7 capítulo 1 clarineta no brasil

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4 CAPTULO 1 A CLARINETA NO BRASIL ASPECTOS HISTRICOS A clarineta, assim como outros instrumentos de madeira como obo e fagote derivada de um instrumento europeu descendente da flauta doce chamado charamela. Em meados de 1690, Johann Christoph Denner, charamelista alemo, acrescentou sua charamela uma chave para o polegar da mo esquerda, para que assim pudesse tocar numa abertura, o que lhe trouxe mais possibilidades sonoras, surgindo assim, a clarineta. Vale citar, com base nos autores David Pino, Burgani e Loureiro, que esse instrumento possua uma pequena extenso sonora e sua sonoridade seria a que hoje classificamos como regio grave do clarinete ou chalumeau. Posteriormente alguns instrumentistas e construtores como Denner Filho, Mller, Albert, Boehm, Buffet e Klos contriburam para o aperfeioamento do instrumento. A clarineta foi introduzida nas orquestras em 1750, sendo um dos ltimos instrumentos de sopro incorporados formao orquestral moderna.

Charamela soprano do sc XVII e charamela soprano atual

No Brasil, pouco se sabe ainda sobre os primrdios da clarineta, entretanto alguns

5 livros de Histria da Msica Brasileira trazem informaes com as quais possvel compreender que a clarineta esteve presente desde meados do sculo XVII, especialmente nas Capitanias de Minas Gerais, onde a produo musical era muito intensa. Nesse perodo, segundo Loureiro (1984 a 1987, pg.4), haviam muitos centros culturais que eram financiados pela burguesia que ali se instalava para tentar fazer fortuna com a explorao do ouro e do diamante. Nesses centros, a msica era predominante, principalmente a msica litrgica. Os msicos da poca executavam o repertrio de compositores europeus renomados, tais como Mozart, Haydn, Stamitz, Winter, Neukomm e Fuchs, e tambm compunham, sendo assim, muito provvel que houvesse msicos que, dentre outros instrumentos de sopros, tambm tocassem clarineta, uma vez que parte do repertrio dos compositores citados, j inclua o instrumento em suas orquestraes. Centros culturais de menor porte tambm estavam presentes em outras capitanias como Salvador, Maranho, Paran e Rio de Janeiro, sendo esta ltima alavancada com a vinda de D. Joo VI em 1808, como relata Fernando Jos Silveira em seu trabalho A Histria da Clarineta no Rio de Janeiro 1901 a 2000, a clarineta teria vindo para o pas junto com a vinda da famlia real, conforme o trecho abaixo:Ainda so poucas as referncias sobre a histria da clarineta no Brasil. Tem-se notcia de sua possvel chegada por ocasio da fixao da corte de Portugal no Brasil ou, ainda, por meio da vinda das bandas militares que acompanharam D. Joo VI ao Brasil (Borba, 1976 apud Pires,2000). A mais antiga citao da presena de clarinetas nas orquestras do Brasil oriunda de Minas Gerais, no ano de 1783, onde se pode constatar a presena de duas clarinetas em conjunto formado por ocasio da posse do novo Governador Geral Luiz da Cunha Menezes (Rezende, 1989). (SILVEIRA, 2006 pg. 950)

No final do sculo XVIII, era comum falar de instrumentistas de sopros que tocavam charamela e outros instrumentos e a eles era atribudo o nome de charamelleyros. Todavia, devido ao retardo com que chegavam as influncias da Europa, possvel que a clarineta no tenha sido to difundida, visto que, fora inserida orquestras europeias. (LOUREIRO, 1987, pg.5) Fernando Jos Silveira cita alguns compositores radicados no Brasil que usaram a clarineta em suas obras orquestrais, tais como Jernimo Lobo, Marcos Coelho Neto e, segundo ele o mais importante, Jos Maurcio Nunes Garcia. A vinda da famlia real proporcionou uma grande efervescncia artstica no Rio de Janeiro, D. Joo VI fundou a Biblioteca Nacional, a Escola Real de Cincias, Artes e Ofcios e a Capela Real para a qual nomeou o Padre Jos Maurcio como Mestre-derecentemente nas

6 capela, que nesse perodo comps as obras mais significativas de sua carreira e a clarineta foi muito bem explorada pelo compositor, a exemplo do que aconteciam vinte anos antes na Europa. A Missa Pastoril, por exemplo, no inclui violinos e flautas, ficando a cargo da clarineta a voz mais aguda. O trecho que se refere um catlogo de msica, cita a obra do compositor Pe. Jos Maurcio e confirma a tendncia do compositor a adotar a clarineta como um instrumento de fundamental importncia em suas orquestraes:

Segundo o Catlogo Geral Msica brasileira para orquestra (Ripper, 1998), a mais antiga obra orquestral do Padre Jos Maurcio a usar clarinetas, a abertura Zemira, remonta a 1803 mas ainda sem grande importncia no desenvolvimento das idias musicais da obra. Apenas em 1811, com a composio da obraMissa Pastoril para uma noite de natal, que a clarineta recebe o status de solista nas composies de Pe. Jos Maurcio (Freire, 2003).(SILVEIRA, 2006 pg. 951)

Em 1812, o principal clarinetista portugus da poca, Jos Joaquim da Silva, chega ao Brasil e aqui permanece at sua morte. J em1834 inicia-se o funcionamento do Conservatrio Nacional de Msica. Entre os cinco primeiros professores, contratado o clarinetista Antnio Luiz de Moura, que ensinou por 35 anos, at sua morte em 1889. Na segunda metade do sculo XIX, o clarinetista Henrique Levy, pai do compositor Alexandre Levy, torna-se um dos principais clarinetistas da cidade de So Paulo, tocando em diversas orquestras, organizando saraus em sua residncia. Ainda na segunda metade do sculo XIX, o Brasil recebe a visita de Cavallini, clarinetista virtuosi, que escreveu mtodos fundamentais para a consolidao das escolas de clarineta europeias. No incio do sculo XX que a clarineta conquista posio de importncia na literatura musical brasileira, pois quando ento Villa Lobos e Camargo Guarnieri dedicam obras de relevncia ao instrumento. Concomitantemente, o clarinetista sergipano Anto Soares tornou-se professor do Conservatrio de Msica no Rio de Janeiro e participou das primeiras apresentaes de Villa-Lobos, inclusive a Semana de Arte Moderna de 1922. Seu discpulo Jayoleno dos Santos, compositor e clarinetista, tem uma atuao de demasiada importncia, pois comps a primeira sonata para clarineta e piano como possvel verificar no trecho a seguir:J a Sonata (1947) para clarineta e piano, do compositor e clarinetista Jayoleno dos Santos, seria, segundo Volpe (2005), a primeira obra no gnero composto por autor brasileiro para esta formao instrumental. Isso confirmado por Trindade(1996), que afirma ser a primeira [Sonata para clarineta e piano] feita no Brasil...Jayoleno dos Santos, marca lugar, como professor da Escola de Msica da ento Universidade do Brasil, pela formao de excelentes alunos, tais como Jos Carlos

7de Castro e Jos de Freitas, na inaugurao da disponibilizao de material bibliogrfico sobre o instrumento no Brasil e em lngua portuguesa e, ainda, no desenvolvimento de repertrio brasileiro para o instrumento. (SILVEIRA, 2006, pgs 950 e 951).

Na mesma poca, em So Paulo, o clarinetista e violoncelista Guido Rochi, solista de clarineta da pera do La Scala de Milo, fixa residncia na cidade e foi muito ativo como professor fundador do Conservatrio Dramtico e Musical de So Paulo, em 1906. Entre seus alunos, destaca-se Antenor Driussi, primeiro clarinetista da Orquestra do Teatro Municipal de So Paulo. A primeira obra brasileira concertante a ser executada no Brasil foi, em 1957, o Concertino para clarineta e orquestra de Francisco Mignone (Silveira, 2006) e foi dedicada ao clarinetista Leonardo Righi. Entretanto a primeira obra concertante composta por um brasileiro para clarineta foi o Choro para clarineta e orquestra de Camargo Guarnieri dedicada ao clarinetista Jos Botelho, porm a primeira execuo da pea ocorreu na cidade de Washington em 1956 com o clarinetista Harold Wrigth como solista (LOUREIRO,1991 pg.117). Ao analisar as informaes acima relacionadas, surgem algumas reflexes sobre o entrelaamento histrico decorrente da evoluo do instrumento e da consolidao de escolas e conservatrios que disseminam o ensino do instrumento e estimulam compositores a escrever obras com carter solista. De maneira similar as vrias bandas de msica que surgiram no incio do sculo XX espalhadas pelo pas, tanto de cunho militar quanto civil e que at hoje realizam programaes regulares em coretos, desfiles cvicos, praas, parques, escolas e teatros, em muito contriburam para divulgao da clarineta e conseqentemente no aumento dos msicos que a escolhem como seu instrumento. Henrique Cazes, em seu livro Choro do quintal ao municipal, nos d uma idia muito clara sobre a relevncia das bandas e sua influncia na formao de msicos de sopros, bem como a maneira como a evoluo dos instrumentos est presente nesse mesmo contexto:Em meados do sculo passado, as bandas de msica passaram por um processo de modernizao com o advento dos saxofones e saxhons...O advento dos saxes, juntamente com a progressiva substituio das flautas de madeira pelas metlicas e vrios outros aperfeioamentos introduzidos nesse perodo, melhorou de modo sensvel a afinao e a sonoridade das bandas.(CAZES, 1998, pg.30).

Em outro trecho, Cazes d um exemplo da importncia das bandas como fator de incluso scio-cultural:

8Mais do que o prazer da msica, a possibilidade de tocar em uma banda, muitas vezes significou a diferena entre a misria e dignidade...Histrias como a do falecido maestro Eleazar de Carvalho, que se tornou msico de um navio para ter direito comida reservada corporao musical, no so incomuns.(CAZES,1998, pg.

No menos comuns so casos de clarinetistas que viram na banda a possibilidade de ascenso scio-econmica. Considero esse fato muito significativo, pois muitas das pesquisas na rea de educao musical surgiram devido ao aumento de projetos com objetivos de incluso scio-cultural, tais como Projeto Guri, Guri Santa Marcelina, Instituto Bacarelli, Projeto Tim, , dentre outros projetos patrocinados pela Petrobrs e pela Vale. Ainda sobre as bandas, no Livro A Casa Edson e seu tempo, pgs. 44 e 45, h uma cpia do primeiro catlogo da Casa Edson onde consta que as primeiras gravaes catalogadas foram de peas para clarineta, todavia no h especificaes sobre as tais peas e nem de quem seria o interprete, ou mesmo o compositor. Neste mesmo catlogo, consta ainda, gravaes de marchas, polcas e maxixes com a Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, sob a regncia de Anacleto de Medeiros de 1901.

Ilustraes do primeiro catlogo de gravaes da Casa Edson, pg.47, 2006.

9 Anacleto de Medeiros, alm de regente, arranjador e compositor que muito contribuiu para a aprimoramento musical das bandas e para o desenvolvimento e divulgao do choro, tem como formao a clarineta. Segundo Cazes, Anacleto formou-se em 1886 pelo Imperial Conservatrio de Msica como professor de clarinete1.

Foto de Anacleto de Medeiros e a Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro

Com o progresso das gravadoras e com a popularizao do Choro, segundo Freire in Silveira, at meados de 1955, a maior parte das composies para clarineta eram sobre a chamada msica popular. Aproximadamente 85% das composies eruditas foram produzidas aps essa data, afirma o autor. Na segunda metade do sculo XX, com o aumento das possibilidades tcnicas da clarineta devido aos avanos tecnolgicos na construo do instrumento, muitos compositores de toda a parte do mundo escreveram peas utilizando a clarineta como instrumento solista para as mais variadas formaes, inclusive peas para clarineta solo, explorando todas as possibilidades acsticas, tcnicas e interpretativas possveis at ento. No Brasil destacam-se os compositores Osvaldo Lacerda, Cludio Santoro, Ernesth Mahle e Ronaldo Miranda.1

Est escrito clarinete e no clarineta, seguindo a escrita do livro de Henrique Cazes Choro do quintal ao Municipal.

10 Talvez, devida a necessidade do repertrio, houve uma grande preocupao por parte dos msicos clarinetistas em relao sonoridade e o refinamento da tcnica nesse perodo. Seguindo o modelo europeu, muitos clarinetistas brasileiros assim como outros instrumentistas, tornaram-se msicos especialistas em um nico instrumento e se dedicaram chamada msica de concerto, ou msica erudita, so os chamados msicos eruditos, bem diferente dos considerados msicos populares que, em geral, tocam vrios instrumentos, nesse caso a maioria deles tocam clarineta e saxofone, como os conceituados msicos Abel Ferreira, Paulo Moura e K-Ximbinho por exemplo.

Abel Ferreira

K-Ximbinho

Paulo Moura

Um msico bastante importante, mas pouco citado nos trabalhos acadmicos foi o clarinetista Nabor Pires Camargo. Nabor nasceu em Indaiatuba em 1902, estudou no Conservatrio Dramtico Musical de So Paulo, trabalhou acompanhado filmes na poca do cinema mudo e posteriormente tornou-se clarinetista da Orquestra Municipal de So Paulo. Foi compositor de polcas, choros e valsas, mas considero que sua maior contribuio para a msica brasileira, em especial para a clarineta foi a ...do primeiro mtodo de clarineta brasileiro para o instrumento, esse mtodo at hoje muito utilizado em escolas e principalmente no ensino de msica realizados em igrejas evanglicas. (http://www.promemoriadeindaiatuba.hpg.com.br/webnabor/paginas/biografia.htm, consultado em 24/04/2009).

Nabor Pires Camargo

11 Porm, desde a dcada de 80, uma nova gerao de msicos passou a mudar o cenrio da clarineta no pas, deixando de ser totalmente eruditos e comeando a investir tambm na msica popular. (SILVEIRA, 2006). o caso de Paulo Srgio Santos, que tocou na Orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro por sete anos e atualmente segue carreira individual, tocando como solista de msica erudita e como solista de choros, alm de gravar com vrios artistas conhecidos, como Caetano Veloso e Chico Buarque. Em So Paulo, o grupos como Sujeito a Guincho, formado por Srgio Burgani, Edmilson Nery, Luca Raele, Lus Nivaldo Orsi e Luis Eugnio Afonso, assim como outros clarinetistas espalhados pelo pas como Maurcio Loureiro em Minas Gerais, Pedro Robatto e Joel Barbosa na Bahia,representam a vanguarda musical da clarineta, tocando msica erudita contempornea, jazz, choro e MPB, em composies prprias e arranjos inovadores.(SILVEIRA 2006, pg.951) Na opinio de Freire in Silveira, o modelo europeu est sendo substitudo por um estilo brasileiro de tocar: "Nossos msicos mesclam hoje a sonoridade e o fraseado da msica erudita com a espontaneidade da msica popular brasileira. Essa tendncia foi fortalecida nos doze ltimos anos podendo ser considerada o incio de um processo de amadurecimento de uma identidade coletiva entre os clarinetistas brasileiros. Assim como a fundao da Associao Brasileira de Clarinetistas e o incio dos Encontros Brasileiros de Clarinetistas, apresentam-se como alternativas efetivas para o intercmbio entre professores, msicos e estudantes das diversas regies brasileiras promovendo a conscientizao dos clarinetistas sobre a importncia da pesquisa como delineador de um futuro ainda mais promissor para a classe.(SIVEIRA 2006, pg.952). Por fim, possvel compreender por meio das informaes pesquisadas nesse captulo, que a clarineta cada vez mais se consolida como um importante instrumento para a fomentao da cultura brasileira.