1o. - petição inicial - acp duplicação efc - petição inicial - versão definitiva (2)

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA __ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO MARANHÃO URGENTÍSSIMO – PEDIDO DE LIMINAR ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA A SOCIEDADE MARANHENSE DE DIREITOS HUMANOS, pessoa jurídica de direito privado, entidade sem fins lucrativos, de CNPJ n. 05.761.069/0001-51, sediada na Rua das Mangueiras, qd 36, casa 07, Jardim Renascença I, CEP: 65.010-360 São Luis/MA, o CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO – CIMI, pessoa jurídica de direito privado, entidade sem fins lucrativos, de CNPJ n. 00.479.105/0006-80, sediada na Rua do Pespontão, n. 99, Centro, CEP: 65.010-460, São Luis/MA e o CENTRO DE CULTURA NEGRA DO MARANHÃ – CCN, pessoa jurídica de direito privado, entidade sem fins lucrativos, CNPJ n.06.792.287/001-16, sediada na Rua dos Guaranis, s/n, Barés, Bairro João Paulo, CEP: 65.040-630, São Luis/MA,, por intermédio de seus procuradores in fine assinados, com supedâneo na Lei n.º 7.347/85 vem propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar, em face de: VALE S.A., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº. 33.592.510/0001-54, com sede na Avenida Graça Aranha, nº. 26, Rio de Janeiro/RJ, com filial na Praia do Boqueirão, BR 135, retorno do Itaqui, São Luís/MA, a ser citada e intimada na pessoa de seu representante; INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, autarquia federal, CNPJ 03.659.166/0001-020, a ser citada e intimada através do seu procurador-Chefe, com endereço na Avenida dos Holandeses, s/n, qd 33, lt 17, São Luís/MA; pelos fundamentos de fáticos e jurídicos adiante aduzidos.

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA __ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO MARANHÃO

URGENTÍSSIMO – PEDIDO DE LIMINAR ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA A SOCIEDADE MARANHENSE DE DIREITOS HUMANOS, pessoa jurídica de direito privado, entidade sem fins lucrativos, de CNPJ n. 05.761.069/0001-51, sediada na Rua das Mangueiras, qd 36, casa 07, Jardim Renascença I, CEP: 65.010-360 São Luis/MA, o CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO – CIMI, pessoa jurídica de direito privado, entidade sem fins lucrativos, de CNPJ n. 00.479.105/0006-80, sediada na Rua do Pespontão, n. 99, Centro, CEP: 65.010-460, São Luis/MA e o CENTRO DE CULTURA NEGRA DO MARANHÃ – CCN, pessoa jurídica de direito privado, entidade sem fins lucrativos, CNPJ n.06.792.287/001-16, sediada na Rua dos Guaranis, s/n, Barés, Bairro João Paulo, CEP: 65.040-630, São Luis/MA,, por intermédio de seus procuradores in fine assinados, com supedâneo na Lei n.º 7.347/85 vem propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar, em face de:

VALE S.A., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº. 33.592.510/0001-54, com sede na Avenida Graça Aranha, nº. 26, Rio de Janeiro/RJ, com filial na Praia do Boqueirão, BR 135, retorno do Itaqui, São Luís/MA, a ser citada e intimada na pessoa de seu representante; INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, autarquia federal, CNPJ 03.659.166/0001-020, a ser citada e intimada através do seu procurador-Chefe, com endereço na Avenida dos Holandeses, s/n, qd 33, lt 17, São Luís/MA;

pelos fundamentos de fáticos e jurídicos adiante aduzidos.

DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA

No plano infraconstitucional a Lei 1.060/50 estabelece que gozarão dos benefícios da Assistência Judiciária os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho. Considerando como necessitado, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. (art. 2º, parágrafo único)

Também dispõe a Lei 1.060/50 (art. 4º, a seguir) que a

comprovação da condição de necessitado se dará por meio de simples afirmação, feita na inicial. Note-se, porém, que essa declaração goza de presunção juris tantum de veracidade, ou seja, admite prova em contrário. Assim, havendo elementos de prova em sentido contrário poderá ser indeferido o benefício da justiça gratuita.

Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986) (grifos nossos)

Seguindo a orientação da Lei 1.060/50 o Superior Tribunal de

Justiça tem manifestado o entendimento de que "para a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, basta a declaração, feita pelo interessado, de que sua situação econômica não permite vir a juízo sem prejuízo de seu sustento e de sua família". (AgRg no Ag 802673 / SP - Ministra Eliana Calmon - Julgamento em 06.02.07)

A mesma linha de raciocínio foi aplicada pelo Pleno ao caso em

tela, tendo em vista que a própria natureza filantróprica da entidade em questão já evidencia o prejuízo que, certamente, advirá para a manutenção da atividade essencial, caso tenha que arcar com os ônus decorrentes do processo.

As requerentes são entidades da sociedade civil, que militam e trabalham em prol da realização dos direitos humanos, da justiça social e da redução das desigualdades sociais e raciais. Todas elas são mantidas com parcos recursos de contribuição de sócios, das igrejas e de pequenos projetos que contam com apoio de entidades nacionais e internacionais, o que é suficiente apenas para a remuneração dos técnicos e o pagamento das despesas administrativas e da realização das ações.

Assim, as mesmas não tem condições financeiras de arcar com os custos do processo, e por isso, vem requerer deste juízo que seja concedido o benefício da assistência jurídica gratuita. DA LEGITIMIDADE PARA PROPOSITURA DA AÇÃO

As requerentes são entidades sem fins lucrativos, com ampla representatividade em todo o estado do Maranhão, e em especial na região que poderá ser afetada com a duplicação da estrada de Ferro Carajás, promovida pela VALE.

Todas elas apresentam como sua finalidade primordial a defesa e

luta pela efetivação dos direitos humanos, nas suas especificidades e diferenças, principalmente na defesa e proteção ao meio ambiente, pela realização da reforma agrária e no acompanhamento a povos e comunidades, em especial a populações indígenas e quilombolas.

A Lei n. 7.347/1985, dispõe expressamente que caberá Ação Civil

Pública para a proteção ao meio ambiente e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (artigo 1º, I e IV).

No artigo 5º, a Lei da Ação Civil Pública assevera:

“Art. 5º - Tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautela: (...) V – a associação que, concomitantemente:

a) Esteja constituída há pelo menos 01 (hum) ano nos termos da lei civil;

b) Inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Importante atentar que o conceito de “associação” expresso na Lei da Ação Civil Pública não deve ser entendido de maneira restritiva, mas sim no sentido de ampliar a legitimidade a todas as entidades da sociedade civil organizada que cumpram os requisitos estabelecidos nas alíneas a e b do inciso V do artigo 5º.

Caio Mário da Silva pereira, em Instituições, assevera que, em pura

doutrina, não há distinção entre associações e sociedades. Adverte ainda o autor que se é mais apropriado empregar-se o sentido de associação para as entidades sem fins econômicos, nenhuma obrigatoriedade haveria no sentido desse entendimento, pois que o Código Civil deixou de fazer a distinção.

Portanto, conforme comprova toda documentação acostada a esta exordial, as requerentes comprovam o requisito temporal exigido na alínea a, V, art. 5º, Lei 7.347/85, bem como a pertinência temática, haja vista que todas elas trabalham e desenvolvem ações a garantir a proteção do território de comunidades tradicionais e na defesa do meio ambiente. DOS FATOS

HISTÓRICO – ESTRADA DE FERRO CARAJÁS

No início da década de 1970, com a implantação do Programa Grande Carajás, foram iniciados os estudos do sistema de transporte e porto de embarque como parte do Complexo Minerador de Carajás, tendo sido verificada a viabilidade do transporte de minério por meio ferroviário, com a finalidade de possibilitar o atendimento ao mercado externo.

Em maio de 1976, o governo brasileiro outorgou à empresa

Amazônia Mineração - AMZA a concessão para a construção e operação da ferrovia entre a área de Ponta da Madeira em São Luís – MA e a Serra dos Carajás no Pará. Com o objetivo de escoar a produção de minério de ferro e de manganês das minas de Carajás, a Estrada de Ferro Carajás começou a ser implantada em 1982 e iniciou as suas operações em 1985, quando foi entregue pela Rodominas à Companhia Vale do Rio Doce (então CVRD), em 28 de fevereiro de 1985.

Após sua polêmica privatização em maio de 1997, a CVRD obteve

em 27/6/97, sob novo contrato firmado com a União, a concessão da exploração dos serviços de transporte ferroviário de cargas e passageiros prestados pela EFC. A outorga dessa concessão foi efetivada pelo Decreto Presidencial de 27/06/1997, publicado no Diário Oficial da União de 28/06/1997.

Conforme relatórios publicados anualmente pela ANTT, nos seus

mais de 20 anos de existência, além das milhões de toneladas de minério de ferro e de manganês arrancadas do subsolo da Serra dos Carajás, têm passado pelos trilhos da Estrada de Ferro Carajás, anualmente, cerca de cinco milhões de toneladas de outros produtos como madeira, cimento, bebidas, veículos, fertilizantes, combustíveis, produtos siderúrgicos e agrícolas, com destaque para soja.

A Estrada de Ferro Carajás tem atualmente 892km de extensão

(linha tronco), dos quais 668km estão no estado do Maranhão e 224km no Pará. Ela cruza um total de 27 municípios, sendo 23 no Maranhão e 4 no Pará. Além da linha tronco, a Estrada de Ferro Carajás conta ainda com ramais ferroviários que compreendem uma extensão total adicional de 240,05 km.

Imagem: Mapa publicado na página-web da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) Trata-se portanto, de uma estrutura de grande envergadura,

instalada em região com enorme importância quanto ao patrimônio ambiental e cultural, posto que a EFC atravessa unidades de conservação e áreas de preservação permanente, sítios arqueológicos e outras áreas reconhecidas como relevantes para o patrimônio histórico nacional, territórios ocupados por povos indígenas e comunidades quilombolas, assentamentos rurais e núcleos populacionais urbanos.

HISTÓRICO DOS IMPACTOS DA ESTRADA DE FERRO CARAJÁS SOBRE O MEIO AMBIENTE E AS COMUNIDADES A ELA ADJACENTES

Por sua magnitude e pelas características do local em que se

instalou, o Programa Grande Carajás provocou a rápida transformação das atividades econômicas regionais, anteriormente baseadas unicamente na coleta de castanha e babaçu, na agricultura e no garimpo, para uma industrialização por meio de estruturas gigantescas e devastadoras, voltada à satisfação do mercado externo e apoiada pela política de incentivos fiscais e por acentuada intervenção governamental.

Não por acaso, desde o momento prévio a sua instalação, o Programa Grande Carajás em geral, e a Estrada de Ferro Carajás, em particular, nunca foram uma unanimidade, tendo despertado oposição e reflexões críticas por parte de diversos setores da sociedade do Pará, Maranhão e de todo o Brasil, que incluíam desde os grupos de pessoas diretamente atingidos pelos empreendimentos, até os mais altos degraus da academia.

Nesta oportunidade evitaremos transcrever essa rica história,

recheada de corajosos personagens, expressada por exemplo através do importante “Seminário-Consulta: Carajás, Desenvolvimento ou Destruição?1”, levado a cabo nos anos 90, ou então pela fotografia abaixo, que mostra um conjunto de lavradores de Açailândia expressando, ainda em 1987, sua hostilidade em relação ao Projeto, sem saber que Açailândia poucos anos depois se converteria em um pólo de produção de ferro gusa com característica altamente poluidora.

Fonte: Anthony Hall ("Amazônia - Desenvolvimento para quem"?, Jorge Zaher Editor, Rio de Janeiro, 1989)

1 Para maiores informações, consultar a publicação “A Guerra dos Mapas - repertório de fontes documentais e comentários para apoiar a leitura do mapa temático do Seminário-Consulta "Carajás: Desenvolvimento ou Destruição?", por Alfredo Wagner Berno de Almeida, Falangola Editora, 1994, ou ainda “Seminário-Consuta: Carajás, Desenvolvimento ou Destruição”, Relatório de Pesquisa, CPT, 1995.

Nesses cerca de 30 (trinta) anos de história do Programa Grande

Carajás, uma série de documentos, pareceres, relatórios, testemunhos, registros em áudio e em vídeo vêm sendo produzidos por organizações sociais, sindicatos, universidades e instituições jurídicas. Um sem número de procedimentos administrativos, inquéritos civis e ações judiciais vem sendo instaurados por iniciativa de pessoas ou comunidades diretamente atingidas, ou pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, Defensorias Públicas Estadual e da União.

Mais recentemente, a publicação impressa “Não Vale”2 e o

documentário de mesmo nome, dirigido pelo documentarista italiano Silvestro Montanaro3, ambos lançados em 2010, explicitam uma série de situações e análises acerca dos diversos fenômenos que impactam as populações e o meio ambiente ao longo da Estrada de Ferro Carajás, em especial sobre a falta de medidas de saúde e segurança no trabalho, o desmatamento de matas nativas, a contaminação da água, do solo e do ar, a falta de segurança aos que vivem às margens da ferrovia, o trabalho escravo e infantil nas carvoarias, a imigração desenfreada, a ocupação desordenada das periferias das cidades, a prostituição infanto-juvenil, a violência causada por conflitos fundiários, os danos à saúde e à soberania alimentar causados pelas extensas áreas de monocultura de eucalipto, o drama das remoções forçadas mal conduzidas, entre outros.

O que se tem neste momento, é um incontestável legado com um

passivo social e ambiental ainda grande e não compensado.

HISTÓRICO DO STATUS DA ESTRADA DE FERRO CARAJÁS PERANTE A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL – INSTALAÇÃO

A despeito de sua magnitude, no momento em que foi construída, a

Estrada de Ferro Carajás não teve suas obras licenciadas através de um regular processo de licenciamento ambiental. Ao mesmo tempo, nenhum debate oficial foi realizado com as populações cujas áreas vieram a ser recortadas ou tangenciadas pela ferrovia.

Somente em 2009, no curso do processo IBAMA nº.

02001.009288/2002-73, foi que a Vale S.A. teve a ela concedida, pelo IBAMA/DILIC/COTRA, a “Licença de Operação Corretiva” nº. 842/2009. Através da concessão dessa licença corretiva, a Estrada de Ferro Carajás, ainda em seu traçado original não duplicado, teria então visto sua situação perante as leis ambientais ficar “regularizada”.

2 Disponível na íntegra na página web da Rede Justiça nos Trilhos: http://www.justicanostrilhos.org/nota/554

3 Trailer do filme disponível em: http://youtu.be/_SZodi4EO68

Em síntese, primeiro se fez a obra, e depois se obteve a

autorização para fazê-la. Com um alcance bastante amplo e diverso, a LO 842/2009, ao

autorizar obras de “remodelação” na locação 37, possibilitou a duplicação de 3 km da EFC. HISTÓRICO DO PROCESSO DE LICENCIAMENTO DAS OBRAS DE DUPLICAÇÃO DA ESTRADA DE FERRO CARAJÁS

As obras de duplicação da Estrada de Ferro Carajás se dão no contexto do Programa de Capacitação Logística Norte (CLN) da companhia mineradora Vale S.A., a fim de viabilizar a adequação da ferrovia para transportar o adicional de minério extraído nas ampliações e nas novas minas da Vale situadas em Carajás, para permitir que a Vale S.A. consiga saltar das atuais 100 milhões de toneladas anuais (Mtpa) de transporte e exportação de minério de ferro para 230 Mtpa a partir de 2016.

O processo de licenciamento da duplicação da Estrada de Ferro

Carajás, processo nº.02001.007241/2004-37 iniciou-se com a apresentação da solicitação de uma primeira licença de instalação (LI) em novembro de 2004, obteve as primeiras licenças de instalação e respectivas autorizações para suprimento de vegetação em 09 de janeiro de 2006 (LI nº. 355/2005 e ASV nº. 79/2005, referentes aos lotes 01, 02 e 03) e 23 de junho de 2006 (LI nº. 363/2006 e ASV nº. 85/2006, referentes ao lote 07) e passou por diversas fases decorrentes das sucessivas alterações de projeto propostas pelo empreendedor Vale S.A. e admitidas pelo órgão ambiental IBAMA, ou de exigências impostas pelo órgão ambiental que o empreendedor viu-se obrigado a acatar.

Desde o princípio, apesar da magnitude da obra e de seu

enorme potencial de impacto sobre o meio ambiente e sobre os diversos tipos de populações indicados acima, o processo foi conduzido, a pedido do empreendedor e com o beneplácito do órgão ambiental, como um processo de licenciamento “simplificado”, sem que fossem observadas as regras gerais de um processo comum de licenciamento.

O fundamento que dispensaria este processo dos rigores básicos

da legislação ambiental brasileira seria o fato de a obra em questão supostamente enquadrar-se na Resolução 349/2004 do CONAMA, que havia entrado em vigor poucos meses antes4, e que “dispõe sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos ferroviários de pequeno potencial de

4 Publicada no Diário Oficial da União nº. 158, de 17 de agosto de 2004, Seção 1, páginas 70-71.

impacto ambiental e a regularização dos empreendimentos em operação.” (grifo nosso)

No curso dos anos, o processo vem tramitando dessa maneira

“simplificada”, tendo sido a obra fragmentada em diversos trechos e segmentos a gosto do empreendedor e com o beneplácito do órgão ambiental. Assim, foram sendo emitidas algumas licenças diretamente de instalação5, por meio da qual o IBAMA foi autorizando a Vale S.A. a duplicar diversos trechos da ferrovia que hoje funcionam como “pátios de cruzamento”, mas que em um breve futuro, uma vez interligados entre si, irão compor uma nova linha paralela à que hoje existe.

Em 06 julho de 2010 o IBAMA expediu a Licença de Instalação (LI)

703/2010, por meio da qual foi autorizada a instalação de dois dos principais canteiros de obras da duplicação da EFC, que são exatamente os Canteiro de Obras de Santa Rita e de Bom Jesus das Selvas.

Posteriormente, foram licenciados, a pedido do empreendedor,

novamente de maneira fragmentada e descontínua, 04 (quatro) trechos de duplicação da linha singela nas locações 6, 24, 26, 27, totalizando 60 km. A Licença de Instalação (LI) foi expedida em 14 de dezembro de 2010, e recebeu o número de LI 752/2010.

Sabe-se que outros canteiros de obras e diferentes estruturas referentes à duplicação da EFC estão sendo licenciados não pelo IBAMA mas sim pelos órgãos ambientais estaduais do Maranhão e do Pará, o que também representa fragmentação ou retalhamento da obra em pequenos pedaços6, além de flagrante descompasso com a legislação em vigor, em especial a Lei Complementar nº 140/20117.

Com efeito, a LC 140/2011 impõe a competência do órgão ambiental federal para a concessão de licenças para toda e qualquer obra que venha a atingir terras indígenas, unidades de conservação e o território de 2 (dois) ou mais Estados (art. 7º., XIV, “c”, “d” e “e”), que é exatamente o caso desta obra.

5 Conforme página do IBAMA na internet, foram emitidas, no curso do processo de licenciamento das obras de duplicação da Estrada de Ferro Carajás, entre os anos de 2004 e 2007, as seguintes licenças de instalação: LI 355/2005, LI 363/2006, LI 411/2006, LI 450/2007, 476/2007.

6 A título de exemplo, citamos o Canteiro de Obras Principal de Açailândia, licenciado através da LI 75/2011 (SEMA-MA) e o canteiro avançado situado no mesmo município (LI 091/2011 – SEMA-MA), o Canteiro de Obras Principal de Altamira (LI 218/2011 - SEMA-MA), o Canteiro localizado no Terminal Ferroviário Ponta da Madeira, instalado para as obras de ampliação do respectivo Terminal (LI 2012/2010 - SEMA-MA) e o Canteiro de Obras Principal de Marabá (LO 172/2011 - SEMA-PA). Está prevista a obtenção de licenças juntos aos órgãos ambientais estaduais para outros canteiros de obras, em Vitória do Mearim, Tufilândia e Vila Nova dos Martírios, no Maranhão; e em Itainópolis e Parauapebas, no Pará. 7 Dispõe sobre a competência estadual e federal para o licenciamento, tendo como fundamento a localização do empreendimento.

Em certo momento, o IBAMA houve por bem solicitar ao empreendedor Vale S.A. a elaboração de um novo estudo ambiental, que abarcasse um maior número de segmentos de uma só vez.

Conforme declarado por técnicos do IBAMA, no parecer técnico nº 083/2012-COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, elaborado por servidores da Coordenação-Geral de Transportes, Mineração e Obras Civis - Coordenação de Transportes (COTRA), constante do processo de licenciamento nº.02001.007241/2004-37, disponibilizado na página do IBAMA na internet8:

“53. Em 16 de março de 2011, em reunião, o IBAMA informa a VALE a impossibilidade, por motivos técnicos e jurídicos, de seguir com o licenciamento da duplicação da EFC por segmentos, sendo melhor tratar o empreendimento como um todo, inclusive com um novo Termo de Referencia para apresentação de um novo Estudo Ambiental.”

Tempos depois, o empreendedor Vale S.A. apresenta novo estudo

ambiental (EA-PBA), reorganizando o projeto de tal maneira que ele consista na duplicação de trechos que somam aproximadamente 786 quilômetros. Nessa nova configuração, as obras compreenderão as seguintes ações: a) duplicação dos trilhos; b) remodelação dos pátios de cruzamento; c) implantação de desvios ferroviários; e, d) implantação e reforma de instalações fixas.

A Licença de Instalação que o empreendedor solicitou e almeja

ver concedida ainda no 2º. Semestre deste ano de 2012 (conforme vem declarando em suas comunicações oficiais direcionadas a seus investidores9), não inclui ainda 05 (cinco) trechos de duplicação de trilhos, que totalizam 43 km da EFC.

Nesse sentido, visto por esse prisma, tem-se que a obra, para os

efeitos da obtenção de licenças ambientais, continua sendo fragmentada ao gosto de empreendedor, com a concordância do órgão ambiental, podendo ser licenciada a qualquer momento mais uma vez dessa maneira.

Para os próximos dias estão previstas 04 “reuniões públicas”.

HISTÓRICO DO PROCESSO DE LICENCIAMENTO DAS OBRAS DE DUPLICAÇÃO DA ESTRADA DE FERRO CARAJÁS, SEGUNDO O IBAMA

8 Disponível na página web do IBAMA, em G:\dilic\COTRA\0_EMP\FER\VALE\EFC_MA PA_duplicação_7241-04\2012\Parecer duplicação 2012\05_PT Vale_duplicacao EFC 2012.odt

9 Como por exemplo o formulário F20, enviado pela Vale à Bolsa de Valores de Nova Iorque, no último mês de abril de 2012.

Conforme declarado pelo próprio IBAMA, no parecer técnico nº

083/2012-COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, elaborado pela Coordenação-Geral de Transportes, Mineração e Obras Civis - Coordenação de Transportes (COTRA), constante do processo de licenciamento nº.02001.007241/2004-37, disponibilizado na página do IBAMA na internet10:

“HISTÓRICO

2. Em 23 de novembro de 2004: a Companhia Vale do Rio Doce protocolou junto ao IBAMA o pedido de LI para duplicação da Estrada de Ferro Carajás. A proposta de projeto envolvia a duplicação de quatro trechos (km 0 – 18+478; km 18+478 – 39; km 480 – 617; km 862+714 – 890+648) e ampliação da Pera da Mina de Carajás. Para a realização dessas obras seriam necessárias as duplicações de pontes e viadutos.

3. Em 10 de fevereiro de 2005: em reunião a empresa comunicou ao IBAMA que alteraria o projeto, passando a ampliar a capacidade operacional da EFC por meio da ampliação de 46 pátios de cruzamento, sendo 16 em 2005 e 30 em 2006. As Licenças de Instalação referentes às Obras da 1ª. Etapa da Duplicação da Estrada de Ferro Carajás foram concedidas em 09 de janeiro de 2006 (LI nº. 355/2005 e ASV nº. 79/2005, referentes aos lotes 1, 2 e 3) e 23 de junho de 2006 (LI nº. 363/2006 e ASV nº. 85/2006, referentes ao Lote 07).

4. Em 14 de julho de 2005 foi protocolado no IBAMA o EA/PBA referente a 2a Etapa da Duplicação da Estrada de Ferro Carajás, tendo sido publicado a solicitação de LI em 19 de julho.

5. Em 09 de agosto de 2006 foi apresentado o Relatório Ambiental referente a duplicação do Trecho entre as locações 37 e 38, tendo sido publicado as solicitação de LI em 08 de janeiro de 2007. Em 27 de junho de 2007 foram emitidas a LI nº. 450/2007 e a ASV nº. 165/2007, referentes a 2o Etapa da Duplicação da EFC.

6. Em reunião realizada em julho de 2006 foi informado ao IBAMA que, devido a alterações de projeto, o pátio da Locação 16 seria encaminhado para analise à parte, o que foi feito em 26 de setembro de 2007. Após análise do documento, foi emitida a LI nº. 476/2007 e ASV nº. 198/2007, em 26 de novembro de 2007.

7. A partir de maio de 2008 a EFC inicia o processo de licenciamento ambiental para a 3a e 4a etapas, denominadas pela empresa Fases 1 e 2.

8. Em 08 de maio de 2008 foi protocolada a primeira versão do EA/PBA referente a 3a

etapa da duplicação da EFC (GALAP-EXT: 059/2008, protocolo no 5323, folha 774 do processo. Esse mesmo Estudo foi encaminhado também pelo Oficio da Golder Associates s/n, sob protocolo nº. 5324 (folha 802 do processo).

10 Disponível na página web do IBAMA, em G:\dilic\COTRA\0_EMP\FER\VALE\EFC_MA PA_duplicação_7241-04\2012\Parecer duplicação 2012\05_PT Vale_duplicacao EFC 2012.odt

9. Em 19 de maio de 2008 (GALAP-EXT: 067/2008, protocolo nº. 5734, folha 779), a EFC protocola a solicitação de ASV para a Fase 1, acompanhada do Relatório de área a ser suprimida.

10. Em 28 de maio de 2008 (GALAP-EXT: 082/2008, protocolo nº. 6119/2008, folha 786) a VALE encaminha o requerimento de LI para a Fase 1.

11. Em 20 de junho de 2008, a VALE protocola a segunda versão do estudo da 3a Etapa, por meio do Oficio GALAP-EXT: 246/2008 (protocolo nº. 13082, folha 849).

12. Em 28 de janeiro de 2009, a EFC encaminha a Caracterização Vegetacional e Inventário Florestal referentes ao projeto da 3a etapa da EFC, referente aos segmentos 20 a 25.

13. Em 02 de fevereiro de 2009 foi protocolado tanto na SEMA/MA quanto no IBAMA o Relatório Técnico para Outorga de Uso da Águas, referente a 3a etapa da duplicação da EFC (oficio GALAP-EXT: 012/2009, protocolo no 1161, a folha 874). Na mesma data, a EFC protocola o documento de mesmo teor relativo ao estado do Pará, também na SEMA/PA e IBAMA, por meio do Oficio GALAP-EXT: 013/2009 (protocolo nº. 1162, folha 875).

14. Em 04 de fevereiro de 2009, a EFC protocola no IBAMA as 20 certidões de conformidade com a Lei de Uso e Ocupação do Solo referente aos municípios afetados pela Fase 1 (3a etapa), restante faltantes os municípios de São Francisco do Brejão, Bacabeira, Vila Nova dos Martírios, e Santa Inês. Ainda, foram apresentados os documentos contratuais, bem como os memoriais descritivos e croquis de localização das áreas adquiridas para esse projeto (71 e 91 no total). Em relação às 20 propriedades restantes, de acordo com o documento os contratos não foram firmados em virtude de diversos fatores, destacando-se as irregularidades fundiárias. O Oficio de encaminhamento dessa documentação e o GALAP-EXT: 035/2009, protocolado sob o nº. 1258 (as folhas 876 a 967).

15. Em 17 de fevereiro de 2009, a VALE protocola junto ao IBAMA o RCA/PCA para os canteiros de obra necessários a 3a e a 4a etapas da duplicação da EFC (Oficio GALAP-EXT: 036/2009, protocolo nº. 1867, folha 972).

16. Em 28 de fevereiro de 2009, a VALE protocola por meio do Oficio GALAP-EXT: 047/2009 (protocolo nº. 1959, folha 974) a ART referente a Caracterização Vegetacional protocolada em 28 de janeiro de 2009.

17. Em 25 de fevereiro de 2009 foi entregue em mãos nova versão da Caracterização Vegetacional protocolada em 28 de janeiro de 2009. Considerando que esse procedimento era inadequado, o IBAMA reencaminhou em 02 de marco de 2009 os estudos a EFC (Oficio nº. 42/2009, folha 1025 do processo), solicitando que essa fosse protocolada novamente e informando que o prazo para a análise só seria considerado a partir desse novo protocolo.

18. Em 02 de abril de 2009, o IBAMA solicita à VALE por meio do Oficio nº. 66/2009 (folha 1026) documento compilatório das informações apresentadas pelo Oficio GALAP-EXT: 035/2009. Esse documento foi protocolado em 22 de abril de 2009, por meio do oficio GALAPEXT: 101/2009 (protocolo nº. 4836, folha 1029).

19. Em 29 de junho de 2009, a VALE encaminhou o EA/PBA referente a 4a etapa da duplicação da EFC, por meio do oficio GALAP-EXT: 151/2009 (protocolo nº. 8143, folha 1054).

20. Em 03 de julho de 2009, a VALE protocola junto ao IBAMA as ART's referentes ao EA/PBA da 4a etapa (Fase 2).

21. Em 29 de julho de 2009, a VALE encaminha ao IBAMA por meio do oficio GALAPEXT: 166/2009 a publicação referente a 4a etapa (Fase 2), realizada em 10 de julho nos jornais de grande circulação do Pará e Maranhão e em 13 de julho no D.O.U. (protocolo nº. 9657, folhas 1089 e 1090)

22. Em 30 de setembro de 2009, a VALE protocolou no IBAMA o requerimento de LI para os canteiros principais para as obras da 3a e 4a etapas, cujo RCA/PCA foi protocolado em 17 de fevereiro de 2009. O oficio que encaminhou esses documentos e o GALAP-EXT: 205/2009, protocolado sob o nº. 12086, folhas 1133 a 1136 do processo.

23. Em 05 de outubro de 2009, a VALE protocolou no IBAMA por meio do Oficio GALAPEXT: 210/2009 (protocolo nº. 12222, folhas 1137 a 1144) as certidões de conformidade com a Lei de Uso e Ocupação do Solo dos municípios de Bacabeira, São Francisco do Brejão e Vila Nova dos Martírios.

24. Em 27 de outubro de 2009, foram protocoladas as publicações dos requerimentos de Licença de Instalação dos Canteiros de Obras Principais (PA e MA). Foram publicadas no Diário do Pará, O Imparcial (MA) e no Diário Oficial da União.

25. Em 29 de dezembro de 2009, foram protocolados o Relatório Final da Obras de superestrutura ferroviária (LI no 411/2006) e o Relatório de Execução de Plantio Compensatório – Recomposição de Matas Ciliares (Obras de Ampliação de Pátios de Cruzamento da EFC).

26. No dia 30 de dezembro de 2009, foi protocolado pela VALE o Primeiro Relatório de Monitoramento do Plantio de Castanheiras, em atendimento a condicionante 2.6 da ASV no 165/2007.

27. Em 05 de janeiro de 2010, foi emitido o Parecer Técnico no 002/2010 – COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, relativo a analise do cumprimento das condicionantes das Licenças de Instalação nº. 355/2005, 363/2006, nº. 450/2007, e das Autorizações de Supressão de Vegetação nº. 159/2007, nº. 182/2007, nº. 118/2006 e nº. 198/2007.

28. Em 11 de janeiro de 2010, e oficiado sobre as pendências identificadas no Parecer Técnico nº. 002/2010 – COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA.

29. Em 14 de janeiro a VALE protocola o Relatório Final das Obras referente ao Lote 07 (LI nº. 263/2006) do prolongamento de pátios. Em 12 de fevereiro são protocolados outros documentos referentes as solicitações do mesmo oficio.

30. Em 15 de janeiro de 2010, o IBAMA oficia a EFC a apresentar o projeto de execução das duas fases da Duplicação da EFC, para que fosse dada continuidade nas analises em curso.

Solicitação atendida com o protocolo dos documentos em 05 de fevereiro de 2010.

31. Em 26 de janeiro de 2010, são protocoladas as solicitação de Licenças de Instalação para os Canteiros de Obras Principais (Fase I) e para a 3a e 4a Etapas de Duplicação da EFC (Fase I e Fase II).

32. Em 01 de fevereiro de 2010, a VALE protocola o levantamento vegetal quali-quantitativo referente a Linha Tronco, Fase II.

33. Em 12 de fevereiro de 2010, são apresentados alguns esclarecimentos relativos ao

diagnóstico ambiental do meio biótico dos estudos da 3a e da 4a Etapas da Duplicação da EFC (Fase I e Fase II).

34. Em 12 de fevereiro de 2010, foi protocolado o requerimento de renovação da LI no

450/2007. Também foram protocolados o projeto executivo de recuperação das áreas degradadas pela ampliação do terminal ferroviário de Carajás e os requerimentos de ASV para Canteiros de Obras Principais (Fase I) e para a 3a e 4a Etapas de Duplicação da EFC (Fase I e Fase II).

35. Em 08 de marco de 2010 sao apresentadas ao IBAMA as publicacoes do requerimento de renovação da LI no 450/2007, no Diario Oficial da Uniao e n' O Imparcial (MA).

36. Em 12 de marco de 2010, foi protocolada solicitação de liberacao para o inicio das obras da Fase I.

37. Em 28 de abril de 2010, foram protocolados os estudos (RCA/PCA) dos canteiros de obras principais (MA e PA0, referentes a 4a etapa, Fase II. Também foi protocolado o requerimento de renovação da ASV no 165/2007.

38. Em 13 de maio de 2010, foi protocolado solicitação de prorrogação do prazo para

atendimento das condicionantes referentes a execução de Plantio Compensatório – recomposição de matas ciliares dos pátios de cruzamento, bem como os requerimentos de LI e ASV para os Canteiros de Obras Principais (MA e PA) para a 4a etapa de duplicação da EFC, Fase II.

39. Em 25 de maio de 2010, foram protocoladas informações relativas aos canteiros de Obras Principais (MA e PA) para a 3a Etapa de Duplicação da EFC, Fase I, entre as locações 6-7, 24-25, 26-27 e 27-28.

40. Em 07 de junho de 2010, foi emitido o Parecer Técnico no 077/2010-COTRA/CGTMO/DILILC/IBAMA, que analisa os estudos referente aos canteiros de obras de Santa Rita e de Bom Jesus das Selvas.

41. Após reunião ocorrida no dia 09 de junho, a VALE protocolou, em 16 de junho, os

esclarecimentos relativos aos canteiros de obras de Santa Rita e de Bom Jesus das Selvas.

42. Em 21 de junho de 2010 foram protocoladas as publicações do requerimento de LI dos canteiros de Santa Rita e de Bom Jesus das Selvas (Diário Oficial da União e n' O Imparcial – MA).

43. Em 29 de junho de 2010, foi emitido o Parecer Técnico no 095/2010 –COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, referente a analise das complementações

referentes aos estudos dos canteiros de Santa Rita e de Bom Jesus das Selvas.

44. Em 06 de julho de 2010 foi emitida a Licença de Instalação no 702/2010 para os canteiros de Santa Rita e de Bom Jesus das Selvas.

45. Em 31 de agosto de 2010 foi realizada reunião para que o IBAMA apresentasse os

problemas identificados em uma analise preliminar dos estudos referentes a Duplicação da EFC, Fases I e II.

46. Em 08 de setembro de 2010, foi realizada reunião para que o IBAMA apresentasse as pendências identificadas na analise dos Estudos Ambientais (EA/PBA) das Fases I e II da Duplicação EFC, e ficou definido que o Licenciamento seria concedido conforme apresentação de estudos mais detalhados para cada trecho; também ficou definido que seriam agendadas reuniões especificas para tratar de cada meio. A reunião sobre o meio biótico foi realizada nesse mesmo dia, e as do meio socioeconômico e físico foram realizadas dia 15 de setembro de 2010.

47. Em 15 de setembro de 2010, foi entregue a VALE o Oficio no 103/2010 – CGTMO/DILIC, em que o IBAMA elenca todas as pendências para todos os meios observadas no Estudo Ambiental apresentado.

48. Em 13 de outubro de 2010, foi protocolado no IBAMA, no 02001.031361/2010-01, um Oficio da VALE encaminhando o detalhamento do Estudo para duplicação da EFC referente aos segmentos 7, 8, 9 e 20.

49. Em 14 de dezembro de 2010, foi emitida pelo IBAMA a Licença de Instalação no

752/2010, referente as obras de duplicação da Estrada de Ferro Carajás nos segmentos 7, 8, 9 e 20, que totalizam 60 km.

50. Em 06 de janeiro de 2011, a VALE protocola no IBAMA, no 02001.000044/2011-16, a publicação da emissão da LI no 752/2010 no Diário Oficial da União, em 29/12/2010, e em jornal de grande circulação, “O Imparcial”, de 29/12/2010.

51. Em 06 de janeiro de 2011, a VALE protocola no IBAMA, no 02001.000045/2011-61, declaração de conformidade com a Lei de Uso e Ocupação do Solo dos municípios de Itinga do Maranhao/MA e Bom Jardim/MA, e a renovação da certidão do município de Bacabeira/MA.

52. Em 14 de fevereiro de 2011, o IBAMA retifica a LI nº. 752/2010, dando nova redação à condicionante 2.8.

53. Em 16 de março de 2011, em reunião, o IBAMA informa a VALE a impossibilidade, por motivos técnicos e jurídicos, de seguir com o licenciamento da duplicação da EFC por segmentos, sendo melhor tratar o empreendimento como um todo, inclusive com um novo Termo de Referencia para apresentação de um novo Estudo Ambiental.

54. Em 12 de abril de 2011, o Oficio Circular nº. 01/2011 – COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, encaminha minuta de Termo de Referencia para o IPHAN, ICMBio, Fundação Cultural Palmares, FUNAI, INCRA, Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Estado do Maranhão, e Secretaria de Meio Ambiente do Pará. Nesse mesmo dia os Memos nº. 138 e 139/2011 – COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, encaminha minuta de Termo de Referencia as Superintendências do IBAMA nos estados do Maranhão e do Pará.

55. Em 02 de maio de 2011, o IBAMA encaminha, por meio do Oficio no 151/2011 – COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, a minuta do Termo de Referência à VALE.

56. Entre 25 e 29 de abril de 2011, foi realizada vistoria técnica em toda a extensão da Estrada de Ferro Carajás, com o intuito de subsidiar a analise de emissão da Licença de Instalação da duplicação da ferrovia, e ainda verificar demais aspectos relacionados a renovação da Licença de Operação.

57. Em 26 de maio de 2011, o IBAMA encaminha, por meio do Oficio no 183/2011 –

COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, o Termo de Referencia para subsidiar a elaboração do Estudo Ambiental e Plano Básico Ambiental – EA/PBA, para duplicação da Estrada de Ferro Carajás.

58. Em 13 de outubro de 2011, foram emitidas as Autorizações de Captura, Coleta e Transporte de material Biológico nº. 06/2011, 07/2011, 08/2011, com validade de 02 anos.

HISTÓRICO - OUTRAS VOZES SOBRE O PROCESSO DE LICENCIAMENTO DAS OBRAS DE DUPLICAÇÃO DA ESTRADA DE FERRO CARAJÁS

Em 08 de agosto de 2011 foi proposta Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal em face do IBAMA e da Vale.S.A., que tramitou pela 8ª. Vara da Justiça Federal em São Luís. A ação tramitou sob o nº. 0021337-52.2011.4.01.3700. A Defensoria Pública da União atuou como litisconsorte no pólo ativo da ação.

Conforme consta de sua petição inicial, referida demanda insurgiu-se “contra a insuficiência dos estudos apresentado pela VALE S.A. ao IBAMA, no processo de licenciamento ambiental do empreendimento Duplicação da Estrada de Ferro Carajás, de responsabilidade da primeira requerida, que omitiu os impactos ambientais e sociais causados às comunidades remanescentes de quilombos Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo, além de outras indicadas pela Fundação Cultural Palmares, localizados no Município de Itapecuru-Mirim/MA e perpassados pela ferrovia Carajás.”

A ação judicial acima referiu-se a determinado trecho da EFC, situado no segmento 20 (locações 06 a 07, Kms 74,673 a 89,815), no qual as obras já haviam sido autorizadas pela Licença de Instalação (LI) nº. 752/2010, expedida aos 14 de dezembro de 2010 e versou sobre irregularidades quanto aos estudos prévios, sua publicidade e quanto à previsão de medidas de mitigação e de compensação das obras de duplicação da EFC em um segmento específico da ferrovia.

Uma vez que as condições fáticas que ensejaram o ajuizamento da aludida Ação Civil Pública estão presentes em outros segmentos específicos da ferrovia, em vias de serem licenciados, as organizações Justiça Global e a Rede Justiça nos Trilhos, em 30 de dezembro de 2011, encaminharam via protocolo uma representação acompanhada de um conjunto de documentos com a descrição da previsão dos impactos presentes e estimados diretamente decorrentes das obras de duplicação da EFC em pelo menos 16 (dezesseis) de todos os assentamentos humanos situados na considerada “área de influência direta”, ou seja, em um raio igual ou menor a 500m do eixo da referida estrada de ferro.

Essa representação foi endereçada à Ministra do Meio Ambiente, ao Presidente do IBAMA, à Procuradora Chefe Nacional da Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA, à Diretora da Diretoria de Licenciamento (DILIC) do IBAMA, do Diretor do COTRA, Marcus Vinicius de Melo, entre outros.

Não se tem notícia de que as observações e dados inseridos no referido documento e em seus anexos tenham sido juntados e estejam sendo levados em conta pelo órgão ambiental licenciador, no curso do processo de licenciamento. Observe-se que no parecer técnico nº 083/2012-COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, elaborado alguns meses depois da data do protocolo desses documentos, não se faz qualquer menção a eles. Ao mesmo tempo, tampouco se conhece alguma nota técnica a respeito, ainda que fosse para justificar o seu descarte.

As irregularidades do processo de licenciamento também foram denunciadas ao Ministério Público Federal em Imperatriz-MA, que por sua vez instaurou o Procedimento Administrativo nº. 1.19.001.000106/2012-18, a fim de investiga-las. O PROJETO DE DUPLICAÇÃO DA ESTRADA DE FERRO E OS POSSÍVEIS

EFEITOS SOBRE POVOS INDÍGENAS E COMUNIDADES QUILOMBOLAS

- O caso Awá-Guajá

Um dos últimos povos de caçadores-colectores do Brasil está ameaçado de extinção. Cercados por latifúndios, criadores de gado, madeireiros e centenas de posseiros, os Awá-Guajá, moradores das florestas da pré-Amazónia oriental, estado do Maranhão, no Brasil, vêm sendo encurralados nas suas próprias terras. Pistoleiros contratados por fazendeiros e madeireiros “caçam” qualquer índio que se lhes atravesse no caminho.

Os Awá já foram agricultores, e ocupavam grandes áreas da Amazónia oriental. Há cerca de 200 anos foram forçados a adotar o nomadismo para poder escapar à incansável perseguição dos invasores do seu território. Passam a viver em pequenos grupos de 5 a 10 pessoas. Eles caçam, pescam e coletam castanhas e frutas, apreciando especialmente o babaçu.

O primeiro contacto com um grupo Awá aconteceu em 1973, e

mais grupos foram contactados desde então. A Fundação Nacional do Índio (Funai) levou todos os Awá contactados para quatro aldeias. A maioria deles é sobrevivente de massacres executados por fazendeiros e madeireiros. Muitos perderam parentes próximos ou estão separados das suas famílias. É difícil dizer quantos Awá-Guajá foram assassinados. Hoje há cerca de 300 Awá-Guajá, provavelmente a metade do número existente nos anos 60. Numerosos Awá-Guajá que viviam isolados foram encontrados a sobreviver em pequenos restos de floresta, em condições desumanas, com frequência perto de povoados e de linhas do caminho de ferro. Calcula-se em cerca de 60 a 100 os Awá-Guajá não contactados que vivem sob a ameaça de pistoleiros que patrulham regularmente algumas das maiores fazendas que ocupam ilegalmente o seu território de perambulação.11

Em vista da recente campanha internacional em defesa do povo

Awá-Guajá, lançada pela organização Survival Internacional, o Conselho Indigenista Missionário reitera que persistem as ameaças ao povo Awá-Guajá e a seu território, dentre as quais:

1. O desaparecimento acelerado de suas florestas e,

consequentemente, da fauna, vem causando mudanças violentas na cultura e no modo de vida dos Awá-Guajá. Podemos imaginar como caçadores e coletores podem viver sem a floresta? As operações policiais até então realizadas só confirmam que as terras Araribóia, Awá, Caru, Turiaçu e a Reserva Biológica do Gurupi, são fontes de toda a madeira que abastece serrarias, localizada em municípios no entorno dessas terras. Isso prova também que planos permanentes de vigilância devem ser imediatamente implantados.

2. A ausência de políticas públicas específicas de saúde e de

proteção de suas florestas, de apoio ao seu modo de economia tradicional de caça e coleta, como também a ausência de assistência diferenciada por parte da Funai, visto tratar-se de povo indígena de recente contato, são também ameaças à integridade dos Awá-Guajá;

11 http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EEFAkEZkFyPCRjVDKA

3. O último ataque sofrido por este povo em 2011, sendo mundialmente divulgado e confirmado em janeiro de 2012 por uma equipe de defensores;

4. Pelas condições de vulnerabilidade de sua população

contatada frente aos madeireiros e a ausência total do Estado. Vários idosos já morreram e muitos estão debilitados por doenças causadas por subnutrição, como a tuberculose. Mais de seis pessoas, em sua maioria jovens, são acometidos por uma doença que se assemelha a epilepsia. Um estudo técnico/cientifico poderá esclarecer as causas; que acreditamos, estejam relacionadas às violentas mudanças impostas ao povo;

5. A grande violência do Projeto Carajás. São verificados

impactos sobre sua cultura, seu território e suas florestas. A ferrovia Ferro-Carajás, que corta o território indígena, está sendo ampliada o que resultará em mais lucros para a VALE. Já o povo Awá-Guajá continua sem atendimento mínimo na área de saúde. Mais um povo vítima do ‘progresso’ e do engodo dos programas compensatórios.

O processo de judicialização do procedimento demarcatório da

terra indígena Awá teve início na década de 1980, e vinha impedindo a retirada de invasores do território indígena. Tal impedimento não mais existe. É urgente, portanto, empreender providências no sentido de retirar tais ocupantes para que a terra seja finalmente devolvida aos Awa-Guajá e, posteriormente, recomposta sua flora.

Os territórios habitados pelos Awá-Guajá são os mais

desmatados na Amazônia Legal. Mas ainda é possível salvar e preservar o que resta dessa riqueza biológica presente no estado do Maranhão.12 - dos impactos sobre os Awá

Construída como parte imprescindível do Projeto Ferro Carajás da então chamada Companhia Vale do Rio Doce, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) entrou em funcionamento em 1985 com o objetivo de transportar o minério extraído da serra de Carajás, no estado do Pará, até o porto da Ponta da Madeira, em São Luís, de onde é exportado mundo a fora. Com o tempo, essa Estrada foi crescendo em importância econômica e passou a diversificar as mercadorias transportadas. Atualmente transporta grãos, combustíveis, carvão, manganês etc. Possui 892 km e corta 25 localidades, sendo 21 só no Maranhão. Diariamente passam dois tipos de trens por essa ferrovia: o trem de

12 http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6230

passageiros e o trem cargueiro, que possui 332 vagões e mais de 3.400 m de comprimento. Visando aumentar a sua capacidade de escoação de ferro por ano; viabilizar a exploração da enorme jazida de Serra Sul, situada em Canaã dos Carajás – PA, a partir de 2013 e elevar o transporte de cargas de terceiros, a Vale está duplicando essa Estrada. O processo de duplicação da Estrada de Ferro Carajás não envolve apenas a construção de outra linha férrea paralela à existente, mas ainda a reforma dos 57 pátios de cruzamento e a construção do píer IV, no Porto da Ponta da Madeira. Apesar das obras mencionadas fazerem parte de um único projeto, voltado para a otimização da EFC, a empreendedora solicitou junto ao IBAMA e recebeu as licenças ambientais como se fossem para obras separadas. Fragmentando o empreendimento, a Vale desobrigou-se de apresentar o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental), de fazer audiências públicas e apresentar condicionantes muito mais rigorosas.

Apesar de as obras de duplicação dos trilhos apresentarem todas

as características de um empreendimento de grande porte, a saber: remoção de população, intervenção em área de preservação permanente (APP) ou supressão de vegetação em área de proteção ambiental e intervenção em áreas especialmente protegidas como os territórios quilombolas e reservas indígenas, a empreendedora conseguiu a licença ambiental como se fosse para um empreendimento sem grandes impactos alegando que as obras restringir-se-iam à faixa de domínio de que detém a concessão.

As obras de duplicação da estrada exigirão a movimentação de

milhões de metros cúbicos de terra, rocha, brita e aterros, além de máquinas pesadas e equipamentos ferroviários que, em geral, serão transportados através das estradas vicinais das comunidades. Além disso, os trabalhos na estrada necessitarão de centenas de operários vindos de fora das comunidades o que têm impacto sobre os serviços públicos já tão precários dos municípios e sobre a sua dinâmica social.

Destaca-se que a atual linha da estrada de ferro Carajás percorre o limite da Terra Indígena Caru, onde estão localizados os maiores agrupamentos de Awá Guajá já contactados no Maranhão. Os Awá contactados e os outros povos indígenas que vivem na referida TI afirmam que ainda existem grupos familiares de awá não-contactados. A obra de duplicação da estrada de ferro causará graves danos ao modo tradicional de vida desse povo, possibilitando o agravamento do risco de extinção que os mesmos sofrem, em virtude de todos os impactos aqui já mencionados. - Impactos sobre comunidades quilombolas

Além dos graves impactos que a possível duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC) poderá trazer para os indígenas, é cristalino também que os quilombolas (outro grupo populacional bastante forte no Maranhão) sofrerão os mesmos efeitos negativos.

Em verdade, em números absolutos, os impactos negativos do

projeto de duplicação da EFC sobre quilombolas é bem maior do que sobre os indígenas. Conforme o projeto original de duplicação, a linha férrea deverá cortar os municípios de Anajatuba, Arari, Miranda do Norte, Santa Rita, Itapecuru-Mirim, afetando cerca de 80 comunidades quilombolas.

No Parecer n. 009/DPA/FCP/Minc/2011, a Fundação Cultural

Palmares (FCP) ratifica a presente informação, e aponta falhas graves no Estudo Ambiental e Plano Básico Ambiental elaborado pela VALE. Vejamos:

“Neste sentido, quando da caracterização da AID [Área de Influência Direta], há referência sobre a existência de 25 núcleos de comunidades remanescentes de quilombolas, conforme denominação utilizada pelo estudo em questão (p 467). Tal estudo, porém, não faz referência alguma de quais são e onde estão localizadas estas comunidades em nenhum dos itens contido no Estudo Ambiental e Plano Básico Ambiental. Tampouco, quando da descrição de cada município inserido na AID, composto por itens específicos de cada tema (saúde, educação, economia, cultura e bens culturais, dentre outros), não constam informações sobre comunidades quilombolas. Da mesma forma, o estudo não apresenta a devida caracterização de tais comunidades com (sic) também não faz menção à legislação específica sobre o tema concernente às comunidades quilombolas, deixando assim uma grave lacuna no que tange um dos itens obrigatórios do EIA/RIMA, acerca de dados sobre Comunidades Tradicionais/Comunidades Quilombolas, haja vista que houve, por parte do empreendedor, o apontamento anteriormente citado sobre a existência de 25 núcleos.” (grifo nosso).

A seguir, a FCP enumera uma lista de várias comunidades que

estão situadas junto às áreas de abrangência do empreendimento, totalizando 86 comunidades quilombolas.

Prossegue o Parecer, “No que tange aspectos ligados ao Plano Básico Ambiental apresentado, mas especificamente, o “Programa de Educação Ambiental´, o estudo limitou-se a apresentar informações sobre resgate arqueológico sem apontar questões envolvendo a valorização da cultura local,

principalmente junto às comunidades quilombolas junto às áreas de abrangência do empreendimento.”

Conclui a peça, “Diante da responsabilidade conferida a esta Fundação Cultural Palmares perante os direitos de todas as comunidades quilombolas citadas neste parecer em detrimento do processo de licenciamento ambiental de duplicação da EFC; da não identificação e da inexistência de dados sobre as comunidades quilombolas a serem atingidas pela EFC; da ausência de parâmetros para verificação dos níveis de impactos sobre as mesmas, impactos esses possíveis de serem percebidos por meio de diagnóstico específico; da insuficiência de mecanismos para a verificação e inserção das comunidades quilombolas em apreço junto ao referido processo de licenciamento ambiental e da dificuldade que as mesmas enfrentam de acesso às informações, esta área técnica considera insuficiente o Estudo Ambiental e Programa Básico Ambiental da duplicação da Estrada de Ferro Carajás em face à ausência dos elementos aqui mencionados. Da mesma forma acusa a necessidade urgente de elaboração de estudos detalhados e diagnósticos sobre os impactos (diretos e indiretos) específicos voltados às comunidades quilombolas em apreço (...)”.

Por fim, o Parecer da FCP (em anexo) enumera diversos pontos cruciais na elaboração do futuro estudo, a fim de contemplar as especificidades e necessidades das comunidades quilombolas.

Importa ressaltar que já existe precedente em relação a este ponto.

Foi ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União, no mês de agosto de 2011, a Ação Civil Pública 0021337-52.2011.4.01.3700, que tramita na 8ª Vara Federal, contra os mesmos requeridos nesta ação (VALE e IBAMA).

Naquela oportunidade, pleiteava o MPF e a DPU, de forma liminar,

que os requeridos fossem condenados à elaboração de complementação adequada ao estudo ambiental no tocante à previsão e análise detalhada dos impactos sociais causados às comunidades quilombolas de Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo, ambas no município de Itapecuru-Mirim, e aos outros grupos étnicos que porventura fossem afetados, prevendo outrossim, medidas informativas, compensatórias e mitigatórias em face das populações.

Em audiência de conciliação prévia realizada no dia 08 de março

do corrente, as partes e as comunidades selaram um acordo, homologado pelo MM Juiz, que beneficia apenas, como dito anteriormente, as comunidades de Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo.

Assim, é mister que o procedimento de licenciamento ambiental

que está sendo realizado pelo IBAMA seja SUSPENSO e que os estudos da empresa VALE sejam novamente realizados, de forma mais aprofundada, de modo bastante semelhante ao pontuado no Parecer da Fundação Cultural

Palmares, a fim de que TODAS as comunidades quilombolas afetadas pelo empreendimento possam ser identificadas e consideradas nos futuros acordos e pagamentos de indenizações e efetivação de medidas compensatórias e mitigadoras. DO DIREITO Da não aplicabilidade da Resolução 349 do CONAMA e da obrigatoriedade legal de se realizar um processo de licenciamento ambiental regular e não simplificado

Conforme descrito na própria página web do IBAMA:

“O licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente e possui como uma de suas mais expressivas características a participação social na tomada de decisão, por meio da realização de Audiências Públicas como parte do processo.

Essa obrigação é compartilhada pelos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente e pelo Ibama, como partes integrantes do SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente). O Ibama atua, principalmente, no licenciamento de grandes projetos de infra-estrutura que envolvam impactos em mais de um estado e nas atividades do setor de petróleo e gás na plataforma continental.

As principais diretrizes para a execução do licenciamento ambiental estão expressas na Lei 6.938/81 e nas Resoluções CONAMA nº 001/86 e nº 237/97. Além dessas, recentemente foi publicado a Lei Complementar nº 140/2011, que discorre sobre a competência estadual e federal para o licenciamento, tendo como fundamento a localização do empreendimento.”

De fato, por imposição legal, o processo de licenciamento deve ser orientado com estudos e diligências adequadas de maneira com que anteveja, com o maior rigor possível, os danos que uma obra de tamanha envergadura como a duplicação da EFC13 certamente causará ou já tem causado ao meio

13 Conforme informado pelo próprio empreendedor ao IBAMA, o custo estimado da obra é de R$ 8,29 bilhões.

ambiente, a unidades de conservação e áreas de preservação permanente, aos recursos hídricos, ao patrimônio histórico, a povos indígenas, a quilombolas, aos assentamentos para a reforma agrária e às comunidades urbanas ou rurais que vivem no seu entorno ou são cortadas pela EFC.

De fato, as obras de duplicação da EFC exigirão a construção de cerca de centenas de quilômetros de linha férrea, a construção de dezenas de obras de engenharia, com a movimentação de milhões de metros cúbicos de rochas, terra, aterros, brita, e a conseqüente supressão de vegetação, além de um expressivo volume de dormentes, grampos, trilhos, máquinas de via e todos os equipamentos ferroviários necessários a essa construção.

Nesse sentido, torna-se bastante questionável o fato de o IBAMA estar conduzindo o referido processo de licenciamento de maneira “simplificada”. Com efeito, tal procedimento está sendo desenvolvido em desacordo com a lei, devendo ser citada, em especial, a Resolução CONAMA nº. 349/2004, que dispõe sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos ferroviários de pequeno potencial de impacto ambiental e a regularização de empreendimentos em operação.

De fato, segundo a referida resolução, a obra de duplicação da EFC não poderia jamais ter sido considerada como um “empreendimento ferroviário de pequeno potencial de impacto ambiental”, sendo portanto vedado que o processo de licenciamento tramite de maneira simplificada, sem observar as regras gerais atinentes à matéria. Vejamos:

“RESOLUÇÃO CONAMA nº. 349/2004

Art. 3°. Para efeito desta Resolução, considera-se atividade ou empreendimento ferroviário de pequeno potencial de impacto ambiental as obras ferroviárias desenvolvidas dentro dos limites da faixa de domínio preexistente, que não impliquem:

I - remoção de população;

II - intervenção em áreas de preservação permanente, unidades de conservação ou em outros espaços territoriais especialmente protegidos;

III - supressão de vegetação sujeita a regime especial de proteção legal, bem como de espécies referidas no art. 7o, da Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965.

§ 1°. Além das obras ferroviárias previstas neste artigo, poderão ser também consideradas atividades ou empreendimentos ferroviários de pequeno potencial de impacto ambiental, quando assim avaliados pelo órgão ambiental competente:

I - a ampliação ou construção de ramais ferroviários de até cinco quilômetros de extensão;

II - a ampliação ou construção de pátios de manobras, transbordo e cruzamento;

III - a ampliação ou construção de terminais de carga, descarga e transbordo, cujos produtos não sejam classificados como perigosos pela legislação vigente.

§ 2°. Os empreendimentos e atividades referidos neste artigo ficam sujeitos ao licenciamento ambiental com base em procedimento simplificado, nos termos do art. 12 da Resolução CONAMA nº. 237, de 1997.

§ 3°. Aplicam-se aos empreendimentos e atividades que não sejam considerados de pequeno potencial de impacto ambiental a Resolução CONAMA no 237, de 1997 e, quando couber, a Resolução CONAMA nº. 01, de 1986.

§ 4°. Fica vedada a fragmentação de empreendimentos e atividades a que se refere o parágrafo anterior para fins de enquadramento nesta Resolução.”

(grifo nosso)

Assim sendo, a obrigatoriedade da prévia confecção de EIA/RIMA, a possibilidade de audiências públicas, a obrigação de ser expedida licença prévia antes da licença de instalação e a impossibilidade de fragmentação do empreendimento deveriam estar sendo cumpridas antes de qualquer concessão de licença referente às obras de duplicação da EFC.

A obrigatoriedade na elaboração prévia do EIA/RIMA começa a brotar logo do texto do artigo 225 da Constituição Federal – que está sendo violado no presente caso. De fato, referido dispositivo constitucional, em seu inciso IV, é claríssimo ao “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou

atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”.

Relembre-se que o Estado brasileiro assumiu perante a comunidade internacional, ao assinar e ratificar a Convenção sobre Diversidade Biológica, incorporada ao sistema jurídico interno através do Decreto Legislativo nº 2, de 03/02/1994, promulgado pelo Decreto nº 2.519, de 16/3/1998, entre outras, a obrigação de estabelecer procedimentos adequados que exijam a avaliação de impacto ambiental de seus projetos propostos que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica, a fim de evitar ou minimizar tais efeitos, bem como de tomar providências adequadas para assegurar que sejam devidamente levadas em conta as conseqüências ambientais de seus programas e políticas que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica.

Além disso, convém recordar que o Decreto nº. 4.339, de 22 de agosto de 2002, que instituiu os princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional da Biodiversidade, estabelece em seu artigo 2º., inciso X, que “a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente deverá ser precedida de estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”.

Não por casualidade, a RESOLUÇÃO CONAMA Nº 237, de 19 de dezembro de 1997, já disciplinava, em seu artigo 3º., que a licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente depende de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual deve se dar publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

Nesse sentido, impera, portanto, a regra básica contida na RESOLUÇÃO CONAMA Nº 01/86, que dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a avaliação de impacto ambiental.

Art. 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:

(...)

II - Ferrovias;

(...)

Portanto, o entendimento da Vale S.A., referendado pelo órgão ambiental, no sentido de que o empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, e portanto faz jus a um processo de licenciamento “simplificado” sit et in quantum, não pode prevalecer.

Da maneira como está sendo desenvolvido o já mencionado processo de licenciamento, as populações atual e potencialmente impactadas e a sociedade em geral estão sendo impossibilitadas de participar, de expor as suas opiniões e de apresentar dados que possam vir a ser cruciais tanto para a decisão sobre a concessão ou não das licenças como para a definição das eventuais medidas mitigadoras, expressadas através das respectivas condicionantes.

1) Primeiro fator impeditivo do processo de licenciamento “simplificado”: remoção de população (Res. CONAMA Nº. 349/2004, art. 3º., I)

Conforme já exposto acima, por iniciativa da Vale S.A., que conta com o consentimento do órgão ambiental fiscalizador (IBAMA), o processo de licenciamento das obras de duplicação da EFC vem sendo realizado de maneira bastante fragmentada.

Ocorre que, segundo informações fornecidas pela própria Vale S.A. às organizações subscritoras, para a fase atual do projeto, referente à duplicação dos trilhos em somente 10 (dez) de todos os seus mais de 50 segmentos14, a Vale estima um total de 1.168 (mil, cento e sessenta e oito) interferências em residências e propriedades alheias.

Sabe-se que para o município de Marabá-PA, nas localidades denominadas Vila Coca-Cola, KM7 e Bairro Araguaia, está prevista a remoção forçada de ao menos 200 (duzentas famílias). Essa remoção é considerada imprescindível para a passagem da segunda linha de trem.

Frise-se que o número de famílias removidas nos próximos meses em Marabá-PA pode chegar a algo em torno de 500 (quinhentas), caso a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) não aprove o pedido da Vale de redução da faixa de domínio em 12 km (de 40 km para 28 km) naquela região.

14 Um segmento é o trecho de trilhos localizado entre dois pátios de cruzamento. Atualmente a EFC conta com 57 (cinquenta e sete) pátios de cruzamento, cada um com aproximadamente 4 (quatro) quilômetros de extensão.

Observa-se que, se por um lado a redução da faixa de domínio poderá evitar a remoção forçada de cerca de 300 (trezentas) famílias bem como uma substancial economia à Vale S.A. em relação às despesas respectivas, por outro lado, obrigará todas as famílias a conviverem com o trem de maneira ainda mais próxima, expostas aos ruídos, às vibrações e às consequentes rachaduras nas casas e aos desmoronamento de poços, fenômenos que têm sido comuns em toda a extensão da EFC.

Frise-se que segundo levantamento da própria Vale S.A., existiriam, atualmente, mais de cem localidades, entre povoados, vilas e cidades, no raio de 500 metros com eixo na Estrada de Ferro Carajás.

E, ainda, quanto às centenas de famílias que serão forçadamente removidas, não se tem garantia alguma de que o empreendedor seguirá as normas legais e os estândares internacionais15 acerca da matéria, estândares esses cujo cumprimento o estado brasileiro está obrigado, perante a comunidade internacional, a garantir.

Pelo contrário, as organizações subscritoras têm conhecimento de que algumas remoções de famílias em razão das obras de duplicação da EFC já estão sendo antecipadas, pelo menos em Marabá-PA e em Vila Pindaré e Centro dos Farias (Buriticupu-MA), sempre de maneira individual e com o pagamento de indenizações de valores de duvidosa legalidade, sob suspeita também de utilização de ameaça de remoção forçada.

De fato, é sabido pelas organizações autoras que famílias que vivem ao longo da EFC já estão sendo visitadas uma a uma há pelo menos três anos por funcionários da Vale S.A. Por “recomendação” de tais funcionários, algumas dessas famílias têm firmado “acordos” com a Vale S.A., isoladamente, por meio de “instrumento particular de transação extrajudicial, quitação e outras avenças”.

Referidas transações judiciais são tais em que a parte classificada como “beneficiário” recebe uma quantia em dinheiro que lhe é paga pela Vale S.A. pela perda de um banheiro externo, um galinheiro, uma horta, jardim ou em algumas vezes parte da casa ou a própria casa em que vive.

Ainda, pelas cláusulas do mencionado termo, os “transatores” renunciam a qualquer direito de ação sobre os “objetos transacionados” e, declaram a confidencialidade de toda a negociação, sob pena de multa.

15 Quanto aos estândares internacionais, no âmbito da ONU, ver por exemplo os Principios básicos y directrices sobre desalojos y el desplazamiento generados por el desarrollo , disponíveis, em espanhol, em http://www2.ohchr.org/english/issues/housing/docs/guidelines_sp.pdf. Ver ainda os Principios Rectores de los Desplazamientos Internos, disponíveis, em espanhol, em http://www.hchr.org.co/documentoseinformes/documentos/html/pactos/principios_rectores_desplazamientos_internos.html.

Segundo informado às organizações autoras, as pessoas têm pouca ou nenhuma condição objetiva para negar-se a firmar o termo ou exigir que esse se estabeleça em condições melhores. E, o que é mais grave, referida cláusula de confidencialidade gera um ambiente tal que as pessoas “beneficiárias” se vêem impedidas de se consultarem com profissionais de sua confiança e até mesmo de conversar com os vizinhos acerca do assunto.

2) Segundo fator impeditivo do processo de licenciamento “simplificado”: da intervenção em áreas de preservação permanente, unidades de conservação ou em outros espaços territoriais especialmente protegidos (Res. CONAMA Nº. 3492004, art. 3º., II)

As obras relativas à duplicação da EFC não somente prevêem intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APPs), unidades de conservação e outros espaços legalmente protegidos, como já têm gerado danos ambientais que são atuais e que já estão devidamente comprovados.

Efetivamente, no caso das obras de duplicação dos pátios de cruzamento – já licenciadas pelo IBAMA de maneira fracionada – já se observam intervenções ilegais em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Tais intervenções levaram o IBAMA a autuar a Vale S.A. e o Ministério Público Federal a propor uma Ação Civil Pública contra a mesma Vale S.A. e a União, que tramita ou tramita perante a 8a. Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Maranhão.

Na petição que deu início à referida Ação Civil Pública, o Procurador da República Alexandre Silva Soares afirma que "a Vale destruiu e ocupou irrregularmente as APPs, sem a devida autorização do IBAMA". Assim sendo, ao ultrapassar os limites delineados na Autorização para Supressão de Vegetação concedida pelo IBAMA, a Vale S.A. infringiu a Constituição da República em seu artigo 225, a Lei 9.605/98 em seu artigo 38, o Código Florestal e demais normas afins.

Outrossim, sabe-se também que as obras de duplicação da EFC obrigatoriamente irão intervir no território indígena Mãe Maria, no Estado do Pará (do povo Gavião), que é cruzado pela EFC. E além disso, as obras tendem a provocar impactos em outros territórios indígenas, a saber, as terras indígenas Caru (Guajajara e Awá-Guajá), Alto Turiaçu (povos Urubu Ka'apor, Timbira e grupos de Awá-Guajá nômades e isolados), Pindaré, entre Bom Jardim e Santa Inês (povo Guajajara e algumas famílias de Guaranis).

Além disso as obras intervirão também em territórios onde vivem mais de 80 comunidades quilombolas, conforme parecer expedido pela Fundação Cultural Palmares a respeito.

Conforme será melhor demonstrado adiante, cabe recordar que tanto no caso dos povos indígenas, como no caso dos quilombolas, aplica-se a Convenção 169 da OIT, assinada e ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 143, em vigor desde 2003, e que impõe a obrigatoriedade de consulta livre, prévia e informada sobre empreendimentos que os afetam.

As organizações autoras têm conhecimento também de que bens considerados como patrimônio histórico também estão sob ameaça de intervenção pelas obras de duplicação da EFC.

3) Outros impactos que justificam a imperiosidade de um procedimento de licenciamento regular, mais rigoroso e participativo

É notório que as obras de duplicação da EFC, dotadas de tamanha envergadura, pressupõem a construção de diversas vias de acesso, o intenso deslocamento de máquinas pesadas, a movimentação de milhões de metros cúbicos de rocha e terra e o uso intensivo de água.

Além disso, sabe-se que as obras de duplicação da EFC prevêem a instalação de canteiros de obras enormes, de tal modo que cidades pequenas estão sendo surpreendidas com a chegada, de uma só vez, de milhares de trabalhadores, quase que em sua totalidade do sexo masculino.

Apenas a título de exemplo, conforme o que consta do processo de licenciamento, está prevista para o canteiro de obras de Bom Jesus das Selvas – município do interior maranhense que hoje conta com não mais do que 25.000 (vinte e cinco mil) habitantes e com sérias carências em seus serviços públicos – a chegada simultânea de cerca de 2.000 (dois mil) trabalhadores para as obras de duplicação da EFC.

Tal canteiro de obras já foi licenciado pelo IBAMA, assim como o de Santa Rita, através de licenças expedidas em 06 de julho de 2010 e já se verificam impactos bastante significativos nas relações sociais, sem que tenha se dado a ampliação dos serviços públicos existentes para atender a essa nova demanda sem causar prejuízos à demanda local.

Soma-se a isso a natural tendência de aumento significativo dos já elevados índices de atropelamentos de pessoas e animais ao longo da ferrovia, caso não seja imposta pelo órgão licenciador e implementadas pelo

empreendedor medidas eficazes de segurança e prevenção, que quase não existem nos atuais 892 km de extensão da EFC.

No que concerne aos atropelamentos, cabe mencionar a existência do PRDC nº. 1.19.000.000521/2010-10, atualmente em trâmite perante o Ministério Público Federal no Estado do Maranhão - 1º. Ofício Cível.

Na representação que deu origem ao referido procedimento, afirma-se que, em sua extensão atual, a EFC, ao longo de toda a sua extensão, possui 725 (setecentas e vinte e cinco) travessias, ou seja, pontos em que há passagem de pessoas, animais e/ou veículos. Consta ainda da mesma representação que a cada mês 1 (uma) pessoa, em média, morre atropelada pelos trens operados pela Vale S.A., conforme relatórios da ANTT e matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, em 26/8/2008.

Sabe-se que o trecho da EFC de mais elevado risco de atropelamentos é o eixo localizado entre os municípios de Santa Inês-MA e Buriticupu-MA (incluindo o município de Alto Alegre do Pindaré-MA), além de outros pontos em que a EFC corta áreas de elevada densidade populacional, como por exemplo nos municípios de Açailândia-MA e Marabá-PA.

Outro fenômeno recorrente ao longo dos 892 km da EFC, cuja responsabilidade pode ser atribuída à empresa que a opera, é o dos frequentes incêndios provocados pela manutenção dos trilhos.

Ao realizar o esmerilhamento de seus trilhos, de forma a aumentar sua vida útil e reduzir seus custos, as máquinas operadas pela Vale S.A. produzem grandes quantidades de faíscas e resíduos incandescentes.

A título de exemplo, reportamo-nos a grave incêndio ocorrido a partir de 16 de setembro de 2010 no acampamento João do Vale, situado na Fazenda Conquista I e II, município de Açailândia, que provocou a destruição de ao menos 220 hectares de matas nativas e florestas emergentes, colocando em risco a rica biodiversidade local e os barracos que servem de moradia a dezenas de famílias ali acampadas16.

Também com respeito a esse fenômeno atribuído à conduta da Vale S.A., em relação aos trilhos que ela administra e às comunidades com que ela convive ao longo da EFC, faz-se mister que o processo de licenciamento das obras de duplicação tramite de maneira criteriosa e em conformidade com a lei, possibilitando a participação das comunidades

16 Maiores informações e fotos podem ser obtidas na seguinte página-web: http://www.mst.org.br/Incendio-provocado-pela-Vale-ameaca-acampamento-de-Sem-Terra-no-Maranhao.

impactadas e da sociedade em geral nesse processo, antevendo-se com maior cuidado os potenciais impactos e impondo-se com maior rigor as condicionantes e medidas mitigadoras.

A descrição dos impactos atuais e daqueles estimados para um breve futuro comprova que o projeto de duplicação da EFC não se enquadra, sob nenhuma hipótese, no conceito jurídico de “atividade ou empreendimento ferroviário de pequeno potencial de impacto ambiental”, não podendo portanto suas licenças serem pleiteadas e emitidas de maneira fragmentada.

As nossas mais prestigiosas Cortes já se manifestaram em casos similares ao presente acerca da imperiosidade da realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e das respectivas consultas por meio de audiências públicas. Vejamos.

“Processo Civil – Agravo de Instrumento – Tutela antecipada – Verossimilhança da alegação – Proteção ao meio ambiente. Há verossimilhança das alegações autorizando o provimento antecipatório da tutela jurisdicional. Não se pode permitir a continuidade de um contrato onde sequer houve avaliação do impacto ambiental”. (TRF 1ª Reg., 4ª T., Ag In. 1998.01.00.073697-4, rel. Des. Hilton Queiroz, j. 24.11.1999, DJ 17.03.2000, p. 440).

“É inadmissível a continuação da obra sem que tenham sido previamente elaborados o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo RIMA (Relatório de Impacto Ambiental)- Agravo de Instrumento provido”. (TJRJ – 11ª Câm. Cível Ag n. 2000.002.03702 -, j. 14.09.2000, rel. Des. José Bahadian, DJ 29.09.2000, p. 52.866-52.869).

“Ação Civil Pública – Proteção do meio ambiente – Liminar concedida para não permitir a aquisição de área destinada à implantação de aterro sanitário, sem a elaboração de um estudo prévio de impacto ambiental para a escolha de área adequada. Manutenção dessa decisão. Existindo a possibilidade de impacto ambiental e sendo relevantes os fundamentos expendidos, impõe-se a adoção de medidas que assegurem, ao menos provisoriamente, a integridade do meio ambiente e a qualidade de vida da coletividade”.(TJPR -–1ª Câm. Civ. Ag. Inst. 100.140-1, rel. Des. Ulysses Lopes, j. 06.03.2001).

“A exigência do Estudo de Impacto Ambiental – EIA – e do Relatório de Impacto Ambiental – RIMA – decorre de imposição constitucional (CF, art. 225, §1º, IV), a que deve obediência toda a legislação e normatização infraconstitucional”.(TJRS- 1ª Câm. Civ., rel.Des. Celeste Vicente Rovani, j. 29.12.1999).

“Administrativo – Implantação de pista de eventos ou sambódromo no Parque da Marinha do Brasil. Necessidade de autorização legislativa e estudos aprofundados sobre a localização do empreendimento e a preservação do meio ambiente. É de se manter a liminar de sustação de licitação das obras de implantação da pista de eventos quando não se fazem presentes, de forma clara, indiscutível, a plausibilidade do direito invocado e dano irreparável, pois o objeto da ação civil contra o município empreendedor versa exatamente acerca da viabilidade do empreendimento projetado, o que demanda, além do EIA-RIMA licitado e do parecer do órgão municipal interessado, perícias e outros estudos bem mais consistentes e aprofundados, além da autorização do legislador”. (TJRS – 1ª Câm. Civ., Ag In. 598016210, rel. Des. Celeste Vicente Rovani, j. 24.06.1998).

Impende salientar que não se trata de mera formalidade legal - pelo contrário, cuida-se de expressa aplicação do principio da precaução em matéria ambiental, de forma a atribuir ao empreendedor o ônus de suportar os efeitos negativos adversos do empreendimento, eliminado ao máximo as incertezas e inseguranças quanto às consequencias nocivas ao ambiente.

Registre-se que até mesmo os próprios técnicos do IBAMA reconhecem a ilegalidade do processo de licenciamento “simplificado”. De fato, conforme consta das CONCLUSOES do parecer técnico nº 083/2012-COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA, elaborado pelos técnicos da Coordenação-Geral de Transportes, Mineração e Obras Civis - Coordenação de Transportes (COTRA), disponibilizado na página do IBAMA na internet, mencionado acima e trazido em anexo:

“... é importante ressaltar que há uma questão referente ao caráter formal do processo de licenciamento ambiental adotado que necessita de deliberação previa, uma vez que a sua interpretação é inerente à determinação dos encaminhamentos futuros. Contextualizando, o Art. 3º. da Resolução CONAMA nº. 349/2004, ao excluir obras de duplicação do que se considera empreendimento de pequeno potencial de impacto ambiental (e consequentemente do procedimento

simplificado descrito nessa Resolução), estaria remetendo o caso em tela ao licenciamento ordinário estabelecido na Resolução CONAMA nº. 237/1997, e não ao procedimento formalmente simplificado como ora se apresenta, não obstante ao fato de o IBAMA ter instruído a elaboração do estudo com todos os elementos e subsídios técnicos mencionados anteriormente.

1056. Com a exposição dos fatos, na opinião desta equipe técnica o procedimento de licenciamento ambiental em tela deve ter sua análise estendida não somente ao mérito técnico, mas também ao aspecto formal, para que só então se proceda à continuidade do processo. Em caso de deliberação pela emissão direta da licença de instalação, o entendimento desta equipe é de que o atendimento anterior das solicitações exaradas no Anexo I é imprescindível, não sendo conveniente o condicionamento para cumprimento posterior.”

DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Há vários meses, várias entidades, movimentos sociais e setores da igreja católica atuantes no corredor de Carajás estão expressando sua preocupação a respeito do processo de licenciamento da duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC)17, que consideram ilegal.

Nos meses de abril e de junho 2012 foram protocolados no

Ministério Público Federal de Imperatriz (MA) dois ofícios a respeito dos conflitos provocados pela EFC e sua duplicação. 17 Processo n°. 02001.007241/2004-37, em trâmite no IBAMA/DILIC/COTRA, em Brasília.

Reiteramos que a duplicação da Estrada de Ferro Carajás é um

empreendimento de grande envergadura, de altíssimo investimento (mais de 8 bilhões de reais) e com um enorme potencial de impacto sobre o meio ambiente e sobre mais de 100 povoados (urbanos ou rurais, indígenas e quilombolas) localizados às suas margens (a menos de 500m do eixo da ferrovia). Por isso, a publicidade do processo dessas “reuniões públicas” deve ser a maior possível, abrangendo a totalidade dos municípios e povoados que serão impactados pelo empreendimento.

O processo de licenciamento da duplicação da EFC é, também ao

nosso ver, ilegal18 e já foi questionado pela rede Justiça nos Trilhos e pela ONG Justiça Global por meio de representações protocoladas no MPF em São Luís (MA) e na Procuradoria Geral da República, ambas em setembro de 2010.

Há, portanto, um grande risco de que as obras ganhem licença num

breve espaço de tempo, sem que a sociedade em geral e os impactados em particular tenham tido a chance de externar suas preocupações e reivindicar mitigações ou compensações pelos impactos decorrentes dessa obra de enorme envergadura.

Para tentar driblar a ilegalidade do processo de licenciamento, as

requeridas Vale e IBAMA estão propondo agora "reuniões públicas", agendadas sem que estejam sendo seguidas as normas legais referentes às audiências publicas (em especial as Resoluções 09 e 237 do CONAMA).

Trata-se de somente 04 (quatro) reuniões públicas ao longo dos 892

Km de estrada de ferro, nos municípios de Marabá (PA), Açailândia (MA), Alto Alegre do Pindaré (MA) e S. Rita (MA), previstas, pelo que parece, para os dias de 09 a 13 de julho desse ano.

Pretende-se, através somente dessas quatro reuniões, apresentar a

obra às mais de 100 comunidades espalhadas em 27 municípios ao longo dos trilhos, em contextos extremamente diferentes, com distâncias grandes entre um e outro e, em muitos casos, sérias dificuldades de deslocamento.

Além da ilegalidade de todo o processo de licenciamento, bem como

das “reuniões públicas”, observa-se que todo o processo de articulação e 18 A ilegalidade está no fato de esse processo de licenciamento estar tramitando erroneamente com base na Resolução CONAMA 349/2004, apesar de não cumprir os requisitos autorizadores expressamente previstos nessa mesma resolução.

“publicidade” das referidas reuniões ocorreu de modo muito rápido (menos de 15 dias). Ademais, como são apenas 04 reuniões, as informações sobre o empreendimento, bem como o Plano Básico Ambiental elaborado pela empresa será de conhecimento restrito a um percentual ínfimo em comparação aos impactados pela duplicação da EFC.

Os convidados para as reuniões estão sendo escolhidos pela própria

empresa Vale, sendo que os requerentes desconhecem os critérios para esses convites e a abrangência dos mesmos. Não se sabe se as pessoas e entidades que não foram convidadas poderão participar e também não é conhecida a metodologia do processo das “reuniões públicas”.

Nesse sentido, já se manifestaram os Tribunais Federais:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONEXÃO. PREVENÇÃO. HIDROVIA TOCANTINS/ARAGUAIA/RIO DAS MORTES. ESTUDOS AMBIENTAIS. LIMINAR CONCEDIDA PARA SUSPENDER AUDIÊNCIAS PÚBLICAS. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO. RAZOABILIDADE. CAUTELA. 1. Havendo conexão entre duas ações civis públicas, que possuem as mesmas partes e o mesmo pedido, mas causa de pedir diferentes, a remessa dos autos do processo mais novo para o Juízo cujo processo é mais antigo é medida que se impõe, a fim de se evitar decisões contraditórias. 2. Havendo indícios de irregularidades no processo administrativo de impacto ambiental, consubstanciadas em testemunho de alguns antropólogos e de alguns biólogos participantes do projeto, que afirmam ter havido mutilação do projeto de Estudo de Impacto Ambiental - EIA, a decisão que suspende a continuidade do procedimento para a construção da construção da Hidrovia Araguaia-Tocantins, inclusive suas audiências públicas agendadas até que se apure a veracidade ou não das alegações, apresenta-se dentro da razoabilidade e da cautela. 3. Agravo de Instrumento a que se dá parcial provimento, apenas para que os autos originários sejam remetidos ao Juízo Federal de Imperatriz/MA. (TRF 1 – AG 19990100100427 – RELATOR JUIZ FEDERAL VALISNEYDE SOUSA OLIVEIRA QUINTA TURMA – DJ 22/03/2007 P. 37 ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AUDIÊNCIA DE EIA/RIMA. SUSPENSÃO DA AUDIÊNCIA PARA PROSSEGUIMENTO EM DATA POSTERIOR. INTERESSE PÚBLICO PRESERVADO. LEGITIMIDADE DO PROCESSO. AUDIÊNCIA VÁLIDA. 1. O objetivo da audiência de EIA/RIMA é possibilitar a participação popular em assuntos relacionados ao meio ambiente, e dar concretude ao comando do artigo 225, IV da Constituição Federal, o qual, por sua vez, deriva

de um princípio maior, o Republicano, insculpido no artigo 1º da Carta Maior. 2. Iniciada a audiência pública EM 17.12.2008, compareceram mais de 300 participantes, o que inviabilizou o prosseguimento da mesma no local designado, porquanto vários outros interessados permaneceram fora do recinto. 3. Redesignada a audiência para o dia 24 de janeiro de 2008, em local mais amplo, com publicação no Diário Oficial do Estado, no Jornal "O Estado de São Paulo" e em jornais locais, além de informes na Rádio Capital e na Rádio local "Z", compareceram mais de 600 pessoas, com lista de 483 pessoas das quais 55 se manifestaram, com tendo a audiência se estendido por cerca de 07 horas. 4. Foi exatamente o adiamento da audiência que possibilitou a ampla participação popular e o extenso debate que, como dantes afirmado, se estendeu por quase 07 horas, garantindo total legitimidade ao processo. 5. O simples fato de a legislação não prever o desdobramento da audiência não significa que ela não possa ocorrer. É o interesse público quem dita tais regras. O que a legislação veda é a surpresa, a surdina, simulacro de audiência visando burlar o interesse da coletividade. 6. Apelação que se nega provimento. (TRF 3 – AC 0045385720084036100 – RELATOR JUIZ CONVOCADO RUBENS CALIXTO - TERCEIRA TURMA – Edjf3 15/07/2011 p. 503

Nesta última decisão, resta evidente a importância da grande

publicidade do processo de apresentação dos estudos de impacto ambiental, a fim de que todo o processo possa ser considerado legítimo. É este o sentido de participação popular insculpido no artigo 225, IV da Constituição Federal. A metodologia utilizada pelos requeridos certamente não refletirá a vontade constitucional.

Portanto, imprescindível a suspensão do processo de “reuniões

públicas” propostas pela requerida em virtude da 1) ilegalidade do processo de licenciamento ambiental, como já exposado anteriormente, e 2) da ausência de publicidade efetiva do Plano Básico Ambiental elaborado pela empresa, o que a participação massiva e qualificada dos diretamente afetados pelo empreendimento. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE – II

Da falta de transparência quanto ao conteúdo do processo de

licenciamento e da aparente violação à Instrução Normativa IBAMA n.

184/2008

As organizações autoras expressam seu inconformismo com a

aparente carência de transparência com que o processo está sendo conduzido

pelo IBAMA.

Por um lado, o acesso aos autos do processo, que tramita em

Brasília, é dificílimo, mesmo quando há a disposição e a viabilidade para que

um representante de uma comunidade impactada viaje do Maranhão ou do

Pará a Brasília para comparecer pessoalmente à sede do IBAMA, com esse

intuito.

Por outro lado, muito raramente estão sendo disponibilizados na

internet os estudos, projetos, programas e relatórios principais concernentes ao

processo de licenciamento em questão, o que contraria a própria Instrução

Normativa IBAMA n. 184, de 17 de julho de 2008, que impõe que:

Art. 45 Os estudos, projetos, programas e relatórios entregues ao Ibama/DILIC para fins de concessão de licença ambiental deverão ser entregues em formato impresso e digital em quantidade estabelecida pelo Ibama, sendo que pelo menos uma das cópias em meio magnético deverá ser em formato PDF gerado com baixa resolução, priorizando a performance para visualização e não para impressão, em um único arquivo (contendo capa, índice, texto tabelas, mapas e figuras), para serem disponibilizadas na internet pelo Ibama. DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

O princípio da precaução, no Direito Ambiental, tem sua origem no Direito alemão, desde a década de 1970. Vale aqui expor a importante lição de Paulo Afonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro:

“A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta.”

De maneira expressa, o princípio da precaução surgiu durante a

Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,

realizada no Rio de Janeiro, em 1992. O artigo 15 da “declaração do Rio de Janeiro” afirma:

“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”

Observa-se também que o princípio da precaução está insculpido

na Convenção da Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 1992, e ratificada pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo 02, 03/02/1994), tendo entrado em vigor no Brasil em 29 de maio de 1994, e promulgada por Decreto 2.519/1998 (DOU 17.03.1998):

“Observando também que, quando exista ameaça de sensível redução ou perda da diversidade biológica, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar as ameaças...”

Assim, em virtude desta última Convenção, o princípio da

precaução já faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, devendo o Estado (aí incluído também o Poder Judiciário) zelar por sua observância.

É evidente o entendimento sobre o princípio da precaução. Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção.

Jean-Marc Lavieille, em Droit International de l´Environnement, expressa o princípio da precaução da seguinte forma:

“O princípio da precaução consiste em dizer que não somente somos responsáveis sobre o que nós sabemos, sobre o que nós deveríamos ter sabido, mas, também, sobre o que de nós deveríamos duvidar.”

O princípio da precaução também inverte o ônus da prova.

Alexandre Kiss e Dinah Shelton ensinam,

“Em certos casos, em face da incerteza científica, a relação de causalidade é presumida com o objetivo de evitar a ocorrência do dano. Então, uma aplicação estrita do princípio da precaução inverte o ônus normal da prova e impõe ao autor potencial provar, com anterioridade, que sua ação não causará danos ao meio ambiente.”

A jurisprudência também já vem se manifestando sobre a

importância do princípio da precaução para o direito ambiental.

EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL: ADEQUAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. ARTS. 170, 196 E 225 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS PROIBITIVOS DA IMPORTAÇÃO DE PNEUS USADOS. RECICLAGEM DE PNEUS USADOS: AUSÊNCIA DE ELIMINAÇÃO TOTAL DE SEUS EFEITOS NOCIVOS À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. COISA JULGADA COM CONTEÚDO EXECUTADO OU EXAURIDO: IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO. DECISÕES JUDICIAIS COM CONTEÚDO INDETERMINADO NO TEMPO: PROIBIÇÃO DE NOVOS EFEITOS A PARTIR DO JULGAMENTO. ARGUIÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (...) 4. Princípios constitucionais (art. 225) a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da precaução, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os demais princípios da ordem social e econômica.(grifo nosso) (STF – ADPF 101 – RELATORA MINISTRA CARMEM LÚCIA) PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF, POR ANALOGIA. FUNDAMENTOS ADOTADOS PELA ORIGEM NÃO COMBATIDOS NA INTEGRALIDADE PELO ESPECIAL. SÚMULA N. 283 DO STF, POR ANALOGIA. RAZÕES RECURSAIS INCOMPATÍVEIS COM A REALIDADE

DOS AUTOS. NÃO-INDICAÇÃO DE DISPOSITIVOS INFRACONSTITUCIONAIS VIOLADOS OU SOBRE OS QUAIS RECAEM A DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 284 DO STF, POR ANALOGIA. (...) 3. A leitura atenta do acórdão combatido revela que seu fundamento de decidir foi o princípio da precaução, considerando que, na dúvida, impõe-se a sustação dos licenciamentos e a realização de estudos de impacto ambiental, sob pena de o dano consumar-se. Não houve combate a esta tese no recurso especial, razão pela qual aplica-se analogicamente a Súmula n. 283 do STF.(grifo nosso) (STJ – RESP 200902083147 – RELATOR MAURO CAMPBELL MARQUES – SEGUNDA TURMA – DJE 08/02/2011) PROCESSUAL CIVIL – COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE MULTA POR DANOAMBIENTAL – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL - PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - OMISSÃO - NÃO-OCORRÊNCIA - PERÍCIA - DANO AMBIENTAL - DIREITO DO SUPOSTO POLUIDOR - PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. 1. A competência para o julgamento de execução fiscal por dano ambiental movida por entidade autárquica estadual é de competência da Justiça Estadual. 2. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 3. O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva.(STJ – RESP 200801130826 – REL: MINISTRA ELIANA CALMON; SEGUNDA TURMA – DJE 14/12/2009) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. TEMPUS REGIT ACTUM. AVERBAÇÃO PERCENTUAL DE 20%. SÚMULA 07 STJ. (...) 4. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta que "(...)A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos

"danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade" (art. 14, § III, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambienta!. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: "Haverá obrigarão de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades. "É a responsabilidade pelo risco da atividade." Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações(...)" in Direito Ambienta lBrasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p. 326-327. (grifo nosso). (STJ – RESP 200802073110 – RELATOR MINISTRO LUIZ FUX – PRIMEIRA TURMA – DJE03/08/2010)

Por fim, como mencionado alhures, o Plano Básico Ambiental (que

não é um EIA/RIMA) elaborado pela empresa VALE é insuficiente no que tange a informações de impactos e riscos não apenas para as populações tradicionais, indígenas e quilombolas, mas também ao meio ambiente de uma vasta região que envolve dois Estados.

Por isso, o IBAMA, na concessão das licenças ambientais parciais

(que serão substituídas por uma licença única, para todo o projeto) não observou (ou está em vias de) o princípio da precaução, o que deve ser reparado de imediato pelo Poder Judiciário.

DA VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONSULTA PRÉVIA ESTABELECIDO PELA CONVENÇÃO 169 DA OIT

O direito dos povos indígenas e tribais de serem consultados, de forma livre e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos, ou a chamada obrigação estatal de consulta, foi prevista pela primeira vez, em âmbito internacional, em 1989, quando a Organização Internacional do Trabalho - OIT adotou sua Convenção de número 169. Desde essa época, o chamado direito de consulta prévia tem demonstrado ser uma poderosa ferramenta política na defesa dos direitos desses povos ao redor do mundo, especialmente na América Latina, onde está o maior número de países que já ratificaram e incluíram em sua legislação nacional as disposições da Convenção 169.

O direito de consulta prévia pode ser resumido como o poder que os povos indígenas e tribais têm de influenciar efetivamente o processo de tomada de decisões administrativas e legislativas que lhes afetem diretamente. A consulta deve sempre ser realizada por meio de suas instituições representativas e mediante procedimentos adequados a cada circunstância. Já há diversas experiências concretas nas quais esse direito foi invocado, sobretudo na América Latina. Estas experiências, que incluem questionamentos à política de erradicação de cultivos ilícitos na Colômbia, à exploração de petróleo na Amazônia equatoriana, e à exigência de participação dos povos interessados na definição dos limites político-administrativos do Estado do Amazonas na Venezuela, demonstram diferentes formas de aplicação do direito de consulta prévia. Em alguns casos, tem sido instrumento que dilata e barra decisões. Em outros, um eficiente espaço de negociação e, em alguns outros, vulgar manipulação que pretende legitimar decisões arbitrárias adotadas unilateralmente pelo Estado muito antes da consulta. Por isso, este direito, na sua dimensão de instrumento político, deve ser avaliado sempre no marco de uma estratégia mais ampla, que não pode começar e terminar nele.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Suriname, entre outras razões, por ter omitido a consulta prévia na execução de um empreendimento hidrelétrico em terras quilombolas. Essas experiências fizeram com que surgissem reflexões jurídicas e políticas sobre o tema, tanto nas cortes constitucionais de países latino-americanos, como na Corte Interamericana de Direitos Humanos, e na própria OIT, por meio de pareceres, observações e recomendações.

"cuando se trate de planes de desarrollo o de inversión a gran escala que tendrían un mayor impacto dentro del territorio saramaka, el Estado tiene la obligación, no sólo

de consultar a los saramakas, sino también debe obtener el consentimiento libre, informado y previo de estos, según sus costumbres y tradiciones (...)

“De acuerdo con lo expuesto, la Corte considera que los miembros del pueblo Saramaka conforman una comunidad tribal cuyas características sociales, culturales y económicas son diferentes de otras secciones de la comunidad nacional, particularmente gracias a la relación especial existente con sus territorios ancestrales, y porque se regulan ellos mismos, al menos en forma parcial, a través de sus propias normas, costumbres y tradiciones. Consecuentemente, la Corte procede• a analizar si, y en qué medida, los integrantes de pueblos tribales requieren dciertas medidas especiales que garanticen el pleno ejercicio de sus derechos.

A.2) Medidas especiales debidas a los miembros de los pueblos tribales que garanticen el ejercicio de sus derechos

Esta Corte ha sostenido anteriormente, con base en el artículo 1.1 de la Convención, que los miembros de los pueblos indígenas y tribales precisan ciertas medidas especiales para garantizar el ejercicio pleno de sus derechos, en especial respecto del goce de sus derechos de propiedad, a fin de garantizar su supervivencia física y cultural.

Otras fuentes del derecho internacional han declarado, en igual sentido, que dichas medidas son necesarias.

Particularmente, en el caso Moiwana, la Corte determinó que otra de las comunidades maroon que viven en Surinam tampoco es indígena a la región pero que constituye una comunidad tribal que se asentó en Surinam en los siglos XVII y XVIII, y que esta comunidad tribal tenía una relación profunda y abarcativa respecto de sus tierras ancestrales" que se centraba no "en el individuo, sino en la comunidad en su conjunto".

Esta relación especial con la tierra, así como su concepto comunal de propiedad, conllevó a que la Corte aplicara a la comunidad Moiwana su jurisprudencia en relación con las comunidades indígenas y sus derechos a la propiedad comunal, de conformidad con el artículo 21 de la Convención.

La Corte no encuentra una razón para apartarse de esta jurisprudencia en el presente caso. Por ello, este Tribunal declara que se debe considerar a los miembros del pueblo Saramaka como una comunidad tribal y que la jurisprudencia de la Corte respecto del derecho de

propiedad de los pueblos indígenas también es aplicable a los pueblos tribales dado que comparten características sociales, culturales y económicas distintivas, incluyendo la relación especial con sus territorios ancestrales, que requiere medidas especiales conforme al derecho internacional de los derechos humanos a fin de garantizar la supervivencia física y cultural de dicho pueblo19.”

O Informe do Relator Especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos indígenas e tribais, James Anaya, estabelece, nessa direção, o que é o DIREITO DE CONSULTA:

(...) Al igual que la Declaración, el Convenio Nº 169 de la OIT exige a los Estados celebrar consultas de buena fe con los pueblos indígenas con la finalidad de llegar a un acuerdo o lograr su consentimiento sobre los aspectos de los planes o proyectos de gestión que los afecten, e insta a los Estados a que celebren consultas con las comunidades indígenas en relación con contextos diversos (arts. 6, párrs. 1 y 2; 15, párr. 2; 17, párr. 2; 22, párr. 3; 27, párr. 3; y 28). De hecho, un comité tripartito del Consejo de Administración de la OIT afirmó que: "el espíritu de consulta y participación constituye la piedra angular del Convenio Nº 169 en la que se fundamentan todas las disposiciones del mismo"3. Con respecto al deber de celebrar consultas, la jurisprudencia de la OIT permite deducir algunas de sus características, a las que se hará referencia más adelante. El deber de los Estados de celebrar consultas efectivas con los pueblos indígenas se funda igualmente en los tratados esenciales de derechos humanos de las Naciones Unidas, en particular la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial y el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos. Recientemente el Comité para la Eliminación de la Discriminación Racial, que vigila el cumplimiento de la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial, instó a numerosos gobiernos a que celebraran consultas con los pueblos indígenas sobre cuestiones que afectaban los derechos e intereses de esos pueblos(...)Este deber es un corolario de un gran número de derechos humanos aceptados universalmente, entre ellos el derecho a la integridad cultural, el derecho a la igualdad y el derecho a la propiedad, como se indica en las declaraciones y decisiones citadas del Comité de Derechos Humanos, el Comité para la Eliminación de la Discriminación Racial y

19 Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Saramaka Vs. Suriname. 28/11/2007.

la Corte Interamericana de Derechos Humanos, respectivamente. De manera más fundamental, ese deber deriva del derecho primordial de los pueblos indígenas a la libre determinación y de los principios conexos de democracia y soberanía popular(...)20

A convenção 169 da OIT estabelece que:

Artigo 4 1. Deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados. 2. Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos expressos livremente pelos povos interessados. 3. O gozo sem discriminação dos direitos gerais da cidadania não deverá sofrer nenhuma deterioração como conseqüência dessas medidas especiais

Artigo 6 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.

Outros países da América do Sul, como a Colômbia, que tem expressivas populações indígenas e quilombolas, ambas protegidas pela 20 CONSEJO DE DERECHOS HUMANOS 12º período de sesiones Tema 3 de la agenda, Asamblea General DA ONU- PROMOCIÓN Y PROTECCIÓN DE TODOS LOS DERECHOS HUMANOS, CIVILES, POLÍTICOS, ECONÓMICOS, SOCIALES Y CULTURALES, INCLUIDO EL DERECHO AL DESARROLLO, 15 de Julio de 2009

Convenção 169, têm reconhecido jurisprudencialmente o direito desses povos para efeitos da aplicação da Convenção 169. Citam-se trechos da Jurisprudência da Corte Constitucional colombiana sobre o tema:

“ (..) la contribución de la comunidad internacional al proceso de reconocimiento de los grupos étnicos, como colectividades reconocibles, en especial al Convenio 169 de la OIT Sobre Pueblos Indígenas y Tribales, aprobado por la Ley 121 de 1991, en cuanto sus disposiciones permiten reivindicar con claridad el derecho de las comunidades afrocolombianas 10 a ser tenidas como “pueblos”, atendiendo las condiciones sociales, culturales y económicas que las distinguen de otros sectores de la colectividad nacional, aunado a que se rigen por sus costumbres y tradiciones, y cuentan con una legislación propia –artículo 1°, numeral a).

Lo expuesto porque el Convenio en mención se refiere a las comunidades cuyas “condiciones sociales, culturales y económicas las distingan de otros sectores de la colectividad nacional y que estén regidos total o parcialmente por sus propias costumbres o tradiciones o por una legislación especial”, así no desciendan de “poblaciones que habitaban en el país en la época de la conquista o la colonización o del establecimiento de las actuales fronteras estatales”, sin establecer distinciones ni privilegios .

Dentro de este contexto, los Estados Partes, entre éstos el Estado colombiano, se encuentran igualmente obligados a respetar la diversidad étnica y cultural de los pueblos indígenas y de los pueblos tribales, y a contribuir realmente con la conservación del valor espiritual que para todos los grupos étnicos comporta su relación con la tierra y su territorio, entendido este como “lo que cubre la totalidad del hábitat de las regiones que los pueblos interesados ocupan o utilizan de alguna u otra manera.” –artículo 13-.

(…) Está claro, que los pueblos que han venido ocupando las zonas rurales ribereñas de las Cuenca del Pacífico tienen derecho a la delimitación de su territorio, y que esta comporta el derecho de las comunidades negras a utilizar, conservar y administrar sus recursos naturales, no sólo porque las previsiones del Convenio 169 de la OIT, a las que se ha hecho referencia, así lo indican, sino porque el artículo 55 Transitorio de la Carta reconoce en estos pueblos, de antemano, la conciencia de identidad tribal, criterio fundamental, aunque no único,

para que opere dicho reconocimiento, en los términos del artículo 1° del instrumento internacional.”21

Como afirmado pela CIDH, o reconhecimento das comunidades tradicionais como povos tribais traz consigo a obrigação do Estado de oferecer direitos diferenciados para essas populações com o objetivo de garantir o acesso a uma cidadania plena de seus membros. Isso incluiria também o direito de consulta prévia para a tomada de decisão sobre medidas administrativas ou legislativas capazes de lhes afetar.

O artigo 3º do Decreto nº 6.040, de fevereiro de 2007 define povos e comunidades tradicionais com todos os elementos e critérios estabelecidos no artigo 1º da Convenção 169 da OIT:

“grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.

Por outro lado, um dos objetivos específicos da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) estabelecidos no Decreto é:

“VI – reconhecer com celeridade a auto-identificação dos povos e comunidades tradicionais, de modo que possam ter acesso pleno aos seus direitos civis individuais e coletivos”.

O Decreto nº 6.040 de 2007 descreve os três elementos do conceito de povo tribal do artigo 1º da Convenção na definição de povos e comunidades tradicionais: a existência de condições sociais, culturais e econômicas diferentes de outros setores da sociedade nacional; a presença de uma organização social regida total ou parcialmente por regras e tradições próprias; e a auto-identificação, entendida como a consciência que tem o grupo social de sua identidade tribal. Isso indica que a Convenção 169 da OIT deve ser aplicada também aos povos e comunidades tradicionais, embora ainda não exista nenhum reconhecimento por parte do Estado brasileiro nesse sentido.

21 Sentença T-955 de 2003. M.P. Alvaro Tafur.

DA APLICABILIDADE DA CONVENÇÃO 169 DA OIT NO BRASIL

Durante muito tempo houve grande controvérsia entre os juristas brasileiros acerca de como um tratado internacional se integraria ao ordenamento jurídico nacional, notadamente aqueles referentes a direitos humanos. Alguns defendiam que os tratados internacionais tinham de ser aprovados como leis pelo Congresso Nacional para poder ter eficácia dentro das fronteiras nacionais e que, portanto, deveriam ser incorporados como leis ordinárias. Outros sustentavam que esses tratados, por versarem sobre direitos e garantias fundamentais, eram incorporados pela simples ratificação e tinham status de norma constitucional, ou seja, superior a leis ordinárias.

A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento no sentido de que os tratados, quaisquer que fossem seus assuntos, seriam internalizados como lei ordinária22. Isso veio a ser reforçado com a aprovação da Emenda Constitucional nº 45 (2004), que acrescentou um parágrafo terceiro ao art. 5º, condicionando o status constitucional a tratados que cumpram o rito congressual necessário à aprovação de uma emenda constitucional, ou seja, com aprovação de três quintos dos membros de cada casa legislativa em dois turnos.

Com relação à Convenção 169 da OIT, esta foi ratificada pelo Decreto Legislativo nº 143, de 20/6/2002, e entrou em vigor em 2003. Esta ratificação é compreendida pelo STF como condição necessária e suficiente para a introdução da norma internacional em caráter de lei ordinária e de aplicação direta23. Embora os tratados internacionais tenham força de lei ordinária no Brasil, estes têm uma natureza especial oriunda de sua própria

22 Nesse sentido os seguintes julgados do STF: ADI 1675-MC, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 19/09/03; RHC 79785, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 22/11/02; ADI 1480-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18/05/01; RE 214.329, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 11/06/99. Vale reproduzir parte do voto do Min. Moreira Alves no HC 72131, bastante ilustrativo: “com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados interancionais ingressam em nosso ordemamento jurídico tão somente com força de lei ordinária (...) pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de tratado”

23 STF em HC 72.131. DJ.1-8-03 e ADI 1480 MC DJ. 18.5.01

origem, e são diferentes de simples leis ordinárias na sua forma de operação, revogação e reclamação24.

As normas de proteção dos direitos humanos, presentes em

nossa Carta Magna, bem como em Tratados e Convenções internacionais, devem ser respeitadas pelas Instituições e organismos do Estado Brasileiro (pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), além dos particulares.

Cabe ressaltar ainda que, por força do entendimento esposado

pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-1 - SP (julgado em 03 de dezembro de 2008), os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, caso não tenham sido aprovados pelo rito similar ao das Emendas Constitucionais (quando, por óbvio, configuram-se na hierarquia de normas constitucionais), gozam de supralegalidade, como é o caso do Pacto de San Jose da Costa Rica e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (a que se fará referência adiante).

Vale mencionar alguns argumentos apresentados no voto vogal

do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que conduziu o atual entendimento da nossa Corte Suprema.

Assim, a premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional torna imperiosa UMA MUDANÇA DE POSIÇÃO QUANTO AO PAPEL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS NA ORDEM JURÍDICA NACIONAL. É necessário assumir uma postura jurisdicional mais adequada às realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas primordialmente à proteção do ser humano. Como enfatiza Cançado Trindade, “a tendência constitucional contemporânea de dispensar um tratamento especial aos tratados de direitos humanos é, pois, sintomática de uma escala de valores na qual o ser humano passa a ocupar posição central. Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante.

24 “Com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária (o que ficou ainda mais evidente em face do artigo 105, III, da Constituição que capitula como caso de recurso oficial a ser julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça como ocorre com relação a lei infraconstitucional, a negativa de vigência de tratado ou a contrariedade a ele), não se lhes aplicando, tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição de 1988, o disposto no artigo 5º, § 2º, pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de tratado.” (HC 72.131, voto del Rel. p/o ac, Min. Moreira Alves, julgamento em 23-11-95, DJ de 1º -8-03)

Evidencia-se, assim, o caráter normativo dos tratados

internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio. Mais que isso, pela formulação kelseniana da estrutura escalonada do ordenamento jurídico – numa verdadeira pirâmide normativa que atribui a validação das normas de hierarquia inferior às normas que lhes sejam superiores – vê-se, claramente, que os compromissos com a tutela dos direitos humanos, presentes seja no texto constitucional seja nos documentos internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, situam-se como normas validantes de toda a normatividade infraconstitucional e infralegal.

Definitivamente, não é possível afirmar que as leis ordinárias têm

paridade normativa com as normas internacionais incorporadas ao sistema jurídico brasileiro. Isso seria negar o conjunto de obrigações domésticas e internacionais que a ratificação da norma implica, que vão desde o condicionamento à própria produção legislativa interna25 até a forma de revogação desse tipo de instrumento, que deve ser feita por meio do procedimento de direito público internacional de denúncia de tratados, e não por meio da expedição de uma lei posterior de igual hierarquia, como no processo de revogação de uma simples lei ordinária. A esse respeito, o atual presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, tem manifestado a impossibilidade jurídica de assimilar os tratados internacionais sobre direitos humanos a uma simples lei ordinária no sistema jurídico brasileiro:

“ (...) o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos (o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José de Costa Rica) lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação26

25 Aprovado um tratado internacional, o Poder Legislativo se compromete a não editar leis a ele contrárias. Se o Congresso Nacional dá sua aquiescência ao conteúdo de compromisso firmado, é porque implicitamente reconhece que, se ratificado o acordo, está impedido de editar normas posteriores que o contradigam. Assume o Congresso, por conseguinte, verdadeira obrigação negativa, qual seja a de se abster de legislar em sentido contrário às obrigações assumidas.”(grifos nossos) MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Público. Parte Geral. 2a ed. Rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; IELF, 2005. Pág. 96.

26 RE. 466.343-1 São Paulo. Rel. Min. Cezar Peluso. Voto Vogal Ministro. Gilmar Mendes

Adicionalmente, o próprio STF tem manifestado, com relação às Convenções da OIT, que estas, além de ter hierarquia de lei ordinária, são também critério auxiliar de interpretação do mesmo texto constitucional:

“A Convenção 126 da OIT reforça a argüição de inconstitucionalidade: ainda quando não se queira comprometer o Tribunal com a tese da hierarquia constitucional dos tratados sobre direitos fundamentais ratificados antes da Constituição, o mínimo a conferir-lhe é o valor de poderoso reforço à interpretação do texto constitucional que sirva melhor à sua efetividade: não é de presumir, em Constituição tão ciosa da proteção dos direitos fundamentais quanto a nossa, a ruptura com as convenções internacionais que se inspiram na mesma preocupação”27

A função de reforço da interpretação constitucional é fundamental para apoiar interpretações consoantes com os compromissos adquiridos pelo Brasil, principalmente no que se refere à proteção e promoção dos direitos humanos.

Com relação à categoria da Convenção 169 da OIT como norma ordinária, resta analisar a necessidade de regulamentação do direito de consulta prévia pela via administrativa ou legislativa, a qual por sua vez deverá ser objeto de consulta específica junto aos povos interessados. Ainda que se aceite a necessidade de desenvolvimento normativo para a adequada aplicação deste direito, isto não pode ser interpretado como a inexistência da obrigação, já que equivaleria a contrariar uma lei vigente. Mesmo sem regulamentação específica do artigo 6o da Convenção 169 da OIT, sua aplicação é obrigatória e deverá ser feita segundo os princípios definidos na própria Convenção.

Sobre a aplicação direta das normas internacionais no Brasil, a doutrina reconhece que aquelas relativas a direitos fundamentais têm aplicação imediata, da mesma forma que as disposições constitucionais sobre matéria de direitos fundamentais.

"Frise-se que o § 1º do art.5º da Constituição de 1988, dá aplicação imediata a todos os direitos e garantias fundamentais desta Constituição, sejam estes expressos no texto da Constituição, ou provenientes de tratados, vinculando-se todo o judiciário nacional a esta aplicação, e obrigando, por conseguinte, também o legislador, aí incluído o legislador constitucional. É dizer, seu âmbito material de aplicação transcende o catalogo dos direitos

27 ADI 1.675- MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 24-9-97, DJ de 19-9-03

individuais e coletivos insculpidos nos art. 5o a 17 da Carta da Republica, para abranger ainda outros direitos e garantias expressos na mesma Constituição (mas fora do catálogo), bem como aqueles decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, tudo consoante a regra do § 2º do seu art. 5º.”28

Destarte, não há dúvidas sobre a aplicabilidade da Convenção nº 169-OIT no Brasil em relação a indígenas e quilombolas.

Nenhum dos requeridos observou a referida Convenção antes da

tomada de qualquer decisão na execução do projeto. Como bem diz a norma internacional, o direito é de CONSULTA PRÉVIA, ou seja, anterior a qualquer etapa do processo, a fim de levantar informações das possíveis populações atingidas.

Assim, COMPLETAMENTE ILEGAL o processo quem vem sendo

desenvolvido pela VALE e pelo IBAMA na medida em que as “reuniões públicas” poderão ocorrer durante a execução do projeto que afetarão seus territórios. Flagrante violação à Convenção 169 da OIT, o que também deve ser reparado pelo Judiciário.

DA NECESSIDADE DA MEDIDA LIMINAR

A situação ora tratada enseja a adoção de providências de urgência, visando a garantia de que não sejam realizadas as “reuniões públicas” já previamente agendadas para os dias 09, 10, 12 e 13 de julho (Marabá, Açailândia, Alto Alegre e Santa Rita, respectivamente) e nem serão implementadas obras e serviços de Duplicação da Ferrovia em detrimento das populações indígenas e quilombolas sem a elaboração de um EIA/RIMA que contemple a aborde as necessidades de TODAS ESSAS POPULAÇÕES.

Não se pode permitir que tais reuniões sejam realizadas e nem

que o IBAMA conceda a licença ambiental sem um estudo ambiental aprofundado, que não aborde apenas aas questões ambientais, mas também os grupos sociais envolvidos, bem como identifique, especificamente, cada impacto que cada grupo poderá vir a ter.

Em sendo assim, afigura-se indispensável que, para a defesa do

meio ambiente, da situação das comunidades remanescentes de quilombos e

28 Ibidem. pg 111

indígenas (em especial os Awá) prejudicadas, seja determinada a suspensão do processo das “reuniões públicas”, bem como de todo o processo de licenciamento ambiental para a duplicação da Estrada de Ferro Carajás.

Assim, faz-se presente o requisito da urgência: caso não

determinada a correção das omissões identificadas, antes da realização das obras, poderá se configurar uma situação de prejuízos às populações vizinhas à Estrada de Ferro Carajás, que se pode verificar em caráter de definitividade nociva a grupos sociais representativos da formação da sociedade brasileira.

Com efeito, dispõe o art. 273 do CPC, litteris:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Como visto acima, há a possibilidade de configuração de dano irreparável ou de difícil reparação, consistente na concessão de licença e início das obras de duplicação de ferrovia a agravar as condições de vida de povos indígenas, comunidades remanescentes de quilombos, assentamentos rurais e de núcleos urbanos.

No caso em exame, a verossimilhança das alegações

pode ser avaliada a partir da descrição dos fatos apresentados acima, em conjunto com os elementos apurados nos procedimentos administrativos que servem de arrimo a presente Ação Civil Pública, destacando-se os seguintes:

1) Parecer do IBAMA sobre o Plano Básico Ambiental apresentado pela VALE;;

2) Representação elaborada pela ONG Justiça Global e pela Justiça nos Trilhos, protocolada ao Ministério do Meio Ambiente e ao IBAMA ainda no ano de 2011 sobre o processo de licenciamento ambiental para a duplicação da Estrada de Ferro Carajás (Processo n. 02001.007241/2004-37)

3) Convites enviados pela empresa VALE, que afirma expressamente que as reuniões públicas fazem parte do processo de licenciamento ambiental;

Ante a situação colocada, faz-se necessária que a correção dos problemas no licenciamento ambiental não venha apenas ao final da lide, mas desde já sejam adotadas providências corretivas, com o fito de resguardar os direitos das populações afetadas pela obra.

DOS PEDIDOS 1 – Da concessão de Liminar Em virtude da I) ilegalidade do procedimento de licenciamento ambiental promovido pelo IBAMA em favor da empresa VALE; II) em atendimento ao princípio da precaução, já inserido no ordenamento jurídico brasileiro; III) em virtude da ausência de plena publicidade no processo das “reuniões públicas”; IV) em virtude da não realização de consulta prévia aos povos indígenas e quilombolas, como reza a Convenção 169 da OIT; Vêm as entidades propositoras desta ação, com fulcro no artigo 12 da Lei 7.347/85, requererem a concessão de medida liminar para a:

I) imediata suspensão das “reuniões públicas” agendadas para os dias 09, 10, 12 e 13 de julho do corrente;

II) imediata suspensão do processo de licenciamento ambiental (Processo 02001.007241/2004-37), impedindo-se ao órgão licenciador a concessão de novas licenças ambientais até que o processo seja convertido de um processo “simplificado” para um processo regular de licenciamento;

III) Seja imposta obrigação de fazer à VALE S.A para que apresente

novo Estudo de Impacto Ambiental, nos moldes do EIA-RIMA, a ser apresentado ao IBAMA, seguindo todas as exigências legais de um processo de licenciamento regular e não “simplificado”, e em especial com a análise pormenorizada de TODAS as comunidades remanescentes de quilombos e povos indígenas existentes ao longo da estrada de ferro Carajás, identificando-as e estabelecendo contato com elas, para a apreciação das medidas de mitigação dos impactos causados, no meio físico, biótico e socioeconômico, assim como compensações pelos impactos não passíveis de mitigação, no prazo de seis meses, procedendo à oitiva das comunidades afetadas para a sua realização;

IV) Divulgação do estudo de impacto e das medidas mitigadoras e

compensatórias previstas, em linguagem compreensível a todas

as mais de 100 comunidades diretamente impactadas por esse grande empreendimento;

V) Realização de regulares audiências públicas, nos moldes das regras

previstas na legislação brasileira, em todos os municípios atingidos por esse empreendimento e que estejam incluídos em sua área de influência direta e em locais e horários de fácil acesso às populações mais diretamente afetadas;

VI) Realização de consulta às comunidades tradicionais (indígenas e

quilombolas) impactadas, a fim de averiguar sobre seu consentimento prévio, livre e informado a respeito das obras, seguindo os parâmetros da Convenção 169 da OIT, que o Estado brasileiro se obrigou a cumprir;

VII) Disponibilização imediata, em prazo a ser determinado por V. Exa.,

por parte do IBAMA, de todo o conteúdo do processo de licenciamento às comunidades e cidadãos interessados, mantendo cópias integrais e permanentemente atualizadas do processo de licenciamento nas suas subseções localizadas nos Estados em que está se realizando a obra e publicando na internet todos os estudos, pareceres, relatórios e atas que são relevantes para a decisão sobre a concessão das licenças e para a definição sobre as respectivas condicionantes, medidas de mitigação e de compensação.

VIII) Realização, por técnicos do IBAMA, de visitas técnicas in loco a fim

de averiguar a realidade concreta das áreas impactadas pelo empreendimento.

2 – Do Pedido Principal Diante de todo o exposto, requer que: 2.1 A confirmação dos pedidos feitos em sede de liminar; 2.2. – seja declarado nulo o processo de licenciamento n. 02001.007241/2004-37, em virtude das ilegalidades aqui já expostas; 2.3 – a concessão do benefício do pedido de assistência jurídica gratuita, nos termos da Lei. 1.060/50;

2.4 - citação da VALE S.A., com endereço na Praia do Boqueirão, BR 135, retorno do Itaqui, São Luís/MA, na pessoa de seu representante, sob pena de revelia; 2.5 - a citação do IBAMA, através da sua Procuradoria Federal Especializada, (na pessoa do Procurador-Chefe da Procuradoria Federal Especializada, com endereço na Avenida dos Holandeses, s/n, qd 33, lt 17, São Luís/MA);

As organizações autoras protestam pela produção de todas as provas admitidas em direito, notadamente a pericial, a oitiva de testemunhas a serem oportunamente arroladas e a juntada de documentos, tudo a ser especificado após a formação do contraditório e o destaque dos pontos controvertidos.

Atribui-se à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

São Luis, 06 de julho de 2012 IGOR MARTINS COELHO ALMEIDA DANILO D´ADDIO CHAMMAS OAB/MA 8.505 OAB/MA 10.086-A DIOGO DINIZ RIBEIRO CABRAL ANTONIO RAFAEL DA SILVA JUNIOR OAB/MA 9.355 OAB/MA 9.255