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94 Regulação ambiental no espaço urbano: a trajetória do licenciamento ambiental no município de Belo Horizonte 1 Rogério Palhares Zschaber de Araújo * Heloisa Soares de Moura Costa ** Resumo Este artigo aborda as contradições e possibilidades da legislação ambiental como mecanismo de regulação de atividades urbanas, por meio da análise da trajetória dos instrumentos legais de licenciamento ambiental e dos resultados de dez anos da aplicação desse instrumento no Município de Belo Horizonte, enfatizando as mudanças associadas à definição de empreendimentos de impacto e as condições nas quais as licenças ambientais são concedidas. Finalmente, apresenta uma análise espacial com o objetivo de discutir relações entre as características e a distribuição espacial dos empreendimentos licenciados no espaço urbano. Palavras-chave: Regulação ambiental; Espaço urbano; Política pública; Legislação; Licenciamento. Este artigo pretende explorar a dimensão histórica da regulação ambiental no espaço urbano, a partir da análise dos dez primeiros anos de vigência do licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente causadores de impacto no meio ambiente e na infraestrutura urbana no Município de Belo Horizonte. Apoiados numa perspectiva temporal e nos respectivos instrumentos legais que regulamentam e alteram as regras do licenciamento ambiental no município referido, busca-se compreender os limites e as possibilidades da regulação ambiental como instrumento de gestão de conflitos sócioambientais no espaço urbano, e averiguar como 1 A análise tem origem na tese Contradições e Possibilidades da Regulação Ambiental no Espaço Urbano, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do IGC/UFMG em 2009, desenvolvida e orientada respectivamente pelos autores. * Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Arquiteto, professor do Departamento de Urbanismo da UFMG e professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas. ** Doutora em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); pós-doutora pelo Departamento de Geografia da Universidade da Califórnia em Berkeley. Arquiteta, professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia (IGC/UFMG) e pesquisadora do CNPq.

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    Regulao ambiental no espao urbano: a trajetria do licenciamento ambiental no municpio de Belo Horizonte1

    Rogrio Palhares Zschaber de Arajo* Heloisa Soares de Moura Costa**

    Resumo Este artigo aborda as contradies e possibilidades da legislao ambiental como mecanismo de regulao de atividades urbanas, por meio da anlise da trajetria dos instrumentos legais de licenciamento ambiental e dos resultados de dez anos da aplicao desse instrumento no Municpio de Belo Horizonte, enfatizando as mudanas associadas definio de empreendimentos de impacto e as condies nas quais as licenas ambientais so concedidas. Finalmente, apresenta uma anlise espacial com o objetivo de discutir relaes entre as caractersticas e a distribuio espacial dos empreendimentos licenciados no espao urbano.

    Palavras-chave: Regulao ambiental; Espao urbano; Poltica pblica; Legislao; Licenciamento.

    Este artigo pretende explorar a dimenso histrica da regulao ambiental no espao urbano, a partir da anlise dos dez primeiros anos de vigncia do licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente causadores de impacto no meio ambiente e na infraestrutura urbana no Municpio de Belo Horizonte.

    Apoiados numa perspectiva temporal e nos respectivos instrumentos legais que regulamentam e alteram as regras do licenciamento ambiental no municpio referido, busca-se compreender os limites e as possibilidades da regulao ambiental como instrumento de gesto de conflitos scioambientais no espao urbano, e averiguar como

    1 A anlise tem origem na tese Contradies e Possibilidades da Regulao Ambiental no Espao

    Urbano, apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia do IGC/UFMG em 2009, desenvolvida e orientada respectivamente pelos autores. * Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Arquiteto, professor do

    Departamento de Urbanismo da UFMG e professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas. **

    Doutora em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); ps-doutora pelo Departamento de Geografia da Universidade da Califrnia em Berkeley. Arquiteta, professora do Programa de Ps-Graduao em Geografia (IGC/UFMG) e pesquisadora do CNPq.

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    os objetivos de promoo da garantia do direito a cidades sustentveis2 e do cumprimento da funo social da propriedade urbana, nos termos do que estabelece o Estatuto da Cidade (Lei Federal no. 10.257 de 2001, Art. 2.), trazem consigo contradies, na medida em que espao urbano um campo privilegiado de conflitos socioambientais, em que a regulao pode representar um importante espao de mediao.

    Fundamentados pelas contribuies terico-conceituais da ecologia poltica, considera-se o meio ambiente no como uma entidade nica ou como a somatria de elementos biticos e abiticos, construdos a partir de diferentes leituras setoriais, mas como um campo de conflitos entre significados diferenciados e formas desiguais de acesso e apropriao da natureza pelos diversos grupos sociais.

    Belo Horizonte representa no contexto brasileiro uma experincia precursora de implementao de um sistema municipal de licenciamento ambiental, na medida em que foi uma das primeiras cidades brasileiras a estabelecer um processo formal de licenciamento ambiental no nvel municipal, que incorpora tambm empreendimentos imobilirios como passveis de licenciamento (ARAJO, 2009). Assim, aps 14 anos de aplicao desse instrumento, importante avaliar seus impactos. A partir da sistematizao e anlise de dados referentes aos processos de licenciamento ambiental, procurou-se investigar a gnese e a evoluo desse instrumento e trazer elementos representativos das mltiplas articulaes em torno de sua aplicao, as quais podem contribuir tanto para a explicitao dos interesses em disputa quanto para a possibilidade de invisibilizao de conflitos.

    O artigo apresenta, inicialmente, uma breve reviso da legislao ambiental nos nveis federal e estadual, com o objetivo de contextualizar a discusso dos instrumentos legais e procedimentos administrativos de licenciamento ambiental de empreendimentos de impacto, no Municpio de Belo Horizonte, analisada, cronologicamente, segundo fases distintas de sua implementao. A seguir, busca-se compreender as caractersticas distintivas dos empreendimentos licenciados e a vinculao desses com os processos de produo e organizao do espao urbano.

    2 H, no mbito da ecologia poltica, um amplo debate em torno do conceito de desenvolvimento

    sustentvel e sua crtica, que transcende os limites do presente artigo. Ver por exemplo as coletneas organizadas por Cavalcanti (1995), Peet; Watts (1996), entre outros. H tambm um razovel acmulo em torno do debate sobre cidades sustentveis. Para uma reviso da literatura ver Costa (2000 e 2008b) e Acselrad (2001).

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    Breve Histrico da Regulao Ambiental no Brasil e no Estado de Minas Gerais

    O modelo de gesto ambiental em vigor no Brasil tem suas origens na tentativa de se integrar uma srie de leis anteriores direcionadas regulamentao de questes ambientais de carter mais setorial, como o Cdigo de Pesca (Decreto-Lei 794/1938), o Cdigo Florestal (Lei Federal 4.771/1965), ou a Lei Federal 6.902/1981 relacionada criao de Estaes Ecolgicas, num nico arcabouo legal. A Lei Federal n 6938/81, pretendeu cumprir essa funo, ao dispor de forma integrada e abrangente sobre os fins e os mecanismos de desenvolvimento e execuo da poltica nacional de meio ambiente. Reconhecida desde a sua promulgao como avanada e baseada em formulaes conceituais adequadas do ponto de vista da dinmica dos fenmenos ambientais, essa Lei previu medidas de preveno e instrumentos de controle ambiental, com destaque para o licenciamento de atividades poluidoras e a exigncia de Estudos de Impacto Ambiental como condio para o licenciamento prvio de atividades e projetos potencialmente prejudiciais ao meio ambiente. Instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente, SISNAMA, concebido como o conjunto de rgos e entidades da Unio, dos estados, do Distrito Federal, dos territrios e dos municpios, bem como das fundaes responsveis pela proteo e melhoria da qualidade ambiental.

    A resoluo CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente 01/1986 regulamentou os procedimentos para o licenciamento ambiental, a partir do conceito de impacto ambiental, definido como alteraes das propriedades fsicas, qumicas e biolgicas do meio ambiente, resultantes das atividades humanas que, direta ou indiretamente afetam a sade, a segurana e o bem-estar da populao. Essa deliberao definiu quais empreendimentos foram ento considerados previamente causadores de impacto ambiental, caracterizados principalmente por equipamentos e obras de infraestrutura de grande porte, cuja implantao provoca alteraes significativas no meio ambiente natural.

    A Constituio Federal de 1988 dedicou um captulo especfico ao meio ambiente (Captulo VI do Ttulo VIII DA ORDEM SOCIAL), promovendo avanos no sentido do reconhecimento explcito do direito coletivo ao meio ambiente protegido e da obrigao do Estado de garantir a utilizao racional dos recursos naturais, a defesa e a recomposio do meio ambiente. O artigo 23 reafirma ser a proteo e a preservao ambiental de competncia comum da Unio, dos estados, do Distrito Federal e dos municpios.

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    Observa-se tambm significativo avano no tratamento dado ao direito privado de propriedade, que passa a estar diretamente vinculado ao cumprimento de sua funo social, facilitando a adoo de instrumentos de controle do uso e da ocupao do solo e de utilizao dos recursos naturais pautados por interesses coletivos. O reconhecimento explcito do direito proteo ambiental como um direito coletivo ratificou a utilizao da ao civil pblica criada pela Lei Federal 7.347/85 para a defesa de interesses difusos de natureza ambiental.

    Em nvel federal, so marcos legais importantes: a Lei Federal 7.754/89, que altera o Cdigo Florestal de 1965, e que, entre outros aspectos, define e classifica as reas de Preservao Permanentes APPs; a Lei Federal 9.433/97, que institui a poltica nacional de gesto de recursos hdricos; e a Lei Federal 9985/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao SNUC.

    No mbito da legislao urbanstica, importa destacar que, apesar da Lei Federal do Parcelamento Urbano (Lei 6.766/79, alterada pela Lei 9785/99) j estabelecer algumas restries de ordem ambiental ocupao urbana, tais como parcelamento de vrzeas alagadias e terrenos ngremes, deve-se ao Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.259/2001, os maiores avanos no sentido de integrar conceitualmente e em termos instrumentais a questo ambiental ao desenvolvimento urbano.

    Como instrumento de poltica urbana mais diretamente afeto gesto ambiental do espao urbano, o Estatuto introduz o Estudo de Impacto na Vizinhana (EIV), prvio obteno de licenas ou autorizaes de construo, ampliao ou funcionamento de empreendimentos e atividades pblicos ou privados que, por definio de Lei Municipal, sejam considerados potencialmente prejudiciais qualidade de vida da populao residente na rea e em suas proximidades. O artigo 37 dessa lei definiu como aspectos relevantes a serem analisados pelo EIV, questes relativas ao adensamento populacional, aos equipamentos urbanos e comunitrios, ao uso e ocupao do solo, valorizao imobiliria, gerao de trfego e demanda por transporte coletivo, ventilao e iluminao, paisagem urbana e ao patrimnio natural e cultural. O Estatuto estabeleceu ainda que a elaborao do EIV no substitui a elaborao e aprovao do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), requerida pela legislao ambiental.

    Contudo, como mostra Bassul (2005), tanto o dispositivo do EIV como a referncia ao EIA no constavam das verses originais do Estatuto da Cidade, cujo cerne constitudo pelos princpios defendidos pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana, dos quais a questo ambiental esteve sempre ausente. Durante a longa e

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    conflituosa tramitao do respectivo projeto de lei no Senado e na Cmara, processo que durou cerca de doze anos, foram includos, em 1997, o conceito de desenvolvimento sustentvel e os instrumentos de gesto e controle ambientais, propostos pelo substitutivo do ento deputado Fbio Feldmann. Destaca-se entre esses instrumentos o EIV, que viria perder, em 2000, parte de sua dimenso participativa antes da aprovao do texto final do Estatuto da Cidade, em 2001.

    Costa (2008a), identifica, na introduo do EIV, uma tentativa de articulao de preocupaes de carter urbanstico e ambiental, cujos modelos de regulao derivam de racionalidades distintas: o primeiro, orientado pela lgica funcionalista do ordenamento do territrio e, mais recentemente, pela matriz da reforma urbana, o segundo, pelo binmio preservao/conservao e pela lgica da valorizao econmica da natureza, presentes, entre outros, nos mecanismos de compensao e mitigao do licenciamento ambiental. Entretanto, apesar desse encontro das duas tradies de regulao ainda se dar de forma muito incipiente, conflitos importantes tm sido explicitados pelo licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades urbanas (ARAJO, 2009), como discutido neste artigo. Um exemplo disso so os debates que se arrastam na Cmara Federal por mais de dez anos acerca do PL 3.057/2000, da futura Lei de Responsabilidade Territorial Urbana que, em substituio Lei 6766/79, prope, dentre outros mecanismos de gesto, o licenciamento urbanstico-ambiental integrado para projetos de parcelamento do solo e regularizao fundiria.

    A regulamentao dos dispositivos legais de proteo ao meio ambiente, em nvel estadual, seguiu o referencial definido em nvel federal atravs do SISNAMA3. Em Minas Gerais, o Sistema Estadual de Meio Ambiente SISEMA coordenado pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentvel SEMAD, responsvel pelo planejamento, execuo, controle e avaliao das aes setoriais a cargo do Estado, relativas proteo, defesa do meio ambiente, gesto dos recursos hdricos e articulao das polticas de gesto dos recursos ambientais para o desenvolvimento sustentvel. Conforme previsto na Deliberao Normativa 74/04 de 2004, do Conselho Estadual de Poltica Ambiental COPAM, o processo de regularizao ambiental pode consistir, de acordo com o porte e o potencial poluidor do empreendimento em questo, de Autorizao Ambiental de Funcionamento AAF,

    3 A Lei Estadual 7.772/80, alterada pela Lei 15.972/06, dispe sobre a poltica estadual de meio ambiente

    e cria o Conselho Estadual de Poltica Ambiental, COPAM, que entre outras atribuies autoriza a implantao de atividade poluidora ou potencialmente poluidora mediante licenciamento ambiental.

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    para empreendimentos classificados como Classe 1 e 2, e Licenciamento Ambiental, para aqueles classificados como Classe 3 a 64. As atribuies do licenciamento ambiental e da Autorizao Ambiental de Funcionamento so exercidas pelo COPAM, pelas Unidades Regionais Colegiadas URCs, que so rgos colegiados deliberativos nas esferas regionais, e pelas Superintendncias Regionais de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel (SUPRAMS), rgos tcnicos que subsidiam regionalmente os processos com representao da Fundao Estadual de Meio Ambiente FEAM, do Instituto Mineiro de Gesto das guas IGAM e o Instituto Estadual de Florestas IEF. No que se refere aos procedimentos relativos a processos de regularizao ambiental, as SUPRAMS subordinam-se administrativamente SEMAD e tecnicamente FEAM, ao IEF e ao IGAM.

    Analogamente ao mbito federal, so tambm relevantes do ponto de vista da regulao ambiental em Minas Gerais a Lei 13.199/1999, que define a poltica estadual de gesto de recursos hdricos e a Lei Estadual 14.309/2002, que define e estabelece parmetros para as reas de Proteo Permanentes APPs e Unidades de Conservao.

    A Trajetria da Regulao Ambiental no Municpio de Belo Horizonte

    A municipalizao da gesto ambiental prevista pelo SISNAMA em mbito federal, mas depende de regulamentao especfica em nvel local. Nesse sentido, o crescente nmero de municpios brasileiros que tm incorporado princpios de sustentabilidade ambiental em seus Planos Diretores5 e adotado instrumentos de gesto e controle ambiental especficos atesta, como destaca Prestes (2005), a insero de alguns elementos novos pauta do planejamento e da gesto ambientais, tais como o conceito de meio ambiente e de impacto ambiental aplicado ao espao urbano e a necessidade de integrao dos instrumentos de controle urbanstico e ambiental.

    A trajetria da regulao ambiental no municpio de Belo Horizonte pode ser melhor percebida atravs das seguintes fases observadas em sua implementao. 4 Para a regularizao ambiental, considera-se a seguinte classificao dos empreendimentos: Classe 1

    pequeno porte e pequeno ou mdio potencial poluidor, Classe 2 mdio porte e pequeno potencial poludo, Classe 3 pequeno porte e grande potencial poluidor ou mdio porte e mdio potencial poluidor, Classe 4 grande porte e pequeno potencial poluidor; Classe 5 grande porte e mdio potencial poluidor ou mdio porte e grande potencial poluidor e Classe 6 grande porte e grande potencial poluidor (DN 74/04). 5 O tratamento da dimenso ambiental nos Planos Diretores de Municpios Brasileiros desenvolvidos ps

    Estatuto da Cidade foi sistematizado e analisado por Costa et al. (2011) como parte do Projeto Rede de Avaliao e Capacitao para Implementao dos Planos Diretores (convnio IPPUR/UFRJ Ministrio das Cidades).

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    Fase inicial de concepo: 1985 a 1995

    Com cerca de dez anos, foi longo o perodo de gestao da regulao ambiental no municpio de Belo Horizonte. A primeira iniciativa de controle de atividades potencialmente causadoras de degradao ambiental pelo poder executivo local foi explicitada na Lei 4.253 de, 1985, que, entre suas disposies sobre a poltica de proteo e conservao do meio ambiente no Municpio, vinculou a expedio de alvars de localizao e licena de funcionamento de fontes poluidoras a parecer tcnico favorvel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Foi essa lei que criou o Conselho Municipal de Meio Ambiente COMAM como rgo colegiado composto de 15 membros representantes do poder pblico e da sociedade civil, com competncia normativa e de assessoramento, tendo entre suas atribuies, decidir sobre o processo de licenciamento, formas de publicidade e debate pblico do mesmo e a aplicao de penalidades previstas.

    A ausncia de regulamentao dos procedimentos tcnicoadministrativos impediu, entretanto, durante muito tempo, que essa Lei tivesse a eficcia e a abrangncia pretendida. Apesar da clara vinculao estabelecida entre a licena ambiental e a licena para construir, e outras autorizaes urbansticas que antecedem a localizao e o funcionamento de atividades, o conceito de impacto ambiental subjacente ao texto ainda apresentava-se restrito noo de degradao da qualidade ambiental causada por fontes poluidoras da atmosfera, das guas, do solo e do subsolo, restringindo os empreendimentos sujeitos a licenciamento a uma classificao subjetiva e restrita de atividades. A associao de transformaes provocadas no meio ambiente urbano como um todo aos processos de urbanizao, abrangendo as condies da infraestrutura bem como aspectos socioeconmicos e culturais s passaria a ser textualmente explicitada no Plano Diretor (Lei 7165/96) e na Lei de Parcelamento, Ocupao e Uso do Solo (Lei 7166/96), e de forma gradual e progressiva, nas leis, normas e decretos subsequentes, visando regulamentao do que veio a se consolidar como um sistema municipal de licenciamento ambiental.

    O Decreto Municipal 5.362/1986 aprovou o regimento interno do Conselho Municipal do Meio Ambiente e definiu os rgos e as entidades de origem de seus membros, revelando a preocupao de se vincular a poltica ambiental s polticas de desenvolvimento urbano. A maioria dos assentos do COMAM foi destinada a rgos e entidades previamente nomeados, resultando na representao de cinco membros do

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    poder executivo municipal, um do legislativo, um representante do ministrio pblico, dois representantes do setor empresarial da indstria e do comrcio, trs representantes do setor tcnico-cientfico, um representante de ONG, atuante na rea ambiental, um representante de associao de moradores, e um de sindicato de trabalhadores. A representao minoritria de ambientalistas e lideranas de movimentos sociais revela, desde a sua formao, o comprometimento desse Conselho com a defesa de interesses do governo e de setores hegemnicos que atuam na produo e na organizao do espao urbano, respaldados por detentores de conhecimento tcnico-cientfico, tambm fortemente representados. Alm disso, o carter paritrio preconizado pela legislao estadual6, no se concretizou, considerando que o poder de voto conferido ao presidente e a indicao do representante da comunidade cientfica, pelo prefeito, resultaram, na representao majoritria do setor pblico, particularmente do executivo municipal.

    Essa fase voltada para a definio de instrumentos e parmetros de controle ambiental, focalizando atividades com fontes flagrantes de poluio atmosfrica, hdrica e sonora. O Decreto 5.893/1988 que regulamenta a Lei 4.253/85 estabeleceu, entre outros parmetros, os nveis mximos de poluio atmosfrica, sonora e hdrica permitidos para atividades instaladas no Municpio, e instituiu, nominalmente, o licenciamento prvio de atividades potencialmente poluidoras, atribuindo Secretaria Municipal de Meio Ambiente a anlise das informaes tcnicas necessrias caracterizao dos empreendimentos a serem licenciados. Definiu fontes poluidoras como sendo as atividades de comrcio varejista, comrcio atacadista, servios, indstria e servios de uso coletivo relacionados no Anexo 6 da Lei Municipal 4.034, de 1985, que dispunha, poca, sobre o uso e a ocupao do solo no Municpio. Essa classificao reafirma a restrio do conceito de impacto no meio ambiente urbano queles associados emisso de algum tipo de poluente explicitado na legislao anterior.

    A Lei Orgnica do Municpio de Belo Horizonte, aprovada em 21 de maro de 1990, reafirma os procedimentos de gesto ambiental regulamentados anteriormente e atualiza a terminologia e os conceitos utilizados com relao ao discurso ambiental presentes nas constituies Federal (1988) e Estadual (1989). Introduz em nvel local 6 A Deliberao Normativa do Conselho Estadual de Poltica Ambiental COPAM n 029/1998,

    atualizada pela DN COPAM n 106/2006, estabelece, dentre as diretrizes para a cooperao tcnica e administrativa com os rgos municipais de meio ambiente, visando ao licenciamento e fiscalizao de atividades de impacto ambiental local, a existncia de instncia normativa, colegiada, consultiva e deliberativa de gesto ambiental, com representao da sociedade civil organizada paritria do Poder Pblico.

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    instrumentos at ento utilizados apenas no licenciamento de empreendimentos de grande porte, regulamentados em nvel federal ou estadual.

    O Captulo V, do Ttulo VI, dessa Lei, que dispe sobre o meio ambiente, reafirma, em seu Artigo 152, como direito fundamental introduzido pela Constituio Federal, o direito ao meio ambiente harmnico, definido como bem de uso comum do povo e essencial saudvel qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo, preserv-lo e manter as plenas condies de seus processos vitais para as geraes futuras. Alm da meno subjacente ao conceito de sustentabilidade ambiental, explicitado pelo Relatrio Brundtland, e da gesto compartilhada dos recursos naturais pelo poder pblico e sociedade, o referido artigo reitera a exigncia do licenciamento prvio ao incumbir o Poder Pblico de, dentre outras atribuies, sujeitar prvia anuncia do rgo municipal de controle da poltica ambiental o licenciamento para incio, ampliao ou desenvolvimento de atividades e construes que possam causar degradao do meio ambiente, sendo tal licenciamento precedido da elaborao de relatrio de impacto ambiental e da realizao de audincia pblica para informao e discusso sobre o projeto proposto.

    Fase de consolidao: 1996 -2001

    O perodo de cinco anos que se sucedeu pode ser entendido como uma fase de consolidao do Licenciamento Ambiental, seja pela regulamentao progressiva dos procedimentos e rotinas tcnico-administrativas por parte do poder pblico, seja pela incorporao desses processos pelos empreendedores com ntidas repercusses nos custos e prazos de aprovao dos empreendimentos, ou ainda pelo aumento da quantidade de empresas de consultoria atuando nessa rea.

    A Lei 7.165/1996 que instituiu o Plano Diretor do Municpio de Belo Horizonte estabeleceu, como diretriz relativa ao meio ambiente: definir e disciplinar, atravs de legislao especfica, as obras e atividades causadoras de impacto ambiental, em relao aos quais devero ser adotados procedimentos especiais para efeito de licenciamento (Artigo XI da Subseo IX: Do Meio Ambiente que integra a Seo II Das Diretrizes de Interveno Pblica na Estrutura Urbana).

    Concebida e aprovada em conjunto com o Plano Diretor, a Lei 7166/1996 que estabelece as normas para o parcelamento, ocupao e uso do solo urbano, revelou em sua concepo clara repercusso do pensamento ambiental em voga poca, pautada

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    pelo conceito de desenvolvimento sustentvel e de gesto racional dos recursos naturais como estratgia de enfrentamento da escassez. Aplicou o conceito de capacidade de suporte infraestrutura urbana instalada como um dos fatores condicionantes dos parmetros de ocupao, definidos segundo limites mximos de adensamento populacional para o zoneamento proposto. Tambm os usos foram classificados conforme a repercusso produzida no ambiente urbano: atrao de veculos e pessoas, risco de segurana, gerao de efluentes, rudos e vibrao. Empreendimentos de impacto foram definidos como aqueles pblicos ou privados que viessem sobrecarregar a infraestrutura urbana ou ter repercusso ambiental significativa (Artigo 2). A partir da aprovao dessa lei, a instalao, a construo, a ampliao ou o funcionamento dos empreendimentos de impacto ficou sujeita ao licenciamento ambiental pelo COMAM, com prvia elaborao de EIA e respectivo RIMA, contendo anlise do impacto do empreendimento na vizinhana e as medidas destinadas a minimizar as conseqncias indesejveis e a potencializar os efeitos positivos (Artigo 74, pargrafo 2).

    Os procedimentos para licenciamento ambiental definidos por ambas as leis foram regulamentados pela Lei Municipal 7.277/1997, que, entre outras disposies, listou os empreendimentos considerados de impacto segundo o tipo, o porte e a natureza dos impactos potenciais, e definiu a outorga de licenas ambientais pelo COMAM. Coube tambm ao COMAM definir, atravs de deliberaes normativas, a regulamentao dos procedimentos tcnico-administrativos para o licenciamento ambiental, incluindo o detalhamento de suas etapas e as tipologias de usos e atividades a serem licenciadas. As mais importantes, foram as Deliberaes Normativas 19/1998 e 20/1999 relativas a empreendimentos em geral, e as 25, 26 e 29, todas de 1999, relativas, respectivamente, ao licenciamento de obras de infraestrutura, atividades industriais e empreendimentos de comrcio e servios.

    Um convnio celebrado entre a Prefeitura de Belo Horizonte e o Governo do Estado de Minas Gerais, em 1985, atribuiu ao municpio a responsabilidade pelo licenciamento ambiental de qualquer empreendimento, independente do porte ou natureza da atividade. Somente nos casos de projetos localizados em reas limtrofes com municpios vizinhos, o executivo municipal, por iniciativa prpria, consulta o rgo ambiental do Estado sobre a necessidade, interesse ou convenincia de se conduzir o processo de licenciamento de forma conjunta ou apenas em nvel estadual.

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    Apesar de apresentar vrias fragilidades do ponto de vista tcnico e administrativo, como a ausncia de critrios para enquadramento de empreendimentos, cujos impactos extrapolam os limites do municpio, esse convnio permanece como o nico instrumento legal que regulamenta a transferncia dessa funo do Estado para o municpio de Belo Horizonte, fato que, eventualmente, segundo a natureza dos interesses em jogo, gera disputas de jurisdio pelos direitos ou obrigaes relativas ao licenciamento7. De uma maneira geral, entretanto, o Estado no manifesta interesse pelos empreendimentos licenciados em Belo Horizonte, tambm pela natureza dos impactos, considerados mais urbansticos, e destoantes, portanto, da tradio do licenciamento estadual, voltado para obras e equipamentos de infraestrutura, empreendimentos industriais e agrosilvopastoris, com impactos no meio ambiente natural.

    Em termos processuais, a Lei 7.277/97 define que o licenciamento ambiental de empreendimentos de impacto em Belo Horizonte pode envolver at trs licenas consecutivas. A licena prvia (LP) precedida do desenvolvimento e da aprovao de EIA, e do respectivo, RIMA: e a licena de implantao (LI) de Plano de Controle Ambiental PCA, contendo os projetos e planos executivos das medidas mitigadoras e compensatrias propostas e aprovadas pelo COMAM. E a licena de operao (LO) concedida com base na implementao das condicionantes estabelecidas nas licenas anteriores. No caso de empreendimentos sujeitos a licenciamento, e j em funcionamento antes da entrada em vigor desta Lei previu-se a elaborao de Relatrio de Controle Ambiental RCA em substituio ao EIA-RIMA, e do respectivo PCA, como requisitos para a obteno de licena de operao corretiva.

    Essa lei previu ainda que a outorga das licenas ambientais fosse precedida da publicao em edital, explicitando as caractersticas do empreendimento, em rgo oficial de imprensa e em jornal de grande circulao no Municpio, assegurado, ao pblico, prazo para exame do pedido, dos respectivos projetos, dos estudos ambientais, dos pareceres dos rgos municipais e apresentao de impugnao fundamentada e por escrito. Foi definido ainda como atribuio do COMAM, promover, sempre que julgar 7 O licenciamento do Centro Administrativo do Governo do Estado de Minas Gerais localizado no limite

    norte do Municpio de Belo Horizonte, foi realizado do mbito estadual, enquanto a Linha Verde que corta vrios municpios da Regio Metropolitana teve um de seus trechos (Bulevar Arrudas) e intersees virias localizadas no municpio licenciadas pelo COMAM. J a duplicao da rodovia MG-30, vetor de expanso metropolitana de Belo Horizonte sobre o Municpio de Nova Lima, licenciada pelo Estado, e o empreendimento comercial Portal Sul, licenciado em nvel municipal, foram, ambos, questionados tanto por associaes de bairros da zona sul como pelo Ministrio Pblico, em funo dos critrios de enquadramento e reas de influncia considerados.

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    necessrio, audincias pblicas para informao sobre o projeto e seus impactos ambientais e urbanos, e discusso do Relatrio de Impacto Ambiental RIMA (Artigo 4 da Lei Municipal 7.277/97). As audincias pblicas devem ser realizadas na etapa de licenciamento prvio, e na rea de influncia direta do empreendimento, cabendo ao empreendedor a responsabilidade pela divulgao do evento que tem carter apenas informativo.

    Em 2000, a Lei 8.146 alterou a estrutura organizacional do poder executivo municipal criando secretarias de coordenao de polticas setoriais. Nessa ocasio, a ento Secretaria Municipal de Meio Ambiente, depois Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento Urbano, passou a estar subordinada Secretaria Municipal de Coordenao de Poltica Urbana e Ambiental, e seu secretrio passou a ocupar a presidncia do COMAM. Essa nova configurao hierrquica resultou, segundo Teixeira (2004), em perda de poder poltico da ento Secretaria de Meio Ambiente, cujo secretrio tambm perdeu naquela ocasio a presidncia do COMAM.

    Fase atual: a partir de 2002

    No que se refere tentativa de se atribuir uma perspectiva histrica evoluo da regulao ambiental no espao urbano de Belo Horizonte, entende-se que essa nova fase marcada pela explicitao dos conflitos ambientais no espao urbano e suas contradies, foi inaugurada pela aprovao pelo COMAM da Deliberao Normativa DN n 42/2002, que estabeleceu procedimentos administrativos diferenciados para o licenciamento ambiental de empreendimentos de impacto. Caracterizada por tenses entre controle e flexibilizao, integrao e compartimentao de polticas pblicas urbano-ambientais, essa fase se estende at o momento atual, mas foi contemplada pela pesquisa at 2007 (ARAJO, 2009), abrangendo uma srie histrica de dez anos do processo de licenciamento.

    A partir dessa regulamentao, os processos de licenciamento foram classificados em trs modalidades: integral, mediante outorga de trs licenas consecutivas: LP, LI e LO; simplificado, que prescinde da etapa de LP e pode prescindir da etapa de LI em casos especficos; e corretivo, destinado aos empreendimentos que se encontravam em operao anteriormente ao advento da Lei 7.277/97, e queles que, uma vez convocados ao licenciamento, devero ser submetidos regularizao ambiental para obter a LO.

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    Alm dessas modalidades, j havia tambm o licenciamento simplificado de atividades industriais consideradas de pequeno porte (menores que 1200 m2), independentes do potencial poluente, que conforme regulamentao especfica so submetidas apenas avaliao tcnica no mbito da Gerncia de Licenciamento de Atividades Industriais a partir de instrumento declaratrio fornecido pelo prprio interessado: Informaes Ambientais Bsicas IAB que suscita vistorias e parecer tcnico com definio das medidas de controle e adequaes cabveis.

    As etapas de licenciamento ambiental regulamentadas por essas Deliberaes Normativas podem ser resumidas pelos passos representados na Figura 1, que apresenta, de forma esquemtica e otimizada, os fluxos de tramitao de processos de licenciamento ambiental na modalidade integral (LP, LI e LO) no Municpio.

    Ao longo do perodo analisado pela pesquisa, mais de sessenta deliberaes normativas foram aprovadas, muitas delas destinadas regulamentao de procedimentos especiais para o licenciamento de atividades especficas atravs de procedimentos simplificados no mbito de Cmaras Especializadas, compostas de tcnicos do executivo e membros do COMAM, criadas especificamente para esse fim, eliminando-se a necessidade de aprovao pelo plenrio do Conselho8. Outras deliberaes tambm dispem sobre simplificaes do processo de licenciamento, porm no mbito do prprio COMAM. Dois exemplos merecem destaque: a DN n. 53/2004, que estabelece procedimentos especiais para empreendimentos de interesse social, como resultado de presses de grupos internos do executivo municipal e movimentos sociais ligados luta pela moradia, no sentido de reduzir custos e burocracia em torno dos projetos de habitao social, e a DN n. 63/2008, que aumenta o limite de porte para empreendimentos imobilirios sujeitos a licena prvia.

    Resultados de articulaes diversas, esses exemplos ilustram de um lado a relativa flexibilidade conferida ao licenciamento ambiental atravs do mecanismo das deliberaes normativas, adaptando-se a interesses mltiplos representados no Conselho interessados em conferir, por exemplo, maior previsibilidade, agilidade e menor exposio pblica aos processos de licenciamento. Por outro lado, fala recorrente dos entrevistados9 de que o COMAM tornou-se um brao do executivo, um rgo licenciador, com pouca ou nenhuma discusso de polticas ambientais. A natureza das 8 So exemplos a DN n. 35/2001 sobre licenciamento das antenas de telecomunicaes, a DN 43/2002,

    referente realizao de eventos de grande porte em espaos pblicos (paradas, shows etc.), e a DN 61/2008, referente aos postos de gasolina. 9 Ver Arajo (2009) para um detalhamento das entrevistas realizadas.

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    DNs, regulamentando predominantemente procedimentos administrativos do licenciamento, atesta essa percepo. Outra observao comum feita por representantes de diversos setores refere-se necessidade de simplificar procedimentos burocrticos e reduzir os prazos do licenciamento.

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    Figura 1: Fluxo dos Procedimentos de Licenciamento Ambiental no Municpio de Belo Horizonte, Modalidade Integral

    Fonte: (ARAJO, 2009, p.70).

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    Caracteriza tambm essa fase conflituosa da regulao ambiental em Belo Horizonte, acirrada disputa pelas representaes e pela presidncia do COMAM, atestando seu grau de consolidao e reconhecimento de seu poder como influente instancia deliberativa no mbito do planejamento e da gesto urbano-ambiental do Municpio. Em 2005, a Lei 9.011 que alterou a estrutura administrativa da Prefeitura Municipal reiterou a vinculao das polticas urbanas e ambientais, com a Secretaria Municipal Adjunta de Meio Ambiente SMAMA, subordinada Secretaria Municipal de Polticas Urbanas SMURBE, cujo secretrio permaneceu como presidente do COMAM. Em 2009, a pasta do meio ambiente sai do guarda chuva das polticas urbanas e volta a ser uma secretaria ligada diretamente ao prefeito atravs da Lei Municipal 9.718 numa clara prevalncia das disputas internas de poder sobre a integrao natural das polticas urbanas e ambientais. Esse arranjo institucional que abriga separadamente as polticas ambientais e urbanas prevaleceu na ltima reforma administrativa implementada pela Lei Municipal 10.101/2011 que criou a Secretaria Municipal de Desenvolvimento qual se vincula a Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento Urbano, responsvel pela implementao do EIV.

    Tambm durante essa fase tem-se o Decreto 11944/2005, depois modificado pelo Decreto 12012/2005 que, ao alterar o Decreto 5362/86, inverteu a representao majoritria no COMAM dos membros do poder pblico e da sociedade civil em favor dos ltimos, revogando-se, entretanto, a especificao das entidades a serem representadas e a forma de indicao dos representantes, que deixou de ser direta pelas prprias entidades e homologada pelo prprio Conselho e, passou a ser por nomeao do Prefeito Municipal. Dessa forma, a autonomia do COMAM foi reduzida, ficando sua atuao mais sujeita a articulaes prvias do executivo municipal. Sobre matria anloga, os trabalhos de Carneiro (2005) e Zhouri et al (2005), relativos s prticas de licenciamento ambiental no mbito do Estado de Minas Gerais, apresentam contundente questionamento do carter democrtico e participativo do Conselho Estadual de Poltica Ambiental COPAM associado sua progressiva oligarquizao, insuficincia de participao das populaes atingidas por impactos ambientais e concentrao de atribuies e poder por parte do executivo.

    Questes semelhantes, envolvendo as transformaes da composio do COMAM e seus reflexos em termos da legitimidade de suas deliberaes, so frequentemente associadas ao evidente desequilbrio numrico entre as representaes de setores tcnico-profissionais e empresariais, de um lado, e associaes de bairro,

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    movimentos sociais e ambientalistas de outro, em favor dos primeiros. Observa-se tambm que h pouca renovao no Conselho, com grande rotatividade de seus membros por diferentes entidades, sob a mesma categoria genrica de sociedade civil10. Contribui tambm para os questionamentos sobre a representatividade do COMAM, a crescente presena do poder executivo municipal, ocupando inclusive assentos originalmente reservados sociedade civil atravs de fundaes municipais de meio ambiente.

    Anlise Geral dos Empreendimentos Licenciados

    A anlise de dados empricos relativos ao perodo de vigncia do licenciamento ambiental em Belo Horizonte (1997-2007), sintetizada a seguir, buscou captar as principais caractersticas dos 479 empreendimentos submetidos apreciao do COMAM. Foram excludos da anlise atividades e empreendimentos licenciados por procedimentos administrativos simplificados no mbito das gerncias e cmaras tcnicas, portanto, no submetidos ao COMAM. Alm dos empreendimentos de impacto, integram tambm o universo pesquisado, os programas e projetos urbansticos setoriais, os projetos de parcelamento e autorizaes para interveno em reas de interesse ambiental, e os projetos que tm que ser submetidos a licenciamento atravs do COMAM.

    Esse conjunto de empreendimentos foi analisado segundo o tipo de uso ou atividade, o pblico alvo segundo renda (no caso de empreendimento residencial), o porte, o potencial poluente (no caso do uso industrial), a natureza e a abrangncia dos impactos, buscando relacion-los com a lgica da estruturao do espao urbano municipal e metropolitano.

    A Tabela 1 mostra a frequncia dos empreendimentos submetidos a licenciamento ambiental no perodo estudado.

    10

    Um mesmo conselheiro permanece, por exempli, por sucessivas gestes, representando, ora entidade tcnico-profissional, ora o setor acadmico ou a assessoria tcnica a movimentos sociais.

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    Tabela 1 Empreendimentos submetidos a licenciamento ambiental no COMAM (1997-2007)

    Fonte: Secretria Municipal Adjunta de Meio Ambiente de Belo Horizonte, 2007; ARAJO, 2009.

    No que se refere ao tipo de uso, a maioria dos empreendimentos pertence ao setor de comrcio e servios, perfazendo cerca de 43% dos processos, seguidos daqueles residenciais que representam 20% do total, confirmando a natureza da base econmica do Municpio de Belo Horizonte com sua maior representao no setor tercirio e importante atividade imobiliria no segmento residencial, com destaque para empreendimentos voltados para as populaes de alta e mdia renda (mais de 73% dos empreendimentos residenciais). Em seguida, representando cerca de 16%, destacam-se as obras de infraestrutura urbana, seguidas dos empreendimentos industriais com igual distribuio de frequncia entre aqueles no poluentes e potencialmente poluentes. Com relao a essa categoria de uso, vale lembrar que apenas empreendimentos industriais de grande porte (com rea construda superior a 1.200 m2) so licenciados pelo Conselho. Considerando que potencial poluente no tem relao direta com o porte do estabelecimento, os dados disponveis mascaram, em alguma medida, a anlise no que se refere atividade industrial.

    A atividade minerria, embora significativa na Regio Metropolitana, pouco expressiva no Municpio, o que refletido no pequeno nmero de empreendimentos

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    desse setor submetidos ao licenciamento (2), representando apenas 0,4% do total. Tambm com menos de 1% do total dos processos, figuram as licenas para realizao de eventos de impacto (0,8%), lembrando que essa categoria de uso deixou de ser licenciada a partir de 2002. Os demais processos, agrupados na categoria outros, referem-se principalmente a autorizao para supresso de cobertura vegetal, intervenes em reas de interesse ambiental e recuperao de reas degradadas (5,6%).

    A distribuio espacial dos empreendimentos licenciados pelo COMAM por tipo de uso ilustrada pela Figura 2, revela forte relao com a organizao do espao intraurbano segundo a lgica excludente de estruturao do espao metropolitano e da atuao do mercado imobilirio, com maiores investimentos concentrados nas regies centrais e pericentrais com destaque para regio Centro Sul, com empreendimentos de comrcio e servios ao longo das principais vias arteriais, indstrias poluentes e empreendimentos residenciais de interesse social em reas mais perifricas.

    A crescente especializao da base econmica municipal em atividades de comrcio e servios e o esgotamento de reas livres para expanso urbana dentro do territrio municipal foi evidenciada pela progressiva migrao de atividades industriais poluentes e de outros usos indesejveis de Belo Horizonte para municpios vizinhos na Regio Metropolitana, como clara manifestao de um ciclo vicioso de injustia socioambiental (ACSELRAD, 2003), j que muitos desses municpios concentram parcelas significativas dos segmentos de baixa renda que para l se dirigiram a partir dos conhecidos processos de produo da precariedade socioambiental das periferias metropolitanas. Tambm contribuem para essa migrao a fragilidade polticoinstitucional de governos locais perifricos que adotam polticas permissivas para atrao de atividades econmicas para seus municpios, mesmo que para isso tenham que arcar com elevados custos ambientais. O acirramento das presses pela flexibilizao das condies de uso de reas de proteo ambiental ficou evidente pelo significativo nmero de autorizaes para intervenes em reas de diretrizes especiais ambientais (ADE ambiental cf. tabela 1), enquanto bairros de alta renda permanecem protegidos da localizao de empreendimentos impactantes.

    A distribuio espacial dos empreendimentos licenciados por porte, tipo de uso, potencial poluente e pblico alvo confirmam essas observaes, mostrando que o licenciamento ambiental no altera e sim refora a ordem mercadolgica de estruturao do espao urbano. A lgica de mercado na distribuio espacial dos usos transparece

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    tambm na legislao urbanstica quando ela atribui maiores coeficientes de aproveitamento para reas mais bem dotadas de infraestrutura urbana, segundo princpios j mencionados de capacidade de suporte que tendem a reproduzir essas relaes. Nesse sentido, investimentos pblicos na macro infraestrutura urbana, so fortemente influenciados por interesses de mercado, contribuindo para a valorizao fundiria e imobiliria diferenciada dos espaos na cidade. Os investimentos pblicos em infraestrutura viria na direo norte, na chamada Linha Verde, constituem um exemplo recente de convergncia de interesses entre investimento pblico e capital imobilirio, aumentando a rentabilidade dos investimentos privados que se anunciam na regio e penalizando comunidades mais pobres e estratos sociais menos articulados com tais interesses dominantes. Os casos de remoes compulsrias e o aumento j detectado de preos de imveis na regio so importantes exemplos de injustia socioambiental e potenciais deflagradores de conflitos.

    Cabe observar que a classificao das Zonas de Proteo ZPs serve tambm manuteno de reas com ocupao exclusivamente residencial unifamiliar11, correspondentes a bairros predominantemente destinados a populao de alta renda, como Mangabeiras e Santa Lcia na zona sul e So Luiz e Bandeirantes na regio da Pampulha, dessa forma protegidos da instalao de empreendimentos de impacto. O esgotamento de reas de expanso urbana, no Municpio, e a proliferao da tipologia de condomnios fechados verticais12, a exemplo do processo de verticalizao ocorrido nos bairros Buritis e Belvedere III, tm resultado, entretanto, em presses para a flexibilizao do zoneamento naqueles bairros, em que predomina a ocupao residencial unifamiliar (ZP 1 e ZP 2), e para ocupao de reas protegidas por restries ambientais. Os recorrentes debates referentes em torno da ocupao do entorno da Lagoa da Pampulha ou polmica recente, envolvendo projetos imobilirios localizados na regio das cabeceiras do Crrego Acaba Mundo, no extremo sul do municpio de Belo Horizonte, exemplificam novas formas de conflitos socioambientais que se tornam visveis durante o processo de licenciamento ambiental.

    11

    Trata-se de terminologia usual na legislao urbanstica, para designar a ocupao de um lote por uma nica unidade familiar, em oposio a ocupao multifamiliar, que pressupe vrias unidades familiares no mesmo lote, a exemplo de edifcios de apartamentos. 12

    Condomnios fechados verticais so verses mais complexas de prdios de apartamentos, que incorporam reas de lazer, servios e equipamentos coletivos churrasqueiras, salas de ginstica, saunas, etc muitas vezes localizados em reas verdes e de preservao internas ao empreendimento. Trata-se de uma forma de apropriao privada e mercantil da natureza, que se materializa na forma de renda diferencial e agregando valor ao empreendimento (COSTA, 2006).

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    Como resultado, chama ateno o nmero significativo de projetos de conjuntos residenciais de grande porte, que so considerados pela legislao como empreendimentos de impacto, logo, passveis de licenciamento e objetos dessa anlise. Orientados para alta e mdia renda concentram-se em reas que vm sofrendo um processo de substituio de casas unifamiliares e edifcios de pequeno porte por torres residenciais, comerciais e de uso misto na Zona Central (bairros de Lourdes e Funcionrios) e de novas frentes de expanso e adensamento na Zona Sul e Regio Oeste (Belvedere, Santa Lcia e Buritis), e Zona Norte, na Regio da Pampulha (bairros Castelo e Aeroporto). Constitudos por condomnios fechados verticais, esses empreendimentos caracterizam-se por altas densidades e proviso de reas de lazer de uso comum com forte apelo s condies de segurana privada, e do que seguidamente denominado como qualidade de vida associada a algum atributo ambiental como parte integrante de sua estratgia comercial. Tais empreendimentos trazem para o interior dos espaos privados muitas das atividades que, na cidade convencional, so tpicas do espao pblico.

    J os empreendimentos residenciais de interesse social, sejam eles de iniciativa pblica ou privada, localizam-se todos em reas perifricas. Em contraposio tendncia observada nos empreendimentos residenciais privados, a prevalncia de tipologias de pequeno porte nos empreendimentos de interesse social traduz a poltica municipal de produo habitacional que tem privilegiado a implantao de pequenos conjuntos habitacionais em lotes j urbanizados. Segundo os parmetros legais, tendo em vista o porte e o nmero de unidades habitacionais, tais empreendimentos no so considerados pela legislao como de impacto6, prescindindo, portanto, de passarem por processo de licenciamento. interessante notar que os empreendimentos residenciais de interesse social atuais, a exemplo daqueles vinculados ao Programa Minha Casa, Minha Vida, apesar de serem usualmente de grande porte, usufruem de modalidades mais simplificadas de licenciamento, como previsto na legislao federal que instituiu o Programa. Trata-se de uma postura mais permissiva que facilita e agiliza a implantao dos empreendimentos, colocando-os para alm dos mecanismos de controle urbanstico e ambiental em vigor, com consequncias ainda por serem avaliadas.

    6 So considerados de impacto, empreendimentos com 150 ou mais unidades habitacionais e com rea

    igual ou superior a 6000m de rea construda. Tais parmetros viriam a se alterar em 2010, portanto fora do horizonte temporal de nossa anlise.

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    A categoria infraestrutura urbana mostra uma distribuio espacial um pouco mais equilibrada pelo conjunto das regies, ainda que com maior concentrao, na regio Centro Sul, e ausncia de empreendimentos nas pores perifricas das regies Norte e Nordeste e na poro sul da regio do Barreiro. So reas ainda desarticuladas do restante do territrio municipal, caracterizadas pela precariedade das redes de infraestrutura e concentrao de populao de baixa renda, alm da presena de zonas de preservao ambiental ZPAMs bem como as chamadas reas de Diretrizes Especiais ADEs Ambientais, a exemplo das bacias do Crrego Bonsucesso, na regio do Barreiro, e do Crrego Isidoro, no limite nordeste do municpio.

    A distribuio dos empreendimentos licenciados, segundo o porte, mostra maior concentrao dos empreendimentos de mdio e grande porte na Regio Centro Sul e ao longo do sistema virio arterial traduzindo a lgica da Lei de Uso e Ocupao do Solo do Municpio, que incentiva a localizao de empreendimentos de maior impacto maior capacidade operacional do sistema virio. O cruzamento das variveis porte e uso no revelou nenhuma caracterstica inesperada; 50% dos empreendimentos licenciados so de grande porte, seguidos daqueles classificados como de mdio (37%), e pequeno porte (13%).

    Ainda que no seja significativa a presena do uso industrial no municpio, atividade concentrada principalmente nos municpios de Betim e Contagem, na Regio Metropolitana, os dados apresentados no permitem uma anlise mais aprofundada sobre a distribuio de atividades industriais, eventualmente poluentes, uma vez que, por serem de pequeno porte, no so classificadas pela legislao como empreendimentos de impacto.

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    Figura 2: Empreendimentos submetidos a licenciamento ambiental pelo COMAM, por tipo de uso (1997-2007)

    Fonte: (ARAJO, 2009).

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    No que se refere natureza do empreendimento, 79% dos casos pesquisados so privados, 20% pblicos e apenas 1% resultaram de parcerias pblico-privadas. No que se refere distribuio espacial, observa-se uma maior concentrao dos empreendimentos privados nas regies de maior atuao do mercado imobilirio formal, a exemplo dos bairros da Regio Centro Sul; e uma maior disperso dos empreendimentos pblicos pelas diversas regies, com incidncias localizadas tambm em reas de ocupao informal, correspondentes a intervenes de saneamento e urbanizao de favelas, a exemplo de projetos em bacias de deteno nos Crregos Vilarinho e Jatob, e intervenes no Aglomerado da Serra. Os empreendimentos, em parceria, correspondem a obras e equipamentos de infraestrutura como terminais de transporte coletivo (e.g. Estao do BH-Bus Barreiro e Vilarinho) e melhorias virias. Essas ltimas constituem um caso interessante, pois surgem como medidas mitigadoras de impacto no trnsito oriundas de empreendimentos em licenciamento e terminam por serem, elas prprias, tambm objeto de licenciamento, como ocorreu no caso da construo da trincheira de retorno na BR-356, surgida como medida mitigadora da implantao do Hipermercado Extra s margens da rodovia.

    Quanto s modalidades de licenciamento ambiental, a maioria dos processos corresponde a licenciamentos corretivos (31,7%), seguidos dos simplificados (27,4%). Apenas 23,6% do total de empreendimentos foram submetidos a licenciamento integral, em trs etapas. Em dez anos, apenas 21 licenas foram indeferidas ou cassadas, sendo a maioria delas (14 ou 66,7%) correspondentes a Licenas de Operao LO, ltima fase do processo de licenciamento, no qual as medidas solicitadas tendem a ter carter corretivo e o empreendimento j se encontra implantado e, em alguns casos, em funcionamento. Esses dados confirmam o carter adaptativo do licenciamento ambiental que, atravs de medidas de controle, mitigao e compensao ambiental, contribuem mais para a adequao das atividades e sua modernizao ecolgica do que para a deliberao sobre sua viabilidade locacional e ambiental (HARVEY, 1996).

    A predominncia crescente da modalidade simplificada, por fora de sucessivas deliberaes, contribui para a frustrao do papel idealizado para o licenciamento ambiental, no que se refere avaliao prvia da viabilidade dos empreendimentos, e ao possvel condicionamento de sua concepo pela adoo de dispositivos de controle ambiental e inovaes tecnolgicas, funes essas previstas originalmente para a etapa de LP. Esse papel do licenciamento ambiental como instrumento de promoo da chamada modernizao ecolgica pouco relevante, tambm, pelo reduzido nmero de

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    empreendimentos submetidos a esse tipo de processo. Como se v, no perodo estudado, ou seja, ao longo de dez anos, apenas 479 empreendimentos foram submetidos apreciao do COMAM. A ttulo de comparao cabe ressaltar que o nmero de projetos urbansticos e arquitetnicos aprovados anualmente na Secretaria Municipal de Regulao Urbana gira em torno de 1000, mdia que vem crescendo nos ltimos anos em funo principalmente do aumento da atividade de construo civil no Municpio.

    Quanto aos eventos participativos vinculados aos processos de licenciamento, foram realizadas 137 reunies deliberativas do COMAM abertas ao pblico e 31 audincias pblicas, essas ltimas correspondendo a apenas 6,5% do total de processos de licenciamento. Considerando-se que no mesmo perodo de dez anos foram licenciados 98 empreendimentos pblicos, nem mesmo planos e obras de infraestrutura e urbanizao, cuja discusso , em tese, mais diretamente associada aos interesses das comunidades, foram sempre objeto de consulta popular. Ainda assim, o percentual de empreendimentos de iniciativa pblica submetidos a audincia pblica (12%) bem superior queles de iniciativa privada (5%).

    O carter pblico do licenciamento reconhecido como um de seus principais mritos, com diferentes conotaes e valores dados consulta pblica e participao. As entrevistas realizadas com agentes sociais, provenientes dos diversos segmentos que participam do processo de licenciamento, revelam uma percepo generalizada de que o processo de participao, da forma como tem ocorrido, claramente insuficiente.

    Apesar da realizao de audincias pblicas ser prevista em lei como resultado de solicitao de qualquer parte interessada, a maioria no foi convocada pelos representantes da sociedade civil, mas sim pelo poder executivo municipal. Entrevistas com agentes pblicos envolvidos com os processos de licenciamento apontam que o poder pblico tende a se antecipar e convocar audincia pblica em funo da percepo de conflitos de interesse detectados durante o processo de licenciamento. Tal atitude representa uma tentativa de controle da participao no momento da audincia14.

    Consideraes finais

    Constata-se, inicialmente, que a trajetria da regulao ambiental, relativa ao licenciamento de atividades potencialmente causadoras de impactos ambientais, parece

    14

    Ver Arajo (2009) para uma anlise detalhada das audincias pblicas de empreendimentos polmicos.

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    seguir a trajetria da regulao ambiental brasileira como identificada por Viola e Leis (1992), com valores e propostas que progressivamente se disseminam por estruturas governamentais, organizaes no governamentais, grupos comunitrios de base, comunidade cientfica e empresariado, traduzidos tanto nos instrumentos utilizados pelos processos de licenciamento como na composio dos rgos colegiados responsveis pela formulao das polticas ambientais e autorizao das licenas.

    Entretanto, segundo esses autores, a importncia discursiva da questo ambiental traduziu-se numa legislao comparativamente avanada, porm com comportamentos sociais e individuais muito aqum desse mesmo discurso. Fernandes (1992) argumenta na mesma direo, ao reconhecer a grande contradio existente entre o arcabouo legal existente no Brasil para a proteo do meio ambiente, considerado por ele adequado e satisfatrio, e a gravidade da situao de degradao ambiental no campo e nas cidades, associada s dificuldades para a incorporao da participao dos cidados na gesto do meio ambiente.

    Carneiro (2005) identifica defasagem semelhante entre, de um lado, o arcabouo legal e o modelo de gesto ambiental em vigor no Estado de Minas Gerais e, de outro, as prticas desastrosas nos processos de licenciamento ambiental e na atuao do COPAM. O autor analisa o caso da constituio da APA-Sul, na Regio Metropolitana de Belo Horizonte, dentre outros, para exemplificar como tais prticas se caracterizam por um alto grau de prevalncia de interesses corporativos e do poder executivo em detrimento de interesses de comunidades tradicionais atingidas por grandes empreendimentos, particularmente os minerrios, no caso em questo.

    Em nvel local, o caso de Belo Horizonte exemplar para ilustrar fenmeno semelhante de progressiva incorporao do discurso ambiental pela legislao urbanstica e a crescente evoluo da regulao ambiental na direo da municipalizao e da sofisticao dos procedimentos de controle ambiental, bem como da integrao desses com outros instrumentos de gesto urbanstica15.

    Do ponto de vista dos instrumentos de participao democrtica, a consolidao do COMAM como um frum aberto de discusso das questes ambientais da cidade, dentro dos limites da representao dos conselheiros16, denota avanos, ainda que

    15

    Sobre as inovaes introduzidas na concepo da legislao urbanstica de Belo Horizonte, ver Mol (2004) e Freitas (1996). 16

    Ver Arajo (2009), especialmente captulo 5, para uma avaliao crtica da representao dos conselheiros no COMAM. J Carneiro (2005) apresenta anlise semelhante para o COPAM no nvel estadual.

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    tmidos, no sentido da politizao desse debate, a partir da explicitao das formas diferenciadas de apropriao dos recursos naturais e distribuio dos nus da urbanizao.

    Por outro lado, a burocratizao do processo de licenciamento e sua progressiva subordinao ao controle do executivo municipal apontam para o papel ambguo do Estado que oscila entre a adoo de prticas participativas e frequentes tentativas de controle do processo. Observa-se tambm a prevalncia de solues adaptativas na direo da modernizao ecolgica, em detrimento do questionamento da implantao da prpria atividade. Em um nvel mais amplo, o processo de licenciamento no propicia o questionamento dos modelos de desenvolvimento urbano em vigor ou a busca de alternativas que atendam a uma maior diversidade de atores e demandas sociais.

    Em contrapartida, o licenciamento ambiental em nvel local vem se consolidando, no caso brasileiro, como uma tentativa de integrao da regulao ambiental, de forte tradio preservacionista, com a regulao urbanstica, de origem positivista17, que, tendo incorporado mais recentemente o iderio da reforma urbana, procura, em princpio, fundir os princpios de sustentabilidade, funo social da propriedade e gesto democrtica das cidades, tal como explicitado, por exemplo, no Estatuto da Cidade. Dessa forma, a regulao ambiental no espao urbano acaba por explicitar os conflitos e as contradies existentes entre essas duas vertentes de polticas pblicas oriundas de racionalidades distintas. A esse respeito, identifica-se, no caso estudado, uma clara manifestao da ambio conciliadora, e contraditria, dos objetivos de uma legislao urbanstica em grande medida moldada pelos interesses do mercado imobilirio, com os ideais de sustentabilidade ambiental ou de um determinado tipo de viso de poltica ambiental, ora apoiada na lgica da preservao, ora apoiada na lgica da valorizao econmica da natureza. A regulao urbanstica muitas vezes se apoia na metodologia do processo de licenciamento e no discurso ambiental para enquadrar os empreendimentos licenciados, sem, contudo, impedir sua aprovao, ratificando, portanto, os interesses dos capitais que os geraram. Por sua vez, a regulao ambiental, ao se prender a critrios que definem os empreendimentos passveis de

    17

    Ou seja, uma legislao que persegue objetivos de legitimao de uma determinada ordem urbanstica, que visava adequar a cidade aos imperativos do nascente capitalismo industrial e considerava a natureza como recurso a ser apropriado pela sociedade em nome de um progresso tcnico e instrumental. Para uma distino entre as origens diferenciadas da regulao urbanstica e da regulao ambiental, ver Costa (2008a).

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    licenciamento, bem como a conceituao de rea de influncia dos empreendimentos, dificilmente consegue avaliar seus impactos sobre a estrutura urbana de forma mais ampla.

    Contudo, os resultados dos processos de licenciamento estudados evidenciaram avanos no sentido da integrao de polticas setoriais e da explicitao de conflitos tanto pelo seu carter discricionrio quanto pela maior transparncia e flexibilidade dos mecanismos de participao previstos, em comparao ao ato administrativo estatutrio de concesso de alvars de construo e funcionamento de atividades (ARAJO, 2009). Ainda que o licenciamento ambiental, em Belo Horizonte, tenha impacto limitado em funo da reduzida proporo de empreendimentos submetidos a essa modalidade de aprovao no contexto geral de produo do ambiente construdo, e diante da significativa participao do mercado informal18, seus resultados mostram que ele exerce papel importante na consolidao do discurso ambiental hegemnico.

    Outra consequncia, evidenciada pela pesquisa emprica associada crescente sofisticao dos procedimentos de licenciamento ambiental, refere-se reputao a ele atribuda como um processo caro, mas, principalmente, demorado, penalizando tanto empreendedores quanto a mquina estatal com procedimentos burocrticos sofisticados e produo de muita informao que no , sequer, sistematizada. Essas razes, entre outras, explicam as tentativas observadas de fuga do enquadramento legal por parte de atividades que se deslocam para outros municpios menos rigorosos. Explicam ainda as constantes presses de agentes pblicos e privados no sentido da simplificao e flexibilizao dos procedimentos do licenciamento ambiental.

    Contudo, um dos principais mritos constatados na prtica de licenciamento ambiental refere-se busca de uma anlise integrada de diferentes impactos tanto do campo urbanstico como do campo ambiental no espao urbano. Nesse sentido, entende-se como retrocesso, as recentes modificaes introduzidas pela Lei Municipal 9952/2010, que instituiu a separao entre os dois processos de licenciamento: essa lei redefine os empreendimentos e as atividades que passam a ser submetidos de forma excludente ao licenciamento urbanstico, atravs de EIV, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e do Conselho Municipal de Poltica

    18

    Estudos realizados por ns no mbito dos Planos Diretores Regionais, em Belo Horizonte, estimam que cerca de 70% das edificaes construdas no municpio no passam inicialmente por qualquer processo de licenciamento ou aprovao formal. Estudos semelhantes feitos pelo Plambel, na dcada de 1970, estimavam que 67% das edificaes eram fruto da iniciativa do prprio usurio.

    Heloisa Soares de Moura Costa & Rogrio Palhares Zschaber de Arajo_______________________

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    Urbana COMPUR, e aqueles que devem ser submetidos ao licenciamento ambiental, que continua com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, atravs do COMAM.

    Entre avanos e retrocessos, o breve histrico da regulao ambiental no espao urbano evidencia o papel do Estado que ora age como conciliador de interesses, ora busca uma pretensa objetividade como quando define critrios objetivos de licenciamento das diversas atividades na cidade. Em ambos os casos, explicita ou busca atenuar, via processos participativos, a exemplo de audincias pblicas, os conflitos socioambientais desencadeados durante o processo de licenciamento. Embora no tenha sido objeto do presente artigo, a anlise mais ampla que lhe serve de referncia aponta para o papel central da sociedade civil, em sua relao com o Estado, como potencializadora de transformaes mais abrangentes no espao urbano, nas quais a regulao urbanstica e ambiental tem um importante papel a desempenhar (LASCHEFSKI; COSTA, 2008).

    A politizao do discurso e das prticas ambientais, ao explicitar as contradies e (im)possiblidades do agir democrtico como forma de promover mudana social e justia scioambiental, aponta para a necessidade de maior instrumentalizao do Estado, maior dilogo deste com a sociedade civil, no sentido da integrao de polticas pblicas e da ampliao das formas de participao popular nos processos de planejamento e gesto urbano-ambiental.

    Cadernos de Histria, Belo Horizonte, v.13, n. 19, 2 sem. 2012________________________________

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    Environmental regulation in urban space: the trajectory of environmental licensing in the city of Belo Horizonte

    Abstract The article discusses some contradictions and possibilities of environmental law as a regulatory urban activity mechanism. It analyses the environmental regulation process in force in Belo Horizonte during a period of ten years. Emphasis is given to the changes associated to definitions of environmental impact of urban activities and the conditions in which permits are given to them. Finally a spatial analysis is presented in order to discuss some relationships between the characteristics of the licensed activities and their location within urban space.

    Key words: Environmental regulation; Urban space; Public policy; Legislation; Environmental permit.

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    Recebido em julho de 2011. Aprovado em novembro de 2011.

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