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O JOGO DAS IMAGENS EM ALICE NO TELHADO, DE NELSON CRUZ
Márcia Tavares
Universidade Federal de Campina Grande
1. INTRODUÇÃO
Os livros destinados ao público infantil condensam, comumente, a articulação
entre dois elementos: o texto escrito e a imagem visual. Essa articulação quando
equilibrada promove o uso coerente das funções de cada uma dessas linguagens.
Guardadas as devidas funções, o texto e a imagem podem dialogar e construir outros
significados, que sugerem o próprio jogo polissêmico da leitura. Nesse jogo, por
vezes, existe uma relação entre imagem e texto de repetição e/ou de
complementaridade, o que pode favorecer uma perspectiva pragmática e reducionista
para a ilustração. Para o entendimento dessas relações, é necessário adotar a
perspectiva de que ao mesmo tempo em que lemos os textos também lemos as
ilustrações e entendemos que estas podem modificar, ampliar, subverter ou explicar
interferindo na apreensão do texto escrito.
Nos livros ilustrados esse diálogo é constituído pelo conjunto dos elementos
exclusivos do campo gráfico, assim índices de cores, sugestões de metonímias e jogos
de planos e formas e pelos elementos do texto verbal, ambos são determinantes na
construção dos sentidos das narrativas. Partimos da definição de livro ilustrado ou
livro com imagem como o livro que apresenta imagens seqüenciadas que estabelecem
sentidos em sua relação com o texto e a apresentação de personagens a partir de
determinada situação em que estão presentes a dimensão temporal e espacial. Nesse
sentido são os elementos da imagem, cores, traços, volume e posição dos objetos
dispostos na página e a construção de sentidos com o texto que serão destacados em
nossa leitura. Discutiremos inicialmente o percurso de evolução das discussões sobre
ilustração, as definições sobre o livro infantil ilustrado e suas particularidades de
construção, posteriormente, como objeto de nossa investigação tomamos Alice no
telhado (2011) de Nelson Cruz, e o diálogo desenvolvido com Alice no País das
Maravilhas de Lewis Carroll. No livro de Cruz, Alice é revisitada em uma criação
narrativa concentrada no diálogo entre texto e imagens, investigaremos assim as
relações entre os índices propostos pelas imagens e as relações estabelecidas com o
texto fonte.
2. ASPECTOS TEÓRICOS SOBRE A ILUSTRAÇÃO NO LIVRO INFANTIL
O livro de literatura infantil nem sempre trouxe a relação entre a ilustração e a
palavra, de forma específica e como característica comum à sua constituição, no
entanto é contínua e crescente a discussão sobre o papel da ilustração nas obras de
literatura para crianças. Em uma vertente mais tradicional, é comum encontrar dentro
dos estudos sobre a produção de Literatura Infantil perspectiva como a de Coelho
(1993), que destaca os chamados livros de imagem, ou de estampa, e sintetiza que
“embora não seja ‘literatura infantil’, no sentido tradicional do termo, pertencem tanto
ao domínio da arte ‘literária’ como ao da arte ‘pedagógica’”. A autora reforça que no
caso da ilustração essa funcionalidade, muitas vezes, suplanta o texto nas fases
iniciais da formação do leitor infantil. No entanto, quando há uma articulação entre as
duas linguagens isso não ocorre; antes, a imagem destaca as passagens mais
significativas da narrativa e sugere elementos para ampliação da leitura. Para observar
as construções dos significados da ilustração nas narrativas para crianças, é necessário
adotar uma perspectiva dessa não apenas como elemento constitutivo do livro infantil,
mas como um importante modificador de sentidos.
Seguindo esse percurso crítico Lajolo e Zilberman (1991) investigam a
produção da ilustração em obras infantis e afirmam que, já a partir da década de 1980,
a linguagem visual migra para o centro, “e não mais como ilustração e/ou reforço de
significados confiados à linguagem verbal” (p.135). Ao cotejar esse breve panorama
sobre a ilustração no livro destinado ao público infantil, percebe-se um dicotomia: ora
a imagem ocupando uma função explicativa e auxiliar junto ao texto escrito, este
como prioridade, ora o texto redundante e a imagem estabelecendo a construção de
novos sentidos.
Segundo Camargo (2004), para entendermos o conceito de ilustração como
uma linguagem que constitui uma relação com o texto, por vezes, mais
plurissignificativa do que apenas a descrição referencial, é preciso avaliar a relação
entre texto verbal e imagem a partir de dados coerentes, assim, “abre-se para o
ilustrador um amplo leque de possibilidades de convergência com o texto, que não
limita a exploração da linguagem visual, mas, ao contrário, pode incentivá-la” (p. 4).
Camargo, escritor e ilustrador, em seu livro Ilustração do livro infantil (1995)
confere, apoiado nas funções da linguagem de Roman Jakobson, oito funções à
ilustração: representativa, descritiva, narrativa, simbólica, expressiva, estética, lúdica,
conativa, metalingüística, fática e de pontuação. Muito mais do que apenas ornar ou
elucidar o texto, a ilustração pode, assim, representar, descrever, narrar, simbolizar,
expressar, brincar, persuadir, normatizar, pontuar, além de enfatizar sua própria
configuração, chamar atenção para o seu suporte ou para a linguagem visual. É
importante ressaltar que raramente a imagem desempenha uma única função, mas, da
mesma forma como ocorre com a linguagem verbal, as funções organizam-se
hierarquicamente em relação a uma função dominante. Essas funções compreendem
uma percepção de que a ilustração de um texto condensa muitas possibilidades de
diálogo entre o que está escrito e a imagem visual, carregando as leituras do texto de
significados, narrando ações, usando de metalinguagens visuais ou simplesmente
anunciando seu início ou fim. O aspecto que parece mais significativo, nesse encontro
entre imagem e texto é a percepção da forma como dialogam texto e imagem, sem que
haja o predomínio de um sobre o outro. Nesse caso, então, realizar a leitura é proceder
à investigação do diálogo entre a ilustração e o texto. Para Luis Camargo (2004, p.3),
“a relação entre ilustração e texto pode ser denominada coerência intersemiótica”,
que o autor empresta, de forma ampliada, do conceito de coerência textual. Essa
coerência intersemiótica é a relação de convergência estabelecida a partir de graus de
coerência: a convergência, o desvio e a contradição. Analisar os aspectos dessa
coerência incide na verificação de como e quanto uma ilustração converge para os
significados do texto, dele se desvia ou o contradiz. Essa perspectiva adotada pelo
ilustrador é de coerência também no entendimento da relação entre imagem/ilustração
e texto. Não há, segundo o autor, ganho estético quando um dos textos suplanta o
outro. A idéia de coerência intersemiótica perpassa a noção de interligação entre as
linguagens e, assim, de construção do diálogo. Essa perspectiva de diálogo é seguida
por Maria Alice Faria (2004, p. 14):
Em princípio, a relação entre a imagem e o texto, no livro infantil, pode ser de repetição e/ou de complementaridade, segundo os objetivos do livro e a própria concepção do artista sobre a ilustração do livro infantil. Quando o livro não tem claramente uma função pedagógica como auxiliar na alfabetização, o que justifica a repetição do enunciado escrito na imagem considera-se que a boa ilustração deve ser de complementaridade, ou seja, ‘um dos dois elementos pode ter a faculdade de dizer o outro, por causa da sua própria constituição, não poderia dizer’.
Deparamo-nos, desse modo, com um confronto entre essas funções para a
imagem do texto infantil: uma pedagógica, que define para a ilustração a explicação
do texto escrito, e outra lúdica, que amplia o significado do texto e atravessa os
sentidos possíveis esboçados nas cores e traços. Podemos entender que tanto Luis
Camargo quanto Mª Alice Faria definem suas perspectivas a partir do entendimento
da ilustração como uma forma de aproximação com a arte visual e como uma
linguagem que possui um significado – possível de ser lido e analisado, sem diminuir
ou ancorar suas afirmações em hierarquias entre as linguagens verbal e visual dos
elementos do livro infantil. Em alguns casos, é a ilustração que inicia o jogo de
sentidos, em outros, o texto. Os autores propõem a leitura a partir desses pontos, mas
sem restringir a possibilidade de construção de significados.
Nikolajeva e Scott (2011) discutem a partir das características específicas da
narrativa visual as possibilidades de desenvolvimento de uma tipologia para distinção
das relações estabelecidas entre texto e imagem no livro infantil. As autoras partem da
consideração que essas seriam duas formas distintas de linguagem, que operam juntas
na construção da comunicação e criam sentidos distintos a depender do grau de
contraponto que apresentem, e, assim, os sentidos do livro ilustrado seriam
perceptíveis segundo os níveis de interação entre texto e imagem.
Para tanto as autoras retomam alguns distinções, entre elas destacamos a
categorização de um espectro que apresenta em uma ponta o livro ilustrado como um
livro com pelo menos uma imagem em cada página dupla e o livro sem palavras no
extremo oposto. Do espectro proposto por Nikolajeva e Scott (2011) resultado o
entendimento das relações entre palavra e imagem, teríamos então, uma grande parte
dos livros ilustrados na primeira categoria denominada como simétrica, harmônica ou
complementar e uma segunda categoria que se estabelece pelo reforço ou pelo
contraponto. No primeiro conjunto estão as relações em que palavra e imagem
preenchem suas respectivas lacunas, ou seja, complementam-se, sem nada para a
imaginação do leitor, que resulta em um pólo passivo nesse caso; a mesma relação se
repete quando palavra e imagem referem-se à mesma lacuna de forma simétrica.
Apenas no caso em que palavras e imagens incidem sobre informações de maneira a
preencher lacunas alternativamente ou quando se contradizem podemos encontrar
diversidade de leitura e interpretações. Dessa forma, partimos metodologicamente das
variedades de contraponto apresentadas a partir de Nikolajeva e Scott (2011):
Endereçamento: lacunas textuais e visuais são deliberadamente deixadas para serem preenchidas de maneiras diferentes pela criança e pelo adulto; No estilo: as palavras podem ser irônicas e as imagens não irônicas, e vice-versa; No gênero ou modalidade: as palavras podem ser realistas e as imagens sugerirem fantasia; Justaposição: encontramos duas ou mais histórias visuais paralelas; Na perspectiva ou ponto de vista: contraponto entre quem está falando (palavra) e quem está vendo (imagem); Na caracterização: palavras e imagens podem apresentar personagens de maneiras diferentes e contraditórias, criando ambigüidades; Natureza metafictícia: as palavras podem expressar noções que não conseguem ser retratadas em imagens, (...) possibilidades de enquadramento múltiplo e uso de peritextos; No espaço e no tempo: enquanto as palavras podem apenas descrever dimensões espaciais, as imagens podem explorar e jogar com elas de maneira ilimitada. (NIKOLAJEVA e SCOTT, 2011, p. 43-45)
Nessa categorização, interessa-nos as diversas interações possíveis entre
palavra e imagem e perceber que essas relações não ocorrem de maneira hierárquica,
o livro que apresenta determinado contraponto não é mais bem realizado que outro
que apresenta outra possibilidade são variedades do espectro que partem da variedade
de contraponto. Dessa forma, considerando, que encontramos “os casos mais
estimulantes de contraponto entre texto e imagem” em livros de um mesmo autor-
ilustrador propomos a análise de Alice no telhado de Nelson Cruz.
3. LENDO ALICE NO TELHADO
Nelson Cruz é um reconhecido autor e ilustrador de livros de literatura infantil,
nascido em Belo Horizonte, em 1957, foi ajudante de marceneiro, vendedor no
comércio e programador visual num banco, mas seu talento acabou levando-o a
trabalhar como ilustrador em jornais e revistas. Nos anos 1980, Nelson começou a
ilustrar livros infantis e tornou-se um dos grandes nomes nessa área. Recebeu diversos
prêmios por sua obra, como o de Melhor Ilustração (Hors-Concours) em 2003 para
Conto de escola, de Machado de Assis, concedido pela FNLIJ. Além de ilustrador,
tornou-se renomado escritor. Seu livro Os herdeiros do lobo (Edições SM) recebeu o
Prêmio Jabuti de Melhor Livro Infantil em 2010. Publicou também O caso do Saci e
No longe dos Gerais (ambos de 2004). Em sua trilogia Mateus (2006), Leonardo
(2007) e Noel (2007) encontramos personagens em situações inusitadas em narrativas
contadas apenas por imagens. Em todas as narrativas as expectativas do leitor são
conduzidas por detalhes indicias nas páginas dos livros, assim, as composições de
cores e formas estão em ampla cooperação para desenhar as possibilidades de
significado fornecidas pelas imagens.
Em Alice no telhado, Cruz escreve uma ficção da ficção, um autor entediado,
não consegue ter idéias para produzir uma história, rabisca aleatoriamente um círculo
em um papel avulso e envelhecido, manchado e com marcas de encadernação, entra
em um entorpecimento que toma conta de seu corpo e seus olhos se fecham. Desse
estado de sonolência ouve um grito: COEEEELHOOOO!!!. Do desenho do círculo sai
um coelho e depois dele, uma menina, um homenzinho com vários chapéus na cabeça,
um soldado, em seguida uma rainha gorda, e por fim, um rei esbaforido. Todos
correm pelas folhas do papel e seguem atrás do coelho, em outro momento a menina
encontra uma constelação de gato e pergunta como voltar para a sua história. Mas, o
nosso escritor amassou a folha com o círculo e não é possível voltar sem passar pelo
lugar por onde se saiu. A partir daí o escritor procura a folha amassada no lixo e
devolve o caminho para os personagens voltarem para a sua história.
Em sua constituição física Alice no telhado tem 21x14 cm, 32 páginas, em
cores de predominantes em tons terra, marrom, ocre, preto e alguns pontos brancos.
Destacam-se apenas as cores dos personagens que retomam cores primárias e cores
em tom pastel, e as ilustrações de Jonh Tenniel para a história original de Lewis
Carroll. A folha de rosto faz essa referência com algumas imagens que são releituras
de fotografias e desenhos do próprio Carroll, de Tenniel e da menina Alice Liddel,
filha do pastor vizinho de Carroll e que teria sido a inspiração para a narrativa de
Alice no País das maravilhas.Figura 1 - Folha de rosto Alice no telhado (2011)
Fonte: http://nelsoncruzilustrador.blogspot.com.br/
Para fins desse artigo, retomaremos alguns aspectos do contraponto na
perspectiva ou ponto de vista. Inicialmente em uma leitura ampliada o conceito de
contraponto de perspectiva ou ponto de vista: “em narratologia, faz-se a distinção
entre quem está falando (nos livros ilustrados expresso por palavras) e quem está
vendo (expresso de modo metafórico, por palavras, ou de modo literal, por imagem)”
(NIKOLAJEVA e SCOTT, 2011). No livro de Cruz o contraponto na perspectiva se
estabelece desde o início por se tratar no texto, ou seja na palavra, de uma narrativa
metalinguística, que estabelece uma aproximação entre o narrador, escritor e
ilustrador e o leitor.
Dessa maneira, quem está lendo as imagens acompanha a narrativa em seus
momentos de simetria, tudo que está no texto apresenta-se na ilustração, e a medida
que vai sendo anunciada a presença dos personagens eles saem do círculo e correm
pelas folhas soltas na mesa do ilustrador/escritor.
Fonte: http://nelsoncruzilustrador.blogspot.com.br/
Dessa maneira, quem está lendo as imagens acompanha a narrativa em seus
momentos de simetria, tudo que está no texto apresenta-se na ilustração, e a medida
que vai sendo anunciada a presença dos personagens eles saem do círculo e correm
pelas folhas soltas na mesa do ilustrador/escritor. A ausência da moldura também
concorre para a aproximação entre os pontos de vista do ilustrador/narrador e do
leitor/espectador, mescladas em um mesmo campo visual da página. Geralmente, a
presença da moldura delimita o espaço de ficção e cria um distanciamento entre a
imagem e o leitor, dado o caráter das imagens de Alice no telhado fugirem pelas
páginas do livro esse distanciamento desaparece junto com a moldura.
No decorrer na narrativa a ausência de inspiração no narrador abre espaço para
que os personagens, vindos de outra história, se apropriem do espaço, por causa desse
movimento a narrativa de Alice no País das maravilhas se mistura ao espaço da mesa
do narrador e depois ao que parece ser o espaço para onde olha o escritor sem
inspiração. Nesse segundo espaço, destaca-se o ambiente de uma favela e a sequência
em a que Alice, de Cruz, encontra o gato, ou a constelação do gato:
Figura 2 - Montagem da sequência de aparição dos personagens
Fonte: http://nelsoncruzilustrador.blogspot.com.br/
A posição do narrador visual se aproxima da perspectiva do leitor, ambos
acompanham agora o desenrolar do diálogo entre Alice e o gato, na imagem o gato,
retomando o aspecto característico do gato de Tenniel também aparece e desaparece e
tem tamanhos diferentes, ora é uma “constelação no céu” ora está enorme perto de
Alice. É necessário salientar, que o gato não saiu do círculo de onde fugiram todos os
outros personagens e é ele quem diz para a menina como voltar para a sua história. A
mudança de tamanhos do gato também corrobora para as mudanças de perspectiva
assumidas pelo leitor/espectador. Ele também retoma as mesmas linhas de desenho do
original de Tenniel com listras e um sorriso maior que o rosto, ora cínico, ora
assustador. Nesse caso, tanto texto quando imagem preenchem o mesmo espaço para
o leitor que já conhece a história de Carroll, e no espaço da narrativa de Cruz também.
Ao final dessa sequência o coelho volta a aparecer correndo por cima dos
telhados, Alice corre na direção do coelho, seguida por todos os personagens, o
coelho despenca e todos caem do telhado/papel enfatizando a alternância de
ambientações. Embora seja implícito, que todos os ambientes estão dispostos na mesa
do narrador e fazem parte de suas criações, e se organizaram de modo aleatório, sem a
participação do mesmo. O texto da narrativa soluciona o retorno dos personagens:A queda foi lenta como em um sonho. Tive tempo de me arrepender e, rapidamente, recolhi a página do círculo jogada na lixeira. Coloquei-a na sequência das páginas para que todos pudessem passar pelo círculo. O primeiro foi o coelho. Segurava o relógio e dizia que estava atrasado. Depois passou Alice. Sua expressão era de alegria. Com a xícara e o bule, o homenzinho dos chapéus foi o terceiro. A rainha, o rei e os soldados passaram por último. Ainda foi possível ouvir os gritos se distanciando:- COEEEELHOOOO!!!-COEEEELHOOOO!!!- COEEEELHOOOO!!! - COEEEELHOOOO!!! (CRUZ, 2011)
Figura 3 - Montagem da sequência do encontro entre Alice e o gato
Figura 4 – Queda dos personagens
Fonte: http://nelsoncruzilustrador.blogspot.com.br/
Nesse caso, de forma metalingüística, o narrador tem em suas mãos o destino
da menina e dos outros personagens. Em segundo lugar, está a construção de uma
passagem às avessas da história original, do real para o imaginário, ainda conduzindo
pela indicação do gato, como na narrativa de Carroll sobre Alice no país das
maravilhas. A perspectiva nessa imagem é de cima, do lugar do ilustrador, e ao
mesmo tempo, de cima dos telhados da favela onde Alice encontra o gato. Nelson
Cruz sugere com sua narrativa circular, através do círculo desenhado no papel, uma
espécie de desafio para o leitor, entrar na narrativa visual, fazer parte do jogo do
contrário proposto e torcer para que o personagem narrador ajude a levar os
personagens de volta: uma espécie de queda no poço ao contrário.
Os recursos gráficos vão construindo o ritmo visual que sugere o movimento
de idas e vindas dos personagens, a cada página, as cores e os traços usados retomam
o mesmo pano de fundo em momentos diversos da ilustração do livro como um todo.
O uso da mesma perspectiva dá dinamicidade ao movimento dos personagens em fuga
e é garantida pela interferência do narrador/ilustrador que usa as folhas para dar
continuidade ao movimento. Nelson Cruz recorre aos traços simples, à profusão de
detalhes, a uma só dimensão dos objetos e corpos, entre outros recursos que sugerem
uma idéia de continuidade entre o traço e a proposta metalinguística de apropriação da
história de Lewis Carroll.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados da leitura mostram que os elementos gráficos dispostos no livro
ilustrado constroem significados abertos a investigação do leitor, no entanto, só
podem ser relacionados na medida em que sejam considerados em conjunto e
percebidos como fundamento da narrativa e não apenas como referências do texto
fonte. É com base nesse entendimento que defendemos a necessidade de ler as
imagens, no caso especifico do livro ilustrado recurso para construção de sentido,
como elemento primordial e não como acessório na concretização da leitura do livro
de literatura infantil. Pois, a imagem não é um todo simples e direto, guarda muitas
especificidades e necessita tanto da articulação coerente das imagens como de
elementos coesivos para suportar a finalidade de transmitir e comunicar dado enredo
ou ideia metaforizada.
Nos casos analisados a ilustração estabelece relações com o texto escrito. Nos
casos mais férteis de sentidos há uma relação de coerência intersemiótica, segundo
Camargo, “pelo fato de articular dois sistemas semióticos: as linguagens verbal e
visual”. E segundo Nikolajeva e Scott (2011) temos relações de simetria pois os
sentidos produzidos são mais complementares e simétricos, assim, a ilustração repete
a informação do texto escrito sem acréscimos. Não há como a ilustração corresponder
a todos os detalhes anunciados no texto, nem que haja uma tradução visual, uma vez
que cada elemento guarda suas devidas características. O que se faz necessário é
atentar para o fato de que a ilustração é um elemento do livro infantil carregada de
sentidos. A relação entre imagem/ilustração e texto não precisa ser repetitiva e
explicativa, mas necessita estabelecer um diálogo no qual seja possível a exploração
dos recursos disponível ao leitor, para incentivá-la na construção dos vários sentidos
possíveis nessas duas linguagens.
5. REFERÊNCIAS
CAMARGO, Luis, A ilustração do livro infantil. Belo Horizonte: Editora Lê, 1979.
CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas/ Através do espelho e
o que Alice encontrou lá. Tradução e organização de Sebastião Uchoa Leite. São
Paulo: Summus, 1980
COELHO, Nelly N. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 6 ed. São Paulo:
Ática, 1993.
CRUZ, Nelson. Alice no telhado. São Paulo: Comboio de Corda, 2011.
FARIA, Ma Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 4 ed. São Paulo:
contexto, 2008.
LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história e
histórias.São Paulo: Ática, 1991
LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. Tradução de Dorothée de
Bruchard. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
TAVARES, Márcia. Brincar com palavras e imagens In: PINHEIRO, Hélder. (org)
Poemas para crianças: reflexões, experiências, sugestões. São Paulo: Duas Cidades,
2000.
NIKOLAVEJA, Maria e SCOTT, Carole. Livro ilustrado: palavras e imagens. São
Paulo: Cosac Naify, 2011.
http://nelsoncruzilustrador.blogspot.com.br/