7008506 ana maria magalhaes isabel alcada o dia do terramoto infantil

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o dia do terramoto ana maria magalh es isabel al ada o dia do terramoto (3.' edi o) �� autoras: ana maria magalh es e isabel al ada ilustra es: arlindo fagundes �� capa: sec o gr fica da editorial caminho �� sobre ilustra es de arlindo fagundes �� revis o: sec o de revis o da editorial caminho �� o editorial caminho, sa, lisboa -1989 tiragem: 10 000 exemplares composi o: sec o de composi o da editorial caminho �� �� �� impress o e acabamento: sig - sociedade industrial gr fica data de impress o: fevereiro de 1995 dep sito legal n " 28 464/89 isbn 972-21-0460-8 ana e jo o contemplavam fascinados a nova m quina de viajar no tempo. era um cubo perfeito, todo em cristal, que causava uma impress o de grande estranheza, pois n o se podia dizer que fosse transparente nem opaco. e n o reflectia a luz. jo o aproximou-se e n o resistiu a tocar-lhe. mas, para seu grande espanto, n o sentiu nada. a m o parou encostadinha quela superf cie lisa, como se houvesse de facto ali alguma coisa s lida. contudo n o registou qualquer sensa o de frio, calor ou mesmo de �� tacto. - que material t o esquisito! veio de outro planeta? - n o - respondeu orlando. - aquilo em que acabas de tocar n o um material. - ent o o que ? - um campo de for a. ou seja, este cubo formado por milhares de raios que se entrecruzam como os fios de um tecido. - raios laser? - n o. s o raios descobertos e controlados no s culo xxiv, que d o possibilidades fabulosas! - calculo. basta olhar para esta m quina e fica-se de boca aberta. - ainda tu n o viste nada! vale a pena entrar l dentro, pois trata-se de uma obra muito bem concebida. - como que se entra? - perguntou a ana. - n o tem porta! - ent o achas que depois de um avan o tecnol gico t o espectacular, ainda seria necess rio entrar por uma porta? os dois irm os riram-se e concordaram. orlando, dispensando-se de dar mais explica es, �� retirou do bolso da camisa um tubo que parecia de vidro e apontou-o na direc o de �� ambos. - juntem-se um bocadinho mais. assim est bem. um fio de luz roxa desenhou-lhes o contorno, depois surgiu o mesmo desenho na superf cie da m quina e sentiram-se projectados l para dentro, com a mesma facilidade e leveza dos fantasmas quando atravessam

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Page 1: 7008506 Ana Maria Magalhaes Isabel Alcada O DIA DO TERRAMOTO Infantil

o dia do terramotoana maria magalh es isabel al ada� � o dia do terramoto (3.' edi o)�� autoras: ana maria magalh es e isabel al ada� � ilustra es: arlindo fagundes�� capa: sec o gr fica da editorial caminho�� � sobre ilustra es de arlindo fagundes�� revis o: sec o de revis o da editorial caminho� �� � o editorial caminho, sa, lisboa -1989 tiragem: 10 000 exemplares

composi o: sec o de composi o da editorial caminho�� �� ��impress o e acabamento: sig - sociedade industrial gr fica� � data de impress o: fevereiro de 1995� dep sito legal n " 28 464/89� isbn 972-21-0460-8

ana e jo o contemplavam fascinados a nova m quina� �de viajar no tempo. era um cubo perfeito, todo em cristal, que causava uma impress o de grande estranheza,�pois n o se podia dizer que fosse transparente nem opaco.�e n o reflectia a luz.� jo o aproximou-se e n o resistiu a tocar-lhe. mas,� �para seu grande espanto, n o sentiu nada. a m o parou encostadinha quela� � � superf cie lisa, como se houvesse de facto ali alguma coisa s lida. contudo n o� � �registou qualquer sensa o de frio, calor ou mesmo de��tacto. - que material t o esquisito! veio de outro planeta?� - n o - respondeu orlando. - aquilo em que�acabas de tocar n o um material.� � - ent o o que ?� � - um campo de for a. ou seja, este cubo formado por milhares de raios que se� � entrecruzam como os fios de um tecido. - raios laser? - n o. s o raios descobertos e controlados no s culo xxiv, que d o� � � � possibilidades fabulosas! - calculo. basta olhar para esta m quina e fica-se�de boca aberta. - ainda tu n o viste nada! vale a pena entrar l� �dentro, pois trata-se de uma obra muito bem concebida. - como que se entra? - perguntou a ana.�- n o tem porta!� - ent o achas que depois de um avan o tecnol gico� � �t o espectacular, ainda seria necess rio entrar por uma� �porta? os dois irm os riram-se e concordaram.� orlando, dispensando-se de dar mais explica es,��retirou do bolso da camisa um tubo que parecia de vidro e apontou-o na direc o de�� ambos. - juntem-se um bocadinho mais. assim est bem.� um fio de luz roxa desenhou-lhes o contorno, depois surgiu o mesmo desenho na superf cie da m quina� � e sentiram-se projectados l para dentro, com a mesma� facilidade e leveza dos fantasmas quando atravessam

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paredes! ao princ pio ficaram vagamente atordoados. mas assim� que estabilizaram emudeceram de espanto. o interior da m quina era muito maior do que se podia imaginar e� tanto o espa o como o recheio constitu am uma aut ntica surpresa. ali havia de� � � tudo. a inevit vel sala de� comandos, com computadores e aparelhos de alto a baixo.mas, al m disso, tinha recantos destinados s mais variadas fun es.� � �� uma zona de conv vio para descansar, com sof s muito� �confort veis e aparelhagem de som. outra com beliches�para quatro pessoas. e at uma esp cie de estufa cheia� �de plantas, onde se podia comer, escrever, jogar s cartas, pois tinha uma mesa e� quatro cadeiras de lona. - s falta a cozinha! - exclamou a ana. - isto � �uma casa voadora!

jo o olhou em volta procura do orlando que, ainda do lado de fora, lhe acenou� � sorrindo. - que engra ado! j reparaste que de fora para dentro� �n o se v nada e de dentro para fora v -se tudo?� � � - ah! , !� � mas a conversa ficou em suspenso, pois orlandoacabava de se projectar para junto deles. a opera o era��t o r pida que o corpo parecia transformar-se num feixe� �luminoso. o velho cientista j n o precisava de tempo para� �estabilizar. assim que pousou os?p s no ch o, falou-lhes� �com tanto -vontade como se tivesse entrado por uma�porta normal. - ent o, gostam?� - que maravilha! a aivet (1) est a trabalhar cada�vez melhor. - l isso verdade! - disse, com um sorriso fugaz.� �- temos trabalhado muito.

(1) aivet: associa o internacional de viagens no espa o e�� �no tempo.

- v -se. o orlando est com ar cansado.� � - hum !. . . n o.� - se calhar aborreceu-se com algum cientista daaivet? foi isso? oh, minha filha! os cientistas que trabalhama s rio n o t m tempo para se zangarem uns com� � �os outros. est o demasiado envolvidos nas suas�experi ncias para arranjarem intrigas ou discuss es� �tolas. - mas passa-se alguma coisa, porque o acho diferente. - sentimos a falta das suas gargalhadas roucas!-queixou-se o jo o. - costuma ser t o alegre!� � orlando olhou-os com ternura. - t m raz o. voc s s o observadores.� � � � e recostando-se no sof , deitou a cabe a para tr s� � � e continuou a falar. na sua voz havia uma certa tristeza. - encarregaram-me de uma miss o dif cil.� � - seja qual for, n s ajudamos - disse logo o jo o,� � pressuroso. - desta vez imposs vel. a ltima coisa que eu� � �

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faria era lev -los comigo.� - porqu ?� - bom, se querem saber tudo, vou assistir ao terramoto que em 1755 destruiu lisboa. um espect culo� � horrendo. - deve ser! - disse ana. - olha, eu c por mim gostava de assistir.� - que disparate! - disparate, n o. h muita gente que gosta. at se� � �fazem filmes sobre cat strofes. e quanto mais impressionantes forem, mais as� pessoas adoram. - num filme diferente porque a hist ria inventada.� � � - e quando h tremores de terra verdadeiros n o� �mostram no telejornal? tu ficas sempre especada aver. - porque me impressiona, porque tenho pena das�pessoas.

- eu tamb m n o te disse que n o tinha pena. mas� � �gostava de ver, pronto! - pois eu preferia n o ter que ir.� - ent o para que que vai?� � - porque a aivet decidiu enviar dois cientistaspara estudarem o tsunamis ao vivo. - o que um tsunamis?� - uma onda gigante que resulta de um tremor de�terra submarino. voc s n o sabem que, depois do primeiro grande abalo, as guas do� � � tejo subiram a quinzemetros de altura e varreram a cidade? - que horror! n o fazia ideia nenhuma.� - muitas pessoas que tinham escapado derrocada�foram engolidas pelas guas e desapareceram sem deixar�rasto. foi brutal. jo o teve que morder a l ngua para n o dizer inconveni ncias, pois quanto mais� � � � terr vel era a descri o, mais lhe apetecia ir.� �� - quem o outro cientista que vai consigo?-�perguntou a ana. - simp tico?� � orlando co ou a careca e fez um trejeito de desagrado.� - que... pois... surgiu outra miss o e n o h ...� � � �n o h ...� � - n o h gente que chegue para tudo!� � - pois . tenho que ir sozinho - acabou por dizer.� jo o olhou para a irm e viu perfeitamente na cara� �dela que, embora com medo, estava ansiosa por acompanhar o velho amigo naquela miss o dif cil. resolveu� �portanto insistir: - orlando, tenha paci ncia! n s vamos consigo ver� �o terramoto. fazemos tudo o que nos mandar. se quiser,trabalhamos com as m quinas. se quiser, tomamos no-�tas no computador. ou regamos as plantas, ou limpamosa sala, ou fazemos a comida. mas leve-nos, por amor dedeus! tantas propostas em fila fizeram-no rir. - a m quina limpa-se a si mesma. as plantas n o� �precisam de ser regadas e, quanto comida, tenho pro-�vis es para um m s e meio. se est o com fome, posso� � �oferecer-lhes almo o, querem?� - queremos, pois!

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as surpresas ainda n o tinham acabado. em resposta� a uma leve press o digital, o cran maior iluminou-se.� � depois dividiu-se em quadrados que exibiam a fotografia de um prato. e cada qual era mais apetitoso do que o anterior. - escolham! - disse orlando. - basta tocarem com a ponta do dedo naquilo que querem comer. - o pior que n o sei qual prefiro. apetece-me� � tudo. - isso que n o. tens que escolher um, e s um.� � � jo o aproximou-se do cran com gua a crescer na� � �boca. ap s uma breve hesita o, afagou o quadrado que� ��exibia bife com batatas fritas num prato azul e salada defrutas num copo em forma de camp nula. por cima do�cran abriu-se imediatamente uma ranhura por onde�deslizou o tabuleiro com a ementa seleccionada. - e bebidas?

- ah! aqui dentro s se pode beber gua. se quiseres, carrega nesse bot o.� � � ana, que estava cheia de sede, come ou por se ser-�vir de gua fresquinha. depois plantou-se diante das�refei es e esteve ali um bom bocado, acabando por��escolher o mesmo que o irm o.� orlando juntou-se-lhes e almo aram em boa conversa. nenhum deles tocou no� assunto que lhes queimava al ngua. mas, assim que surgiu a primeira oportunidade,� jo o voltou carga:� � - afinal, j resolveu?� - o qu ?� - ora!, levar-nos consigo. mesmo que a viagem seja longa, temos camas que cheguem. ainda sobra uma! de resto, a casa t o grande que cabia aqui imensa gente.� � dormiam nos sof s.� - enganas-te. isso nas casas do s culo xx, onde,� � se houver boa vontade, cabe sempre mais um. - n o estou a perceber.� - que o progresso tem vantagens e desvantagens.� uma delas estar tudo previsto. nesta m quina at est previsto que as pessoas� � � � t m que viajar com grande� conforto. e para isso precisam de espa o. portanto, as� paredes s d o entrada a quatro seres humanos.� � - que engra ado!� - orlando, considera essa exig ncia uma vantagem ou uma desvantagem?� � - depende. discut vel!� � jo o, receando que irm puxasse a conversa para� � �outro lado, atalhou: - uma coisa certa!� - qual? - n s cabemos!� ele n o p de deixar de rir. e confessou:� � - eu gostava de os levar, sabem? como cientistatenho que criar uma esp cie de fosso entre mim e os�acontecimentos que estudo. preciso de manter a calma,de prefer ncia at devo ficar quase indiferente. como� � �os m dicos. j pensaram no que acontecia se um cirurgi o abrisse a barriga do� � � doente e se pusesse a chorarcom pena dele? a ideia era t o absurda que os divertiu.�

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- ou um dentista encolher-se todo ao brocar os dentese p r-se a dizer: ??coitadinho! d i-lhe muito, n o d i?"� � � � - isso mesmo, jo o. os cientistas, os m dicos,� � �t m que ter nervos de a o. sabendo que estou de partida� �para assistir a um espect culo terr vel, j comecei a criar� � �uma carapa a em volta das emo es. mas apetecia-me� ��t -los ao meu lado. de certo modo, preciso das vossas�l grimas...� - se o problema esse, n o se preocupe. n s� � �choramos, n s gritamos, rebolamo-nos pelo ch o aos� �berros, tudo o que quiser! - s mesmo tonto!� ao ouvi-lo, os dois irm os tiveram a certeza de que�fraquejava. e piscaram o olho um ao outro, radiantes.n o tardaria que lhes dissesse que sim e come asse a� �enumerar as condi es.��

- bom - disse orlando. - est o mesmo dispostos a acompanhar-me?� - sim! sim! sim! - nesse caso tenho de lhes impor condi es.�� eles largaram gargalhada.� - j est vamos espera.� � � - diga l quais s o.� � - em primeiro lugar, quero lembrar-lhes o c digo�de honra dos cientistas que viajam no tempo. n o se�pode alterar a hist ria!� - isso j n s sabemos.� � - est bem. mas s vezes esquecem-se. sobretudo� � tu, jo o. de qualquer forma, a poca onde vamos � � � especial. - porqu ?� - porque sabemos que vai morrer muita gente. natural que se sintam tentados a salvar algu m.� � aquela frase deixou-os pensativos. seria bom salvarem pessoas do terramoto. mas como? e mesmo que quis ssemos, n o sab amos o que hav amos de fazer.� � � � - e n o conhecemos ningu m, n o . a escolha� � � � seria imposs vel.� - bom, eu n o vos disse, mas a nossa viagem n o� � directa para o momento do terramoto. temos que aterrar� em lisboa no princ pio de outubro e o terramoto deu-� -se no dia 1 de novembro. por isso natural que conhe am pessoas do s culo� � � xviii. que criem la os de�amizade. que lhes apete a prevenir os amigos, para�fugirem a tempo. mas n o podem faz -lo.� � jo o encolheu os ombros, na d vida.� � - tamb m salvar uma pessoa ou duas n o muda a� �hist ria!� - se te p es com essas coisas, resolve-se j o assunto. n o vais comigo e� � � pronto! - orlando, n o se zangue. eu prometo cumprir as�regras. mas explique-me qual a import ncia de mais� �um ou menos um! - basta pensares um bocadinho para perceberes.nunca se sabe qual o papel que uma pessoa pode vir�a ter na hist ria. sup e que salvavas uma crian a de� � �colo. primeira vista, n o altera nada. agora imagina� �que essa crian a crescia, se tornava num assassino e�matava o rei? ou ent o que, sendo muito inteligente,�

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fazia pesquisas e antecedia descobertas cient ficas do�s culo seguinte? em qualquer caso as consequ ncias eram� �imprevis veis. mas de uma coisa podes ter a certeza.�o destino da humanidade seria diferente. por isso que�n s nos comprometemos, sob palavra de honra, a nunca,�em caso algum, alterar nada. percebes? - percebo - respondeu o jo o muito s rio. - e� �prometo cumprir o que combin mos.� ana, que ouvira a conversa em sil ncio, acenou que�sim. nenhum deles teve d vidas de que estava disposta�a aceitar as condi es, pois era uma rapariga ajuizada,��sensata. - vamos portanto passar um m s no s culo xviii.� �e como cada dia noutra poca representa um minuto na�nossa, quando voltarmos s decorreu meia hora. no�

entanto voc s v o ver que regressam muito diferentes,� �pois ser uma experi ncia inesquec vel.� � � - quando que partimos?� orlando abriu os bra os e sorriu.� - j !�

mergulhar no passado dentro de um feixe de raioscom a apar ncia do cristal era ainda mais r pido do que� �na m quina do tempo. um leve arrepio de frio, as�p lpebras pesadas e aquela sensa o entre estranha e� ��agrad vel de quem paira numa atmosfera calma, suave.� desta vez n o se materializaram em terra. orlando�preferiu faz -los descer como se viajassem de bal o e� �escolheu um s tio lindo. o estu rio do tejo. pararam� �quase nas nuvens e depois foram deslizando lentamentedo azul do c u para o azul mais forte do rio. a cidade�vista de cima era um verdadeiro espect culo, com o�castelo de s. jorge no ponto mais alto e as casas escorrendo pela colina em ruas apertadas e sinuosas. muitas torres sobressa am por entre os telhados cor�de tijolo velho, bem como jardins, hortas e pomaresespalhados ao acaso. junto ao cais, havia uma pra a�ladeada por um pal cio enorme. passava-se ali qualquer�coisa, pois parecia estar cheia de gente. mas n o perceberam logo de que se� tratava. continuaram a descer, t o devagarinho, t o devagarinho, como se planassem ao� � sabor do vento. o pior �que se dirigiam para a gua. ana olhou para o orlando�e, vendo-o entusiasmado com a vista a rea de lisboa,�receou que se tivesse distra do e deu um grito:� - vamos mergulhar no rio! ele virou-se imediatamente com ar bonacheir o.� - n o te assustes que eu sei o que estou a fazer.� - a... desculpe, mas que... que...� � - que pareces tonta! ent o julgas que o teu velho� �amigo te trouxe aqui para morreres afogada? o aparelho vai ficar pousado superf cie, como um barco. j te� � � esqueceste que tenho de preparar tudo para estudar o tsunamis? - um aparelho anf bio - disse logo o jo o.� � � - anda na terra e na gua como as r s.� � - n o digas disparates.�

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- porqu ?� - porque muito mais do que anf bio. anda na� � terra, na gua, no ar e at atravessa o tempo.� � mas j estavam muito pr ximos e orlando teve que� � retomar os comandos para escolher o s tio exacto onde� queria pousar. n o era f cil. havia tantos barcos! alguns eram enormes, com� � v rios mastros e velas enrola-� das. outros muito pequenos, s com remos. foi preciso� mudarem v rias vezes de direc o, e ap s uma guinada� �� � para a esquerda, outra para a direita, l conseguiu encaixar-se perto do cais.� - n o ser perigoso estacionarmos neste s tio?� � � - h ?� - sim, a verdade que a m quina fica invis vel e� � �h muito movimento. corremos o risco de sermos esborrachados pelos navios.�

- ah! ah! ah! voc s hoje n o acertam uma.� �os feixes produzem um campo de protec o segur ssimo.�� �qualquer barco que se aproxime desviado sem que os�marinheiros percebam porqu . deslocam-se como se�fossem arrastados pela mar ou pelas correntes.� - e agora? ficamos aqui fechados? - perguntou ojo o impaciente.� - eu fico. este m s vai ser de trabalho intenso. voc s� �podem sair se me prometerem n o arranjar sarilhos.� - claro! - ent o ponham-se a a jeito. vou vesti-los poca� � � �e dar-lhes dinheiro da poca tamb m.� � - como? - j vais ver. muito simples.� � bastou regular um foco de luz, e z s!, ficaram mascarados dos p s cabe a. n o� � � � � faltava sequer uma bolsacom moedas de ouro e prata. - agora projecto-os para o exterior e vamos com-binar assim. voc s passeiam, divertem-se, fazem o que�quiserem. ao fim da tarde aparecem no cais e eu sugo--os para dentro sem dar nas vistas. de qualquer forma,levam um intercomunicador preso ao pesco o: leva-o�tu, jo o. se houver problemas, entram em contacto�comigo. - que engra ado! tem feitio de medalha.� - e para n o chamar a aten o. nesta poca toda a� �� �gente muito religiosa e usa santos. s que esse n o � � � �de metal como parece e tem mil circuitos integrados. - como que funciona?� - encosta-o boca e depois fala normalmente. mesmo que te vejam ningu m repara,� � pois costume beijar�os santos e rezar a qualquer hora do dia. - nesse caso est tudo pronto e eu quero sair!� - este rapaz h -de ser sempre o mesmo... - murmurou o orlando, j a premir o� � bot o.� num pice, passaram para o lado de fora e deram�consigo com os p s bem assentes em terra, no limiar do�cais. as primeiras impress es foram muito violentas!�o cheiro era pestilento e a gritaria ensurdecedora. no terreiro do pa o decorria, nada mais nada me-�nos, que uma tourada. tinham colocado uma cerca todaem madeira, rodeada de bancadas, umas sombra e outras�

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ao sol. a multid o agitava-se num entusiasmo delirante.� estavam ali todas as classes sociais. o povo, na zona mais barata, pouco se importava de ter que permanecer com a cabe a ao sol, e aplaudia freneticamente os seus� dolos. monges e padres protegiam-se com chap us ou� � com o capuchinho do h bito.� tanto burgueses como nobres estavam vestidos a rigor nas bancadas de sombra, que eram mais caras. a fam lia� real, rodeada pela corte, assistia das janelas do pal cio.� e era evidente que apreciavam o espect culo tanto ou� mais que os seus s bditos. a algazarra era indescrit vel.� � - para onde que vamos? - perguntou a ana.� - para as bancadas melhores, ora! o orlando deu- -nos moedas de ouro e prata! radiante, o jo o j l ia a correr. pagou as entradas� � �

num frenesi e instalaram-se comodamente nas primeirasfilas. o que viram na arena surpreendeu-os bastante. n o�era um toiro, mas sim carneiros e estavam presos a estacas de 'madeira cravadas no ch o, berrando: ??m !� ���m ! m !,?��� ��� nesse momento surgiu um cavaleiro a galope. trazia casaca de seda verde, cabeleira aos canudos com umla o preto e na m o brandia uma espada enorme. o� �entusiasmo subiu ao rubro! e para grande espanto dosdois irm os, avan ou desfilada em direc o a um dos� � � ��carneiros e cortou-lhe a cabe a de um s golpe. o sangue jorrou com tal viol ncia� � � que sujou alguns dos espectadores mais pr ximos.� eles n o se importaram nada e tal como os outros� puseram-se de p , aplaudindo e gritando: ?? ! !� ��� ��� e ! "�� o cavaleiro, feliz com a exibi o que acabara de fazer,�� deu uma volta arena e saiu em triunfo. mas j l vinha� � � outro. nov ssimo e elegante na sua casaca branca borda-� da a ouro. jo o levantou-se excitad ssimo. nunca tinha� � assistido a nada de semelhante. e enquanto batia palmas, escarlate de emo o,�� imaginava-se a si pr prio no� meio da arena, arrancando ova es ainda maiores.�� ana, pelo contr rio, s n o largou a chorar por vergonha. tinha uma pena� � � horr vel do carneiro, cujo corpo� inerte acabava de ser levado por dois negros, enquanto outros espalhavam areia molhada em cima do sangue. o fedor era insuport vel e estava enjoad ssima. sua� � � volta as senhoras abanavam-se com leques ou envolviam o nariz num lencinho cheiroso. decidiu fazer o mesmo e a aragem provocada pelo leque deu-lhe algum al vio.�mas de forma nenhuma queria ver outro carneiro decapitado. assim, quando percebeu que estava na hora, baixouos olhos e encostou a testa na palma da m o, numa�tentativa de se alhear, o que era imposs vel.� a emo o ruidosa daquelas gentes impunha-se com��uma for a impressionante.� que havia de fazer? inclinou-se ainda mais e ent o�viu que por baixo das bancadas se introduzira um rapaz.gatinhava sorrateiramente, com movimentos el sticos e�silenciosos. estava descal o e usava roupas andrajosas.�calculou portanto tratar-se de um mendigo sem dinheiropara comprar bilhete. o mais certo era andar procura�

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de um lugar vazio para se enfiar. aquilo distraiu-a eficou a observ -lo. n o podia ter mais de catorze ou� �quinze anos. era muito moreno, de cabelo preto e olhospretos. uma cicatriz obl qua atravessava-lhe a sobrancelha esquerda. ao contr rio� � do que ela esperava, n o�saiu do esconderijo e deixou-se ficar im vel, como quem�espera qualquer coisa. - ana! olha! agora que vai come ar a tourada - disse o jo o, que partilhava da� � � alegria geral.-esta hist ria dos carneiros s para agu ar o apetite.� � � �foi um primeiro n mero.� de facto, algu m levara os animais e as estacas.�andavam a varrer a pista, a reg -la e a espalhar mais�areia. quando os toiros entraram, a atitude das pessoas

mudou. agora pairava no ar um certo nervosismo e op blico olhava os animais com respeito. eram enormes,�de p lo muito preto e luzidio, porte amea ador. tentavam avali -los pelo tamanho,� � � pela postura altiva. bravos ou mansos? com eles, a luta seria diferente. ostoureiros j n o se podiam limitar a fazer habilidades. a� �tourada um combate entre um homem e uma fera.�quanto melhor for o touro, melhor ter que ser o toureiro. para enfrentar a� bravura preciso coragem e�destreza. o espect culo prometia, pois al m dos aplausos ouviam-se coment rios� � � elogiosos. - s o bel ssimos!� � - o ganadero est de parab ns.� � - tamb m n o para admirar. trata-se do marqu s de marialva.� � � � muita gente se virou nas bancadas e olharam para opal cio real. o marqu s de marialva era o melhor amigo do rei e estava com ele � � � janela. de toda a parterecebia cumprimentos. depois de os touros se mostrarem, foi a vez dos toureiros. entraram juntos, a cavalo, com belas casacas bordadas a ouro e prata. na cabe a, um chap u de tr s� � � bicos enfeitado de plumas cobria-lhes a cabeleira posti a. vinham rodeados de� homens a p , cheios de adornos e atavios. cumprimentaram o rei, a assist ncia, e� � retiraram-se. as mulheres, fossem elas do povo ou da nobreza, n o escondiam a sua admira o e agitavam-se,� �� ansiosas por verem actuar os seus dolos. tudo podia� acontecer num confronto daquela natureza! algumas levavam flores para lhes atirarem no fim da lide. mas se isso n o chegasse, voavam leques, len os, chap us, tudo� � � o que lhes viesse m o.� � o primeiro a exibir-se seria o jovem conde dos arcos. quando ele se preparou para enfrentar o touro, fez-se sil ncio. o ar vibrava de expectativa. cavalo e cavaleiro�deram uma volta arena e iniciou-se finalmente aquela� esp cie de bailado em que ora se aproximam ora se� afastam do touro furioso. depois, num arranque decidi- do, o toureiro cravou-lhe um par de bandarilhas no cacha o. a multid o reagiu em del rio, gritando e aplaudindo.� � � o conde dos arcos, radiante, conduziu o cavalo para junto das t buas e ao passar em frente do pal cio ergueu� � a cabe a e sorriu.� o rei, a rainha, as princesas, saudaram-no com viva- cidade. mas ele parecia mais interessado na reac o do��

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marqu s de marialva, que se limitou a fazer-lhe um gesto� discreto de aprova o.�� na fila de tr s v rias pessoas murmuraram:� � - o pai... (')� - deve estar contente! ana ia fazer um coment rio sobre o assunto quando� o rapaz ao seu lado deu um urro de dor. - ai! toda a gente se virou, espantada. - o que foi? - o que que aconteceu?�

o infeliz n o sabia explicar o que tinha, mas inclinou-se para a frente e� agarrou um p . as m os ficaram� � cheias de sangue. ana recuou, ligeiramente aflita.

(') o conde dos arcos, filho do marqu s de marialva, morreu� na arena colhido por um touro. a hist ria deu origem a um�texto famoso, a ltima corrida de toiros em salvaterra. um resumo do texto� encontra-se na parte final deste livro, na p. 235.

- hoje n o fa o outra coisa sen o ver sangue!-� � �resmungou entredentes. no entanto a curiosidade foi mais forte. como que�uma pessoa ali sentada sem se mexer aparecia ferida derepente? e a ferida n o era pequena! a meia de seda�estava rasgada e via-se perfeitamente um golpe no peitodo p .� as pessoas insistiam em perguntar: - o que foi? at que o rapaz, perplexo, declarou:� - fui roubado! - como? - o qu ?� ele fez um esfor o para dominar a dor e explicou-�-se: - algu m me atacou por debaixo da bancada. cor-�taram a fivela de prata do outro sapato. e quando sepreparavam para levar esta, deve-lhes ter escorregado am o e levei uma navalhada.� - o mendigo! - exclamou a ana. - eu vi-o! voltaram-se todos para ela, que corou at raiz dos� �cabelos. jo o apressou-se a dar-lhe apoio.� - viste o ladr o? tu? por que que n o disseste?� � � - eu n o vi o ladr o. vi um mi do escondido� � � debaixo das t buas. pensei que quisesse entrar sem pagar� bilhete! - se calhar ainda l est - disse algu m.� � � foi o suficiente para que muitos se pusessem a espreitar por entre as bancadas. mas do bandido, nem rastos. e como a tourada recome ou, dispersaram-se as aten es.� ��ana ofereceu ent o um len o ao rapaz para estancar� �o sangue. ele aceitou, embrulhou o p com a ajuda de�um amigo e s depois agradeceu. os olhos de ambos�encontraram-se e ela achou tanta gra a quela express o� � �af vel que esqueceu tudo quanto se passava em seu redor.� - chamo-me j come. j come ratton.� �

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a voz era t o bonita quanto o nome era estranho!�

os primeiros amigos

quando sa ram da tourada, j tinham dois amigos� �novos. j come e o seu companheiro. o pior foi que desde�o in cio n o tiveram outro rem dio sen o mentir, por-� � � �que os rapazes eram muito faladores e fizeram-lhes milperguntas. - s o de lisboa?� se dissessem que sim, que morada haviam de indicar?e onde estava a fam lia? preferiram inventar que eram�

do porto e a partir da as aldrabices cresceram como�uma bola de neve. ana tentava desviar a conversa, masjo o embalou a construir uma hist ria.� � - somos filhos de um comerciante do porto. a nossam e de origem inglesa e vivemos perto da torre dos� �cl rigos (1).�

(1) a torre dos cl rigos estava a ser constru da. o� �arquitecto foi nicolau nasoni. a obra iniciou-se em 1754 e terminou em 1763.

- que engra ado! - disse j come -, nesse caso� �temos muitas coisas em comum. os meus pais s o franceses. vieram para portugal� para se dedicarem ao com rcio. e, tenho um tio que vive no porto. chama-se�j come bellon. conhecem� - a..: o meu pai s vezes fala nele. mas acho que�nunca o vi. ana interveio, receando que o irm o fosse longe de�mais: - quer dizer que tens o nome do teu tio. - um nome de fam lia. eu tamb m sou franc s.� � � �s vim para portugal com dez anos.� - e gostas? -imenso! tenho muitos amigos. -como eu, por exemplo - disse o outro rapaz,que se chamava anselmo. - andamos sempre juntos. - o que que vieram fazer a lisboa?� - a... n o conhec amos a capital e foi por isso...� � - que tal foi a viagem? - razo vel.� - o barco r pido, n o ?� � � � ana sorriu mas disfar ou. a ideia de escolher um�barco vela como meio de transporte entre o porto e�lisboa n o podia ser mais divertida!� - onde que est o alojados? - perguntou anselmo. - em casa de algum parente?� � - n o, n o temos c fam lia.� � � � - j arranjaram hospedaria?� - amos procurar uma estalagem depois da tourada.� - calha mesmo bem. conhe o uma bastante boa que� vos posso indicar. querem? - claro! obrigad ssima.� encaminharam-se ent o para a zona do castelo de�s. jorge. estava um fim de tarde luminoso e sereno,muito agrad vel para passear. as ruas eram estreitas e�sujas. mas muito alegres tamb m, com sardinheiras nas�janelas e roupa branca a secar.

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como os pr dios n o tinham vidros, ouvia-se tudo o� �que se passava dentro de casa. risos, cantorias, discuss es.� jo o ia frente com anselmo. falavam da tourada.� �atr s seguiam ana e j come. entre eles ia surgindo qual-� �quer coisa mais que simpatia. n o prestavam grande�aten o ao que diziam e observavam-se um ao outro com��agrado. ele n o era bonito, mas era atraente. tinha cabelo�preto retinto, olhos pequenos muito vivos e boca grande.

a voz era rouca e levemente musical. de vez em quando soltava uma gargalhada alegre e olhava a sua companheira de uma forma quase atrevida que a fazia corar. - foi uma sorte terem-me dado uma navalhada nop ! - exclamou com um sorriso insinuante.� ela fez-se desentendida. - porqu ?� - porque foi a maneira de te conhecer. - oh ! - verdade. tenho muito que agradecer quele� �ladr o.� - h muitos ladr es por aqui?� � - ui! se queres que te diga, nem sei se h mais ladr es se pessoas honestas. a� � cidade est infestada de�quadrilhas. perigoso sair noite. depois do p r do� � �sol o melhor ficarem na estalagem. ou ent o - acrescentou, de novo com o mesmo� � sorriso -, se quiseremsair, digam. n s fazemos-lhes companhia.� um pouco embara ada, ana baixou os olhos. feliz-�mente tinham chegado ao seu destino. - aqui! - disse anselmo, apontando uma porta�verde. - a estalagem de nat ria. come-se bem e os�quartos n o s o maus.� � entraram para uma sala grande com mesas de madeira e bancos corridos. ao fundo havia uma chamin .�o lume estava aceso e uma criada gorducha afadigava--se de roda dos panel es de ferro onde fervia a sopa.�em cima das brasas assava febras de porco com sal grosso.era bom o cheirinho de lenha a queimar! a dona da casa veio atend -los. desceu a escada num�passo ligeiro e aproximou-se. quando viu jac mo e�anselmo desfez-se em sorrisos, mas percebia-se que erauma mulher bastante antip tica. toda a sua figura transmitia acidez. pequena,� magra, de boca fina e olhar apertado, parecia mirrada pelo vinagre. tinha um jeito deapertar as m os uma na outra junto ao est mago como� �se escondesse alguma coisa ali. -o tal senhor franc s j c tem a bagagem mas� � �saiu. - qual senhor franc s? - perguntou o jo o.� � - um comerciante de chap us - explicou j come.� � �- veio de paris com v rios modelos para o meu pai�escolher os que quer importar. instalou-se nesta hospedaria. - ah! - mas eu s combinei encontrar-me com ele logo � � noite. agora vinha trazer-lhe mais dois clientes, nat ria.� estes meus amigos s o do porto. se n o tiver dois quartos, podem ficar no mesmo� � porque s o irm os.� � - muito bem. onde est o as malas?� ana fez-se de todas as cores. e agora? mas o jo o�

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era capaz de inventar fosse o que fosse para se livrar desarilhos. -ficaram no barco, porque ainda quer amos ir � �tourada antes de procurar acomoda es. mais logo chamamos um mo o para ir buscar�� � tudo. - muito bem. ent o venham comigo.� j come e anselmo despediram-se prometendo voltar� noite. ana e jo o foram ver o quarto, que era no andar� �de cima. a mobilia reduzia-se ao m nimo indispens vel.� �cama de colch o alto, arca de madeira, um conjunto de�

bacia e jarro para se poderem lavar porque n o havia�casa de banho. s uma pia no quintal das traseiras.�quando nat ria saiu, ana fechou a porta e perguntou:� - e agora o que que a gente faz? fugimos?� - n o! muito mais divertido ficarmos aqui do que� �irmos enfiar-nos na m quina. apetece-me viver como�nos tempos antigos. uma experi ncia nova.� � - para dizer a verdade tamb m me apetece. mas o�orlando deixar ?� - talvez. vou-lhe pedir autoriza o pelo intercomunicador.�� -espera a . e as malas?� - se for preciso inventamos outra desculpa. que nosroubaram, que o barco ardeu, que foi ao fundo, sei l !� - s mesmo doido.� - pois sou e ainda bem. se n o fosse a minha loucura�n o est vamos aqui.� � jo o aproximou-se do jarro, despejou gua na bacia� �e lavou as m os com vol pia.� � - nem torneiras, nem sabonete, nem toalhas turcas!isto ou?o mundo, minha querida irm .� � ela estendeu-lhe uma toalha de linho, com franjas,que primeira retorcidela ficou amachucad ssima.� � depois, enquanto jo o encostava a medalha boca e� �desenvolvia um discurso infind vel para convencer o velho�cientista a deix -los ficar onde estavam, ana estendeu-�-se ao comprido em cima do colch o. era de palha.�fresco, mas com uma cova ao meio. ??vamos dormir muito mal!", pensou. a ideia no entanto sorria-lhe. era a maneira de tornar a ver j come, pelo menos� mais uma vez. -consegui! - disse o irm o finalmente. - sou�formid vel. j reparaste que eu consigo tudo o que quero?� � -n o sejas parvo.� - parvo, eu? muito inteligente. acabei de ter umaideia estupenda. - qual? - vou descer e pago a nossa hospedagem adianta-da. quando a mulher vir que lhe ponho duas ou tr s�moedas de ouro nas m os, nunca mais nos pergunta coisa�alguma. - porqu ?� - por duas raz es. basta olhar para ela para se ver� que gosta de dinheiro. e al m disso as pessoas ricas nunca� s o incomodadas. se um cliente de categoria n o quer ir� � buscar a bagagem, l com ele.� � - talvez tenhas raz o.� - podes crer! reparaste como a estalajadeira tratava o j come e o anselmo? toda�

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untuosa, toda risinhos.pois assim mesmo que eu quero que ela nos trate!� a irm riu-se.� - ent o vai l arrumar o assunto que eu fico aqui a� �descansar um bocado. ele endireitou-se, meteu a m o no bolso e desceu a�escada com ar de grande senhor. ana acabou por adormecer profundamente. quandoacordou, o quarto estava s escuras e n o percebeu logo� �onde se encontrava. mas ouviu risos vindos do andarde baixo e soergueu-se. devia estar imensa gente na

sala, pois faziam uma barulheira infernal. resolveu irver. o ambiente agora era outro. por qualquer raz o, a�sala enchera-se de fumo e, como a nica ilumina o vinha� ��do lume e das candeias de azeite, n o se distinguia a cara das pessoas com� nitidez. procurou descobrir o irm o�e deu com ele na mesa do fundo a beber por uma caneca de estanho. emborcava grandes goladas e a seguirlimpava a boca s costas da m o, com um gesto id ntico ao dos homens que o� � � rodeavam. o grupo n o podia�estar mais animado. falavam em voz baixa com as cabe as�juntas e depois riam gargalhada. aproximou-se um�pouco a medo porque, al m da dona da casa e das cria-�das, n o havia mulheres ali dentro. quando a viram�calaram-se e olharam para ela. seria embara oso se o� jo o n o reagisse com naturalidade.� � - j acordaste? ainda bem.� virando-se para os amigos, apresentou: - a minha irm . a ana.� � - eu sou o martinho - disse um velhote. - temosmuito prazer em conhec -la. quer sentar-se aqui ao p� �de n s?� ana aceitou o convite, o que deixou os outros admirados. meninas com aquele aspecto n o se misturavam�com desconhecidos. teria sido normal pedir que lhe ser-vissem o jantar no quarto. mas como ela n o sabia, ficou�ali. martinho adoptou-a. era um velho not vel. rijo, careca, com duas rugas�fundas nas ma s do rosto e olhos azuis, de uma cor��invulgar, quase azul-turquesa. quando fitava as pessoasdir-se-ia que derramavam luz. ana sentiu-se logo vontade com ele.� - quer mais costeletas, av Martinho? - perguntou uma criada. - est o muito� � tostadinhas. -ent o, for a. traz o que a tiveres para mim e� � �para esta menina. deve estar cheia de fome! e estava mesmo. enquanto n o vinha a carne, atirou-se ao p o escuro e manteiga� � � fresca. as conversasrecome aram, mais moderadas.� martinho continuou ao seu lado, gabando tudo comum entusiasmo que transformava as coisas simples dodia-a-dia numa grande festa. - o vinho do melhor. n o queres provar? e esta� �carne? que bem temperada. comia o p o como quem saboreia um manjar de�pr ncipe. tudo lhe dava prazer! simp tico, alegre, que� �companhia agrad vel!�

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entretanto apareceu outra rapariga. decerto conheciam-na, pois ningu m ligou� nenhuma. devia ter a mesmaidade da ana, mas era magr ssima, at fazia impress o.� � �passou por entre as mesas caminhando num passo leve,de passarinho, e dirigiu-se estalajadeira com ar humilde:� - senhora nat ria, vinha pedir um ovo emprestado.� a mulher ignorou-a e encolheu os ombros com des-prezo. ana e jo o voltaram-se, mortos de curiosidade.�via-se perfeitamente que a rapariga era pobre. vestiaroupas muito modestas e ningu m implora um ovo como�quem pede esmola se n o tiver fome. comida era o que�

n o faltava naquela estalagem. iriam dar-lhe um prato�de sopa? n o lhe deram nada. e ela, quase de l grimas� �nos olhos, pediu outra vez: - vizinha, empresta-me um ovo? eu amanh pago.� - aqui n o se empresta nem se d . vende-se. se� �tens dinheiro, vendo-te o que quiseres. se n o tens, desanda da minha casa para� fora. ana sentiu uma onda de indigna o. apeteceu-lhe�� levantar-se e insultar a mulher. como que era poss vel� � ser t o cruel? t o avarenta? que transtorno lhe podia� � fazer um simples ovo? passeou os olhos pela assist ncia� e apercebeu-se de que ningu m seguia o di logo a n o� � � ser o velho martinho e eles os dois. jo o estava escarlate de f ria. e j se� � � preparava para levar a m o bolsa� � e tirar dinheiro suficiente para lhe comprar os ovos todos que ela quisesse, quando a rapariguinha come ou a arfar� e teve um ataque de tosse. um ataque horr vel. dobrada� sobre si mesma, o corpo era sacudido por espasmos cada vez mais fortes. de vez em quando levantava a cabe a� tentando respirar, mas o ar chiava-lhe na garganta e a tosse continuava sempre, quase a ponto de a sufocar. foi martinho quem a amparou e lhe estendeu um copo de gua.� - bebe, filha. bebe! isso j passa, domingas. acalma-te. s o nervos.� � nat ria n o se comoveu. e para n o ter de enfrentar� � �a reprova o dos clientes, fingiu-se muito ocupada com��as panelas. a pouco e pouco a rapariga serenava. masestava coberta de suores frios. - vou lev -la a casa. ela mora aqui ao lado.� - n s ajudamos - disse o jo o -, vamos consigo. pode ser preciso alguma coisa.� � muito s rios e ressentidos, sa ram da estalagem. estava� �ali tanta gente e ningu m fez um gesto para ajudar. muitos�nem tinham sequer prestado aten o, como se fosse normal��uma pessoa aparecer e pedir esmola, ser maltratada equase morrer com um ataque de tosse! iam irritad ssimos! s acalmaram na rua. uma leve� �aragem subia das bandas do rio, trazendo consigo aquelecheiro muito especial das guas, das algas, dos peixes,�do cais. domingas vivia quase ao lado, numa casa min scula�de uma s divis o e quintal. com gestos tr mulos acendeu a candeia de azeite. a� � � chamazinha tremeluziu, iluminando as paredes enegrecidas pelo fumo, os enxerg es,� uma mesa periclitante e duas arcas picadas decaruncho. ??que desola o!", pensou a ana. ??como que �� � �poss vel algu m viver assim?"� �

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jo o, t o impressionado como ela, aproximou-se e� �fez-lhe sinal. - temos que lhe dar umas moedas ou ir comprarcomida. a rapariga est doente de fome. que horror!� martinho entretanto resolvera acender o lume dachamin . estava de c coras, a soprar nas brasas de mansinho, quando a porta bateu� � e entrou um rapaz. ana sentiuum baque no peito e recuou assustada. era o ladr o! o�ladr o que vira debaixo das bancadas, que dera uma�

navalhada no p de j come ratton. reconhec -lo-ia em� � �qualquer parte. mesmo que lhe apresentassem uma d zia�de rapazes daquela altura, com cabelos e olhos escuros,l estava a cicatriz na sobrancelha esquerda. n o havia� �engano poss vel. domingas correu para ele e abra ou-o.� � - ainda bem que voltaste, manel! estava t o�aflita. ele p s-se a fazer-lhe festas na cabe a com um imenso� �carinho. -ent o havia de abandonar a minha irm ! olha o� �que eu trouxe! de dentro da camisa, retirou um coelho vivo. - que rico jantar, h ?� com o cora o a bater muito, agitada por pensamentos contradit rios, ana repetia�� � mentalmente: ??meu deus! viemos parar a casa do ladr o! e agora? o que que eu fa o?"� � �

a noite acabaria de maneira surpreendente. martinhofoi a casa buscar mais mantimentos e fez ele pr prio um delicioso ensopado de� coelho. afinal, emvez de darem esmola a uma mendiga, foram convidados para cear. e quase sem dar por isso, tornaram-se amigos de um ladr o. manuel era um encanto.�falava pelos cotovelos, tinha um riso contagioso erecebia como se n o estivessem num casebre, mas�sim num pal cio. acendeu uma fogueira enorme, puxou�as arcas para junto da mesa e serviu-os t o generosamente como se possu sse uma� � despensa bem recheada. ana observava-o discretamente. era dif cil imaginar�uma pessoa mais despachada e segura de si. achou mesmo natural que roubasse. eram muitopobres, n o tinham fam lia, a irm estava doente e precisavam de comer. com� � � certeza n o arranjava emprego�e portanto tomava outro tipo de iniciativas... depois de muito pensar, decidiu n o dizer nada a�ningu m sdo que sabia. orlando n o recomendara que� �n o alterassem a hist ria? pois era isso mesmo que ela� �ia fazer. assistir de bra os cruzados s cenas que se� �desenrolassem diante de si. aquela decis o trouxe-lhe um al vio enorme. tornara-se de repente muito� � agrad vel cumprir ordens. do outro�lado da mesa sorriu abertamente para o manuel, que lheestendia um prato rachado como se fosse loi a chinesa�da melhor. - come mais um bocadinho. se gostarem, amanh�ofere o-vos galinha assada. a mingas tem muito jeito�para cozinhar! irm o e irm olharam-se com ternura infinita.� � domingas saberia que ele roubava? talvez n o. em-�

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bora fossem quase da mesma idade, ele tratava-a comofilha. era prov vel que escondesse as suas actividades� para n o a preocupar. se fosse preso, a pobre n o durava muito. que doen a� � � teria? uma simples bronquite. asma? tamb m podia ser tuberculose. nesse caso, estava condenada, pois naquela� poca a tuberculose n o tinha� � cura. martinho interrompeu-lhe os pensamentos:

- tenho que ir andando. amanh dia de trabalho� � e est a fazer-se tarde.� ana e jo o levantaram-se. as despedidas foram calo-� rosas. domingas pediu que voltassem a visit -la antes� de irem para o porto. manuel acompanhou-os porta e� ficou a acenar, sorrindo do escuro.

quando entraram de novo na estalagem encontrarama sala quase deserta. o lume morria na chamin , uma�criada cabeceava a um canto e dois rapazes conversavam em surdina. j come e� anselmo. - ent o por aqui? - perguntou o jo o. - estavam nossa espera?� � � - de certo modo sim e de certo modo n o - respondeu j come, com a voz� � ligeiramente pastosa e umolhar turvo na direc o de ana.�� ??j beberam de mais!" pensou ela, aflita. ??oxal� �n o se ponham a dizer asneiras."� - est o espera do tal comerciante de chap us?� � � - esse deve estar no primeiro sono. tratei de tudoh mais de uma hora.� anselmo n o participava na conversa. parecia absorto e ao menor ru do olhava� � para a porta com ansiedade. ??vai acontecer qualquer coisa e eu fico aqui paraver o que ", decidiu o jo o. ?? limpinho!"� � � ana tamb m gostaria de ficar mas pareceu-lhe mais�prudente n o o fazer.� despediu-se e subiu a escada p ante p para n o� � �incomodar os outros h spedes. mas logo que entrou no�quarto viu um risco de luz no ch o. aproximou-se e�espreitou. que sorte! o quarto era mesmo por cima damesa onde os tr s rapazes conversavam. e havia uma�frincha no soalho por onde podia observ -los vontade. falavam baixinho, mas� � conseguia ouvir o quediziam. satisfeita, deitou-se no ch o muito quieta, disposta a n o perder pitada.� � e o cora o alvoro ou-se-lhe�� �quando percebeu que falavam dela. - a tua irm j est prometida a algu m? - perguntava j come. - j contrataram� � � � � � casamento? jo o nunca perdia uma oportunidade para se divertir�e entrou de imediato no jogo. - tem muitos pretendentes! - afirmou convicto.- se o meu pai quisesse, ela j estava casada pelo menos�h um ano!� ana susteve o riso e agachou-se mais para ouvir aresposta. - mas n o est comprometida?� � a voz de j come soava arrastada e levemente pastosa. n o se podia dizer que� � estivesse b bedo. mas s brio� �tamb m n o estava!� �

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- ela muito bonita! muito bonita!� - tem outras qualidades - disse o jo o com ar�s rio. - boa rapariga, sensata, inteligente.� � e lembrando-se do que ouvira em casa de manuel,pensou que naquela poca havia certas qualidades bastante mais apreciadas do que a� intelig ncia e acrescentou:� - cozinha lindamente. uma dona de casa impec vel.� � l em cima ana teve que morder o l bio para n o� � �

rir. de que mais se lembraria o irm o?� - sabes - dizia j come em tom de confid ncia -, parece-me que ainda h s-de ser� � � meu cunhado. - ai sim? - sim. aqui h tempos uma cigana leu-me a sina.� e disse-me que eu havia de casar com uma rapariga do porto chamada ana. na altura n o liguei muito, mas�agora que a vi, tenho a certeza de que verdade. quero�que seja verdade. - nesse caso tens de ir ao porto falar com o meupai. embalado, quase acreditava nas suas pr prias mentiras e n o tardaria a meter-se� � numa hist ria dif cil de� �deslindar, quando foi interrompido pelo bater da porta. anselmo levantou-se de um salto e correu ao encontro do visitante mas a meio do caminho deteve-se, desiludido. o homem que acabara de chegar era estrangeiro, n o�falava portugu s. fez-se entender por gestos. precisava�de quarto. a criada acenou-lhe que n o, repetindo v rias� �vezes em altos gritos: - tudo ocupado! tudo ocupado! aborrecido, deu meia volta e saiu. quando ficaramoutra vez sozinhos, j come ferrou uma palmada nas costas� do amigo. acho melhor irmos embora. deve ter acontecido qualquer coisa. in til esperar� � porque ele n o�vem. jo o n o resistiu mais e, como quem n o quer a coisa,� � �desfechou: - est o espera de um parente?� � anselmo abanou a cabe a suspirando:� - n o, estou espera de uma carta.� � - ah! - tens de esperar at amanh - insistiu j come.� � �- n o desesperes. tu assim ficas louco.� - louco j eu estou. foi um dia infernal. n o posso� �mais. passei a tarde na tourada na esperan a de a ver.�pois n o apareceu. ficou de me mandar uma carta por�um criado. o criado n o veio. n o aguento mais! n o� � �aguento mais ! enfurecido, p s-se aos murros na mesa, fez saltar as�canecas de vinho e atirou a bilha ao ch o. l de cima� �ouviu-se uma voz indignada a reclamar: - o que vem a ser isto? n o se pode dormir?� anselmo caiu em si e calou-se. jo o estava em�pulgas. quem seria a rapariga que o deixava naquele estado? resolveu perguntar. foi j come quem explicou :� - chama-se teresa violante. de uma fam lia nobre� �muito rica, os teles de meneses. ela e o anselmo apaixonaram-se na missa. namoram

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por carta, s escondidas,�porque os pais nunca aceitariam para genro o filho deum industrial. jo o ficou especado a olhar para eles. de facto, era�tudo bem diferente naquele tempo! ningu m se apaixona na missa. j ningu m namora� � � por carta. e qualquerpai gostaria de casar a filha com um industrial. os industriais t m f bricas, s o� � � ricos, vivem bem. no entanto, lembrando-se das recomenda es do��

orlando, n o fez coment rios.� � - o criado que costuma trazer as cartas de confian a?� � - , sim. l em casa todos a adoram. criados e� �escravos fazem tudo quanto ela quer, porque a teresa �linda, generosa, simp tica, boa, simples...� receando que ele passasse o resto da noite a enumerar as qualidades da menina, interrompeu: - onde que se costumam encontrar?� - na igreja, na missa da tarde. hoje n o houve, por�causa da tourada. - e o que que tem a ver uma coisa com a outra?� - a capela onde a fam lia de teresa vai no convento d s freiras trinas, ali no� � � rato. e foram essas freiras que organizaram a tourada. - o qu ? freiras a organizar touradas?� - sim. porqu ? muitos conventos organizam touradas para arranjar dinheiro para� as obras de caridade. - ah ! - bom - disse j come -, vamos mas embora e� �amanh tarde logo v s a tua paix o.� � � � - n o aguento!� anselmo parecia estar beira de um ataque de nervos.� - mais um dia inteiro sem a ver, sem recebernot cias ! eu enlouque o!� � ??deu-lhe forte",pensou o jo o. ??parece maluquinho.?,� - preciso de ver a teresa. preciso de ver a teresa - repetia sem parar. - acho que vou passar toda anoite em frente da casa dela. quem sabe, talvez consigaavist -la de longe.� - deixa-te de parvo ces. a esta hora a rapariga est� �a dormir. e isso que tu vais fazer tamb m.� � - n o posso. n o consigo.� � - escuta l , se a fam lia n o autoriza o namoro e� � �v o todos missa, como que voc s falam?� � � � - ela faz-me sinais com o leque, eu respondo como chap u. olhamos um para o outro de longe e s vezes� �consigo passar perto. no outro dia cheguei t o perto,�que lhe fiz uma festa na m o.� s de falar nisso o desgra ado empalidecia.� � - se amanh n o a vejo nem recebo carta, mato-� �-me. preciso de contactar com ela. tenho uma carta escritapara lhe mandar. se o criado n o aparece, n o sei o que� �hei-de fazer. - eu posso tentar l ir. digam-me onde a casa.� � - h ? eras capaz disso? - perguntou anselmo com�um sorriso de esperan a.� - eu sou capaz de tudo. e com certeza f cil. ningu m me conhece, n o v o� � � � � desconfiar. j come ainda p s d vidas.� � �

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- olha que n o sei, jo o! chegas l e fazes o qu ?� � � � - hum... logo vejo. o que preciso aproveitar as� �situa es. mostrem-me a rua, mostrem-me a casa, digam-me como a rapariga que eu�� � resolvo o assunto. - oh, meu amigo! meu grande amigo! - exclamou anselmo, abra ando-o repetidas� vezes. - s um�grande amigo!

foi preciso arrast -lo para fora da estalagem. a emo o e o vinho perturbavam-� ��lhe o andar. jo o subiu finalmente para o quarto, mas n o tinha sono. a aventura� � do dia seguinte espica ava-o.� ??transformei-me em correio secreto de um momento para o outro?,, pensava. ??que excitante! sou o maior!" a escada rangeu-lhe debaixo dos p s, obrigando-o a�parar um instante. n o queria acordar ningu m! como� �n o houve problema, galgou o ltimo lance e abriu a� �porta de mansinho. sentia-se mais velho, bastante convencido da sua intelig ncia e� superioridade. ??est tudo doido! aquele quer-se matar porque n o� �recebe uma carta, o outro quer casar com a minha irm ,�que s viu hoje. e ela, em vez de se instalar na cama,�estende-se no ch o. oh meu deus! se n o fosse eu...,?� �

antes de acordar, despejou o jarro na bacia de loi a,�divertindo-se com aquele ru do mais cheio e espanejado�que o das torneiras. depois lavou a cara, as m os e ficou�a olhar para a gua suja.� "e agora? o que que eu fa o a isto?"� � a nica hip tese era a janela. abriu as portadas de� �par em par e z s!, encharcou um gato que dormia enroscado debaixo do parapeito.� ??miau! tsst! "

no palacete dos teles de meneses toda a gente dor-mia menos teresa. o criado a quem entregara uma cartapara anselmo nunca mais aparecia. e ela estava emp nico.� ??se o meu pai descobriu tudo, pobre de mim!" aflita, levantou-se da cama e foi ajoelhar-se no orat rio. uma lamparina de� azeite tremeluzia diante das imagens e fazia bailar as sombras de uma forma assustadora. cada estalido da madeira deixava-lhe o cora o em��sobressalto. seria o pai que l vinha em grande f ria?� �n o o tinha visto durante toda a tarde. tamb m n o� � �apareceu para jantar. e ela para ali fechada, em nsias.�a ama bem tentou obrig -la a comer um caldinho. mas�n o foi capaz. sempre que se enervava, ficava p lida,� �tensa, com o est mago enrolado numa bola. imposs vel� �comer. de s bito ouviu passos no corredor.� <<vem a algu m!", pensou, com a boca seca e uma� �leve tontura. <<que hei-de fazer?,? o melhor era enfiar-se rapidamente na cama e fingirque estava a dormir. se fosse o pai, talvez n o a acordasse.� a porta abriu-se e por entre as p lpebras semicerradas viu a figura reboludinha� da sua m e. que al vio!� �dona henriqueta violante nunca ralhava com as filhasfizessem elas o que fizessem. se as coisas corriam mal,fartava-se de chorar, rezava o ter o e desculpava-lhes�tudo. vinha em camisa de noite, com os cabelos negros

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escondidos dentro de uma touca bordada. - teresa! - chamou. - est s a dormir?� - n o.� - ainda bem. apetecia-me conversar. tive um sonho horr vel e o teu pai ainda n o� � chegou do pal cio real.� - o pai est com o rei?� - est . foi por isso que n o nos levou tourada.� � �

sua majestade convidou-o para assistir ao espect culo� das janelas do pa o. parece-me que estava l o marqu s� � � de marialva e mais n o sei quem. mandou um criado� prevenir que n o nos vinha buscar.� a reac o da filha foi absolutamente inesperada.�� sentou-se na cama agitad ssima e apareceram-lhe duas� rosetas vermelhas na face. - e a m e n o me disse? por que que me escondeu uma coisa dessas?� � � - filha, que disparate. n o pensei que te impor-� �tasses tanto. nem sequer gostas muito de touradas! - gosto, sim! gosto imenso! e tenho o direito desaber onde est o pai!� henriqueta violante sentou-se na borda da cama e olhou a filha com estranheza. era uma rapariga t o cal-� ma, serena, por que motivo reagia assim? se fosse a mais nova, n o pensava duas vezes no assunto pois� faustina era t o impulsiva que dizia a primeira coisa� que lhe viesse cabe a. agora a teresa, n o.� � � - o que que tu tens? passa-se alguma coisa?� precisas de falar com o pai? - falar com o pai? eu? n o, que ideia!� e deixando a m e estupefacta, largou a chorar desabaladamente.� a m e abra ou-a de encontro a si e n o disse nada.� � �pela sua cabe a passavam as mais variadas hip teses.� � <<esta menina l de mais. tenho que dizer ao padre�greg rio que n o lhe d tantos livros. fazem-lhe mal.� � �e talvez fosse melhor n o ir todos os dias missa. gosto� �que ela seja devota, mas poss vel que o ambiente da� �igreja lhe esteja a prejudicar a sa de.,?� o que a senhora receava era a humidade das pare-des, o cheiro forte das velas de cera a arder, do incensoas correntes de ar, e sobretudo o contacto com pessoasdesconhecidas. <<uma menina de boas fam lias s perde em misturar-se constantemente com� � estranhos!" teresa ia serenando pouco a pouco. os solu os cessaram, libertou-se do abra o e� � estendeu-se para tr s,�recostada sobre as almofadas. ao v -la t o bonita na sua� �tristeza, sorriu com orgulho. o cabelo muito loiro ca do�sobre os ombros, os olhos azuis brilhantes como estrelas, a express o doce, terna,� parecia uma santa! essaimagem provocou-lhe um arrepio desagrad vel. a filha�estaria a pensar entrar para um convento? <<se calhar a minha irm convenceu-a", pensou.�<<como abadessa (1) no convento das trinas, capaz� �de querer l a sobrinha."� embora fosse uma senhora muito religiosa, sentiu umaraiva surda invadir-lhe o peito. teresa violante era amais velha da fam lia. estava destinada a fazer um lindo casamento, a dar-lhe� netos, muitos netos lindos, loiros, de olhos azuis. se ainda n o tinha casado, a�

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culpaera do marido que s pensava em ca adas, em touradas� �e n o via que a filha j tinha dezassete anos. era necess rio falar ao rei, para� � � lhe escolher marido. e n o�havia de ser dif cil. bonita como era, simp tica, ajuiza-� �da, saud vel e com grande fortuna, n o havia fidalgo do� �

reino que n o a quisesse para mulher.� teresa distraiu-lhe a aten o com um suspiro pro-�� fundo. - n o queres desabafar com a tua m e? - perguntou.� � mas o que ela queria era ficar sozinha, pois receava que o criado aparecesse com alguma mensagem do anselmo. - acho que vou dormir. estou cansada. - ent o dorme. amanh quero ver-te mais alegre.� � deu-lhe um beijo na testa e saiu, fechando a porta com determina o. se a irm queria uma sobrinha no�� �

(1) a abadessa era a superiora das freiras de um convento.

convento, que procurasse outra. nenhuma das suas meninas servia. teresa, porque era a mais velha. faustina,porque tinha um feitio de tal ordem que, se a fechassementre quatro paredes, dava com as freiras em doidas aofim de pouco tempo. pelo caminho, apeteceu-lhe espreitar o filho. raimundo em dio, com oito anos,� era o nico rapaz. igualzinho�a ela, com cabelos e e olhos escuros, bochechas gordinhas, tinha sido ansiosamente desejado por todos. umafam lia nobre n o pode dispensar o var o, para herdar� � �os t tulos e continuar o nome. por isso, desde que nasceu, o pai n o fazia outra� � coisa sen o mim -lo. dava-� �-lhe tudo o que ele quisesse. chegara ao ponto de autorizar que pusessem uma cama no mesmo quarto para opequeno escravo alexandrino, que tamb m tinha oito anos.� os dois rapazes nasceram com poucos dias de diferen a. raimundo, numa cama de� dossel, rodeado de cria-das, parteiras, rezas, cuidados. alexandrino, num enxerg o de palha, nos aposentos� atr s da cozinha. a m e era� �uma escrava negra e fora ajudada por outra escrava negra. mas tornaram-se companheiros insepar veis desde a�mais tenra inf ncia.� raimundo adorava o seu escravo alexandrino. e aide quem lhe tocasse com um dedo! por uma frincha da porta observou-os a dormir. duascrian as inocentes, sem sonhos nem afli es!� �� um ru do ligeiro ao fundo do corredor assustou-a e�f -la voltar-se. n o tinha ouvido a carruagem entrar no� �p tio, portanto n o podia ser o marido. mas era um� �homem que avan ava p ante p .� � � - quem est a ?� � - sou eu, minha senhora. o jos .� - que que tu est s aqui a fazer? - perguntou,� �r spida.� jos era cocheiro. s em ocasi es muito especiais� � �entrava no palacete e de qualquer forma nunca na zonados quartos!

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- podes explicar-me o que est s aqui a fazer?-�insistiu. o rapaz ficou pregado ao ch o, sem saber que�desculpa havia de inventar. a ltima coisa que que-�ria nesta vida era ser despedido. j trabalhava naquela�casa h v rios anos. pagavam-lhe bem. tratavam-� �-no bem. n o arranjaria outro emprego com facilidade.�

tinha que descobrir uma maneira de se livrar de embara os.� - a senhora perdoe-me, mas... que... sabe...� henriqueta violante aproximou-se com ar severo. elebaixou os olhos e ficou em sil ncio. por sorte teresa�ouviu o barulho no corredor e levantou-se. - o que foi, m e?� mas ao ver jos , julgou perceber tudo. o rapaz trazia-lhe a carta do namorado.� como j era tarde arriscara-se a ir enfiar-lha por debaixo da porta. o pior que� �agora estava ali a m e. antes que houvesse mais confus o decidiu agir.� � - ent o n o te sentes melhor, jos ?� � � - n o sabia que estavas doente - exclamou henriqueta. - vinhas procura da� � g?noveva? ele acenou que sim. naquela casa, antes de chamaro m dico, toda a gente recorria ama genoveva, que� �sabia muitas mezinhas. ela dormia numa esp cie de�antec mera com porta para o corredor e para os quartos�das meninas que ajudara a criar. escarlate de afli o, o cocheiro resolveu explicar a��teresa o que se passara, mas de modo que a patroa n o�percebesse. -o senhor conde mandou-me fazer um servi o a�almada. atrasei-me porque n o havia barqueiro e s� �cheguei agora. - e andaste todo o dia com dores nos dentes-acrescentou logo teresa, para o ajudar. ao desgosto den o receber carta, sobrepunha-se um grande al vio.� �o pai n o tinha descoberto nada, que bom! - eu vou�chamar a genoveva. ela d -te um unguento de ervas�que uma maravilha!� assim, a ama foi acordada a meio da noite e seguiupara a despensa onde guardava os seus rem dios caseiros. e o rapaz, d cil e� � risonho, deixou esfregar as gengivas com anis, n o fosse a patroa estar espreita� � eperceber o embuste.

o dia seguinte amanheceu t o lindo que apetecia�passear. ana resolveu ir buscar domingas e lev -la at� � beira do rio. talvez lhe fizesse bem apanhar ar fresco.�tencionava comprar alguns petiscos na rua, pois viramuitas mulheres a vender p o e doces em grandes tabuleiros de madeira.� haviam de comer um bom lanche as duas sem terque lhe dar esmola, o que sempre humilhante para�quem recebe. jo o recusou-se a acompanh -las. como� �ela adormecera antes de ouvir a parte final da conversaentre o irm o e o anselmo, acreditou no que ele disse.�queria dormir at tarde. a verdade no entanto era bem�diferente! logo que a viu sair, saltou da cama, vestiu-se pressa e foi ter com anselmo ao local combinado. ele�deu-lhe uma carta de onze p ginas e pediu:� - tem cuidado, por amor de deus! se fores apanhado o fim. n o sei o que me� �

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acontece e sobretudon o sei o que lhe acontece a ela.� - descansa que se houver azar, eu... olha, eu engulo este papel todo! at � � ltima migalha!� o outro fartou-se de rir. era completamente louco,

aquele jo o. mas bom rapaz. n o havia muita gente� �disposta a correr riscos por um amigo da v spera.� foram juntos at ao fundo da rua. depois indicou-�-lhe a fachada do palacete e ficou a v -lo afastar-se, rezando para que tudo� corresse bem. jo o andou por ali bastante tempo a rondar. de vez�em quando abriam-se os port es e sa a gente, mas ningu m lhe pareceu de confian a.� � � � e tamb m n o sabia que� �tipo de abordagem havia de escolher. se ao menos a talteresa aparecesse janela, resolvia-se tudo!� <<encosto-me esquina e ponho-me a cantar:�

??eu tenho uma carta escritapara ti cara bonitan o tenho por quem a mande"�

se fosse t o inteligente como o anselmo dizia, havia�de entender a mensagem... <<o pior se nesta casa h mais pessoas inteligentes.� �percebiam todas e t nhamos o caldo entornado! n o, tenho� �que arranjar outra ideia melhor.?, passeando de um lado para o outro, ia construindohip teses, cada qual mais disparatada que a anterior.� <<j sei!", ocorreu-lhe de repente. <<o que eu preciso� de um padre. o anselmo disse-me que eles t m padre� �capel o. bato porta. mando-o chamar, confesso-me e� �entrego-lhe a carta. o homem ainda que n o queira tem�que guardar segredo, porque o segredo da confiss o!"� � mas logo desanimou. quem precisa de se confessarvai a uma igreja, n o incomoda casas nobres.� a solu o acabaria por aparecer de forma inesperada. da porta de servi o saiu�� � uma criadinha que n o deveria�ter mais de dez ou onze anos. trazia uma cesta no bra o�e era linda de morrer! <<estou feito!,? pensou o jo o. <<as raparigas sempre�gostaram de mim. esta n o me escapa.??� todo lampeiro, foi atr s dela.� - menina, quer que lhe ajude a levar a cesta?�parece-me muito pesada para uma cara t o linda.� ela riu-se. e l foram os dois comprar peixe. pelo�caminho, fartaram-se de conversar. a rapariga chamava--se madalena. contou-lhe que tinha nascido naquela casa.a m e era ajudante de cozinha mas morrera de parto.� - comecei a fazer recados desde os quatro ou cinco anos - explicou. - agora j� me d o outros servi os.� � parecia contente por ter algu m que lhe fizesse�companhia. jo o percebeu que ela n o estava habituada� �a receber carinhos nem elogios, portanto desfez-se emamabilidades para a cativar. e cativou. no entanto, achoumais prudente n o lhe dar a carta. nada lhe garantia que�a mensagem chegasse ao seu destino. a verdadeira raz o talvez at nem fosse essa.� � ele era acima de tudo um

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aventureiro. j que se tinha envolvido naquela hist ria,� �queria ir at ao fim. se?a ele pr prio a depositar a missiva� �nas m os da destinat ria. para isso precisava de convencer madalena a introduzi-lo� � no palacete e lev -lo presen a de teresa violante. j agora tamb m ficava a� � � � � saberse era t o bonita como isso. e se fosse, havia de lhe�

pedir um beijo como paga dos servi os prestados.� n o foi dif cil conseguir o que queria. madalena� �conduziu-o pela porta das traseiras e pediu-lhe que esperasse escondido numa despensa. jo o enfiou-se l dentro� �a contragosto. o cheiro era horr vel! cido, ran oso.� � � ??h para aqui comida estragada! ou ent o um rato� �morto. b ! n o aguento mais. se ela demoro, saio.??� � e como nunca mais aparecia ningu m, resolveu sair�mesmo. p ante p , esgueirou-se para um p tio interior� � �com as paredes em volta cobertas de azulejo azul e branco.o palacete era enorme! se algu m se pusesse a contar�portas e janelas nunca mais acabava. dali podia entrar para um quartinho de arrumos, para um corredor imenso, para uma sala de m sica,� ou para um bel ssimo sal o. escolheu o sal o. estava deserto e os pesados� � � reposteiros de veludo que ornamentavam as janelas da frenteservir-lhe-iam de esconderijo. deu uma corrida, foi-seesconder e ficou espreita. mas em vez de teresa�violante, quem apareceu foi um criado de libr . abriu�as portas e deu entrada a um jovem elegante, bem vestido, com ar de grande senhor. mas via-se que estava enervad ssimo.� - diga ao meu tio que preciso de lhe falar. - com certeza. vou j avisar.� ??e agora? o que que eu fa o?", pensou o jo o.� � � ??o melhor deixar-me estar onde estou, at o ca-� � minho ficar livre.?? ainda teve receio de que afastassem mais os cortinados e dessem com ele ali dentro. mas n o. a sala�tinha muita luz e devia ser costume manterem os reposteiros semiabertos. encolheu-se de encontro parede�e aguardou. o rapaz andava para tr s e para diante, sem prestar�aten o' a coisa alguma, embora houvesse muito em que��reparar. os donos da casa deviam ser de facto riqu ssimos!�os m veis eram pesados, escuros, mas muito bonitos�tamb m. tinham um aspecto nobre, solene. as paredes�estavam cobertas de quadros a leo. eram sobretudo�retratos de antepassados, que se mantinham hirtos e s rios�nas suas molduras douradas. em cima das mesas e c modas havia panos de seda,� pratas, loi as da china, imagens de santos. do tecto pendia um espectacular lustre�de cristal com mais de cem velas. um ru do de passos l fora f -lo virar a cabe a com� � � �ansiedade. a porta abriu-se de par em par e entrou umhomem. era alto, de ombros largos, com bonita figuraapesar das rugas e do est mago proeminente. vestia casaca�de seda azul com punhos de renda a aparecer por baixodas mangas. e tal como os outros senhores do seu tempo, usava cabeleira posti a� aos carac is presa com um�la o de veludo.� - bernardo! - exclamou ao ver o sobrinho. - ent o�o que te traz por c ?�

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ele eludiu a resposta, porque n o podia entrar de�chofre no assunto que ali o levava. - viva, meu tio. est com um aspecto excelente.� - verdade. sinto-me forte como um touro. a�prop sito, foste ontem tourada?� �

- fui, sim, meu tio. - um belo espect culo! um belo espect culo!-� � repetiu, ansioso por falar de uma das poucas coisas que lhe interessavam. - mas senta-te, bernardo. - o tio desculpe, mas eu prefiro ficar de p .� jo o acompanhava o di logo, morto de curiosidade.� � ??que ser que ele quer?", pensou com os seus bot es. ??para estar t o aflito,� � � deve ser coisa complicada." o dono da casa era a nica pessoa a partilhar as�d vidas do jo o, pois todos os outros sabiam que vinha� �pedir a m o de faustina em casamento. s que o rapaz� �nunca mais ? desembuchava. e a conversa corria mole,sobre cavalos, touros, ca adas.� l em cima, no quarto, teresa e faustina agitavam-�-se em nsias. a m e, que estava dentro do segredo,� �fazia ora es sucessivas diante da imagem de s. sebasti o (1), prometendo que se�� � tudo corresse bem mandavasubstituir as setas de prata por setas de ouro. a ama eas criadas rezavam tamb m. mas como a espera se�estava a tornar insuport vel, faustina decidiu montar�um ??servi o de espionagem?,. chamou o irm o e pediu-� �-lhe: - empresta-me o alexandrino. - para qu ?� - preciso dele, pronto! raimundo p s-se a gozar, batendo com a m o uma� �na outra: - j sei! bem feito! j sei!� � - se continuas com isso, levas um estalo!

(1) s. sebasti o foi torturado em vida. por isso a imagem�deste santo representa-o de tronco nu, atado a um cepo, com o corpo crivado de setas.

- ora experimenta e vais ver! - o qu ?� - se me bateres, vou l abaixo dizer ao pai que�n o te deixe casar com o bernardo. ele faz tudo o que�eu quer?! a m o j ia no ar, mas teresa interveio:� � - estejam quietos. chama l o alexandrino.� - s chamo se me deres o teu papagaio verde.� teresa riu-se. queria l bem saber do papagaio!� - podes ficar com ele, com o poleiro, com a cor-rente, dou-te tudo. - nesse caso est bem.� alexandrino foi enviado para o andar de baixo coma miss o de escutar porta, o que fazia na perfei o.� � ��conseguia deslizar pela casa, silencioso como um gato.passar despercebido onde quer que estivesse. ouvir tudoe reproduzir as palavras exactas imitando mesmo asentoa es, pois era muito inteligente, tinha excelente mem ria e uma capacidade�� �

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extraordin ria para representar.� assim, h muito que o utilizavam, tanto os patr es como� � os criados. logo que lhe disseram o que pretendiam, esgueirou-se sorrateiramente para junto do sal o e p s-� � -se escuta.� - afinal de contas, bernardo, isto foi uma simples

visita ou tinhas algum assunto a tratar comigo? o rapaz corou, suspirou fundo e atreveu-se por fima dizer ao que vinha. - tenho a honra de lhe pedir a m o da minha prima em casamento.� a cara do conde iluminou-se com um sorriso feliz e levantou-se de bra os abertos.� - bernardo, que alegria me d s! que alegria me� �d s !� depois apertou o sobrinho de encontro a si com tantafor a que quase o sufocava. quando se soltaram, ficaram a olhar um para o outro� com um sorriso c mplice.� - sim senhor! muito bem! e n o sabendo o que mais havia de dizer, virou-se�para um dos quadros a leo e falou do seu antepassado�preferido como se ele estivesse vivo e presente: - fern o teles de meneses h -de ficar contente por� �saber que os seus descendentes respeitam a tradi o e��continuam a casar entre primos. - muito me alegra que o pedido mere a a sua aprova o - gaguejou bernardo.� �� - h que mandar chamar a noiva e a m e. este � � �um dia feliz para todos n s.� dirigindo-se parede em frente, puxou uma tira de�seda e fez soar o badalo. o criado devia estar atr s da porta a ouvir pois entrou imediatamente com um� sorriso de orelha a orelha. - o senhor chamou? - chamei, sim. z? buscar a senhora condessa e amenina teresa. ao ouvir aquilo, bernardo ficou l vido de afli o.� �� - meu tio... - sim? - eu acabei de lhe pedir a m o de faustina.� toda a alegria desapareceu imediatamente da cara dovelho meneses. consternado, recusava-se a entender aresposta. - n o pode ser!� o criado baixou a cabe a, aflito, sem saber se havia�de sair ou ficar. o patr o despediu-o com um gesto mas�atr s do reposteiro jo o teve a certeza de que ficaria por� �ali escuta.� - tenho muita pena, bernardo. faustina mais nova.�teresa ainda n o foi pedida. se queres casar com uma�das tuas primas, devias ter pensado nisso. primeiro, casaa mais velha. sempre foi assim e n o serei eu a mudar�essas coisas. o pobre noivo s lhe faltava chorar! muito digno,�ainda insistiu: - eu gosto de faustina desde pequeno. - ora, ora, ora! um rapaz de boas fam lias gosta�das suas primas todas por igual! jo o apertou a boca para n o rir.� �

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<<este tipo doido?,, pensou.� numa ltima tentativa para demover o tio, repetiu�em voz sumida: - eu amo a faustina. e ela tamb m gosta de mim.� o tio pareceu ficar zangad ssimo.�

- sou obrigado a pedir-te que voltes para casa epenses no que acabas de dizer. uma menina nobre gosta de quem o pai quiser, entendeste? bernardo recuou alguns passos, consternado. ao v -� -lo t o triste, o tio tomou uma atitude mais branda.� - vai, filho. vai para casa e pensa. se quiseres pedir a teresa em casamento tens a minha aprova o. a minha�� inteira aprova o. ver s que podem ser muito felizes.�� � <<n o h d vida!,?, pensava o jo o, <<gostar de uma� � � � irm e casar com a outra deve ser c uma felicidade!� �como que esta hist ria acabar ?"� � �

alexandrino n o teve outro rem dio sen o levar m s� � � �not cias para o andar de cima, onde ficaram todos na�maior afli o.�� n o casas com o bernardo! - gritava faustina.�- livra-te de aceitar! livra-te! teresa bem tentou responder, mas era imposs vel�porque a irm n o se calava.� � - o bernardo meu! o meu noivo! sempre gostei� �dele e tu sabes muito bem! se te metes entre n s, mato�os dois. garanto que mato os dois! a m e e a ama faziam mil esfor os para a acalmar,� �sem qualquer xito. faustina parecia louca. percorria o�quarto em todos os sentidos, chorando desabaladamente,e deu tantos pux es roupa que acabou por rasgar o� �vestido de alto a baixo. raimundo e alexandrino assistiam cena de boca�aberta. teresa, ofendid ssima por ver que a irm punha� �a hip tese de ela aceitar semelhante proposta, acabou�por sair do quarto de rompante. e quando se viu sozinha, largou a chorar tamb m.� j tinha problemas que�lhe chegassem. n o podia dizer fam lia que gostava� � �de anselmo. se um dia viessem a saber seria o fim domundo. ou desistia de casar com ele ou restava-lhe fugir.nesse caso, que vida seria a sua? o pai punha-a de partepara sempre. nunca mais podia ver a m e, os irm os,� �nunca mais podia entrar naquela casa nem de visita. istose n o a mandassem perseguir para a enfiarem for a� � �num convento! faltava agora ser acusada de querer roubaro noivo irm .� � desesperada, fechou a porta para chorar vontade.�era uma rapariga discreta. n o gostava de partilhar os�sentimentos, quer se tratasse de alegrias ou tristezas,guardava tudo para si. faustina continuava l dentro a fazer um alarido�incr vel. t o diferentes, as duas irm s!� � � a mais velha, alta, esguia, loira e de olhos azuis,parecia a serenidade em pessoa e nunca perdia o auto-dom nio. a mais nova era o oposto. pequenina, magrinha, de boca grossa, nariz� arrebitado, vivia num estadoquase permanente de alegria explosiva. habitualmente

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enchia a casa de risos que afligiam a m e.� -uma menina n o pode dar gargalhadas assim!�e j n o tens idade para andar em correrias!� � mas era in til ralhar. a maior parte das vezes enla ava-a pela cintura, cobria-a� � de beijos, prometia emendar-se e continuava exactamente na mesma. o que que-

ria era divertir-se. quando n o havia bailes e saraus,�inventava mil pretextos para sair de casa. acompanhadapela aia ou pela criada grave, percorria a cidade de cimaa baixo, para ir s compras, missa, novena, ou ao� � �convento visitar a tia. as nicas li es que lhe agradavam eram as aulas de� ��canto e dan a. o pai contratara um professor italiano de�grande fama chamado setembrini, e durante v rios meses�o sal o de m sica n o teve descanso.� � � o velhote era uma figura curiosa e parecia tudo menosprofessor de dan a, pois al m de ser gord ssimo coxeava ligeiramente da perna� � � esquerda. no entanto movia-secom tanta leveza que se diria flutuar alguns cent metros�acima do ch o.� encantado com as alunas que fora encontrar naquelacasa, ficava sempre mais tempo do que combinara, dizendo que ali o trabalho n o� era um dever mas sim umprazer! elogiava igualmente as duas irm s, embora fosse�evidente a prefer ncia por faustina.� as li es acabaram no dia em que setembrini per-��deu a cabe a e exclamou com l grimas nos olhos:� � - mama mia! esta menina nasceu na classe socialerrada. tem uma voz t o bela, que faria chorar o p blico� �em todos os teatros de it lia! se tivesse nascido no povo�no palco seria rainha! regina! faustina corou de prazer. teresa corou de vergonhae a m e, que assistia li o como de costume, quase� � ��desmaiou de f ria. mas conteve-se e despediu o professor nesse mesmo dia.� de nada serviram os rogos da filha, que inventoulogo meia d zia de desculpas para o entusiasmo do infeliz italiano.� a m e foi implac vel:� � - n o se fala mais nisso. e se continuas a aborrecer-me, conto ao teu pai o que� se passou. como o argumento era de peso, acabou-se a conversa. mas ela n o se conformou e,� j que a impediram de�aprender, decidiu ensinar. as aulas de canto e dan a�transferiram-se para a cocheira onde, s escondidas de�toda a gente, dava li es ao irm o e ao escravo alexandrino.�� � eles adoravam-na. n o suportavam v -la triste.� � -n o chores, faustina! quando tu choras parece�que o sol se vai embora! - disse raimundo com osolhos cheios de l grimas.� toda a gente ficou comovid ssima. a m e juntou as� �m os como quem reza e murmurou:� - como inteligente o meu filho. que crian a sens vel! diz coisas bem avan adas� � � � para a sua idade! faustina sentou-se na cama com a cara num bolo.o choro abrandava. o irm o sentou-se ao lado a afagar-�-lhe os cabelos. - eu falo com o pai, queres? ele d -me tudo o que�eu pe o. pe o-lhe a tua m o para o bernardo. n o � � � � �boa ideia? h ?�

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ela sorriu-lhe por entre l grimas. talvez fosse mesmo uma ideia. o pai gostava� pouco de voltar com apalavra atr s, mas aquele menino tinha sobre ele um poder�ineg vel.�

os dois irm os abra aram-se com ternura, enquanto� �a m e e a ama limpavam os olhos a um lencinho de�renda. entretanto, jo o n o sabia o que havia de fazer.� �

o velho nunca mais sa a e acalmava a f ria de maneira� �bizarra. tinha aberto uma caixa de prata e ia retirandomontinhos de p preto que punha nas costas da m o.� �depois levava a m o ao nariz e inspirava profundamente,�o que tinha como consequ ncia p r-se o homem a espirrar, a espirrar!� � sujou v rios len os, esvaziou a caixa e mesmo as-� �sim n o se deu por satisfeito! tocou a campainha para�chamar o criado e pediu-lhe com voz autorit ria:� - traz-me outra caixa de rap .� e, para desespero do pobre jo o, continuou entretido�com aquela porcaria ('). <<maldita a hora em que me lembrei de trazer estacarta! estou farto de estar aqui enfiado atr s da cortina.�se eu abrisse a janela e saltasse?" mas com receio de ser descoberto deixou-se ficar.o sol j se tinha posto e a noite ca ra por completo. no� �sal o ficou tudo s escuras. diogo teles de meneses em� �vez de mandar acender o candeeiro resolveu finalmenteir-se embora. madalena devia estar espreita, pois apareceu da a nada arrastando� � consigo teresa violante. oencontro foi bastante atabalhoado. jo o passou-lhe a carta�para as m os, recebeu outra e fugiu porta fora. mal teve�tempo de a ver. mas foi o suficiente para ficar com penade n o lhe pedir um beijo, porque era de facto muito�bonita.

(') rap era tabaco mo do para cheirar. nesta poca s o� � � �<povo fumava. os nobres cheiravam rap , o que era considerado muito elegante.�

j na rua, suspirou de al vio.� � ??miss o cumprida. safa! foi dif cil, mas consegui.,?� � a frescura da noite soube-lhe bem. no entanto parou vagamente assustado. n o se� via gente por ali, asruas n o eram iluminadas e teve d vidas sobre o caminho a seguir.� � ??que est pido que eu fui em n o ter reparado no� �percurso que fiz quando vim para c ! agora o mais certo� perder-me. e a ana deve estar aflit ssima.,?� � hesitante, olhou para a esquerda, para a direita, semconseguir decidir que rumo havia de tomar. o sil ncio e�a escurid o come avam a tornar-se inquietantes.� � ??o melhor ir ao acaso..."� ainda n o tinha dado quatro passos quando sentiu�uma m o fechar-se-lhe sobre o ombro. apavorado voltou-se, mas n o havia motivo� � para alarme. era o manel! -pschiu! n o fa as barulho.� � debaixo do bra o trazia um galo com o bico aperta-�do para n o dar sinal.� - onde que arranjaste isso?�

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a boca abriu-se-lhe num sorriso matreiro. e decaminho, explicou:

- na capoeira dos teles de meneses. h l tantos� �que nem d o pela falta deste.� manel conhecia bem a cidade. no entanto, em vezdas ruas mais largas preferia as mais estreitas, escondi-das. medida que se afastavam do palacete foi ficando�mais vontade.� - a minha irm passou a noite a tossir. quero que�ela fa a uma canja de crista de galo para se fortalecer�do peito. jo o olhou para aquele peda o de carne esponjosa e� �encarnada com vis vel nojo.� - isso faz bem? tens a certeza? - dizem que muito bom. uma vizinha nossa at� �j cuspia sangue e curou-se.� - com cristas de galo? - sim. ao fim de poucos dias, passou-lhe. foi preciso disfar ar um sorriso. t o c micos os� � �tratamentos antigos! e engra ada a atitude das pessoas.�algumas acreditavam com tanta for a que haviam de se�curar, que se curavam mesmo! lembrou-se ent o da�domingas. demasiado fraca, demasiado fr gil! s a f� � �do irm o a poderia ajudar, pois ele sim, era seguro e�determinado como uma for a da natureza!� para encurtar caminho, enveredaram por um descampado. na cidade adormecida ouviam-se apenas c es a�ladrar ao longe e uma ou outra carruagem regressando acasa a horas tardias. de s bito, algu m disparou um tiro.� �os rapazes estacaram. seguiu-se uma algazarra medonha! cavalos a relinchar, gritos, sons de pancadaria. para grande espanto do jo o, manuel ficou muito�quieto escuta. depois correu na direc o dos gritos.� ��sem reflectir, seguiu-o. n o lhe apetecia ficar sozinho a�meio da noite, num local desconhecido! quando viu o que se passava ficou pregado ao ch o.�um bando de malfeitores acabava de assaltar uma carruagem. o passageiro e os criados tentavam resistir ecada qual lutava agora com as armas que tinha. a nica�pistola n o devia conter mais balas, pois agrediam-se ao�murro, paulada; ao pontap . os cavalos empinavam-� �-se, relinchando de afli o e fazendo a carruagem inclinar-se perigosamente nas�� molas. o cocheiro conseguiulibertar-se dos assaltantes e sacou de uma navalha cujal mina brilhou no escuro. nesse momento jo o assistiu� �a algo que nunca tinha pensado ver na vida dele! umdos ladr es, quando percebeu que o companheiro ia ser�esfaqueado pelas costas, levantou a perna a uma alturaincr vel e deu uma traulitada na cabe a do cocheiro, que� �perdeu os sentidos. extraordin rio, n o por se tratar de� �um pontap na cabe a, mas porque o bandido tinha perna� �de pau ! a luta acabou quando se ouviram ao longe outrascarruagens. os ladr es arrebanharam tudo o que puderam e puseram-se em fuga.� diziam entre si algo que ojo o n o percebeu logo:� � - o lobo... o lobo vai ficar satisfeito!

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atarrantado, ficou a v -los fugir para a esquerda,�enquanto a carruagem seguia para a direita. manel, semnunca largar o galo, correu atr s da quadrilha. j ia� �

adiante, quando se virou para chamar: -anda c , jo o! vem comigo.� � n o tendo outra hip tese, obedeceu. enfiaram-se ent o� � �por um mata cerrada, subiram uma colina, desceram v rios�morros at que finalmente pararam. diante deles estava�um homem alto, magro, com a roupa em farrapos.a sua figura imponente recortava-se contra as chamasde uma fogueira. n o lhe viam bem as fei es. os outros rodearam-no com� �� defer ncia. era o chefe. manel�correu para ele de bra os abertos. era o pai.�

ana estava em p nico! o irm o n o tinha aparecido� � �durante todo o dia. ao princ pio julgou que andasse a�passear entretido com a novidade de se ver noutro s culo, onde as coisas, as� pessoas e o ambiente lhe proporcionavam surpresas constantes. mas as horas iam passando, e nada. em casa da domingas, dava largas sua�inquieta o.�� a outra bem dizia: - n o estejas assim. os rapazes nunca param quietos. ele deve andar com o meu� irm o que tem muitos�amigos. s vezes nem vem dormir a casa. arranja mil e�uma coisas para fazer e s aparece no dia seguinte.� ela sorriu-lhe, contrafeita. n o podia explicar a verdade. que vinham de outra� poca, que n o conheciam� �os perigos daquele tempo e portanto n o se podiam�defender. ??para que que o orlando p s o intercomunica-� �dor ao pesco o do jo o, em vez de p r no meu?!",� � �pensava. se ao menos pudesse comunicar para a m quina�do tempo! um ru do na porta deixou-a em sobressalto. domingas correu a abrir, mas era o� velho martinho. - estive aqui ao lado a cear e vim ver se precisavam de alguma coisa. em cima da mesa pousou um p o redondo e v rias� �fatias de queijo. - foi a nat ria que mandou.� domingas riu-se. - calculo! ela t o minha amiga que nunca se� �esquece de mim. o velhote fez de conta que n o tinha ouvido. por�ele, tentava sempre apaziguar os nimos, p r as pessoas� �de bem umas com as outras. nem compreendia que fosseposs vel haver tanta gente que adorava discutir, meter�intrigas, zangar-se. nat ria era uma mulher dif cil. pare-� �cia n o gostar de ningu m e ningu m gostava dela. mas� � �tinha qualidades. era honesta, limpa e asseada. cozinhava muito bem. n o roubava� os h spedes. talvez com�uma ajudinha se pudesse tornar simp tica aos olhos dos�outros. - sr. martinho... - n o me chames senhor, filha. toda a gente me�chama tio ou av . Se calhar porque n o tenho fam lia...� � � �- reparando bem na cara da ana, deteve-se. - aconteceu alguma coisa? vejo que est s quase a chorar.�

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- e o meu irm o. desapareceu e eu n o sei o que� �hei-de fazer.

- n o te aflijas. o mais certo andar para a com� � � o manel e terem-se esquecido das horas. carinhosamente encaminhou-as para a lareira e sentou-se com uma de cada lado. - os rapazes s o vadios, como os gatos e os cachorros !� ana n o aguentou mais e come ou a chorar de mansinho. ele ent o p s-lhe um bra o� � � � � volta dos ombros.� - calma. n o queres uma fatia de queijo? bom.� �e estou mesmo a ver que n o jantaram.� sufocada, n o conseguiu articular palavra e limitou-�-se a abanar a cabe a, olhando fixamente na direc o da� ��porta. do lado de fora o sil ncio era total. e a afli o� ��crescia. a afli o contagiosa. n o tardou muito que�� � �domingas se agitasse tamb m a ponto de lhe sobrevir�um ataque de tosse. martinho j via o caso malparado. n o conseguia� �entret -las, nem conseguia faz -las comer! inquieto,� �remexeu nas brasas com um ti o para avivar o lume. e��o p caro enegrecido pelas chamas, esquecido junto � �chamin , deu-lhe uma ideia.� ??vou p -las a dormir. assim nem uma chora nem a�outra tosse", decidiu. p s gua ao lume, sem dizer nada. depois retirou da� �bolsa um saquinho de pano onde sempre trazia folhasde uma planta dormideira para fazer ch . quando a gua� �come ou a chiar, deitou tudo l dentro.� � - j que n o querem comer, bebem este chazinho� �quente. vai-lhes fazer muito bem. a ideia agradou-lhes. estavam com sede e n o h� �nada mais reconfortante do que uma bebida quente. o efeito n o se fez esperar. da a pouco cabeceavam, com o corpo mole e as� � p lpebras pesadas.� para ajudar, martinho cantou-lhes em surdina, desafinad ssimo e com voz de cana� rachada, os nicos ver-�sos que sabia de cor.

passarinho canta soltopreso n o pode cantar�mas como preso sem culpa�canta s para aliviar�

o lume foi-se extinguindo a pouco e pouco e eleacabou por adormecer tamb m.�

quela hora, jo o vivia a experi ncia mais espantosa da sua vida. nunca lhe� � � passara pela cabe a que pudesse sentir-se t o bem no meio de uma quadrilha. mas� �a verdade que se sentia.� estava ali na qualidade de amigo do filho do chefe.e isso era quase o mesmo que ser amigo do filho do rei. o pai de manuel chamava-se val rio, mas ningu m� �o tratava pelo nome. a alcunha acentava-lhe como umaluva: o lobo. bastava olhar para ele, para uma pessoaficar impressionada. todos os respeitavam, todos tinhammedo, guardavam mesmo uma certa dist ncia f sica. os� �olhos obl quos, de cor indefinida, trespassavam os outros como se emitissem raios.� nunca sorria, mas arre-

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ganhava a boca num ricto feroz, e viam-se os dentes

pontiagudos, muito brancos, capazes de morder se preciso fosse. os companheiros eram muitos e variados. tudo genteestranha. al m daquele que tinha uma perna de pau e a�quem chamavam cotovia avia um zarolho sem dentes.outro com a pele s escamas como um lagarto. dois�irm os iguaizinhos, de cabe a quadrada, t o barbudos que� � �se duvidava que tivessem boca. dificilmente se encontraria ali algu m que n o os-� �tentasse vest gios de qualquer acidente. cicatrizes a mais.�um bra o a menos. caras e pesco os com a pele repuxada por queimaduras.� � o bando acoitava-se na zona da cidade a que chamavam cotovia (1). era dali que partiam para osseus assaltos. e n o poupavam ningu m. depois de� �escurecer, tanto podiam atacar pessoas, como carruagens, ou mesmo casas, lojas e armaz ns. lutavam�com as armas de que dispusessem na altura. umasvezes pistolas, outras vezes navalhas, punhais. umsimples cacete tamb m lhes servia. o produto dos roubos era entregue ao chefe, que� se encarregava de repartir, guardando uma parte para si. nenhum deles se atrevia a refilar, quer ficasse contente com a sua parte quern o.� n o tinham esconderijo certo e dormiam onde calhasse conforme a poca do ano. ao� � relento, debaixodas rvores, no interior de uma igreja ou numa casa abandonada.�

(1) a cotovia ficava na zona onde hoje existe o jardim dopr ncipe real e a rua da escola polit cnica. abarcava uma� �grande colina e era um s tio perigoso, infestado de ladr es.� � manuel adorava o pai. sentado sua direita derramava orgulho e satisfa o.� �� s n o vivia com ele para proteger a irm . essa,� � � coitada, nem sequer sabia que o pai estava vivo. s vezes� ouvia co?tar s vizinhas uma ou outra proeza do tal lobo,� sem desconfiar nem por um minuto de quem se tratava. jo o tomou uma atitude sensata. n o se mostrou� � surpreendido com coisa alguma, e fez o mesmo que via aos outros fazer. ajudou os irm os barbudos a assar� sardinhas. comeu com apetite as grossas fatias de p o� que lhe ofereceram. e nem sequer recusou o vinho, que era de p ssima qualidade, amargo e spero. ardia na� � garganta. depois encostou-se a uma pedra e ficou a ouvir as conversas. - n o foi m a colheita - disse o lobo. limpou a� � boca com as costas da m o, deu um arroto e prosseguiu:� - santo ant nio tem-nos ajudado muito.� embora quisesse manter-se neutro, jo o n o p de� � � deixar de arrebitar a orelha. ent o aqueles homens consideravam-se protegidos� pelos santos para a sua roubalheira? pelos vistos, era assim mesmo. o lobo abriu a camisa e puxou uma medalha com a ponta dos dedos. era de ouro maci o, com ?um lindo santo ant nio em� � relevo. - nunca me faltou at hoje. esta medalha deu-me a�

minha madrinha no dia do baptizado. ela l sabia o santo� que havia de escolher. e acertou. um santo matreiro e� brincalh o. parte as bilhas s raparigas na fonte e depois� �

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volta a comp -las. tamb m n o h melhor para arranjar� � � � marido. e n o se esquece de n s. nunca se esquece de n s.� � � os outros j tinham ouvido aquela conversa mil vezes,�mas ningu m disse nada, pois tratava-se de uma esp cie� �de ritual. o lobo n o rezava, mas agradecia sua maneira� �a protec o que julgava receber do santo.�� vendo-o entretido a discursar para a quadrilha, manuelrecuou, 'sorrateiro como um gato. jo o ficou alerta.�o que iria fazer? agachado por tr s de um pedregulho,�retirou qualquer coisa do bolso e de repente... fssst...zanc! uma faca pontiaguda voou pelo ar e foi espetar--se num tronco de rvore mesmo por baixo da orelha do�lobo. este deu um salto j em posi o de ataque, mas� ��quando viu que era o filho a cara iluminou-se. - boa pontaria, manel! tens treinado? ele saiu do escuro, orgulhos ssimo.� - todos os dias. - preciso n o perder a m o. queres ver?� � � � e num gesto r pido que quase n o se viu, sacou um� �punhal do bolso e arremessou-o por cima da cabe a do�lagarto. espectacular! a l mina furou o chap u e arrastou-o na queda. mas n o lhe� � � tocou num nico cabelo.� o bando p s-se a rir s gargalhadas. era a sua forma� �de aplaudir. - que susto, heim, lagarto? - n o! com o lobo a gente sabe que n o h perigo. ele s acerta onde quer.� � � � - at dizem que no outro dia furou as orelhas a�uma rapariga com uma agulha que atirou a tr s metros�de dist ncia.� - ah! ah! ah! a conversa animou e toda a gente quis contar hist rias�e mostrar as suas habilidades no manejo de armas. os irm os barbudos faziam aut nticos n meros de� � �circo. mas de um circo louco. um deles atirava fatiasde p o ao ar, e o outro lan ava a navalha furando-as ao� �meio. o sucesso era indescrit vel! riam, batiam palmas,�ofereciam mais canecas de vinho. o maneta tinha tamb m a sua especialidade. metia�tr s facas na boca, ao atravessado, pois habituara-se a�segur -las assim devido falta de bra o. depois inspirava fundo para se exibir e� � � em seguida, z s! z s! z s!,� � �atirava com elas uma a uma de forma a ficarem espeta-das no ch o exactamente no mesmo lugar, com as pontas juntas.� o entusiasmo era cada vez maior. um a um forammostrando aquilo de que eram capazes no meio de grandealgazarra. s o cotovio se mantinha parte, silencioso.� �no entanto ningu m o incomodou. sabiam que era homem�de poucas falas. ali, todos conheciam a vida uns dosoutros, o que os levara a enveredar pelo crime, queassaltos tinham feito antes de se juntarem ao grupo, emque acidente tinham perdido a m o ou o bra o. mas acerca� �do cotovio ningu m sabia nada, nem sequer o nome ou�a alcunha. apareceu um dia no meio de grande briga ejuntou-se a eles, salvando o lobo de levar um tiro pois

com a perna de pau agrediu o inimigo e fez voar a pistolapara longe. foi quanto bastou para que o aceitassem. s�que, depois da luta, ao contr rio do que faziam habitualmente, n o abriu a boca� �

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para falar de si. ficaramsem saber donde vinha, porqu , em que circunst ncias� �tinha perdido a perna. e como tamb m n o disse o nome,� �passaram a chamar-lhe cotovio, por causa da flauta. quando os outros se cansaram das brincadeiras e anoite ia avan ando para a madrugada, cotovio instalou-�-se ao p do lume. sentado numa pedra lisa com a perna�de pau estendida para longe das chamas, pegou numaflauta de cana que ele pr pria esculpira e p s-se a tocar.� �eram notas suaves, longas, tristes como um lamento.calaram-se todos, possu dos de uma impress o estranha,� �indefin vel. e deixaram que a m sica lhes remexesse� �na alma, misturando desgostos, alegrias, desejos inconfess veis, saudades de� pessoas que j tinham mor-�rido. sons agudos e graves entrela avam-se, cresciam de�tom, elevavam-se a uma altura incr vel para logo se precipitarem num abismo e j� � seria dif cil dizer se a m sica� �era alegre ou triste, se transmitia desespero ou f ria de�viver. junto da fogueira apareceu um c o. tinha o p lo ru o� � �cheio de peladas e um olhar t o feroz e selvagem como�toda a gente ali. encostou o focinho nas patas e ficou aouvir. dois corvos negros aproximaram-se tamb m.� arrebatados pela melodia, homens e bichos partilhavam o mesmo sonho.

jo o voltou para casa j o sol despontava no horizonte. mas n o lhe apetecia� � � chegar nem dormir. o vento arrepiava-lhe a pele e as cenas de ainda h�pouco arrepiavam-lhe o esp rito. nunca esqueceria aquela gente. est bem que eram� � ladr es. mas de certo modo,�tinham motivos para o ser. naquela poca a vida n o� �oferecia grandes hip teses aos miser veis. que podia fazer� �um homem a quem faltava o bra o, a perna? ou se�remetia situa o de pedinte, arrastando-se pelas portas� ��das igrejas de m o estendida, ou n o se conformava com� �a sua sorte. os que tinham energia para enfrentar a vidaa murro e a pontap escolhiam um caminho bvio e f cil,� � �porque n o faltavam quadrilhas onde se integrar.� <<o destino do homem depende bastante do s tio onde�nasceu>>, pensou. <<o lobo, por exemplo, en rgico e forte,�com uma pontaria espantosa, se fosse nobre seria talvezo companheiro preferido do rei. podiam ir juntos ca a.� �a sua destreza provocaria inveja e admira o.?,�� manel caminhava em sil ncio. depois de abandonarem o acampamento, dissera uma� nica frase:� - nem uma palavra sobre isto diante da minha irm ,�est s a ouvir?� ele acenou que sim e seguiram em frente, cada qualentregue aos seus pensamentos. jo o continuava obceca-�do com as pessoas que acabara de conhecer. ??a vida depende muito do espa o mas tamb m do� �tempo em que se nasceu. o manuel, se tivesse vindo ao

mundo duzentos anos mais tarde, podia ter sido campe o ol mpico. "� � nunca vira ningu m correr quela velocidade! e� �imaginou-o a subir ao p dio, coberto de gl ria, aplaudi-� �do pelo mundo inteiro atrav s da televis o. em vez de� �

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roupa andrajosa e dos p s descal os, envergaria um traje� �desportivo e t nis de marca.� a ideia provocou-lhe um sorriso terno. e logo imaginou tamb m o cotovio, mas� esse no palco com a suaflauta e o p blico de p , s palmas, num verdadeiro� � �del rio. apeteceu-lhe ter poder suficiente para fazer aquilo�que orlando mais lhe recomendara que n o fizesse. alterar�a hist ria. transferir as pessoas para um outro lugar,�para uma outra poca e ficar depois a v -las ser felizes� �no s tio certo.�

embora fosse muito cedo, j havia movimento nas�ruas. cruzaram-se com v rios oper rios que se dirigiam� �para o trabalho. e apanharam a primeira descompostura, pois encontraram martinho que ia direito Real f brica� � das sedas onde era mestre de teares. mas foi uma des- compostura branda. o velhote nunca ralhava muito com ningu m e envolvia as frases num meio sorriso para aliviar o impacto.� - ent o, seus vadios, isto faz-se? a ana e a do-�mingas passaram a noite aflit ssimas vossa espera!� � o segundo ralhete seria bem mais forte. as irm s�fartaram-se de berrar com eles. ao fim da tarde, ent o, foi o bom e o bonito. quando o jo o e a ana chegaram � � � m quina do tempo com�um dia de atraso, orlando estava possesso, amea ou�remet -los directamente para o s culo xx e nunca mais� �os levar de viagem. bem tentaram explicar o que se tinha passado, mascomo o jo o n o queria dizer a verdade, as explica es� � ��eram bastante confusas. felizmente o cientista n o podia perder muito tempo�com conversas. decidiu voltar s suas pesquisas e mant -los ali dentro de castigo.� � ana n o se importou muito.�tinha um pedido especial para lhe fazer. precisava depensar na melhor maneira de p r a quest o. j come ratton� � �aparecera depois do almo o para a visitar e convidara-a�para ir nessa noite pera do tejo. apetecia-lhe� �imenso, mas n o tinha vestido adequado nem j ias e� �adornos. talvez orlando pudesse regular o feixe luminoso, de modo a vesti-la a rigor. mas era necess rio deixar passar algum tempo para ele esquecer o incidente.� assim, optou por se estender no sof muito cala-�da. jo o, esse, passeava desesperado com uma fera na�jaula. <<tenho que sair daqui d l por onde der, sen o� � �enlouque o! ?,� ainda tentou entreter-se com jogos no computador,mas depois da noite empolgante que tinha vivido n o�achou gra a nenhuma aos riscos e apitos do costume.� <<quando voltar para casa, brinco com esta geringon a. agora apetece-me andar� por a .??� decidiu implorar ao orlando que o deixasse sair dam quina. prometeu e jurou que se portava bem, que�

cumpria os prazos marcados para voltar e acabou porconseguir o que queria. - vai-te l embora, que estou farto das tuas lam rias.� �mas se fazes asneiras, j sabes o que acontece.� antes de partir, foi ter com a irm .�

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- mais logo encontro-me contigo na estalagem. comoo ratton n o tem bilhete para mim, vou at ao teatro a� �ver se ainda arranjo entrada. - eu n o sei se vou - disse a ana em voz baixa.�- primeiro ainda tenho que convencer o orlando porcausa do vestido. - ora! claro que consegues. e eu tamb m hei-de�conseguir. isto o que preciso esperan a!� � � jovial como de costume, mandou-se para o exterior. o teatro da pera era novinho em folha. tinha ficado pronto h sete meses e� � enchia-se de gente sempreque havia espect culo, apesar de ser enorme. s na plateia� �tinha lugar para seiscentas pessoas! jo o encaminhou-se para aquelas bandas assobiando�alegremente. estava uma tarde t o linda que mais pare-�cia ver o. havia muita gente no cais e barcos para c e� �para l , circulando entre as duas margens.� de s bito, deu com os olhos numa cara conhecida.�mas tinha qualquer coisa de diferente, pois n o a reconheceu logo. era a nat ria,� � a estalajadeira. sentada �borda de gua, o olhar perdido no horizonte e uma esp cie� �de sorriso meigo, parecia outra. que estaria ali a fazer? convencido de que a mulhern o reparara nele, p s-se a observ -la.� � � a express o mantinha-se, doce, terna. por que motivo uma pessoa t o spera com� � � os seres humanos olhavaassim para as ondas do mar? sem se voltar para ele, interpelou-o: - est s espantado de me ver aqui?� e n o que at a voz era diferente?� � � - sempre que v m barcos do brasil, c estou � � �espera. um dia, h -de chegar a minha vez.� - quer ir para o brasil? ela sorriu e encolheu os ombros. - era a coisa que eu mais queria no mundo, at ao�m s passado.� ele n o percebeu e ficou mudo. mas como nat ria� �embalara a contar a sua hist ria, n o precisava de r plica.� � � - eu s tive um filho, sabes? um rapaz. lindo como�o sol. h dez anos resolveu ir para o brasil. julguei�que endoidecia. que n o tenho mais ningu m no mundo.� � �n o tenho fam lia.� � - compreendo - balbuciou o jo o. - deve ser�dif cil...� - n o compreendes, n o. ningu m compreende.� � �a casa parecia-me vazia. n o me interessava por nada�nem por ningu m. primeiro n o fazia outra coisa sen o� � �chorar. depois resolvi vender o pouco que tinha e virpara lisboa. pensei que assim estava mais perto dosbarcos, podia abra -lo no dia em que voltasse. mas ele��n o voltou.� o rapaz teria morrido? jo o nem se atreveu a perguntar. ? ela prosseguiu:�

- tive uma vida triste, sabes? aqui na cidade ascoisas n o s o t o f ceis como eu pensava. trabalhei� � � �que nem uma escrava para juntar dinheiro. j que ele�n o vinha, pensei embarcar eu. mas n o queria ir pobre� �porque nesse caso tornava-me um fardo. queria ir com

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dinheiro suficiente para mim e para o ajudar em tudo oque precisasse. a ele, e ao meus netos. sabes que j�tenho um neto e uma neta? a alegria da mulher era enternecedora. - quer dizer que nunca os viu? - pois n o. ele casou por l . soube de tudo por� �uma carta. - com um suspiro, acrescentou: - achoque foi a tristeza que me tornou m . nunca dava nada a�ningu m porque queria juntar para os meus. se desse a�um, todos pediam e mis ria o que n o falta por a .� � � �fiquei com o cora o duro, n o tenho amigos. mas agora�� �acho que tudo vai mudar. - porqu ? vai-se embora?� - n o. eles que voltam.� � e o sorriso foi t o radioso que o jo o se comoveu.� � - chegam l para meados de novembro. mas sabes�que desde que recebi carta a anunciar o regresso me d�uma grande alegria ver os barcos a entrar na barra? comas velas soltas ao vento, parece que j os trazem para�junto de mim. nat ria levantou-se.� - s o horas. deve haver clientes l em casa. tenho� �que ir. curiosamente os olhos escureceram e voltou a aparecer-lhe na cara a express o� dura e r spida da comerciante avarenta que jo o conhecera na estalagem.� � despediu-se dela com um aceno e seguiu. <<as pessoas s o engra adas! t m sempre alguma coisa� � �escondida dentro de si!" e riu-se com os seus bot es.�<<eu, por exemplo, o que mais quero agora arranjar�bilhetes para a pera. e n o gosto de pera. que faria� � �se gostasse ! ?, dirigiu-se para o edif cio, que era imponente! todo�em pedra com v rios andares e uma entrada magn fica.� �mas em vez de uma bicha na porta principal, encontrouuma grande balb rdia na porta dos artistas.� - n o pode ser, n o pode ser! - gritava um homem� �gordo e baixinho. - quero os mesmos figurantes dasemana passada. s o quarenta, certos! nem mais um nem�menos um ! - mas o rapaz adoeceu, o que que quer que eu�fa a?� - arranja outro e j !� jo o aproximou-se. aquela conversa estava-lhe a interessar.� - mas onde? aonde que eu hei-de ir buscar um�rapaz a estas horas? - sei l ! procura!� - mas o fato pequeno. n o serve a qualquer um!� � jo o n o resistiu mais.� � - desculpem interromper, mas est o procura de� �um rapaz? os dois homens olharam-no de alto a baixo. e ohomem gordo sorriu, felic ssimo.�

- precisamos de um figurante com a tua estatura.queres? ele n o sabia muito bem para que o queriam, mas�aceitou logo. ainda lhe tentaram explicar que o emprego era s�

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por uma noite, que o lugar era do outro que estava doente,e que pagavam pouco. nada daquilo lhe interessava.o que queria era ser contratado. e foi. nessa noite os dois irm os entrariam na pera por� �s tios diferentes. jo o pela porta dos artistas. ana pela� �porta principal ! como era de prever, orlando fizera-lhe a vontade.usando feixes de luz para a vestir convenientemente,fartara-se de gozar com o assunto: - fecha os olhos, gata borralheira! eu vou buscar avarinha m gica e ver s que consigo melhores resultados� �que a fada madrinha! s falta aqui uma ab bora para eu� �transformar em coche! mas quanto a isso n o valia a pena incomodarem-se.�j come ratton passou a busc -la numa carruagem fechada. com ele vinha tamb m� � � anselmo. p lido e nervoso, pois teresa violante costumava ir para um cama-�rote com os pais. j que n o a podia ver de perto, ao� �menos via-a de longe!

o espect culo come ava muito antes de abrir o pano.� �de certo modo, come ava ainda na rua. as pessoas�vestiam-se com grande luxo para ir pera, e o povo� �aglomerava-se para ver chegar as belas carruagens puxadas por cavalos de ra a e� conduzidos por criados delibr .� quando se abria a portinhola e sa am as damas, ent o� �era um sucesso! vestidos de seda, de veludo, com rendas, la os, pregas e folhos� impressionavam a popula o��tanto como as j ias, as cabeleiras posti as, os sapatinhos� �de cetim bordados a pedraria. e como a moda naqueletempo exigia que se abrissem grandes decotes no peito,embora as saias fossem at aos p s, o sucesso ainda era� �maior. al m disso, os rapazes e raparigas nunca se encontravam sen o na missa, nas� � festas e nos espect culos onde�iam com os pais. mas mesmo nessas ocasi es, s� �podiam aproximar-se e conversar com parentes ou amigos da fam lia. portanto, havia� muitos rapazes que n o�entravam logo no teatro e ficavam por ali conversa, na ' esperan a de ver chegar� � a rapariga de quemgostavam para depois simularem um choque ou um trope o que lhes permitisse passar�� um bilhetinho amoroso. j come ratton n o tinha esses problemas porque trazia consigo a ana. mas sabendo� � que o amigo queria verteresa, demorou-se na entrada espera da carruagem�dos teles de meneses. anselmo estava em nsias. encostado a uma coluna, n o tirava� � os olhos da rua emfrente. as carruagens vinham em bicha e tinham queaguardar, pois cada uma parava porta para deixar sair�os ocupantes e isso n o se fazia com rapidez por causa�das saias das senhoras. s a d cima quinta trazia na portinhola o bras o da� � �

fam lia. o cora o de anselmo deu um salto! mas l de� �� �dentro sa ram apenas os pais, d. diogo e sua mulher,�henriqueta violante. j come receou que o amigo tivesse um ataque! e�aproximou-se para tentar consol -lo, quando viu quem�

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se apeava da carruagem seguinte. - s o elas! - exclamou anselmo. - j me esquecia que as irm s v m sempre noutra� � � � carruagem para n o�amachucarem os vestidos... a primeira a sair foi faustina. com uma cara inocente e risonha, esticou o p e� levantou a saia bastantemais do que seria necess rio, deixando mostra o sapatinho, o tornozelo e a meia� � bordada. ela sabia muitobem que os homens se punham a espreitar e isso di-vertia-a. <<s o muito tolos>>, pensava. <<andamos n s cheias� �de decotes e eles s querem ver o que est tapado!>>� � disfar adamente olhou em volta. se o bernardo estivesse ali que era bom. como� � tinha imenso xito onde�quer que aparecesse, ele ficava cheio de ci mes e assim�cada vez gostava mais dela! a seguir desceu teresa. essa muito retra da e aparentemente preocupada com as� pregas do vestido. quando levantou os olhos, encontrou os de anselmo pela frente.por instantes, os dois apaixonados n o viram mais ningu m em volta e o nico ru do� � � � eram as pancadas do seupr prio cora o. teresa corou at raiz dos cabelos.� �� � �anselmo ficou l vido e, esquecendo-se de todas as regras, deu um passo adiante.� j come cravou-lhe as unhas�no bra o com toda a for a.� � - est s louco? - murmurou. - olha os pais dela...� d. diogo encaminhava j as filhas para o teatro. num�gesto autom tico, procurou que elas ficassem entre ele e�a m e. mas tanto uma como a outra abrandaram o passo, fingindo compor a cauda do� vestido, e assim transpuseram a porta sem escolta. anselmo n o perdeu a�oportunidade! no aperto da entrada conseguiu ro ar-lhe�levemente a m o com a ponta dos dedos.� ana assistiu a tudo sorrindo enternecida. <<as pessoas sofriam muito nesta poca. j come o a compreender por que que� � � � ficavam doentes depaix o! >>� o pobre rapaz caminhava ao seu lado como umson mbulo! instalaram-se os tr s nas primeiras filas. o� �palco ainda tinha o pano corrido. na plateia, nos cama-rotes, as pessoas conversavam animadamente. ela n o�prestou muita aten o a ningu m e virava a cabe a sem�� � �cessar. o jo o teria arranjado bilhete?� n o 'o via em parte nenhuma. de s bito, toda a� �gente se calou. o camarote real iluminou-se e apareceram o rei e a rainha. o p blico levantou-se num�mesmo movimento como se estivessem ensaiados esaudaram os soberanos com uma v nia. d. jos sorriu a� �toda a gente e sentou-se. a seguir sentou-se a rainha. mas as pessoas continuaram de p . estavam espera das princesas que entraram a seguir. pera� � � �s iam as tr s mais velhas. repetiram-se as v nias, embora menos profundas, e cada� � � um retomou ent o o seu�

lugar. ana continuava a olhar para o camarote real, embevecida. era engra ado v -los de� � perto! mas vinha l mais�algu m. desta vez as pessoas n o se levantaram e nos� �camarotes dos nobres houve um burburinho de desagrado. por que seria? j come falou-lhe ao ouvido:� - o ministro. o rei convidou o ministro para o

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camarote real e as fam lias nobres n o gostaram.� � - porqu ?� - porque este ministro est a ter cada vez mais�influ ncia sobre o rei. h quem diga que n o tardar� � � �muito que ele governe sozinho. d. jos um homem� �pac fico e bem-disposto. o que quer ca ar...� � � ana voltou-se para ver melhor o tal ministro, eo cora o teve um baque. era o marqu s de pombal! aquela cabeleira rectangular�� � ca da sobre os ombros,�o porte imponente, a cara comprida e at as vestes�tinham ficado perpetuadas em quadros, gravuras e sobretudo na grande est tua que� todos conhecem, em lis-boa. - chama-se sebasti o jos de carvalho e melo-� �disse-lhe ratton. - um homem not vel. tenho a� �certeza de que h -de fazer progredir este pa s.� � ana acenou que sim, divertida. n o lhe podia dizer,�mas a verdade que sabia muito mais sobre aquele�personagem do que ratton. chegou a apetecer-lhe fazeruma brincadeira ao g nero do irm o e p r-se ali a fingir� � �que adivinhava o futuro. mas lembrou-se do orlando emordeu a l ngua.� o espect culo ia come ar. a orquestra j l estava e� � � �entrou o maestro, que foi saudado com uma salva depalmas. david perez (1) era muito apreciado e as suasperas tamb m.� � quando se abriu o pano houve um ah! de admira o.��o palco estava soberbo. o cen rio representava um acampamento guerreiro noite.� � vinte e cinco cavalos verdadeiros batiam com os cascos no ch o, como se dan as-� �sem ao compasso da m sica, pois os cavaleiros sabiam�

(') o teatro de pera do tejo foi inaugurado em abril de�1755, com a pera alexandre nas ndias, do compositor e� �maestro david perez. este maestro pertencia a uma fam lia espanhola mas nasceu em� n poles. al m de peras, escreveu m sica religiosa.� � � �depois de ter feito carreira em palermo, entrou ao servi o do�rei de portugal. ensinou canto rainha e s princesas. o seu� �retrato foi pintado no tecto do sal o de m sica do pal cio de queluz, onde ainda� � � hoje pode ser admirado.

alta escola e conseguiam faz -los executar diversos movimentos.� depois entraram quarenta figurantes, empunhandotochas acesas. avan avam e recuavam ao ritmo da batuta do maestro.� <<isto deve ser perigoso>>, pensou a ana. <<se algu m�trope a e cai, a tocha pega fogo ao teatro. basta que�esteja perto da cortina...>>

mas o medo voou-lhe para longe e quase se levantou quando reconheceu um dos figurantes. - o jo o est no palco! - exclamou. - olha!� � ratton procurou-o no meio dos outros e n o conseguiu v -lo pois o grupo� � deslocara-se para a direita eele ficou exactamente atr s da cantora principal. era�italiana e chamava-se colarini. tinha uma voz inacredit vel.� em destaque no meio do palco, com um vestidovermelho at aos p s, cabeleira posti a coberta de pedras preciosas vermelhas� � � tamb m, levantava a cabe a,� �abria a boca e soltava sons t o agudos que quase quebravam os lustres de cristal.�

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jo o estava admirad ssimo. nunca tinha ido pera.� � � �assistira a alguns espect culos na televis o sem ligar� �muito. ali, tudo parecia diferente! as pessoas, os fatos,o cheiro intenso a madeira, resinas, vernizes! mas o maisengra ado eram os homens vestidos de mulher. os figurantes envergavam trajes de� homem. agora com oscantores, o caso era outro. al m de colarini, s tinham� �contratado duas raparigas para representarem personagensfemininos. os restantes eram representados por italianosgorduchos vestidos de mulher. os de barba muito pretadisfar avam enchendo-a de p . E o mais engra ado � � � �que a voz deles parecia mesmo voz de mulher. eram os castrati (1). colarini n o escondia quanto gostava de se exibir.�virava-se de um lado, virava-se do outro, e sentindo ocalor da plateia ainda se enpinava mais, exagerando osgestos e as express es.� no meio de uma ria que falava de amor, olhou�descaradamente para o rei! ele ficou radiante com aprovoca o e inclinou-se para a frente.�� <<que bela mulher!", pensou. <<vista daqui, tem a peleacetinada. hei-de verificar isso mais de perto." com um sorriso maroto, resolveu combinar com oministro uma <<reuni o extraordin ria" para o dia seguinte.� �julgando-o ocupado com neg cios de estado, a mulher�n o desconfiava. s que a rainha n o era parva e mal� � �viu o marido inclinar-se para a frente com um certo brilhono olhar, tomou tamb m as suas decis es. no dia seguinte mandaria recado ao� � maestro para despedir a desavergonhada da colarini. <<ainda hei-de proibir que as mulheres entrem no

(') os castrati eram homens a quem tinham cortado os rg os� �genitais entre os dez e os doze anos para que n o mudassem de�voz. continuando com voz fininha pela vida fora, podiam fazerpap is femininos na pera e cantar nas igrejas, o que era proibido s mulheres.� � � no final do s culo xiv o papa clemente xiv proibiu a�castra o. mas continuou a fazer-se esta opera o horrorosa at meados do s culo�� �� � � >?x.

palco! os castrati podem muito bem representar todosos pap is femininos.?, (1)� colarini pavoneava-se toda satisfeita, j a imaginar�as j ias que o rei havia de lhe oferecer. atr s dela, jo o� � �sofria aut nticas torturas. n o tinha ensaiado como os� �

outros e j se enganara mais de uma vez. e o pior que� �a certa altura sentiu um bicho deslizar-lhe pelo pesco o�e enfiar-se por baixo da cabeleira. n o podia tir -la nem� �p r-se ali a co ar freneticamente o couro cabeludo!� �aflit ssimo, tentou contrair os m sculos com toda a for a� � �para impedir a ferroada. mas foi in til. quando a m sica� �subia de tom e os figurantes rodeavam a cantora para aapoteose final, sentiu uma dor t o funda que se desnorteou. em vez de girar sobre� os calcanhares, deu um passoem frente e pisou a cauda do vestido vermelho nomomento exacto em que colarini se deslocava para aboca de cena. o resultado foi catastr fico! a saia descoseu-se na�

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cintura e caiu, deixando a pobre numa figura rid cula�pois para tufar as saias usavam-se ancas posti as em verga!� o p blico largou gargalhada aplaudindo de p o� � �desfecho inesperado! e a cantora, em vez de seguir osltimos acordes, soltou um berro de f ria e saiu do palco� �esbracejando: - maledeto! maledeto! porca mis ria!� o pano foi corrido pressa para que os espectadores�n o vissem a barafunda que se gerou entre artistas, figu�

(1) a rainha conseguiu o que queria. na parte final destelivro na p. 237, h mais informa es sobre o assunto.� ��

rantes e m sicos. os cantores que faziam papel de mulher�estavam radiantes! odiavam a colarini, porque tinhaminveja e todos lhe cobi avam o lugar de prima donna.�se ela abandonasse o teatro, um deles seria escolhidopara a substituir, pois as outras raparigas eram poucas,muito novas e n o tinham voz suficiente nem sabiam�representar. portanto riam, faziam tro a, imitavam o ltimo� �berro de f ria.� - aiiiii ! - que bela maneira de encerrar um espect culo.� - o p blico nunca esquecer esta ria.� � � - e o rei deve estar encantado. ah! ah! ah! - parece que deu ordem para todas as peras acabarem assim...� nos bastidores, colarini espumava de raiva. tinhaarrancado uma cortina do cen rio para se enrolar e gritava como louca frases em� portugu s misturadas com�frases em italiano. - quem que me pisou a saia? quem foi o maledeto? quero esbofete -lo.� � o maestro, esse, tinha vontade de a esbofetar a ela. - que vergonha! nunca me aconteceu uma coisadestas na minha vida! - a culpa foi do rapaz que contrataram hoje tarde.�eu bem disse que ele n o estava ensaiado, n o me quiseram ouvir!� � quem assim falava era um dos respons veis pelo�espect culo que nunca tinha dito coisa alguma acerca do�novo figurante, mas decidira armar-se em mais inteligente do que os outros. de qualquer forma a sua tiradaresultou num verdadeiro desastre para o jo o que at a� � �se mantivera no meio do grupo, divertindo-se com as

cenas c micas que provocara sem querer.� - o rapaz este aqui - exclamou algu m.� � jo o n o pensou duas vezes! antes que a f ria dos� � �cantores, do maestro, dos respons veis pelo espect culo,� �ca ssem sobre ele, rodou nos calcanhares e fugiu correndo a bom correr sem saber� para onde, pois n o conhecia�o teatro. - agarrem-no! agarrem-no! com o cora o aos pulos dentro do peito, j punha o�� �p no primeiro degrau de uma escada em caracol, quando sentiu um bafo na nuca e� algu m lhe disse com ironia:� - por a n o vais a lado nenhum. essa escada um� � �cen rio.� jo o voltou-se, apavorado. na sua frente estava um�dos castrati. movia-se com certa dificuldade por causa

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das roupas de mulher. e na cara coberta de p branco�bailava-lhe um sorriso de satisfa o.�� - anda comigo. - para onde? - perguntou, sem perceber ainda seacabava de encontrar um amigo ou um inimigo. - para o meu camarim. ajudo-te a fugir! n o foi preciso repetir duas vezes. enquanto os outros�percorriam todos os recantos escuros procura dele, jo o� �enfiou-se num quartinho min sculo pejado de roupas,�cremes, p s, cabeleiras posti as, sapatos de homem e� �senhora, j ias falsas, espelhos v rios e uma grossa vela� �de cera a iluminar. era um ambiente fant stico. parecia�directamente sa do de um filme de terror!� - despe-te! - ordenou bianchardeli. jo o n o percebeu a ordem. se sa sse dali nu, mais� � �depressa o encontravam! - dispo-me para qu ?� - para te vestires de mulher, est pido! anda toda a�gente procura de um rapaz, portanto uma menina foge�com mais facilidade. ele apressou-se ent o a mudar de roupa. n o era f cil� � �apertar tantos atilhos, lacinhos e god s. e a maldita arma-�o de verga fazia-o sentir como se tivesse enfiado um��

cesto enorme por baixo das saias! bianchardeli pintou-lhe os olhos, a boca, a cara ep s-lhe outra cabeleira posti a.� � quando se olhou no espelho, desatou a rir! estavatotalmente irreconhec vel. mas n o havia tempo a per-� �der. o cantor italiano saiu frente para lhe indicar o�caminho. e ele seguiu-o, ansioso por se livrar daquelapera louca!� entretanto, ana e ratton procuravam-no junto porta�dos artistas. ela vira perfeitamente quem fora o respons vel pelo final desastroso� e pediu a j come que ajudasse a encontrar o irm o. nervos ssima, repetia sem� � �cessar: - sempre isto! n o faz outra coisa sen o meter-� � �-se em sarilhos! quem que o mandou oferecer-se para�figurante? ele ainda por cima detesta pera!� - n o te aflijas que j aparece.� � - o mais certo ter sido preso! se foi preso, o que� que eu fa o?� �

- vais ver que n o aconteceu nada disso. com certeza deram-lhe um raspanete e� mandaram-no embora. masse houver problemas eu falo com o ministro. ela olhou-o admirada e ia perguntar ??conheces o marqu s de pombal?". felizmente� lembrou-se a tempo deque o ministro ainda n o recebera o t tulo de marqu s.� � �e disse apenas: - conhece-lo? - sim. um homem muito inteligente. nunca deixa-�ria prender um rapaz porque sem querer deu um passoem falso e p s o p onde n o devia...� � � aquelas palavras descansaram-na um pouco. masenquanto n o visse o irm o continuaria em sobressalto.� � porta dos artistas assomou a cabe a de uma rapariga. olhava para todos os� � lados como quem se querassegurar de que o caminho est livre. depois fitou-os�

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com um sorriso. - quem ?� j come encolheu os ombros.� - nunca a vi mais gorda. n o sei.� ana pensou que ele estava a mentir porque a rapariga saiu, escondeu-se num v o e� p s-se a fazer sinalefas�e a cham -lo:� - psst! ei! traz a carruagem... j come, irritado com aquelas intimidades, prop s:� � - melhor afastarmo-nos daqui.� a rapariga ao v -lo recuar deu um berro e abandonou o esconderijo gritando:� - ana! ana! trope ando nas saias aproximou-se deles com um�andar t o esquisito que a julgaram ferida nas pernas.� - sou eu! o jo o!� eles olharam-no, at nitos. e verificando que era�mesmo o jo o, largaram gargalhada.� � - por que que est s vestido de mulher? depois da� �linda cena que fizeste, contrataram-te para cantor? ele ficou fulo. - se quiseres dispo-me j aqui!� - calma! - calma, nada. vamos embora e depressa antes queme encontrem. l dentro andam todos minha pro-� �cura. ana estava t o contente por o ter ali, que n o conseguiu dizer nada. enfiou-lhe� � o bra o e l foram em direc o carruagem.� � �� � - estou morto por tirar o disfarce! n o sei como � �que as mulheres aguentam andar com esta tralha todaem cima! - que exagero! a mim n o me incomoda nada. at� �acho gra a s saias de bal o. parece que estou mascarada.� � � ratton abriu a portinhola e mandou-os entrar. - n o vens?� - vou. mas primeiro quero ver se encontro o anselmo. n o sei se ele ficou � � nossa espera ou se j foi�para casa. anselmo apareceu, cabisbaixo e taciturno. nem fezreparos figura do jo o e sentou-se com olhar absorto.� �a carruagem, balan ando nas molas, iniciou a marcha�pelas ruas que quela hora estavam desertas. a solid o,� �

o sil ncio, eram vagamente assustadores.� - costuma haver muitos assaltos? - perguntou aana, inquieta. j come sorriu enigm tico.� � - haver h . mas n o te preocupes. onde estiver� �anselmo cruz ningu m corre perigo.�

os dois irm os olharam para ele cheios de d vidas.� �era simp tico. mas t o magro, t o fr gil! parecia inca-� � � �paz de enfrentar um bando de ladr es! no entanto n o� �fizeram coment rios.� e j come tamb m n o explicou nada.� � � anselmo, esse, nem devia ter ouvido a conversa. osseus olhos verdes flutuavam numa express o de des nimo, de abandono. tudo porque� � no fim do espect culo�vira um rapaz entrar no camarote de teresa violante e

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cumprimentar a fam lia toda com grande -vontade. ficou� �imediatamente ro do de ci mes. n o lhe passava pela� � �cabe a que algu m pudesse preferir faustina e tomou-o� �por um rival. pobre bernardo! tamb m ele sofria as mesmas torturas, pois embora se pudesse� aproximar da mulher dequem gostava, n o o deixavam casar com ela.� passara toda a noite a pensar se devia ou n o apresentar-se no camarote. nem� tinha ouvido a pera. a sua�nica preocupa o era faustina. queria v -la, falar-lhe,� �� �mas receava desagradar ao tio. o amor acabou por vencero medo e l foi, deixando a tia perturbad ssima!� � henriqueta violante nem sequer esperou por chegara casa para falar ao marido no assunto. pelo caminho,seringou-lhe os ouvidos. - diogo, isto n o pode ser! qualquer dia temos um�esc ndalo. deus me livre que a hist ria se saiba na corte.� �seremos motivo de tro a para toda a gente. o rapaz pede�uma das nossas filhas. tu ofereces-lhe a outra. valha--me deus! d. diogo estava cansado e com dores no corpo.detestava espect culos musicais e adormecia quase sempre�na cadeira, o que lhe deixava as articula es r gidas. se�� �ia pera era para fazer a vontade mulher. e para� � �agradar rainha. d. mariana vit ria exigia ver-se rodeada pelos s bditos no� � � teatro. e n o s . Quando a corte� �se deslocava para o pal cio de queluz, organizava saraus musicais onde ela pr pria� � cantava. escusado ser�dizer que a sua voz agud ssima e bastante desagrad vel� �era bastante aplaudida. d. diogo at sentia um arrepio�quando se lembrava de semelhantes festas. maldisposto,resmungou: - est bem. h -de-se ver.� � mas a mulher recusava-se a adiar a conversa. - hoje mesmo vais chamar as tuas filhas e resolvera quest o.� - hoje? quando chegarmos j elas est o a dormir.� � - que disparate! a carruagem vem atr s de n s.� � - mas est o com sono. est o elas e estou eu.� � henriqueta raramente se opunha ao marido. mas destavez n o cedeu. quando entraram em casa, chamou as�filhas biblioteca e, com ar muito solene, relatou-lhes�

diante do pai aquilo que elas j sabiam. teresa tomou a�palavra, muito serena e firme. - meu pai, pe o-lhe que deixe a faustina casar com�o bernardo. - tu s mais velha - respondeu com um bocejo.�- e eu gosto de respeitar as tradi es.�� - ent o respeite-as.� surpreendido, d. diogo olhou para a filha que continuava muito s ria e segura de� si. t o bonita! o pai�sentiu um grande orgulho e admirou-se que ainda ningu m a tivesse pedido em� casamento. <<os rapazes de hoje j n o s o como os do meu� � �' tempo!", pensou. <<n o valem nada. que palermas.?, afinal� o que que tu queres que eu fa a?� � que respeite as tradi es. aceite o pedido feito��

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por um primo, como todos os antepassados aceitaram. e como o seu sogro. o pai e a m e tamb m s o primos,� � � n o s o?� � - a irm mais velha da tua m e foi para o convento.� � - pois foi. mas primeiro assistiu ao vosso casamento, n o verdade?� � henriqueta sentiu um calafrio. a ideia de que a filhaquisesse ser freira voltou a assalt -la. tinha que a dissuadir.� <<depois penso nisso. agora tenho outro problema pararesolver. ?, diogo fraquejava com os argumentos da filha. estava morto por se ir deitar e ia ficando sem resposta. - de resto, no nosso caso, como s temos dez meses de diferen a, somos da mesma� � idade - continuavateresa. - h ?� - sim, pelo natal teremos ambas dezassete anos.se casarem nessa altura ningu m pode dizer que eu sou�mais velha. - bom, nesse caso... faustina n o esperou mais e atirou-se ao pesco o do� �pai com tal viol ncia que d. diogo perdeu o equil brio� �e a cabeleira voou para o ch o.� - obrigada, pai! oh! estou t o feliz! vamos j� �marcar o dia do pedido. amanh , serve? tenho a certeza de que o bernardo est de� � acordo. diga que sim!diga que sim! ele libertou-se da filha, entre risonho e zangado. eramelhor mesmo casar aquela rapariga depressa. talvezacalmasse, quando ela pr pria tivesse um filho.� - pronto. fa am l como quiserem. combinem tudo� �com a vossa m e que eu vou-me deitar.� teresa e henriqueta abra aram-se contentes. o pai�j ia perto da porta quando faustina correu para ele e se�p s a dan ar em volta.� � - n o se esque a de que amanh bem cedinho tem� � �que ir falar rainha! e a rainha vai dar autoriza o! vai� ��dar autoriza o! - com um reviravolta fez balan ar as�� �saias e exclamou: - oh! a rainha vai adorar! nessa noite nenhuma das mulheres da casa conseguiu pregar olho. a m e fazia� planos para a festa de

noivado. tinha que pedir ao jardineiro que lhe arranjasse flores para as jarras. combinar com o cozinheiroos pratos que haviam de servir. e fazer os convites. nom nimo, trezentas pessoas. era muita gente. n o podia� �esquecer ningu m, sen o as ofensas seriam tremendas.� � faustina, depois de ter acordado o irm o para lhe�dar a boa nova, foi sacudir alexandrino, a ama e at o�padre greg rio. a todos dizia a mesma coisa:� - quero que sejas a primeira pessoa a saber. vou--me casar. vou-me casar com o bernardo! com os olhos empapu ados de sono felicitaram-na e�voltaram para a cama aos trope es.�� incapaz de sossegar resolveu escrever ao noivo.sentou-se mesa com papel, v rias penas de pato muito� �afiadinhas e um tinteiro. retirou da gaveta o folheto quecomprara porta da igreja contendo v rios modelos de� �cartas de amor e p s-se a escolher a melhor maneira de�

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come ar.� - o que que achas, teresa? ??meu cora o"? ??meu� ��bem?" - que ideia, faustina. puxa pela cabe a e diz o que�sentes. faustina deu uma gargalhada. - o que sinto n o pr prio para escrever em cartas.� � � - ent o o que ?� � - estou louca de alegria. sinto-me capaz de voar.quem me dera que estivesses aqui, dava-te um beijo t o�repenicado que se havia de ouvir na casa em frente! teresa reconsiderou. - de facto melhor n o escreveres isso. parece mal.� � - j sei! vou fingir que estou t o comovida, que� �at me v m as l grimas aos olhos.� � � - como? - f cil. primeiro escrevo e depois borrifo a carta� �com gua. faz de conta que as l grimas eram tantas que� �a tinta esborratou! com o entusiasmo do costume, encheu um tinteirode gua e p s m os obra.� � � � - n o me parece bem que enganes o bernardo-�disse-lhe a irm . - ele vai ficar convencido de que est s� �triste. - ele vai adorar! os rapazes adoram que a gentesofra por causa deles. quando acabou a primeira p gina, encheu-a de borrifos e mostrou.� - v s? est uma perfei o. e agora, para me inspirar, vou comer uns docinhos de� � �� ovos que me mandou atia clara de jesus. fazem doces t o bons l no convento. queres?� � teresa recusou. n o tinha fome e uma vaga melancolia ia-lhe tomando conta do� cora o. gostava de ver a��irm t o feliz, mas sabia que para ela uma alegria igual� �era imposs vel. preferiu deitar-se a ler. desde que se apaixonara por anselmo, o� texto preferido era a hist ria da�origem dos teles de meneses, porque relatava os amores de uma sua antepassada com um homem do povo.isso fazia-a sonhar. talvez o destino permitisse que omesmo voltasse a acontecer com ela. era t o bom! (1)�

(') a hist ria da origem dos teles de meneses foi contada�pelo escritor dami o de g is no seu nobili rio. encontra-se� � �resumida na parte final deste livro, na p. 275.

quando ana e jo o voltaram m quina do tempo,� � �tiveram um choque terr vel. orlando acabara de colocar�uma sonda no fundo do rio e disse-lhes: - j est tudo pronto para determinar a intensidade� �do tsunamis. eles ficaram especados a olhar para ele. - verdade - balbuciou jo o -, j nem me� � �lembrava... ana tinha l grimas nos olhos e uma bola na garganta.� se o velho cientista n o tivesse tanto que fazer,�apercebia-se com certeza da afli o em que mergulharam. mas de costas voltadas,�� manuseando o computa-dor, n o deu por nada.�

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os dois irm os aproximaram-se da parede de cristal�e ficaram a olhar para a cidade. parecia-lhes uma injus-ti a tremenda que da a poucos dias tudo aquilo tivesse� �de desaparecer. por que motivo a terra se iria p r a abanar�como louca, a rugir no fundo do oceano at levantar as�guas numa onda gigante? por que motivo haviam de�ruir as casas? e sobretudo por que motivo havia de morrertanta gente? ana pensou em j come ratton. era t o novo. t o� � �simp tico. tinha tantos planos para o futuro. viajar.�construir f bricas, desenvolver mil neg cios, desenvolver at o pa s! a ideia de o� � � � ver esborrachado debaixodas pedras foi-lhe insuport vel e desatou a chorar baixinho.� jo o pensava nos outros todos, revoltado. se pudesse�detinha as for as da natureza. pouco lhe interessava a�hist ria. chegou mesmo a virar-se contra a aivet. afinal de contas, eram t o� � inteligentes, t o evolu dos, tinham disposi o meios fant sticos e em vez de� � � �� � arranjarem milhares de m quinas como aquela para as pessoas escaparem ao� terramoto, punham-se com li es de��moral. mas era uma moral esquisita. a hist ria tinha�mais valor para eles do que as pessoas. <<n o admira que seja assim", pensou, ao ver orlando todo entretido com a� maquinaria. <<s lhes interessa�fazer experi ncias. saber como as coisas se passaram.�oh! se eu pudesse, mudava tudo!" de s bito, ocorreu-lhe uma ideia. naquele aparelho�de cristal havia lugar para quatro e eles eram s tr s.� �conseguiria convencer o orlando a salvar um? mas logose levantou outro problema. qual? nesse momento o cientista voltou-se para eles. - j consegui o que queria. agora vou descansar�um bocadinho. - e instalando-se no sof , chamou:�- venham para aqui para o p de mim. contem-me o�que t m feito. j conheceram algu m com interesse?� � � - hi, tanta gente - come ou o jo o.� � mas a irm interrompeu-o:� - sa mos com um rapaz que se chama j come� �ratton. e com um amigo dele, o anselmo da cruz. - palavra? - perguntou o orlando, satisfeito. - sim. porqu ?�

- porque tanto um como outro h o-de ser homens�importantes. - quer dizer que se salvam do terramoto? - disselogo o jo o num entusiasmo.� - o mais engra ado que se salvam eles e a fam lia� � �toda! (1) <<menos dois com quem tenho de me preocupante,pensou. << ainda bem ! " o descanso do cientista n o demorou muito porque�o computador come ou a emitir um sinal: <<bip... bip...�bip...?, ele levantou-se imediatamente e retomou o seu trabalho. jo o puxou a irm para junto de si e falou-lhe ao� �ouvido: - achas que conseguimos convenc -lo a salvar uma�pessoa?

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(') j come ratton e anselmo da cruz s o personagens reais.� �na parte final deste livro, nas pp. 277 e 279, encontram-seinforma es sobre a vida de ambos.��

- talvez. eu adorava. - o problema que n o sei qual h -de ser.� � � - nem eu. os dois irm os ficaram em sil ncio. mentalmente viam� �passar a cara dos amigos, como num filme. domingas?manuel? o velho martinho? - por mim escolhia a domingas. t o querida.� �parece um passarinho molhado. com certeza n o vai ter�energia para fugir. custa-me horrivelmente imagin -�-la debaixo dos escombros, ou engolida pelas guas do�rio. - quanto a isso terr vel para todos.� � fez uma pausa e prosseguiu: - ela est doente. se for tuberculose, de qualquer�forma j n o tem muito tempo de vida. e sem o manuel, ainda morria mais depressa.� � creio que dev amos�escolher o irm o.� ana hesitou. talvez tivesse chegado a altura de contaro que sabia. - olha, eu nunca te disse nada, mas o manuel rouba. para seu grande espanto, jo o respondeu-lhe:� - eu sei. - como que sabes?� - uma hist ria engra ada...� � � e em poucas palavras contou-lhe a sua experi ncia�com os ladr es da cotovia. ana ouviu-o, at nita.� � - tu s louco! metes-te em cada uma! j imaginaste o perigo que correste?� � - ora! n o me aconteceu nada. deixa-te de serm es e pensa. temos que tomar uma� � decis o. apesar�de tudo, continuo a votar no manuel. ele rouba porqueprecisa, n o tem outra hip tese. um rapaz saud vel,� � � �inteligente, din mico. se sobreviver, talvez tenha uma�. oportunidade. talvez se emende e venha a ser um homemdigno. - n o acredito muito. e acho injusto. se s pode-� �mos salvar um, disparate escolher precisamente um�

ladr o. se queres que te diga, vendo bem, o melhor ainda�era salvar o martinho. esse bom. ajuda toda a gente.�e adora viver. jo o ficou calado a pensar na proposta. martinho era�um bom elemento neste mundo. espalhava sua volta�alegria, carinho. mas j tinha vivido bastante.� - ele velho - disse por fim. - preferia optar� por uma pessoa mais nova, algu m a quem o terramoto�venha roubar muitos anos de vida. - n o concordo. prefer vel que um homem bom� � �viva mais dois ou tr s anos, do que um homem mau�viva cinquenta. - se escolh ssemos a nat ria? - sugeriu o jo o.� � � ana ficou estupefacta. - a nat ria? est s doido? ela um monstro. uma� � � avarenta. n o gosta de ningu m.� � - isso o que tu julgas. eu conheci-a melhor no�

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outro dia e surpreendeu-me. - porqu ?� - porque as coisas n o s o t o simples como� � � a gente pensa. ela tem um filho no brasil de quem gosta mais que tudo no mundo. e isso tamb m tem� valor. - por gostar muito de uma pessoa, n o tem que se� odiar o mundo inteiro. - claro. mas a nat ria explicou-me. se ajudasse os ?�vizinhos, nunca mais juntava o suficiente para o tornara ver. julgas que n o lhe custou ser antip tica? tenho� �pena. o rapaz chega daqui a dias. de certo modo, elasacrificou tudo para poder viver esse momento. se morrerno terramoto, foi em v o.� - n o me convences.� quanto mais a irm se recusava a aceitar os seus�argumentos, mais lhe pareciam v lidos.� - tu n o queres compreender. o martinho gosta de�toda a gente. e uma esp cie de amor dilu do e salpicado� �pelas pessoas. ela gosta s do filho, mas com loucura.� amor concentrado. se pud ssemos pesar esses dois tipos de amor numa balan a, n o� � � � sei se n o pesavam o�mesmo! - agora deu-te para filosofias! - e ent o?� - ent o, nada. de resto talvez nem valha a pena�discutir. se falarmos no assunto ao orlando ele ainda sezanga connosco. jo o n o respondeu. na sua cabe a come ava a for-� � � �mar-se outra ideia. e n o queria partilh -la com a irm .� � � - nesse caso acho melhor irmos embora. j estou�farto de estar aqui. ela concordou e foram despedir-se. orlando advertiu: - aproveitem bem estes ltimos dias. lembrem-se�de que est a chegar a hora do terramoto. quero-os aqui�de v spera.� - fique descansado! de regresso estalagem tiveram uma surpresa. bianchardeli esperava-os, bebendo� canecas de vinho aqueci-do para amaciar as cordas vocais. quando viu o jo o,�levantou-se de bra os abertos.�

- anzico mio! que prazer em v -lo!� ele estranhou a visita. antes de se separarem noscorredores do teatro, tinha-lhe dito onde estava hospeda-do. mas nunca julgou que o homem aparecesse por l .�apresentou-lhe a irm e o italiano, muito galante, fez-�-lhe uma v nia profunda e beijou-lhe a m o.� � - signorina! tinha uns gestos amaneirados e c micos!� sentaram-se todos mesa e a criada serviu-lhes�canecas de vinho, p o, queijo. o italiano estava euf rico� �e falava pelos cotovelos: - vim agradecer, porque estou grato! grat ssimo!�sabem que a colarini foi despedida? ah! ah! ah! - porqu ?� - porque a rainha ficou zangada. diz que uma mulherque se mostra em roupa interior diante do p blico n o � � �

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digna de pisar um palco portugu s. mandou despedi-la.�e imaginem l quem que o maestro escolheu para representar o papel principal?� � o entusiasmo era tanto, que se p s a falar em italiano.� - lo! sono io! sou eu! que alegria! os dois irm os estavam perdidos de riso, pois bianchardeli n o dizia uma frase� � sem a sublinhar com trejeitos e gestos delicados. - a ti que devo esta oportunidade, jo o. foste tu� �que me livraste daquela horrorosa colarini. agora vourealizar o maior sonho da minha vida. ser prima donna.e os contratos chovem. hoje mesmo convidaram-me paracantar num sarau em casa de uma fam lia nobre.� - qual? - os teles de meneses. festejam o pedido de casa-mento da filha. jo o e ana trocaram um olhar r pido. qual delas� �seria? e ambos pensaram no pobre anselmo. teresaviolante teria cedido s press es de fam lia? se fosse o� � �caso, o amigo matava-se com certeza. bianchardeli estranhou o sil ncio.� - que se passa? conhecem a fam lia? a not cia� �pareceu perturb -los.� jo o atalhou de chofre:� - n o os conhe o, mas gostava de os conhecer. sabes� �que o meu sonho era entrar numa casa nobre para assistir a uma festa? - nesse caso vem comigo - convidou o italianocom um sorriso aberto. - tu realizaste o meu sonho.que outra coisa posso eu fazer sen o realizar o teu?� a ideia n o podia agradar-lhe mais. dessa forma ser-�-lhe-ia poss vel averiguar qual das raparigas ia ser pedi-�da. e, com sorte, ainda trazia uma cartinha para o anselmo. - direi que s meu ajudante. que preciso de algu m para me arranjar, para me� � compor a cabeleira eassim. importas-te? - n o! o que eu quero ir.� � ana percebera perfeitamente as inten es do irm o.�� �adorava acompanh -los mas nem fez a proposta, sabendo que era complicad ssimo. e� � tamb m n o se importou� �muito. j come ratton prometera ir visit -la. j n o tinham muito tempo para� � � � estarem juntos. seria agrad vel�

um passeio de carruagem. nessa noite, portanto, os irm os separaram-se. jo o� �seguiu com bianchardeli. e ana ficou na estalagemimpaciente. ele apareceria ou n o?�

j come chegou cedo e ficou admirado de encontrar�ana sozinha. nem se atreveu a convid -la para ir�passear, pois se a vissem sair dali com um rapaz, e ainda por cima noite, toda a� gente passaria a dizermal dela. ficaram portanto na sala da estalagem conversa.� ana contou-lhe o que se tinha passado com o cantoritaliano e fartaram-se de rir. - n o valia a pena o jo o afligir-se. anselmo recebeu a carta da namorada. quem� � vai ser pedida em casa-mento a irm .� � - ainda bem! coitado, pode ser que acabem pordeix -los casar.� - duvido - disse j come muito s rio. - n o � � � �

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costume uma menina nobre casar-se com o filho de umindustrial ou de um comerciante, por muito rico que seja.foi um azar o anselmo apaixonar-se assim. h muito�por onde escolher na nossa classe social. e olhou para ela com uma express o elucidativa. ana�corou, envergonhada. para mudar de assunto voltou afalar do irm o.� - de qualquer forma ainda bem que ele foi festa.�adora divertir-se. deve haver raparigas bonitas e petiscos deliciosos. - l isso verdade. mas n o pode falar com nenhum dos convidados. e muito menos� � � participar no banquete. lembra-te de que foi como criado de um m sico!� ela ficou em sil ncio, de olhos baixos. era dif cil� �penetrar naquele mundo de regras t o n tidas. a divis o� � �das pessoas em classes parecia-lhe uma estupidez. seteresa e anselmo tivessem nascido duzentos anos de-pois, n o havia problema nenhum! podiam casar-se � �vontade. j come continuava a fazer coment rios sobre um modo� �de vida que lhe era estranho. - se queres que te diga, nem percebo muito bemcomo que o teu irm o aceitou fingir que criado de� � �um m sico. afinal de contas, voc s s o filhos de um� � �comerciante do porto. tamb m n o podem misturar-se� �com qualquer pessoa. ??que trapalhada de classes e grupos sociais?,, pensou. ??a nobreza, o povo, v rios grupos dentro do povo�que n o se podem misturar... e ainda falta o clero! n o� �entendo como que esta gente sabe sempre o que?pode�e o que n o pode fazer."� mas como era imposs vel explicar a j come o que� �lhe ia na mente, preferiu dizer que sim e pronto. apetecia-lhe muito mais namorar, dizer gracinhas esobretudo ouvir piropos e frases de sentido duplo. erat o divertido!� ??de qualquer forma, vale bem a pena viajar notempo ! ?, o mesmo pensava o jo o, que circulava pelos sal es� �muito calado, discreto, sem perder pitada do que via em

redor. o pal cio estava ainda mais bonito, com as pratas�a reluzir e flores por todo o lado. a ilumina o era��assegurada por milhares de velas que criavam umambiente de conto de fadas. ele e bianchardeli tinhamchegado mais cedo para ensaiarem com os m sicos.�e assim viram a entrada de bernardo, radiante, nervos ssimo. trazia uma caixa de� veludo com um colarde esmeraldas para oferecer noiva. mas antes esteve imenso tempo fechado na� biblioteca com o futuro sogro, a combinarem os detalhes acerca do casamento. faustina aguardava na sala com a m e, os irm os e� �numerosos convidados que foram entrando para assistir cerim nia. estava linda! transpirava alegria por todos� �os poros. quando o noivo surgiu porta, via-se perfeitamente�que o que lhe apetecia era correr para ele. trocaram umolhar c mplice, como quem diz ??at que enfim chegou� �este dia!". a madrinha avan ou ent o com uma fita que cortara� �

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no vestido dela e prendeu-a na lapela do casaco debernardo. a assist ncia aplaudiu alegremente e aguardaram que se ajoelhasse aos� p s da noiva.� faustina encheu o peito de ar. estava t o feliz por�ser o centro das aten es, por ter conseguido o que queria,��que quase desatava ela pr pria s palmas.� � a m e, receando que exagerasse e dissesse alguma inconveni ncia, fez-lhe sinal� � para terminar a cerim nia.� levantaram-se ent o ambos e lado a lado ficaram�a receber parab ns. primeiro dos mais velhos, depois�dos mais novos e s no fim dos irm os. teresa foi a� �ltima. parecia contente, embora tivesse l grimas nos� �olhos. jo o nunca mais a perdeu de vista. seguiu-a durante�o banquete, ficou a observ -la enquanto durou o baile e�teve a certeza de que se sentia infeliz. ??tenho que dizer ao anselmo que ela n o comeu�quase nada e s dan ou com o pai>>, pensou.� � a festa prolongou-se pela madrugada. ningu m arrdava p . os mais velhos, depois� � de provarem sete pratosquentes e dez pratos frios, tudo regado com vinhos domelhor, ca ram pesadamente nos cadeir es estofados. as� �senhoras abanavam-se com leques, os criados serviamcaf , e alguns velhotes adormeceram com a caixa de rap� �em cima do joelho. o baile foi animad ssimo e bianchardeli muito aplaudido.� nas suas andan as, jo o sentiu um al vio imenso� � �quando ouviu a duquesa de cadaval dizer dona da casa:� - sua majestade a rainha ficou muito contente comeste casamento. manda os parab ns e quer que as duas�fam lias v o a bel m passar o dia de todos os santos.� � �pede que estejam presentes na missa das nove. ??excelente>>, pensou. ??se aceitarem o convite salvam--se do terramoto. era um crime morrerem todos depoisde amanh !>> (')� claro que o convite foi aceite. seria mesmo impens vel recusar.� j a noite ia alta, quando algu m prop s:� � �

- se f ssemos jogar s prendas?� � os jovens exultaram. aquela hora era bastante prop cia�para o jogo, porque os pais, os av s, os tios, espalhados�pelas v rias salas e p tios da casa, abrandavam a vigil ncia.� � � reunidos numa sala mais pequenina, rapazes e raparigas sentaram-se em c rculo.� um dos irm os de bernardo ficou no meio, de p . e com ar malandro, apontou� �para uma moreninha com a cara coberta de sinais. - come a tu, francisca.� ela riu-se muito corada. depois disse as primeiraspalavras da lengalenga:

aqui a cidade de roma�na cidade de roma h uma rua�a rua d para uma pra a� �na pra a h uma casa...� �

- agora tu, jos ...� o jogo consistia em dizer muito depressa frasesencadeadas, repetindo sempre a ltima palavra de cada�

(') o terramoto de 1755 deu-se no dia 1 de novembro, dia de

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todos os santos, pelas nove e quarenta da manh . em bel m, a� �terra tremeu mas houve poucos estragos. a fam lia real e todos�os que a acompanhavam n o sofreram nada al m do susto.� �

frase, sem se enganarem e sem hesita es. quando algu m tibuteava ou se esquecia�� � do que havia de dizer,havia gritos, risos e reclamava-se a multa. e a multa que era o verdadeiro motivo do jogo.�ou davam uma prenda, ou sofriam um castigo, comomorder o pr prio cotovelo, enfiar uma agulha de olhos�fechados, ou ent o, beijos!� as raparigas protestavam com esse castigo, mas eraa fingir. no fundo n o queriam outra coisa. as escondi-�das dos pais, inventavam-se regras e nomes. umas vezes tinha que ser ao colo, era o <<beijo fofo>>. ou ent o�por entre as grades de uma cadeira, <<o beijo de freira>>.com uma cortina ao meio chamava-se <<beijo de palco>>.era um pagode! beijos no nariz, beijos de olhos fecha-dos, beijos repenicados, tanto na cara como na boca! aalgazarra n o tinha fim.� jo o espreitava deliciado.� <<este jogo bastante mais interessante do que pare-�cia primeira vista>>, pensou de si para consigo. <<os�castigos n o podem ser mais agrad veis. se eu entrasse,� �propunha variantes. o "beijo de creme", por exemplo.ou seja, comer um bolo a meias sem o segurar com asm os...>>� olhou ent o para as meninas, escolhendo mentalmente�a que gostaria de ter como parceira. a mais nova dogrupo, ruiva, sardenta, de olhar atrevido, servia muitobem. <<que rica mistela hav amos de fazer. beijos com sabor�a baunilha! hum ! >> s uma das raparigas se mantinha parte. teresa� �violante n o jogava. ria-se com os outros mas sem grande�

alegria. sentada por tr s da irm , assistia s brincadeiras com a condescend ncia� � � � de uma pessoa maisvelha. jo o n o foi nico a observar aquela atitude. o tio,� � �miguel teles de meneses, ficara de atalaia ao jogo porcausa das filhas. desde que enviuvara sentia-se na obriga o de as vigiar.�� margarida e leonor eram pouco maisnovas do que as primas. no entanto n o foram elas que�lhe prenderam a aten o. a sobrinha, teresa violante,��estava encantadora. h muito tempo que n o reparava� �nela. agora n o conseguia desviar os olhos do cabelo�loiro, das fei es perfeitas.�� <<fez-se uma linda mulher! como que ainda ningu m a pediu em casamento?"� � ao v -la t o ajuizada, t o senhoril, come ou a encarar a hip tese de a pedir� � � � � ele. por que n o? ficara vi vo h mais de um ano. era altura de refazer a sua� � � vida.e quem melhor do que uma sobrinha para o consolar?pessoas da mesma fam lia sempre se entenderam bem.�naquele caso, a diferen a de idades at era uma vantagem. teresa n o parecia� � � apreciar brincadeiras juvenis.decerto preferia a seguran a e a estabilidade de um�homem mais velho.

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um leque ca do no ch o interrompeu-lhe os pensamentos. teresa deixara cair o� � leque. o filho do marqu s�de tancos apressou-se a apanh -lo e a devolv -lo dona� � �com um sorriso insinuante. aquela cena muito simplesteve um efeito instant neo.� <<vou falar hoje mesmo com o meu irm o", decidiu.�<<n o espero mais."� j se ouviam os p ssaros a cantar anunciando a manh ,� � �quando sa ram os ltimos convidados. teresa e faustina� �n o podiam ir para a cama porque as primas ainda l� �estavam, portanto, desafiaram-nas. - vamos copa ver se sobrou pudim de caramelo.� - vamos. estou cheia de fome! criados e escravos, com as p lpebras inchadas de sono,�arrastavam m veis, lavavam loi a, retiravam travessas, pratos, copos, circulando� � pela casa como almaspenadas. bianchardeli sa ra mais cedo. jo o pediu-lhe que o� �deixasse ficar e fingiu-se ocupad ssimo com a limpeza e�arruma o dos instrumentos musicais. ningu m reparou�� �nele. o que queria era receber um bilhete para anselmo, pois teresa reconhecera o mensageiro e fizera-lhesinal. mas at quele momento n o fora poss vel passar-� � � �lho para as m os.� <<n o saio daqui sem levar a carta. d l por onde� � �der, hei-de conseguir." o dono da casa tinha-se fechado na biblioteca com oirm o. henriqueta estranhou.� o cunhado n o era pessoa para noitadas. desta vez,�ficara at ao fim. e agora, ainda por cima, resolvera�conversar com diogo em particular. que assunto t o�urgente seria esse? estava cansad ssima. queria-se deitar. mas ardia em� curiosidade. quando o marido abriu aporta juntou-se-lhes e perguntou: - h algum problema?� - n o. o miguel acaba de me pedir a m o de teresa� �

violante. quer refazer a vida e ter um filho rapaz. j�dei o meu consentimento. henriqueta exultou. - gra as a deus! que grande alegria.� lisonjeado com a reac o, miguel aproximou-se e��apertou-lhe as m os, carinhoso.� - nunca houve melhor cunhada, nunca haver melhor�sogra! o acordo foi selado com abra os e entusiasmo geral.�diogo queria chamar a filha imediatamente, mas miguelpensou nas suas e achou melhor dar-lhes a not cia em�casa, com calma. as raparigas s vezes t m umas coisas� �dif ceis de entender. portanto insistiu:� - amanh falas com ela. a esta hora est cansada,� �cheia de sono. o que quer dormir.� depois de uma dose redobrada de pancadinhas nascostas, dirigiu-se copa.� as meninas acabaram pressa uma fatia de bolo e�despediram-se. antes de se retirar, miguel olhou a sobrinha de soslaio. - fiz bem. fiz muito bem! que linda mulher! assim que o viu pelas costas, henriqueta arrastou o

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marido para a sala. - eu n o resisto, diogo! vou contar Teresa o que� �decidimos. - porqu ?� - porque no fundo receio que esteja triste. ver airm mais nova casar primeiro, deve ser duro para uma�rapariga. - voc s que quiseram assim...� � - isso agora n o interessa! s. sebasti o ouviu-me e� �resolveu tudo. de certo modo, foram pedidas no mesmodia, j reparaste? ah! meu rico s. sebasti o!� � jo o que escutara a conversa entre marido e mulher,�ficou em pulgas. agora mais do que -nunca precisava deajudar os namorados. e, servindo-se da experi ncia anterior, enfiou-se atr s� �do reposteiro.

quando teresa violante foi informada de que tinham decidido cas -la com o tio ia� morrendo. - casar com o tio miguel? - perguntou ainda semquerer acreditar no que ouvia. - eu? os pais n o esperavam aquela reac o. teresa gostava muito do tio e das primas.� �� por que motivo se punhaagora com esquisitices? - ent o n o uma sorte ele ter-se lembrado de ti?� � � - uma sorte? prefiro morrer! - e debulhou-se eml grimas. - um velho. tem idade suficiente para ser� �meu pai - gritava. - n o caso! n o caso com ele!� � - ora, ora. s o s vinte e tr s anos de diferen a-� � � �atalhou a m e a quem isso n o fazia confus o nenhuma,� � �pois ela pr pria era vinte anos mais nova que o marido.� teresa deixou-se cair numa poltrona, com o corpoagitado por solu os.� - uma monstruosidade. n o quero ser madrasta� �das minhas primas! - porqu ? voc s s o t o amigas desde pequenas.� � � �

ficavam a viver juntas na quinta de campolide. a casa linda e os jardins ent o nem se fala.� � - sempre gostaste de as visitar, n o percebo agora�a tua atitude. a m e inclinou-se para ela e afagou-lhe os cabelos.� - eu compreendo. ainda n o te habituaste ideia.� �est s nervosa. mas pensa bem. o tio n o tem filhos� �rapazes. se lhe deres um var o ele faz de ti a mulher�mais feliz do mundo. teresa levantou os olhos, estarrecida. ter filhos dotio? que horror! incapaz de dizer fosse o que fosse,afastou o bra o da m e, ergueu-se de rompante e fugiu� �porta fora. o pior foi que das pregas do vestido caiu um papeldobrado. . . atr s da cortina, jo o ficou sem pinga de sangue.� �a carta! s podia ser a carta para anselmo. e imaginava a melhor maneira de lhe� deitar a m o, quando o pai,�desconfiado, pegou no papel, arrancou a fita e p s-se a�ler em voz alta: - anselmo, meu amor...

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uma onda de indigna o fez-lhe subir o sangue �� �cara e ficou escarlate. as veias da testa latejavam quasea rebentar. abriu e fechou a boca v rias vezes sob o�olhar espavorido da mulher. - diogo... - balbuciou. - diogo... hirto, apopl ctico, ele limitou-se a estender-lhe a carta.�henriqueta violante lia muito mal. e ainda por cimacom o olhar embaciado. as letras dan avam sobre o papel!�fez um esfor o inaudito para compreender o que tinha�diante de si. e medida que ia juntando frases, corava�de vergonha. a sua filha escrevia a um desconhecido,falando-lhe de amor! quem seria o diab lico anselmo�que tinha enfeiti ado teresa a ponto de a fazer esquecer�as origens, e dizer coisas t o pouco pr prias como ??tenho� �tantas saudades tuas que nem consigo dormir"? muito p lido, diogo retomou o tom de chefe de�fam lia.� - queima essa carta imediatamente. n o quero que�ningu m saiba o que se passou.� - meu deus. meu deus! uma rapariga t o ajuiza-�da... - a culpa tua - disse, g lido.� � a pobre reagiu como se tivesse apanhado um murrono est mago.� - minha? a culpa minha? porqu ?� � - n o a educaste como devias. foste tu que deixaste�o padre greg rio dar-lhe li es.� �� atarantada, henriqueta percebia cada vez menos. paraque era ali chamado o padre greg rio? vivia com eles�desde sempre e era incapaz de fazer mal a uma mosca.velhinho, tr pego, m ope, passava a vida na capela a� �rezar, ou na sacristia a ler hist rias t o lindas, de milagres, de santos. j� � � tinha sido ele a baptizar diogo. edepois os filhos todos da casa, os filhos dos criados, dosescravos. e que alegria quando lhes dava a primeiracomunh o! era o anjo-da-guarda das crian as, que o� �adoravam.

- o padre greg rio? - repetiu v rias vezes.� � - sim. tu quiseste que ele ensinasse a ler s meninas. bem contra a minha� vontade. a leitura e a escritas o coisas pr prias para filhos de comerciantes. n o se� � �destinam a meninas nobres. - diogo...� - o resultado est vista!� � a mulher baixou os olhos, e ele continuou, perempt rio:� - s h uma solu o. vou dizer ao miguel que a� � ��teresa n o casa com ele porque vai para o convento. a�tua filha que se prepare, porque amanh mesmo entra�nas trinas. henriqueta largou a chorar. as ora es da irm tinham sido mais fortes do que as�� � dela. no dia seguinte,clara de jesus receberia a sobrinha no convento ondeera abadessa. j podia imaginar o seu sorriso de vit ria.� �oh, se pudesse, como gostaria de a esbofetear! jo o viu os donos da casa abandonarem a sala transtornad ssimos. e tratou de se� � p r ao fresco o mais de-�pressa poss vel. quela hora j n o era dif cil. os poucos criados que ainda n o� � � � � �

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dormiam andavam l para�dentro, na cozinha. abriu a janela e saltou. quando seviu na rua, pernas para que te quero!, correu para a�estalagem num grande alvoro o. mas a meio do caminho mudou de ideias. era preciso� prevenir anselmo.embora fosse muito cedo, tinha a certeza de que ele lheagradeceria. dirigiu-se ent o para casa da fam lia cruz, que ainda estava mergulhada no mais� � absoluto sil ncio. no�entanto n o desistiu. deu a volta ao jardim, na esperan a de encontrar algu m. um� � � velho cocheiro madrugadorescovava o p lo de um cavalo preto, assobiando baixinho. jo o aproximou-se das� � grades, chamou-o e disse-lhe ao que vinha. o homem n o queria acordar o�filho mais novo do patr o s cinco horas da manh !� � �mas quando ouviu que se tratava de um caso de amor,riu-se e encolheu os ombros. talvez fosse melhor fazer--lhe a vontade. quando se trata de saias a rapaziada per-de a cabe a. deixam de comer, deixam de dormir e�correm atr s delas em desvario, tanto de dia como de�noite. - est bem! est bem! espera a , que eu volto j .� � � � anselmo apareceu pouco depois. vestira-se pressa�e na cara p lida desenhava-se um vinco profundo provocado pelas rendas da� almofada. - aconteceu alguma coisa? atropelando as palavras, jo o p -lo ao corrente de� �tudo. a express o do amigo foi-se transfigurando. pelos�olhos verdes habitualmente mansos passou ang stia, medo,�afli o, raiva, dio, desespero.�� � - vem comigo! - pediu. - preciso de ir procura da nica pessoa que me pode� � ajudar. - quem ?� ele n o respondeu. com a voz r spida ordenou ao� �cocheiro que aparelhasse dois cavalos. jo o n o se fez rogado. p s o p no estribo e upa!� � � �escarranchou-se no lombo de um animal t o nervoso�quanto veloz. segurou as r deas com for a e seguiu atr s� � �

de anselmo. primeiro a passo, depois a trote e depoisnum galope desenfreado, encaminharam-se para a coto-via. o piso era horr vel, ngreme, esburacado, irregular,� �cheio de silvas e pedregulhos. foi o cabo dos trabalhospara se manter direito na sela! com os joelhos aperta-dos e r dea curta, mordia os l bios.� � ??se continuarmos a esta velocidade estoiro-me daquiabaixo. que loucura!" de s bito o cavalo da frente estacou com um relincho e z s!, o anselmo foi� � projectado por cima da cabe a e caiu no ch o. mas em vez de ficar estendido,� � desapareceu pela terra adentro. jo o parou imediatamente.� - !��� o cavalo empinou-se nas patas traseiras, deu umestic o mas acabou por se deter, permitindo que o cavaleiro se apeasse pelos seus� pr prios meios.� - anselmo! anselmo! - chamou. respondeu-lhe um gemido abafado: - hum... - onde est s?�

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o dia j clareava e p de ver um buraco semicoberto� �de ramos e folhas. parecia mesmo uma armadilha.o amigo tinha ca do l dentro.� � - espera que eu ajudo-te. ajoelhou-se e esticou o bra o. mas n o era f cil. com� � �uma corda seria melhor. entretido a afastar os ramos que cobriam a aberturan o deu conta de que v rios maltrapilhos surgiam por� �tr s das rvores e caminhavam silenciosos naquela direc o. uma restolhada f -lo� � �� � levantar a cabe a e s ent o� � �viu que estavam cercados. - a bolsa ou a vida! - ordenou algu m nas suas�costas. os outros olhavam-no com ar feroz. n o havia qual-�quer hip tese de fuga. o melhor era dar o dinheiro�depressa a ver se eles se iam embora. levou a m o ao�cinto e entregou-lhes a bolsa de moedas sem articularpalavra. - puxem o que est dentro da cova, que tamb m� �deve ter ??recheio"... aquela voz! jo o reconhec -la-ia em qualquer parte.� �era o lobo. j se preparava para se dar a conhecer,�quando dois matul es i aram anselmo e, sem esfor o� � �vis vel, o depositaram no solo.� - o senhor? viraram-se todos para o chefe. e estranharam, poisval rio, o lobo, mudara totalmente de express o e a� �boca abriu-se-lhe num sorriso amigo, acolhedor. anselmo p s-se de p . os dois� � homens abra aram-se, como-�vidos. fez-se sil ncio. ningu m questionava as atitudes do� �chefe portanto, embora a cena os deixasse perplexos, n o�perguntaram nada. foi val rio quem explicou, quando�muito bem entendeu: - este senhor filho da minha madrinha. fui cria-�do l em casa desde que nasci, at que me deitei ao� �mundo. somos amigos. e tenho para com a fam lia uma�d vida de gratid o. onde eu estiver, ningu m lhes toca� � �

nem num cabelo! ainda n o tinha acabado a frase e j o maltrapilho� �devolvia a bolsa ao jo o. ele sorriu-lhe, olhando-o bem�de frente para ver se era algum dos que conhecera naquela noite fabulosa. mas n o.� eram outros companheiros. a quadrilha devia ser enorme! val rio ordenou-lhes que refizessem a armadilha e�deixando-os ocupados com pedras, folhas e ramos afastou-se sempre de bra o dado� com o amigo. ficaram a conversar junto dos cavalos. jo o deu-se a�conhecer e foi a vez de anselmo se mostrar surpreendido. - com esta que eu n o contava! conheces o� �manuel? - conhece. e os amigos do meu filho s o meus�amigos tamb m.� as explica es vieram depois. mal a hist ria ficou�� �completa, val rio apresentou um plano.� - muito simples. organiza-se um rapto.� - o pior que a casa est bem guardada! - disse� �o jo o. - n o deve ser f cil entrar l dentro.� � � �

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- ora, n o h porta, nem grade, nem guarda que� �nos detenha. mas a minha ideia n o era essa. tenciono�armar uma emboscada. - como? - fazemos uma espera carruagem e quando forem a passar saltamos-lhe em cima.� enquanto os outrosseguram cavalos e cocheiros, eu trago-lhe a menina. estejao senhor a postos para a levar, que eu trato do resto. os seus olhos obl quos tiveram um lampejo met lico� �e a boca entreabriu-se deixando mostra os dentes de�lobo. n o havia d vida de que a perspectiva lhe agradava.� �passou a l ngua pelos l bios, num trejeito guloso, e o� �jo o pensou:� ??o aventureiro antecipa o sabor da aventura! estehomem adora correr perigo!" e era verdade. mas naquele caso, outro elemento sesobrepunha. val rio idolatrava a fam lia cruz. fazer� �qualquer coisa para os ajudar, enchia-lhe a alma deregozijo. sempre o tinham tratado bem. ele que n o� �aguentara: ser criado para o resto da vida. sentia-se mala receber ordens. e sufocava pelo facto de dormir todasas noites debaixo do mesmo tecto. um dia fugiu semdizer nada a ningu m. vagueou pelas ruas, dormiu ao�relento, passou fome, com uma sensa o estonteante de��liberdade. depois juntou-se a um bando de lar pios onde�n o tardou a impor-se como chefe. a sua fama cresceu�tanto que lhe atribu am proezas incr veis, muitas das quais� �n o fizera, nem mesmo lhe passavam pela cabe a.� � um dia, numa sarrafusca com outro bando, foi feri-do numa perna. o golpe infectou. cheio de febre, comdores horr veis, n o se lembrou de outro s tio onde pedir� � �ajuda sen o em casa da madrinha.� a senhora recebeu-o como se ele tivesse sa do na�v spera. deixou-o ocupar o antigo quarto, tratou-lhe a�ferida com pensos de ervas e gua a escaldar. nunca fez�perguntas. e se ouviu o que dizia em del rio, n o fez� �reparos. era uma santa.

quando recuperou as for as, fugiu de novo sem se�despedir nem agradecer. mas jurou aos quatro ventos: ??podem contar comigo para o resto da vida!?, e assim foi. j lhes valera noutras ocasi es. agora� �ia raptar teresa.

clara de jesus estava radiante. a sobrinha mais velha ia entrar para o convento. finalmente uma pessoa defam lia entre as suas freiras! s n o percebia por que� � �motivo n o a tinham avisado mais cedo. assim era obrigada a arranjar tudo � � pressa. escolheu o melhor quarto dispon vel, mandou fazer�a cama com len is de linho, p r flores nas jarras e foi�� �ela pr pria buscar sacristia uma linda imagem de santa� �clara para enfeitar a mesa-de-cabeceira. depois chamouuma das irm s conversas e pediu:� - traga um pratinho com doce de ovos. e licor detangerina. quando ficou s , encostou se janela com um sorri-� �

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so nos l bios. teresa ia gostar de viver ali. o convento�era grande, espa oso, rodeado por um jardim magn fico.� �a gua jorrava com abund ncia para o tanque de pedra� �onde nadavam oito peixinhos vermelhos, um dourado eum preto. havia muitos canteiros de flores, horta e pomar.a capela, com os seus altares de talha dourada e grandes pain is de azulejos� revestindo as paredes, n o ficava�atr s de qualquer igreja matriz.� havia regras a cumprir, mas n o eram r gidas. desde� �que assumira o cargo de madre superiora tinha feito tudoo que estava ao seu alcance para que as freiras se sentis-sem bem. pensava igualmente nas novi as, que se pre-�paravam para tomar o v u. nas criadas de quarto e damas�de companhia que traziam consigo. nas irm s conversas, encarregadas de servi os� � grosseiros. sob a sua orienta o, mais compreensiva do que��austera, a exist ncia decorria sem sobressaltos, entre�c nticos e ora es, jardinagem e do aria. e fechava os� �� �olhos ao sentimentalismo rom ntico das que recebiam�no parlat rio (1) os seus apaixonados. de qualquer forma, s os podiam ver atrav s� � � das grades. n o vinha mal�ao mundo se aceitavam presentes ou, se num arrebatamento moment neo, chegavam ao� ponto de lhes afagara m o!� - madre superiora! madre superiora! ela voltou-se ansiosa. - o que foi? j chegaram?� - n o! n o! - respondeu a irm Cec lia muito aflita.� � � �- n o !� o corpo tremia-lhe como varas verdes e os dentespareciam castanholas.

(') o parlat rio era o local onde as freiras podiam receber�visitas. nesta poca o parlat rio tinha uma grade ao meio.� �

- que grande desgra a! que grande desgra a!� � do corredor surgiram mais duas, agitad ssimas tamb m.� � - assaltaram a capela! - roubaram um altar!

- venha ver, venha ver! que grande desgra a!� clara de jesus n o teve outro rem dio sen o segui-las em passo acelerado, pois� � � as pernas j n o lhe permitiam correr.� � o altar de santa rsula estava vazio. nem candelabros, nem casti ais, nem� � lamparina. - os ladr es s deixaram a imagem.� � - h o-de ser castigados com o fogo do inferno.� - malditos. ela ficou perplexa. algu m se introduzira ali depois da missa das seis, e levara� as pratas do altar.no entanto, n o tinham tocado numa s pe a do altar� � �de santo ant nio que ficava ao lado e era muito mais�rico! - que estranho - murmurou. - n o entendo.� - j viu isto? - disse cec lia indignada. - santo� �ant nio protegeu as coisas dele e e n o quis saber das� �dos outros! clara n o fez caso. aquilo era um disparate. o assaltante devia ter-se assustado�

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com qualquer ru do e fugira� pressa. ou ent o era algum devoto de santo ant nio.� � � - bom, n o h nada a fazer. acalmem-se.� � as irm s ajoelharam para rezar. mas estavam t o� �indignadas que n o conseguiam remeter-se ao sil ncio.� �assim que viram a madre superiora pelas costas, recome aram os cochichos.�cec lia p s-se a ralhar com o santo.� �- isso faz-se? e, num rompante, esticou o bra o e virou a imagem�para a parede. - fica muito bem assim! de castigo. para a outravez cumpra as suas obriga es!�� o badalo veio interromper a conversa. a irm porteira levantou-se apressadamente� e foi abrir. era freicaracol do deserto. - posso falar com a madre joana? ela olhou-o de alto a baixo, antes de responder. todosos dias apareciam ali visitantes. pessoas de fam lia, criadas velhas, pobres de� pedir. mas tamb m n o faltavam� �homens, geralmente rapazes novos a quem chamavamfreir ticos por se terem apaixonado por uma freira. muitos�eram fidalgos, outros do povo, ou ent o frades. a irm� �porteira conhecia-os muito bem. sabia at qual o motivo que fazia correr as� eleitas para o parlat rio. este era�alto e forte, um peda o de homem. aquele, de tipo mais�enfezado, tinha uns olhos t o meigos e dizia palavras�t o lindas, que dava gosto. agora o caso da madre joana, ela n o entenderia nunca!� � tratava-se de uma meninafina, rica, que recusara v rios pretendentes para se enfiar num convento, dizendo� que tinha verdadeira voca o. e afinal de contas perdera a cabe a com a figura�� �mais repelente que alguma vez se encostara s grades�do parlat rio!� ao pensar nisso at sentia calafrios. frei caracol do�deserto nem sequer tinha nome, s tinha alcunha. de�l bio h mido e olhar l brico, calcorreava l guas e l guas pedindo esmola para as� � � � � almas do purgat rio. dormia onde o acaso o levasse, com o corpo estendido na�palha e a cabe a sobre qualquer mont culo de folhas secas.� �

orgulhava-se de ter uma pele t o rija que resistia s pulgas� �e s urtigas.� trazia vestes esfarrapadas, imundas, com uma algibeira exterior a abarrotar de medalhinhas bentas. cheirava a sebo. - creio que est ocupada - disse por fim. - acho�que n o o pode atender.� o raio do homem, em vez de se afastar, chegou-semais, passou a ponta da l ngua pelos l bios e insistiu:� � - pode, sim. diga-lhe que vim de prop sito para�lhe oferecer um par de pombas brancas. - pombas brancas? e onde que elas est o?� � com gestos de prestidigitador, retirou da algibeira duaspombinhas de papel. - aqui. que parvo ce! como que a madre joana aguentava� �aquilo? in-itada, encolheu os ombros e deu meia volta. j�sabia que se n o a chamasse, f?icaria zangad ssima.� � ??albarde-se o burro vontade do dono", pensou.� frei caracol do deserto ficou s na penumbra fresca e cheirosa do parlat rio.� �

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sentou-se num banco demadeira e encostou a cabe a parede com um suspiro� �de felicidade. n o tinha fam lia e o nico amigo, frei umbigo dos� � �desgostos, levava a mesma vida errante e miser vel,�abrigando-se em palheiros ou casas abandonadas comoum vagabundo. n o se podiam ajudar em nada e a�amizade limitava-se, no fim de contas, companhia.� andavam juntos pelo mundo, descal os, indolentes,� pedinch es. uma vida triste. mas nenhum deles aguentava as regras do convento� nem eram capazes de ficar muito tempo no mesmo s tio.� os momentos passados no parlat rio representavam�? uma pausa deliciosa nas suas caminhadas. ele para um? lado e frei umbigo para outro, faziam regularmente declara es de amor s freirinhas que por qualquer motivo�� � inexplic vel n o resistiam aos seus encantos.� � n o tardaria que joana aparecesse do outro lado da� grade, com as faces empoadas para ficar mais bonita. trazia-lhe sempre am ndoas, doces de ovos, licor de� p ssego e de tangerina. depois ficava a v -lo comer,� � muito terna, sol cita, discreta.� diziam frases sem nexo, entrecortadas de suspiros e retic ncias amorosas. s vezes tocava-lhe na face com a� � ponta dos dedos e l vinham as censuras, remorsos,� afli es. era uma paix o profunda, absurda, fren tica,�� � � mas que lhe dava muito jeito. sempre que a fome se tornava insuport vel, batia-lhe porta. o encontro era� � breve, meio secreto, bastante pateta. mas ficavam os dois satisfeit ssimos.� a irm porteira que n o levava aquilo paci ncia!� � � � � quando tinha de contribuir para tais encontros ficava maldisposta. procurava ent o a irm Catarina, que era a� � pessoa ideal para ouvir desabafos. fosse o que fosse que lhe dissessem, estava de acordo. abanava a cabe a ora� dizendo que sim, ora que n o, deixando que os olhos se� tornassem risonhos, tristes, alegres e derramassem indigna o, contentamento,�� reprova o ou pena conforme os��

desejos da interlocutora. ao terminarem a sua hist ria�as pessoas sentiam um al vio imenso. um al vio duplo,� �porque catarina, al m de concordar sempre, parecia�esquecer tudo no mesmo minuto. vinha porta da cela despedir-se com o sorriso leve�e feliz de uma crian a. depois retomava a sua tarefa�preferida. a nica a que dava verdadeira import ncia.� �fazer roupas novas para as imagens dos santos. a irm porteira foi encontr -la ocupada com� �min sculas camisinhas de seda, rendas e bordados.� - estou a arranjar fatinhos para o menino jesus! -- disse, com um olhar radioso de felicidade. - o natalest porta.� � e indicou a imagem de loi a deitada na manjedoura.� - nunca na vida vestimos o menino do pres pio!�sempre ficou nu. - pois . mas eu estive c a pensar. na noite de� �natal est bem que fique nu, porque costume. a seguir pod amos vesti-lo. n o se� � � � desarma o pres pio at� �

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dia de reis. muito tempo. e faz frio!� tal qual uma menina com a sua boneca, tomou aimagem na palma na m o e exclamou:� - t o lindo, coitadinho!� � seria uma crueldade aborrec -la com cenas de parlat rio! pela primeira vez a� � irm porteira n o disse ao� �que vinha e ela tamb m n o perguntou.� � - melhor ir ver se a madre superiora precisa de�ajuda. est t o entusiasmada com a chegada da sobrinha� �que n o pensa noutra coisa.� o sol coado pelas janelas muito pequenas do corredor provocava um estranho jogo de luzes e sombra,transformando aquela superf cie de pedra lisa numa esp cie� �de caminho sombrio e misterioso, com recantos claros eescuros, que assustava as novi as. para ela j n o tinha� � �novidade. entretida com os seus pensamentos, seguiu emfrente. como ser a tal teresa violante? e que motivo a�levar a entrar para o convento? voca o religiosa?� ��problemas com o dote?(1) provavelmente trata-se de umdesgosto de amor. ningu m resolve mudar de vida assim t o de repente!>>� � o mesmo dizia faustina em altos gritos, penduradaao pesco o da irm .� � - quero saber a verdade! por que que te vais�embora? ontem estavas t o contente na festa. n o pode� �ser! n o pode ser!� a m e chorava em sil ncio. o irm o assistia cena� � � �mudo de espanto. a casa nunca mais seria a mesma semas raparigas. uma ia casar. a outra para o convento.que tristeza infinita lhe invadia o cora o!�� teresa mantinha-se hirta, im vel, branca como a cal�da parede. deixou-se abra ar, beijar, sem uma l grima.� � a carruagem aguardava no p tio. j tinham carregado malas e ba s com o enxoval.� � � os cavalos raspavam

(1) quando uma menina nobre casava, o pai dava-lhe um dote,

que consistia numa avultada quantia em dinheiro ou propriedades da fam lia. se o� pai estava em apuros e n o podia dar um dote condigno, era dif cil encontrar noivo� � na mesma classe social. restavam ent o duas hip teses. ou o casamento com um jovem� � de classe social inferior, ou o convento. a maior parte das fam lias optava pelo� convento.

os cascos no ch o, impacientes, nervosos. e o cocheiro,�de jaqueta vermelha e cabelo empoado, limpava as portinholas onde o dono da casa mandara pintar uma paisagem de tons suaves. estava triste. ningu m lhe explicara� coisa alguma, mas tanto ele como os outros criados eescravos pressentiam uma trag dia amorosa por tr s da� �decis o. tinham pena da menina. era boa, simp tica,� �demasiado nova e bonita para se ir enterrar entre quatroparedes. a ama apareceu desfigurada pelo choro. n o podia�imaginar a vida no palacete sem a teresinha, portantoia tamb m. instalaram-se as duas frente a frente, de olhos�baixos, em sil ncio.� estalou o chicote, a carruagem p s-se em marcha com�um solavanco e partiram. teresa deitou um ltimo olhar�

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casa do pai. faustina e raimundo solu avam abra ados m e. um pouco adiante,� � � � � alexandrino dizia adeuscom um len o branco. as l grimas rolavam-lhe pela cara� �a quatro e quatro. mas habituado a dominar-se, n o emitia�nenhum som. as saudades vieram todas de uma vez e cravaram-se-lhe no peito com tal viol ncia� que n o aguentou mais!�rompeu num pranto convulsivo. - anselmo! - murmurava. - anselmo...

anselmo estava em p nico. quanto mais se aproximava a hora do rapto mais lhe� parecia imposs vel ser�bem sucedido. o lobo tentava descans -lo.� - j hoje passei numa igreja a rezar ao meu santo.�vai correr tudo bem. n o confia em mim?� mas o pobre rapaz nem respondia. tinha as m os�suadas, o cora o aos pulos e via tudo enevoado. a ideia��de apertar teresa nos bra os e fugir com ela provocava-lhe arrepios quentes pelo� corpo. mas se o assalto n o�resultasse? nesse caso nunca mais a via. - prefiro morrer! - h ?� - nada, nada. desculpa. estou nervoso. val rio olhou para ele com uma esp cie de superioridade condescendente. nunca se� � apaixonara por ningu m.�ignorava o que fosse perder o sono e o tino por causade uma mulher. e orgulhava-se disso. mas n o era o�primeiro que via na sua frente a tremer de paix o. e�gostava do anselmo. estava ansioso por lhe trazer a noiva.tencionava atirar-lha para o rega o e ficar a v -los ir,� �com um sorriso de vit ria.� <<n o h quem me segure!", pensou. <<bem podem� �mandar guardas que eu dou cabo deles. sozinho derrubotr s ou quatro se preciso for. e tenho o cotovio para me�ajudar. aquele perna de pau vale mais que uma d zia�de navalhas. oh, se vale!?,

o grupo aguardava num atalho de onde podiam saltar ao caminho para deter a carruagem. n o tinham�conseguido muni es, por isso utilizariam apenas pedras,��navalhas, varapaus. o lagarto trazia consigo um martelo que costumava prender a uma corda para o poderarremessar e recolher sempre que quisesse. agachadospor tr s de uma moita, ferviam de excita o. ningu m� �� �piava e o sil ncio ia aumentando a ansiedade. de vez�em quando, o maneta encostava o ouvido no solo paratentar captar os ru dos dist ncia. val rio andava para� � � �tr s e para diante, entre a quadrilha emboscada e o amigo�a quem ordenara: - haja o que houver, n o se apeia! assim que�raptarmos a menina, trago-lha aqui e o senhor foge comela na garupa para bem longe. anselmo tentou argumentar. n o se sentia muito bem,�escondido l atr s como um cobardolas. mas o outro� �insistira: - o senhor n o tem pr tica destas coisas e s� � �atrapalha. fique l quietinho que eu sei o que estou�fazer.

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estavam eles nesta conversa quando viram a m o�escamosa do lagarto acenando ao longe. era o sinal. - chegou a hora! - disse o lobo, j de partida.�- vamos atacar. medida que se aproximava do local parecia transformar-se num animal feroz. os� olhos diminu am de�tamanho, as fei es encolhiam, a boca repuxada num��ricto selvagem deixava os dentes mostra, brancos,�pontiagudos. - s o muitos - informou o maneta, que se mantinha de ouvido colado ao ch o. - a� � carruagem trazescolta. pelo menos mais seis ou sete cavalos. o chefe n o hesitou.� - tu, lagarto, p e-te a frente. atinge o cocheiro� � �com o martelo e toma conta das r deas. enquanto eu�saco a rapariga, voc s atiram-se aos criados para me�protegerem a fuga. ningu m teve d vidas a esclarecer. h muito que� � �actuavam juntos e j n o era a primeira vez que faziam� �um rapto por encomenda. o tropel dos cavalos aproximava-se da encruzilhada.em posi o de ataque, continham a respira o, de m sculos tensos e olhar alerta.�� �� � bastaria um atraso de segundos para falhar todo o projecto. embora aquele fosseum trabalho de equipa, era necess rio que cada um agisse�por si, com coragem, iniciativa, rapidez. o sol j se tinha posto e os caminhos enchiam-se de�sombras assustadoras. - j l v m!� � � - schut! <<catapam... catapam... catapam...?, quando as cabe as dos cavalos assomaram por tr s� �de uma lomba, lagarto ergueu-se de um pulo, fez rodaro martelo para ganhar velocidade e z s!, desfechou uma�pancada violenta que atingiu n o o cocheiro, mas o cavalo�da esquerda 'o animal empinou-se espavorido, a carruagem oscilou sobre as rodas e recuou com o estic o para�cima de um pedregulho. a roda traseira partiu-se, a ama

foi projectada para fora e estatelou-se ao comprido.sucedeu-se uma gritaria infernal. os criados n o perceberam logo o que se passava� e hesitaram sem saber aquem socorrer em primeiro lugar. jos precipitou-se sobre�o corpo inerte de genoveva, receando que tivesse morrido. os outros apearam-se tamb m, julgando tratar-se�apenas de um acidente. foi nesse momento que a quadrilha lhes caiu em cima. colhidos de surpresa, procuraram defender-se gritando: - socorro! socorro! - ai! - acudam ! mas o local tinha sido bem escolhido, pois dali ningu m os podia ouvir.� gil como um lobo, val rio p s o p no estribo� � � �da carruagem, abriu a porta e estendeu os bra os para�teresa violante que, quando o viu, quase desmaiou deterror! - n o me mate! - implorou. - tenha piedade de�mim! - esteja quieta que n o lhe acontece nada.� e com um gesto brusco, enla ou-a pela cintura.�

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teresa julgou que tinha chegado ao fim dos seus diase fechou os olhos. sentiu-se transportada pelo ar comose voasse pendurada por uma correia. plantas espinhosasrasgaram-lhe o vestido e arranharam-lhe a cara at fazer�sangue. que lhe quereria aquele homem maldito? atordoada, viu-se de repente sobre o pesco o de um�cavalo. dois bra os ternos envolveram-na ent o.� � - sou eu, teresa. vamos fugir! na sua frente estava anselmo, t o perto como nunca�julgara poss vel! muito direito na sela, segurava as r deas, mantendo-a apertada� � de encontro a si. esqueceu o rapto, o perigo que corriam e deu-lhe um beijo e foi como se o mundo inteiro tivesse desaparecido e ambos flutuassem a muitos metros do ch o.� val rio, inquieto, despertou=os do sonho com uma�valente palmada na garupa do cavalo, que partiu desfilada.� - fujam! fujam depressa! e para bem longe delisboa! receando cair, teresa abra ou o companheiro e deixou-se levar a galope pelos� campos fora. ia t o feliz!� na estrada ressoavam ainda sons de pancadaria e gritosde dor. jos conseguira escapar, arrastando a ama consigo. mas os outros,� apercebendo-se de que teresa foraraptada, continuavam envolvidos na luta, tentando? desesperadamente recuperar as montadas para lhe irem noencal o. mas era imposs vel. o bando fechara um c rculo� � �e funcionavam como um aut ntico polvo de mil bra os.� �cotovio jogava enormes calhaus em todas as direc es,��que acertavam em cheio nos que tentavam fugir. maneta servia-se de um pau ferrado para distribuir bordoadaa torto e a direito. lagarto, com o seu martelo rodopiante, ora enrolava tr s ora� derrubava dois, soltandoaut nticos urros de satisfa o.� �� lobo deixou-os prosseguir o combate, para dar tempo aos noivos de se distanciarem. de s bito, por m,� �pareceu-lhe ouvir um tropel long nquo. muito quieto,�

apurou os sentidos e teve a certeza de que vinha l gente.�de facto, jos alcan ara um cavalo e apressou-se a ir� �em busca de refor os. estava de regresso com guardas�armados at aos dentes!� - acabem com isso! - berrou. - vamos embora! os assaltantes detiveram-se e os criados puseram-seem fuga. todos menos um, pois o cocheiro continuoudeitado sobre umas silvas. o lagarto brandiu o marteloe cresceu sobre ele gritando: - vou-te mandar de presente ao diabo! j o golpe ia no ar quando o lobo lhe reteve o bra o.� � - n o se bate assim num homem ferido. comigo,�ningu m mata trai o.� � �� lagarto obedeceu contrafeito. fez-se sil ncio.� -quem o inimigo poupa s suas m os morre -- resmungou entredentes.� � os acontecimentos seguintes viriam dar-lhe raz o. por�tr s de um cerrado de plantas surgiram v rios guardas e� �um tiro certeiro rompeu a noite. ??pei!" lagarto abateu-se sobre o homem cuja vida acabava de poupar. umamancha vermelha alastrava ensopando a roupa dos dois.o bando desfez-se, correndo cada qual na sua direc o.��mas os soldados eram muitos, vinham armados e a cavalo.

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foi f cil alcan arem os assaltantes e captur -los um a� � �um. val rio seria o ltimo a sossobrar. s foi poss vel� � � �prend -lo porque perdeu os sentidos com uma coronhada na cabe a. quando voltou a� � si do aturdimento, encontrou-se fechado na pris o do limoeiro. abriu os olhos�e reconheceu o local. n o era a primeira vez que o�prendiam. - os outros? - perguntou. - estamos todos aqui - disse algu m que jazia sobre�a palha fedorenta e h mida. - todos menos o cotovio.�esse desapareceu na noite. n o sei como, mas escapou.� - deixa - prometeu val rio. - n o havemos de� �ficar muito tempo neste buraco. mal ele sabia em que circunst ncias terr ficas seriam� �libertados.

a not cia varreu a cidade. prenderam o lobo!�as reac es n o eram simples nem claras. apesar�� �de ser um bandido, todos o conheciam e atribu am-lhe fa anhas de her i. os seus� � � inimigos diziam-se contentes mas no fundo n o estavam. ele tornara-se uma� personagem de lenda. sab -lo im vel entre� �as paredes do c rcere fazia morrer uma hist ria fant stica! um bandido solta� � � � representa amea a e perigo. mas tamb m d asas imagina o! ana e� � � � ��jo o tentaram desesperadamente encontrar o manuel. n o� �sabiam bem o que lhe haviam de dizer, no entanto,como eram amigos dele, a simples presen a havia de�o ajudar. o rapaz parecia ter-se evaporado. por maisque o procurassem n o conseguiam descobrir-lhe o�paradeiro. domingas admirou-se de os ver t o ansiosos.� - j vos disse que ele desaparece e aparece conforme lhe d na gana. aconteceu� � alguma coisa? - n o.� - a... quer amos despedir-nos.�

- v o-se embora? j ? que pena!� � na carinha p lida, fr gil, desenhou-se um grande� �desgosto. ana desviou os olhos, quase a chorar. era horr vel�n o poder fazer nada para lhe salvar a vida. o irm o,� �nervos ssimo, apressou as despedidas e arrastou-a para a�beira do rio. - n o me conformo! - exclamou. - acho que�n o resisto a fazer qualquer coisa. tinha tido uma ideia,�sabes? ficar em terra, convid -los a todos para passarem o dia comigo em bel m. o� � manel, a domingas, omartinho. e at a nat ria.� � - est s louco?� -louco porqu ? em bel m n o aconteceu nada.� � �as pessoas apanharam um grande susto mas ningu m�morreu. e de qualquer forma, acho que isso n o altera a�hist ria. eles podiam muito bem ter tido essa ideia�sozinhos, j reparaste? feriado. a fam lia real l que� � � � �vai missa...� a irm deteve-o com um gesto cortante.� - jo o! n s demos a nossa palavra de honra. assumimos um compromisso.� � - mas isto n o bem faltar a um compromisso. eu n o dizia nada, s os convidava� � � � para um passeio. - n o te iludas - continuou ela muito s ria. - se� �n o tinhas for as para aguentar esta viagem, o melhor� �

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era teres ficado em casa. a mim tamb m me custa. e�muito! ele baixou a cabe a, atrapalhado. de facto era assim�mesmo. na hora da verdade faltavam-lhe as for as.� - acho que preferia n o ter conhecido ningu m -- murmurou.� � - o orlando avisou-nos. tristes e acabrunhados ficaram em sil ncio a olhar�para os barcos. por entre as velas, boiava um aparelhode cristal invis vel que poderia servir de ref gio para� �quatro. eles eram s tr s. bastava levantarem um dedo,� �para salvarem uma vida. e no entanto tinham que ficarde bra os ca dos a assistir a tudo.� � ??n o dev amos ter vindo at aqui?,, pensavam ambos, com o mesmo desconforto� � � interior. n o se atreviam por m a confess -lo em voz alta. nenhum deles� � �saberia dizer quanto tempo aguardaram que o cientistaos sugasse para dentro da m quina. mas pareceu-lhes�uma eternidade! orlando recebeu-os com uma express o dura que n o� �lhe conheciam. indicou-lhes o lugar de onde podiamassistir ao terramoto e deu um aparelho a cada um. - com isto podem focar a zona que quiserem verde perto. funciona como um bin culo apurad ssimo.� � a voz soava g lida e distante. nervos de a o. um� �fosso cavado entre a pessoa e as emo es.�� - melhor descansarem esta noite - disse ainda.�- eu acordo-os a tempo. obedientes, foram-se deitar. a atitude do cientista eraquase chocante. referia-se cat strofe mais horrorosa� �como se fosse um filme ou uma s rie feita com cen rios� �de papel o. e no entanto admiravam-no por ser capaz�de manter o autodom nio, uma calma invulgar.�

escusado ser dizer que n o pregaram olho. de vez� �em quando cabeceavam sobre a almofada, passagem brevepor um sono agitado, cheio de pesadelos. e foi exactamente a meio de um sonho confuso que orlando os veioabanar. - s o nove horas.� levantaram-se em sobressalto e foram encostar-se �parede de cristal com os olhos pregados na cidade quese manteria de p , serena, linda e descuidada por mais�meia hora. com as m os h midas e a cabe a pesada, viram� � �orlando acertar as m quinas, endireitar os ponteiros de�um rel gio e prevenir.� - come ou a contagem regressiva.� ??tic... tic... tic..." o ponteiro deslizava no mostrador, avan ando passo a� passo para o zero. nunca umru do lhes parecera t o impiedoso e mau. sem querer� �come aram a respirar ao ritmo do rel gio, o que os deixou� �exaustos, sem f lego.� uns segundos antes a m quina elevou-se no ar, flutuando como um bal o ao vento e� � estabilizou a meia altura. dali, se conseguissem manter os olhos abertos, podiam ver tudo. hirtos, fixos, n o perceberam logo de onde�vinha aquele rumor surdo e cavo que precedeu o desastre. - ana! - berrou o jo o, cravando-lhe as unhas no�bra o. - ana!� l vidos de pavor, viram ent o a cidade ondular,� �

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agitar-se numa dan a infernal. pal cios, igrejas, casas,� �c pulas, torres, moviam-se como uma seara ao vento.�durante seis minutos intermin veis lisboa oscilou,�rasgou-se, abateu-se como um castelo de cartas. o estrondo daquele mundo que se revolvia numa avalanchede pedra abafou o clamor pavoroso, a gritaria, o desespero de quantos sofriam as horas terr veis do cataclismo.� - o fim do mundo! o fim do mundo!� � assombrados com o espect culo, nem utilizaram o�bin culo. as pessoas atropelavam-se para alcan arem lugar� �seguro. mas o solo estalava, abria brechas medonhas deonde sa am nuvens de vapor fedorento. as paredes rachavam, os tectos abatiam, as� janelas rebentavam, osvitrais estilha avam-se, os sinos de bronze precipitavam-se do alto dos� campan rios, esmagando homens, mulheres, crian as e animais que, prisioneiros do� � entulho,n o conseguiam dispersar.� de repente levantou-se um vento furioso, que avivou as primeiras chamas. o fogo alastrou ent o em v rios pontos da cidade, devorando tecidos, madeiras, palheiros,� � telhas, sobrados, numa voragem semfim ! - o fogo est a chegar ao castelo!� - a p lvora vai rebentar!� - a colina vai explodir! - deus tenha piedade de n s!� - para o tejo! para o tejo! - gritou algu m. s beira do rio poss vel� � � � � escapar. uma multid o aterrorizada correu para a margem.�espezinhavam-se uns aos outros na nsia de salvarem a�pele. mas n o tardaram a recuar espavoridos. as guas� �

erguiam-se em f ria. violentos remoinhos sugavam barcos pequenos e grandes� arremessando-os de encontro aocais, onde se despeda avam.� depois, um sorvedouro do inferno inverteu o movimento das guas e o rio quase� desapareceu, deixando adescoberto um fundo de lodo onde se debatiam peixes eirrompiam jactos de enxofre por entre lama viscosa, aborbulhar. durante alguns instantes ningu m se moveu, tal era�o horror que sentiam. e a pausa seria fatal! uma ondagigante crescia do fundo do oceano. enorme, escura,enrolou-se no ar e abateu-se sobre a cidade com um fragorinacredit vel. rolando sobre si mesma, arrastou consigo�num torvelinho alucinante tudo o que encontrou passagem.� os dois irm os tremiam da cabe a aos p s. jo o tinha� � � �o corpo encharcado em suor e ana chorava em sil ncio.� - o tsunamis! - que horror! que horror! orlando parecia um aut mato de roda dos aparelhos.�acertava agulhas, tomava notas, fazia medi es. nem��uma nica vez se voltou para eles mas assim que p de� �abandonar o trabalho abra ou-os com for a e n o disse� � �nada. - o meu amigo j come salvou-se - repetiu a ana�com voz sumida -, salvou-se. - viste-o? - sim. fugiu pelo telhado. teve sorte.

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- eu vi o lobo. - quem o lobo? - perguntou orlando.� - e um ladr o. estava preso.� - e morreu? - n o. as paredes da cadeia rebentaram e ele foi o�primeiro a sair. escapou sem uma beliscadura. embora o tom fosse neutro, percebia-se por tr s da�frase uma grande alegria. cheio de tacto, o cientista optoupor n o fazer perguntas. n o era novidade para ele a� �mania que o jo o tinha de se meter em sarilhos. se�arranjara amigos num meio duvidoso, falariam disso maistarde. quem o surpreendeu foi a ana. - deixe-nos sair outra vez - pediu. - por favor! - o qu ?� - quero ir ajudar as pessoas. ele olhou para a cidade destru da onde as chamas�irrompiam cada vez mais fortes. era preciso coragempara querer ir ali! - bonito o que dizes, filha. mas lembra-te de que�n o podes ajudar ningu m.� � jo o tomou a palavra, agitado.� - mas deixe-nos ir na mesma. n s prometemos n o� �interferir em nada. j demos provas de que somos capazes de cumprir uma promessa.� e trocou um olhar c mplice com a irm .� � - nesse caso, o que querem l ir fazer?� - ver se os outros se salvaram! - responderam emcoro. - por favor! orlando acedeu. mas antes de os deixar partir, lembrou :

- s onze e meia em ponto t m de regressar porque a terra vai tremer outra vez� � ao meio-dia. - e morre mais gente? - natural. h pr dios que ficaram periclitantes e� � �nessa altura correm o risco de abater. n o se esquecem�da hora? - n o.� o feixe luminoso projectou-os para o exterior emergulharam na mais assombrosa e aflitiva barafundaque imaginar se possa. o ar estava turvo de poeiras sulfurosas. as ruas obstru das� por montes de entulho exibiampr dios em ru nas ou rasgados de alto a baixo, com a� �fachada por terra e o miolo vista. mas o mais impressionante eram as pessoas� gritando em altos berros. uns chamavam pelos parentes desaparecidos. outros,transtornados da cabe a, ocupavam-se de tarefas absurdas como se assim pudessem� esquecer o que se tinhapassado. ana e jo o viram uma mulher desgrenhada com�a roupa em fanicos a abanar-se com as varetas de umleque. atr s, vinha uma negra muito jovem que escovava insistentemente o p lo de� � um gato que trazia ao colo.dois homens em tronco nu defrontavam as chamas deum edif cio e arrebanhavam pilhas de papel sem qualquer utilidade. porta de uma� � igreja completamentedestru da, um frade n o poupava esfor os para retirar� � �dos escombros imagens sem cabe a e casti ais amolgados.� � fam lias inteiras fugiam a p , a cavalo ou de carro a� � �com os haveres que tinham conseguido salvar.

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- vamos depressa que n o temos muito tempo -- disse o jo o.� � - para onde? - para a zona da estalagem. enveredaram ent o por uma rua estreita mas n o� �puderam prosseguir. estacionara ali uma sege (') de modelo antiquado. oocupante apeou-se. reconheceram-no imediatamente. erao marqu s de pombal. por estranho que pudesse parecer�vestia as mesmas roupas de sempre e ca a-lhe sobre os�ombros a inevit vel cabeleira. a sua presen a atraiu um� �grupo de populares que correram para ele implorandosocorro.

(1) sege: carruagem de duas rodas.

- senhor ministro! ajude-nos! - salve-nos desta desgra a!� uma mulher ajoelhou-se e agarrou-lhe a m o.� - e agora, senhor ministro? o que havemos de fazer? ele sacudiu-a com uma resposta breve e seca: - enterrar os mortos e tratar dos vivos! o que h a�fazer enterrar os mortos e tratar dos vivos!� toda a gente recuou com uma express o apatetada.�ana e jo o ficaram a observ -lo. nervos de a o. um� � �fosso entre a pessoa e as emo es. tal como orlando,��reagia cat strofe distanciando-se dos factos para poder� �agir. n o fugia para longe. n o perdia o controlo. dava� �ordens. - preciso impedir que o fogo alastre. cavem trincheiras entre os edif cios que� � est o a arder. levem os�feridos para os conventos e igrejas que ficaram de p .�

virou-se para o cocheiro. - vamos. quero ver em que estado ficou a encostado castelo. os dois irm os aguardaram que a carruagem avan asse e procuraram o caminho da� � estalagem. era dif cil�porque o tremor de terra modificara tudo. onde anteshavia um largo, estava agora um monte de destro os. o�desenho das ruas era outro. os pontos de refer ncia tinham�desaparecido. havia mortos e moribundos pelo ch o.� perturbad ssimos, escalaram uma parede em ru nas,� �e quando se preparavam para saltar do lado de l deram�com uma cena abjecta! dois indiv duos completamente�indiferentes desgra a alheia afadigavam-se em volta� �de um ferido para lhe roubarem a roupa. jo o esqueceu�as recomenda es de orlando e gritou:�� - bandidos! em v o tentou a irm segur -lo! de cabe a perdida� � � �p s-se a bombardear os fac noras com tudo o que encontrou ? m o. pedras, madeiras,� � � peda os de cali a,� �sapatos e at um penico de loi a com que finalmente� �acertou em cheio na testa de um deles. - bandidos! bandidos! bandidos! - gritava possesso de f ria.� ana foi ajoelhar-se junto do ferido. de olhos fechados, com o cabelo empastado de sangue, o pobre homem gemia: - gua! gua, por amor de deus!� � mas onde ir busc -la? a nica fonte que tinham visto� �

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ficara soterrada, nas casas em volta n o se conseguia�entrar. e, al m disso, comprometera-se a n o ajudar ningu m.� � � seria melhor irem embora dali. olharam em redoransiosos. talvez aparecesse uma alma caridosa que fizesse parte daquele destino! quem apareceu de novo foi o marqu s na sua carruagem. o cavalo assomou esquina� � e parou. escusadoser dizer que foi logo rodeado por um magote de gente.�pelos vistos havia mais quem tivesse assistido tentativa de roubo, pois� esbracejavam contando o sucedido. nos olhos do ministro perpassou um lampejo de c lera.�chamou alguns guardas e ordenou com voz r spida:� - patrulhem as ruas. todos os que forem apanhados a roubar, ser o imediatamente� enforcados! fez uma pausa, humedeceu os l bios com a ponta da�l ngua e prosseguiu no mesmo tom:� - descubram carpinteiros onde os houver. queroforcas nos pontos mais altos da cidade, para que se vejambem e sirvam de exemplo malandragem!� j os guardas iam de abalada para cumprir as ltimas� �determina es quando lhes gritou ainda, empoleirado no��estribo: - prendam os que apanharem em flagrante. e tamb m os que tiverem nos bolsos� dinheiro chamuscado!n o h miseric rdia para gente dessa laia!� � � - este homem n o para brincadeiras - sussurrou� �o jo o ao ouvido da irm . - safa!� � ela enfiou-lhe o bra o e arrastou-o por uma viela�estreitinha. - olha que j n o temos muito tempo. se queres ir� � zona da estalagem melhor despacharmo-nos.� � - por aqui acho que vamos l dar.�

jo o tomou a dianteira. saltou muros, galgou escadas, abriu caminho por entre� montes de entulho e des bito estacou.� - ana! anda c ver! olha!� a irm juntou-se a ele com a saia bastante esfarrapada e os bra os cobertos de� � arranh es.� - n o sei se aguento continuar...� - deixa-te disso! olha! a estalagem resistiu aoterramoto. est de p ! meu deus, que sorte teve a nat ria!� � � - achas que ela est viva?� estava, e agradecia aos c us por isso ajoelhada no�quintal. quando a terra come ou a tremer encontrava-se no�primeiro andar. os h spedes tinham sa do para a missa� �de todos os santos e as criadas acendiam o fogo nachamin . a janela estava aberta e preparava-se para�despejar uma bacia, quando a casa balan ou nos alicerces projectando-a de encontro� parede. a bacia virou-se para tr s e um jacto de gua suja ensopou-lhe o� � �avental. por todo o lado soavam gritos de pavor mas dasua garganta n o saiu qualquer som. agachou-se de encontro s t buas d? sobrado� � � que rangiam amea ando romper-se como se fossem de papel.� as entranhas da terra roncavam, com um estr pito�ensurdecedor. encolhida a um canto, de olhos fixos namesa, viu a candeia, o prato, a caneca de barro, dan arem, saltarem e espatifarem-�se no ch o. a parede abriu�uma racha de alto a baixo, por onde fugiram tr s ratazanas a guinchar. e ela,�

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im vel, hirta, agarrada a um crucifixo que ca ra da parede, repetia baixinho:� � - meu deus! meu deus! eu ainda tenho que ver omeu filho! n o saberia quanto tempo demorou aquele inferno,�mas logo que o tremor abrandou correu para a cama evirou o colch o. era ali um dos esconderijos onde guardava o seu precioso� dinheiro. enfiou as m os na palha,�tacteou procura do saco de chita e por instantes entrou�em p nico. o saco n o aparecia.� � - se calhar roubaram-me - disse em voz alta,indiferente ao estrondo provocado pelo desmoronamentodo telhado da casa em frente. mas um volume arredondado sossegou-lhe o esp rito.�vida, puxou-o para fora e apertou as moedas de encontro ao peito. s depois� � desceu ao andar de baixo,que estava deserto. as criadas tinham fugido para a rua. desta vez, no entanto, at lhe dava jeito, pois podia�remexer vontade nos outros esconderijos. arrastou um�banco para junto da chamin , empoleirou-se, meteu a�cabe a l dentro, ficando imediatamente coberta de fuligem. foi preciso limpar os� � olhos para descobrir o buraco onde mantinha a panela de ferro que ano ap s ano�recheava de moedas de ouro pela calada da noite. dirigiu-se ent o ao quintal das traseiras.� <<falta ir aos vasos...>> com um gesto decidido, arrancou os cris ntemos pela�raiz e sorriu vista das moedas ferrugentas que ali�semeara no ano anterior. com todos os seus tesouros na

abada do avental, foi instalar-se debaixo de uma f?igueira raqu tica que insistira� em sobreviver naquele espa o�ex guo. e para ali ficou a contar o dinheiro, alheia � �trag dia que destru ra a cidade.� � <<gra as a deus n o morri! ainda hei-de ver o meu� �filho e fazer dele um homem rico. gra as a deus!>>� um pouco adiante incendiaram-se tr s casas. o fogo�propagou-se da lareira ao sobrado, do sobrado s cortinas, das cortinas s traves� � e cavalgou sobre as telhasdevorando tudo sua passagem. as labaredas atingiram�uma taberna e o braseiro tornou-se ainda mais vivo aoengolir dois barris de aguardente. ana e jo o aproximaram-se no meio da turba. algu m gritava em desespero:� � - domingas! domingas! salvem-na! era o manel. ca do no ch o sob o peso de uma trave� �que o impedia de se mexer, clamava por socorro poisdomingas ficara presa por tr s das chamas. havia muita�gente com vontade de ajudar, mas ningu m se atrevia.� - quem l for, l fica! - diziam.� � - pobre rapariga! manuel no entanto n o se conformava. as pernas�do am-lhe horrivelmente, tinha um bra o em ferida e a� �cara cheia de cortes. mas s pensava na irm .� � - domingas! ela ficou presa! n o a deixem morrer�queimada, seus cobardes! um dos presentes correu para ele, ergueu a trave demadeira e libertou-o. - vai l tu se podes.� manuel quis erguer-se e n o foi capaz. tinha a perna partida.� nesse momento, vindo n o se sabe de onde, apareceu um homem r pido como uma� �

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seta. trazia uma colcha a escorrer gua e lan ou-se ao fogo com a agilidade� �de uma fera. quem seria? a multid o ficou em suspenso, espera� �do desfecho. ia salvar a domingas ou morrer queimado? o fragor das chamas adquiria propor es aterradoras. rolos de fumo preto iam�� tornando a atmosfera irrespir vel. numa das casas abateu-se o sobrado inteiro�com grande estrondo e saltaram fagulhas pelo que restava da chamin . as pessoas� assistiam a tudo como quehipnotizadas. de s bito viram desenhar-se a figura de um homem�no parapeito da janela do primeiro andar. enrolara-se nacolcha molhada e trazia ao ombro um corpo inerte. olhoupara baixo a calcular a dist ncia, deu um impulso e atirou-se no momento exacto em� que a fachada foi envolvidapelas labaredas. s ent o o reconheceram.� � - o lobo! v rias mulheres precipitaram-se imediatamente para�lhe tirarem a rapariga dos bra os. vinha inconsciente mas�balbuciava qualquer coisa inintelig vel.� - est viva!� - tragam gua!� manel largou a chorar em altos brados como uma crian a. h muitos anos que n o se abandonava assim a� � �

um desgosto ou a uma alegria. espantado consigo mesmo, limpava as l grimas com� movimentos descoordena dos e por pouco n o se engasgou, tal era o ritmo dos� solu os.� - domingas! estenderam-na ao p dele com mil cuidados. embora fosse estranho, sa ra ilesa� � daquele braseiro infernal. al m dos cabelos e da roupa chamuscados, os nicos� � vest gios do acidente eram arranh es e uma grande n doa� � �' negra na testa. - foi milagre! - exclamou algu m.� - milagre foi aparecer um bandido para a salvar! - nunca pensei que o lobo arriscasse a vida por uma mi da que nunca viu.� manel n o disse nada mas sorriu ao pai e os olhos� de ambos cruzaram-se. ningu m captou o brilho de� cumplicidade que se estabeleceu entre os dois, forte como uma corrente el ctrica. mas o lobo ainda n o tinha� � acabado de surpreender a assist ncia.� - h muito que fazer naquela casa grande ali atr s.� � venham! a voz de comando, o tom decidido, funcionaram como outrora na cotovia. sem saber bem porqu , alguns homens� seguiram-no para dentro de um palacete onde o fogo despontava. ap s alguns instantes de estupefac o ouviu-se uma� �� voz esgani ada gritar:� - o meu homem! o lobo obrigou-o a ir roubar! gerou-se de imediato um burburinho tremendo. todos sabiam que o palacete era de gente rica e estava recheado de preciosidades. n o duvidaram portanto�da inten o que movia o mais famoso chefe de quadrilhas.�� uns indignavam-se, outros admiravam-lhe a coragem,sem ousar diz -lo em voz alta.� pasmados, comentavam entre si a atitude dos vizinhos que n o resistiram ao apelo� e obedeceram s suas�

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ordens. - o diabo feito gente!� - as chamas n o lhe queimam a pele!� - veio das profundezas do inferno para nos desgra ar!� as mulheres arrepelavam-se em desespero. - o meu filho est com ele!� - o meu marido foi atr s do dem nio!� � - ai quem me acode! no meio da confus o, algu m se lembrou que a� �carruagem do ministro andava ali perto e correram acham -lo.� ana e jo o viram de novo o marqu s apear-se� �imp vido e sereno. toda a gente lhe dava explica es� ��ao mesmo tempo, pelo que n o foi muito f cil perceber� �o que se passava. entre gritos e berros lancinantes a turba encaminhou-se para a porta do palacete. os doisirm os, remetidos situa o de espectadores, foram atr s.� � �� � sob as ordens do marqu s, rapidamente se montou�uma espera. diversos soldados e populares aguardavama sa da dos assaltantes. ouviam-se estalar madeiras e�tilintar loi as e cristais esmigalhando-se de encontro ao�solo. a porta principal abriu-se ent o de par em par e�

apareceu o lobo. na cara preta de fuligem resplandeciam os olhos obl quos e os� dentes muito brancos, pontiagudos. trazia ao colo um fardo volumoso que depositou no ch o. n o ligou nenhuma chusma de gente que� � �ali se juntara e voltou a entrar decidido e r pido como�sempre. o marqu s franziu as sobrancelhas, na d vida. que� �seria aquilo? com um gesto, ordenou que lhe trouxessem a trouxa de pano. sete pessoas apressaram-se acumprir a ordem e quando se baixaram para a apanhar,quedaram-se at nitos. era uma crian a de colo. por certo� �filho de escravos, pois tinha a pele preta e roupas miser veis. abriu os olhinhos� e ao ver tanta gente desatoua chorar: - bu ! bu !� � a surpresa foi tal que nem lhe tocaram. s uma m e� � bastante jovem estendeu os bra os para ele. ?,conchegou-o ao peito e p s-se a� � embal -lo carinhosamente.� - meu rico menino! meu menino lindo! sob as ordens do lobo, o grupo funcionou s mil� maravilhas. antes que as chamas engolissem a casa por completo, foram retirando um a um os seus ocupantes. primeiro duas meninas envoltas em veludos e sedas esfarrapadas. depois um homem que gemia de dor com os bra os em chaga. uma senhora gorda em estado de� choque. um jovem sufocado pelo fumo que tossia sem parar. uma rapariga loira em roupa interior. o padrevestido de preto com um crucifixo na m o. um rapazinho que perdera os sentidos.� estendidos na terra lado a lado, quase n o era poss vel� �distinguir amos, criados ou escravos. o ministro virou-se para os circunstantes e perguntou : - quem que disse que andavam aqui ladr es?� � fez-se sil ncio. ningu m ousava acusar-se de falso� �testemunho. - tu, por exemplo, conheces o lobo?

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o homem fez-de de todas as cores. - conhe o-lhe a fama - respondeu com voz sumida. - dizem que nasceu para roubar.� a frase pareceu irrit -lo bastante. vermelho de c lera,� �exclamou: - as pessoas n o nascem marcadas! cada um vale�por aquilo que faz. - ap s uma pausa breve, acrescentou: - onde que ele est ?� � � habituado a fugir das autoridades, val rio j l ia.� � �mas os soldados foram-lhe no encal o e trouxeram-no � �presen a do ministro.� - s tu aquele a quem chamam lobo?� - sou. o ministro olhou-o fixamente antes de dizer: - vejo que souberam escolher-te o nome. tens acoragem de uma besta feroz. e as qualidades de um chefe. a cena era forte. imposs vel afastarem-se dali. mudos�de espanto ouviram a mais inesperada das determina es:�� - ficas encarregue deste bairro. organiza tudo para que se apaguem os fogos que for poss vel. levem os� feridos para o mosteiro mais pr ximo e os mortos para� a beira do rio, que n o h tempo para cavar sepulturas e� � ser o lan ados ao mar.� �

val rio acenou que sim, incapaz de pronunciar uma� palavra que fosse. - quero informa es di rias. preciso de saber o que�� � falta, o que h , o que precisam.� aquela ordem soltou a l ngua das mulheres.� - falta gua!� - n o vamos ter nada para comer.� -falta gente, senhor ministro. fugiram fam lias�inteiras. s ficaram os que n o tinham for as para abandonar a cidade, como eu!� � � foi a vez de os soldados receberem ordens. -mandem estafetas s guarni es de peniche e� ��santar m para que enviem refor os e mantimentos.� �confisquem gado e cereais pelas quintas. obriguem todosos homens v lidos a voltar para tr s. a bem ou a� �mal! (1) val rio, com a mesma presen a de esp rito e o mesmo poder de decis o de que o� � � � ministro dera provas, j�organizava o curioso ex rcito de que dispunha. uma ou�outra mulher forte. rapazes imberbes e sobretudo velhos. desdentados, carecas, curvados pelos anos, seguiram-no em busca de p s e enxadas, baldes e mais� ferramentas que pudessem encontrar.

(') depois do terramoto, o marqu s de pombal percorreu a�cidade em todas as direc es na sua carruagem. durante oito��dias utilizou-a como escrit rio. ali tomou as decis es necess rias, assinando� � � cento e trinta decretos. jo o olhou-os na esperan a de descobrir entre eles a� �cara af vel do av Martinho. mas ele n o estava ali.� � �

martinho sa ra muito cedo de lisboa. ainda o sol�n o tinha rompido no horizonte j andava numa dobadoira procura de um burro para� � � alugar. era dia detodos os santos. queria aproveitar o feriado para irmerendar ao campo com um hortel o que n o via� �h tempos e trabalhava na quinta da rabequinha em�

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campolide. estava uma manh linda! com v rios petiscos no alforge p s-se a� � � caminho. satisfeito com o passeio, ia de cabe a leve a assobiar. a perspectiva de� reencontrar um velho amigo enchia-lhe o cora o de alegria.�� quando os sinos badalaram as nove horas chegavaele s amoreiras. ali os montes ondulavam suavemente�cobertos de arvoredo. era uma paisagem bonita, que osarcos do aqueduto das guas livres enfeitavam ainda�mais. <<que vista soberba!,>, pensou. <?que rica ideia, simsenhor! hei-de fazer isto mais vezes.>> como n o tinha pressa nenhuma, parou junto de uma�fonte onde bebeu gua fresca, conversou com dois rapazitos que levavam um rebanho� de cabras a pastar e disseadeus de longe s lavadeiras que desciam para a ribeira�de alc ntara com as trouxas de roupa cabe a.� � � depois voltou a escarranchar-se no lombo do burroe seguiu. de repente, por m, viu o mundo a andar � �roda! um bando de pardais levantou voo piando aflitivamente e o animal escouceou atirando-o ao ch o. apesar�

disso, julgou tratar-se de uma tontura e apertou as t mporas com for a, repetindo:� � <<isto j passa! isto j passa!>>� � com o est mago revolto, viu o ch o oscilar, as rvores� � �enlouquecidas dobrarem-se sobre si e foi obrigado a taparos ouvidos para se proteger de um ronco insuport vel�que n o percebeu logo se vinha do exterior ou do seu�pr prio corpo.� <<vou morrer! vou morrer aqui sozinho!>> num gesto autom tico virou-se para tr s e olhou para� �a cidade. s ent o percebeu que o abalo n o se passava dentro dele mas fora! ao� � � longe os campan rios, os�telhados, as torres, balan avam, rebentavam, precipitavam-se l do alto e� � desapareciam numa nuvem de poeira. <<meu deus! o fim do mundo!>>� aflit ssimo, deitou-se ao comprido protegendo a cabe a� �com as m os. o burro zurrava sem parar e corria em�c rculos, empinando-se de pavor.� quando tudo cessou, homem e bicho olharam um parao outro assombrados. e antes de mais nada congratularam-se por continuarem vivos. martinho levantou-se a custo. tremiam-lhe as pernas, tinha a boca seca e respirava com dificuldade. masuma nica ideia lhe martelava o pensamento. o que teria�acontecido s pessoas?� <<tenho de voltar o mais depressa poss vel. deve haver�muito quem precise de ajuda.>> tr mulo, enfraquecido, fez um esfor o tremendo e� �i ou-se para o dorso do animal. tocou-o levemente com�os calcanhares e l seguiram de volta cidade.� � - calma, burrinho! ainda n o chegou a nossa hora�de entregar a alma ao criador. vamos com calma. entraram em lisboa pelo rato. o aqueduto estavaintacto. n o tinha acontecido nada F brica das sedas� � �e nas paredes dos muitos conventos que havia ali, o tremorde terra limitara-se a abrir fendas. as freiras cantavam erezavam porta de uma capela. com uma express o alucinada pediam a deus� � miseric rdia e agradeciam a gra a de continuarem vivas. uma delas embalava ao colo� � aimagem do menino jesus como se fosse uma crian a ou�

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uma boneca. junto do chafariz jazia um pobre moleiro que nomomento fat dico dava de beber s suas bestas. a gua� � �escorria-lhe por cima tingindo a terra de sangue. da parte baixa surgiam hordas de fugitivos transportando sacos, colch es,� bacias, objectos arrebanhados aoacaso na precipita o da fuga.�� um frade de olhar incendiado brandia um crucifixogritando: -arrependam-se, pecadores! arrependam-se dosvossos pecados! deus fez-nos sentir o peso da sua ira.o tremor de terra foi castigo de deus! martinho olhou-o com comisera o.�� ??que disparate! preciso estar completamente doido para falar assim.,?� com o cora o amargurado, enveredou pela rua do��moinho de vento (1) tentando encontrar um caminhodesobstru do que lhe permitisse chegar a casa. o es�

(1) esta rua actualmente chama-se rua d. pedro v.

pect culo era de pesadelo. quarteir es inteiros tinham -se desmoronado. v rios� � � edif cios estavam a arder.� homens, mulheres e crian as corriam sem sentido ou� esgravatavam nos escombros chamando pelas pessoasqueridas que tinham ficado soterradas. um horror! quandose aproximou da beira do rio encontrou duas caras conhecidas. a ana e o jo o. ia� j disposto a abra -los� ��quando desapareceram como por encanto. n o se admirou por m. nada daquilo parecia� � real. - viste o martinho? - perguntou o jo o mal estabilizou na m quina do tempo.� � - vi. coitado! ainda bem que n o morreu.� - a miss o terminou - disse orlando. - temos�que regressar ao s culo xx. foi uma viagem terr vel,� �n o verdade?� � os seus olhos azuis derramavam ternura. foi comprazer que reconheceram o velho orlando de sempre.comovido, cansado, carinhoso. - imagino como lhes deve ter sido dif cil cumprir a�promessa e n o avisar ningu m do que se ia passar!� � eles baixaram a cabe a anuindo.� - eu sei que parece cruel. mas por muito que noscuste uma regra que n s, viajantes do tempo, fomos� �obrigados a estabelecer. um compromisso a favor da�humanidade e n o contra.� - tem a certeza? - balbuciou o jo o.� - tenho. e tu tamb m ter s, se pensares um pouco.� �repara numa coisa. voc s sentiram-se tentados a salvar�algumas pessoas que conheceram porque foram para umdeterminado lugar. se fossem para outro, gostariam desalvar outras. n o podemos jogar assim ao acaso com o�destino dos homens. a nica hip tese correcta deixar� � �que as coisas aconte am como realmente aconteceram.� passou-lhes o bra o volta dos ombros e disse baixinho:� � - todos podemos fazer qualquer coisa por um mundomelhor. mas cada um deve agir no seu pr prio tempo.�deve agir no presente e pensar no futuro!

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o terramoto de 1755

aspectos hist ricos�

i - o terramoto de 1755

no dia 1 de novembro de 1755, lisboa foi destru da por�um pavoroso terramoto. era dia de todos os santos e amanh despontara de c u muito azul e s?l radioso. fazia� �demasiado calor para a poca do ano. como era feriado, as�pessoas preparavam-se alegremente para descansar oupassear pelos arredores, mas antes tinham que assistir �missa.homens, mulheres, crian as, com os seus fatos domingueiros,�respondiam ao apelo dos sinos, encaminhando-se para umadas muitas igrejas e capelas que havia na cidade.

a fam lia real e a corte partiram bem cedo para a quinta�de bel m. as carruagens fizeram todo o percurso beira do� �rio. e que regalo, alongar a vista pelas guas serenas do�tejo, que quela hora parecia um espelho de prata!� barcos, havia muitos. uns ancorados junto ao cais, outrosbalan ando entre as duas margens com as velas enfunadas�por uma brisa suave ou dirigidos com per cia pelos remadores.� nada parecia prever a horr vel cat strofe, quando, pouco� �depois das nove e meia, se ouviu um ru do medonho vindo�das entranhas da terra, que come ou a tremer. os marinheiros�que estavam a bordo viram a cidade ondular como uma searaao vento. as pessoas, aterrorizadas, n o ter o compreendido logo� �o que se passava! uns sentiram a cabe a a andar roda,� �outros perceberam que n o eram elas mas sim os edif cios� �que rodavam, estremeciam e se retorciam, transformados emmonstros que abriam bocarras para os engolir. nas paredesmais s lidas surgiam fendas de alto a baixo, ru am tectos,� �c pulas, torres, com um fragor imenso. m veis, cortinas,� �quadros, loi as, candeeiros, precipitavam-se rolando�juntamentecom sinos, santos dos altares e vitrais desfeitos em milestilha os. gerou-se um p nico indescrit vel! das casas, das� � �igrejas e dos conventos sa a uma aut ntica multid o que se� � �atropelava, na nsia de escapar! mas c fora o ch o abria-se� � �em rachas profundas que largavam feixes de vapor e enxofre. - o fim do mundo! o fim do mundo!� � durante seis minutos a cidade oscilou, dilacerou-se e caiupesadamente sobre si mesma, pondo em contacto a chamadas velas, c rios, fogareiros e lamparinas com panos e madeira. os que escaparam � � derrocada viam agora diante de simil inc ndios que lavravam pelas ruas e envolviam os�escombros num tremendo braseiro. uma nuvem de poeiraque se levantara no momento do tremor velou as ru nas da�cidade ajudando a aumentar a confus o e o susto. as pessoas�corriam ao acaso, procura dos filhos, dos pais, dos irm os,� �dos amigos, gritando como loucos. subitamente, um ventofurioso agitou os turbilh es de poeira e avivou as chamas de�tal forma que muitos tiveram de parar, cegos ou sufocadospelo fumo. foi ent o que correu de boca em boca:�

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- o castelo est a arder! o castelo est a arder!� � ora, no castelo de s. jorge havia armaz ns de p lvora.� �receando que toda a colina explodisse, as pessoas fugiamem direc o ao rio, na esperan a de que a gua as protegesse�� � �do fogo. entre o cais do sodr e o terreiro do pa o crescia� �uma turba de gente esfarrapada, ferida, chorando e gritandoem desespero. mas a trag dia n o chegara ao fim. o tejo� �ainda h pouco t o liso e calmo, parecia agora ferver. e as� �guas recuavam, aspiradas por um sugadouro invis vel, arrastando consigo os barcos� � ancorados junto ao cais. o leito iaficando seco e deixava mostra uma lama escura, onde�gorgolejavam jactos de vapor sulfuroso e se debatiam peixesmoribundos. o assombro foi tal, perante aquela imagem de pesadelo,que a maioria se deixou ficar de olhos postos no fundo dorio, incapaz de qualquer reac o. poucos foram os que se��puseram a salvo alcan ando as zonas altas da cidade, antes�

que as guas se levantassem numa vaga medonha com mais�de quinze metros de altura. um ronco cavernoso acompanhou a onda gigantesca queespatifou o cais e avan ou pela baixa at ao rossio, recuando� �depois com igual viol ncia. consigo levava barcos, animais e�pessoas que desapareceram para sempre sem deixar rasto. uma manh bastara para reduzir a escombros a linda�cidade de lisboa. nada voltaria a ser como era dantes. igrejasmagn ficas, pal cios imponentes, conventos s lidos, casas� � �pobres e ricas jaziam por terra, convertidas num inacredit vel�monte de entulho fedorento e fumegante. ningu m se atrevia�a dormir debaixo de telha, pois nos dias seguintes ainda sefizeram sentir abalos, embora mais fracos. por todo o ladosurgiam acampamentos improvisados com panos e troncos.ali se abrigavam os sobreviventes, com a alma num susto.receavam tamb m os bandos de salteadores que, fugidos�das cadeias, aproveitaram a cat strofe para roubar, matar�sem d nem piedade. conforme o testemunho de um frade�da poca, ??os furtos come aram no instante em que acabou� �o terramoto. muita gente espavorida saiu da cidade, em busca de ref gio�junto de familiares que viviam nos arredores. levavam consigoo que tinham conseguido salvar, transportando fardos de roupa,objectos pessoais, bichos de estima o e coisas de valor em��ve culos de toda a esp cie, aos ombros ou cabe a. formavam caravanas bizarras,� � � � tornando-se alvos f ceis para os salteadores que rapidamente infestaram os� caminhos. os padres explicavam o terramoto como um castigo dedeus para os pecados dos homens. assim, multiplicavam-seas missas ditas ao ar livre, cortejos e prociss es. os fi is� �choravam, batiam com a cabe a no ch o, entoando preces e� �ladainhas. poucas eram as fam lias a quem n o tinha morrido ningu m� � �no desastre. poucas eram as casas que continuavam de p .�tesouros incalcul veis desapareceram na voragem.� a hist ria teve eco em toda a europa. e, no entanto, um�jornal da poca, chamado gazeta de lisboa, quando voltou a�ser impresso no dia 6 de novembro, publicou apenas a seguintenot cia:�

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o dia primeiro do corrente [m s) ficar memor vel em� � �todos os s culos pelos terramotos e inc ndios que arruinaram� �uma grande parte desta cidade, mas tem havido a felicidadede se acharem entre as ruinas os cofres da fazenda real eda maior parte dos particulares.

porqu uma not cia breve e seca sobre um acontecimento� �t o tr gico? talvez algu m tenha ordenado aos jornalistas� � �que n o agravassem o estado de esp rito da popula o lisboeta� � ��e que, na medida do poss vel, veiculassem mensagens de�optimismo.

ii - os tremores de terra ' em portugal

portugal fica situado numa zona s smica, por isso tem�sofrido v rios abalos ao longo da hist ria. acerca de uns� �ficaram not cias pormenorizadas, mas sobre outros sabe-se�

apenas que a terra tremeu. o primeiro foi em 1147, data em que d. afonso henriquesconquistou lisboa aos mouros. ignora-se se houve v timas e�estragos materiais. depois deste tremor de terra, s volta a�haver not cia de abalos no s culo xiv. e n o foram poucos!� � �entre 1309 e 1395 a terra tremeu pelo menos dez vezes,quase sempre na zona de lisboa. em 1321, por exemplo,houve tr s abalos em tr s horas. v rios edif cios ficaram� � � �destru dos, incluindo a capela-mor da s .� � no s culo xv, ou n o houve, ou n o chegaram at n s� � � � �informa es sobre o assunto, pois a nica refer ncia a um�� � � �abalo de poucos segundos em 1404. quanto ao s culo xv?, foi terr vel!� � em 1504, sabemos que houve abalos t o fortes que�destru ram povoa es inteiras. em 1512, o tejo galgou lisboa� ��e inundou a parte baixa. em 1513 a trag dia abateu-se sobre�todo o pa s. houve dois grandes tremores de terra, morreu�muita gente devido aos desmoronamentos e seguiu-se umapeste que dizimou a popula o. 0 cronista garcia de resende,��que assistiu a tudo, deixou o seguinte relato:

primeiro um raio, depois um trov o e logo a terra abalada,�e sacudida, parecendo que o mundo se destina para n o�haver mais mundo. foi r pido. obra de um credo.�

durante todo este ano houve abalos t o fortes que rasgavam crateras no solo por� onde sa am jactos de gua e� �areia com cheiro a enxofre. as pessoas viviam em permanentesobressalto e, receando que a casa lhes ca sse em cima,�dormiam pelas ruas em tendas improvisadas. neste fat dico s culo xvi houve ainda tr s outros grandes� � �abalos na zona de lisboa. o de 1597 foi t o violento que�desapareceram tr s ruas da cidade.� no s culo seguinte tamb m houve v rios em todo o� � �territ rio, mas n o h refer ncias detalhadas.� � � � o s culo xviii come ou mal. em 1722, o algarve foi� �sacudido violentamente. mas o mais pavoroso, a respeito doqual possu mos maior n mero de informa o, foi o de 1755.� � �� o que se passou afinal no dia 1 de novembro pelas nove

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e quarenta da manh ?� os cientistas da actualidade estudaram os elementos dispon veis e, luz dos� � conhecimentos mais modernos, conclu ram�o seguinte: o epicentro situou-se no mar, a sul do algarve. a terratremeu sob um impulso vertical, ou seja, de baixo para cima.a intensidade do sismo ter sido de oito na escala de richter.� o primeiro abalo come ou pelas nove e quarenta e durou�entre seis a sete minutos com dois pequenos intervalos emque parecia que ia parar. devido viol ncia do sismo, muitos� �edif cios desmoronaram-se imediatamente e a terra abriu fendas�donde emanavam vapores sulf ricos. as nuvens de poeira�que se levantaram com as derrocadas toldaram o sol, quasesufocando os sobreviventes. irromperam inc ndios por todos�os lados. as guas do rio tejo desceram tanto que o fundo ficou�a descoberto numa enorme extens o, mas logo em seguida�come ou a encapelar. s dez horas houve outro abalo e chegou� �

o tsunamis - onda gigante com mais de quinze metros -, que varreu toda a parte baixa at ao rossio, e no�recuo arrastou consigo milhares de pessoas, coisas e animaisque n o deixaram vest gios, pois quando tudo passou n o se� � �encontraram os restos a boiar. por volta do meio-dia, houve mais um tremor de terra,que derrubou as casas que tinham ficado periclitantes.

que edif cios desapareceram em lisboa?�

havia cerca de vinte mil casas e s tr s mil ficaram� �utiliz veis. ca ram, tamb m, cinquenta e tr s pal cios, entre� � � � �os quais o pal cio da ribeira, que era a resid ncia principal� �do rei e ficava situado mesmo beira do rio.� o pal cio real das alc ovas, que era no castelo de� ��s. jorge; os reis j n o se alojavam ali, tinham-no cedido ao� �alcaide-mor. o pal cio do duque de bragan a, que era onde� �se guardava o tesouro da coroa. tamb m ru ram os pal cios� � �de grandes senhores, como o marqu s de louri al, marqu s� � �de gouveia, duque de laf es, marqu s de t vora e niza,� � �conde de castelo melhor, duque de cadaval e conde dosarcos. desmoronaram-se sessenta capelas, trinta e duas igrejas,trinta e um mosteiros, quinze conventos e o teatro da pera�do tejo que tinha ficado pronto nesse ano. arderam as melhores bibliotecas, desaparecendo parasempre livros e manuscritos preciosos. perderam-se tesourosart sticos de um valor incalcul vel, como quadros, porcelanas� �e objectos magn ficos em ouro e prata.� os estragos n o se limitaram no entanto cidade de� �lisboa. houve desmoronamentos no algarve, no sul de espanha e em marrocos. o tsunamis no algarve atingiu a alturade trinta metros! e era t o forte que se dividiu em dois, uma�onda gigante partiu em direc o Europa e chegou Inglaterra�� � �pelas quatro horas da tarde, outra deslocou-se em direc o �� �am rica, que atingiu pelas sete e meia. os tremores fizeram-se sentir por toda a� europa, a ponto de se agitarem os lagosda esc cia e os rios da su cia.� �

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n o existem descri es de nenhum tremor de terra mais� ��violento do que este, em nenhuma parte do mundo. infelizmente n o foi o nico que houve em portugal. s� � �no s culo xviii registaram-se mais dois. no s culo xix pelo� �menos tr s, um dos quais, em 1856, sacudiu o algarve, parte�do alentejo, set bal e lisboa. mas ao contr rio do que� �acontecera em 1755, chovia copiosamente.

j no nosso s culo, em 1909, um grande abalo destruiu� �benavente, mas a maior parte das pessoas salvaram-se porquefoi de dia e andavam a trabalhar no campo depois, a 28 defevereiro de 1969, a terra voltou a tremer com viol ncia.�n o houve estragos, embora se tratasse de um sismo de�grau 7,8 na escala de richter. quanto aos arquip lagos da madeira e dos a ores, que� �s o de origem vulc nica, sofrem abalos de terra mas de� �intensidade muito diferente. na madeira h poucos, de fraca�intensidade, e sem consequ ncias. nos a ores, s as ilhas� � �de flores e corvo t m sido poupadas. nas outras ilhas h� �

not cia de muitos tremores de terra ao longo dos s culos.� �

iii - quem reinava em 1755

em 1755, reinava d. jos I, cujo nome completo era jos� �francisco ant nio in cio norberto agostinho, porque costume� � �dar aos pr ncipes muitos nomes pr prios.� � nasceu a 6 de junho de 1714 no pal cio da ribeira�em lisboa. embora viesse a herdar o trono, n o foi ele�o filho mais velho de d. jo o v e de d. maria ana de�ustria. primeiro tinha nascido uma princesa, maria b rbara,� �que mais tarde foi rainha de espanha. depois um pr ncipe, d. pedro, que morreu aos� dois anos. d. jos�foi o terceiro. teve ainda tr s irm os mais novos. carlos,� �que morreu aos catorze anos. alexandre, que morreu aosquatro anos. e pedro clemente francisco ant nio, que�veio a sentar-se no trono de portugal como pr ncipe consorte.�

al m destes, que eram filhos do mesmo pai e da mesma�m e, d. jos teve quatro irm os bastardos pois seu pai,� � �d. jo o v, teve v rias amantes. foram eles: maria rita, filha� �do rei e de uma dama nobre; ant nio, filho de uma francesa;�gaspar, filho de outra senhora nobre; e jos , filho de uma�freira do convento de odivelas, chamada madre paula. o rei d. jo o v preocupou-se muito com os seus filhos�bastardos. instalou-os no pal cio de palhav , que � � �lind ssimo, e tudo fez para que fossem tratados como pr ncipes. consentiu at que� � � usassem o bras o com as armas de portugal, embora tivessem de o colocar de lado� como sinal de bastardia. devido ao pal cio onde viveram, passaram Hist ria com o� � � nome de ??meninos da palhav ??.� d. jos I, conforme podemos ver nos retratos que foram�pintados por artistas da poca, era um homem de estatura�m dia, entroncado, com bochechas redondas e olhos castanhos. usava cabeleira� posti a de acordo com a moda daquele�tempo. as cabeleiras longas, penteadas aos carac is muito�frisados, e quase sempre brancas, destinavam-se tanto ahomens como a mulheres. o rei vestia com luxo e eleg ncia, mas nunca procurou�

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imitar os exageros de seu pai, d. jo o v, que se deslocava�a todas as horas do dia carregado de peles, veludos, sedas ej ias.� conforme tamb m era costume na poca, d. jos casou-se muito novo. tinha apenas� � � catorze anos, quando lhe mandaram ver noiva. a escolhida foi uma princesa espanhola,mariana vit ria, com dez anos de idade.� o jovem casal n o tinha mais nada que fazer para al m� �de comer, dormir e divertir-se, assistindo a espect culos�musicais, participando em festas e bailes da corte ou emgrandes ca adas que se realizavam sobretudo no ribatejo e�no alentejo. essa vida alegre e despreocupada prolongou-se demasiado.assim, quando o pai morreu e d. jos subiu ao trono com�trinta e seis anos, nunca tinha tido qualquer

responsabilidade, n o estava informado sobre os problemas do pa s nem sabia� � governar. no entanto, dois dias depois da morte do pai, tomou uma medida inteligente, chamou para seus ministros tr s homens capazes de o ajudar a dirigir� o reino. foram eles pedro da mota e silva, diogo de mendon a corte real -- acerca� destes dois fala-se muito pouco. quanto ao terceiroministro, foi ele quem na realidade governou durante todo oreinado de d. jos I. chamava-se sebasti o jos de carvalho� � �e melo, mas ficou conhecido por um dos t tulos que o rei lhe�deu: marqu s de pombal.�

iv - a fam lia real no dia� do terramoto

d. jos e d. mariana s tiveram filhas e a todas deram� �o nome de maria. a mais velha, que viria a herdar o trono como d. maria i,chamava-se maria francisca isabel josefa ant nia gertrudes�rita joana. a segunda, maria ana francisca josefa. a terceira, mariafrancisca doroteia. a quarta, maria francisca benedita. no dia do terramoto a fam lia real encontrava-se na quinta�de bel m para ali assistir missa de todos os santos e� �passar no campo aquele lindo domingo de sol. as princesaseram ent o muito jovens e podemos imagin -las passeando� �pela quinta rodeadas de escravas, aias e de admiradores,pois decerto n o faltavam pretendentes s filhas do rei de� �portugal! a mais nova, apenas com nove anos, n o tinha�idade para namorar, mas corria feliz pelos jardins, embora ovestido muito apertado at cintura, com anquinhas posti as� � �de verga e barbas de baleia para tufar a saia, lhe tolhesse osmovimentos ! nessa poca ainda n o se tinha a no o de que as roupas� � ��das crian as deviam ser diferentes das dos adultos, por isso�faziam-se os mesmos modelos complicad ssimos, mas em�miniatura.

a corte gostava muito de merendas ao ar livre, jogar s�cartas e n o havia programa que n o inclu sse m sica. a� � � �pr pria rainha gostava de cantar. verdade seja dita que a�sua voz esgani ada n o agradava a ningu m! mas quem � � � �que se atrevia a diz -lo? ouviam-na respeitosamente e no�fim aplaudiam com entusiasmo enquanto disfar adamente suspiravam de al vio.� �

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mas naquele dia n o haveria passeios, nem divertimentos,�nem m sica! quando a terra come ou a rugir e a tremer,� �toda a fam lia real entrou em p nico. aos gritos de terror� �misturavam-se vozes que invocavam deus, a virgem e ossantos da sua devo o, pois eram todos muito religiosos.�� em bel m, o terramoto n o fez grandes estragos e nenhum� �membro da fam lia real e da comitiva que ali se encontrava�sofreu qualquer ferimento. mas ficaram de tal forma apavorados, que durante muitosanos se recusaram a dormir dentro de casa!

onde viveu o rei depois do terramoto?

a resid ncia principal, o pal cio da ribeira, tinha sido� �destru da. mas havia muitos outros pal cios onde se podia� �alojar, como por exemplo o pal cio de bel m, ou o pal cio� � �das necessidades. d. jos recusou todas as propostas e�mandou construir um pavilh o de madeira no alto da ajuda,�

onde se sentia em seguran a, pois a terra continuou a tremer�ligeiramente durante todo o m s de novembro, voltou a tremer�em dezembro e ainda houve abalos at Setembro do ano�seguinte. tal como o rei, muitas fam lias da nobreza e muita gente�do povo preferiu abrigar-se em constru es de madeira ou��at tendas de pano. o pavor de serem esmagados por nova�derrocada nunca mais os abandonou. a resid ncia real depois do terramoto passou portanto a�ser uma grande constru o de madeira com um s piso, muito�� �fria e desconfort vel. os estrangeiros que vinham a portugal�ficavam admirad ssimos com o facto de o rei querer viver ali!�tanto mais que, constru do pressa, tinha frinchas, as portas� �e janelas vedavam mal. apesar dos reposteiros havia imensascorrentes de ar e as pessoas andavam quase sempre constipadas e com tosse. claro que as salas, quartos e sal es foram decorados�com objectos preciosos trazidos de outros pal cios. mas a�humidade e os ratos destru ram em pouco tempo tape arias,� �estofos e quadros. ningu m conseguia no entanto convencer o rei a mudar-se. e mesmo quando se� deslocava para mafra ou para salvaterra de magos, onde era costume haver grandes ca adas,�exigia dormir num acampamento. e que acampamento! porbaixo das tendas espalhavam-se camas, fog es, baixelas, cofres, roupas,� cabeleiras, j ias, armas, al m dos instrumentos� �musicais, gaiolas de falc es, c ezinhos de estima o e toda� � ��a esp cie de objectos necess rios para cozinhar, para comer,� �para ca ar e para os cerimoniais religiosos que se faziam�diariamente. sabendo que os caminhos eram p ssimos e que�n o havia outros meios de transporte al m de cavalos, mulas,� �carro as e carruagens, fica-se com uma ideia do tempo e da�complica o tremenda que era montar estes acampamentos!��alojariam, al m da fam lia real, uma enorme comitiva de� �

fidalgos, criados, escravos, m sicos, m dicos, frades confessores, cozinheiros,� � falcoeiros, mestres de dan a e mestres-de-armas, pois a vida continuava a fazer-se� como seestivessem em casa. ningu m se lembraria de mudar de h bitos porque estava� �

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acampado! as princesas e damas nobres continuavam a terli es de m sica, a vestir trajes luxuos ssimos e a�� � �enfeitar-secom j ias e cabeleiras posti as, tal como os homens! n o se� � �interrompiam as li es de esgrima, nem os jogos de cartas��que se podiam prolongar v rias noites seguidas.�

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tamb m n o se simplificavam as refei es, que eram aut nticos banquetes.� � �� � chegavam a servir-se sessenta pratos, incluindo peixe, carne, tortas, pastel es,� chocolates, doces. oslegumes e frutas eram pouco apreciados. n o admira portanto�que fossem gordos e sofressem de doen as provocadas pela�alimenta o. comiam de mais e os assados e guisados eram��feitos com enormes quantidades de banha de porco, azeite,muitos temperos.

v - as paix es do rei�

o rei era um homem afectuoso. gostava muito da fam lia�mas tratava a mulher e as filhas com bastante cerim nia, o�que ali s era h bito. os casamentos dos reis e dos grandes� �senhores n o se faziam por amor, mas por conveni ncia pol tica� � �ou de fortuna. tamb m n o havia grande intimidade entre� �pais e filhos. as crian as eram entregues primeiro a amas e�aias, depois a professores. a eles confiavam os seus desgostose alegrias. se tinham um problema, mais depressa corriampara os bra os da ama do que para os bra os da m e!� � � a rainha d. mariana era uma mulher voluntariosa e spera,�o que se compreende pois desde pequena viveu fora do seuambiente. era filha dos reis de espanha, mas aos seis anosmandaram-na para fran a pois estava destinada a casar com�o rei franc s. quando se come ava a habituar a outros� �costumes, a outra l ngua, ao conv vio com pessoas diferentes,� �rompeu-se o noivado e regressou a madrid. algum tempodepois veio para portugal. n o devia ser f cil para uma menina� �de dez anos integrar-se na corte portuguesa e casar com umrapaz de quinze que n o conhecia! mas n o teve outro rem dio� � �sen o cumprir o destino que escolheram para ela.� o rei tratava-a bem, mas tinha amantes. ao contr rio de�outras rainhas, d. mariana n o aceitou as infidelidades do�marido com resigna o e fazia violentas cenas de ci mes.�� �para as evitar d. jos tentava ser discreto. geralmente�reunia-se com o marqu s de pombal s oito horas da noite para� �tratar de assuntos do reino. mas diz-se que muitas vezes,quando o julgavam reunido com o ministro, estava com a suaamada e s aparecia junto do marqu s pelas onze, onze e� �meia. 0 pior que, com tantos criados, aias, amas, frades,�padres, a circularem pelo pal cio, as intrigas corriam de boca�em boca e ningu m ignorava esses encontros secretos com�a sua preferida, a jovem e bonita marquesinha de t vora.�chamava-se maria teresa e era casada com lu s bernardo.�

a fam lia dos t voras fingia ignorar o romance, pois convinha-lhe aquela paix o do� � � rei. a rainha, que n o era para brincadeiras, reagiu fortemente.�certo dia, quando andavam a ca ar na tapada de mafra,�

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deu um tiro de longe e atingiu de rasp o a cara do marido.�o rei ficou com as bochechas ensanguentadas e crivadas dechumbos, mas aceitou que se tratara de um acidente, tantomais que nessa manh estava nevoeiro. no entanto, n o faltou� �quem dissesse ter sido uma vingan a, dado que a rainha era�excelente atiradora! d. jos , cautela, tornou-se mais� �prudentenas suas sa das nocturnas. no entanto, n o deixou de procurar� �teresinha de t vora. claro que as intrigas e mexericos continuaram para grande� t ria de d. mariana. vendo que os t voras� �n o tomavam uma atitude, resolveu falar abertamente no�assunto para os envergonhar. na primeira ocasi o referiu-se�alto e bom som aos amores il citos do rei diante do velho�marqu s de t vora, que n o p de continuar a fingir que n o� � � � �sabia de nada. para impedir que d. jos procurasse outras, a mulher�alimentava-lhe as paix es alternativas: ca a, touradas e� �pera.�

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organizava constantemente batidas ao javali, aos lobos eraposas. levantava-se muito cedo, tanto no ver o como no�inverno, vestia uma saia rodada por cima das cal as de homem�e botas at ao joelho, escondia o cabelo por baixo de um�chap u de feltro quase masculino e partia, obrigando as damas�a acompanh -la. para o marido n o era sacrif cio, mas a� � �corte resmungava, sobretudo quando tinham que cavalgar horasa fio debaixo de chuva! algumas senhoras fingiam doen as�ou crises nervosas para poderem ficar em casa sem ofenderos soberanos. al m disso multiplicavam-se as touradas, festas, banquetes,�espect culos de teatro e pera.� �

vi - as touradas

a tourada era um dos espect culos preferidos, n o s do� � �rei como de todas as classes sociais. n o havia pra as de� �touros fixas, e por isso aproveitavam-se os largos existentesem vilas e cidades. rodeavam-nos de t buas e armavam�bancadas onde os melhores lugares eram a pre os alt ssimos.� � as corridas de touros realizavam-se para comemorar datasfestivas como o nascimento de um pr ncipe, o casamento de�uma princesa, a aclama o do rei. ou ent o para fins de�� �caridade. os conventos de frades e freiras organizavam touradas que dedicavam � Virgem e aos santos, quando precisavam de mais dinheiro para as suas obras de assist ncia. e�a venda de bilhetes era garantida! j ent o se fazia uma esp cie de publicidade. uma semana� � �antes havia cortejo de cavaleiros mascarados que iam pelarua a anunciar o espect culo e vendiam-se programas que�indicavam, tal como hoje, o nome de toureiros e dos criadores

de gado que enviavam touros. s que, al m da disputa homem-touro, havia ainda� � outros n meros para entreter a multid o.� � primeiro, dan as ao som de pandeireta. a arena enchia-se de homens e mulheres� com trajos coloridos e o p blico�aplaudia, assobiava, atirava flores ou ovos num entusiasmo

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crescente. levantava-se tanta poeira que era necess rio regar�a arena para os n meros seguintes. l vinham ent o os cabe udos que lan avam� � � � � esguichos de gua, enquanto a multid o� �se agitava impaciente. a seguir entravam os cavaleiros. vinham a galope, deespada em punho, para mostrar a sua habilidade no manejodas armas. o que tinham que fazer era cortar a cabe a de�v rios carneiros presos a uma estaca. mas de um s golpe!� �o sangue espirrava, salpicando cavalos, cavaleiros e os espectadores em del rio.� para aliviar a tens o entre o p blico, havia tamb m partes� � �c micas - os entremezes -, que consistiam em palha adas� �ou cenas em que entravam touros e toureiros de cart o presos�a bexigas de ar quente que esvoa avam pelo ar simulando�lutas a reas. homens, mulheres e crian as desmanchavam-se a rir!� � mas o momento alto era o encontro entre o homem e otouro. os toureiros vinham a cavalo, mas n o usavam estribos�nem esporas, conduziam a sua montada apenas com a press o�dos joelhos. na arena, desenrolava-se um aut ntico bailado,�com os cavaleiros rodeando o touro, cravando bandarilhas,enquanto a multid o aplaudia ou apupava a sua actua o.� ��e, por fim, com um golpe certeiro no pesco o, o toureiro derrubava o touro� provocando uma alegria selvagem, e umaemo o tremenda. as damas cheiravam lencinhos com perfume, abanavam-se com leques,�� apaixonavam-se de longepelos seus dolos que ali tinham dado provas de grande�bravura.

vii - a ltima corrida de touros� em salvaterra de magos

conta-se que a ltima corrida em que houve touros de�morte decorreu em salvaterra de magos. o jovem conde dos arcos enfrentou um touro ?orme,brav ssimo, de grandes ?cornos retorcidos na ponta que assim�que entrou na arena mostrou a sua for a e agilidade. pouco�depois de come ar a lide, o cavalo foi derrubado e o�cavaleiro,

ferido numa perna, n o conseguiu levantar-se. o touro, enraivecido, arremessou-o� pelos ares, esperou a queda etrespassou-lhe a barriga com as hastes. um coro de afli o��ecoou pelas bancadas ! o marqu s de marialva, pai do toureiro, estava entre a�assist ncia. louco de dor, atirou-se para a arena de espada�em punho. de nada serviam os protesto do rei, que tentava

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impedi-lo receando mais uma morte! apesar dos seus setenta anos, o marqu s n o hesitou e,� �disposto a dar a vida se fosse preciso, foi direito ao touro,provocando-o e, ap s um combate que a todos pareceu�inf nd vel, viu-se o homem crescer para a fera e trespass -la� � �com a l mina da sua espada. na bancada as mulheres choravam, os homens� emocionados, aplaudiam quem tivera coragem suficiente para assim vingar o filho. nesse momento, um vulto que todos reconheceram imediatamente, surgiu na tribuna do rei. era o marqu s de pombal.�p lido e irado, teria dito ent o:� � - portugal precisa de homens para a guerra, n o pode�perd -los na arena.� d. jos , profundamente abalado, decidiu proibir os touros�de morte. mas os portugueses n o estavam dispostos a prescindir daquela tradi o,� �� daquele espect culo t o forte, t o� � �viril,t o violento! portanto continuou a haver touradas at aos dias� �de hoje !

viii - os espect culos musicais�

a m sica fazia parte da vida quotidiana da corte e dos�nobres. realizavam-se espect culos de pera nos teatros e,� �al m dos bailes faustosos, havia concertos nos pal cios do� �rei e dos grandes senhores. ficaram c lebres v rios cantores� �estrangeiros que se radicaram em lisboa, al m da famosa�portuguesa lu sa todi. nesta poca deu muito que falar uma� �c lebre italiana chamada zamparini, com quem os homens�perdiam a cabe a. cantava lindamente, fazia-se pagar muito�bem e provocou os maiores esc ndalos na corte. a rainha,�furiosa com tal xito e com os presentes que o rei enviava � �cantora, conseguiu que a expulsassem e que da em diante�subissem ao palco apenas homens. quando tinham que fazerpap is de mulher, utilizavam disfarces.� quanto aos concertos do pal cio, foram-se tornando cada�

vez mais insuport veis, pois eram muito longos e a rainha�insistia em cantar. e como era proibido aos nobres sentar-sena presen a dos reis, as salas nem sequer tinham cadeiras.�exaustos, fartos do espect culo, cheios de dores nas pernas,�acabavam por se ajoelhar, posi o que permitia algum al vio�� �mas que estava longe de ser c moda. consta que num destes�longos e fastidiosos saraus o embaixador de fran a acabou�por ir para a sala ao lado deitar-se no ch o.�

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enfim, dividindo o tempo entre ca adas, touradas e festas,�o rei foi deixando o governo cada vez mais entregue na m os�do marqu s de pombal.�

ix - o marqu s de pombal�

o marqu s de pombal foi sem d vida a personalidade� �mais marcante do s culo xviii em portugal. era um homem�t o inteligente, culto, firme e determinado que foi capaz de�pegar nas r deas do poder e alterar o curso da hist ria.� �para atingir os seus fins, nunca hesitou em afastar do caminhoos que se lhe opunham, e fazia-o de forma t o violenta quanto�lhe parecesse necess rio. assim, suscitou grandes paix es.� �uns adoravam-rio at idolatria. outros odiavam-no de morte.� �de tal forma que, ainda hoje, quando se pretende falar acercadele dif cil n o tomar uma posi o, seja ela contra ou a� � � ��favor.

quem era o marqu s de pombal?�

o seu nome era sebasti o jos de carvalho e melo.� �nasceu no dia 13 de maio de 1699 em lisboa, provavelmenteno pal cio dos carvalhos, que ficava na rua formosa.�

a sua fam lia pertencia pequena nobreza, mas n o tinha� � �grande fortuna. o pai, manuel de carvalho e ata de, era capit o de cavalos.� �a m e chamava-se teresa lu sa de mendon a. sebasti o� � � �jos foi o filho mais velho do casal. depois dele, nasceram�ainda duas meninas, que muito novas entraram para umconvento de freiras, e dois rapazes: francisco xavier e paulo.os irm os foram muito unidos pela vida fora.� sebasti o jos era alto, forte e bem-parecido. o seu olhar� �vivo e a figura imponente contribu ram para que se destacasse�entre a juventude daquele tempo. aos vinte e tr s anos casou com a filha de um grande�senhor da nobreza, o conde dos arcos. a noiva, teresa de noronha, era dez anos mais velha,vi va e muito rica. imposs vel saber se casou por amor ou� � �por ambi o. mas sabe-se que a fam lia dela se recusou a�� �dar o seu consentimento. sebasti o jos decidiu ent o rapt -la. e como mesmo� � � � depois de casados nunca foram aceitesnem pela alta nobreza nem pelos familiares, retiraram-se parauma quinta em soure e a permaneceram cerca de dez anos.� nesta fase pacata da vida, dedicou-se muito ao estudo,adquirindo uma vasta cultura. em 1733 conseguiu ser admitido numa institui o ?e grande��prest gio - a academia de hist ria -, o que representava� �um primeiro passo importante para quem queria fazer uma

carreira pol tica.� cinco anos depois, o rei d. jo o v enviou-o para inglaterra�como seu representante. ao que parece, n o impressionou muito favoravelmente�os ingleses nem fez nada de not vel. mais uma vez aproveitou�o tempo sobretudo para estudar. a mulher morreu entretanto, deixando-o vi vo e sem filhos.�

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em 1744 regressou a portugal para tratar de uma quest o�de heran as e no ano seguinte o rei enviou-o para o�estrangeiro,desta vez como embaixador em viena de ustria. ali viria a�casar-se de novo com leonor de daun, uma austr aca da�alta nobreza. o casal teve cinco filhos: teresa xavier, henrique jos ,�maria francisca, jos Francisco e maria am lia.� �

o regresso definitivo a portugal

enquanto esteve na ustria, sebasti o jos nada fez de� � �extraordin rio. o rei d. jo o v, desiludido, mandou-o� �regressara portugal e n o lhe deu qualquer recompensa pelos servi os� �prestados no estrangeiro. no entanto, a sorte ia mudar! d. jo o v morreu em 1750�e subiu ao trono o seu filho mais velho, d. jos I.� o novo monarca n o tinha qualquer experi ncia de governo,� �pois nunca fora chamado pelo pai a pronunciar-se sobre osneg cios de estado. o pa s sofria uma grave crise econ mica.� � �

chegava cada vez menos ouro do brasil, as exporta es de��vinho, a car e tabaco diminu am, o que prejudicava muito o�� �com rcio. ind stria praticamente n o havia e a agricultura� � �n o produzia o suficiente para alimentar a popula o. a� ��nobrezatinha demasiado poder, o povo reclamava, a desorganiza o��era total. d. jos decidiu mudar o governo, para resolver os problemas do pa s. assim,� � manteve apenas um ministro queservira seu pai e nomeou dois ministros novos; um deles foi

precisamente sebasti o jos .� � nesta escolha parece ter sido aconselhado por umdiplomata chamado d. lu s da cunha, que antes de morrer�deixou escrito um ??testamento pol tico?? no qual dava v rios� �conselhos ao rei. um desses conselhos consistiu em recomendar que chamasse sebasti o jos de carvalho e melo para� �

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junto de si. al m disso, a m e do rei que era austr aca� � �gostavamuito de leonor de daun e tamb m apoiou a ideia.� foi a partir dessa altura que o marqu s de pombal teve�oportunidade de mostrar do que era capaz.

x - o marqu s de pombal� e o terramoto

durante os vinte e sete anos que durou o reinado ded. jos I, quem de facto governou o pa s foi o poderoso e� �en rgico marqu s de pombal. o rei confiava nele em absoluto� �e aprovava todas as decis es que tomasse, sobretudo ap s� �o terramoto de 1755, pois no meio da afli o e desnorteamento��geral o ministro conseguiu manter o sangue-frio e tomar medidas t o r pidas e� � eficazes que alcan ou um prest gio imenso.� �em 1759, o rei deu-lhe o t tulo de conde de oeiras e dez�anos depois o de marqu s de pombal. foi com este t tulo� �que ficou conhecido na hist ria.�

no dia 1 de novembro

o marqu s de pombal leva?rtava-se sempre muito cedo�para trabalhar. quando a terra come ou a tremer, encontrava-se no gabinete do seu� pal cio na rua formosa. durante�alguns instantes permaneceu hirto e assombrado! dasentranhas da terra elevou-se um ronco medonho, e logo deseguida as paredes balan aram com viol ncia fazendo rebentar� �as vidra as nos caixilhos de madeira. os m veis pesados� �dan avam em redor como se tivessem adquirido vida e a�papelada voo? misturando-se no ch o com vidros partidos,�livros, cacos, peda os de cali a.� � correndo s cegas, a criadagem gritava em p nico total.� � o marqu s, embora apavorado, soube dominar-se como�era seu h bito. chamou um criado, enfiou apressadamente a�longa cabeleira e dirigiu-se s cavalari as. meteu-se na carruagem e ordenou ao� � cocheiro que o conduzisse a bel m.�o pobre homem tremia como varas verdes e viu-se aflitopara dominar os cavalos que, surpreendidos e assustados,se agitavam relinchando com nervosismo. na rua, o espect culo era de pesadelo. a parte baixa da�cidade estava reduzida a escombros. as casas tinham-seabatido sobre os moradores, irrompiam chamas aqui e al m,�colunas de fumo e poeira grossa elevavam-se no ar com umintenso cheiro a enxofre. por entre a atmosfera sufocante,ouvia-se o clamor cont nuo de milhares de vozes gritando em�desespero. os cavalos empinaram-se e foi preciso chicote -los para�os obrigar a galopar em direc o a bel m.�� �

quando o rei viu aparecer o ministro, correu para eledando gra as a deus. com o terror estampado na cara, ter-lhe-ia perguntado :� - e agora? que havemos de fazer? a resposta foi breve: - enterrar os mortos e cuidar dos v?vos. na verdade, ningu m sabe ao certo se o marqu s de� �

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pombal disse ou n o disse esta frase. mas o importante � � que a executou. deixando a fam lia real muito combalida em bel m, regressou a lisboa na sua� � carruagem. e durante oito diaspercorreu as ruas da capital sem nunca ir a casa para comer

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ou dormir. os criados traziam-lhe alimentos e os secret rios�sucediam-se a receber ordens. sebasti o jos observava o� �que se passava sua volta e tomava as decis es necess rias� � �em cima do acontecimento. o rei dera-lhe carta branca. osoutros ministros n o intervieram em nada pois um estava velho�e doente e o outro fugira para parte incerta. o fogo alastrava, imposs vel de combater com efic cia� �tal era a falta de gua. mas ap s o terramoto eram de recear� �outras pragas terr veis: a peste, a fome, a pilhagem.� tantos cad veres sem sepultura por certo causariam�doen as e epidemias num curto espa o de tempo. era necess rio resolver o problema� � � com rapidez. n o era poss vel� �identificar as pessoas mortas nem proporcionar-lhes um enterrocrist o. assim, ordenou que recolhessem os corpos e os�levassem de barco para que fossem atirados ao mar. algunspadres acompanhavam estes cortejos para que os defuntosn o partissem para o outro mundo sem uma ltima b n o.� � � �� esta medida n o resolvia inteiramente a quest o. o risco� �de peste espreitava por debaixo dos escombros pois ficaramuita gente soterrada e, enquanto n o removessem o entulho,�n o conseguiam retirar os corpos. 0 marqu s n o hesitou.� � �deu ordem para que as ru nas fossem regadas com cal viva.� ao terramoto n o sobreveio a peste.� a popula o, dispersa e desnorteada, que tugia em bandos��sem saber para onde, que se reunia em acampamentos montados de improviso nas zonas mais altas e desguarnecidas,ou que teimava em remexer nas cinzas tentando recuperarao menos uma parte dos seus bens, n o tinha que comer.�dep sitos de alimentos, despensas e lojas desapareceram�na voragem. o ministro enviou emiss rios a cavalo para chamarem a�lisboa os soldados das guarni es mais pr ximas: santar m,�� � �pen che, abrantes e estremoz. de caminho deviam trazer os�mantimentos que conseguissem arranjar nas quintas, pomares,aldeias e vilas. as localidades n o afectadas pelo terramoto�foram obrigadas a entregar tudo o pudessem: cereais, legumes,frutas e gado. assim, foram chegando capital barcos, carros de�bois, carro as, cheios de g neros aliment cios. mas que ningu m ousasse roubar� � � � nada! no terreiro do pa o instalou-se um primeiro centro de distribui o. por todo� �� o ladose constru am fornos destinados a fazer p o. a cidade foi� �dividida em doze bairros, cada um orientado por homens

de confian a cuja tarefa era distribuir sopa e p o pelos moradores. os soldados� � davam o seu apoio, impedindo que as pessoas a ambarcassem mais do que precisavam.� desde o dia 3 de novembro foi proibido que qualquer navio portugu s ou estrangeiro sa sse de lisboa ou dos� �portos vizinhos. os por es eram revistados e tudo o que n o fosse� �

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indispens vel para alimento da tripula o ficava retido e� �� confiscado. os homens v lidos que seguiam nas caravanas em fuga�

eram for ados a regressar. lisboa precisava de todos. e,� como o exemplo deve vir de cima, o marqu s de pombal� convenceu o rei a ficar onde estava, pois ele pretendiaretirar -se para coimbra. no pal cio de bel m, a fam lia real acabou� � � por abrir as portas, dando de comer e de vestir a quantos pediam asilo. o mesmo fizeram outras fam lias nobres cujos palacetes� tinham sido poupados e at os conventos de clausura receberam feridos e� necessitados de ambos os sexos. as medidas foram r pidas e eficazes. ningu m morreu� �de fome depois do terramoto. a terceira praga abateu-se sobre a cidade ainda a terramal parara de tremer porque as paredes, desmoronando-se,fecharam uns espa os e abriram outros. assim, enquanto�centenas de homens ficavam prisioneiros dentro da pr pria�casa em ru nas, houve condenados que viram rebentar diante�de si os muros da pris o, recuperando, com estrondo, a liberdade!� num ambiente de salve-se quem puder, f cil imaginar� �o que fizeram os ladr es. pelas ruas, jaziam homens e mulheres, carregados de� j ias, objectos de ouro e prata, ou simples�bolsas com dinheiro. conventos, igrejas e pal cios semidestru dos exibiam tesouros� � magn ficos. muita gente s ria e honesta ter descoberto que afinal era capaz de� � � roubar, quandodeu com os olhos no cofre esmigalhado de onde escorriammoedas, na travessa de prata que os aban es arremessaram�por uma janela ou no fio de ouro pendurado ao pesco o de�qualquer moribundo. a pilhagem come ou, desenfreada. os mais audazes�enfiavam-se pelas casas ricas, ou pelas igrejas, ignorando operigo que corriam, pois em muitas casas paredes e tectosamea avam ruir. despojavam-se os cad veres e havia mesmo� �quem chegasse ao ponto de matar feridos para mais facilmenteos roubar! indignado, o marqu s de pombal mandou que patrulhas�de soldados percorressem as ruas dia e noite. quem fosseapanhado em flagrante seria enforcado sem julgamento. emv rios locais levantaram-se forcas e n o tardou que ali� �balan assem os corpos dos malfeitores. durante v rios dias� �a cidade assistiu a mais um espect culo sinistro! mas o efeito�fez-se sentir. muitos desistiram de roubar, receando ter amesma sorte. ao fim de oito dias, o marqu s, sem nunca abandonar a�carruagem que lhe servia de habita o itinerante, fizera cento��

e trinta leis! mas a sua actua o n o se limitou a tomar�� �medidaspor escrito. tentou por exemplo explicar s pessoas que o�terramoto tinha sido provocado por causas naturais. a maioriada popula o era pouco instru da e acreditava facilmente no�� �que lhe diziam os pregadores ambulantes, que afirmavam tratar-se de um castigo divino. essas conversas desencadeavamum verdadeiro terror, pois os pregadores garantiam que embreve haveria novas cat strofes ainda piores. como evidente,� �isto n o ajudava a serenar os esp ritos e dificultava mesmo o� �

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restabelecimento da ordem. para cortar o mal pela raiz, omarqu s de pombal foi mandando prender esses homens, e�discretamente enviou-os para angola.

xi - a reconstru o de lisboa��

reconstruir a cidade n o era f cil!� � havia cerca de vinte mil casas, ca ram dezassete mil.�havia quarenta igrejas, ca ram trinta e cinco. havia sessenta�e cinco conventos, s sobraram onze. os seis hospitais desapareceram todos.� palacetes eram cerca de quarenta, ru ram�trinta e tr s. al m dos preju zos incomensur veis, a cidade� � � �ficou afogada em entulho. sem os recursos modernos, podemosimaginar a multid o que tinha de trabalhar com p s e outros� �instrumentos simples, para retirar calhaus, pedras, telhasesmigalhadas, restos de madeira carcomida pelo fogo! a medidaque o entulho era retirado, surgia dos escombros o que restavade tesouros magn ficos. pe as de ouro do patriarcado, j ias� � �das igrejas e casas particulares, pratas dos pal cios, cofres�cheios de moedas. para evitar que os homens cedessem tenta o de meter� ��ao bolso as pe as mais pequenas, o marqu s de pombal� �mandou espalhar soldados com a incumb ncia de vigiarem sobretudo os trabalhos� junto da casa da ndia, do pal cio da� �ribeira e das igrejas e casas mais ricas. al m disso,�revistavamperiodicamente os que trabalhavam e ai de quem tivesse nasalgibeiras ouro chamuscado! la imediatamente para a forca. perderam-se para sempre belas tape arias da flandres,�servi os de loi a da china, m veis, cristais de veneza, livros� � �precios ssimos como os cinquenta mil volumes da biblioteca�de d. jo o v. mas quanto aos objectos de ouro e prata, salvaram-se alguns, mesmo� amolgados. a nica solu o era� ��fundi-los, para os transformar em barra ou em moeda. os

fundidores n o tiveram ent o m os a medir.� � � durante um ano inteiro, aut nticos batalh es de pessoal,� �que inclu am homens livres, escravos e condenados, ocuparam-se a desentupir a� cidade. a cat strofe impressionou tanto os estrangeiros, que enviaram socorros diversos.� de inglaterra por exemplo vieram barcoscom dinheiro, vestu rio, mantimentos e ferramentas. de espanha quatro coches com� sacos de ouro, de hamburgo materiaisde constru o.��

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manuel da maia, que era engenheiro-mor do reino, come ou�logo a trabalhar nos planos para reconstruir a cidade.o marqu s de pombal n o queria que lisboa crescesse ao� �acaso e proibiu que se constru sse fosse o que fosse antes�de estar aprovada uma nova planta. mas as pessoas quetinham ficado sem casa, fartas de dormir ao relento, come aram�a erguer barracas, pequenas habita es, l jas, tanto em�� �madeira como de pedra e cal. em seis meses, levantaram-senove mil pr dios.� o engenheiro manuel da maia, que tinha nessa poca�oitenta anos, deu provas de grande vitalidade pois apresentouv rias hip teses:� �

reconstruir a cidade tal qual era dantes, embora comalguns melhoramentos: ruas mais largas, casas maismodernas, que na zona central deviam ter apenas lojase dois andares por cima;2. deixar que lisboa crescesse ao acaso e conforme a vontade e o gosto dos moradores e construir uma capital novinha em folha na zona de bel m;�3. arrasar os edif cios em ru nas e fazer um plano moderno� � para a zona central da cidade? ? r??y?

manuel da maia preferia a segunda hip tese, o que se�compreende, pois qualquer engenheiro ou arquitecto teriagrande prazer em imaginar uma cidade nova e v -la crescer�sem compromissos com o passado. no entanto o marqu s de pombal e o rei decidiram-se�pela terceira hip tese. n o era f cil lev -la a cabo. al m dos� � � � �problemas de remo o total do entulho, seria necess rio�� �destruiras casas que se ergueram pressa depois do terramoto e�redistribuir as propriedades. mas mesmo assim optaram poresta hip tese.� encarregaram seis equipas de fazer projectos para areconstru o. foi aprovada a planta apresentada por eug nio�� �dos santos que mais tarde sofreu algumas altera es nas��quais ele recebeu ajuda de carlos mardel. para aquela poca, o projecto era modern ssimo! as ruas� �deviam ser todas largas e tra adas de forma geom trica. ou� �seja, umas perpendiculares s outras.�

a largura das ruas pareceu excessiva a muitas pessoas da poca. para qu tanto� � espa o perdido? o marqu s,� �que era um homem de vis o, teria dito:.?um dia h o-de ach -las estreitas. 0 tempo� � � deu-lhe raz o. actualmente dif cil circular nesta zona, e os engarrafamentos s o� � � � constantes. era preciso pensar tamb m noutros pormenores t cnicos.� �

que fazer para que os novos pr dios fossem mais resistentes�aos abalos de terra? acordou-se em construir nas ruasprincipais edif cios de cinco pisos, sendo o r s-do-ch o destinado a lojas e o� � � ltimo andar de guas-furtadas.� � para tornar a estrutura mais resistente, a t cnica da poca� �n o tinha solu o.� �� julga-se que foi carlos mardal quem inventou ?m sistemasimplic ssimo, pr tico e funcional - ??a gaiola??. ou seja,� �uma

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estrutura de madeira que, no caso de ser sacudida, temelasticidade suficiente para balan ar e n o cair.� � conta-se que carlos mardel quis fazer uma experi ncia�para ver se a sua ideia era de facto boa. assim, teriaconstru do�um primeiro edif cio pequeno e mandou que um regimento�militar marchasse com viol ncia em cima dele. a.?gaiola?? (')�aguentou-se. os pr dios constru dos nessa poca ainda existem e j� � � �sobreviveram a v rios abalos de terra. esta ideia foi depois�utilizada noutros pa ses e com o tempo sofreu transforma es - a ??gaiola?? passou� �� a ser feita primeiro em metal edepois em bet o armado.� ao medo dos terramotos juntava-se o pavor do inc ndio.�que fazer par? os evitar? os t cnicos imaginaram duas solu es. a baixa seria� ��constru da sobre estacas de madeira que mergulhavam fundo�nas guas do subsolo. de certo modo, era como se os pr dios� �tivessem ??os pezinhos na gua??, o que protegia um pouco�

(a?;f?? ? r?? ? ?;

guarda-logos

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(') a madeira para as ??gaiolas?? dos edif cios da baixa�veiodas florestas tropicais do brasil.

dos inc ndios. e entre os edif cios fizeram-se muros para� �evitar a propaga o das chamas. esses muros t m o nome�� �de guarda-fogos.

quanto ao povo, que de t cnicas nada sabia, procurou�proteger-se sua maneira. em muitas fachadas foram aplicados�

pain is de azulejo representando os santos da devo o do� ��propriet rio. a esses pain is chama-se ??registos??.� �

os esgotos

poca de reconstru o tamb m tempo de pensar no� �� � �conforto das casas. um dos problemas por resolver no s culo�

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xviii consistia no destino a dar aos despejos. at ent o,� �utilizava-se sobretudo a rua. as pessoas atiravam o lixo e agua suja pela janela fora. alguns senhores mandavam os�escravos e criados fazer os despejos no rio. manuel da maia apresentou tr s solu es para este� ��problema:

1. fazer esgotos em todas as habita es. a ideia parecia -lhe boa, mas muito�� cara;2. as pessoas podiam continuar a atirar o lixo para a rua, organizando-se uma recolha di ria;�3. deixar que o lixo se acumulasse em valas abertas ao longo das ruas e recolher a porcaria uma vez por ano. esta solu o tinha tamb m os seus inconvenientes. seria�� � indispens vel p r vidros nas janelas por causa do mau� � cheiro.

apesar de ser uma solu o cara, o marqu s de pombal�� �optou, e muito bem, pela primeira proposta. mas decidiu queos pr dios teriam vidros, para dar mais conforto aos�moradores,pois nestes pr dios n o haveria fog es de sala.� � � dito assim, parece que as casas passaram a ser comohoje, o que n o verdade. em muitas casas fizeram-se de� �facto os esgotos, mas n o havia gua canalizada nem casas� �de banho. os despejos faziam-se na pia da cozinha e eramempurrados com baldes e jarros de gua que a dona da�casa ou as criadas iam encher ao chafariz. quanto inova o das vidra as, como a maior parte das� �� �pessoas n o e?tava habituada a ter sen o portadas de madeira,� �se os vidros se partiam n o os mandavam substituir, o que�dava s fachadas um aspecto deplor vel. foi necess rio� � �publicar uma lei para obrigar a repor os vidros quebrados! a baixa nasceu portanto depois do terramoto, com oaspecto que lhe conhecemos hoje. ruas largas, direitas ospr dios obedecendo a um modelo comum que lhes confere�harmonia e eleg ncia. sobre o rio, rasgou-se a linda e pomposa�pra a do com rcio, mais conhecida por terreiro do pa o.� � �no centro foi colocada uma est tua do rei d. jos I a cavalo,� �concebida por um dos maiores escultores portugueses -- machado de castro.

os pal cios�

como os nobres queriam construir os seus pal cios�conforme o gosto pessoal de cada um, sem obedecer aomodelo escolhido pelo marqu s de pombal, n o puderam faz� � �-lo na baixa. assim, nasceram lindos solares pelas colinasde lisboa. alguns est o ainda de p . s o geralmente s brios� � � �e austeros, ao contr rio do que tinha sido moda antes do�

terramoto.

o bota-abaixo

ligado reconstru o de lisboa ficou o famoso bota-abaixo. era um homem� �� en rgico, forte, mas bastante abrutalhado, que se chamava jos Ant nio monteiro de� � � carvalhoe era sargento.

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quando o marqu s de pombal, em fevereiro de 1756,�mandou deitar abaixo as casas constru das depois do terramoto�sem autoriza o e as ru nas que continuavam de p , encarregou-o de chefiar grupos�� � � de homens que deviam executar oservi o. e ele cumpriu a tarefa risca, com uma esp cie de� � �alegria selvagem. na sua frente n o ficava pedra sobre pedra,�apesar dos choros e lamentos dos que viam desaparecer acasa pela segunda vez. odiado, temido, foi de certo modo quem concluiu o efeitodo terramoto. bala e picareta desfez o que restava da� �baixa!

xii - o marqu s de pombal um ??d spota iluminado??� �

quando o marqu s foi nomeado ministro, revelou-se desde�logo um homem en rgico. depois do terramoto, a sua ac o� ��pronta e eficaz deu-lhe grande prest gio, a total confian a do� �rei e um poder enorme. desde ent o ficou bem claro que, tal�como os outros governantes do seu tempo, seria um d spota.� nesta poca, quase todos os reis da europa governavam�com pulso de ferro: catarina ii na r ssia; lu s xv em fran a;� � �o imperador frederico ii na pr ssia; a imperatriz maria teresa�na ustria. as leis eram feitas de acordo com a vontade do�rei e n o se podiam discutir. quem se lhes opusesse, era�perseguido, preso ou morto porque ao governante era reconhecido o direito de dispor dos bens e da vida dos seuss bditos. assim, embora todos eles tenham cometido injusti as� �e prejudicado indiv duos das tr s classes sociais, conseguiram� �modernizar com certa rapidez os respectivos pa ses, pois n o� �tinham que discutir com ningu m as reformas que queriam�fazer. e faziam-nas. lan aram os impostos que muito bem�entenderam, desenvolveram a agricultura, criaram ind strias,�constru ram vias de comunica o, protegeram o com rcio.� �� �por isso se lhes chama ??d spotas esclarecidos?? ou ??d spotas� �iluminados??. acima dos interesses particulares, erguia-se oestado. e como o rei era o s mbolo do estado podia actuar�sem restri es.�� em portugal, o ??d spota esclarecido?% n o foi o rei, mas� �o marqu s, visto que era ele quem governava.� e o mesmo homem que n o vacilou perante o espect culo� �terr vel da cidade destru da, e foi capaz de imediatamente� �tomar medidas para proteger a popula o, derrubou sem d�� �nem piedade todos os que se atravessaram no seu caminho.

xiii - os inimigos do marqu s�

todos aqueles que se lhe opunham, que o criticavam outentavam impedi-lo de governar como entendia, passavamimediatamente para o grupo dos inimigos e eram perseguidos.os pr prios irm os bastardos do rei, geralmente conhecidos� �

por ??meninos de palhav ??, foram envolvidos em intrigas e�desterrados para o bu aco, que era ent o uma serra fria,� �solit ria, muito desagrad vel para viver.� � h imensas hist rias curiosas acerca dos conflitos entre� �o marqu s de pombal e os seus opositores.�

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uma cabeleira na cara

nesta poca todos os grandes senhores usavam cabeleira�posti a. o marqu s, por exemplo, tinha v rias mas todas do� � �mesmo feitio rectangular, com carac is at aos ombros.� � certo dia, o marqu s de pombal foi ter com um dos irm os� �do rei, o arcebispo gaspar, que era um homem important ssimo�pois desempenhava o cargo de inquisidor-mor. levava consigoum documento chamado ??dedu o cronol gica e anal tica??,�� � �onde estava escrito que o rei tinha poder sobre os seus s bditos, incluindo a vida� e os bens, fossem eles do povo,da nobreza ou do clero. al m disso, apresentava a companhia�de jesus como respons vel por todos os problemas que�existiam em portugal e como obst culo ao desenvolvimento. d. gaspar recusou-se a� dar o seu acordo para a publica o desse documento e n o assinou os pap is. o�� � � marqu s insistiu, a discuss o tornou-se violenta e d. gaspar,� �em f ria, arrancou a cabeleira e deu com ela na cara do�ministro! o marqu s retirou-se roxo de f ria e foi fazer queixa ao� �rei. o resultado foi simples. d. jos desterrou o seu irm o� �para o bu aco, retirou-lhe o cargo de inquisidor-mor, que�passoupara as m os de paulo de carvalho e mendon a, irm o do� � �marqu s !� estas e outras hist rias fizeram com que a nobreza e o�clero o detestassem cada vez mais. j o desprezavam por�ter uma origem social mais baixa, n o lhe perdoavam a�influ ncia que exercia junto do rei. de cada vez que ele�atacavaum grande senhor, o dio crescia. n o admira pois que tivessem feito v rias� � � tentativas para o afastar. mas o resultadoera sempre o mesmo: o marqu s descobria a conspira o e� ��o conspirador acabava sendo punido.

os t voras�

a fam lia t vora era das mais ilustres do seu tempo.� �tinham uma grande fortuna e gozavam de grande prest gio.�tal como os restantes membros da alta nobreza, gostariamque o rei retirasse o poder ao marqu s de pombal. mas�como todas as tentativas nesse sentido fracassaram, resolveram

organizar uma emboscada para matar d. jos . se o rei�morresse, o ministro perdia a for a.� ora, acontece que d. jos tinha uma liga o amorosa� ��com a jovem e bonita mulher de lu s bernardo t vora. a fam lia fingiu sempre� � � ignorar o que se passava, porque lhesconvinha. enquanto o rei estivesse apaixonado por ela, n o�

deixaria de os proteger. a rainha que n o levava paci ncia� � � �as infidelidades do marido e decidiu falar no assunto abertamente ao velho marqu s� de t vora. depois disso n o era� �poss vel fingir que n o sabia. e foi um belo pretexto para o� �atentado. os marqueses de t vora e o duque de aveiro�planearam tudo: contrataram atiradores para fazerem uma espera carruagem real.� uma noite, quando o rei regressava

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de um dos seus encontros nocturnos com teresinha t vora,�v rios tiros atravessaram a portinhola, atingindo-o no ombro�e no bra o. o cocheiro espavorido chicoteou os cavalos e�conseguiu fugir a galope, conduzindo o rei para casa dom dico.�

ao contr rio do que seria de esperar, a hist ria n o foi� � �divulgada. o rei recebeu tratamento e guardou segredo arespeito daquela aventura. mas os conspiradores tinham cometido a imprud ncia de� escrever cartas sobre o assunto a unsparentes que viviam no brasil. 0 barco que transportava ocorreio foi apreendido nos a ores e rebentou o esc ndalo.� �

atentar contra a vida do rei era um crime de lesa-majestade,sujeito pena de morte.� a fam lia t vora foi detida quando assistia a um baile na� �c mara inglesa do com rcio e o duque de aveiro numa� �propriedade em azeit o para onde tinha ido ca ar patos.� � seguiu-se o julgamento e a execu o, terr vel como todas�� �as execu es daquele tempo.�� em bel m ergueu-se um estrado de madeira para que as�pessoas assistissem ao espect culo, pois a aplica o de� ��castigos tinha sempre duas finalidades: punir os criminosos eservir de exemplo. e neste caso o castigo seria pavoroso:tortura e morte! os carrascos receberam ordens cru is. ao�marqu s de t vora, por exemplo, deviam partir os bra os e� � �as pernas, antes de o matarem. ao duque de aveiro, teriamque fazer sofrer bastante, mas com cuidado para depois oqueimarem vivo. marquesa, talvez por ser mulher, limitaram-se a cortar-lhe a cabe a. mas o� � carrasco, ou porque o mandaram ousimplesmente porque era mau, submeteu-a pior das torturas.�antes de a executar, contou-lhe tintim por tintim o que iafazer ao marido e aos filhos. d. leonor no entanto aguentou-se com uma coragem not vel. nunca deu parte de fraca,�ajoelhou-se no cadafalso, ajeitou a saia e foi ela pr pria�quemdeu ordem para a execu o, acenando com um len o branco.�� � ao todo foram mortas dez pessoas, mas o castigo n o�ficaria por a . as fam lias envolvidas na hist ria viram-se� � �despojadas dos seus bens. os parentes considerados c mplices foram encarcerados� perto da junqueira. dos palacetesque possu am por todo o pa s desapareceram os bras es de� � �armas, pois emiss rios do rei picaram a pedra at destruir o� �s mbolo de fam lia.� � o ch o por baixo do cadafalsa foi polvilhado com sal,�para que naquele lugar maldito nunca mais nascessem plantas! embora na poca a aplica o da justi a fosse muito� �� �violenta, a execu o foi impressionante e deixou as pessoas��horrorizadas. enquanto o rei foi vivo, mais nenhum elemento

da nobreza se atreveu a desobedecer s leis e vontade de� �quem governava... que era o marqu s de pombal.� por isso mesmo, os dois nomes passaram hist ria� �associados. raramente se fala da ac o do marqu s, sem�� �falar no supl cio dos t voras.� � os historiadores que apreciam o marqu s de pombal como�um grande homem de estado consideram que a morte dos

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t voras n o foi diferente das outras execu es que se faziam� � ��na europa. quem era considerado respons vel por um atentado�contra a vida do rei, n o podia esperar outra coisa sen o a� �pena de morte. h quem diga at que o marqu s n o teve� � � �nada a ver com este processo e que foi o pr prio d. jos ,� �instigado pela rainha, que quis puni-los com tanta severidade. outros, pelo contr rio, afirmam que os t voras estavam� �inocentes e que o marqu s trabalhou na sombra para os�incriminar e assim se ver livre de uma fam lia poderosa.� podemos fazer mil conjecturas, mas nunca saberemosexactamente a verdade. n o deixa de ser curioso que alguns anos mais tarde o�marqu s tenha arranjado o casamento entre o seu filho jos� �francisco e uma sobrinha dos t voras. foram estes dois�que herdaram os t tulos e asseguraram a descend ncia, pois� �o irm o mais velho de jos Francisco n o teve filhos.� � �

os jesu tas�

o alto clero era t o rico e poderoso como a nobreza.�naquela poca, uma ordem religiosa tinha especial import ncia - a companhia de� � jesus, ou jesu tas. e era assim por�v rios motivos. os padres jesu tas dedicavam-se ao ensino.� �sendo pessoas inteligentes e cultas eram mestres olhadoscom respeito e admira o pelos que pertenciam s grandes�� �fam lias e at fam lia real. assim, os jesu tas conheciam� � � � �

desde pequenos aqueles que haviam de ser as figuras maisilustres do seu tempo. al m disso, os padres jesu tas tornaram-se famosos pela� �ac o que desenvolveram junto dos ndios na am rica do�� � �sul. ali fundaram numerosas miss es, onde recebiam homens,�mulheres e crian as, para lhes ensinarem a religi o crist ,� � �procurando transmitir-lhes tamb m outros conhecimentos.�e estabeleceram t o boas rela es que acabaram por se tornar� ��temidos pelos governantes europeus. os mission rios jesu tas� �actuaram com tal independ ncia, que tanto o rei de espanha�como o rei de portugal recearam perder o dom nio daqueles�territ rios.� ora ao marqu s de pombal, que tinha ideias muito pr prias� �sobre a maneira de governar o pa s, n o convinha a presen a� � �da companhia de jesus. portanto arranjou todos os pretextos para os acusar de conspira es e acabou por prender��alguns, expulsar outros e confiscar-lhes as riquezas, que erammuitas. conseguiu at que o pr prio papa lhe desse o apoio� �na luta contra os vinte e dois mil jesu tas que viviam em�portugal!

malagrida

ficou c lebre a hist ria do padre gabriel maiagrida, que� �era o confessor da rainha m e. alto e magro, com longos�cabelos brancos, uma barba de meter respeito e olhos flamejantes, passeava pelas ruas da cidade com os p s descal os� �e roupa imunda. a sua figura ex tica impressionava tanto as�pessoas que depressa ganhou fama de santo e vision rio.�

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depois do terramoto, passou a pregar aos quatro ventos quea cat strofe n o tinha causas naturais, tratando-se de um� �castigo divino. deus estava zangado com os portugueses porcausa dos seus pecados e da persegui o aos jesu tas.�� � o marqu s de pombal n o esteve com meias-medidas.� �exilou-o para set bal. mas ele n o se calou e a quantos o� �procuravam anunciava castigos ainda maiores. entre os seusfi is contava-se a fam lia t vora. toda a gente sabia que� � �d. leonor n o fazia nada sem o consultar primeiro. assim,�foi f cil implic -lo no atentado. mas n o se conseguiu provar� � �que tivesse aconselhado a matarem o rei. a inquisi o acabou por vir a conden -lo como autor de�� �crimes contra a religi o. e o seu destino foi igual ao de�tantos outros. queimado vivo na pra a do rossio.�

xiv - os amigos do marqu s�

os principais colaboradores e amigos do marqu s�de pombal faziam parte da burguesia enriquecida como com rcio e a ind stria. estas fam lias eram do povo e tinham singrado nos� � � neg cios por serem din micos, possu rem uma mentalidade aberta e inovadora dentro� � � da sua poca.�estas qualidades eram muito apreciadas pelo marqu s.�al m disso, n o faziam parte da classe dominante anterior� �constitu da por nobres. portanto o xito das suas actividades n o dependia de� � � antigos privil gios, mas sim da sua pr pria ac o e da protec o que o ministro� � �� �� lhes quisessedispensar. a alian a entre o marqu s e a burguesia servia os� �interesses de ambas as partes. muitas dessas fam lias receberam numerosos privil gios.� �podiam por exemplo ter o exclusivo, ou seja, o monop lio do�com rcio de produtos rendosos como o a car, o tabaco, os� ��sab es, leo de baleia, etc. ou ent o eram nomeados para� � �cargos importantes da administra o p blica, como�� �??tesoureiro-mor do er rio r gio,?, o que significa ser ministro das� �finan as,�administrador da alf ndega de lisboa, procurador da junta�do com rcio ou inspector das obras p blicas, etc. estes cargos, al m de bons� � � ordenados, davam muito prest gio e�import ncia dentro do pa s.� � a maioria dessas fam lias burguesas, cada vez mais ricas�e poderosas, acabaria por receber t tulos de nobreza que�embora fossem concedidos pelo rei eram propostos pelomarqu s de pombal. entre essas, contam-se os quintela-farrobo, os porto c vo da� � bandeira, os caldas machado-benagazil, os cruz sobral.

a fam lia cruz sobral�

esta fam lia foi uma das que se tornariam mais poderosas�no tempo do marqu s de pombal. sobreviveram todos ao�terramoto. o pai, jo o francisco da cruz, era um pequeno�industrial natural de lisboa. homem inteligente e de vis o,�preocupou-se em dar aos filhos uma educa o cuidada.��o mais velho, ant nio jos da cruz, entrou para o convento� �oratoriano de s. filipe nery, tendo chegado a procurador-geral da ordem. sendo muito amigo do marqu s, facilitou�

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bastante a carreira dos irm os.� os irm os fizeram carreiras brilhantes. jos Francisco da� �cruz foi administrador da companhia gr o-par e maranh o,� � �procurador da junta de com rcio, tesoureiro-mor do real er rio� �e administrador da alf ndega de lisboa.� o rei, para o premiar de desempenho dos seus cargos,deu-lhe a quinta da alagoa, em carcavelos e em 1765 passou-lhe uma carta de bras o� de ??morgado de alagoa??. jos�francisco mandou construir um t?elo palacete na rua direitada f brica da seda, que hoje se chama rua da escola�polit cnica.� como n o teve filhos, o irm o joaquim in cio herdou-lhe� � �os bens. desempenhou por sua vez cargos muito importantes

por ocasi o de uma doen a, ant nio jos prometeu mandar� � � �construir uma igreja se se curasse. este quadro representa o momento da promessa e inclui o doente na cama, com os planos daigreja na m o e nossa senhora da vida�

e recebeu o t tulo de conde de sobral de monte agra o.� �casou com uma rapariga brasileira muito rica. o mais novo, anselmo, que tinha sido mandado parag nova estudar, viria a ser um homem muito importante e�muito rico. herdou a fortuna do irm o e da cunhada, herdou�o t tulo de conde de sobral de monte agra o.� �

os estrangeiros

muitas fam lias estrangeiras residiam em portugal e�dedicavam-se sobretudo ao com rcio. tinham in meros privil gios, o que em certos� � � casos prejudicava os comerciantes

portugueses. alguns desses negociantes estrangeiros cometiamabusos e faziam contrabando. o marqu s perseguiu os�contrabandistas mas protegeu os que eram honestos eactuavam dentro da lei. entre esses contam-se os braancamp,de origem holandesa, os vanzeller, os weinholtz, os clamoussee os ratton de origem francesa.

j come ratton�

era franc s e veio para portugal com dez anos para se�juntar aos pais que aqui se tinham instalado para se dedicaremao com rcio. tinham uma firma importante, chamada bellon�e ratton. come ou a trabalhar com onze anos e revelou-se�desde logo como um rapaz inteligente, din mico, respons vel,� �com imenso talento para os neg cios. lan ou v rias iniciativas� � �que deram bom resultado, como f bricas de chap us, de� �

estamparias, de chitas, de fia o de algod o. fez viveiros de�� �amoreiras para a cria o de bichos-da-seda na herdade da��barroca em rio frio que tinha arrendada. a sua ac o agradou��ao marqu s de pombal, que o protegeu muito.� quando tinha dezoito anos, os pais propuseram-lhe v rios�casamentos que ele recusou alegando que pretendia aindaviajar. partiu para fran a mas a fam lia precisava dele em� �

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lisboa e insistiram tanto que voltou. aos vinte e dois anosacedeu finalmente a pedir em casamento ana clamousse,filha de ricos comerciantes do porto que s tinha visto uma�vez. mas apesar de se tratar de um casamento deconveni ncia, foram muito felizes e tiveram quatro filhos e�quatro filhas. no entanto ana n o se entenderia com a sogra. como�era costume os filhos de gente rica ficarem a viver com ospais depois de casados e as coisas corriam t o mal entre as�duas mulheres j come quis arranjar uma casa para ele e�para a mulher. os pais acharam que isso seria um esc ndalo�e preferiram regressar a fran a.�

o pal cio ratton ainda hoje est em p , embora tenha� � �sofrido bastantes transforma es. tinha sido constru do perto�� �da casa do marqu s de pombal, na rua formosa, que hoje�se chama rua do s culo.�

j come ratton escreveu um livro chamado recorda es� ��em que conta as suas mem rias. nesse livro est inclu da a� � �descri o do que lhe aconteceu no dia do terramoto de 1755.��

entre os acontecimentos extraordin rios da minha vida�n o devo omitir a meus filhos o que passei na ocasi o do� �memor vel terramoto de lisboa, que teve lugar no 1.? de�novembro de 1755, pelas nove horas e meia da manh ; e�como fosse dia de todos os santos, tinha ido Missa � �igreja do carmo, cujo tecto era de ab bada de pedra, e�derrubado matou muito povo que ali se achava, de cujo perigoescapei por ter ido mais cedo, e me achar na dita hora nasguas-furtadas das minhas casas, mostrando a um comprador�uma partida de papel, que nos tinha vindo avariado, e ali setinha posto a enxugar ao sentir o primeiro abalo me ocorrerammuitas reflex es tendentes a salvar a minha vida, e n o ficar� �sepultado debaixo das ruinas da pr pria casa, ou das vizinhas,�se descendo as escadas fugisse para a rua; mas tomei opartido de subir ao telhado, nas vistas de que abatendo acasa eu ficasse superior s ruinas. j quando eu tomei este� �expediente era tanta a poeira, que, maneira do mais denso�nevoeiro, impedia a vista, a duas bra as de dist ncia; s� � �passados alguns minutos, que a dita poeira se foi dissipando,e que eu pude ver o interior das casas vizinhas, por teremca do as paredes fronteiras, at aos primeiros andares,� �ficandoos telhados apenas sustidos pelas paredes divis rias. seus�habitantes, alguns ainda em camisa, correndo espavoridosde uma a outra parte imprecavam os aux lios do c u, e dos� �homens em seu socorro. vista desta horr vel cena, me resolvi� �descer as escadas, e fugir para a rua, a fim de buscar algumaparte aonde me julgasse mais seguro. ao descer as escadasencontrei meus pais, que aflitos me buscavam nas ruinas de

um grande pano da chamin que tinha ca do, e debaixo do� �qual me julgavam sepultado. foi inexplic vel o nosso contentamento quando nos� encontr mos; mas eu sem perder tempo�lhes pedi que me acompanhassem para o largo mais pr ximo,�que era ao fundo da rua do alecrim; e encontrando de passagem d. maria castre, nossa vizinha, pouco mais ou menos

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da minha idade, que tamb m fugia, a tomei pelo bra o, e� �seguimos a rua dos remulares por cima dos entulhos, emuitos corpos mortos, at beira-mar, aonde nos julg vamos� � �mais seguros. mas pouco depois de ali termos chegado, assimcomo muita gente, se gritou que o mar vinha saindo furiosamente dos seus limites ? facto que presenci mos, e que�redobrouo nosso pavor obrigando-nos a retroceder pelo mesmocaminho, e a procurar pela rua de s. roque, o alto dacotovia, ent o obras do conde da tarouca, depois patriarcal,�e hoje er rio novo, aonde tamb m vieram ter por diversos� �caminhos, meus pais, e os parentes da dita senhora, todosna maior inquieta o por n o saberem uns dos outros, como�� �aconteceu a. imenso povo, que procurou aquele sitiodescampado, ent o terras de p o, desde o alto da rua de� �s. bento at travessa de pombal e cardais de jesus,� �havendo apenas algumas casas na rua que vai desde o p tio�do tijolo, ou obras do conde de soure, at f brica de seda,� � �que j existia, assim como tamb m a casa de d. rodrigo,� �actualmente imprensa r gia, e o convento dos jesuitas, hoje�col gio dos nobres. o descampado daquele alto dava lugar�a descobrir-se a cidade por todos os lados, a qual, logo quefoi noite, apresentou vista o mais horr vel espect culo das� � �chamas que a devoravam cujo clar o alumiava, como se fosse�dia, n o s a mesma cidade, mas todos os seus contornos,� �n o se ouvindo sen o choros, lamenta es, e choros entoando� � ��o bemdito, ladainhas, e miserere. por fortuna o c u se�conservava claro e sereno, e o terreno enxuto; por n o ter�at ent o havido chuvas, nem as haver por oito dias mais, o� �que deu ocasi o a fazer cada um os arranjos que lhes�permitiam as circunst ncias.� na madrugada do seguinte dia me convidou meu pai parao acompanhar s nossas casas, e ver se delas pod amos� �salvar alguma cousa, principalmente o precioso, livros, epap is�de maior import ncia. n o foi sem bastante trabalho, que� �nos sa mos bem desta empresa; por quanto descendo pela�rua de s. bento, ainda com poucas casas, atravess mos do�

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po o dos negros para o po o novo, tom mos a cal ada do� � � �combro, e rua do loreto, para descermos ao fundo da ruado alecrim, de cujo lugar avist mos j em chamas a propriedade� � pegada com a nossa casa, restando-nos apenas tempo paratirar os artigos acima ditos, que metemos em um ba , que�meu pai por uma banda e eu por outra trouxemos, por entre chamas que ardiam as ruas do alecrim, s. roque e s. pedro d lc ntara, at ao alto da cotovia, aonde minha m e nos� � � � esperava. dali nos partimos com o ba em uma besta de�carga, que por fortuna apareceu, e nos dirigimos a uma quintade pessoa de nossa amizade, sita na estrada do lumiar

adiante do campo grande, aonde fomos bem recebidos, ealojados no jardim, debaixo de uma barca a feita de len is,� ��e alastrada de colch es, sobre os quais dormiam promiscuamente, e sem se despir� tanto a gente de casa, como ade fora? porque ningu m se animava a dormir debaixo de�

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telha. os h spedes eram muitos, e o pouco comer porque�todos tinham receio de se demorar na cozinha, que haviapago em comum era mal feito; e houve tanta escassez dep o, que meu pai, e eu fomos com uma besta de ceir o� �buscar uma carga a linda pastora nas vizinhan as de�barcarena. naquela quinta nos demor mos somente os dias�necess rios, para nos refazer do vestu rio indispens vel,� � �principalmente roupa branca; visto que n o foi poss vel a cada� �um salvar mais do que aquela que tinha no corpo.

in j come ratton, recorda es� ��

xv - as reformas do marqu s�

enquanto foi ministro, o marqu s de pombal fez as�seguintes reformas, que contribu ram para desenvolver todos�os sectores de actividade:

- criou a companhia da sia, para organizar o com rcio� � com o oriente;- criou a companhia da agricultura, das vinhas e do alto douro para proteger a qualidade do vinho do porto, pois se se fizessem misturas, al m de ser prejudicial � � sa de, corria-se o risco de os pa ses estrangeiros� � deixarem de comprar;- demarcou a regi o de cultivo do vinho do porto. esta� foi a primeira regi o demarcada que houve no mundo;�- criou a companhia geral das pescarias do algarve que contribuiu para o desenvolvimento da pesca e animou a costa algarvia. por ordem do marqu s que se ergue� � vila real de santo ant nio na foz do guadiana;�-desenvolveu a explora o das minas, nomeadamente�� minas de chumbo, carv o, m rmore, cobre e estanho;� �- reformou a administra o p blica e as finan as;�� � �- criou a companhia do par e maranh o, a companhia� � de pernambuco e para ba, para proteger o com rcio� � dos produtos do brasil;- criou a companhia da pesca da baleia;- protegeu e desenvolveu a real f brica das sedas que� existia no rato. mandou mesmo fazer um bairro para os fabricantes de seda morarem perto da f brica. ainda� hoje existem algumas dessas casas na pra a das� amoreiras... deu privil gios a quem plantasse amoreiras,� pois as folhas s o o alimento do bicho-da-seda;�-desenvolveu o fabrico de chap us, fivelas, bot es,� � camur as, pergaminhos, chitas, cartas de jogar, linhas,� pentes de marfim, tecidos de l , tecidos de linho e� tape arias.� para dar um exemplo, s utilizava no seu vestu rio� � tecidos e produtos fabricados em portugal;- desenvolveu a f brica de vidros, que passou a funcionar� na marinha grande;- criou a real f brica de faian as, na zona do rato.� �

para que os portugueses tivessem que comprar lou a� portuguesa prop s ao rei que proibisse a entrada de� pe as fabricadas no estrangeiro, com excep o para� �� as da ndia e da china que fossem transportadas em�

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barcos portugueses;- criou o real col gio dos nobres para substituir o ensino� dos jesu tas;�-criou quatrocentos e setenta e nove lugares para os professores que ensinavam a ler e a escrever nas mais importantes vilas do pa s;�- criou duzentos e trinta e seis lugares para os professores que preparavam os alunos para a entrada no ensino superior;-criou a aula do com rcio para os estudantes que� pensavam dedicar-se ao com rcio ou administra o;� ��- reformou a universidade;

reorganizou o ex rcito portugu s com o apoio do conde� �de lippe, que foi enviado pelos ingleses a quem pediraajuda;- criou a intend ncia-geral da pol cia, para protec o da� � �� cidade;- aboliu a distin o entre crist os-novos e crist os-velhos.�� � �

o marqu s de pombal comemorou as suas pr prias obras,� �fazendo erguer uma est tua de d. jos a cavalo no terreiro� �do pa o.�

xvi - a inaugura o da est tua�� � de d. jos�

eug nio dos santos, quando fez os planos para o terreiro�do pa o, previu que no centro se erguesse uma est tua do� �rei. o escultor seria machado de castro. d. jos , no entanto, recusou-se a posar porque tinha�eczema na pele e receava que o artista lhe fizesse a caracheia de manchas. o escultor teve que se basear em retratose em moedas que circulavam com a ef gie real.� a est tua foi fundida de um s jacto em oito minutos.� �quando saiu da forja foi retocada por oitenta e tr s oper rios� �chefiados pelo escultor. finalmente ficou pronta. a fam lia�realfoi v -la e a rainha, no seu jeito cido do costume, comentou:� �??que figura horr vel!?? quanto ao rei, n o disse palavra.� � para a inaugura o, levantava-se um problema. que as�� �casas volta ainda n o estavam completas. a solu o foi� � ��bastante bizarra. tr s mil e duzentos oper rios trabalharam� �

dia e noite para construir um cen rio de madeira pintada e�imitar as fachadas de pedra. assim, as festas tiveram algumacoisa de teatral!

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cavalo e cavaleiro formavam um bloco muito pesado quedemorou tr s dias e meio da fundi o at ao local onde ia� �� �ficar. depois, tinha que ser i ada. mas considerou-se pouco�pr prio da dignidade real que o povo visse a imagem de�d. jos a balou ar violentamente suspensa por cordas. ent o� � �o marqu s mandou vir mastros de navios que foram cravados�a toda a volta do pedestal, com velas esticadas de modo aque ningu m pudesse assistir opera o. e para maior� � ��seguran a contra os curiosos chamou-se a tropa.� na data prevista o pr prio marqu s arrancou um manto� �de seda vermelha que cobria a est tua e seguiram-se festas,�dan as, concertos musicais e fogos-de-artif cio durante tr s� � �dias.

xvii - usos e costumes do s culo xviii�

v namoro

o amor n o mudou nada ao longo dos s culos, mas mudou� �muito a maneira de o manifestar.

a liberdade com que os rapazes e as raparigas convivem uma conquista da segunda metade do s culo xx. antes� �disso era tudo muito complicado. no s culo xviii, ent o, era� �complicad ssimo. sobretudo para as meninas da nobreza. quem�lhes escolhi? noivo eram os pais, que raramente se preocupavam em saber se o rapaz agradava ou n o agradava � �filha! o importante era que fosse do mesmo grupo social, rico,de prefer ncia parente ou com propriedade nas vizinhan as.� �

assim, muitas raparigas viam-se obrigadas a casar com homensmuito mais velhos que mal conheciam! outras nem sequer

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casavam e eram enviadas para um convento. mas isso n o�as impedia de se apaixonarem, fossem elas solteiras, casadasou religiosas. tinham era de namorar de longe. e arranjavamv rios estratagemas para comunicar.�

as cartas

as cartas de amor eram entregues a portadores deconfian a, que faziam o servi o geralmente em troca de uma� �moedinha de prata. e obedeciam a regras. os amorosos inspiravam-se muito em folhetos vendidos na rua ou no adro dasigrejas que se chamavam ??cristais de alma, ??al vio dos�tristesou ??ref gio dos cuidadoso. estes folhetos davam sugest es� �para a maneira de come ar, compor ou acabar as cartas.�para quem tinha o namorado longe, por exemplo, aconselhava-se a come ar assim: ??�meu bem, ??meus olhos??, ??meucora o ou ??meu pensamento.�� para mostrar grande saudade, sugeriam que fossem borrifadas com gua pois assim� as palavras sairiamesborratadas como se o autor estivesse a chorar enquantoescrevia. quanto aos que ainda n o tinham grande confian a,� �deviam come ar por.?meu senhor ou ??minha senhora??�e acabar com frases elegantes, do tipo ??lembro a vossa

merc que n o quero fazer-lhe recordar que o n o posso� � �esquecer??. era de bom-tom que o papel fosse perfumado com aromade mbar, enfeitado de cora es ou acompanhado de flores� ��secas presas com alfinetes. cartas de amor dirigidas a uma rapariga menor ou a umamulher casada eram consideradas crime e os seus autorespodiam ser punidos de forma bem violenta! ou desterradospara angola ou enviados para as gal s. mas, apesar do perigo,�n o deixavam de existir.� os pais mais severos chegavam ao ponto de preferir queas filhas ficassem analfabetas para quando atingissem a idadepr pria n o poderem escrever cartas de amor.� �

a linguagem secreta

na medida em que as pessoas n o eram livres para�escolher o seu par, acontecia muitas vezes encontrarem-se en o poderem falar. n o se limitavam no entanto a uma troca� �de olhares! havia uma linguagem secreta, toda feita de sinais.os acess rios indispens veis eram o chap u, o len o e a� � � �espada. para saudar a sua apaixonada, o rapaz beijava aaba do chap u, o que fazia a menina corar como se tivesse�recebido o beijo! se punha a espada a meia altura ela percebia??gosto de ti!??. quando levava o len o boca, queria dizer� �?? s bela!??. e se o dobrava era o sinal de que no dia�seguintevoltaria para a ver. quanto dama, servia-se do leque para comunicar os�

seus sentimentos. havia tantas maneiras de o abrir, fechar

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ou abanar quantas as letras do alfabeto. assim ia compondo palavras que o namorado, do outro lado da sala ou daigreja, decifrava com uma paci ncia infinita e ansiosa. para�responder, usava o chap u, que tamb m tinha os seus s mbolos.� � � embora toda a gente conhecesse esta linguagem, comoera r pida e discreta, geralmente s reparava nos sinais a� �pessoa a quem eram dirigidos, porque estava atento!

o noivado

quando um pretendente tinha a certeza de que era aceitepelos pais da noiva, anunciava a sua inten o de fazer o��pedido. organizava-se ent o uma grande festa a que se dava�o nome de sarau. convidavam-se parentes, amigos e a noite seria mais alegrese, por coincid ncia, os noivos se conheciam e gostavam um�do outro. havia baile, jogos de sal o, ceia. mas al m disso, uma� �esp cie de cerim nia. 0 rapaz aproximava-se dos futuros� �sogros, ajoelhava-se e recebia uma fita que a m e ou a�madrinha da menina tinha cortado do vestido dela. prendiaessa fita na lapela do casaco e a partir de ent o usava-a�sempre para mostrar que estava noivo. um compromisso desta natureza n o se podia quebrar�sem esc ndalo, sobretudo nas fam lias nobres, pois a rainha� �enviava as suas felicita es noiva e isso era sinal de que�� �os governantes davam o seu acordo ao casamento. as festas, fossem de pedido, de casamento ou debaptizado, eram sumptuosas! os convidados rivalizavam entre si, pois todos queriam ostentar riqueza e luxo. muitagente se arruinou, gastando mais do que podia em fatos,j ias, cabeleiras e ainda nos presentes que enviavam aos�noivos. as fam lias nobres e os burgueses ricos viviam em�palacetes ou grandes quintas. os jovens quando casavamn o iam morar sozinhos. ou ficavam em casa dos pais do�noivo ou dos pais da noiva. assim, cada casa albergava umamultid o! v rias gera es da mesma fam lia, incluindo tias� � �� �

solteiras ou vi vas, sobrinhos pobres, primos rf os e uma� � �imensa criadagem al m dos escravos.�

os criados

todas as fam lias ricas tinham ao seu servi o in meros� � �criados. mas cada criado fazia apenas um e s um servi o.� �por exemplo, uma criada de quarto n o tinha outras fun es� ��sen o ajudar a senhora a vestir-se e a despir-se. a que cosia�a roupa nunca fazia outra coisa para al m de coser e engomar.�esta imensid o de servidores estava organizada em classes,�de maior ou menor import ncia conforme as fun es e o� ��ordenado.

os criados do sexo masculino eram

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secret rios - que apoiavam o patr o na administra o dos� � �� seus bens e em todos os seus neg cios;�mordomo - que era uma esp cie de chefe de criados a quem� competia abrir a porta e anunciar os visitantes;cozinheiro - chefe de cozinha. era muito fino ter umcozinheiro italiano;ajudantes de cozinha - faziam o que o cozinheiro mandasse;lacaios - serviam mesa e arrumavam a casa;�aguadeiros - iam buscar gua ao chafariz;�escudeiros - eram antigos criados que tinham sido promovidos e cujas fun es se limitavam agora a acompanhar a�� cavalo e de espada cinta as carruagens dos senhores;�boleeiros ou postilh es ou cocheiros- conduziam as� carruagens;palafreneiros - cuidavam dos cavalos, ou acompanhavam as senhoras quando sa am de carruagem. lam do lado de� fora de p , vestidos de acordo com a riqueza do patr o;� �eguari o - ensinava as crian as a montar a cavalo;� �mo os de t bua - faziam trabalhos pesados e nunca entravam� � nas salas;

as criadas do sexo feminino eram

as amas - cuidavam das crian as. muitas vezes eram� contratadas quando elas pr prias tinham tido beb s,� � para poderem dar de mamar aos filhos da senhora. nesse caso, surgia uma rela o especial entre os filhos�� da ama e os filhos da patroa. eram ??irm os de leite??.� essas crian as ficavam geralmente a viver na casa para� sempre e eram protegidas pelos senhores. as amas gozavam de grande prest gio, pois tendo criado� os meninos desde pequenos era comum conhecerem -nos melhor que as pr prias� m es;�a criada grave - todas as senhoras da casa tinham pelo menos uma criada grave. as suas fun es eram ajudar�� a senhora a arranjar-se ou a tratar-lhe das roupas. como as senhoras nunca sa am sozinhas, levavam consigo � � rua a criada grave. esta era tamb m muitas vezes a� amiga, a confidente, que se encarregava de facilitar encontros amorosos ou de transportar cartas e bilhetinhos secretos;as criadas-mo as - faziam as tarefas mais pesadas, como� limpezas e despejos. al m disso serviam as criadas� graves e as amas;

quando os criados se casavam permaneciam na casa eos filhos que tivessem seriam criados tamb m.� havia ainda, nas casas mais ricas:

capel o - padre residente, encarregado de todas as cerim nias� � religiosas. podia ser o confessor da fam lia ou n o;� �mestre-de-armas - encarregado de ensinar os rapazes no manejo das armas;

mestre de dan a - encarregado de ensinar os rapazes e as� raparigas da casa a dan ar;�preceptor - era uma esp cie de professor particular, que�

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ensinava as crian as a ler, a escrever e boas maneiras.� era fino ter um perceptor franc s, que ensinasse tamb m� � a sua l ngua. por vezes os perceptores eram frades;�m sicos - algumas fam lias nobres, imitando o que se passava� � no pal cio real, tinham os seus pr prios m sicos. h� � � � not cia de fam lias muito importantes, como a do marqu s� � � de marialva, que mantinha, al m de m sicos privativos,� � um bobo. os bobos destinavam-se a divertir os donos da casa e os convidados. vestiam cores berrantes, faziam habilidades com c es amestrados, macacos,� papagaios e diziam gra as, ridicularizando a assist ncia,� � o que s a eles era permitido.�

a rela o entre os senhores e os seus servidores era��muito pr xima. de certo modo, faziam parte de um mesmo�cl .� depois do terramoto, quando se tentou fazer o recenseamento dos sobreviventes para organizar a distribui o dos��alimentos, constatou-se que muitos criados tinham apenasnomes pr prios ou alcunhas. foram ent o inscritos numa lista,� �que tinha cabe a o apelido do patr o. assim adquiriram� � �esse apelido. alguns anos depois, estrangeiros que visitaramportugal ficaram surpreendidos por encontrarem homens dopovo com os mesmos nomes dos senhores da nobreza!

os teles de meneses, uma fam lia nobre�

no s culo xviii os teles de meneses moravam num pal cio� �perto da cotovia, mais precisamente na zona que hoje sechama pra a das flores.� esta fam lia pertence ao grupo de fam lias nobres mais� �antigas de portugal. senhores de grande prest gio e riqueza,�sempre se orgulharam dos feitos mais not veis dos seus�antepassados e muito prezam as suas origens. o escritor dami o de g is, no seu nobili rio deixou-nos� � �um texto em que fala da origem desta fam lia. um lindo� �texto com sabor a lenda, que aqui resumimos:

h muitos anos, a filha do rei ordonho ii de le o� �apaixonou-se por um cavaleiro da casa de seu pai. chamava-se ximena e era linda como o sol. sabendo que o rei nuncaconsentiria no casamento porque ele n o era pr ncipe, decidiu� �fugir com ele. uma noite pegou ?as j ias e partiu com o seu�amado aventura. embrenharam-se numa floresta para melhor�se esconderem dos guardas do rei que, avisados, lhes foramno encal o. o cavaleiro no entanto era um cobarde. receando�ser capturado e castigado, preferiu abandonar ximena. fingiuque ia procurar mantimentos e deixou-a sozinha na mata. apobre princesa esperou, esperou, e quando percebeu quefora enganada desfez-se em l grimas. meteu-se ao caminho�em busca de abrigo e andou perdida v rios dias. finalmente�avistou uma casinha e foi bater porta. ali morava um pobre�casal de lavradores que a recolheram por caridade. ximenaescondeu os seus haveres, n o disse quem era, vestiu as�roupas humildes que lhe ofereceram e durante alguns anosserviu como criada. mas a patroa morreu e o lavrador

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pensando fazer-lhe esmola, casou com ela. tiveram v rios�

filhos e deram-se muito bem. tempos depois, o rei ordonho ii passou por ali e pediu-lhes guarida. a filha n o� se deu a conhecer mas fez-lhe oprato preferido e misturou na massa um anel que ele lhetinha dado de presente. quando o rei viu aquilo percebeuque tinha na frente a sua querida ximena. louco de alegriaabra ou-a, quis ver os netos que eram lindos e loiros como a�m e. e levou a fam lia toda para a corte. deu ao genro� �muitasterras, riquezas e privil gios. como a terreola onde tinham�

vivido se chamava meneses e o lavrador se chamava telo, afam lia tomou o nome de teles de meneses.�

o vestu rio�

no s culo xviii as pessoas vestiam-se de maneira diferente�conforme a classe social a que pertenciam. os nobres usavam trajes complicad ssimos. tanto homens�como mulheres seguiam a moda de paris.

os rapazes vestiam cal a de seda justa at ao joelho e� �meias brancas tamb m de seda. quando estava frio, enfiavam�v rios pares uns por cima dos outros. os sapatos tinham�que ser sempre novos, de salto alto, enfeitados com fivelasde prata muito grandes e trabalhadas. a camisa era de tecidofino com punhos de renda aos folhos e por cima um colete euma casaca de seda bordada a ouro e prata, tal como asque hoje em dia vemos nos toureiros. os acess rios indispens veis eram a espada, muito fina� �e com cabo cinzelado de ouro ou prata em v rios tons, a�cabeleira posti a de carac is frisad ssimos coberta de p� � � �branco, chap u de feltro com tr s bicos e um len o ao pesco o.� � � �pintavam-se, enfarinhando a cara com p branco sobre o�qual aplicavam sinais posti os de cetim preto. para dar brilho�aos dentes, passavam um algod o embebido em verniz, o�que lhes conferia um sorriso faiscante. as mulheres usavam vestidos muito apertados na cinturacom grandes decotes e saias de bal o. por baixo, roupa branca�e arquinhos de junco para manterem a saia tutada. as meiaseram de seda, bordadas a ouro ou prata, e os sapatos decetim ou veludo enfeitados de lantejoulas. por muito bonito que fosse o cabelo natural, n o dispensavam enormes cabeleiras� posti as, cujas ondas e carac is se entrela avam em tiras de veludo, j ias, flores� � � � eplumas. tal como os homens, empoavam a cara de branco erematavam os arranjo? com sinaizinhos redondos de cetimpreto. len os, luvas, chap us e o indispens vel leque completavam o traje feminino.� � � toda a gente se cobria de j ias. an is, pulseiras, colares,� �gargantilhas, medalhas, eram objectos muito apreciados tantopela nobreza como pelo povo. mesmo pessoas de poucasposses faziam sacrif cios para poder usar j ias e vestir com� �luxo.

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supersti es e feiti arias�� �

no s culo xviii, embora a igreja perseguisse os que se�dedicavam feiti aria, a verdade que n o conseguiu destruir� � � �a cren a popular nos poderes misteriosos de certas pessoas,�de v rios objectos, de muitos rituais.�

feiticeiros e feiticeiras

acreditava-se que tinha poderes m gicos a ltima filha� �de uma fam lia s de raparigas ou o ltimo filho de uma� � �fam lia s de rapazes. assim, o povo procurava-os tanto para� �pedir a cura de doen as, sorte nos neg cios ou no amor,� �como para encomendar maldi es para um vizinho inimigo.�� e de que se serviam para atender os clientes? podiamusar palavras m gicas, rezas, ervas, rituais variad ssimos.� �acreditavam, por exemplo, que uma fava preta, preparadacom ess ncias, cegava quem a comesse. um lagarto seco,�enfiado na fechadura de uma porta, tornava est reis todas�as mulheres daquela casa. ossos de serpente mo dos tinham�poder suficiente para deixar um corpo em ferida. bruxos e bruxas liam a sina na palma da m o. vendiam�po es secretas em frasquinhos e potes. ensinavam f rmulas�� �e rezas geralmente destinadas a resolver casos de amor. diz-se que uma amante do rei d. jo o v o manteve preso�dos seus encantos durante muito tempo porque sabia a seguintereza:

atiro este salpara que o meu senhorme venha buscarme venha falarme venha amarque ele venhae n o se detenha�por barrab s�por caif s�e por estes sinaispossam os c es uivar�os rebanhos passaros gatos saltar. . .

tudo isto no entanto era praticado em segredo. mas haviaoutras supersti es, aceites ou mesmo consideradas indispens veis, para a sa de�� � � das pessoas, como por exemplo asque diziam respeito a gr vidas e ao parto.� uma mulher gr vida nunca devia pegar num gato ao colo,�pois se o fizesse corria o risco de ter um filho com as costaspeludas. tamb m n o usavam colares, receando que provocasse manchas na pele do� � beb . a partir do oitavo m s expunha-se um menino jesus gordinho e bonito no� � quarto dam e, para que a crian a se parecesse com ele.� � no momento do parto, as mulheres da casa acorriamrezando em voz alta. debaixo da cama, punham tesourasbenzidas e faziam cruzes nas costas da parturiente. se o parto se tornava dif cil rezavam em coro nove avemarias em mem ria dos nove� �

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meses de gesta o. acendiam��uma vela que tivesse servido nas cerim nias de sexta-feira�

santa e evocavam o profeta daniel; santa cunegundes, santamargarida, santa juliana e nossa senhora da soledade. opai era aconselhado a prometer Virgem maria o peso do�rec m-nascido em prata ou em trigo.� quando finalmente a crian a nascia, queimava-se uma�sola de sapato para afugentar as bruxas. e por toda a casahavia manifesta es de alegria.�� o rec m-nascido era lavado, enrolado em tiras de pano e�depois vestido com trajes ricos ou pobres conforme a condi o��dos pais. m e, serviam-lhe ch de cidreira para acalmar os� � �nervos. tratando-se de uma senhora nobre, os criados dacasa vinham beijar-lhe a m o.� enfim, o momento solene de trazer ao mundo mais umser humano era rodeado de mil cuidados teis mas tamb m� �de infinitas supersti es que ningu m se atrevia a questionar.�� �

fim do livro.