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5 de Outubro de 1910 Ou um equívoco chamado República

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5 de Outubro de 1910

Ou um equívoco chamado República

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O século XIX portuguêsA primeira metade do século XIX vai ser marcada pelas invasões francesas e a fuga da família real para o Brasil

1801-02 – Recenseamento geral da população. Portugal (Metrópole) conta 2 951 930 habitantes

1807 – 17 de Novembro - Junot à frente de um exército invade Portugal. Pilhagem do ouro e prata das igrejas.

1807 – 29 de Novembro – A Corte embarca para o Rio de Janeiro

1808 – 22 de Janeiro – Por pressão da Inglaterra declaram-se abertos os portos brasileiros ao comércio internacional

1809 – Março – Segunda invasão francesa de 30 000 homens comandada pelo marechal Soult.

1809 – 29 de Março. Porto, desastre da ponte das barcas. Morrem cerca de 4 000 pessoas.

1809 – Portugal ocupa a Guiana Francesa.

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Desastre da ponte das barcas, em reproduçãocoeva

Alminhas na Ribeira do Portoem memória das vítimas

(Bronze de Teixeira Lopes)

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O século XIX português

1810 – Assinatura, entre Portugal e Inglaterra, dos tratados de Comércio eAmizade e de Aliança e Navegação

1810 – Junho – Terceira invasão, comandada pelo marechal Massena, com umexército de 80 000 homens. Irá ser particularmente destrutiva e sanguinária.

1815 – É publicada a carta de lei que cria o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O Brasil ascende à condição de Reino.

1820 – 24 de Agosto. Pronunciamento militar no Porto e criação da JuntaProvisional do Governo Supremo do Reino.

1820 – 15 de Setembro. Lisboa adere ao movimento liberal do Porto.

A Junta de Governo entra no Rossioem Outubro de 1820

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Antigo pelourinho ostentando as armas doReino Unido

(Ponte de Lima)

Pavilhão do Reino Unido de Portugal,Brasil e Algarves

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1821 – As Cortes exigem o regresso de D. João VI a Portugal além de pretenderem anular os privilégios concedidos ao Brasil, precipitando, assim, a sua independência.

1822 – 7 de Setembro. O Brasil rebela-se contra Lisboa e proclama o Império. O primogénito de D. João VI, D. Pedro, torna-se Imperador do Brasil.

1825 – 15 de Novembro. Portugal reconhece a independência do Brasil

1851 – 29 de Abril. Saldanhada levada a cabo a partir do Porto e preparada com a colaboração de Alexandre Herculano, que, no entanto, pouco depois passará àoposição.Início da Regeneração. Para trás ficam quase trinta anos de violência, banditismo, assassínios, extursões, guerras civis, revoltas populares, pronunciamentos, golpes palacianos, anarquia total de ideias e violência ideológica que conduziam o país à autodestruição.

O século XIX português

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Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, Marquês de Sá daBandeira (1795-1876).Alexandre Herculano chamou-lhe “moderno Bayard”, le chevalier sans peur et sans reproche, e “o português maisnotável do seu século”.“Inteligência recta e carácter forte, a humanidade era a suareligião, o dever a sua moral, a monarquia o seu princípio, aespada o seu amor, o povo o seu dilecto”(Oliveira Martins).Visionário, queria criar em África um novo Brasil: viagens nosertão, desenvolvimento da agricultura e extracção mineira,abolição da escravatura, expansão da navegação.

João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun, Marechal Duque de Saldanha (1790-1876).Valente, bem apessoado, profusamente decorado, fazia o tipo perfeito nas embaixadas estrangeiras.Ascensão fulgurante no exército: capitão aos 15 anos, major aos 18, tenente-coronel aos 23 e general aos 27. Versátil, ora apoiava um partido ora apoiava outro, reflectindo assim o seu espírito aventureiro de “Cid português”, como lhe chamou Oliveira Martins. Dizia poder ser um bom Chefe de Estado de um qualquer país.

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A Decadência Económica – Estatísticas do Comércio

Milhares de contos

anos

Abertura dos portos brasileiros

Tratado de 1810Perda do Brasil (Oliveira Martins)

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A Decadência Económica

A agricultura sofre um rude golpe com a extinçãodas ordens religiosas masculinas e abolição dos conventos, decreto defendido somente por Joaquim Antóniode Aguiar, contra a opinião geral do Conselho de Ministros,e imposto por D. Pedro IV

Sucedia o que sucedera no tempo dos Godos: uma expropriação dos vencidos pelos vencedores, salvo a franqueza da confissão, outrora manifesta sem rebuço, agora encoberta sob fórmulas e sofismas de legalidade liberal (Oliveira Martins).

As tentativas industriais manufactureiras do Marquês de Pombal nãotinham vingado e o tratado de 1810, dando preferência às mercadorias inglesas, com taxas alfandegárias de 15% em vez dos normais 30%, faziam terrível concorrência aos produtos nacionais.

A perda do Brasil e do seu comércio lucrativo e a desordem que se tinhainstalado no País traduziam-se em uma situação económica muito difícil.

Mosteiro e igreja de Tibães

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A Decadência Económica

Os frades, espoliados das propriedades feitas por suas mãos, mendigam miseráveis pelos caminhos.Herculano, um dos liberais, mas verdadeiro sempre, penitencia-se desse ultraje:

“Pão para a velhice desgraçada! Pão para metade dos nossossábios, dos nossos homens virtuosos, do nosso sacerdócio!Pão para os que foram vítimas das crenças, minhas, vossas,do século, e que morrem de fome e frio!” Alexandre Herculano, Os egressos, 1842

A situação financeira, reflexo da económica, piora constantemente. Requerem-seempréstimos para pagar empréstimos, e o pouco que vem efectivamente para o paísdestina-se a assalariar tropas e fazer a guerra. Sucedem-se as bancarrotas do Tesouro.

[Se] compararmos o total (da dívida) com a dívida de 28, veremos que a Liberdade e osseus ensaios custaram ao Tesouro 58 500 contos, afora os bens nacionais vendidos ouqueimados, sem com isso melhorar a situação económica do Reino…. E para quê? Paraensaiar sistemas, matar gente com revoltas e pauperizar cada vez mais o Reino.(Oliveira Martins)

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A Regeneração

30 de Agosto de 1852 – além dos ministériostradicionais, Presidência do Conselho, Reino, Estrangeiros, Guerra, Marinha, Justiça e Fazendaé criado um novo – o Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, integrando uma Secretaria-Geral, a Direcção das Minas e Obras Públicas, a da Agricultura, Comércio e Manufacturas e a Repartição de Contabilidade.

Vai iniciar-se a época do fomento e dos melhoramentosque ficará conhecida como Fontismo, do nome do seuprimeiro titular, maior impulsionador, e futuro Presidentedo Conselho António Maria de Fontes Pereira de Melo, que irá suceder aRodrigo da Fonseca Magalhães na presidência do Partido Regenerador.

Fontes Pereira de Melo1819-1887

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1852 – Bancarrota do Tesouro. Fontes redefine a natureza da dívida pública que passa de amortizável,isto é, pagável, durante o período da sua vigência, a fundada, ou seja, eterna.A dívida não se paga, rende juros aos portadores de títulos da mesma.(Falta, naturalmente, convencer os credores).

No seguimento daquilo que vem sendo feito nos países europeus, que iniciam agora a sua industrialização, França, Alemanha, o Governo considera prioritário o estabelecimento de uma rede ferroviária, ligações a Badajoz, linha do Norte Porto-Lisboa, a melhoria da rederodoviária e a construção dos portos artificiais deLisboa, Funchal e Leixões.

Com esse fim, Fontes, em Londres e Paris, tenta persuadir os banqueiros a conceder os almejados empréstimos.

Inauguração da primeira linha ferroviária, em

28 de Outubro de 1856, por Roque Gameiro

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Os seus partidários, aparte as virtudescívicas e pessoais que ninguém lhe contesta,atribuem-lhe todos os caminhos-de-ferro,todas as estradas, todos os canais, todosos majores, todas as represas, todas as pontes,todos os tenentes, todos os viadutos e todosos alferes de que hoje estão cortados o soloe a sociedade portuguesa, não concedendosequer à iniciativa dos seus contrários nemum palmo de estrada nem uma polegada de sargento.

João Rialto (Guilherme de Azevedo) in Álbum das Glórias

(Desenho de Rafael Bordalo Pinheiro)

No entanto, enquanto na Alemanha, os caminhos-de-ferro permitem ligar as jazidas hulhíferas do Sarre e daSilésia aos centros siderúrgicos do Ruhr, e transportar paraos portos do Mar do Norte a produção agrícola e industrial do país,em Portugal, sem minérios e carvão, as obras públicas, não obstante necessárias,irão acarretar o agravamento da dívida pública e a sucessão interminável de orçamentosdeficitários.

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Evolução do PNB per capita, que, de 1850 a 1890, teve um crescimento acentuado.

A melhoria das condições sociais pode ser apreciada pelas opiniões de dois estrangeirosque nos visitaram, em 1842, o Príncipe Felix Lichnowsky, e em 1866, o escritor HansChristian Andersen

“Por todas as descrições de Lisboa com que deparei, formara para mim próprio umaimagem desta cidade mas a realidade foi bem outra, mais luminosa e bela. Fui obrigadoa exclamar: - onde estão as ruas sujas que vira descritas, as carcaças abandonadas, oscães ferozes e as figuras de miseráveis das possessões africanas que, de barbas brancas epele tisnada, com nauseantes doenças, por aqui se deviam arrastar?”

H. Ch. Andersen, Uma visita em Portugal em 1866

Dólares EU de 1960

A. NunesN. ValérioE. Mata

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Alexandre Herculano a Oliveira Martins

A liberdade humana sei o que é: uma verdade daconsciência, como Deus. Sei que a esfera dos meusactos livres só tem por limites naturais a esfera dos actos livres dos outros e por limites factícios restriçõesa que me convém submeter-me para a sociedade existir e para eu achar nela a garantia do exercício das minhasoutras liberdades. Todas as instituições que nãorespeitarem estas ideias serão pelo menos viciosas.Absolutamente falando , o complexo das questões sociais epolíticas contém-se na questão da liberdade individual.Mantenham-me esta, que pouco me incomoda que outrem se assente num trono, numa poltrona ou numa tripeça. Que as leis se afiram pelos princípios do bom e do justo, e não perguntarei se estão acordes ou não com a vontade de maiorias ignaras.

Alexandre Herculano1810-1877

O Português de lei

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Crítica do Liberalismo ao Socialismo

O socialista vê no indivíduo a coisa da sociedade:o liberal vê na sociedade a coisa do indivíduo. Fimpara o socialista, ela não é para o liberal senão um meio;criação do indivíduo que a precedeu, que lhe estampouo seu selo; porque faça ela o que fizer, nunca poderámanifestar a sua existência e a sua acção senão poractos individuais, unidos ou separados.

Carta de A. Herculano a Oliveira Martins, Fev. de 1877

Crítica do Socialismo ao Liberalismo

Ora enquanto a Nação prescindir de cérebro, isto é de Estado, manter-se-á acéfala; enquanto o Estado nãotiver como pensamento a igualdade […]: a democraciaserá uma quimera […]. À sombra de uma liberdade semprecrescente, dia a dia, com o crescer da riqueza irá crescendoa cisão dos pobres e dos ricos, em virtude dessa lei simplesque dá a vitória a quem mais pode (Oliveira Martins, PortugalContemporâneo, 1881)

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Teófilo Braga – natural dos Açores, comoAntero de Quental e Manuel de Arriaga.Despoletou a Questão Coimbrã.

Trabalhador, esforçado, mas de espírito estreito e sectário, e carácter dúbio.De Feliciano de Castilho disse dever a sua famaà infelicidade de ser cego.

José Bruno Carreiro demonstrou que a obra A Mocidade de Teófilo, repositório de cartasde Teófilo ao seu protector Francisco Mª Supico,é “uma fraude sem precedentes na literatura portuguesa”.Muitas das cartas foram forjadas sem conhecimento do destinatário, entretanto falecido.

Quando da morte de Miguel Bombarda, Teófilo Braga, com aquela falta de senso político que tanto irritava os seus pares no governo provisório, afirmava positivamente, sem qualquer fundamento, em entrevista a Joaquim Leitão, que a morte do psiquiatra era obra dos clericais, contribuindo assim , voluntariamente, para forjar uma mentira e fabricar um mártir da República.

Teófilo Braga1843-1924

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Defendeu a tese de que a História de Portugalconsistia na dominação de uma raça oprimida,os moçárabes, por uma raça opressora, os invasoresvisigodos. (Na República Fascista de Cromwell, comolhe chamou Bertrand Russell, os dominados eramos anglo-saxões e os opressores os normandos).Mas Herculano já demonstrara que os moçárabes nãoeram uma raça, mas sim a população cristã vivendo sob domínio árabe.

Essa dialéctica de opressores-oprimidos convinha à campanha republicana,que pretendia falar em nome do Povo, oprimido pela Corte e pelo Rei.Para Teófilo a analogia era simples: Povo = Moçárabes, Governantes (Monarquia) = Visigodos.

Foi o primeiro Presidente do Conselho do Governo saído do golpe do 5 deOutubro.

As suas gaffes espectaculosas desacreditaram-no completamente.

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Antero, que entrou em colisão com ele, chamava-lhe“o moçárabe bilioso”.

No dia 1 de Agosto de 1872, o jornal O Primeiro deJaneiro, do Porto, publicava o seguinte anúncio deAntero de Quental:

“Declaração – Constando-me que vários amigos doSr. Teófilo Braga correm essas ruas do Porto, dizendoa quem os encontra que andam “à minha procura”,tenho a anunciar-lhes, para que não se incomodemmuito, que me podem encontrar todas as tardes, das5 às 7 horas, no café Águia d’ Ouro, aproveitando a ocasião para lhes comunicar que já não estouabsolutamente nada doente.”

Desta manifestação de puro garbo há-de dizer Oliveira Martins:“É um homem!”

O Café Águia d’Ouro, à Batalha,Porto

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Na sequência das Conferências Democráticasdo Casino Lisbonense, da Comuna de Paris e de contactos com membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, cria-se a 14 de Janeiro de 1872, em Lisboa, a Associação Fraternidade Operária, por iniciativa de José Fontana e Antero de Quental.

José (Giuseppe) Fontana1840-1876

Antero de Quental(1842-1891)

“Le petit Lassalle”, comoa si mesmo se definiaAntero dirige, ainda, o periódico “O

Pensamento Social”, onde colaboram José Fontana, Nobre França, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins e Azedo Gneco, e redige o ensaio “O Que é a Internacional”

Jaime Batalha Reis1847-1935

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O pior que nos pode acontecer é sermosamanhã República.

Antero de Quental, carta a Oliveira Martins,2 de Julho de 1873

Creio que teremos a República em Portugal, mais ano menos ano:mas, francamente, não a desejo, a não ser num ponto de vista todo pessoal, como espectáculo e ensino. Então é que havemos de ver atufar-se uma nação em lama e asneira.Falam da Espanha com desdém – e há de quê – mas eles, os briosos portugueses, estão destinados a dar ao mundo um espectáculo republicano ainda mais curioso: Se a República Espanhola é de doidos, a nossa será de garotos.Quando nós virmos o Peniche e o Valada, e o Teófilo, e o Bonança ministros duma revolução, compreenderemos tudo isto…

Antero de Quental, carta a João Lobo de Moura,1873

Oliveira Martins1845-1894

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Azedo Gneco, José Fontana, Nobre França, José Caetano da Silva, Agostinho da Silva, José Tedeschi e António Joaquim de Oliveira fundam, a 10 de Janeiro de 1875, o Partido Operário Socialista. A comissão encarregada de elaborar o seu programa era constituída por Antero de Quental, Nobre França, José Fontana, Silva Lisboa, Felizardo Lima, José Caetano da Silva e Azedo Gneco.

O Protesto Operário, fusão dos periódicos O Protesto, Lisboa, e O Operário, Porto, órgão do Partido Operário Socialista (1º número – 5 de Março de 1882)

Eudóxio Azedo Gneco1849-1911

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Em política tem-se dito que Ramalho Ortigão é republicano.Nada menos exacto. Ramalho, creio, teme a República, talqual é tramada nos clubes amadores de Lisboa e Porto.A República, em verdade, feita primeiro pelos partidosconstitucionais dissidentes, e refeita depois pelos partidosjacobinos, que, tendo vivido fora do poder e do seu maquinismo,a tomam como uma carreira, seria em Portugal uma balbúrdia sanguinolenta.

Eça de Queirós , carta a Joaquim de Araújo,25 de Fevereiro de 1878

[…] molecularmente rebelde a todo o sectarismo, eu não posso ser senão muitomoderadamente e muito condicionalmente monárquico, e não sou nem nunca fui republicano, apesar de frequentemente me acusarem de prófugo e de renegado os jornais desse partido, ligando a tal invectiva um tão grande desdouro do meu carácter como se fosse para mim um opróbrio ter acamarado com eles.

Ramalho Ortigão, A revolução de Outubro, Janeiro de 1911

Ramalho Ortigão1836-1915

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Antero de Quental a Alberto Sampaio

“Saberás que vim encontrar aqui a minha candidaturapelo círculo de Alcântara, lançada por uns centros republicanos que não sei bem o que são. Hoje vieramuns oficiosos falar-me nisso: declarei recusar tal candidaturae ameacei-os com uma recusa pública nos jornais seinsistissem. Espero que desistirão: aliás terei de me explicar pelaimprensa.”(Carta de 10 de Outubro de 1878)

… e a Oliveira Martins

“Aqui pretendem uns centros republicanos soi-disant socialistas, apresentar a minha candidatura por Alcântara. Respondi que achava equívoca a expressão republicano-socialista, e como este equívoco me parece perigoso, só aceitaria a dita candidatura com o carácter exclusivamente socialista, com toda a reserva da questão política e em completa isenção do movimento republicano actual.

Antero de Quental1842-1891

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Não sei o que pensarão e dirão os republicanos. Talvez seja uma ocasião de me explicar sobre a delicada distinção entresocialistas e republicanos e de sair uma vez por todas de um equívoco que me pesa.”

“De notícias interessantes, dir-te-ei que o republicanismo avulta de dia para dia.Mas que republicanos! É um partido de lojistas, capitaneado por bacharéis pífios ou tontos. É quanto basta para se lhe tirar o horóscopo. Duma tal república só há-de sair a anarquia e a fome.”(Carta de 1 de Abril de 1880 a Alberto Sampaio)

Alberto Sampaio1841-1908

Quando os republicanos forem maioria tratarei eu de me fazer anti-republicano,porque sempre fui amigo de me achar em minoria.(Carta a João Lobo de Moura, 18 de Março de 1875)

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Em 1879, Joaquim de Vasconcelos apresentou na Sociedade deGeografia de Lisboa a proposta para a comemoração do Tricentenário da morte de Camões.A celebração pretendeu-seNacional. Da Comissãode Lisboa faziam parte:Rodrigues da Costa, Eduardo Coelho, Sebastião de Magalhães Lima, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Jaime Batalha Reis, Luciano Cordeiro eRodrigo Afonso Pequito.

Embora tivesse sido bem vincado o seu carácter nacional, tal não impediu, porém, queos frutos do seu sucesso tenham sido colhidos, essencialmente, pelo republicanismo.

Revista O Ocidente, 1880

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Famoso retrato dos cinco amigos tirado nos jardins do Palácio de Cristal do Porto.Eça, Oliveira Martins, Antero, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro. Este, mais

tarde, com o episódio do ultimato, far-se-ia republicano.

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“A Velhice do Padre Eterno” foi um grande erroe custou-me imenso ver que o Junqueiro persistiuem o cometer. O Junqueiro é um admirável idílicoe além disso em certos assuntos um poderososatírico. Mas a Velhice é um sintoma de umadeplorável mania de profeta, que ameaça perdê-lo[…] Antero de Quental, Carta a C. Cirilo Machado,Setembro de 1885

No poema Finis Patriae, publicado no ano do Ultimato, Junqueiro põe no quadro O Caçador Simão, os famosos versos:“É alguém, é alguém que foi à caça. Do caçador Simão!... “Simão era o último nome de D. Carlos

No fim da vida renegará A Velhice, amputaráo poema Pátria e confessará nunca ter sido Republicano.

Guerra Junqueiro, desenho de Francisco Valença

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Celebra-se em 1886, com aAlemanha, um convénio delimitandoum extenso território reivindicado por Portugal, figurado a rosa numa carta anexa.O propósito é construir na África Meridional uma grande possessão ligando Angola à contracosta, que viesse substituir o Brasil – era o mapa cor-de-rosa.

A Inglaterra, que tem em vista, por sua vez, a criação de um império na costa oriental de África, do Cabo a Alexandria, no Mediterrâneo, opõe-se às pretensões portuguesas.

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O Ultimatum

No dia 11 de Janeiro de 1890 é entregue ao Governo Português um memorandodo Governo Inglês em que este faz um ultimato a Portugal.

“O ultimatum, curto e seco, exigia que dentro de onze horas o Governo Portuguêsfizesse sair as suas tropas e as suas autoridades das regiões disputadas do Chiree de Masona.Se o Governo Português não acedesse, o representante da Inglaterra retiraria como seu pessoal para bordo do aviso Enchantress, deixando toda a ulterior acção àsesquadras inglesas reunidas em Lourenço Marques, Cabo Verde e Gibraltar.

Foi durante horas uma pavorosa crise. O Conselho de Estado reunido – decidiu quese passasse sob a exigência de Lorde Salisbury, visto que a resistência importaria aocupação de Moçambique e de Lourenço Marques… Portugal, nessa noite, perdeudois consideráveis territórios de África. De manhã, o ministério caiu.”

Eça de Queirós, O Ultimatum, Revista de Portugal, Fevereiro de 1890

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Um frémito de indignação varre o País.

Os próprios particulares tomam atitudesda mais pura galhardia, como a Condessa deResende, sogra de Eça de Queirós, que emsinal de desafrontamento devolve as condecorações concedidas ao marido pelo Governo Inglês.

No Porto, forma-se, em fins de Janeiro,a Liga Patriótica do Norte cuja presidênciaé oferecida a Antero de Quental.

Os republicanos usam a comoção doultimato para atacar as instituições, eculpar a Monarquia e o jovem D. Carlosdos males do País.

Junqueiro publica o Finis Patriae ondepõe a ridículo a figura do Rei.

Proclamação patriótica, Porto, Janeiro de 1890

O Ultimatum

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O UltimatumAlfredo Keil compõe, nos moldes da Marselhesa, e com letra de Henrique Lopes de Mendonça, um canto patriótico para um espectáculo teatral, na sequência do ultimato, que logo se populariza.

Escarrador e penico com a forma de John Bull,caricatura da Inglaterra.

(Cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro)

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O Partido Republicano em Portugal nunca apresentou um programa, nem verdadeiramente tem um programa.Mais ainda, nem o pode ter: porque todas as reformas que, como Partido Republicano, lhe cumpriria reclamar já foram realizadas pelo liberalismo monárquico.

Uma outra causa exterior que veio concorrer para o engrossamento do Partido Republicano foi a revolução do Brasil. A revolução do Brasil, tranquilizando os ordeiros, excitando os ambiciosos e dando confiança a todos pela esperança de apoio e recursos positivos – foi um golpe que das instituições brasileiras repercutiu indirectamente sobre as nossas instituições.

Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa,Revista de Portugal, Abril 1890

15 de Maio de 1887 – D. PedroII do Brasil abole a escravatura.Os grandes fazendeiros, lesados,patrocinam um golpe de Estado.A 15 de Novembro de 1889, omarechal Deodoro da Fonsecaderruba o Imperador e proclamaa República.

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Não menor acção estimuladora trouxe aos nossos republicanos a consolidação da República em França…

A França, pelo simples facto de ser República e como tal prosperar, é hoje o mais poderoso instrumento de propaganda republicana entre os povos latinos.

Não se reflecte bastante que às qualidades da sua raça, não à forma das suas instituições, deve ela a sua prosperidade; e que a Exposição seria tão brilhante sob o reinado de Filipe V, como foi sob a presidência de Carnot.

Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa,Revista de Portugal, Abril 1890

Exposição Universal de Paris de 1889, sob a Presidência

de Sadi Carnot, filho docélebre físico.

Carnot seria assassinadopor um anarquista.

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Em geral desde que o regime constituído, para semanter, necessita o apoio de uma força disciplinadae quando, por outro lado, existe um partido de revoluçãoque não pode tirar dos seus próprios elementos popularesos meios precisos de acção e só poderia triunfar peloauxílio duma força indisciplinada – o exército torna-senecessariamente o ponto para onde convergem todas asesperanças e o elemento de êxito com que contam todos os interesses políticos.

… como dizia ultimamente um oficial superior, “o exércitoestá sendo requestado como uma menina rica”.

Ora o facto incontestável (e que seria antipatriótico disfarçar)é que o Partido Republicano procura atrair o exército, e que, forçado a defender-se, o regime constituído apela por seuturno para o concurso leal do exército, decerto inabalável nasua lealdade.

Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa,Revista de Portugal, Abril 1890

Eça de Queirós1845-1900

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Dirão (e dizem) os optimistas que o exércitoem Portugal nunca sairá da sua devida submissãoao poder civil. Assim o supomos. Mas nunca sedeve basear um sistema de acção política nooptimismo, na hipotética perfeição dos homense das coisas e em frases.O exército não é composto de entidades abstractase impessoais como princípios: é composto de homens de carne e osso, susceptíveis de todas as fraquezas e de todas as tentações humanas.

Querer sistematicamente afastar esta suposição,declarando que “tal é impossível, que nunca se darána nossa terra, etc.”, é fazer acto de imprevidênciaou de ingenuidade, ambas culpadas. O homem deEstado digno desse nome deve tudo prever, tudocalcular – e ter sempre presente que os homens sãohomens, e não anjos, abstracções ou princípiosencarnados.

Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa,Revista de Portugal, Abril 1890

D. Carlos passando revista às tropas,Carlos Reis, 1904

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O Partido Republicano realiza o seu Congresso, no Porto, entre 5 e 7 de Janeiro de 1891.O programa é elaborado por Bernardino Pinheiro,Azevedo e Silva, Francisco Homem Cristo, Jacinto Nunes, Manuel de Arriaga e Teófilo Braga.

“E sem desejar ser descorteses para com personalidadessomos forçados a constatar que os actuais chefesrepublicanos , como tais, como chefes, fazem sorrirtoda a parte séria da nação.Mas ainda mesmo sem direcção, ou com umadirecção impotente por incompetente, o PartidoRepublicano existe, exibe-se, fala, escreve, vota […]

[…] a República não pode deixar de inquietar o espíritode todos os patriotas. Ela seria a confusão, a anarquia,a bancarrota.”

Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa,Revista de Portugal, Abril 1890

Francisco Homem Cristo1860-1943

Manuel de Arriaga1840-1917

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O Congresso do Porto do Partido Republicano é uma convenção essencialmente anti-Elias Garcia, um dos “republicanos do orçamento”, e a vitória da linha durado partido.Mas Garcia vai retaliar animando uma conspiração na mesma cidade, chefiada pela mação Alves da Veiga e um jornalista de escândalos, Henrique Santos Cardoso.

“Os sargentos, […] esta tão poderosa e temível classena Espanha […]”

Felix Lichnowsky, Portugal. Recordações do ano 1842

Entre algum patriotismo jacobino , os sargentos sentiam-se sobretudo lesados pela lei de 17 de Janeiro de 1891 que dificultava a sua promoção a oficiais. Não foi difícil, pois, orientar este descontentamento.(Os militares quando se prestam a reivindicações têm um argumento que falta aoscantoneiros da câmara, aos assentadores de via, e em geral aos trabalhadores doutros ofícios: têm espingardas e canhões, o que, num processo negocial, constitui argumento de considerável peso).

José Elias Garcia1830-1891

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31 de Janeiro de 1891, Sábado.

Cerca das 3 da manhã, os sargentos conjurados arrastam para o Campo de Sto. Ovídio cerca de metade dos soldados da guarnição do Porto, à volta de 800 homens.Aí se encontra Infantaria 18, onde esperam encontrar oficiais para os comandar. Não há. Apenas podem contar com o capitão António do Amaral Leitão, o tenente Manuel Maria Coelho e o alferes Augusto Rodolfo da Costa Malheiro.Quando grassava a descrença no seio dos militares surgem estudantes dando vivas à República. A procissão desce a rua do Almada, com charanga à frente, em direcção à praça de D. Pedro. A Câmara é invadida e Santos Cardoso arvora uma bandeira.O actor Miguel Verdial, da varanda, apresenta o novo governo. Os “irmãos” da loja maçónica Grémio Independente tinham proclamado a República. São 7 da Manhã.

Os oficiais decidem então subir a rua de Stº António, aparentemente para ocupar o posto de Correios e Telégrafo. No cimo, acantonada no adro da Igreja de Stº Ildefonso, está postada a Guarda Municipal.400 municipais vão derrotar uma força de 800 militares do exército.Os que se entrincheiram na Câmara são desalojados por artilheiros da Serra do Pilar.Há 10 mortos, 5 militares e 5 civis.Às 11 horas, tudo termina.O Partido Republicano não interveio na conjura. Tudo foi feito à margem do Directório.

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Santos Cardoso arvora uma bandeira republicana nos Paços do Concelho do Porto

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O 31 de Janeiro

Na véspera, Alves da Veiga tinha vaticinado: “vai ser desastroso”, e João Chagas, quese entregara à prisão uns dias antes, dirá humoristicamente, “não foi um erro político, mas um erro de gramática”.

No Conselho de Guerra o capitão Leitão cobre-se de ridículo: pensava que a GuardaMunicipal estivesse segura, que o comandante de Artilharia 18 saísse para os comandar,até o ataque tinha sido uma surpresa. Simplório, achava natural que os outros tivessem obrigação de os apoiar.O grande Santos Cardoso negou tudo, denunciou toda a gente e jurou que se vira implicado “por não poder ser superior à minha curiosidade”. E é tudo.Denunciou, em particular, Homem Cristo como sendo o fornecedor de armas à revolta.

O Século trazia a história do capitão Leitão, de joelhos, a pedir perdão aos filhinhos porter arruinado a carreira.Alves da Veiga foi irradiado da Maçonaria e a imprensa considerou tudo aquilo obra dedesmiolados.

As mais destacadas figuras do republicanismo, incluindo o directório do partido, condenaram o golpe como uma aventura mais ou menos irresponsável.

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O 31 de Janeiro

De Paris, Eça escreve:

Por aqui, a opinião geral é que esse é o começo da débâcle. O governoainda poderia afastar a hora má por algum tempo, se aproveitasse a ocasiãopara desorganizar inteiramente, à maneira sumária do excelente Constans, opartido republicano. Mas como naturalmente há-de tomar apenas umasmeias-medidas, inspiradas por uma meia-coragem, e executadas com umameia-prontidão, é natural que o caso do Porto seja um lever de rideau […] e queo partido republicano […] prepare para breve o drama sério.

Carta a Oliveira Martins, 5 de Fevereiro de 1891

Em Elias Garcia, que todos sabiam comprometido, não se tocou.Quase todos os detidos rejeitaram responsabilidades, tendo as sentenças sido encaradas como simples pretexto para futuros perdões e amnistias.

Em resposta a uma carta dirigida ao Rei pela Câmara do Porto, culpando osacontecimentos pela “doçura dos nossos costumes”, D. Carlos pede desculpa aosPortugueses pois “ainda não pude mostrar toda a minha dedicação pela nossa pátria[…] devido ao pouco tempo da minha vida de rei”.

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Os acontecimentos dos anos 1890-91 vão resultarna derrota e desmembramento do Partido Republicano,relegado para aquilo que sempre tinha sido, e que era servir demuleta aos partidos constitucionais nas guerras e intrigas que entre si dirimiam, e, de quando em vez, parapressionar uma decisão, tentar assustar o Rei esbracejando o espantalho da República.

Rodrigues de Freitas, um histórico republicano do Porto, chegou mesmo a dizer em público,solenemente, que no dia em que o Partido Republicano tomasse o poder deixaria Portugal (o que nos remete de imediato para a famosa anedota de Groucho Marx).

O comportamento dos emigrados do 31 de Janeiro era, por outro lado, do mais deplorável, acusando-se todos uns aos outros de terem roubado o dinheiro da revolução.

Entre 1891 e 1905 “ o Partido Republicano foi um valor nulo, inteiramente nulo, napolítica portuguesa. Inteiramente nulo. Ninguém fez caso dele”. Só em 1905reaparecera “quando as dificuldades criadas pelos monárquicos, e não pelosrepublicanos, tornaram possível a sua especulação”.

Francisco Homem Cristo, Povo de Aveiro, 7 de Fevereiro de 1909

José Rodrigues de Freitas1840-1896

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A revolução vinda de cima

A 5 de Junho de 1891, José Falcão escreve:

“O Partido Republicano supõe que só há um remédio, eeste remédio há-de vir da revolução. Ou a revolução feita pelo Rei, ou a revolução feita pelo Povo… Quer o Sr. D. Carloscolocar-se à frente do movimento? A empresa é de tentar; […]”

José Falcão1841-1893Em Janeiro de 1894, João Chagas recrimina D. Carlos por

não seguir o exemplo de outros soberanos:

“Guilherme II [se] coloca(-se) à frente do movimento socialista alemão, Leopoldo IIfaz justiça às reivindicações do operário belga, e Francisco José promove na Áustriaum movimento a favor do sufrágio universal, […]”

“[…] se a Monarquia nos pode salvar, faça-o.” (José Falcão)

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Fundador da Allgemeiner Deutscher Arbeiterverein ADAV(Associação Geral Alemã dos Trabalhadores) que ao fundir-secom o Partido Operário Social-Democrata irá dar lugar ao SPD,Sozialdemokratische Partei Deutschlands, Partido Social-Democratada Alemanha.

Ferdinand Lassalle1825-1864

“(Lassalle) fascinava os contemporâneos, dentro e fora doseu país, por sua eloquência, tão comovida de sinceridade, tãoardente de juvenil e puríssimo entusiasmo. Fora um cometa,na altura, na pureza, no fulgor, na brevidade duma vida que tevenum duelo brusco o romântico remate.”

Hernâni Cidade, Antero de Quental, 2ª Ed., 1988

Lassale irá entabular uma correspondência secreta com o Chanceler Otto von Bismarck:para Bismarck trata-se de obter um contraponto à influência do poderoso Fortschrittspartei,o Partido do Progresso, e apoio dos trabalhadores às suas reformas sociais; para Lassalle é a oportunidade do Socialismo ser construído dentro da e pela Monarquia, que permitisse a realização daquilo que eram os seus mais elevados ideais: a edificação do Estado Ético.

A revolução vinda de cima

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Não é revolucionariamente, e duma hora para a outra, queuma tão vasta transformação, que abrange todas as relaçõesdos homens na Sociedade, se pode efectuar, mas sim evolutivamente, por meio de sucessivas transformações, poruma lenta preparação que evoque os homens para uma novaordem de coisas e torne possível, sem se passar pelo caos, onovo génesis social.

Antero de Quental, O que é a Internacional, 1872

Antero, ao jornal do Porto “O Trabalhador”, 6 de Janeiro de 1889

Cousa alguma grande e duradoira se fundou ainda no mundo, senão pela moral. E ose o Socialismo tem de ser uma esplêndida realidade, só a será como um passo maisno caminho da evolução moral das sociedades. “Audácia, audácia e sempre audácia!” –exclama Danton, no meio do tumulto dramático da Grande Revolução; nós, no meioda confusão de um vasto movimento de classes, no qual o elemento dramático é poucacoisa, mas enorme o peso das fatalidades económicas, diremos: moralidade, moralidade e sempre moralidade!

A revolução vinda de cima

Antero retratado pelovisconde de Meneses

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O Cesarismo

Em “História da República Romana”, 1885, que A. José Saraivaconsidera “uma das mais notáveis histórias romanas que seproduziram na Europa”, Oliveira Martins escreve: “O conjunto das reformas de César é a substituição de um regime autocrático, de uma administração solícita e de um socialismo de Estado – ao regime liberal da república, regime de anarquia semelhante ao nosso de hoje, em que à sombra da liberdade medra e floresce o capitalismo constituído em sistema […]”

Por outro lado, uma “revolução feita de cima”, uma concentração de força na coroa(que a muitos espíritos superiores e que vêem claro se apresenta como a nossasalvação), […] não seria compreendida pela nação irremediavelmente impregnada deliberalismo e que nessa concentração de força só veria uma restauração doabsolutismo e do poder pessoal.

Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890

Antero acabará por aderir a esta concepção de Martins de Socialismo de Estado ou de Cátedra, apoiando vivamente a participação do seu amigo num eventual governo.

A revolução vinda de cima

Caio Júlio César100 – 44 a. C.

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Oliveira Martins, no Parlamento:“O Socialismo é protector, sim, mas de todos os quesofrem, de todos os que necessitam, sejam operáriosou sejam lavradores, sejam proletários ou pertençama essas classes de pequenos capitalistas e negociantes,frequentemente mais necessitadas que muitos operários fabris”.

Francisco de Assis de Oliveira Martins, O Socialismo na Monarquia, 1944

Antero, por sua vez, não acredita na “acção benéfica dos partidos” nem nas “mudançasmágicas de cenário político, chamadas revoluções, feitas por muita cobiça em nomede muita ilusão”. Admite, pelo contrário, a possibilidade da salvação pela “reforma dasinstituições, e não só políticas como das sociais, coisa que pede sossego e não violência,reflexão e não paixão, muito boa fé e algum estudo”.

O republicanismo sempre viu como panaceia dos nossos problemas a mudança de regime,ignorando, grosseiramente, o factor essencial que era a questão social. Não se dava conta de que havia, como refere Martins, tantas monarquias europeias onde, sem percalços graves, e dentro das instituições, se tinha procedido a verdadeiras e assinaláveis reformas da sociedade.

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Além de que, aspecto execrável, para os caracteres mais sanguíneos do republicanismo, estaria sempre presente o fascínio que a guilhotina e o Terror exerciam sobre a sua imaginação.

No romance “A Capital”, Eça de Queirós evidencia essa profunda divergência:

“ - Este Clube (Democrático) não tem exclusivismos…- Mas tem divergências! […] Entre pessoas que aspiram apenas a substituir um reiconstitucional por um presidente jacobino, que se indignam porque há viscondes,que fazem guerra à lista civil e outras pieguices – e entre nós, que queremos aevolução democrático-social na sua larga acção – há divergências muito graves.É conveniente evitar os equívocos.[…]- Não queremos ser confundidos com os jacobinos!”

“Um jacobino é um conservador incoerente com frases de demagogo”Antero de Quental, Aos eleitores do Círculo 98, 1880

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Crise financeira

A conjugação de uma série de acontecimentos vai provocar uma grave crise financeira no país:

- O conflito entre Portugal e a Inglaterra prejudicava as relações comerciais entre os dois países; - O desastre sofrido pela casa Baring Brothers, que sustentava em Londres o crédito do governo português e das repúblicas sul-americanas, dificulta a obtenção de novos empréstimos;- A alta persistente do câmbio do Brasil reduz a quantidades modestas os recursos anuais enviados pela colónia portuguesa aí residente;- O deficit comercial, que vinha aumentando nos últimos anos, agrava as exigências dos pagamentos internacionais;- A corrida ao Montepio Geral, em Setembro de 1890 , ao alarmar a opinião pública, afectava notavelmente os negócios.

O decreto de 9 de Julho de 1891 estabelece a inconvertibilidade da nota. As notas doBanco de Portugal deixam de poder ser resgatadas em ouro pago à vista do portador.Entra-se no regime do curso forçado.

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Paridade: mil reis = 53 1/3 dinheiros

Cotação média anual do câmbio de Lisboa sobre Londres (mil reis)

1 libra = 12 xelins = 240 dinheiros

O. Salazar,O ágio do ouro1916

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Na mão de Deus

Na mão de Deus, na sua mão direita,Descansou afinal meu coração.Do palácio encantado da IlusãoDesci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores, com que se enfeitaA ignorância infantil, despojo vão,Depus do Ideal e da PaixãoA forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada, Que a mãe leva ao colo agasalhada,E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto…Dorme o teu sono, coração liberto,Dorme na mão de Deus eternamente.

11 de Setembro de 1891Antero soçobra às suas penas e dúvidas e suicida-se em Ponta Delgada com dois tiros de revólver

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Oliveira Martins tem uma fugaz passagempelo Governo, integrando um ministério presididopor José Dias Ferreira. Martins não será feliz nessa experiência governamentalcomo ministro da Fazenda (17 de Jan. – 27 de Maio de 1892).

Nos princípios de 1894, Martins tem febres quase permanentes.Instala-se no antigo convento de Brancanes, à vistade Setúbal. Piora e volta a Lisboa. A 24 de Agosto de 1894 morreJoaquim Pedro de Oliveira Martins. Despede-se: “Morro triste enão levo saudades do mundo”.“Peçam aos meus amigos que se lembrem de mim com saudade.”

Na altura reunia elementos para o seu novo livro, O Príncipe Perfeito.

Em carta a Eça de Queirós, desabafa:

“ José Maria do meu coração! Emergi da cloaca ministerial”

Dias Ferreira1837-1909

Oliveira Martins1845-1894

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Crescimento do PIB per capita

PIB per capita empercentagem da média europeia

D. Justino1989

R. Esteves2000

A Situação Económica

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“Para mim é fora de dúvida que Portugal nuncafoi tão rico como está hoje, visto possuir umaindústria fabril quase completa. Se chega a produziro pão necessário, terá desde logo equilibrado asua balança comercial. O grande desenvolvimentoindustrial nestes últimos seis anos é testemunhobastante da energia nacional. Se o Oliveira Martins pudesse ver este rejuvenescimento da riquezanacional!”

Alberto Sampaio, carta a Luís de Magalhães, Dezembro de 1898

Com efeito, atingida a cotação mais baixa do mil-réis, exactamente em 1898, a sua ascensão sustentada é sintoma de uma melhoria económica geral que se repercutirá em 1906 quando a moeda alcançar a paridade com a libra inglesa.

Luís de Magalhães1859-1935

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No verão de 1899 declara-seum surto de peste na Porto.O governo Progressista de José Lucianode Castro isola a cidade. Os portuenses, furiosos, com a conivência do chefe dos Regeneradores, que aconselha os seus apoiantes a votarem nos candidatosrepublicanos, elegem Afonso Costa,Paulo Falcão e Xavier Esteves.

Jornal “A Paródia” de Rafael Bordalo Pinheiro

Em Maio de 1902, um grupo de oficiais dirige uma mensagem a D. Carlos exigindo“um governo pessoal segundo o sistema prussiano”.Entre os autores da mensagem estavam “quase todos ou todos os oficiais republicanos,que sob a chefia de Carlos Cândido dos Reis, estavam conspirando contra o regimemonárquico” (Homem Cristo)

A recusa do Rei mereceu no Povo de Aveiro o comentário: “vossa majestade deuum exemplo de liberdade que deve envergonhar muitos dos seus súbditos”.

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16 de Agosto de 1900.Morre em ParisJosé Maria Eça de Queirós.A febre intestinal de que padecia talvez a tenha contraídoem Havana ou no MédioOriente quando aí se deslocoupara assistir à inauguração doCanal do Suez.

“Minha querida Emília

Continuo na mesma. Pouco bem.”

Carta da Suíça, de 4 de Agosto de 1900, quando fazia tenções de se deslocar a Heidelbergapara consultar um especialista que lhe tinha sido recomendado.

Eça de Queirós1845-1900

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Bernardino Machado, ex-ministro, ex-grão-mestre daMaçonaria e futuro Presidente da República, sobre D. Carlos,na revista Instituto, de Coimbra, 1901, dois anos antes de aderirao PRP

“Raras vezes tão preciosos dons pessoais esmaltaram acoroa, como hoje em Portugal. O rei dá o exemplo de estudo,de gosto pelos prazeres intelectuais, naturalista e pintorapreciável, e até o exemplo do enrijamento físico que nos não é menos necessário. Quase todos têm que aprender com elea amar por igual os exercícios do espírito e do corpo, e a preparar-seassim cabalmente, por meio de uns e de outros, a bem servir aNação. Modesto no trato íntimo, a sua palavra tem vibração,sonoridade e calor em meio das assembleias solenes. Não fraquejando nunca nas situações difíceis, a sua coragem é simpática”.

Quando aderiu ao PRP, os novos correligionários começaram de imediato a bajulá-lo. Em 1904 tinha sido citado nos jornais 3674 vezes, sendo considerado: luminoso talento1145 vezes, grande talento 2338 vezes, génio 147, grandíssima alma 2491, patriarca 188,santo 299, carácter imaculado 3001, homem de probidade transcendente 138, inteligênciade lucidez etérea 97, sábio 1647, patriota 2425, chefe de família modelo 2314, ilustre75, casto 2 e pudico 5.

Bernardino Machado1851-1944

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O primeiro governo de João Franco.“O embaixador inglês notou o facto de todos os ministros serem homensabastados (havia mesmo dois banqueiros),o que lhe pareceu bom sinal, porque teriammenos razões para meter a mão noorçamento de Estado” (Rui Ramos)

Entre os apoiantes de João Franco contam-seRamalho Ortigão, Fialho de Almeida, umex-republicano e, como há-de confessar maistarde a Raul Proença, António Sérgio.

De João Franco João Chagas reconhecia-lhe quatro qualidades: era rico, o que dava uma caução à sua rigorosa honestidade, tinha uma fé ilimitada em si mesmo – exalava força, era eloquente, tinha um programa de reformas dos costumes políticos.

Homem Cristo em Junho de 1906: “Temo-nos fartado de pedir liberdades”, e agora que“João Franco prometeu, precisamente, a maior parte daquilo que os republicanos têmpedido”, “estamos com medo de João Franco nos tirar força e prestígio executando as suaspromessas”.

Governo João Franco (Maio 1906 – Fevereiro 1908)

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Grande parte da legislatura é despendida pelo PRP a discutira nacionalidade de Driesel Schroeter, filho de austríacos e casado com uma senhora portuguesa, Presidente da Associação Comercial de Lisboa e ministro da Fazenda.

O partido de João Franco, Centro Regenerador-Liberal, tinhaum grupo parlamentar que não bastava à manutenção do Governo. Franco necessitava do apoio dos Progressistas de José Luciano de Castro. Quando pretendeu fazer uma remodelação, chamando ao executivo três membros desse partido, indicados por si, recebeu uma recusa.

A D. Carlos restavam duas hipóteses: ou demitia João Franco ou dava-lhe a ditadura.

A ditadura, como era entendida no Liberalismo, significava somente que o Governolegislava por decreto, à margem do Parlamento, isto é, o Governo acumulava a funçãoexecutiva com a legislativa.

A ditadura já tinha sido pedida a D. Carlos quer pelo chefe regenerador Hintze Ribeiro,quer pelo chefe progressista Luciano de Castro. A questão agora é que temiam que o objectivo fosse criar um partido novo, angariando dissidências e vontades, que conduzisse a nova correlação de forças no espectro político, e isso não estavam dispostos a tolerar.

Ernesto (Ernst) Driesel Schroeter1850-1942

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Em Março de 1907, a reprovação por unanimidade deum candidato a doutor, José Eugénio Dias Ferreira, filho deJosé Dias Ferreira, e que tinha aderido ao Partido Republicanoem Janeiro, vai despoletar uma crise académica em todo o País, atiçada pelos republicanos.

No Parlamento, a táctica seguida pelos deputados do PRP é a decriar a confusão, dando livre expressão à insolência, de modo aserem expulsos, e com isso poderem apresentar-se como vítimas da “violência inerente ao sistema”.

Mas nem todos estão dispostos a fazer-lhes a vontade. Em carta de D. Carlos a João Franco, de 9 de Abril de 1907, diz o Rei:“Soube, e não sei se disto também terias sido informado, que deputados republicanos,salientando-se na discussão Alexandre Braga, combinaram o fazer-se expulsar outravez pela força armada, porque dizem eles que assim expulsos por causa dos rapazes,os terão logo todos do seu lado. Não creio que os tivessem todos mas teriam bastantes,e parece-me que se lhes deve evitar o gostinho.”

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Alexandre Braga – deputado republicano , natural doPorto. Mação. Fez parte do célebre governo d’ “Os Miseráveisde Vítor Hugo”, do nome do Presidente do ConselhoVítor Hugo de Azevedo Coutinho. O governo era também conhecido como a “Adega do Braga”, já que este cavalheiro republicano tinha desenvolvido pela aguardente uma idolatriade verdadeiro fanático.

A questão da Lista Civil

A Lista Civil era a dotação que o Parlamento atribuía à Casa Real, e que saía do ErárioPúblico. O Partido Republicano chamava-lhe o “cancro das finanças”. D. Carlos auferiauma verba que era a mesma do tempo da sua avó, D. Maria II, 50 anos atrás. E não erapor falta de recursos do país, mas sim por cobardia política, o que os levava a fazeradiantamentos ao Rei em vez de proceder a uma actualização. A dotação era modesta,comparada relativamente com outras monarquias, e de maneira alguma despropositada à representação do País, como depois os republicanos vieram a saber por experiência própria.Apenas por curiosidade, aqui ao lado, na Espanha, a Monarquia custa a cada espanhol 19centavos de euro, enquanto que a cada um de nós a República nos fica por 1,58 euros,transferindo o Governo Espanhol para a Casa Real 9 milhões de euros, quando o nossotransfere para a Presidência da República 16 milhões.

Alexandre Braga1871-1921

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Todos os argumentos, pois, militavam no espírito dos ideólogos em favor de uma república – mesmo a sua barateza, pela supressão da lista civil (argumento que impressiona as classes comerciais). Com efeito, o presidente dos Estados Unidos pouco mais ganha do que um ministro no Rio de Janeiro: mas os brasileiros ignoravam (como nós, de resto, naEuropa, imperfeitamente sabíamos antes da publicação do livro do americano William Ivins, Machine Politics and Money in Election) que a eleição do Presidente dos Estados Unidos custa cada quatro anos mais de 90 mil contos, o que dividido pelos quatro anos que dura o presidente, dá vinte e dois mil e quinhentos contos por ano – soma amplamente suficiente para pagar todos os soberanos da Europa e o seu luxo, incluindo o sultão e o Papa.

Eça de Queirós – A revolução do Brasil

Ramalho há-de cravar mais uma farpa:“Como o boi puro o povo não se desilude nunca, nunca se desengana da lide. Um dos seus lidadores […] pôs-lhe mui hábil e graficamente diante dos olhos este argumento aritmético demonstrativo da fome da nação originada do escândalo da lista civil noorçamento geral do Estado. O orador somou, a parcela por parcela, o que recebiam orei e as demais pessoas da família real; dividiu o total em reis por 80, e demonstrou peloquociente que cerca de 400 000 famílias receberiam de graça dois pães de pataco desdeo dia imediato ao do advento da República, em que se distribuísse pelo povo o que devorava a realeza”Ramalho Ortigão, O Sebastianismo Nacional, Fevereiro de 1911

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“Ora sucede que, abolida a Monarquia, e achando-nos nós no mês 5 do ano I da República, nenhum pão de pataco dosoitocentos mil que ingeria o rei, foi por enquanto distribuído ao povo, e que o mesmo povo, outra vez transferido de “Povo Soberano” a “Zé-Povinho”, com indício de estar mudado o Governo da Nação, não logrou ainda o regozijo gratuito de ver passar em dia de gala, dos paços do Governo para o paço da Ajuda, em vez do rei antigo, o presidente novo em coche real puxado a quatro por dezasseis relinchantes famílias aristocraticamente engatadas à Grand-Daumont”

“Outro retórico, em outro comício, explicou, por meiode processo igualmente matemático, que o custeio de cada cavalo de luxo nas reais cavalariças importava emtanto como o sustento de quatro famílias.”

Ramalho Ortigão, O Sebastianismo Nacional, Fevereiro de 1911

Entretanto, o jornal do Partido Republicano “O Mundo” mandava calar o autor de “As Farpas”, às quais outro escritor republicano, Aquilino Ribeiro, chamou “as tábuas de bronze de um povo”.

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… à hora a que escrevemos estas linhas Gomes Leal acha-se preso. Para princípio de vida está no lugar mais decentezinho com que os governos em Portugal podem ainda hoje apadrinhar um amigo. Como perseguido ele pode chegar a tudo quanto apeteça no Estado, e se souber aproveitar o tempo aprendendo o ofício de vítima – de aqui até que o júri ponha cobro ao favoritismo que o prendeu, condenando-o à soltura -, creiam que o hão-de ver ministro para o ministério que vem.

João Ribaixo (Ramalho Ortigão) in Álbum das Glórias(desenho de Rafael Bordalo Pinheiro)

Acerca do tratamento reservado aos revolucionários por JoãoFranco, escreve Homem Cristo :“Na Rússia vai este para a Sibéria. Na Espanha vai para o fundo deuma enxovia, onde leva chicotada, ou vai para … o garrote. EmPortugal … vai tomar chá e cavaquear com os oficiais da GuardaMunicipal”Povo de Aveiro, 11 de Abril de 1909

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Afonso Costa, na prisão, durante a medonha ditadura de João Franco,após ter-se envolvido numa tentativa de golpe de Estado

A masmorra tinha máquina de café, louça cedida pela família do comandante do estabelecimento e almoços encomendados no Tavares

Menu do dia 30 de Janeiro de 1908

Linguado fritoBife de vitelaBatatas em palhaVinho de ColaresQueijo da SerraMaçã, tangerina e banana

Irritava-o, no entanto, a sorte de António José de Almeida, que fora preso antes dele,o que lhe tinha permitido apanhar o melhor aposento da enxovia.

Afonso Costa

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O Regicídio - Trajecto desde a estação fluvial até ao local do assassínio

Local do atentado

Pelas 5 da tarde do dia 1 de Fevereiro de 1908, chegam ao Terreiro do Paço, vindos de Vila Viçosa, D. Carlos, a Rainha D. Amélia e D. Luís Filipe.D.Manuel, que está em Lisboa, vai esperá-los.Poucos minutos depois, D.Carlos e o Príncipe-Real são assassinados.

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Os terroristas assassinos são republicanos convictos pertencentesà Maçonaria, possivelmente membros de lojas irregulares.

“Os elementos mais verosímeis […] (das várias versões dos acontecimentos) dizem […] respeito à existência de um grupo de revolucionários armados ao qual, no âmbito do 28 de Janeiro, teria sido encomendada uma operação de assassinato, tendo Franco ou o Rei como alvos, ou ambos. Esse grupo tinha como interlocutores os chefes republicanos, e recebera armas dos Dissidentes”

Rui Ramos, D. Carlos, 2007

Os principais suspeitos de terem sido os mandantes do crimesão José Maria de Alpoim, chefe da Dissidência Progressista, o visconde da Ribeira Brava, filho de um comerciante madeirense nobilitado por D. Luís, e Afonso Costa, membro do Partido Republicano.

Já se sabia que os republicanos eram um grupo de doidos, agora sabe-seque são um grupo de doidos maus. (Homem Cristo, Povo de Aveiro)

José de Alpoim1858-1916

Ribeira Brava1852-1918

Afonso Costa1871-1937

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“O Rei era um homem “liberal”, isto é, de esquerda(inclusive livre-pensador). Durante anos tentou serum escrupuloso rei constitucional” (Rui Ramos)

“Pobre, pobre D. Carlos!, quando se pensa que afinalera mais inteligente, e teve talvez virtudes superioresàs dos seus adversários – e porque não dizer? – às dosseus cúmplices […] (Fialho de Almeida, 1909)

“Porque foi, por exemplo, morto D. Carlos? […] E no entanto já hoje se pode afirmar sem erro que D. Carlos não foi morto pelos seus defeitos, mas pelas suas qualidades. Respirou-se! respirou-se! – o que não impede que, a cada ano que passa, esta figura cresça, a ponto de me parecer um dos maiores reis da sua dinastia. Já redobra de proporções e não se tira do horizonte da nossa consciência.” (Raúl Brandão, Novembro de 1918, in Memórias)

Teixeira de Pascoaes, um republicano, escreve, em 1925, o drama em verso D. Carlos, uma espécie de anti-Pátria de Junqueiro, um ano após a publicação do livro de João Franco, “Cartas d’El-Rei D. Carlos I a João Franco Castelo-Branco seu Último Presidente do Conselho”

D. Carlos(1863 – 1908)

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O Conselho de Estado propõe a D. Manuel II, então com 18anos, a formação de um governo de concentração partidária sem Franquistas.

João Franco parte para o exílio não voltando a intervir na políticaaté à publicação em 1924 da correspondência tida com D. Carlos durante o seu governo.

Eduardo VII de Inglaterra ao Marquês de Soveral: “Que paísé esse onde matam um rei e um príncipe e a primeira medidaque se toma é demitir o ministério? A revolução triunfou, não é verdade?”

O Partido Republicano, que em 1901 parecia condenado à decadência irreversível, vai ter agora uma franca revitalização, dada a atmosfera favorável assim criada.

“O Partido Republicano recebia uma onda de adeptos sempre que a especulação ou aingenuidade pública julgava a república iminente. Depois a onda voltava ao mar econquanto se não desfizesse de todo, diminuía consideravelmente de volume e defragor”(Francisco Homem Cristo, Notas da Minha Vida e do Meu Tempo, 1936)

“Só depois de 1908 o Partido Republicano se expandiu verdadeiramente, quando passoude 62 centros em todo o país para 172 em pouco mais de dois anos” (Rui Ramos)

D. Manuel II1889-1932

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Em 1909 D. Manuel II vai contratar, a expensas suas, um estudo sobre o estado geral do país, e medidas a tomar para o seu melhoramento, convidando o sociólogo francêsLéon Poinsard , auxiliado por Matos Braamcamp e Serras e Silva, que percorrerão o país, e que irão apresentar no final um extenso relatório com as suas conclusões e sugestões de medidas a tomar.

É feito um inquérito pro forma às circunstâncias doassassínio de D. Carlos e do Príncipe-Real que nadaesclarece.

Todos os implicados na tentativa de golpe de Estado de28 de Janeiro são amnistiados. Inclusive, até a José de Alpoim, que todos consideram estar envolvido no regicídio,pedem à Rainha para receber. É a acalmação e o baixar debraços final do regime.

“Depois da sua queda (de Franco), instalara-se em Lisboa a verdadeira “ditadura”, aditadura da canalha lisboeta, ao serviço de Costa e Alpoim” (Rui Ramos)

“Quem manda, quem governa, mesmo na oposição, são os republicanos, que o Alpoimleva pela mão até às questões importantes” (Raúl Brandão, Julho de 1910, in Memórias)

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Em Junho de 1909, D. Manuel entra em contactocom dirigentes do Partido Operário Socialista. Oobjectivo era envolver os socialistas no projectode reformas que visava para Portugal, como já tinha sido feito, aliás, em outros países, e desviar a massa trabalhadora da influência republicano-jacobina.Aquiles Monteverde, em carta ao Rei, declara: “Arrostei com um elemento considerado o mais revolucionárioe intratável: o Arsenal da Marinha”.Na empresa, D. Manuel era apoiado por Carneiro Pacheco, professor da Universidade de Coimbra, e autor de um estudo sobre o movimento operário.

Em Julho de 1910, o Governo cria uma comissão encarregada de estudar o estabelecimento do Instituto do Trabalho Nacional, tendo nomeado para ela três socialistas, incluindo os históricos Azedo Gneco e Ladislau Batalha.

O Governo , presidido por Teixeira de Sousa, e último do regime liberal, para o qual se aventou até a hipótese de ir o próprio Afonso Costa, era um ministério claramente de esquerda com um programa avançado de reformas sociais e económicas.

D. Manuel II de visita ao Porto

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Carbonária – organização terrorista republicana usada para golpes de mão. Utilizava como arma favoritaa bomba de dinamite a que chamava “artilhariacivil”. A sua base de recrutamento era a “canalha”, gente de condição baixa e impressionável, com o mesmo padrão sociológico daquilo que iria ser a Formiga Branca, tropa de choque do Partido Democrático de Afonso Costa, e da SA, a Sturmabteilung do Partido Nazi alemão.O célebre motto dos carbonários “Beber o sangue do último rei pelo crânio do último padre” basta para aquilatar o tipo moral da organização.

António Mª da Silva, engº de Minas pela Escola do Exército, e o comissário naval graduado em 2º tenente Machado Santos, tendo-se juntando a Luz Afonso, vieram dar significativo poder organizativo à Carbonária. Os três formavam a Alta Venda, a chefia mística da sociedade.

Aulas práticas – carbonários exemplificando o fabrico de bombas.Ilustração Portuguesa, 1911.

A Alta Venda Antº Mª da Silva, Luz Afonso e Machado Santos

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O exército português, em 1910, não constituía de modo algum aquela instituição marcial plena de tradições, máquina bélica bem lubrificada, rolando sobre esferas, comandada por aristocratas que apenas convivem entre si casta impermeável ao mundo , e que, tendo recebido dos pais, passam por sua vez aos filhos todas as altas lições de Pátria, Honra e Dever, como era o caso do exército alemão, que tanta impressão fez em Aquilino.

“O exército não é composto de entidades abstractas e impessoais como princípios: é composto de homens de carne e osso, susceptíveis de todas as fraquezas e de todas as tentações humanas.” (Eça de Queirós)

“Uma bela manhã de Maio de 1912 […] acordei a caudaloso e compassado tropel.Eram os hussardos da Kronprinzessin que se dirigiam à parada. Corcéis de raça,robustos e garbosos cavaleiros, uniformes tão limpos e escarolados que não seriaingénuo perguntar se acabavam de tirá-los do casão. Marchavam a duas alas comperfeita cadência e rigor geométrico. A certa altura da avenida, a charanga rompeu num pasodoble. Acima do estrépito os metais vibraram com brusquidão alada; pareceu-meque o céu abria como açucena; era soberbo, marcialmente soberbo.” (Aquilino Ribeiro,É a Guerra, 1934)

O exército

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“O exército, de facto, não passava de uma dispersa massa de funcionários públicosfardados e de guardas de feira, às ordens do Ministério da Guerra” (Rui Ramos)

“Qualquer oficial, desde que tivesse contactos políticos, podia borrifar-se para a hierarquia” (Correio da Noite, 13 de Setembro de 1910)

“Quanto ao Exército, digamo-lo, era inútil, mas a Nação pagava-o como certasvelhas que têm um amante – vestido de vermelho e espada-arrasto, que lhes não servem de nada e as arruinam. Fantasia ou vício. Somente lhe pagava muito mal.”(Raul Brandão, Memórias)

O exército

Uma característica peculiar do exército era a dos oficiais que não aderindo a sediçõese intentonas também as não combatiam. Não se queriam comprometer. Tinham empregos de alguma estabilidade e almejavam somente à reforma, ao sossego, a umaboa cavaqueira e a um ou outro chá em casas burguesas respeitáveis.

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P Tavares de Almeida

Eleições de 28 de Agosto de 1910 para a Câmara de Deputados 155 lugaresApoiantes de Teixeira de Sousa 90, Oposição Constitucional 51Partido Republicano 14 deputados

Adelino Maltez

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5 de Outubro – Cronologia do golpe

2 de Outubro – Os republicanos aprazam o golpe para a 1 hora do dia 4 de Outubro

3 de Outubro – Última reunião dos golpistas. Vários irão esquivar-se à sua participação, outros mostrar-se-ão contra, outros ainda ficarão alheios às movimentações. O vice-almirante Cândido dos Reis, o mesmo que em 1902 tinha exigido a D. Carlos um governo pessoal de tipo prussiano, insiste em que se vá para a frente. Machado Santos, um funcionário da Marinha sem relevância, mas um dos chefes da Carbonária, já tinha, entretanto, passado à acção.

4 de Outubro (madrugada) – Em Infantaria 16, Machado recruta umas 50 a 60 praças após terem assassinado a tiro um comandante e um capitão. Em Artilharia 1, o capitão A. Palla e alguns sargentos, que haviam introduzido alguns civis no quartel, prendem os oficiais, e juntam-se à coluna de Machado. Palla e Machado Santos seguem para a Rotunda da Avenida, onde se entrincheiram. São 5 da manhã. Haverá aí 200 a 300 praças de Artilharia 1, 50 a 60 de Infantaria 16 e cerca de 200 populares. Entretanto, um tenente, Ladislau Parreira ,e alguns oficias e civis introduzem-se no Quartel do Corpo de Marinheiros de Alcântara, sublevam a guarnição e aprisionam os comandantes, ferindo um deles. No Tejo estão surtos três cruzadores: o Adamastor, o S. Rafael e o mais poderoso dos três o D. Carlos.

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O tenente M. Cabeçadas toma o comando da tripulação do Adamastor enquanto a do "São Rafael" espera oficial para a comandar.Não se vislumbram os principais dirigentes republicanos que tardam em aparecer.

Pelas 7 h é encontrado morto Cândido dos Reis que, julgando o golpe fracassado e apreciando os lances dramáticos, se tinha suicidado. Entretanto, na Rotunda, o aparente sossego da cidade, donde não desembocavam como torrentes as massas republicanas, desalentava de tal maneira os revoltosos que os oficiais acharam melhor desistir. Os militares sediciosos Sá Cardoso, Palla e os outros oficiais retiraram-se assim em boa ordem para o aconchego dos seus lares enquanto Machado Santos e os seus carbonários se mantiveram no seu posto. Desta decisão resultou o sucesso do golpe de Estado do 5 de Outubro.

Do lado governamental, os regimentos de Infantaria 1, Infantaria 2, Caçadores 2 e Cavalaria 2, mais a bateria de Queluz seguem para o Palácio das Necessidades para proteger o Rei, enquanto Infantaria 5 e Caçadores 5 marcharam para o Rossio com a missão de proteger o quartel-general.

5 de Outubro – Cronologia do golpe

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O comando militar da cidade organizou um destacamento para atacar os revoltosos, sob o comando do coronel Alfredo Albuquerque, composta das unidades de Infantaria 2, Cavalaria 2 e a bateria móvel de Queluz. Desta última faz parte o herói das guerras africanas de pacificação o Major Henrique de Paiva Couceiro. Entre as 12h30 e as 16h00, Paiva Couceiro faz fogo sobre a Rotunda.

Uma coluna que se havia formado com o propósito de atacar os revoltosos aí entrincheirados foi mandada retirar, chegando ao Rossio ao fim da tarde sem ter combatido. Deu a ordem de retirada o general António Carvalhal, no dia seguinte nomeado chefe da Divisão Militar pelas novas autoridades, que, traindo o Governo que o empregava e aceitando um lugar dos que lhe competia combater, se cobriu duplamente de desonra. As unidades de Artilharia 3 e Caçadores 6, chamadas de Santarém, e a de Infantaria 15, de Tomar, com guias de marcha para se dirigirem a Lisboa, não chegam a entrar em combate.

Pelas duas da tarde os cruzadores Adamastor e São Rafael, que tinham fundeado em frente ao quartel dos marinheiros, começam a bombardear o Palácio das Necessidades. Às 4 a Marinha bombardeia o Terreiro do Paço. Pelas 9, o tenente Carlos da Maia com alguns marinheiros e civis, após algum tiroteio, que fere o comandante do navio e um tenente, apossam-se do cruzador D. Carlos.

5 de Outubro – Cronologia do golpe

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5 de Outubro - Às três da manhã, Paiva Couceiro parte com a bateria móvel, escoltado por um esquadrão da guarda municipal, e instala-se no Jardim de Castro Guimarães aguardando a madrugada. Quando as forças da Rotunda começaram a disparar sobre o Rossio, Paiva Couceiro abre fogo provocando baixas e semeando a confusão entre os revoltosos. O bombardeamento prossegue com vantagem para os governamentais, mas às oito Couceiro recebe ordem para cessar-fogo, pois iria haver um armistício de uma hora.

O ministro plenipotenciário da Alemanha, chegado na antevéspera, instalara-se no Hotel Avenida Palace. A proximidade do edifício da zona dos combates não o poupou a estragos. Perante este perigo, o diplomata tomou a resolução de intervir. Dirigiu-se ao quartel-general e pediu ao general Gorjão Henriques um cessar-fogo que lhe permitisse evacuar os cidadãos estrangeiros. Sem comunicar ao governo, o general acede.O diplomata alemão, acompanhado de um ordenança com a bandeira branca, dirige-se à Rotunda para acertar o armistício com os revoltosos.

Estes, vendo a bandeira branca, e julgando tratar-se da rendição das forças governamentais, saem das fileiras e juntam-se ao povo, que entretanto se tinha aglomerado na Rotunda. Desencadeia-se então uma situação confusa, com insubordinação de tropas no Rossio e, pouco depois, pelas 9 da manhã, José Relvas proclama a República na varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa.

5 de Outubro – Cronologia do golpe

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Civis posam de armas na mão depois da vitória

Aspecto das barricadas – Rotunda da Avenida

5 de Outubro – Cronologia do golpe

Revolucionários festejando a vitória. Debarbas e chapéu na mão está o viscondeda Ribeira Brava. Na manhã do dia 4, comsalvo-conduto do Quartel-General, estiverana Rotunda tentando dissuadir os revoltosos

“Malva do Vale conta:Éramos quatrocentos e cinquenta homens no alto da Avenida antes de vencermos;depois fomos milhares, todos armados, desde o Ribeira Brava até aos ilustres desconhecidos.Apareciam heróis às chusmas.” (Raul Brandão, Memórias)

Da revolta teriam resultado 60 a 70 vítimas mortais

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5 de Outubro – Cronologia do golpe

Henrique de Paiva Couceiro – herói africanista, antigo Governador-Geral de Angola, a lealdade com que defendeu o seu jovem Rei e seu Comandante-em-Chefe granjeou-lhe um lugar perene entre o escol dos Homens de Honra.

Paiva Couceiro1861-1944

Em Angola com o Príncipe D. Luís Filipe, 1907

Na Galiza em 1912comandando as forçasrestauracionistas

“Logo a seguir à famosa batalhade 5 de Outubro na Rotunda, asforças vencedoras marcharamsobre o Terreiro do Paço, e aí seprocedeu à chamada geral a fimde determinar qual o exacto número de beligerantes ceifadospela morte sobre o terreno daluta. Dessa contagem resultouaveriguar-se que das 4 dúzias deheróis que denodadamente haviamderramado o seu sangue e dado asua vida pelas conquista das liberdades pátrias, sobreviviamapenas uns dez ou doze mil!”(Ramalho Ortigão, Como nós éramos – como eles são, Março 1912)

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No anexo à sua obra Le Portugal Inconnu, Léon Poinsardreflecte: “Se se quer pôr a charrua à frente dos bois e reconstituira situação política antes de reconstituída a vida particular eas instituições locais, se se quer lutar contra os abusos eas baixezas da política por meio da mesma política, a falência éinevitável. Nunca, em tal terreno, os homens probos e justos,naturalmente ciosos da sua reputação, prevalecerão contra os intrigantes e os ambiciosos que fazem da política uma profissão. Os primeiros serão constantemente derrotados pelos segundos, e todas as tentativas futuras encalharão como encalharam asexperiências do passado”

“Em todo o país centralizado basta, por meio de um audacioso movimento, deitar amão às administrações centrais para subjugar o país inteiro, qualquer que seja nele amaioria da opinião”

“Os quadros políticos mudarão de tabuleta mas não de pessoal, o qual passará em massae instantaneamente para o lado do mais forte. Conservar-se-ão os mesmos apetites e osmesmos processos, e o resultado será o mesmo. Com a única diferença de que os violentose os exaltados tomarão mais campo do que tinham, aumentando assim a desordem e operigo. Cruelmente se desenganarão em pouco tempo os que a este respeito possam ainda manter uma ilusão.”

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O que movia os republicanos, esses lidadores do boi-povo,à parte o ódio ao Rei e aos padres?

É muito provável que para um carácter lírico e romântico comoManuel de Arriaga o movesse o desejo sincero de engrandecimentode Portugal e de bem servir a Pátria, e que fosse a República, vá lá saber-se porquê, o único regime que podia realizá-lo. É possível.Mas para a maioria dos republicanos, dos que pugnavam pela aplicaçãoda guilhotina, da Smith & Wesson e da técnica da lobotomia generalizada à cura da sociedade, movia-os tão-somente a ânsia do poder.

Sendo dados um Estado apetecível passível de ser tomado, um grupo de ambiciososdispostos a tomá-lo, e umas massas ignaras para lidar, a fatalidade das coisas determina de imediato a conclusão: tomaram-no!

“Na França, sob Luís XVI, muita gente pensava que todos os males procediam dosreis e dos padres, pelo que cortaram a cabeça do rei e fizeram dos padres peçasde caça. Mas mesmo assim não conseguiram desfrutar de uma bênção celestial. Demaneira que, embora acreditassem que os reis eram maus, não havia perigo nenhum em estender os braços a imperadores” (Bertrand Russell, The Impact of Science on Society, 1952)

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Os homens-fortes do novo regime

Afonso Costa, o Jacobino Perfeito. Pertencia à geração de 90, a geração do Ultimato. Ganhou famainternacional ao pedir, em pleno Parlamento, a cabeça do Chefe de Estado. Nutria pelos jesuítas o mesmo ódio intenso que os nazis dispensavam aos judeus.José Relvas conta como Costa insinuou a sua participação noregicídio, dando a beijar a conspiradores, quando de uma reuniãoantes do 5 de Outubro, um revólver que pretensamente teria atirado sobre D. Carlos. Na altura do golpe andou desaparecido,tendo surgido no dia 5, com o triunfo já consumado, para recolheros louros da vitória. Tornou-se o chefe do Partido Democrático, facção radical do PRP quando este se cindiu. Possuía uma tropa de choque para controlar a “rua”, a Formiga Branca, gente respeitável de caçadeira capitaneada pelo João das Barbas, um genuíno democrata que tanto espancava padres como a própria mãe. A 3 de Julho de 1915, quando se dirigia para o Palácio do Governo, sofre traumatismo craniano ao atirar-se de um eléctrico temendo que lhe arremessassem uma bomba. Portal motivo não pôde tomar posse.Nos anos 30, no exílio, sem perceber o que se passava no mundo, insistia em que tudo não era senão uma infame conspiração internacional dos jesuítas.

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Os homens-fortes do novo regime

António José de Almeida1866-1929

Ar de quem se apresta paraferrar em alguém

António José de Almeida, a linguagem da delinquência. Também ele da geração do Ultimato. Nos tempos de Coimbra, publicounum jornal académico um artigo intitulado “Bragança, o último”,em que numa linguagem elevada recomendava para “o últimoanimal de Bragança […] metê-lo numa das gaiolas centrais doJardim Zoológico, fazer-lhe ali uma cama de palha e deixá-lodormir muito tranquilo e descansado”.

Muito querido dos carbonários, a 3 de Junho de 1908, defende no Parlamento que a bomba de dinamite em revolução, e em certos casos, pode ser legítima. Em 1910, num comício republicano, declara: “não há monárquicos bons nem maus, o que é preciso é atirar-lhes a todos à cabeça”.

Paradoxalmente, com a apropriação do Poder pelo PRP, em 1910, amansou. Possivelmente, por já ter abocanhado o osso. Chegou até a sugerir que poderia haver monárquicos bons, e, pasme-se, mesmo sem estarem mortos! Chefiava o Partido Evolucionista, resultado da cisão do PR. O tratamento que quisera ver aplicado aos monárquicos quase estivera a receber ele, quando apoiantes de Afonso Costa o quiseram matar. Ainda assim, dizia que preferia viver sob a tirania de Afonso Costa do que ser livre sob D. Manuel II. Chegou a haver uma Formiga Preta, mas sem o poder de fogo da sua congénere branca. Foi Presidente da República.

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Os homens-fortes do novo regime

Manuel Brito Camacho, o mais conservador dos três chefesrepublicanos. Publicou o jornal A Luta, e, após a cisão do PRP, funda o Partido União Republicana, Partido Unionista. Do grupo de A Luta, constavam igualmente João Chagas e Teixeira Gomes. Consideravam-se a si mesmos a nata da República.

Chagas iria ser o mais acérrimo defensor da intervençãoportuguesa na Grande Guerra, ao lado da Inglaterra, o que viriaa acontecer em 1916.Aquilino Ribeiro, um correligionário político, traçar-lhe-ia um perfil pouco abonatório: “ Nenhum amigo seu ou pessoa com que tenha privado contestará que é rancoroso e ingrato, impulsivo, versátil e escravo das paixões, ostentador e megalómano, fútil e vaidoso, inalteravelmente cheio de si, ‘eu, mais eu, e um tanto minha mulher que está dejoelhos diante de mim’”.

Aquilino Ribeiro, É a Guerra – Diário, 3 de Agosto de 1914

Brito Camacho1862-1934

João Chagas1863-1925

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Como bons talibãs, os republicanos vencedores começaram de imediato a gozar a sua nova condição de donos da Pátria,tratando de escaqueirar os ídolos falsos do regime derrubadoe de apresentar ao povo, para adoração e reverência, os deuses verdadeiros da nova religião.

Estabeleceu-se uma nova bandeira, em substituição da de1830. Projecto da autoria de Columbano Bordalo Pinheiro.A inspiração era a extinta bandeira do Liberalismo, partida, bicolor, armas sobre o partido. As cores eram as republicanas do Centro Democrático Federal. Recuperou-se o brasão do Reino Unido, com excepção da coroa que foi retirada.A esfera armilar representava agora não o Reino do Brasil mas sim o Ultramar, ou, no dizer dos republicanos, criados agradecidos e obrigados da França, as Colónias.

Columbano aplicaria a teoria psicológica das cores para considerá-las as mais adequadas aestimular a acção e a bravura ao contrário das antigas que seriam frias e inibidoras.A oposição de Junqueiro, que preferia as cores azul e branca, daria lugar à chamada questão das bandeiras.

Os símbolos

Desenho humorístico de O Zé

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É boa! Não sei ler a lista para votarmas sei ler o aviso da décima para pagar!

O Século Cómico (desenho de Magalhães)

Uma das bandeiras republicanas era a do sufrágio universal,que constava do programa do PRP aprovado em Janeiro de 1891, no Porto, e que ainda se encontrava emvigor. (O sufrágio universal era de facto restrito porque apenas se aplicava ao universo masculino).

Mas quando se apropiaram do Poder, e legislaram sobre amatéria, Decretos-Leis de 5 e 20 de Abril ,11 ,12 e 13 de Maiode 1911, as condições para se ser eleitor eram: “cidadãos maiores de 21 anos que saibam ler e escrever ou sejam chefes de família.” Não era o sufrágio universal prometido. As mulheres não estavam contempladas na lei, mas houve quem visse uma ambiguidade na legislação. Carolina Beatriz Ângelo, uma viúva, mostrou quequando a lei referia “cidadãos” isso englobava ambos os géneros, e ela era chefe de família.

Os republicanos tornaram-se mais cuidadosos, além de mais restritivos, e pela Lei de 3 de Julho de1913 as condições já eram: “cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos que saibam ler e escrever”. O mundo rural não vota, as mulheres não votam. Na Monarquia, em 1910, os eleitores são 693 171 ou 11,8% da população, tendo sido 20 anos antes 18,8%; em 1915, na República são 471 557 ou 7,7% da população.

A lei eleitoral

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Uma feminista peculiar

Ana de Castro Osório, escritora, republicana e tida por feminista. Enquanto em Inglaterra as sufragistas se manifestam publicamente pela extensão do direito de voto às mulheres, empreendendo mesmo acções violentas, a denodada feminista considera muito bem ajuizado que o seu amigo Afonso Costa não conceda o reconhecimento ao seu género quanto à capacidade e inteligência suficientes para ter ideias próprias.

Teve, no entanto, a expressiva honra de ter sido a sofrida paixão do excepcional poeta simbolista Camilo Pessanha.

Ana de Castro Osório1872-1935

Sufragistas em campanha

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Tatuagens complicadas do meu peito:Troféus, emblemas, dois leões alados…Mais, entre corações engrinaldados,Um enorme, soberbo, amor-perfeito…

E o meu brasão… Tem de oiro, num quartel Vermelho, um lis; tem no outro uma donzela,Em campo azul, de prata o corpo, aquelaQue é no meu braço como que um broquel.

Timbre: rompante, a megalomaniaDivisa: um ai - que insiste noite e diaLembrando ruínas, sepulturas rasas…

Entre castelos serpes batalhantes,E águias de negro, desfraldando as asas,Que realça de oiro um colar de besantes!

Camilo Pessanha1867-1926

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A 2 de Novembro de 1910 foi legalizado o direito à greve e ao lock-out. Mas com o Decreto de 6 de Dezembro regulamentava-seseveramente esse direito. Instituía-se a proibição dos piquetes e a exigência de pré-aviso com uma semana de antecedência. Nos meios operários a directiva ficou conhecida como "Decreto-Burla“.Mas os trabalhadores ainda hão-de mostrar-se maissensibilizados com tão grandes beneméritos quando maistarde, em sinal de reconhecimento, concederem a Afonso Costa o título honorífico de Racha-Sindicalistas.

O interesse exclusivo que os republicanos demonstravam pela questão política, emdetrimento das questões económicas e morais, já tinha levado Antero de Quental a advertirque os trabalhadores tanto podiam ser explorados na Monarquia como na República. Comoera evidente, não se tinha enganado.

“Voluntários da República”contra as greves

Ocupação militar da estação do Rossiodurante a greve dos ferroviários, Janeirode 1911. A actuação da GNR sobre piquetes e manifestantes era normalmente violenta.

A lei da greve

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Pelo decreto de 29 de Março de 1911 reorganizava-se o ensino primário, criando-se o ensino oficial infantil, novo nível de ensino que defacto não é posto em prática.Desde 1835, no entanto, que em Portugal o ensino primário do Estado era gratuito, universal e obrigatório. De facto, com a proibição do ensino religioso nas escolas, o que se fazia era atentar à liberdade de ensino, e, com isso, coarctar a livre busca de conhecimentos e a satisfação da curiosidade intelectual. Mas o alcance era ainda maior. Pretendia moldar as crianças. A ideia era de que se se lhes não falasse de religião elas, mais tarde, quando adultas, não iriam experimentar interesses ou sentir inclinações religiosas. Nas palavras do Governo o intuito do ensino devia ser criar o “homem novo”, o bom republicano.

Na célebre entrevista à BBC de Londres, Russell mostra de que maneira um governo totalitário pode alcançar a aquiescência da sociedade: “Em primeiro lugar podiam, a partir das escolas infantis e por aí fora, alcançar um poder enorme sobre as opiniões e a maneira de pensar do povo em geral, de maneira que cada indivíduo pense, espere e tema o quefosse determinado pelas autoridades educativas. Terá as esperanças e temores que essasautoridades desejarem, e fará parte obrigatória do panorama de ensino o pensarem bemdo respectivo Governo, o que nem sempre é aceitável” (Bertrand Russell, Bertrand Russell speaks his mind,1959)

O ensino primário

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A questão religiosaAs medidas de carácter religioso tiveram um impacto assinalável no pós-5 de Outubro, sobretudo a lei da separação entre o Estado e a Igreja. De facto, neste particular, tratou-se mais de integração da Igreja no Estado do que uma separação. As igrejas passam a pertencer ao Estado, o culto no seu interior admitido, mas manifestações exteriores apenas são permitidasmediante prévia autorização e nos locais onde fossem “um costume inveterado da generalidade dos cidadãos”. A proibição do ensino religioso, das congregações e os abusos, perseguições, expulsões e assassínios de religiosos, que no séc. XIX observadores estrangeiros tinham considerado serem os mais liberais da Europa, criaram um clima de grande violência, gratuita em parte, mas também como consequência necessária dos princípios ideológicos que enformavam esses republicanos. As leis da famíliaque se seguiram, divórcio, etc. praticamente apenas contemplaram os que já se encontravam nessa situação. Mesmo assim houve entre os republicanos quem tivesse achado excessivo oanticlericalismo que atingia tão fundamente a estrutura basilar da sociedade portuguesa.

Há no republicanismo desse tempo uma deficiência filosófica fundamental na maneirade pensar e ver o mundo – a Weltanschauung, que lhes advém da sua natureza de políticos interessados na acção, no imediato, e não na reflexão, na compreensão do universo, mas também da ideologia dominante nas suas hostes, a filosofia positivista, da qual, ou dos seus traços gerais, retiraram o estritamente necessário para formar as suas ideias e opiniões.

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Antero escreve: “O positivismo, como quase todas as coisas banais, e particularmenteas banalidades francesas, parece claro, simples e capaz de explicar tudo; não pede alémdisso esforço algum à inteligência para ser compreendido: é finalmente cómodo, comotodos os dogmatismos: estes defeitos são a causa do momentâneo favor que encontraem espíritos por um lado frouxos e sem a menor preparação filosófica, por outro ladoimpacientes de quebrarem o jugo de doutrinas puramente convencionais”. (Carta aDomingos Tarroso, 3 de Junho de 1881)

A atitude filosófica perante o fenómeno religioso é muito bem colocada pelo republicano Anatole France:

“É faltar ao sentimento de harmonia tratar sem piedade aquilo que é piedoso. Eu dedico às coisas santas um respeito sincero. Sei que não há certezas fora da ciência. Mas considero pensamento pouco científico o de supor que a ciência possa jamais substituir a religião. Enquanto o homem se amamentar do leite da mulher ele terá de ser consagrado num templo e iniciado num divino mistério”.

A questão religiosa

Anatole France1844-1924

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A questão religiosa

Em artigo publicado na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, Eça comenta a ordem de expulsão dos jesuítas do ensino emitida pelo ministro da instrução do governo francês Jules Ferry:

“É pueril; os republicanos que hoje governam (a França), riamquando o Império imaginava extinguir o socialismo dispersandoa Internacional; e recaem no mesmo erro pensando aniquilar oclericalismo fechando três conventos de jesuítas! […]

E depois, para quem ama realmente a liberdade, é repugnante estar lendo todos os dias nos jornais que já os jesuítas e as outras congregações ameaçadas começam a encaixotar os seus livros, a enfardelar tristemente os seus trapos, a despregar um ou outro painel dasua cela, porque se aproxima o dia 29, em que dois gendarmes de espadão à cinta virãoarrancá-los aos conventos que são seus, edificados pela sua diligência, pagos com o seumetal e tantos anos habitados pela sua devoção.

Há nisto um sabor desagradável à revogação do Edicto de Nantes, à expulsão dos judeus,a missionários apupados pela população chinesa.”(Eça de Queirós, 1880)

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“Além disso (é de urgente patriotismo falar com franqueza),a república entre nós não é uma questão de política interna,mas de política externa. Um movimento insurreccional emLisboa, triunfante ou semitriunfante, teria no dia seguinteum exército de intervenção marchando sobre nós da fronteiramonárquica da Espanha. E se a Espanha […] se convertessenuma república conservadora – um movimento paralelo em Portugal, apoiado por ela e coroado de êxito, seria o fim da nossa autonomia, da nossa civilização própria, da nossa nacionalidade, da nossa história, da nossa língua, de tudo aquilo que nos é tão caro como a própria vida, e por que temos, durante séculos, derramado sangue e tesouros”.

Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890

No Outono de 1911, Afonso XIII de Espanha desloca-se a Londres para conferenciarcom o governo inglês. “Veio pedir ao Governo Inglês que não se opusesse à sua entradaem Portugal, porque não lhe convinha a vizinhança de uma República anárquica”. (Confidência de D. Manuel ao seu secretário particular)

“O meu grande medo é que a Inglaterra farta de tão belo aliado se entenda com a Espanha:todo o meu trabalho agora é impedir tal entendimento” (D. Manuel, 1915)

A questão espanhola

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Em 1913, Afonso Costa, mediante cortes naadministração e a protelação da aquisição denavios, prometidos à Marinha de Guerra, consegue um orçamento excedentário, o que constituía uma novidade governativa. Mas a situação de grande instabilidade política e social criada no país anularia os impactos positivos que esse resultado pudesse ter.

“Mas a política interna vai então exercer alguma influência e, senão causar, actuarao menos na baixa posterior do nosso câmbio. Esta é já importante em 1912,agrava-se ainda em 1913 […] e assim até às vésperas da guerra, a nova e grandecausa da profunda depressão hoje encontrada. Podem considerar-se de agitaçãopolítica permanente os anos referidos. Revoluções fracassadas e violentas repressões,aliadas a campanhas apaixonadas, contraditórias, no interior e no exterior, tiveramefeitos desastrosos que se reflectiam nos câmbios. […] factos adversos, por entre osquais se perdeu, insensível e ineficaz, o equilíbrio orçamental apresentado em 1913”.(Oliveira Salazar, O Ágio do Ouro, Dissertação de concurso para assistente da Faculdadede Direito da Universidade de Coimbra (II grupo – Ciências Económicas), 1916)

As finanças

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A 27 de Setembro de 1915, morre em Lisboa, vítima de doença,José Duarte Ramalho Ortigão.

Duas grandes amizades se forjaramno seio desse grupo ímpar de homenssuperiores que constituiu a Geraçãode 70:Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, Antero de Quental e Oliveira Martins.

“carvões que mutuamentese aquecem e que produziram uma luzque alumiou o final do século”(A. J. Saraiva, A Tertúlia Ocidental, 1996)

Ramalho Ortigão1836-1915

“Pesa sobre vós uma responsabilidade tremenda. No estado em que se acha a sociedade portuguesa, a família é um duplo refúgio – do coração e do espírito. A família é dos pouquíssimos meios pelos quais ainda é lícito em Portugal a um homem honrado influir para o bem no destino do seu século. Querido leitor! O modo mais eficaz de seres útil à tua pátria é educares o teu filho. Consagra-te a ele” (Ramalho Ortigão, As Farpas, 1871).

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Alemanha – anos 30 Portugal – c. 1910

Nazismo avant la lettre

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Alemanha – anos 30 Portugal – c. 1910Nazismo avant la lettre

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Alemanha – anos 30 Portugal – c. 1910Nazismo avant la lettre

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Alemanha - 1940

O Governo Nazi propõe à França oenvio dos judeus da Polónia e doReich para a ilha africana de Madagáscar.É a solução final para o problema judeu, antes de se decidirem a exterminá-los.

Portugal – c. 1910

Miguel Bombarda, director domanicómio de Rilhafoles, propõeo envio dos jesuítas para uma ilha deserta ou o seu internamentoem hospitais psiquiátricos.

Nazismo avant la lettre

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“O povo parece desvairar. É o povo português que insulta os presos políticos?«Vejam-se os chascos, os escarros, os pontapés e as chuçadas que têm chovido sobre os presos políticos, que nem a turbamulta nem os depositários dos poderes da Nação sabem se são criminosos ou inocentes!» (d'O Porto, 19 de Out.).

Ou são os bandos que correm de noite as ruas de Lisboa dando vivas e morras: – Abaixo o bloco! – Viva o dr. Afonso Costa! Viva a anarquia! Morra o António José de Almeida!Já o quiseram matar. Ontem (20 de Out.), a multidão assaltou-o no Rossio, aos gritos de mata! mata! Um homem de face patibular dizia a meu lado: – Dá-se-lhe um tiro na cabeça. – E o dr. Augusto Barreto exclamava: – E para isto trabalhei eu vinte anos! – No meio dum grupo de amigos, a fazer parede, ele só dizia: – Que ingratidão! que ingratidão!...” (Raúl Brandão, Outubro de 1911, in Memórias)

Uma nação atufada em lama e asneira (Antero de Quental)

Raúl Brandão(1867-1930)

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COIMBRA, 18. – É do teor seguinte o papelucho afixado ontem de noite nas esquinas e portas de conhecidos talassas, que a polícia apreendeu, como o Mundo noticiou:

Prevenção

Agora que a Pátria está sendo invadida por inimigos, previnem-se todos os indivíduos que por conta própria ou por conta de outrem tramem contra a vida de cidadãos republicanos, que, averiguada que seja a culpabilidade, ainda que somente por provas morais, serão justiçados onde quer que se encontrem. – Coimbra, 16 de Outubro de 1911.Os diferentes grupos de republicanos parecem a ponto de vir às mãos. Anteontem (27 de Out.), os amigos do António José (de Almeida) reuniram-se, à noite, na Redacção do República, todos armados de brownings e smiths, na iminência dum ataque. São os fanáticos? É o povo? O País não é. (Raúl Brandão, Outubro de 1911, in Memórias)

Uma nação atufada em lama e asneira (Antero de Quental)

António José de Almeida defende-se de revólverem punho às invectivas de morra! morra! que lhedirigem partidários de Afonso Costa. IlustraçãoPortuguesa, 1911

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Uma nação atufada em lama e asneira (Antero de Quental)

“Estamos chegados ao “fim do fim”! A última esperança foi-se e só vejo diante de nós um pântano!! Que horror, que tristeza, que vergonha! […] A situação é terrível e escapamos a uma intervenção estrangeira por uma unha negra. A Espanha queria-a: a Inglaterra impediu-a. A imprensa inglesa foi de uma violência sem igual: entre outras verdades disse que o exército português só sabe trair e fugir e que a marinha só serve para bombardear Lisboa” (Carta de D. Manuel ao Marquês do Lavradio, 10 de Junho de 1915)

Numa reunião do Partido Evolucionista,bravos republicanos esmiúçam ligeiros

particularismos ideológicos à bordoada (1913).

“Pancadaria, bombas e tiros entre os doisbandos (Evolucionistas e Democráticos) eramo pão-nosso de cada dia em Lisboa” (Rui Ramos)

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14 de Maio de 1915 – A Marinha de Guerra revolta-secontra o Governo do General Pimenta de Castro, num golpeorganizado por elementos do Partido Democrático, enquanto o Presidente da República Manuel de Arriaga é transportado sob escolta para o quartel da GNR no Carmo. Apenas alguns oficiais levam a sério a repressão da revolta decretada pelo Governo. Em contrapartida, só o navio Almirante Reis faz 80 tiros de canhão sobre Lisboa. Na sequência dos confrontos do dia 14 e das vendettas dos dias seguintes, levadas a cabo, essencialmente, pela Formiga Branca de Afonso Costa, o número de vítimas irá ascender a mais de 200 mortos e cerca de 1000 feridos.

A balbúrdia sanguinolenta (Eça de Queirós)

Como revelará mais tarde D. Manuel, Portugal arriscou nesses dias uma invasão do país por parte da Espanha que apenas aInglaterra impediu.

Alguns jornais de Londres chegam a afirmarque Portugal já não pode considerar-se umPaís civilizado.

Elementos da Formiga Branca de guarda ao Arsenal da Marinha, 14 de Maio de 1915

General Pimenta da Gama1846-1918

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A balbúrdia sanguinolenta (Eça de Queirós)

A 14 de Dezembro de 1918 é assassinado na estação do Rossio, quando se dirigia para o Porto, onde pretendia encontrar-se com a Junta Militar do Norte, o Presidente da República Sidónio Pais, catedrático de matemática e major do exército .

É estabelecido, pela primeira vez no país, o sufrágio universal,masculino, pelo decreto 3 907 de 11 de Março de 1918.Com o assassínio do Presidente, e formação do novo Governo,o decreto será anulado voltando-se ao status quo ante.

16 de Outubro de 1918, Leva da Morte – Quando são transferidos sob escolta cerca de 140 prisioneiros, entre detidos por delitos comuns e por crimes políticos, a coluna éatacada a fogo quando se encontrava na rua Serpa Pinto, em Lisboa. Da batalha que se seguiu resultam 6 mortos, entre os quais Ribeira Brava, e vários feridos. As versões sobre os acontecimentos são contraditórias com acusações mútuas de responsabilidades no correr de sangue por parte do Governo e do lado do Partido Democrático.

Sidónio Pais(1872-1918)

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À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais

Longe da fama e das espadasAlheio às turbas ele dormeEm torno há claustros ou arcadas?Só a noite enorme

Soldado-rei que oculta sorteComo em braços da Pátria ergueu,E passou como o vento norteSob o ermo céu

Mas a alma acesa não aceitaEssa morte absoluta, o nadaDe quem foi Pátria, e fé eleitaE ungida espada

Tenhamos fé, porque ele foi.Deus não quer mal a quem o deu.Não passa como o vento o heróiSob o ermo céu

Precursor do que não sabemos,Passado de um futuro abrirNo assombro de portais extremosPor descobrir,

Flor alta do paul da grei,Antemanhã da Redenção,Nele uma hora encarnou o el-reiDom Sebastião.

Sê estrada, gládio, fé, fanal,Pendão de glória em glória erguido!Tornas possível PortugalPor teres sido!

E no ar de bruma que estremece(Clarim longínquo matinal!)O DESEJADO enfim regresseA Portugal!

Fernando Pessoa(1888-1935)

(Acção, nº 4, ano II, 27 de Fevereiro de 1920)

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19 de Outubro de 1921, a Noite Sangrenta. São assassinados o presidente do conselho António Granjo e Machado Santos, o herói da Rotunda, juntamente com José Carlos da Maia. Uma camioneta-fantasma com o cabo Abel Olímpio, chamado o Dente de Ouro, circula por Lisboa recolhendo aqueles que irão ser assassinados. Granjo ainda tenta refugiar-se na casa do vizinho Cunha Leal, seu adversário político, mas é daqui arrancado, vindo a morrer no Arsenal a tiro e à baionetada.

São também assassinados o secretário do ministro da marinha, comandante Freitas da Silva e o coronel Botelho de Vasconcelos. José Júlio Costa, o assassino de Sidónio Pais, que se encontrava detido no hospital Miguel Bombarda, é libertado, no dia 19, por 300 civis armados.

O atentado, na sequência da tentativa de golpe de 30 de Setembro, protagonizado pela GNR, e chefiado por Manuel Maria Coelho, um antigo revoltoso do 31 de Janeiro de 1891, vai proporcionar aeste tornar-se o próximo presidente do ministério.

A balbúrdia sanguinolenta (Eça de Queirós)

António Granjo1881-1921

Machado Santos1875-1921

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A balbúrdia sanguinolenta (Eça de Queirós)

Nos funerais de António Granjo, Cunha Leal discursa: a fera que todos nós e eu açulamos, que anda à solta, matando porque é preciso matar. Todos nós temos culpa! É esta maldita política.

Lopes de Oliveira: foi a desordem em que caímos que vitimouagora, canibalmente, alguns dos nossos.

Jaime Cortesão: os crimes que se praticaram não eram possíveis sem a dissolução moral a que chegou a sociedade portuguesa.

De 28 de Outubro a 18 de Novembro, três navios de guerra europeus (1 espanhol, 1 francês e 1 britânico) ficam estacionados no estuário do Tejo

Jaime Cortesão(1884-1960)

Francisco Cunha Leal1888-1970

“Mas Junqueiro, como sempre, sintetiza muito melhor a situação nestas palavras: – Já hoje, se fosse possível fazer um plebiscito ao País, não com papéis mas dentro da consciência de cada um, na escuridão do seu quarto, a maioria monárquica era esmagadora. Havia menos republicanos do que antes do 5 de Outubro.” (RaulBrandão, Memórias, 1911)

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1914 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 280

500

1000

1500

2000

2500

3000

Custo de vida (1914 = 100) Salários (1914 = 100)

Nuno ValérioA moeda em Portugal

Índices de preços e salários 1914-1928

Libra esterlina = 5 escudos (1914), 104 escudos (1924)

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Duração em dias dos 45 governos nos 16 anos da República 1910 – 1926

A Ingovernabilidade do País

Governos0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

1 ano

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No dia 28 de Maio de 1926, o general Gomes da Costa, saindo de Braga, e recebendo apoios por todo o país, entra triunfalmente em Lisboa. É o mais bem sucedido pronunciamento militar das dezenas que houve no novo regime desde 1910.Entra-se na Ditadura Militar. Em 1933, com o plebiscitoda nova Constituição, dá-se início ao Estado Novo.

“Havia um grande consenso na contestação ao Partido Democrático, eternamente no poder.Quase posso dizer que, em termos do consenso quesuscitou, o 28 de Maio foi uma espécie de 25 de Abril […]”(Fernando Rosas, Público, 28 de Maio de 2001)

“Não tenho dúvidas em dizer que Salazar durante os primeiros 15 anos foi um ídolo.Toda a gente sentia isso. Acabaram as revoluções e a vida melhorou”. (Mª Iva Delgado,viúva de Humberto Delgado, Público, 21 de Março de 1999)

General Gomes da Costa1863-1929

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“Foi um cardeal quem realizou toda esta obra? Nadatenho a objectar. Eu estava há muito tempo dispostoa entregar o equilíbrio das finanças portuguesas aqualquer cardeal que, sabendo porventura Teologia,soubesse, a fundo, Aritmética. Se o próprio Pio XI setivesse proposto a extinguir o velhíssimo e permanentedéfice dos orçamentos portugueses, a acabar com o chamamento para o Estado do melhor dos capitais particulares de Portugal, a construir as estradas que, até há pouco tempo, quase de todo faltavam, eu veria com aplauso , Sua Santidadeministro ditatorial das finanças portuguesas.

Mas, dir-me-á V., trémulo de horror, seria então o triunfo máximo do Clericalismo, do Ultramontanismo, da Reacção (os três fantasmas aterradores da existência do meu grande mestre e amigo A. Herculano). Sim. Talvez.” (Jaime Batalha Reis, carta a Bernardino Machado, 12 de Fevereiro de 1930)

Batalha Reis com oMaestro Viana da Mota

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Conclusões

“[…] este cenário de fealdade que é a República” (Raul Brandão, Memórias)

A natureza das coisas e a inevitabilidade das suas consequências foram a causa do estabelecimento da República em Portugal. À deterioração interna dos partidos constitucionais, resultado também do desaparecimento dos grandes estadistas do regime, somou-se-lhe o débil sentimento de auto-preservação característico do próprio Liberalismo.

No regime liberal todas as opiniões gozavam do privilégio de legitimidade, mesmo as daqueles que queriam destruí-lo. Daí que a resposta dos governos às sedições e tentativas de golpe que lhes eram dirigidas fosse sempre ponderada pela ideia de moderação, marca d’ água do Constitucionalismo, mas acentuada no nosso caso pela tradição de “doçura dos nossos costumes”. Quando era necessário actuar, como referia Eça em carta a Oliveira Martins, eram aplicadas “umas meias medidas, inspiradas por uma meia coragem, e executadas com uma meia prontidão.”

Quando Brito Camacho escreveu acerca da ditadura de João Franco, Francisco Homem Cristo, ex-membro do Directório republicano, mandou-o calar-se vociferando “ele não foi um ditador, foi um lorpa!”. A Franco, quando lhe sugeriram um governo de força, o próprio ripostou “para o absolutismo eu não vou”. A interiorização que se tinha feito do Liberalismo era verdadeira e sincera.

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Após terem sido espingardeados à queima-roupa como feras D. Carlos e D. Luís Filipe,a reacção do Poder, essa hidra de despotismo monárquico, foi demitir o Governo e amnistiar os golpistas implicados na intentona de 28 de Janeiro. O regime tinha destas liberalidades grotescas que, como não podia deixar de ser, tinham de conduzi-loà ruína.

Afonso Costa, questionado sobre o facto da República tratar os monárquicos como os republicanos nunca tinham sido tratados no anterior regime, com prisões, fecho de jornais, ilegalização dos partidos, arrombamentos, expulsões de professores, toda uma série de arbitrariedades e violências, respondeu simplesmente que a Republica agia assim porque era forte enquanto a Monarquia era um regime débil. Tão débil que ele Afonso Costa e o seu Partido eram a prova viva dessa debilidade: a galinha estúpida tinha chocado o ovo da serpente que a haveria de devorar.

Das figuras daquele republicanismo pífio de 1910 nenhuma merece o trabalho de um pouco de atenção. São personalidades de segunda e terceira grandeza que as circunstâncias alcandoraram ao Poder. Onde estão os homens da mais alta moralidade como Antero de Quental, da mais sagaz crítica como Eça de Queirós, do mais sério estudo como Oliveira Martins? Dos grandes republicanos, dos heróis, dos Mazzinis, nem resquícios se vislumbram!

Conclusões

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Conclusões

A República, proclamada por uns tantos seus partidários em Lisboa, e depois impostaao País, não resolveu nenhum dos problemas com que se debatia a sociedade portuguesa.Nem era previsível que o fizesse. Não havia um só Partido Republicano mas vários, quase tantos quantas eram as personalidades mais visíveis do movimento. Em segundo lugar, o seu desprezo de sempre pela questão social fizera com que não tivesse um programa pensado que atacasse as situações prementes de pobreza, do industrialismo e do trabalho. De tal maneira que os problemas com que nos debatemos presentemente continuarem a ser os mesmos de então. E a isso não é estranho o facto de sermos governados pelos filhos e netos desses republicanos que herdaram nos genes as enfermidades dos seus maiores: a falta de reflexão e estudo.

A República de 1910, proclamada à revelia do País e instaurada pela violência, só podia ter seguido a trajectória que teve: balbúrdia, anarquia e desmoralização da sociedade. Emsituação incomparavelmente mais difícil do que a nossa, a da Itália do pós-guerra e da ditadura fascista, os cidadãos foram chamados a pronunciar-se sobre o tipo de regime quedesejavam para o país: e por 12 milhões contra 10 venceu a República.

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Conclusões

Bertrand Russell, que durante grande parte da sua vida seposicionou próximo do anarquismo pacifista de Kropotkine, e se declarava monárquico e inteiramente dentro da tradição, dava duas razões da sua preferência pela Monarquia:o custo da eleição do Presidente e o facto de que, em vez do Presidente que normalmente não é do agrado de cerca de metade do País, o Rei , ao contrário, o poder ser.Mas há uma terceira mais relevante: a preservação da Memória, a preservação daquilo que nos individualiza como Povo, com uma Cultura própria, uma Língua, um Sentir e uma História.

Não quer isto dizer que a República não possa encarnar todas aquelasgrandes virtudes que dão corpo e alma a uma Nação. Na Irlanda a República é a Tradição,na Confederação Helvética a República é a Mater Patriae de um povo de quatro línguas.Mas não em Portugal. Portugal nada deve à República; pelo contrário, são republicanosquem dos maiores vitupérios à Memória fez.

Bertrand Russell1872-1970

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