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NATIVIDADE
Paisagem e patrimôniodo antigo norte de Goiás, após vinte anos de tombamentoEm outubro completaram-se vinteanos do tombamento do municípiogoiano de Natividade pelo Institutodo Patrimônio Histórico e ArtísticoNacional (Iphan). A cidade do sécu-lo XVIII, no sudeste do Tocantins,preserva quase íntegra sua arquite-tura colonial singela, que se destacapelo apelo vernacular.O processo de tombamento, na dé-cada de 1980, prometia ser um mo-delo de como a preservação de inte-resse arquitetônico e histórico po-deria estar integrada à preservaçãoda paisagem natural, ao indicar aproteção da Serra de Natividade, fa-tor de origem da cidade. Seu víncu-
lo com o núcleo histórico é eviden-te: lá estão os vestígios das primeirasatividades de extração de ouro co-mo ruínas de diques, canais e deabrigos residenciais. Hoje, vinte anos depois do reconhe-cimento de seu valor arquitetônico,urbanístico e paisagístico, seriaapropriado refletirmos sobre comopodemos nos re-apropriar e renovaressa paisagem.
A SERRA DE NATIVIDADE A proteção davertente ocidental da Serra acenavacomo uma revigorante expressão doconceito de patrimônio, que pro-metia integrar a paisagem construí-da à paisagem natural. Entretanto,por questões que fogem ao interessepreservacionista, foi excluída, o quefoi sem dúvida uma perda para a ci-dade e para a compreensão do pro-cesso histórico e de ocupação do in-terior do Brasil.Uma revisão crítica do perímetro detombamento é imprescindível: alémda importância na composição dapaisagem, e do valor histórico e ar-quitetônico relacionado às ruínas, aSerra tem um valor agregado comorecurso natural (é a principal fontede água que abastece a cidade), argu-mentos que são suficientes para seutombamento.
PATRIMÔNIO IMATERIAL A discussãosobre a re-apropriação da paisagemde Natividade, porém, não se esgotana revisão de seu tombamento. A ci-
dade reúne uma diversidade de refe-rências culturais como celebrações,ofícios e saberes, elementos de umaidentidade social e cultural.A tradicional ourivesaria de Nativi-dade subsistiu por quase três sécu-los, provavelmente em função damineração nas fazendas ao redor dacidade, que ainda prossegue. Atéduas décadas atrás, de acordo comalguns mestres de ofício, ainda erautilizada uma técnica de fundiçãoarcaica, a partir de moldes de barro eóleo vegetal *.A milenar filigrana, de produção se-melhante à de Portugal e Espanha,se torna singular e local ao incorpo-rar símbolos da cultura popular, co-mo as jóias com a pomba do Divi-no, e, atualmente, é objeto de estu-do para ser registrada como patri-mônio imaterial. No calendário religioso, a Festa doDivino é a mais intensa e importan-te das celebrações: movimenta todaa comunidade em sua expectativa,produção e fruição. A pomba do Di-vino Espírito Santo é um símbolorecorrente nas festas e nos ofícios: es-tá nas bandeiras, uniformes dos fo-liões, pratos e copos da festa, nasjóias e sob a forma de doces. A produção artesanal de bolos – queremetem às tradicionais receitas co-loniais da cultura caipira (como obolo de arroz na folha de bananeira)e doces, a produção de licores e ca-chaças, as técnicas de cestaria e debaús de couro e a construção com
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adobe também perduram, aindaque precariamente. Ofícios e celebrações, que congrega-dos ao conjunto arquitetônico e àSerra de Natividade – onipresentecomo um olho que tudo vê – con-vertem a cidade em uma autênticaexperiência cultural.
PAISAGEM CULTURAL De acordo comessas características podemos consi-derar como adequado o conceito de“Paisagem Cultural” para a cidade,usado quando há uma condição lo-cal ou regional em que as celebra-ções, ofícios e saberes se relacionamcom a paisagem natural e se cons-tróem como um sistema, de forma aconstituir uma experiência singular.“Sua característica fundamental é aocorrência em uma fração territorial,do convívio singular entre a nature-za, os espaços construídos e ocupa-dos, os modos de produção e as ativi-dades sociais e culturais. (...) Paraque a paisagem cultural se configure,esses fatores devem guardar uma re-lação complementar entre si, capazde estabelecer uma identidade quenão possa ser conferida por qualquerum deles isoladamente (...)”, comolembra Luis Fernando de Almeida,em artigo do jornal O Globo. Em consonância com a recomenda-ção da Unesco sobre a conservaçãointegrada das áreas de paisagem cul-tural, a promoção de um modelo dedesenvolvimento sustentável é umaexcepcional alternativa às rígidas re-
lações sociais e políticas que caracte-rizam Natividade – assim como asdemais comunidades onde pecuáriae latifúndio predominam na paisa-gem econômica regional.O resgate das técnicas de produçãoartesanal integrado à arquitetura eao calendário das celebrações possi-bilitaria redesenhar o austero desti-no rural de Natividade sob uma no-va perspectiva, com qualidade de vi-da e cidadania para a comunidade,que finalmente, poderia se apropriarde modo simbólico e pragmático desua herança cultural.Vinte anos depois, ampliar o signifi-cado da preservação de Natividade epromover seu desenvolvimento sus-tentável é reafirmar a importânciahistórica e cultural que levou à suainscrição nos Livros de Tombo Ar-queológico, Etnográfico e Paisagís-tico, Histórico e de Belas Artes em16 de outubro de 1987.
Raquel da Costa Nery é arquiteta e urbanista do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 2006
NOTA
* A fundição do ouro no Brasil foi inserida atra-
vés dos escravos provenientes da atual região de
Angola, Moçambique, além dos grupos Minas –
Yorubanos, Gegê, entre outros. Estes grupos fo-
ram selecionados em razão de sua experiência e
domínio das técnicas de metalurgia e mineração
na África – uma mão- de- obra especializada pa-
ra atender às novas necessidades e modos de pro-
dução da Colônia. Ozanam, Luiz. “As jóias dos
negros: usuários e artífices nas Minas Gerais do
século XVIII.” Revista da Fadom, Divinópolis-
MG, n 13, p. 1- 5, 2003.
Disponível em: www.fadom.br/interna.asp?var_
cdsessao=000040&var_cdsubnivel=2&var_
tipomenu=Vcontexts/brasilrevistas.htm.
Acesso em 28 julho de 2007.
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A milenarfiligrana
encontrada nomunicípio é
similar àproduzida
em Portugal e Espanha
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