5.1 monteiro sm

CAMBIASSU EDIO ELETRNICA Revista Cientfica do Departamento de Comunicao Social da

Universidade Federal do Maranho - UFMA - ISSN 2176 - 5111

So Lus - MA, julho/dezembro de 2013 - Ano XIX - N 13

93

NOTAS SOBRE AS CRTICAS DE

ADORNO MSICA POPULAR

Mrcio MONTEIRO36

RESUMO: Neste artigo de reviso, prope-se uma discusso sobre as crticas de Theodor

Adorno msica popular em artigos publicados entre os anos 1930 e 1940. Discute a ideia de

estandardizao e os efeitos considerados nocivos da repetio e da distrao. Apresenta ainda

a perspectiva de autores contemporneos sobre os escritos adornianos. Conclui que as crticas

feitas pelo filsofo alemo msica popular so, muitas vezes, usadas como justificativa para

reiterar vises elitistas e preconceituosas.

PALAVRAS-CHAVE: Adorno. Teoria Crtica. Msica Popular.

ABSTRACT: In this review article we propose a discussion on Theodor Adorno's popular

music critique in articles published between 1930 and 1940. We discuss the idea of

standardizing and the noxious effects of repetition and distraction. We also demonstrate the

perspective of contemporary authors on Adorno's writings. We conclude that the German

philosopher criticism on popular music is often used as a justification to reiterate elitist and

prejudiced views.

KEYWORDS: Adorno. Critical Theory. Popular music.

1 Introduo

O filsofo alemo Theodor Wiesengrund-Adorno nasceu na cidade de Frankfurt, no

ano de 1903. Com apenas 20 anos, obteve o ttulo de doutor em Filosofia ao defender uma

tese sobre Edmund Husserl. Com a ascenso do nazismo, Adorno se refugiou na Inglaterra,

mas acabou se transferindo para os Estados Unidos em 1938, onde viveu por doze anos.

Regressou Alemanha em 1950 e, aps alguns anos de frtil produo intelectual, faleceu em

agosto de 1969. Escreveu uma srie de estudos a respeito de msica, dentre os quais se

destacam Sobre a situao social da msica, de 1932, Sobre o Jazz e Sobre o carter

fetichista da msica e a regresso da audio, de 1938, e Sobre msica popular, publicado

em 1941. A proposta deste artigo de reviso discutir as principais ideias de Adorno a

36 Professor do Departamento de Comunicao da Universidade Federal do Maranho. Doutorando do Programa

de Ps-Graduao em Comunicao Social da PUCRS. Mestre em Comunicao (UFPE). Graduado em

Comunicao Social Rdio e TV (UFMA). Email: [email protected]




94

respeito da msica popular, embora seja esta uma tarefa bastante rdua, considerando a

densidade dos ensaios em questo. Tambm apresenta algumas das consideraes de autores

que tm feito esforos tericos no sentido de compreender a perspectiva adorniana.

O primeiro ponto de discusso deste artigo est centrado na aparente no

sistematizao da obra de Adorno. A dificuldade de compreenso dos escritos do filsofo

sobre a arte e a cultura est, sugere Alex Thomson (2010, p.62), para alm de questes

epistemolgicas, no fato de que a apresentao de seus trabalhos na rea assistemtica, isto

, abstradas de sua ocasio temporal e espacial especfica. Para o autor:

Parte da qualidade dialtica da obra de Adorno que ela muitas vezes uma

resposta ao que passava por senso comum na poca em que foi escrita, a uma afirmao especfica feita a respeito de uma obra, ou a desenvolvimentos

considerveis especficos em tradies artsticas particulares e, portanto, til conhecer algo da situao para apreciar o propsito de Adorno (THOMSON, 2010, p. 62).

Da mesma forma, Luciano Gatti (2008) observa que os leitores dos textos de Adorno

devem considerar sempre o que chama de constelao histrica em que o objeto de

investigao foi apreendido. Isto necessrio, aponta o autor, porque o leitor perderia de vista

no apenas a historicidade do pensamento como tambm a necessidade de reformulao

constante, que se d a cada contato com os objetos, que prprio da Teoria Crtica. [...] todo

leitor interessado em compreender o pensamento de Adorno deve partir sempre da articulao

entre histria, pensamento e linguagem com que ele apreende seus objetos em cada um de

seus ensaios (GATTI, 2008, p. 74).

Na seo a seguir, apresentam-se algumas consideraes sobre a anlise proposta por

Adorno a respeito da estrutura da msica popular.

2 Sobre como Adorno analisa formalmente a msica popular

O texto intitulado Sobre msica popular foi publicado em 1941, numa obra editada por

Max Horkheimer no Instituto de Pesquisa Social. Na primeira parte do texto, Adorno discute

as diferenas essenciais, em termos de estrutura, entre a msica popular e a msica sria, e

comea tal empreitada a partir do que chama de caractersticas fundamentais da msica

popular.




95

Neste ponto, de extrema relevncia a ressalva de Thomson sobre as crticas que

Adorno faz: estas seriam crticas primariamente formais, ou seja, teriam como base a estrutura

e os tipos de obra, e no fundamentos sociais. Isto explicaria o fato de que, para Adorno, a

msica popular dependeria de formas padronizadas, em que o ouvinte sabe o que esperar

desde o incio da cano. Os detalhes, afirma Thomson, seriam ouvidos como se fossem se

ajustando a o que chama de estrutura pr-construda.

A caracterstica fundamental, para Adorno, a estandardizao ou, dito de outra

forma, a uniformizao. Segundo o autor, toda a estrutura da msica popular estandardizada.

Entretanto, Adorno alerta para o fato de que a produo da msica popular s pode ser

chamada de industrializada nas etapas de promoo e distribuio. Isto porque o processo de

composio poderia ser comparado, ainda, a um estgio manufatureiro. Este aspecto faz com

que o autor passe a buscar outras razes para a estandardizao estrutural. A resposta vem nos

seguintes termos:

A imitao oferece um fio condutor para enfrentar as razes bsicas disso. Os

padres musicais da msica popular foram originalmente desenvolvidos num

processo competitivo. Quando uma determinada cano alcanava um grande

sucesso, centenas de outras apareciam, imitando aquela que obtivera xito. Os

hits de maior sucesso, tipos e propores entre elementos eram imitados, tendo o processo culminado na cristalizao de standards (ADORNO, 1986, p. 121).

Tal perspectiva retomada algumas dcadas depois por Edgar Morin, que aborda a

cultura de massa como aquela produzida de acordo com o que chama de normas macias da

fabricao industrial (MORIN, 1997, p. 14). O autor observa que, a partir dos anos 1930,

viu-se o surgimento de um novo pblico consumidor que no mais se organizava a partir das

classes sociais, nveis de escolaridade ou gneros, mas que era interpelado pelos produtos da

indstria cultural, organizados a partir de elementos que satisfizessem a todos. Os contedos

passaram, neste sentido, a ser homogeneizados. E o sucesso na msica viria, neste sentido, da

replicao dos modelos e da capacidade de gerar, nos consumidores, a identificao:

Como toda cultura, a cultura de massa elabora modelos, normas; mas, para essa

cultura estruturada segundo a lei do mercado, no h prescries impostas, mas

imagens ou palavras que fazem apelo imitao, conselhos, incitaes

publicitrias. A eficcia dos modelos propostos vem, precisamente, do fato de

eles corresponderem s aspiraes e necessidades que se desenvolvem realmente

(MORIN, 1997, p. 109).




96

Para Adorno, a msica popular tem que atender a duas demandas: a primeira a de

estmulos que provoquem a ateno do ouvinte e a segunda a de material que recaia naquilo

que o ouvinte pode chamar de msica natural, isto , msica com a qual o ouvinte esteja

acostumado. Na viso do autor, a estandardizao da msica popular fruto do que o pblico

lhe impe, isto , que ela seja estimulante por desviar-se, de algum modo, do natural

institucionalizado e que mantenha a supremacia do natural contra tais desvios (ADORNO,

1986, p. 122).

Outra caracterstica da msica popular apontada por Adorno a pseudo-individuao,

que no fim das contas a iluso da realizao individual. Seria uma tentativa de escamotear a

estandardizao. O autor diz que a questo envolver a produo cultural de massa com a

aurola da livre-escolha ou do mercado aberto. Enquanto que a estandardizao mantm os

ouvintes enquadrados, a pseudo-individuao os mantm enquadrados e esquecidos de que o

que eles escutam j sempre escutado por eles.

Este aspecto tem implicaes diretas sobre a noo de gnero musical. Adorno afirma

que os tipos de msica popular so cuidadosamente diferenciados na produo e que se

presume que o ouvinte saiba escolher entre eles. Estes rtulos, ou marcas, teriam o objetivo de

diferenciar produtos que de fato seriam indiferenciados. Mesmo que historicamente superada,

a assertiva de Adorno que:

A msica popular se torna um questionrio de mltipla escolha. H dois tipos

principais e seus derivados, entre os quais preciso escolher. O ouvinte

psicologicamente encorajado pela inexorvel presena desses tipos a saltar o que

lhe desgosta e a deter-se no que lhe agrada. A limitao inerente a essa escolha e

a alternativa claramente delineada que ela contm acarretam padres de

comportamento do tipo gosto/no gosto (ADORNO, 1986, p. 124,125).

Analisando os escritos de Adorno, Alex Thomson afirma que, ao ouvir uma cano

popular, o ouvinte teria a capacidade, assim, de dizer, em cada momento, em que momento da

msica est. Este aspecto estaria, na perspectiva adorniana, ligado produo e distribuio

das canes, ou seja, o que garante que um ouvinte seja capaz de situar a pea musical em

relao ao tema ou estilo.

Para o tempo de Adorno, isto significaria o estilo de dana de que deriva a

cano, mas, hoje, esperaramos ser capazes de reconhecer quase

instantaneamente a diferena entre a balada de uma boy band, o dedilhado

sensvel do cantor compositor, uma trilha sexualizada de hip-hop ou uma cano

de rock alternativo (THOMSON, 2010, p. 67).




97

Nesta seo, discutiu-se a anlise que Adorno faz de aspectos formais da msica de

sucesso. No tpico a seguir, discute-se as principais ideias do autor em relao a como a

repetio implica a ascenso do hit no mbito da msica popular.

3 Repetio, reconhecimento e distrao

Para Adorno, os ouvintes de msica popular esto, de tal forma, acostumados

repetio das mesmas coisas que a elas reagem automaticamente. A repetio confere ao hit,

sugere o autor, uma importncia psicolgica que no seria possvel de outra maneira. No se

trata apenas de uma repetio que implique exausto na quantidade de vezes em que a msica

executada, mas tambm repetio no sentido de continuidade, de imitao. O autor

apresenta, a este respeito, um aparente paradoxo: para ser promovido, um hit deve ter ao

menos um trao atravs do qual possa ser distinguido de qualquer outro, e ainda possuir uma

completa convencionalidade e trivialidade de todos os demais (ADORNO, 1986, p. 126).

O autor sugere que as gravadoras optam por msicas idnticas quelas que j

experimentaram o sucesso. E h uma razo simples pra isso, aponta:

S sendo a mesma que tem chance de ser vendida automaticamente, sem

requerer nenhum esforo da parte do usurio, e apresentar-se como uma

instituio musical. E s sendo diferente que ela pode ser distinguida de outras

canes o que um requisito para ser lembrado e, portanto, ser um sucesso (ADORNO, 1986, p. 126).

Mas a repetio no o nico parmetro apresentado. Adorno aponta para uma certa

infantilizao no contexto da msica popular. Para ele, muitos hits comerciais apelam para

versos infantis, genunos e falsos, que so combinados com alteraes nas letras de canes

originalmente infantis. Neste sentido, a msica assume caractersticas prximas linguagem

da criana, tais como repetio de alguma frmula, limitao tonal, harmonia

propositadamente errnea e o que Adorno chama de coloridos musicais superadocicados.

Tratar adultos como crianas est envolvido nessa representao de divertimento que

buscada para relaxar o esforo diante de suas responsabilidades de adultos (ADORNO, 1986,

p. 129).

Tambm h destaque, neste escrito de Adorno, para o lugar do reconhecimento e da

aceitao da msica como trajeto at o sucesso. Os hbitos de audio gravitariam em torno

do reconhecimento, diz o autor. E a promoo da msica popular visa criar este hbito. A




98

lgica que basta repetir algo at torn-lo reconhecvel para que ele se torne aceito. O autor

prope um esquema que organiza os componentes do reconhecimento da cano ou de partes

dela, que so cinco: vaga recordao, identificao efetiva, subsuno por rotulao, auto-

reflexo no ato de reconhecer e transferncia psicolgica da autoridade de reconhecimento

para o objeto. Estes componentes so apresentados como fases inter-relacionadas de um

mesmo processo.

Primeiro, quando escuta uma cano popular, o ouvinte tem a impresso de estar

relembrando de algo, em funo da estandardizao do material. Em seguida, a recordao

iluminada por um sbito reconhecimento, afirma Adorno. Este reconhecimento , ento,

rotulado. Para o autor, quando o ouvinte consegue reconhecer a cano pelo nome, ele se

sente seguro de estar entre muitos outros ouvintes. como uma questo de pertencimento a

um grupo que tambm j ouviu a cano anteriormente. Sobre este aspecto, Adorno (1986, p.

133) afirma: A reao conectiva consiste, em parte, na revelao ao ouvinte que essa sua

experincia individual, aparentemente isolada, de uma cano particular, uma experincia

coletiva.

A prxima etapa a da auto-reflexo no ato de identificao. O ouvinte no apenas diz

que conhece o hit, mas afirma que este faz parte de si. E se este ouvinte est de tal maneira

saturado por msica ao seu redor, ele sente um verdadeiro alvio quando consegue identificar

algo. E o fato de reconhecer uma pea de msica faz com que o ouvinte tenha comando sobre

ela, podendo reproduzi-la a partir da sua prpria memria. Por ltimo, acontece de o ouvinte

transferir a gratificao da propriedade para o prprio objeto, atribuindo a ele o prazer de

posse que se tenha alcanado. Pode ser, neste momento, que o ouvinte afirme que

determinado hit bom, e que gosta dele. Mas no apenas isso; h embutida a uma ideia de

propriedade, como define o autor: O possuidor da msica que sente que eu gosto desse hit

(porque eu o conheo), atinge um delrio de grandeza comparvel ao devaneio de uma

criana quanto a possuir uma estrada de ferro (ADORNO, 1986, p. 135).

O ltimo componente conduz de volta questo da promoo, afirma Adorno, ao

sugerir que s h reconhecimento social efetivo se a circulao se d por meio da autoridade

de alguma agncia poderosa. O autor encerra este tpico, seo de um texto publicado pela

primeira vez em 1941, da seguinte maneira:

O mecanismo psicolgico aqui envolvido pode ser pensado como funcionando

do seguinte modo: se alguma msica tocada sempre de novo no rdio, o

ouvinte comea a pensar que ela j sucesso. Isso fomentado pelo modo como




99

canes promovidas so anunciadas nas estaes de rdio, frequentemente como

a seguinte forma caracterstica: Agora voc vai ouvir o ltimo sucesso do momento. A prpria repetio aceita como um sinal de sua popularidade (ADORNO, 1986, p. 135,136).

Adorno j havia tratado destes aspectos formais da msica em um ensaio publicado no

ano em que chegou aos Estados Unidos, 1938, intitulado O fetichismo na msica e a

regresso da audio. Naquele texto, o autor trata da decadncia do gosto, fruto do que

chama de perturbao da paz musical. O gosto passou a estar associado ao reconhecimento.

Se perguntarmos a algum se gosta de uma msica de sucesso lanada no mercado, no conseguiremos furtar-nos suspeita de que o gostar e o no gostar

j no correspondem ao estado real, ainda que a pessoa interrogada se exprima

em termos de gostar e no gostar. Em vez do valor da prpria coisa, o critrio de julgamento o fato de a cano de sucesso ser reconhecida de todos; gostar de

um disco de sucesso quase exatamente o mesmo que reconhec-lo (ADORNO,

2000, p. 66).

Alm de discutir as idias de Adorno acerca das implicaes da repetio e do

reconhecimento sobre o sucesso, discutem-se, nesta seo, os fatores de distrao e

desateno oferecidos pela msica popular. Dentro do quadro interpretativo que Adorno

pinta, h espao para um debate a respeito do lugar que a msica popular ocupa no cotidiano

dos trabalhadores urbanos da primeira parte do sculo XX. O argumento do autor que a

msica popular se sustenta e refora uma estrutura de distrao e desateno. Esta estrutura

mental est associada ao contexto do trabalho racionalizado e mecanizado ao qual a

populao urbana est atrelada. No fundo, sugere Adorno, as pessoas querem se divertir. E a

demanda por diverso , ento, prontamente atendida pelos promotores de diverso, que

alegam estar dando s massas aquilo que elas querem.

Msica popular , para as massas, como um feriado em que se tem que trabalhar.

Por isso, h, hoje, uma justificativa para falar de uma harmonia preestabelecida

entre produo e consumo de msica popular. O clamor do povo por aquilo que

ele h de receber de qualquer modo (ADORNO, 1986, p. 137).

Esta idia retomada em um ensaio de Adorno e Horkheimer publicado em 1947. Na

oportunidade, os autores apontam que os produtos da indstria cultural tm consumo certo,

mesmo que seja em estado de distrao. Estes produtos fariam parte de um gigantesco

mecanismo econmico que mantm, sob presso, o trabalho e o lazer. E assim, os indivduos,




100

que migram do interior para a cidade em busca de trabalho e de diverso, encontram o que

procuram.

No texto publicado em 1938, j citado, Adorno havia escrito que ao invs de entreter,

a msica contribuiria mais para o emudecimento dos homens, para a morte da linguagem

como expresso e para a incapacidade de comunicao. A msica de entretenimento

preencheria os vazios do silncio de pessoas amedrontadas, cansadas e escravizadas, pontua

Adorno. A msica de entretenimento serve ainda e apenas como fundo. Se ningum mais

capaz de falar realmente, bvio tambm que j ningum capaz de ouvir (ADORNO,

2000, p. 67).

A seguir, na prxima seo, apresentam-se algumas reflexes a respeito do

pensamento de Adorno sobre a msica popular.

4 Algumas reflexes sobre as crticas adornianas

Na perspectiva de Armand Mattelart e Michle Mattelart (2008), o que Adorno faz,

por meio do seu estudo, criticar o estatuto da msica, rebaixando-o ao estado de ornamento

da vida cotidiana. A funo social da msica, e especificamente do jazz, seria a de reduzir a

distncia entre o indivduo alienado e a cultura afirmativa. Ou seja, uma msica que afirma a

integrao ao status quo. A cultura - o que inclui a msica - perderia, ao se transformar em

mercadoria, seu papel crtico e se tornaria algo desprovido de autenticidade. Os autores veem,

nas anlises de Adorno, o que chamam de eco de um vigoroso protesto erudito contra a

intruso da tcnica no mundo da cultura (MATTELART; MATTELART, 2008, p. 79).

Sobre esta questo, ligada, de certa maneira, a um debate sobre autenticidade, os

autores apontam:

Com certeza, o modo industrial de produo da cultura corre o risco de

padronizao com fins de rentabilidade econmica e controle social. Nem por

isso a crtica legtima da indstria cultural deixa de estar estreitamente ligada nostalgia de uma experincia cultural independente da tcnica (MATTELART;

MATTELART, 2008, p. 79).

Francisco Rdiger (2011) tem uma perspectiva divergente. Para o autor, a crtica

cultura de massa no est no fato de ela ser popular, mas no fato de que boa parte desta

cultura conservaria marcas da violncia e da explorao estas massas.




101

A linguagem rebaixada, o menosprezo da inteligncia e a promoo de nossos

piores instintos, seno da brutalidade e estupidez, que encontramos em tantas

expresses da mdia, sem dvida se devem ao fato de que h muitas pessoas sensveis a esse tipo de estmulo mas, e isso o que importa, tal fato no algo

natural nem, tambm, algo criado pela comunicao (RDIGER, 2011, p. 144).

Segundo o autor, a leitura que se faz das principais obras da teoria crtica uma leitura

apressada, e reside a o equvoco de se pensar que se tratam de textos contrrios cultura

popular, a mdia e a tecnologia. A indstria cultural seria responsvel pela articulao do

consumo esttico massificado como promotor do engajamento da populao nas tarefas

necessrias para a manuteno do sistema econmico e social. O autor conclui, pensando

num contexto mais amplo de abordagem, que a crtica visaria problematizar o carter

predominantemente regressivo da indstria cultural na sociedade atual e considerar o

potencial criativo numa forma mais avanada de sociedade.

Em oportunidade anterior, Rdiger (1999) argumentou que a crtica indstria cultural

no retifica o receptor, como algumas anlises sugerem. Para o autor, ao contrrio do que

normalmente se afirma, os indivduos encontrariam nos bens culturais da indstria meios para

procederem sua prpria constituio como sujeitos sociais. Para o autor, a abordagem

frankfurtiana no contesta o consumo dos bens culturais da indstria porque estes se revestem

de um carter passivo. Ao contrrio, ensejaria uma prtica de leitura ativa, atravs da qual os

seres humanos pudessem se converter em sujeitos sociais na economia liberal avanada.

O movimento cultural da indstria no se reproduziria, segundo esta perspectiva, de

maneira mecnica. o sujeito que vai atrs das mercadorias culturais. Rdiger (1999, p. 44)

afirma que:

A planificao sistemtica e distribuio organizada de mercadorias culturais

sem dvida um fator importante. A vontade com que as pessoas se entregam s

prticas de consumo evidenciam, contudo que h algo mais alm nisso tudo. O

processo cultural da indstria no pode ser visto de maneira linear. A

subjetividade jamais se deixa retificar totalmente, constitui uma espcie de limite

categorial, no obstante sua formidvel plasticidade.

Na perspectiva do autor, h uma tenso paradoxal posta nos seguintes termos: Os

indivduos manifestam-se com ambivalncia perante as prticas da indstria cultural: se de

um lado as tm sob suspeita, por outro as demandam (RDIGER, 1999, p. 46).

Outra leitura a respeito da perspectiva de Adorno sobre a cano popular apresentada

por Herom Vargas (2009). Para este autor, dois aspectos so importantes para o debate:

primeiro, o formato mercantil da cano, que se tornou uma commodity, e, depois, questes




102

ligadas tcnica e tecnologia. Segundo Vargas, a leitura que Adorno faz da cano popular

considera a falta de criatividade das composies, a redundncia nas solues de arranjo, a

nfase nos aspectos no musicais, dentre outras coisas.

Adorno diz, na perspectiva apresentada por Vargas, que a chave para a degenerao da

experincia musical se encontrava na transformao das obras de arte em bens de consumo. O

resultado seria a coisificao da msica. [...] imprimiu-se na msica a superficialidade

tpica da mercadoria que facilita sua assimilao por parte dos ouvintes (VARGAS, 2009, p.

171).

Segundo Vargas, para Adorno, [...] o gosto pela msica se dava mais pelo costume de

ouvir sempre a mesma cano ou as mesmas estruturas musicais em canes aparentemente

distintas, como fora do hbito de audio inconsciente (VARGAS, 2009, p. 172).

Sobre o aspecto da estandardizao, Vargas (2009, p. 173) sugere que a crtica de

Adorno cano popular pode ser resumida nos seguintes termos: O interesse do pblico

pela cano da moda estaria mais prximo da atrao pelo sucesso e da sensao de estar de

acordo com a maioria dos ouvintes do que em relao msica em si, situaes em que a

aparncia determina o que bom.

O que a perspectiva adorniana deixa de considerar, aponta Vargas, que a cano

popular se tornou dinmica ao longo do sculo XX. Isto inclui o surgimento de inmeros

gneros musicais com caractersticas prprias, distintas. Vargas admite que h, de fato, como

Adorno props, canes com ntido carter comercial. Que o texto sonoro , quase sempre,

redundante e repetitivo. Que as letras das canes so de fcil apelo. E que as canes so

submetidas divulgao massiva sem crtica. A anlise de Adorno, sugere o autor, est ligada

ao fato de que aquele ouvia msica popular com os ouvidos de quem apreciava a msica

erudita. Portanto, [...] inferir que todas so estruturadas dessa forma ou que no haja

inovaes nesse campo dar um salto perigoso (VARGAS, 2009, p. 176).

Ainda na perspectiva de Vargas, o fato de a msica popular estar veiculada s mdias e

s tecnologias no configuraria uma conformao absoluta em commodity. Para ele, ao

contrrio do que Adorno concluiu com seus estudos, [...] mesmo dentro das estruturas de

mercado e usando-as nos limites dos grupos/msicos, h maneiras de superao de frmulas,

alterao de percepo, renovao de linguagens, novos usos de tradies, de dados externos

e de tecnologias (VARGAS, 2009, p. 202).




103

5 Consideraes finais

A proposta deste artigo foi apresentar algumas notas do pensamento adorniano a

respeito da msica popular. O que importante de ser observado so as transformaes

ocorridas no mercado musical que, embora possa ter conservado intacta a lgica industrial de

produo, precisou se ajustar ao desenvolvimento de novas tecnologias e aos processos de

hibridizao cultural.

Percebe-se, nas observaes de Adorno, o embrio de uma querela que se tornou

recorrente entre o que msica boa e o que msica ruim. Dito de outra maneira, uma

discusso sobre as noes de msica de qualidade e msica inferior. Alguns pesquisadores

tm recorrido aos textos do filsofo alemo, muitas vezes, como abrigo terico legtimo para

justificar preconceitos e juzos de valor em relao s canes populares que fazem,

efetivamente, sucesso no Brasil.

O questionamento que emerge desta despretensiosa reflexo se Adorno

compartilharia da mesma agonia sofrida por pesquisadores contemporneos - com gosto

musical refinado - quando se deparam, dentro e fora da academia, com o funk carioca, com o

forr cearense, com o ax baiano e com o sertanejo universitrio, adjetivo bastante

reminiscente.

REFERNCIAS

ADORNO, Theodor. O fetichismo na msica e a regresso da audio. In: ADORNO,

Theodor. Textos escolhidos. So Paulo: Nova Cultural, 2000.

ADORNO, Theodor. On the social situation of music. In: LEPPERT, Richard (Org.). Essays

on music. Berkeley: University of California Press, 2002.

ADORNO, Theodor. Sobre msica popular. In: COHN, Gabriel (Org.). Adorno. So Paulo:

tica, 1986.

GATTI, Luciano. Theodor W. Adorno: indstria cultural e crtica da cultura. In: NOBRE,

Marcos (Org.). Curso livre de Teoria Crtica. Campinas: Papirus, 2008.

HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. A indstria cultural: o Iluminismo como

mistificao de massa. In: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa. So Paulo:

Paz e Terra, 2011.




104

MATTELART, Armand; MATTERLART, Michle. Histria das teorias da comunicao.

So Paulo: Edies Loyola, 2008.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no Sculo XX: Neurose. Rio de Janeiro: Forense

Universitria, 1997.

RDIGER, Francisco. Comunicao e teoria crtica do sujeito: a recepo ativa como

processo de assujeitamento. In: RUBIM, Antnio Albino Canelas; BENTZ, Ione Maria

Ghislene; PINTO, Milton Jos. Prticas discursivas na cultura contempornea. So

Leopoldo: Editora UNISINOS, 1999.

RDIGER, Francisco. A Escola de Frankfurt. In: HOHLDELDT, Antonio; MARTINO, Luiz;

FRANA, Vera Veiga. Teorias da comunicao: conceitos, escolas e tendncias.

Petrpolis: Vozes, 2011.

THOMSON, Alex. Compreender Adorno. Petrpolis: Vozes, 2010.

VARGAS, Herom. Essa pra tocar no rdio: redundncia e experimentalismo na cano de sucesso. In: SANTOS, Roberto Elsio dos; VARGAS, Herom; CARDOSO, Joo Batista.

Mutaes da cultura miditica. So Paulo: Paulinas, 2009.

5.1 monteiro sm

Documents