12ª sessão - apoio para apresentação - frota

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Pablo Malheiros da Cunha FROTA. Imputação sem nexo causal e a responsabilidade por danos. Páginas 182-254 2.4 A INTENSIFICAÇÃO DAS HIPÓTESES DE PRESUNÇÕES DE CAUSALIDADE: SEGUNDO PASSO PARA UMA ANÁLISE DÚCTIL DA CAUSALIDADE JURÍDICA A presunção natural ou fática x presunção legal ou jurídica. Relativas (admite prova em contrário) x Absolutas (jure et de jure) Não se confundem presunções legais absolutas e ficções legais; estas não existem, mas permitem que um fato imaginário se torne juridicamente relevante (a transmissão da herança desde a abertura da sucessão para os herdeiros); já as presunções são juízos preventivos internos acerca de peculiaridades fáticas advindas de fatos precedentes aplicáveis aos fatos novos. A presunção de causalidade tem por conteúdo axiológico os princípios da: a) dignidade da pessoa humana; b) solidariedade social; c) prevenção; d) reparação integral do lesado. Exemplos de hipóteses de presunção: a) Caso da pílula anticoncepcional de farinha: decisões em ambos os sentidos. b) Caso dos caçadores que atingiram uma vítima. c) Hipótese clara de presunção de causalidade pode ser retirada do direito ambiental, cujo lapso temporal

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Pablo Malheiros da Cunha FROTA. Imputao sem nexo causal e a responsabilidade por danos.Pginas 182-254

2.4 A INTENSIFICAO DAS HIPTESES DE PRESUNES DE CAUSALIDADE: SEGUNDO PASSO PARA UMA ANLISE DCTIL DA CAUSALIDADE JURDICA A presuno natural ou ftica x presuno legal ou jurdica. Relativas (admite prova em contrrio) x Absolutas (jure et de jure) No se confundem presunes legais absolutas e fices legais; estas no existem, mas permitem que um fato imaginrio se torne juridicamente relevante (a transmisso da herana desde a abertura da sucesso para os herdeiros); j as presunes so juzos preventivos internos acerca de peculiaridades fticas advindas de fatos precedentes aplicveis aos fatos novos. A presuno de causalidade tem por contedo axiolgico os princpios da:a) dignidade da pessoa humana;b) solidariedade social;c) preveno;d) reparao integral do lesado. Exemplos de hipteses de presuno:a) Caso da plula anticoncepcional de farinha: decises em ambos os sentidos.b) Caso dos caadores que atingiram uma vtima.c) Hiptese clara de presuno de causalidade pode ser retirada do direito ambiental, cujo lapso temporal entre o dano e o evento danoso, em regra, enorme, a dificultar a prova por parte da vtima. Situaes que podem ser submetidas presuno de causalidade, se presentes em um significativo nmero de casos semelhantes:a) Dificuldade considervel ou impossibilidade de a vtima comprovar o nexo causal;b) responsabilidade coletiva em que a conduta ou a atividade com a qual a causalidade se relaciona desconhecida;c) desenvolvimento de atividades perigosas, geradoras de danos qualitativamente graves (natureza da atividade ou do bem ou do servio fornecido) e quantitativamente numerosas (em decorrncia da natureza difusa que os acompanha). Presentes tais situaes, pode ser utilizada a presuno de causalidade, por meio da verificao probabilstica da causa, com o intuito de imputar responsabilidades. A repartio do nus reparatrio pode ocorrer por meio do market share, por diviso equitativa, entre outros meios, e no por pesquisa condicional da causalidade, mas pela criao do risco de dano (Mulholland, 2009, p. 278-280). Crticas causalidade presumida:1. os pedidos de reparao so fundados mais na desgraa da vtima, que em uma possibilidade jurdica de imputao dos infortnios ao sujeito que se considera responsvel. Fala-se, neste sentido, em vitimizao social ou blame culture;2. a presuno de causalidade, em diversas hipteses, imputa a responsabilidade pelas tragdias pessoais a outros indivduos ou agentes econmicos que acabam suportando, individualmente, um nus que uma postura coerente atribuiria sociedade como um todo, e no simplesmente pessoa mais prxima da fatalidade;3. o resultado desta tendncia a realizao do pior temor dos juristas da Modernidade: a extraordinria expanso do dano ressarcvel. Proposta de superao das crticas (CAITLIN SAMPAIO MULHOLLAND)1. a terceira via da responsabilidade civil o nexo causal, para alm da responsabilidade valorada pelo fator de atribuio subjetivo (culpa e dolo) e objetivo (risco, equidade e garantia), pois abarca a presuno de responsabilidade com base em um juzo probabilstico; 2. especficos fatos danosos autorizam o magistrado imputar o dever reparatrio, mesmo sem prova estrita da existncia de um nexo de causalidade entre o dano e a conduta, ou em relao atividade desenvolvida, aferida por meio de probabilidades; 3. a finalidade a ser atingida efetivar a dignidade da pessoa humana, por meio da solidariedade social e da reparao integral. A busca pelo responsvel se torna secundria, pois a vtima deve ter o privilgio em relao ao ofensor; 4. foco na funo distributiva da responsabilidade civil; 5. a opo metodolgica eleita foi a solidarista, vetor axiolgico da presuno de causalidade proposta, classificada como presuno ftica, inferida dos eventos que, pela experincia, normalmente ocorrem; 6. a presuno de causalidade tem acolhimento jurisprudencial; 7. a presuno de causalidade difere da concepo condicionalstica de um dano a sua causa (vinculao natural de causa e efeito) e aambarca a concepo probabilstica; 8. das teorias da causalidade, a que mais se adapta a essa ideia de presuno de causalidade proposta a da causalidade adequada, porque o juzo probabilstico de causalidade abstrato diante das situaes semelhantes ocorridas concretamente; 9. a presuno de causalidade pode ter a repartio dos riscos como uma das suas explicaes; 10. a responsabilidade probabilstica se baseia (i) na impossibilidade objetiva de prova do nexo causal; (ii) no desenvolvimento de atividade altamente arriscada; (iii) na verificao de dano tipicamente associado atividade realizada, com a causalidade referindo-se ao liame provvel entre a atividade desenvolvida pelo lesante e o correspondente risco de dano vtima.; 11. a probabilidade estatstica o instrumento utilizado para as hipteses de causalidade indeterminada, especialmente para danos gerados por bens, como aquele causado pelo medicamento; 12. o percentual estatstico adotado para presumir a causalidade o percentual maior do que 50% de possibilidades de ocorrncia do evento, tendo em vista que deve haver uma regularidade de ocorrncias e que, sem a aludida conduta, o dano no se verificaria, o que demanda uma probabilidade alta; 13. distingue-se probabilidade da previsibilidade;14. aps a aferio da causalidade, passa-se quantificao do dano, por meio da presuno de causalidade;15. nos casos de danos em que no exista um conjunto significativo de situaes semelhantes para que se faa o clculo de probabilidade ou nos casos em que os riscos so conhecidos, mas no concretizados, pode-se utilizar a probabilidade lgica, abstrata e indutiva, para afirmar que a provvel explorao da atividade tenha sido a causa do dano; 16. os requisitos apontados de presuno de causalidade no so cumulativos, devendo, no mnimo, um deles estar presente para que se possa realizar o juzo presuntivo; 17. dois so os casos em que a presuno causal, baseada na probabilidade estatstica, pode ocorrer: a) dano tpico como fundamento para a causalidade provvel; b) danos de massa e a propagao dos efeitos danosos na coletividade e no tempo, como os danos ambientais.

A CONSTRUO DA CATEGORIA JURDICO-NORMATIVA DA IMPUTAO SEM NEXO DE CAUSALIDADE: A FORMAO DA CIRCUNSTNCIA DANOSA COMO UM ELEMENTO CONSTITUTIVO DA TRAVESSIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PARA A RESPONSABILIDADE POR DANOS

Segundo o autor, os pressupostos que embasam a responsabilidade civil e consumerista no so mais aptos a debelar ou a minorar a danosidade resultante das atividades habituais e onerosas (ou no), desenvolvidas em sociedade pelos sujeitos de direito, portanto torna-se indiscutvel a necessidade de se erigir outros institutos para conter esse fluxo produtor e agravador de danos.

3. A FORMAO DA CIRCUNSTNCIA DANOSA COMO UM ELEMENTO DA RESPONSABILIDADE POR DANOS: ALTERIDADE E JUSTIA SOCIAL COMO PRESSUPOSTO TICO-JURDICO E FINALIDADE PARA A PRIORITRIA TUTELA DA VTIMA Problemas postos:1. o nexo de causalidade como construdo pela responsabilidade civil e consumerista moderna e contempornea impossibilita, em uma expressiva quantidade de casos, imputar responsabilidade quele(s) que deve(m) responder pelos danos causados;2. os avanos cientficos demonstram a impossibilidade de se precisar a causa e o efeito das relaes entre eventos danosos e os danos, a surgir a probabilidade como forma de conhecimento possvel sobre a relao causal.

3.1 A RESPONSABILIDADE POR DANOS: O POTENCIAL, O CONCRETO E A VTIMA A responsabilidade civil e a consumerista, moderna e contempornea, so colocadas em xeque diante da no conteno da expanso desordenada dos danos de toda ordem. Caractersticas da sociedade atual: o risco, a massificao, a superficialidade, a vigilncia, a ciberntica, o hiperconsumo, a globalizao e, por que no, os danos. Diante disso, a literatura jurdica tem procurado planear categorias jurdicas com o fito de minorar essa profuso danosa e de tutelar de maneira prioritria a vtima, podendo-se, de maneira exemplificativa, dividi-las em trs perspectivas:1. a responsabilidade civil e consumerista;2. a responsabilidade pressuposta;3. a responsabilidade por danos. Caractersticas da responsabilidade tradicional:1. Foco na conduta do ofensor, uma vez que o comportamento do lesante colocado em uma posio de destaque para fins de anlise da causalidade e da mensurao da reparao dos danos praticados pelo responsvel, como se verifica com a ideia do fortuito externo;2. a tica da liberdade, com a liberdade sendo utilizada de maneira utilitarista, a partir de anlises comportamentais baseadas no voluntarismo ou no personalismo tico, a viabilizar, por exemplo, a opo pela eficincia econmica em detrimento de outros valores existenciais, como a dignidade da pessoa humana (caso Ford Pinto, inscrio indevida); COMENTARIO: existem outras opes.3. relevncia da fase patolgica, aquela que acontece aps a ocorrncia do dano, conferindo-se destaque marginal aos princpios de precauo e de preveno, exceo feita ao direito ambiental;4. causalidade jurdica aferida pela previsibilidade (teorias do nexo causal) presumida, comprovada, previsvel ou com probabilidade alta; 5. responsabilidade somente com dano certo, atual, e s vezes futuro, sendo afastada a reparabilidade pelo dano hipottico e pelo dano potencial; 6. responsabilidade valorada pelos critrios subjetivo (culpa subjetiva, culpa objetiva e dolo), objetivo (risco, equidade e segurana) e pelo sacrifcio (responsabilidade por fato lcito), sendo certo que sempre se pressupe voluntariedade das partes envolvidas ou a conduta normativa baseada no personalismo tico. A responsabilidade civil e a consumerista se inclinam para a manuteno do status quo, com a proteo da titularidade proprietria do lesante, por meio de reparaes monetariamente irrisrias para danos ultrajantes. A rigor, a responsabilidade civil e a consumerista pela configurao de seus institutos obstaculizam a prioritria tutela da vtima. Essas e outras razes levaram GISELDA HIRONAKA a construir, em sua tese de livre-docncia na Universidade de So Paulo (USP), a ideia de responsabilidade pressuposta. Um dos arcabouos tericos que permeiam a responsabilidade pressuposta o padro comum desenvolvido por GENVIVE SCHAMPS denominado de mise en danger. possvel afirmar ser a exposio ao perigo um razovel critrio geral de justificao do dever de reparar, cujo objetivo diminuir a ocorrncia de dano e no o de evitar todo e qualquer perigo. Essa evitabilidade do dano, segundo HIRONAKA, reduz o seu custo social, seja por meio da adoo de medidas de preveno, ou seja porque algum responder por ele, por fora de uma responsabilidade pressuposta, fundada num critrio-padro de imputao A premissa conseguinte, da responsabilidade pressuposta priorizar a tutela da vtima em detrimento daquela conferida ao demandado, por meio de um mecanismo ensejador de uma responsabilizao sem culpa, em que a exposio ao risco pudesse representar algo alm da mera identificao causal do dano reparvel. A delimitao da responsabilidade pressuposta abarcaria os seguintes critrios: 1. risco caracterizado (fator qualitativo): a potencialidade, contida na atividade, de se realizar um dano de grave intensidade, potencialidade essa que no pode ser inteiramente eliminada, no obstante toda a diligncia que tenha sido razoavelmente levada a cabo, nesse sentido;2. atividade especificamente perigosa (fator quantitativo): subdivide-se em:a. probabilidade elevada: corresponde ao carter inevitvel do risco (no da ocorrncia danosa em si, mas do risco da ocorrncia);b. intensidade elevada: corresponde ao elevado ndice de ocorrncias danosas advindas de certa atividade. A efetivao da responsabilidade pressuposta teria o condo de modificar o sentido atribudo responsabilidade civil e consumerista, que deixariam de ser deveres sucessivos de reparao pela violao a um dever prvio para se tornarem deveres anteriores ao fato danoso, que apenas os concretizariam. A responsabilidade civil e a consumerista se tornariam desvalores do resultado e no da conduta ou da atividade do responsvel, que saberia de antemo se violou a preveno lesiva, devendo ento arcar com a reparao dos danos. Crticas tese da responsabilidade pressuposta:1. a ausncia de prova acerca da periculosidade (ou no) da atividade;2. a existncia de atividades legalmente tipificadas como perigosas afasta todas as outras que no o sejam, salvo se o rol das referidas atividades for considerado exemplificativo;3. se a lei apenas se refere genericamente periculosidade, ou a prova do risco fica inviabilizada, ou se admite sua apreciao ex post facto, e no ex ante, com seria desejvel (no primeiro caso, a vtima no ser compensada; no segundo, a periculosidade ser quase inafastvel pelo simples fato de se haver configurado o fato lesivo);4. a previso genrica de periculosidade possibilitaria que somente o risco ao bem gerasse o dever de reparar, excluindo-se qualquer reparao pelo risco do desenvolvimento, porque responsabilizar o agente por tal risco seria desestimular o desenvolvimento cientfico e tecnolgico;5. limitar o dever de reparar por danos oriundos do risco excepcional em virtude de sua dimenso exagerada e ou de sua probabilidade em grau muito superior ao normal. possvel aduzir que o art. 927, pargrafo nico, do CC acolhe a ideia de responsabilidade pressuposta: Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repar-lo. Pargrafo nico. Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. A partir das ideias levantadas pela responsabilidade pressuposta pode-se falar no surgimento da denominada responsabilidade por danos, conhecida em alguns pases como direito de danos, muitas vezes com o sentido idntico ao de responsabilidade civil. Partindo-se da ideia de dano de ALBERTO BUERES entende-se dano como qualquer leso, potencial e (ou) concreta, a direito, interesse e (ou) dever. Ante o sentido atribudo ao significante dano, possvel falar de responsabilidade sem dano? Em alguns casos, sim (dano ambiental futuro danos s futuras geraes). Segundo o Autor, no h necessidade de se tratar o tema como responsabilidade sem danos, j que a responsabilidade por danos pressuposta, no sentido de ser anterior concretizao do dano, e aambarca os danos potenciais, visveis, invisveis, previsveis, provveis e improvveis, concretos e atuais, conferindo a cada um deles uma adequada tutela de precauo, de preveno e (ou) de reparao. Perspectivas possveis para o acolhimento da ideia da responsabilidade por danos:1. foco na vtima;2. pressuposto tico na alteridade;3. rompimento com a ideia de culpa e de dolo;4. substituio do nexo de causalidade pelo liame da vtima;5. prioridade na precauo e na preveno e a tutela dos hipervulnerveis, dos vulnerveis e dos hipossuficientes: pela resposta proporcional ao agravo e concretizadora de justia social;6. mitigao das excludentes do dever de reparar. Priorizam-se aqui a necessria evitabilidade, o controle, a legitimao e a distribuio dos fatores abstratos ou concretos criados por atividades, no mnimo, potencialmente causadoras de danos (ex.: fabricantes de medicamentos), no podendo as vtimas, em regra, ficar indenes. Vantagens e tendncias da responsabilidade por danos: 1. ampliar o nmero de vtimas tuteladas, de danos reparveis e de formas de reparao; 2. intensificar a responsabilizao, concedendo-se reparaes pecunirias, proporcionais ao caso concreto, e tambm despatrimonializadas, como a retratao pblica; 3. fomentar os princpios da precauo e da preveno diante da crescente socializao dos riscos, das imprevisibilidades, dos perigos e do incremento das situaes de dano; 4. concretizar a responsabilidade por danos potenciais e concretos; 5. densificar de maneira real e concreta os direitos e as garantias fundamentais da pessoa humana no que tange potencialidade de danos a que est submetida em razo da evoluo tecnolgica; 6. garantir ampla e integral reparao s vtimas, com extenso de igual direito a todos quantos alcanados indiretamente pelo dano ou expostos a ele, mesmo que por circunstncias fticas, devendo nesta hiptese o valor da reparao ser destinado a um fundo voltado para o estudo e a pesquisa da antecipao e do equacionamento dos danos, riscos, perigos e imprevisibilidades oriundas de atividades habituais e onerosas, desenvolvidas em sociedade; 7. tornar irrelevante, na maioria dos casos, a concausa, con el alcance de asignar la totalidad del dao a quien solo aport una de las causas concurrentes (Represas; Mesa, 2004, t. 1, p. 59), objetivando diluir as responsabilidades individuais pelo dano, bem como mitigar as excludentes do dever de reparar; 8. aumentar as espcies de instrumentos de precauo, de preveno e de reparao. A responsabilidade por danos altera a perspectiva do intrprete, ao deslocar o mbito de investigao da conduta do lesante para o dano; noutros termos, passa-se da ideia de uma dvida de responsabilidade para um crdito pelo dano sofrido ou que venha a sofrer. A proposio de uma responsabilidade por danos no ser esmaecida pela possibilidade de, em algum caso concreto, haver um resultado idntico ao conferido pelos pressupostos da responsabilidade civil e consumerista ou por existirem instrumentos disponveis a elas, como as tutelas inibitrias.

3.2 DA TICA DA LIBERDADE TICA DA ALTERIDADE: A LIBERDADE TICA COMO FATOR VALORATIVO DA CATEGORIA JURDICO-NORMATIVA FORMAO DA CIRCUNSTNCIA DANOSA EA JUSTIA SOCIAL COMO OBJETIVO A SER ATINGIDO COM A PROTEO DA VTIMA O autor faz uma separao entre:1. tica da liberdade: o substrato valorativo das ideias de causalidade e de imputao na responsabilidade civil e consumerista moderna e contempornea;2. liberdade tica (alteridade): o eixo axiolgico que constitui a causalidade complexa, resultando na ideia de formao da circunstncia danosa, presente na responsabilidade por danos. O sentido atribudo tica da liberdade encontra guarida na diretriz traada pelo personalismo tico; Toda pessoa capaz de direitos e deveres na ordem civil; dignidade atribuda s pessoas; consideraes kantianas; centralidade da pessoa humana; o Cdigo Civil a verdadeira Constituio do homem comum. H crticas viso antropocntrica expressa pelo personalismo tico, como por exemplo o fato de desconsiderar o direito dos animais e do meio ambiente; O personalismo tico constitui a ideia de conduta normativa, a repercutir diretamente no sentido atribudo tica da liberdade, o que justificar a categoria do fortuito externo, do fato de terceiro e do fato da vtima. Como visto, a conduta se apresenta como possibilidade de o sujeito poder atuar, comissiva ou omissivamente, na cadeia causal, ou seja, aquele que atua por reflexo no controla as circunstncias, no domina o fato e no modifica o mundo com a sua personalidade. Por essa construo, h um afastamento do causalismo natural como regente da relao causa-efeito entre o evento danoso e o dano. Passa-se a adotar a ideia de posio de influncia, ou seja, imputa-se a responsabilidade, mormente nas condutas omissivas, queles que detinham a obrigao de evitar o dano. A ideia de personalismo tico, ao fim e ao cabo, apresenta-se como uma expresso do eu individual, j que se a pessoa no tinha o dever de atuar e cumpriu tudo o que estava ao seu alcance em determinada situao concreta, no h que se falar em imputao de responsabilidade. A vtima, portanto, nesse caso, fica desassistida, sendo ressaltada a sua no priorizao pela tica da liberdade, e, por consequncia, pela responsabilidade civil moderna e contempornea. Esse cenrio deve ser alterado com a primazia da vtima, autorizando que se ultrapasse o eu individual do personalismo tico e se pense e se pratique o ns, explicitao da liberdade tica (alteridade). Um fator extremamente relevante que emerge da alteridade so os princpios-deveres de precauo e de preveno, candentes no direito ambiental, mas bem pouco efetivados no direito civil e consumerista. Nesse diapaso, a concretizao da liberdade tica permite a efetivao da justia social em cada caso, porquanto acolhido o constructo terico de funo como liberdade, erigido por CARLOS EDUARDO PIANOVSKI RUZYK. O que se deve evitar pensar abstratamente que existe uma pseudoigualdade e afastar do campo avaliativo a sempre presente relao assimtrica de poder entre as partes em relao, a fim de conferir uma adequada tutela em cada situao concreta. A perspectiva da alteridade, portanto, impede que se possam transferir de forma indevida riscos, perigos, incertezas e nus das atividades desenvolvidas em sociedade para aquele que se encontra em uma posio de assimetria de poder ou de hipervulnerabilidade. Essa transferncia indevida autorizada pelas construes relacionadas causalidade previsvel ou de alta probabilidade e pela aplicao de fortuito externo em diversos casos (ex.: excluso da responsabilidade em caso de assalto em transporte coletivo urbano). A vtima que sofre o dano e com ele no contribuiu recebe todo o nus da atividade desenvolvida pelo Outro, que, inmeras vezes, como se v, por exemplo, com as condies gerais contratuais abusivas, no respeitou a alteridade e violou a precauo e a preveno de danos potenciais e concretos, em um cristalino comportamento de desprezo para com a vtima. Diante disso, a precauo, a preveno e a reparao de danos deixam de ser um problema da vtima que foi atingida para se tornar um problema da sociedade. A possvel lacerao da causalidade e da imputao como expostas de maneira indiscutivelmente majoritria no sistema romano-germnico e no anglo-saxo no passa por uma reoxigenao histrica, como se faz com as teorias sociais, mas pela perspectiva de causalidade complexa e da construo da categoria jurdica formao da circunstncia danosa, sendo urgente se repensar a reforma e reformar o pensamento. Tal reforma est inserida, nesta tese, no campo da prospectividade, explicitada, entre outros, por FACHIN (2012), na qual se delineiam cenrios possveis de acordo com a perquirio do vigente, sem desconsiderar o constructo do pretrito. A teorizao e a prtica da alteridade podem levar a uma efetivao da justia social expressa no caput do art. 170 da CF/88 Os sentidos da justia social no podem ser aqueles que concretizam a justia em cada caso de olhos vendados, em que o peso da balana se encontra viciado e a espada sempre fende mais um lado que o outro, como no exemplo do entendimento do STJ quanto ao caso da morte da vtima no cinema. A alteridade e a justia social sero o norte valorativo para a formao da circunstncia danosa, que no depende de novas leis, seno de outra mentalidade do intrprete ao compreender um caso concreto, percebendo o Direito como um fator de transformao social, ao minorar as leses praticadas em sociedade. vista do exposto, defende-se que o pressuposto valorativo e principiolgico que deve permear a precauo, a preveno e a reparao dos danos potenciais e concretos, extramateriais e materiais, a tica da alteridade.

3.3 O TEMPO DA CAUSALIDADE E A FORMAO DAS CIRCUNSTNCIAS DANOSAS: CRITRIOS, LIMITES E POSSIBILIDADES PARA A IMPUTAO DE RESPONSABILIDADES COM BASE NA CAUSALIDADE COMPLEXA Divide o raciocnio em trs momentos:1. apontar o sentido do tempo utilizado na pesquisa para o enquadramento da temtica ao vigente contexto;2. apresentar o modo pelo qual se pensa a interpretao jurdica, o que influenciar o modo de construo da formao da circunstncia danosa;3. indicar o contedo que se atribui causalidade e imputao para fins de delineamento da ideia de formao da circunstncia danosa. H vrios sentidos para o tempo:1. pode ser entendido como ordem mensurvel do movimento, vinculado ideia de previsibilidade que lastreia as teorias do nexo causal, a fortalecer a ideia de causalidade jurdica erigida pelo direito moderno;2. O segundo sentido atribudo ao tempo, como movimento intudo, no traz nenhuma influncia para a apreenso da causalidade jurdica;3. J o terceiro sentido (tempo como estrutura da possibilidade, trazido por na obra Ser e Tempo de Heidegger) o que interessa. Esse sentido de tempo est focado para o futuro, isto , o tempo possibilidade ou projeo, com o passado sendo condicionado pelo provir. O passado pode ser entendido como ponto de partida ou fundamento das possibilidades porvindouras e o futuro como possibilidade de conservao ou de mudana do passado, em limites (e aproximaes) determinveis. Quanto ao modo, o autor adota a teoria de FACHIN de direito como problema, podendo ser sintetizada pelas trs dimenses da constitucionalizao do direito: 1. possvel encetar pela dimenso formal, como se explica. A Constituio Federal brasileira de 1988 ao ser apreendida to s em tal horizonte se reduz ao texto positivado, sem embargo do relevo, por certo, do qual se reveste o discurso jurdico normativo positivado. degrau primeiro, elementar regramento proeminente, necessrio, mas insuficiente. 2. Sobreleva ponderar, ento, a estatura substancial que se encontra acima das normas positivadas, bem assim dos princpios expressos que podem, eventualmente, atuar como regras para alm de serem mandados de otimizao. Complementa e suplementa o norte formal anteriormente referido, indo adiante at a aptido de inserir no sentido da constitucionalizao os princpios implcitos e aqueles decorrentes de princpios ou regras constitucionais expressas. So esses dois primeiros patamares, entre si conjugados, o mbito compreensivo da percepo intrassistemtica do ordenamento. 3. No obstante, o desafio apreender extrassistematicamente o sentido de possibilidade da constitucionalizao como ao permanente, viabilizada na fora criativa dos fatos sociais que se projetam para o Direito, na doutrina, na legislao e na jurisprudncia, por meio da qual os significados se constroem e refundam de modo incessante, sem juzos apriorsticos de excluso. Nessa toada, emerge o mais relevante desses horizontes que a dimenso prospectiva dessa travessia. O compromisso se firma com essa constante travessia que capta os sentidos histrico-culturais dos cdigos e reescreve, por intermdio da ressignificao dessas balizas lingusticas, os limites e as possibilidades emancipatrias do prprio Direito (Fachin, 2008, p. 17-18). Por fim, chega-se ao contedo. Enuncia-se que a formao da circunstncia danosa permite a imputao de responsabilidade civil ou consumerista a algum pela coligao e (ou) a correlao entre fatores naturais e (ou) condutas omissas e comissivas de sujeitos de direito que contriburam para a ocorrncia do dano. Tal coligao ou correlao de eventos danosos pode se dar em relao ao responsvel pela atividade, atividade, vtima ou ao dano. Dessa maneira, a formao da circunstncia danosa abrange, na perspectiva da causalidade jurdica, a insero dos elementos incerteza, complexidade e probabilidade, com a imputao da responsabilidade sendo verificada por meio dos fatores:1. subjetivo (culpa e dolo, para quem ainda admite alguma funo da culpa e do dolo no mbito da responsabilidade por danos);2. objetivo (equidade, risco e garantia);3. sacrifcio (fatos jurdicos lcitos ensejadores de responsabilizao, de preveno, de precauo e de reparao de danos);4. domnio ou poder ftico, econmico, social, jurdico, entre outros, da atividade (habitual ou no; onerosa ou no) desenvolvida pelo agente responsvel ou por outro garante da precauo, da preveno e da reparao do dano. A vtima no pode ser punida por danos, potenciais e concretos, que no contribuiu para sofr-los. Dessa maneira, independentemente do grau de probabilidade de ocorrncia do evento danoso, os seus efeitos no podem ser transferidos vtima, salvo se ela contribuiu para o evento danoso. As externidades devem ser abarcadas por quem tem o domnio da atividade ou pelo fato do evento a ela se coligar ou correlacionar, em razo da assimetria de poder existente entre as partes. Nessa linha, o lesante quem deve internalizar os custos dos acidentes no mbito da atividade que desenvolve e no repass-los a vtima, assimetricamente vulnervel em relao ao lesante ou responsvel. Exemplo do medicamento que aumentava a possibilidade de cncer. O desvalor do resultado deve ser um critrio apto a caracterizar a causalidade complexa e a imputao da responsabilidade, com base na formao da circunstncia danosa, como nas situaes a seguir descritas: 1. atividade ilcita ou em abuso do direito (CC, art. 927) ou mesmo nas atividades lcitas que majorem o risco para terceiros ou para o Estado; 2. causalidade natural, aquele que exerce o controle sobre a coisa, pessoa ou atividade empresria, mas no evita o dano, ou o risco advm da prpria atividade profissional ou empresarial deve reparar, mesmo que o dano nasa da conduta de terceiros, pelo caso fortuito ou de fora maior ou pelo fato da vtima, como no caso dos transportes, do estabelecimento hospitalar ou do estabelecimento educacional. Isso porque existe uma assuno profissional de proteger tais pessoas ou pelo fato de o agente deter a possibilidade de reduo de riscos;3. ausncia de causalidade natural, porque o responsvel pela reparao no causou de forma natural o dano, todavia, em decorrncia da atividade que pratica e afeta terceiros, o responsvel pela reparao, em razo da certeza ou da probabilidade da leso. O seguro contratual e o seguro social so exemplos de responsvel pela reparao de danos causados por terceiros, que pode excluir ou no a responsabilidade do causador naturalstico;4. ausncia de atividade perigosa, entretanto, traz prejuzos derivados da aludida atividade, como a poluio, a aglomerao de pessoas, com a possibilidade de tumulto, devendo o nus ser suportado por todos que se beneficiam da atividade, podendo-se inclu-los nos custos da atividade. H a transferncia ilcita do nus da atividade, acarretadora de um enriquecimento sem causa, fator de chamamento do beneficirio da atividade, tendo contribudo (ou no) para a transferncia indevida do nus da atividade. Efetiva-se a falta de causa para o enriquecimento sem causa do beneficirio da atividade, a objetivar a reparao. A formao da circunstncia danosa permite o dilogo entre o texto e contexto do qual emerge a normatividade relacionada aos danos potenciais e concretos, a ratificar a perspectiva do direito problemtico, crtico e prospectivo, com nfase nas medidas que procurem evitar danos; se estes ocorrerem ou for impossvel ao responsvel pela atividade cont-los, salvo raras excees (ex: inundao no serto do Cear, neve no nordeste brasileiro, entre outros), vtima no se pode imputar tais consequncias, em razo da sua posio de (hiper)vulnerabilidade em relao ao dano e ao responsvel. A formao da circunstncia danosa, portanto, um caminho que pode ser trilhado por aqueles que visam repartir o custo social dos danos, atualmente em grande parcela imposto vtima pelas teorias do nexo causal e pelas presunes de causalidade. No h, por conseguinte, um possvel aumento do custo social se a formao da circunstncia danosa for acolhida, pois, repisa-se, o que se est a fazer desonerar a vtima de tal nus, em homenagem aos pressupostos axiolgico (alteridade) e teleolgico (justia social) relacionado a categoria jurdica em construo, e imput-los a quem tem melhores e maiores condies de suport-lo. Espera-se que a ideia de formao da circnstncia danosa possa reabrir, em outras bases, o debate acerca da causalidade e da imputao de responsabilidades no direito civil e consumerista brasileiro, a fim de que as vtimas possam ser mais respeitadas. Isso porque a situao de propagao danosa na sociedade vigente encontra-se em um nvel insuportvel, a implicar profunda reflexo sobre o que construmos e como decidimos as questes relacionadas temtica da responsabilidade por danos no Brasil.