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8/17/2019 145944957 America Pre Colombiana 1 http://slidepdf.com/reader/full/145944957-america-pre-colombiana-1 1/57 Muitas das informações sobre o passado pré-colombiano se perderam durante a fase do descobrimento europeu e da conquista. Interesses sócio-políticos motivaram alguns povos a destruir velhos documentos no afã de reescrever em favor próprio a história do México Central. Apesar deste ''apagamento história) , recuperoU'Se, com grande trabalho, parte desta documentação. Neste livro, um painel em busca da história quase perdida daquela época. Brasiliense

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Muitas das informações sobre o passadopré-colombiano se perderam durante a fase do

descobrimento europeu e da conquista.Interesses sócio-políticos motivaram alguns

povos a destruir velhos documentos no afã dereescrever em favor próprio a história do

México Central. Apesar deste ''apagamentohistória) , recuperoU'Se, com grande trabalho,

parte desta documentação. Neste livro, umpainel em busca da história quase

perdida daquela época.

B r a s i l i e n s e

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Copyright © Ciro Flamarion S. Cardoso

Capa:127 (antigo 23)Artistas Gráficos

Revisão:Carlos E CarvalhoJosé E Andrade

J3 —Edi to ra Bras i l i ense S AR . G e n e r a l J a r d i m , 1 600 1 2 2 3 - S ã o P a u l o - S PF o n e 0 11 ) 2 3 1 - 1 4 2 2

•A

Í N D I C E

Introdução 7Sociedades pré-agrícolas 12Sociedades agrícolaspré-urbanas . ; 34Agricultura intensiva e urbanização: as altas

culturas pré-colombianas 5 2Reflexões finais 109Indicações para leitura 115

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INTRODUÇÃO

"A civil ização romana não morreu de mortenatural. Foi assassinada." Assim concluiu A n d r é Pi -ganiol o seu livro sobre o Impér io Romano no séculolV~aepois de Cristo {L'empire chrétien 325-395, Pan s , P. U. F . , 1947, p. 422). Tal af irm ação , discutívelno caso romano, aplica-se perfeitamente à s nume-rosas sociedades indígenas existentes no continenteamericano na fase do descobrimento europeu e daconquista (fins do s écu lo X V e s écu lo XVI ; em certasregiões , a conquista foi mais tardia). De tal fatoderivam-se muitos problemas de documen tação emesmo de interpretação.

De documen tação : os conquistadores destruíram monumentos — grandes centros urbanos daúl t ima fase p r é -co lombiana foram transformados emcidades espanholas ( M é x i c o , Cusco) — e obras dearte (fundidas quando confeccionadas com metaispreciosos), queimaram quase todos os cód ices (ma-

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do s é c u l o X V I , mas feitos segundo a t radição indígena; e inscr ições , principalmente na zona maia,ainda não totalmente decifradas na atualidade.

Tendo em vista a natureza das fontes disponíveis, que mé todos podem ser aplicados ao estudo dahistória pré-colombiana?

O ún ico mé todo universalmente aplicável aopassado i nd ígena da Am ér ica é o arqueológico, maisexatamente o da arqueologia pré-histórica. Trata-selia. reconstituição de culturas desaparecidas atravésdos vestígios materiais por elas deixados (esqueletosdos homens, ou dos animais de que se alimentavam;restos de casas, t úmulos , templos; artefatos e objetosdiversos: cerâmica , esculturas, instrumentos agrícolas e outras ferramentas, etc ), obtidos em muitoscasos através de escavações realizadas segundo métodos sofisticados, e interpretados com apoio emum a tecnologia avançada (datação pelo carbono 14,pal inolõgia ou estudo dos pólens fósseis para reconstituir floras desaparecidas, m étodos es ta t í s ticos^ ete-*-e em algum sistema teórico acerca dos^aspectos dinarmicose^strutuiais_das^

""^Outra metodologia muito importante para os

estudos pré-colombianos é a da etno-história. Es t afoi, a pr incípio , uma espécie de etnografia descritiva,aplicada retrospectivamente às fontes da época daconquista e dos primeiros tempos da co lonização.Hoje é algo bem mais sério e interessante: o usocritico de documentos diversos para a reconstruçãojlas- estruturas económicas , sociais, polí t icas e mte-lectuais dos diversos grupos indígenas , tratando de

América Prê-Colombiana 11

eliminar as deformações induzidas por uma documentação de origem europeia ou de europeus residentes (criollos), nascidos na América . Apoia-se aomesmo tempo em métodos h is tór icos _e an t ropológicos.

Por fim, para os séculos que precedem imediatamente a conquista, em certas regiões privilegiadas —como é o caso do Méx ico central —, o método histórico no sentido tradicional ou estrito, baseado em

documentos escritos que procedem do passado pré-colombiano ou da f ixação da sua t radição oral, é possível, embora os historiadores tenham de se apoiarigualmente nos resultados da arqueologia e da etno-história.

Deve ficar claro, po rém, não ser poss ível paraqualquer per íodo pré-colombianõ ja const rução deum saber histórico comparável ao que possuímosacerca da Grécia ou Roma antigas,, por exemplo, jáque estas são civilizações para as quais podemosdispor de multo mais documentação escrita, possibilitando uma visão bem mais detalhada dos processose estruturas. Mutatis mutandis, a s i tuação do conhecimento histórico acerca da América pré-colombianase assemelha à do qtle.se refere à ÂWçaJSfegra pré-colonial, inclusive najdeformação produzida por umadistr ibuição muito desigual dos trabalhos dos especialistas no tempo e no espaço: há regiões e períodosmuito frequentados, enquanto outros permanecemquase desconhecidos.

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S OCI EDADE S PRÉ-AGRICOLAS

O povoamento da AméricaEsteie uma questão que permanece sem solução

cabal, em parte pela quantidade ainda insuficiente epela grande dispersão dos achados arqueológicos derestos humanos e implementos anteriores ao séculoX a. C .1

Talvez convenha resumir* antes de mais nada,os pontos sobre os quais há hoje um consenso geral,pu quase geral. São elesj_ 1) a impossibilidade deHÍ5?JSy^uÇ.l2 au tóctone do homem ter-se produzidona América: todos os esqueletos humanos até agoraencontrados têm. quando muito algumas dezenas de

(1) O sistema de d a t a ç ã o mais usual hoje em dia é o que tomacomo referência o nascimento de Cristo, diferenciando a partir dai asdatas antes de Cristo (a. C. ou a. de J . C.) e as datas depois de Cristo (d.H d. de J . C , ou ainda a. D. , do latim anno Domini: " â n o d o Senhor").

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Q U A D R O 1 — Cronologia da ú l t i m a g l a c i a ç ã o do Pleistoceno ou Quat e rnár io (Wlsconsln) na A m é r i c a , segundo Bosch Gimpem.

Tempo(anos a. C.)

Fases mais Fases menosfrias (ou friasglaciares) (retiradas

glaciares)

Fatos da pré-história americana

50000-45000 Altoniense América provavelmente ainda45000-40000 Scarborough despovoada.

40000-30000 Farmdale Início do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

30000-25000 TalbotInício do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

25000-23000 Iowa

Início do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

23000-20000 Peoria

Início do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

20000-18000 Tazewell I

Início do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

18000-16000 Hackensack16000-15000 Tazewell I I15000-14000 New Haven Entrada de caçadores superiores

por Bering/corredor doMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12 300 a. C, ± 500.

14000-13500 CarylEntrada de caçadores superiorespor Bering/corredor doMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12 300 a. C, ± 500.

13500-13000 Springfield

Entrada de caçadores superiorespor Bering/corredor doMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12 300 a. C, ± 500.

3000-12000 Caryll

Entrada de caçadores superiorespor Bering/corredor doMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12 300 a. C, ± 500.

12000-11000 Brattelboro

Entrada de caçadores superiorespor Bering/corredor doMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12 300 a. C, ± 500.

11000-10000 CarylllTem início a difusão das pontasde proj étil da tradição chamadaPlano.

10000-9100 Two CreeksInicia-se a difusão das pontas deprojétil da tradiçã o chamadaUano.

9100-8800 Valders Apogeu do Paleolítico Superioramericano.

8800-6000 Grande retirada: fim daglaciação epassagemdo Pleistoceno ao Ho-loceno.

— —

Transição do PaleolíticoSuperior ao Mesolítico. Inícioda domesticação de plantas(Meso-América, 7000 a . C ).

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milhares de anos, sendo do tipo totalmente atual(I$Qmo sapiens sapiens), ao qual se atribui no VelhoMundo uma antiguidade de no m á x i m o cinquentam i l anos, e por outro lado não há restos de grandesprimatas f ó s s e i s no continente americano; 2) a rotaque conduz da à s i a à A m é r i c a do Norte, seja peloque é hoje o estreito de Bering, seja pelo, atuala r q u i p é l a g o das Aleutas, é considerada o caminhoprincipal (para alguns, o ú n i c o ) e mais antigo das

m i g r a ç õ e s povoadoras da A m é r i c a ; 3) admite-seatualmente uma antiguidade muito maior ao i n í c i odesse povoamento — aceita-se, em especial, quehouve um P a l e o l í t i c o americ ano — do que pensa-v a m . no c o m e ç o deste s é c u l o , s á b i o s como AlesH r d l i c k a ou William H* Holmes; 4) embora nesteaspecto o consenso seja menos geral, 'muitos especialistas acreditam que o povoamento se fez em di-

Versas ondas e no curso de longos p e r í o d o s , contra aideia anterior da entrada ú n i c a de um grupo demigrantes r ac ia l e culturalmente h o m o g é n e o s .

Quanto à antiguidade m á x i m a do povoamento,a a p l i c a ç ã o do m é t o d o de d a t a ç ã o pelo carbono 14proporcionou datas seguras e numerosas para o sé

culo X a. C . Toda s as datas mais antigas foram,p o r é m , contestadas ou pelo menos postas em d ú v i d aem maior ou menor grau. Pouco a pouco, contudo,n a me dida em que algumas datas vê m obtendo umconsenso consideravelmente amplo (Tlapacoya, noM é x i c o , entre 217 00 ± 500 e 24000 ± 4 000 anosa t r á s — a cifra depois do sinal i indica a margemde erro p o s s í v e l para mais ou para menos; Pikima-

América Pré-Colombiana 17

chay, no Peru, 19600 ± 3000 anos a t r á s , entreoutros s í t i o s ) , e t a m b é m na medida em que se estabelecem h i p ó t e s e s sobre a m i g r a ç ã o a s i á t i c a vinculadas às fases do ú l t i m o f e n ó m e n o glaciar do Q u at e r n á r i o ( g l a c i a ç ã o2 chamada de W ú r m no VelhoMundo e de Wisconsin na A m é r i c a ) , é hoje frequente achar nas s í n t e s e s interpretativas uma antiguidade m á x i m a para o primeiro povoamento quevaria entre 20 e 40000 anos a t r á s (contra os 5000anos apenas que admitia H r d l i c k a ) . O escavador dos í t io de Onion Portage, no Alasca (D. D. Anderson) , atribui uma antiguidade de no m á x i m o 15000anos ao complexo cultural mais antigo que descobriu ali, perto de Bering, mas isto não é, como veremos, um a prov a concludente, j á que, se a rota daprimeira m i g r a ç ã o foi costeira e não continental,seus restos e s t ã o hoje sob o mar, cujo n í v e l subiudesde a fase final da ú l t i m a g l a c i a ç ã o .

Acreditava-se, ao c o m e ç a r o s é c u l o , que os povoadores da A m é r i c a tivessem vindo da à s i a pelocaminho de Bering, sendo todos pertencentes à r a ç am o n g o l ó i d e . Isto apesar de que P. W. L u n d havia

(2) As glaciações são fases da história de nosso planeta durante asquais, por razões ainda mal explicadas — as hipóteses a respeito sãovariadas -7-, a emp eratura média baixa consideravelmente, provocandonas altas latitudes continentais a acumulação de grandes geleiras, e naszonas tropicais o aumento das chuvas. Durante a era geológica chamadaPleistoceno ou Quaternário, começada há uns dois milhões de anos,houve quatro glaciações, separadas por períodos inter-glaciares quentes;o Holoceno, período geológico em que vivemos, segundo alguns nãopassa de uma fase inter-glaciar.

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vincula as primeiras m igrações à úl t ima glaciação,quando a água retida nas geleiras continentais fezbaixar o nível do mar, aparecendo na região doestreito e das ilhas Aleutas todo um subcontinente,a "Beríngia". C. A. Chard , C . J. Heusser e P.Bosch Gimpera sugerem que possivelmente devemosdistinguir duas rotas: uma, costeira e mais antiga(talvez durante a fase glaciar de Farmdale, entre40000 e 30000 a. C ) , seguida por caçadores e pes

cadores adaptados a um ambiente ártico de tundra,que pelo sul da ponte de Bering ou pelas Aleutaspassaram ao sul do Alasca, contornando o que éhoje o litoral do Canadá e chegando ao oeste dosatuais Estados Unidos; a outra, interior e posterior,de caçadores avançados já providos de projéteis componta de pedra, numa fase de parcial retirada glaciar (talvez a de New Haven, entre 15000 e 14000a. C.)» quando se abriu o corredor do Mackenzie,interrompendo localmente a barreira das geleirascontinentais: estes novos povoadores teriam avançado do norte canadense ao centro dos Estados Un idos de hoje. Ê interessante notar que, na atuali-dade, o estreito de Bering às vezes se congela e pode

ser atravessado a pé .A questão de determinar o n ível cultural dos

primeiros povoadores é objeto, já o veremos, degrandes po lémicas , complicadas pela insuficiênciade conhecimentos sobre a pré-história da Sibéria aleste do rio Lena . Ê verdade, al iás, que nada impede que grupos humanos do Sudeste Asiá t ico e daChina, subindo pela costa da Ãsia , hajam t a m b é m

América Pré-Colombiana 21

passado à América: vários autores defendem correlações culturais segundo esta hipótese. Falta ainda,de fato, um estudo s i s temát ico de tipo comparativo,e em grande escala, dos utensíl ios pré-históricos deambos os lados do estreito de Bering (na linguagemtécnica da arqueologia, tratar-se-ia de uma anál ise ecorrelação multivariável de artefatos e complexos).

Existiu na América uma etapa culturalanterior ao Paleolítico Superior?

H á muita d iscussão a respeito de saber se, anteriormente aos caçadores especializados de-grandesanimais, armados de projéteis com ponta de pedra,a A méjigajBMÜ iejara uma etapa cultural cuias características seriam : 1) o caráter tosco e não-especiali-zãd od os u tens íl io s (pedras talhadas por JoercussãcLe.n ã o _ p M j ^ s s â o )i c o m a u s ê n c m d e p o n t a s d e p r o j é t i lde pedra, e portanto da possibilidade de atacarfrontalmente osjgrajjdes mamíferos , furando a suaaura pele; 2) um modo de v i ò ^ b a s e a d o na coleta elu^çaça não-especializadas (subsistên ciajdepen denteda_coleJa_de frutas, raízes, animais pequenos^iilho-tes, animais grandes doentes ou en tão .caçados pormeios iridiretos, fazendo-os cair em armadilhas.ã t5Sa^r?se~e^^ân tànõst etc.); 3) uma densidade_depopu lação muito bajxa, _devido ao nível primitivoç ^ f o r ç a T ^ o ^ t r i r a s , o que se reflete, no registroarqueológico, em um nújãero pequfinoJ[se compa-

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rado com o de fases seguintes) de sitios p r é - h i s t ó -r i c o s ^ u e possam ser a t r i b u í d o s a esta etapa.

A s provas a r q u e o l ó g i c a s d i s p o n í v e i s para afirm a r a e x i s t ê n c i a de tal etapa cultural sao até agoramais numerosas na A m é r i c a do Sul, mas t a m b é mexistem no que hoje são o M é x i c o e os Estados U n idos. As d ú v i d a s permanecem devido a uma sér ie defatores: 1 ) c e r t o s s í t í o s que_sfi-pretende atribuir ataiçta pa são__superf icia is, impedindo uma d a t a ç ã o con-

fiJyjeJ¿je^utao^mü^a_toram datados;.2) em certoscasos fez-se a d a t a ç ã o pelo carbono 14, que indicougrande antiguidade, mas tais dalas foram depoisrevistas ou postas em d ú v i d a ; 3) ás vezes a d a t a ç ã odo^ l í t io ~è segura, mas contesta-se que os artefatosd e s c p Í j e r t o f o . S f i Ja m de fato: seriam apenas- forma-ç õ e s naturais 4e pedra, n ã o - d e v i d a s à f a b r i c a ç ã ohumana; 4) muitos s í t ios , são tão pobres que não ép o s s í v e l afirmar a a u s ê n c i a de elementos do Pa leo l ítico Superior (pontas de p ro jé t i l , por exemplo) comqualquer certeza^ nã o sendo representativa a amost ra que proporcionam; 5) finalmente, grupos humanos tecnicamente a v a n ç a d o s j ? o d e m _ f a b r i c a r , paracertos fins^jitensííios ae a p a r ê n c i a tosca: nã o sã o

propriamente a r c a í s m o s , e-^im^^siffiBo de quenecessidades semelhantes, ao voltarem a aparecer,levaram a respostas t é c n i c a s parecidas.

No conjunto, p o r é m , o ceticismo tem dimin u í d o , e cada vez mais especialistas aceitam a exis-

>^(3) Sítio pré-histórico é uma localidade na qual foram encontrados restos arqueológicos de assentamentos humanos da Pré-Histôria.

América Pré-Colombiana

t ê n c i a dessa etapa cultural americana p rév ia ao Pal eo l í t i co Superior.

A o aceitar-se isto, surge de imediato outro problema. Na E u r o p a , no Oriente P r ó x i m o e na Af r ica ,as t é c n i c a s anteriores ao P a l e o l í t i c o Superior aparecem associadas a h o m i n í d e o s f ó s s e i s4 (Homo ha-bilis, Homo erectus, o Homo sapiens neandertha-lensis e seus c o n t e m p o r â n e o s ) . O r a , já vimos que naA m é r i c a não há qualquer sinal de tais h o m i n í d e o santeriores ao Homo sapiens sapiens. Ocorre, p o r é m ,que a à s i a meridional e oriental apresentava, noP a l e o l í t i c o , um c a r á t e r conservador na sua tecnologia l í t i c a :5 o Pa leo l í t i co Superior siberiano, porexemplo, só se desenvolveu em fase c r o n o l ó g i c a absoluta correspondente ao M e s o l í t i c o europeu. Ass i m , teria havido simplesmente um a t r a n s f e r ê n c i a àA m é r i c a de um atraso t e c n o l ó g i c o (e no modo devida) já presente nas r e g i õ e s de origem dos primeiros migrantes.

(4) Chamamos hominídeos a um grupo de mamíferos da ordemdos Primatas que inclui o homem atual (Homo sapiens sapiens) e seuspredecessores fósseis em linha direta, além de alguns ramos colateraisextintos sem descendência, como os Australopitecus da Africa.

(5) Formas de fabricação de objetos ou utensílios de pedra. Ohomem pré-histórico usava madeira e outras matérias-primas além dapedra, mas só esta se conservou no registro arqueológico na maioria doscasos, sendo por tal razão tomada como critério de classificação dosgrupos humanos da Pré-História.

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v O Paleolítico SuperiorSe a fase precedente é objeto de con t rovérs ia ,

Jioie n i n g u é m duvida de que, durante vá r ios m i lê -nios, principalmente entre T T 0 0 0 e 7 000 a. C, emvarias partes do continente americano, grupos humanos dotados de uma tecnologia l í t ica que inc lu íaas pontas de p ro jé t i l hajam c a ç a d o grandes animaisa t u a í m e n t e extintos, do V£noâo PleistocenoV-ma^

mutes: b i s õ e s , cavalos e camelos fósse i s ; mega té r jos^mastodontes, etc..

^ ^ _ e x ^ c n e d o s _ r e s t o s ^ r 4 u e o l ó g i c i ^ correspondentes a este P a l e o l í t i c o Superior americano mostr aprincipalmente o seguinte: 1) a p ro l i fe ração dos sijtios jnpUcarido maior densidade demogrârTca emf u n ç ã o de u h j ã Tecnologia mai s eficiente; 2) u mas u c e s s ã o de tipos de pontas de p ro jé t i l e outros arte-f a t o ^ ^ ^ ^ m ^ c í uma diversidade ou r e g i o n a l i z a ç ã ocada vez maior dos complexos t é c n i c o s ; 3) a persjs-t ê n c i a j > a r a l e l a da antiga t r a d i ç ã o l í t i c a j j g a d a à ca-Ça. c coleta n ã o - e s p e c i à Ti z a d a s _ d a etapa anterior,,com m o d i f i c a ç õ e s .

Discute-se muito a q u e s t ã o da origem das pontas de p ro jé t i l americanas: d i f u s ã o a partir da Ãs iaou i n v e n ç ã o independente na A m é r i c a ? A ú l t i m ah i p ó t e s e parece mais p r o v á v e l , por r azões t ipo lóg icas e c r o n o l ó g i c a s , em particular para as pontasaltamente especializadas da t r a d i ç ã o chamada Llano (C lóv is , Folsom, Scottsbluff, etc), podendo-seadmitir uma origem a s iá t i ca para o tipo mais generalizado (ou seja, menos especializado) e aparente-

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2 6 Ciro Flamarion S. Cardoso

mente mais antigo de pontas, ligado à t rad ição chamada Plano. P o r é m , certos autores (Cruxent, Brennan) postulam uma invenção su l -amer ícana — naatual Venezuela — das primeiras pontas de projét i l(s í t io de Muaco, entre 14400 a. C . ± 400 e 12300a. C . ± 500; fase c o n t e m p o r â n e a do s í t io de Ca-mare). Já as pontas Llano, mais aper fe içoadas eespecializadas, têm o seu centro de d i fu são , a partirde aproximadamente 10000 a. C , na reg ião norte

americana que se estende do leste do Arizona até onoroeste do Texas e o sul do Wyoming, daí passando ao resto da A m é r i ca do Norte, ao M é x i c o e —em forma modificada (com p e d ú n c u l o e às vezes emforma de "rabo de peixe") e em menor densidade —chegando à extremidade meridional da A m é r i c a doSu lf

^-Pesquisas como as de MacNeish e sua equipe novale mexicano de Tehuacan mostram que seria errado imaginar este p e r íodo como se todos os habitantes da A m é r i ca fossem principalmente caçadoresde animais grandes. E m certas á reas , os grandesherbívoros pleistocenos parecem ter sido o ú n i c o recurso natural amplamente d i sponíve l (para os que

dispusessem das t é cn i ca s adequadas), ou pelo menoseram um recurso tão abundante que chegava a inibira exploração de outros tipos poss íve is de alimentos,devido à alta produtividade da c aça especializada.E m outras reg iões americanas, p o r é m , uma tal espec ia l ização seria imposs íve l ou pouco produtiva. Assim, em Tehuacan, durante a fase que os a rqueólogos chamaram "Ajuereado" (10000-7200 a. C. ) , o

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modo de vida pode ser classificado como baseadosobretudo na coleta de plantas e animais e não nacaça especializada, embora o grupo ali residente dispusesse de pontas de projét i l e sem dúvida tambémcaçasse .

Devemos, pois, imaginar dois conjuntos pan-continentais de complexõ^Kt i cos , refletindo dois mo-dos de j j i d a bás icos (caça e coleta generalizadas por

^um j^dò7~caça_es^e3al jzada por outro lado), mas

evidentemente sob mútua inf luência . E m particular,os grupos dedicados ao modo de vida menos especializado — provavelmente mais antigo — em muitoscasos adotaram uma tecnologia mais avançada doque aquela de que dispunham no passado.

O MesolíticoC O _ j i m do_úl t imo per íodo glaciar, marcando o

in íc io da t rans ição entre o Pleistoceno e o Holocenoou per íodo geológico atual, c o m e ç o u na Amér i cac õ m j l r a s o em re lação à E u r o p a , entre 8800 e 7 000a. C . Por volta de 6000 a. C , comple fôu - se a retirada das geleiras e abriu-se uma fase quente e secaque se prolongou até 3000 a. C . Aproximadamenteem 2500 a. C , a s i tuação c l imát ica se tornou muitosemelhante à atual. O j j j x e L d a m a r, com a retiradadas__grandes geleiras continentais, subiu gradualmente a t é 3 0 0 0 a . C . , terminando 5 ^ c o b r i r á s plata-fórmas continentais, nas quais suB|iu um ambiente

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propíc io à mu l t i p l i c ação de moluscos, c rus táceos epeixes, em zonas marinhas mais rasas (antes, durante o auge da g l ac i ação , passava-se abruptamentedo litoral a grandes profundidades marinhas, estando a plataforma continental a descoberto). A fauna t ípica do Pleistoceno sofreu um lento processo deex t inção , posterior ao europeu. T a l processo já iaavançado por volta de 7 000 a. C . (embora na regiãocosteira do Rio Grande do Sul vivessem megatér ios ,cavalos fósse is , mastodontes e outros mamí fe ros doPleistoceno em 5000 a. C , e por mais que aindahouvesse mastodontes no Ohio , Michigan e Indianaem 3500 a. C ) . A flora t a m b é m se modificou, lentamas radicalmente, em muitas regiões.

Evidentemente, todas estas transfoxniações—teriam por forca Que suscitar m u d a n ç a s de peso_nom õ d o d e v i ^ ^ dos habi-l £h i e í f< l<M^foram r^pjentinaSjrnas^^«e r t a s~z«nas_da^Unér i ç4^ E m termos globais, p o r é m , não há dúv ida de que a grandecaça especializada recuou entre 7000 e 3000 a. C ,em favor de uma diversif icação e reg ional ização cres

centes dos modos de vida e das culturas p ré-h is tó-ricas, reveladas pelo registro a rqueo lóg i co . Nisto oMeso l í t i co americano se parece com o da Eu ropa ,embora o mesmo n ão ocorra no plano das tipologiasde artefatos (os "microlitos" típicos do Mesol í t icoeuropeu só apareceram, depois de 5000 a. C , nasregiões ár t icas da A mér i ca ) .

À s modalidades de subs is tênc ia que já existiam

América Pré-Colombiana 2 9

anteriormente, e que se mantiveram em certas regiões , com mod i f i cações — coleta e c aça generalizadas; c aça especializada —, outras vêm juntar-se:exp lo ração especializada de moluscos e outros recursos marinhos, pesca marinha ou fluvial, coleta vegetal especializada, etc. Por outro lado, a não ser omodelo ár t ico baseado na c aça de mam íferos mar inhos e na pesca, muito especializado por razões liga-das a um meio ambiente peculiar, os diversos modos

de subsistir t a m b é m se misturaram em muitos casose em graus diversos./ / O velho modo de vida baseado na caça e coleta

generalizadas se manteve sobretudo em reg iões debosques. Tratava-se de combinar um grande n ú m e r ode alimentos selvagens vegetais e animais, procurando a garantia de uma dieta suficiente e equilibrada ao longo das diversas e s t ações do ano.' 1

A caça especializada desenvolveu-se nos plana ltos do C a n a d á , antes cobertos pelas geleiras, masagora por prados; continuou predominando até maisou menos 5 000 a. C . em vastas reg iões canadenses edos Estados Unidos e M é x i c o atuais, até que a desert i f icação a tornou imposs íve l no sudoeste norte-americano e em partes do M é x i c o . Mas na Pa tagônia ,por exemplo, continuou existindo até a chegada doseuropeus.

/ / A exploração especializada de recursos aquáticos deu lugar a modos de vida variados, baseadosna pesca marinha e fluvial (pesca do s a l m ã o no rioC o l ú m b i a , pesca marinha na costa do Peru e doChi le , etc.)} r e na coleta de moluscos, responsável

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pela f o rmação de "restos de cozinha'* que, amon-toando-se, formaram os sambaquis em muitas regiões costeiras do Atlântico e do Pacíf ico, tanto naparte norte quanto na meridional do continente. A lguns sambaquis s ã o bastante antigos, com 9000 anosou mais, enquanto a pesca especializada parece sermais recente (estabelece-se entre 5 000 e 4 000 anosatrás, e às vezes bem mais tarde).

A coleta vegetal especializada caracterizou diver

sas partes do Méx ico e o sudoeste dos Estados Un idos, a lém de uma po rção da zona andina centro-meridional da Amér ica do Sul . E m certos casos,surgem no registro a rqueológico moendas de pedra et a m b é m os indícios dos p r imórdios da agricultura.

Por fim, temos o modo de vida dos esquimós, ouárt ico, baseado na c a ç a do caribu e de mamíferosmarinhos e na pesca.

A arqueologia reflete a grande variedade dasmodalidades de subsistência — muitas das quaiscontinuaram vigentes em certas regiões americanasa té a conquista ou mesmo até hoje — e t a m b é m adiversificação e regionalização já mencionadas doscomplexos l í t icos, sinal de uma crescente estabili

zação de dados grupos humanos em regiões delimitadas.

A organização socialdos grupos humanos pré-agrícolasOs ant ropólogos e a rqueólogos neo-evolucionis-

América Pré-Colombiana 31

tas norte-americanos, adaptando o esquema de L . H .Morgan para adequá- lo às descobertas da etnologia eda arqueologia nos ú l t imos cem anos, abandonarama noção de^jorda pnmitiva ,t j)ara a caracterizaçãodos grupos de caçadores e coletores, suJ>stituindo-apèTã~de"bando*'.

TJñTbando é sobretudo uma associação residencial de famílias nucleares ou restritas, segundo ums is temaexogâmicc^évi r i íoca íHos homens _3eum ban

do devem buscar esposas_em outros bandos, e estasvêm residir no bando dos maridos). O fundamentoeconómico do bando é a divisão do trabalho segundoosexo, sendo a c a ç a uma, atividade mascai" * ( p

cooperativa) e a Cj3letar-uma-^jvid^e^mm4na.4eimiividual). Os direitos de uso sobre os territórios dec a ç a e coleta são coletivosi. O produto da c a ç a sofreum processo de redistr ibuição imediata, de circulação ins tantânea , segundo regras de reciprocidade,de tal forma que todo membro do bando se beneficia(em maior ou menor grau) com cada animal abatidoe, no conjunto, cada família recebe uma quantidadeequivalente. Já o produto da coleta (vegetais, pequenos animais) se destina em princípio a cada fam í l ia .

Os caçadores cooperam entre si. Notou-se que umbando gira, numericamente, ao redor de vinte e cincopessoas na maioria dos casos, o que significa de seis aoito homens adultos formando um grupo de c aça . Osbandos correlacionados integram uma "tribo dia-letal", com umas quinhentas pessoas: a quantidadede indivíduos que, nesse nível técnico, podem manterum a identidade comum sem controle polí t ico institu-

Continuar daqui

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cionalizado (que inexiste: os bandos são anarquiasno sentido e t imo lóg i c o do termo),_atravès de r e laçõespessoais diretas suficientemente intensas e í n t im a s .O nomadismo, imp l í c i t o neste tipo de o rgan i zação ,obriga~a -reduzir ao^mín i mo os objetosJalDricados eusados. A Base social é o parentesco simples, sem odesenvolvimento de linhagens, genealogias longas e

•cuj tô de antepassados. Nã o há especialistas de tempocompleto (já_cme todos os adultos se devem dedicar à

.ob tenção de alimentos), mas pode haver algum com é r c i o entre bandos devido a uma d i s t r ibu ição desigual dos recursos naturais d i sponíve is para cadabando| Idade e sexo são os ún icos elementos de difer enc i ação social,j>ois o poder, baseado na in f luênc ia eno p res t íg io pessoais, não traz p r iv i lég ios , sendohorizontal, ocasional e t em por á r i o nas suas formasde ex i s tênc ia (assim j3ode_-haver o chefe de umac a ç a d a , u m j m g i ã o que dirige o culto por conhecermelhoro ritual.» etc.).

"5jrà "arqueologia do Novo Mundo mostrou que,como em outras partes do globo, o habitat dos c aç adores- coletores p ré -h is tór icos alterna com f requênc iaa con cen t r ação em macrobandos, ocupando acampa

mentos maiores, nos p e r í od os do ano em que a subs i s tênc ia , mais abundante, é obtida mais facilmente,com a d i spe r s ão em microbandos durante os mesesmais d i f í c e i s ^ "

Q ue dizer sobre o modo de p rod uçãou áo j j ^ça ^_dores-co le tores IÊA noção de "bando" satisfaz certosrequisitos para uma descr ição empír ica e uma classif icação social em c o m p a r a ç ã o com outros tipos, o

América Pré-Colombiana 3 3

que pode ser út i l ; mas d i f íc i lmente pode servir debase para,a cons t rução de um modo de p r o d u ç ã oespec í f i co / (houve , po rém, tentativas nesse sentido:cf. por exemplo Jean-Claude Will ame, "Recherchessu r les modes de production cynégé t i que et ligna-ger", in L 'Homme et la Société, n? 19, j ane i ro -marçode 1971, pp. 101-119). Por outro lado, o esquematradicional marxista , com sua "horda primitiva"' eseu "comunismo primitivo" (ou "comunidade primi

tiva"), que no fundo inclui sociedades profundamente h e t e rogéneas sob uma etiqueta ú n i c a , exigeuma rev isão urgente. Até agora, p o r é m , não podemos dizer que os resultados da d i scussão desenvolvida nas ú l t imas décadas nesse sentido sejam satisfat ó r i o s ^

casos f avoráve is , guando a c aça abundantedw grandes animais ou a pesca ou coÍê ta*espêc ia l i -zadas permitem o surgimento de um excedente eco-n ô m i c o ac ima do consumo imediato, é poss íve l , mes-mo em sociedades p r é - ag r í co l a s , o surgimento dao rgàmzacJo jQ iba l , mais complexa do que a dos bandos. Como, no entanto, a g ene ra l i z ação das sociedades tribais se dá principalmente com a d i f u são da

agricultura, deixaremos para mencionar adiante ascarac te r í s t icas desta forma de o rgan i zação social.

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SOCIEDADESAGRICOLAS PRÊ-URBANAS

A "revolução neolítica'' e sua difusão' A n o ç ã o de uma "revolução neolí t ica", enten

dida como um conjunto vinculado de invenções —domes t i cação de plantas e animais, cerâmica , polimento da pedra, tecelagem —, significando principalmente a t rans ição de grupos humanos da s i tuaçãode predadores da natureza à de produtores, foi popularizada há meio s écu lo pelo grande a rqueólogo aus

traliano V, Cordon Childe (ver, por exemplo, O Homem Faz-se a Si Próprio, L i sboa , E d . Cosmos, 1947,p p . 97-142). te verdade que tal autor tinha plenaconsciência de que algumas dessas invenções puderam preceder o Neol í t ico pleno, embora só em tempos neolí t icos encontremos a sua v inculação coerentenum tipo dado de sociedade e em novas possibilidades abertas aos grupos humanos (sedentarismo,

América Pré-Colombiana 35

surgimento de aldeias e da organização tr ibal avançada, produção de um excedente a lém do consumoimediato, etc.)/

Hoje, a noção de "revolução neolí t ica", sem serabandonadaTsofreu diversos ataques que pelo menos

1areflativizar am . ~~Em primeiro lugar, tal expressãopode dar a ideia deaTgó rápido e "explosivo", quando na verdade se estendeu por mi lénios , coisa que éainda mais verdadeira na A m è n c a . ^ o r exemplo, em

Tamaulipas (nordeste do M é x i c o atual), entre o V I I eo I mi l én io a . C , a proporção das plantas cultivadasna a l imentação passou de 5 para 5 0 % / E indubitável , porém, que, se recolocarmos as t ransformaçõesneolí t icas na perspectiva temporal global da pré-his-tória humana, elas parecerão rapidíss imas comparadas com os dois mi lhões de anos (pelo menos) doPaleolí t ico, muito menos ricos — salvo na sua faseterminal (Paleolí t ico Superior, Mesolí t ico) — eminvenções e m u d a n ç a s radicais do que os escassosmilénios do Neol í t ico . Por oujxo__la_do, atualmentees tá demonstrado pela arqueologia que n ão há vincul ação necessária entre as invenções neol í t icas (nem aonível de seu aparecimento, nem'He sua d i fusão a

outros graposklembora seja verdade que os gruposhumanos que se^ desenvolveram mais foram os que asreuniram todasjs. Assim, a cerâmica pode preceder aagricultura (como talvez haja acontecido em algumasregiões costeiras do Mar dás Cara íbas) ; ou, pelocontrár io , pode ocorrer uma longa fase agrícola pré-ceramica (como na Meso-Amér ica e^jajcosta doP e n i K ^ a r e g i ã o dos Grandes Lagos norte-ameri-

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canos, grupos de caçadores usavam já instrumentosde metal (cobre martelado) no I I milenio a. C . Apresença de machadinhas de pedra polida es tá tamb ém demonstrada entre grupos não agr ícolas /Ma s éigualmente certo, por exemplo, que a cerâmica"so~sedesenvolve plenamente entre grupos sedentarios,sendo frágil demais para ser transportada constantemente sem perigo ou mcôm odo; a l ém do que, sendou m a das suas utilidades bás icas a de guardar coisas.^^ gír o qiie- sft jfl majfl titíl para_ j«j«ftriarie.s que dis:põem de estoques e excedentes para armazenar (coisa muito mais frequente entre agricultores do queenfrejcáçadores, pescadores e coletores).

~i Àcreditava-se no passado ter existido um só focode desenvolvimento da agricultura e da criação,situado no Oriente P róx imo , do qual tais atividadesprogressivamente se estenderam, ganhando outrosambientes aos quais se adaptaram através da domest icação de novas espécies vegetais e animais,/ Agoraacredita-se na pluralidade de focos da "revoluçãoneolí t ica . Ernjoart icular, é hoje bastante difundidaa opinião de ter ocorrido uma invenção da agricultura na Am ér ica , independentemente do Vel ho Mundo, embora haja alguns problemas ligados à origembotânica de certas plantas e à prioridade geográficade sua domes t i cação. Assim, a mais antiga das espécies vegetais domesticadas no continente americano,a cãb^iÇ(Lagenaria siceraria), não tem um antepassado selvagem na Am ér ica — ou ainda nã o foi descoberto; a l ém dó mais, era cultivada tanto na periferiada Meso-Amér ica quanto no Sudeste Asiá t ico por

37

volta de 7 000 a. C . O a lgodão americano, pertencentea duas espécies distintas, parece resultar de hibridação de espécies selvagens americanas e do VelhoMundo. E o amendoin, t ípico da agricultura americana, t a m b é m parece ter sido encontrado em sítiosneolí t icos da China .

No caso da Amér ica , adomes t i ca ção de, plantasio i incomparavelmentemais rica do que a=de animajs_

> = = rqfflgá*pela ausênciarrmrfauna holocena americana,_de_gr^^^es mamí fe ros domes t i cáve i s ._De maneira

simplificada, p o d e m õ s 3 i s tm g u i r os seguintes focosdoNeol í ti co amer icano / l )} t 'Meso-Am ér ica , a partir de7000 a. C . aproximadamente, e tendo como domesticações principais o milho, o feijão, a pimenta, a cabaça , o cacau, uma espécie comestível de cão e o peru;2) à Zona Andina Central (onde s ó a costa foi realmen

t e estudada quanto às origens agrícolas), a partir demais ou menos 5 000 a. C . , com a batata, a quinoa, acabaça , o feijão, o lhama; 3) èm região e época aindanão-determinadas (talvez no noroeste da Amér ica doSul), foi domesticada a mandioca. As possíveis relações e permutas entre tais focos neolí t icos não são

conhecidas, embora ha ja especulações pouco fundamentadas a respeito.Sempre em forma simplificada, podemos dizer

que o Neol í t ico americano, ao difundir-se a partirdos seus focos, originou duas grandes tradições agrícolas: uma baseada na semeadura, colheita e armazenamento de grãos de cereais e leguminosas (milho,feijão, amaranto, quinoa); a outra, na p l an tação demudas, produzindo raízes e tubérculos (batata, man-

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dioca, aipim, batata-doce). A F ig . 2 mostra, por outrolado, à distr ibuição dos três principais complexosagrícolas americanos: o andino (no qual o milho tevedesenvolvimento maior só tàrEiamente, desempe-nhandoji batata um grande p a p e l ã o do predomíniodo milho; e aquele em que predominava a mandioca..Como a agricultura ganhou no continente americanomeios ambientes naturais e culturais variadíssimos,deu origem^a sistemas agrários muito heterogéneos,

que se escalonavam desde uma agricultura primitivae itinerante, praticada como atividade subsidiáriaextensiva de baixa tecnologia por grupos coletivistasque continuavam sendo basicamente caçadores-cole-tores, até uma agricultura sedentária, intensiva, tecnologicamente iftãis elaborada (por exemplo, utilizando a i rr igação), e com um esboço ao menos dodesenvolvimento da propriedade privada sobre aterra. Seja como for, a agricultura antiga do NovoMundo apresentava certas deficiências técnicasquando comparada globalmente à do Velho Mundo:uso exclusivo da enxada e de bastõe^jipnuffi^^Surasemear, ausência do arado (talvez por faltarem grandes animais domést icos capazes de puxá- lo ; o mesmo

fàtor explicaria t ambém o não-súrgimento de_xeí-culos com rodas); falta de uma associação intimaentre agriculturae criação de gado; não-desenvolvi-m^to dojiso abundante de rn^ais Para^cOnfêcc3B*oyinstrumentos agrícolas (tal.desenvolvimento foi tar-dio màTtmportante no Velho Mundo, sendo mui t í ssimo menos discernível na Am érica) .

Partindo dos focos de__seu descobrimento, o

América Pré-Colombiana

Fig. 2 — Os complexos agrícolas pré-colombianos. (Fonte:João Frank da Costa, Evolução Cultural da América Pré-Colombiana, Brasília, MEC, 1978, diante da p. 46.)

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conhecimento da agricultura se difundiu a boa partedo continente americano: 1) à partir da M e s o - A m érica , a porções não-meso-amer icanas do atual México e aos Estados Unidos — embora se discuta apossibilidade de umOteol í t ico jn j fependeníe*__porexemplo, no vale do Mississ ipi; 2) a partir do pontode origem da mandioca e da Zona Andina Cent ra l , àAmazonia e depois à região dos ríos Paraná e Paraguai;/^)a chamada "zona agrícola intermediária^',

que inclui as partes não -meso-amer i canas da Am ér icaCentral , as Antilhas e po rções da Amér ica do Sul , sofreu a influência conjugada de todos os focos iniciais.Esta d i fusão foi lenta: à bacia do Paraná-Paraguai ,por exemplo, a agricultura só chegou na segunda metade do I milenio de nossa era. O extremo meridionalda Amér ica do Sul não chegou a conhecê- la em tempos p ré-colombianos .

A descrição da dom es t icação de plantas e animais, não responde à difícil pergunta: por que foiempreendida? Há algumas décadas , quase todos ospré-historiadores tendiam, como Gordon Childe, ave r os inícios agrícolas como uma resposta às drásticas mudanças eco lóg icas e c l imát icas que marcaram a passagem do Pleistoceno ao Holoceno. Acontece, p o r é m , que alguns dos focos neolí t icos melhorconhecidos — o Oriente P róx imo e, na M e s o - A m érica, o vale mexicano de Tehuacan — s ã o justamenteregiões relativamente pouco afetadas por tais mudanças . Assim, novas h ipóteses se desenvolveram.U m dos principais escavadores do Neol í t ico do Oriente P róx imo , R. Braidwood, acredita numa causa

lidade cultural: o Neo l í t ico seria simplesmente a culminação de uma diferenciação e especia l ização culturais crescentes dos grupos humanos a fins da pré-história, e de um conhecimento cada vez mais profundo das plantas e animais existentes no habitat decada um desses grupos. L . Binford preferiu buscar aresposta numa p ressão demográf ica causada por imigração, incidindo negativamente em certas regiõessobre a disponibilidade adequada de recursos pré-agrícolas, surgindo en tão a agricultura como soluç ã o . Certos autores utilizam tal h ipótese em formamodificada, partindo de um crescimento vegetativoda população e não da im ig ração . Já K. Flanneryconsidera a passagem da vida n ó m a d e de caçadores-coletores à sedentár ia de agricultores estáveis comou m longo processo, marcado pelo fato de que certasplantas n ã o respondem às tentativas de domest icaçãocom qualquer efeito multiplicador drást ico sobre osrecursos disponíveis para a a l imentação, enquantooutras — como o milho —, ao serem domesticadas eaos poucos aperfe içoadas se le t ivãmente pela própriadomest icação (no caso do milho isto provocou muitonotável aumento das. espigas, por exemplo), permi

tem finalmente uma verdadeira " exp losão" , um aumento espetacular e exponencial dos recursos disponíveis . Para explicar o surgimento e desenvolvimentoda agricultura no vale de Tehuacan, J. T. Meyersfundiu as h ipóteses de Braidwood, Binford e F l annery num modelo ún ico . Po rém, trabalhando sobreuma região muito diferente — a costa central doPeru, onde os recursos terrestres eram complementa-

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dos por abundantes recursos mar í t imos, e que certa-mente sofreu m odif icações mais graves ao terminar oPleistoceno —, T. C . Patterson mostrou que tal modelo n ão é aplicável , sendo necessário elaborar outro.Assim, a ques tão das causas do surgimento da agricultura talvez tenha de receber respostas variadassegundo os casos, em função de circunstancias eambientes distintos.

Outro tema muito debatido é o da origem da

cerâmica no Novo Mundo. A mais antiga cerâmicaconhecida até agora no continente é a de Valdivia, nacosta do Equador, de excelente qualidade e datadade 3 200 a. C. ± 150. Os arqueólogos B. Meggers, J.C . Evans e E . Es t rada , baseando-se na semelhançacom a cerâmica do per íodo Jomon méd io do Japão, eem ser difícil explicar de outro modo o aparecimentosúbi to de cerâmica de tão boa qualidade, defendemuma origem por contato asiático transpacífico, pontodos mais discutidos. C ó m o no caso da agricultura —mas sem paralelismo necessário com esta —, a difusão da cerâmica foi processo longo que n ã o chegou ase completar em tempos pré-colombianos . Na Meso-Amér ica a mais antiga cerâmica conhecida é da segunda metade do I I I mi lénio a. C. (Puerto Marquez,2440 a. C ) . No Peru, a cerâmica é bem tardia: aproximadamente 1750 a. C . No caso do que é hoje oBrasil , a A m a z ó n i a a conheceu muito antes dasregiões mais ao sul, onde a sua difusão ainda continuava na época do descobrimento.

América Pré-Colombiana 43

A diversificação culturaldos grupos agrícolas pré-urbanos

A o terminar a era pré-colombiana, em fins doséculo X V de nossa era, Pierre Chaunu propõe distinguir, quanto à agricultura e ao povoamento, trêsáreas no continente americano:

l)^AJma primeira região de pequena ex tensão (2milhões de km 2 , 5% da superfície do continente) ealta densidade demográfica (continha 90% da população total da América pré-colombiana) : a i lha hojepartilhada pelo Hai t i e pela Repúbl ica Dominicana,os planaltos centrais do Méx ico , talvez uma parte dazona maia, a região dos chibchas da Colômbia , o setorquíchua-a imará dos Andes centrais. Es ta regiãoapresentava uma densidade m é d i a de 35 a 40 habitantes por km 2 , permitida pela agricultura intensivados tubérculos , na ilha; principalmente do milho naMeso-Amér ica ; da batata e do milho, nos Andes,incluindo as técnicas v em certos casos, a irrigação e acultura, em t e r r aço s . /

, 2)y Outra região, t am bém de uns 2 mi lhões dek m , a das planícies e planaltos maias, com umaagricultura do milho baseada no sistema de coivara,apresentava densidades de 2 a 5 habitantes por km 2 .Certas po rções do sudoeste norte-americano (NovoMéxico , Arizona) haviam conhecido uma densidadecomparável no passado, mas a partir de fins do século X I I I d. C . as superfícies cultivadas d iminuíram,engolidas pelo deserto que avançava.

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3) No resto do continente — 35 m i l h õ e s de km 2 ,ou 90% da super f íc ie da A m é r i c a — , a coleta, a c a ç ae a pesca, e quando muito uma agricultura bemprimitiva, só permitiam densidades í n f ima s e modosde vida n ó m a d e s .

Es t a s i t uação constitui o ponto terminal e aexp re s são de um longo processo de d i fe renc iaçãocultural que podemos considerar definitivamente in iciado quando, talvez por volta de 2000 a . C . na

M e s o - A m é r i c a , e de 1500 a. C . nos Andes centrais ,generalizou-se o habitat baseado em aldeias sedent á r ias , possibilitado por uma agricultura e s táve l ealtamente produtiva. Foi-se formando, assim, a difer ença entre o que os a r q u e ó l o g o s chamam de " á r eanuclear" (cultural e demograficamente) da Amér i cap r é - c o l o m b i a n a , e as "cul turas marginais": marginais segundo o duplo cr i tér io de serem menos desenvolvidas t é cn i ca e economicamente ( c a r ac t e r i z á ndose, devido a isto, por um peso d emográ f i co muitomenor) e de receberem por d i f u sã o muitos elementosculturais da " á r e a nuclear" cons t i t u í d a pela Meso-A m é r i c a e pelos Andes centrais.

Deixaremos para o p róx imo cap í t u l o a exposiçã o do processo que conduziu, na M e s o -A m é r i c a en a Zona Andina Cent ra l , às "altas culturas" americanas, com sua u r b a n i z a ç ã o e seus Estados organizados.

Mencionaremos agora alguns exemplos de sociedades que, sem atingirem a etapa das cidades e dosEstados, mesmo assim exibiram complexos culturaisbastante a v a n ç a d o s , com e s b o ç o s já claros de hierar-

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q u i z a ç ã o soc ial e a ex i s t ênc i a de um artesanato especializado de boa qualidade. A arqueologia permitedetectar tais t raços a t ravés dos enterros — que manifestam j á clara difer encia ção social, por exemplo, nacultura a l d e ã de Tlatilco, no M é x i c o central (I m i l énio a. C.) — e da p r e sença de centros cerimoniais.Estes ú l t i m o s são conjuntos de ed i f íc ios que serviamde ponto de r eun i ão , centro religioso e comercial,permanente ou ocasionalmente, a um conjunto de

aldeias dispersas, ligadas por algum tipo de confeder a ç ã o ou chefia, e que uniram seus e s forços paraconstruir o centro cerimonial. Em certas partes daA m é r i c a , este precedeu a cidade e pode t ê - la prepa-.rado (não necessariamente, p o r é m ) ; em outras, representou o s í m b o l o do ponto m á x i m o localmenteatingido pela cultura em tempos p r é - co lomb ianos .

E n t r e as numerosas sociedades, p r é -u rbanas daA m é r i c a que já apresentavam cons ideráve l complexidade cultural citemos como exemplos: as culturas pue-Blqâo sudoeste dos atuais Estados Unidos , com apogeu entre 1100 e 1300 a. D. ; diversas culturas do noroeste argentino (Zona Andina Meridional), principalmente na sua fase tardia (850-1480 a. D. ) ; diferentes grupos da parte da Am ér i ca Cen t ra l não -pe r t en -cente à M e s o - A m é r i c a (mencionemos o centro cerimonial de Guayabo de Tu r r i a l ba , no que é hoje a CostaR i c a , cujo apogeu se deu entre 800 e 1300 a. D.); asculturas chibcha e de San Agustin (esta com sua fasefinal ou "epigonal" entre os s é c u l o s V I e X I I d. C . ) d aatual Co lômb ia .

A cultura chibcha ou m u í s c a quase não deixou

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r e s to sa rquep lóg i cos de tipo arquitetural, mas é relativamente bem c o n h e c i d ã ^ p o F t é r sido descrita porcronistas e spanhó i s . Desenvolveu-se nas savanas dosrios B o g o t á(e Chicamocho, a mais de dois mil metrosde a ltu ra. E ra politicamente um a confederaçã o t r ibalcom dois chefes supremos, o Z ipa de B o g o t á e oZaque de Tunja . Havia chefes menores, constantemente em guerra uns com os outros. O Z ipa e oZaque eram chefes de caráter polí t i co-sac erdota l ,heredi tá r ios segundo uma linha de sucess ão matri l i -near (o herdeiro sendo o filho da i rmã do chefe). Aagricultura, o artesanato e o comérc io apresentavamdesenvolvimento considerável . Havia feiras nos povoados. Trocavam-se com os povos vizinhos as produções locais — tecidos de a l godão , sal, esmeraldas=p por ouro e outros artigos. O trabalho dos metais— ouro, cobre e a liga chamada tumbaga — erabastante desenvolvido, em particular a ourivesaria. Arel igião ainda continha t raços importantes dos cultostribais de fecundidade. Exis t iam templos a deusescomo o criador (Ch imin igágua ) , o Sol, a L u a , o deusprotetor dos comerciantes. Os mitos mencionavamum heró i civilizador, Bochica. O culto inc lu ía a imol a ção de adolescentes estrangeiros, que deviam atuarcomo in te rmediár ios entre os chibchas e o Sol, sendosacrificados com facas de bambu em lugares altos.O s grupos sacerdotal e mercantil eram bem diferenciados.

A cultura chibcha nada tem de excepcional:como ela, mu i t í s s imas outras de t raços similares eníve l comparável de desenvolvimento existiram em

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diversas partes do continente. P o r é m , só aquelas par a as quais, como é o caso dos chibchas, pos su ímostestemunhos escritos devido ao seu ca rá te r tardiopodem ser conhecidas em algum detalhe, já que aarqueologia não permite descer a pormenores das.estruturas poli tico-sociais e intelectuais, pela próprianatureza cfas fontes que pode descobrir.

A organização econômico-socialdos agricultores pré-urbanos

N a tipologia neo-evolucionista, os grupos, agrícolas p ré-urbanos caracterizam dois tipos de organização social , a tribo e a chefia.

A s tribos sã o sociedades segmentarias, ou seja,subdivididas em unidades sociais cujo grau de integração é tanto maior quanto menores sejam: gruposmultifamiliares (aldeias, linhagens), que exploramuma á r ea de recursos comuns e formam unidadesresidenciais, por sua vez compreendendo famíl iasnucleares (formadas por um casal e seus filhos solteiros, embora possa haver t a m b é m formas de poligamia) que são as cé lu las fundamentais da estruturasocial. As re lações de parentesco têm um carátermultifuncional, isto é, funcionam ao mesmo tempocomo re lações económicas , po l í t icas e ideológicas .

A s sociedades tribais a ldeãs conhecem a propriedade coletiva sobre os meios de p rodução . Um ouvár ios ind iv íduos são os depos i tá r ios desta propriedade em nome do grupo. A red is t r ibu ição (que supõe

Ler isso como complemento

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a existência de excedentes) se dá através das prestações de bens e serviços dos mais jovens aos maisvelhos, e dos dons destes aos primeiros. Existe umpoder permanente, não de caráter pessoal, mas ligado a funções exercidas, legitimado pela ideologiacujo núcleo é o culto dos antepassados. Os "maisvelhos" (chefes de linhagens, adultos iniciados quépassaram por certas provas, etc.) detêm um monopólio sobre a apropriação do saber necessário à reprodução do grupo e sobre certos bens aos quais seliga prestígio (escravos, artigos que servem à aquisição de esposas, etc.), os quais se trocam só entreiniciados. Não há propriamente exploração, pois os"mais jovens" terminam recebendo uma espo sadainiciação que lhes permite libertar-se da tutela JÍQS"mais velhos" e criar por sua vez um a rede de dependentes. Além disto, para manter a sua autoridade, os"mais velhos" às vezes devem praticar dons ostenta-tórios, mostrar-se generosos, o que inclusive podelevar a destruições rituais de bens (em banquetes,por exemplo). Embora não exista exploração declasse, certos autores (como C . Meillassoux) cha mama atenção sobre a exploração dos jovens (passageira)e das mulheres (irrevogável) nas sociedades baseadas

em linhagens.

As chefias surgem quando há uma hierarquia deprestígio entre linhagens, chegando a ser hereditárionuma delas o cargo de chefe. Ainda não há umaestratificação em classes sociais e a sociedade aindase baseia no parentesco. Porém, o chefe, como redistribuidor dos bens que concentra, pode manter uma

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corte, o que abre caminho a um artesanato especializado de alta qualidade, ligado aos hábitos suntuarios, à construção de edificações importantes, etc.Algumas chefias incluem numerosas tribos e aldeias,formando às vezes confederações, no interior dasquais há uma hierarquia que vai do chefe supremoaos chefes menores.

Acontece com as noções de tribo e chefia o mesmo que já havíamos notado para a de bando: são

designações resultantes de uma comparação empírica entre sociedades no fundo muito heterogéneas,havendo mais interesse, ao estabelecê-las, em ressaltar as semelhanças do que em explicar as diferenças.Por isto, o seu valor é mais classificatório e descritivodo que explicativo e teórico.

A explicação marxista tradicional a respeito dassociedades tribais pré-urbanas baseia-se na noção de"comunidade primitiva". Fo i elaborada em primeirolugar por F . Engels, a partir dos trabalhos de L .Morgan. Segundo tal interpretação, à horda primitiva sucedeu o regime de clãs. A produtividade dotrabalho, elevando-se, tornou possível a associaçãodos homens em grupos menores e mais estáveis doque as hordas iniciais de que provinham. Tais grupos, os clãs, permanecem, porém, em contato com orestante da coletividade maior de que procedem: osclãs derivados de uma mesma horda consideram-seaparentados. O casamento dentro do mesmo clã vema ser proibido e os matrimónios passam a ser contraídos com membros de outros clãs derivados da mesmahorda. O casamento, exogâmico no clã, mas endogâ-

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mico na tribo, não é ainda individual, e sim porgrupos (todas as mulheres de certos clãs são esposasde todos os homens de outros). Nessa primeira etapa,o regime de c l ã s é matriarcal, baseado no parentescopor linha materna (matrilinearidade). Isto porque,no casamento por grupos, a paternidade não podese r estabelecida e a c r iança pertence ao clã materno.A mulher e o homem são en tão perfeitamente iguaisdo ponto de vista sócio-econômico. Com o início da

agricultura, ela atinge mesmo a supremacia, pois sededicava a esta e dirigia a comunidade (velhos, crianças) enquanto o homem estava quase sempre ausente, c a ç a n d o ou guerreando.

A transformação da agricultura e da criação nasatividades económicas principais, e do homem empastor e agricultor, d ão a ele a primazia, relegando amulher a segundo plano na economia e na sociedade.O cl ã torna-se patrilinear (baseado no parentesco porlinha paterna) e passa-se ao sistema do casamentopatrilocal: a mulher, ao casar-se, passa a pertencerao cl ã do marido, enquanto na fase anterior o casamento era matrilocal. O casamento por grupos desaparece, cedendo o lugar aos casais estáveis.

Finalmente, o progresso técnico, passando apermitir que uma famíl ia restrita (o casal e seusfilhos) assegure a sua subs is tência apenas com o seutrabalho, abre, junto com outros fatores, o processode desagregação dos c lãs , do surgimento da propriedade privada, das diferenças de classe e do Estado.

As crí t icas feitas à interpretação acima se avolumaram com descobertas e tnológicas e arqueológicas

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que mostraram sua fragilidade em muitos aspectos.Assim, e principalmente, o casamento de grupos, anoção de matriarcado, a ideia de uma anterioridadeda matrilocalidade sobre a patrilocalidade, etc. sãorejeitados decididamente, com base em sólida argumentação , pela grande maioria dos an t ropólogosnão-pertencentes aos pa íses socialistas. É t ambémverdade que, apesar dos esforços e descobertas importantes dos a rqueólogos e etnólogos soviéticos, no

domín io dá interpretação dos dados colhidos eles seprendiam até bem pouco tempe* de maneira excessivaaos escritos dos fundadores do marxismo, com grande risco de se tornarem estreitos e dogmát icos emsuas posições.

Recentemente, várias tentativas foram feitas nosentido de construir um novo tipo de teoria destassociedades. Para M . Godelier, elas constituem dé fatoum campo he terogéneo de estudos, onde vários modos de produção poderiam e deveriam ser detectados. Outros autores — M. Sahlins, C. Meillassoux— propuseram o conceito de "modo de produçãodomés t i co" , ou "modo de p rodução de linhagens"(P. -P. Rey). A e laboração mais ¡acabada parece ser ade Meillassoux (ver Mujeres, graneros y capitales,M é x i c o , Siglo X X I , 1977, pp. 13-127). Contudo, taisestudos ainda n ã o chegaram a resultados plenamentesatisfatórios, sendo necessário o prosseguimento dosesforços teóricos e de pesquisa.

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10) os a r t e s ãos se tornam especialistas de tempocompleto, devido à disponibilidade co n t í nua de ma-t é r ia -pr ima.

Os soc ió logos que trataram do f e n ó m e n o urbanoinsistiram em c r i t é r ios variados de def in ição da cidade: o mercado (M. Weber), a heterogeneidadesocial, as r e l a ções impessoais e o anonimato, a divis ã o do trabalho... P a r a o historiador, "cidade" é umtermo cujas c o n o t a ç õ e s são var iáve is segundo os am

bientes naturais e cul turais , as sociedades e as é p ocas . O fato urbano é d i n â m i c o , evolui com o tempo,o lugar, o n íve l das fo rças produtivas, e se define poro p o s i ç ã o a estruturas rurais que são t a m b é m v a r iáveis.

Jorge Hardoy afirma que, na Am ér i ca p r é - c o -lombiana, uma cidade era uma a g l o m e r a ç ã o com asseguintes ca rac te r í s t icas e f un çõ es :

1) extensa e bem povoada para sua é p o c a ereg ião ;

2) um estabelecimento permanente;3) com uma densidade m í n i m a para sua é p o c a

e r eg ião ;4) com cons t ru ções urbanas e um t r a ç a do ur

bano indicado por ruas e e s p a ç o s urbanos r e co nhec íveis;

5) um lugar onde as pessoas residiam e trabalhavam;

6) possuindo um m í n i m o de f u n ç õ e s especificamente urbanas: ser um mercado e/ou um centromilitar e/ou um centro po l í t i co-adminis t ra t ivo e/ouu m centro religioso e/ou um centro de atividades

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intelectuais, dotado das ins t i tu ições correspondentes;

7) heterogeneidade e d i fe renc iaç ão h ie rá rq uica da sociedade, com r e s i dênc i a urbana dos gruposdirigentes;

8) um centro de economia urbana para a suaé p o c a e r eg i ão , cuja p o p u l a ç ã o dependesse até certoponto da p rodução ag r í co la de pessoas que em formatotal ou parcial não viviam na cidade;

9) um centro de se rv iços para as localidadesvizinhas, de i r r ad i ação de um esquema de urbaniz a ç ã o , e de d i f u são de progressos t ecnológicos ;

10) com uma forma urba na de vida distinta deu m a forma de vida r u r a l ou semi-rural para a suaé p o c a e r eg ião .

Se exigirmos a p r e s e n ç a da totalidade destescri tér ios, foi Teotihuacan a primeira cidade meso-americana, pelo menos a partir de 100 a. D . NosAndes centrais, o urbanismo surgiu primeiro em suap o r ç ã o meridional (talvez no sécu lo II a. C ) , antesde generalizar-se ao conjunto dessa r eg i ão cultural.E m suma: o f e n ó m e n o urbano se manifestou naAm ér i ca vá r i os m i l én io s depois de haver surgido pio

neiramente no Oriente P r ó x i m o .Chamemos a a t e n ç ã o para o fato de que, exata-mente como aconteceu no caso do Oriente P r ó x i m o ,as tentativas para vincular o surgimento de cidades eEstados organizados na A m é r i c a à agricultura deregadio, devido a que a i r r igação em alta escalaexigiria um poder forte e organizado que controlasseobras cons ide r áve i s como diques, canais, represas,

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etc., não deram bom resultado. Um exemplo são aspesquisas neste sentido levadas a cabo no M é x i c o porA . Paler tn. Nã o apenas não conseguiu descobrir arqueologicamente sistemas realmente antigos de regadio, como t a m b é m constatou que o sistema de controle sobre a i r r igação , em tempos posteriores melhordocumentados, não era de tipo concentrado, e sim deorgan i zação local. Naturalmente, isto não exclui quea irr igação tenha sido elemento importante na consec u ç ã o de excedentes agr íco las para cidades e organizações estatais, mas enfraquece a h ipó t e se causal"h id ráu l i ca " derivada das ideias de K. Wittfogel.

Outro problema h i s tór ico muito discutido é o desaber se, no I m i l én io d. C , os maias — povo daMeso-Amér i ca r e sponsáve l por uma das mais br ilhantes c iv i l izações ind ígenas — cons t ru í ram cidades(em p e r íodo posterior, o mundo maia sofreu i n f l uência mexicana, e surgiram indubitavelmente centrosurbanos, embora não muito extensos). E s t a é a opin ião de S. Morley, que atribui caráter urbano às aglomerações maias, embora não se concentrassem emquar te i rões apertados, e sim estivessem dispersas emextensos s ubú rb io s e numa série de pequenas granj as . Os ed i f íc ios religiosos e púb l i cos , por outro lado,em lugar de se colocarem ao longo de ruas, formavam grupos em torno de p raças e p á t i o s . Outrosespecialistas, como T . Proskouriakoff e E . Thompson, negam que sejam cidades: tratar-se-ia simplesmente de centros cerimoniais que serviam a numerosas aldeias dispersas. Uma r a zão da falta de grandesag lomerações poderia ser uma agricultura relativa-

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mente primitiva mas adaptada à ecologia regional , eum clima marcado por secas longas, sendo dispersasas fontes de abastecimento de á g u a , não bastando osmeios elaborados pelos maias para a rmazená - l a parasustentar núc l eos muito extensos e concentrados depopu lação .

Sequências histórico-culturaisna Meso-América

A Meso-América

F o i em meados do I I m i l én io a. C . que tomouforma a zona cultural que chamamos M e s o - A m é r i c a .e que agora passaremos a delimitar e definir.

A s fronteiras méso -amer i canas foram variáveissegundo as épocas . De uma maneira geral, podemosconsiderar como meso-americanas as á reas de agricultura es táve l que ocupam a parte do M é x i c o situada ao sul dos desertos setentrionais, a Guatemalae Belize, a parte oeste de Honduras, E l Salvador, a,parte sudoeste da N ica rágua e a p en ínsu l a de Nicoyan a Costa R i c a . A fronteira norte foi particularmentevariável : por exemplo, em 900 a. D. avançaram oscaçadores-cole tores em detrimento da zona agrícola.

A M e s o - A m é r i c a apresentava as seguintes sub-reg iões : 1) Noroeste: culturas de Colima, Jalisco eNayarit; 2) Planalto mexicano: culturas de Teoti-huacan, tolteca e asteca; 3) Costa do Golfo do Mé-

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xico: cul turas olmeca, totonaca e huasteca; 4) Zo namaia: I uca t ã , Campeche, Tabasco, parte de Chiapase Quintana Roo (no M é x i c o ) , Guatemala, Belize,Honduras ocidental; 5) M é x i c o meridional (entre ovale do M é x i c o e a zona maia): c iv i l i zações zapotecae mis teca.

A s principais ca rac te r í s t icas culturais geralmente a t r i bu ída s à M e s o - A m é r ic a sao: 1) a agricultura baseada no b a s t ã o de semear e produzindo milho (preparado de maneiras peculiares: tortillas, tamales,

etc.), cacau e maguei como plantas mais e spec í f icas ;2) a p i r â m i d e escalonada ou em degraus, os pá t iosrecobertos de estuque, os jogos rituais com bolas deborracha; 3) o sistema n u m é r i c o vigesimal, os mesesde vinte dias, o calendario duplo solar e l i tú rg ico(lunar), os ciclos de 52 anos; 3) a existencia da escrita : hieróglifos maias, glifos do M é x i c o central (numerais, ca lendár ios , p ic tográf icos , ideográf icos e foné t i co s , sendo estes ú l t imo s s i l áb icos na sua maioriae apenas t rês a l fabé t icos ; a "leitura" dos c ód i c e s ou"livros de pintura s" er a complementada por textosmemorizados em escolas especiais); 4) outros elementos diversos, por exemplo, zarabatanas com pro-j é te i s de argila.

Do ponto de vista da h i s tó r i a e conó mic a , é maisinteressante a c lass i f icação dos sistemas ag r í co l a s emodalidades de povoamento proposta por Angel Pa -lerm.

A coivara consiste em plantar os g r ã os comajuda do b a s t ão de semear (huictli) numa clareiraganha à selva cortando as á rvores e queimando a

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vege t ação menor. Depois de um p e r í odo que variasegundo a qualidade do solo mas nunca é muitolongo, o rendimento c o m e ç a a diminuir, o que conduz ao abandono da terra plantada, para que sereconstitua o bosque e se regenere o solo; uma novaclareira deve e n t ã o ser conquistada à v ege t ação natura l . Este ciclo agr íco la , ca rac te r í s t ico das terras baixas tropicais, funciona bem se as terras forem abundantes e se se abrirem novas clareiras com regula

ridade. Ao aumentar demasiado a p o p u l a ç ã o , a press ã o sobre a terra pode ser solucionada pela m i g r a ç ã oou pela r e d u ç ã o do p e r í o d o de descanso e reconstit u i ç ão da floresta, mas isto provoca rendimentosdecrescentes. No sistema de pousio curto, 6 as maneira s de preparar e cultivar a terra não são diferentes,mas nas r eg iõe s de que se trata agora — terras altastemperadas ou subtropicais — é poss íve l reduzir op e r í o d o de descanso a dois ou t rês anos depois deu m a fase de cultura de igual d u r a ç ã o . E m certoscasos, paralelamente à clareira plantada de milho,cultiva-se uma horta de alto rendimento devido aouso de adubos (folhas, excrementos, detritos d o m é sticos, etc.). Este sistema abre a possibilidade de uma

p o p u l a ç ã o mais densa e implica a s eden t a r i z ação .Po r ú l t imo , o regadio; que permite culturas permanentes pela e l i m i n a ç ã o do pousio e uma maior densidade e concen t r ação demográ f i c a s : na M e s o - A m é -

(6) Chama-se pousio o sistema agrícola baseado em deixar descansar uma certa porção das terras cultiváveis enquanto outra porçãoé trabalhada, com o fito de permitir a recuperação da fertilidade.

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rica existiram sistemas de i r r igação por canais e porilhas flutuantes chamadas chinampas. E s t a s , utilizadas nos lagos do M é x i c o central, permitiam rendimentos prodigiosos (de 300 a 500% segundo Lópezde Gomara) ao usar plantas a q u á t i c a s , limo e excrementos como fertilizantes.

A p e r i o d i z a ç ã o habitual da h i s tó r ia meso-amer i cana em p ré -c láss ico ou formativo, c láss ico e pós-c l á s s i c o , proposta entre outros por G . Willey e P .Phillips, é inadequada por basear-se em um

cr i tér ioesteticista duvidoso; como decidir , por exemplo, demaneira objetiva, que a arte maia c láss ica é "melhor" do que a asteca pós -c láss ica? Reconhecemosem tal p e r i o d i z a ç ã o o ciclo organicista de tipo nasci-mento-desenvolvimento-morte (ou decadencia). P a r aa h i s tó r ia económica-soc ia l , nã o tem evidentementequalquer sentido.

A cultura olmeca e outras culturas contemporâneas(1200-1 a. C, aproximadamente)

Este p e r í o d o viu os in íc ios de uma hierarqui

z a ç ã o social v i s íve l : represen tação de personagenscom signos distintivos na arte olmeca, enterros luxuosos contrastando com outros simples em K a m i -naljuyu (Guatemala) e rio vale do M é x i c o (Tlatilco),etc. Inexistiam e n t ã o , p o r é m , verdadeiras cidades.Surgiram os primeiros centros cerimoniais meso-americanos, os quais de qualquer maneira s u p õ e mu m a agricultura suficiente p a r a que durante uma

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parte do ano bom n ú m e r o de pessoas se alimentassesem cultivar a terra, já que trabalhava em grandes c o n s t r u ç õ e s que exigiam superv i são , usando àsvezes materiais trazidos de longe. Apareceram nessa fase alguns dos t r aços essenciais da culturameso-americana: culto do jaguar (associado aodeus da chuva e/ou da Te r r a ) , centros cerimoniaisorientados, escrita e c a l e n d á r i o , formas primitivas dap i r â m i d e escalonada, jogo r i tual com bolas de borracha , etc.

O centro da cultura olmeca foi o sul de Veracruze o norte de Taba sco , na zona tropical do Golfo doM é x i c o : tal á rea central tem uns 18000km 2 e, segundo I . Berna l , na é p o c a do apogeu olmeca teriauns 350000 habitantes. O termo "olmecas" é t radicional mas falso: originalmente designava um grupoque vivia no sul de Veracruz em tempos h i s tó r icos enada tinha a ver com os monumentos antigos.

A . Caso chama a essa r eg ião de " M e s o p o t â m i ad a M e s o - A m é r i c a " , por ser muito irrigada por diversos rios; é t a m b é m chuvosa. A dieta se compunhasobretudo de milho, feijão e a b ó b o r a , produzidospela agricultura de coivara e ao longo das margens

dos rios, complementada possivelmente pela c a ç a epesca. Os trabalhos executados nos centros cerimoniais s u p õ e m uma o rg a n i z a ç ã o social relativamentehierarquizada, no n íve l de chefias e c o n f e d e r a ç õ e stribais. A h i p ó t e s e mais corrente é a do ca rá te r sacerdotal do grupo dominante, mas hoje alguns pensamque se tratava de senhores leigos e que l a culturaolmeca se difundiu por meio de uma classe de merca-

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dores armados que iam até a Costa R ica , principalmente em busca de jade. O fato é que as construçõessão todas religiosas e funerárias, como também o usoque se fazia dos produtos vindos de outras regiões(basalto, pedra serpentina, jade). No sítio principal,L a Venta, construído numa ilha, calculou-se queviviam 150 pessoas (o grupo dirigente com os seusservidores), graças a uns 18000 camponeses dependentes disseminados nos arredores. Muita mão-de -obra seria necessária para transportar 5 000 toneladas de serpentina e grandes quantidades de basalto(pela navegação fluvial) vindas de 250 a 900 km dedis tância , e para a construção e reconstrução doscentros cerimoniais.

Os centros olmecas mais importantes foram SanLorenzo (1200-900 a. C ) , L a Venta (1000-600 a. C. )e posteriormente Tres Zapotes. No conjunto, podemos datar a cultura olmeca entre 1200 a. C . e a épocade Cristo.

V- Q s olmecas não conheciam os metais; o jade erao minério mais precioso, e vinha de zonas distantes.Desenvolveram a escrita e o ca lendár io , emborapouco haja restado a respeito^ Sua cerâmica era de

m á qualidade, em contraste com a escultura monumental de pedra, muito bem feita. Muitos restosarqueológicos procedem de oferendas rituais, incluindo figurinhas de jade e peças de c e râmica . Nãoconstruíam estradas, usando os rios e trilhas naturais.

A zona de influência da cultura olmeca foi extensa. T a l influência, máxima entre 1200 e 900 a. C .

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("horizonte olmeca") foi diminuindo depois, em favor da proliferação de culturas locais mais ou menosau tónomas . Não sabemos até que ponto puderamdominar politicamente territórios situados fora doseu núcleo; o certo é que foi a primeira grande cultura que associou os recursos e tradições do planaltoe d a costa na M e s o - A m é r i ca . Pinturas olmecas foramachadas no Estado mexicano de Guerrero (centro-suldo Méx ico ) . Alguns afirmam que tiveram verdadei

ras "colónias" no vale do Méx ico . As suas rotascomerciais, passando por Chiapas e pelo sul da G u atemala, atingiam a Costa R ica . E m Oaxaca Méxicomeridional), a partir de 500 a. C , a fase MonteAlban I mostra influências olmecas (os relevos dos"dançar inos" e posteriormente um edifício com glifos; é verdade, po rém, que Monte Alban I conhece ai rr igação, uma arquitetura de pedra, escrita, calendário e religião mais desenvolvidos que os dos olmecas). A respeito da ampla influência olmeca, MiguelCovarrubias disse que "o estilo olmeca está ligado,de longe, mas palpavelmente, com a arte teotihua-cana mais antiga, com o estilo chamado totonaca (E lTajín), com as formas mais antigas da arte maia ecom os objetos zapotecas, os quais tendem a ser maisolmecas na medida em que sejam mais antigos". D aíque, para A. Caso, a cultura olmeca seja a "cultura-m ã e " da civilização meso-americana.

Mencionaremos agora outras culturas contemporâneas à olmeca.

. Nos arredores da cidade do M é x i c o , em Morelose em Guerrero, e com influências que atingem Co-

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lima, Jalisco e Naya r í t , desenvolveu-se desde mais oumenos 1000 a. C. o chamado estilo de Hatilco, comuma ce r âmica ca r ac t e r í s t i c a , figurinhas de mulher(cultos de fecundidade), m á s c a r a s de argila, fortei n f l uênc i a o lmecó ide (e, segundo alguns, t a m b é mas i á t i c a ) . Infelizmente é ma l conhecido em detalhe .Posteriormente, o vale do M é x i c o conheceu outrasculturas que são r e spon sáv e i s pela base escalonadade Tlapacoya e pela p i r â m i d e escalonada circularrevestida de ped ra e que t inha um templo no topo, deCuicuilco. Certos autores pretendem que o s í t io deCuicuilco nã o pode explicar-se se não houvesse jáu m a agricul tura altamente produtiva nas margenslacustres, ou a t r avé s de chinampas.

Na área maia, culturas formativas baseadas em.aldeias ag r í co l a s e no milho surgiram entre 1500 a.C e a é p oc a de Cristo. E m Ocos, no litoral pac í f icoda Guatemala, alguns autores vêem inf luênc ias as iáticas ( c e r â m i c a decorada com a impr e s são , de cordas) . Kaminafjuyu e Las C ha r ca s , no vale de Guatemala, apresentam uma c e r âm ica a vançad a e, comoTlatilco, sinais de e s t ra t i f icação social. No s é c u lo Va . C. surgiu na r eg ião guatemalteca de Peten a ce râ

mica de Mamom. O s í t io de Ti k a l foi ocupado desde600 a. C , e, entre 300 e 200 à. C , ali surgiramtemplos de tijolos cobertos de gesso; na mesma épo c atemos s an tuá r i o s em Uaxactun e Kaminaljuyu. Ospr inc íp ios da c iv i l i zação maia parecem haver recebido indiretamente a i n f l uênc i a olmeca por i n t e r médio da cultura de Izapa (em Chiapas, no sul doM é x i c o ) , situada ao longo da "rota do jade".

América Pré-Colombiana 6 5

As civilizações do I milénio d. C.

Este é o p e r í o d o que foi chamado " c l á s s i co" ou,com c r i t é r io ainda mais duvidoso, "florescimento dascidades t eoc r á t i c a s " . A sociedade tornou-se maiscomplexa e hierarquizada, acredita-se que a agricultura fez grandes progressos, ampliou-se o c o m é r c i o alonga d i s t ânc i a e enfim a M e s o - A m é r i ca entrou nosin íc ios da u r b a n i z a ç ã o . / P a r a esta fase contrasta a

suntuosidade do registro a rqueo lóg i co com a c a r ênc ia de fontes escritas, embora tenha ocorrido e n t ã o odesenvolvimento da escrita, da n u m e r a ç ã o e do cal endá r io , a l ém do de uma arte diversificada.

A primeira cidade meso-americana, Teotihua -can , situada num vale do planalto central mexicano anordeste da atual cidade do M é x i c o , surgiu a partirde quatro aldeias, entrando em fase claramente urbana por volta de 100 d. C . O a rqueó logo RenéM i l l ó n acredita que o seu apogeu populacional foiatingido entre 450 e 650 a. í ) . (85000 habitantes), eque a m á x i m a e x te n s ã o do terr i tór io urbanizado hajasido de uns 22 km 2 ; trata-se de cifras de peso para aé p o c a , n ão só no referente à A m é r i c a , mas ao mun

do/Co nsta va de um centro urbano planificado, contendo um imenso centro cerimonial com p i r â m i d e s eoutros edificios púb l i co s , pa l ác io s , zonas artesanaiscom ruas dedicadas a atividades especializadas, blocos residenciais, tudo isto organizado num sistemade quar te i rões quadrangulares (s ó os blocos residenciais eram uns 4000), avenidas, ruas e p r a ç a s , contrastando com o labirinto dós s ubú rb io s , que não

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eram planificados/ H av i a bairros de estrangeirosresidentes (maias, zapotecas).

' Va r í a s h ipó t e se s foram propostas p a r a explicaro surgimento e e x p a n s ã o de uma cidade de tais dim e n s õ e s , cujo planejamento e sucessivas modificaç õ e s exigiam um poder po l í t i co forte e bem estruturado. P. Armillas acredita que um sistema de agricultura de i r r igação , utilizando as á g u a s do rio SanJu an e o armazenamento das chuvas, forneceu a baseeconómica nece s sá r i a , mas A. Palerm não conseguiu

detectar os seus restos a rqueo lóg i co s . T . C. Pattersonpretendeu explicar a prosperidade de Teotihuacana i r avés do controle do c o m é r c i o e da t r a n s fo rmaç ã ode uma ma t é r i a -p r im a , a obsidiana, o que é simplista demais. Outros autores preferem enfatizar opapel de capita l religiosa e centro de p e r eg r i naçõe s deque a cidade indubitavelmente desfrutou durante séculos. Ta m b é m se defendeu a h i p ó t e s e de que teriadominado politicamente um grande i m p é r i o meso-americano, sustentar do-se com tributos. Isto se baseia em v í ncu lo s comerciais e e s t i l í s t i cos , arqueologicamente comprovados, com boa parte da Meso-Am éric a (Veracruz , Guer re ro , o istmo de Tehuante-pec, a Guatemala), e é no fundo i n c o m p a t í v e l com a

visão tradicional e idealizada de Teotihuacan comoc iv i l ização sacerdotal e pac í f ica (v i são que se temenfraquecido muito ultimamente). A cidade nuncafoi fortificada, mas isto pode refletir simplesmenteuma con f i ança arrogante na p róp r ia força .

A sociedade apresentava uma e s t ra t i f icação soc i a l avançada , com um grupo dominante diversifi-

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cado e com grupos profissionais especial izados eorganizados. F . K a t z acha poss íve l que já en t ãotenham surgido todos os grupos dominantes de cujaex i s t ênc i a temos provas em é p o c a s posteriores: umacasta de guerreiros tendendo à aristocracia heredit á r ia (o fato de serem pouco representados artisticamente não significa que não existiam), uma aristocracia t r ibal , sacerdotes, mercadores (entre os quaisse i n c lu í am algumas mulheres) e talvez um e s b o ç o deburocracia estatal em processo de formar-se comogrupo separado.

Teotihuacan necessitava obter ma t é r i a s -p r imasinexistentes na sua r eg ião — a l g o d ã o , cacau, plumas , jade —, e em troca exportava c e r â m i c a e objetos de obsidiana. A c e r â m i c a foi inclusive fabricadaem sé r ie , usando-se moldes. Exportava-se uma c e r âmica fina, que constratava com uma bem mais grosseira, não vendida no exterior ou usada, cerimonial-mente, e sim no dia-a-dia. Na verdade, tanto nac e r â m i c a quanto nos magn í f i co s afrescos policromados e outras mani fes tações a r t í s t i cas (arquitetura depedra, esculturas, m á s c a r a s de pedra) podem serdetectados vár ios estilos.

A re l ig ião contém todo o futuro p a n t e ã o mexicano, com e x c e ç ã o de Huitzilopochtli e Tezcatlipoca.Encontramos nas p o s i ç õ e s dominantes Que t za l cóa t l ,a serpente emplumada, e T l á loc , o deus-jaguar dachuva. Os mortos eram provavelmente cremados.

Teotihuacan foi d e s t ru ída e incendiada por voltade 750 a. D As h i pó t e se s a respeito variam desderevoltas camponesas internas até ataques externos,

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mas a verdade é que não há dados que apoiem qualquer das expl icações propostas.

No Méx ico meridional (Oaxaca) desenvolveu-seneste per íodo a civil ização zapoteca de Monte Alban,sobre cuja natureza — centro cerimonial apenas out a m b é m centro urbano — se discute. Sob influênciade Teotihuacan, surgiram edifícios em talude e murais pol ícromos. Estes ú l t imos foram encontrados emtumbas:, ao contrário da religião teotihuacana, a doszapotecas e^^mjnada~pelo culto funerário, comsuas grandes urnas an t ropomórf icas de cerâmica,muito decoradas. O sitio de Monte Alban se encon&aem lugar alto, que domina três vales, e consta deplataformas e p i r âmides organizadas em distintosníveis à volta de praças e esplanadas. Depois de 550a. D. , desaparece a influência de Teotihuacan. Cons-tata-se en tão algum influxo cultural maia; na suafase final, po rém, a civil ização zapoteca estava cadavez mais fechada e isolada. Monte Alban foi abandonado por volta de 950 a. D. (embora a sua cerâmicatípica continuasse sendo fabricada por vár ios séculos), ao ser Oaxaca invadida pelos mistecas. No casoda civil ização zapoteca, a arqueologia revelou semlugar a dúv idas restos de obras para o regadio agrícola.

Na região costeira do norte de Veracruz, encori-travam-se os centros de E l Ta j in e Taj in Chico (esteposterior ao primeiro), pertencentes à cultura toto-naca, cujo apogeu se deu entre 600 e 900 a. D . ,embora depois tenha continuado a existir até 1200 a.D . O edifício mais característ ico é uma p i râmide

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const ru ída com pedras claras e contendo mais detrezentos nichos. A arqueologia regional revelout a m b é m esculturas de formas peculiares, finamentelavradas em pedra dura (chamadas "jugos", "machados" e "palmas"). Influências est i l íst icas toto-nacas foram detectadas em Chiapas e na região doPacífico, até Honduras. Ta m b é m há provas de relações com Teotihuacan. Nesta região tropical, comsua agricultura de coivara, não se desenvolveu um

núcleo urbano ao redor dos centros cerimoniais.U m a das mais famosas civilizações meso-ameri

canas foi a maia, que ora atinge o apogeu nos seusprincipais centros de en tão: Tikal , Copan, Quiriguá,Piedras Negras, Uaxactun, Palenque, Yaxchilan,situados no sul do Méx ico (Chiapas, parte do Iuca-tã ) , na Guatemala e no oeste de Honduras. Os trêscentros principais — Palenque, Tika l e Copan —formam o chamado " tr iângulo maia c láss ico" , aoqual se atribui o maior refinamento artístico e acriação dos elementos mais característicos da civilização dos maias.

A base económica de tal civil ização — a agricul

tura do milho pelo sistema de coivara — não permitegrandes ag lomerações , embora nas zonas mais secasfossem usados depósi tos naturais (cenotes) e artificiais de água . Aparentemente, nos centros cerimoniais viviam o grupo dirigente e artesãos especializados apenas, enquanto à volta se disseminavam aldeias não-permanentes (já que a agricultura era itinerante). Já vimos que se discute o caráter urbano oun ão dos centros maias.

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N a in t e rp r e t açã o mais antiga, t a m b é m no casomaia se postulou o ca rá te r pac í f ico e sacerdotal destep e r í o d o . É verdade que o afresco de Bonampak(Chiapas) representa uma batalha, mas se argumenta que seria apenas uma e s c a r a m u ç a para capturar prisioneiros que seriam depois sacrificados. Osistema po l í t i co era o de numerosas pequenas unidades independentes. As pedras esculpidas (esteias),afrescos e certas figurinhas de barro representampersonagens que, segundo as in te rpre tações , seriamsoberanos ou sacerdotes. Ê certo que a multiplic a ç ã o de i n s í gn i a s s i mbó l i ca s em suas complicadasi n d u m e n t á r i a s pareceria indicar um poder de funç ã o , mais do que pessoal.

O s centros religiosos tinham d i m e n s õ e s muitovar iáve is . Os menores constavam somente de umap i r â m i d e e um ou outro monumento adicional, eeram t r ibu tá r ios de outros maiores, e estes de umgrande centro como Ti k a l ou Copan. E m todos oscentros cerimoniais achamos os mesmos elementosb á s i c o s — plataformas, p i r âm i des , pá t i o s , c a l ça das ,canchas do jogo ritual com bolas de borracha, esteias— , mas o ca rá te r descentralizado dessa c iv i l i zação se

manifesta na grande v a r i a ção de d i m e n s õ e s , execuçã o e d eco ração . No conjunto', a arquite tura maiapreocupava-se mais em distribuir grandes massas eme s p a ç o s descobertos, desprezando o interior dos edifícios: os templos que coroavam as p i r âmides erampequenos, escuros, com cobertura de made ira ou emfalsa a b ó b a d a .

A escrita h ie rogl í f ica só e s t á parcialmente deci-

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frada. A c e r âmica , muito variada e de excepcionalqualidade, i n c lu í a t ambém maravilhosas estatuetasde barro modelado à mão (como todos os outrospovos p r é - co lomb ianos , os maias ignoravam o tornodo oleiro), descobertas em Ja ina , na ilha de Campeche.

A re l ig ião parece ter suas origens em cultos danatureza e da fertilidade, com deuses da chuva(Chac ) , do vento e do milho. O velho deus do fogo,Itzamna, ocupava p o s i ç ã o predominante. Haviat a m b é m i n ú m e r a s divindades associadas aos pontoscardeais, à cosmologia e aos astros, aos meses, anos,dias e ciclos do c a l endá r io , etc. Os sacrif ícios humanos existiam, mas parecem ter sido raros nesta fase.Ligadas à r e l ig ião e ao c a l endá r io , a m a t e m á t i c a e aastronomia tiveram entre os maias um desenvolvimento maior do que alhures.

A partir de 800 a. D . , os centros cerimoniaismaias foram abandonados um a um, havendo emcertos casos sinais de v i o l ênc i a . As h i pó t e se s a respeito incluem o esgotamento do solo devido à p ressãodemográ f i c a e qu içá t r ibu tá r ia sobre a primitiva agricultura de coivara, provocando e m i g r a ç õ e s ( p o r é m , o

vale do Copan, por exemplo, continuou habitadomesmo depois do fim do centro cerimonial), e revoltas camponesas.

A queda — ainda mal explicada — dos principais centros meso-americanos provocou o florescimento de centros cerimoniais s e cundá r io s ou regionais, como E l Ta j i n (Veracruz), Xochicalco (More-los) e Cholula (perto da atual Puebla). Por outro

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lado, o vazio de poder criado pela des t ru ição dasprincipais unidades po l í t i c a s da reg ião parece teracelerado um processo, talvez já antigo, de infilt r a ção para o sul de n ó m a d e s setentrionais, chamados chichimecas na M e s o - A m é r i c a . Mas a suachegada m a c i ç a é por demais tardia para poder serapresentada como causa da queda dos centros chamados ' 'c lássicos ' ' . f

O último periodo da história pré-colombiana daMeso-América {aproximadamente 900-1519 a. D.)

E s t a fase se caracteriza, antes de mais nada, pordois grandes processos sóc io-cul tura is . ? E m primeirolugar, o encontro, vár ias vezes repetido, entre doismodos de vida, o dos agricultores sedentár ios e o dosguerreiros nóm ade s , caçadores-cole tores , provocando con fusão e conflito, mas t am bé m mescTãTl lrver-sas; com o novo elemento vindo do norte, acentua-seo mili tarismo e o prestigio dos guerreiros, e penetramna região novas concepções religiosas. E m segundolugar, d á - s e a f u são da h e r a n ç a de Teotihuacan,

recomida em diversos centros menores e passada posteriormente aos toltecas, com a mai s recente t rad içãomisteca-Puebla, com centro em Cholula, surgindo apartir disto novas concepções u rban í s t i c a s , arquite-tón icas , a r t í s t icas , etc. E m particular, este per íodoassiste a grande progresso e d i fu são da u rbanização ,apoiada pelo menos em parte na e x p a n s ã o da agricultura de regadio. Na arquitetura, novos elementos,

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como a coluna-serpente e a coluna-atlante, permitem, pela primeira vez na M e s o - A m é r i c a , construirextensos e spaços cobertos. Por fim, ocorrem e n t ã o osc o m e ç o s tardios da metalurgia meso-americana.

O in íc io da c iv i l ização dos toltecas e s t á vinculado à m ig ração de grupos chichimecas vindos donorte, que fizeram i r rupção violenta no planalto cent ra l mexicano a p r inc íp ios do s écu lo X d. C , terminando p o r é m por sedentarizar-se, assimilando a he

r ança teotihuacana a través do contato e mistura compovos locais. O mito liga tal processo à lenda deQue tza l cóa t l , no qual seria i n g é n u o querer identificar um personagem h i s tór ico real, como demonstrou A . L ó p e z Austin. O i m p é r i o tolteca tinha comocapital Tu l a , situada 60 km ao norte da atual cidadedo M é x i c o , numa região instável , onde entravam emcontato a zona agrícola meso-americana e a zonasetentrional, mais seca, onde se praticava a c a ç a e acoleta. De fato, alguns autores acham que um resse-camento c l imá t i co a meados do século X I I I , atetandoa fronteira agr íco la , esteve ligado à queda do impé r iotolteca. Este compreendia diversas reg iões submetidas a tributo: Michoacan, o norte de Veracruz, oVale do M é x i co ; e, desde 1045 a. D. , o rei mistecaaceitou sua suserania. Os toltecas, cujo núc l eo inicialhavia sido no passado um grupo de n ó m a d e s donorte, agora vigiavam as reg iões setentrionais a travésde postos f ronteir iços, para evitar novas invasões ,embora t a m b é m admitissem chichimecas nas suastropas. Como anteriormente Teotihuacan, os toltecasde Tu l a comerciavam com o sul e o leste, importando

Importante

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Quanto à economia, o seu n íve l técn ico man-teve-se baixo, com p r edomín io de instrumentos agrícolas de pedra e madeira, com a exceção do uso demachados de cobre para derrubar árvores. É pos s íve l , porém, que em certas regiões — como as terrasaltas da Guate mala — haja-se desenvolvido umaagricultura mais eficiente, com t e r raços de cultura ei r r igação . Os maias cultivavam o milho, o a l godão , oagave, o cacau, diversas frutas, e criavam cães caça

dores e outros que eram comest íve is , perus e abelhas.A s colheitas eram recolhidas a celeiros de madeira oucavados no solo. As atividades agr íco las eram complementadas pela c aça , pesca e coleta. Produziam salque, com t êx te i s de a l godão , cacau, mel, escravos,plumas, jade e obsidiana, exportavam para outrasreg iões da M e s o - A m é r i c a , por terra ( cons t ru í r am caminhos pavimentados com pedra ca lcárea) ou pormar, havendo canoas que ligavam por cabotagem oenclave por tuár io asteca de Xicalango (Campeche)com todo o I u c a t ã e com reg iões mais a leste, as quaisestavam sofrendo um processo de conquista progressiva pelos astecas.

D a d ispe r são em cidades-Estados independentese rivais que caracterizou o M é x i c o central depois daqueda do impé r io tolteca, emergiu finalmente —depois de complicado processo que não podemosdescrever aqui — a hegemonia de uma delas, Te-nochtitlan, a cidade dos mexicas ou astecas, fundadanuma ilha do lago de Texcoco, no Vale do Méx ico ,em 1325 a. D. , a qua l viveu durante muito tempo, àsombra da poderosa cidade comercial vizinha de T l a -

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telolco. Aliando-se primeiro aos tepanecas de Atz ca-potzalco e depois às cidades de Texcoco e Tlacopan("Tr íp l ice Al iança" , 1434 a. D. ) , a sua pos i ção seconsolidou com o rei Moctezuma I (1440-1469 a.D . ) , cujas conquistas abriram a fase do p r edomín ioasteca, que continuava a se estender sob MoctezumaI I quando chegaram os e spanhó i s em 1519. Nestadata, o chamado " i m p é r i o " asteca — na verdade ummosaico de a l ianças , confederações , re lações t r ibu tá

rias, implicando povos numerosos, h e t e rogéneos eimperfeitamente submetidos — era um bloco complexo, pouco coerente e d e scon t ínuo (havia enclavesnão - subme t idos e hostis, como o reino tarasco e osenhorio de Tlaxcala). E x p e d i ç õ e s punitivas eramfrequentemente necessár ias para manter o d o m í n i o eo tributo e para garantir as rotas comerciais.

A unidade social b á s i ca dos astecas ou mexicasera o calpulli, comunidade residencial com direitoscomuns sobre a terra e uma o rgan i zação interna detipo administrativo, jud ic iá r io , militar e fiscal. Suain te rpre tação como. um cl ã foi usual no passado, masnão parece correta. Mesmo ao fundarem Tenochti-tlan, os astecas apresentavam, segundo parece, uma

organ i zação tribal já bem aba lada , e a vida urbana, ain f luência de outros povos do M é x i c o central e depoisas conquistas fortaleceram a h ie rarquização e a desigualdade social, presente inclusive dentro de cadacalpulli. No n íve l po l í t ico , porém, at é o fim o rei(Huey Tlatoani) tinha direitos e f unções que oscilavam entre os de um chefe tribal e os de um chefe deEstado, sendo o cargo eletivo numa mesma famí l ia .

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cacau, jade, plumas e a lgodão e exportando artigosde obsidiana. A sua cerâ m ica típica, alaranjada, corresponde ao estilo chamado de M a z a p á n . A destruição do impér io tolteca liga-se a novas ondas migratórias do norte: Tu l a foi tomada em 1168 a. D. edepois totalmente destruída em 1224 a. D., c r iándose outra vez uma s i tuação de vazio de poder noM é x i c o central, o que abriu caminho à proliferaçãode numerosas cidades-Estados em luta entre si.

O s mistecas, que sucederam aos zapotecas emOaxaca e depois tomaram Cholula (onde seus reiseram coroados), são, segundo J . Paddock, os pais dourbanismo meso-americano em sua ú l t ima fase. Asua impor tância começa por volta do século X I I I d.C . Fo ram, com os tarascos do centro-oeste mexicano,o grupo que mais desenvolveu na M e s o - A m é r ic a otrabalho dos metais, sendo grandes ourives; a l ém doouro, trabalhavam a turquesa e o jade. Fabricavamr ica cerâmica polícroma, mosaicos de turquesa, ornamentos de cristal e recipientes de ónix . Além disto,a maioria dos códices pré-colombianos que se conservaram é misteca. Tinham arquitetura inspirada nosantecedentes zapotecas, mas com inovações (mosai

cos de pedra em relevo com motivos geométr icos) . Ossí t ios mais conhecidos desta civil ização são o pa lác iode Mitla e as tumbas de Yagul ; por outro lado, osmistecas reutilizaram antigas tumbas zapotecas, como foi demonstrado por A. Caso.

No início deste per íodo final pré-colombiano, osmaias sofreram um profundo impacto tolteca e, emgeral, dos povos que falavam l ínguas do grupo nahua

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e viviam no M é x i c o central (incluindo, por ultimo, osmexicas ou astecas). A lenda reflete esta influêncianá história da migração de Quetzalcóat l (Kukulkanpara os maias), que teria deixado Tu l a por Chichen-I tzá . O influxo mexicano se nota em novos estilosarquiteturais, em elementos religiosos ( intensificaçãodos sacrifícios humanos, impor tância da serpenteemplumada) e no crescente militarismo. Os núcleosmais importantes da civil ização maia nesta fase —

durante a qual o seu centro de gravidade se transferiu para o norte da pen ínsu la de Iucatã e, maistarde, para a Guatemala — eram Chichen-I tzá , Ux-mal , Tulum, Mayapan e Labná . Posteriormente aoper íodo chamado maia-tolteca, deu-se o ep isódio daLiga de Mayapan: esta. cidade venceu Chichen-I tzá eimp ôs sua hegemonia entre 1200 e 1450 a. D . , quando foi des t ru ída , seguindo-se uma fase de descentral ização.

Como é natural, é para este per íodo tardio queas fontes proporcionam mais informação sobre aorganização dos maias, como t a m b é m dos.demaispovos meso-americanos. A unidade bás i ca era ã

cidade-Estado, com um rei, um Conselho de nobres esacerdotes, um chefe militar eleito por três anos esubmetido a proibições rituais e toda uma rede defuncionários, policiais e chefes de aldeias. A estrutura social manifestava restos de um regime de clãsou linhagens tribais e uma estrat if icação qué compreendia nobres, sacerdotes (cuja hierarquia internaera complicada), a massa do povo e "escravos" (criminosos, prisioneiros de guerra).

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No apogeu do " impér io" , a sociedade asteca eracomplexa e muito estratificada, com uma nobrezacrescentemente heredi tár ia (tlatoque), uma nobrezade função de origem militar (tecuhtli), comerciantesespecializados residentes em Tlatelolco (pochtecas ouoztomecas), formando uma corporação especial, art e sãos reunidos em organizações profissionais, diversas categorias populares urbanas e rurais, servidoresque os e spanhó i s consideraram "escravos", etc.

A s plantas cultivadas eram muito numerosas,mas a base da a l imen tação eram o milho, o feijão e apimenta. Como animais domést icos , havia o peru e ocão; t a m b é m se praticava a apicultura e se ext ra íaum colorante vermelho da cochonilha. Certas plantas, como o maguei, tinham usos industriais (fibras,fabr icação de bebidas fermentadas). As p roduçõesdo vale do M é x i c o se complementavam pelo comérciocom as zonas tropicais. A tecnologia agrária, a nãoser pela i rr igação (canais, chinampas ou ilhas flutuantes dos lagos) era primitiva: como no caso dosmaias, predominavam os instrumentos de pedra emadeira, e a metalurgia teve pouca apl icação prática.

Quanto à estrutura agrária, pode-se afirmar aexistência de diversas formas de propriedade, talvezredutíveis — segundo Manuel M. Moreno — a trêsmodalidades principais: 1) propriedade comunal: asterras do bairro ou calpulli, subdivididas em terrasde cada linhagem e terras realmente comunais;2) propriedade dos nobres, em grande parte em terra s conquistadas, individual, al ienável entre eles com

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certas restrições, transmissível por herança; 3) diversos tipos de propriedades púb l i cas , cujos frutos iampara a casa real, os templos, o abastecimento deguerra e a adminis t ração. P. Carrasco afirma, por ém, que as diferentes formas de acesso às terras —incluindo as terras dos nobres que certos autoresapresentam como "propriedade privada" — eramconcessões em troca do exercício de funções tr ibutárias, militares, sacerdotais, burocráticas, etc., feitas

pelo Estado com caráter revogável e sob cond ição documprimento das obr igações a elas vinculadas.Quanto ao trabalho rural , existiam quatro tipos

básicos de trabalhadores: 1) os calpuleque ou membros do calpulli, que trabalhavam as terras deste párasuas próprias necessidades e para pagar o tributo,além de estar permitido alugar partes do solo do"bairro"; 2) os teccaleque eram t a m b é m membros deum calpulli, com a única di ferença de que o resultado do seu trabalho servia para sustentar a corte,além de suprir as próprias necessidades; 3) os arrendatários, que lavravam terras alheias (de nobres oude comunidades), dispondo ou não do uso de outrasparcelas a título pessoal; 4) os maye que, camadainferior da população rura l , igualmente a r rendatários (vital ícios): eram a mão-de-obra dependente quetrabalhava nas terras do rei, dos nobres e outrosparticulares. Algumas fontes mencionam t a m b é mum a categoria que os e spanhó i s traduziam como "escravos".

Tenochtitlan recebeu, ao longo de sua história ,ar tesãos vindos" de diferentes áreas meso-americanas.

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Devemos ima ginar a cidade-capita l dos astecas comourna enorme ag lomeração — talvez tivesse entre 200e 300000 habitantes, o que a transfor maria numadas maiores cidades do mundo na época —, contendo um imenso mercado bem regulamentado ondeintervinham como compradores ou vendedores uns60 000 indivíduos todos os dias, centros cerimoniais,o núc l eo de um comérc io de longa d is tância estreitamente controlado pela casa real. Vale do Méxicoexportava escravos, roupagens, objetos de luxo, obsidiana trabal had a, ocre, cochonilha, peles de coelho,e recebia — em especial da costa do Golfo — plumas, turquesas, jad e, peles de jaguar, mantos deplumas, cacau (usado t a m b é m como pad rão monetá r io) , escravos.

Na religião, na arte, em outras manifes taçõesintelectuais ca lendár io , medicina etc.), a civilizaçãoasteca const i tu ía uma s ín tese de t radições meso-ame-ricanas, com incorporação de alguns elementos setentrionais. Emjiparticular, caracterizavam-na notável e inquietante escultura em pedra, a c e r âmica commotivos negros sobre fundo ala ranj ado ou vermelho,os mosaicos de pedra ou de conchas, a arte plumaria.

A arquitetura da capital foi des t ru ída na sua parteprincipal e é conhec ida por bases de monumentosque foram escavadas, por descr ições 6 um ou outroresto de edifício; mas nos arredores da atual cidadedo M é x i c o j D ç 4 e n i _ S C T vistos templos_secundár ios depedra bem conservados Máf ínãlco , Tenayuca). Ocomplicado pan t eão era dominado pelo deus tribalmexica, Huitzilopochtli, e o culto comportava nume-

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8 2 Ciro Flamarion S. Cardoso

rasíssimos sacrifícios humanos. Como entre os tol-tecas, nota-se uma certa tensão entre esta religiãosangrenta e o ideal religioso mais espiritual de Quet-zalcóat l , de derivação teotihuacana. Os astecas dispunham de um elaborado sistema de educação daselites, e puderam ser recolhidos depois da conquistamuitos textos literários de origem pré-colombiana eml íngua nahuatl, alguns de grande valor estét ico.

Sequências histórico-culturaisna Zona Andina Central

A Zona Andina Central

O seu núcleo fundamentai compreendia partesdos atuais Peru e Bolívia; posteriormente, foram-lheincorporadas pela conquista porções do Equador, doChile setentrional e da Argentina norte-ocidental.

Do ponto de vista geográfico e ecológico, é preciso distinguir na Zona Andina Central três faixasparalelas que se sucedem de oeste para leste.

E m primeiro lugar, um deserto costeiro ao longodo litoral pacífico, entre o mar e a Cordilheira dosAndes, com um comprimento norte-sul de 3 200 km eum a largura que varia entre 1,5 e 40 km. A correntefria de Humboldt, que corre paralelamente à costano sentido sul-norte, força precipitações atmosféricassobre o mar, ao condensar a umidade dos ventos dooeste: estes já chegam secos ao litoral. E s t a corrente,

t

América Pré-ColombianM.

rica em p lâncton. atraLoeixes em abundânc ia , osquais são alimento humano mas t a m b é m de-avesmarinhas que habitam ilhotas costeiras onde o seuexcremento — o guano —, acumulado durante mi lê-imJSrja-era conhecido e usado em tempos pré-colom-bianos como adubo: O deserto costeiro é interrompido por mais de quarenta vales, de rios grandes epermanentes ou pequenos e ocasionais, os quais sãoverdadeiros oásis fertilizados pelo limo que vem das

montanhas carregado pelos rios ou torrentes. De j unho a novembro, o tempo é nublado e ocorrem espessos nevoeiros; de dezembro a maio é ensolarado emuito quente, Na parte norte da costa há chuvasocasionais, porém mais ao sul quase nunca chove.Faltam árvores e a pedra é ra ra : as const ruções usar am na sua maioria tijolos crus secos ao sol. A importância das marés levou ao culto lunar. O isolamentodos vales entre si favoreceu durante longo tempoforte individualidade cultural de cada um deles.

A s terras altas, temperadas e frias — já que aaltitude anula os efeitos da latitude tropical — compreendem as cordilheiras propriamente ditas (montanhas cobertas de neve, não-habi tadas) , terras muito

altas com vegetação herbácea propícia ao pastoreiode lhamas {punas) e vales ou bacias cercados demontanhas, de clima temperado, cobertos de bosques, com pastos e arroios. Este vales atraíam especialmente a ocupação humana. Os principais s ão , denorte a sul, Cajamarca, Callejôn de Huaylas, Huá-nuco, Mantaro, Cusco e Tit icaca, todos a mais de2000 é às vezes 3000 metros de altura. O lago Tit i-

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caca, a 3 812 metros de al tura, é a superfície navegável mais alta do mundo.

A~reg ião amazôn ica começa em plena montanha a 1900 metros de altura, devido aos alísios quevêm do leste e, chocando-se com os Andes, provocamchuvas que alimentam nas encostas espessa florestatropical, que cobre t a m b é m a p laníc ie oriental. Es taé uma região de vales cobertos de bosques (yungas),com rios largos da bacia amazôn ica , só parcialmente

integrada à á rea cultural dos Andes centrais.Enquanto na M eso-Amér ica a complementaridade ecológica das regiões foi origem de comérciointer-regional mais ou menos intenso,, na Zona Andina Central a exploração de recursos ecológicos diferenciados deu origem a uma so lução peculiar, aconst i tu ição do que John M u r r a chamou "arquipélagos verticais" dos Andes: cada grupo é tn ico oupolít ico tratava de aumentar a sua produtividadecontrolando o m á x i m o de "andares" e nichos ecológicos que pudesse, apoderando-se assim de recursosvariados. Este esforço incluía a const i tu ição de colónias residenciais permanentes, longe do núcleo territorial da etnia ou Estado, encarregadas do abasteci

mento de certos recursos não-disponíveis naquele núcleo (houve tamb ém colónias mu l t i -étnicas) . Este padrão de assentamento limitou muito, a não ser nacosta, as possibilidades de desenvolvimento comercial.

Do ponto de vista cultural, a Zona Andina Central partilhava com a Meso-Amér ica certos elementos: p i r âmides escalonadas, aspectos religiosos como

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o culto ao complexo jaguar-pássaro-serpente . Acimade tudo, po rém, apresenta forte originalidade: entreoutros t raços , um complexo agrícola próprio queassociou tardiamente o milho a plantas como a coca,a batata e a quinoa e à domest icação do l h a m ã e seuscongéneres ; culto dos mortos, conservados em envoltórios (as " m ú m i a s " andinas); desenvolvimento maisantigo e bem maior do que entre os povos meso-americanos do uso de metais (ouro, prata, cobre, bronze); sistema numér ico decimal e uso de quipus (processo m n e m ó n i c o e de cá lculo baseado em cordõescom nós).

A per iodização da história andina é particularmente difícil, devido à maior f ragmentação cultural etalvez a fases e processos realmente mais acidentadose complicados; por outro lado, a evolução meso-ame-ricana está mais bem estudada em seus detalhes. Nopassado, proliferaram cronologias fantasiosas e atéridículas, que inc luíam com aparente seriedade denominações como as dos per íodos "cultista", "experimental" e "dos mestres art íf ices". . . Seguiremosaqui uma per iodização adaptada da que p ropõe E .

P. Lanning (Peru Be/ore the Incas, Englewood Cliffs,Prentice-Hall, 1967, cap. I I I ) , por ter maior basearqueológica . As datas são, naturalmente, aproximadas.

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Ciro Flamarí&n S. Cardoso

Difusão das aldeias e surgimento dos primeirostemplos e centros cerimoniais (2500-900 a. C.)

Este p e r í o d o consta de duas partes. Na fase p r é -c e r â m i c a final (2500-1800 a. C ) , a agricultura e avida em aldeias s eden t á r i a s se espalharam por toda acosta peruana, as e s p é c l è T ^ ^ram — e spéc i e s vegetais principalmente, mas tamb é m a cobaia ou porquinho- d a - í n d i a —, e surgiram

os primeiros templos, p i r â m i d e s e altares (bem maiscedo, portanto, do q u é ^ ^ M e s o - A m e n c à , provavelmente devido à p r e s e nça de recursos m a r í t im osabundantes a l é m dos terrestres, favorecendo umaprodutividade superior das economias p ré -h is tór icas ;n a verdade, os recursos marinhos predominavam ent ã o sobre os ag r í co l a s na dieta). A p o p u l a ç ã o dasaldeias parece variar entre um m í n i m o de 50 e umm á x i m o de 1000 pessoas. As culturas eram e n t ãoestritamente regionais. E n t r e os s an tuá r i o s desta fase, mencionemos o templo c ons t ru í do no vale deChillon (costa central peruana), em Chuquitanta,compreendendo nove ed i f íc ios feitos com blocos naturais de pedra.

A fase que se estende de 1800 a 900 a. C . viu ad i fu são do assentamento em aldeias s eden t á r i a s tamb é m nas terras altas dos Andes centrais, os in íc ios dac e r â m i c a e da tecelagem com tear, a d o m e s t i c a ç ã o dolhama, o desenvolvimento por toda a r eg ião da cultura do milho e a a d o ç ã o na costa da mandioca e doamendoim. Deste p e r í o d o datam importantes centros cerimoniais, como o que inclui a grande p i râ -

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mide de L a F lor ida (hoje na cidade de L i m a ) , nacosta central, o de Las Haldas, t a m b é m na costa(mais ao norte), e o de Kotosh, perto de H u á n u c o ,nas terras altas, contendo o "templo das m ã o s c r uzadas".

A cons t rução de estruturas cons ide r áve i s comoestas exigiria um grau cons ide r áve l de c o o r d e n a ç ã o edi reção . Para expl icá- lo , alguns autores pretendemque j á nesta fase do I I m i l én io a. C . existiram pequenos Estados regionais compreendendo vár ias comunidades a l deã s . Isto parece pouco p rováve l , bastando.admitir um sistema de chefias ou con fede rações t r ibais, como no caso dos olmecas da M e s o - A m é r i c a ,embora certamente com um e s b o ç o de grupo socialmente dominante em processo de d i fe renc iação .

A primeira cultura inter-regional (900-200 a. C.)

Por volta de 900 a. C , pela primeira vez, certoselementos culturais de tipo ar t ís t ico, religioso e ar-qu i t e t ôn i co se expandiram fora de quadros estritamente regionais, ganhando toda a costa norte e cent ral peruana e algumas r eg iõe s altas setentrionais^centrais. O e s t i l o e h t ã o d i f u n d í 3 õ é c h a m a d o C h a v i n ,do nome do s í t io mais famoso do p e r í odo , o templode Chav in de H u á n t a r , situado num vale estreito dasterras altas, p r ó x i m o ao Ca l le jón de Huaylas. Ossí t ios mais no táve is da fase ou estilo de Chav in sãoquatro. Cupinisque, na costa norte, se caracterizapor uma c e r âmica com um motivo estilizado repre-

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88 Ciro Flamarion S . Cardos>

sentando o jaguar, produzindo vasilhas com gargaloem forma de estribo, por casas de pedra ou adobe,adornos de conchas e turquesas, enterros com oferendas, sendo os ossos pintados de vermelho e manifestando-se deformações voluntár ias dos crânios.Cerro Sechín , no vale de C a s m a (costa norte), apresenta lajes de pedra gravadas com figuras humanas,geomét r i cas e de outros tipos; alguns atribuem estesí t io a pe r íodo anterior. O s í t io de Chavin de H u â n -tar, provavelmente um centro de peregrina ção rel igiosa, compreendia diversos edif ícios, o mais importante sendo o templo de pedra chamado " E l C a stillo", decorado com c abeças em relevo, diversas representações estilizadas do felino e um monolito esculpido igualmente com o motivo do jaguar. Por fim,Paracas Cavernas (s í t io situado numa península dacosta sul peruana) apresenta tumbas com cerâmicabastante peculiar, mas que manifesta algumas influências de Chavin: de fato não parece pertencerpropriamente ao mesmo horizonte cultural, mesmoestando sob seu influxo parcial.

O que significa realmente o estabelecimento doestilo de Chavin em numerosas regiões? A sua origem

se deu nas terras do centro-norte peruano, mas ignoramos se na costa ou nas montanhas. Sua rápidae x p a n s ã o sugeriu a certos especialistas a ideia dadifusão de um culto religioso do felino, ao mesmotempo por proselitismo e pela força das armas, formando uma unidade polí t ica que poderia ser chamada de " impér io Chavin" . Não há, p o r é m , basesarqueológicas para afirmá-lo: não foram descobertos

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centros administrativos, quartéis para g uarn içõesmilitares ou fortalezas. Por outro lado, a homogeneiz a ç ã o cultural, onde ocorreu, foi somente parcial , eà s vezes o estilo de Chavin e os estilos locais formadosanteriormente aparecem lado a lado. Seja como for,há indicios de que este per íodo diminuiu a compartim e n t a ç ã o cultural: houve comérc io de artigos comocerâmica cerimonial e ossos esculpidos entre regiões.Ta m b é m se atribui a esta fase a d i fusão de um tipomais produtivo de milho, talvez de origem meso-americana, possivelmente o c o m e ç o da i rr igação(drenagem, canais) nos vales da costa, o desenvolvimento da tecelagem e os c o m e ç o s da metalurgia.

As primeiras cidades e o progresso dos Estadosorganizados (200a. C.-600a. D.)

As característ icas básicas ^deste período são: ogrande desenvolvimento t ecnológico e ar t ís t ico; orfp*wft"Tfwip. Estãxfôs al tamenfêP orgamjaofos e

agressivos; o nascimento do urbanismo andino, embora nesta fase limitado às terras altas dojguJL Nesta

últ ima região surgiram as cidades de Tiahuanaco,Pucara e Huar i , cada uma delas com um núcleomonumental provido de p r aças e edif ícios públicos,cercado de bairros residenciais, e agindo como focode a t ração para numerosos povoados e aldeias circunvizinhos (a popu lação destas cidades poderia serde uns 10000 habitantes).

Houve um indubi tável desenvolvimento técnico

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Ciro Flamarion S.

e e c o n ó m i c o . Nos vales da costa criaram-se ampiossistemas de i r r igação; nas terras altas, terraços paracultivo e canais. Mesmo com teares primitivos, atecelagem de a l g o d ã o e de í â j a e alpaca atingiu umapogeu nunca superado, produzindo bordados, tapetes, brocados, malhas, tecidos, que conhecemos sónacostaseca, pois não sg^bnsgryaram nas terrasaltas (onde, p o r é m , há e s t á tua s representadas vestidas e a ^rq ueõl ogia j£y^lojdCH«os e p ^ a ^ ^ J e a j ç g s X ;À metalurgia — basicamente ornamental, mas entreos mochicas t a m b é m usada para instrumentos agrícolas e armas — deu um grande passo à frente,trabalhando-se o ouro, a prata, o cobre e ligas destesmetais, a t ravés de t é cn i ca s diversas (metal martelado, forjado, t r ançado , mé todo da cera perdida). Ace râmica cerimonial t a m b é m se aper fe içoou notavelmente.

N a costa norte — vales de Chicama, Moche eVi r u , posteriormente anexando os vales de Chao,Santa, N e p e ñ a e Casma — desenvolveu-se e n t ã o acultura que chamamos mochica. j

A base da economia mochica era agr íco la , mas apegca/^ utilizando botes de junco, ganchos e redes— continuava sendo importante. JÖ maF" forneciat a m b é m sal e usava-se o guano costeiro. A c a ç a tinhaca rá t e r^omplemen ta r j sendo talvez um esporte aristocrá t ico . A arqueologia revela canais de i r r igação debarro pisado com até 130 km de ex t ensão e umaqueduto do mesmo material em Chicama. Estas sãoobras que s u p õ e m uma p o p u l a ç ã o numerosa e umasó l ida organização estatal. Os cultivos principais

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eram o milho (com duas colheitas anuais), a batata,a batata-doce, a mandioca, diversos tipos de fei jão, alentilha, árvores frut íferas, etc.

A cerâmica , fabricada pelas mulheres, é considerada a melhor de toda a h i s tór ia do Peru pré-colombiano. A maioria dos vasos era produzida emmoldes de4irgila, acrescentando-se depois gargalos,asas e adornos. As formas eram variadas e distin-guia-se a ce râmica u t i l i t á r ia , simples, da cerimonial

e funerár ia . Es ta representava com grande realismocenas da vida quotidiana, personagens, atividadesguerreiras, divindades, etc.

Como não dispomos de qualquer fonte escrita,o que se afirma acerca da estrutura social e pol í t icados mochicas é inferido da arqueologia, e sobretudoda cerâmica tão gráfica que deixaram. Existem estatuetas do que parecem ser reis e nobres e a p resençade forte estrat i f icação social é c lara. Pode-se deduzirdas representações de castigos um sistema jud ic iá r iosevero: a m p u t a ç ã o do nariz, do l áb io superior, dosp é s ; pena do cepo; pena de morte por l ap idação oupor expos ição do condenado, amarrado a um poste,a aves de rapina. Hál t t iu i tas representações de guerra s e guerreiros: estes usavam capacetes e orelheiraspara p ro t eção , e combatiam com escudo, faca, tacape de ponta de cobre e fundas. C ã e s eram usadosnos combates. Há representação de prisioneiros deguerra, que provavelmente eram sacrificados. A admin i s t r ação de um Estado de cons ideráve l d im ensã olevou à con t rução de uma rede de caminhos, percorridos po r corredores com f unção dé correio oficial.

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A arquitetura usava tijolos de barro cru. Ascons t ruções eram grandes — incluindo templos, palác ios , fortalezas — mas não houve verdadeira urban ização . No vale de Moche foram descobertas duasgrandes p i râmides , chamadas "do Sol" e "da L u a " .

O s mochicas eram bons ourives, usando turquesas, ametistas, lápis-lazúli , conchas, ouro e prata.Trabalhavam t a m b é m o cobre. Quanto à tecelagem,dispomos de poucos tecidos de cor creme.

A religião, tal como pode ser inferida da cerâ-mica. conhecia um fe l inõTiumanizado que-aparecevoando montado em pássaros , associado a váriosaniHTãis humanizados ou n ã o . e em luta com outrostipos de animais.com cono tações demoníacas , A cerâmica , a t ravés de representações realistas de doença s (lepra, bóc io , paralisia, tumores, cegueira), mostra que tinham conhecimentos de medicina e praticavam inclusive a cirurgia ( ampu tações , t r epanaçãodo c rânio) com instrumentos feitos às vezes de ossosde tubarão . Havia curandeiros e curandeiras, provavelmente conhecedores de plantas medicinais. A música incluía trombetas, pe rcussão e flautas. É possível que existissem representações teatrais.

N a costa sul desenvolveram-se as culturas deNazca e de Paracas-Necrópoles .E ni Nazca não foram achados restos arquitetô-

nicos. Existem, p o r é m , figuras geomét r i cas e repre-sentacõêiTdiversas, gigantescas, desenhadas sotyre~o~solo, ligadas talvez a algum culto astral ou a.juna"comunicação" r i tua l com deuses celestes. Ce râmicae tecidos de alta qualidade foram encontrados em

América Pré-Colombiana 9 3

tumbas que constam de um poço ci l índrico dandoacesso a uma c â m a r a retangular ou em abóbada,consolidada às vezes com postes de madeira. Oscadáveres eram envoltos em mantos, com os membros flexionados, e enterrados com abundante cerâmica e outras oferendas. A cerâmica é às vezes estilizada, mas há t ambém rep resen tações de felinoscoroados de serpentes e outros animais. Os tecidoseram de a lgodão e de lã de lhama e vicunha. Apare

cem objetos de ouro martelado e gravado.Quanto a Paracas-Necr^pjples, suas tumbas sãoverdadeiras casas subter râneas com espessas paredesS ê pedra e barro cobertas-com r a m a g e n y c o s t e l a s ^ í ebaleia è~courp. Foram achadas centenas de múmias ,preparadas através da ex t i rpação dos ó rgãos internosjTde ressê^ãmento pela f umaça^eco lggadas em cestosdepois de envoltas em tecidos. Muitas delas apre-sentam c rânios deformados e trepanados. As mú-mias aparecem associadas a cerâmica , jó ias , machados de pedra, restos de plantas e animais. Os tecidos,que chegam a ter 30 metros de comprimento, sãomantos, ponchos e turbantes que envolviam as múmias: suas decorações representam seres fantást icose flutuantes, provavelmente f igurações das almas dosmortos assimiladas a astros. Foram achados instrumentos cirúrgicos: bisturis, facas de obsidiana, e spátulas de dentes de mamí fe ros marinhos, discos dealgodão, fios de coser.

Nos planaltos do sul desenvolveu-se a já mencionada civi l ização urbana. Tiahuanaco compreendiaum grande centro cerimonial com cons t ruções de

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pedra, situado em terr i tório hoje boliviano. A agricultura (batata, quinoa) e o~pastoreio dej ha ma seram a base e c o n ó m i c a desse elevado planalto doTi t icaca . Como Chavin no passado, Tiahuanaco parece ter sido um centro de peregr inações religiosas.Situado entre a costa e a zona a m a z ô n i c a , podet a m b é m ter cons t i t u ído uma zona de passagem ei n t e r câmbio . Na chamada "Porta do Sol" e s t á repre-sentado um personagem central humano, associadoâ cabeças de felinos e condores e a pequenas figurasaladas: poderia, segundo alguns, tratar-se do deusI S l a d c í Vi r a c o c h a j f e n c o n t r a m - s e lá grandes es tá tuasmono l í t i c a s e colunas com relevos./ Uma c e r âmicat íp ica de vasos polidos e po l í c romos assume às vezesforma de puma ou de lhama. A l é m das cidades maiores — Tiahuanaco, Pucara , Hua r i — havia outrasmenos cons ideráve is no planalto do sul do Peru,Chakipampa, Acuchimay e Nawimpukyu, em prováve l dependênc i a económica de Hua r i . Presume-sea p re sença de o rgan i zações estatais, mas nada sabemos a repeito. E m vales da costa meridional — Pisco, Ica>. Nazca e A c a r i — surgiram igualmente pequenas cidades. Mais ao norte não há t raços deurbanismo, mas sim de guerras que levaram à unifi

c a ç ã o de cada vale, e mesmo à r eun i ão de vár iosdeles, como vimos no caso do Estado mochica. Su-põe - se que existiram Estados t a m b é m nas terras altascentrais e setentrionais, mas faltam dados.

América Pré-Colombiana s 95

Os primeiros impérios (600-1000 a. D.)

Neste p e r íodo há provas, i nequ ívocas de con-quistas em alta_escala, formando impé r io s conside-raveíslnas efémeros, que romperam o tradicional iso-

f lamej^pjlasculturas an^n^s^e^izeram^rcular pêffse ideias na Zona Andina Central .

O inlperio dê Tiahuanaco compreendia a totalidade da bacia do lago Ti t icaca e o sudoeste da

Bol ív ia , pequena parte do sul do Peru até o vale deMajes e Arequipa, e a costa e zona montanhosa doChi le setentrional. Conhecemos mal este ep isódio ,o qual inclusive é negado por vários autores, quev ê e m na d i fusão da c e r âmica e dos estilos a r t í s t ico ereligioso de Tiahua naco um a e x p a n s ã o exclusivamente cultural, e não pol í t ico-m i l i ta r.

Já no caso do impé r io posterior de H u a r i , aspesquisas de D. Menze l permitiram uma amp l i açãodos nossos conhecimentos. Hua r i era um centrourbano do vale do Mantaro, com longa t rad ição devínculos culturais com Tiahu anac o — o estilo dasduas culturas é virtualmente i dên t i co — e t a m b é mcom os vales de I c a e Nazca. A e x p a n s ã o c o m e ç o u em650-700 a. D. , formando-se uma espéc ie de liga decidades, e entre 700 e 800 a. D. H u a r i foi a capital deum vasto impé r io que, no seu apogeu, inc lu ía quasetodo o Peru , até Ca j amarca . A e x p a n s ã o militaracompanhou-se da d i fu são dos estilos ar t ís t icos e dopadrão urbanís t ico de H u a r i . Ta l imp ér io , p orém ,desintegrou-se rapidamente, sendo a capital inclusive abandonada. Ã queda — por causas desconhe-

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cidas — deste impér io seguiu-se o abandono dascidades do sul peruano e diversos s écu los de eclipseda vida tabana.

Neste p e r íodo desenvolverse o importante santuario e cidade de Pachacamac, na costa centralperuana, com um estilo p rópr io em c e r âmica e tapeçar ia policromas representando águ i a s , aparentadocom o de Tiahuanaco, o qual predominou na costacentral e influiu t a m b é m nos vales do norte e do sul.

É possível que o prest ígio de Pachacamac já e n t ã o sevinculasse ao seu o r ácu lo , famoso centro de peregrin a ç õ e s em etapa posterior, mas de cu já ex is tênc ianesta fase n ão há provas.

Do ponto de vista das t écn icas e artes, este nãofoi um p e r íodo de grande progresso. A e x p a n s ã o dourbanismo e do militarismo são sem dúv ida os seust r a ços mais marcantes.

O grande interregno e o império inca(1000-1534 a. D.)

A des t ru ição do impé r io -de -Hua r i - levou a quedurante vários séculos imperasse a descent ra l ização eexistissem outra vez numerosos Estados regionaisindependentes. Do ponto de vista das t é cn i ca s , ocobre teve maior uso do que no passado em ferramentas e armas e deu-se a i nvenção , ou pelo menosum a maior d i fusão , do bronze. Depois do eclipse quese seguiu à queda de Hua r i , deu-se uma nova intens i f icação do urbanismo planificado, principalmente

América Pré-Colombiana

sob os chimus e incas. Por outro lado, há indicios deum aumento de p o p u l a ç ã o , conduzindo à ex tensãodos sistemas de i r r igação e à mu l t i p l i c ação , na zonaserrana, dos terraços para cultivo.

O çe ino chimu, cuja civi l ização parece ter resultado da fusão da cultura do vale setentrional deLambayeque com elementos mochicas e de Huar i ,chegou a dominar a costa setentrional do Peru , deTumbes a Paramoya, e talvez uma parte do E q u ador. Sua capital, Chan -Chan . cidade de adobe const ruída no vale de Moche, foi o maior centro urbanoda Zona Andina Cent ra l . E r a uma cidade planificada, estruturada em blocos retangulares con t íguos eindependentes, separados por muralhas. As_paredeseram decoradas com arabescos an t ropomórf icos , zoo-morfos ou geométricos, visivelmente derivados dosmotivos usados nos tecidos. É poss íve l que sua popul a ção máx ima tenha sido de 80000 habitantes, em 17a 22 km 2 de ex t ensão urbanizada ( comparáve l , pois,à muito anterior cidade meso-americana de Teoti-huacan). Os chimus tinham pelo menos outras quatro cidades, povoados com gua rn i ções militares, efinalmente as aldeias, algumas t a m b é m planificadas.

A economia agrícola baseava-se em vastas obrasde r e g a d i o q u é se estendianil tevezes de um vale aoseguinte. O reino tinha um estrito sistema administrativo e t r ibu tár io , inspirador do dos incas; estradasuniam os vales, percorridas por mensageiros. Tud oindica uma sociedade diversificada, hierarquizada ede grande sofis t icação.

O s chimus fabricavam uma c e r âmica negra

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derivada dos estilos Lambayeque, mochica e Huar i .Sua metalurgia era avançada , como a produção detecidos. Enf tòdas estas atividades, po rém, o traçomldSImarcante era a produção em série, em grandequantidade mas pouca variedade.

Sua religião — culto da Lua e das estrelas, decertas pedras associadas aos antepassados — incluíasacrifícios humanos de crianças e a consagração devirgens à Lua. §uas_múmias eram enterradas sen-.tidas em fossas coletivas, com oferendas; às vezesapresentam deformação tabular do crânio.

Relhos e culturas menores deste período foram:Cuismancu, na costa central (vales de Chancay, An-con, Rimac e Lur in) , com as cidades de Cajamar-quilla e Pachacamac; o Estado chincha (vales de C a-í iete, Chincha, Pisco, Ica e Nazca, na costa sul),menos urbanizado mas com fort if icações; nas terrasaltas do sul, a cultura de Pukina, derivada da deTiahuanaco-Huari, estendendo-se de Arequipa até aBolívia e o norte do Chile.

No vale do Cusco formou-se uma confederaçãointer-étnica que, dominada pelo grupo quíchua ouinca, serviu de primeira base, em fase posterior, àexpansão militar que unificou a totalidade da ZonaAndina Central, com acréscimos externos, no imensoTawantinsuyu ou império inca, que no seu apogeu seestendia de norte a sul por mais de 4000 km, doEquador ao norte do Chile. A expansão imperialinca, que não vamos descrever, foi fase tardia dahistoria andina, estendendo-se somente de 1438 a.D . até a chegada dos espanhóis quase um século

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depois, em 1531 a. D. Caracterizou principalmenteos reinados dos imperadores, ou Incas, Pachakuti,Tupa Yupanki e Wayna Kápak.

. Iniciando a exposição das características principais da civilização incaica, falaremos primeiramenteda sua estrutura económica de base agrária.

A preparação da terra se fazia com um bastãode semear reforçado, com apoio para o pé (taclla).ksvelceyifeiTOlmr^õ

na^Tãpén^ perfurar como, também jrevolver o sòIõTDepois que passavam os homens, "arando" com ta finstrumento, as mulheres quebravam os torrões comuma enxada (lampa). Os vales andinos são estreitos,e os terrenos planos pouco extensos, de modo que aconstrução de terraços para cultivo e a irrigação pormeio de canais (às vezes cortados na pedra) tiveramsob os incas grande desenvolvimento. A expansão domilho esteve muito ligada a estas técnicas^A base daalimentação eram quatro plantas: a b^taia,JiJililhOj^a quinoa (um quenopódiõ) ê à oca (um tubérculo).Arr vêTHa desidratação da batata congelada, prepa-rava-se um alimento que se conserva por longo tempo(chunu). O lhama, a lém de transporte e lã, forneciacouro e carne, seca ao sol (charque).

A base da agricultura andina, e de toda a vidasocial, era a aldeia, habitada por diversas famíliasvinculadas pelo parentesco, formando uma comunidade ou ayllu. Este não era um clã , ou linhagem;apresentava tendência à endogamia e um sistema dedescendência paralela (linha masculina para os homens, feminina para as mulheres). A família nuclear

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100 Ciro Flamarion S. Cardo,

— um casal e seus filhos solteiros — era a unidade deconsumo e de proáu^SõTCs^ntyllu tinha um chefe(£urakq[, ojj£ atr ibuía o Usufruto de lotes de terra àsfamíl ias , organizava os estõrços cóléTivos e arbitravaos contlitos. Xte l ra do ayllu (markd) incluía camposcultivados e pastos coletivos, estes na puna fria, ondecrianças e jovens solteiros pastoreavam os lhamas ealpacas. Ao contrário dos pastos indivisos, a terracultivadà^èrã dividida em lotes familiares calculados

segundo o tamanho de cada família, consti tuídos deterras situadas em diferentes altitudes, para quecada família gozasse de recursos ecológicos diversos.

O ciclo da vida agrícola estava baseado na ajudam ú t u a (ayni), ou seja, em in tercâmbios de trabalhoentre as famílias para a semeadura e a colheita, bemcomo para outros fins (const rução de casas, porexemplo). A divindade ou fetiche tutelar do ayllu, awaka, e o chefe, ou kuraka, recebiam pres tações detrabalho da comunidade; não havia, po rém, qualquer forma de tributos in natura além das prestaçõesde trabalho. O Ã:Mrafeg.centralizavaT através de taist rabalhoj jo jyaa 'oTímira) , mais riqueza — represen-taria"~eni especial por bens raros como a coca, abebida fermentada de milho certos tipos de vesti-mentas, etc. — do que qualquer outro membro* doayllu, mas o costume o obrigava a uma redistr ibuiçãode seus bens, alimentando os que trabalhavam paraele, dando presentes, distribuindo alimentos quandonecessário devido a m á s colheitas, etc. Havia, porém,limites à redistr ibuição dos bens do chefe e da divindade, e assim existia uma diferenciação social entre

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os homens comuns (puriq) e os poderosos ou privilegiados (kapa), e cada categoria era endogâmica emprincípio.

Na his tór ia andina, formaram-se estruturas piramidais em que um ayllu dominava outros. Ao tornarem-se mais vastas surgiram chefias, confederações tribais e por fim reinos, mas em todos estes níveis repetia-se tal qual o mecanismo das prestaçõese da redistr ibuição. O império inca era somenteuma espécie de enorhle^cõnfederação de' confedêrã'-ções , organizando em escala nunca vista nos Anc[es

4âis^opéfaçôes e exigindo trabalho nas terras do Incae^do Sol, espécies de super-kuraka e super-waka,mas fiéis ao pad rão usual. Nestas condições , o comércio não podia ter grande desenvolvimento, pois acirculação dos bens realizava-se de outra maneira.Por outro lado, germes de m u d a n ç a estavam surgindo, na medida em que os incas aplicaram sistematicamente a polí t ica de transferir popu lações malsubmetidas a regiões distantes da sua de origem (cortando assim os laços comun i tár ios) , de reduzir algumas pessoas a um estado de servidão fora das comunidades (os yaha), de aproveitar o trabalho de

fiaçãoe tecelagem das "mulheres escolhidas" que viviamnos conventos do Sol. Tais medidas estavam criandoum esboço de grupos explorados, separados do sistema comuni tár io tradicional, mas este ú l t imo aindapredominava muito claramente.

O impér io dividia-se em quatro grandes províncias e a t radição burocrática via cada uma delascomo uma estrutura geometricamente organizada se-

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Ciro Flamarion S. Cardoso

gundo um p r i n c í p i o decimal. E m b o r a isto seja umai d e a l i z a ç ã o simplificadora, é verdade que o i m p é r i oinca atingiu um grau de in tegração e , . coerênc ia j amais sonhado pelo " i m p é r i o " asteca.(Uma rede deestradas unia o essencial do terr i tór io , com um sistema de correios p ú b l i c o s e de d e p ó s i t o s de alimentos, armas e roupas p a r a tropas e f u n c i o n á r i o s . U msistema de contabilidade, cujo cerne eram os funcion á r i o s chamados kipukamayoc que operavam o sis

tema c o n t á b i l e m n e m ó n i co dos kipus, informava at r i b u t a ç ã o (exclusivamente em trabalho) e o serviçomi l i t a rT jHavia uma burocracia imperial, chefiadapelo I n c a ou Filho do Sol, e cujo exerc íc io era reservado aos incas apenas; mas, subordinada a esta,persistia a burocracia tradicional dos kurakas regionais e das aldeias.

Cusco, a capital, era uma cidade vasta e m a g n ífica, com templos e p a l á c i o s , mas pouco resta dela. Aarquitetura incaica, com seus grandes blocos poligonais de pedra, irregulares mas perfeitamente ajustados sem cimento, seus tetos de palh a ou em falsaa b ó b a d a , s uas portas e janel as trapezoidais, é conhecida principalmente a t ravés de outros s í t ios : TamboColorado, Sacsahuaman, Machu Picchu, Ollantay-tambo. Como no caso de H u a r i , a a d m i n i s t r a çã o incase apoiou na d i f u s ã o do urbanismo. Cidades comoTumipampa, C a j a m a r c a , H u á n u c o , J a u j a , Huayta-r á , Vi l c a s h u a m á n , foram por ela planejadas e const ru ídas .

E m c e r â m i c a e metalurgia, como em geral emm a t é r i a de tecnologia, os incas nã o inovar am. E m

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arte e r e l ig ião , deixara m subsis tir o substra to antepor em cada r e g i ã o , mas impuseram a a d o ç ã o p a r alela de seus p a d r õ e s . E m parti cula r, o culto do Sol ,deus dos incas e do i m p é r i o , er a o b r i g a t ó r i o em todoo Tawantinsuyu. A r e l i g i ã o , apesar de elaborada,dispondo de uma rede de templos e de um cleroaltamente h ierarq uizado, tinh a entre os incas sinaisi n e q u í v o c o s de origens p r i m i t i v a ^ ^ ^ ^ ^ r o x l m a spor exemplo, o culicTde fetiches variados, ou wakas

que podiam ser rochas, m ú m i a s , fontes, cavernas,ed i f í c ios , etc, com f r e q u ê n c i a associados aos antepassados. A cultura intelectual baseava-se na transm i s s ã o o r a l. E m particular, as t r a d i ç õ e s m í t i c o - h i s t ó -ricas eram f u n ç ã o de especialistas h e r e d i t á r i o s ligadosa cada linhagem real , os chamados amautasr-A-lm-

gua q u í c h u a , antes estritamente local, do vale deCusco, com o i m p é r i o se difundiu por toda a ZonaAndina Cen t ra l , onde, com o a i m a r á do T i t i c a ca , atéhoje é o idioma mais importa nte.

A organização económico-socialdas "altas culturas" pré-colombianas

à primeira vista, pelo menos no que se refere àú l t i m a etapa — que por isto mesmo é a mais documentada — da h i s t ó r i a p r é - c o l o m b i a n a , a compar a ç ã o da M e s o - A m é r i c a e da Zona Andina C e n t r a l , emais especificamente do " i m p é r i o " asteca e do i m p ério inca (já que o apogeu maia, sendo anterior, é por

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ta l razão mal iluminado pelas fontes), faz apareceruma sér ie de d i ferenças importantes. Sistema tributario in natura na M e s o - A m é r i c a contra tributosexclusivamente em trabalho nos Andes; comérc iodesenvolvido a longa d i s t ânc i a no primeiro caso e mopos i ção a um sistema de reciprocidade/redistribui-ç ã o / c o n s t i t u i ç ã o de " a rqu ipé l agos verticais" andinosno segundo; cará ter amorfo e pouco consistente do" i m p é r i o " asteca em contraste com a só l ida organiz a ç ã o do Tawantinsuyu; enfim, maior campo abertoaos interesses, à iniciativa e talvez a um e s b o ç o depropriedade de tipo individual ou privado na econom ia e sociedade meso-americanas, enquanto o estatismo reinaria absoluto na sociedade e economiaandinas.

De fato, a evo lução dos estudos conduziu, nestesú l t imos anos, dejwna opos i ção antes tacitamenteaceita das carac ter í s t icas das duas grandes á reas cu lturais de "altas culturas" — as quais, a l iás , aparentemente se ignoravam nos ú l t imos tempos p r é - co lom-biancJ^Va uma conf luência de tajs^característicaSja^Antes, «^oissemos, considerava-se a M e s o - A m é r i c a

como uma r eg i ão que viu um desenvolvimento docomérc io e da economia "privada" muito mais consi-/de ráve l do que no caso andmo^^^ta^&verctbe quea c i rculação mercantil meso-americana foi exageradano seu volume e significado por diversos pesquisa-í o r e s ^ e se coloca para a M e s o - A m é r i c a a possibili-da^edeque sejam vá l idos conceitos como os de reci-p j ^ ^ ^ Q ^ j Tr ^ i s t r i b u i ç ã ^ o ^ e um estudo jmjgJteye emconta.o grande peso da o rgan ização estatal no campo

América Pré-Colombiana

económico - soc i a l i enfoques antes empregados para ocaso do Pe ru . Por sua vez, a a m p l i a çã o da análisessobre a costa peruana (no passado, para os ú l t imossécu los antes da conquista, predominaram os estudos acerca d a serra) mostrou, emjcpntraste com aeconomia serrana estudada por J. M u r r a , umaorgan ização económica costeira que associava a agri-cuhuxa_à exp lo ração do mar e apresentava maiordesenvolvimento do artesanato especializado (incluindo a p r o d u ç ã o em série) , do comérc io a longadis tância e inclusive de um esboço de propriedadeprivada, t raços que a aparentam com a v isão habitual acerca da economia meso-americana.

Ao nível da in terpre tação , quase não há formade o rgan ização econôm ico - soc ia l que, em algum momento, não haja sido a t r ibuída aos Estados pré-colombianos (com a poss íve l exceção do capitalismo). Assim, para os marxistas d o g m á t i co s stalinistasou pós-s ta l in is tas , como se pode comprovar em certos manuais sovié t icos bastante recentes, seriam sociedade escravistas ( in terpre tação que se choca frontalmente com os dados d i sponíve is ) . Outros autores

optaram pelo feudalismo. Ta m b é m h á adeptos daideia de que, no fundo, tratava-se, mesmo-jias-casos.mais brilhantes, de sociedades a indíLJiuii tp primitivas, que atravessavam a f a ^ j j e j b a n s i ç ã o da "co-mujiidade primitiva" à sociedade de_ cjajsesjplena-mente cons t i tu ída . Louis Baudin — por certo numcontexto intelectual que nada tem a ver com o conceito de modo de p r o d u ç ã o — falou, mesmo, de um" impér io socialista dos incas"...

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Ciro Flamarion S.

E m anos recentes, certos desenvolvimentos ainda incompletos, mas promissores, merecem menção .

1) Já vimos que a tecnologia das "altas culturas" pré-colombianas apresenta sérias deficiênciasem re lação, por exemplo, à do antigo Oriente P róximo: ausência do arado, do torno do oleiro, de veículos de rodas, de um uso amplo de metais para finsprodutivos (ferramentas), escasso emprego de adubos pela falta de associação agr icul tura /pecuár ia .

Vimos t a m b é m que há certas razões lógicas que explicam várias destas deficiências. Ora, o conceitomarxista de forças produtivas, frequentemente reduzido só à tecnologia, na verdade inclui igualmente oshomens que trabalham, vistos nas suas capacidadesfísicas e mentais (socialmente determinadas). A parti r daí, referindo-se à sociedade mexica ou asteca —mas a observação pode ser generalizada —, VictorM . Castillo chamou a a tenção para o fato de que, dosdois aspectos das forças produtivas, o tecnológicopermaneceu relativamente primitivo, mas paralelamente se deu um progresso considerável do outroaspecto, o humano: o esforço das civi l izações pré-colombianas se concentrou no aperfe içoamento dadivisão social e t écnica do trabalho e das formas decontrole e cooperação da mão-de -obra , o que é umt raço também discernível nas estruturas e conômico-sociais da Áfr ica Negra pré-colonial (cuja tecnologia,p o r é m , 'era, no conjunto, mais adiantada do que apré -co lombiana ) . Isto explicaria a possibilidade desociedades estratificadas e diversificadas e de b r ilhantes desenvolvimentos culturais, à base de tecno-

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logia bem pouco avançada .2) A discussão acerca da o rganização econó

mico-social das sociedades mais desenvolvidas daAmérica pré-colombiana dos ú l t imos séculos antesda conquista baseava-se, apesar do choque de opiniões muito divergentes, sempre nas mesmas fontes.A maior mudança de direção interpretativa veio dadescoberta e va lor ização, por John M u r r a , de outrotipo de fontes antes pouco utilizadas: as visitas, que

são relatórios de funcionár ios espanhóis no Peru,baseados em interrogatórios feitos em regiões recém-con quistadas, nas quais portanto se manifestavaainda a o rganização indígena . Interpretando tais dados novos à luz de noções como "reciprocidade" e "redistr ibuição", derivadas de Ka r l Polanyi e em geralda corrente da antropologia e c o n ó m i c a conhecidacomo "substantivista", M u r r a provocou uma transformação radical das concepções acerca da históriaandina; mais recentemente, como já mencionamos,ta l t ransformação também começou a afetar a interpre tação das altas culturas meso-americanas.

3) Desde princípios da década de 1960, reno-varam-se as d iscussões acerca de um conceito que

aparece sem grande e laboração na obra dos marxistas c láss icos , o de modo de produção asiático (alguns preferem cham á- lo "despót ico-t r ibutár io") , oqual havia sido esquecido durante longos anos. Ascaracteríst icas fundamentais deste tipo de sociedadeseriam: 1) a impor tância das grandes obras de irrigação , e outras obras públic as consideráv eis, real izadas sob controle do Estado despótico; 2) o fraco

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desenvolvimento da propriedade privada; 3) a coexistência de estruturas rurais ainda comu ni tár ias comum a classe dominante que, de certo modo, se encarna na estrutura estatal e submete as comunidadesaldeãs a uma exploração via elaborado sistema tributário. As tentativas de aplicar esta h ipótese à A m érica pré-colombiana deram resultados variados. Jávimos que dificilmente se pode atribuir o surgimentodos primeiros Estados e cidades da Meso-Amér ica e

do Peru à necessidade de controlar centralizadamente grandes sistemas de i rr igação, mesmo se posteriormente, no reino chimu e no impér io inca, taissistemas foram sem dúvida consideráveis e objeto deplani f icação global. Quanto às outras características,são mais plausíveis, embora seja forte atualmente atendência a negar, com bons argumentos, o caráterclânico e iguali tário das comunidades pré-colombia-nas do tipo ayllu ou calpulli (este ú l t imo especialmente). Certos autores, como Perry Anderson, pensam que já é tempo de "enterrar honrosamente" anoção de modo de produção as iá t ico , mas esta nãoparece ser a opinião predominante na atualidade.

REFLEXÕES FINAIS

Por que interessar-nos, hoje, por essas remotas"culturas assassinadas", varridas da face da Terrana época da conquista e dos inícios da colonizaçãoeuropeia da Amér ica , ou por suas ainda mais remotas antecessoras? *

U m a primeira forma de respondermos a estapergunta poderia ser retomando — em outro contexto — a frase famosa do personagem de Terêncio:Homo sum, et humani nihil a me alienumputo ("Ho^tnem sou, ejnada do que é humano-eonsidero estranho a mim"). Isto é, podemos simplesmenteJnteresr

"sar-nos pê lo passado pré-colombiano por si mesmo,como copioso feixe de variadas e interessantíssimaséxper iê l^c laThumanas . A curiosidade é unTTmp"uTsohumano dos mais legí t imos e desconfiamos muito dequalquer exagero do imediatismo pragmát ico quando se trata de justificar uma dada atividade. Sejacomo for, há razões sem dúvida mais específicas e de

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maior peso do que a simples curiosidade para que oestudo da historia antiga da Am ér ica nos interesse.

Do ponto de_yista teórico, em primeiro lugar. Ométodo científ ico não pode basear-se na abordagemde casõs"òu processólTunicós e irrepetíveis, ou seja,singulares, porque a genera l ização em tais circunstâncias é impossível e sem ela não podem ser estabelecidas regularidades e leis. Pa ra a const rução deuma teoria geral de como funcionam e mudam associedades humanas, tem valor ines t imável o fato dese poder comparar a evolução pré e proto-históricado Velho Mundo com a da Am érica p ré-colombiana,que evoluiu, não em total, mas em relativo isolamento. E o mais interessante é que constataremos,no continente americano, fases análogas (não- idên-ticas, claro) em relação às etapas mais gerais jáconhecidas na Eurás i a , em menor escala e com atraso c ronológico que têm várias explicações: uma defa-sagem cultural já presente em tempos paleolí t icos naregião de origem dos primeiros povoadores e que setransferiu com eles para o novo habitat; o povoamento de um continente vasto por contingentes provavelmente reduzidos de migrantes que tiveram de

gastar longo tempo simplesmente adaptando-se ameios ambientes diversos e garantindo sua sobrevivência e mu l t ip l icação antes que se tornasse possíveldar novos passos decisivos na evolução social. (Ver aFiguran? 4.)

Vejamos, agora, o que diz a respeito do temaque nos ocupa o historiador mexicano Silvio Zavala("Indigènes et colonisateurs dans l'histoire d 'Amé-

A m érica Prè-Colombiana 111

ri que", in Cahiers de l'Institut des Hautes Etudes del'Amérique Latine, n? 6,1964, p. 25):

" . . . o contacto secular do índio com o meiogeográfico da Amér ica constituiu um pa t r imônio de exper iências, de recursos, de cultura, queos recém-chegados [europeus] aproveitaram,que eles assimilaram de maneira mais ampla doque habitualmente se crê. É por isto que a história da Amér ica deve incluir de maneira orgânica o vasto capí tu lo indígena. . . "

Afinal, o milho, a batata e a mandioca, paracitar só os elementos mais evidentes, sã o resultadosde mi lénios de atividades e exper iências do homempré-colombiano que se integraram ao nosso quotidiano, na Amér ica e t a m b é m em outras partes domundo.

A história da conquista, e a da co lónia , foramprofundamente influenciadas pela história indígenaanterior — por exemplo, pela distr ibuição diferencialda população pré-colombiana. As co lónias escravis

tas baseadas no tráfico africano se desenvolveram emvazios dem ográf icos relativos (a n ão ser nas Antilhas ,onde a população indígena era numerosa mas foidest ru ída em poucas décadas nos primeiros temposda colonização) , como o Brasil e o Sul do que hojesão os Estados Unidos, e o mesmo podemos dizer daszonas de imigração europeia mac iça (Argentina,Nova Inglaterra, Canadá , etc.). Onde existia umadensa população indígena, praticando uma agrieul-

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tura e s t á v e l e produtiva, mesmo com a ca tás t ro fed e m o g r á f i c a dos s éc u l o s X V I e X V I I (at é 1650 aproximadamente), a c o l o n i z a ç ã o se apoiou na manut e n ç ã o — modificada, como é evidente — da comunidade a l d e ã de r a í z e s p r é - c o l o m b i a n a s e na explor a ç ã o da fo rça de trabalho do indio dentro e fora dascomunidades, por mais que posteriormente a mestiç a g e m e outros fatores viessem complicar o quadrocolonial. Outrossim, as violentas lutas de classes quedenominamos habitualmente "reformas liberais",travadas no s é c u l o X I X , e que deram origem asestruturas c o n t e m p o r â n e a s dos p a í s e s d a I n d o - A m ér ica — México , Guatemala, E l Salvador, Colombia,Equador, P e r u , B o l í v i a . . . — são i n c o m p r e e n s í v e i sse m r e fe rênc ia a um elemento a g r á r i o i n d í g e n a em e s t i ç o que remete, em maior ou menor medida, arealidades geradas no passado p r é - c o l o m b i a n o , embora depois tenham sido profundamente transformadas e às vezes desfiguradas.

Ainda em nosso s é c u l o , a p r e s e n ç a do passadoi n d í g e n a é algo quotidiano, evidente, em muitos p a íses do continente. Na B o l í v i a , depois de um s é c u l o deataques impiedosos contra as estruturas c o m u n i t á

r ias , o censo a g r í c o l a de 1950 revelou que aindaexistiam 3779 comunidades i n d í g e n a s , controlando26% das terras efetivamente cultivad as do p a í s . Tr a -ta-se de exemplo extremo, mas não ú n i c o . Nessesp a í s e s , qualquer c o m p r e e n s ã o adequada do presente, e portanto qualquer planejamento do futuro,n ã o pode passar ao lado de uma " q u e s t ã o i n d í g e n a * 'que tem algumas de suas r a ízes mergulhadas bem

méric Pré-Colombiana 113

Anos

ESPAÇO ESPAÇO

Fig. 4 —Esquema tempo-espacial do surgimento e expansão dos principais níveis culturais arqueológicos no VelhoMundo e na América. L inha con t ínua externa: começo daagricultura de cereais ( VIII milénio a. C. Na Asia ocidental, trigo e cevada; V milénio no México, milho); linha detraços: começo da cerâmica (6000 a. C. na Ásia, 3000-2500 no noroeste sul-americano); linha pontilhada: Calco-lítico tardio da Asia (proto-literârio da Mesopotâmia,3300 a. C), de nível similar ao formativo médio-tardio(proto-urbano) da Am érica nuclear (800 a. C); linha cont ínua interna: culturas urbanas ou altas culturas (2800 a.C. no Egito e na Mesopotâmia, com bronze e escrita;começos de nossa era no México e no Peru —fases clássicas e pós-clássicas —, apenas parcialmente com escritaligada ao culto e metalurgia). A linha horizontal inferiorrepresenta o momento da conquista, começos do séculoXVI. (As datas são aproximadas, e além disto a passagemde um nivel a outro nunca é tão taxativa quanto pareceriam indicaros traços.) Fonte: Juan Schobinger, Prehistoria de Suramérica, Barcelona, Labor, 1969, p. 13. Obs.:A cronologia adotada pelo autor não coincide totalmentecom a que usamos neste trabalho.

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antes de 1492 a. D . , e que afeta a muitos m i l h õ e s depessoas. Nesses pa í s e s — e em menor escala t a m b é mem outros do continente, incluindo o nosso — sereshumanos que chamamos í nd ios sofrem todos os dias,diante de uma i nd i fe rença quase geral, processos deexp loração , d i sc r iminação , expropr iação , marginaliz a ç ã o , paternalismo mal informado e até genoc íd io ,que prolongam até nossos dias alguns dos aspectos

mais i n íquos da é p o c a da conquista.