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Nmero 10: maio/2008-outubro/2008
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A CRISE NA EDUCAO DE HANNAH ARENDT E A CRTICA S CONCEPES
EDUCACIONAIS DO PRAGMATISMO
Flvio Rovani de Andrade1
Resumo: Este artigo procura expor a crtica da filsofa Hannah Arendt (1906-1975) s
concepes educacionais do Pragmatismo, em especial ao pragmatismo de John Dewey
(1859-1952). Primeiramente, exposta brevemente a teoria educacional de Hannah Arendt
com base no texto A crise na educao, seu nico texto eminentemente educacional. Por se
articular com o todo de sua obra, faz-se tambm incurses na vasta obra da autora, a fim de
ampliar a compreenso do sentido da educao no conjunto da filosofia e da teoria poltica
arendtiana. Posteriormente, tratada a crtica objeto deste artigo, propriamente dita, com base
numa anlise do texto Democracia e Educao, de Dewey, luz da teoria arendtiana.
Palavras-chave: educao, liberdade, tradio, autoridade, Hannah Arendt, Pragmatismo.
No se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; uma educao sem aprendizagem vazia e portanto se degenera, com muita facilidade, em
retrica moral e emocional.
HANNAH ARENDT
O texto educacional de Hannah Arendt (2000), A crise na educao, parte da
coletnea Entre o passado e o futuro, compe-se de quatro partes. Na primeira, grosso modo,
contextualizada a crise no sistema educacional dos EUA, tendo em vista por um lado ser ela
participante da crise geral que acometeu o mundo moderno, e por outro considerando a
educao face existncia histrica e poltica do pas, ou nas palavras de Arendt (2000),
enraizada na atitude poltica do pas. Nesse ltimo aspecto, destaca o entusiasmo pelo novo
e pela igualdade como elemento intensificador da crise que, somado aceitao servil e
indiscriminada de modernas teorias pedaggicas, tornam a crise ainda mais aguda.
Assim, o que torna a crise educacional na Amrica to particularmente
aguda o temperamento poltico do pas, que espontaneamente peleja para
igualar ou apagar tanto quanto possvel as diferenas entre jovens e velhos,
entre dotados e pouco dotados, entre crianas e adultos e, particularmente,
entre alunos e professores. bvio que um nivelamento desse tipo s pode
1 Graduado em Filosofia pelo Centro Universitrio Assuno (UNIFAI). Mestre em Educao, eixo temtico
Filosofia da Educao, pela Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (FEUSP). Professor do curso
de Filosofia do UNIFAI. E-mail: [email protected].
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ser efetivamente consumado s custas da autoridade do mestre ou s
expensas daquele que mais dotado entre os estudantes [...] Em todo caso,
esses fatores gerais no podem explicar a crise [na educao] que nos
encontramos presentemente, nem tampouco justificam as medidas que as
precipitam (ARENDT, 2000, p. 229).
Por no poder tal temperamento poltico justificar medidas educativas equivocadas,
Arendt passa segunda parte do texto, na qual explicita e analisa os trs pressupostos bsicos
que, segundo ela, fundamentam essas medidas. O primeiro pressuposto a existncia de um
mundo e uma sociedade infantis autnomos, que por isso devem ser governados pelas
crianas. O segundo pressuposto, influenciado pela Psicologia e por princpios do
Pragmatismo, consiste na pedagogia tornada cincia do ensino em geral, emancipando-se da
matria a ser ensinada. O segundo pressuposto ligado ao ensino, o terceiro aprendizagem.
A Pedagogia e as escolas de professores negligentes quanto ao contedo da formao docente
s foram possveis graas a uma moderna teoria sobre a aprendizagem, consistindo em uma
aplicao do terceiro pressuposto, que no dizer de Arendt (2000, p. 231-232), encontrou
expresso conceitual sistemtica no Pragmatismo. Tal pressuposto que s se conhece e
compreende o que se faz, aplicando-se educao na substituio do aprendizado pelo fazer.
Esses pressupostos, que no so intensificadores, mas vias de fato da crise educacional,
trazem cada um problemas distintos, tendo todos relao com a crtica arenditiana ao
Pragmatismo.
De maneira geral, na terceira e na quarta partes, analisada a crise na educao luz
da prpria teoria da autora, focando centralmente a crise da autoridade e da tradio, visto que
a crise na educao, que passa pelo tratado nas partes anteriores, relaciona-se ruptura com a
tradio e perda da autoridade.
A fim de que se possa cercar tanto a teoria educacional quanto a crtica ao
Pragmatismo elaboradas por Hannah Arendt, a seguir ser exposta a primeira, mapeando
alguns dos conceitos-chave de seu pensamento e, posteriormente, tratar-se- mais
especificamente da segunda.
Do sentido da educao em Hannah Arendt
J se tornou clssica a definio que a filsofa Hannah Arendt (2000) empresta
educao, em seu texto A crise na educao. O referido texto, publicado inicialmente em
1958, procura abordar a crise na educao dos Estados Unidos nos idos de 1950, assumindo a
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tese de que tal crise parte de uma crise mais ampla: crise da autoridade, da tradio, da
poltica, do espao pblico, da responsabilidade, e que invade a educao.
A clebre definio a seguinte:
A educao o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante
para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salv-lo da
runa que seria inevitvel no fosse a renovao e a vinda dos novos e dos
jovens. A educao , tambm, onde decidimos se amamos as nossas
crianas o bastante para no expuls-las do nosso mundo e abandon-las a
seus prprios recursos, e to pouco arrancar de suas mos a oportunidade de
empreender alguma coisa nova e imprevista para ns, preparando-as em vez
disso com antecedncia para a tarefa de renovar um mundo comum
(ARENDT, 2000, p. 247).
Essa definio traz luz a funo fundamental da educao para a construo do
mundo, em Arendt. Vemos articulados conceitos como amor, responsabilidade, renovao,
mundo. Se percorremos a obra de Arendt, percebemos que todas essas noes lhes so muito
caras, e se so constitutivas da definio de educao, isso significa que ela possui algum grau
de centralidade no contexto da obra da autora, ainda que esta no se considere uma
especialista em questes educacionais.
Mais ainda, ao percorrermos A crise na educao, encontramos fundamentos
filosficos vigorosos que, participando do pensamento geral da autora, traduzem-se em um
modo peculiar e profundo de se conceber a educao.
Arendt (2000) afirma ser a natalidade a essncia da educao, o fato de que nascemos
para o mundo. Nesse sentido, importante entender as distines conceituais que a filsofa
faz entre vida e mundo, sendo que nascemos para a vida pelo nascimento e para o mundo pela
natalidade: O mundo artifcio humano separa a existncia do mundo de todo ambiente
meramente animal; mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e atravs da
vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos (ARENDT, 1995, p.
10).
Arendt (1995), em A Condio Humana, para contemplar a pluralidade das atividades
humanas, trabalha com o conceito de vita activa, que compreende trs atividades distintas: O
labor, o trabalho e a ao. Essas atividades dizem respeito a diferentes esferas da existncia
humana. O labor a atividade mantenedora a vida, que corresponde ao processo biolgico
do corpo humano (ARENDT, 1995, p.15). O trabalho a atividade produtora dos artifcios
humanos que no se encerram na morte, nem so inerentes natureza, embora passe por cada
vida individual, que sustentculo da produo artificial; os artifcios transcendem a todas as
vidas individuais, pois o mundo transpassa a todas elas. A ao no repousa sobre a natureza
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ou sobre os artifcios criados em sua transformao. A ao, nica atividade que se exerce
diretamente entre os homens sem a mediao das coisas ou da matria, corresponde
condio humana da pluralidade, ao fato de que os homens, e no o homem, vivem na terra e
habitam o mundo (ARENDT, 1995, p. 15). A ao tem por objetivo criar o que Arendt
chama de comunidade poltica, em que os homens se colocam uns perante os outros para
deliberarem sobre os seus rumos, enquanto seres iguais postos como singularidades diante do
corpo poltico coletivo. A condio humana do labor a vida, do trabalho a mundanidade e
da ao a pluralidade.
As trs atividades e suas respectivas condies tm ntima relao com as
condies mais gerais da existncia humana: o nascimento e a morte, a
natalidade e a mortalidade. O labor assegura no somente a sobrevivncia
do indivduo, mas a vida da espcie. O trabalho e seu produto, o artefato
humano, emprestam certa permanncia e durabilidade futilidade da vida
mortal e ao carter efmero do tempo humano. A ao, na medida em que
se empenha em fundar e preservar corpos polticos, cria a condio para a
lembrana, ou seja, para a histria (ARENDT, 1995, p. 16-17).
V-se que, ao dizer que a natalidade essncia da educao, Arendt nos brinda com
um arranjo conceitual bastante abrangente, que envolve vrias esferas da vida humana.
pertinente inserir algumas notas. Arendt (2000) no estabelece, de forma direta, nenhuma
relao entre os conceitos liberdade e educao, o que no implica em dizer que no haja um
teor libertador em sua concepo educacional. Se tomarmos o contexto de Entre o passado e
o futuro, o texto educacional insere-se na seqncia de outros ensaios que refletem sobre a
tradio, que preserva o mundo, e a liberdade, que o transforma. Isso no por acaso. A
educao se insere nesse meio: entre um mundo que mais velho do que as crianas e o
potencial renovador que cada nova gerao traz consigo. Mas deve-se tambm se reconhecer
que embora a assuno da responsabilidade se d sob a forma da autoridade no ato educativo,
educao e liberdade se assentam sobre o fato da natalidade. Diz Arendt (2000, p. 247) que a
educao diz respeito nossa atitude face ao fato da natalidade: o fato de todos ns virmos
ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado mediante o nascimento.
A natalidade , como vimos, a essncia da educao. A liberdade a capacidade de iniciar.
Ela propriedade de todo ser humano que veio como novidade ao mundo. Por constiturem
um initium, por serem recm-chegados e iniciadores em virtude do fato de terem nascido, os
homens tomam iniciativas, so impelidos a agir (ARENDT, 1995, p. 190)2. A liberdade ,
2 Em Que Liberdade, texto que antecede A crise na educao, no nterim da coletnea Entre o passado e o
futuro, Arendt, ao interpretar e se apropriar de parte da teoria agostiniana da liberdade que para ela traduz muito mais o Agostinho romano do que propriamente o cristo, por ser ele um romano faz afirmaes muito
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para Arendt (2000, p. 220), um dom, presente em potencial no nascimento: [...] homens que,
por terem recebido o dplice dom da liberdade e da ao, podem estabelecer uma realidade
que lhes pertence por direito. Educao e liberdade se encontram na natalidade e a educao,
que a princpio faz-se por meio da autoridade e da tradio, e por isso mesmo cumpre com o
propsito de educar para a liberdade na medida em que, voltando definio que a autora
empresta educao, deve preparar as crianas [...] com antecedncia para a tarefa de
renovar um mundo comum (ARENDT, 2000, p. 247).
Ao definir a educao como ponto onde decidimos se amamos o mundo para,
assumindo a responsabilidade por ele, salv-lo da runa, no fosse a renovao por meio dos
novos, Arendt articula ainda o conceito de natalidade essncia da educao, aqui
representada pelos novos com o conceito de responsabilidade. Quando aqui se diz
responsabilidade, quer dizer algo muito profundo. Responsabilidade no culpa, pois esta
ltima de cunho individual. A responsabilidade sempre coletiva, vicria. A
responsabilidade advm do fato de que nascemos no mundo e para o mundo, e, postos diante
dele, somos responsveis por ele, mesmo no sendo por ele culpados. Nesse sentido, diz
Arendt (2004, p. 216-217):
[...] devo ser considerado responsvel por algo que no fiz, e a razo para a
minha responsabilidade deve ser o fato de que eu perteno a um grupo (um
coletivo), o que nenhum ato voluntrio meu pode dissolver [...] somos
sempre considerados responsveis pelos pecados de nossos pais, assim
como colhemos as recompensas de seus mritos.
Dessa maneira, assumir a responsabilidade pelos novos assumir a inalienvel e
coletiva responsabilidade pelo mundo, posto que somente resguardando a novidade
imprevisvel no aquelas que inculcamos nas crianas, e que por sermos velhos tambm so
velhas salvar-se- o mundo da runa.
Alm disso, h na definio uma meno implcita ao conceito de autoridade. Quando
Arendt diz ser a educao o ponto onde decidimos se amamos as crianas para no deix-las
abandonadas a seus prprios recursos, banindo-as do nosso mundo, ela contrape-se
fortes nesse sentido: Em A Cidade de Deus, Agostinho, como mais que natural, fala mais do pano de fundo das experincias especificamente romanas do que em qualquer outra de suas obras, e a liberdade concebida
aqui no como uma disposio humana ntima, mas como carter da existncia humana no mundo. No se trata
tanto de que o homem possua a liberdade como de equacion-lo, ou melhor, equacionar sua apario no mundo,
ao surgimento da liberdade no universo; o homem livre por que ele um comeo e, assim, foi criado depois
que o universo passara a existir: [initium] ut esset, creatus est homo, ante quem nemo fuit. No nascimento de
cada homem esse comeo inicial reafirmado, pois em cada caso vem a um mundo j existente alguma coisa
nova que continuar a existir depois da morte de cada indivduo. Porque um comeo, o homem pode comear;
ser humano e ser livre uma nica e mesma coisa. Deus criou o homem para introduzir no mundo a faculdade de
comear: a liberdade (ARENDT, 2000, p. 216, grifo meu).
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educao progressiva que, sob o argumento de que as crianas possuem um mundo autnomo
do mundo adulto, abandonam-nas nesse mundo infantil, no qual a criana no pode contar
com a solidariedade de seus pares, configurando-se numa ditadura da maioria.
Por vrios momentos, em A crise na educao, Arendt se referir crise de
autoridade. Para ela, a responsabilidade pelo mundo assume, na educao, a forma de
autoridade. Esta, por sua vez, recusada pelo adulto, que recusa igualmente a
responsabilidade pelo mundo. A crise de autoridade intimamente ligada crise da tradio,
isto , com a crise de nossa atitude face ao mbito do passado (ARENDT, 2000, p. 243).
Cabe aqui, um breve esclarecimento: Arendt (2000) no defende a autoridade na
esfera pblica, da ao, mas no a dispensa das relaes pr-polticas, tais como a criao de
filhos e a educao; da a relevncia da autoridade em seus escritos educacionais.
No se pode entender, aqui, autoridade e tradio com os ranos advindos das aporias
da escrita poltica, que ressignificam termos dando-lhes sentidos por vezes contraditrios.
Quanto autoridade, comum identific-la com modelos tirnicos, o que falso. Arendt faz,
em Que autoridade, a seguinte distino:
Por de trs da identificao liberal do totalitarismo e do autoritarismo, e da
concomitante inclinao a ver tendncias totalitrias em toda limitao autoritria, jaz uma confuso mais antiga de autoridade com tirania e de
poder legtimo com violncia. A diferena entre tirania e governo
autoritrio sempre foi que o tirano governa de acordo com seu prprio
arbtrio e interesse, ao passo que mesmo o mais draconiano governo
autoritrio limitado por leis. Seus atos so testados por um cdigo que, ou
no foi feito absolutamente pelo homem, como no caso do direito natural,
dos mandamentos divinos ou das idias platnicas, ou, pelo menos, no foi
feito pelos detentores efetivos do poder. A origem da autoridade no governo
autoritrio sempre uma fora externa e superior a seu prprio poder;
sempre dessa fonte, dessa fora externa que transcende a esfera poltica, que
as autoridades derivam sua autoridade isto , sua legitimidade e em relao ao qual seu poder pode ser confirmado (ARENDT, 2000, p. 134).
Nem autoridade compatvel com tirania, nem tradio exatamente o mesmo que
passado. Com a perda da tradio no se perde o passado, mas se perde o fio que nos guiou
com segurana pelos vastos domnios do passado (ARENDT, 2000, p. 130). A tradio, a
despeito da errnea identificao com a religio, no o passado, mas a memria, que
resguarda a profundidade da existncia humana. Sem memria, sem recordao, no h
profundidade. Ficamos, assim, ameaados pelo esquecimento.
Se a responsabilidade se traduz, na esfera da educao considerada por Arendt como
pr-poltica como autoridade, isso significa que sobre o educador repousa uma legitimidade
que no dele, mas vem do mundo ao qual representa, sendo sua funo apresentar aos novos
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o mundo para que, aparelhados do velho, possam ao cabo do processo educativo reconhecer-
se novos de fato. O educador , ento, representante da tradio, pois no permite que a
memria se esvaia em esquecimento. a educao para a tradio que pode manter a
possibilidade do novo, isto , a liberdade.
Nossa esperana est pendente sempre do novo que cada gerao aporta;
precisamente por basearmos nossa esperana apenas nisso, porm, que
tudo destrumos se tentarmos controlar os novos de tal modo que ns, os
velhos, possamos ditar sua aparncia futura. Exatamente em benefcio
daquilo que novo e revolucionrio em cada criana que a educao
precisa ser conservadora; ela deve preservar essa novidade e introduzi-la
como algo novo em um mundo velho, que, por mais revolucionrio que
possa ser em suas aes, sempre, do ponto de vista da gerao seguinte,
obsoleto e rente destruio (ARENDT, 2000, p. 243).
Arendt (2000) tambm tece comentrios a respeito da rejeio da sociedade moderna
em relao distino entre o pblico e o privado, causada pelo advento da esfera social,
trazendo isso como elemento da crise geral que se sobrepe educao. Para que se
compreenda essa esfera social, preciso visitar A condio humana. Arendt (1995) concebe a
democracia grega, a plis, como uma das comunidades polticas mais loquazes em referncia
participao poltica e um momento poltico privilegiado na histria. No interesse aqui
retomar as propriedades da democracia grega com um olhar nostlgico, mas entender o
movimento que a autora verifica na transposio das esferas da vida humana e como isso
ressignifica os termos poltica e pblico.
Na plis, a esfera pblica e a esfera privada eram bem definidas. A esfera privada era
uma esfera pr-poltica: a unidade da famlia, onde a relao do chefe com os demais
membros uma relao desptica. Na famlia, a relao entre seus membros desigual. na
esfera privada que se concentram os esforos de manuteno da vida individual; no ncleo
familiar que se cuida das necessidades vitais. J na plis, na esfera pblica, a relao entre
seus membros era relao de iguais, relao entre homens livres, isto , os sujeitos liberados
das necessidades. Alis, era a vitria sobre as necessidades da esfera privada uma condio
natural para a liberdade na plis.
No mundo moderno, perde-se essa distino entre a esfera pblica e a esfera privada.
Os interesses da vida privada, suprir as necessidades vitais, invadem a esfera pblica.
Segundo Arendt, desta elevao das preocupaes privadas ao status de interesse pblico
emerge a esfera social: O que chamamos de sociedade o conjunto de famlias
economicamente organizadas de modo a constiturem o fac-smile de uma nica famlia
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sobre-humana, e sua forma poltica de organizao chamada nao (ARENDT, 1995, p.
38).
No mundo moderno, os interesses privados assumem importncia pblica, haja vista
que a ao poltica, dantes voltada para o interesse comum, maior que o interesse pessoal da
subsistncia, que era dada no mundo pblico como j vencida, volta-se inteiramente s
necessidades. Vide o quo os discursos econonomicistas, que representam os interesses
privados das classes dominantes, pesam fortemente sobre as decises dos polticos
profissionais.
Nesse contexto, Arendt exprime o significado de poltica, modernamente falando: a
poltica torna-se uma funo na sociedade. Deste modo, as esferas social e pblica possuem
menor diferenciao que as antigas esferas pblica e privada. Ressignificada a poltica,
igualmente ressignificada a ao poltica. A ao substituda pelo comportamento. Diz
Arendt (1995, p. 50):
Um fator decisivo que a sociedade, em todos os seus nveis, exclui a
possibilidade da ao, que antes era [a excluso] exclusiva do lar domstico.
Ao invs de ao, a sociedade espera de cada um de seus membros um certo
tipo de comportamento, impondo inmeras e variadas regras, todas elas
tendentes a normalizar os seus membros, e faz-los comportarem-se, a abolir a ao espontnea e a reao inusitada. [...] O surgimento da
sociedade de massas [...] indica apenas que os vrios grupos sociais foram
absorvidos por uma sociedade nica, tal como as unidades familiares
haviam antes sido absorvidas, por grupos sociais; com o surgimento da
sociedade de massas a esfera social atingiu finalmente, aps sculos de
desenvolvimento, o ponto em que abrange e controla, igualmente e com
igual fora, todos os membros de determinada comunidade.
Com a breve exposio acima, d para perceber que h, na anlise feita por Hannah
Arendt sobre a educao, um arranjo conceitual bastante amplo que envolve o todo de sua
obra. Agora, passemos crtica ao Pragmatismo, na tica da autora.
Da crtica arendtiana ao Pragmatismo
Antes de expor a crtica arendtiana ao Pragmatismo, cumpre fazer alguns
esclarecimentos. Arendt (2000, p. 238) no considera que os efeitos dos pressupostos que o
envolvem sejam fruto da inteno dos pragmticos, ressaltando inclusive que o objetivo
central [...] foi o bem-estar da criana, mesmo no tendo logrado xito e sim resultado em
grave violao ao desenvolvimento das crianas.
Por pelo menos dois momentos no texto, Arendt (2000) deixa claro que seu alvo a
educao progressiva. Isso, por si s, j indicativo de que seu embate possui John Dewey
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(1859-1952) como principal interlocutor dentre os autores da primeira gerao do
Pragmatismo. Alm disso, como salienta Renato Rodrigues Kinouchi (2007, p. 220) Dewey
se tornou a principal figura do pragmatismo no sculo XX. Na verdade, Peirce e James, que
faleceram antes da primeira guerra mundial, ainda eram homens do sculo XIX.
O problema da crise na educao norte-americana apresentado por Arendt (2000)
como fracasso ou renncia do ser humano em relao busca de respostas, pois esse juzo o
bom senso ou senso comum em virtude do qual ns e nossos cinco sentidos esto adaptados
a um nico mundo comum a todos ns (ARENDT, 2000, p. 227). A perda desse juzo
visvel na radical revoluo em todo o sistema educacional, que sob o espectro de uma
educao progressiva, promoveu a derrubada sbita de todas as tradies e mtodos
estabelecidos de ensino e aprendizagem, entre os anos de 1930 e 1950. [...] o fato
importante que, por causa de certas teorias, boas ou ms, todas as regras do juzo humano
normal foram postas de parte (ARENDT, 2000, p. 227).
O fato de a educao estadunidense apresentar baixos padres instrucionais em relao
aos pases europeus est envolto no paradoxo de serem os EUA um dos pases mais modernos
do mundo; o avano norte-americano converte-se, paradoxalmente, em retrocesso no campo
da educao. Isso verdadeiro porque:
Em parte alguma os problemas educacionais de uma sociedade de massas se
tornaram to agudos, e em nenhum outro lugar as teorias mais modernas no
campo da Pedagogia foram aceitas to servil e indiscriminadamente. Desse
modo, a crise na educao americana, de um lado, anuncia a bancarrota da
educao progessiva e, de outro lado, apresenta um problema imensamente
difcil por ter surgido sob as condies de uma sociedade de massas e em
resposta s suas exigncias (ARENDT, 2000, p. 227-28)
Como se pde notar, a autora considera a educao progressiva como um dos
modernos fatores da crise educacional. Nesse particular, entra em cena a crtica ao
Pragmatismo. Voltando queles pressupostos bsicos das medidas equivocadas que levaram a
educao situao de crise: quando no era causado pela influncia do posicionamento
pragmtico, como no caso do primeiro pressuposto, era, em todo caso, ratificado por ele. Isso
faz de tais pressupostos reflexos do Pragmatismo na educao. Com respeito a isso, Arendt
(2000, p. 233) diz que qualquer que seja a validez da formula pragmtica, [...] tende a tornar
absoluto o mundo da infncia exatamente da maneira como observamos no caso do primeiro
pressuposto bsico.
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O primeiro pressuposto, o da existncia de um mundo e uma sociedade infantis
autnomos3, embora Arendt (2000) no atribua a origem ao Pragmatismo, endossado por
Dewey em afirmaes tais como: A instruo consciente s ter possibilidade de eficcia na
medida em que se harmonizar com o procedimento daqueles que constituem o ambiente social
da criana (DEWEY, 1979, p. 19, grifo meu). E ainda: importantssimo encarecer o valor
das primeiras experincias dos imaturos [...] Mas estas experincias no consistem em um
material exteriormente apresentado e sim na ao recproca das atividades inatas e do meio
(DEWEY, 1979, p. 86, grifo meu). As crticas elaboradas por ela a esse pressuposto
encaminham-se em duas frentes, sendo uma em relao criana e outra em relao aos
adultos.
Quanto aos adultos, Arendt (2000) objeta que a autoridade do adulto, que diz criana
individual o que devido ou no fazer, transferida ao grupo de crianas, uma vez que tudo
o que o professor pode fazer modificar os estmulos e as situaes (DEWEY, 1979, p.
199), gerando uma situao de impotncia do adulto ante cada criana. As relaes reais e
normais entre crianas e adultos, emergentes do fato de que pessoas de todas as idades se
encontram sempre simultaneamente reunidas no mundo, so assim suspensas (ARENDT,
2000, p. 230). Cabe ao adulto, to somente, sugerir criana que faa o que lhe for agradvel.
Quanto s crianas, a objeo de Arendt (2000, p. 231) vai no sentido de denunciar os
efeitos patolgicos da transferncia da autoridade sobre a criana individual da pessoa do
adulto ao grupo de crianas, efeitos esses que conduzem ao conformismo ou delinqncia
juvenil, e freqentemente a mistura de ambos. Segundo ela, a autoridade de um grupo
sempre mais forte e tirnica do que a de um indivduo tomado isoladamente. Se antes a
criana lutava contra o adulto, ao menos podia contar com a solidariedade das outras crianas;
mas quando a criana est submetida autoridade de seu prprio grupo, encontra-se na
posio, por definio irremedivel, de uma minoria de um em confronto com a absoluta
maioria dos outros (ARENDT, 2000, p. 230). Desse modo, a criana individual perde, quase
que totalmente, a possibilidade de insurgncia contra essa maioria.
ao emancipar-se da autoridade dos adultos, a criana no foi libertada, e sim
sujeita a uma autoridade muito mais terrvel e verdadeiramente tirnica, que
a ditadura da maioria. Em todo caso, o resultado foi serem as crianas, por
assim dizer, banidas do mundo dos adultos. So elas, ou jogadas a si
mesmas, ou entregues tirania do prprio grupo, contra o qual, por sua
3 Arendt parece no conhecer a sistematizao da historicidade do conceito de infncia, inaugurada apenas em
1960, na divulgao dos estudos pioneiros de Ph. Aris, na Frana, mas que s ser publicado efetivamente em
1973, em uma verso modificada e prefaciada pelo autor. A respeito dessa historicidade, ver ARIS, Ph.
Histria social da infncia e da famlia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
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superioridade numrica, elas no podem se rebelar, contra o qual, por serem
crianas, no podem argumentar, e do qual no podem escapar para nenhum
outro lugar por lhes ter sido barrado o mundo dos adultos (ARENDT, 2000,
p. 231)
O segundo pressuposto, que tem a ver com o ensino, toma a pedagogia como cincia
do ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matria efetiva a ser ensinada
(ARENDT, 2000, p. 231). Para a autora, esse pressuposto influenciado pela Psicologia
moderna e por princpios do Pragmatismo.
Parece haver slidos indcios, em Dewey (1979), que a crtica de Arendt dirigida a
ele. Para o norte-americano, o ensino consciente no capaz de educar utilizando-se de
contedos, ou fazendo com que o saber elaborado pela tradio seja transmitido para as novas
geraes. Vale ressaltar que no se trata, para Dewey, de uma reformulao didtica para que
o mundo seja apresentado aos novos, mas de plena recusa, como ele prprio diz, galharia
seca do passado, ao estorvo, mera tradio.
Vejamos o que ele defende como funo da escola:
A primeira funo do rgo social que denominamos escola proporcionar
um ambiente simplificado. Selecionando os aspectos mais fundamentais, e
que sejam capazes de despertar reaes por parte dos jovens, estabelece a
escola, em seguida, uma progresso, utilizando-se dos elementos adquiridos
em primeiro lugar como meio de conduzi-los ao sentido e compreenso real
das coisas mais complexas. [...] Em segundo lugar, tarefa do meio escolar
eliminar o mais possvel os aspectos desvantajosos do ambiente comum,
que exercem influencia sobre os hbitos mentais. Cria um ambiente
purificado para a ao. [...] Toda sociedade vive atravancada, comumente,
com a galharia seca do passado e com outras coisas verdadeiramente
perniciosas. dever da escola omitir tais coisas do ambiente que
proporciona, e deste modo fazer com que se neutralize sua influncia no
mbito social comum. [...] proporo que a sociedade se torna mais
esclarecida, ela compreende que importa no transmitir e conservar todas
as suas realizaes, e sim unicamente as que importam para uma sociedade
futura mais perfeita. [...] Em terceiro lugar, compete ao meio escolar
contrabalanar os vrios elementos do ambiente social e ter em vista dar a
cada indivduo oportunidade para fugir s limitaes do grupo social em
que nasceu, entrando em contato vital com o ambiente mais amplo.
(DEWEY, 2009, p. 21-22, grifo meu).
Em diversos momentos, Dewey (1979, p. 19) demonstra sua descrena quanto ao
ensino por contedos, uma vez que para ele O que o ensino consciente pode fazer , no
mximo, libertar as aptides. Isso surte efeitos sobre suas concepes de matria de estudo e
do papel do docente.
A matria de estudo so os fatos observados, recordados, lidos, discutidos, e
idias sugeridas no desenvolver-se de uma situao que tenha um objetivo.
[...] O papel do educador na empresa da educao proporcionar o
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ambiente que provoque reaes e respostas e dirija o curso do educando.
Em ltima analise, tudo que o educador pode fazer modificar os estmulos
ou as situaes, de modo que das reaes resulte o mais seguramente
possvel a formao de desejveis atitudes intelectuais e sentimentais.
(DEWEY, 1979, p. 199, grifo do original).
E ainda:
Do ponto de vista do professor, os vrios estudos, as diversas disciplinas ou
matrias representam recursos eficazes, capital utilizvel. No , todavia, s
aparente o distanciamento, desses estudos, da experincia dos jovens: real.
A matria do estudante no , por essa razo, nem o pode ser, idntica
matria formulada, cristalizada e sistematizada pelo adulto, isto , do modo
que se encontra em livros, obras de arte, etc. [...] O professor no se
preocupa propriamente com a matria [...] existem mesmo certos aspectos
da cultura e preparo superior na matria considerados em si mesmos que servem de estorvo ao ensino eficaz, a menos que a atitude habitual do
professor seja a de interesse pela interao da matria com a experincia
pessoal do aluno (DEWEY, 1979, p. 201-202).
Mais adiante, como que em resposta a objees em relao ao abandono do contedo,
Dewey (1979, p. 206, grifo do original.) o recoloca, mas em plena consonncia com o
primeiro pressuposto j advertido: O cabedal de coisas ouvidas ou lidas tem importncia [...]
mas somente se o educando dele necessitar e puder aplicar em alguma situao dele,
educando Fica ainda mais patente a separao entre matria e contedo na definio
deweyana dada cincia e ao conhecimento, no contexto da explanao sobre a natureza da
matria de estudo:
Cincia o nome do saber em sua mais caracterstica forma. Ela representa,
de certo modo, o resultado final do aprendizado o termo deste. O que conhecido, em tal caso, o que certo, seguro, assente, aquilo que
dispomos; antes aquilo com que pensamos, do que aquilo sobre que
pensamos. Em sua concepo nobre, conhecimento distingue-se de opinio,
da conjectura, da especulao e da mera tradio (DEWEY, 1979, p. 208).
Fica flagrante o desacordo entre Arendt e Dewey em relao importncia da
tradio, que para ela no sinnimo de impureza. A tradio o que confere autoridade ao
professor, e s ela garante sua legitimidade. Sendo a funo da escola para Arendt (2000, p.
246) ensinar s crianas como o mundo , e no instru-las na arte de viver, a escola ,
como qualquer outra instituio, legitimada pela tradio, que no currculo escolar a
matria, o saber elaborado.
Vendo que o segundo pressuposto aparta a cincia de ensinar da matria, Arendt
(2000) enumera seus resultados negativos, valendo-se tanto dos aspectos tericos quanto das
circunstncias factuais. Primeiro, a negligncia na formao dos professores em suas
matrias, faz com que eles se encontrem no raro [...] apenas um passo a frente de sua classe
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em conhecimento (ARENDT, 2000, p. 231). Em conseqncia disso, os estudantes, j
abandonados a si prprios, perdem a referncia legitimadora da autoridade do professor. O
professor no autoritrio, que gostaria de se abster de todos os mritos de compulso por ser
capaz de confiar em sua prpria autoridade, no pode mais existir (ARENDT, 2000, p. 231),
havendo, na prtica, uma contradio fundamental.
O terceiro pressuposto, a substituio da aprendizagem pelo fazer, que Arendt
considera como ideal da modernidade e encontrando no Pragmatismo sua expresso
conceitual sistemtica, de sistematizao deweyana, pois para o pragmtico o
conhecimento do curso natural do desenvolvimento sempre se vale de situaes que implicam
aprender por meio de uma atividade, aprender fazendo (DEWEY, 1979, p. 204, grifo do
original). A nfase, a exemplo da j referida definio de cincia e conhecimento, aquilo
com que pensamos, isto , a forma como o saber produzido. isso, certamente, o
significado, e nisso repousa a centralidade da noo de desenvolvimento na teoria
pedaggica pragmtica, que impe educao um imediatismo:
A idia do desenvolvimento d em resultado a concepo de que a educao
um constante reorganizar ou reconstruir de nossa experincia. Ela tem
sempre um fim imediato, e, na proporo em que a atividade for educativa,
ela atingir esse fim que a transformao direta da qualidade da experincia. (DEWEY, 1979, p. 83, grifo meu).
Para Arendt (2000, p. 232), essa noo de desenvolvimento e esse imediatismo
transformaram as instituies de ensino em instituies vocacionais incapazes de fazer com
que a criana adquirisse os pr-requisitos normais de um currculo padro.
A aplicao do terceiro pressuposto, a substituio do trabalho (no sentido que
arendtiano) pelo brinquedo, tambm provm de Dewey (1979). Para ele, somente o
brinquedo, os jogos e os trabalhos ativos como montar um objeto a partir da sucata, o que
no sai da esfera da brincadeira , so capazes de produzir resultados intelectuais que
aproveitem os impulsos naturais das crianas, ou ainda, correspondem ao mtodo pelo
qual os seres humanos mais jovens assimilam os pontos de vistas dos mais velhos (DEWEY,
1979, p. 12). Diz Dewey a esse respeito:
[...] quando se tem oportunidade de pr em jogo, com atos materiais
[brinquedos, jogos e trabalhos produtivos], os impulsos naturais das
crianas, a ida escola para ela uma alegria, manter a disciplina deixa de
ser um fardo e o aprendizado mais fcil. [...] o jogo e o trabalho
correspondem, ponto por ponto, aos caractersticos da fase inicial do
trabalho de aprender, que consiste [...] em aprender como fazer as coisas e
processos aprendidos ao faz-los. [...] O problema do educador fazer que
os alunos se dediquem de tal modo a essas atividades (DEWEY, 1979, p.
214-216).
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Para Arendt (2000, p. 233), essa soluo pragmtica coloca em cheque o propsito da
educao, que preparar a criana para o velho mundo dos adultos, posto que o hbito do
trabalho, que gradualmente retira a criana do mundo infantil e a introduz no mundo adulto,
extinto em favor do mundo da infncia.
Consideraes finais
Em virtude do exposto, possvel inferir que a raiz terica da crise constatada por
Arendt a no percepo de Dewey de que o ambiente social da criana no natural. Nesse
sentido, o naturalismo deweyano expresso conceitual da crise na educao. Ao ratificar a
existncia de um mundo infantil e desenvolver um mtodo cuja essncia atuar nesse mundo
e fazer do educador um mero estimulador, ou seja, reforando ao mximo que o mundo dos
adultos est para a educao apenas como capital utilizvel a fim de que o estudante possa
aplicar em uma situao dele, educando, Dewey no se d conta de que o prprio ambiente
social da criana em si artificial.
Essa reteno da criana [em seu prprio mundo] artificial porque
extingue o relacionamento natural [leia-se essencial] entre adultos e
crianas, o qual, entre outras coisas, consiste do ensino e da aprendizagem,
e por que oculta ao mesmo tempo o fato de que a criana um ser em
desenvolvimento, de que a infncia uma etapa temporria, uma
preparao para a condio adulta (ARENDT, 2000, p. 233).
pertinente, enfim, retornar relao entre autoridade e responsabilidade. pela
primeira que assumimos a segunda; recusar a uma, esquivar-se da outra. Uma educao
pautada na autoridade, no por isso arbitrria ou tirnica. Em Arendt (2000), o educador
cumpre com uma dupla responsabilidade: proteger o mundo daquele que novo, a fim de
preserv-lo da runa, e inserir a criana paulatinamente no velho mundo do qual herdeira,
sem abandon-la a si prpria, onde ela poder assumir sua condio de novidade e renovar o
mundo, exercendo com responsabilidade a sua liberdade.
Referncias
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. So Paulo: Perspectiva, 2000.
__________. A Condio Humana. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1995.
__________. Responsabilidade e Julgamento. So Paulo: Companhia das Letras, 2004.
DEWEY, John. Democracia e educao: introduo filosofia da educao. So Paulo:
Nacional, 1979.
KINOUCHI, Renato Rodrigues. Notas introdutrias ao pragmatismo clssico. In: Scientiae Studia, So Paulo, v. 5, n. 2, p. 215-226, 2007.