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2º Encontro Internacional História & Parcerias Associação Nacional de História Rio de Janeiro (ANPUHRJ) Rio de Janeiro, 21 a 25 de outubro de 2019 COMBATE DO JENIPAPO: A BATALHA VENCIDA PELOS PORTUGUESES NA GUERRA QUE PORTUGAL PERDEU O BRASIL Antonio Carlos Silva Ferreira Universidade Federal da Bahia [email protected]

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2º Encontro Internacional História & Parcerias

Associação Nacional de História Rio de Janeiro (ANPUHRJ)

Rio de Janeiro, 21 a 25 de outubro de 2019

COMBATE DO JENIPAPO: A BATALHA VENCIDA PELOS PORTUGUESES

NA GUERRA QUE PORTUGAL PERDEU O BRASIL

Antonio Carlos Silva Ferreira

Universidade Federal da Bahia

[email protected]

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Fl.2

RESUMO

O objetivo do artigo é descrever e analisar a tentativa frustrada do Reino de Portugal, nos

anos 20 do século XIX, de manter o Brasil, ou parte dele, sob controle da coroa

portuguesa.

Os estudos existentes abordam a Independência do Brasil, como episódio da história do

país e como tal, concentram-se no protagonismo nacional e nas batalhas vencidas pelos

brasileiros. Estudos regionais mais recentes, resgatam a Batalha do Jenipapo, ocorrida no

Piauí como um ato de bravura dos brasileiros que teria contribuído para a consolidação

da Independência do Brasil, em que pese o referido combate ter sido vencido pelos

portugueses.

Este artigo analisa o episódio, como evento da História das Relações Internacionais, a

partir da visão lusitana e não da brasileira, com foco nas ações de contenção e de

dissuasão empreendidas por Portugal com objetivo de impedir a independência do Brasil

e, em último caso, se esta fosse inevitável, manter a região norte da colônia sob domínio

da Coroa Portuguesa. A narrativa, decorrente de pesquisa bibliográfica, privilegia o

protagonismo português, sob a ótica das relações internacionais, com ênfase na atuação

do militar lusitano Major João José da Cunha Fidié, sobretudo no Combate do Jenipapo.

A análise dos fatos e da missão empreendida por Fidié, evidenciam uma sequencia de

erros do militar que terminaram por inviabilizar o sucesso da operação lusitana e

culminaram num desfecho contrário ao desejado pela Corte de Portugal.

Palavras-chave:

Batalha Jenipapo, Portugal, Independência do Brasil

ABSTRACT

This article aims to describe and analyze the Portugal Kindom unsuccessfull attempt, in

the XIX century twenties, to keep Brazil, or the northern part of it, under its control,

which could have resulted in a different countries configuration in the world map

nowadays.

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Fl.3

The bibliographic survey focus on the actions to reverse the status quo acquired by the

colony established with the transference of the Royal Family to Brazil, in 1808, and

follows the measures taken after the Family´s return, ending with the sending of Major

Fidié, with the failed mission of avoiding the independence, or at least, keeping the

northern provinces under Portuguese domain.

Key-words:

Jenipapo Combat, Portugal, Independence of Brazil

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Fl.4

INTRODUÇÃO

O estudo da Independência do Brasil não está circunscrito apenas à história nacional, mas

se insere no contexto internacional, se adotado um outro ponto de observação, qual seja

o das relações internacionais.

O processo que resultou na Independência do Brasil já foi suficientemente explorado em

artigos e livros, mormente sob a égide da disciplina de História do Brasil, sendo os

eventos costumeiramente analisados, a partir da visão dos emancipados.

As obras existentes indicam o surgimento de sentimentos separatistas desde o século XVI,

com ênfase na Inconfidência Mineira. Identificam a transferência da Família Real para o

Brasil, como episódio que desencadeia reações de Lisboa para recuperar o status quo da

metrópole, por meio da tentativa de recolonização. Os esforços são frustrados pela

resistência brasileira que termina por concretizar o rompimento e a independência da

colônia (BARRETO, 2000; FAUSTO; 2006).

Mais recentemente, historiadores piauienses trataram de resgatar a participação da então

Província do Piauí nas lutas. Sobretudo enaltecem a importância da Batalha ou Combate

do Jenipapo, considerado por Gomes1 como “[...] o maior confronto armado da Guerra da

independência”. O episódio passou a ser mais divulgado, especialmente em razão de

esforços da comunidade acadêmica local, que culminou com a decretação da Lei Estadual

nº 5.507, de 17 de novembro de 2005 que determinou a inscrição da data – 13 de março

de 1823 – na bandeira do Estado, além de ser feriado. (ADRIÃO NETO, 2005;

MACHADO, 2015).

Nosso propósito é o de analisar o episódio no âmbito da ação de contenção e dissuasão

empreendida por Portugal com objetivo de impedir a independência do Brasil e, em

último caso, se esta fosse inevitável, e não pudesse ser futuramente revertida, o Reino de

Portugal manteria a região norte sob seu domínio. A narrativa privilegia como foco o

protagonismo português, sob a ótica das relações internacionais, a atuação do militar

lusitano Major João José da Cunha Fidié, o Combate do Jenipapo e as possíveis

repercussões das ações na configuração do atlas mundial.

1 Laurentino Gomes, autor do livro “1808” em entrevista a Ancelmo Góis no Programa De Lá Pra Cá de

31/10/2010 sobre a Batalha do Jenipapo, disponível no YouTube em

https://www.youtube.com/watch?v=zlgsZcj-V3o

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Não fosse pelos erros cometidos por Fidié, é provável que a Independência do Brasil

tivesse se restringido às províncias situadas abaixo do Paralelo 10 e que a região acima

deste tivesse se mantido como território ultramarino português, possivelmente alcançando

independência mais tarde, vindo a ser mais um país sul-americano de língua portuguesa

a compor o mapa-múndi.

ANTECEDENTES. O PERÍODO JOANINO

Para Fausto (2006) não é possível precisar no tempo o início das aspirações de

independência e de unidade da América Portuguesa, como um sentimento que levasse ao

desejo de soberania política, mas ele registra como manifestações dessa vontade os

movimentos como a Guerra dos Mascates em Pernambuco (1710), a Inconfidência

Mineira (1789), a Conjuração dos Alfaiates (1798) e a Revolução de 1817, considerando

como o mais importante a rebelião liderada por Tiradentes em Minas Gerais. O autor

(2006, p. 62) afirma ainda que “[...] nos anos entre 1777 e 1808, a Coroa continuou

tentando realizar reformas para se adaptar aos novos tempos e salvar o colonialismo

mercantilista”.

Em 1807 a disputa de poder entre a França e a Grã-Bretanha atinge um ponto crítico

quando Napoleão impõe o Bloqueio Continental à nação inimiga e com apoio da Espanha

dá um ultimato a Portugal. A pressão francesa foi-se fazendo cada vez mais forte a ponto

de exigir que Portugal declarasse guerra à Inglaterra sob pena de invasão e destituição do

trono português. Sabia-se que, na eventualidade de uma aliança franco-lusitana, Portugal

poderia perder a colônia sul-americana porque a Inglaterra não aceitaria que a área de

influência francesa chegasse até o Brasil (BARRETO, 2000).

As tropas francesas avançaram sobre Portugal e chegaram a Lisboa em 30 de novembro

de 1807, um dia depois da partida das naus que traziam o Príncipe Regente D. João, sua

genitora, a Rainha D. Maria I, além de “[...] vários milhares de pessoas, papéis de Estado,

tesouros da Coroa e outros bens avaliados em 80 milhões de cruzados.” (Barreto, p. 68).

A transferência da Corte foi apresentada como uma decisão política de manutenção do

Reino e domínio do Brasil Colônia, descaracterizando a fuga da Família Real. Antes de

chegar ao Rio de Janeiro, a comitiva escoltada pela frota inglesa, aportou na Bahia, onde

D. João, de imediato, assinou a abertura dos portos às nações amigas, o que significou,

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juntamente com a transferência da Corte, em termos pragmáticos, o fim do pacto colonial.

Segundo Fausto (2006), a medida que favoreceu a Inglaterra, por outro lado, permitiu a

Portugal receber os tributos devidos do comércio que já era praticado de modo ilegal entre

a Colônia e a Inglaterra.

Para os ingleses, o apoio à transferência da Coroa Portuguesa para o Brasil evitava que a

França dominasse o reino luso e, por extensão, passasse a exercer influência no continente

sul-americano, contrariando os interesses políticos e comerciais da Inglaterra na região.

Com a abertura dos portos e outros acordos “[...] firmou-se o comércio britânico no Brasil,

sem que comerciantes de outros países pudessem fazer-lhe concorrência perigosa”

(BARRETO, 2000, p. 88).

A transferência provoca alterações também no aspecto político:

A transferência da sede da monarquia portuguesa

para o Brasil mudou o quadro das relações

internacionais no contexto da América do Sul. A

política externa de Portugal passou a ser decidida na

Colônia, instalando-se no Rio de Janeiro o

Ministério da Guerra e Assuntos Estrangeiros.

(FAUSTO, 2006, p. 88).

Assim foi que, com incentivo britânico, os portugueses invadiram a Guiana Francesa, em

final de 1808, na intenção de destruir Caiena e assim conter o expansionismo francês no

continente, ocupação esta que se encerrou em 1816 com a resolução de Viena

(BARRETO, 2000). Em seguida houve a invasão da Banda Oriental que foi anexada ao

Brasil, em 1821, como Província Cisplatina, a qual viria a se tornar independente, anos

mais tarde, constituindo o Uruguai, em um processo que contou com mediação inglesa e

sob condição de a antiga província não se associar a nenhum Estado (BARRETO, 2000).

Mesmo após a derrota de Napoleão em 1814, cessando a ameaça ao trono português, a

Família Real permaneceu no Brasil e D. João alçou o Brasil ao status de Reino Unido a

Portugal e Algarves, em seguida consagrando-se Rei sob o título de Dom João VI, por

motivo de morte da sua genitora (FAUSTO, 2006). A adoção desta medida vai suscitar

insatisfação na sociedade portuguesa, pois configura uma situação de exceção, com

elevação de status da Colônia como descreve Lyra:

A institucionalização do Reino unido de Portugal e

Brasil, através da “Carta de Lei”, de 16 dezembro de

1815, que elevou o Brasil à condição de Reino, não

deixava mais nenhuma dúvida: a antiga colônia

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Brasil efetivamente passava a ser, de fato e de

direito, um novo Reino Unido a Portugal (LYRA,

2010, p.132).

A ausência do Rei em Lisboa, a liberdade de comércio desfrutada pelo Brasil e a

ingerência da Inglaterra nos negócios, dentre outros fatores, geraram um desgaste da

burguesia portuguesa com a Coroa, resultando na Revolução Liberal do Porto, em agosto

de 1820, que desejava reconduzir a Colônia à situação anterior de total submissão a

Portugal, com retomada do exclusivo comercial metropolitano e o regresso do monarca a

Lisboa (BARRETO, 2000; FAUSTO, 2006; LYRA, 2010; MATTOS &

ALBUQUERQUE, 1991).

Em 1821, uma das definições dos revolucionários foi o estabelecimento de nova

organização político-administrativa, sob a qual, as capitanias passaram a ser denominadas

de províncias, a serem dirigidas por juntas governativas diretamente subordinadas a

Lisboa. Antes do final daquele ano, levando adiante o processo de restauração do domínio

de Portugal sobre o Brasil, transferem para a capital portuguesa os principais órgãos da

administração pública que haviam sido instalados no Brasil durante a permanência de D.

João VI (FAUSTO, 2006). Segundo Mattos e Albuquerque (1991, p.55) “[...] os

revolucionários acreditavam que a restauração de Portugal estava intimamente

relacionada à volta do Brasil à condição de Colônia”.

Receoso de perder o trono, D. Joao VI cede às pressões, compromete-se a aceitar a

Constituição que será escrita e, posteriormente embarca para Portugal, em 26 de abril de

1821, com uma comitiva formada por 4 mil cidadãos lusos, não sem antes deixar seu filho

Pedro como príncipe regente na Colônia (FAUSTO, 2006; MATTOS &

ALBUQUERQUE, 1991). Em carta de 19 de junho de 1822, Pedro relembra o momento

do regresso do seu pai, em abril de 1821 e retoma o registro do que lhe foi dito na ocasião:

“Eu ainda me lembro e me lembrarei sempre do que

vossa majestade me disse, antes de partir dois dias,

no seu quarto:´Pedro, se o Brasil se separar, antes

seja para ti, que me hás de respeitar, do que para

algum desses aventureiros´". (LIMA JÚNIOR,

1941, p. 65-66).

Noutras cartas endereçadas a seu pai, conforme coligidas e copiadas por Lima Júnior

(1941), observa-se que a postura do Príncipe Regente era de completa subserviência ao

Rei de Portugal, afirmando que, de imediato, passara a cumprir suas determinações, além

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de não promover nenhuma mudança, mas, em dado momento, passa a perceber a perda

de poder, como efeito das deliberações dos revolucionários como se verifica na sua

segunda carta datada de 17 de julho de 1821:

Espero que V. M me faça a honra de mandar

apresentar esta minha carta em Côrtes para que elas,

de comum acordo com V.M. dêem as providências

necessárias a este Reino de que eu fiquei Regente, e

hoje sou capitão general porque governo só a

província; e assim assento que qualquer junta o

poderá fazer para que V.M. não desagrade a si,

tendo o seu herdeiro como governador de uma

província só. (LIMA JÚNIOR, 1941, p. 20).

Como parte integrante do Reino Unido, o Brasil teria representatividade nas Cortes

Gerais, em Lisboa, entretanto, o número definido é desproporcional às populações,

favorecendo Portugal, em detrimento do Brasil, sendo que os deputados brasileiros que

se fazem presentes em flagrante minoria, percebem que não tem voz e ressentem-se da

deliberada intenção de recolonizar o Brasil (MATTOS & ALBUQUERQUE, 1991).

As medidas das Cortes de Portugal reduzem a importância política do Brasil,

praticamente anulando a autoridade do Príncipe Regente, o que torna desnecessária a sua

presença, razão pela qual é exigido, por meio do Decreto nº 125, de 29 de setembro de

1821, o retorno de D. Pedro a Portugal (FAUSTO, 2006; NUNES, 1975). Assim descreve

Odilon Nunes a situação do Brasil após a adoção das medidas retro citadas:

O Brasil desde a promulgação daqueles decretos

virtualmente já não era reino, pois essas leis, já em

execução, positivamente o fariam regredir à

condição de colônia, com suas províncias

desarticuladas, não apenas pelas contingências

geográficas, como ainda pela administração

provinda de Portugal, cuja aspiração era dividir

para melhor dominar. (NUNES, 1975, p. 40)

A recusa de retorno de D. Pedro, simbolizada pelo Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822,

representa a expressão da rebelião e a desobediência ao Governo da Metrópole que irá

prosseguir com a adoção de medidas de dissuasão para impedir a emancipação da sua

colônia.

FIDIÉ E O COMBATE DO JENIPAPO NO PIAUÍ

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Segundo Adrião Neto (2005) um sentimento nativista e a consciência acerca do processo

de independência brasileira foram estimulados nos piauienses a partir de movimentos

revolucionários que aconteciam em várias regiões do território, sobretudo a Revolução

de Pernambuco (1817) que tencionava unir as Províncias de Ceará, Paraíba, Pernambuco

e Rio Grande do Norte sob uma única República. Laurentino Gomes2 esclarece que as

idéias libertárias inspiradas na Revolução Francesa (1789) e na Independência dos

Estados Unidos (1776) eram disseminadas nas províncias brasileiras pela Igreja e pela

Maçonaria já que não haviam partidos políticos. A possibilidade de emancipação do

Brasil teria levado a Coroa Portuguesa a elaborar um plano de manter o domínio sobre as

províncias do norte:

[...] o governo lusitano planejou ficar com a parte

Norte, recriando o antigo Estado Colonial do

Maranhão, compreendido pelas províncias do Piauí,

do Maranhão e do Pará. (ADRIÃO NETO, 2005, p.

33).

Os fatores que representam a relevância do Piauí, no conjunto das províncias nortistas,

são descritos por Chaves (2005): a posição vizinha e com ligação terrestre com as

províncias da Bahia, Ceará e Pernambuco nas quais o desejo separatista era pujante; a

navegação para o Rio de Janeiro enfrentava desafios de ventos opostos e calmarias, ao

passo que era mais fácil a navegação para Portugal a partir da região setentrional, o que

facilitava a comunicação e supervisão por Lisboa.

Além da privilegiada situação geopolítica, o Piauí desfrutava de relevância econômica, o

delta do Parnaíba era escoadouro de diversos produtos da região, a ponto de

empreendedores a exemplo de Simplício Dias da Silva, terem sua própria frota naval. Por

outro lado, a agricultura competia com a produção de algodão, cana-de-açúcar, cereais

e fumo. Mas, sobretudo o gado bovino era a mercadoria mais importante, ou como afirma

o escritor piauiense Joaquim Chaves ”O boi é que era a nossa riqueza” (2005, p. 27).

Assim, em razão da posição geográfica e da fartura de gado bovino o Piauí abastecia de

carne sobretudo as províncias vizinhas, isto é, Bahia, Ceará e Pernambuco, potenciais

focos de resistência, de modo que o controle desse suprimento era uma possível “arma”

2 Laurentino Gomes, autor do livro “1808” em entrevista a Ancelmo Góis no Programa De Lá Pra Cá de

31/10/2010 sobre a Batalha do Jenipapo, disponível no YouTube em

https://www.youtube.com/watch?v=zlgsZcj-V3o

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a ser usada para desabastecer os revoltosos e, em seguida, contra-atacá-los. Considerada

a importância do Piauí, Chaves (2005, p. 30) sintetiza que “Se os portugueses pretendiam

realmente ficar com o norte após a independência, a ocupação militar do Piauí seria então

uma questão de vida ou morte para eles”.

A adoção de duas outras ações, por parte de Lisboa, tendem a confirmar a hipótese

aventada: a remessa de um suprimento de armas e munição muito superiores ao necessário

para o uso da Província do Piauí; e a designação, como Governador das Armas do Piauí,

do Major João José da Cunha Fidié, soldado leal à Coroa Portuguesa e com vasta

experiência nas guerras contra Napoleão, onde lutara sob o comando de Wellington

(CHAVES, 2005). A ideia de posse da região norte descrita por Adrião Neto (2005) é

defendida por outros historiadores do Piauí, a exemplo de Omar3 e Viana4.

Segundo Fonseca Neto5, Fidié “[...] veio com a missão militar e política de preservar essa

região no interesse do Reino de Portugal”. Estando a serviço de Portugal e sendo um

homem das armas, o militar certamente não hesitaria em utilizar-se da guerra, ofício para

o qual fora talhado, para defender as razões do Estado luso e reconquistar territórios

rebeldes, como prescreve a cartilha maquiaveliana (CASTRO, 2012)

Nomeado por Carta Régia de 9 de dezembro de 1821, Fidié somente chega em Oeiras,

então capital da Província do Piauí, em 8 de agosto de 1822, encontrando o Piauí envolto

em burburinhos emanados dos sentimentos separatistas da Bahia, Ceará, Pernambuco e

do sul do Brasil, que ecoavam de norte a sul da província, desde Parnaíba no litoral norte

à capital no sul, passando por Campo Maior (CHAVES, 2005; NEVES, 2006).

Logo após a sua chegada, sabedor das iniciativas emancipacionistas, Fidié envia um

destacamento para a vila de Campo Maior e, mais tarde, em início de novembro, toma

conhecimento de que, em 19 de outubro de 1822, ou seja, cerca de 40 dias após o Grito

3 José Omar, historiador, em depoimento no documentário Batalha do Jenipapo, de 6/6/2013, da TV

Antares do Piauí, disponível no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=wdnlXayJiqo&t=22s 4 Junior Viana, historiador em depoimento no programa Caminhos da Reportagem - Batalha do Jenipapo,

de 11/9/2015, da TV Brasil, disponível no YouTube em

https://www.youtube.com/watch?v=PFXFOFBn8qw

5 Antonio Fonseca Neto, historiador piauiense, autor do livro “Jenipapo: riacho irrigado com sangue da

esperança” em entrevista a Vera Barroso Góis no Programa De Lá Pra Cá de 31/10/2010 sobre a Batalha

do Jenipapo, disponível no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=zlgsZcj-V3o

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do Ipiranga, um grupo liderado pelo pecuarista Simplício Dias da Silva proclama a adesão

de Parnaíba à independência reconhecendo Dom Pedro como Imperador. Esclarece

Gomes6 que o Coronel Simplício, além de ser maçom “[...] era um dos homens mais ricos

do Brasil, ele tinha 1.200 escravos, abatia 40 mil bois por ano, tinha uma frota de 5 navios

particulares que distribuíam essa carne na Europa, nos Estados Unidos”, o que converge

com a noção da importância econômica do Piauí e da participação da maçonaria no

movimento independentista.

Então, o Governador das Armas do Piauí parte de Oeiras, em 13 de novembro, com

destino à Vila de Parnaíba, para sufocar o movimento, antes passando em Campo Maior,

e levando a maior parte das suas tropas, deixando a capital desguarnecida, o que teria sido

uma imprudência pela qual iria pagar posteriormente (NEVES, 2006).

Em 24 de novembro ele chega em Campo Maior, onde permaneceu por treze dias e

encaminhou correspondência para a Câmara de Parnaíba e para o Coronel Simplício

solicitando que desfizessem o que haviam feito ao que recebeu resposta dando conta do

arrependimento e de que tudo estava bem na região, entretanto neste ínterim emissários

sob seu comando voltavam daquela vila com notícias em contrário (ADRIÃO NETO,

2005; CHAVES, 2006). Pediu reforços de artilharia, deixou uma centena de soldados

guarnecendo Campo Maior, abandonando os planos de fixar-se ali e manteve os planos

de rumar para Parnaíba com todo o seu contingente, o que teria sido seu segundo erro,

na opinião de Abdias Neves:

Se foi um erro grave abandonar Oeiras à mercê dos

acontecimentos, erro menor não foi abandonar

Campo Maior, rompendo qualquer probabilidade de

ir em socorro da capital na hipótese de o exigirem as

circunstâncias. (NEVES, 2006, p. 77).

Após passar em Piracuruca, onde descansou por um dia, Fidié e seus comandados

prosseguiram rumo a Parnaíba e segundo Neves (2006), o Major liderava um grupo de

380 soldados, mas na Vila chegam rumores de que eram 6 mil homens (NEVES, 2006)

ou pelo menos de que “As notícias que lá chegavam, exageradas, davam conta de que

6 Laurentino Gomes, autor do livro “1808” em entrevista a Ancelmo Góis no Programa De Lá Pra Cá de

31/10/2010 sobre a Batalha do Jenipapo, disponível no YouTube em

https://www.youtube.com/watch?v=zlgsZcj-V3o

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Fidié marchava à frente de mais de 2.000 homens, muito bem armados e adestrados, e

que logo que ocupasse Parnaíba invadiria o Ceará por Granja” (CHAVES, 2006, p. 46).

O medo da carnificina que poderia acontecer levou os revoltosos a repensaram o ato de

desobediência, cientes de que não tinham armas, munição nem treinamento adequados e

suficientes, apenas os poucos soldados do 1º Regimento de Cavalaria. Nem mesmo o

apelo à vizinha Província do Ceará pôde ser atendido porque estavam estes concentrados

no seu próprio levante, em adesão à independência. Assim, restou a fuga de Parnaíba,

para o sertão de Ibiapaba, deixando para trás patrimônio e familiares (CHAVES, 2006).

Em 18 de dezembro, Fidié e seus comandados completaram a estafante caminhada de

660 quilômetros – considerando desde a partida de Oeiras – e chegaram na Vila de

Parnaíba, onde lhe aguardavam reforços de tropa e um navio enviados pelo Maranhão em

seu apoio. O Governador solicitou ao governo da Província do Maranhão, armas e

munições para garantir o êxito no embate que imaginava ter em Parnaíba e empenhou-se

nos planos de ação local e na avaliação da possibilidade de invadir o Ceará. Não sem

antes passar as tropas locais em revista, o que lhe fez deslocar para Oeiras o Regimento

de Cavalaria, que não lhe pareceu confiável, incorrendo em mais um erro (CHAVES,

2006).

Com a evasão dos insurgentes não havia a quem combater na Vila de Parnaíba, tanto que

os soldados de Fidié saquearam lojas e armazéns do magnata Simplício Dias, abateram

cabeças de gado para servir de alimento, roubaram peças de valor das suas propriedades

e até mesmo suas embarcações foram incendiadas a mando do oficial português. O

embate não iria acontecer ali, mas o prenúncio do que estava por vir já fora dado quando

a Casa da Pólvora de Oeiras fora atacada por mascarados que surraram os guardas e

levaram armas e munições, no mesmo dia em que Fidié se deslocava de Piracuruca para

Parnaíba (ADRIÃO NETO, 2005).

Notícias chegavam em Oeiras dando conta de supostas adesões no Ceará, Pernambuco e

Bahia à independência, quando o Padre José Joaquim Monteiro de Carvalho e Oliveira

encaminhou, em 31 de dezembro de 1822, à Junta de Governo um pedido de providências

de apuração das desordens. Apenas alguns poucos dentre os suspeitos delatados

anonimamente em reunião convocada pela Junta foram presos nos primeiros dias de

janeiro (ADRIÃO NETO, 2005; CHAVES, 2006; NEVES, 2006).

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Fidié permanecia em Parnaíba planejando a invasão do Ceará quando a capital, Oeiras,

recebe ofício do General Labatut, que comandava as tropas patriotas na Bahia,

conclamando o Piauí a aderir ao movimento soberanista. Após responder a Labatut

negando a adesão e reafirmando lealdade ao Governo de Lisboa, a Junta de Governo,

preocupada com os perigos que representavam a Bahia, Pernambuco e insurretos locais,

pede reforços ao Maranhão e solicita, em 14 de janeiro, o retorno do Governador das

Armas a Oeiras. Na madrugada de 24 de janeiro, um grupo de rebeldes liderados pelo

Brigadeiro Manoel de Sousa Martins e seu irmão Joaquim de Sousa Martins ocupou a

Casa da Pólvora, tomaram posse de outras instalações e, sem disparar um só trio nem

derramar sangue proclamaram a Independência do Brasil no Piauí (ADRIÃO NETO,

2005; CHAVES, 2006; NEVES, 2006).

No dia seguinte, a nova Junta de Governo instituída oficiou as câmaras das Vilas de

Valença, Parnaguá, Jerumenha, Campo Maior, Parnaíba e Marvão para que

proclamassem a independência e ao Governo do Maranhão, ainda fiel a Portugal, para

que mantivesse neutralidade sob pena de serem rompidas as relações e proibida a

exportação de gado bovino. Mandou cortar também o fornecimento de carne para

Parnaíba e, por fim, comunicou ao Major Fidié para que entregasse o comando das Armas

ao Capitão Manuel Pimenta Sampaio e que se retirasse do Piauí, evitando o confronto

(ADRIÃO NETO, 2005; NEVES, 2006).

Sabedor de que, assim como a capital Oeiras, também as vilas de Campo Maior e

Piracuruca já estavam sob controle de tropas cearenses separatistas, Fidié poderia ter

optado por embarcar para São Luís e de lá para Lisboa, mas reuniu seus comandados e

com reforço de soldados oriundos de Carnaubeiras e de São Bernardo, cidades vizinhas

maranhenses, preferiu marchar de volta à capital, para onde partiu em 1º de março, “[...]

colocando acima de tudo o patriotismo e o seu dever de defender os interesses de

Portugal” (ADRIÃO NETO, 2005, p. 47).

O novo governo do Piauí em Oeiras subestimou os pedidos de fortalecimento das tropas

estacionadas em Piracuruca e em Campo Maior, bem como pecou em não ter deslocado

tropas para combater e capturar Fidié em Parnaíba. Os cerca de 70 dias passados no norte

da província, sem embates, foram mais que suficientes para que Fidié e seus liderados

descansassem, treinassem e estivessem prontos para o regresso. Assim, ao entrarem em

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Piracuruca, não teriam enfrentado nenhuma resistência se não fora pelo encontro casual,

em 10 de março, que ficou conhecido como Combate do Jacaré, de um grupo de 80

soldados de Fidié com 60 cearenses em fuga que resultou em pequenas baixas para ambos

os lados (ADRIÃO NETO, 2005; CHAVES, 2006).

Em 12 de março, cientes da aproximação de Fidié, o Capitão Luís Rodrigues Chaves

arregimentou soldados, vaqueiros, roceiros de Campo Maior e cercanias, inclusive

maranhenses e cearenses, totalizando quase 2 mil homens. Diga-se de passagem,

precariamente armados com espingardas de caça, machados, foices, facões, facas, arcos

e flechas, já que a maioria era civil. Acredita Assis7 inclusive que algumas pessoas,

possam ter se oferecido para lutar, mas que outras, a exemplo de escravos, tenham sido

de fato recrutadas compulsoriamente. O Fidié, por sua vez, se aproximava cauteloso,

depois da experiência no entorno de Piracuruca e com 1.100 soldados bem armados, bem

treinados, mais 11 peças de canhão (ADRIÃO NETO, 2005; CHAVES, 2006).

Na manhã de 13 de março, os patriotas estavam entrincheirados nas proximidades do Rio

Jenipapo, pelos lados esquerdo e direito uma vez que a estrada por onde viriam os

inimigos tinha uma bifurcação. O experiente oficial português ao se aproximar dividiu

suas tropas em duas e a cavalaria, em menor quantidade, avançava por um dos lados. No

primeiro confronto com a cavalaria, os tiros fizeram com que os separatistas cometessem

o erro de abandonar suas posições e atacar em bloco único. As tropas lusitanas então

ocupam o flanco abandonado e dão início a um massacre, que das 9 às 14 horas que vai

deixar resultados devastadores:

As tropas independentes contabilizaram, de

imediato, a perda de mais de 200 homens, entre

mortos e feridos e 542 prisioneiros. Os portugueses

computaram apenas 19 mortos e 63 feridos. No

entanto, há quem afirme que os óbitos, de ambos os

lados, contando com as vítimas que não resistiram

aos ferimentos, passaram dos 400. (ADRIÃO

NETO, 2005, p. 51).

Estava encerrada a Batalha do Jenipapo, termo utilizado por diversos autores, mas que o

Coronel Cláudio Moreira Bento, prefere denominar de Combate do Jenipapo, conforme

7 Francisco de Assis, professor e escritor, em depoimento no programa Caminhos da Reportagem -

Batalha do Jenipapo, de 11/9/2015, da TV Brasil, disponível no YouTube em

https://www.youtube.com/watch?v=PFXFOFBn8qw

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justificado na sua obra “O Combate de Jenipapo”. A vitória foi dos portugueses, mas

também eles estavam demasiadamente cansados, além de terem perdido parte dos

mantimentos e munição, supostamente levados por parte dos insurgentes que bateram em

retirada, por todos os lados e nem sequer foram perseguidos. Permaneceram os

portugueses numa fazenda em Campo Maior, por dois dias, enterrando as baixas,

cuidando dos soldados feridos e recuperando-se da refrega. (ADRIÃO NETO, 2005;

BENTO, 2009; CHAVES, 2006).

Fidié desiste de seguir para Oeiras e segue na direção de Estanhado, perto da divisa com

o Maranhão. Por sorte ou por conhecimento, saiu antes que chegassem sobreviventes do

Jenipapo, reforçados por tropas do Ceará e os alcançassem em Campo Maior. Ainda

assim, em Estanhado sofreu emboscadas e perdas que o fizeram atravessar para Caxias

(Maranhão) onde em junho de 1823 teve fim a jornada de Fidié:

E depois de três meses e meio, vencidos pela sede e

pela fome, os lusos capitularam. Fidié foi preso,

levado para Oeiras e de lá enviado para o Rio

deJaneiro, onde foi libertado e retornou a

Portugal.(ADRIÃO NETO, 2005, p. 52).

A missão de João José da Cunha Fidié se encerrara, sem que tivesse ele cumprido o

objetivo de debelar a insurgência e manter o Piauí e região circunvizinha sob o domínio

de Portugal. Apesar da fragrorosa vitória no Combate do Jenipapo, os erros cometidos

lhe custaram caro, especialmente o de ter deixado a capital praticamente desguarnecida

para empreender a longa jornada até Parnaíba, onde não precisou lutar para retomar o

poder.

Na opinião de Aurélio8 a Batalha do Jenipapo foi crucial para a “[...] unificação do Brasil

no mapa que a gente tem hoje, na definição do mapa”. A independência do Brasil se

consolidou no Piauí, assim como na Bahia, em 2 de julho de 1823 e no restante do país.

Houvesse Fidié logrado êxito em manter o controle português sobre parte dos territórios

situados acima do paralelo 10, que inclui o Piauí, o Império do Brasil, mais tarde

República, teria outra configuração no mapa. A julgar pelo processo de independência

das colônias portuguesas da África, ocorrido majoritariamente nos anos 70 do século XX,

8 Bernardo Aurélio, historiador piauiense, co-autor do livro em quadrinhos “Foices & facões – a batalha

do jenipapo” em entrevista a Vera Barroso no Programa De Lá Pra Cá de 31/10/2010 sobre a Batalha do

Jenipapo, disponível no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=zlgsZcj-V3o

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é plausível supor que só então a região norte ter-se-ia emancipado, sabe-se lá com qual

nome, vindo a ser o segundo país de língua portuguesa na América do Sul e vizinho do

Brasil.

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CONSIDERAÇOES FINAIS

Desde o descobrimento o Brasil foi visto e tratado como colônia de Portugal, para cá não

vieram os portugueses fundar uma nova nação como os colonos europeus na América do

Norte. O território era explorado e as riquezas trasladadas à metrópole bem como

impostos eram cobrados pela extração mineral.

Assim foi até que a ameaça de invasão de Portugal, por Napoleão, forçou a Família Real

a emigrar e fixar-se na colônia que, passou a desfrutrar, cada vez mais, de um patamar

que tendia a uma equiparação, o que se materializa com a elevação à condição de Reino

Unido a Portugal e Algarves.

As pressões da Corte, pelo fim do privilégio comercial inglês, pela volta do exclusivo

metropolitano, pelo regresso de Dom João VI, sinalizam fortemente o desejo de

recolonização. O regresso de Dom João é motivado pelo receio de perder o trono, mas a

permananência do seu filho Pedro, no Brasil, como Príncipe Regente manifesta o desejo

de manter o vínculo entre Brasil e Portugal.

A insatisfação que leva ao levante dos brasileiros e às aspirações de rompimento e

independência preocupam a Corte lusitana e as medidas para neutralizar a autoridade do

Regente e subordinar as províncias diretamente ao Governo de Portugal, visavam reforçar

os laços e o domínio.

A designação de Fidié, em 9 de dezembro de 1821, exatamente um mês antes do Dia do

Fico evidencia que os portugueses já percebiam a gravidade da situação, considerado

assim o risco de perda da sua possessão. A julgar pelos suprimentos fornecidos e pelo

desejo de também invadir o Ceará, Fidié não veio com a simples incumbência de manter

a paz e ordem apenas no Piauí.

Pela importância econômica da província, Fidié poderia ter conseguido mantê-la sob

controle luso e ainda solapar os arroubos separatistas das províncias vizinhas por meio do

corte de suprimentos, sobretudo a carne bovina. Nessa condição, Portugal teria o Piauí

como uma ponta de lança para a reconquista dos demais territórios. Ou quando menos,

forçaria uma secessão que findaria por um Brasil independente abaixo do paralelo 10 e

uma possessão setentrional portuguesa de vasta extensão e importância geoconômica.

Se não fosse pelos erros, Fidié quiçá teria mantido os territórios do norte como uma

espécie de Guiana Portuguesa. Considerando que as colônias portuguesas obtiveram sua

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independência a partir de 1973, é plausível considerar que atualmente a “Guiana

Portuguesa” fosse mais uma nação de idioma português na América do Sul, ocupando o

194º assento na Assembleia Geral da ONU e modificando a imagem que hoje temos do

mapa-múndi.

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