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7/23/2019 37449422 a Filosofia Da Composicao Edgar Alan Poe http://slidepdf.com/reader/full/37449422-a-filosofia-da-composicao-edgar-alan-poe 1/7 POE, Edgar Allan. Poemas e Ensaios. (Trad. Oscar Mendes e Milton Amado). São Paulo: Globo, 1. !. ed. re"ista.  A Filosofia da Composição Charles Dickens, numa nota que agora está à minha frente, aludindo a uma análise que fiz, certa vez,  do mecanismo, de Barnaby Rudge, diz "De passagem,  sabe que Godwin escreveu seu Caleb Williams de trás para diante? nvolveu primeiramente seu her!i numa teia de dificuldades, que formava o segundo volume, e depois, para fazer o primeiro, ficou procurando um modo de eplicar o que havia sido feito"#  $%o posso pensar que esse se&a o modo  preciso de proceder de Godwin, e, de fato, o que ele  pr!prio confessa n%o está completamente de acordo com a id'ia do sr# Dickens# (as o autor de Caleb Williams era muito bom artista para deiar de perceber a vantagem procedente de um  processo, pelo menos, um tanto semelhante# $ada ' mais claro do que deverem todas as intrigas, dignas desse nome, ser elaboradas em rela)%o ao epílogo, antes que se tente qualquer coisa com a  pena# *! tendo o epílogo constantemente em vista, poderemos dar a um enredo seu aspecto indispensável de conseq+ncia, ou causalidade, fazendo com que os incidentes e, especialmente, o tom da obra tendam para o desenvolvimento de sua inten)%o# -á um erro radical, acho, na maneira habitual de construir uma fic)%o# .u a hist!ria nos concede uma tese, ou uma ' sugerida por um incidente do dia, ou, no melhor caso, o autor senta/se  para trabalhar na combina)%o de acontecimentos impressionantes, para formar simplesmente a base da narrativa, plane&ando, geralmente, encher de descri)0es, diálogos ou comentários autorais todas as lacunas do fato ou da a)%o que se possam tomar aparentes, de página a página# u prefiro come)ar com a considera)%o de um efeito. (antendo  sempre a originalidade em vista, pois ' falso a si mesmo quem se arrisca a dispensar uma fonte de interesse t%o evidente e t%o facilmente alcan)ável, digo/me, em primeiro lugar1 "Dentre os in2meros efeitos, ou impress0es a que s%o suscet3veis o cora)%o, a inteligncia ou, mais geralmente, a alma, qual irei eu, na ocasi%o atual escolher4" 5endo escolhido primeiro um assunto novelesco e depois um efeito vivo, considero se seria melhor trabalhar com os incidentes ou com o tom / com os incidentes habituais e o tom especial ou com o contrário, ou com a especialidade tanto dos incidentes, quanto do tom / depois de  procurar em torno de mim 6ou melhor, dentro7 aquelas combina)0es de tom e acontecimento que melhor me auiliem na constru)%o do efeito# (uitas vezes pensei qu%o interessantemente podia ser escrita uma revista, por um autor que quisesse, isto ', que pudesse, pormenorizar, passo a passo, os processos pelos quais qualquer uma de suas composi)0es atingia seu ponto de acabamento# 8or que uma publica)%o assim nunca foi dada ao mundo ' coisa que eu n%o sei eplicar, mas talvez a vaidade dos autores tenha mais responsabilidade por essa omiss%o do que qualquer outra causa# (uitos escritores, especialmente os  poetas, preferem ter por entendido que comp0em por meio de urna esp'cie de sutil frenesi, de intui)%o estática9 e positivamente estremeceriam ante a id'ia de deiar o p2blico dar uma olhadela,  por trás dos bastidores, para as rudezas vacilantes e trabalhosas do pensamento, para os verdadeiros  prop!sitos s! alcan)ados no 2ltimo instante, para os in2meros relances de id'ias que n%o chegam à maturidade da vis%o completa, para as imagina)0es plenamente amadurecidas e repelidas em desespero como inaproveitáveis, para as cautelosas sele)0es e re&ei)0es, as dolorosas emendas e interpola)0es9 numa palavra, para as rodas e rodinhas, os apetrechos de mudan)a no cenário, as escadinhas e os al)ap0es do palco, as penas de galo, a tinta vermelha e os disfarces posti)os que, em noventa e nove por cento dos casos, constituem a caracter3stica do histrião literário# :em sei, de outra parte, que de modo algum ' comum o caso em que um autor este&a absolutamente em condi)0es de reconstituir os passos pelos quais suas conclus0es foram atingidas# ;s sugest0es, em geral tendo/se erguido em tumulto, s%o seguidas e esquecidas de maneira semelhante# <uanto a mim, nem simpatizo com a repugn=ncia acima aludida nem > em qualquer tempo, tive

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POE, Edgar Allan. Poemas e Ensaios. (Trad. Oscar Mendes e Milton Amado). São Paulo:Globo, 1. !. ed. re"ista.

 A Filosofia da Composição

Charles Dickens, numa nota que agora está à minha frente, aludindo a uma análise que fiz,certa vez,  do mecanismo, de Barnaby Rudge, diz "De passagem,  sabe que Godwin escreveu seuCaleb Williams de trás para diante? nvolveu primeiramente seu her!i numa teia de dificuldades,que formava o segundo volume, e depois, para fazer o primeiro, ficou procurando um modo deeplicar o que havia sido feito"#

 $%o posso pensar que esse se&a o modo preciso de proceder de Godwin, e, de fato, o que ele pr!prio confessa n%o está completamente de acordo com a id'ia do sr# Dickens# (as o autor deCaleb Williams era muito bom artista para deiar de perceber a vantagem procedente de um

 processo, pelo menos, um tanto semelhante# $ada ' mais claro do que deverem todas as intrigas,dignas desse nome, ser elaboradas em rela)%o ao epílogo, antes que se tente qualquer coisa com a

 pena# *! tendo o epílogo constantemente em vista, poderemos dar a um enredo seu aspecto

indispensável de conseq+ncia, ou causalidade, fazendo com que os incidentes e, especialmente, otom da obra tendam para o desenvolvimento de sua inten)%o#

-á um erro radical, acho, na maneira habitual de construir uma fic)%o# .u a hist!ria nosconcede uma tese, ou uma ' sugerida por um incidente do dia, ou, no melhor caso, o autor senta/se

 para trabalhar na combina)%o de acontecimentos impressionantes, para formar simplesmente a baseda narrativa, plane&ando, geralmente, encher de descri)0es, diálogos ou comentários autorais todasas lacunas do fato ou da a)%o que se possam tomar aparentes, de página a página#

u prefiro come)ar com a considera)%o de um efeito. (antendo  sempre a originalidade emvista, pois ' falso a si mesmo quem se arrisca a dispensar uma fonte de interesse t%o evidente e t%ofacilmente alcan)ável, digo/me, em primeiro lugar1 "Dentre os in2meros efeitos, ou impress0es aque s%o suscet3veis o cora)%o, a inteligncia ou, mais geralmente, a alma, qual irei eu, na ocasi%oatual escolher4" 5endo escolhido primeiro um assunto novelesco e depois um efeito vivo, considerose seria melhor trabalhar com os incidentes ou com o tom / com os incidentes habituais e o tomespecial ou com o contrário, ou com a especialidade tanto dos incidentes, quanto do tom / depois de

 procurar em torno de mim 6ou melhor, dentro7 aquelas combina)0es de tom e acontecimento quemelhor me auiliem na constru)%o do efeito#

(uitas vezes pensei qu%o interessantemente podia ser escrita uma revista, por um autor quequisesse, isto ', que pudesse, pormenorizar, passo a passo, os processos pelos quais qualquer umade suas composi)0es atingia seu ponto de acabamento# 8or que uma publica)%o assim nunca foidada ao mundo ' coisa que eu n%o sei eplicar, mas talvez a vaidade dos autores tenha maisresponsabilidade por essa omiss%o do que qualquer outra causa# (uitos escritores, especialmente os

 poetas, preferem ter por entendido que comp0em por meio de urna esp'cie de sutil frenesi, deintui)%o estática9 e positivamente estremeceriam ante a id'ia de deiar o p2blico dar uma olhadela, por trás dos bastidores, para as rudezas vacilantes e trabalhosas do pensamento, para os verdadeiros prop!sitos s! alcan)ados no 2ltimo instante, para os in2meros relances de id'ias que n%o chegam àmaturidade da vis%o completa, para as imagina)0es plenamente amadurecidas e repelidas emdesespero como inaproveitáveis, para as cautelosas sele)0es e re&ei)0es, as dolorosas emendas einterpola)0es9 numa palavra, para as rodas e rodinhas, os apetrechos de mudan)a no cenário, asescadinhas e os al)ap0es do palco, as penas de galo, a tinta vermelha e os disfarces posti)os que, emnoventa e nove por cento dos casos, constituem a caracter3stica do histrião literário#

:em sei, de outra parte, que de modo algum ' comum o caso em que um autor este&aabsolutamente em condi)0es de reconstituir os passos pelos quais suas conclus0es foram atingidas#

;s sugest0es, em geral tendo/se erguido em tumulto, s%o seguidas e esquecidas de maneirasemelhante#<uanto a mim, nem simpatizo com a repugn=ncia acima aludida nem> em qualquer tempo, tive

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a menor dificuldade em relembrar os passos progressivos de qualquer de minhas composi)0es9 e,desde que o interesse de uma análise, ou reconstru)%o, tal como a que tenho considerado umdesiderato, ' inteiramente independente de qualquer interesse real ou imaginário na coisa analisada,n%o se deve encarar como falta de decoro de minha parte, mostrar o modus operandi pelo qual umade minhas pr!prias obras se completou# scolhi ?. Corvo@, como a mais geralmente conhecida# Ameu des3gnio tornar manifesto que nenhum ponto de sua composi)%o se refere ao acaso, ou à

intui)%o, que o trabalho caminhou, passo a passo, at' completar/se, com a precis%o e a seq+nciar3gida de um problema matemático#Deiamos de parte, por ser sem import=ncia para o poema per se, a circunst=ncia, ou digamos,

a necessidade que, em primeiro lugar, deu origem à inten)%o de compor um  poema que, a umtempo, agradasse ao gosto do p2blico e da cr3tica#

Comecemos, pois, a partir dessa inten)%o#; considera)%o inicial foi a da etens%o# *e alguma obra literária ' longa demais para ser

lida de uma assentada, devemos resignar/nos a dispensar o efeito imensamente importante que sederiva da unidade de impress%o,   pois, se se requerem duas assentadas, os neg!cios do mundointerferem e tudo o que se pare)a com totalidade ' imediatamente destru3do# (as , visto como,ceteris  paribus, nenhum poeta pode permitir/se dispensar qualquer coisa que possa auiliar seu

intento, resta a ver se há, na etens%o, qualquer vantagem que contrabalance a perda de unidaderesultante# Digo logo que n%o há# . que denominamos um poema longo ', de fato, apenas asucess%o de alguns curtos9 isto ', de breves eleitos po'ticos# A desnecessário demonstrar que um

 poema s! o ' quando emociona, intensamente, elevando a alma9 e todas as emo)0es intensas, poruma necessidade ps3quica, s%o breves# 8or essa raz%o, pelo menos metade do  Paraíso Perdido 'essencialmente prosa, pois uma sucess%o de emo)0es po'ticas se intercala, ineitaelmente, dedepress0es correspondentes9 e o con&unto se v privado, por sua etrema etens%o, do vastamenteimportante elemento art3stico, a totalidade, ou unidade de efeito#

8arece evidente, pois, que há um limite distinto, no que se refere à etens%o para todas as obrasde arte literária, o limite de uma s! assentada, e que embora em certas esp'cies de composi)%o em

 prosa, tais como  Robinson Crusoe 6que n%o eige unidade7, esse limite pode ser vanta&osamentesuperado, nunca poderá ser ele ultrapassado convenientemente por um poema# Dentro desse limite,a etens%o de um poema deve ser calculada, para conservar rela)%o matemática com seu m'rito9 emoutras palavras, com a emo)%o ou eleva)%o9 ou ainda em outros termos, com o grau de verdadeiroefeito po'tico que ele ' capaz de produzir# 8ois ' claro que a brevidade deve estar na raz%o direta daintensidade do efeito pretendido, e isto com uma condi)%o, a de que certo grau de dura)%o 'eigido, absolutamente> para a produ)%o de qualquer efeito#

5endo em vista essas considera)0es, assim como aquele grau de ecita)%o, que eu n%o colocavaacima do gosto popular nem abaio do gosto cr3tico, alcancei logo o que imaginei ser a e!tensão,conveniente para meu pretendido poema1 uma etens%o de cerca de cem versos# De fato, ele temcento e oito#

(eu pensamento seguinte referiu/se à escolha de uma impress%o, ou efeito, a ser obtido9 e aqui bem posso observar que, atrav's de toda a elabora)%o, tive firmemente em vista o dese&o de tornar aobra apreciável por todos. *eria levado longe demais de meu assunto imediato, se fosse demonstrarum ponto sobre o qual tenho repetidamente insistido e que, entre poetas, n%o tem a menornecessidade de demonstra)%o9 refiro/me ao ponto de que a :eleza ' a 2nica prov3ncia leg3tima do

 poema# 8oucas palavras, contudo, para elucidar meu verdadeiro pensamento, que alguns de meusamigos tiveram inclina)%o para interpretar mal# . prazer que se&a ao mesmo tempo o mais intenso,o mais enlevante e o mais puro ', creio eu, encontrado na contempla)%o do belo# <uando, de fato,os homens falam de :eleza, querem eprimir, precisamente, n%o uma qualidade, como se sup0e,mas um efeito9 referem/se, em suma, precisamente àquela intensa e pura eleva)%o da alma " e nãoda inteligncia ou do cora)%o / de que venho falando e que se eperimenta em conseq+ncia da

contempla)%o do :elo# .ra, designo a :eleza como a prov3ncia do poema, simplesmente porque 'evidente regra de arte que os efeitos deveriam &orrar de causas diretas, que os ob&etivos deveriamser alcan)ados pelos meios melhor adaptados para atingi/los# ningu'm houve ainda bastante tolo,

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 para negar que a eleva)%o especial a que aludi, ' mais prontamente atingida num poema# <uanto aoob&etivo Berdade, ou a satisfa)%o do intelecto, e ao ob&etivo 8ai%o, ou a ecita)%o do cora)%o,  s%oeles muito mais prontamente ating3veis na prosa, embora tamb'm, at' certa etens%o, na poesia# ;Berdade, de fato, demanda uma precis%o,   e a 8ai%o uma  familiaridade 6o verdadeiramenteapaionado me compreenderá7, que s%o inteiramente antagnicas daquela :eleza que, asseguro, ' aecita)%o ou a eleva)%o agradável da alma# De modo algum se segue, de qualquer coisa aqui dita,

que a pai%o e mesmo a verdade n%o possam ser introduzidas, proveitosamente introduzidas at',num poema, porque elas podem servir para elucidar ou auiliar o efeito geral, como asdiscord=ncias em m2sica, pelo contraste9 mas o verdadeiro artista sempre se esfor)ara, em primeirolugar, para harmonizá/las, na submiss%o conveniente ao alvo predominante, e,   em segundo lugar,

 para revesti/las, tanto quanto poss3vel, daquela :eleza que ' a atmosfera e a essncia do poema#ncarando, ent%o, a :eleza como a minha prov3ncia, minha seguinte quest%o se referia ao tom

de sua mais alta manifesta)%o, e todas as eperincias tm demonstrado que esse tom ' o datriste#a. ; beleza de qualquer esp'cie, em seu desenvolvimento supremo, invariavelmente provocana alma sensitiva as lágrimas# ; melancolia ', assim, o mais legitimo de todos os tons po'ticos#

stando assim determinadas a etens%o, a prov3ncia e o tom, entreguei/me à indu)%o normal, afim de obter algum efeito art3stico agudo que me pudesse servir de nota/chave na constru)%o do

 poema, algum eio sobre o qual toda a estrutura devesse girar# 8assando cuidadosamente em revistatodos os efeitos art3sticos usuais, ou, mais propriamente, situa$%es, no sentido teatral n%o deiei de

 perceber de imediato que nenhum tinha sido t%o universalmente empregado como o do refrão. ;universalidade desse emprego bastou para me assegurar de seu valor intr3nseco e evitou/me anecessidade de submet/lo à análise# Considerei/o, contudo, em rela)%o a sua suscetibilidade deaperfei)oamento e vi logo que ainda se achava num estado primitivo# Como ' comumente usado, orefr%o po'tico,  ou estribilho, n%o s! se limita ao verso l3rico, mas depende, para impressionar, dafor)a da monotonia, tanto no som#, como na id'ia# . prazer somente se etrai pelo sentido deidentidade, de repeti)%o# esolvi fazer diversamente, e assim elevar o efeito, aderindo em geral àmonotonia do som, por'm continuamente variando na da id'ia1 isto ', decidi produzircontinuamente novos efeitos, pela varia)%o da aplica$ão do estribilho, permanecendo este, na maior

 parte das vezes, invariável#;ssentados tais pontos, passei a pensar sobre a natureza de meu refr%o# Desde que sua

aplica)%o deveria ser repetidamente variada, era claro que esse refr%o deveria ser breve, pois haveriainsuperáveis dificuldades na aplica)%o de qualquer senten)a etensa# m propor)%o à brevidade dasenten)a estaria, naturalmente, a facilidade da varia)%o# Esso imediatamente me levou a uma s!

 palavra como o melhor refr%o#*uscitou/se, ent%o, a quest%o do caráter da palavra# 5endo/me inclinado por um refr%o, a

divis%o do poema em est=ncia surgia, naturalmente, como corolário, formando o refr%o o fecho decada est=ncia# $%o cabia d2vida de que tal fecho, para ter for)a, devia ser sonoro e suscet3vel denfase prolongada9 e tais considera)0es inevitavelmente me levaram ao o prolongado, como a mais

sonora vogal, em cone%o com o r  como a consoante mais aproveitável#Ficando assim determinado o som do refr%o, tornou/se necessário escolher uma palavra queencerrasse esse som e, ao mesmo tempo, se relacionasse o mais poss3vel com a melancolia

 predeterminada corno o tom do poema# m tal busca, teria sido absolutamente imposs3vel queescapasse a palavra "never more"# De fato, foi ela a primeira que se apresentou#

. desiderato seguinte era um preteto para o uso continuo da palavra "never more" 6nuncamais7# .bservando a dificuldade que &á encontrara em inventar uma raz%o suficientemente plaus3vel

 para sua continua repeti)%o, n%o deiei de perceber que essa dificuldade nascia somente da presun)%o de que a palavra devia ser cont3nua ou monotonamente pronunciada por um ser humano. $%o deiei de perceber,  em suma, que a dificuldade estava em conciliar essa monotonia com oeerc3cio da raz%o por parte da criatura que repetisse a palavra# Da3, pois, ergueu/se imediatamente

a id'ia de uma criatura não racional, capaz de falar, e muito naturalmente foi sugerido de in3cio, ade um papagaio, que foi logo substitu3da pela de um Corvo, como igualmente capaz de falar einfinitamente mais em rela)%o com o tom pretendido#

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u &á havia chegado à id'ia de um Corvo, a ave do mau agouro, repetindo monotonamente aepress%o "$unca mais", na conclus%o de cada est=ncia de um poema de tom melanc!lico eetens%o de cerca de cem linhas# nt%o, &amais perdendo de vista o ob&etivo / o  superlatio ou a

 perfei)%o em todos os pontos /, perguntei/me1 "De todos os temas melanc!licos, qual, segundo acompreens%o uniersal da humanidade, ' o mais melanc!lico4" ; (orte / foi a resposta evidente#" quando", insisti, "esse mais melanc!lico dos temas se torna o mais po'tico4" 8elo que &á

eplanei, um tanto prolongadamente, a resposta tamb'm a3 era evidente1 ?<uando ele se alia, maisde perto, à Bele#a& a morte, pois, de uma bela mulher ', inquestionavelmente, o tema mais po'ticodo mundo e, igualmente, a boca mais capaz de desenvolver tal tema ' a de um amante despo&ado deseu amor@#

5inha, pois, de combinar as duas id'ias, a de um amante lamentando sua morta amada e a deum Corvo continuamente repetindo as palavras "$unca mais"# tinha de combiná/las tendo emmente meu prop!sito de variar, a cada vez, a aplica$ão da palavra repetida, mas a 2nica maneiraintelig3vel de tal combina)%o era a de imaginar o Corvo empregando a palavra, em resposta às

 perguntas do amante# ent%o a3 vi imediatamente, a oportunidade concedida para o efeito do qualeu tinha estado dependente, isto ', o efeito da aria$ão da aplica$ão. Bi  que poderia fazer da

 primeira pergunta, apresentada pelo amante " a primeira pergunta a que o Corvo deveria responder

"$unca mais" /, que poderia fazer dessa primeira pergunta um lugar/comum da segunda umaepress%o menos comum, da terceira ainda menos, e assim por diante, at' que o amante, arrancadode sua displicncia primitiva, pelo caráter melanc!lico da pr!pria palavra, pela sua freq+enterepeti)%o e pela considera)%o da sinistra reputa)%o da ave que a pronunciava, fosse afinal ecitado àsupersti)%o e loucamente fizesse perguntas de esp'cie muito diversa# 8erguntas cu&as respostas lheinteressavam apaionadamente ao cora)%o, fazendo/as num misto de supersti)%o e daquela esp'ciede desespero que se deleita na pr!pria tortura, fazendo/as n%o porque propriamente acreditasse nocaráter prof'tico, ou demon3aco da ave 6que a raz%o lhe diz estar apenas repetindo uma li)%oaprendida rotineiramente7, mas porque eperimentaria um fren'tico prazer em organizar suas

 perguntas para recebei, do esperado "$unca mais", a mais deliciosa, porque a mais intolerável, dastristezas# 8ercebendo a oportunidade que assim se me oferecia, ou, mais estritamente, que se meimpunha no desenrolar da composi)%o, estabeleci na mente o clima!, ou a pergunta conclusiva1aquela pergunta de que o "$unca mais" seria, pela 2ltima vez, a resposta9 aquela pergunta emresposta à qual o "$unca mais" envolveria a máima concentra)%o poss3vel de tristeza e dedesespero#

;3, ent%o, pode/se dizer que o poema teve seu come)o pelo fim por que devem come)ar todasas obras de arte, porque foi nesse ponto de minhas considera)0es pr'vias que, pela primeira vez,tomei do papel e da pena para compor a est=ncia1

? Profeta'( " e!clamo. )* ser do mal' Profeta sempre, aeinfernal'

 Pelo alto c+u, por esse eus, que adoram todos os mortais, fala se esta alma, sob o guante atro# da dor, no -den distanteer a deusa fulgurante a quem, nos c+us, chamam /enora" essa, mais bela do que a aurora, a quem, nos c+us, chamam

0/enora'( 1 o Coro disse2 )3unca mais'(.

Compus essa est=ncia, nesse ponto, primeiramente porque, estabelecendo o ponto culminante,melhor poderia variar e graduar, no que se refere à seriedade e import=ncia, as perguntas

 precedentes do amante e, em segundo lugar, porque poderia definitivamente assentar o ritmo, ometro, a etens%o e o arran&o geral da est=ncia, assim como graduar as est=ncias que a deviam

 preceder, para que nenhuma delas pudesse ultrapassá/la em seu efeito r3tmico# 5ivesse eu sido

capaz, na composi)%o subseq+ente, de construir est=ncias mais vigorosas, n%o teria hesita)0es emenfraquec/las propositadamente, para que n%o interferissem com o efeito culminante# aqui bem posso dizer algumas palavras sobre versifica)%o# (eu primeiro ob&etivo, como de

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costume, era a originalidade# ; amplitude com que esta tem sido negligenciada na versifica)%o 'uma das coisas mais ineplicáveis do mundo# ;dmitindo/se que ha&a pequena possibilidade devariedade no ritmo, permanece claro, por'm, que as variedades poss3veis do metro e da est=ncia s%oabsolutamente infinitas, e contudo, durante s+culos, nenhum homem ,em erso, 4amais fe# ou

 4amais pareceu pensar em fa#er alguma coisa original. ; verdade ' que a originalidade 6a n%o serem esp3ritos de for)a muito comum7 de modo algum ' uma quest%o, como muitos sup0em, de

impulso ou de intui)%o# 8ara ser encontrada, ela, em geral tem de ser procurada trabalhosamente, eembora se&a um m'rito positivo da mais alta classe, seu alcance requer menos inven)%o quenega)%o#

*em d2vida, n%o pretendo que ha&a qualquer originalidade, quer no ritmo, quer no metro de ".Corvo"# . primeiro ' trocaico, o segundo ' oct=metro acatal'tico, alternando/se com umhept=metro catal'tico, repetido no refr%o do quinto verso e terminando com um tet=metro catal'tico#Falando menos pedantescamente, o p' empregado no poema 6troqueu7 consiste em uma s3labalonga, seguida por uma curta9 o primeiro verso da est=ncia comp0e/se de oito desses p's9 osegundo, de sete e meio 6de fato, dois ter)os7, o terceiro de oito, o quarto de sete e meio o quintoidem, o seto de trs e meio# .ra, cada um desses versos, tomado separadamente, tem sidoempregado antes, mas a originalidade que ". Corvo" tem está em sua combina$ão na est5ncia,

nada &á havendo sido tentado que mesmo remotamente se aproimasse dessa combina)%o# . efeitodessa originalidade de combina)%o ' a&udado por outros efeitos incomuns, alguns inteiramentenovos, oriundos de uma amplia)%o da aplica)%o dos princ3pios de rima e de alitera)%o#

. ponto seguinte, a ser considerado, era o modo de &untar o amante e o Corvo1 e o primeiroramo dessa considera)%o era o local. 8ara isso, a sugest%o mais natural seria a de uma floresta, ou ados campos9 mas sempre me pareceu que uma circunscri)%o  fechada do espa$o ' absolutamentenecessária para o efeito do incidente insulado e tem a for)a de uma moldura para um quadro# 5emindiscut3vel for)a moral para conservar concentrada a aten)%o e, naturalmente, n%o deve serconfundida com a mera unidade de lugar#

Determinei, ent%o, colocar o amante em seu quarto / num quarto para ele sagrado, pelarecorda)%o daquela que o freq+entara# . quarto ' apresentado como ricamente mobiliado, isso nasimples continua)%o das id'ias, que eu &á tinha eplanado, a respeito da :eleza como a 2nicaverdadeira tese po'tica#

5endo sido assim determinado o local, tinha agora de introduzir a ave e o pensamento de faz/lo pela &anela era inevitável# ; id'ia de fazer o amante supor, em primeiro lugar, que o tatalar dasasas da ave contra o postigo ' um "batido" à porta, originou/se de um dese&o de aumentar, pela

 prolonga)%o, a curiosidade do leitor, e de um dese&o de admitir o efeito casual surgindo do fato de oamante abrir a porta, achar tudo escuro e depois aceitar a semifantasia de que fora o esp3rito de suaamada que batera#

Fiz a noite tempestuosa, primeiro para eplicar por que o Corvo procurava entrar e, emsegundo lugar, para efeito de contraste com a serenidade 6f3sica7 que reinava dentro do quarto#

Fiz o pássaro pousar no busto de (inerva, tamb'm para efeito de contraste entre o mármore e a plumagem / sendo entendido que o busto foi absolutamente sugerido  pelo pássaro / e escolhido o busto de  6inera,  primeiro, para combinar mais com a erudi)%o do amante e, em segundo lugar, pela sonoridade da pr!pria palavra (inerva#

8elo meio do poema, tamb'm, aproveitei/me da for)a do contraste, tendo em vista aprofundar aimpress%o derradeira# 8or eemplo, um ar do fantástico / aproimando/se o mais poss3vel do

 burlesco / ' dado à entrada do Corvo# le entra "em tumulto, a esvoa)ar"#

Como um fidalgo passo, augusto, e sem notar sequer 0meu susto,

ade4a e pousa sobre o busto / uma escultura de

(inerva#

 $as duas est=ncias que se seguem, esse des3gnio ' ainda mais evidentemente solicitado1

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;o ver da ae austera e escura a soteníssima figura,desperta em mim um leve riso, a distrair/me de meus

ais#)7em crista embora, 8 Coro antigo e singular( " então lhe

0digo "

"n%o tens pavor9 fala comigo, alma da noite, espectrotorvo, qual ' o teu nome, ! nobre Corvo, o nome teuno inferno torvoH"

o Corvo disse1 "$unca mais"#

(aravilhou/me que falasse uma ae rude dessa classe,misteriosa esfinge negra, a retorquir/me em termos tais, 8ois nunca soube de vivente algum, outrora ou no

presente,que igual surpresa e!perimente2 a de encontrar, em sua

0porta,uma ae 9ou fera, pouco importa: empoleirada, em sua porta,

e que se chama "$unca mais"#*endo assim assegurado o efeito do desenvolvimento, imediatamente troquei o fantástico por

um tom da mais profunda seriedade, come)ando esse tom na est=ncia imediatamente seguinte à2ltima citada, com o verso1

Diversa coisa n%o dizia, ali pousada, a ave sombria etc#

Da3 para a frente, o amante n%o mais zomba, n%o mais v qualquer coisa de fantástico naconduta do Corvo# Fala dele como ?horrendo, torvo, ominoso e antigo@,  sentindo "da ave,

incandescente, o olhar" queimá/lo "fiamente"# ssa revolu)%o do pensamento, ou da imagina)%o,da parte do amante, destina/se a provocar uma semelhante da parte do leitor, levar o esp3rito a umadisposi)%o pr!pria para o desenlace, que ' agora completado t%o rápida e diretamente quanto

 poss3vel#Com o desenlace conveniente, com a resposta do Corvo, "$unca mais", à pergunta final do

amante, sobre se ele encontraria sua amada em um outro mundo, o poema, em sua fase evidente,que ' a da simples narrativa, pode ser considerado como completo# ;t' a3, tudo está dentro doslimites do eplicável do real# Im corvo, tendo aprendido rotineiramente a dizer apenas "$uncamais" e tendo escapado à vigil=ncia de seu dono, ' levado à meia/noite, em meio à violncia de umatempestade, a buscar entrada numa &anela, pela qual se v ainda a luz brilhar1 a &anela do quarto deum estudante, ocupado entre folhear um volume e sonhar com uma adorada amante morta# *endoaberta a &anela, ao tumultuar das asas da ave, esta pousa no s3tio mais conveniente, fora do alcanceimediato do estudante, que, divertido pelo incidente e pela etravag=ncia das maneiras do visitante,

 pergunta/lhe, por brincadeira e sem esperar resposta, por seu nome# . Corvo, interrogado, respondecom seu costumeiro "$unca mais", frase que logo encontra eco no cora)%o melanc!lico doestudante, que, dando epress%o, em voz alta, a certos pensamentos sugeridos pelo momento, ' denovo surpreendido pela repeti)%o do "$unca mais" do Corvo# . estudante adivinha ent%o a realcausa do acontecimento, mas ' impelido, como &á eplanei, pela sede humana de autotortura e, em

 parte, pela supersti)%o, a propor quest0es tais à ave que s! lhe trar%o, ao amante, o máimo davol2pia da tristeza, gra)as á esperada frase "$unca mais"# Jevando at' o etremo essa autotortura, anarra)%o, naquilo que denominei sua fase primeira ou evidente, tem um fim natural e at' ai n%o

ultrapassou os limites do real#(as nos assuntos assim mane&ados, por mais agudamente que o se&am, por mais vivas riquezasde incidentes que possuam, há sempre certa dureza ou nudez que repele o olhar art3stico# Duas

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7/23/2019 37449422 a Filosofia Da Composicao Edgar Alan Poe

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coisas s%o invariavelmente requeridas1 primeiramente, certa soma de compleidade, ou, mais pro/ priamente, de adapta)%o9 e, em segundo lugar, certa soma de sugestividade, certa subcorrenteembora indefinida de sentido# sta 2ltima, afinal, ' que dá a uma obra de arte tanto daquela rique#a6para tirar da conversa)%o cotidiana um termo eficaz7 que gostamos demais de confundir com oideal #  A o e!cesso do sentido sugerido> ' torná/lo a corrente superior, em vez da subcorrente dotema, que transforma em prosa 6e prosa da mais chata esp'cie7 a assim chamada poesia dos assim

chamados transcendentalistas#(antendo essas opini0es,  a&untei duas est=ncias que concluem o poema, sendo suasugestividade destinada a penetrar toda a narrativa que as precede# ; subcorrente de significa)%otorna/se primeiramente evidente no verso

"etira a garra que me corta o peito e vai/te dessaportaH"

o Corvo disse1 "$unca maisH"

Deve/se observar que as palavras "o peito" envolvem a primeira epress%o metaf!rica no poema# las, com a resposta "$unca mais", disp0em a mente a buscar uma moral em tudo quanto

foi anteriormente narrado# . leitor come)a agora a encarar o Corvo como simb!lico, mas n%o 'sen%o nos versos finais da 2ltima est=ncia que se permite distintamente ser vista a inten)%o de torná/lo um emblema da Recorda$ão dolorosa e infindel2

lá ficouH -irto, sombrio, ainda ho&e o ve&o, horasa fio, sobre o alvo busto de (inerva, inerte sempre

 em meus umbrais# $o seu olhar medonho e enorme o an&o do mal, em

 sonhos, dorme,e a luz da l=mpada, disforme, atira ao ch%o a sua

sombra# $ela, que ondula sobre a alfombra, está minha alma e,

 0presa ; sombra, $%o há de erguer/se, aiH nunca maisH

5radu)%o de .scar (endes e (ilton ;mado