TORRE DE MOURA versos de Maria Carlota Sousa Queiroga ..........................................91 Resumo das 10 LENDAS de MOURA.................101 A TERMINAR... de novo EM VIAGEM... ..............111 DÉCIMA a SALÚQUIA.......................................127

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UMA EXPLICAÇÃO

M O U R A – A MOURA AMOR A MORTE

A MAGIA ou A UTOPIA DA CONVIVÊNCIA (IM)POSSÍVEL

Um trabalho de compilação e transcrição de 10 LENDAS DE MOURA de José Rabaça Gaspar

Com versos de introdução, desafios e uma DÉCI-MA A SALÚQUIA por José Penedo de Moura um deNÓMIO de JRG para entrar neste Mundo de enCANTO e Fantasia de Mouros e Mouras.

Este é um breve apanhado de uma obra mais vas-ta realizada em 1994, com Pistas de Leituras

para cada uma das Lendas e para a sua globali-dade que atinge cerca de 200 páginas.

Num primeiro momento, pode parecer que este trabalho se limita a transcrever DEZ LEN-DAS DEZ sobre a MOURA SALÚQUIA, de di-versos autores e usando diferentes formas de ex-pressão. Portanto nem são de minha autoria nem de nenhum dos meus deNÓMIOS ou demónios, que me seduzem e me permitem um acesso a Mundos de Fantasia, enCanto e Fascínio que não são normalmente os meus. Seria portanto um me-ro trabalho de tesoura e cola. Não foi isso que aconteceu. Desde que ouvi a primeira versão contada pelos alunos, lá para os anos idos de 1985, ficámos encantados e traba-lhámos a lenda, à procura de significados e símbo-

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los que nos escapavam. Depois, outras versões da mesma lenda foram aparecendo e tudo mudou. Parecia que era a mesma lenda, e era a mesma LENDA, mas não era. A leitura comparada das diversas versões e o estudo, abriam caminhos novos… Descobrimos que, apesar de algumas len-das poderem não ser verdade, apesar de poderem ter erros históricos, ou não, como na lenda de Ourique e outras, apesar de poderem ser só, pura Fantasia, há, pode haver, nas LENDAS, um MUNDO de MUNDOS a descobrir. Não é esse, portanto, o desafio a que me propus responder. Não é esse o desafio que pretendo deixar aos pos-síveis leitores: um trabalho de “corta e cola” que qualquer pode fazer... Estas dez formas de CON-TAR a mesma LENDA revelaram-me, possivel-mente mais uma vez, a MAGIA da prodigiosa ARTE de enCANTAR! As DEZ maneiras diferen-tes mostram que há MIL maneiras e UMA de CONTAR, CANTAR ou tentar enCONT(R)AR a verdade, mesmo que não seja a verdade histórica!!!... A minha proposta para a leitura destas LENDAS é: ...lendo A/s LENDA/s nas letras das estrelas - ou a humanidade a crescer para a tole-rância, para a convivência na diversidade, para o direito à diferença, num regresso ao futuro, ou o maravilhoso fantástico do real no imaginário alentejano. Será afinal a realização da UTOPIA (IM)POSSÍVEL. Qual é a verdadeira LENDA DE MOURA ou da MOURA ou da MOURA SALÚQUIA? Não se iluda. Não é nenhuma destas DEZ, nem muito

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menos a minha! A verdadeira é a MIL E UMA. É a sua.

Vale de Milhaços, Fevereiro de (1997) 2004.

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AS 10 LENDAS de MOURA

transcritas

00 A abrir... em viagem... ou a multiplicidade de pistas de leitura/s... por José Penedo de Moura

01 LENDA DA VILLA DE MOURA, por Cardoso dos Santos, um manuscrito fornecido por alunos da Escola do Magistério Primário de Beja, natu-rais de Vila Verde de Ficalho, em 1986.

02 A ALCAIDESSA SALÚQUIA, pelo Conde de Ficalho, in NOTAS HISTÓRICAS ACERCA DE SERPA e O ELEMENTO ÁRABE NA LINGUA-GEM DOS PASTORES ALENTEJANOS, CON-DE DE FICALHO, (1837-1903), Lisboa, 1979; e in TRADIÇÃO, SERPA, Maio de 1901 – Anno III – Nº 5, Volume III p. 65-70, Edição em "fac-simile", Câmara Municipal de Serpa, 1982).

03 A MOURA SALÚQUIA (Lenda do Séc. XIII), por Nicolás Diáz y Pérez, in. A TRADIÇÃO, SERPA, Anno IV – Nº2 – Fev. 1902 – Volume IV – p. 24, 25, 26 e Anno IV – Nº4 – Abril 1902 – Volume IV – p. 55, 56, 57, Edição em “fac-simile”, Câmara Municipal de Serpa, 1982.

04 A MOURA SALUQUIA E O NOME DA VILA, Teófilo Braga, in “CONTOS TRADICIONAIS DO POVO PORTUGUÊS”, (1915) (Panorama, t.IV.p.4, 1840), vol. II, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 302.

05 A LENDA DA MOURA SALÚQUIA, pelo Dr. Vítor Mendes, in “A ETNOGRAFIA E FOLCLO-RE DO BAIXO ALENTEJO, de Manuel Joaquim Delgado, Edição da Assembleia Distrital de Beja, 1985, p. 244-250.

06 LENDA DA BELA SALÚQUIA, Gentil Marques, In “LENDAS DE PORTUGAL”, III Vol. - “LEN-DAS DE MOUROS E MOURAS”, de Gentil Mar-ques, Editorial Universus, Porto, 1964, desde a página 112 à 118.

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07 LENDA DE MOURA, por Fernanda Frazão, in LENDAS PORTUGUESAS, 5º Volume, com reco-lhas e texto de Fernanda Frazão, AMIGOS DO LIVRO EDITORES, sem data.

08 LENDA DA MOURA SALÚQUIA, in LITERATU-RA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA, MINIS-TÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, DIREC-ÇÃO-GERAL DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS, COORDENAÇÃO DISTRITAL DE BEJA, Colec-ção SABER MAIS, sem data (oferecido em Julho de 1987), páginas 29 e 30.

09 A LENDA DA MOURA SALÚQUIA por Maria José Balancho e Ana Maria Santos, in PÚBLICO – Júnior - 07, 12 de Maio de 1990.

10 À TORRE DE MOURA versos de Maria Carlota Sousa Queiroga, in ANAIS DE MOURA, pelo Dr. José Avelino da Silva Matta, 1855, Biblioteca Municipal, 1980.

A TERMINAR... a LENDA INTERMINÁVEL... Uma LENDA que tem muito que CONTAR, ou que ENCONTRAR ou enCANTAR, até prever as FESTAS de/da MOURA LÁ PARA O ANO 3000!

… e, a terminar, - uma DÉCIMA A SALÚQUIA.

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00 - A abrir... em viagem...

... que istória é essa da moura? terra cristã, nome mouro! os cristãos vencem vencidos! a vencida é vencedora! derrota dos vencedores que assaltam a cidade vestidos de mouros ricos os albornozes de seda sobre as cotas de batalha... ricas armas simuladas lutam com armas de guerra! um alfange de oiro puro contra o aço duma espada! e uma rosa branca pura fica rubra de papoila! é história de encantar aquela que ouvi contar... Zara era a velha escrava que sabia de segredos e mistérios que se lêem nos astros e nas estrelas... mas ela morrera então já Salúquia era alcaidessa mas não viveu a paixão da filha de Buaçon pelo valente Brafama o guerreiro mais valente

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que era o terror dos cristãos... ficou Fátima e Zuleima as escravas companheiras mais amigas da princesa que nas vésperas do noivado bem olharam os seus olhos e viram os maus presságios... Fátima a d' olhos azuis bem cantou suas cantigas que Zara lhe ensinara mas eram coisas sem tino que não faziam sentido... coitada daquela velha! estava perdida do siso! já não atinava nada! - diziam sem entender as jovens escravas livres que cantavam entretanto os velhos cantos de Zara que contavam o que lia olhando a lua e os astros e as letras das estrelas... o que lera a velha Zara e não pôde transmitir à sua senhora amada que era sua filha querida pois por ela foi criada desde o berço em que nascera!? estava escrito no destino que se lia nas estrelas

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que a festa do seu noivado em vez do vinho correr iria correr o sangue de inimigos misturado e os vencedores vencidos... vitória dos derrotados que, perante a sua morte, lançando-se em voo de ave das ameias do castelo com as chaves da cidade para não ter de entregar a cidade que era sua para ali viver feliz com o noivo que escolhera e seus vassalos que amava... esses vencedores vencidos que queriam fazer cristã a cidadela dos mouros..., perante tal gesto heróico da princesa castelã mandaram parar a guerra... chamaram MOURA à cidade que os cristãos conquistaram e decretaram ali que ali naquela terra não mais havia sentido para a luta e para a guerra... em vez dos trajos de guerra vestir-se-iam de cores de roupas finas e ricas e as armas de matar seriam de fantasia

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para a festa abrilhantar... ali viveriam todos... mouros cristãos outras raças outros credos outras crenças cada qual com a verdade que pode compreender e é só uma fatia da verdade toda inteira que os astros e estrelas nos deixam adivinhar... mas de que serve uma estrela, àquele que não a quer ver? dizia a nossa cigana que chamamos Mariana com os seus olhos castanhos perdidos nos olhos negros do cigano que é Castanho... é máxima já antiga que a minha avó dizia quando as linhas da mão lia com sua sabedoria de velha que era entendida nestas coisas do destino que percorremos em vida... esta lenda é uma istória. é uma istória de amor de amor e de fantasia uma verdade mentira mas mentira que é verdade.

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que é que tem de verdade? que é que tem de mentira? que verdade? na mentira? MOURA não foi conquistada no tempo de Afonso Henriques em que os mouros dominavam tudo o que era ao sul do Tejo Alentejo, Estremadura Andaluzia e Algarve...? foi só D. Sancho II o seu bisneto traído que acabou exilado em Toledo para morrer? mas que aos dezoito anos em mil duzentos e trinta conquista para o seu reino Elvas, depois Serpa e Moura e oito anos depois ainda chega ao Algarve a Cacela e a Tavira? e afinal isso que importa para o bem da humanidade? é a história que ensina o que fomos e seremos? ou a lenda é que domina muitos mistérios segredos que o ser humano entrevê mas não é capaz de ver nem tão pouco de entender

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mas deseja do mais fundo entender que este mundo de reinos e divisões é afinal um pedaço de um Mundo vasto e grande que os olhos não abarcam e até à mente escapa quando só nos limitamos a ver o que os olhos vêem e a nossa mente alcança!!! e o sonho? a fantasia? só nos transmitem mentiras? a lenda não é verdade! não é verdade da história que, dizem, conta a verdade... mas onde está a verdade? que verdade conta a história? história de reis e conquistas dos reinos que dominaram de guerras e mortandades para dilatar a fé a verdade e o império!!! uma parte da verdade que não conta a história toda que vive a humanidade!!! porque será MOURA, MOURA? foi baptismo dos cristãos ou dos mouros nomeada já antes de conquistada pelos irmãos Rodrigues

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antepassados dos Mouras que é gente de nomeada? quem a chamou ARUCI? ARUCI a NOVA? a VELHA? pouco se sabe da história! pouco sabe a nossa história! mas nas brumas da memória dos habitantes da vila, a cidade já antiga que agora é nova cidade, toda a gente sabe a lenda da MOURA que se atirou do mais alto do castelo com as chaves da cidade para não ficar cativa daqueles que a conquistaram com ardis de bandoleiros depois de terem matado o seu noivo apaixonado que corria ao seu encontro vestido de armas de festa que não serviam para a guerra e a uma légua da vila já à vista do castelo com eles é confrontado perecendo na batalha... mesmo assim, e por milagre, do deus mouro? ou do cristão? a rosa que ele colhera nos valados da campina

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a rosa branca da paz da candura e do amor presa junto ao coração vai nas pregas do seu manto também branco, imaculado, pois ia para o noivado..., vai agora de vermelho segura pelos espinhos nas dobras do manto branco agora também manchado do sangue rubro do noivo vai nos ombros do cristão que envergou suas vestes para esconder as da guerra e entrar na vila em festa e torná-la fácil presa... vai cair a rosa branca agora tinta de sangue nos lábios da alcaidessa a princesa bela moura que ao saber da traição dos guerreiros que mataram o seu amor e paixão se atirou do minarete o mais alto do castelo com as chaves da cidade seguras na sua mão... quando o chefe se debruça como vencedor da praça e vai apanhar as chaves que lhe dão posse total...

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cai a rosa que era branca, e agora está vermelha de sangue do seu amado, cai nos lábios da princesa onde corre o sangue vivo da morta que ainda é viva misturando sangue e sangue dum amor para ser vivido noutros mundos, outras vidas por nós não compreendidas... foi a surpresa! o espanto! era milagre ou feitiço ou era pura magia aquilo que acontecia? era o deslumbramento! o homem perante a morte, mesmo guerreiro valente, perante o desconhecido que não entende ou domina, pode parar e pensar... ou deixar-se fascinar e sem querer, acreditar que há outros mundos além dos que pode conquistar com a espada... o coração tem fronteiras que se abrem p’r’além da imaginação... então, ali, nesse instante,

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como às vezes acontece perante o maravilhoso que parece fantasia e abre os olhos do sonho ou os olhos de ver longe além do que a vista alcança... aquele guerreiro valente que vencera uma batalha fica vencido e descobre que a vitória é dos vencidos derrotando os vencedores... a guerra não tem sentido... há uma vida que é dom de mouros ou de cristãos de qualquer crença ou raça e ninguém pode matar a VIDA que vem do AMOR ou o AMOR que dá VIDA... a guerra estava vencida e a vila que era pagã de crença contrária à sua devia ser baptizada receber nome cristão! num lampejo da razão qual súbita inspiração que a razão ultrapassa declara solene e sábio que a vila conquistada terá o nome da MOURA que de vencida os venceu matando a guerra entre credos

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entre raças, entre crenças... MOURA, a cidade branca princesa do Alentejo ou o país, todo inteiro… será um reino de todos de várias raças e cores como um regresso ao futuro que não se encontra na história... só há no reino das lendas no reino da fantasia e no reino dos que sonham dos poetas dos artistas que podemos ser nós todos os que buscam a verdade juntando as várias verdades que cada um entrevê! sem poder impor a sua por saber que é incompleta apenas uma fatia da verdade que não vê! Assim esta lenda mito que vem do fundo dos tempos da fundação do país, do reino da fantasia deixa-nos como sinal uma vila que é cidade uma cidade cristã que é conquistada aos mouros e é baptizada MOURA... e deixa-nos como símbolo

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uma ROSA que era BRANCA ou então a PEDRA BRANCA com poderes de fantasia depois tintas de vermelho ficando vermelha e branca como o manto branco e rubro! quem sabe ler estes SIGNOS estes SINAIS estes SÍMBOLOS? são mensagens? é linguagem que ainda não entendemos? talvez que a velha escrava Zara, a ama da princesa, o soubera e o dissera porque o lera nas estrelas se Fátima o entendera e Salúquia a ouvira... ?! e nós, porque lemos LENDAS? e se as não há, inventamos? para REGRESSAR ao FUTURO que não vemos e não lemos?. É para ler o presente? O presente já passou. vamos pois ouvir a LENDA a LENDA que foi contada por muitas vozes diferentes em vário tempo e lugar... então não é uma LENDA?

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são várias LENDAS só numa? as que aqui vamos contar ora em prosa ora em verso com notas explicações algumas mais eruditas a tentar compreender entender e explicar o que não pode apreender a simples nua razão? vamos aqui deixar dez daquelas que foram escritas e não o deviam ser porque a tradição a deu para ser contada falada transmitida boca a boca... agora no nosso tempo em que a escrita se escreve como se escreve na areia que a maré vai apagar estas dez, são dez e uma aquela para inventar todo aquele que quer saber e a verdade buscar... foi assim que a Mariana que tem os olhos castanhos desafia aquele Cigano que tem por nome Castanho... - vamos roubar estas LENDAS que estão para aí perdidas

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inúteis e sem proveito e vamos dá-las aos donos ou vendê-las numa feira para de novo as contarem e tornarem a criá-las para aprenderem com elas a vida que não entendem os mistérios deste mundo que é parte do universo! o que somos donde vimos para onde vamos nós? e se souber responder a estas simples perguntas que a ciência não responde… você é dono do mundo é sábio que pode entender os outros que também buscam sabedoria verdade para criar o mundo novo onde reina a liberdade de cada ser, ser quem é respeitando, amando o outro que também busca a verdade com a sua liberdade. é este o reino das LENDAS o reino da fantasia em que o bem sempre venceu em que o AMOR é senhor... ... e quando o príncipe a beijou...

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ela então, abriu os olhos... casaram... tiveram muitos filhos... e foram para sempre felizes... Aqui, o beijo da vida do amante para a amante é dado depois da morte levado na ROSA BRANCA que ficou tinta de sangue aos ombros do inimigo que vencedor é vencido! e a MOURA que morreu ganhou vida e ficou viva através das gerações dos habitantes da vila, que já foi e é cidade, seja qual for o seu credo sua cor ou crença ou raça...! Eis aqui... para se ouvir, minhas senhoras, senhores... minhas meninas, meninos... poetas e sonhadores... a LENDA DA LINDA MOURA cantada por contadores de vários tempos e artes, que surgem já a seguir...

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Monumento a Salúquia na cidade de Moura

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01 - LENDA DA VILLA DE MOURA,

por Cardoso dos Santos Escrita (?) entre 1846 – 1850, [um manuscrito fornecido por alunos da Escola do Magistério Pri-mário de Beja, naturais de Vila Verde de Ficalho, em 1986].

Início do manuscrito feito pelos alunos, em 1986,

do poema de Cardoso dos Santos. .

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I

SALÚQUIA, Moura, Princesa, Em ARUCI Castelã,

Era a flor de mais beleza De todo o reino de Islan. Fulgiam na luz de auroras Seus olhos, negras amoras Dessa amoreira dos sonhos, Que viviam encantados Em amorosos cuidados Ora tristes ora risonhos.

O colo de neve pura

Era de garças modelo; E feitas da noite escura As tranças do seu cabelo.

II

Mal ao céu, azul violeta, Assoma o vermelho disco, Salúquia, no minarete Do seu castelo mourisco, O vasto horizonte alcança. E um sorriso de esperança Tem nos lábios virginais, Pois, nesse dia nascente,

Há-de vir seu noivo ausente Dar-lhe o beijo de esponsais.

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E, pelos campos em flor Que vem a manhã doirar, O seu olhar sonhador

Se perde em longo sismar.

III

Em cavalgada brilhante De riqueza e galhardia,

BRÁFAMA, o príncipe amante, De suas terras partia. E o garboso cavaleiro Galopava tão ligeiro

Em seu cavalo murzelo, Que, ao romper da madrugada,

Já da linda bem amada Avista o nobre castelo.

Casta prenda de noivado,

Levando a SALÚQUIA, arranca, Das roseiras do valado, Uma rosa toda branca.

IV

Mas nisto, ao longe, um tropel Surge, entre nuvens de poeira! Detém BRÁFAMA o corcel Na sua veloz carreira.

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Num instante de incerteza A todos gela a surpresa

Daquele transe imprevisto. De inimigos vem o bando Lanças ao sol faiscando

No estandarte a Cruz de Cristo!

Mas nunca, de Alah, o crente Do perigo se confrange: A fé palpita-lhe ardente No gume do seu alfange.

V

Logo a gentil comitiva Prevendo a sorte funesta, Com ardor que o ódio aviva Para o combate se apresta.

BRÁFAMA, em pena saudosa, Depondo na branca rosa Um beijo longo de amor,

Pede aos seus, num triste olhar: - Aquele que se salvar

Leve a SALÚQUIA esta flor.

E, ocultando-a no albornoz, Que na leve brisa adeja,

Se lança aos cristãos veloz, Bradando: - Alah nos proteja.

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VI

Cruzam-se alfanges e espadas Em rudes golpes vibrando; O sangue corre às golfadas Em morte a festa mudando. Mas a brava resistência

Dos Mouros, em pouco, vence-a, Essa hoste destemida.

Como valentes guerreiros, BRÁFAMA e seus companheiros,

No campo deixam a vida.

E num derradeiro alento, Que o peito dilacera,

Vai todo o seu pensamento P’rá noiva que além espera.

VII

E agora, o chefe cristão, Que é da moirama flagelo,

Em ardilosa traição, Pensa tomar o castelo. Dos inimigos vencidos

Enverga o bando os vestidos. E, com disfarce, a cavalgada,

Com arrogância, desfila Sobre ARUCI, nobre vila Que não prevê a cilada.

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E Dom Álvaro, na frente, Galopando com azáfama, Se envolve galhardamente

No alvo branco de BRÁFAMA.

VIII

Já SALÚQUIA ao descobrir O deslumbrante cortejo, As portas mandava abrir, Da vila, toda em festejo. Com delirante alegria, A recebê-los, envia

Os mais nobres cortesãos. Mas, em onda de extermínio, Calcando um rasto sanguíneo, Rompem na vila, os cristãos.

E aqueles festivos brados, Saudando o belo consorte,

Foram em prantos mudados, No desespero da morte.

IX

SALÚQUIA, em terno sorriso, O seu príncipe aguardava,

Quando vem trazer-lhe aviso, Do vil engano, uma escrava.

A dor calando, serena,

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Num altivo gesto, ordena Com resoluta firmeza, Que por última defesa,

Se fechem, sem mais detença, As portas da fortaleza.

E as chaves na mão guardando,

Com valor que não hesita, SALÚQUIA, Alah invocando,

Da torre se precipita. X

Do Castelo, na esplanada, Jaz o lindo corpo exangue; Sobre a face desmaiada

Tem um rubro fio de sangue. Corre Dom Álvaro; e enquanto Se debruça, do alvo manto, Sobre os lábios virginais, Tombava a rosa de amor, Que neles vinham depor O beijo dos esponsais.

De SALÚQUIA o valor prova Esta lenda encantadora.

Desde então ARUCI-NOVA Se chamou VILLA DE MOURA.

Cardoso dos Santos – entre 1846 – 1850

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02 – A ALCAIDESSA SALÚQUIA, pelo

Conde de Ficalho (1837-1903), História inserida in Nota nº X, uma das XIV NOTAS HIS-TÓRICAS ACERCA DE SERPA. (in TRADIÇÃO, SERPA, Maio de 1901 – Anno III – Nº 5, Volume III, p. 65-70 Edição em “fac-simile”, Câmara Municipal de Serpa, 1982). Já publicada também in NOTAS HISTÓRICAS ACERCA DE SERPA e O ELEMENTO ÁRABE NA LINGUAGEM DOS PASTORES ALENTEJANOS, CONDE DE FICALHO, (1837-1903), Lisboa, 1979.

Cópia de A TRADIÇÃO, onde saiu a Nota X, do Sr. Conde, Maio 1901

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A ALCAIDESSA SALÚQUIA …

Uma rapariga muçulmana, chamada Salú-quia, governava militarmente, era alcaidessa do castelo de Moura. Seu pai, por nome Buaçon, po-deroso senhor mouro naqueles contornos, havia levantado aquele castelo das ruínas em que se achava, e havia-lho dado para seu casamento, como uma espécie de dote. Efectivamente, um mouro chamado Brafama, senhor do castelo de Aroche, ajustou-se a casar com Salúquia, ou no desejo de possuir o castelo, ou seduzido pelos encantos pessoais da rapariga, porque nada nos impede de imaginar que ela fosse muito bonita. No dia marcado para os desposórios, vindo Bra-fama de Aroche para Moura, dois cavaleiros por-tugueses saíram-lhe ao caminho com os seus homens de armas e soldados e mataram-no assim como a todos os mouros que o acompanhavam. Vestiram-se os portugueses nos trajos mouriscos, e vieram a caminho de Moura, fingindo ao longo da estrada escaramuças de alegria - uma espécie de fantasia árabe. Salúquia estava em uma alta janela do seu castelo, esperando o namorado; viu vir de longe aquela comitiva de festa, e só mesmo à chegada conheceu serem inimigos cristãos. Desesperada e não querendo ficar cativa, lançou-se da janela e caiu em baixo morta. Os portugue-ses, naquele primeiro momento de confusão, en-traram nas portas e apoderaram-se da fortaleza.

… Conde de Ficalho

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03 - A MOURA SALÚQUIA (Lenda do Séc. XIII), por Nicolás Diáz y Pérez

(in. A TRADIÇÃO, SERPA, Ano IV - Nº2 - Fev. 1902 - Volu-me IV - p. 24, 25, 26; Ano IV - Nº4 - Abril 1902 - Volume IV - p. 55, 56, 57. Edição em “fac-simile”, Câmara Municipal de Serpa, 1982) Cópia da introdução à lenda, in TRADIÇÃO, Fev. 1902 – o início do

texto de Nicolás Diáz y Pérez.

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A MOURA SALÚQUIA (Lenda do Séc. XIII), Tinha Buaçon uma filha, chamada Salú-quia, que por sua formosura era o encanto de todos os jovens da comarca, e para ela designou, como património em seu casamento, a vila e cas-telo de Aroche, que já começara a governar, como Alcaidessa ou Caid do mesmo, desde 1224, segun-do uns, ou desde 1219 segundo outros. Enamorou-se de Salúquia um jovem mouro chamado Al Brafama, senhor do castelo de Yel-meña, (a que hoje chamam Jerumenha), o qual moço, tido por mui valente, era respeitado de todos os mouros e não menos temido pelos cris-tãos. O velho Buaçon, pai da formosa Salúquia, associara-se várias vezes, em empresas belicosas contra os cristãos, ao Caid de Yelmeña, e, com sorte próspera umas vezes, e outras adversa, compartilhou com ele as contingências da guerra. A princípio, não levou a bem estes amores o velho Buaçon, que sem dúvida sonhava para Salúquia algum príncipe de estirpe real; mas, a Alcaidessa de Aroche não era do mesmo parecer, e ofereceu a sua mão ao jovem Al-Brafama, a quem, desde muito, queria para marido. Vencida pois a vontade do velho Buaçon, concertaram os dois jo-vens as suas bodas para 29 de Junho de 1226 (623 da Hégira), dia do Apóstolo S. Pedro, muito cele-brado pelos cristãos com festas, nas quais por igual tomavam parte os mouros.

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Haviam começado antecipadamente para os fellha, ou aldeãos lavradores de Aroche, estas festas, com motivo das que dedicavam a S. João Batista, em 24 de Junho; pois como é sabido, mouros e cristãos comemoravam juntos, em Espanha e Portugal, as festas do fogo, chamadas pelo povo as Fogueiras de S. João, verdadeiras recordações do solstício estivo dos tempos pagãos da antiga Roma. Tudo era alegria, naquele ano, entre os ru-mies (cristãos) e a gente do islam (maometanos). Desde a véspera do Batista, as fogueiras ilumina-vam os campos de Aroche, e ao resplendor das candeias que rodeavam os velhos muros do caste-lo governado pela formosa Salúquia, bailavam as harasas (raparigas) e beledies (camponeses) ao som de alegres canções, em que o kitaból’agami (trovador) se fazia acompanhar das güiatras (gui-tarras), guenberi (bandurras) e tars (pandeiros). No dia 28, preparava-se a Alcaidessa de Aroche para receber na manhã seguinte, dia de S. Pedro, o seu prometido, que viria cavalgando pelo largo albalate (caminho) da pinturesca Jelman-yah, acompanhado de um bom número de cavalei-ros e peões, quando uma notícia que lhe deram os beledies de Aroche a encheu de negros presságios. Segundo estes camponeses, que regressavam de Sheberina (Serpa), tinham visto cruzar o caminho a um numeroso tropel de cavaleiros cristãos, ar-mados e em som de guerra, que vinham como do castelo de Paymogo, comandados por D. Álvaro Rodrigues e seu irmão D. Pedro, inimigos de Bra-

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fama. E não foram infundados os temores de Sa-lúquia, pois no dia seguinte amanheceu, o castelo de Aroche, cercado por 2000 cavaleiros cristãos. Salúquia subiu ao alto da Almocabar para dali do-minar melhor os arredores do castelo, obser-vando com grande pena que as hostes cristãs começavam rijamente o ataque. Pôs em movimen-to toda a povoação; fez soar o atambar e o derbu-ya dum a outro extremo do castelo. De pronto se puseram na defensiva os seus governados; mas o inimigo era numeroso, e à primeira investida apoderou-se do povoado que rodeava a fortaleza. Salúquia, louca de terror, refugiou-se na Borch-Calat (torre de menagem), para arengar aos que valentemente lutavam nos ameiados muros. O seu esforço era inútil. Os cristãos conseguem penetrar pela Bab-as-sheberine (a porta de Ser-pa), e em turbulento tropel avançam castelo aci-ma, gritando: “Vitória, vitória!”. Os seus desejos era fazer cativa a alcaidessa, a formosa Salúquia; mas esta, compreendendo-o assim, arremessou-se por um ajimez da torre de menagem, ficando mor-ta nos pedregais do fosso. Os cristãos recolheram o corpo ensanguentado, que conduziram para o castelo, e prepararam-se para resistir às hostes que acompanhassem o Caid de Yelmeña, que não se fez esperar muito, pois às três horas da tarde, deu vista ao castelo em companhia do ancião, pai de Salúquia, ambos seguidos de uns 25 cavaleiros; e apenas informados do triste sucesso acontecido poucas horas antes, cheios de pena, ardendo em ira e com as lágrimas nos olhos, retiraram-se

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para Sheberina a deliberar entre si o que pode-riam fa-zer para conquistar Aroche e vingar jun-tamente a morte da sua Alcaidessa. E segundo as crónicas lusitanas, é fama que esta vila ficou, desde então, sob o domínio dos cristãos, que, ao repovoarem -na, a denominaram VILA NOVA DE MOURA, em memória, sem dúvida, da célebre Alcaideça da vila, formosa Salúquia.

Aroche

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Muralhas de Serpa – a Sheberina da lenda…

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04 - A MOURA SALUQUIA E O NOME DA VILA, Teófilo Braga.

Por Teófilo Braga, in “CONTOS TRADICIONAIS DO POVO PORTUGUÊS”, (1915) (Panorama, t. IV, p. 4, 1840), vol. II, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p.302.

Fotocópia da página da citada obra.

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A MOURA SALUQUIA E O NOME DA VILA «Querem alguns, que Moura fosse fundada sobre as ruínas da Antiga Araucitana: seja porém como for, o nome da vila indica origem posterior a Gregos, Romanos e Godos. - Conta-se que em tempos de el-rei Dom Afonso Henriques, sendo possuidora desta povoação e seu castelo uma dona árabe chamada Saluquia, filha de Buaçon, senhor de várias terras do Alentejo, tratara este de se casar com um mouro chamado Brafama, alcaide do castelo de Aroche, dez léguas distante de Mou-ra; o qual vindo celebrar as núpcias foi acometido no trânsito por dois fidalgos, Álvaro e Pedro Ro-drigues, ascendentes da nobre família dos Mou-ras, que o mataram num vale, a uma légua da vila, que em memória do caso se chamava Brafa-ma, ainda no tempo do Pe. Carvalho, isto é, no princípio do século passado. Diz mais a tradição, que os fidalgos com a sua gente se disfarçaram em trajos mouriscos e caminharam, fingindo comitiva da boda para a fortaleza, onde a moura esperava o noivo a uma janela que deitava para o campo, mas assim que ao entrarem os hóspedes no castelo se descobriu o engano, precipitou-se de uma torre abaixo para não cair cativa. Daqui vem ter a vila por armas uma mulher ao pé de uma torre, em alusão à morte de Saluquia; e com este brasão de armas combina o letreiro de uma sepul-tura, que está na igreja do castelo, e que declara jazerem ali sepultados os cavaleiros, que toma-ram esta terra aos Mouros.»

(Panorama, t. IV. p. 4, 1840).

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05 - A LENDA DA MOURA SALÚ-

QUIA, pelo Dr. Vítor Mendes. in “A ETNOGRAFIA E FOLCLORE DO BAIXO ALENTEJO, de Manuel Joaquim Delgado, Edição da Assembleia Distrital de Beja, 1985, p. 244-250.

A primeira das 6 páginas da Lenda do Dr. Vítor Mendes in obra citada.

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A LENDA DA MOURA SALÚQUIA A lua elevava-se das bandas do Levante, pondo um orvalho de prata nas campinas frescas e per-fumadas que circundavam a pequena povoação de Arucci-a-Nova. Numa ponta da vila árabe emergia, com soberania altivez, a formosa torre circular, em cujo minarete flutuava o pavilhão sagrado do Islam. Sobre as ruínas da antiga fortaleza mou-risca que as hostes cristãs de Afonso Henriques haviam feito arrasar, após um combate heróico com sarracenos, o chefe árabe Buaçou, compa-nheiro de armas de Miramolim Abinussuf, – o agareno audaz e feliz, que aos cristãos tomara parte das suas conquistas em terras alentejanas, no reinado de D. Sancho I, – mandara construir e fortificar poderosamente o novo castelo e cedera-o como dote a sua filha Salúquia, que aí governava como “alcaidessa”. Salúquia era uma moura for-mosa, sonhadora e supersticiosa como uma boa crente do Alcorão. Languidamente encostada à muralha do minarete, Salúquia fitava, num êxtase, o pálido globo, cuja luz a envolvia numa túnica de suavís-sima alvura, fazendo incendiar em centelhas de cristal as riquíssimas jóias que lhe matizavam a cabeleira negra e ondulada, e o colo branco duma modelação perfeita. E os momentos corriam sobre aquele recolhimento espiritual e misterioso. Fátima e Zuleima, as dilectas companhei-ras, olhavam com fraternal ternura o perfil esbel-

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to de Salúquia, a querida princesa - irmã, pródiga de sinceridade e de carinhos para com todos, que jamais sentiram a altivez sobranceira da senhora a recordar-lhes a humilhante condição de escra-vos. Por isso Salúquia era adorada na sua peque-na corte. Todas as tardes, mal o sol se escondia para as bandas do mar, a bela moura e a sua comitiva subiam ao minarete, e ali, então, esten-dendo a vista até ao círculo escuro do horizonte de serranias, passavam largo tempo desfiando len-das de guerra e de amor até à hora solene da ora-ção a Allah, que os lábios murmuravam numa prece de fé vinda do íntimo, com tal elevação e misticismo, como se fora a própria alma a evolar-se da súplica religiosa. Cortando o silêncio, Fátima, a moura dos olhos azuis, disse:

- “Salúquia, quando o luar tiver beijado as ondas do mar e o sol abrir de novo as portas do Oriente, o teu noivo estará entre nós...” - Que Allah o permita, Fátima! - E porque estás tão triste? - perguntou Zuleima. - Por muito o amar! - replicou Salúquia. - E por muito temer! - acrescentou numa acentua-ção de vaga e sombria tristeza. - Allah protege-o, e os cristãos estão muito longe! - exclamou Fátima, numa afirmação cheia de confiança. E Zuleima, a linda morena, filha de Gra-na-da, estendendo os braços na direcção do Orien-te, procurou indicar um ponto vago e impreciso.

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- É por ali o caminho... conheço-o bem. Por ele me trouxe teu pai como cativa. Salúquia elevou-se e, com ansiedade, fitou o olhar no sítio que Zuleima queria determinar, e dos seus olhos negros parecia sair uma cintilação de esperança, que a crença misteriosa de um estranho fatalismo não conseguiu amortecer nos primeiros instantes. No entanto, Salúquia pensa-va por vezes que era infantil e injustificado aque-le receio pela sorte do seu noivo, o príncipe mouro Bráfama, alcaide e senhor do castelo de Arucci-Vetus (hoje a vila espanhola de Aroche). Bráfama enamorara-se perdidamente da filha de Buaçou e obtivera a permissão para os esponsais. Salúquia correspondia-lhe com paixão cheia de fidelidade, e uma aura de amor, que des-pertava nas duas almas, crescia em apoteose de intenso desejo e suprema dedicação. Era esta a sua última noite de virgem. A madrugada que dentro de algumas horas iria despontar, traria envolta numa poeira de oiro, a figura adorada de Bráfama, o prometido esposo, o estremecido ídolo da sua imensa religião de mulher enamorada a florir na primavera dos vinte anos. A brisa nocturna vinha rescendendo ao perfume suave das laranjeiras toucadas de branco e dos roseirais em flor, como num delicioso con-sórcio aromático, que tornava a atmosfera tépida e lânguida daquela noite de estio num devaneio sensual, que embalava o coração e embriagava os

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sentidos. Salúquia, de olhos semi-cerrados, aban-donava-se à lúbrica visão que o seu candente amor formava de estranhas e caprichosas aluci-nações. Parecia que a figura musculosa e varonil de Bráfama a estreitava docemente junto ao pei-to, encantando-a numa música de promessas ven-turosas, que a alma ingénua acolhia alvoroçada e receosa. Este prazer íntimo, que ela gozava em silêncio, era dum perturbador enervamento, cal-mo e absorvente. Apenas, de espaço a espaço, rápidos clarões de sinistra superstição fulgura-vam, como centelhas de um rubro e sangrento colorido num céu tranquilo de serena esperança. Nesses momentos, o coração apertava-se-lhe numa contracção de dor, o rosto afogueava-se-lhe num rubro de ansiedade, e esta impressão tortu-rante, duma amargura horrível, vinha a cristali-zar-se nalgumas lágrimas, que tombaram dos olhos formosíssimos numa cintilação brilhante. Fátima, confrangida do sofrimento injusti-ficado de Salúquia, e para a distrair daqueles temores vagos, principiou uma narrativa de aven-turas, uma das muitas fantasias infantis que a sua alma em criança recolhera como herança len-dária da velha escrava Zara, que havia anos Allah chamara a si, talvez para ouvir os contos lindos da velha moura. Dez léguas separavam Arucci-Vetus, a ter-ra do noivo de Salúquia, da povoação onde esta governava como “alcaidessa”, distância que se percorria no espaço duma noite, de mais a mais quando o acicate do desejo havia de esporear o

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cavalo de Bráfama, numa galopada alegre para a felicidade. Ao cair da tarde, Bráfama e os seus deixa-ram Arucci-Vetus e puseram-se a caminho, numa caravana resplandecente de luxo e venturosa galhardia. Era uma cavalgada brilhante, em que os raios de sol, na agonia daquela tarde, punham fulgurações de luz sangrenta no reflexo rútilo das pedrarias dos turbantes dos cavaleiros e dos ar-reios riquíssimos dos corcéis. Bráfama, à frente, o manto de puríssima alvura sobre o arcaboiço forte e esbelto, levava frequentes vezes a mão sobre os olhos, procuran-do ver através dos raios do sol que se escondia na direcção do mar a torre amada de Salúquia, quando alguma elevação de terreno mais favorá-vel, lhe permitisse divisar a sombra minúscula do castelo, que a alma há muito entrevia antes que os olhos pudessem enxergar. Mas as sombras da noite vieram envolvê-los e, enquanto o globo rubro se escondia sob o dorso das serranias do Ocidente, a lua vinha saudá-los, trazendo-lhes na sua luz as preces e os desejos que Salúquia e as suas damas lhe confiavam, para os deixar cair, como amorosa mensageira, sobre Bráfama e os cavaleiros da comitiva nupcial. A noite ia avançando, e a caravana, a quem a fadiga de um rápido trotar foi amortecen-do lentamente o ardor festivo, caminhava silen-ciosamente, quebrando o eco solitário dos vales com o ruído estrepitoso de um tropel apressado, cortado de vez em quando pelo relinchar alegre

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dos cavalos, nos quais a espuma do cansaço punha manchas alvas sobre a cor negra do pêlo aveludado. Das bandas do Levante elevava-se já uma aragem ligeira e fria; as estrelas iam esmaecendo no fulgor, e a porteira do Oriente surgia em toda a lucilante beleza, deixando atrás de si um rasto pálido que gradualmente ia enrubescendo e come-çando a transformar em cristais doirados as pequenas gotas de orvalho que refrescavam a ter-ra adormecida. Apenas uma légua separava Brá-fama de Salúquia. O cortejo mourisco caminhava agora num vale lindíssimo que despertava risonho e florido aos beijos do sol nascente. Umas colinas impe-diam ainda a visão querida do castelo da noiva. Renascera o entusiasmo e a alegria, e a caravana galopava cheia de prazer, colhendo flo-res das árvores que orlavam o caminho, para as levar, como saudações frescas e coloridas, à corte de Salúquia. De súbito, os cavalos deram sinal de inquietação e receio. Relinchavam fortemente e mostravam-se agitados. Bráfama estacou e a co-mitiva fez alto. Entreolharam-se todos, surpresos e indecisos. Numa voz rouca de terror, um velho árabe, que seguia ao lado de Bráfama, gritou – além..., e apontava com mão trémula, uma nuvem de poeira que avançava em turbilhão, deixando entrever armas, que reluziam ao sol, e pavilhões brancos com a cruz da Fé. Bráfama exclamou: - São os cristãos!...

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- E vêm para nós! - disse um cavaleiro ára-be, moço e destemido guerreiro para quem o fra-gor dos combates tinha encantos e perigos que o embriagava numa epopeia de heroísmos. Desem-bainhando, num movimento rápido, a lâmina cur-va e brilhante, exclamou: - Vamos a eles!... Allah seja por nós – e ati-rou o cavalo numa correria doida ao encontro da morte. Bráfama reconheceu o perigo inevitável. Os cristãos estavam perto. Era um bando supe-rior em número aos cavaleiros sarracenos; tinham além disso, sobre eles, a vantagem de vir apres-tados e armados para o combate, enquanto Brá-fama e os seus caminhavam para uma festa de núpcias. Era portanto, a morte certa, fatal, irre-mediável. Mas um crente de Allah nunca foge, e encara a morte, sempre, frente a frente. Pálido, um pouco trémulo, os olhos quase velados por uma neblina dolorosa que do coração lhe subia, Bráfama encarou a sua gente e disse-lhe: - Irmãos... é a morte! Allah assim o quis. E, tirando do peito uma rosa branca que colhera para oferecer à noiva, beijou-a demoradamente, e ao soltar os lábios daquele misterioso beijo, elevou os olhos turvos de lágrimas para o céu, agora ful-gurante de oiro, parecendo-lhe ver no fundo azul um castelo em festa, onde uma figura linda de mulher, branca como a lua e formosa como a estrela da manhã que a sua vista ainda há pouco namorava, estendia para ele languidamente o

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braço, para receber a rosa em que os seus lábios haviam deposto, como num puro relicário, toda a alma dum imenso e infeliz amor. Em seguida, voltando-se para a comitiva, disse num tom quase de súplica: - Se alguém se salvar, leve a Salúquia esta flor, e escondeu-a sob o manto, junto ao coração. Depois, num impulso rápido, renasceu o guerreiro e, sacando com energia o alfange, esporeou o ca-valo a defrontar-se com o inimigo. Todos o segui-ram com a mesma coragem e rapidez, e o cortejo de núpcias transformou-se numa cavalgada de morte. Os soldados da cruz eram comandados por dois irmãos, Álvaro Rodrigues e Pedro Rodrigues, dois heróicos combatentes que vinham assolando o Alentejo, com o extermínio feroz das hostes sar-racenas. Chegou o momento supremo. Os dois bandos acometeram-se com um furor de ódio e vingança. Confundiam-se as imprecações selva-gens dos discípulos do crescente com os gritos de morte dos defensores da cruz. Alfanges e adagas fulgiam em crispações de fogo e em manchas vermelhas de sangue a referver no ódio. Os cristãos, ao fim de poucos momentos, levavam os moiros de vencida. Tinham a vantagem do número e a preparação para a luta naquele momento. Os árabes resis-tiam enquanto um sopro de vida lhes animou o braço rijo e destemido. Finalmente sucumbiram todos. Álvaro Rodrigues matara Bráfama, que

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tombou do cavalo murmurando palavras que os cristãos não puderam compreender. Era preciso agora fazer o resto: tomar a vila de “Arucci-a-Nova”. E Pedro Rodrigues lem-brou um ardiloso expediente que havia de surtir efeito. Imediatamente os cadáveres foram despo-jados das vestimentas que os soldados cristãos envergaram soltando gargalhadas e exclamações alegres. Álvaro Rodrigues quis embrulhar-se no manto de Bráfama, o seu adversário morto; um soldado trouxe-lho; envolveu-se nele, meio enro-lado, procurando ocultar as nódoas vermelhas do sangue do sarraceno, destacando-se como flores rubras sobre a alvura puríssima e brilhante. E, numa mascarada macabra e traiçoeira, o bando cristão encaminhou-se em galope rápido para a vila mourisca, atroando os ares com gritos de simulação festiva e exclamações árabes de sauda-ção e alegria. Ao divisar ao longe um turbilhão de poeira que avançava rapidamente, Salúquia e todas as escravas ergueram-se apressadamente num ímpe-to de júbilo e curiosidade. Eram eles; em voz tré-mula, ordenou que fossem abertas as portas da vila e que gente da sua corte lhes fosse prestar as honras da recepção. Correram os moiros da pequena terra a franquear as entradas, enquanto sobre o minare-te Fátima, Zuleima e a deslumbrante corte femi-nina da “alcaidessa” preparavam um dilúvio de

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pétalas de rosas, para caírem como beijos alados sobre o cortejo desejado de Bráfama. Os falsos mouros entraram, como uma ra-jada de sangue, nas muralhas em festa de Arucci-a-Nova. E no ar misturavam-se os ecos alegres das saudações dos Árabes aos gritos de extermí-nio da legião cristã. Um grupo de agarenos fugiu em direcção ao castelo a avisar Salúquia do trai-çoeiro ardil. Era impossível a resistência. A vila estava nas mãos dos cristãos que continuavam a espalhar a morte numa sementeira de ódio reli-gioso, fatal e sanguinolento. Salúquia teve, num momento, a visão rá-pida da tragédia. Pareceu-lhe ver ainda o noivo enviando no sopro da agonia o beijo nupcial, que os inimigos transformaram numa lágrima rubra a gelar na morte. A nuvem do fatalismo que pairara, como presságio, sobre o seu coração em toda aquela noi-te, convertera-se na tremenda tempestade de luto, assoladora como um furacão de dor e de des-graça. As mulheres árabes soltavam gritos e ajoe-lhavam, elevando as mãos ao céu numa súplica de desespero e de fé. Lá fora rugia, cada vez mais intensa, a onda de aniquilação saída das adagas dos soldados da cruz, galgando numa galopada sinistra, o curto caminho que conduzia ao castelo da governadora. Salúquia, figura pálida e gran-diosa neste drama horrível, parecia lançar um estranho desafio à legião que a ameaçava, pela

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serenidade do porte que as lágrimas já não vi-nham sentimentalizar. Numa frase rápida, decisiva e firme, man-dou que fossem cerrar as portas do seu castelo (último reduto ainda não conquistado). E, en-quanto a ordem foi executada, passeava, serena e heróica, de um ao outro lado do minarete, afogan-do o olhar no sangue que corria em toda a povoa-ção, envolta na prece extrema que os lábios dolo-rosos das suas escravas enviavam a Allah, por suprema esperança de almas perdidas. Trouxe-ram-lhe as chaves momentos depois, quando ao castelo chegava a vanguarda dos irmãos Rodri-gues. As portas estavam fechadas. Era apenas um instante de demora, o tempo preciso para as forçar violentamente. E o trabalho começou, re-forçado daí a pouco pelos que vinham depois, atroando os ares num ruído formidável que cobria as vozes clamorosas dos sitiados na sua crescente litania de angústia. Salúquia subiu ao ponto mais elevado do minarete, apertando nervosamente numa das mãos as chaves da fortaleza, e num impulso rápido, de valorosa resolução de heroís-mo, atirou-se ao espaço. Um espantoso grito de dor aflorou a todas as bocas: Salúquia! - e correram a debruçar-se à mu-ralha do minarete. Na esplanada do castelo, pálida e linda, com um fio de sangue a manchar-lhe o rosto num sulco de morte, ela lá estava guardando heroica-mente nas mãos fechadas, numa crispação de

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energia que a morte petrificava, as chaves do cas-telo árabe, de onde ia abater-se a bandeira rubra do Islam. As portas ainda não estavam forçadas, e um dos cristãos ia arrancar brutalmente das mãos de Salúquia as chaves da fortaleza. Álvaro Rodrigues deteve-o. Fez-se na consciência um re-lâmpago de justiça, e sentiu esmagado o seu orgu-lho de conquistador perante aquele cadáver que era uma grande lição de heroicidade. Curvou-se sobre a morta e, com uma dobra do manto de Brá-fama, quis limpar-lhe a mancha de sangue que empanava um pouco a formosura do rosto de Salúquia; nesse momento o manto soltou-se e tombou de oculta prega uma rosa branca, em cujas pétalas havia nódoas estranhas de cor ver-melha. E a rosa caiu, num deslizar suave, sobre os lábios frios da princesa moura. Era a rosa de Bráfama, que este escondera junto ao coração, e que o golpe mortal da adaga de Álvaro Rodrigues aljofrara num orvalho de sangue. A flor cumpria a sagrada súplica do noivo de Salúquia. O sangue de ambos misturou-se naquele ósculo fatal e per-fumado, através das pétalas de uma rosa de mis-terioso destino. O capitão português descobriu-se num ges-to de respeito e ordenou homenagens fúnebres, solenes, grandiosas; e como preito imortal ao acto de bizarro valor, proclamou que “Arucci-a-Nova” passaria a denominar-se a vila de Moura. E assim, através dos tempos, das raças e das gerações, vai perpetuando a minha linda e

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adorável terra alentejana a lenda dolorosa de Salúquia, cuja imagem pálida e formosa eu sonho a debruçar-se no velho castelo em ruínas, pelas noites luminosas e odoríferas como aquela do seu noivado de morte, que o destino transformou na manhã vermelha de uma epopeia de supremo he-roísmo.

A chamada Torre da Moura

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06 – LENDA DA BELA SALÚQUIA,

Gentil Marques In “LENDAS DE PORTUGAL”, III Vol. – “LEN-DAS DE MOUROS E MOURAS”, de Gentil Mar-ques, Editorial Universus, Porto, 1964, desde a página 112 à 118 e com muitas notas…

Cópia da 1ª página da obra citada de Gentil Marques

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LENDA DA BELA SALÚQUIA Pois no velho Alentejo dos tempos da moirama, segundo nos conta a tradição, vivia uma formosís-sima moura chamada Salúquia, filha do grande e poderoso Abu-Assan, governador de certa praça forte que os cristãos ambicionavam conquistar. E nas noites bonitas, em que a terra se prateava de luar, a bela Salúquia cantava antigas romanzas que deixavam os homens enamorados... Ora aconteceu que, certo dia, um moço ca-valeiro das hostes cristãs sentiu bater mais forte o coração ao escutar o canto da bela Salúquia. Embora isso o apavorasse, ele sentiu-se apaixo-nado, atraído irresistivelmente por essa voz que falava de amor, embora na língua que ele mais odiava... E desde então o moço cavaleiro – Jorge ou Henri-que, não se sabe ao certo – não mais teve um minuto de sossego. Ele havia de encontrar Salú-quia e falar com ela. Poderia custar-lhe a vida, o seu gesto ousado – mas nem isso o levaria a desis-tir. O amor era mais forte do que o bom senso! Após mil esforços, conseguiu realizar o seu intento. Habilmente disfarçado de mouro, intro-duziu-se no castelo de Azmi, onde Salúquia vivia. Ultrapassava todas as raias da audácia, o gesto do moço cavaleiro. De facto, o pai da bela Salúquia mandara reedificar o castelo de Azmi, tornando-o no mais forte dos castelos das cerca-nias. Além disso, possuía um grupo de tropas es-

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colhidas, sob o comando de Braffma, considerado o maior guerreiro desse tempo. Arrastado pelo seu sonho, Jorge (ou Hen-rique) afoitou-se à mais espantosa das aventuras. E no seu trajo de mouro aguardou que Salúquia passasse ao alcance da sua voz. Teve de esperar muito, é certo, mas finalmente ela apareceu. Vinha sozinha, triste e pensativa, quando o seu nome, com um sotaque estranho, lhe chegou de mansinho aos ouvidos: – Salúquia... Voltou-se, amedrontada. No corredor largo do castelo, não via ninguém. Teria sido alucinação dos seus sentidos? Mas o nome repetiu-se, sempre com o mesmo sotaque estranho: – Salúquia... Dominando o receio que a invadia, ela bal-buciou: – Quem me chama? Houve um breve silêncio e, de súbito, dian-te dos seus olhos surpreendidos surgiu o vulto do guerreiro, que até então se mantivera escondido na sombra de uma coluna. Sorrindo, ele avançou dois passos. – Sou eu que te chamo... Salúquia olhou-o sem compreender. – Tu?... E quem és tu? O sorriso dele acentuou-se. A sua voz tor-nou-se mais quente. – Um desconhecido que te ama, bela Salú-quia!

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O peito da jovem princesa moura arfou de emoção. Tudo aquilo lhe parecia tão extraordiná-rio, tão surpreendente... E quem seria o homem que lhe falava assim?... Mais segura, a sua voz ecoou de novo, fazendo a mesma pergunta: – Quem és tu? O cavaleiro cristão ajeitou-se no vestuário mouro com que se disfarçava e avançou mais para ela. – Já te disse, Salúquia... Sou um desco-nhecido que te ama! A sua voz parecia segredar-lhe apenas... – Fiquei apaixonado por ti desde o primei-ro minuto em que te ouvi cantar... Depois disso, passei a escutar a tua voz, bela Salúquia, no pró-prio vento que passa, no vento que corre, no chil-rear dos pássaros, no murmúrio das fontes... Embora enleada, ela interrompeu-o, que-rendo livrar-se do feitiço de que as palavras dele a impregnavam. – Não me fales assim que me perturbas. E atrevendo-se a olhá-lo de frente, rema-tou: – Pois não sabes acaso que estou para casar com o rico e forte Braffma, o homem que meu pai escolheu? – E gostas dele? A pergunta foi feita em tom escarninho. Salúquia baixou devagar os seus belos olhos negros, ensombrecidos de repente, e deu resposta em voz segura: – Braffma adora-me... e eu... eu...

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– E tu? Ela respirou fundo. – Eu... também gosto dele! O moço cavaleiro, como que senhor da sua presa, segurou-lhe as mãos trementes. – Escuta, bela Salúquia... Porque treme a tua voz, quando dizes que também gostas desse tal Braffma? Devagarinho, em voz lenta, numa confis-são mais para si própria do que para ele, Salúqia murmurou: – Tens razão... Nunca tal sucedera até hoje... Só hoje...só agora... a minha voz treme. E num impulso de receio: – Mas eu não sei porquê... Não sei... As mãos dele apertaram mais as mãos dela. – Sabes sim, embora não queiras confessar. E acrescentou num tom incisivo: – A tua voz treme quando falas dele... por-que já não o queres! Salúquia reprimiu um grito de protesto. E disse – mas já sem força, sem autoridade: – Cala-te! Cala-te, desconhecido!... Se te ouvem, podem matar-te! Ele não quis perder momento tão propício. Debruçando carinhosamente o seu rosto sobre o rosto da princesa moura, perguntou: – E tu, se eu morresse... terias pena de mim, bela Salúquia? Ela nem respondeu. Limitou-se a reforçar em voz alta a confissão íntima:

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– Que estranho tu deves ser!... Ao mesmo tempo atrais-me... e fazes-me tremer. E acrescentou num suspiro: – Vai-te embora por favor! Ao longe ouviam-se passos. Alguém se aproximava. Jorge (ou Henrique) fez nova tenta-tiva. – Se queres que me vá embora... dá-me uma recordação tua, para sempre! Aflita, quase desesperada, Salúquia repe-tiu ao acaso as últimas palavras: – Uma recordação minha?... Para sem-pre?... Teve uma ideia súbita. – Ah, sim, desconhecido...Vou dar-te uma recordação. Rapidamente tirou dum saquitel que lhe pendia da cinta um objecto roliço, com a forma de um seixo, e entregou-lho. – Esta pequenina pedra branca tem o meu próprio perfume... Quando a passares pelo rosto e pelas mãos, lembrar-te-ás de mim. E sentindo que os passos se acercavam, rematou: – Leva-a, desconhecido... Leva a minha re-cordação mas vai-te embora! Ele estreitou as mãos trémulas da moura nas suas mãos possantes. – Irei, Salúquia, já que assim o queres... Mas voltarei! Olhou-a de frente, num ar altivo e domi-nador.

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– Ouves bem? Voltarei em breve... e tu não casarás com outro que não seja eu! Ele afastou-se rapidamente, tomando o ca-minho oposto àquele em que se acercavam os pas-sos. Salúquia não pôde evitar um grito de sus-to: – Braffma! Pois és tu? O chefe mouro olhou-a desconfiado. – Pareceu-me ouvir vozes. Faláveis com alguém? As cores reapareceram nas faces de Salú-quia. – Não... Recitava apenas para mim própria uns versos que aprendi esta manhã... Logo a cólera de Braffma se desfez. – Pois fazeis bem em decorardes versos, porque em breve casaremos, conforme vosso pai ordenou. E depois tereis de me entreter com a vossa bela voz... Um suspiro morreu de mansinho nos lá-bios de Salúquia. Suspiro vindo do coração. Mas a verdade é que, segundo conta a len-da, desde esse dia não cantou mais a bela Sal-quia. Passava acordada muitas horas da noite, passava a suspirar muitas horas do dia, sempre pensando no jovem desconhecido, que tão misteri-osamente lhe aparecera como desaparecera... Por seu turno, ainda que longe, ele igual-mente não se esquecia da bela Salúquia, cujo per-fume sentira bem perto de si. Aliás, aquela pedra branca que trouxera como recordação, e de que

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não mais se separara, lembrava-lhe a todos os instantes, esse perfume singular, incomparável... Entretanto, Pedro e Álvaro Rodrigues, dois capitães cristãos de rija têmpera, tinham forjado um plano deveras audacioso para reconquistar aos mouros as terras dominadas por Abu-Assan. Reuniram todos os seus homens e expuseram-lhe o plano. – Reparem bem – sublinhou Pedro Rodri-gues. – Se falhar algum pormenor morreremos todos! Braffma foi nomeado governador de Arron-ches e vem à frente de um grande cortejo buscar a sua noiva, a bela Salúquia. Temos de atacar rapi-damente, se quisermos vencer. E Álvaro Rodrigues ajuntou, numa última explicação: – Cada um de nós tem de lutar, pelo me-nos, contra cinco ou seis mouros. Quem quiser... pode desistir! – Iremos todos! – clamaram os homens. – Então, companheiros – comandou Pedro Rodrigues – a caminho!... E quando a vitória for nossa, diremos o que nos cumpre fazer. Mas um dos homens avançou devagar. Era o jovem cavaleiro enamorado. – Senhores... Quero rogar-vos uma permissão. Os dois irmãos olharam-no e entreolha-ram-se sem compreender. – Falai. Que desejais? – Que me concedais a honra de matar Braf-fma! Houve uma gargalhada em redor.

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– Matar Braffma? Mas todos nós deseja-mos fazer o mesmo!... O guerreiro enamorado martelou bem as palavras: – Mas eu tenho razões especiais para o fazer. Álvaro Rodrigues avançou, olhou o outro lentamente, e pousou-lhe a mão forte sobre o om-bro. – Seja. Serás tu o primeiro a lutar contra Braffma. Desejo-te boa sorte! – Graças, senhores. – E o moço cavaleiro apertou mais nas suas mãos a pedra branca de mágico perfume... A madrugada veio encontrar todos a pos-tos no local combinado. Era um pequeno alto don-de podiam avistar toda a estrada sem que fossem vistos. De repente, Pedro Rodrigues estendeu o braço. – Ei-los... Lá vêm eles... – E Braffma vem à frente, como sempre! – Escuta, Álvaro... Leva os teus homens e prepara-lhe a emboscada lá em baixo... Nós ata-camos daqui... – Está bem. E voltando-se para os outros, Álvaro Ro-drigues acenou-lhes um adeus. – Até já, companheiros... que Deus nos proteja! Daí a pouco, colhidos de surpresa, os mou-ros, embora muito mais numerosos, viram-se en-volvidos por uma onda de morte e destruição.

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Nenhum deles conseguia escapar à fúria dos adversários. Cada cristão lutava heroicamente contra cinco ou seis mouros, tal como fora previs-to. Braffma ainda quis fugir, mas Jorge (ou Henrique) não o deixou. – Morrerás às minhas mãos! Assim o jurei! – Pois juraste falso, cão! – gritou o chefe mouro, caindo a fundo sobre ele. – Sou eu que te hei-de matar! – Veremos!... A luta entre os dois homens foi brutal. Mas o amor costuma multiplicar as forças. e assim aconteceu com o jovem cavaleiro cristão, que conseguiu resistir a todos os golpes de Braff-ma, até que o apanhou em cheio, num golpe sem misericórdia. – Pronto... Já cumpri parte da minha pro-messa!... Salúquia não casará contigo! Há-de ser minha para sempre! O chão estava juncado de cadáveres. Os dois irmãos felicitaram os cavaleiros portugueses pela brilhante vitória. E explicaram a parte final do audacioso plano. – Agora vamos vestir os trajos muçulma-nos e entraremos no castelo... Todos aprovaram a ideia. E logo começa-ram a vestir os albornozes sobre as cotas de ma-lha. Mas o jovem guerreiro avançou de novo. – Senhores... Queria pedir-vos outra per-missão... – Dizei. Que mais quereis?

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– Pretendo ser o primeiro a entrar no cas-telo. – Pois seja. Nesse caso, enverga tu o fato do chefe mouro que mataste. Quando o cortejo se pôs em marcha, pare-cia que se tratava do próprio cortejo de Braffma. Assim o pensou também Salúquia, que mandou baixar a ponte levadiça. E o primeiro a atravessá-la foi o jovem cavaleiro, disfarçado com o trajo do chefe mouro. Quando os viram de perto, Salúquia e os mouros aperceberam-se do ludíbrio. Já era tarde porém. Os guerreiros cristãos levavam tudo dian-te deles, numa onda irresistível de sangue e de morte. Aterrada, Salúquia fugiu para o alto da torre. O jovem português seguiu-a tão depressa quanto lhe foi possível, gritando: – Espera!... Espera, Salúquia!... Sou eu que te venho buscar... eu, a quem tu deste a pedra branca de mágico perfume... Mas a voz dela chegou-lhe misturada com lágrimas: – Antes a morte do que o teu amor! E sem dizer mais palavra, num gesto desvai-rado, a bela Salúquia atirou-se do alto da torre. E diz a lenda que a pedra branca de mági-co perfume se avermelhou nesse momento, como que manchada de sangue... Tal é a história lendária da bonita vila de Moura. Em memória dela, as armas da vila repre-sentam uma torre com uma mulher morta à en-

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trada. Da pedra branca de mágico perfume – que depois se fizera vermelha – nada mais se soube, nem mais se saberá.

Muralhas e Castelo de Moura

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07 - LENDA DE MOURA, por Fernan-

da Frazão. in LENDAS PORTUGUESAS, 5º Volume, com recolhas e texto de Fernanda Frazão, AMIGOS DO LIVRO EDITORES, sem data.

Início da Lenda recontada por Fernanda Frazão…

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LENDA DE MOURA A alentejana vila de Moura foi conquistada por Afonso Henriques, no ano de 1166. Ao seu nome anda ligada uma velha história de amor e morte que, para que ninguém a esqueça, ficou gravada no brasão de armas da vila. Segundo a lenda, esta vila chamava-se, no tempo dos Mouros, Arucci-a-Nova, assim como a futura cidade espanhola de Arronches era deno-minada Arucci-Vetus, ou seja, Arucci-Velha! Ora Arucci-a-Nova era na altura uma pequena vila árabe que, depois de uma surtida de cristãos, tivera de ser reconstruída. Era seu se-nhor Abu-Assan, que lhe mandara fazer novas e fortes muralhas nas quais incluíra uma famosa torre circular, em cujo minarete flutuava o pavi-lhão sagrado do Islão. Rico senhor, Abu-Assan, depois de reconstruída a vila, entregou-a à sua fi-lha predilecta, Salúquia, e voltou para o palácio de Córdova. Salúquia ficara, pois, alcaidessa de Arucci-a-Nova. Não longe dali, em Arucci-Vetus, estava Brafma, o príncipe mouro do qual Salúquia esta-va noiva, e apaixonada. Era tarde. E, como todas as tardes, Salú-quia estava na torre do minarete entretendo as horas com as suas escravas e companheiras Fáti-ma e Zuleima. Mas esse era um dia especial: era a véspera das suas bodas. No entanto o olhar de Salúquia estava triste, estranhamente triste, e as escravas interrogavam-se silenciosamente sobre a

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razão daquela tristeza. Porque, na realidade, a sua senhora amava de verdade o homem que o destino e a vontade de Abu-Assan lhe davam para marido. Por isso, naquela tarde, o sol morria lá longe, lá para os lados do mar e, no alto do mina-rete, o silêncio era desusado. Em vez das alegres vozes que habitualmente soavam contando velhas lendas e histórias de amor e guerra, só se ouviam as cigarras cantando, longa e interminavelmente, o seu hino à terra e ao sol. Cortando o silêncio, Fátima, a moura dos olhos azuis, murmurou: - Salúquia, quando o luar tiver beijado as ondas do mar e o sol abrir de novo as portas do Oriente, teu noivo estará entre nós. - Que Alá o permita! - Mas porque estás hoje tão triste? - per-guntou com suavidade Zuleima. - Por muito o amar e por muito temer - murmurou Salúquia, que todo o dia se debatera com um negro pressentimento. E Fátima cheia de confiança, exclamou: - Alá protege-o, e além disso os cristãos estão tão longe!... Zuleima, virada para Oriente, relembran-do ainda o caminho por onde chegara, trazida como escrava por Abu-Assan, indicou: - Dali virá, com o ouro da aurora por de-trás! E Salúquia, apoiada na muralha, alongou o seu olhar pelo horizonte como que procurando um ponto móvel e desejado, deslocando-se na sua

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direcção, Fátima, um pouco perturbada por aque-le silêncio quase total, embriagada pelo perfume das laranjeiras e roseiras floridas, iniciou uma velha lenga-lenga, outrora cantada pela sua velha escrava Zara, que há muito fora cantar para Alá, no Paraíso. A alcaidessa escutava-a distraída, com o pensamento percorrendo as dez léguas que separavam de si o seu bem-amado Brafma. Este, por seu lado, deixara Arucci-Vetus ao cair da tarde, numa caravana luxuosa e feliz. Também ele amava aquela noiva que lhe davam, e assim o sol-poente, que punha fulgurações de sonho na pedraria dos turbantes e nos arreios de ouro e prata dos cavalos, emprestava ao seu corpo um desassossego inusitado. Mas, conforme a noite avançava e a lua ia subindo sorridente no céu, o trotar dos cavalos foi esmorecendo pouco a pouco. Faltaria talvez uma légua para juntar Brafma a Salúquia quando o sol saudou do Orien-te. A comitiva, novamente a galope, atravessava um vale verdejante quando, subitamente, os cava-los estacaram, relinchando nervosos. Ao longe avançava uma nuvem de poeira, de dentro da qual rebrilhavam ao sol-nascente armas desem-bainhadas. Bem sabiam os árabes que vestidos de fes-ta como vinham, com ricas armas simuladas e cavalos pouco próprios para combate, não pode-riam certamente vencer os cristãos que se apro-ximavam, preparados para a guerra. Mas Brafma exclamou:

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- São cristãos! Vamos a eles e que Alá nos proteja! Antes porém e adivinhando que não sobre-viveria àquele combate desigual - via agora que os cristãos eram muito mais numerosos e bem armados, prontos para o combate -, tirou do peito uma rosa branca que colhera no seu jardim para oferecer a Salúquia, beijou-a e, escondendo-a numa algibeira sob o manto junto ao coração, pediu: - Se alguém se salvar, leve esta rosa a Sa-lúquia. - E desembainhando o alfange de ouro, gritou: - Agora, irmãos... é a morte! Alá assim o quis! Dois irmãos, Álvaro e Pedro Rodrigues, comandavam a hoste cristã. Lutavam por conta própria, entregando depois ao seu rei as fortale-zas conquistadas. Desta vez, apesar de os mouros se terem batido valentemente, foi-lhes fácil a vitória. Nenhum homem sobreviveu e Brafma morreu de uma cutilada de Álvaro Rodrigues. Findo o combate, os cristãos, cuja finalida-de era a conquista de Arucci-a-Nova, iniciaram um longo conciliábulo sobre o melhor meio de assaltarem a vila. Aquele grupo que acabavam de destruir, trajado de festa e armado de ouro e pra-ta, num descampado, pela madrugada, a caminho da vila, fê-los adivinhar ao que vinham. Por isso decidiram envergar as suas roupas e tentar pene-trar na vila de surpresa. Os cavaleiros cobriram as suas cotas com os albornozes de seda dos cadá-veres e Álvaro escolheu para si o manto de Braf-

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ma. Montaram a cavalo e, num ápice, fizeram a légua que os separava de Arucci-a-Nova, atroando os ares com gritos de simulação festiva e excla-mações árabes de saudação e alegria. No alto da torre da vila, o atalaia viu apro-ximar-se um turbilhão de poeira. Pensando ser a caravana nupcial, informou Salúquia, que, num ímpeto de alegria, ordenou que se abrissem as portas do castelo. Ela, com todas as escravas e amigas, subiu ao alto do minarete, para daí atira-rem sobre Brafma uma nuvem de pétalas de rosa. Entraram os falsos mouros como uma ra-jada de sangue. Impossível resistir ao seu ímpeto. A população, porém, quando percebeu o ardil, ten-tou a todo o custo impedir que os cristãos chegas-sem ao palácio de Salúquia. Esta, pálida mas serena, sem lágrimas já para chorar, mandou encerrar as portas do seu palácio. Trouxeram-lhe as chaves no momento exacto em que os irmãos Rodrigues chegavam às suas portas. Vendo que os cristãos se preparavam para as arrombar, Salúquia, lentamente, cheia de dignidade, subiu ao ponto mais alto do minarete, apertou as chaves numa das mãos e, elevando uma prece a Alá, num impulso rapidíssimo ati-rou-se para o vazio. Um imenso grito doloroso soou de todas as bocas: “Salúquia!” Por momentos, logo depois do baque do corpo no chão do terraço, pararam mouros e cris-tãos, parou a própria Natureza. Na esplanada do castelo estava agora o corpo da moura apertando

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as chaves numa mão. Um fio de sangue escorria mansamente da sua boca entreaberta. Correu um cristão com o intuito de lhe ar-rebatar brutalmente as chaves, mas um gesto de Álvaro Rodrigues deteve-o. Esmagado pela herói-cidade daquela mulher, curvou-se para lhe limpar o rosto belíssimo o sangue da sua própria traição. Nesse momento, da dobra do manto de Bafma caiu uma rosa branca, estranhamente manchada de sangue, que foi pousar suavemente sobre os lábios frios de Salúquia. A flor cumpria a derra-deira súplica do mouro enamorado e trazia-lhe o beijo nupcial. Álvaro Rodrigues, impressionado, desbar-retou-se num gesto delicado de respeito. Ordenou que cessasse a chacina e pediu a seu irmão que trouxesse o corpo retalhado de Brafma para que juntos pudessem viajar até ao paraíso de Alá. E, como preito imortal, proclamou que a partir desse dia Arucci-a-Nova se chamaria Vila da Moura.

Bandeira do Município de Moura – cidade.

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08 - LENDA DA MOURA SALÚQUIA. in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA DIRECÇÃO-GERAL DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS COORDENAÇÃO DISTRITAL DE BEJA Colecção SABER MAIS sem data (oferecido em Julho de 1987), páginas 29 e 30.

Montagem das duas páginas da citada obra.

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LENDA DA MOURA SALÚQUIA Em 1165 Moura era uma cidade chamada Al-Ma-nijah, capital de província. Governava então nessa importante cidade uma famosa moura, de nome Salúquia, filha de Abu-Assan, que se apaixonou pelo alcaide de Arouche: Brafma. Chegada a véspera do dia das núpcias, grande alegria reinava no castelo de Al-Manijah. Salúquia esperava ansiosamente, no alto da torre, ver surgir seu noivo, entre densos olivedos. Entretanto Brafma, acompanhado de bri-lhante comitiva, cheio de contentamento e des-provido de armas, pois ia para um festim e não para a guerra, deixava Arouche e tomava o cami-nho da terra da sua amada. Passava-se isto em 1166. Todo o Alentejo, ao norte e a oeste de Moura, já tinha sido con-quistado pelos cristãos. El-rei D. Afonso Henriques encarregou D. Álvaro Rodrigues e D. Pedro Rodrigues, dois irmãos fidalgos muito valentes e ilustres, de con-quistarem Al-Manijah, uma das mais importantes cidades muçulmanas, além do Guadiana. Estes dois fidalgos, sabedores do que se passava no castelo, foram esconder-se com o seu exército num olival (chamado hoje “Brafma de Arouche”) e aí esperaram o desventurado alcaide e sua comitiva para, traiçoeiramente, matarem os infelizes árabes.

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Depois de travada a batalha e de todos estes estarem mortos, os cristãos despiram-nos e vestiram-se com os seus trajos. Disfarçados em muçulmanos e simulando alegres canções mouriscas, dirigiram-se à pobre cidade, que de nada suspeitava. Salúquia, ao vê-los, mandou baixar a ponte levadiça, julgando que o seu noivo se aproximava. Mas depressa viu que tinha sido traída: os invasores, ao transporem os muros, baixaram as máscaras de árabes honrados e começaram a ferir, sem dó, a desprevenida guarnição de Al-Manijah. Sabedora do que se passava, a alcaidessa preferiu a morte à escravidão; num derradeiro esforço, verdadeiramente heróico, tomou as cha-ves do castelo e precipitou-se da torre onde se encontrava. Depois da morte da alcaidessa e da recon-quista da cidade, os irmãos Rodrigues, pelo que parece, quando queriam referir-se a Al-Manijah diziam “a terra da moura”, “a vila (que nesse tempo queria dizer cidade) da moura”.

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09 - LENDA DA MOURA SALÚQUIA por Maria José Balancho e Ana Maria

Santos in PÚBLICO - Júnior - 07, 12 de Maio de 1990.

Fotocópia da citada página de o “Público”.

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LENDA DA MOURA SALÚQUIA De Moura, cidade alentejana Contam-se histórias de castelos e princesas, trazidas pelo rio Guadiana em tempos de medos e surpresas. Contam-se lendas, narrativas de encantar, lutas de morte, batalhas tão sangrentas, sonhos de amor desfeitos ao luar, no regresso de guerras violentas. Salúquia era princesa muçulmana que por um guerreiro se tinha apaixonado; horas a fio olhava o horizonte, esperando que voltasse p’ra seu lado. O guerreiro, também ele enamorado, lá longe onde os horizontes se alargavam, defendia o terreno conquistado, contra os cristãos que também o disputavam. E a meiga Salúquia, suspirando, debruçada das ameias do castelo, fixava tristemente o infinito, na doce esperança de voltar a vê-lo.

E uma vez, à tardinha na planície, pela hora em que o fogo queima o dia, ouve-se o galope dos cavalos, regressando, e, dos guerreiros, os gritos de alegria.

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Salúquia, atenta ao movimento, iludida nos seus sonhos de vitória, manda abrir as portas do castelo, fechando, assim, curta história. Entram, de rompante, em seus cavalos, pelos portões, agora escancarados, não árabes, mas cristãos vitoriosos, que de mouros estavam disfarçados. Salúquia, o engano descobrindo, certa de ter perdido o seu amor, prefere a morte ao eterno cativeiro, lança-se da torre mais alta, sem temor. E conta a lenda que seu corpo, desenhado para sempre ficou na terra plana, símbolo da renúncia e da coragem, de Salúquia, hoje a Moura alentejana.

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10 - À TORRE DE MOURA versos de

Maria Carlota Sousa Queiroga in ANAIS DE MOURA, pelo Dr. José Avelino da Silva Matta, 1855, Biblioteca Municipal, 1980. Cópia da capa de “Anais de Moura” que se encontra, na Biblioteca

Municipal de Beja e onde se encontra esta versão da lenda.

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À TORRE DE MOURA Immovel junto às ameias De altiva Torre orgulhosa Se divisava sosinha Huma Moura tam formosa Tam linda, que as flores todas Execedeva, mesmo à rosa!

Que espera a bella Agarena, Que olha o campo tam anciosa!

O que espera? Espera tudo Quanto para ella é ventura, Espera o Mouro gentil Que ama com viva ternura, Que a adora, e vem firmar A união mais doce, e pura.

Mas se ella vae ser feliz. De que nasce essa amargura?

Por que está ella agitada De hum tam horrivel tremor? Por que os olhos no caminho Fita com tamanha dôr? Porque escuto palpitante O mais piqueno rumor?

Receia ella que ingrato Seja o Mouro ao seu amor?

Teme ella, que esse que adora Com o amôr mais puro e fido

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Tenha tam formosa Moura Inteiramente esquecido? Que falte às suas promessas Como um vil, hum fimentido?

Tornar se hia hum inconstante Quem tam fiel sempre há sido?

Oh! que não. A Moura bella Tal não pode receiar Tem a sua formusura Em que muito confiar Tem do amante juramentos Que não deve duvidar.

Que d’Aroche o nobre Principe He incapaz de os quebrar.

Não he pois a inconstancia Do Mouro que ella receia Que hum peito nobre não hade Praticar acção tam feia; De outro motivo procede Essa dor que tanto anceia.

Mas que terrores são esses Que a agitão a sua ideia?

Pobre Moura!... O que ella teme O que lhe causa mil feses He receiar pelo amante Da viagem os revezes Teme ver surgir aos mil Qual surgido tem mil vezes

“Para os descrentes esmagar

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“Os fieis os Portugueses! Os Portugueses que a fama Tem mil vezes exaltado. Cujos feitos gloriosos O Mundo tem admirado Que o orgulho Serraceno Tem a Catido e humilhado

A cujo valor e audacia Todo o Mundo cahe prostrado!

Oh!... que he isto, que ella teme Vendo a tam longa demora Desse que a ama! como geme, Como a pobre Moura chora! Olha tremula o caminho Que com seu olhar devora.

“Com tam pungentes receios “Passa a triste ainda huma hora.

De improviso ao longe ainda Vê a Moura, ou julga ver. A poeira, que anuncia Bravos corseis a correr. Oh! Como a pobre palpita O coração de praser

“Que he certamente chegado “Quem de susto a faz tremer!

Infeliz! Triste Donsella Ah! que desengano horrivel Vai em breve lacerar.

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Teu coração tam sensível! Os teus receios pungentes Tinham motivo plausivel

“Que foi vitima o que adoras “De uma surpresa terrivel!

Esses que tanto temias Ai! temias com razão Encontraram na viagem Quem vinha alegre e loução Dar o titulo de Esposa A quem dera o coração.

“Ai! mesquinho que esse encontro “Foi a sua perdição!

Ao abraço altivo e robusto Que tam destro he em ferir Ao braço de um Portuguez Como havia resistir? Só a fuga o salvaria E o Mouro não quiz fugir

“Cáro pagou tanto orgulho “Breve deixou de existir!

Cahio o Mouro Gentil Qual cahe mimoso jasmim A quem fera ventania Sem piedade deu fim Dos vencedores altivos Soôu o brilhante clarim

“Que mais uma vez pregoa “Altos feitos de hum Rollim!

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Que he Rollim o nobre cheffe Dessa gente forte e audaz Que com valor denodado De que so elle é capaz Há prostrado de repente O Mouro tam contumaz

“E a comitiva valente “Toda aniquilada jaz!

Da victoria dislumbrado O Portuguez não ficou Antes p’ra novas façanhas De ponto se preparou Eia àvante nobres lusos O Guerreiro lhes bradou

“Vamos tentar nova empresa “Que o dia feliz raiou!

Vamos que o ceo é por nós, Vamos ao menos tentar, Na Povoação infiel Com intrépidez entrar Do Mouro os trages vestindo Nosso plano hade vingar

“Somos esperados, e as portas “Abrir se hão de par em par.

Disse – E prompto os cavalleiros O seu parecer aplaudirão. Aos pobres Mouros vencidos Os ricos trages despiram

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Do raio com a rapidez Huns aos outros se vestirão

“E da victoria esperançosos “Todos ufanos partirão.

Pobre Moura! A Cometiva Que ella vira tão brilhante Eis qual era! e conhecendo O Mouro, e rico turbante Ella grita para os seus Toda tremula, e anhellante.

“Correi franqueae as portas “Que elle chega! e meu amante!

Correm os Mouros com ancia A ordem executar Da villa as portas abertas Eilas já de par em par He então, que a triste Moura Vê o doce veo rasgar

Tarde he já, que ella conhece, Que se deixara enganar.

Grito terrivel, e agudo Partido do coração Solta a mizera Donsella “Que assim diz: “oh! maldição “Sobre mim que me illudi “Com tam infame traição

“Que julguei ser o que amava “Hum perverso, e vil cristão!

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“O fio da negra trama “Neste momento encontrei “Traidores que me enganarão “Com o trage de quem amei “Maldição! Que fui eu mesma “Que franca entrada lhe dei!

“Maldição sobre os infames “De quem escrava não serei!

Oh! Que não Mouro adorado, Com quem não pude viver Dos teus cruentes algozes Escrava não heide eu ser Provar-lhe hei, que a tua amante Soube, como tu, morrer.

Disse – E da torre se arrojô Sem se quer estremecer!

Pobre Moura! O seu destino O nobre Rollim chorou Porque a sua infausta morte Quase que a presenciou Ao gentil corpo sem vida Pompa funebre ordenou.

E à Villa o nome de - Moura - Para sempre lhe doôu.

Altiva e elevada ainda Existe a torre fatal, Donde se arrojou a Moura Que amou tanto por seu mal

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Existe de um puro amor Como padrão immortal:

Existe em memória eterna Da mulher, que foi leal.

Moura, 7 de Dezembro de 1850

(Assignado)

Maria Carlota Sousa Queiroga

(Nota: Foi respeitada a ortografia usada na citada obra, mas nas

coplas onde faltava o “!” e numa ou outra passagem, onde a troca de

letras parecia evidente, foi escrito o que parecia correcto. Na VII

estrofe já no dístico escrevi “descrentes” em vez de “deserentes”; na

XI estrofe, no 5º verso: “teus” em vez de “teue”; na XV estrofe, no 4º

verso, “elle” em vez de “ella”; na XVI, 5º verso, escreve “nobres lusos”

em vez de “nobre luros”; na XXIII, 3º verso, “algozes” em vez de

“algores”; O travessão em que foi usado o sinal “=”, coloquei o tra-

vessão “-”. Nas variantes que aparecem como “é” e “he” e “um” e

“hum” procurámos manter as “confusões” ou variantes do próprio

texto da época.

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Início da transcrição da versão da Lenda de Maria Carlota Sousa

Queiroga, in Anais de Moura de 1855.

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Resumo das 10 LENDAS de MOURA

01 LENDA DA VILLA DE MOURA, por Car-doso dos Santos, um manuscrito fornecido por alunos da Escola do Magistério Primário de Beja, naturais de Vila Verde de Ficalho, em 1986.

Um poema em redondilha maior (versos de sete sílabas), com dez estrofes que cu-riosamente são constituídas por uma dé-cima completada com uma quadra, fa-zendo portanto um conjunto de cento e quarenta versos de dez décimas e dez quadras articuladas que nos vão contan-do a LENDA de um modo trepidante a tentar alcançar o poema épico que não atinge só por falta de dimensão. Desde a introdução que nos apresenta a Castelã Salúquia ansiosa pela chegada do seu noivo, até ao trágico desenrolar dos acon-tecimentos que fazem cair o esplendoroso cortejo mouro na armadilha montada pe-los cristãos, até à artimanha destes se disfarçarem com os trajes dos mouros e assim conseguirem entrar na cidadela de ARUCI-NOVA, até ao desenlace de, uma vez conquistada por cristãos, esta vila que passa a ser CRISTÃ, se passar a chamar VILA DE MOURA, ou VILA DA MOURA, ou simplesmente MOURA.

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Assim, este é dos poemas que poderíamos chamar, pelo menos, mini-épicos, que nos dão em dez décimas e dez quadras suces-sivas, todo o simbolismo de uma conquis-ta que era afinal uma reconquista, para reconhecer que não havia necessidade de haver ódio e mortes, ou que A MORTE só tem sentido se resultar em AMOR, ou re-conhecer que cristãos e mouros só se odi-avam sem razão, e por isso, a convivência (era) é possível.

02 A ALCAIDESSA SALÚQUIA, pelo Conde de Ficalho, in NOTAS HISTÓRICAS ACERCA DE SERPA e O ELEMENTO ÁRABE NA LINGUA-GEM DOS PASTORES ALENTEJANOS; CONDE DE FICALHO, (1837-1903), Lisboa, 1979; e in TRADIÇÃO, SERPA, Maio de 1901 – Anno III – Nº 5, Volume III p. 65-70, Edição em "fac-simile", Câmara Municipal de Serpa, 1982).

Uma narrativa de uma simplicidade atroz que nos resume três ou quatro sécu-los de história. Os mouros aqui instala-dos e convivendo com as populações e seguindo o seu ritmo de casamentos e uniões de interesses, são brutalmente agredidos pela reconquista que vem das Astúrias, pelos Pelágios e Rodrigues, que por sua vez tinham sido empurrados dos territórios que ocupavam anteriormente. Desta narrativa fica-nos, possivelmente,

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só o relevo dado à heroicidade de dois cavaleiros cristãos que, com os seus homens de armas, engendram um genial sistema de se apoderarem desta fortaleza moura.

03 A MOURA SALÚQUIA (Lenda do Séc. XIII), por Nicolás Diáz y Pérez, in. A TRADIÇÃO, SERPA, Anno IV – Nº2 – Fev. 1902 – Volume IV – p. 24, 25, 26 e Anno IV – Nº4 – Abril 1902 – Volu-me IV – p. 55, 56, 57, Edição em “fac-simile”, Câmara Municipal de Serpa, 1982.

Depois de uma introdução, em que nos conta como ouviu esta lenda “…em o Na-tal de 1867, a uns pastores que tinham a sua malhada nas margens do rio Ardi-la…” este Senhor conta a lenda de uma maneira mais elaborada, (referindo-se à do Senhor Conde de Ficalho, e vai ao pon-to de nos dar a data de 28 de Junho dia de S. Pedro, para o acontecimento fatídi-co, que vinha na sequência das festas do Batista, em que mouros e cristãos se jun-tavam à roda das mesmas fogueiras das festas populares. Este autor sublinha já o inesperado de se ter dado o nome de MOURA à vila moura que foi reconquis-tada e repovoada pelos cristãos!!! Além disso, ao contrário dos outros, situa o acontecimento entre “1224 ou 1292 e as

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bodas em “29 de Junho de 1226 (623 da Hégira)”!

04 A MOURA SALUQUIA E O NOME DA VILA, Teófilo Braga, in “CONTOS TRADICIO-NAIS DO POVO PORTUGUÊS”, (1915) (Panora-ma, t. IV. p.4, 1840), vol. II, Publicações Dom Qui-xote, Lisboa, 1987, p.302.

Ainda mais impressionante e significati-vo, este autor, em poucas dezenas de li-nhas e poucos parágrafos, apresenta-nos os heróis cristãos que são os Rodrigues, do tempo de Afonso Henriques, como as-cendentes dos MOURAS, e garante que a sepultura da Moura Salúquia é a mesma dos cavaleiros cristãos que conquistaram a vila!!! E o vale onde o mouro teria sido morto, ainda é conhecido, ou era, como Brafama!

05 A LENDA DA MOURA SALÚQUIA, pelo Dr. Vítor Mendes, in “A ETNOGRAFIA E FOL-CLORE DO BAIXO ALENTEJO”, de Manuel Joaquim Delgado, Edição da Assembleia Distrital de Beja, 1985, p.244-250.

Esta narrativa do Dr. Vítor Mendes já não é de uma dezena de linhas. É uma história, uma narrativa de várias páginas de um romantismo que ronda já por um ultra-romantismo ultrapassado, mas quem sabe, saboroso de ouvir para os seus con-

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temporâneos. O sonho romântico deste médico, perpetua assim a “imagem pálida e formosa” da princesa, já no tempo de D. Sancho II, a debruçar-se no velho castelo que tinha ficado em ruínas, no tempo de D. Afonso Henriques e fora depois recons-truído e fortificado pelo seu pai Buaçou, perpetuando um gesto de supremo he-roísmo que “morrendo”, “venceu” os seus inimigos. Afinal, apesar de português e cristão, toda a simpatia comunicada aos leitores ou ouvintes, vai para a figura heróica da Moura!!!

06 LENDA DA BELA SALÚQUIA, Gentil Marques, In “LENDAS DE PORTUGAL”, III Vol. - “LENDAS DE MOUROS E MOURAS”, de Gentil Marques, Editorial Universus, Porto, 1964, desde a página 112 à 118.

Ainda mais elaborada, esta narrativa re-escrita por Gentil Marques acrescenta, como personagem, um apaixonado cristão que se tinha enamorado de Salúquia e se vai juntar ao grupo de audazes conquis-tadores, e que pede o privilégio, por estar apaixonado por Salúquia, de ser o pri-meiro a entrar no castelo e conseguir a sua rendição. Puro engano. A MOURA prefere a MORTE! ou o AMOR!? As extensas notas finais que o autor dedi-ca a esta lenda merecem alguma atenção,

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até porque algumas não estarão muito correctas ou trazem outros elementos…

07 LENDA DE MOURA, por Fernanda Fra-zão, in LENDAS PORTUGUESAS, 5º Volume, com recolhas e texto de Fernanda Frazão, AMI-GOS DO LIVRO EDITORES, sem data.

Mais contida, mas de um modo bem ela-borado, Fernanda Frazão, a senhora que em menina, e antes de a televisão apare-cer e ter tido tempo de tudo invadir, teve “o privilégio de ter à sua disposição todos os velhos do mundo para lhe contarem histórias de viva voz”, apresenta-nos os heróis cristãos, Álvaro e Pedro Rodrigues, rendidos perante o heroísmo da bela MOURA, e daí, proclamarem para todo o sempre que, aquela terra, se chamaria VILA DA MOURA, e o continua a ser, mesmo que agora seja uma cidade!

08 LENDA DA MOURA SALÚQUIA, in LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CUL-TURA, DIRECÇÃO-GERAL DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS, COORDENAÇÃO DISTRITAL DE BEJA, Colecção SABER MAIS, sem data (ofereci-do em Julho de 1987), páginas 29 e 30.

Um relato, de novo, muito simplificado do episódio que é localizado em 1166, “quan-

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do todo o Alentejo, ao norte e oeste de Moura já tinha sido reconquistado”. Apresenta-nos a governante da vila mou-ra, as núpcias anunciadas, e o plano ur-dido pelo próprio rei D. Afonso Henriques com os dois irmãos, os fidalgos Álvaro e Pedro Rodrigues que, de conquistadores “valentes e ilustres” ficaram rendidos pe-rante o heroísmo desta MOURA!

09 A LENDA DA MOURA SALÚQUIA, por Maria José Balancho e Ana Maria Santos, in PÚBLICO – Júnior – 07, 12 de Maio de 1990.

Surpreendentemente, quando pensáva-mos que já ninguém, actualmente, pode-ria ter a ousadia de contar esta LENDA de um modo diferente e actual, o Público – Júnior – em Maio dos anos 90, apresen-ta-nos em dez quadras heterométricas e rima nem sempre regular, uma forma de ler a lenda completamente nova e simbo-lista, afirmando que o corpo permanece desenhado na terra “como símbolo de renúncia e de coragem” daquilo que é hoje “a MOURA ALÉM-TEJANA”! A Mulher Alentejana?! ou o ALENTEJO?!!!

10 À TORRE DE MOURA, versos de Maria Carlota Sousa Queiroga, in ANAIS DE MOURA, pelo Dr. José Avelino da Silva Matta, 1855, Bi-blioteca Municipal, 1980.

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Finalmente, já depois de termos comple-tado o trabalho em 1994, e vindo dos anos de 1850, aparece-nos este poema, em vin-te e cinco estrofes, que podem ser vinte e cinco oitavas ou vinte e cinco sextilhas que terminam com dois versos em dísti-cos ou parelhas, onde o oitavo verso vai tentar sempre ecoar ou rimar com o sexto que nos deixa em suspenso em cada es-trofe e assim se vai desfiando a história narrativa em versos de redondilha maior. Quem é afinal o herói desta aventura? O Mouro amado da Moura que prefere a morte à fuga. O chefe português, que aqui é Rollim, que depois de uma primei-ra vitória sobre os mouros em cortejo fes-tivo, conquista depois uma cidade? Ou a Moura que se atirou da torre para se não entregar e obriga o conquistador a ren-der-se a ponto de ordenar uma pompa fúnebre e a dar à Vila, que é Cidade, o nome de MOURA?

Que conclusão ou conclusões podemos ti-rar destes diversos relatos da mesma LENDA? Talvez nenhum! Ou só o prazer de ler, escutando a voz dos poetas e dos contadores que as conta-ram para nós nos deleitarmos e emocionarmos?! Ou talvez tenhamos de tirar muitas conclusões ou uma muito simples:

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- Afinal, qual o sentido da guerra e dos ódios e das mortes violentas por causa de credos ou crenças diferentes? Como se fosse uma tragédia grega, esta lenda permite-nos, após o reconhecimento de tão trágicas como inúteis mortes, descobrir que aque-las mortes e sobretudo a MORTE DA MOURA, por tão trágicas e inúteis, só têm um sentido: que a CONVIVÊNCIA entre “credos”, que parecem antagónicos, é (im)possível, e que a última finali-dade e o derradeiro vencedor é sempre o AMOR!!!

Repetindo a pergunta enunciada antes da enumeração das LENDAS transcritas:

Quais são as LENDAS que encontrei e me

atrevi a propor como base deste trabalho e que pistas de leitura me atrevo, brevemente a suge-rir? Nada mais simples: A minha proposta para a leitura destas LENDAS é que, repito... lendo estas/s LENDA/s nas letras das estrelas, ou através da tradição, que pode ser oral ou escrita, apareçam outras formas de CONTAR a mesma LENDA. Ou antes, que apareça uma humanidade a crescer para a to-lerância, para a convivência na diversidade, para o direito à diferença, num regresso ao futuro – ou seja, mostrar o maravilhoso fantástico do real no imaginário alentejano. Será afinal a realização da UTOPIA (IM)POSSÍVEL - ou seja a descoberta de que a CONVIVÊNCIA, entre “credos”, ou “raças”,

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ou “povos” ou “saberes”, afinal, não só é POSSI-VEL, como é o único caminho que todos, dadas as limitações de cada um, teremos de percorrer para alcançar a VERDADE, o BELO, a FELICIDADE completa. Qual é a verdadeira LENDA de MOURA ou da MOURA ou da MOURA SALÚQUIA? Não nos iludamos. Não é nenhuma destas DEZ, nem muito menos a minha! A verdadeira é a MIL e UMA. É a sua. Aquela que ainda está para inven-tar…

Ilustrações amavelmente cedidas por - Serpa Informação – em 1997,

aquando de um estudo para uma possível publicação.

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A TERMINAR... de novo EM VIAGEM... - Um PROGRAMA para as FESTAS de/da MOU-RA do ANO 3000... ?!!! - A LENDA INTERMINÁVEL... Uma LENDA que tem muito que CONTAR... - uma DÉCIMA A SALÚQUIA.

Muralhas do Castelo e Torre de Moura

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Um PROGRAMA para as FESTAS de/da MOURA do ANO 3000... - A LENDA INTERMINÁVEL... Uma LENDA que tem muito que CONTAR... Isto agora é pura ficção. Uma provocação às entidades culturais ou aos responsáveis..., dirão as más línguas! Não é. Não conheço Moura. Passei lá algumas vezes, só de passagem, sempre com o propósito de poder lá ir com tempo, deva-gar, para poder observar, ver e conversar com as pessoas... Nunca foi possível. É por isso que tudo isto é pura e simplesmente uma FICÇÃO. E FIC-ÇÃO é ficção, a não ser que tenha o enCANTO e o FASCÍNIO da realização de uma UTOPIA (IM)POSSÍVEL. Mas isso, tanto pode ser em MOURA, como nesse lugar onde você vive... aí mesmo... aqui mesmo onde estou a viver e a con-viver!!! Daqui a dez, talvez cem anos, ou no ano 3003, que até pode ser amanhã, logo de manhã, quando as pessoas resolverem divulgar os segre-dos da sua LENDA, uma vez que não estão nem têm que estar à espera desta e doutras obras para a entenderem... Quando a CULTURA TRADI-CIONAL tiver o lugar a que tem direito como CULTURA, como base e fundamento da outra que normalmente, e só, é considerada cultura... Quando for verdade que primeiro Deus criou o Mundo e os Homens e só depois é que apareceram

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os Governos e os Polícias e as Universidades... Um dia, quando a população puder dizer o que pensa e o que quer, e não enquanto só exercer o dever cívico de meter um papel a dizer que parti-cipa e tem poder... Um dia, quando as escolas forem e estiverem integradas na Comunidade, sem ser preciso inventar escolas-culturais ou áreas-escola ridículas e mistificadoras porque a Escola ou é Escola ou não o é... Se os programas que há não são o ensino-aprendizagem que é pre-ciso e urge fazer não inventem trabalhos e activi-dades extra com a esperteza de serem aliciantes para sobrecarregar alunos com horários já sobre-carregados e professores já desmotivados e mal pagos... Quando o ensino aprendizagem nascer da Cultura de raiz e então abrir caminhos à Cultura universal... Então, nesse dia, que já foi há séculos e pode ser amanhã, logo de manhã ou daqui a cem anos... AS FESTAS DA MOURA VÃO SER ASSIM... Não. Talvez isto aconteça nas muralhas de Ser-pa?... ou no Castelo de Beja?... ou nas Ruínas do Castelo da Ilha do Pessegueiro?..., no da Ilha e no da Terra Firme?... Não. Aí, em vez dos véus es-voaçantes das Mouras, evoluirão as Serpes ou as Serpentes e os Touros ou as ondas esvoaçantes dos cabelos da Donzela do Donzel dA MAR!... De resto, a FESTA e a FICÇÃO, a Fantasia tornada realidade, terão o mesmo fascínio e a mesma magia...

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1º Decretam-se 10 ou 40 dias de FESTA. Fica então decretado que agora vale a FESTA que agora vale a VIDA... 2º Assim, a cidade do convívio, e da tolerância, subvertendo todo o poder que não for serviço e que não promova o bem-estar e desenvolvimento das suas populações, para não exagerar, decreta-rá dez ou quarenta dias de FESTA TOTAL. 3º Seguindo a sugestão do senhor Nicolás Díaz, “As festas tinham começado cedo”, nas proximi-dades do solstício do Verão e, no momento em que a luz dos dias começa a declinar, pelo São João, grandes fogueiras convocarão o encontro para o convívio mais aproximado de gentes de todas as diferenças, ideias, religiões, raças, cores e, crenças... 4º De acordo com o tema forte de cada uma destas ou doutras versões desta e doutras LENDAS, haverá um TEMA forte para cada dia. Depois, bairro a bairro, praça a praça, rua a rua, grupos e associações, escolas e organizações, promoverão as manifestações mais variadas e complementa-res que se possam imaginar. Ficam permitidas todas as formas de expressão e comunicação que promovam o encontro e a criatividade das pessoas e entre as pessoas. 5º As formas de expressão e comunicação são todas. Começam pelo simples acto de contar, sem-pre imprevisível, sempre diferente, sempre imperfeito ou incompleto... Depois a leitura. A lei-tura pressupõe sempre algo que foi escrito. E o escrito, não tem que ter, muito menos nos dias de hoje, aquele ar de perene e definitivo da consa-

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grada expressão latina “ verba volant, scripta manent.”, a dizer que as palavras voam e o que é escrito, permanece ou é definitivo. Não é. Todos sabemos que não é. Só o é, em muitos casos, quando há questões de honra como a fidelidade à palavra dada, e os escritos, quando interessam aos detentores do dinheiro ou do poder. E a escri-ta tem variadas formas de expressão desde a pro-sa à poesia. Vêm depois os debates e as confron-tações. O teatro. A dramatização de uma ou várias concepções. A expressão figurativa. O desenho. A pintura. A modelagem e moldagem... O barro. A cerâmica. A madeira. O ferro. O bron-ze... até à escultura... A música. O canto. A dança. A mistura de tudo isto e aquelas que não sei ou não mencionei... Assim, podemos conceber um programa, a modifi-car e remodelar sempre com novas ideias e dinâ-mica. 1º dia - 23 de Junho - baseado na 1ª versão - A LENDA DA VILLA DE MOURA por Cardoso dos Santos. - Tema. “Salúquia, bela princesa, em Aruci castelã.” - Início das festas. As fogueiras da véspera de S. João e do solstício do Verão. O vinho e os petiscos tradicionais. O convívio. - Aspectos a salientar: Quem foi Cardoso dos San-tos? e outros? A importância da poesia popular tradicional. As décimas. Os despiques, as desgar-radas, o baldão... As danças populares no Alentejo.

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2º dia - 24 de Junho -DIA DE S. JOÃO - baseado na 2ª versão - A ALCAIDESSA SALÚQUIA, nota X das Notas Históricas acerca de Serpa, pelo Senhor Conde de Ficalho. Tema: A História e a investigação histórica, o Conto, a Lenda... - Grande dia/noite das fogueiras e festa popular generalizada. A Feira. Exposições. Desfiles. Cor-tejo etnográfico e/ou histórico... Feira do livro e das artes... Grupos de Vila Verde de Ficalho e outros povos vizinhos... - Aspectos a salientar: A História e as Lendas. A verdade da história... A verdade do jornalismo e da informação... A verdade das lendas... O direito ao sonho e à fantasia... A informação e a formação das futuras gerações.... A TRADIÇÃO DE SER-PA: os seus obreiros, o que foi, o que é, o que pode ser... A geração de 70. O final do século XIX - O final do século XX. Os vencidos da vida. As confe-rências do Casino. O senhor Conde de Ficalho, Eça, Ramalho, Teófilo Braga, Trindade Coelho... A Literatura Tradicional oral e escrita, Os Conta-dores de Histórias... 3º dia - 25 de Junho - baseado na 3ª versão - A MOURA SALÚQUIA - Uma Lenda do século XIII, do senhor Nicolás Díaz y Pérez. Tema: O valor das Tradições e Festas que junta-vam cristãos e árabes, nações e credos diferentes. - Dia mais suave de visitas aos monumentos, um-ralhas, torre, às exposições.

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- Aspectos a salientar: Continuar um pouco o dia anterior e destacar os sinais da presença da CUL-TURA ÁRABE na região e especialmente em MOURA. Convites a arabistas e especialistas de história e arqueologia... Dia de convívio entre por-tugueses e vizinhos espanhóis, donde veio a cola-boração deste senhor, confrontando o seu estudo e a sua versão da lenda com a do senhor Conde de Ficalho..., e dos vizinhos do Norte de África. Visi-tas organizadas a centros da cultura árabe... Cór-dova, Sevilha, Silves... Marrocos... Atenção às recolhas da tradição oral e a fidelidade ao que é narrado, ou como fonte de informação a completar e “emendar”? Conferências e palestras... A poesia árabe entre nós... Audições e Actuações de grupos corais, de teatro, de dança... 4º dia - 26 de Junho - baseado na 4ª versão - SALÚQUIA E O NOME DA VILA, Teófilo Braga, in contos Populares Portugueses e O Povo Portu-guês nos seus Costumes Crenças e Tradições. Tema: O povo Português nos seus costumes Cren-ças e Tradições... Os Contos Populares... - Dia de estudo e reflexão a dar continuidade aos dias anteriores. - A salientar - A grande obra do senhor Teófilo Braga na sequência do Romantismo de Herculano e Garrett, e distanciando-se dele ou sobretudo do neo-romantismo... A importância das revistas de Etnografia, como o Panorama, a Lusitânia... Quem foi o Pe. Carvalho, o Abade Correia da Ser-ra... E José Leite de Vasconcelos e Michel Giaco-metti... Conhecimento das famílias antigas her-

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deiras dos nobres (como os Mouras) e dos Godos e dos moçárabes e dos árabes (como Mestres, Guer-reiros...) As outras Regiões... - Estudo e espectáculo junto ao túmulo com ins-crição na igreja do castelo. Visita ao Vale de Bra-fama... Merenda no campo, nos olivais... 5º dia - 27 de Junho - baseado na 5ª versão - A LENDA DA MOURA SALÚQUIA, pelo Dr. Vítor Mendes, in Etnografia e Folclore do Baixo Alente-jo de Manuel Joaquim Delgado. Tema. A saúde. A contemplação. A arte de escre-ver... O Prazer de ler... - Dia dedicado à saúde, medicina e medicinas tra-dicionais e alternativas... - Aspectos a salientar: - Quem foi o Dr. Vítor Mendes? Os médicos e a literatura... Espécie de Feira da Saúde... Mostra de produtos da região. Alimentos, ervas medicinais, mercado, feira... Os antigos Herbários e Ervanários... A velha Zara? Louca, bruxa, feiticeira, sábia? As plantas raras... A Ecologia... A água... O Alqueva... - Peças de teatro, sessões de poesia canto e outras representações... Exposições de trabalhos das es-colas e outros grupos e individuais... Visita ao Alqueva. 6º dia - 28 de Junho - baseado na 6ª versão - LENDA DA BELA SALÚQUIA, in Lendas Portu-guesas de Gentil Marques. Tema: O valor das recolhas nacionais e locais ou a inversa. O casamento ou ligações entre raças ou crenças diferentes.

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- Dia dedicado aos jovens e namorados. O possível aniversário da véspera das bodas de Salúquia. - A salientar: - Quem foi e o trabalho de Gentil Marques. As grandes colecções e obras de reco-lhas a nível Nacional... E as locais? Que papel das Escolas, Entidades e Grupos Culturais?... Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto?, ou quem ouve um conto conta-o como lhe dá na gana?... O casamento tradição da família e o ca-samento por escolha e por amor...As barreiras de raças e classes sociais... O casamento e os divór-cios... O casamento e a família, que futuro?... Como se está a construir a nossa sociedade do futuro? - As possíveis expressões à roda e complementa-res do tema... desde os postais antigos, a fotogra-fias dos álbuns de família... O trajo através dos tempos... e dos diferentes grupos ou ocasiões... O artesanato local... AS FOGUEIRAS DA NOITE DE S. PEDRO. A evocação de Salúquia no terraço do minarete e da cavalgada durante a noite da luxuosa comitiva do noivo. Teatro de rua com archotes e figuras bran-cas nas muralhas... 7º dia - 29 de Junho - DIA DE S. PEDRO - basea-do na 7ª versão - LENDA DE MOURA por Fer-nanda Frazão. Tema: O significado e sentido dos símbolos, dos mitos... - Dia da FESTA TOTAL, possível aniversário do dia que devia ser de festa do noivado e se trans-formou em tragédia de sangue e de morte. Ao

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nascer do sol a evocação do combate brutal entre mouros e cristãos... E, umas horas depois, a entrada dos falsos mouros pela cidade em festa “como rajada de sangue”... DIA EM QUE A CIDADE SE ENCHE DE ROSAS BRANCAS e as pessoas se destrajam, eles de Manto Branco e RO-SAS VERMELHAS à altura do coração ou na la-pela, elas de longos Vestidos Brancos, com ROSAS BRANCAS no cabelo... Chuva de pétalas de flores a chover de todas as casas e ruas... As ruas atapetadas e engalanadas de arcos floridos... - Aspectos a salientar: - ainda a continuação do tema anterior - as grandes colecções nacionais, e as locais. O papel das comunidades em recolher, estudar e divulgar as suas tradições... A subversão da LENDA e o que seria a transfor-mação da entrada “como rajada de sangue”, em recepção aos inimigos que, perante A FESTA POPULAR TOTAL, se integram na FESTA e de-claram guerra a todas as guerras... Grande dia para manifestações grandes e cuida-das. Teatro de rua, desfiles e cortejos... Possível repetição ou complemento do primeiro desfile. 8º dia - 30 de Junho - baseado na 8ª versão - LENDA DA MOURA SALÚQUIA, da Coordena-ção Distrital de Beja da Direcção-Geral de Educa-ção de Adultos, (agora Extensão Educativa… ?). Tema: A informação, a investigação... ou a inver-sa... As potencialidades actuais e futuras dos Meios de Comunicação Social, a sua facilidade e acessibilidade e o perigo da manipulação e mar-

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ginalização dos que não têm acesso ou não têm participação... - Dia dedicado ao direito e dever da formação con-tínua para todos... O que é formação contínua?... A formação oficial e a formação tradicional e da vida como enraizamento e resposta aos desafios do futuro. A investigação e o perigo dos dogma-tismos... A imprensa local e regional e os meios de comunicação social... Palestras, conferências, con-tactos diversos com jornalistas e trabalhadores da Comunicação Social... A presença de jornalistas nas escolas e outras instituições... O cinema e a televisão... O acesso aos grandes Meios de comuni-cação social por parte das pequenas comunidades... Descobrir formas de mostrar como se faz - um jor-nal... - um filme... televisão... Mostras e represen-tações... Venda de jornais e publicações locais... Diversos trabalhos de Vídeo... Mostra de produtos acabados e realização no momento... As potencia-lidades do Interactivo... 9º dia - 1 de Julho como um 1º de Maio - DIA DO TRABALHADOR - baseado na 9ª versão - A LEN-DA DA MOURA SALÚQUIA, poema de Maria José Balancho e Ana Maria Santos, in Público - Junior. Tema: Salúquia ou a MOURA Alentejana? ou os Mouros alentejanos? O direito e dever de realizar o SONHO!!! - Dia do trabalhador e da juventude e dedicado às novas formas de expressão. O dever e o direito ao trabalho. Como está o de-semprego na região?

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O que espera a juventude, os construtores do fu-turo? Para onde vão os nossos jovens. Desfile do 1º de Maio. Sessões, debates e convívios. Récitas e represen-tações. Claro que não saímos do Mundo da Fanta-sia e do sonho. Isto não é um programa de festas da cidade. É um programa de muitos programas e actividades a desenvolver, a enriquecer, a comple-tar, a programar planificar e organizar, a distri-buir ao longo do tempo, do ano e dos anos para manter uma dinâmica de desenvolvimento e de futuro sem esquecer as profundas raízes da nossa Tradição e da nossa Identidade. Para isso era importante ir desenvolvendo trabalhos ao longo do tempo, realizados sistema-ticamente por diferentes entidades e especialistas (entidades oficiais, escolas, grupos e associações, indivíduos...), e com uma coordenação que os tor-ne rentáveis, complementares e intervenientes... Verificar, por exemplo, em que aspectos da vida corrente se nota a influência da LENDA da MOU-RA SALÚQUIA, directa ou indirectamente. - No nome e nas Armas da cidade, já sabemos. Divulgar e dar a conhecer o que for possível das suas origens e oficialização... - Nomes de ruas e toponímios, nomes de firmas e marcas de produtos... Quem, quais porquê, e como. Que nomes, expressões, ditos, são ou terão origem nesta Lenda? Era conveniente organizar um inquérito, executá-lo em tempo útil, estudá-lo e divulgar um relatório.

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- Além do nome Salúquia e Moura, os mais evi-dentes, até que ponto outros personagens, nomes, símbolos são ou foram usados e em que circuns-tâncias: nomes de pessoas e famílias; nomes de objectos, animais ou figuras; e os outros nomes? Brafama ou Brafma, Abu-Assan ou Abuassan, as chaves da cidade, as rosas brancas, pedras bran-cas - sabonetes?, os mantos brancos, os vestidos longos... - Como se podem implementar e divulgar a cria-ção de utensílios objectos úteis de uso vulgar, e ou outros só decorativos... Quem? Que tipo de arte-sãos podiam dedicar-se a este trabalho? Em que materiais? Com que funções? Por exemplo os gra-deamentos de portões, varandas e janelas!.. Car-tazes, posters, autocolantes... - Abrir concursos de ideias, jogos florais e conse-guir o modo de executar e o modo de os divulgar e rentabilizar... E assim, à medida que estes e outros trabalhos forem sendo desenvolvidos, porque a capacidade de inovar e desenvolver é, ou deve ser, ilimitada, chegará o tempo em que, em jeito de sucessivas tentativas para melhor, se podia conseguir UMA FESTA TOTAL a envolver todos os habitantes da cidade e da região... - Conceber um grande espectáculo a abrir as fes-tas dos 10 ou dos 40 dias que podia mimar ou dramatizar, estilizar a possível primeira tomada de Moura por D. Afonso Henriques, que a teria deixado completamente arrasada e destruída para a perder logo passado alguns dias...

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- Depois, a reconstrução e decoração da pequena cidade, a imaginar o trabalho e o gosto do recon-quistador e reconstrutor, pai de Salúquia, que a preparou para oferecer como dote à sua filha Salúquia, que se tornou alcaidessa e governava militarmente a vila. Os habitantes andariam ves-tidos de árabes e moçárabes e representando e executando trabalhos verdadeiramente úteis para a cidade e para os forasteiros e visitantes... - Então, a fechar as grandes festividades, conce-ber a reconstituição das vésperas do noivado em que as muralhas e a torre e o minarete se enche-riam de luzes, archotes e figuras de Salúquias, Fátimas, Zuleimas, velhas Zaras..., com poemas diálogos, lengalengas, mimos efeitos de luz e con-tra-luz... canções, coros, músicas tradicionais, árabes... (grupos estilo Madredeus e/ou Lua Extravagante)...; e do dia fatídico que seria de fes-ta e foi de morte, que até pode ser subvertido e a conseguir a transformação e adesão dos atacan-tes... A dramatizar, seria o bulício e movimento de toda uma população preparada para a FESTA de receber os visitantes, enquanto ao mesmo tempo se ia desenvolvendo, (fora?), ali perto, a luxuosa caravana do noivo Brafma, com seus bri-lhantes e espavento, com a luta que os dizimou todos, ou provocar um desencontro ou a chegada, primeiro dos guerreiros cristãos, que não conse-guindo, devido ao seu pequeno número, sitiar e tomar a cidade, tentam-no todavia, e sendo con-fundidos pelos atalaias como guarda avançada do cortejo do noivo, que logo chega, perante a sur-

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presa triangular, a multidão acaba por sair com ramos e rosas brancas, e, no meio da confusão, cristãos e mouros são arrastados para a festa que vai evitar a guerra, acabar com a guerra e decla-rar a vila como terra livre de guerras e mortan-dades sem sentido – MORTE À GUERRA... A TERRA DA TOLERÂNCIA E DO SÃO CONVÍ-VIO... A TERRA DA FESTA, DO AMOR E DO TRABALHO da RECONSTRUÇÃO E DESEN-VOLVIMENTO... A TERRA QUE ACARINHA E CULTIVA OS SEUS VALORES TRADICIONAIS e, CONSCIENTE DA SUA IDENTIDADE, enfrenta o futuro sem medo e com esperança. Um dia, com o uso de ecrãs gigantes e a realização de um bom vídeo, será possível envol-ver toda uma multidão, num grande recinto, na cavalgada de uma noite, do Pôr ao Nascer do Sol, enquanto ao vivo se assiste ao Pôr-do-sol de Salú-quia no minarete com suas companheiras e aos seus sonhos de felicidade e de presságios durante toda a noite, representado ou filmado e apresen-tado em ecrãs adequadamente colocados... Mesmo longe e sem conhecer a cidade que me sugeriu este trabalho, aí fica a realização possível dum sonho. Ali em Moura, em Serpa ou em qual-quer outro lado!

Bagdade, a cidade das Lendas e das Mouras encantadas,

onde a convivência é possível….

Anno Mil e Um, das Mil e Uma Noites,

José Penedo de Moura

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E a terminar, ainda uma DÉCIMA a SALÚQUIA

A MOURA VIVEU AMANDO E MORRENDO QUIS MOSTRAR QUE MESMO O CORPO MATANDO TODO O SER VIVE P’RA AMAR I Em Aruci castelã, A vila que o pai lhe deu E com a vida defendeu, Ela teve a esperança vã Sonhando cada manhã Que podia, governando E sua gente encantando, Bem mandar e ser feliz, Pois como a LENDA nos diz: A MOURA VIVEU AMANDO. II Em tempo de guerras feras Entre Mouros e Cristãos Bem sabia como vãos Eram os dias sem guerra, Pois os homens eram feras... E viver sempre a lutar, Sempre em armas a pegar Não era vida, era morte E para mudar a sorte MORRENDO O QUIS MOSTRAR.

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III O mundo pode mudar, Se houver alguém que souber Amá-lo como mulher E amando governar E governar para amar... E pois, assim governando E todos os seus amando Um dia, veio a provar Que os podia salvar MESMO SEU CORPO MATANDO. IV No dia dos esponsais, Mataram-lhe o noivo amado Pois o viram desarmado... Entre os gemidos e ais De seu servos, suas aias, Ela, sem poder chorar, Decide o MUNDO MUDAR... Proclama então esta senha: Que, mesmo que a morte venha TODO O SER VIVE P’RA AMAR

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Desenho de António VAZ, Corroios, 1998.

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Este é um breve apanhado de uma obra mais vasta realizada em

1994, com Pistas de Leituras para cada uma das Lendas e para a

sua globalidade, que atinge cerca de 200 páginas.

JRG – 1994 – Maio 2004

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José Rabaça Gaspar & seus deNÓMIOS

Espaço na Internet – aminhaTEIAnaREDE www.joraga.net - [email protected]

Uma breve Bio / BIBLIOGRAFIA Para L(V/T)ER os meus LIVROS – basta ir à NET

Uma INOVAÇÃO In Livros para transferir ou impressos em papel

deNómios de José Rabaça Gaspar. (www.joraga.net ) Não são um pseudónimo nem um heterónimo (exclusi-vo de Pessoa) mas um neologismo inventado, um NOME (outro), anjo ou demónio, musa inspiradora, que escreve através do autor, o livro ou cada um dos poemas do autor.

Autor: José d’A MAR – Maio / Junho de 2003 – 104 pp. Um deNómio de José Rabaça Gaspar. A MAR - Como a água das fontes e dos rios, a VIDA, todas as VIDAS, correm sempre para O MAR… A MAR… AMAR… Nestes poemas com a influência de Camões, Torga e Borges, é proclama-da a subversão: O MAR é A MAR!

Autor: José d’A MAR – Julho / Agosto de 2003 – 80 pp. Um deNómio de José Rabaça Gaspar. A ILHA, na sequência de A MAR, é um poema carregado de LENDAS e pretende ser um desafio para que os leitores descu-bram a MAGIA de criarem a sua própria ILHA em A MAR...).

Autor: José Penedo de Castro – Setembro / Outubro 2003 –152 p. Um deNómio de José Rabaça Gaspar. José Penedo de Castro é um cigano andarilho de FEIRAS que tenta mostrar com palavras e imagens o movimento e o colorido destes centros de Encontros e desEncontros... Publicou também, na mesma editora, como José d’A MAR – A MAR e A ILHA.

Autor: José Penedo – Dezembro 2003 / Janeiro 2004 – 184 pp. Um deNómio de José Rabaça Gaspar. Em A COBRA, José Penedo, outro deNómio como José d’A MAR, e José Penedo de Castro, canta-nos aqui, em BALADAS, as Len-das do Touro e da Cobra (uma LENDA de BEJA?) e o enCanto das Fontes... numa espécie de sinfonia em três Andamentos e várias Cantatas...

Autor:José Penedo de Serpa, Fevereiro, Março de 2004 – 116 pp. Outro deNómio de JRG, como José d'A MAR, José Penedo de Cas-tro e, e José Penedo, canta agora AQUI, as Lendas da SERPE, que pode ser o Rio ANA, e as origens de SERPA e Mértola...

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BIO-BIBLIOGRAFIAGRAFIA DO AUTOR (Resumo) José RABAÇA GASPAR – usando 1001 deNÓMIOS diversos... Professor de Língua e Literatura Portuguesa, já dispensado do Ensi-no Oficial. Nasceu na Serra da Estrela, Manteigas (1938), tirou o Curso Supe-rior de Filosofia e Teologia, na Guarda, e exerceu a sua actividade, desde 1961 em várias localidades da Serra – Loriga, Gouveia, Covi-lhã e Ferro, passando depois pela Academia Militar, em Lisboa, antes de cumprir o Serviço Militar em Moçambique - Metanguala, Maúa e Nampula, (4 anos) tendo passado algum tempo em Angola - Luanda e Benguela. Frequentou depois, em Paris, um Curso intensivo de Animação Cul-tural, para os Povos em Desenvolvimento e Alfabetização, com Paulo Freire, e esteve, 4 anos, nos Serviços de Apoio aos Emigrantes Por-tugueses na Alemanha onde frequentou Cursos de Alemão e leccio-nou Português. De regresso a Portugal, em 1975, esteve primeiro a trabalhar nas Cooperativas Agrícolas como trabalhador agrícola, na Alfabetização e Animação Cultural tendo ingressado no ensino Oficial em 1976. Leccionou em Rio Maior, Setúbal, Caldas da Rainha e cerca de 20 anos em Beja, Alentejo, procurando levar os alunos a aprender o melhor da Língua e da Literatura Portuguesa, a partir das suas raí-zes culturais. A Poesia Popular, as Canções, o Contos, as Lendas, os Provérbios e os usos e costumes, bem como amaneira característica de FALAR (saudações, nomes, alcunhas, expressões regionais...) ser-viam, normalmente, de base para aprender toda a gramática e “riqueza” da Língua e da Literatura. Com mais de 20.000 páginas de Recolhas e Textos dispersos por mais de 200 obras alguma das quais podem ser consultadas em http://www.joraga.net - um ESPAÇO na NET – aminhaTEIAnaRE-DE... desde 09.2002. PUBLICAÇÕES 2004 – (em fase final para sair em Março) – A MOURA, com o deNó-

mio de José Penedo de Moura, in www.e-libro.net 2004 – (Já pronto para sair em Janeiro) – A SERPE, com o deNómio

de José Penedo de Serpa, in www.e-libro.net 2003 – (em preparação) A GUERRA68/70 - LOBOS DE MANIAMBA

– Memórias da Guerra Colonial da CART 2326 – oçambique 1968/1970. (ver tb. in www.joraga.net com o Cancioneiro do Niassa e Canções de Guerra contra a Guerra...)

2003 – Novembro (em pré-edição) A COBRA, com o deNómio de José pENEDO, in www.e-libro.net 2003 – Outubro – A FEIRA, com o deNómio de José Penedo de Cas-

tro, in www.e-libro.net (ver em Poesia e Vanguardia)

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2003 – Julho – A ILHA, com o deNómio de José D’A MAR, in www.e-libro.net (ver em Poesia e Vanguardia). 2003 – Maio – A MAR, com o deNómio de José D’A MAR, in www.e-libro.net (ver em Poesia e Vanguardia). 2003 – Fevereiro – Mértola – As Vozes do Silêncio – in www.joraga.net - Alentejo – Mértola... 2002 – Lenda/s do Pastor da Serra da Estrela (5 EXEMPLARES

impressão e encadernação manual) 2002 - LENDA/s de ALFÁTIMA (5 EXEMPLARES impressão e

encadernação manual) 2001 – Ceifeiro e Mil e Uma Noites - Grito do Índio, A LENDA do

Pastor da Serra da Estrela, e NOMINALIA (5 EXEMPLARES impressão e encadernação manual)

2000 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XV, série III - PRESÉPIO - AUTO DE NATAL de S. Matias, Beja

1999 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XII, série III – Décimas de Inocêncio de Brito – GRITOS NA SOLDÃO.

1998 – Agosto – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VII e VIII, série III – DÉCIMAS – Uma Linguagem Comum Ibero Ameri-cana

1997.01 – 1996.12 – SERPA enCANTADA EM LENDAS – Serpa Antiga – separata de SERPA INFORMAÇÃO, 4º série, n.º 17 (12.000 exemplares).

1997 - Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VI, série III – MOURA - 10 LENDAS - UMA LENDA – A Moura Amor A Morte - A Magia ou a Utopia da Convivência (im)possível.

1996 - Dezembro – in Revista Arquivo de Beja– Vol. II e III, série III – INSTITUTO ALENTEJANO DE CULTURA (IAC/D).

1996 – Setembro – AUTO DA VISITAÇÃO (DO VAQUEIRO) -NATAL NA ESCOLA OU A MAGIA DE TUDO RENOVAR – proposta de várias re/cr(i)eações. Ed. Da Escola Secundária João de Barros, Corroios, (50 exemplares impressão e encader-nação manual).

1996 - Abril – in Revista Arquivo de Beja – Vol. I, série III – A/s LENDA/s do TOURO E DA COBRA – Uma lenda de Beja?

1995 Abril / Maio - A/s FEIRA/s – A FEIRA DE CASTRO EM VÃS REDONDILHAS – Brochura policopiada, (500 exemplares) ed. Escola Secundária João de Barros, Corroios e Junta de Fregue-sia de Corroios.

1995 Abril / Maio – ILHA DO PESSEGUEIRO – A/s LENDA/s enCoANTADAS em redondILHAS – Edição policopiada (100 exemplares) Junta de Freguesia de Corroios.

1995 – Março / Dezembro in LER EDUCAÇÃO Nºs 17/18 – Revista da Escola Superior de Educação de Beja – A LITERATURA (CULTURA TRADICIONAL) e o Desenvolvimento e a urgente criação de um INSTITUTO ALENTEJANO DE CULTURA /DESENVOLVIMENTO.

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1994 – Abril e Maio O CANTO DO CANTE – in Jornal Terras do Cante Ano I, 1ª série, Nº 2 e Nº 3, Alcáçovas, Évora.

1987 (1989) – POETAS POPULARES DO CONCELHO DE BEJA – introdução, selecção, Anexos e Estudo final, arranjo gráfico, paginação e trabalho em processador de texto – Editora Câma-ra Municipal de Beja – Concelhia DGAEE (Direcção-Geral de Apoio e Extensão Educativa, Beja, 1987.

1985 – Outubro, Évora – A Linguística e a Análise Literária como contributo para o Desenvolvimento do Alentejo – in ACTAS do CONGRESSO SOBRE O ALENTEJO, III volumepp. 1127 - 1131

1957 – Desde o Curso de Filosofia e Teologia, imensos trabalhos publicados em órgãos Regionais e da Escola e muitos prepara-dos para publicação...

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A MOURA Foi digitalizado usando o tipo Century Schoolbook

11/14 No mês de Abril de 2004, e pode ser enviado na

modalidade de “livro a pedido”, em papel. www.e-libro.net

www.joraga.net

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Desenho de António VAZ, Corroios, 1998.

...viagens maravilhosas através da fantasia de um tal cigano CASTANHO

e da cigana MARIANA contando, cantando co(a)ntado

e ca(o)ntando vão lendo a LENDA as LENDAS

da moura princesa de nome SALÚQUIA que vence morrendo derrota a vitória vencedores vencidos por seu heroísmo

dando nome à terra que fica cristã

com nome de MOURA com mouros cristãos de valores estranhos

que mistura raças que mistura credos respeita diferenças

cria um mundo novo regresso ao futuro escrito nos astros

que só pode ler quem lê as estrelas…

ISBN 1-4135-0165-6