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André Gunder Frank. Tigre de papel, dragao de fogo. En: Aportes, Revista de la Facultad de Economía, Benemérita Universidad Autónoma de Puebla (BUAP), año X, n° 29, mayo-agosto de 2005, México, pp. 125-139.

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  • Anexo

    Tigre de Papel, Drago de Fogo

    Andr Gunder Frank1

    [ 125 ]

    Aportes, Revista de la Facultad de Economa, BUAP, Ao X, Nmero 29, Mayo - Agosto de 2005

    Com o fim da guerra-fria em 1989 e osubseqente declnio da Rssia como umsrio competidor imediato, assim como odeclnio durante os anos de 1990 do famado Japo como nmero um, duas outrasregies, Estados e poderes entraram nadisputa. Um foi os Estados Unidos, cujossucessos e expectativas pareciam ter decli-nado depois de 1970, mas que foram reto-mados nos anos de 1990; e mesmo assimcomo um Tigre de Papel. O outro foi a siaOriental, apesar da sua crise aps 1997, eespecialmente a China o Drago de Fogo.Em termos globais, podemos ver isto comoum processo de deslocamento contnuo docentro de gravidade do mundo na direodo Ocidente no globo, da sia Oriental/China para a Europa Ocidental, depois,atravs do Atlntico, para os Estados Uni-dos, e a ento do litoral oriental para olitoral ocidental, e agora progressivamen-te, atravs do Pacfico, de volta para a siaOriental, como foi observado no meu AVolta ao Mundo em Oitenta Anos. Vamos

    inquirir posteriormente sobre o que foi atagora a ltima etapa deste processo histri-co.

    Tigre de Papel:os Estados Unidos no MundoQual a base e a certeza da posio e dopoder dos Estados Unidos no mundo? Aresposta os dois pilares do Dlar e doPentgono. O dlar o tigre de papelliteralmente isso, e muito mais do quequando Mao empregou este termo para osEstados Unidos. A fora e a mobilidade doPentgono dependente do dlar que, emtroca, o sustenta. Mas as duas torres desustentao dos Estados Unidos so tam-bm seu dois calcanhares de Aquiles. Porcausa delas, tal como ocorreu com as torresgmeas do World Trade Center em NewYork todo o edifcio norte-americanopode ruir em pedaos numa manh nopelo terrorismo, mas pelas operaes domercado financeiro na economia mundial epelas polticas imprudentes do prprio go-verno dos Estados Unidos.

    Os Estados Unidos ainda possuem amaior economia do mundo, que viveu po-cas de crescimento durante a maior partedos anos de 1990, e possuem tambm um

    1 Gunder Frank, Andre (2003) Tigre de papel,dragao de fogo, en Theotonio dos Santos (coord.)Os Impasses da Globalizacao, Ed. Loyola, Brasil,agosto 2003 (21 pp.)

  • 126 ANDR GUNDER FRANK

    Unidos do resto do mundo. Pelo contrrio,esta superioridade dos Estados Unidos re-pousa em dois talvez trs pilares: 1) oDlar enquanto moeda mundial, cujo pri-vilgio monopolista de cunhar os EstadosUnidos dispem vontade; 2) o Pentgonocom sua capacidade militar sem rival; 3)talvez o terceiro pilar seja o governo, aalimentada Ideologia educacional e dosmeios de comunicao que oculta estessimples fatos da opinio pblica. Almdisso, cada um desses pilares sustenta ooutro: custa dlares manter o Pentgono,suas bases em 80 pases em volta do mundoe o desdobramento das suas foras milita-res em volta do globo. Os gastos militaresso as causas principais dos dois dficitsnorte-americanos, no oramento federal ena balana comercial. Inversamente, a forado Pentgono ajuda a sustentar a confianaglobal no dlar.

    Mas esta mesma confiana recproca nafora, por esta mesma razo, constitui tam-bm os dois mutuamente relacionados cal-canhares de Aquiles dos Estados Unidos. Odlar literalmente um Tigre de Papel, namedida em que ele cunhado no papel,cujo valor est baseado somente na suaaceitao e na confiana que se tem nele emtodo mundo. Esta confiana pode declinarou ser totalmente retirada quase de um diapara o outro e levar o dlar a perder ametade ou mais da metade do seu valor.Sem considerar o corte no consumo e noinvestimento norte-americanos, assim comoa riqueza denominada dlar, qualquer de-clnio no valor do dlar comprometeriatambm a capacidade dos Estados Unidosde manter e aumentar o seu aparelho mili-tar. Inversamente, qualquer desastre mili-tar enfraqueceria a confiana no valor do

    poder militar sem rival, que superior aoconjunto dos outros doze ou mais poderesmilitares combinados. Alm disso, a admi-nistrao do presidente Bush faz uso deambos em polticas unilaterais, para imporsua vontade sobre o resto do mundo, igual-mente a amigos ou adversrios, a todos osquais Bush lanou o desafio que diz ouvocs esto conosco ou contra ns. Co-nosco significa que vocs devem fazer talcomo ns dizemos, contra ns significa quevocs esto sob a ameaa de serem destru-dos econmica e politicamente, e tambmmilitarmente, como desejarem. No caso dehaver qualquer dvida a respeito das nos-sas intenes e capacidades, a Rssia e aArgentina so os principais exemplos nofronte econmico, como so o Iraque como boicote, e tambm a Srvia e o Afeganis-to no fronte militar. Estas ltimas em-preitadas mas realmente ambas as coi-sas so o que o presidente Bush paichamou de Nova Ordem Mundial quandobombardeou o Iraque em 1991. Eu cha-mei isso de Terceira Guerra Mundial emdois sentidos: em primeiro lugar, porqueisto aconteceu no Terceiro Mundo e, emsegundo lugar, porque esta guerra contrao Terceiro Mundo constitui uma Tercei-ra Guerra Mundial.

    A prosperidade e o bem-estar do povonorte-americano repousa primeiramente nasua posio no mundo hoje, assim como foia posio da Gr-Bretanha no sculo XIX.Esta observao fundamentalmente dife-rente da fama poltica e vinda dos meios decomunicao sobre as fontes da superiori-dade norte-americana, que estaria suposta-mente no seu gnio, na sua moral, na suaprodutividade e em outras caractersticasque supostamente diferenciam os Estados

  • 127ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGO DE FOGO

    dlar. De fato, no Frum Econmico Mun-dial de Davos de 2003, as elites da polticae dos negcios mundiais expressaram te-mores muito graves de que o simples au-mento das foras militares dos EstadosUnidos, por exemplo, contra o Iraque, po-deria trazer uma depresso mundial. OTime Magazine desta semana relata umestudo abrangente da indstria aeronuticanorte-americana, que conclui que uma gue-rra contra o Iraque levaria a metade destaindstria bancarrota imediata. Sendo as-sim, o que seria ento das linhas areas no-americanas, que so ainda mais frgeis? Aincerteza que sobrevem com o rudo dosabre militar e ameaa solapar a confianano dlar e coloca freios no investimento. Enenhum procedimento ideolgico sufi-ciente para ocultar totalmente esta situaoeconmica.

    De fato, o mundo j est em depresso,da qual por enquanto somente os EstadosUnidos esto substancialmente e o Canade a Europa Ocidental esto parcialmenteisentos. E estes ltimos se encontram nestacondio, por causa da posio privilegia-da especialmente da economia norte-ame-ricana na economia global, de cujo infort-nio os norte-americanos tm extrado osbenefcios desta posio, que, repetindo, essencialmente derivada do privilgio decunhar a moeda mundial com a qual osnorte-americanos podem primeiramentecomprar toda a produo do resto do mun-do a preos deflacionados reduzidos, e de-pois obter os mesmos dlares de volta vin-dos de fora para serem investidos em WallStreet e nos certificados do Tesouro norte-americano para a guarda e/ou para a ob-teno de lucros maiores do que esto dis-ponveis em qualquer outro lugar.

    Na metade dos anos de 1980, JamesTobin [o inventor da taxa Tobin sobretransaes financeiras] e eu, at onde vai omeu conhecimento, fomos os nicos que jtnhamos publicado previses de de-flaocomo sendo um perigo futuro para a econo-mia mundial. Os fazedores de polticaeconmica, contudo, ignoraram estas ad-vertncias e este risco [no realmente umrisco, mas uma conseqncia necessria],embora continuassem com suas polticasdestinadas a combater a in-flao. No en-tanto, desde ento, os preos das mercado-rias caram acentuadamente e substancial-mente e mais recentemente os preos in-dustriais caram tambm. Alm disso, noque diz respeito economia mundial, a altainflao em relao s respectivas moedasnacionais [pesos, rubros etc.] e sua acen-tuada desvalorizao frente ao dlar en-quanto moeda mundial provocaram umaefetiva de facto maior de-flao no resto domundo. Isto reduziu seus preos e tornousuas exportaes mais baratas para aquelesque compram suas moedas com dlares,em primeiro lugar, naturalmente, os consu-midores, os produtores e os investidoresnos e dos! Estados Unidos. Estes, almdisso o que sempre difcil de mencio-nar! podem e compram todo o resto domundo com dlares que custam apenassua cunhagem e distribuio, o que, para osnorte-americanos, no custa virtualmentenada. [A nota de 100 dlares o dinheirovivo mais usado no mundo, sobre a qualgira toda a economia russa, e h duas oumesmo trs vezes o nmero delas circulan-do tanto fora quanto dentro dos EstadosUnidos]. O crescimento e o bem-estar nor-te-americanos e em seguida o oramentofederal equilibrado da administrao

  • 128 ANDR GUNDER FRANK

    Clinton de 1992 a 2000, contrariamente ssuas pretenses populistas, apenas fizeramcoincidir com este crescimento. Os tam-bm 8 anos de longa prosperidade dosEstados Unidos foi inteiramente constru-do nas costas de uma terrvel depresso edeflao, gerando assim um marcado au-mento da pobreza no resto do mundo. Du-rante esta nica dcada, a produo decli-nou em torno da metade na Rssia e naEuropa Oriental, a expectativa de vida naRssia diminuiu de dez anos, a mortalidadeinfantil, a embriaguez, o crime e o suicdioaumentaram como nunca antes em temposde paz. Desde 1997, a renda na Indonsiadiminuiu pela metade e gerou uma crisepoltica permanente. Este o desperdcioda entropia gerada nos Estados Unidos esuas exportaes para fora, para aquelesque so obrigados a absorv-las numa des-ordem cada vez maior. Seria difcil encon-trar melhores exemplos a no ser a des-truio de toda a sociedade na Argentina,em Rwanda, no Congo, em Sierra Leone,na anteriormente prspera e estvel Costado Marfim para no falar dos pases queforam acometidos pela destruio provo-cada pelo poder militar norte-americano.

    Tudo isso, dentre outras coisas, teve asseguintes conseqncias: os Estados Uni-dos podem exportar a inflao que de outromodo seria gerada por seu grande estoquede dinheiro em casa, cuja baixa taxa deinflao nos anos de 1990 no era portantonenhum resultado miraculoso da polticamonetria domstica adequada do Fede-ral Reserve. Os Estados Unidos s pude-ram cobrir sua balana comercial e tambmseus dficits oramentrios com o dinheiroe os produtos baratos vindos de fora. Odficit comercial norte-americano gira ago-

    ra em torno de aproximadamente 400 bil-hes de dlares por ano e continua crescen-do. Destes, 100 bilhes so cobertos pelosinvestimentos japoneses de suas prpriaseconomias nos Estados Unidos, que nopoupa nada, dinheiro que os japoneses po-dem logo ter de repatriar para administrarsuas prprias operaes bancrias e suacrise econmica especialmente se umaguerra dos Estados Unidos contra o Iraqueacarretar ainda que seja um transitrio picono preo do petrleo, de cuja importao oJapo to dependente. Outros 100 bilhesvm da Europa, na forma de vrios tipos deinvestimento, incluindo investimento realdireto, investimento que poderia secar namedida em que a recesso europia venhaa continuar, na medida em que os europeusfiquem exasperados com a poltica norte-americana, ou na medida em que eles ten-ham outras tantas razes para reduzir suasreservas em dlares e por outro lado trans-formem estes dlares em seus prprioseuros. Outros 100 bilhes so fornecidospela China, que inicialmente vende para osEstados Unidos suas manufaturas baratasem dlares e em seguida acumula estesdlares como reservas cambiais externasassim de fato entregando os produtos dosseus pobres produtores aos norte-america-nos. A China faz isso para manter suasexportaes fluindo e suas indstrias fun-cionando, mas, caso se decida destinar es-tes produtos para expandir mais o seu pr-prio mercado interno, seu povo ganhariaem renda e riqueza, e os Estados Unidosperderiam esta sorte. Os restantes 100 bil-hes do dficit so cobertos por outrosfluxos de capital, incluindo o servio dadvida dos pobres latino-americanos e afri-canos que tm de pagar o principal das suas

  • 129ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGO DE FOGO

    dvidas j vrias vezes mais e contudomanter crescendo o montante total devidopela rolagem a taxas de juros elevadas. Aidia de declarar o tipo de insolvncia dosEstados Unidos fica contudo finalmenteesclarecida.

    Assim, a deflao/desvalorizao emqualquer lugar do mundo tem algo comoum m que atraiu o capital financeiroespeculativo do resto do mundo tantodos Estados Unidos quanto dos outros pa-ses para os certificados do Tesouro nor-te-americano [para fazer parar o dficitoramentrio dos Estados Unidos]. Isto foio que alimentou e sustentou o seu mercadoespeculativo nos anos de 1990, que, emtroca, aumentou, sustentou e espalhou maisamplamente uma crena especulativa e ilu-sria no aumento de riqueza para os pro-prietrios de estoques norte-americanos eoutros e, por intermdio disso, tambm umefeito riqueza ilusrio sustentou o con-sumo e o investimento mais elevados. Noobstante, o declnio dos preos de estoqueno mercado de sustentao atual e posterior ainda uma bno lucrativa para empre-sas que lanaram e venderam seus estoquesnos mercados especulativos com preos deestoque altos e em elevao. Pois eles estoagora comprando de volta os seus prpriosestoques, o que para eles so preos baixose base de negcios vantajosos, preos querepresentam um enorme lucro para eles sexpensas dos pequenos proprietrios deestoques, que esto agora vendendo estesmesmos estoques a preos baixos e decli-nantes. A prosperidade norte-americanaagora repousa no gume da faca tambm deuma instvel e enorme dvida dos associa-dos e dos consumidores internos [carto decrdito, hipoteca e outros].

    Alm disso, os Estados Unidos estotambm extensamente super endividadosaos proprietrios estrangeiros dos certifi-cados do Tesouro norte-americano, dosestoques de Wall Street e de outros ativos,que podem ser cobrados por bancos cen-trais estrangeiros que tm mantido reservasem dlares norte-americanos e por outrosproprietrios estrangeiros da dvida dosEstados Unidos. De fato, foi exatamente apoltica norte-americana que contribuiutanto para a desestabilizao em todo mun-do [por exemplo, atravs da desestabili-zao do Sudeste da sia, que solapou aeconomia japonesa e o sistema financeiroainda mais do que poderia de outro modoter sido feito], que agora ameaa e que logoagora torna muito mais provvel que espe-cialmente os proprietrios japoneses e euro-peus da dvida norte-americana devam co-br-la para manter em p suas prpriaseconomias e sistemas financeiros cada vezmais inseguros e instveis. As obrigaesdos Estados Unidos para com os estrangei-ros agora equivale a dois teros do GNPanual norte-americano e portanto nuncapodero ou sero pagas integralmente.Contudo, qualquer ingenuidade de rolareternamente esta dvida pode trazer comoresultado tentativas estrangeiras de retirarde l tanto dinheiro quanto possam, trazen-do como conseqncia a quebra do dlar.

    Outra conseqncia importante que aeconomia norte-americana e do mun-do! est agora enredada num lao doqual muito provavelmente ela no pode selivrar recorrendo bomba de ar [pumppriming] keynesiana e muito menos pol-tica macroeconmica de escala total e sus-tentar assim as economias norte-america-na, ocidental e japonesa, tal como fizeram

  • 130 ANDR GUNDER FRANK

    os governos de Carter e de Reagan. OKeynesianismo Militar, disfarado sob omonetarismo de Friedman/Volker e sob aCurva Supply-Sideism de Laffer, comeoucom Carter em 1977 e foi posta efetivamen-te em prtica em 1979, quando Carter emseguida nomeou Paul Volker para o Fede-ral Reserve, quem, em outubro de 1979,desviou a poltica monetria do FederalReserve da alta criao de dinheiro/baixopreo de juros para a pretendida baixacriao de dinheiro/altos juros [para 20%de juros monetrios!] para socorrer o dlarem razo da sua queda dos anos de 1970 epara atrair capital estrangeiro para o pobreEstados Unidos. Ao mesmo tempo, Cartercomeou o Keynesianismo Militar em jun-ho de 1979, que foi ento posteriormentedesenvolvido pelo presidente Reagan. Nis-so, eles tiveram depois sucesso.

    Contudo, muito improvvel que agorapolticas semelhantes possam novamenteobter sucesso. Os Estados Unidos precisa-riam invocar novamente a mesma polticare-flacionria para si e para seus aliados.Mas agora no podem fazer isso! O FederalReserve j baixou tanto a taxa de juros queela no pode baixar mais, e no possvelestimular investimentos fazendo isso. Poroutro lado, elevar a taxa de juros paracontinuar a atrair capitais de fora arriscariaestrangular todos os investimentos e capi-tais aproveitveis internamente. O Brasiltentou isso, provavelmente com taxas ex-cessivas de juros monetrios de 60% paraatrair capital estrangeiro, e com isso arrui-nou a sua economia interna.

    Os Estados Unidos podem [poderiam?,deveriam?] tentar ento repetir o desem-penho dos anos de 1980 para esgotar-se a sie os seus aliados [agora, menos o Japo e

    mais a Rssia?], mas agora muito maisprofunda a recesso mundial e a depressoque rodeia ameaadoramente o globo. OsEstados Unidos deveriam ento novamen-te apelar para o dficit keynesiano macio[usando o 11 de Setembro como um pretex-to provavelmente para fins militares], paraos gastos re-flacionrios como a locomoti-va a puxar o resto do mundo para fora dassuas depresses econmicas. Contudo, osEstados Unidos so j o consumidor mun-dial de ltimo recurso, mas podem serassim com o dinheiro, os investimentos e asimportaes baratas vindas de fora, ele-mentos que fazem parte do problema econ-mico global.

    Alm disso, para liquidar sua agora enor-me e sempre crescente dvida externa, osEstados Unidos podem escolher tambmapelar para uma reduo in-flacionria dacarga daquela dvida para si mesmos etambm do seu sempre crescente servio dadvida externa. Mas, ainda assim, no po-deriam ao contrrio do que fizeram noacima referido perodo anterior evitarposteriormente a gerao de uma superbalana comercial, particularmente se asdemandas do mercado carem depois e seas presses de fora aumentarem no sentidode exportar para os consumidores norte-americanos de ltimo recurso. Mas agorano haver influxos de capital de fora parasocorrer a economia norte-americana. Pelocontrrio, a presso atual para baixo paradesvalorizar o dlar norte-americano fren-te a outras moedas impulsionaria uma sadade capital dos Estados Unidos, tanto dosbnus do Governo norte-americano quantode Wall Street, onde o significativo decl-nio do preo de estoque gera posterioresdeclnios de preo e deflao em relao ao

  • 131ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGO DE FOGO

    mundo, ainda que os Estados Unidos expe-rimentem inflao interna.

    O preo do petrleo uma outra moscano ungento econmico-poltico, cuja di-menso e importncia so inversamenteproporcionais sade ou doena do pr-prio ungento. E hoje este est muito doen-te e j em estado de deteriorao. O preomundial do petrleo foi sempre uma facade dois gumes, cujos gumes cortantes po-dem perder o corte com a ajuda de polticasde preo e polticas econmicas alternati-vas bem-sucedidas. Por um lado, as econo-mias e os pases produtores de petrleo eseus interesses precisam de um patamar depreo mnimo para produzir e vender seupetrleo em vez de deix-lo no subsolo etambm postergar depois o investimentoprodutivo de petrleo enquanto espera tem-pos melhores. Os Estados Unidos o pro-dutor de petrleo de mais alto custo. Umalto preo do petrleo economicamente epoliticamente essencial tambm para pa-ses importantes, como a Rssia, o Ir eespecialmente a Arbia Saudita, assim comopara os interesses petrolferos dos EstadosUnidos. Por outro lado, um baixo preo dopetrleo bom para os pases importadoresde petrleo, seus consumidores, incluindoos produtores de outros produtos que con-somem petrleo, e sustenta a macro polti-ca econmica estatal, por exemplo, nosEstados Unidos, onde os baixos preos dopetrleo so boa poltica e tambm bompara a economia. Atualmente, a linha quedivide o alto preo e o baixo preo entreambos parece estar em torno de US$ 20 obarril no atual preo-valor do dlar! Masningum parece estar em condies demanter o preo do petrleo neste nvel. Oatual conflito, h muito tempo no mais

    dentro da OPEP [Organizao dos PasesProdutores e Exportadores de Petrleo], travado principalmente entre a OPEP, queagora vende somente de 30 a 40% da pro-duo mundial, e os outros produtores, queproduzem 60%, hoje principalmente a Rs-sia, mas tambm incluindo o prprio Esta-dos Unidos, que so tanto um produtorimportante quanto o mercado principal,embora este esteja crescentemente se des-locando para a sia Oriental. A recessoem ambos os pases e o resultante declniona demanda de petrleo jogam o seu preopara baixo. A estratgia e a guerra norte-americanas contra o Afeganisto e o Iraque para obter o mximo de controle do petr-leo quanto seja possvel e agora para divi-dir o menos possvel com a Rssia o petr-leo das regies da sia Central, do MarCspio e do Golfo Prsico. E este controle,ainda que no se possa controlar o preo dopetrleo, deve ser usado como uma impor-tante alavanca econmica e geopoltica aser manipulada contra os aliados norte-americanos dependentes da importao depetrleo na Europa e no Japo, e finalmentecontra o seu inimigo estratgico, a China.

    Pois a re-flao de gastos keynesiananorte-americana, assim como a inflaono podem mais colocar o patamar abaixodo preo do petrleo requerido hoje e aman-h. Nenhuma poltica, mas somente recu-perao que gerou demanda no mercadomundial e/ou limitaes no suprimentode petrleo pode agora fornecer um pa-tamar e evitar uma queda posterior no preodo petrleo e seu impulso deflacionriosobre os outros preos. Em compensao,uma deflao posterior aumentaria a cargadas j amplamente super-endividadas eco-nomias dos Estados Unidos, da Rssia e da

  • 132 ANDR GUNDER FRANK

    sia Oriental, para no falar de algunspases da Europa e do Terceiro Mundo.

    Assim, a economia poltica do petrleodeve provavelmente acrescentar uma pos-terior presso deflacionria. Isto deverianovamente de fato j faz enfraquecersignificativamente os ganhos norte-ameri-canos do petrleo e dos seus parceiros defora, especialmente na Arbia Saudita e noGolfo Prsico. De fato, o baixo preo dopetrleo durante os anos de 1990 levou aeconomia saudita, que crescia anteriormen-te, para a falncia. Isto provocou imediata-mente o desemprego da classe mdia e umdeclnio significativo na renda, o que trouxetambm uma insatisfao bastante difundi-da, e agora ameaa gerar uma insatisfaoainda maior exatamente no momento emque a monarquia saudita est j enfrentan-do problemas de transio geracional, in-ternamente desestabilizadores. Alm dis-so, um baixo preo do petrleo tambmtornaria novos investimentos no atraen-tes e postergaria tanto uma nova pro-duo de petrleo quanto eliminaria oslucros potenciais da colocao de novosoleodutos na sia Central.

    Na verdade, h ainda uma necessidadeimediata mais urgente para os Estados Uni-dos, a de controlar as reservas de petrleodo Iraque, a segunda maior da regio e amais sub-aproveitada, com uma grande ca-pacidade de aumentar a produo de petr-leo e rebaixar os preos. Mas este no nemtodo nem sequer o cerne do problema.Muitas pessoas ficaram surpresas quando opresidente Bush juntou o Ir e a Coria doNorte no que chamou de eixo do mal. Noentanto, elas no podem ficar to surpresascom os esforos norte-americanos de pro-mover um golpe para mudar o regime na

    Venezuela, que fornece em torno de 15%das importaes norte-americanas. Ento,muitas pessoas perguntam, o que estes pa-ses tm em comum? Bem, trs deles pos-suem petrleo, mas no a Coria do Norte.Ento, qual a ameaa dela para que Busha ponha no seu eixo do mal. Certamente,no uma questo de geografia ou dealianas [O Iraque e o Ir eram inimigosmortais, e a Coria do Norte no joga bolana sua liga]. A resposta simples e resolveno somente este enigma, mas o que pode-ria de outro modo aparecer como uma po-ltica externa norte-americana bastante con-fusa e embaraosa: [1] o Iraque mudou opreo do seu petrleo de dlar para euro em2000; [2] o Ir ameaa fazer o mesmo; [3]a Coria do Norte mudou para negociarsomente com euros; [4] a Venezuela reti-rou parte do seu petrleo do preo em dlare em vez disso est trocando este petrleopor produtos com outros pases do TerceiroMundo. Alm de ser um velho amigo meu,o venezuelano Francisco Mires, no quartel-general da OPEP em Viena, props quetodos os pases da OPEP deveriam trocar opreo do seu petrleo de dlar para euro!Nada mais, nenhum trao de terrorismopoderia ser mais ameaador para os Esta-dos Unidos; pois toda e qualquer coisa quepudesse retirar o suporte do dlar faria queos importadores de petrleo no mais com-prassem dlares, mas ao contrrio usassemeuros para comprar o petrleo. Realmente,eles desejariam tambm substituir suas re-servas em dlares por euros. O Iraque jganhou em torno de 15% com esta mu-dana, na medida em que o euro cresceufrente ao dlar. E, alm disso, os pasesrabes produtores de petrleo, que agoravendem seu petrleo por notas de dlar,

  • 133ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGO DE FOGO

    dificilmente continuariam a girar em tornodisso e a gastar este dlar novamente comas ferragens militares dos Estados Unidos. este cenrio aterrorizante que a ocupaonorte-americana do Iraque est querendoevitar, com o Ir sendo o prximo da lista.Curiosamente, este detalhe do petrleo-dlar-euro nunca mencionado pelo go-verno norte-americano ou pelos meiosde comunicao. No de admirar que osmaiores Estados europeus esto contra apoltica de Bush no Iraque, que susten-tada apenas pelo Reino Unido, que eleprprio produtor de petrleo no Mar doNorte. simples como uma pequena peade informao casual pode fazer as outraspeas de todo o quebra-cabea cair nolugar certo!

    Todos estes problemas e desenvolvi-mentos atuais agora ameaam puxar o tape-te [iro?] por baixo das finanas e da eco-nomia poltica dos Estados Unidos, tantointernamente quanto internacionalmente.A nica proteo ainda disponvel para osEstados Unidos ainda deriva de seus anti-gos e ainda nicos dois pilares da NovaOrdem Mundial, que foram estabelecidospelo presidente Bush pai, depois da Gue-rra do Golfo de Bush contra o Iraque e dadissoluo da Unio Sovitica em 1991. Opresidente Bush filho est agora tentandoconsolidar a nova ordem mundial do seupai [sem dvida com este ltimo aindacomo um poder atrs do trono], comeandocom a Guerra contra o Afeganisto eameaando mais uma vez o Iraque, e comesforo de Bush-Putin agora tambm paraconstruir um Acordo entre Estados Unidose a Rssia ou isto o Eixo.

    O pilar dlar est agora ameaando sedesintegrar, como j aconteceu depois da

    Guerra do Vietnam, mas permaneceu atagora de p durante trs dcadas como umacolcha de retalhos teraputica. Mas, comovimos, os Estados Unidos esto agora fu-gindo dos outros remdios econmicos paramanter o pilar dlar de p. Bastaria somen-te a proteo para gerar uma grave inflaonum curto espao de tempo, devendo sercunhados ainda mais dlares norte-ameri-canos para o servio de sua dvida, o quesolaparia ento a sua fora, quebraria opilar dlar e enfraqueceria o suporte de queele dispe ainda mais.

    Isto deixaria apenas o pilar militar nor-te-americano para sustentar a economiapoltica e a sociedade norte-americanas.Mas este pilar e a confiana neste pilartambm carregam consigo perigos. Visi-velmente, este o caso para o Iraque, paraa Iugoslvia e para o Afeganisto e natural-mente para todos os outros pases que sopor intermdio disso obrigados a jogar bolapelas regras norte-americanas na sua novaordem mundial, sob pena de trazer para si omesmo destino. Mas a chantagem polticapara participar na nova ordem mundial nostermos dos Estados Unidos tambm se es-tende para aos aliados dos Estados Unidosespecialmente para a OTAN e para oJapo. Isto foi feito assim na Guerra doGolfo [outros pases pagaram as despesasnorte-americanas para que os Estados Uni-dos obtivessem um lucro lquido com estaguerra], na guerra dos Estados Unidos con-tra a Iugoslvia, na qual a OTAN e seusEstados-membros foram induzidos com li-sonjas a participar, e depois na Guerracontra o Afeganisto, como parte do pro-nunciamento da nova poltica do presiden-te Bush. Ele usou a velha terminologia daGuerra Fria de John Foster Dulles, que

  • 134 ANDR GUNDER FRANK

    dizia: Ou vocs esto conosco ou contrans. Mas a confiana norte-americana nes-ta terminologia, a ento apenas remanes-cente estratgia da chantagem poltico-mi-litar, pode tambm levar os Estados Uni-dos bancarrota, na medida em que ofracasso do pilar dlar no o sustentetambm; e isto pode vir tambm a impora super-extenso [overstretch] nos ter-mos de Paul Kennedy ou a retro-explo-so [blowback] nos termos da CIA e deChalmers Johnson.

    Num ingls simples e claro, os EstadosUnidos tm somente dois recursos em queconfiar, ambos provavelmente de impor-tncia mundial, mas talvez, ainda assim,insuficientes. So o dlar e seus recursospoltico-militares. Para o primeiro, as ga-linhas econmicas do esquema de Ponzi dapirmide de cartas dos Estados Unidosesto agora voltando para casa para seempoleirar no prprio Estados Unidos.

    O segundo pilar est agora em prticapara apoiar a nova ordem em todo o mundo.Mais importante talvez seja a atual propos-ta de acordo entre os Estados Unidos e aRssia contra a China, em vez de [ou pararealizar] uma defesa dos Estados Unidoscontra o acordo Rssia-China [e a ndia?].A guerra da OTAN contra a Iugoslviagerou movimentos na direo desta ltimaproposta, e a guerra dos Estados Unidoscontra o Afeganisto promove a primeira.Que Deus ou Alah probam que qualquerdessas possibilidades ou a sua Guerra San-ta contra o Isl venha a nos explodir ouvenha a provocar os outros para faz-lo.

    O que quer que seja, a chantagem impe-rial poltico-militar dos Estados Unidospode ainda retro-explodir tambm sobre osEstados Unidos, no exatamente por causa

    fora, mas por causa da fraqueza de umverdadeiro Tigre de Papel. Ento, quemdemonstra alguma fora? O Drago Chins!

    O Drago de Fogo:a China na sia OrientalA crise financeira e econmica irrompeuna sia Oriental em 1997 e trouxe evidentealvio a muitos observadores no Ocidente.Como resultado disso e malversada pelareportagens dirias dos meios de comuni-cao impressa, por negcios de curto pra-zo e pela poltica e anlises governamen-tais, mesmo a opinio pblica informadano Ocidente mudou novamente. Agora sediz que o primeiro Milagre da sia Orien-tal foi no mais do que um milagre, umsonho para alguns e um pesadelo paraoutros. As supostas explicaes prvias eas estratgias de sucesso imediatas estosendo abandonadas novamente to rapida-mente quanto vieram a se formar. Ouvimosmenos a respeito dos valores ou garantiasasiticos do mgico do mercado e no hmais certeza vinda do capitalismo de Esta-do. Isto o melhor que eu poderia dizer, jque estas supostas explicaes e polticascorretas nunca foram mais do que impostu-ras ideolgicas em qualquer sentido.

    A evidncia histrica apresentada nomeu livro Re-Orient [University of Cali-fornia Press, 1998. A 4a edio em 2002tambm nas tradues chinesas e japone-sas. Uma edio coreana est por vir] mos-tra que nenhuma forma institucional parti-cular ou prtica econmica poltica ofereceou d conta do sucesso [ou do fracasso!] nocompetitivo ou sempre mutvel mercadomundial. A evidncia contempornea mos-tra a mesma coisa. A esse respeito, o famo-so aforismo de Deng Xiaoping est correto.

  • 135ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGO DE FOGO

    A questo no se os gatos so institucio-nalmente, para no dizer ideologicamente,pretos ou brancos; o verdadeiro problemamundial se eles pegam ou no ratos econ-micos na sua concorrncia com outros ga-tos no mercado mundial. E isto dependemuito menos da cor institucional do gato doque da sua posio favorvel na economiamundial em cada lugar e tempo particula-res. E j que os obstculos e as oportunida-des no mercado mundial competitivo mudaem relao a tempo e lugar, para ser bem-sucedido, o gato econmico, no importaqual seja a sua cor, deve se adaptar a estasmudanas ou fracassar absolutamente nasua tentativa de pegar ratos. Dentre estasformas institucionais diferentes, incluindorelaes entre Estado, finanas e organi-zaes produtivas e de mercado, talvez aavaliao mais atenta e positiva tenha sidodedicada no exterior quelas da Coria edepois do Japo, mas tambm da ChinaMaior, incluindo sua vasta rede de chinesesno estrangeiro. Mas o verdadeiro fato deque eles diferem, em Taiwan, Singapura,Malsia, Indonsia e tambm em qualqueroutro lugar, deveria nos precaver contraprivilegiar uma forma institucional sobretodas as outras.

    No melhor dos casos e isto j muito, aevidncia que nenhuma destas formasinstitucionais necessariamente um impe-dimento ou um obstculo insupervel paraobter xito no mercado interno, regional oumundial. Muito digno de nota talvez, naviso da difusa propaganda ocidental arespeito de suas prprias supostas virtudes, o fato demonstrado de que o modeloocidental precisa ou deve ser seguido pelosasiticos na sia ou em qualquer outrolugar.

    O significado da posio e da respostaflexvel na economia mundial particular-mente importante durante perodos de criseeconmica da fase B, que para os chi-neses de perigo [negativo] e de oportunida-de [positivo]. Na atual crise econmica,por enquanto, o foco tem estado muitopredominantemente nas suas conseqn-cias negativas, sem dvida graves. Mas asoportunidades que ela coloca tm recebidoateno insuficiente, exceto talvez nos Es-tados Unidos e na China, ambos os quaisesto buscando tirar proveito de vantagenscomparativas dos problemas econmico-polticos e da suposta fuso disruptiva doJapo, da Coria e do Sudeste Asitico.

    Mas a destituio das foras e das ex-pectativas econmicas da sia Oriental,particularmente da China, pode ser prema-tura e certamente est baseada numa negli-gncia imprevidente da evidncia histri-ca, tal como foi apresentada em Re-Orient,e depois perseguida na seqncia do sculoXIX em preparao e numa grave interpre-tao errada da evidncia contempornea.Eu acredito que esta ltima rpida desti-tuio da sia est equivocada pelas se-guintes razes dentre outras:

    J que a sia e especialmente a Chinaeram economicamente poderosas no mun-do at uma poca relativamente recente, enovos conhecimentos agora datam o decl-nio como realmente comeando somentena segunda metade do sculo XIX, bempossvel que ela possa logo voltar a s-lonovamente. Ao contrrio da mitologia oci-dental do sculo passado, a dominaoasitica no mundo foi somente interrompi-da at ento por um relativamente curtoperodo de apenas um sculo, no mximode um sculo e meio. O sempre suposto

  • 136 ANDR GUNDER FRANK

    declnio da China de meio sculo ou mais puramente mitolgico.

    O sucesso econmico da China e deoutros pases asiticos no passado no esta-va baseado nos modelos ocidentais; e osucesso econmico bastante recente da siano estava baseado no modelo ocidental.Portanto, no h uma boa razo para que oJapo e outros pases asiticos precisem oudevam copiar o modelo ocidental ou outroqualquer. Os asiticos podem conduzir seusprprios meios e no tm uma boa razopara agora substitu-los pela via ocidental,tal como afirma a suposta nica via parasair da atual crise econmica. Pelo contr-rio, a confiana asitica nas outras vias prova de fora e no de fraqueza.

    O fato de que a crise atual visivelmentese espalha do setor financeiro para o setorprodutivo no significa que este ltimo sejafundamentalmente fraco. Pelo contrrio, aatual crise de superproduo e de excessivacapacidade a comprovao da fora sub-jacente do setor produtivo, que pode serecuperar. De fato, foi o excesso de capaci-dade e de produtividade que leva super-produo no mercado mundial que inicioua crise financeira, para comear, quando oslucros do comrcio externo asitico na con-ta comercial no eram mais capazes definanciar seu servio da dvida especulati-va de curto prazo.

    No que a recesso econmica ser oupoder ser evitada no futuro. Ela nunca foievitada no passado, mesmo com o planeja-mento estatal na China e na Unio Sovi-tica. Mais importante que esta a primei-ra vez em um sculo que uma recessomundial comeou no no Ocidente paradepois se mover na direo do Oriente, masque, ao contrrio, comeou no Oriente e

    depois se moveu para o resto do mundo apartir da. E foi por isso precisamente quea capacidade produtiva e de exportao dasia Oriental e particularmente do Japo,da Coria e depois da China cresceu tanto.Esta recesso pode portanto ser interpreta-da como uma evidncia, no tanto da fra-queza transitria, mas da fora econmicabsica crescente da sia Oriental, paraqual o centro de gravidade da economiamundial est agora retornando, para ondeestava antes da Ascenso do Ocidente.

    A recesso no setor produtivo foi curta,especialmente na Coria e at ento ausen-te na China. Mas foi tambm severa, espe-cialmente na Indonsia. E as ondas de cho-que a partir do setor financeiro para ossetores produtivo, de consumo e polticoforam visivelmente e para todos, excetopara os totalmente cegos, intencionalmen-te exacerbadas pelas polticas de choqueeconmico impostas sobre os governosasiticos pelo FMI, como comum, se-guindo os ditames do Tesouro norte-ameri-cano, que sistematicamente representa osinteresses financeiros dos Estados Unidoss expensas dos interesses populares emqualquer outro lugar no mundo. O anteriorvice-presidente do Banco Mundial, mem-bro consultor do Conselho de Economia dopresidente dos Estados Unidos, Joseph Sti-glitz [2002], nos forneceu uma viso dedentro destes acontecimentos intencionaisno seu livro Globalizao e seus Descon-tentes.

    Isto tambm permitiu que os interessesocidentais tirassem proveito do declnio dafora produtiva e financeira na Coria e emqualquer outro lugar para comprar ativosem acordos comerciais bsicos a preos deliquidao [fire-sales prices]. Ainda assim,

  • 137ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGO DE FOGO

    a fora subjacente da economia coreana eratal que os estrangeiros eram mesmo entoincapazes de alterar significativamente aestrutura financeira, produtiva, de proprie-dade e estatal a seu favor. A mquina pro-dutiva e financeira coreana logo se recupe-rou novamente para seguir em frente, masagora com uma lio rdua bem aprendida.A lio deve ter sido aprendida tambmnoutros lugares, comparando o quanto re-lativamente ilesas a China e a Malsia [ecomo j mencionado, por diferentes ra-zes, a Coria] saram da crise financeira.Elas mantiveram controles sobre as expor-taes de capital, comparadas queles pa-ses que sucumbiram ao remdio letal mi-nistrado pelo FMI, ao permitir um fluxode capital especulativo que destruiu seuaparelho produtivo e multiplicou o des-emprego num insuportvel problemaeconmico, social e poltico, especial-mente na Indonsia.

    A fora econmico-poltica subjacentetambm coloca a sia Oriental, e especial-mente a China, o Japo e a Coria, numaposio muito mais favorvel do que oresto do Terceiro Mundo e mesmo da Rs-sia e da Europa Oriental para resistir chantagem ocidental, tal como ela agoraexercida pelo Departamento do Tesourodos Estados Unidos atravs do Fundo Mo-netrio Internacional, do Banco Mundial,da Organizao Mundial do Comrcio, deWall Street e de outros instrumentos.

    O verdadeiro procedimento e custo dasconcesses da sia Oriental a esta pressoocidental na recesso passada torna politi-camente mais provvel, j que isto econo-micamente possvel, que a sia Orientaltomar medidas, incluindo especialmenteuma nova coligao financeira e instituies

    bancrias, que podem evitar um retorno daatual situao no futuro, escapando do laode estrangular dos mercados de capitaiscontrolados pelo Ocidente. Stiglitz obser-va estes esforos j nas suas recentes dis-cusses privadas com as autoridades asi-ticas, como reportado no seu livro.

    Realmente, uma das atuais batalhas, emprimeiro lugar travadas pelo Japo e agoratambm pela China, para remodelar asinstituies comerciais e financeiras mun-diais, que estavam destinadas pelos Esta-dos Unidos a operar a seu favor. Assim, oJapo queria estabelecer um fundo monet-rio asitico para evitar que a recesso nasia Oriental se aprofundasse, tal comotem ocorrido graas ao Fundo MonetrioInternacional baseado e subserviente a Was-hington. E a China entrou para a Organi-zao Mundial do Comrcio, mas tambmquer que esta instituio dominada peloOcidente seja reformada para seu proveito.

    Uma luta econmico-poltica relacio-nada com isso a concorrncia entre osEstados Unidos e a China para substituir oJapo, a Coria e o Sudeste Asitico nomercado, tirando vantagem de sua banca-rrota. O capital norte-americano est com-prando algumas facilidades produtivas dasia Oriental a preos comerciais bsicos,embora a China esteja esperando que todoseles ou sejam jogados para fora do mercadocompetitivo, ou, caso contrrio, que se com-prometam em operaes conjuntas. De fato,foi a desvalorizao da moeda chinesa an-tes de 1997 que reduziu a quota do mercadomundial de outras economias asiticas ecorroborou para gerar a prpria crise finan-ceira. Somente o tempo dir qual a estrat-gia ter mais sucesso, mas a China e talveztambm alguns pases do Sudeste Asitico

  • 138 ANDR GUNDER FRANK

    parecem como a melhor aposta no longoprazo. Alm disso, no importa o quoprofunda a recesso no Japo; nem porisso ele eliminado como sendo um podereconmico, especialmente na sia. Contu-do, h evidncia de que a China est tentan-do reconstruir o comrcio e o sistema tribu-trio da sia Oriental, em cujo centro elaestava no sculo XVIII e que as potnciascoloniais ocidentais desmantelaram no s-culo XIX.

    Tambm significativo que a ndia emais recentemente, numa escala menor, aChina permaneceram substancialmenteimunes atual recesso, graas em parte inconversibilidade das suas moedas, o yuane a rpia, e vlvula nos seus mercados decapitais, que permite a entrada, mas contro-la a sada de capital. A desvalorizaes damoeda dos concorrentes da China em outroslugares da sia Oriental e o reduzido in-fluxo para a China dos capitais chineses noestrangeiro e japoneses, que so negativa-mente afetados pela recesso na sia Orien-tal, pode obrigar tambm a China a umanova desvalorizao para permanecer com-petitiva. No obstante e apesar dos seusgraves problemas econmicos, as econo-mias chinesa e japonesa parecem j estar econtinuar capazes de se tornarem suficien-temente produtivas e fortes competitiva-mente para resistir e superar estes proble-mas. No Sudeste Asitico, a Malsia temseguido com sucesso o modelo chins deabrir seu mercado de capitais a influxos,mas restringindo especialmente os fluxospara fora de suas fronteiras do capital espe-culativo. A Coria no precisou destas me-didas emergenciais, j que recebeu relati-vamente pouco capital estrangeiro para co-mear.

    notvel que as regies mais dinmicaseconomicamente da sia Oriental hoje tam-bm so, ainda ou novamente, exatamenteas mesmas de antes de 1800 e que sobrevi-veram no sculo XIX.

    No Sul, Lingnan centrada em HongKong no corredor Guangzhou.

    Fujian, ainda centrado em Amoy/Xia-men e focalizado nos estreitos de Taiwan etodo o Sudeste Asitico no sul do Mar daChina; e entre eles,

    O Vale do Yangtse, centrado em Shang-hai, e o comrcio com o Japo que est jtomando a dianteira novamente das regiessudeste e nordeste.

    Mas j ento havia tambm uma quartaregio econmica em torno do norte doMar da China, as relaes de comrcioquadrangular entre a Manchuria e outroslugares no Nordeste da China, o Extremo-Oriente da Sibria/Rssia, o [nordeste?] doJapo, e a Coria, mas tambm incluindo aMonglia. Embora estas trs primeiras re-gies acima citadas estejam j experimen-tando um tremendo crescimento econmi-co [e de poder poltico?] no sentido absolu-to do termo, a quarta regio em volta daCoria parece desfrutar do maior cresci-mento relativo, e dentro dela o capital co-reano tambm. Ela est ajudando a desen-volver recursos no Extremo-Oriente daRssia e tambm na sia Central, no Kasa-quisto. A populao chinesa do lado russodo Rio Amour foi estimada j como exce-dendo a 5 milhes de pessoas, constituindoum bolo de trabalho barato. A provvelmudana poltica no DRNK pode muitobem acrescentar uma nova fonte de trabal-ho barato para este crescente bolo de trabal-ho na Regio do Nordeste Asitico e paraseu Extremo-Oriente russo tambm uma

  • 139ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGO DE FOGO

    base barata de recursos metalrgicos, flo-restais, agrcolas e mesmo petrolferos. Oscapitais coreanos e japoneses podem fazerdisto um plo de crescimento regional muitoatraente em si e uma regio muito compe-titiva no mercado mundial.

    Todas estas regies, em compensao,foram, ainda ou novamente, e so crescen-temente segmentos importantes do comr-cio mundial e da economia global. Nessesentido tambm e embora sua histria ter-mine em 1800, uma investigao da econo-mia mundial e do lugar predominante neleda sia Oriental, incluindo a economiacoreana, aponta para as bases mais funda-mentais do desenvolvimento econmicocontemporneo na regio e tambm pressa-gia importantes desenvolvimentos econ-micos num futuro previsvel.