6 dinamica

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6 Dinmica Relativstica Este captulo trata da dinmica de uma partcula clÆssica relativstica uti- lizando os recursos do formalismo tensorial do espao-tempo de Minkowski. Trata-se de obter a generalizaªo relativstica da segunda lei de Newton, que no limite newtoniano de pequenas velocidades em relaªo velocidade da luz se reduza exatamente segunda lei de Newton. A equaªo deve ser invari- ante na forma pelas transformaıes gerais de Lorentz, uma propriedade que aparece explcitamente no formalismo tensorial. 6.1 Equaªo de movimento A segunda lei de Newton, dp dt = F ; relaciona a taxa de variaªo no tempo do momento linear p = mv com um agente extertno atuando sobre a partcula atravØs da fora F. Para procurar a equaªo relativstica equivalente, dene-se o quadri-vetor de momento p = m 0 U ; (1) onde m 0 serÆ identicado como a massa de repouso da partcula. Uma equaªo covariante anÆloga segunda lei de Newton Ø f = dp d = m 0 dU d = m 0 A ; (2) desde que a aªo externa sobre a partcula possa ser representada atravØs de um quadri-vetor, f , quadri-vetor fora. Para identicar o signicado fsico destas grandezas, pode-se relacionÆ-las com as grandezas tradicionais envolvidas como a massa, o momento linear e a fora. Se nªo houver nenhuma fora externa atuando sobre a partcula, f =0 ) dp d = dp dt dt d =0 ) dp dt =0 ; (3) que implica na conservaªo do quadri-momento p . As componentes temporal e espaciais do quadri-momento p =(p 0 ;p i ) (4) sªo p 0 = m 0 U 0 = m 0 v c (5) 67

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Page 1: 6 dinamica

6 Dinâmica Relativística

Este capítulo trata da dinâmica de uma partícula clássica relativística uti-lizando os recursos do formalismo tensorial do espaço-tempo de Minkowski.Trata-se de obter a generalização relativística da segunda lei de Newton, queno limite newtoniano de pequenas velocidades em relação à velocidade da luzse reduza exatamente à segunda lei de Newton. A equação deve ser invari-ante na forma pelas transformações gerais de Lorentz, uma propriedade queaparece explícitamente no formalismo tensorial.

6.1 Equação de movimento

A segunda lei de Newton,dp

dt= F ,

relaciona a taxa de variação no tempo do momento linear p = mv com umagente extertno atuando sobre a partícula através da força F.Para procurar a equação relativística equivalente, define-se o quadri-vetor

de momentopµ = m0U

µ , (1)

onde m0 será identificado como a massa de repouso da partícula.Uma equação covariante análoga à segunda lei de Newton é

fµ =dpµ

dτ= m0

dUµ

dτ= m0A

µ , (2)

desde que a ação externa sobre a partícula possa ser representada atravésde um quadri-vetor, fµ, quadri-vetor força. Para identificar o significadofísico destas grandezas, pode-se relacioná-las com as grandezas tradicionaisenvolvidas como a massa, o momento linear e a força.Se não houver nenhuma força externa atuando sobre a partícula,

fµ = 0⇒ dpµ

dτ=dpµ

dt

dt

dτ= 0⇒ dpµ

dt= 0 , (3)

que implica na conservação do quadri-momento pµ.As componentes temporal e espaciais do quadri-momento

pµ = (p0, pi) (4)

sãop0 = m0U

0 = m0γvc (5)

67

Page 2: 6 dinamica

epi = m0U

i = m0γvvi , (6)

respectivamente, onde

vi =dxi

dt

são as componentes da velocidade e

γv =1√

1− v2/c2para v2 = v2x + v2y + v2z .

Define-se a massa relativística da partícula, dependente da velocidade,

m = m0γv , (7)

de modo que o quadri-momento pµ fica

pµ = (mc,mv) . (8)

A equação (2) pode ser reformulada para que a derivada seja em relaçãoao tempo do laboratório, usando dt = γvdτ ,

dpµ

dτ= fµ =⇒ dpµ

dtγv = γvF

µ , (9)

ou seja,dpµ

dt= F µ =⇒ (

dp0

dt,dp

dt) = (F 0,F) .

Esta última equação, embora não seja explicitamente covariante, é expressaem termos de grandezas físicas usuais. Em particular, a parte espacial éexatamente a equação de força da segunda lei de Newton

dp

dt= F . (10)

Para identificar a componente F 0, considere a invariante

UµUµ = c2 ,

cuja derivada em relação ao tempo próprio é

Uµ.

= UµAµ = 0 ,

indicando que o quadri-vetor de força deve satisfazer à identidade

Uµfµ = 0 , (11)

68

Page 3: 6 dinamica

ou seja,cF 0 − viF i = 0 . (12)

Esta equação relaciona a componente temporal da quadri-força fµ com apotência v · F,

F 0 =v · Fc

, (13)

de modo que

fµ = γv

(v · Fc

,F

)(14)

edpµ

dt=

(dp0

dt,dp

dt

)=

(v · Fc

,F

)(15)

ou, mais explicitamente,

dp0

dt=v · Fc

edp

dt= F . (16)

6.2 Massa e energia

O ganho de energia cinética de uma partícula, inicialmente em repouso, ao selocomover de uma posição O para uma outra posição P é dado pelo trabalhorealizado pela força neste percurso,

K =

∫ P

O

F·dr . (17)

Utilizando as equações (8) e (10),

K =

∫ P

O

F·dr =

∫ P

O

d

dt(mv)·dr =

∫ P

O

d

dt(mv) · vdt

e, fazendo uma nova mudança na variável de integração,

K =

∫ P

O

v·d(mv) =

∫ P

O

v·[mdv + vdm] =

∫ P

O

[mv·dv + v2dm] .

Da massa relativística (7) resulta

dm =m0

(1− v2/c2)32

v·dvc2

,

sendo conveniente fazer a substituição

mv·dv = (c2 − v2)dm

69

Page 4: 6 dinamica

que leva a

K =

∫ P

O

[mv·dv + v2dm] =

∫ m

m0

c2dm = mc2 −m0c2 . (18)

Este resultado associa a energia cinética à variação da massa relativística,e a variação da energia cinética entre dois pontos quaisquer P1 e P2 fica

∆K = K2 −K1 = (m2 −m1)c2 . (19)

No limite não relativístico (v � c), usando a aproximação

γ − 1 =1√

1− v2

c2

− 1 ' 1 +1

2

v2

c2− 1 =

1

2

v2

c2,

a expressão relativística da energia cinética assume a forma usual da mecânicanewtoniana,

K = (m−m0)c2 = (γ − 1)m0c

2 =1

2m0v

2 . (20)

O resultado (18) sugere a definição da energia total da partícula livrecomo

E = K +m0c2 = mc2 , (21)

ondeE0 = m0c

2 (22)

define a energia de repouso.Pela equação (21) a variação da energia leva à variação da massa,

∆E = ∆mc2 , (23)

mostrando a equivalência entre estas duas grandezas, a menos de um fatorde conversão c2 da unidade de massa para a unidade de energia.Com estes resultados, ficam definidas as componentes do quadri-vetor de

energia-momento,

(pµ) = (p0,p) = (mc,p) =

(E

c,p

), (24)

e a equação (15), nestas variáveis, fica

dpµ

dt=

(dE

cdt,dp

dt

)=

(v · Fc

,F

). (25)

70

Page 5: 6 dinamica

Do produto escalar

pµpµ =

E2

c2− p2 ,

invariante relativística, cujo valor no referencial de repouso (onde p = 0) é

pµpµ =

E20c2

= m20c2 ,

resulta uma da relações fundamentais da Relatividade Restrita,

E2 − p2c2 = m20c4 . (26)

Para uma partícula com massa de repouso nula, (m0 = 0), como o fóton,resulta

E2 − p2c2 = 0 , (27)

e, em módulo,E = pc . (28)

Como a energiaE = mc2 =

m0√1− v2/c2

c2

deve ser finita, a velocidade de uma partícula sem massa deve ser igual àvelocidade da luz. A energia quântica associada ao fóton e a outras partículasde massa nula é dada pela relação de Planck

E = ~ω (29)

que, juntamente com a relação de De Broglie

p = ~k (30)

leva à relaçãoω2 = k2c2

da física ondulatória.

6.3 Transformações de Lorentz

As grandezas quadri-vetoriais, por definição, transformam-se da mesma ma-neira que as coordenadas, por uma transformação de Lorentz. Assim, paraa transformação geral de Lorentz

x′µ = Λµνx

ν , (31)

71

Page 6: 6 dinamica

os quadri-vetores energia-momento e a quadri-força, definidos em (1) e (2),respectivamente, transformam-se exatamente da mesma forma,

p′µ = Λµνp

ν e f ′′µ = Λµ

νfν . (32)

Em especial, para uma transformação de Lorentz especial entre referen-ciais R e R′ com movimento relativo uniforme ao longo do eixo comum xx′,

ct′ = γ(ct− βx)x′ = γ(x− V t)y′ = yz′ = z

⇐⇒

x′0 = γ(x0 − βx1)x′1 = γ(x1 − βx0)x′2 = x2

x′3 = x3

, (33)

a transformação da energia-momento

pµ = m0Uµ =

(E

c,p

)= (mc,mv) (34)

fica E ′ = γ(E − V px) −→ m′ = γm (1− vxV/c2)p′x = γ(px − EV/c2)p′y = pyp′z = pz

(35)

e a transformação da força, obtida a partir da quadri-vetor

fµ = γv

(v.F

c,F

),

resulta

v′ · F′ =1

(1− vxV/c2)[v · F− V Fx]

F ′x =1

(1− vxV/c2)

[Fx −

V

c2v · F

]F ′y =

1

γ (1− vxV/c2)Fy (36)

F ′z =1

γ (1− vxV/c2)Fz

Na primeira das equações (35),

m =m0√

1− v2/c2e m′ =

m0√1− v′2/c2

, (37)

onde v e v′ são as velocidades nos referenciais R e R′, respectivamente.

72

Page 7: 6 dinamica

6.4 Força e aceleração

Muitas vezes, para uma melhor visão dos processos físicos e das relações entreas grandezas envolvidas, torna-se necessária ou preferível trabalhar com asgrandezas físicas usuais em vez das equivalentes quadri-vetoriais. A equaçãoquadri-vetorial (2) fica mais intuitiva separando nas equações de força,

dp

dt= F , (38)

e na equação de potência,

dE

dt= F · v =

dm

dtc2 . (39)

Resolver estas equações significa determinar a trajetória da partículamovendo-se sob a ação da força externa F. Pela definição do momento lin-ear relativístico e, considerando a dependência da massa relativística com avelocidade,

dp

dt=

d

dt(mv) = v

dm

dt+m

dv

dt. (40)

Comodm

dt=F · vc2

,

resultad

dt(mv) = v

(F · v)

c2+m

dv

dt,

ou seja,

a =dv

dt=F

m− v (F · v)

mc2. (41)

Esta equação mostra que na Relatividade Restrita força e aceleração emgeral não tem a mesma direção, nem resulta numa equação diferencial linear,o que pode dificultar muito a sua integração. No entanto, há dois casosem que a equação de movimento é facilmente integrada, respectivamenteforça e velocidade paralelas e força e velocidade perpendiculares, para forçasconstantes em módulo, que serão tratados a seguir.

6.5 Força constante: movimento hiperbólico

Talvez este seja o sistema relativístico mais simples, uma partícula sujeitaa uma força constante F0. Se a força for aplicada na mesma direção da

73

Page 8: 6 dinamica

velocidade, a aceleração também resultará na mesma direção, e o movimentoresultante será unidimensional. Com efeito,

a =F0m− F0m

v2

c2=

(1− v2

c2

)3/2a0 , (42)

onde a0 = F0/m0, constante, resultando

1

(1− v2/c2)3/2dv

dt= a0 ,

uma equação diferencial facilmente integrável.Porém, para um movimento unidimensional, há uma maneira mais sim-

ples de integrar a equação de movimento. A equação (38) fica, neste caso,

d

dt(mv) = F0 , (43)

ou seja,d

dt(γvv) = a0 , (44)

cuja integração é imediata. Dada a velocidade v0 no instante t0, resulta

γvv − γ0v0 = a0(t− t0) , (45)

ondeγv =

1√1− v2/c2

. (46)

Para isolar a velocidade, pode-se quadrar o resultado (45),

v2(t)

1− v2/c2 = f 2(t) = [γ0v0 + a0(t− t0)]2 ,

e resolver para v2,

v2(t) =f 2(t)

1 + f 2(t)/c2. (47)

Supondo a velocidade v0 = 0 no instante t0 = 0, resulta

v(t) =a0t√

1 + (a0t/c)2=

c√1 + c2/(a0t)2

(48)

e, para o fator γv,

γv =1√

1− v2/c2=√

1 + (a0t/c)2 . (49)

74

Page 9: 6 dinamica

Figura 6.1: Velocidade em função do tempo, −∞ < t <∞, no movimentohiperbólico.

As expressões da velocidade na equação (48) mostra que, para tempospequenos, a velocidade tende à expressão não-relativística

v(t) = a0t ,

enquanto que, para tempos grandes, em especial no limite t→∞,

limt→∞

v(t) = c ,

mostrando que a velocidade da luz é o limite superior da velocidade.A figura 1 ilustra a evolução da velocidade (em unidades de c) em função

do tempo (em ct), vindo do infinito com velocidade v(t → −∞) = −caproximando-se em direção à origem até atingir a velocidade mínima (emmódulo) v(t = 0) = 0 e retornando ao infinito com velocidade crescentev(t→∞) = c.No caso relativístico, força constante não implica numa aceleração con-

stante, e nem poderia ser, uma vez que existe uma velocidade limite definidapela velocidade da luz. A aceleração é dada por

a(t) =a0[

1 + (a0t/c)2]3/2 =

1

γ3va0 , (50)

que tende a zero na medida em que a velocidade tende ao limite c (emt = ±∞). A figura 2 mostra a evolução temporal da aceleração.

75

Page 10: 6 dinamica

Figura 6.2: Aceleração em função do tempo no movimento hiperbólico.

A aceleração decrescente com a velocidade para uma força aplicada con-stante está de acordo com a existência de uma velocidade limite c. Estacompensação ocorre devido à massa relativística

m =m0√

1− (v/c)2= m0

√1 + (a0t/c)2 , (51)

crescente com o módulo da velocidade. Na medida em que a massa iner-cial tende ao infinito quando a velocidade se aproxima de c, nenhuma forçaexterna será suficiente para aumentar a velocidade acima de c. A figura3 mostra a dependência temporal da massa relativística de um corpo emmovimento hiperbólico.

Figura 6.3: Massa relativística, m/m0, em função do tempo, no movimentohiperbólico.

A trajetória da partícula,

x(t) = x0 +

∫v(t) dt .

76

Page 11: 6 dinamica

considerando a condição inicial x0 = 0 em t = 0, fica

x(t) =c2

a0

√1 +

(a0t

c

)2− 1

, (52)

ilustrada na figura 4. A equação da trajetória pode ser rearranjada na forma

a0x2 + 2c2x− a0c2t2 = 0 , (53)

equação da hipérbole no plano x×ct que dá nome ao movimento hiperbólico.

Figura 6.4: Trajetória hiperbolica de uma partícula sujeita a uma forçaconstante.

Na dinâmica relativística, uma força constante aplicada num corpo nãoresulta numa aceleração constante, uma vez que a velocidade é limitada pelavelocidade da luz. No entanto, nos referenciais onde o corpo está instanta-neamente em repouso, a aceleração a0, constante, é dada por

a0 =1(

1− v2

c2

)3/2a , (54)

idêntica à equação (42), onde a(t) e v(t) são a aceleração e a velocidade noreferencial de laboratório R. No referencial próprio R0 da partícula, nãoinercial, a aceleração é nula, mas há um campo de aceleração equivalente aum campo gravitacional uniforme, como rege o Princípio da Equivalência deEinstein entre gravitação e aceleração.Deste modo, um observador num referencial inercial em queda livre num

campo gravitacional uniforme verá um corpo em repouso no referencial delaboratório como executando um movimento hiperbólico.

77

Page 12: 6 dinamica

Se integrar a relação diferencial entre o tempo próprio τ e o tempo delaboratório t,

dt = γvdτ ,

o fator γv dado em (49)., considerando a condição τ = 0 quando t = 0,resulta

τ =

∫ t

0

√1− v2

c2dt =

∫ t

0

1√1 +

(a0tc

)2dt =c

a0sinh−1

a0t

c

cuja relação inversa é

t =c

a0sinh

(a0cτ).

As coordenadas no espaço-tempo de uma partícula executando movi-mento hiperbólico, com a condição x(t = 0) = c2/a0, são

x =c2

a0cosh

(a0cτ)

ct =c2

a0sinh

(a0cτ), (55)

equações paramétricas correspondentes ao ramo superior da equação da hipér-bole no plano x× ct.

7 Carga num campo magnético uniforme

Um campo magnético B exerce uma força sobre uma partícula com cargaelétrica q dada por

F =q

cv ×B

que, sendo perpendicular à velocidade,

F · v = 0 ,

e, portanto,dE

dt=

d

dt(mc2) = 0 ,

mostrando que a energia é conservada e a massa relativística permanececonstante.Força e aceleração resultam paralelas,

F = ma =m0√

1− v2/c2a , (56)

78

Page 13: 6 dinamica

e, consequentemente, aceleração perpendicular à velocidade, típica de ummovimento circular. A equação de movimento (41) fica

a =q

mcv ×B . (57)

Para um campo magnético uniforme orientado na direção do eixo z, B =

B∧z, e perpendicular à velocidade,

v ×B = (−vx∧y + vy

∧x)B ,

de modo que

a =dv

dt=qB

mc(vy∧x− vx

∧y) ,

resultando num sistema de equações diferenciais acopladas

dvxdt

=qB

mcvy ,

dvydt

= −qBmc

vx , (58)

dvzdt

= 0 .

Derivando uma vez em relação ao tempo, resulta no par de equaçõesdesacopladas

d2vxdt2

+ ω2vx = 0 ,

d2vydt2

+ ω2vy = 0 , (59)

para

ω =qB

mc. (60)

Não é necessário considerar a componente z do movimento, que pode con-tribuir com uma velocidade vz constante, a qual pode ser tomada como nulasem perda de generalidade.No caso de uma partícula carregada que penetra numa região de campo

magnético uniforme com uma velocidade v perpendicular ao campo, por ex-emplo ao longo do eixo x, que corresponde à condição inicial

v(t = 0) = (v, 0, 0) ,

79

Page 14: 6 dinamica

as componentes x e y da velocidade ficam

vx(t) = v cosωt e vy(t) = −v sinωt . (61)

Integrando, resultam as coordenadas da trajetória,

x =v

ωsinωt e y =

v

ωcosωt , (62)

que descreve um movimento circular uniforme no plano xy,

x2 + y2 =( vω

)2,

de raior =

v

ω=mvc

qB=

pc

qB(63)

conhecido como o raio de giro ou raio giromagnético de Larmor.A aceleração centrípeta é

a =v2

r=qvB

mc, (64)

a frequência angular dada pela equação (60).

7.1 Raios cósmicos

Excetuando os provenientes do Sol, os raios cósmicos, essencialmente prótonse outros núcleos leves, tem origem no espaço exterior. Alguns são de origemgaláctica, da nossa Via Láctea, outros são extra-galácticos. De onde quer queprovenham, uma vez aceleradas e lançadas ao espaço, devem ter seguido umalonga caminhada até, eventualmente, penetrarem na atmosfera terrestre. Nointerior das galáxias as partículas carregadas estão sujeitas à ação do campomagnético que permeia o meio galáctico, da ordem de µG = 10−6gauss (ocampo magnético da Terra na superfície é da ordem de 0, 3 gauss). Umapartícula com carga Ze e energia E, numa região de campo magnético uni-forme B, executará uma órbita circular definida pelo raio de Larmor ((63),

rL =pc

Ze.B' E

Ze.B. (65)

Para um próton com energia de 1018eV (eV = 1, 602 × 10−12erg) numcampo de 3µG corresponde um raio de giro rL de aproximadamente 300pc,que é ordem da espessura do disco galáctico. Assim, raios cósmicos acima

80

Page 15: 6 dinamica

1018eV tendem a ser excluídos do plano galáctico, sendo, portanto, um limi-tante para a energia dos raios cósmicos de origem galáctica.O pc (parsec), abreviatura de paralax per second, corresponde à distância

de uma estrela fixa tal que um observador na Terra, ao ocupar as posiçõesopostas durante a sua translação em torno do Sol, vê a posição desta estreladeslocada de um segundo de arco. Equivale a 3, 262 anos-luz, um ano-luzsendo a distância percorrida pela luz no vácuo durante um ano, ∼= 9, 461 ×1017cm.Ocorrem eventos raros, conecidos como raios cósmicos ultra-energéticos,

com energias acima da ordem 1019eV , reconhecidos como de origem extra-galáctica. Suas trajetórias são pouco afetadas por campos magnéticos daordem de grandeza dos campos galácticos e inter-galácticos, de modo que adireção de entrada na atmosfera de uma partícula cósmica ultra energéticadeve apontar diretamente para a sua fonte. No entanto, o espaço cósmicoé permeado pela radiação cósmica de fundo que, embora não tenha energiasuficiente para afetar partículas cósmicas com energias abaixo da ordem de1016eV , pode-se mostrar que interage fortemente com os raios cósmicos deultra alta energia, com energias acima da ordem de 1019eV , causando umarápida perda de energia causada pela criação de pares partícula antipartículacomo os píons.

7.2 Colisões

Efeitos relativísticos são particularmente importantes no universo das partícu-las elementares, que podem alcançar velocidades próximas à da luz. Infor-mações acera da natureza destas partículas e o tipo de interações a que estãosujeitas são, em geral, obtidas em processos de colisões como as dos raioscósmicos ao incidirem sobre os núcleos dos gases atmosféricos ou em experi-mentos realizados nos aceleradores de partículas.Como o tempo de interação é extremamente curto nestes processos, os

experimentos se reduzem às observações dos estados inicial e final do sistema,as leis de conservação sendo fundamentais na análise dos dados coletados.Para a energia e momento, as leis de conservação garantem que o momento

linear total e a emergia total do sistema antes e depois do processo são iguais,

Pi = Pf e Ei = Ef .

Os índices i e f referem-se aos estados inicial e final, respectivamente.Considere, por exemplo, uma colisão e espalhamento entre duas partícu-

las, A e B, resultando em duas outras, C e D,

A+B → C +D .

81

Page 16: 6 dinamica

A equação de conservação do momento linear total fica

pA + pB = pC + pD (66)

e a equação de conservação da energia,

EA + EB = EC + ED , (67)

com a equivalente lei de conservação da massa relativística,

mA +mB = mC +mD . (68)

Na linguagem dos quadri-vetores, resume-se na equação de conservaçãoda energia-momento total do sistema,

pµA + pµB = pµC + pµD . (69)

As colisões podem ser elásticas, inelásticas. Nas colisões elásticas, a en-ergia cinética total do sistema é conservada e nas ineláticas, parte da energiacinética é absorvida pelo sistema.

7.2.1 Colisões elásticas

Diz-se que uma colisão é elástica quando a energia cinética total do sistemaé conservada,

KA +KB = KC +KD . (70)

Como a energia cinética relativística de uma partícula de massa m e veloci-dade v é definida como

K = (m−m0)c2 ,

podemos ver que a conservação da energia cinética aliada à conservação damassa relativística implica na conservação da massa de repouso das partícu-las,

m0A +m0B = m0C +m0D . (71)

Como exemplo de uma colisão elástica, vamos considerar uma partículaincidente, massa m0, momento p0 e energia E0, chocando-se com uma outrapartícula idêntica, em repouso, sendo que, após o choque, as partículasemergem espalhadas simetricamente de um ângulo θ em relação ao eixo deincidência. Pela conservação de energia e momento,

E0 = E1 + E2 ,

0 = p1 sin θ − p2 sin θ ,

p0 = p1 cos θ + p2 cos θ , (72)

82

Page 17: 6 dinamica

de onde resultap1 = p2 = p⇒ E1 = E2 = E ,

e portanto

E0 = 2E ,

p0 = 2p cos θ , (73)

de modo que

cos θ =p02p

=

√E20 −m2

0c4

2√E2 −m2

0c4

=

√E20 −m2

0c4

2√E20/4−m2

0c4

Utilizando a relação entre energia e momento,

E2 − p2c2 = m2c4 ,

a equação anterior fica

cos θ =

√E20 −m2

0c4√

E20 − 4m20c4

=

√(E0 +m0c2) (E0 −m0c2)√

(E0 + 2m0c2) [(E0 −m0c2)−m0c2]

(74)

=

√(E0 +m0c2) (E0 −m0c2)√

(E0 + 2m0c2) [(E0 −m0c2)−m0c2]=

√E0 +mc2

E0 + 3mc2,

que define o ângulo de espalhamente em função da energia inicial da partículaincidente e da massa das partículas.

7.2.2 Colisões inelásticas

Uma colisão é inelástica quando a energia cinética, e consequentemente, amassa de repouso não são conservadas,

KA +KB 6= KC +KD (75)

em0A +m0B 6= m0C +m0D. (76)

Numa colisão inelástica, pode ocorrer reações tal que

KA +KB < KC +KD,

que caracteriza uma colisão com absorção de energia cinética, ou

KA +KB > KC +KD,

83

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que caracteriza uma colisão explosiva, com liberação de energia cinética.Como caso extremo, temos as colisões completamente inelásticas, quando

as partículas emergentes após a colisão se agregam, formando um corpo único;neste caso, há a absorção máxima da energia cinética. O exemplo a seguirmostra um típico processo completamente inelástico: a colisão frontal de duaspartículas de massas iguais movendo-se com velocidades iguais em módulo esentidos opostos, após a colisão emergindo uma única partícula de massa derepouso M0.Da conservação da energia e momento,

2mc2 = M0c2,

o momento inicial e o final nulos, de modo que a partícula resultante deveestar em repouso. A energia cinética inicial do sistema é

K = 2mc2 − 2m0c2,

de modo que a relação entre as massas antes e depois do evento fica

M0c2 = 2mc2 =

2m0c2√

1− v2/c2= 2m0c

2 +K, (77)

onde K é a energia cinética totalmennte absorvida e incorporada à massa derepouso M0 do sistema resultante.Em sistemas macroscópicos, a energia pode ser absorvida como energia

de ligação do sistema., assim como ser parcial ou totalmente convertida emenergia térmica, por exemplo. Significa que qualquer tipo de energia contribuipara a massa total do sistema, sendo que, do ponto de vista relativístico,massa e energia podem ser tomadas como sinônimos, diferindo apenas porconveniência das unidades de medida.Em processos explosivos, o sistema libera energia em forma de energia

cinética, como nos decaimentos expontâneos e criação e aniquilação de pares.Suponha uma partícula de massa M, inicialmente em repouso, fragmentando-se em duas outras de igual massa de repouso m0. Nesta reação,

M0c2 = 2mc2,

o momento final permanecendo nulo, de modo que as duas partículas devemser lançadas em direções opostas, com a mesma velocidade em módulo. Omomento linear de cada partícula, em módulo, sendo p = mv. A relaçãoentre as massas fica

M0 = 2m0 +K

c2,

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onde K é a energia cinética liberada, mostrando que a reação somente podeocorrer se

M0 > 2m0 .

Em sistemas de partículas elementares, colisões, aniquilações e produçõesde pares são fenômenos comuns. Na colisão e aniquilação de um par elétron-pósitron, deve resultar no mínimo dois fótons para que o momento linearseja conservado, pois os fótons, embora de massa nula, transportam energiae momento diferentes de zero relacionados por

Eγ = pc .

Se o momento inicial do sistema elétron-pósitron for nulo, o momento finaltambém deve permanecer nulo, o que é impossível com a produção de apenasum fóton. Dois fótons também podem dar origem a um par elétron-pósitron,desde que a energia dos fótons seja suficiente para, no mínimo, fornecer asenergias de repouso do elétron e do pósitron.

7.3 Referencial de Centro de Massa

Considere um sistema de N partículas cujo momento linear total é

P =N∑i=1

pi .

Define-se o referencial do Centro de Massa R∗ como o referencial onde omomento linear total é nulo, P∗ = 0. Considerando a energia e o momentototais, as transformações relativísticas, equação (35), entre os referenciais Re R∗ (em movimento relativo uniforme V ao longo do eixo x) resultam

E∗ = γ(E − V Px) ,

P ∗x = γ(Px −EV

c2) , (78)

P ∗y = Py, P ∗z = Pz,

Se o eixo x for escolhido tal que Px = P e Py = Pz = 0, a condição denulidade, P∗ = 0, do momento linear total em R∗ leva a

E∗ = γ(E − V Px) ,

P ∗ = γ(P − EV

c2) = 0 .

Deste modo,

V =Pc2

E(79)

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define a velocidade do referencial do centro de massa R∗ em relação ao ref-erencial de R , e a relação

E =1√

1− V 2

c2

E∗ , (80)

para E = Mc2 e E∗ = M0c2 define a relação entre a massa relativística total

do sistema e a massa no referencial de Centro de Massa,

M =1√

1− V 2

c2

M0 . (81)

Para um sistema de partículas que não interagem entre si, a posição doCentro de Massa pode ser definida pela fórmula usual

R =

∑imiri∑imi

. (82)

Como as massas relativísticas das partículas assim como a massa relativísticatotal do sistema são constantes,

dR

dt= V =

∑imivi∑imi

=Pc2

E(83)

resulta na velocidade uniforme do Centro de Massa, já definida pela equação(79).O referencial do Centro de Massa é o referencial de repouso do sistema

como um todo. Neste sentido, verifica-se, também, a relação relativísticaentre a energia e o momento do sistema,

E2 − P 2c2 = M20 c4 .

É como se uma única partícula com massa de repousoM0 estivesse localizadanas coordenadas do Centro de Massa do sistema, movendo-se com velocidadeuniforme V , aproximação usada quando os graus de liberdade internos aosistema não são perceptíveis.

Exercícios

1. Para um quadri-vetor Aµ o produto escalar AµAµ é uma invarianterelativística. Determine estas invariantes para os quadri-vetores deposição, xµ, e do momento, pµ.

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2. Demonstre que, assim como

m =m0√

1− v2/c2

define a massa relativística de uma partícula de massa de repouso m0 evelocidade v num referencialR, num outro referencialR′ emmovimentouniforme com velocidade V em relação a R, ao longo do eixo comumxx′, a massa relativística será

m′ =m0√

1− v′2/c2.

3. Como variam no tempo a massa e a energia de uma partícula submetidaa uma força constante? Esboce gráficos destas variações em função davelocidade e do tempo.

4. Obtenha o movimento de uma partícula sujeita a uma força constante,integrando a equação de movimento diretamente na sua forma tensorial.

5. As estrêlas obtem parte da energia pela fusão de três partículas α, ouH42 , formando um núcleo de Carbono, C126 . Quanta energia é liberada

nesta reação?Dados: massas em unidade de massa atômica, u.m.a. = 1.66×10−27kg =931.1MeV ,

nêutron − 1.008665próton − 1.007825

Hélio (α) − 4.002603Carbono C126 − 12.000000

6. Considere a reaçãoH2 + Li6 −→ 2He4 .

a) Supondo que toda a energia excedente desta reação transforme-seem energia térmica, qual é o ganho em temperatura após a reação?b) Qual é a energia cinética ganha por cada molécula de hélio, con-siderando que um mol contém 6.025× 1023 moléculas?Os pesos de um mol de cada uma das substâncias abaixo são:

H2 (deutério) − 2.014102gLi6 (lítio) − 6.015126gHe4 (hélio) − 4.002603g

.

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Bibliografia

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