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O SOCIAL NO RURAL: BREVE ANÁLISE A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PROJETO SENAR
RONDON EM ASSENTAMENTOS RURAIS.
Camilla Alves de Azevedo Vargas1
Bartira Moraes Freitas 2
Fernanda Glória Lopes Serra 3
Nayana Langkammer Guimarães 4
RESUMO O presente artigo traz um debate atual e, ainda, pouco presente na categoria de assistentes sociais: a atuação profissional na área rural. Tal área revela as mazelas atinentes à questão social de forma ainda mais perversa do que na área urbana, em face do total e mais absoluto descaso, imposto em função, especialmente, da distância dos grandes centros e, fatalmente, dos serviços ofertados. As demandas mais presentes nos assentamentos rurais dizem respeito à falta de água potável, saneamento básico - em algumas residências não há sequer vaso sanitário; em pleno século XXI famílias utilizam o mato ou buraco no chão. Palavras Chaves: Assentamentos Rurais, Serviço Social, Questão Social.
ABSTRACT:
This paper presents an ongoing debate and, yet, little in this category of social workers: a professional performance in the rural area. This area reveals the ills relating to the social question in an even more perverse than in urban areas, in the face of total and utter disregard, tax due, especially distance from large centers and, ultimately, the services offered. The demands more present in rural settlements related to the lack of potable water, sanitation - in some homes there is not even a toilet, in the XXI century households use the bush or hole in the ground. Keywords: Rural Settlements, Social Services, Social Issues.
1 Estudante de Graduação. Centro Universitário Plínio Leite. [email protected] 2 Estudante de Graduação. Centro Universitário Plínio Leite. [email protected] 3 Estudante de Graduação. Centro Universitário Plínio Leite. 4 Estudante de Graduação. Centro Universitário Plínio Leite. [email protected]
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1- INTRODUÇÃO:
Entre os dias 23 de janeiro e 06 de fevereiro de 2011 um grupo de universitários visitou
assentamentos rurais, através do Projeto Senar Rondon. O Projeto Senar Rondon é uma iniciativa
do Sistema CNA/SENAR5, que objetiva oportunizar a universitários ações de intercâmbio técnico e
cultural. No total foram 34 alunos e seis professores do Unipli/Anhanguera, divididos entre os
cursos de Serviço Social, Direito, Medicina Veterinária, Enfermagem, Fisioterapia e Agronomia
(este último da UFBA).
Nossa intenção aqui é relatar a experiência de um desses grupos: equipe de
universitários de Serviço Social da Unipli/Anhanguera – Niterói/RJ. Tal grupo teve como objetivo
principal levantar as principais demandas da comunidade local, realizar um diagnóstico e
apresentá-lo às autoridades locais (Prefeitura e Sindicato Rural), para que os mesmos dessem
continuidade às ações de intervenção iniciadas pelo Projeto.
Assim, entendemos que o tema é de suma relevância para o Serviço Social e demais
áreas de atuação, contudo em um breve levantamento sobre pesquisas acerca desse assunto,
constatamos que, no âmbito das ciências sociais e humanas, apenas a área de Sociologia tem
publicações a respeito.
A Revista Serviço Social e Sociedade representa um importante veículo de informação
para a categoria. Foi criada em 1979; conta, atualmente, com 104 exemplares, cada um deles
com aproximadamente sete artigos, o que totaliza em torno de 728 artigos. O que impressiona é
que, em uma pesquisa ainda em andamento6, nenhum, absolutamente nenhum, artigo trata do
assunto assentamentos rurais ou mesmo questões rurais/agrárias.
Cabe acrescentar que observamos que as demandas mais presentes nos
assentamentos rurais dizem respeito à falta de água potável, saneamento básico – em algumas
residências não há sequer vaso sanitário, em pleno século XXI famílias ainda utilizam o mato ou
um buraco no chão.
Além disso, temos a questão da saúde. Em um dos assentamentos visitados, havia
apenas um Posto de Saúde que funciona até às 11h e o médico atende duas vezes na semana. O
recurso na área de saúde mais próximo fica em torno de 30 km de distância.
5 CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil que atua na defesa dos produtores rurais. SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural é vinculada ao CNA e tem como responsabilidade a formação profissional rural e a promoção social. 6 Pesquisamos as Revistas Serviço Social e Sociedade a partir do número 50 até o número 104 e nestas edições não constatamos nenhum artigo que tratasse do tema em tela.
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É sabido que estas dificuldades também são percebidas na área urbana, acrescidas da
violência, em especial na cidade do Rio de Janeiro e em comunidades (“favelas”). Contudo,
podemos afirmar que as questões sociais na área rural são ainda mais graves, pois tem-se o
agravante da enorme distância dos grandes centros e do total descaso para com essa população.
Há que se considerar que o acesso à terra (casa e plantações) não garante acesso à
condições mínimas de sobrevivência, como a priori possa parecer. Além disso, a falta de apoio
técnico e infraestrutura é um dos fatores que leva famílias a venderem seus lotes.
Não percebemos uma educação adaptada à realidade rural, de modo a fixar o homem
do campo à terra. A maioria dos assentados tem mais de 35 anos, em virtude da saída de seus
filhos para morar e trabalhar na cidade.
Os assentamentos constituem-se em espaços socialmente construídos, permeados por
relações de poder e com prática de subordinação política entre presidentes de associações e
assentados.
Em um assentamento visitado, constatamos que durante vinte anos, os moradores não
tiveram acesso à energia elétrica, sendo, perversamente, instalada quinze dias antes da chegada
do grupo e com a ameaça de ser cortada no momento em que as nossas atividades fossem
encerradas, conforme dados coletados em entrevistas com as famílias locais.
O que mais nos chamou a atenção foi o quanto esse tema é pertinente e carece de
estudos, atuações, intervenções, desdobramentos. Dessa forma, nosso interesse é aprofundar o
levantamento de dados, conhecer mais detalhadamente a realidade e provocar atenções para
essa questão, além de perceber quais mudanças o Projeto Senar Rondon trouxe para o
assentamento.
Assim, objetivamos re-visitar durante sete dias em julho de 2011 o Projeto de
Assentamento - P.A Betinho7 em Bocaíuva/MG. A escolha por esse local deu-se em virtude das
particularidades ali percebidas, tais como: o assentamento é fruto da falência de uma fábrica,
logo, o perfil dos assentados não é de “produtores” rurais; ainda persiste a cultura do
mandonismo, dos currais eleitorais. No período da fábrica existia e ainda existe o casarão dos
donos da fábrica e a vila operária – quase no estilo “Casa Grande e Senzala”.
Conforme relatado pelos assentados, neste período todo o salário era gasto na
“vendinha” do dono da fábrica. O PA Betinho, por ter uma área muito extensa foi dividido em oito
comunidades, mas somente três concordaram em receber o Projeto, em função de “acordos”
políticos partidários.
7 O P.A Betinho tem esse nome em homenagem a Herbert de Souza (o Betinho), que nasceu em Bocaiúva/MG.
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Durante o Projeto Senar Rondon 2011, pudemos perceber que os direitos garantidos
pela Constituição Federal de 1988 e as Legislações complementares encontram dificuldades
ainda maiores para serem efetivadas no meio rural, por não ter a mesma visibilidade que a área
urbana.
Nos PAs Betinho/MG e Maravilha/BA, deparamo-nos com graves situações de
vulnerabilidade social e violações de direitos sociais básicos como: moradia digna, água potável,
educação, saneamento básico, transporte, segurança pública, lazer, entre outros.
Encontramos, também, situação de trabalho infantil nas roças e nos galpões de farinha
de mandioca, o que para a população rural faz parte de sua rotina, como algo natural e mesmo
cultural, afinal a agricultura familiar é bastante incentivada entre eles.
Apesar de existirem nos dois assentamentos visitados equipe de CRAS (Centro de
Referência da Assistência Social) e CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência
Social), essas equipes não tinham nenhuma aproximação com os assentamentos rurais. Os
próprios assentados relataram que nunca haviam recebido visitas desses profissionais. No
Município de Bocaíuva/MG havia até um CRAS Rural, fundado há onze meses, composto por uma
assistente social e uma psicóloga, com o objetivo de atender as demandas da população do
campo, no entanto, a própria assistente social declarou que nunca visitou os assentamentos,
porque a demanda do Distrito ocupava todo o seu tempo.
1.1 - A EXPERIÊNCIA NO PA BETINHO- BOCAIÚVA/MG
O P.A Betinho possui aproximadamente 600 famílias e 366 lotes. Está localizado no
Distrito de Donabela, Bocaiúva/MG.
SSuurrggee ddaa aannttiiggaa UUssiinnaa ddee AAççúúccaarr ddaa ffaammíílliiaa MMaattaarraazzoo ee,, ppoosstteerriioorrmmeennttee,, ddaa ffaammíílliiaa
MMaallvviinnaa.. FFoorrmmaaddoo ppoorr 0088 ((ooiittoo)) ccoommuunniiddaaddeess;; 0033 ((ttrrêêss)) ccoommuunniiddaaddeess ffoorraamm vviissiittaaddaass ee 7711 ffaammíílliiaass
ffoorraamm eennttrreevviissttaaddaass:: Angico, Lagoa Grande, Riachinho; Centro (Casas ao Redor do Posto de
Saúde).
Quadro 1: Quantitativo de entrevistas realizadas por território
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Fonte: Entrevistas realizadas no PA Betinho/MG em janeiro de 2011
As atividades no PA Betinho – Bocaiúva – MG tiveram início em 24 de janeiro de 2011,
quando as equipes de Direito e Serviço Social resolveram trabalhar juntas numa perspectiva de
otimizar tempo, somar esforços e assegurar a garantia de direitos sociais e jurídicos.
Nesse sentido, o objetivo foi de conhecer a realidade das famílias, levantar demandas
locais e orientar acerca de direitos sociais e jurídicos.
No primeiro dia (24/01), realizamos um mapeamento dos três assentamentos a serem
visitados: Angico, Lagoa Grande e Riachinho. No segundo dia (25/01) realizamos atendimentos
no posto de saúde local e em algumas residências em torno deste posto. Na parte da tarde,
visitamos algumas famílias na comunidade de Angico. No dia seguinte, demos continuidade as
visitas na comunidade de Angico (26/01). No dia 27/01 visitamos as famílias da comunidade de
Lagoa Grande. Nessa comunidade a dificuldade encontrada foi a distância entre as casas e
algumas casas fechadas. Foi uma realidade em que algumas casas não possuem sequer vaso
sanitário. Nesse mesmo dia, a equipe resolveu se dividir: um grupo começou a esboçar o relatório
e outra parte do grupo participou de uma reunião com a presidente do sindicato de Lagoa Grande.
No dia 28/01 realizamos atendimentos na comunidade de Riachinho e tivemos
dificuldades em finalizar o relatório, pois havia a ameaça de invasões. No período da noite houve
a apresentação para as autoridades locais sobre as atividades desenvolvidas pelo Projeto Senar
Rondon e Unipli/Anhanguera nas seguintes áreas: Direito, Serviço Social, Enfermagem,
Fisioterapia, Veterinária e Agronomia.
Questões Jurídicas apresentadas: Posse não regularizada; Compra de terreno de
terceiros; Não regularizado no INCRA; Casa sem energia elétrica; Requerendo aposentadoria;
Agricultura de subsistência; Sem recursos do Pronaf; Trabalhou na Usina sem indenização; Com
a saída dos antigos moradores se apossou da terra; Requerendo aposentadoria pelo Sindicato;
Possui concessão de uso provisório; Sem saneamento básico; Cooperativa; Tem contrato de
assentamento; Produção entregue para CONAB. Principais demandas apontadas: Baixa
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escolaridade; Falta de lazer; Falta de infraestrutura; Falta de saneamento básico; Carências no
serviço de saúde; Falta de informações e conhecimentos sobre direitos.
Quadro 2: Sexo e faixa etária dos entrevistados
Fonte: Entrevistas realizadas no PA Betinho/MG em janeiro de 2011
Das 71 famílias entrevistadas, como podemos observar no quadro acima, a maioria
(63%) é do sexo feminino. Isso porque no momento das entrevistas, as mulheres estavam nas
residências, enquanto os homens na lavoura, na maioria dos casos.
Com relação à faixa etária, como já apontado, a maioria dos moradores tem mais de
35 anos e os filhos estudam, moram e trabalham na cidade.
1.2 - A EXPERIÊNCIA NO PA MARAVILHA/ BA
As atividades nos assentamentos da Bahia tiveram início em 31 de janeiro de 2011,
quando as equipes de Direito e Serviço Social continuaram atuando juntas numa perspectiva de
dar continuidade as atividades já desenvolvidas em Minas Gerais: conhecer a realidade das
famílias, levantar demandas locais e orientar. No primeiro dia (31/01), participamos de um
encontro com as autoridades locais e realizamos um mapeamento dos assentamentos a serem
visitados: Maravilha, Produzir, Roça do Povo e Santa Maria.
Quadro 3: Quantitativo de entrevistas realizadas por território
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Fonte: Entrevistas realizadas no PA Maravilha/ BA Betinho em janeiro/fevereiro de 2011
No segundo dia (01/02) realizamos atendimentos na escola local e em algumas
residências em torno desta escola – P.A Maravilha. No dia seguinte, demos continuidade as
visitas no PA Maravilha (02/02). Nesse mesmo dia visitamos as famílias do Projeto Produzir. No
dia 03/02 realizamos atendimentos no PA Santa Maria e Roça do Povo. Nessas comunidades a
dificuldade encontrada foi que algumas casas não possuem sequer vaso sanitário. No dia 04/02
retornamos ao PA Santa Maria e na parte da tarde, participamos do encerramento das atividades
de forma integrada à comunidade.
Quadro 4: Sexo e faixa etária dos entrevistados
Fonte: Entrevistas realizadas no PA Maravilha/ BA Betinho em janeiro/fevereiro de 2011
Foram realizadas 90 visitas domiciliares, onde constatamos que da mesma forma do
PA visitado anteriormente, a maioria das entrevistas foi com mulheres e (69%) e mais de 70%
estão na faixa etária acima dos 30 anos.
Os dados levantados nas pesquisas apontam que os principais problemas na área
jurídica se resumem às questões previdenciárias, em especial, na falta de comprovação da
atividade rural.
No que tange à questão agrária, o maior problema é a falta de título de propriedade
(contrato de concessão de uso e o título de domínio).
Destacamos as principais falas dos assentados, que em alguns momentos pareceu-
nos contraditórias, como a própria realidade em que estão inseridos: ônibus passa 3x ao dia;
assentamento - invasão área da Vale do Rio Doce; falta de emprego; 197 famílias assentadas;
falta lazer; não tem pediatra; sem saneamento básico; dificuldades com transporte; não tem termo
de uso; não é associado rural; adoção pendente; recebe auxílio moradia do Incra; falta documento
referente demarcação dos lotes; informações sobre aposentadoria, prova testemunhal, serviço de
proteção ao consumidor; possui contrato temporário cedido pelo Incra; nunca trabalhou de carteira
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assinada; não contribui para o sindicato; queima de lixo; planta para o consumo; não tem
policiamento; água precária; a única dificuldade é a estrada; não tem documentação do lote;
dificuldade em agendar consulta; posto de saúde fecha às 11h; principal dificuldade é o trabalho;
problemas com saúde, educação e estradas; relatou caso de violência doméstica; médico atende
só 2 vezes na semana; problemas com água e esgoto; necessidade de ir à cidade para ter
atendimento médico especializado; relatou existência de conflito em função do uso de álcool;
ausência do poder público na região; principais questões: segurança, esgoto e água; visitas dos
agentes de saúde são frequentes; ausência de ensino médio na região; todo assentado tem
direito a dois lotes na vila além do lote de plantação; os filhos não querem ficar na roça; não tem
capacitação para os agricultores; não tem esporte, praça para as crianças; problemas com
drogas, alcoolismo e prostituição infantil; uma das maiores dificuldades é a água; não existe
violência, é um lugar calmo; sou muito feliz com a vida que levo; relata que não tem luz, mas
mesmo assim é muito feliz; principais questões: educação, saúde e transporte; o que tem de bom
é a terra para plantar; moradia precária, casa de madeira; tenho que chegar de madrugada para
pegar ficha de atendimento do Bolsa Família; há um grande crescimento da marginalidade no
entorno, sem providências do poder público; Veracel (empresa) não cumpre com as obrigações
legais e não é punida; paga taxa de iluminação pública, mas as lâmpadas estão queimadas; se
vota em outro município não faz Bolsa Família; o que tem de bom é a terra para plantar; Incra
orientou a compra de gado quando liberou o dinheiro (8 mil) morreram porque não tinha pasto.
2. CONCLUSÃO
A partir do exposto, o objetivo do grupo é retornar ao PA Betinho – Bocaíuva – MG, a
fim de levantar dados mais específicos sobre o mesmo; perceber os impactos do Projeto Senar
Rondon na dinâmica do assentamento; suscitar o debate acerca do tema e provocar estudos,
intervenções na realidade de famílias assentadas; desvendar a criação do PA Betinho, após o
desmonte da indústria Malvina, no Distrito de Engenheiro Donabela, em Bocaíuva/MG. Além de
conhecer a realidade vivenciada pelos atores sociais deste assentamento.
. Bibliografia:
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BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luiz Antonio Cabello. O que são
assentamentos rurais? São Paulo, Brasiliense, 1996 (Coleção Primeiros Passos).
BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira. Dossiê Questão Agrária: A realidade dos
assentamentos rurais por detrás dos números, 1997, disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141997000300003&script=sci_arttext, acessado
em 20/05/11.