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Trabalho acadêmicoTRANSCRIPT
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O USO DE UMA CONTROVRSIA SCIO-CEINTFICA EM ESCOLAS PBLICAS DO RIO DE JANEIRO
Ricardo de Oliveira Freitas
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Ensino de Cincias e Matemtica do Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da Fonseca CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre. ORIENTADOR: Prof. Marco Antnio Barbosa Braga, D. Sc.
Rio de Janeiro Junho de 2011
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O USO DE UMA CONTROVRSIA SCIO-CIENTFICA EM ESCOLAS PBLICAS DO RIO DE JANEIRO
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps graduao em Ensino de Cincias e Matemtica do Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da Fonseca CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Ensino de Cincias e Matemtica.
Ricardo de Oliveira Freitas
Aprovada por:
_________________________________________ Presidente, Marco Antnio Barbosa Braga, D.Sc.
_________________________________________ Professor, lvaro Chrispino, D.Sc.
__________________________________________ Professor, Jos Roberto da Rocha Bernardo, D.Sc. (UFF)
Rio de Janeiro Junho de 2011
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Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central do CEFET/RJ
F866 Freitas, Ricardo de Oliveira
O uso de uma controvrsia scio-cientfica em escolas pblicas do Rio de Janeiro / Ricardo de Oliveira Freitas.2011. vii, 120f. + Anexos : il. , tabs. ; enc. Dissertao (Mestrado) Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da Fonseca , 2011. Bibliografia : f.117 120 Inclui em anexo material didtico destinado aos professores. Orientador:Marco Antonio Barbosa Braga. 1.Escolas pblicas Rio de Janeiro Pesquisa 2.Cincia e sociedade I.Braga, Marco Antonio Barbosa (orient.) II.Ttulo. CDD 371.01
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Agradecimentos:
Agradeo a trs pessoas que colaboraram decisivamente para que este trabalho se realizasse. Primeiramente minha grande amiga Rejane que, por meio de nossas conversas sobre educao ao longo destes anos, me fez rever meu papel como educador. Agradeo tambm minha amiga Daniele, pelo seu inestimvel apoio dado ao longo destes anos, e por ltimo, mas no menos importante, ao meu orientador Marcos Braga, pelos seus importantes conselhos e orientaes que recebi ao longo do perodo em que fui seu orientando.
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RESUMO
O USO DE UMA CONTROVRSIA SCIO-CIENTFICA EM ESCOLAS PBLICAS DO RIO DE JANEIRO
Ricardo de Oliveira Freitas
Orientador: Marco Antnio Barbosa Braga, D. Sc
Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps graduao em Ensino de Cincias e Matemtica do Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da Fonseca CEFET/RJ como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de mestre.
A partir de intervenes em quatro escolas, procurou-se investigar quais seriam
as dificuldades e obstculos para a implantao de uma controvrsia scio-cientfica em uma escola e quais seriam as diferenas de aprendizado entre escolas vespertinas e escolas noturnas. Como metodologia de pesquisa, optou-se pela pesquisa-ao participante onde, a partir da reflexo sobre a atividade realizada em 2009, adotaram-se mudanas na prtica ocorrida em 2010. Essas prticas constituram-se no desenvolvimento de uma controvrsia scio-cientfica aplicada nas quatro escolas. Os instrumentos utilizados para a obteno de dados foram registros escritos na forma de dirio, exerccios realizados pelos alunos e gravaes em udio dos debates. Tais dados foram analisados sob a perspectiva do desenvolvimento ou no das competncias esperadas para a atividade. Os resultados obtidos indicam, nas concepes dos professores e demais atores da escola, grandes dificuldades e obstculos que precisam ser superados para que um currculo CTS se torne uma realidade nas escolas. Em relao aos alunos, os resultados mostram que a desmotivao dos mesmos o maior obstculo a ser enfrentado nas turmas noturnas, uma desmotivao que, quando no leva os alunos evaso, os impede de participar de atividades verdadeiramente emancipadoras.
Palavras-chave: Abordagem CTS, Controvrsia scio-cientfica, Dificuldades e obstculos.
Rio de Janeiro Junho de 2011
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ABSTRACT THE USE OF SOCIO-SCIENTIFIC CONTROVERSY IN PUBLIC SCHOOLS OF RIO
DE JANEIRO
Ricardo de Oliveira Freitas Advisor: Marco Antnio Barbosa Braga, D.Sc.
Abstract of dissertation submitted to Programa de Ps-graduao em Ensino de Cincias e Matemtica Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da Fonseca CEFET/RJ as partial fulfillment of the requirements for the degree of master.
Through four interventions in schools, we investigated the difficulties and
obstacles for the implementation of a socio scientific controversy in a school and the differences in learning between afternoon and evening schools. As a research methodology, participatory action research was chosen, where changes have been implemented in 2010 due to the reflection on the activity that took place in 2009. These practices constituted the development of a socio-scientific controversy applied to four schools. The instruments used for obtaining data records were registered in a log, in exercises performed by students and in audio recordings of discussions. Such data were analyzed from the perspective of the development of expected skills in the activity. The results indicate great difficulties and obstacles in the conceptions of teachers and other school participants that need to be overcome for a STS curriculum to become a reality in schools among students. The results also show that students' demotivation is the biggest obstacle to be confronted in night classes. Such demotivation leads students to leave school or prevents their participating in truly emancipatory activities.
Keywords:
STS approach, Socio-scientific controversies, Difficulties and obstacles
Rio de Janeiro
June 2011
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Sumrio I - Introduo.................................................................................................................................. 1
I.1 - Contextualizando a pesquisa e as caractersticas do ensino noturno................................ 2 II - Origem do movimento cincia, tecnologia e sociedade(CTS)............................................ 4
II.1 A viso tradicional de cincia e tecnologia........................................................................... 4 II.2 O embrio e o desenvolvimento da viso tradicional........................................................... 5 II.3 A cincia e a tecnologia vistas por outras perspectivas....................................................... 7 II.4 O movimento CTS................................................................................................................ 11
III - O ensino sob uma perspectiva CTS...................................................................................... 13 III.1 Evoluo do ensino de cincias.......................................................................................... 13 III.2 Crticas a um ensino CTS.................................................................................................... 15
III.2.1 A alfabetizao cientfica para o exerccio da cidadania............................................. 15 III.2.2 Alfabetizao cientfica ou preparao de futuros cientistas....................................... 18
IV - Recursos e estratgias para a aplicao de um ensino CTS............................................. 20 IV.1 Aplicando um ensino CTS em uma escola ou sistema de ensino...................................... 20
IV.1.1 O Processo de Deliberao e a Poltica Curricular..................................................... 21 IV.1.2 O Processo de Pesquisa e Desenvolvimento e o Material Didtico........................... 22 IV.1.3 O Processo de Implantao e a Aceitao dos Professores...................................... 24 IV.1.4 O Processo de Ensino e a Aprendizagem dos Estudantes........................................ 25
IV.2 Os contedos CTS.............................................................................................................. 26 IV.3 Recursos didticos de um ensino CTS............................................................................... 30
IV.3.1 Controvrsias scio-cientficas e jogos educativos..................................................... 30 IV.3.2 Teatro.......................................................................................................................... 32 IV.3.3 Jogos pedaggicos..................................................................................................... 33
V - O projeto................................................................................................................................... 36 V.1 As escolas............................................................................................................................ 36 V.2 Os atores sociais.................................................................................................................. 38 V.3 Do multidisciplinar ao transdisciplinar ................................................................................. 39 V.4 Os contedos, competncias e habilidades a serem trabalhadas....................................... 40 V.5 A avaliao da controvrsia e do debate ............................................................................ 45
VI - Problemas que comprometem a realizao de uma controvrsia..................................... 46 VI.1 O transdisciplinar em uma disciplina................................................................................... 47 VI.2 O tamanho das turmas e a demanda de tempo.................................................................. 52 VI.3 O debate............................................................................................................................. 53
VII - Resultados............................................................................................................................. 57 VII.1 A redao........................................................................................................................... 57
VII.1.1 A metodologia da pesquisa ....................................................................................... 58 VII.1.2 Coleta de dados e anlise.......................................................................................... 60
VII.2 As comunicaes............................................................................................................... 63 VII.3 O debate ........................................................................................................................... 79 VII.3.1 Turma 1001................................................................................................................. 80 VII.3.2 Turma 1008................................................................................................................. 87 VII.3.3 Turma 1009................................................................................................................. 89 VII.3.4 Turma 2008................................................................................................................. 93 VII.3.5 Turma 3005................................................................................................................. 98 VII.4 As competncias desenvolvidas ao longo da atividade..................................................... 103
VIII - Concluso ............................................................................................................................. 110 VIII.1 Quais foram as dificuldades e obstculos encontrados?.................................................. 110 VIII.2 A atividade promoveu as mudanas esperadas?............................................................. 111 VIII.2.1 As mudanas provocadas pela controvrsia.............................................................. 112 VIII.2.2 As competncias desenvolvidas ao longo da atividade.............................................. 115 VIII.3 possvel aplicar uma controvrsia somente em uma disciplina?................................... 117 Referncia bibliogrfica................................................................................................................ 119 Apndice I...................................................................................................................................... 121 Apndice II..................................................................................................................................... 174
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Captulo I - Introduo
Quais so as dificuldades para introduzir uma controvrsia scio-cientfica em uma
escola pblica? Os alunos do turno noturno conseguiriam desenvolver as competncias
esperadas? Foram estas duas perguntas que me motivaram a realizar esta pesquisa, cujas
caractersticas, relatos de desenvolvimento e resultados sero apresentados nos captulos a
seguir. J a motivao para introduzir uma controvrsia em sala de aula veio em resposta a
outra pergunta: por que estudar Fsica?
Esta uma pergunta que a maioria dos alunos decerto se faz ao estudar a matria, e
cuja resposta frequentemente no encontram. Quando a encontram, no a compreendem e
quando a compreendem, no a aceitam. Eles tm dificuldades para encontrar tal resposta
porque raramente percebem significado na Fsica que estudam na escola. Os professores
afirmam que a Fsica ajuda a compreender os fenmenos naturais e, assim, a entender o
mundo em que vivem. Mas aquilo que se estuda na escola no natural: so tantas situaes
idealizadas (o plano sem atrito, o ar no oferece resistncia, a resistncia do fio nula etc) que
no podem ser aplicadas ao mundo em que os alunos vivem. Quando ento compreendem,
falsamente1, que a Fsica escolar trata de situaes ideais por se tratar de um primeiro
contato com conceitos que seriam posteriormente aprofundados em cursos superiores ou
tcnicos, visando capacitar o futuro profissional a lidar com fenmenos e problemas reais ,
no a aceitam por no desejarem seguir carreiras tcnicas ou ingressar em cursos das cincias
da natureza e afins.
Os constantes fracassos no processo de ensino-aprendizagem que eu havia
experimentado ao longo dos anos e esta intricada relao de causa e efeito que provoca o
desestmulo aos alunos levaram-me a ingressar na ps-graduao. Eu desejava, alm do
natural aperfeioamento profissional, obtido ao longo do curso, ser capaz de elaborar uma
resposta mais convincente a um tipo especial de aluno: o aluno de terceira idade que
normalmente estuda nos cursos noturnos.
A resposta a esta pergunta passa pelo exerccio pleno da cidadania, e para isto
necessrio que os alunos recebam uma alfabetizao cientfico-tecnolgica e uma formao
cidad, estando estes aspectos presentes nos estudos de cincia, tecnologia e sociedade
(CTS). Antes de prosseguir sobre o objetivo desta pesquisa, cabe explicitar o que compreendo
como formao cidad, alfabetizao cientfica e alfabetizao cientfico-tecnolgica: termos
1 falsa porque uma viso extremamente limitada da Fsica escolar, vista pelos alunos somente como um tipo de preparatrio para cursos tcnicos ou faculdades, e no como uma importante cincia que visa contribuir na compreenso dos fenmenos da natureza, capacitando-nos a compreender o entorno em que vivemos, para que a partir da possamos mud-lo de forma responsvel.
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fortemente relacionados, mas que viraram rtulos para designar um amplo conjunto de
significados.
Pedindo perdo a Galileu e seguindo as ideias de Chassot (2003), afirmo que a cincia
a linguagem da natureza, permitindo ao ser humano buscar compreender o mundo natural e
o ambiente que o cerca. Porm, sendo a cincia um construto humano, ela mutvel e falvel,
consistindo de um conjunto de conhecimentos que facilitam ao homem fazer uma leitura do
mundo em que vive, leitura esta desprovida de certezas. Uma pessoa cientificamente
alfabetizada vai alm da capacidade de compreender o mundo em que vive, sentindo a
necessidade de transform-lo.
Para ser capaz de transformar a sociedade em que vive, um cidado precisa possuir
uma viso ampliada da cincia e da tecnologia. Como exposto no pargrafo anterior, a cincia
constitui-se de uma construo humana e portanto suscetvel a falhas, mitos e equvocos. E
um cidado cientfico-tecnologicamente alfabetizado compreende e supera estes mitos.
(AULLER, 2001)
Um cidado moderno ter de escolher sobre questes que exijam um manejo muito
profundo de informao e conhecimentos. Assim, por exemplo, excluir ou incluir socialmente,
proteger ou no proteger o meio ambiente, manipular ou no manipular o capital gentico das
novas geraes, so algumas das opes sobre as quais ele ter de se posicionar. Neste
sentido, poderamos sustentar que a alfabetizao cientfico-tecnolgica parte essencial da
formao cidad e componente imprescindvel para o exerccio da cidadania.
I.1 - Contextualizando a pesquisa e as caractersticas do ensino noturno.
Uma vez compreendida as possibilidades que um ensino a partir de uma abordagem
CTS oferece, cujos referenciais tericos encontram-se nos dois primeiros captulos, busquei
aplicar estas premissas durante minhas aulas, observando e registrando em formas de
anotaes e gravaes em udio as mudanas que elas estariam provocando nas turmas,
principalmente nas noturnas, sendo estes o principal foco da minha pesquisa. As questes que
nortearam a pesquisa foram:
Quais sero as dificuldades e obstculos para a implantao de uma controvrsia
scio-cientfica em uma escola pblica?
Conseguiriam os alunos do turno noturno desenvolver as competncias esperadas?
A controvrsia ter bons resultados sendo aplicada em somente uma disciplina, seja
ela do currculo regular da escola ou uma disciplina voltada para o desenvolvimento
de projetos?
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A terceira questo foi includa devido a uma mudana ocorrida durante a execuo do
projeto nas escolas. Ele fora inicialmente planejado como um projeto multidisciplinar mas como
isto no ocorreu em nenhuma das escolas, levou-me terceira questo da pesquisa.
Para responder tais questes, partiu-se de uma experincia concreta, desenvolvendo
uma prtica efetiva em sala de aula em quatro escolas diferentes, totalizando vinte e trs
turmas ao longo de dois anos. Durante a investigao, os instrumentos utilizados para
obteno de dados foram: registros escritos sob a forma de dirios, trabalhos realizados pelos
alunos, e udio dos debates ocorridos nas turmas.
Devido ao fato de muitos alunos trabalharem durante o dia, muitos relatam dificuldades
em conseguir tempo para estudar, principalmente as mulheres que, alm de cumprirem
jornadas de trabalho de oito horas, ainda precisam cuidar da casa. No so raras as
declaraes de alunos afirmando que no possuem sequer tempo de estudar nos finais de
semana. Logo, havia uma preocupao genuna de como estes alunos lidariam com as tarefas
relativas controvrsia, j que muitas destas atividades eram extraescolares. Como a
controvrsia tambm foi aplicada em turmas vespertinas, foi possvel comparar o
desenvolvimento das atividades em ambos os turnos.
Quando se fala em ensino noturno, preciso diferenciar o ensino na modalidade regular
e a modalidade jovens e adultos. O ensino regular noturno se assemelha ao ensino diurno com
uma diferena importante, expressa na prpria LDB, de que ele deve se adequar ao educando.
Fora esta diferena, o ensino noturno regular tambm tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao
para o trabalho. J a educao de jovens e adultos se caracteriza por fornecer condies de
retorno aos estudos queles que por diferentes motivos abandonaram a escola no passado.
Embora ambos tenham os mesmos objetivos, necessitam de diferentes metodologias
para se realizarem; entretanto, o que se percebe com frequncia nas escolas uma confuso
entre as duas modalidades, de forma que muito comum encontrar alunos com mais de 25
anos matriculados em turmas noturnas de modalidade regular. Isto traz enormes dificuldades
para os professores que trabalham nestas turmas, pois h uma sria possibilidade de haver um
conflito oculto entre os interesses dos estudantes mais jovens com os estudantes mais idosos.
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Captulo II - Origem do movimento Cincia, Tecnologia e Sociedade (CTS)
II.1 A viso tradicional de cincia e tecnologia
A cincia e a tecnologia esto to inseridas no cotidiano de nossas sociedades que a
maioria de ns aceita ser inconcebvel viver dignamente sem os benefcios e maravilhas que
elas nos oferecem. Ambas conseguem nos pasmar e nos dar esperana com extrema
facilidade, e nas pesquisas mdicas que reside a esperana para milhares de pessoas que
sofrem de diferentes males. Um simples aparelho, no muito maior que nossa mo, consegue
estabelecer comunicao com uma pessoa que est no lado extremo do planeta. Avies
conseguem atualmente percorrer em horas percursos que no sculo passado levavam meses.
Todo esse progresso tecnolgico e cientfico faz com que muitas pessoas tenham uma viso
extremamente positiva a respeito de cincia e tecnologia e como ela se relaciona com a
sociedade, uma relao que pode ser resumida pela seguinte equao:
+ Cincia + Tecnologia + Bem-estar social
(GONZLEZ GARCIA, LPES CEREZO e LUJN; 1996)
Quanto mais cincia uma sociedade tiver, maior ser seu desenvolvimento tecnolgico,
o que por consequncia melhorar as condies de vida das pessoas. Ningum discorda que
cincia e a tecnologia podem realmente melhorar qualidade de vida. Vivemos com mais sade
devido aos avanos da medicina: diversas mquinas domsticas permitem que as famlias
passem mais tempo juntas, os veculos e as telecomunicaes encurtaram as distncias.
Concorda-se facilmente com os benefcios que a cincia e a tecnologia trazem; o que menos
debatido so os problemas e prejuzos que as mesmas podem nos trazer.
Tais debates s comearam a surgir a partir da metade do sculo XX, quando graves
problemas ambientais despontaram; a sociedade comeou a questionar esta viso e as
relaes entre cincia, tecnologia e sociedade. Destes questionamentos e debates acabariam
surgindo os grupos de estudo CTS (cincia, tecnologia e sociedade), que buscam entender a
dimenso social da cincia e da tecnologia, onde elas no so mais vistas como um processo
ou atividade autnoma, mas sim como um processo ou produto onde as influncias sociais
exercem um papel importante no progresso cientfico e tecnolgico. Portanto, importante para
a sociedade que ela participe de discusses a respeito de assuntos que envolvam cincia e
tecnologia, no deixando esta responsabilidade a cargo apenas de tecnlogos. No tardaria
muito ento para que as propostas de ensino baseadas em CTS comeassem a surgir, visando
desenvolver habilidades e competncias nos futuros cidados para que eles pudessem
participar de forma plena destas discusses.
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Neste captulo nos focaremos mais no surgimento do movimento CTS, e comearemos
apresentando o surgimento e desenvolvimento da viso tradicional de cincia e tecnologia.
II.2 O embrio e o desenvolvimento da viso tradicional.
Apesar do conhecimento sempre ter sido importante para o homo sapiens, na Idade
Moderna que a cincia e a tecnologia tero uma posio privilegiada na produo de
conhecimento. Ser com as Revolues Cientfica e Industrial que as relaes entre cincia,
homem e tecnologia sofrero importantes mudanas.
Com a Revoluo Cientfica, o campo epistemolgico passa da f para a razo; o
sucesso das leis de Newton criou nos cientistas e filsofos uma euforia pouco vista na histria
da humanidade. O mecanicismo se tornou a doutrina fundamental da cincia, sendo possvel
explicar o mundo conhecido em termos de partculas e fluidos em movimento. Esta euforia
marcaria tambm os primeiros momentos do Iluminismo, com as tentativas de aplicar o modelo
de estudos dos fenmenos fsicos aos fenmenos humanos e culturais. E, mesmo com o
fracasso destas tentativas e a constante reviso pela quais as teorias cientficas passaram e
ainda passam , a cincia ainda mantm uma posio privilegiada na produo de
conhecimento.
Por sua vez, o progresso tecnolgico vivenciado durante a Revoluo Industrial
provocou enormes mudanas sociais e culturais nas sociedades: as mquinas substituram as
ferramentas, veculos movidos a vapor encurtavam as distncias, e os avanos tecnolgicos
que surgiram a partir da Revoluo Industrial continuaram a causar enormes impactos na
sociedade, sendo cobiados por governos e empresrios.
Conforme as revolues cientfica e industrial ocorrem, as relaes entre cincia,
tecnologia e sociedade comeam a sofrer mudanas. No sculo XVII comeam a ser fundadas
as sociedades cientficas, onde as novas ideias eram debatidas e difundidas. Em 1603
fundada na Itlia a Accademia dei Lincei; em 1661 a Royal Society of London passa a
funcionar formalmente; em 1666 fundada na Frana a Acadmie Royal des Sciences,
financiada pela corte.
Se no incio as academias e sociedades atuavam mais como reunies informais de
amigos interessados em discutir novas ideias, no tardou para que elas ganhassem
importncia social e poltica e passassem a dinamizar suas tarefas, tornando-se importantes
centros de produo e difuso de conhecimento. No demoraria muito para que os polticos
enxergassem nas sociedades e academias cientficas possibilidades reais para o incremento
da indstria, das navegaes e das tcnicas militares e para que o progresso cientfico e
tecnolgico se tornassem polticas de Estado (BRAGA, GUERRA, REIS, 2004).
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Nos sculos seguintes, o desenvolvimento cientfico e a tecnolgico continuaria. Em
meados do sculo XIX, a busca e apropriao sistemtica e bem sucedida de conhecimentos
cientficos para a produo de tecnologias passou a ocorrer em larga escala, fazendo com que
o conhecimento cientfico deixasse de ser um bem puramente cultural para se tornar um dos
principais insumos para o desenvolvimento das naes.
Nas primeiras dcadas do sculo XX surge o Crculo de Viena, um grupo formado por
filsofos e cientistas que buscavam dar s cincias uma base de fundamentao verdadeira.
a partir do pensamento do Crculo de Viena que surge o positivismo lgico, uma doutrina
cientfica que acabaria originando a viso tradicional da cincia. Essa viso era caracterizada
por algumas premissas:
Por meio do mtodo indutivo seria possvel obter teorias cientficas verdadeiras e
leis universais;
A cincia se desenvolve pela acumulao de conhecimento;
A cincia se desenvolve mediante a aplicao do mtodo experimental-matemtico;
O nico conhecimento verdadeiro o produzido pela cincia;
Todo conhecimento de natureza metafsica deve ser rejeitado;
A atividade cientfica uma atividade absolutamente neutra e autnoma, sem
receber nenhuma influncia poltica, social, ou de qualquer outra natureza do mundo
externo.
Ao longo do sculo XX, refora-se uma viso triunfalista a respeito da cincia e da
tecnologia e suas relaes com a sociedade, e nesta viso a maior contribuio que a cincia
concede sociedade ocorre quando a cincia se dedica exclusivamente a buscar a verdade,
mantendo-se afastada de qualquer valor social. Para que a tecnologia possa atuar como
transmissora das melhorias sociais, fundamental que sua autonomia seja respeitada.
Questes envolvendo tecnologia deveriam ser discutidas e solucionadas por tcnicos e
engenheiros. (BAZZO, LINSINGEN, PEREIRA, 2003)
Esta viso a respeito de cincia e tecnologia influenciaria as polticas e medidas sociais
focadas no progresso cientfico e tecnolgico, como podemos ver pelo relatrio Science: the
endless frontier (Cincia: a fronteira inalcanvel), escrito em 1945 por Vanne Var Bush,
diretor da Agncia para a Pesquisa Cientfica e o Desenvolvimento, em resposta a quatro
perguntas feitas a ele pelo ento presidente americano Franklin Roosevelt.
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1- O que pode ser feito, de acordo com a segurana militar e com a aprovao prvia das autoridades militares, para tornar conhecidas ao mundo, o mais cedo possvel, as contribuies ao conhecimento cientfico que foram feitas durante nosso esforo de guerra?
2- Com referncia particular guerra da cincia contra a doena, o que pode ser feito agora para organizar um programa de continuao futura do trabalho feito na medicina e cincias relacionadas?
3- O que pode o Governo fazer agora e no futuro para ajudar atividades de pesquisa de organizaes pblicas e privadas?
4- Pode um programa efetivo ser proposto para descobrir e desenvolver o talento cientfico na juventude americana de forma que o futuro continuado da pesquisa cientfica neste pas possa ser assegurado em um nvel comparvel ao que foi executado durante a guerra?(BUSH, 1945, traduo livre)
Este relatrio reforava a ideia de que o bem-estar social dependeria do financiamento
da cincia bsica e do desenvolvimento autnomo da tecnologia. Seguindo estas
recomendaes o crescimento econmico e social surgiriam por consequncia O relatrio
apresenta tambm uma distino entre pesquisa bsica, desenvolvida em um momento
anterior em universidades e institutos de pesquisa, e a pesquisa aplicada desenvolvida a partir
da pesquisa bsica e dentro das empresas. O relatrio influenciaria fortemente as futuras
polticas pblicas a respeito de tecnologia e cincia nos Estados Unidos, sendo fundada em
1950 a National Science Fundation (Fundao Nacional da Cincia).
O relatrio se baseava em trs conceitos centrais que se tornariam dogmas e que
permaneceriam como verdadeiros durante anos:
1) a (verdadeira) cincia se afirma por seus prprios mritos, e sua motivao primeira
deve ser a produo do conhecimento;
2) a pesquisa pura ou bsica de qualidade cria condies para o desenvolvimento da
pesquisa aplicada e esta, por sua vez, conduz ao desenvolvimento tecnolgico e inovao,
em um processo linear e sequencial;
3) somente os pases fortes em pesquisa bsica sero capazes de desenvolver os
processos tecnolgicos necessrios ao desenvolvimento econmico.
II.3 - A cincia e tecnologia vistas por outras perspectivas
Os pases que seguiram as recomendaes do relatrio visavam manter sua
superioridade cientfica e tecnolgica em um mundo em plena Guerra Fria. Era fundamental
manter esta superioridade ante seus adversrios ideolgicos; porm, esta superioridade durou
pouco.
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Em outubro de 1957, a Unio Sovitica lanava ao espao o Sputnik I, o primeiro
satlite artificial a navegar pelo espao assim, os Estados Unidos e a Europa tinham ficado
para trs na corrida espacial. Alguns anos depois, as indstrias automobilsticas e fotogrficas
do Japo dominariam o mercado, superando as indstrias americanas e europias.
Mudanas ento comearam a ser demandadas comunidade cientfica americana.
Um dos problemas identificados se referia formao cientfica que os americanos recebiam
na educao bsica. Na tentativa de reverter esta situao, vrios projetos curriculares para o
ensino de cincias e matemtica foram propostos e adotados. Esses projetos buscavam
aproximar a cincia real da cincia escolar.
No bojo deste processo, a viso triunfalista da cincia e da tecnologia tambm
comearia a mudar.
Em fins da dcada de 1950, a sociedade comearia a questionar a viso tradicional da
cincia e suas relaes com a sociedade, preocupada com o rumo do desenvolvimento
cientfico e tecnolgico. Tais questionamentos se intensificam a partir de uma srie de
desastres e acontecimentos ocorridos durante este perodo, como resume o quadro 1:
1957 O reator nuclear de Windscale, na Inglaterra, sofre um grave acidente, criando uma nuvem radioativa que se desloca pela Europa Ocidental.
1961 A talidomida proibida na Europa depois de causar mais de 2500 defeitos de nascimento.
1963 Afunda o submarino nuclear USS Thresher, seguido pelo USS Scorpion (1968), bem como ao menos trs submarinos nucleares soviticos (1970, 1983, 1986).
1966 Cai um B-52 com quatro bombas de hidrognio perto de Palomares, Almera, contaminando uma grande rea com radioatividade.
1967 O petroleiro Torrey Canyon sofre um acidente e espalha uma grande quantidade de petrleo nas praias ao sul da Inglaterra.
Quadro II.1 Eventos ocorridos na segunda metade do sculo XX (adaptado de Bazzo,
von Linsingen, Pereira; 2003).
Ante tais acontecimentos, a sociedade comeou a reagir, seja por meio de iniciativa de
seus cidados ou de seus instrumentos polticos.
Em 1962, Rachel Carson lana Silent Spring (Primavera Silenciosa), que
impulsionou posteriormente a proibio de uso de DDT e outros pesticidas.
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Em 1970, foi fundada nos Estados Unidos a Environmental Protection Agency (EPA,
Agncia de Proteo Ambiental) com a finalidade de avaliar o impacto ambiental dos projetos
tecnolgicos sob responsabilidade do governo norte-americano.
Em 1971, um protesto contra testes nucleares feito por jornalistas e ecologistas
daria posteriormente origem ao Greenpeace.
Juntamente com a reao da sociedade, as polticas pblicas para o desenvolvimento
cientfico e tecnolgico dos pases comeam a revisadas. O poder dos cientistas deixaria de
ser autnomo e independente e passaria a ser definido e regulado pelo poder pblico.
Coincidentemente, tambm na segunda metade do sculo XX, o pensamento difundido pelo
Positivismo Lgico comea a ser discutido mais intensamente, surgindo diversos filsofos
contrrios a ele.
Karl Popper criticou o fundamento de que as teorias cientficas verdadeiras so obtidas
pelo mtodo indutivo, e o de que a validade destas teorias se comprovaria por meio de
experimentos. Popper argumenta que no h como comprovar a verdade de uma teoria
cientfica pela realizao de experimentos, pois bastaria que se apresentem resultados
diferentes para false-la, de forma que experincias no devem ser planejadas para comprovar
uma teoria, e sim para refut-la (SILVEIRA, 1996).
Thomas Kunn mostrou que o desenvolvimento cientfico no ocorre linearmente e nem
por acumulao de conhecimento, e sim por rupturas. Para Kuhn, um paradigma um conjunto
de leis e teorias que buscam explicar os fenmenos fsicos. O paradigma compartilhado pela
comunidade cientfica guia o trabalho dirio dos cientistas, que buscam aplic-lo a um leque
cada vez maior de fenmenos. Esse trabalho cotidiano foi denominado por Kuhn de cincia
normal. Em alguns momentos, surge uma anomalia: quando o paradigma no capaz de
explicar satisfatoriamente um problema. A partir da, diversos cientistas voltam sua ateno
para o problema. Se o problema no for solucionado, pode dar origem a uma crise no
paradigma, condio necessria para que outros paradigmas surjam e comecem a disputar
com o anterior a hegemonia na cincia. Estabelece-se uma disputa buscando-se adotar o
paradigma mais adequado. (KUHN, 1994)
Para Paul Feyerabend, outro crtico do Crculo de Viena, a cincia no se desenvolve
por meio de uma nica metodologia ou mtodo. Para ele, isso limitaria o desenvolvimento da
cincia. Os cientistas se valem de diferentes recursos para elaborar e promover suas ideias e
teorias cientficas. Feyerabend cita o exemplo de Galileu, que ao defender a teoria copernicana
frente teoria aristotlica para o movimento planetrio fez uso de adaptaes ad hoc,
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afastamento da evidncia contrria e privilegiamento da evidncia corroboradora, recursos
proibidos pelo mtodo. (REGNER, 1996)
Um exemplo pode ser encontrado no argumento da torre, que os aristotlicos
empregavam para refutar o movimento da Terra. Uma pedra solta do alto de uma torre executa
um movimento vertical at chegar a solo. Para os aristotlicos, a observao de tal fato refuta a
teoria copernicana, j que se a Terra se movesse a pedra deveria cair centenas de metros a
leste da torre. Para sustentar a teoria copernicana, Galileu parte da hiptese ad hoc de que
movimentos compartilhados no so perceptveis. (FEYERABEND, 1989)
Alm disso, Feyerabend argumenta que a cincia no deve possuir um status
privilegiado perante as outras concepes de mundo em um estado democrtico. Para ele, os
cidados deveriam ser expostos s diferentes concepes de mundo e terem liberdade de
adotar aquela que acharem mais apropriada, pois a cincia no possuiria uma metodologia
diferenciada, havendo entre a cincia e o mito uma similaridade de estruturas, processos de
elaborao e funes explicativas. (REGNER, 1996)
Em 1938, Robert K. Merton j havia mostrado que a atividade cientfica de fato recebe
influncia de fatores externos comunidade cientfica, que o Protestantismo exerceu uma forte
influncia na divulgao de trabalhos cientficos no sculo XVII, e que certas normas de
conduta puritanas favoreciam a produo cientfica. Quatro anos depois, Merton publicaria um
artigo intitulado "The Normative Structure of Science", onde esto as quatro normas que
favorecem a produo de "conhecimento certificado". (CUPANI, 1998)
Na dcada de 70, Barry Barnes (socilogo), David Bloor (filsofo da cincia) e Steven
Shapin (historiador) formam na Gr-Bretanha um grupo de pesquisa, a Escola de Edimburgo,
com o propsito de elaborar uma sociologia do conhecimento cientfico, sendo a cincia
apresentada como um processo social. a partir da formao deste grupo que se inicia a
pesquisa acadmica nos estudos CTS.
Uma das maiores contribuies da Escola de Edimburgo foi o estabelecimento do
Programa Forte, cuja finalidade era estabelecer os princpios de uma explicao sociolgica da
natureza e do conhecimento cientfico. Seriam quatro os princpios apresentados no Programa
Forte: causalidade, imparcialidade, simetria e reflexividade. (BAZZO, LINSINGEN, PEREIRA,
2003)
A sociologia do conhecimento proposta pela Escola de Edimburgo um dos possveis
caminhos para a investigao dos estudos sociais. Nos finais dos anos 70, alguns
investigadores argumentam que no necessrio sair da prpria cincia para explicar a
construo social de um fato cientfico estabelecido. Comea-se ento a estudar a prtica
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cientfica nos lugares onde ela realizada: os laboratrios. Destaca-se neste enfoque a obra
de Bruno Latour e Steve Woolgar: Vida de Laboratrio. Atravs do olhar antropolgico, eles
perceberam uma realidade social completamente distante da sua.
Latour e Woolgar destacam as atividades que os pesquisadores fazem, as interaes
existentes entre eles, os materiais que os circundam e os esforos que empregam na
construo de teorias, literatura e experimentos cientficos que, nesta abordagem, so
denominados fatos cientficos (no caso de serem legitimados) ou artefatos (caso no sejam
bem-sucedidos em determinados mbitos ou situaes). Compreender os movimentos e
orientaes da passagem de um artefato a um fato cientfico, explica a Cincia, e da so
retiradas caracterizaes pouco habituais do trabalho dos cientistas. (ZANON, ALMEIDA e
QUEIROZ, 2007).
II.4 - O movimento CTS
Vrios autores identificam que o movimento CTS se inicia na Europa e nos Estados
Unidos, tendo propsitos e objetivos diferentes, porm complementares. O quadro 2 sintetiza
as principais diferenas do movimento CTS em suas duas origens.
Diferena entre as duas tradies CTS
Tradio europeia Tradio americana
Origem acadmica Origem acadmica e administrativa
nfase nos fatores sociais
antecedentes
nfase nas consequncias sociais
Foco na cincia Foco na tecnologia
Carter terico e descritivo Carter prtico e valorativo
Marco explicativo: Cincias sociais Marco avaliativo: tica, educao
Quadro II.2 Comparativo entre as duas tradies CTS. (adaptado de BAZZO;
LINSINGEN; PEREIRA, 2003).
As diferenas entre as duas tradies podem ser explicada pelas primeiras
manifestaes e reaes do movimento CTS nos Estados Unidos e na Europa.
Nos Estados Unidos, o movimento se constituiu de uma resposta crescente
mobilizao social sobre os problemas relacionados com as polticas de inovao tecnolgica e
interveno ambiental. De acordo com Pinheiro, Silveira e Bazzo (2009), diferentes autores
Doroty Nelkin, Langdon Winner, D. Collingridge, S. Carpenter elaboram ensaios e propostas
prticas para uma regulao social das atividades cientficas e tecnolgicas, e a participao
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do pblico nas questes destas atividades foi uma das causas defendida pela tradio
americana.
J na Europa, o movimento se destacou mais pela contextualizao social dos estudos
da cincia, tendo sido criados vrios programas ou escolas (Programa Forte, o Programa
Emprico do Relativismo EPOR, Construo social da tecnologia SCOT) que buscaram
analisar o modo como a diversidade de fatores sociais influencia no desenvolvimento cientfico
e tecnolgico.
Segundo Gonzles Garca et al. (1996), esta diviso est superada e os estudos
acadmicos CTS tem se desenvolvido em trs grandes direes:
1 No campo da pesquisa os estudos CTS tm sido colocados como uma
alternativa reflexo acadmica tradicional sobre a cincia e a tecnologia, promovendo
uma nova viso no essencialista e socialmente contextualizada da atividade cientfica.
2 No campo das polticas pblicas, os estudos CTS tm defendido a regulao
social da cincia e da tecnologia, promovendo a criao de diversos mecanismos
democrticos que facilitem a abertura de processos de tomada de deciso em questes
concernentes a polticas cientfico-tecnolgicas.
3 No campo da educao, esta nova imagem da cincia e da tecnologia na
sociedade tem cristalizado a apario de programas e materiais CTS no ensino
secundrio e universitrio em diversos pases.
(BAZZO, LINSINGEN e PEREIRA, 2003)
Auller e Bazzo (2001), refletindo sobre a implantao do movimento CTS no Brasil,
apresentam algumas dificuldades e obstculos para que isto ocorra e a importncia do ensino
para minimiz-los.
O surgimento do movimento na Europa e nos Estados Unidos ocorreu em
pocas nas quais as condies materiais de suas sociedades estavam
razoavelmente satisfeitas: diferente da realidade brasileira, em que faltam as
condies mnimas de sobrevivncia para uma parcela significativa de nossa
populao.
A participao pblica brasileira em assuntos nacionais bastante dbil.
A relao entre a comunidade cientfica e o governo tem sido difcil. Autores
citam o exemplo do programa nuclear brasileiro: ao se optar por comprar um
reator de urnio enriquecido em 1969, causou-se a interrupo dos trabalhos de
investigao em Fsica Nuclear.
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A mudana na percepo em relao ao papel da C&T na vida das pessoas um dos
elementos centrais e motivador do movimento CTS e os autores citados apontam o ensino
como um dos elementos capazes de proporcionar esta mudana.
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Captulo III - O ensino sob uma perspectiva CTS
Apesar desta necessidade, propor um ensino de cincias sob uma perspectiva CTS no
ser uma tarefa fcil no Brasil, como no tem sido fcil em vrios outros pases: muitos
professores de cincias e formuladores de currculo apresentam crticas e resistncia ao
modelo proposto, acreditando que ele no adequado aos alunos, seja por oferecer um ensino
de cincias simplificado ou por no concordarem com algumas das premissas do movimento
CTS.
Muitas destas resistncias e crticas se originam em vises de ensino de cincia que
surgiram nas dcadas passadas, sendo assim influenciadas pela ideologia corrente da poca.
Estas vises se enrazam na mente dos professores e mud-las no uma tarefa fcil,
Aikenhead (1997) argumenta que o conhecimento profissional dos professores precisa passar
por uma mudana kuhnniana de paradigma. Ele compara tais vises s mudanas de
paradigmas que ocorreriam na cincia de acordo com a teoria de Thomas Kuhn (1994), e
essas mudanas so difceis, requerendo mais do que argumentos racionais e simples
programas educacionais. Compreender as propostas de ensino de cincia do passado
fundamental para entender as concepes criadas pelos professores e formuladores de
currculo, para assim tentar mud-las.
III.1 Evoluo do ensino de cincias
O currculo planejado pelos documentos oficiais reflete as mudanas ocorridas na
sociedade ao longo das dcadas, atingindo principalmente o ensino bsico. Tomando como
marco inicial a dcada de 50, possvel reconhecer nestas ltimas seis dcadas movimentos
que refletem diferentes objetivos da educao, modificados evolutivamente em funo de
transformaes no mbito da poltica e economia, tanto nacional como internacional.
Os objetivos do ensino de cincias ao longo da histria mudam conforme o progresso
da prpria Cincia, o perodo do ps-guerra na dcada de se 50 caracteriza pela grande
produo cientfica e pela necessidade de se produzir cada vez mais. Valorizava-se uma
educao elitista que preconizava a formao de cientistas, com o intuito de manter o
progresso cientfico e tecnolgico da nao, estando diretamente ligados governos,
associaes cientficas, associaes profissionais de educadores, instituies internacionais
como a UNESCO e a OEA, agncias de fomento pesquisa, entre outras.
No entanto, contrapondo-se a essa demanda, seguiu-se a necessidade de construir
naes democrticas com cidados conscientes de seus direitos e deveres, alm de capazes
de opinar a respeito dos destinos da cincia e da tecnologia e dos mltiplos assuntos de suas
vidas que, de alguma forma, so afetados por elas. Tem incio um movimento de
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democratizao do ensino de cincias: os currculos escolares passam a agregar a importncia
de adquirir, compreender e obter informao e tambm a necessidade de usar a informao
para analisar e opinar acerca de processos com claros componentes polticos e sociais e,
finalmente, agir. A importncia dada formao do cidado est associada a um processo de
democratizao que, em nosso pas, foi interrompido durante os vinte anos posteriores ao
golpe de 1964. E com isso o ensino de cincias no Brasil passa a ter um objetivo distinto
daquele que se observa nos Estados Unidos e na Europa.
A dcada de 70 pode ser caracterizada pela crise energtica e pelo fortalecimento dos
movimentos ambientais; o currculo de cincias passa ento a agregar mais um objetivo: fazer
os alunos discutirem as implicaes sociais do desenvolvimento cientfico e tecnolgico.
Somando-se a isto as novas discusses sobre a natureza da cincia passam a ser introduzidas
nos currculos, onde se procurava mostrar aos alunos que a cincia no neutra. As primeiras
propostas para o uso das premissas do movimento CTS na educao surgem nesta dcada
(AIKENHEAD, 2003). Jim Gallagher defendeu em 71, atravs de um artigo publicado na revista
Science Education um novo objetivo para o ensino de cincias. Segundo ele:
Para futuros cidados em uma sociedade democrtica, compreender a inter-relao entre cincia, tecnologia e sociedade pode ser to importante como entender os conceitos e os processos da cincia.
(GALLAGHER, 1971, p. 337 apud AIKENHEAD, 2003, p.115)
Em 1975, Paul Hurd apresentou na revista Science Teacher novas metas para o ensino
de cincias em um artigo intitulado Science, technology, and society: new goals for
interdisciplinary science teaching (Cincia, tecnologia e sociedade: novas metas para o
ensino interdisciplinar da cincia), apresentando uma estrutura de currculo que contemplava
as interaes entre cincia, tecnologia e sociedade. (AIKENHEAD, 2003)
A discusso a respeito destas mudanas levaria dcadas para ser introduzida no Brasil.
A promulgao da lei 5692/71 altera profundamente o sistema educacional brasileiro: o ensino
secundrio no tinha mais o objetivo com a formao dos futuros cientistas ou dos profissionais
liberais e sim em preparar o estudante para atender a demandas do desenvolvimento. O ento
institudo segundo grau passa a ser profissionalizante, e so includas no currculo diversas
disciplinas com esta caracterstica; as disciplinas cientficas tm sua carga horria reduzida
para a incluso das novas disciplinas.
implantada no Brasil a pedagogia tecnicista, tendo como objetivo geral proporcionar
ao educando a formao necessria ao desenvolvimento de suas potencialidades como
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elemento de auto-realizao, qualificao para o trabalho e exerccio consciente da cidadania.
Entretanto, o exerccio consciente da cidadania em uma ditadura militar por si s um
paradoxo, de forma que so retiradas do currculo escolar duas disciplinas que buscam levar o
estudante reflexo e ao exerccio da crtica: a filosofia e a sociologia, de forma que o objetivo
implcito na lei era a formao de mo de obra qualificada para o mercado.
A proposta atual do ensino j superou esta viso e est mais voltada para a formao
do estudante como futuro cidado capaz de prosseguir seus estudos, apto a ingressar no
mercado de trabalho e capaz de exercer sua cidadania. Mas mesmo assim as premissas da
pedagogia tecnicista ainda se fazem presente nas prticas dos professores de hoje.
Nesta escola o professor um planejador, um elo de ligao entre a verdade
cientfica e o aluno. Enquanto os alunos so recipientes de informaes, condicionados,
passivos, obedientes e responsivos, privados de criticidade, competentes e eficientes para
aquela funo que foram treinados.
A metodologia empregada visa controlar o individuo perante objetivos pr-
estabelecidos, com nfase na programao, enfatiza a resposta certa. O aluno para ser bem
avaliado tem que ter memria e reteno por que assim que cobrado, a avaliao tem
como nfase o produto. (FLACK; BEHRENS, 2008, grifos meus)
III.2 Crticas a um ensino CTS
Propor um ensino baseado em uma proposta CTS tem se mostrado difcil exatamente
por propor mudanas profundas na prtica do professor: o conceito de verdade cientfica h
muito deixou de ser verdadeiro, o aluno no crtico porque no participa, o contedo
programado tem poder de lei e espera-se dos alunos respostas certas para problemas
conhecidos. A reao da maioria dos professores em um primeiro momento de cautela e
conservadorismo, apresentando crticas e resistncias ao modelo proposto. E algumas destas
crticas e resistncias precisam ser respondidas, pois esto baseadas em concepes
equivocadas. Trs das crticas mais comuns versam exatamente sobre: a impossibilidade da
alfabetizao cientfica, a precariedade na formao de novos cientistas e a preparao para a
realizao de provas de ingresso no ensino superior.
III.2.1 - A alfabetizao cientfica para o exerccio da cidadania
Em 1980, as preocupaes sociais, econmicas e ambientais em vrios pases levaram
a Unesco, a National Science Foundation, a Science Research Council e a Royal Society
analisar o estado do ensino das cincias na escola, e avaliar em que medida ela contribua
para a resoluo destas preocupaes sociais. O resultado destes estudos e anlises foi a
urgente percepo de que o ensino de cincias tivesse novas metas. Nestes relatrios, as
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novas metas foram definidas de forma muito generalizada, mas se focava na democratizao
do ensino de cincias com o lema cincias para todos e comeou a se difundir a necessidade
de se alfabetizar cientificamente as pessoas para que eles pudessem, de forma plena, exercer
sua cidadania. (FENSHAM, 2004)
Levou menos de uma dcada para que alguns aspectos da alfabetizao cientfica
comeassem a ser questionados. Atkin e Helms (1993, apud GIL-PEREZ e VILCHEZ 2005)
argumentaram que, diferente da alfabetizao das pessoas na lngua ptria, no existe
necessidade de se alfabetizar cientificamente os cidados, visto que proeminentes
personalidades de nossas sociedades atuais no so cientificamente alfabetizadas e isto no
interfere em sua vida prtica.
Shamos (1995) e Fensham (2004) consideram ilusria a possibilidade de formao
cientfica que favorea a participao de todos os cidados em decises de cunho cientfico e
tecnolgico, pois a complexidade dos conceitos em questo, face os limites dessa formao
cientfica, inviabiliza tal participao de forma responsvel e consciente como se deseja. Entre
os dados que fundamentam tal posio esto os resultados de uma pesquisa realizada nos
Estados Unidos, pela American Association for the Advancement of Sciences (AAAS), que
perguntou a cientistas renomados quais contedos cientficos julgam mais importantes para ser
ensinados nas escolas de modo a garantir uma alfabetizao cientfica satisfatria dos jovens.
Os resultados indicam um somatrio de conhecimentos superiores aos que hoje so ensinados
para elites que preparam futuros cientistas, de forma que a alfabetizao cientfica um mito
irrealizvel, alm de ser um gasto desnecessrio de recursos.
Gil-Perez e Vilchez (2005) contra-argumentam afirmando que um equivoco acreditar
que a participao plena de um cidado em questes scio-cientficas est condicionada a um
profundo conhecimento da cincia ou da tecnologia, citando como exemplo a mobilizao
popular em torno da questo dos pesticidas, um problema levantado por Rachel Carson no seu
livro Primavera Silenciosa (CARSON, 1964), no qual apresenta vrias provas dos efeitos
nocivos do DDT. Mesmo tendo sido severamente criticada pelos fabricantes do pesticida, seu
livro levantou indagaes e provocou preocupaes na sociedade americana: como resultado,
o presidente John Kennedy ordenou ao comit cientfico de seu governo que investigasse as
denncias levantadas pela autora. Dez anos aps o lanamento do livro, o uso do DDT foi
proibido em territrio norte-americano. Os autores destacam que, embora a batalha contra o
DDT tenha sido iniciada por uma cientista Carson era biloga , foi a presso exercida pelas
pessoas comuns que fez com que se questionasse o uso dos pesticidas.
Estes mesmos autores tambm citam o caso dos transgnicos: alimentos modificados
geneticamente, alardeados pela indstria alimentcia como a possvel soluo para o
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problema mundial da fome. Porm, nem todos concordaram com esta viso otimista e
recomendaram cautela no uso desses alimentos, temendo riscos ao meio ambiente,
agricultura e sade humana. Eles concluem que a participao de cidados nestas questes
um fato positivo que se apoia numa crescente sensibilidade social ante as implicaes do
desenvolvimento tecnocientfico que pode comportar riscos para as pessoas ou meio ambiente.
E a posse profunda de conhecimentos nos especialistas e tcnicos no garante a eles a
deciso adequada. Desta forma, qualquer pessoa pode contribuir na discusso de um
problema por ter interesses e perspectivas mais amplas, desde que possuam um
conhecimento bsico da cincia e tecnologia envolvidas na questo. Carl Mitcham (1997 apud
BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003) apresenta oito argumentos para a participao pblica
dos cidados em questes scio-cientficas.
1. Os especialistas simplesmente no podem escapar da influncia pblica, seja ela
governamental ou outros de grupos de interesse. As decises para tais questes
nunca so neutras.
2. A sociedade demanda participar da discusso destas questes, sem a participao
e aprovao do pblico nada se realizar.
3. No raro que os especialistas tendam a promover seus prprios interesses custa
do interesse do pblico em geral.
4. Os cidados, ao se verem diretamente afetados por decises tcnicas, poderiam e
deveriam ter a algo a dizer sobre elas.
5. Os cidados veem sua autonomia moral seriamente diminuda quando as decises
que afetam suas vidas so tomadas por outrem.
6. A participao social leva a melhores resultados.
7. Somente a participao educar os indivduos e os far mais conscientes do seu
prprio apoio poltico e econmico, assim como a complexidade dos riscos e
benefcios da tecnologia.
8. A realidade da cultura ps-moderna se caracteriza predominantemente pela perda
de todo consenso cultural forte. Tolerncia, diversidade, relativismo, minimalismo
tico, so as marcas das tecnoculturas avanadas. O melhor em tal situao o
consenso democrtico participativo. De outro modo, a tecnocincia criar seus
prprios incentivos e sua prpria autoridade que romper essa diversidade.
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III.2.2 Alfabetizao cientfica ou preparar futuros cientistas
Outra grande resistncia para a mudana no atual ensino de cincias se encontra nas
concepes dos professores de cincias e formuladores de currculo de que alfabetizar
cientificamente os cidados prejudica exatamente na formao cientfica dos estudantes,
fazendo com que eles tenham maiores dificuldades em cursar faculdades de cincias ou
cursos tcnicos. Este prejuzo na formao cientfica dos alunos est baseado em duas
concepes equivocadas.
1 - O acrscimo de contedos que normalmente no fazem parte da grade curricular
de cincias simplesmente reduziria o ensino de contedos cientficos.
2 - Ao tentar ministrar um ensino para todos haveria uma queda na qualidade das
aulas pois elas precisariam estar acessvel aos estudantes menos capacitados.
A resistncia primeira ideia muito comum no Brasil e h muito tempo se discute a
reformulao curricular das disciplinas de cincias. No caso de Fsica, por exemplo, debate-se
h anos a insero de contedos de fsica moderna na grade curricular, algo ainda no
realizado, por exemplo, na rede de ensino do estado do Rio de Janeiro. Em contrapartida,
muitos professores de cincia clamam por uma reduo na grade curricular e no veem com
bons olhos a incluso de contedos que no sejam cobrados no vestibular, mesmo
reconhecendo a importncia dos temas. Fica criado ento um dilema entre estes dois grupos,
dilema que no melhora quando se sugerida a incluso de assuntos que no so
tradicionalmente abordados em aulas de cincias.
O cerne da questo o debate sobre a relevncia de determinados contedos, o
porqu de determinado contedo ser ensinado daquela forma. Como j dito anteriormente, o
ensino de cincias no Brasil ainda sofre influncia da tendncia tecnicista dos anos 70, que
visava formao de tcnicos e engenheiros para a crescente indstria brasileira. Para piorar,
os modelos de vestibulares apresentados pelas principais universidades pblicas apenas
reforam a importncia dos contedos e dificultam a aplicao de um modelo diferente nas
escolas, principalmente nas privadas.
fundamental, entretanto, discutir a seleo de contedos que esto sendo ensinados
e como eles esto sendo ensinados: o objetivo da educao expresso na atual LDB o pleno
desenvolvimento do estudante para um completo exerccio da cidadania, e para isto contedos
que contemplem as complexas relaes entre cincia, tecnologia e sociedade so
fundamentais.
A segunda ideia nasce de um preconceito elitista, no qual nem todas as pessoas so
aptas a aprenderem cincias, de maneira que a nica forma de oferecer cincia a todos
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rebaix-la, privilegiando os aspectos conceituais em detrimento aos aspectos matemticos. O
paradoxo desta ideia, como apontam Gil-Perez e Vilches (2005), que um ensino focado nos
aspectos conceituais dificulta exatamente na aprendizagem dos conceitos cientficos, que esta
aprendizagem facilitada quando os alunos participam de investigaes cientficas, desde de
que haja condies para a reflexo.
Portanto a resistncia alfabetizao cientfica se baseia em uma concepo
equivocada, que ou se alfabetiza cientificamente os estudantes ou formam-se tcnicos e
cientistas, quando elas no so excludentes, na verdade se complementam.
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Captulo IV - Recursos e estratgias para a aplicao de um ensino CTS
O ensino de cincias a partir de uma perspectiva CTS no uma nova metodologia ou
estratgia de ensino, e sim um processo que busca a formao cidad do aluno. Isso
possibilita a ele participar de processos decisrios, como salientam Auler, Dalmolin e Fenalti
(2009). Para tanto, um ensino CTS deve possuir currculos, materiais didticos e mecanismos
distintos para o processo de ensino-aprendizagem daqueles que costumam ser usados na
prtica dos professores.
E algumas questes que se colocam : como seriam estes recursos em um ensino
CTS? Quais so as formas mais adequadas de aplic-los? O propsito deste captulo ser
tentar responder a estas questes.
IV.1 Aplicando um ensino CTS em uma escola ou sistema de ensino
Tentar aplicar um modelo estrangeiro pronto e bem-sucedido a uma escola ou sistema
de ensino no necessariamente garante o sucesso da empreitada, havendo registros inclusive
deste fracasso (AIKENHEAD, 1997). O prprio autor explica que a crena de que a cincia
universal e culturalmente livre propaga o mito que o ensino de cincias tambm universal e
culturalmente livre. Cada pas precisa desenvolver quatro produtos que so essenciais para a
implantao de um currculo CTS:
- As polticas curriculares;
- Material didtico que suporte a implantao destas polticas;
- A compreenso dos professores sobre estas polticas;
- Avaliar a aprendizagem do aluno de acordo com estas polticas.
O desenvolvimento destes produtos pode fazer com que surjam aspectos particulares
em cada pas, fazendo com que determinados temas sejam enfatizados ou propostos. Em
Israel e no Canad o ambiente foi enfatizado; na Austrlia estabeleceu-se um vnculo com a
tecnologia industrial; na Blgica, discusses envolvendo tica foram propostas no currculo,
entre outros exemplos (AIKENHEAD, 2002).
Apesar do desenvolvimento dos produtos ser particular e caracterstico a cada pas,
Aikenhead (1997, 2002) sugere que cada produto esteja vinculado a um processo especfico
que, segundo ele, apresentaria assim um melhor resultado. Sero apresentados a seguir estes
quatro processos e o nvel do desenvolvimento deles no Brasil, e ao mesmo tempo ser feita
uma analogia e uma adaptao para a aplicao destes processos em uma escola.
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Os processos e seus respectivos produtos devem considerar os trs nveis do currculo:
O currculo proposto (as polticas curriculares), o currculo traduzido (livros didticos e as
concepes dos professores daquilo que ser ensinado) e o currculo aprendido (conceitos,
competncias e atitudes que estudantes levaram consigo).
IV.1.1 O Processo de Deliberao e a Poltica Curricular
O processo de deliberao consiste de um dilogo estruturado entre os vrios
participantes da reforma curricular (professores de todos os nveis, cientistas, pais, lideranas
comunitrias e empresariais) visando decidir sobre trs aspectos do currculo:
1. Funo: quais so as metas e os objetivos do ensino cientfico?
2. Contedo: o que deve ser valorizado?
3. Estrutura: como o contedo deve ser organizado e contextualizado?
Cada pas, comunidade ou escola precisa responder a estas perguntas. O debate
envolvendo o currculo, segundo Fensham (1992, apud AIKENHEAD, 2002), resume-se em
uma competio por privilgio e poder sobre o currculo praticado pelas partes interessadas.
Podemos citar como um exemplo brasileiro a presso exercida pela Igreja Catlica para a
insero do ensino religioso como uma das disciplinas do ensino fundamental, mesmo ela
tendo para o aluno carter opcional.
Diferentes pases tradicionalmente empregam diferentes processos decisrios para
estabelecer polticas de currculo. De acordo com Orpwood (1985, apud AIKENHEAD 1997) o
processo que tem o maior potencial para uma reforma global bem sucedida no ensino de
cincias o processo de deliberao, sendo este um dilogo estruturado entre as vrias partes
interessadas: professores de cincias, professores universitrios, estudantes, comunidade,
empresas e lderes sindicais, pais e funcionrios do governo.
Um dos propsitos do processo de deliberao envolver os professores de cincias
que eventualmente implementaro o novo currculo e, ao mesmo tempo, envolver pessoas e
profissionais que possam oferecer a estes professores suporte, encorajamento e orientao.
Como resultado deste processo temos as polticas curriculares do pas (AIKENHEAD, 1997,
2002).
Embora a promulgao da LDB em 1996 no tenha tido um objetivo especfico de
promulgar a implantao de um currculo CTS no ensino de cincias, vrios autores concordam
que a atual LDB possui vrios aspectos desejveis a uma alfabetizao cientfico-tecnolgica e
ampara a implantao de um currculo CTS nas escolas.
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Pinheira, Silveira e Bazzo (2007) entendem que os objetivos propostos na LDB e
configurados nos PCNEMs encontram aplicaes no enfoque CTS. Uma opinio semelhante
possuda por Lima (2008) ao defender que o enfoque CTS apresenta uma postura a ser
assumida pelos educadores, sendo respaldado pelos temas transversais dos PCNs e da
prpria LDB. E Socorro e Cruz (2006) destacam a importncia dada abordagem CTS no
caderno de orientaes de Fsica elaborado pelo MEC.
A discusso sobre o currculo a ser aplicado na escola, bem como seus objetivos,
possui uma semelhana ao processo que ocorre na escola quando esta debate seu projeto
poltico pedaggico. Portanto, um dos momentos mais adequados para buscar a implantao
de um currculo em toda a escola, e no apenas por poucos professores.
a partir da discusso das polticas curriculares brasileiras que o debate na busca do
consenso sobre um diferente documento pode ser iniciado. O projeto poltico-pedaggico da
escola construdo a partir da relativa autonomia possuda por ela, delimitando assim sua
prpria identidade. A construo dele demanda que pelo menos sete elementos bsicos sejam
discutidos: as finalidades da escola, a estrutura organizacional, o currculo, o tempo escolar, o
processo de deciso, as relaes de trabalho e a avaliao (VEIGA, 2002). Mudar o currculo
da escola mudar o seu projeto poltico-pedaggico e, assim como na elaborao das polticas
curriculares, os participantes desta etapa competiro por metas e objetivos que eles esperam
dos alunos, e dos colegas, na elaborao do projeto poltico pedaggico.
Desta forma, o processo de deliberao pode ser introduzido na escola, no somente
para discutir sobre os aspectos do currculo, como tambm outros aspectos da organizao
escolar, como as finalidades da escola e a avaliao. Elementos estes que podem amparar a
implantao de um currculo CTS na escola (adoo de temas transversais, a adoo de um
currculo por competncias, organizao do tempo escolar por reas de conhecimento,
propostas diferentes de avaliao) ou dificult-la (estabelecimento de programas a serem
cumpridos, organizao do tempo escolar por disciplinas, estabelecimento de semanas de
provas).
IV.1.2 O Processo de Pesquisa e Desenvolvimento e o Material Didtico
O prximo passo na reforma curricular suprir a demanda por materiais didticos,
paradidticos e guias pedaggicos que os professores pediro para auxili-los, sendo que a
reforma no pode ocorrer sem tais materiais. E as tentativas de export-los dos Estados
Unidos e Europa para outros pases fracassaram. Em cada pas, as convenes culturais
diferem sobre a forma como os livros didticos so desenvolvidos. Interesses editoriais e
concepes dos autores sobre livros didticos tradicionais podem minar as tentativas de
reforma.
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Se a reforma est ocorrendo, portanto, processos alternativos de desenvolvimento de
materiais didticos podem precisar ser implementadas. O processo mais promissor a
pesquisa e desenvolvimento (P&D). Alm de haver tambm um potencial significativo de atrair
investimento privado do comrcio e da indstria e pblico das agncias de incentivo pesquisa
em ensino que compreenderem os objetivos da reforma.
Neste processo, os autores elaboram um material prvio para ser testado em algumas
salas de aula, onde pesquisas e investigaes so realizadas e dados so coletados para
aprimorar o material previamente preparado ou a forma como ele pode ser aplicado. O
processo ento consiste de uma sequncia de mltiplos estgios realizados em diferentes
salas de aula, contando com a colaborao de alunos e professores (AIKENHEAD, 1997,
2002), sendo que no Brasil algumas iniciativas neste sentido j tm sido tomadas (MOL E
SANTOS, 2000; VIANNA, 2009).
Para a aplicao de um currculo CTS em um sistema de ensino ou escola, o processo
de pesquisa e desenvolvimento acaba sendo substitudo pela escolha do livro didtico. Embora
seja possvel que alguns professores elaborem seu prprio material para usar em suas aulas, a
realidade econmica dos alunos da rede pblica no favorece a esta prtica pois muitos deles
teriam dificuldades em adquirir as apostilas elaboradas. A questo pertinente aqui saber se
h livros didticos no mercado que possam amparar a implantao de um currculo CTS.
A pesquisa bibliogrfica nos d algumas indicaes, e parece haver um consenso nos
autores investigados de que a incluso de aspectos CTS na maioria dos livros didticos ainda
se encontra em um estgio embrionrio e pouco significativo. Tais aspectos geralmente se
encontram em leituras complementares ou em textos localizados em apndices.
Souza (2005), ao analisar doze livros diferentes de geografia, fsica, qumica e biologia
trs de cada disciplina, sobre energia nuclear sob uma perspectiva CTS , concluiu que em
todos os livros comprometem uma alfabetizao cientfica, pois h vrias omisses das
relaes CTS do tema analisado.
Amaral, Xavier e Maciel (2009), ao analisar seis livros de qumica, concluem que as
relaes CTS presentes no tpico analisado funes orgnicas no so totalmente
contempladas, sendo incapazes de capacitar o aluno para exercer por completo sua cidadania.
Strieder e Kawamura (2006) analisam, tambm sob uma perspectiva CTS, um total de
58 textos complementares de dois livros de fsica, concluindo que os temas abordados so
feitos de forma superficial essas no seriam opes adequadas para um ensino orientado
pela abordagem CTS.
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Os autores das pesquisas citadas atestam que os livros analisados so incompletos,
portanto no conseguiro sozinhos desenvolver nos alunos as competncias e habilidades que
se esperam de um cidado cientificamente alfabetizado.
Por outro lado, Carneiro, Santos e Ml (2005), ao investigarem a relao e as
concepes de dez professores que trabalharam o livro Qumica na Sociedade (MOL e
SANTOS, 2000) segundo Amaral, Xavier e Maciel (2009), um dos melhores livros a ser
usados em uma abordagem CTS identificaram uma dificuldade dos professores em elaborar
prticas diferentes das convencionais para seguirem as estratgias seguidas pelo livro,
relatando que os maiores incmodos sentidos pelos professores se refere organizao do
contedo e aos exerccios propostos. A superao efetiva destes incmodos s acontecer de
fato quando os professores aceitarem as propostas de um currculo CTS, o que nos leva ao
terceiro produto.
IV.1.3 O Processo de Implantao e a Aceitao dos Professores
A aceitao dos professores o principal componente para o xito do desenvolvimento
de um currculo CTS. Para que o currculo pretendido polticas curriculares se torne o
currculo aprendido os conceitos, capacidades e atitudes que os alunos realmente levam com
eles preciso que um haja um currculo traduzido, que consiste de livros e ideias dos
professores sobre o que ser ensinado. Como os professores exercem uma grande influncia
na elaborao deste currculo traduzido, importante que haja dilogo entre professores e
projetistas de polticas curriculares.
Uma das grandes dificuldades na elaborao deste currculo traduzido est exatamente
nas concepes mantidas e construdas pelos professores ao longo de suas carreiras
profissionais, concepes estas que os ajudam a lidar de uma forma eficiente com uma grande
variedade de contextos e situaes que so comuns em sua prtica.
Segundo pesquisas realizadas por Gaskel (1992) e Gallagher (1991) apud Aikenhead
(1997), os professores de cincias das high schools esto entre os mais fortes defensores de
um ponto de vista da cincia autoritria, objetiva, puramente racional, no-humanista,
totalmente emprica, universal, impessoal, socialmente estril, sem preocupaes com a
vulgaridade da imaginao humana, dogmas, julgamentos ou valores culturais.
As pr-concepes dos professores, tanto da sua viso da cincia como das suas
prticas de ensino, provavelmente no mudaro a menos que eles sejam capazes de
influenciar os seus contextos de ensino e sejam capazes de prever as consequncias prticas
de um novo currculo. Em outras palavras, os professores devem ter um papel importante na
negociao de uma nova cultura de cincias da escola. Argumentos racionais no alteram os
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valores profundamente arraigados, mas alguns professores ficaro impressionados com a
reao positiva dos seus alunos a um ensino CTS e eles consequentemente repensaro
alguns de seus conhecimentos prticos. Concluindo, a compreenso e aceitao dos
professores a uma nova poltica curricular vem durante, nem antes, nem depois ao processo de
implementao desta nova poltica. (AIKENHEAD, 1997, 2002).
IV.1.4 O Processo de Ensino e a Aprendizagem dos Estudantes
Um dos grandes receios de pais e professores com a implantao de um currculo CTS
a possibilidade dos alunos no aprenderem a cincia formal, tcnica dos currculos atuais,
dificultando futuras carreiras ou cursos cientficos. Pesquisas (AIKENHEAD, 1994b;
CHAMPAGNE e KLOPFER, 1982 apud AIKENHEAD, 1997; YAGER e KRAJCIK, 1989 apud
AIKENHEAD, 1997) mostram que este receio altamente exagerado. O tempo gasto com
tpicos ou atividades que no so comumente relacionadas ao ensino de disciplinas cientficas
no prejudica o aluno na aprendizagem de contedos e competncias cientficas, e nem em
seu desenvolvimento acadmico nas carreiras cientficas e de engenharia.
Embora um ensino de cincias baseado em uma abordagem CTS aumente o interesse
dos alunos, eles tendem a ter dificuldades em evoluir os seus conceitos construdos a partir do
senso comum caracterizados por interaes sociais e consensuais para conceitos mais
cientificamente rigorosos caracterizados por raciocnio lgico e evidncias. Se os professores
de cincia CTS esperam que os alunos aprendam o contedo de cincia em profundidade
suficiente para us-los em situaes cotidianas em vez de memoriz-los para um teste ,
ento estes professores tm assumido uma tarefa muito mais rigorosa do que os professores
convencionais. Esta aprendizagem rigorosa contrasta com a poltica de fazer diferena na vida
dos alunos, pois o ensino tradicional de cincias os prepara para testes que abrem portas para
oportunidades sociais como frequentar a universidade , mas sem alcanar qualquer
aprendizagem significativa dos contedos de cincias.
Na busca de um processo de ensino mais significativo para os alunos algumas
estratgias e atividades educacionais tm sido desenvolvidas e testadas, e as pesquisas de
Byrne e Johnstone (1988, p.44 apud AIKENHEAD 1997) sugerem o seguinte:
1. Em termos de aprendizagem de contedos cientficos, simulaes e jogos
educacionais podem ser to eficazes quanto os mtodos tradicionais. Em termos de
desenvolvimento de atitudes positivas, simulaes e jogos podem ser muito mais
eficazes que os mtodos tradicionais.
2. Em termos de desenvolvimento de atitude, as estratgias de dramatizao,
discusso e tomada de deciso podem ser altamente eficazes.
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3. A discusso em grupo pode estimular o pensamento e o interesse e desenvolver um
maior empenho por parte do aluno.
4. Em termos de promoo de uma compreenso dos processos da cincia, uma
anlise e avaliao de estudos de casos histricos pode ser eficaz.
Como se pode ver, as quatro atividades listadas (simulaes, jogos, discusses em
grupo e anlise histrica) diferem bastante da prtica usual dos professores de cincia e,
quando lhes solicitado a trabalhar desta maneira, dificuldades tendem a surgir, podendo
comprometer a to desejada aprendizagem dos estudantes. Desta forma, necessrio se
aprofundar mais nestas estratgias diferenciadas e a forma como os contedos de CTS se
relacionam com elas. Este o propsito das prximas sesses.
IV.2 Os contedos CTS
Segundo Bazzo e Pereira (2009), podem ser identificados trs objetivos em um
currculo CTS: apresentar uma crtica concepo herdada da cincia como uma atividade
pura e neutra, rechaar a concepo da tecnologia como cincia aplicada destituda de valores
sociais e promover a participao pblica nas tomadas de decises de questes cientficas e
tecnolgicas. Destes trs objetivos vrios autores (CRUZ e ZYLBERSZTAJN, 2001; GONZLEZ
GARCIA, LPES CEREZO, LUJN, 1996; SANTOS e MORTIMER, 2000; SANTOS e
SCHNETZLER, 1997; TEIXEIRA, 2003) concordam que a participao social o objetivo
principal a ser buscado em um ensino CTS.
Podemos considerar que um currculo tem nfase em CTS quando ele trata das inter-
relaes entre explicao cientfica, planejamento tecnolgico e soluo de problemas e
tomada de deciso sobre temas prticos de importncia social (SANTOS e MORTIMER, 2001).
Assim, uma proposta curricular de CTS pode ser vista como uma integrao entre educao
cientfica, tecnolgica e social, em que contedos cientficos e tecnolgicos so estudados
juntamente com a discusso de seus aspectos histricos, ticos, polticos e socioeconmicos.
Bazzo, Linsingen e Pereira (2003) apresentam trs formas distintas de se conceder um
currculo CTS: introduo de CTS nos contedos das disciplinas de cincias (enxerto CTS); a
cincia vista atravs de CTS; e, por ltimo, CTS puro.
Enxerto CTS: trata-se de introduzir nas disciplinas de cincias dos currculos temas
CTS, especialmente relacionados com aspectos que levem os estudantes a ser mais
conscientes das implicaes da cincia e da tecnologia. Exemplos dessa linha de trabalho so
o projeto SATIS e o "Harvard Project Physics", nos Estados Unidos. O projeto SATIS consiste
em pequenas unidades CTS, elaboradas por docentes, e desde 1984 publicou mais de cem
destas unidades, cuja utilidade principal complementar os cursos de cincias. Alguns ttulos
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so: o uso da radioatividade, os bebs de proveta, a reciclagem do alumnio, a chuva cida e a
AIDS.
Cincia e tecnologia atravs de CTS: ensina-se mediante a estruturao dos
contedos das disciplinas de cunho cientfico e tecnolgico, a partir de CTS ou com orientao
CTS. Essa estruturao pode ser levada a cabo tanto por disciplinas isoladas como atravs de
cursos multidisciplinares, inclusive por linhas de projetos pedaggicos interdisciplinares. Um
exemplo do primeiro caso o programa holands conhecido como PLON (Projeto de
Desenvolvimento Curricular em Fsica).
CTS puro: significa ensinar CTS onde o contedo cientfico passa a ter um papel
subordinado. Em alguns casos o contedo cientfico includo para enriquecer a explicao
dos contedos CTS em sentido estrito, em outros as referncias aos temas cientficos ou
tecnolgicos so apenas mencionadas, porm no so explicadas. O programa mais
representativo de CTS puro SISCON na escola. Trata-se de uma adaptao para a educao
secundria do programa universitrio britnico SISCON (cincia no contexto social). Na
educao secundria SISCON um projeto que usa a histria da cincia e da sociologia da
cincia e tambm da tecnologia para mostrar como foram abordadas no passado questes
sociais vinculadas cincia e tecnologia, ou como se chegou a uma certa situao
problemtica no presente.
Uma configurao mais abrangente para um currculo CTS, elaborada por Aikenhead
(1994a), pode ser encontrada em Santos e Mortimer (2000), sintetizada no quadro 3.
Categorias Descrio Exemplos
1. Contedo de CTS como elemento de motivao.
Ensino tradicional de cincias acrescido da meno ao contedo de CTS com a funo de tornar as aulas mais interessantes.
O que muitos professores fazem para dourar a plula de cursos puramente conceituais
2. Incorporao eventual do contedo de CTS ao contedo programtico.
Ensino tradicional de cincias acrescido de pequenos estudos de contedo de CTS incorporados como apndices aos tpicos de cincias. O contedo de CTS no resultado do uso de temas unificadores.
Science and Technology in Society (SATIS, UK), Consumer Science (EUA), Values in School Science (EUA).
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3. Incorporao sistemtica do contedo de CTS ao contedo programtico.
Ensino tradicional de cincias acrescido de uma srie de pequenos estudos de contedo de CTS integrados aos tpicos de cincias, com a funo de explorar sistematicamente o contedo de CTS. Esses contedos formam temas unificadores.
Harvard Project Physics (EUA), Science and Social Issues (EUA), Nelson Chemistry (Canad), Interactive Teaching Units for Chemistry (UK), Science, Technology and Society, Block J. (EUA). Three SATIS 16-19 modules (What is Science? What is Technology? How Does Society decide? UK).
4. Disciplina cientfica por meio de contedo CTS.
Os temas de CTS so utilizados para organizar o contedo de cincias e a sua sequncia, mas a seleo do contedo cientfico ainda a feita partir de uma disciplina. A lista dos tpicos cientficos puros muito semelhante quela da categoria 3, embora a sequncia possa ser bem diferente.
ChemCon (EUA), os mdulos holandeses de fsica como Light Sources and Ionizing Radiation (Holanda: PLON), Science and Society Teaching units (Canad), Chemical Education for Public Understandig (EUA), Science Teachers Association of Victoria Physics Series (Austrlia).
5. Cincias por meio do contedo de CTS
CTS organiza o contedo e sua sequncia O contedo de cincias multidisciplinar, sendo ditado pelo contedo de CTS. A lista de tpicos cientficos puros assemelha-se listagem de tpicos importantes a partir de uma variedade de cursos de ensino tradicional de cincias.
Logical Reasoning in Science and Technology (Canad), Modular STS (EUA), Global Science (EUA), Dutch Environmental Project (Holanda), Salters Science Project (UK)
6. Cincias com contedo de CTS
O contedo de CTS o foco do ensino. O contedo relevante de cincias enriquece a aprendizagem.
Exploring the Nature of Science (Inglaterra) Society Environment and Energy Development Studies (SEEDS) modules (EUA), Science and Technology 11 (Canad)
7. Incorporao das Cincias ao contedo de CTS
O contedo de CTS o foco do currculo. O contedo relevante de cincias mencionado, mas no ensinado sistematicamente. Pode ser dada nfase aos princpios gerais da cincia.
Studies in a Social Context (SISCON) in Schools (UK), Modular Courses in Technology (UK), Science A Way of Knowing (Canad), Science Technology and Society (Austrlia), Creative Role Playing Exercises in Science and Technology (EUA), Issues for Today (Canad), Interactions in Science and Society videos (EUA), Perspectives in Science (Canad)
8. Contedo de CTS
Estudo de uma questo tecnolgica ou social importante. O contedo de cincias mencionado
Science and Society (UK.), Innovations: The Social Consequences of Science and Technology program (EUA), Preparing for Tomorrows
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somente para indicar uma vinculao com as cincias.
World (EUA), Values and Biology (EUA).
Quadro IV.1 Categorias de um currculo CTS. (SANTOS e MORTIMER, 2000)
Ambas as classificaes servem como um parmetro para discutir sobre o contedo do
currculo CTS que venha a ser implantado em escola ou sistema de ensino, Santos e Mortimer
(2000) defendem que as categorias 6 e 7 poderiam ser propostas para a atual reforma do
ensino mdio, buscando a interdisciplinaridade nas reas de cincias e suas tecnologias.
Concordando com os autores, mas indo um pouco alm, defendo que as categorias 4 e 5
podem ser aplicadas na estrutura escolar que temos atualmente. Apesar de uma
interdisciplinaridade ser desejada, ela no um pr-requisito para um ensino CTS.
As categorias 4 e 5 so adequadas para um ensino de cincias com os objetivos de
apresentar uma crtica a concepo herdada da cincia como uma atividade pura e neutra,
como tambm rechaar a concepo da tecnologia como cincia aplicada destituda de valores
sociais.
Para cumprir qualquer um dos trs objetivos apontados anteriormente, imprescindvel
que o currculo a ser planejado contemple contribuies histricas, filosficas e sociais da
cincia, sendo estas contribuies fundamentais para compreender a natureza da cincia ao
perceberem carter provisrio e incerto das teorias cientficas e que, em muitos momentos, os
cientistas divergem entre si, contribuindo assim para desfazer uma imagem da cincia como
algo verdadeiro e acabado.
Segundo Aikenhead (1994a) os materiais de