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AVALIAÇÃO E EXCLUSÃO EDUCACIONAL Maria das Neves Barbosa Guedes 1 (SEDUC/CG/PB) Santuza Mônica de F. P. da Fonseca 2 (CE/UFPB) Resumo O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre o papel da avaliação do desempenho escolar e, sobretudo, sobre o seu caráter classificatório e excludente. Além disso, buscamos compreender a concepção dos professores acerca da avaliação do rendimento escolar e como eles a realizam, identificando se a avaliação aplicada na escola tem ou não caráter excludente e como acontece essa exclusão. Procuramos, ainda, apontar os possíveis fatores que influenciam na recorrência da avaliação classificatória. Optamos na pesquisa pela abordagem qualitativa, nos moldes de um estudo de caso, cujos dados foram coletados via questionários aplicados às professoras que atuam em séries iniciais de uma escola municipal, localizada no município de Massaranduba-PB, durante o ano de 2009. Os resultados da pesquisa mostram que os professores ainda não têm conhecimento do real significado de avaliação. Houve controvérsias do que sejam instrumentos de avaliação com critérios e o processo avaliativo na escola se resume fortemente à figura do professor em relação ao aluno. Pela análise dos dados coletados, concluímos parcialmente que, apesar dos notórios avanços diagnosticados, a escola ainda executa uma prática avaliativa dentro dos parâmetros tradicionais de ensino, conseqüentemente, classificatória e excludente. Desse modo, pretendemos esclarecer os aspectos relacionados à exclusão praticada na e pela escola, tendo como ferramenta a avaliação da aprendizagem escolar, partindo da idéia de que a avaliação da aprendizagem deve assumir sentido orientador, mediador e cooperativo, condizente com uma escola inclusiva. Palavras-chave: Desempenho escolar. Avaliação classificatória. Exclusão educacional. Introdução Tendo em vista que avaliar é um ato complexo, que deve ser feito com responsabilidade e comprometimento ético e moral, o que seria hoje avaliar para uma escola libertadora e includente? Diante da interrogativa, podemos afirmar que seria uma avaliação de todo o processo de ensino, uma avaliação que acompanhe todo o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do educando, levando em consideração também o contexto, ou seja, o ambiente em que o aluno está inserido, a sua realidade, as suas vivências. Avaliar é usar também da subjetividade, parafraseando Marchesi (2005); podemos afirmar que o ensino não é apenas uma atividade técnica e profissional; na 1 [email protected] 2 [email protected]

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AVALIAÇÃO E EXCLUSÃO EDUCACIONAL

Maria das Neves Barbosa Guedes1(SEDUC/CG/PB)

Santuza Mônica de F. P. da Fonseca2(CE/UFPB)

Resumo O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre o papel da avaliação do desempenho escolar e, sobretudo, sobre o seu caráter classificatório e excludente. Além disso, buscamos compreender a concepção dos professores acerca da avaliação do rendimento escolar e como eles a realizam, identificando se a avaliação aplicada na escola tem ou não caráter excludente e como acontece essa exclusão. Procuramos, ainda, apontar os possíveis fatores que influenciam na recorrência da avaliação classificatória. Optamos na pesquisa pela abordagem qualitativa, nos moldes de um estudo de caso, cujos dados foram coletados via questionários aplicados às professoras que atuam em séries iniciais de uma escola municipal, localizada no município de Massaranduba-PB, durante o ano de 2009. Os resultados da pesquisa mostram que os professores ainda não têm conhecimento do real significado de avaliação. Houve controvérsias do que sejam instrumentos de avaliação com critérios e o processo avaliativo na escola se resume fortemente à figura do professor em relação ao aluno. Pela análise dos dados coletados, concluímos parcialmente que, apesar dos notórios avanços diagnosticados, a escola ainda executa uma prática avaliativa dentro dos parâmetros tradicionais de ensino, conseqüentemente, classificatória e excludente. Desse modo, pretendemos esclarecer os aspectos relacionados à exclusão praticada na e pela escola, tendo como ferramenta a avaliação da aprendizagem escolar, partindo da idéia de que a avaliação da aprendizagem deve assumir sentido orientador, mediador e cooperativo, condizente com uma escola inclusiva. Palavras-chave: Desempenho escolar. Avaliação classificatória. Exclusão educacional. Introdução

Tendo em vista que avaliar é um ato complexo, que deve ser feito com

responsabilidade e comprometimento ético e moral, o que seria hoje avaliar para

uma escola libertadora e includente? Diante da interrogativa, podemos afirmar que

seria uma avaliação de todo o processo de ensino, uma avaliação que acompanhe

todo o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do educando, levando em

consideração também o contexto, ou seja, o ambiente em que o aluno está inserido,

a sua realidade, as suas vivências.

Avaliar é usar também da subjetividade, parafraseando Marchesi (2005);

podemos afirmar que o ensino não é apenas uma atividade técnica e profissional; na

1 [email protected] 2 [email protected]

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medida em que favorece o desenvolvimento social e ético dos alunos, pressupõe

também uma ação moral. O exercício da avaliação põe em jogo os valores

presentes nas concepções dos professores e reflete sua maneira de ser e de viver.

Com base nestes apontamentos e na curiosidade instigada, torna-se

pertinente refletir sobre o papel da avaliação do desempenho escolar e, sobretudo,

sobre seu caráter classificatório e excludente. Diante disto, estabelecemos três

objetivos específicos: compreender o que os professores entendem por avaliação do

rendimento escolar e como eles a realizam; identificar se a avaliação realizada na

escola tem ou não caráter excludente e como acontece essa exclusão, além de

apontar os possíveis fatores que influenciam na recorrência da avaliação

classificatória.

A pesquisa se desenvolveu em uma escola da rede municipal de

Massaranduba – PB, cuja metodologia adotada foi de natureza qualitativa, nos

moldes do estudo de caso, sendo os dados coletados através de questionários, com

questões semi-estruturadas. Escolhemos um estudo de caso por intencionarmos um

maior aprofundamento da pesquisa com uma coleta de dados mais detalhada, que

segundo Goldenberg (1999, p. 34), ocorre “através de um mergulho profundo e

exaustivo em um objeto delimitado; o estudo de caso possibilita a penetração na

realidade social, não conseguida pela análise estatística”.

No desenvolvimento do trabalho seguiremos os seguintes passos:

primeiramente abordamos a história da avaliação, sua definição e os tipos

existentes; no segundo momento, desenvolvemos a descrição e interpretação dos

dados coletados. Por fim, trazemos nas conclusões alguns resultados obtidos com a

pesquisa.

1 Re-apresentando a avaliação

1.1 Percurso histórico do processo de avaliação

A avaliação tem sido desde o início de sua criação, uma das principais

ferramentas de exclusão utilizada pela escola. Antes de ter esta nomenclatura de

avaliação, na prática ela já se fazia presente, só que com o nome de exame, de

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medição, mensuração. O que não variou ao longo dos tempos foi as suas maiores

funções: a de classificar e de selecionar.

De acordo com Soeiro e Aveline (apud ROSSATO, 2007, p. 67) ”desde os

tempos primitivos, em algumas tribos, os jovens só passavam a serem considerados

adultos após terem sido aprovados em uma prova referente aos seus usos e

costumes”. A autora afirma que há vários milênios, chineses e gregos já criavam

critérios para selecionar indivíduos a fim de assumir determinados trabalhos na

sociedade.

Segundo Firme (1982), a avaliação educacional tem uma trajetória de cem

anos, desde o século XX até o início do século XXI. Esse período dividiu-se em

quatro gerações: A primeira, que caracterizou os anos vinte e trinta, os estudiosos

voltaram os seus estudos sobre a avaliação, principalmente para a questão de

elaboração de testes e exames, cujo papel do avaliador era então de um eminente

técnico. Firme (1984, p.108) expõe que “os testes e exames eram indispensáveis na

classificação de alunos para se determinar seu progresso”, deixando claro o caráter

excludente da avaliação desde sua criação.

A segunda geração caracterizou os anos trinta e quarenta, no qual os

estudiosos se preocuparam em compreender o processo de avaliação, para

conseqüentemente definir melhor os objetivos educacionais e poder comprovar se

eles foram ou não alcançados. Esta geração ficou conhecida como descritiva,

surgindo daí o termo avaliação educacional por Tyler, conhecido como pai da

avaliação. Em ambas as gerações citadas o papel do avaliador era técnico.

A terceira geração caracterizou o fim da década de quarenta até o final da

década de oitenta. Nesta, a avaliação teria de ocorrer muito antes para possibilitar

correções necessárias em relação à aprendizagem do aluno. Nesse sentido, o

avaliador assumiria o papel de juiz, preservando, é claro, a medição e a descrição

tão utilizadas nas gerações anteriores.

A quarta geração caracterizou o início da década de noventa. Surgiram a

partir dos conflitos gerados nas outras três, ocasionados pelo pluralismo, posições,

valores e decisões. Sua maior característica é a negociação, onde o consenso era

buscado entre pessoas de valores diferentes, respeitando-se, contudo, os dissensos

identificados. A avaliação da quarta geração é um processo interativo e se

fundamenta num paradigma construtivista. A mesma situa-se e desenvolve-se a

partir de preocupações, proposições ou controvérsias em relação ao objeto da

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avaliação, inaugurando a valorização dos aspectos humanos do educando, sua

cultura e seu contexto. Assim afirma Firme (1994, p.110): Até aqui, uma trajetória no tempo, através das quatro gerações de avaliação. Surge agora um modo horizontal de perceber tendências e tendenciosidades, um caminho que perpassa as várias abordagens avaliativas que a prática tem revelado. Interessante a imagem dessas duas trajetórias – vertical e horizontal – é a de uma cruz, significativa representação para a avaliação, apontando para todas as direções de um amplo contexto, que integra desde o técnico ao ético, dinamizando e respeitando o sentido humano-social e político, o qual deverá ser aperfeiçoado como conseqüência de qualquer avaliação.

Avaliar seria um processo de auto-conhecimento e, também, o conhecimento

da realidade e da relação dos sujeitos com a mesma. Seria um processo de análise,

julgamento, re-criação e/ou ressignificação das instituições que fazem parte dessa

realidade e das pessoas que as mantêm.

Questionam-se, assim, os processos de avaliação da aprendizagem dos

alunos que estão, usualmente, centrados num desempenho cognitivo, sem

referência a um projeto político-pedagógico de escola, e, ainda, o sentido das

avaliações escolares que se têm direcionado, especialmente, para o ato de aprovar

ou reprovar os alunos.

Como exposto, para a maioria dos educadores, a avaliação se resume à

tarefa e instrumentos de medir e testar. Sobre essa questão, Hoffmann (1995, p.54)

assevera que:

Julgo que conceber e nomear o “fazer testes”, o “dar notas”, por avaliação é uma atitude simplista e ingênua! Significa reduzir o processo avaliativo, de acompanhamento e ação com base na reflexão, a parcos instrumentos auxiliares desse processo, como se nomeássemos por bisturi um procedimento cirúrgico.

Considerando o que afirma Hoffmann, estamos nomeando a avaliação pelos

instrumentos que servem apenas de aplicativos do processo e não o processo em si.

Quando ela compara os instrumentos da avaliação aos instrumentos cirúrgicos, está

criticando o fato de que em outras áreas do conhecimento tudo está bem definido,

inclusive o que seja instrumento e o que seja processo.

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1.2 Avaliação da aprendizagem escolar

O termo avaliar tem sido constantemente associado a expressões como: fazer

prova, fazer exame, atribuir notas, repetir ou passar de ano. Esta associação, tão

freqüente em nossa escola é resultante de uma concepção pedagógica arcaica,

porém ainda tradicionalmente dominante. Nela, a educação é concebida como mera

transmissão e memorização de informações prontas e o aluno é visto como um ser

passivo e receptivo.

Dentro de uma concepção pedagógica mais moderna, baseada na psicologia

genética, a educação é concebida como experiência de vivência multiplicada e

variada, tendo em vista o desenvolvimento motor, cognitivo e social do educando.

Nessa abordagem, o educando é um ser ativo e dinâmico, que participa da

construção de seu próprio conhecimento. Dentro dessa visão em que educar é

formar e aprender, é construir o próprio saber, a avaliação contempla dimensões

que vão além da concepção de dar apenas notas.

Se o ato de ensinar e aprender, consiste na realização de mudanças e

aquisições de comportamentos motores, cognitivos, afetivos e sociais, o ato de

avaliar consiste em verificar se eles estão sendo realmente atingidos e em que grau

se dá essa transformação, para ajudar o aluno a avançar na aprendizagem e na

construção do seu saber. Nessa perspectiva, a avaliação assume um caráter

transformador e cooperativo, pois permite que o aluno tome consciência de seus

avanços e dificuldades, para continuar progredindo na construção do conhecimento.

Os professores precisam verificar o conhecimento prévio de seus alunos, para

conseguir planejar seus conteúdos e detectar o que o aluno aprendeu nos anos

anteriores. Precisam, também, identificar as dificuldades de aprendizagem,

diagnosticando e tentando identificar e caracterizar as possíveis causas. Além disso,

os professores devem estabelecer, ao iniciar o período letivo, os conhecimentos que

seus alunos devem adquirir bem como as habilidades e atitudes a serem

desenvolvidas. Ao avaliar o progresso de seus alunos na aprendizagem, o professor

pode obter informações valiosas sobre seu próprio trabalho. Nesse sentido, a

avaliação tem uma função de retroalimentação ou opinião, porque fornece ao

professor dados para que ele possa repensar e replanejar sua atuação didática,

visando aperfeiçoá-la, para que seus alunos obtenham mais êxito na aprendizagem.

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A avaliação deve ser desenvolvida cooperativamente por professores, alunos

pais e diretores. Porém, isso não tem acontecido na prática. Esteban (2003, p.14)

argumenta que: Apesar das tentativas de troca de ser uma atividade que abarca todos os envolvidos na relação pedagógica, dificilmente constitui um processo coletivo e plural, pois, tendo como objetivo atribuir um valor a alunos e alunas, a avaliação classificatória não proporciona espaços significativos para um diálogo profundo, em que o processo e seus resultados possam ser compartilhados pelos sujeitos nele envolvidos.

Notas em testes e provas servem para provar domínio ou falta de habilidades

dos alunos, tornando-se uma disputa entre os mesmos e, com isso, muitos que não

conseguem alcançar a média, se desmotivam, conseqüentemente isolando-se do

grupo, quando isto não é bem trabalhado pelo professor. Alguns professores aplicam

provas e testes “surpresa” a seus alunos, com a finalidade de puni-los. A avaliação

não deve ter função punitiva e sim formativa.

A avaliação deve ter também função diagnóstica que permite verificar se o

aluno possui ou não conhecimentos necessários para o curso seguinte. Graças à

função diagnóstica, podemos verificar quais as reais causas que impedem a

aprendizagem do aluno, uma vez que o aluno deve se sentir estimulado a trabalhar

de forma produtiva quando percebe que há uma finalidade na proposta do professor.

De acordo com Libâneo (1994, p. 197). A função de diagnóstico permite identificar progressos e dificuldades dos alunos e a atuação do professor que, por sua vez, determina modificações do processo de ensino para melhor cumprir as exigências dos objetivos. Na prática escolar cotidiana, a função de diagnóstico é mais importante porque é a que possibilita a avaliação do cumprimento da função pedagógico-didática e a que dá sentido pedagógico a função de controle. A avaliação diagnóstica ocorre no início, durante e no final do desenvolvimento das aulas ou unidades didáticas.

Essa avaliação pode ser motivada através de testes condizentes aos critérios

que sirvam para obter informações sobre o conhecimento específico do estudante.

2 Descrevendo e interpretando as concepções de avaliação

A análise dos questionários se baseará no que foi exposto, em relação à

concepção defendida neste trabalho por avaliação. Ao perguntarmos às professoras

o que elas entendem por avaliação, constatamos que ainda não se tem

conhecimento do real significado de avaliação; esta é ainda confundida como

instrumento ou produto e não como um processo contínuo. Houve controvérsias do

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que sejam instrumentos de avaliação com critérios. Neste sentido, Hoffmann (1995),

diz que a avaliação é um processo contínuo, que tem que ser realizada no decorrer

de todo o trabalho por professores e alunos. É importante colocar que a avaliação é

um processo, não um produto ou um instrumento que deve ser testado, medido,

quantificado ao término de sua construção.

No questionamento sobre quais instrumentos elas utilizam para avaliar houve

um conflito; misturaram-se instrumentos de avaliação como observação com critérios

de avaliação como participação. Houve professor que citou até recursos de aula

como: lápis, giz de cera, caneta, livros didáticos, paradidáticos, revistas e cartazes.

Os instrumentos mais citados foram: observação, exercícios de verificação de

aprendizagem orais e escritos, apresentação de trabalhos individuais e coletivos,

tarefas de casa, seminários, testes e pesquisas, evidenciando-se uma falta de

conhecimento em relação à questão levantada.

Ao perguntar qual é a forma de registrar o desempenho do aluno, as duas

formas mais citadas foram o relatório e a nota. Quanto ao relatório, os professores

alegaram que esta seria a melhor forma de registrar os dados coletados no

acompanhamento do aluno, e que ele também serve de documento para que o

professor do ano seguinte conheça melhor o educando. Diante disso, podemos

observar que já é um grande avanço, como bem afirma as pesquisas de Hoffmann,

quando relata que cada vez mais os professores estão se preocupando em deixar

de lado práticas avaliativas tradicionais. Quanto à nota, os professores enfatizam

que a prova é a melhor forma de saber se o aluno aprendeu ou não. O aprendizado,

nesta colocação, está como sinônimo de conteúdos de ensino. Vejamos o que

Hoffmann (1995, p.48) enfoca no que se refere às notas: Nem todas as tarefas escolares são organizadas de forma a resultar em contagem de acertos (os denominados itens objetivos). Mesmo assim, os professores atribuem valores numéricos a essas tarefas com a mesma determinação com o que o fazem em relação aos itens objetivos. [...]. O que percebo é que a compreensão de muitos professores é de que “tudo pode ser medido”, sem se dar conta que muitas notas são atribuídas aos alunos arbitrariamente, ou seja, por critérios individuais, vagos e confusos, ou precisos demais para determinadas situações.

Percebe-se que quando um professor avalia mediante notas ele está em um

terreno de conflitos. Dar nota é julgar, medir, pesar e, muitas vezes, nos deparamos

com situações que não podem ser medidas com precisão.

Perguntadas acerca dos critérios que utilizam para transformar a

aprendizagem dos alunos em notas ou conceitos, responderam sobre os critérios

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utilizados: de acordo com o desempenho de cada aluno nas atividades diárias;

correspondência entre os objetivos gerais e conteúdos; caráter científico; caráter

sistemático; relevância social, acessibilidade e solidez; enfim, exercícios avaliativos

que já vêm sendo trabalhados há anos.

Nesta questão, percebemos uma indefinição quanto ao que vem ser critério

de avaliação. O desempenho do aluno, seja positivo ou negativo nas atividades

diárias são imprescindíveis para o professor na hora de avaliar, mas isto não se

constitui em critério de avaliação. Um ponto positivo foi a correspondência entre os

objetivos de ensino em consonância com os conteúdos e a relevância social. É

necessário que o professor planeje sua aula para ter um melhor controle das

atividades diárias, para saber o caminho a ser seguido e o mais importante ainda,

fazer uma previsão adequada dos critérios e dos instrumentos através dos quais

reprocessará o acompanhamento a partir das necessidades e realidade do aluno.

Segundo Luckesi (1992, p.42) ”O Educador deve possuir algumas qualidades, tais

como compreensão da realidade com a qual trabalha, comprometimento político,

competência no campo teórico de conhecimento em que atua e competência

técnico-profissional.”

Ao questionar sobre qual tipo de avaliação elas realizam na prática, as mais

citadas foram: a diagnóstica e a somativa. Aqui percebemos coerência no que elas

falam, visto que, ao dizer que o instrumento utilizado por ela para avaliar os seus

alunos é o relatório, este está coerente com uma proposta de avaliação diagnóstica,

uma vez que o relatório permite o acompanhamento e controle de todo o

desenvolvimento do aluno.

Porém, apenas uma professora afirmou fazer a avaliação diagnóstica em

paralelo com a avaliação somativa. O que demonstra um retrocesso, visto que todas

as informações e dados obtidos em relação à aprendizagem dos alunos terminam

em notas e, ao mesmo tempo um avanço, pois estas notas poderão ser mais justas

por serem fruto de uma avaliação de todo o processo de ensino-aprendizagem. As

outras afirmaram realizar a avaliação somativa, alegando ser a imposta pelo sistema

e que ela permite que se quantifiquem tudo o que é feito pelo o aluno em sala de

aula, ou seja, atribuir nota a tudo. É valido ressaltar que essas professoras foram

bem realistas e verdadeiras, porém, a forma escolhida por elas cai como uma luva

para um sistema excludente de ensino como o nosso, pois privilegia a soma do

produto e não o processo, sem contar que os seus dados devem ser sempre

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quantificados, como coloca Blaya (2004, p.1) ”A avaliação somativa tem como

objetivo representar um sumário, uma apresentação concentrada de resultados

obtidos numa situação educativa [...] Essa avaliação tem lugar em momentos

específicos do curso, como, por exemplo, no final de um ano letivo.”

Entretanto, constatamos que a maioria das professoras trabalham dentro de

uma proposta avaliativa excludente. Isto se confirma ainda quando perguntamos a

respeito de qual é a forma mais correta de se organizar a escolaridade, se é o

sistema seriado ou cíclico, mas para discutirmos essa questão procederemos, antes,

à conceituação destes dois modelos de ensino.

O modelo de estruturação curricular mais conhecida da história da educação

é a seriação, pois prevalece em grande maioria das escolas públicas e particulares.

Ela foi inspirada na teoria científica de Tyler (1856-1915), que tinha como objetivo a

busca obcecada pela eficiência e padronização.

Em oposição à seriação, que é uma estrutura curricular elitista, autoritária,

opressiva e excludente, após a Segunda Guerra Mundial, na França, foram criados

por Henri Wallon os ciclos de formação. Motivado pela justiça social, acreditava que

se quiséssemos uma sociedade mais justa, diferente, precisaríamos de uma escola

que não fosse cruel e seletiva. A nova proposta valoriza a formação individualizada

do educando e enfatiza que nem todos aprendem de uma mesma maneira com os

mesmos recursos. Segundo Perrenoud (2001, p.151) “[...] é absurdo colocá-los

constantemente diante de tarefas e exigências idênticas, sob o pretexto de que tem

a mesma idade ou pertence ao mesmo grupo e/ou classe.”

Nos ciclos é permitido que a criança possa aprender de acordo com o seu

desenvolvimento natural, tanto físico quanto intelectual. Vasconcelos (2002, p.136),

argumenta que: Os ciclos, enquanto uma nova estética curricular podem [...] ajudar no desenvolvimento de uma nova cultura institucional, uma vez que põem em cheque a estrutura alienada seriada e classificatória da escola, e abre o espaço para o desenvolvimento da criatividade [...].

Analisando as duas propostas, percebemos que a seriação é classificatória,

que seleciona quem vai para a próxima série ou quem fica para repeti-la. Sendo

assim, relacionando esta questão sobre as formas de organização do ensino à

pergunta sobre que tipo de avaliação as professoras adotam, chegamos à conclusão

que: a somativa é a forma ideal de se avaliar no sistema seriado. Já no sistema de

ciclos é a formativa, porque não existe essa classificação do seriado; não se tem

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essa preocupação com notas, mas sim com o desenvolvimento natural do aluno, por

conseguinte, adotam-se os relatórios.

No entanto, apenas uma professora achou a melhor forma de organização do

ensino em ciclos; o que nos leva a concluir que a escola ainda esta presa às raízes

tradicionais e que ainda não consegue praticar uma avaliação libertadora, inclusiva.

As professoras afirmaram serem desiludidas em relação aos ciclos, pois não

acreditam na progressão continuada alegando que os alunos não conseguem atingir

o nível de aprendizado ideal para cada série. A professora pensa desta forma

porque o que ficou na prática de muitos municípios é uma falsa implantação dos

ciclos, pois na prática ainda funciona o regime seriado e dos ciclos, apenas o que se

aproveita é a progressão continuada, mesmo assim de forma muito infiel à proposta

original. Hoffmann (1995, p.17) diz que esse problema existe porque “algumas

tentativas buscam o seu respaldo em experiências de outros países, e que oferecem

estudos, progressões no ensino fundamental, sem obstáculos, sem reprovação”. Ela

prossegue argumentando que não é a forma mais correta de se resolver o problema.

Deveríamos pensar em soluções baseadas na nossa realidade e é necessário

oportunizar a tomada de consciência sobre a contradição existente entre a ação de

educar e a concepção de avaliação como julgamento.

Podemos observar que o sistema seriado não atende mais às expectativas da

sociedade vigente e que os ciclos são sim umas das alternativas (desde que

reformulada) mais justas de organização do ensino. Talvez não seja a melhor, mas

seria mais apropriada do que a seriação. Mas para isso é importante que se mude

também a concepção de avaliação dos professores, pois se isso não acontecer nada

vai mudar com a organização do ensino, visto que eles estarão trabalhando da

mesma forma, fazendo com que as propostas fiquem apenas na retórica e em

documentos não respeitados.

Para concluirmos e sabermos como está sendo realizada a avaliação da

aprendizagem dos alunos, precisamos sondar dois pontos importantes na prática

avaliativa dos professores, vez que o processo avaliativo erroneamente fica a critério

exclusivamente do professor, como enfocado anteriormente.

O primeiro se refere aos professores que sabem que a reprovação muitas

vezes não faz com que os alunos aprendam que esta nem sempre é uma nova

oportunidade. O segundo, se eles concordam que o resultado da aprendizagem de

seus alunos é um reflexo de sua prática de ensino.

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Todas as professoras discordaram da reprovação (apesar de reprovarem),

alegando ser uma perda de tempo para a criança e também ser um possível trauma

que pode interferir na formação deste aluno, o que é um ponto bastante positivo.

Porém, o depoimento de outra professora requer um maior aprofundamento da

questão. Ela teve um posicionamento que instiga e exige uma reflexão mais

aprofundada. É o fato de que passar um aluno sem dominar os conhecimentos

necessários à próxima série pode sim causar sérios problemas para ele, porque este

não vai acompanhar com facilidade o ritmo da turma seguinte. Entretanto, é possível

intervir durante o processo no sentido de que o aluno alcance o nível de

aprendizagem mais adequado. Porém, como sabemos, o nosso sistema é

homogeneizador, ou seja, ele tenta igualar a turma e os que não se encaixam nos

padrões predeterminados são excluídos com a reprovação.

Quando não são reprovados, os alunos são excluídos dentro da própria sala

de aula pelos colegas de classe que os descriminam e os apelidam de “burros”. Ao

perceber que não possuem as mesmas habilidades dos colegas, se retraem

sentando pelos cantos ou no fundo da sala. Nosso sistema ainda não percebeu que

as nossas salas de aulas são heterogêneas e que cada criança dentro dela tem seu

ritmo próprio de aprendizagem.

Mas e o que poderíamos fazer para evitar a reprovação? E para evitar que

crianças passem de uma série para outra sem dominar os saberes necessários?

Isso só poderá acontecer se houver um comprometimento real do professor com

uma educação de qualidade, seguindo realmente a proposta de educação inclusiva.

Para que essa educação inclusiva seja realmente posta em prática é necessário que

todos os que fazem a educação repensem a sua forma de avaliar, deixem os vícios

tradicionais e, principalmente, os instrumentos seletivos e excludentes que

predominam na prática da maioria dos educadores deste país.

Em relação ao segundo ponto da questão, acerca se elas concordam que o

resultado da aprendizagem de seus alunos é um reflexo de sua prática de ensino, as

professoras não conseguiram responder devidamente a questão (dentro das nossas

expectativas). Ficou a dúvida se elas não entenderam a questão. Uma das questões

que podem levar os professores a discordar de que o resultado da avaliação do

aluno seja um espelho de sua prática, ocorre pelo fato destes pensarem que não

tem parcela de culpa pelo “mau” desempenho de alguns alunos, ele não se vê como

um dos agentes determinantes no fracasso do aluno, e sim do sucesso. Se o aluno

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alcança bons resultados é por causa do seu bom trabalho; se ele fracassa é culpa

do aluno. Não é fácil reconhecer seus próprios erros, principalmente quando eles

irão repercutir negativamente na imagem do professor. Dos participantes da

pesquisa, apenas uma professora concordou, mas não justificou claramente o

porquê da sua anuência.

Segundo Esteban (2003, p. 20-21), pelos resultados dos alunos e alunas

também se atribuem valores à professora. Assim ele pondera: A professora avalia, processo em que expõe resultados que classificam os sujeitos, definindo sua integração, exclusão ou tentativa de recuperação. Simultaneamente, essa avaliação permite verificar o rendimento da professora; o resultado de sua turma indica seu desempenho, que pode ser medido, produzindo uma classificação na qual a professora é exposta. Ao avaliar também é avaliada.

Algumas conclusões ainda que parciais...

A avaliação praticada na escola, apesar de alguns avanços diagnosticados,

tem caráter classificatório e excludente. Pouco se evoluiu em relação às praticas

avaliativas inspiradas no modelo de Tyler, cuja influência perdura até os dias atuais.

Um dos maiores desafios do século XXI -o de transformar a escola em um

espaço inclusivo-, consiste em fazer com que os professores percebam a avaliação

como uma valiosa ferramenta, que os ajudarão a diagnosticar, conhecer e avaliar os

seus alunos de modo global, valorizando assim todos os aspectos relativos à

aprendizagem e ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do educando.

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