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os PROFESSORES COMO INTELECTUAIS Henry A, Giroux lade de Giroux, sua abertura a questionamentos, iade, suas dúvidas, sua incerteza com relação às ia coragem de assumir riscos e suas abordagens ?icas e teóricas rigorosas a temas importantes o u como um dos maiores pensadores de sua época ws Estados Unidos, mas também em muitos outros Para Giroux não há nenhuma esperança sem iuturo a ser criado, construído, moldado," Da Apresentação de Paulo Freire e livro inspirador, Henry Giroux incorpora fe mais valiosos da pedagogia crítica na mais e prática teoria da escolanzação, aquela que vê as no esferas públicas democráticas comprometidas alunos nas linguagens da crítica, da possibilidade lacia. Essencial a essa forma de educação, acredita habiEdade do professor de agir como um intelectual irmador e usar a pedagogia crítica como uma forma de política cultural. ISBN B5-730?-3ei-E OS PROFESSORES COMO INTOLECIUAIS Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem l M Henry A, Giroux Apresentação de Paulo Freire Prefácio de Peter McLaren

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Page 1: 86004352 Giroux Os Profess Ores Como Intelectuais

osPROFESSORES

COMOINTELECTUAISHenry A, Giroux

lade de Giroux, sua abertura a questionamentos,iade, suas dúvidas, sua incerteza com relação àsia coragem de assumir riscos e suas abordagens?icas e teóricas rigorosas a temas importantes ou como um dos maiores pensadores de sua épocaws Estados Unidos, mas também em muitos outrosPara Giroux não há nenhuma esperança semiuturo a ser criado, construído, moldado,"

Da Apresentação de Paulo Freire

e livro inspirador, Henry Giroux incorporafe mais valiosos da pedagogia crítica na maise prática teoria da escolanzação, aquela que vê asno esferas públicas democráticas comprometidasalunos nas linguagens da crítica, da possibilidadelacia. Essencial a essa forma de educação, acreditahabiEdade do professor de agir como um intelectualirmador e usar a pedagogia crítica como uma

forma de política cultural.

ISBN B5-730?-3ei-E

OSPROFESSORES

COMOINTOLECIUAIS

Rumo a uma pedagogia críticada aprendizagem l M

Henry A, GirouxApresentação de Paulo Freire

Prefácio de Peter McLaren

Page 2: 86004352 Giroux Os Profess Ores Como Intelectuais

os

COMOINTELECTUAIS

Rumo a uma pedagogia críticada aprendizagem

Henry A. GirouxProfessor and scholar-in-residence, School of

Education, Miami University, Ohio

Apresentação de Paulo FreirePrefácio de Peter McLaren

G528p Giroux, Henry A.Os professores como intelectuais: rumo a uma

pedagogia crítica da aprendizagem / Henry A. Giroux;trad. Daniel Bueno. — Porto Alegre : Artes Médicas, 1997.

1. Educação — Aprendizagem — Professores — Pedagogiacrítica. I. Título.

CDU 37.015.4:371.11

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023

ISBN 85-7307-301-2

Tradução:DANIEL BUENO

Consultoria, supervisão e revisão técnicadesta edição:

NIZE MARIA CAjVIPOS PELLANDADoutora em EducaçãoPresidente da R.E.D.E.

ONG do Novo Mundo do Trabalho.

PORTO ALEGRE, 1997

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Obra originalmente publicada sob o títuloTeachers as intellectuals: toward a criticai pedagogy oflearnin© Bergin & Garvey Publishers, Inc., 1988

CapaMário Róhnelt

Preparação do originalSupervisão editorialProjeto gráficoEditoração eletrônica

Aries Médicas Editográfica

Girou x? Henry A

os professores como intelectuais rumo a uma pedagogia critica da aprendizagem371. 13/G52Sp

C 165173/00)

SÃO PAULO

em

330-2378

6 ~ F°neSão Paulo, SP, Brasil

EMPRESSO NO BRASILPRINTEDINBRAZIL

Este livro é dedicado a meus filhos Jack, Chris e Brett, que metrouxeram uma compreensão mais profunda do significado daluta por um futuro melhor para todas as crianças.

Também é dedicado a minha irmã, Linda Barbery, cuja cora-gem é, para mim, fonte constante de inspiração, e a DonaldoMacedo, meu irmão e amigo, cuja inteligência e generosidadede espírito são uma fonte constante de energia e prazer.

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Agradecimentos

F iquei hesitante, quando meu amigo e colega Peter McLaren sugeriupela primeira vez que eu empreendesse o projeto que finalmente tor-nou-se este livro. Eu tinha dúvidas quanto à inclusão de artigos anteriores

que a meu ver não refletiam adequadamente a abrangência ou interesses teóricosde meu trabalho atual, especialmente meus escritos recentes em ética, cultura po-pular e filosofia pública. A despeito de minhas reservas iniciais, decidi publicar estacoletânea de ensaios por diversas razões práticas e políticas.

No aspecto prático, há muitos anos venho recebendo cartas de professores deescolas públicas requisitando os artigos que estão reunidos neste livro. Surpreen-dentemente, muitos dos professores que haviam reagido a meu trabalho com res-peito a sua própria atividade de ensino consideraram meus trabalhos anterioresespecialmente úteis para seu próprio desenvolvimento como educadores críticos eintelectuais públicos. Este livro é, em parte, uma resposta a essas reações e repre-senta uma tentativa de contribuir ainda mais para a cultura pública dos muitosprofessores que mostram diariamente em suas salas de aula a coragem, a dignidadee a visão necessárias para fazer diferença nas vidas de seus alunos. Para eles tenteireunir aqueles ensaios que fornecem uma compreensão teoricamente concreta epedagogicamente prática para aperfeiçoar a própria tarefa diária de ensinar.

No aspecto político, tornou-se cada vez mais importante para mim demons-trar através cie meu próprio trabalho como um discurso crítico sobre o ensinoescolar é construído historicamente. A linguagem cia educação não é simplesmenteteórica ou prática; é também contextual e deve ser compreendida em sua gênese edesenvolvimento como parte de uma rede mais ampla cie tradições históricas econtemporâneas, de forma que possamos nos tornar autoconscientes cios princípi-os e práticas sociais que lhe dão significado. O sentido cia origem cie nossa lingua-gem, como ela é sustentada e como ela funciona para identificar e construir expe-riências particulares e formas sociais são aspectos essenciais do projeto da teoriacrítica. Este livro demonstra tal princípio ao refletir a evolução teórica de meupróprio trabalho como uma forma particular de política cultural. Sendo assim, es-pero oferecer ao leitor uma oportunidade de analisar as diferentes conjunturasteóricas e políticas que constituem uma jornada particular através do campo mina-do ideológico do ensino escolar contemporâneo.

Em retrospectiva, muitos de meus ensaios anteriores são marcados por umaênfase excessiva no discurso da dominação e da reprodução. De forma semelhan-te, há um fracasso em analisar adequadamente questões relacionadas à organiza-ção cia experiência, subjetividade, gênero e formas de opressão cie cunho racia ,

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,,„.. - .mencionar as questões mais amplas de filosofia e ética pública. Contudo,í5arar m muitas coisas neles que julgo valiosas, tanto teórica quanto politicamente,^ra^s professores. Ao mesmo tempo, quando justapostas a meus ensaios maisPecentes torna-se claro que nenhum projeto teórico está pronto, e que cacla ensaiotem que'ser lido cie novo pela compreensão que pode trazer ao momento presen-te Os capítulos deste livro tornam possível a oportunidade de não apenas exami-nar a evolução histórica cie um discurso particular, mas também cie exercitar comoprofessores'a dialética de reler e reapropriar elementos de um corpo cie idéias quetenham ressonância com as preocupações contemporâneas. Espero que tal empe-nho forneça alguns indicadores críticos para rever o trabalho cios professores e,quando necessário, transformá-lo no interesse cie construir tanto uma pedagogia maiscrítica quanto um mundo mais humano.

Algumas pessoas em especial me ofereceram muito apoio e estímulo paraescrever e reescrever este livro. Devo muito a Peter McLaren, que argumentouconvincentemente em prol de uma visão retrospectiva de meu trabalho. Seu argu-mento foi o de que alguns de meus escritos anteriores não apenas ofereceriam aosleitores uma introdução histórica à teoria e à prática da pedagogia crítica, comotambém seriam úteis para aqueles leitores interessados nos avanços teóricos maisrecentes nesta área. Também devo gratidão a meu amigo e editor, Jim Bergin, queme apoiou desde o início deste projeto. Minha esposa, Jeanne Brady, mais uma vezme auxiliou com generoso estímulo e discernimento político. Stanley Aronowitz,Donaldo Macedo, Candy Mitchell, Richard Quantz, Ralph Page, Roger Simon e JimGiarelli sempre me incentivaram a esclarecer questões essenciais a meu trabalho.Este livro também se beneficiou dos muitos professores e estudantes com os quaistive o prazer de trabalhar em minhas aulas, por correspondência, e em oficinas ediscussões públicas. É evidente que sou exclusivamente responsável pelas limita-ções cio trabalho reunido neste livro.

Estou em dívida com os editores dos seguintes periódicos por permitirem apublicação inalterada ou ligeiramente modificada dos seguintes artigos: Henry A.Giroux, "Teachers as Transformative Intellectuals", reeditado cie Social Educationcom a permissão do National Council for the Social Studies; Henry A. Giroux,"Crisis and Possibilities in Education". Issues in Education 11 (verão de 1984): 376-79, copyright 1984, American Educational Research Association, Washington, D.C.;Henry A. Giroux e Anthony N. Penna, "Social Education ín the Classroom: TheDynamics of the Hidden Curriculum", Theory and Research in Social Education 7(Primavera de 1979): 21-42; Henry A. Giroux, "Toward a New Sociology ofCurriculum", Educational Leadership (Dezembro de 1979): 248-53, reeditado coma permissão da Association for Supervision and Curriculum Development e HenryA. Giroux, copyright 1979, pela Association for Supervision and CurriculumDevelopment, todos os direitos reservados; Henry A. Giroux, "Rethinking theLanguage of Schooling", Language Arts 6l (Janeiro de 1984): 33-40, reeditado coma permissão do National Council of Teachers of English; Henry A. Giroux, "Writingand Criticai Thinking in the Social Studies", Curriculum InquíryS (1978): 291-310;e Henry A. Giroux e Peter McLaren, "Reproducing Reproduction", MetropolitanReview l (primavera de 1986): 108-18. Alguns dos capítulos deste livro apareceramcie forma substancialmente modificada nos seguintes periódicos: Boston UniversityJournal of Education, Dalbousie Review, The Review of Education, Interchange, Telos,Philosophy and Social Criticism, New Education e Educational Fórum.

ApresentaçãoPAULO FREIRE

viu

Henry Giroux é um pensador e um excelente professor. Isso porsi mesmo bastaria para influenciar de maneira positiva o grande número cieestudantes que entram em contato com seu poderoso discurso crítico a

cada semestre. Para os menos críticos, esta afirmação poderia sugerir a possibilida-de cie que se poderia ser um excelente professor, ou simplesmente um professor,sem ter que pensar profundamente a respeito cio relacionamento que o objeto deseu ensino tem com outros objetos. Na verdade, isto não é possível. Não é viávelescrever ou conversar sobre contextos ou temas, ou ensiná-los de maneira isolada,sem levar seriamente em consideração as forças culturais, sociais e políticas que osmoldam.

Mais cio que sua postura epistemológica, a qual exige que evitemos um modoingênuo de interação com o objeto, o que caracteriza Giroux como teórico esplên-dido é sua insistência para que compreendamos os complexos relacionamentosentre os objetos. O que o caracteriza como escritor esplêndido é o estilo esteticamenteagradável, o qual mantém o leitor atento através das muitas metáforas brilhantesque captam a essência do contexto e conteúdo dos temas sobre os quais escreve.Tanto esta postura epistemológica corno sua agilidade e talento para a linguagemmarcam Giroux como um intelectual que, ao fazer cio pensar uma precondição daexistência, torna-se um grande pensador. Nós todos pensamos, mas não somosnecessariamente pensadores.

A criatividade de Giroux, sua abertura para as questões, sua curiosidade, suadúvida, sua incerteza em relação às certezas, sua coragem cie assumir riscos e suasabordagens metodológicas e teóricas rigorosas de temas importantes o caracteri-zam como um cios grandes pensadores cie seu tempo, não apenas nos EstadosUnidos, mas também em muitos países estrangeiros oncle ele é ampla e criticamen-te lido e onde a força e a clareza de seu pensamento têm contribuído para aformação cio discurso filosófico e educacional atual.

O que eu gostaria de destacar sobre Giroux e sua compreensão integral domundo e seu processo de transformação é sua visão de história como possibilida-de. Para Giroux, não existe esperança sem um futuro a ser feito, a ser construído,a ser moldado. Para Giroux, a história como possibilidade significa que amanhanão é algo que necessariamente irá acontecer, e nem é uma pura repetição cio hoje,com sua face superficialmente retocada de forma que possa continuar sendo Amesma, A compreensão de Giroux da história como possibilidade reconhece opapel inquestionável cia subjetividade no processo de conhecer. Este modo de

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compreensão, por sua vez, caracteriza sua maneira crítica e otimista de compreen-der a educação.

à medida que compreendo a história como possibilidade, eu reconheço:

1. Que a subjetividade tem que desempenhar um papel importante no pro-cesso de transformação.

2. Que a educação torna-se relevante à medida que este papel da subjetivida-de é compreendido como tarefa histórica e política necessária.

3. Que a educação perde o significado se não for compreendida - como o sãotodas as práticas - como estando sujeita a limitações. Se a educação pudes-se fazer tudo não haveria motivo para falar cie suas limitações. Se a educa-ção não pudesse fazer coisa alguma, ainda não haveria motivo para con-versar sobre suas limitações.

A história como possibilidade significa nossa recusa em aceitar os dogmas,bem como nossa recusa em aceitar a domesticação do tempo. Os homens e asmulheres fazem a história que é possível, não a história que gostariam de fazer oua história que, às vezes, lhes dizem que deveria ser feita.

Não é possível negar a força com a qual Giroux nos fala, nem a força com aqual ele nos direciona a uma esperança renovada, mesmo quando sua análisepossa nos entristecer. Neste novo livro, Henry Giroux mais uma vez nos desafiacom sua discussão teórica crítica e brilhante das tendências que constituem osfundamentos tanto para compreensão quanto para o progresso cio atual discursoem educação.

PrefácioTeoria Crítica e o Significado

da EsperançaPETER McLAREN

A Pedagogia do Concreto de Henry Giroux

A tarefa de oferecer um perfil intelectual abrangente de Henry Giroux não é fácilem um espaço tão curto. (Mesmo nas melhores condições, os críticos seriam muitopressionados para que fizessem justiça ao escopo e profundidade crítica de seutrabalho). Assim, o que se segue é um esforço modesto que destaca apenas algunsaspectos gerais cia obra de Giroux, suficientes, acredito, para fornecer aos leitoresum contexto teórico no qual situar os capítulos deste volume.

Nos últimos dez anos, o trabalho cie Giroux continuou a abordar questões deimportância teórica, política e pedagógica. O efeito cumulativo cie seus escritos temvirtualmente desmantelado a noção aceita de educação escolar e seu relaciona-mento com a sociedade mais ampla como caracterizada por um acordo tranqüilo eorganização mutuamente vantajosa. Ao argumentar contra a visão tradicional cioensino e aprendizagem escolar corno um processo neutro ou transparente afastadocia conjuntura de poder, história e contexto social, Giroux conseguiu fornecer asbases geradoras de uma teoria social crítica da aprendizagem escolar que lança umdesafio singular a educadores, políticos, teóricos sociais e também estudantes.1

Apropriando-se criticamente dos novos avanços da teoria social e desenvolven-do ao mesmo tempo novas categorias de investigação teórica, Giroux efetivamentequestionou a suposição predominante cie que as escolas funcionam como um ciosprincipais mecanismos para o desenvolvimento cia ordem social democrática eigualitária. Sua análise cio ressurgimento neoconservaclor na educação tem ajudadoa desvelar a lógica através cia qual o movimento cie excelência tem conseguidocamuflar seu recuo em questões de igualdade e reforma social. Além disso, suacrítica aos progressistas tem revelado quantas práticas aceitas por educadores libe-rais, tais como a seleção institucionalizada e a estruturação do currículo de acordocom os imperativos cia indústria, solapam os próprios valores democráticos queservem como base para a posição liberal. Conseqüentemente, somos informadoscie como as prioridades desenvolvidas tanto por educadores conservadores quanto

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.dicais são muitas vezes desmentidas pela desigualdade e hierarquia na raiz das'ideologias por eles tão estimadas.

O que Giroux realizou, tanto política quanto peciagogicamente, foi desmasca-rar a desigualdade estruturada de interesses próprios rivais dentro de uma ordemsocíal Ele revelou como os serviços públicos fundamentais que os americanosoenlmente associam com o ensino escolar, tais como a autorização "meritocrática"de todos os indivíduos independente de raça, classe, credo, ou gênero, são subver-tidos pelas próprias contradições que os constituem. Em suma, a obra de Girouxestá fundamentalmente determinada a impedir aquelas práticas ideológicas e soci-ais prevalecentes nas escolas que estão em desacordo com as metas de preparartodos os estudantes para serem cidadãos ativos, críticos e capazes de correr riscos.Cobrir a ampla gama de interesses de Giroux tem sido uma constante, uma inten-ção libertadora cie autorizar aqueles que foram contornados na estrada para osucesso educacional, aqueles para os quais a história pôs um fim cruel e prematurona esperança. Estes incluem tanto os descontentes quanto os indigentes, juntamen-te com aqueles cuja posição em classe mais privilegiada os torna demasiadamenteinsensíveis e impotentes para se oporem às desigualdades e injustiças da socieda-de.

A obra cie Giroux representa muito mais do que uma contribuição históricapara a teoria crítica educacional, pois ele também desenvolveu uma visão altamen-te original cias formas políticas de ensino escolar contemporâneo, visão que pro-vém de uma consciência das virtudes e inadequações da teoria educacional críticae uma sensibilidade aguda para as limitações e contingência histórica da própriateoria. Embora os escritos de Giroux mostrem uma erudição teórica profunda,existem bases sobre as quais eles podem e deveriam ser questionados e contesta-dos como parte de um diálogo em andamento. Com certeza não faltam críticospara alguns aspectos cie seu trabalho. Contudo, aqui não é o lugar para nos deter-mos nas críticas ao trabalho de Giroux, mas mais para explorá-lo como um corpocie pensamento crítico que cieve ser lido como parte de um projeto corrente de lutapedagógica e autorização política.

Embora a obra escrita cie Giroux não tenha começado como uma atividadepolítica séria até o final dos anos 70, seu trabalho hoje constitui um discurso efundamentação importantes para o desenvolvimento e promoção cie uma teoriacrítica da educação. Os últimos anos testemunharam Giroux empreender incursõessignificativas no âmbito mais amplo cia própria teoria social, resultando em diver-sas contribuições importantes para a disciplina nascente cios estudos culturais.2 Oprojeto abrangente da obra cie Giroux, ilustrado pela gama de materiais que apare-cem neste volume, pode ser resumido como uma tentativa de formular uma peda-gogia crítica comprometida com os imperativos de autorizar os estudantes e trans-formar a ordem social mais ampla no interesse de uma democracia mais justa eequitativa. Para Giroux, a questão essencial é o desenvolvimento de uma lingua-gem através cia qual os educadores e outros possam desvelar e compreender orelacionamento entre ensino escolar, as relações sociais mais amplas que o infor-mam, e as necessidades e competências historicamente construídas que os estu-dantes trazem para as escolas. Uma compreensão crítica deste relacionamento tor-na-se necessária para que os educadores reconheçam como a cultura escolar domi-nante está implicada nas práticas hegemônicas que muitas vezes silenciam os gru-pos subordinados de estudantes, bem como incapacitam e desautorizam aqueles

que lhes ensinam. Tal compreensão pode também desenvolver a capacidade ciosprofessores de trabalharem cie maneira crítica com estudantes de classes dominan-tes e subordinadas de forma que estes estudantes possam vir a reconhecer como epor que a cultura dominante estimula igualmente sua cumplicidade e sua impotên-cia. Evidentemente, o principal objetivo da pedagogia crítica é autorizar os estu-dantes para intervirem em sua própria autoformação e transformarem as caracterís-ticas opressivas cia sociedade mais ampla que tornam tal intervenção necessária. Ojulgamento final de Giroux sobre as facções culturais que exercem tamanho podersobre a vida educacional, cultural e econômica, embora condenatório, não exclui apossibilidade de mudança e reforma progressista. Do ponto cie vista cte Giroux, osagentes humanos possuem a capacidade cie refazer o mundo tanto através cia lutacoletiva no e sobre o mundo material quanto através cio exercício de sua imagina-ção social.

Existem uma paixão e uma indignação nos escritos cie Giroux - poderíamosdizer também uma esperança militante - que traem muito pouco o distanciamentoe polimento do trabalho acadêmico convencional. A vitalidade e por vezes a fero-cidade que marcam a voz crítica cie Giroux trazem consigo um legado de raiva e cieforça que provêm, em parte, da frustração que experimentou e a da resistência elutas nas quais se engajou como jovem criado em um bairro de classe operária emRhode Island. A história de Giroux também foi moldada por seu envolvimento naslutas dos anos 60, seu trabalho como coordenador comunitário, e seus sete 'anoscomo professor de segundo grau. Giroux com freqüência refere-se a sua educaçãouniversitária como um acidente histórico. Se não fosse pela bolsa cie estudos pro-veniente cio basquetebol, que ajudou a transportá-lo das esquinas cie Smith Hillpara os salões de conferências da universidade, sua vida sem dúvida teria tomadoum rumo diferente e menos proveitoso.* É tanto a vivência das diferenças cie classeque marcaram os primeiros anos cie Giroux quanto sua luta subseqüente paracompreender as formas nas quais o ensino escolar autoriza aqueles com uma van-tagem social prévia que trazem para seus escritos a paixão pela justiça e igualdadepela qual se tornaram conhecidos.

A obra de Giroux oferece aos educadores uma linguagem crítica para ajudá-los a compreender o ensino como uma forma cie política cultural, isto é, como umempreendimento pedagógico que considera com seriedade as relações cte raça,classe, gênero e poder na produção e legitimação do significado e experiência. Osignificado de tal linguagem pode ser julgado pelo quão bem ela aborda certasquestões e preocupações que são relevantes para a construção cie uma pedagogiacie emancipação. Algumas destas questões e preocupações que orientaram o traba-lho de Giroux ao longo dos anos podem ser formuladas como uma série de per-guntas: Quais são as variantes morais segundo as quais construiremos a nós mes-mos como agentes sociais cie mudança? Como podem os problemas relacionadoscom classe, raça, gênero e poder ser traduzidos em questões de qualidade e exce-lência educacional? De que maneira podemos nos reposicionar enquanto educadorescontra a cultura dominante a fim de reconstituir nossas próprias identidades eexperiências e aquelas de nossos estudantes? Como podem os educadores cons-truir um projeto pedagógico que legitime uma forma crítica de prática intelectual.Como é possível reconhecer a diferença e as múltiplas formas de identidade eainda assim abordar as questões de vontade e luta política? Que diversidade silen-ciamos em nome de uma pedagogia libertadora? Como podem os educadoies

xlíl

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reconhecer as injustiças que têm sido perpetradas em nome da educação? Comopoderão eles vir a enfrentar sua própria participação no emprego de um sistemamuitas vezes opressivo que parece roubar os estudantes de seus direitos básicos?De que forma os professores podem trabalhar para apoiar uma pedagogia respon-sável pela formação coletiva cie uma cultura pública democrática? Como podem oseducadores unir a teoria cia escolarização a uma pedagogia do corpo e do desejo?Quais são os limites da relação conhecimento/poder/subjetivíclade? Como desen-volveremos um discurso público que integre a linguagem cio poder e propósitocom a linguagem da intimidade, amizade, e cuidado? Como falamos em nome ciaemancipação sem mostrar desdém por aqueles que se encontram sob o jugo dadominação e ignorância, independente cie sua posição cie classe? Como não sabe-mos o que é historicamente possível até que seja experimentado, como podem oseducadores começar a fortalecer os estudantes para imaginarem um futuro no quala esperança torne-se prática e no qual a liberdade possa ser sonhada, disputada efinalmente obtida? A pedagogia crítica fala a partir de questões deste tipo, cujasrespostas exigem que se tome como ponto de partida os problemas reais, concre-tos, hoje enfrentados por estudantes e professores. As questões levantadas pelapedagogia crítica - questões que são relevantes e pertinentes à condição humana,questões que são formuladas como parte cie uma luta mais ampla pela libertaçãohumana — são aquelas que devem ser indagadas da própria história.

De modo geral, existem dois períodos principais na obra cie Giroux. O pri-meiro se reflete em seus ensaios sobre classe social e escolarização que foramescritos no final dos anos 70. Nesta época, ele estava muitas vezes associado comum pequeno, porém influente, grupo cie teóricos educacionais - o qual incluíapessoas como William Pinar, jean Anyon e Michael Apple - que produziram algu-mas análises importantes sobre escolarização, as quais agora parecem um tantocarregadas pela linguagem cia economia política e um conceito reducionista dereprodução social.'1 Enquanto grande parte do trabalho produzido pela escola crí-tica naquela época mantinha uma deferência residual à determinação causai e aum marxismo de cunho econômico, Giroux logo começou a imaginar um relaciona-mento mais complexo entre o que transpirava nas salas cie aula e os arranjospolíticos, sociais, morais e econômicos dentro da sociedade mais ampla. Giroux foiinfluenciado até certo ponto pela nova sociologia do conhecimento que surgiucom o trabalho de Michael Young e Basil Bernstein na Inglaterra, pelos escritos cieRaymoncl Williams, e pelo trabalho altamente inovador sobre subculturas juvenisrealizado por Stuart Hall, Richard Johnson, Paul Willis, e outros no Centro deEstudos Culturais Contemporâneos da Universidade cie Birmíngham. Os interessesteóricos de Giroux logo gravitavam em torno dos escritos do teórico italiano Antô-nio Gramsci, do educador brasileiro Paulo Freire, e da teoria crítica da Escola deFrankfurt - mais notavelmente Theodore Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcusee Walter Benjamin. A primeira contribuição de Giroux para a tradição educacionalcrítica, Ideologia, Cultura e o Processo de Escolarização, foi uma tentativa inventivae bem-sucedicla de forjar um laço conceptual entre as formulações de ideologia edominação cie Gramsci; os conceitos de cultura e alfabetização de Freire; a criticada racionalidade tecnocrática, marxismo clássico e psicologia profunda cia Escolade Frankfurt; e os trabalhos na sociologia cia educação e teoria curricular nosEstados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha e Austrália.5 Para Giroux, o conceito decultura tinha que ser politizado a fim de afastá-lo cias categorias estreitas de arte,

xiv

poesia, teatro e literatura, de status superior, e teoricamente reformulado comoterreno cie contestação material e ideológica. Tal reformulação cia cultura tambémcontribuiu para que Giroux rejeitasse a visão marxista clássica da cultura comomero reflexo cia base econômica, uma visão que em suas várias versões influen-ciou muito diversas análises críticas marxistas da escolarização. As tentativas depostular uma correspondência simétrica entre a economia e oram nos termos cie Giroux, em explicar a absorção de diversos e

currículo fracassa-; elementos culturais

e ideológicos em nossas escolas e sociedade mais ampla.Teoria e Resistência na Educaçao marcou uma outra mudança cie direção para

Giroux, quando aprofundou seu questionamento cias teorias de reprodução sociale cultural que prevaleciam após a publicação cie Ensino Escolar na América Capi-talista de Bowles e Gintis.6 Aqui Giroux sustentava que as escolas eram mais doque simplesmente locais cie reprodução social e cultural; de maneira semelhante,ele questionava a noção cie que as escolas eram definidas exclusivamente pelalógica cie dominação e os professores eram simplesmente títeres cia classe governante.Nos termos cie Giroux, este tipo de análise é teoricamente falho, politicamenteincorreto, e estrategicamente paralisante. Segundo Giroux, a tendência dentro dodiscurso marxista cie considerar o impulso do capital como a força propulsora dadominação desvia a atenção crítica para longe das diversas maneiras nas quais acultura, o poder e a ideologia operam como aparatos cie dominação que se infor-mam mutuamente para moldar as subjetividades cios estudantes e manter a separa-ção hierárquica entre grupos dominantes e subordinados. A obra de Freire e Gramscijá havia alertado Giroux para as várias maneiras nas quais a ideologia é estabelecidae legitimada por meio das mediações e determinações multiniveladas e multí-direcionais de cultura, classe, etnia, poder e gênero. A compreensão de Giroux ciorelacionamento dialético entre a estrutura social e a agência humana milita contraa idéia de que os sujeitos humanos são reflexos de alguma essência inata e anistórica,ou que são vítimas passivas presas na teia das formações ideológicas. Giroux dotouos agentes sociais de uma capacidade de transcender à situação histórica de suacultura herdada. Em última instância, os indivíduos não sucumbem à ínevitabilídadecie uma tradição que os mantém prisioneiros de idéias ou ações fixas, mas sãocapazes cie usar o conhecimento crítico para alterar o curso cios eventos históricos.Os indivíduos, para Giroux, são tanto produtores quanto produtos cia história.

Giroux está particularmente preocupado com o fato de que a falta de atençãocrítica dada pelo discurso marxista tradicional ao conceito de cultura impede umacompreensão clara de como o significado é produzido, mediado, legitimado, equestionado dentro cias escolas e outras instituições educacionais. Embora a esferaeconômica e as relações sociais de produção ainda sejam consideradas por Girouxcomo importantes alvos de análise crítica, elas não podem mais suplantar os con-ceitos cie cultura e poder para explicar os aparatos históricos de dominação e luta.Ao mesmo tempo, Giroux entende que subestimar a existência de uma luta contra-hegemônica no campo da cultura escolar faz os críticos educacionais geralmenteparecerem conselheiros do desespero. Isto vai contra o que Giroux acredita quedeveria ser a finalidade de uma análise verdadeiramente crítica cia escolarização.Refazendo uma das expressões de Bertolcl Brecht, isto significa o tipo cie análiseque vai além de uma explicação do que é. a fim cie moldar com martelos depensamento crítico o que poderia ser.

xv

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O segundo período dos escritos de Giroux é marcado por seu envolvimento,no início dos anos 80, com a questão de agência e resistência estudantil. Influenciadonesta época pelos escritos de Stanley Aronowitz e cio sociólogo Anthony Gidclens(para não mencionar a etnografia cie Paul Willis, Aprendendo a Ser Trabalhador),Giroux passou a alegar que as escolas não posicionam totalmente os estudantesdentro de uma lógica de opressão sem falhas, na qual mesmo as reformas maisinovadoras e abrangentes não podem realizar mais cio que pequenas modificaçõesnos casos mais extremos de patologia social. Em vez disso, parecem existir espaçose tensões dentro do ambiente escolar que oferecem aos estudantes a possibilidadecie resistência. Embora reconheça a prioridade do capital e das relações desiguaiscie poder como determinantes da opressão, Giroux insiste que estes de formaalguma obliteram completamente a possibilidade de contestação e lutatransformadora. Em outras palavras, Giroux acredita que é ao processo de resistên-cia que os educadores críticos elevem ciar atenção especial no estabelecimento ciasbases para a reforma educacional. Como parte cio discurso crítico da educação, ateoria cia resistência é importante porque indica a primazia da experiência estudan-til como terreno fundamental para compreender-se como a identidade, política esignificado constróem ativamente as diferentes intervenções e mediações dentro daesfera do ensino escolar. A categoria de resistência não pretende simplesmentesuplementar a insistência padronizada na reprodução social e cultural; ela repre-senta uma reconstrução teórica de como as subjetividades são posicionadas, inves-tidas e construídas como parte das complexidades da regulação moral e política.Para Giroux, é essencial que as escolas sejam vistas como locais cie luta e possibi-lidade e que os professores sejam apoiados em seus esforços tanto para compreen-der quanto transformar as escolas em instituições cie luta democrática.

Giroux também deixa claro que, embora seja virtualmente impossível viverfora da ideologia, existe uma necessidade urgente de revelarem-se as regras cieformação da ideologia, sua relação com a necessidade, com a política de resistên-cia, e com a fabricação de necessidades e desejos. A ideologia neste caso é defini-da em sentido mais amplo e produtivo como uma mobilização de significado cujosefeitos podem ser vistos na maneira pela qual os indivíduos organizam as contradi-ções e complexidades da vida cotidiana. A ideologia não é simplesmente umaimposição que prende as pessoas a um relacionamento imaginário com o mundoreal; é uma forma de experiência ativamente construída e fundamentalmente vivi-da em conexão com as formas nas quais o significado e o poder se encontram nomundo social. A ideologia é transmitida por imagens, gestos e expressões lingüís-ticas relacionadas não apenas com o que e como pensamos, mas também com oque sentimos e desejamos. A ideologia está, nesta perspectiva, envolvida na produ-ção e autogeração de subjetividades dentro dos domínios públicos e privados davida cotidiana. Ela também é essencial para compreender-se o quão fugaz é cie fatoo "sujeito" como base de agência, mas ao mesmo tempo oferece a principal esperançacie criar-se um discurso no qual os indivíduos possam atuar com convicção efinalidade política.7 Conseqüentemente, os professores precisam descobrir em seusestudantes como o significado é ativamente construído através cias múltiplas for-mações da experiência vivida que dão as suas vidas um sentido de esperança epossibilidade.

Giroux argumenta que os estudantes deveriam aprender a compreender aspossibilidades transformadoras cia experiência. A fim cie fomentar esta possibilida-

xvl

de os professores devem tornar o conhecimento escolar relevante para a vicias deseus estudantes, de forma que os mesmos tenham voz, isto é, afirmar a experiênciaestudantil como parte cio encontro pedagógico fornecendo conteúdo curricular e

ráticas pedagógicas que tenham ressonância com as experiências de vida dosstudantes. Também é importante, na visão de Giroux, que os professores vão

além de tornar a experiência relevante para os alunos, tornando-a também proble--ítica e crítica, através do questionamento cia mesma em busca de suas suposi-

ções ocultas. O direcionamento crítico é necessário para ajudar os estudantes areconhecerem as implicações políticas e morais de suas próprias experiências. As-sim os professores precisam desenvolver uma abordagem pedagógica na qual asexperiências e ações dos estudantes não sejam irrestritamente endossadas às custascie capacitá-los a reconhecerem em sua interação diária com os outros exemplosindesejáveis de comportamento, tais como preconceito racial e sexual. E, finalmen-te Giroux sustenta que os professores em última instância devem tornar o conhe-cimento e a experiência emancipadores, possibilitando que os estudantes desen-volvam uma imaginação social e coragem cívica capaz de ajudá-los a intervir emsua própria autoformação, na formação dos outros e no ciclo socialmente reprodutivoda vida em geral.

Cerco à Educação, trabalho cie Giroux em co-autoria com Stanley Aronowitz,invocou pela primeira vez o conceito cie escolas como esferas públicas democráti-cas.8 As esferas públicas democráticas abrangem redes públicas tais como as esco-las, organizações políticas, igrejas, e movimentos sociais que ajudam a construirprincípios e práticas sociais democráticas através do debate, diálogo, e troca cieopiniões. Embora Giroux já houvesse começado a desenvolver este conceito noúltimo capítulo de Teoria e Resistência (Aronowitz também já o havia desenvolvidoem um trabalho anterior, A Crise do Materialísmo Histórico9), ele então assumiuuma importância acentuada. A democracia é um conceito notoriamente constestacloe admitidamente complexo, e o uso de Giroux do mesmo variou ligeiramentedependendo do contexto. De modo geral, a democracia é definida ao nível dasformações sociais, comunidades políticas e práticas sociais que são reguladas pelosprincípios de justiça social, igualdade e diversidade. De acordo com Giroux, aescola desempenha um papel significativo no estabelecimento da democracia lo-cal, mas funciona melhor em colaboração com outras esferas públicas democráti-cas na luta mais ampla por democracia em níveis estadual e federal de governo. Aprimeira tarefa para transformar as escolas em esferas públicas democráticas é, paraGiroux, desenvolver uma linguagem pública para os educadores, algum tipo devernáculo crítico que permita a professores e estudantes reconstruírem a vidapública no interesse da luta coletiva e justiça social. Quanto à questão da lingua-gem, Giroux é bastante claro: a linguagem não é somente um instrumento quereflete a realidade social "lá cie fora", mas também é parcialmente constitutiva cioque em nossa sociedade é considerado "real".

Cerco ã Educação marca o ponto no qual Giroux começa a apropriar-se sele-tivamente cie algumas das proposições teóricas cio filósofo francês Michel Foucault,especialmente seu conceito de poder/conhecimento, um conceito que se mostrariacomo um dos eixos centrais de alguns dos trabalhos posteriores de Giroux. Oconceito cie poder/conhecimento é instrumental na formulação cie Giroux do pa-pel que os professores deveriam desempenhar enquanto intelectuais criticamenteengajados. O conhecimento não pode mais ser visto como objetivo, e sim cornp» e-

XVli

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lirír, como parte não apenas das relações de poder que o produzem, mas tam-h' i «daquehs que se beneficiam dele. Toda forma cie conhecimento pode ser

tuada dentro de relações de poder específicas; com o passar cio tempo certasfôrmas de conhecimento são transformadas pelos grupos governantes em "regimesde verdade". De acordo com Giroux, um passo essencial para ajudar os professoresa questionarem os "regimes de verdade" existentes, especialmente à medida queestes influenciam questões pedagógicas e curriculares, pocle ter mais êxito se osprofessores assumirem o papel cie intelectuais transformadores, os quaisdeliberadamente empreendam a prática socialmente transformadora em oposiçãoao exercício, sob a aparência cie neutralidade política, da inteligência misteriosa ouconhecimento especializado. Na verdade, Giroux tem o cuidado cie separar o ter-mo "intelectual" de seu uso tradicional e suas noções remanescentes cie elitismo,excentricidade e manipulação de idéias. Sem dúvida, o professor como intelectualtransformador deve estar comprometido com o seguinte: ensino como práticaemancipadora; criação de escolas como esferas públicas democráticas; restauraçãode uma comunidade de valores progressistas compartilhados; e fomentação de umdiscurso público comum ligado aos imperativos democráticos de igualdade e justi-ça social. Distintos dos intelectuais hegemônicos ou obsequiosos, cujo trabalhoestá sob o comando daqueles que estão no poder e cuja compreensão crítica estáa serviço do status quo, os intelectuais transformadores assumem com seriedade aprimazia cia ética e da política em seu envolvimento crítico com os estudantes,administradores, e a comunidade circunclante. Eles trabalham incansavelmente,dedicados à promoção cia democracia e melhoria da qualidade cia vida humana.

Podemos obter uma idéia da obra cie Giroux a partir de sua visão da escritaacadêmica. Giroux rejeita a noção de que o academicismo crítico deveria ser obje-tivo ou não partidário, tarefa que julga impossível e indesejável. O fato de Girouxconsiderar seus próprios escritos como parte de um projeto político em andamentoreflete os esforços que há muito faz para ligar o conhecimento crítico a formas maisamplas de luta oposicionista. No julgamento de Giroux, a consciência social doacadêmico é muitas vezes suplantada pelo desejo cie poder, pelo desejo cie segu-rança dentro da academia, sucesso pessoal e reconhecimento. A pesquisa acadêmi-ca está assim comprometida à medida que é assimilada pelo status quo da discipli-na, é cacla vez mais escrita para os colegas e não para o público em geral, e éjulgada pelo rigor empírico cie seus argumentos e pelo conceito (mal-empregado)cie neutralidade científica. Conseqüentemente, Giroux recusa-se a discriminar entresua responsabilidade como intelectual público e seu papel como professor univer-sitário.

O que é particularmente marcante no trabalho de Giroux é que ele inevitavel-mente conserva-se livre dos parâmetros rígidos da certeza dogmática. Sua recusaem permitir que seu trabalho fique em dívida com qualquer ortodoxia lhe garantiugrande flexibilidade teórica e acentuado rigor; além disso, seus esforços para ínter-relacionar idéias cie diversos campos teóricos promoveram um refinamento conti-nuado de seus interesses intelectuais e políticos, levando a uma perspectiva reno-vada e integrada. A capacidade cie Giroux de fundir os horizontes das teorias dopassado e do presente umas com as outras e com o horizonte cie sua própriaperspectiva pocle ser vista em seu recente envolvimento crítico com as obras deJohn Dewey, George Counts e C, Wright Mills, bem como com trabalhos seleciona-dos extraídos cia teoria feminista e da teologia da libertação.

XV1M

Hoje é especialmente difícil situar a obra cie Giroux dentro de qualquer escolacie pensamento, uma vez que ele raramente passa pelo mesmo terreno conceptualduas vezes sem desconstruir seus limites e trazer-lhe uma nova e rica sutileza decompreensão.10 Não estando interessado em buscar pais ideais em Marx, GramsciFoucault ou outros, Giroux segue adiante. O que deu a seu trabalho tal elasticida-de desde seus primeiros até seus mais recentes escritos, talvez tenha sido seuesforço continuado em dar o lugar de honra à natureza dialética da vicia sócia!,mais especificamente à interação mutuamente informada entre estrutura e agência,linguagem e desejo, e análise crítica e esperança.

Os escritos cie Giroux continuam a ter a marca cie seus compromissos e preo-cupações mais profundas. Recentemente ele tentou refinar ainda mais sua noçãode escolarização como forma cie política cultural, particularmente com respeito àquestão cia pedagogia e voz do estudantil. Ele reconhece que a pedagogia é funda-mentalmente uma prática política e ética, bem como uma construção social e histo-ricamente situada; que ela não se restringe às salas cie aulas; que ela está envolvidatocla vez que existirem tentativas deliberadas de influenciar a produção e constru-ção de significado, ou como e que conhecimento e identidades sociais são produ-zidas dentro e entre conjuntos particulares de relações sociais." A pedagogia nãose refere apenas às práticas cie ensino mas também envolve um reconhecimento dapolítica cultural que tais práticas sustentam.12 O fato cia pedagogia estar implicadana construção social cio conhecimento e da experiência confirma para Giroux queuma pedagogia da possibilidade é realmente possível, pois se o mundo cio eu edos outros foi socialmente construído, ele pocle cia mesma maneira ser desmante-lado, desfeito, e criticamente refeito.

A pedagogia crítica reconhece as contradições que existem entre a caracterís-tictr de abertura cias capacidades humanas que estimulamos em uma sociedadedemocrática e as formas culturais que são fornecidas e dentro das quais vivemosnossas vicias". A pedagogia nunca deixa de existir enquanto existem tensões econtradições entre o que é e o que deveria ser. Poucos escritores têm sido tãoconstantes quanto Giroux na argumentação de que os educadores precisam articu-lar seu propósito com clareza, estabelecer as metas, e definir os termos daescolarização pública como parte de um projeto democrático mais amplo. Ao mes-mo tempo, Giroux está consciente cie que a luta pela transformação própria esocial não eleve procurar a verdade como categoria absoluta, mas como circunstan-cial e contextual. Uma pedagogia cie libertação não tem respostas definitivas. Elaestá sempre em construção.

Os escritos que constituem este volume levam a marca registrada cie grandeparte cia obra de Giroux. Eles estão repletos cie trechos prescientes destinados apromoção cio desenvolvimento de aprendizagem prática com intenção emancipadora.Os exemplos cia fase anterior cie Giroux conservam hoje ainda grande parte cie suarelevância teórica. O fato de que Giroux não tenha eliminado algumas incoerênci-as não diminui de forma alguma seu importante desafio a professores e pesquisa-dores que estejam tentando compreender as complexas inter-relações entre o ensi-no, a construção de identidade, o desenvolvimento de relações sociais democráti-cas e o desafio da transformação social. Estes capítulos permitem ao leitor apreen-der a obra de Giroux como um conjunto cie práticas históricas; eles retratam umdesenvolvimento e engajamento constantes com os diversos aspectos cio pensa-mento educacional crítico. Além disso, eles revelam tanto os princípios de

xix

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estruturação do trabalho anterior de Giroux quanto sua tentativa corrente de re-pensar de maneira mais crítica e dialética a base teórica e projeto político queinformam seu trabalho.

Em última análise, pode-se dizer que o trabalho cie Giroux constitui umapedagogia do concreto, na qual o que pode ser já está plantado nas sementes doque é no que é real e verdadeiro. Tal pedagogia procura, nas palavras de JessícaBenjamin, "trazer a política ao campo cia imanência"11. Em última instância, elarepresenta uma tentativa combinada de não exaltar o princípio abstrato universalem detrimento cia particularidade concreta individual cia necessidade.15 É uma pe-dagogia que reconhece que todos os regimes de verdade são estratégias temporá-rias de contenção. Trata-se cie purgar, nos lembra Giroux, o que é consideradoverdade de seus efeitos opressivos e não democráticos. Em um muncío como onosso, decididamente hostil ao futuro, tal projeto de possibilidade está em desacor-do com o referencial padrão pelo qual a maior parte dos educadores julgam otrabalho teórico: será que ele permitirá a prática em sala de aula? A resposta, éclaro, vai depender do que se quer dizer com prática. Se o que queremos dizercom prática refere-se a um "livro de receitas", então a resposta é um retumbante"Não". Compreender a prática nestes termos é estar à mercê de um discurso clo-mesticante que estabelece uma falsa dicotomia entre teoria e prática, efetivamenteeliminando sua relação dialética. Tal lógica supõe que os julgamentos de comodeveria ser a prática educacional são internos à praticabilidacle do próprio trabalhoem sala de aula, assim subestimando o potencial transformador da pedagogia emfavor de procedimentos instrumentais que operam independentemente de seusefeitos.ÍS Se, por outro lado. relacionarmos a prática ao envolvimento diário comuma linguagem mais fortalecedora através da qual pensar e agir criticamente naluta por relações sociais democráticas e liberdade humana, então "Sim", o trabalhode Giroux nos oferece a oportunidade de efetuar uma transformação concreta,prática de nosso ensino. Auxiliar os educadores a fazer esta distinção entre práticainstrumental e prática fortalecedora é, evidentemente, um dos propósitos destelivro.

Giroux continua a prestar um importante serviço para os educadores porqueele fala diretamente cios problemas e tópicos defrontando o futuro das nossasescolas e da nossa sociedade em geral. Ele levanta questões que desafiam ospapéis que as escolas desempenham — e continuam a desempenhar - em incrementaro legado histórico cia nossa nação de criar uma sociedade justa e democrática para.odos. Giroux reconhece que se não fizermos perguntas à história ela permanecerá~m silêncio. E é sob o abrigo deste silêncio que a história pode ser revisitada comis injustiças e a desumaniclacle que, no passado, colocaram o mundo em tantoJerigo. O sucesso de Giroux em confrontar os silêncios estruturados cia história eDesenvolver uma nova visão de uma sociedade fundamentada em esperança e lutaibertadora o tornou um dos mais desafiadores e importantes teóricos da educação10 cenário presente e, certamente, um dos mais prolíficos e perceptivos analistasIa escolarização escrevendo hoje.

pfotas

l Para um comentário mais longo sobre Education under Siege , ver meu artigo de revisãoeiri Educational Studies 11 (1986): 277-89. Para uma discussão conjunta de Education underSie"o & Theory and Resistanca in Education, ver Peter McLaren, "Education as Counter-Discourse", 13 (Inverno 1987): 56-68. Pequenos trechos destes artigos de revisão foramreproduzidos no presente ensaio.

? Ver Heniy A. Giroux e Roger Simon, "Criticai Pedagogy and the Politics of Popular Culture",em Criticai Pedagog}' and Popular Culture, eds. Henry A. Giroux e Roger Simon (SouthHadley Mass.: Bergin & Garvey Publishers, a ser publicado).

3 Ver Bill Reynolds, "Henry Giroux Hás the Working Class Blues'1, SimdayJournal Magazi-ne (Rhode Isiand), 15 de maio, 1985, pp. 4 -7.

4 Ver o livro de Giroux a ser publicado, Schooling and the Struggle for Public Life: Critica!Peda°ogy in tbe Modern Age (Mmnezpolis: University of Minnessota Press).

5. Henry A. Giroux, Ideology, Culture and the Process of Schooling (Philadelphia: TempieUniversity Press, 1981).

6 Henry A. Giroux, Theory and Resistance in Education (South Hadley, Mass.: Bergin &Garvey Publishers, 1983). Ver também Samuel Bowles e Herbert Gintis, Schooling in CapüalístAmerica (New York: Basic Books,1976).

7. Para uma discussão de ideologia relacionada, ver Peter McLaren, "Ideology, Science, andthe Politics of Marxian Orthodoxy: A Response to Michael Dale", Educational Theory 37(1987): 301 - 26; e Peter McLaren , "The Politics of Ideology in Educational Theory", SocialText ( a ser publicado).

8. Giroux utiliza os termos esfera pública oposicionista e esfera contrapública em geral como mesmo significado. Stanley Aronowitz e Henry A. Giroux, Education under Siege (SouthHadley, Mass.: Bergin & Garvey Publishers, 1985).

9. Stanley Aronowitz, The Crisis in Histórica! Materialism (New York: Praeger, 1981).

10. Giroux, Schooling and The Struggle for Public Life.

11. Giroux e Simon, "Criticai pedagogy and Politics of popular Culture."

12. Ibicl.

13. Esta idéia foi desenvolvida em Roger I. Simon, "Empowerment as a Pedagogy of Possibility",Language Arts 64 (4): 375. Ver Peter McLaren, "The Anthropological Roots of Pedagogy: Theteacher as Limínal Servant", Anthropology and Humanism Quarterly ( a ser publicado).

14. Jessica Benjamin "Shame and Sexual Politics", New German Critique 27 ( Outono 1982):152.

15. Ibid., 153.

16. Richard Smith e Anna Zantiotis, "Practical Teacher Education and the Avante Garde",Schooling, Politics and the Struggle for Culture, Henry A. Giroux e Peter McLaren, ed.(Albany: State University of New York Press, a ser publicado).

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Sumário

Apresentação .- ixPaulo Freire

Prefácio: Teoria Crítica e o Significado da Esperança xiPeter AfcLaren

7(.Introdução: Os Professores como Intelectuais 25

J Repensando a Linguagem da Escola 33

< L Rumo a uma Nova Sociologia do Currículo 43

j Educação Social em Sala de Aula: A Dinâmica do Currículo Oculto 55

jt Superando Objetivos Behavioristas e Humanísticos 79

j Escrita e Pensamento Crítico nos Estudos Sociais 91

O A Cultura cie Massa e o Surgimento do Novo Analfabetismo:Implicações para a Leitura 111

/ Pedagogia Crítica, Política Cultural e o Discurso da Experiência 123

/' &)\ O Cultura, Poder e Transformação na Obra de Paulo Freire:Rumo a uma Política de Educação -^

/\ J Professores como Intelectuais Transformadores ^7

11) Estudo Curricular e Política Cultural lò5

11 A Necessidade de Estudos Culturais

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XÍ2 A Educação de Professores e a Política de Reforma Democrática 195

>\|3 Críse e Possibilidades na Educação 213

"l 14 Reproduzindo a Reprodução: A Política de Seleção 223

""''Í5 Antônio Gramsci: Escolarização para uma Política Radical 233

•/•'l6 Solidariedade, Ética e Possibilidade na Educação Crítica 243

índice Remissivo 261

xxiv

IntroduçãoOs Professores como Intelectuais

A Teoria Educacional Crítica e a da AnáliseCrítica

A pedagogia radical surgiu com todo o vigor como parte da nova sociologiada educação na Inglaterra e nos Estados Unidos há mais de uma década, ecomo resposta crítica ao que pode ser chamado de maneira geral de ideo-logia da prática educacional tradicional.1 Preocupada com o imperativo dequestionar a suposição dominante de que as escolas são o principal meca-nismo para o desenvolvimento de uma ordem social democrática e igualitá-ria, a teoria educacional crítica determinou-se a desvelar como a domina-ção e a opressão são produzidas dentro dos diversos mecanismos de esco-larização. Em vez de aceitarem a noção de que as escolas são veículos dedemocracia e mobilidade social, os críticos educacionais problematizam talsuposição. Sendo assim, sua principal tarefa política e ideológica é desvelarcomo as escolas reproduzem a lógica do capital através das formas materi-ais e ideológicas de privilégio e dominação que estruturam as vidas cieestudantes de diversas classes, gêneros e etnias.

Os críticos radicais, de modo geral, concordam que os tradicionalistaseducacionais geralmente recusam-se a interrogar a natureza política do ensinepúblico. Na verdade, os tradicionalistas fugiram totalmente da questão atra-vés da tentativa paradoxal de despolítizar a linguagem do ensino e acmesmo tempo reproduzir e legitimar as ideologias capitalistas. A expressãcmais óbvia desta visão pode ser vista no discurso positivista que definia eainda define a política e pesquisa educacional predominante, e que terrcomo preocupações mais importantes o domínio de técnicas pedagógicas ca transmissão de conhecimento instrumental para a sociedade existente.Na visão de mundo dos tradicionalistas, as escolas são simplesmente locai;de instrução. Ignora-se que as escolas são também locais políticos e culturais, assim como a noção de que elas representam áreas de acomodação <contestação entre grupos econômicos e culturais diferencialmente fortaleci

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26 HENRY A. GIROUX

n nonto de vista da teoria educacional crítica, os tradicionalistasomitem importantes questões referentes às relações entre conhecimento,poder e dominação. _

A partir dessa análise surgiram uma nova linguagem teórica e tipo decrítica que argumentam que as escolas não oferecem oportunidades dentroda ampla tradição humanista ocidental para fortalecimento do self e dosocial na sociedade como um todo. Em oposição à posição tradicionalista,os críticos esquerdistas oferecem argumentos teóricos e evidências empíricaspara sugerir que as escolas são, na verdade, agências de reprodução social,econômica e cultural.3 Na melhor das hipóteses, a escola pública oferecemobilidade individual limitada aos membros da classe trabalhadora e ou-tros grupos oprimidos, mas é um poderoso instrumento para a reproduçãodas relações capitalistas de produção e ideologias legitimadoras dominan-tes dos grupos governantes.

Os críticos radicais cie educação oferecem uma variedade de modelosde análise e pesquisa úteis para se questionar a ideologia educacional tradi-cional. Contrários à alegação conservadora de que as escolas transmitemconhecimento objetivo, os críticos radicais desenvolveram as teorias ciocurrículo oculto, bem como as teorias da ideologia, que identificam osinteresses específicos que subjazem às diferentes formas de conhecimento.'Ao invés de encarar o conhecimento escolar como objetivo, como algo aser simplesmente transmitido aos estudantes, os teóricos radicais alegamque o conhecimento é uma representação particular da cultura dominante,um discurso privilegiado que é construído através de um processo seletivode ênfases e exclusões5. Contrários à noção conservadora de que as escolassão apenas locais de instrução, os críticos radicais apontam para a transmis-são e reprodução da cultura dominante nas escolas. Longe de ser neutra, acultura dominante na escola é caracterizada por um ordenamento e legiti-mação seletivos de formas privilegiadas cie linguagem, modos de raciocí-nio, relações sociais e experiências vividas. J)e acordo com essa visão, acultura está ligada ao poder e à imposição de um conjunto específico ciecódigos e experiências da classe dominante.6 A cultura escolar, contudo,funciona não apenas para confirmar e privilegiar os estudantes das classesdominantes, mas também, através da exclusão e insulto, para invalidar ashistórias, experiências e sonhos de grupos subordinados. Finalmente, con-tra a alegação de educadores tradicionais de que as escolas são apolíticas.os educadores radicais elucidam a maneira pela qual o Estado, através desuas concessões seletivas, políticas de certificação e poderes legais, influen-cia as práticas escolares no interesse cie ideologias dominantes particula-res.7

Apesar de suas profundas análises teóricas e políticas cia escolarização,a teoria educacional radical sofre de algumas deficiências graves, a maisséria das quais é seu fracasso em ir além da linguagem cia análise crítica eda dominação. Isto é, os educadores radicais continuam presos a uma lingua-

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 27

gem que liga as escolas principalmente às ideologias e práticas da domina-ção, ou aos parâmetros estreitos do discurso cia economia política Nestavisão, as escolas são vistas quase que exclusivamente como agências dereprodução social, produzindo trabalhadores obedientes para o capital indus-trial; o conhecimento escolar geralmente é desconsiderado como uma for-ma de ideologia burguesa; e os professores são com freqüência retratadoscomo estando presos em um aparelho de dominação que funciona comtoda a precisão de um relógio suíço. A tragédia desta posição é que elaimpede que os educadores de esquerda desenvolvam uma linguagemprogramática para reformas pedagógicas ou escolares. Neste tipo de análi-se, existe pouca compreensão das contradições, distâncias e tensões quecaracterizam a escolarização. Há poucas possibilidades de se desenvolveruma linguagem programática para uma pedagogia crítica ou para uma lutainstitucional e comunitária. Os educadores radicais concentraram-se de talforma na linguagem da dominação que não resta qualquer esperança viávelde se desenvolver uma estratégia educacional política progressista.

Mas os teóricos críticos, com poucas exceções, fizeram mais do quedeturpar a natureza contraditória das escolas, pois também recuaram dianteda necessidade política de questionar-se a tentativa conservadora de mol-dar o apoio ideológico a sua visão de educação pública. Conseqüentemen-te, os conservadores exploraram habilmente os medos públicos acerca daescola de uma maneira que tem passado quase que incontestada peloseducadores radicais. Os conservadores não apenas dominaram o debateacerca da natureza e propósito da escola pública, como também têm cadavez mais determinado os termos em torno dos quais as recomendaçõespolíticas têm sido desenvolvidas e implementadas em níveis local e nacio-nal.

Com efeito, os educadores radicais desperdiçaram a oportunidade tan-to de questionar o ataque conservador nas escolas e as formas correntesnas quais as escolas reproduzem desigualdades arraigadas como de recons-truir um discurso no qual o professor possa ser definido através cias catego-rias de democracia, autorização e possibilidade. Para que a pedagogia radi-cal se torne um projeto político viável, ela precisa desenvolver um discursoque combine a linguagem da análise crítica com a linguagem da possibilidade.Desta maneira, ela deve oferecer análises que revelem as oportunidadespara lutas e reformas democráticas no funcionamento cotidiano das esco-las. De forma semelhante, ela deve oferecer as bases teóricas para queprofessores e demais indivíduos encarem e experimentem a natureza dotrabalho docente de maneira crítica e potencialmente transformadora. Doiselementos deste discurso que considero importantes são a definição ciasescolas como esferas públicas democráticas e a definição dos professorescomo intelectuais transformadores. Embora estas categorias sejam aprofun-dadas no restante do livro, esboçarei algumas de suas implicações maisamplas e as práticas que estas sugerem.

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28 HENRY A. GJROUX

A Escolarização, a e osTransformadores

Qualquer tentativa de reformular o papel dos educadores deve partir daquestão mais ampla de como encarar o propósito da escolarizaçào. Euacredito que fundamental para uma pedagogia crítica realizável é a necessi-dade de encarar as escolas como esferas públicas democráticas. Isto signifi-ca considerar as escolas como locais democráticos dedicados a formas defortalecer o se/f e o social. Nestes termos, as escolas são lugares públicosonde os estudantes aprendem o conhecimento e as habilidades necessáriaspara viver em uma democracia autêntica. Em vez de definir as escolas comoextensões do local de trabalho ou como instituições de linha de frente nabatalha dos mercados internacionais e competição estrangeira, as escolascomo esferas públicas democráticas são construídas em torno de formas deinvestigação crítica que dignificam o diálogo significativo e a atividade huma-na. Os estudantes aprendem o discurso da associação pública e responsabi-lidade social. Este discurso busca recuperar a idéia da democracia críticacomo um movimento social que apoia a liberdade individual e a justiçasocial. Além disso, encarar as escolas como esferas públicas democráticasfornece uma fundamentação para defendê-las, juntamente com formas pro-gressistas de pedagogia e trabalho docente, como instituições e práticasessenciais desempenhando um serviço público importante. Com uma lingua-gem política, as escolas são então defendidas como instituições que forne-cem as condições ideológicas e materiais necessárias para a educação doscidadãos na dinâmica da alfabetização crítica e coragem cívica, e estas consti-tuem a base para seu funcionamento como cidadãos ativos em uma sociedadedemocrática.

Esta posição deve muito à visão de democracia de Jonh Dewey, mastranscende a mesma de várias maneiras, dignas de serem mencionadas. Euuso o termo discurso democrático tanto como referencial à análise críticacomo quanto ideal fundamentado na noção dialética cia relação escola-sociedade. Como referencial à análise crítica, a teoria e prática da democra-cia oferece um modelo para analisar-se como as escolas bloqueiam as di-mensões ideológicas e materiais da democracia. Por exemplo, ela examinaas maneiras pelas quais o discurso da dominação se manifesta nas formasde conhecimento, organização escolar, ideologias dos professores e rela-ções professor-aluno. Além disso, inerente ao discurso da democracia estáa compreensão de que as escolas são locais contraditórios; elas reprodu-zem a sociedade mais ampla enquanto ao mesmo tempo contêm espaçopara resistir a sua lógica de dominação. Enquanto ideal, o discurso dademocracia sugere algo mais programátíco e radical. Primeiramente, eleaponta o papel que professores e administradores poderiam desempenharcomo intelectuais transformadores que desenvolvem peclagogias contra-hegemônicas que não apenas fortalecem os estudantes ao dar-lhes o conheci-

OS

mento e habilidades sociais necessários para poderem funcionardade mais ampla como agentes críticos, mas também educam-nosação transformadora. Isto significa educá-los para assumirem riscos na -esforçarem-se pela mudança institucional e para lutarem contra a opressãoe a favor da democracia fora das escolas, em outras esferas públicas deoposição e na arena social mais ampla. Assim, com efeito, minha visão dedemocracia aponta para uma esforço dual. Primeiramente, eu destaco anoção de fortalecimento pedagógico, que por sua vez aponta para a oroa-nização, desenvolvimento e implementação de formas de conhecimento epráticas sociais nas escolas. Em segundo lugar, eu saliento a noção detransformação pedagógica, na qual argumento que tanto professores comoalunos devem ser educados para lutarem contra formas de opressão nasociedade mais ampla, e que as escolas representam apenas um lugar im-portante nesta luta. Isto é muito diferente da visão de Dewey, porque euvejo a democracia como envolvendo não apenas a luta pedagógica, mastambém a luta política e social, uma visão que reconhece que a pedagogiacrítica é somente uma das intervenções importantes na luta para reestruturaras condições materiais e ideológicas da sociedade mais ampla no interessede criar uma sociedade verdadeiramente democrática.8

Existe uma outra questão relacionada e importante operando ao defi-nir-se as escolas como esferas públicas democráticas, por mim enfatizadaem todo o livro. Ao politizar-se a noção de escolarização, torna-se possívelelucidar o papel que educadores e pesquisadores educacionais desempe-nham enquanto intelectuais que operam em condições especiais de traba-lho e que desempenham uma função social e política particular. As condi-ções materiais sob as quais os professores trabalham constituem a basepara delimitarem ou fortalecerem suas práticas como intelectuais. Portanto,os professores enquanto intelectuais precisarão reconsiderar e, possivelmente,transformar a natureza fundamental das condições em que trabalham. Istoé, os professores devem ser capazes de moldar os modos nos quais otempo, espaço, atividade e conhecimento organizam o cotidiano nas esco-las. Mais especificamente, a fim de atuarem como intelectuais, os professo-res devem criar a ideologia e condições estruturais necessárias para escreve-rem, pesquisarem e trabalharem uns com os outros na produção de currícu-los e repartição do poder. Em última análise, os professores precisam de-senvolver um discurso e conjunto de suposições que lhes permita atuaremmais especificamente como intelectuais transformadores.9 Enquanto intelec-tuais, combinarão reflexão e ação no interesse de fortalecerem os estudan-tes com as habilidades e conhecimento necessários para abordarem a$ injus-tiças e de serem atuantes críticos comprometidos com o desenvolvímento

de um mundo livre da opressão e exploração. Intelectuais deste tipo não estãomeramente preocupados com a promoção cie realizações individuais ou pro-gresso dos alunos nas carreiras, e sim com a autorização dos alunos para quepossam interpretar o mundo criticamente e mudá-lo quando necessário.

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Antes de abordar as especifícidades do que significa apropriar-secriticamente do conceito de intelectual transformador como parte cie umdiscurso mais amplo, que vê a pedagogia radical como parte de uma formade política cultural., eu gostaria de elaborar algumas das questões que sãofundamentais para o embasamento ontológico cio significado de tornar apráxis pedagógica uma forma de práxis radical.

Existem diversos conceitos importantes que têm implicações metodo-ló^icas para professores e pesquisadores que assumem o papel de intelec-tuais transformadores. O referencial mais importante para tal posição é a"libertação da memória", o reconhecimento daqueles exemplos de sofrimentopúblico e privado cujas causas e manifestações exigem entendimento ecompaixão. Os educadores radicais devem começar pelas manifestações desofrimento que constituem as condições passadas e imediatas da opressão.O desvelamento cio horror do sofrimento passado e a dignidade e solidarie-dade da resistência nos alertam para as condições históricas que constróemtais experiências. Esta noção de libertação da memória faz mais do querecuperar momentos perigosos do passado; ela também focaliza a questãodo sofrimento e a realidade daqueles tratados como "os outros". Podemosentão começar a compreender a realidade da existência humana e a necessi-dade de todos os membros de uma sociedade democrática de transforma-rem as condições sociais existentes de forma a eliminar esse sofrimento nopresente.10 A libertação da memória aponta para o papel que os intelectuaispoderiam desempenhar como parte da rede pedagógica de solidariedadedestinada a manter vivo o fato histórico e existencial do sofrimento atravésda revelação e da análise das formas de conhecimento histórico e popularque foram suprimidas ou ignoradas e através das quais nós mais uma vezdescobrimos os "efeitos de rompimento do conflito e da luta"." A liberta-ção da memória representa uma declaração, uma esperança, um lembretediscursivo de que as pessoas não apenas sofrem sob os mecanismos ciadominação, como também resistem. Além disso, tal resistência está sempreligada às formas de conhecimento e compreensão que são as precondiçõespara dizer tanto um "Não" à repressão como um "Sim" à dinâmica de luta eas possibilidades práticas às quais ela se destina.

Existe um outro importante elemento dialético que constrói a noçãode libertação da memória. Ele "lembra" o poder como uma força positiva nadeterminação de alternativas e verdades contra-hegemônicas. É a noção cierecordação histórica que sustenta a memória dos movimentos sociais quenão apenas resistem mas também transformam em seu próprio interesse oque significa desenvolver comunidades em torno de um horizonte alternativode possibilidades humanas. É simplesmente desenvolver um estilo de vidamelhor.

Também é essencial que os intelectuais transformadores redefinam apolítica cultural em relação à questão do conhecimento, particularmente

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com respeito à construção da pedagogia em sala de aula e a voz do estudantePara os intelectuais transformadores, a pedagogia como forma cie políticacultural deve ser compreendida como um conjunto concreto de práticasque produzem formas sociais através das quais diferentes tipos de conheci-mento, conjuntos de experiências e subjetiviclades são construídas. Coloca-do de outra maneira, os intelectuais transformadores precisam compreen-der como as subjetividacles são produzidas e reguladas através de formassociais historicamente produzidas e como estas formas levam e incorporaminteresses particulares.12 No centro desta posição está a necessidade dedesenvolver modos de investigação que examinem não apenas como aexperiência é moldada, vivida e tolerada dentro de formas sociais particula-res, tais como as escolas, mas também como certos aparatos de poder produ-zem formas de conhecimento que legitimam um tipo particular de verdadee estilo de vida. O poder, neste sentido, tem um significado mais amplo emsua relação com o conhecimento do que geralmente se reconhece. O po-der, neste caso, como salienta Foucault, não apenas produz o conhecimen-to que distorce a realidade mas também produz uma versão particular da"verdade".15 Em outras palavras, "O poder não mistifica ou distorce simples-mente. Seu impacto mais perigoso é, sua relação definitiva com a verdade,os efeitos de verdade que ele produz".1'

Os capítulos deste livro oferecem uma gama de perspectivas que fo-ram se formando durante os últimos anos. Os tópicos vão desde alfabe-tização e definição dos objetivos da sala de aula até o trabalho dos teólogosda libertação. Porém, contidos nesta ampla gama estão os temas comunsque abordam o reconceber as escolas como esferas públicas democráticasnos quais professores e alunos trabalhem juntos para forjar uma nova visãoemancipadora da comunidade e da sociedade. Este livro também contémtentativas de desenvolver uma nova linguagem e novas categorias com asquais situar a análise da escolarização. Embora muitas destas categoriastenham sido seletivamente apropriadas da sociologia do conhecimento,teologia, estudos culturais e outras tradições, elas oferecem aos educadoresuma oportunidade única para refletirem criticamente sobre suas própriaspráticas e o relacionamento entre as escolas e a sociedade mais ampla.

Não estou oferecendo uma receita, mas antes reconhecendo que qual-quer discurso, até mesmo o meu, precisa estar engajado crítica e seletivamen-te, de forma que possa ser usado em contextos específicos por aqueles quevêem valor no mesmo para seu próprio ensino em sala de aula e luta social.O que está em questão neste livro é uma maneira particular cie ver, umdiscurso crítico que não está completo, mas que pode elucidar as especi-fícidades da opressão e as possibilidades cie luta e renovação democráticas.

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Notas

Os textos de maior fama que surgiram nos anos 70 foram: Michael F.D. Young, ed,Knowledze and Contrai ( London: Collíer-Macmillan, 1971)jJ3asil Bernstein, Class, Codesand Contrai, vol. 3 (London: Routledge & Kegan Paul, 19//); Samuel Bowles e HerbeitGintis Schooling in Capitalist America (New York: Basic Books, 1976); Michael Apple,IdeològyanclCurríciilumdonúon: Routledge & Kegan Paul, 1977).

f Para uma análise desta posição, ver Giroux, Ideology, Cultura and theProcess qf'Schooling.

3. O exemplo mais notório desta posição pode ser encontrado em Bowles e Gintis, Schoolingin Capitalist America. A literatura sobre ensino escolar e a tese de reprodução são revisadascriticamente em Hemy A. Giroux, Theoiy and Resistance.

4. Para uma análise recente desta posição, ver Henry A. Giroux e David Purpel, TheHiddenCurriculum and Moral Education (Berkeley: McCutchan Publishing, 1983); Jeannie Oakes,Keeping Track: Hotv Schools Structure Inequality (New Haven: Yale University Press, 1985).

5. Apple, Education and Power.

6. O livro de maior influência desta posição foi Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron,Reproduction in Education, Society, and Culture (Beverly Hills, Calíf.: Sage, 1977).

7. Exemplos mais recentes desta posição incluem Arthur Wíse, LegislatedLeaniing(Bei'keley.University od Califórnia Press, 1979); Martin Carnoy e Heniy Levin, Schooling and Work inthe Democratic State (Stanford University Press, 1985).

8. O relacionamento entre ensino escolar e democracia é explorado de maneira brilhantedentro de uma perspectiva liberal em John Dewey, Democracy and Education (New York:Free Press, 1916). Tanto uma crítica quando ampliação radical desta posição podem serencontradas em Aronowitz e Giroux, Education underSiege.

9. A noção de intelectual transformador foi utilizada pela primeira vez em Aronowitz eGiroux, Education underSiege.

10.Para uma discussão da noção de memória libertadora como parte da tradição da teologiade libertação, ver Rebecca S. Chopp, ThePraxis ofSuffering (New York: Orbis Press, 1986).

11.Michael Foucault, Power and Knowledge: Selected Interuiews and Oíher Writings, ed. C.Gordon (New York: Pantheon, 1980), p.82.

12.Ver Henry A. Giroux e Roger Simon, "Estudo Curricular e Política Cultural ", neste volu-me.

13.Foucault, Power and Knowledge.

14.Sharon Welch, Communüies of Resistance and Solidarity: A Feminist Theology of Liberation(New York: Orbis Press, 1985), p. 63.

la

da EscolaHENRY A. GIROUX

~jv -r o atual clima político, conversa-se pouco sobre as escolas e a demo-^^ cracia e debate-se muito acerca de como as escolas poderiam ter

-L l mais sucesso na satisfação cias necessidades industriais e contribui-ção para a produtividade econômica. Em um cenário de recursos econômi-cos escassos, rompimento de coalizões nas escolas públicas liberais e radi-cais e desgaste dos direitos civis, o debate público acerca da natureza daescolarização tem sido substituído pelas preocupações e interesses de es-pecialistas em administração. Isto é, em meio aos fracassos e rompimentostanto na sociedade americana como nas escolas públicas, surgiu um con-junto de questões e problemas evocado em termos como "insumo-prociu-Çào", "previsibilidade" e "custo-benefício".

Infelizmente, no momento em que precisamos de uma linguagem deanálise diferente para compreender a estrutura e significado da escolarização,os americanos recuaram para o discurso do gerenciamento e administra-ção, com seu foco em questões de eficiência e controle. Estas questõesobscureceram as preocupações acerca da compreensão. De forma seme-lhante, a necessidade de desenvolver-se, em todos os níveis da escolarização,uma pedagogia radical preocupada com a alfabetização crítica e cidadaniaativa deu lugar a uma pedagogia conservadora que enfatiza a técnica e apassividade. A ênfase não é mais ajudar os estudantes a "lerem" o mundocriticamente; em vez disso, é ajudá-los a •'dominarem" as ferramentas deleitura. A questão cie como professores, administradores e estudantes pro-duzem significado, e ao interesse de quem ele serve, é colocada sob oimperativo de dominar os "fatos". O quadro é desapontador.

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Estes tópicos levantam questões fundamentais acerca de como os educa-dores e as escolas contribuem para estes problemas, enquanto ao mesmotempo apontam para a possibilidade de se desenvolverem modos de lingua-wem, pensamento e ensino que possam ser usados para resolvê-los, ou pelomenos ajudar a se estabelecerem as condições que possam ser usadas pararesolvê-los. Gostaria de explorar este tópico examinando uma preocupaçãocentral: como podemos tornar a escolarização significativa de forma a torná-lacrítica, e como podemos torná-la crítica de forma a torná-la emancipadora?

Teoria e

Gostaria de analisar esta questão e os modos nos quais as visões tradicio-nais de escolarização têm respondido a ela. A precondíção de tal análise éa necessidade de uma nova estrutura teórica e de um modelo de linguagemque permita que professores, pais e outros compreendam tanto os limitescomo as possibilidades de habilitação que caracterizam as escolas. Atual-mente, a linguagem tradicional sobre a escolarização está ancorada em umavisão de mundo um tanto mecânica e limitada. Essencialmente, trata-se deuma visão de mundo basicamente proveniente do discurso da psicologiade aprendizagem behavorista, que se concentra na melhor maneira de seaprender um dado corpo de conhecimentos, e da lógica da administraçãocientífica, como refletida no movimento de retorno aos fundamentos, exa-mes de competência e esquemas de gerenciamento de sistemas. O resulta-do tem sido uma linguagem que impede os educadores de examinarem demaneira crítica as suposições ideológicas embutidas em sua própria lingua-gem e as experiências escolares que eles ajudam a estruturar.

Em termos gerais, a noção de linguagem é avaliada por ser simples oucomplexa, clara ou vaga, concreta ou abstrata. Contudo, esta análise é víti-ma de um erro teórico; ela reduz a linguagem a uma questão técnica, isto é,à questão da clareza. Mas o real sentido da linguagem educacional deve sercompreendido como produto cie uma estrutura teórica específica, atravésdas suposições que a governam, e, finalmente, através das relações sociais,políticas e ideológicas para as quais ela aponta e as quais ela legitima. Emoutras palavras, a questão da clareza muitas vezes torna-se uma máscaraque minimiza as questões referentes aos valores e interesses enquanto aplau-de idéias que são bem embaladas na linguagem cia simplicidade. Qualquerteoria educacional que pretenda ser crítica e libertadora, isto é, que preten-da funcionar no interesse da compreensão crítica e ação autodeterminada,deve gerar um discurso que vá além da linguagem estabelecida da adminis-tração e conformidade. Tal discurso requer uma luta e um compromisso afim de que seja apropriado e compreendido. O modo como a linguagempode mistificar e esconder suas próprias suposições torna-se claro, porexemplo, na forma como os educadores rotulam os estudantes que respon-

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dem a experiências escolares alienantes e opressivas com toda uma gamade comportamentos resistentes. Eles chamam estes estudantes de desvia-dos em vez de resistentes, pois tal rotulação implicaria outras questões arespeito da natureza da escolarização e as razões para tal comportamentopor parte do estudante.

Geração de Novo

Implícita em minha análise está a necessidade de construir-se um novodiscurso e modo de análise acerca da natureza da escolarização que serviriaa um duplo propósito. Por um lado, ele deveria analisar e indiciar os fracas-sos e as deficiências inerentes à visão tradicional da escolarização. Poroutro, ele deveria revelar novas possibilidades de pensar e organizar asexperiências escolares. A fim de explorar as possibilidades de reorganiza-ção, gostaria de focalizar especificamente os seguintes conceitos:racionalidade, problemática, ideologia, e capital cultural.

Racionalidade

A noção de racionalidade tem um duplo significado. Primeiramente, ela serefere a um conjunto de suposições e práticas que permitem que as pessoascompreendam e moldem suas próprias experiências e as dos outros. Emsegundo lugar, ela se refere aos interesses que definem e qualificam a íor-ma como estruturamos e empregamos os problemas confrontados na expe-riência vivida . Por exemplo, os interesses exibidos na fala e comportamen-to do professor podem estar enraizados na necessidade de controlar, expli-car ou agir com princípios de justiça. _A_racionalidade, como constructocrítico, também pode ser aplicada aos materiais didáticos, tais como progra-mas curriculares e filmes. Tais materiais sempre incorporam um conjuntode suposições a respeito do mundo, de um determinado assunto, e de umconjunto de interesses. Isto se torna evidente em muitos materiais didáticos"à prova de professor'' que atualmente invadem o mercado. Estes materiaispromovem uma incapacitação dos professores ao separar concepção deexecução e ao reduzir o papel que os professores desempenham na realcriação e ensino destes materiais. As decisões cios professores quanto aoque deveria ser ensinado, como isso poderia satisfazer as necessidadesintelectuais e culturais dos estudantes e como isso poderia ser avaliadotornam-se pouco importantes nestes programas, uma vez que eles ja^pre-definiram e responderam tais questões. Os materiais controlam as decisõesdos professores, e, como resultado, estes não precisam exercitar seu julga-mento lógico. Assim, os professores são reduzidos ao papel de ^técnicos'õT5êcTierites, executando os preceitos do programa curricular. Não e pieciso

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dizer que os professores podem ignorar tais programas, usá-los para propó-sitos diferentes, ou lutar contra seu uso nas escolas. Mas o que importa écompreender os interesses embutidos em tais programas curriculares e comotais interesses estruturam as experiências em sala de aula. A linguagem daeficiência e do controle promove mais obediência do que análise crítica.

Problemática.

Todos os modos de racionalidade contêm estruturas conceptuais identificadastanto pelas questões levantadas como por aquelas ignoradas. Estas sãochamadas de problemática. O termo refere-se não apenas ao que é incluídoem uma visão de mundo, mas também ao que é omitido e silenciado.Aquilo que não é dito é tão importante quanto aquilo que é dito. O valordeste conceito torna-se mais óbvio quando lembramos que a teoria educacio-nal tradicional sempre esteve aliada ao visível, ao literal, e ao que pode servisto e operacionalizado. A teoria educacional geralmente não tem incluídouma linguagem ou modo de análise que olhe para além do que está dadoou é fenomênico. Por exemplo, as preocupações tradicionais dos educado-res giram em torno do currículo normal, e, como resultado, as questões queemergem são familiares: Que matérias serão ensinadas? Que formas deinstrução serão usadas? Que tipos de objetivos serão desenvolvidos? Comopodemos combinar os objetivos com formas correspondentes de avaliação?Por mais importantes que sejam estas questões, elas flutuam na superfícieda realidade. Elas não incluem um foco sobre a natureza e função do cur-rículo oculto, isto é, aquelas mensagens e valores que são transmitidos aosestudantes silenciosamente através da seleção de formas específicas de co-nhecimento, do uso de relações específicas em sala de aula, e das caracte-rísticas definidoras da estrutura organizacional escolar. As mensagens dediscriminação de raça. sexo e classe que espreitam por trás da linguagemdos objetivos e da disciplina escolar são convenientemente ignoradas.

Ideologia,

A ideologia, como uso do termo aqui, é um constructo que se refere àsformas nas quais os significados são produzidos, mediados e incorporadosem formas de conhecimento, práticas sociais e experiências culturais^Nestecaso, a ideologia é um conjunto de doutrinas bem como um meio atravésdo qual os professores e educadores clão sentido a suas próprias experiên-cias e às experiências do mundo em que se encontram. Como ferramentapedagógica, a ideologia torna-se útil para a compreensão não apenas decomo as escolas sustentam e produzem significados, mas também de comoos indivíduos e grupos produzem, negociam, modificam ou resistem a eles.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 37

por exemplo, a compreensão de como a ideologia funciona fornece aosprofessores uma ferramenta heurística para examinar como suas própriasvisões sobre conhecimento, natureza humana, valores e sociedade sãomediadas através das suposições de "senso comum" que usam para estruturar

/suas experiências em sala de aula. As suposições acerca de aprendizagem./realização, relações professor-aluno, objetividade, autoridade escolar, etc.,

( precisam ser criticamente avaliadas pelos educadores.

Capital Cultural _- \

Assim como um país distribui bens e serviços, o que pode ser chamado decapital material, ele também distribuí e legitima certas formas de conheci-mento, práticas de linguagem, valores, estilos, e assim por diante, ou o quepode ser chamado de capital cultural. Basta considerarmos o que é rotula-do como conhecimento de status superior nas escolas e universidades e,assim, promove legitimidade a certas formas de conhecimento e práticassociais. Atualmente, as belas artes, as disciplinas de ciência social e as lín-guas clássicas não são consideradas tão legítimas quanto os corpos de co-nhecimento encontrados nas ciências naturais ou naqueles métodos depesquisa associados com as áreas de administração e negócios. Estas deci-sões são arbitrárias e se baseiam em certos valores e questões de poder econtrole, para não mencionar uma certa visão da natureza da sociedade edo futuro. O conceito de capital cultural também representa certas manei-ras de se falar, agir, andar, vestir e socializar que são institucionalizadaspelas escolas. As escolas não são simplesmente locais de instrução, mastambém locais onde a cultura da sociedade dominante é aprendida e ondeos estudantes experimentam a diferença entre aquelas distinções de statusG classe que existem na sociedade mais ampla.

Escolarização Tradicional

A racionalidade que domina a visão tradicional do ensino e currículo esco-lar está enraizada na atenção estreita à eficácia, aos comportamentos obje-tivos e aos princípios de aprendizagem que tratam o conhecimento comoalgo a ser consumido e as escolas como locais meramente instrucionais,destinados a passar para os estudantes uma "cultura" e conjunto de habili-dades comuns que os capacite a operarem com eficiência na sociedademais ampla. Imersa na lógica da racionalidade, a problemática da teoriacurricular e escolarização tradicionais concentra-se em questões referentesà maneira mais completa ou eficiente de se aprender tipos específicos deconhecimento, criar um consenso moral, e oferecer modos de escolarizaçãoque reproduzam a sociedade existente. Por exemplo, os educadores tradi-

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cionais podem indagar como a escola deveria esforçar-se por atingir deter-minada meta predefinida, mas raramente indagam por que tal meta seriabenéfica para alguns grupos sócio-econômicos e não para outros, ou porque as escolas, como atualmente organizadas, tendem a bloquear a possibi-lidade de que classes específicas consigam uma medida de autonomia po-lítica e econômica.

A ideologia que orienta a atual racionalidade da escola é relativamenteconservadora: ela está basicamente preocupada com questões cie comofazer, não questionando as relações entre conhecimento e poder ou entrecultura e política. Em outras palavras, são ignoradas as questões relativas aopapel da escola como agência de reprodução social e cultural em umasociedade dividida em classes, assim como as questões que JÍuç|3^m~â"base inter-subjetiva do estabelecimento de significado. conhecime,.nto, e oque são consideradas relações sociais legítimas. A questão de como profes-sores, estudantes e representantes da sociedade mais ampla produzem sig-nificado tende a ser obscurecida em favor da questão de como os indivídu-os podem dominar o significado de outros indivíduos, despolitizancio-se,assim, tanto a noção de cultura escolar como de pedagogia em sala de aula.De meu ponto de vista, esta é uma racionalidade limitada e por vezesprejudicial. Ela ignora os sonhos, histórias e visões que as pessoas trazempara as escolas. Suas principais preocupações são provenientes de umafalsa noção de objetividade e de um discurso que encontra expressão má-xima na tentativa de enunciar princípios universais de educação alojadosno espírito do instrumentalismo e do individualismo autobeneficente. •

Teorias Alternativas

Contra as deficiências teóricas que caracterizam as visões tradicionais do^ensino e currículo escolar devem ser desenvolvidas^aoyas teorias da prática..educacional. Tais teorias devem iniciar pelo questionamento contínuo ecrítico daquilo que é "dado como garantido" no conhecimento e práticaescolar. Além disso, deve-se fazer uma tentativa de analisar as escolas comolocais que, embora basicamente reproduzam a sociedade dominante, tam-bém contêm a possibilidade de educar os estudantes para torná-los cida-dãos ativos e críticos ( e não simplesmente trabalhadores). As escolas de-vem passar a ser vistas como locais tanto instrucionais como culturais.

Um dos elementos teóricos mais importantes para o desenvolvimentode modos críticos de ensino escolar concentra-se em torno cia noção decultura. As escolas devem ser vistas como instituições marcadas pelo mes-mo complexo de culturas que caracterizam a sociedade dominante. As es-colas são lugares sociais constituídos por um complexo de culturas domi-nantes e subordinadas, cada uma delas caracterizada por seu poder emdefinir e legitimar uma visão específica da realidade. Os professores e aqueles

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interessados em educação devem passar a compreender como a culturadominante funciona em todos os níveis de ensino escolar para invalidar asexperiências culturais das "maiorias excluídas". Isto também significa queprofessores, pais e outros devem lutar contra a impotência dos estudantesafirmando suas próprias experiências e histórias culturais. Para os professo-res isso significa examinar seu próprio capital cultural e examinar o modono qual este beneficia ou prejudica os estudantes. Assim, as questões cen-trais para construir-se uma pedagogia-crítica são as questões de como aju-damos os estudantes, particularmente aqueles das classes oprimidas, a re-conhecerem que a cultura escolar dominante não é neutra e em geral nãoestá a serviço de suas necessidades. Ao mesmo tempo, precisamos indagarcomo é que a cultura dominante funciona para fazer com que eles, comoestudantes, sintam-se impotentes. A resposta para isto encontra-se, em par-te revelando-se os mitos, mentiras e injustiças no cerne da cultura escolardominante, e construindo-se um modo crítico de ensino que empregue, enão exclua, a história e prática crítica. Tal atividade exige uma espécie dediálogo e crítica que desmascare a tentativa da cultura escolar dominantede fugir da história, e que questione as suposições e práticas que informamas experiências vividas na escolarização cotidiana.

Os educadores e pais terão que passar a encarar a escola não comoneutra nem como objetiva, mas sim como uma construção social que incor-pora interesses e suposições particulares. O conhecimento deve ser ligadoà questão do poder, o que sugere que educadores e outros devem levantarquestões acerca de suas pretensões à verdade, bem como acerca dos interes-ses que este conhecimento serve. O conhecimento, neste caso, não se tor-na valioso por ser legitimado por especialistas em currículos. Seu valor estáligado ao poder que possui como modo de análise crítica e de transforma-ção social. O conhecimento torna-se importante na medida em que ajudaos seres humanos a compreenderem não apenas as suposições embutidasem sua forma e conteúdo, mas também os processos através dos quais eleé produzido, apropriado e transformado dentro de ambientes sociais e his-tóricos específicos.

Certamente uma visão crítica do conhecimento escolar pareceria diferen-te da visão tradicional do mesmo. O conhecimento crítico ensinaria estudantese professores sobre seu statuscomo grupo situado dentro de uma socieda-de com relações específicas de dominação e subordinação. O conhecimen-to crítico ajudaria a elucidar como tais grupos puderam desenvolver umalinguagem e um discurso oriundo de sua própria herança cultural parcialmen-te distorcida. A pergunta orientadora aqui seria: o que é que esta sociedadefez de mim que eu não quero mais ser? Colocado de outra maneira, ummodo crítico de conhecimento elucidaria para professores e estudantes comoapropriarem-se dos aspectos mais radicais e afirmativos da cultura dominantee subordinada. Finalmente, tal conhecimento teria que fornecer urna cone-xão motivacional à própria ação, teria que aliar uma decodificaçao critica

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cia história a uma visão de futuro que não apenas destruísse os mitos dasociedade existente, mas que também atingisse aquelas áreas de desejos enecessidades que escondem o anseio por uma nova sociedade e novasformas de relações sociais, relações livres da patologia do racismo, discri-minação sexual e dominação de classes.

Os professores e administradores precisam abordar os tópicos relati-vos às funções mais amplas da escolarização. Tópicos que tratem das ques-tões de poder, filosofia, teoria social e política devem estar abertos paraexame. Professores e administradores devem ser vistos como mais do quetécnicos. A racionalidade tecnocrática estéril que domina a cultura maisampla, bem como a educação de professores, dedica pouca atenção a ques-tões teóricas e ideológicas. Os professores são treinados para usarem qua-renta e sete modelos diferentes de ensino, administração ou avaliação.Contudo, eles não são ensinados a serem críticos destes modelos. Em resu-mo, ensina-se a eles uma forma de analfabetismo conceptual e político. Osindivíduos que reduzem o ensino ã implementação cie métodos deveriamser dissuadidos de entrar na profissão docente. As escolas precisam cieprofessores com visão de futuro que sejam tanto teóricos como praticantes,que possam combinar teoria, imaginação e técnicas. Além disso, os siste-mas escolares públicos deveriam cortar suas relações com instituições detreinamento de professores que simplesmente formam técnicos, estudantesque funcionam menos como estudiosos e mais como funcionários. Estamedida pode parecer drástica, mas é apenas um pequeno antídoto quandocomparada com o analfabetismo e incompetência crítica que estes profes-sores com freqüência reproduzem em nossas escolas.

Em vez de dominarem e aperfeiçoarem o uso de metodologias, professo-res e administradores deveriam abordar a educação examinando suas pró-prias perspectivas sobre a sociedade, as escolas e a emancipação. Em vezde tentar fugir de suas próprias ideologias e valores, os educadores deveri-am confrontá-las criticamente de forma a compreender como a sociedadeos moldou como indivíduos, no que é que acreditam, e como estruturarmais positivamente os efeitos que têm sobre estudantes e outros. Em outraspalavras, os professores e administradores, em particular, devem esforçar-se para compreender como as questões de classe, gênero e raça deixaramuma marca sobre sua maneira de pensar e agir. Esta interrogação críticafornece os fundamentos de uma escola democrática. A democratização daescolarização envolve a necessidade de que os professores formem alian-ças com outros professores, mas não simplesmente alianças sindicais. Asalianças devem desenvolver-se em torno, de novas formas de-rebçôes so-ciais que incluam tanto o ensino como a organização e admínístatção dapolítica escolar. É importante que os professores rompam a estrutura celu-lar do ensino que atualmente existe na maioria das escolas. Os professoresprecisam adquirir maior controle sobre o desenvolvimento de materiaiscurriculares; eles precisam ter mais controle sobre como estes materiais pode-

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 4l

riam ser ensinados e avaliados, e como alianças em torno cie questões curricularespoderiam ser estabelecidas com membros da comunidade mais amoh

As atuais estruturas da maior parte das escolas isolam os professore^ eeliminam as possibilidades de uma tomada de decisões democrática e derelações sociais positivas. As relações entre os administradores escolares eo corpo docente com freqüência representam os aspectos mais prejudiciaisda divisão do trabalho, a divisão entre concepção e execução. Tal modeloadministrativo é aviltante para professores e também alunos. Se quisermoslevar a questão da escolarização a sério, as escolas devem ser o lugar onclerelações sociais democráticas tornem-se parte cie nossas experiências vividas.

Finalmente, qualquer forma viável de escolarização precisa ser infor-mada por uma paixão e fé na necessidade de lutar no interesse de criar-seum mundo melhor. Estas palavras podem parecer estranhas em uma socie-dade que elevou a noção de interesse próprio ao statusde lei universal. E,no entanto, nossa própria sobrevivência depende do grau no qual os prin-cípios de comunidade, esforço humano e justiça social dirigidos à melhoriados privilégios de todos os grupos finalmente prevaleçam. As escolas públi-cas precisam ser organizadas em torno de uma visão que aprecie não o queé, mas o que poderia ser, uma visão que olhe para o futuro além do imedi-ato, e uma visão que alie a luta a um novo conjunto de possibilidadeshumanas. Este é um apelo por instituições públicas que afirmem nossa féna possibilidade de que pessoas como professores e administradores cor-ram riscos e empenhem-se para enriquecer a vida. Devemos enaltecer oimpulso crítico e revelar a distinção entre a realidade e as condições queescondem a realidade. Esta é a tarefa que todos os educadores devemenfrentar, e tenho certeza que ela não será cumprida organizando-se asescolas em torno das metas de aumentar as notas em leitura e matemática,ou, no que diz respeito a isso, melhorar os escores SAT dos estudantes.Estas não são questões menos importantes, mas nossa principal preocupa-ção é abordar a questão educacional do que significa ensinar os estudantesa pensarem criticamente, a aprenderem como afirmar suas próprias experi-ências, e compreenderem a necessidade cie lutar individual e coletivamentepor uma sociedade mais justa.

aptidão padronizado para admissão à faculdade, consistindo de ^^^^^^., M~~verbais e matemáticas que são classificadas em uma escala de 200 a 800 (The Ranclom House CompitaUnabrídged Dictionary, Special 2nd Edition, New York: Random House, Inc, 1996)

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<io CurrículoHENRYA. GIROUX

O sociólogo inglês Anthony Giddens uma vez afirmou que aquelesque estão esperando por um Newton das ciências sociais "não es-tão apenas esperando por um trem que não virá, como também

estão na estação completamente errada".1 A afirmação de Giddens poderiamuito bem ter preparado o palco para um dos debates mais interessantes eurgentes agora em andamento na área curricular nos Estados Unidos.

No centro deste debate está a questão de se a área curricular podecontinuar a se padronizar segundo o modelo das ciências naturais. Não setrata simplesmente de que esta área sofre de erros conceptuais graves rela-tivos a seu modo de raciocínio e metodologia. O que está em jogo é maisdo que um problema conceptual. A questão real gira em torno de se ocampo está moribundo, tanto política como eticamente. Será que a áreacurricular encontra-se em um estado de paralisia, incapaz de desenvolverintenções emancipadoras ou novas possibilidades curriculares?2

Este tipo de debate não é novo. Questões concernentes ao papel de-sempenhado pelas escolas e pelo currículo na reprodução dos valores eatitudes necessários para a manutenção da sociedade dominante foram le-vantadas por educadores desde a virada do século. O que é novo e oescopo, bem como a natureza, de algumas questões que estão sendo levan-tadas. Isto não deveria sugerir que uma nova escola ou paradigma tenhaaparecido nesta área. Tal suposição seria tanto enganosa como imprecisa.Seria enganosa porque aqueles que formam o que chamarei de nova soci-ologia do movimento curricular representam muitas linhas e tradições criti-cas. Seria impreciso chamar este movimento de paradigma porque isso

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simplificaria em demasia o parentesco e grau de comprometimento cie seusdiversos membros com uma nova visão cie mundo, a qual aborde um con-junto unificador de suposições e orientações para o desenvolvimento dateoria e prática curricular. Embora tal paradigma não exista no momentoatual, os fundamentos para um paradigma deste tipo podem ser reconheci-dos em algumas das amplas preocupações e questões relacionadas expres-sas pelas diversas tradições críticas díspares em emergência.3

O único tema que liga todas estas tradições críticas é sua oposição aoque poderia ser chamado de racionalidade tecnocrática que orienta a teoriae projeto curricular tradicional. Esta forma de racionalidade tem dominadoo campo curricular desde sua introdução, e pode ser encontrada de formasvariadas no trabalho de Tyler, Taba, Saylor e Alexander e Beauchamp, entreoutros. William F. Pinar alega que entre 85 e 95 por cento daqueles quetrabalham na área curricular compartilham de uma perspectiva vinculadaou intimamente relacionada com a racionalidade tecnocrática dominante.'Herbert Kliebard alegou ainda que esta forma de racionalidade se desen-volveu de maneira paralela ao movimento de administração científica dosanos 20, e que os primeiros fundadores do movimento curricular, tais comoBobbitt e Charters, adotaram entusiasticamente os princípios da administra-ção científica.5 A escola como metáfora da fábrica tem uma história longa eabrangente no campo curricular. Conseqüentemente, os modos de raciocí-nio, investigação, e pesquisa característicos do campo têm sido modeladossegundo suposições extraídas de um modelo de ciência e relações sociaisintimamente ligado aos princípios da previsão e controle.

Os críticos da nova sociologia do currículo vêem sua tarefa como maisdo que uma tentativa de "esclarecer o que poderia ser chamado de umaconfusão conceptual. Em primeiro lugar, os conceitos que subjazem oparadigma curricular tradicional servem como guias de ação. Em segundolugar, estes conceitos estão inextrincavelmente ligados a julgamentos devalor acerca dos padrões de moralidade e questões referentes à natureza daliberdade e do controle. .Mais especificamente, estas suposições não apenasrepresentam um conjunto de idéias que os educadores usam para estruturarsua visão de currículo; elas também representam um conjunto de práticasmateriais embutidas em rituais e rotinas consideradas como fatos necessári-os e naturais. Assim, elas se tornaram formas de história objetivada, suposi-ções de senso comum que foram isoladas do contexto cultural a partir doqual se desenvolveram.6

A nova sociologia do currículo vê as suposições básicas embutidas noparadigma do currículo tradicional como base para uma análise crítica ecomo uma situação limite a ser superada no desenvolvimento de novasorientações e maneiras de se falar sobre currículo. Conseqüentemente, éimportante que especifiquemos que suposições são estas: (a) a teoria ciocampo curricular deveria operar no interesse cie proposições semelhantes aleis que sejam empiricamente testáveis; (b) as ciências naturais fornecem o

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modelo "adequado" cie explicação cios conceitos e técnicas da teoria, pro-jeto e avaliação curricular; (c) o conhecimento deveria ser objetivo e'capazde ser investigado e descrito de maneira neutra; (et) considerações de valordevem ser separadas cios "fatos" e "modos de investigação" que podem edevem ser objetivos.

Em sentido geral, o modelo tecnocrático de currículo tem sido critica-do tanto por suas afirmações de posse da verdade como pelas suposiçõesimplícitas nos tipos de questões que ignora. Em relação a suas pretensões àverdade, os críticos argumentam que o modelo tradicional apóia-se emuma série de suposições inválidas quanto à natureza e papel cia teoria,conhecimento e ciência. Além disso, estas suposições resultaram em for-mas truncadas de pesquisa que ignoram questões fundamentais referentesà relação mais ampla entre ideologia e conhecimento escolar, bem comoentre significado e controle social.7

Deficiências do

Os novos críticos alegam que a teoria no modelo curricular dominante écompletamente ignorada ou excessivamente instrumentalizada. Em outraspalavras, a teoria é importante na medida em que pode ser rigorosamenteformulada e empiricamente testada. Seu principal propósito neste modelo éde natureza tecnocrática: revelar proposições semelhantes a leis acerca ciaorganização, implementação e avaliação curricular que possam serfactualmente provadas ou refutadas. A teoria, assim, é reduzida a uma es-trutura explicativa empírica de engenharia social. A partir desta perspectivacrítica, a teoria parece incapaz de libertar-se de sua camisa de força empíricaa fim de levantar questões acerca da natureza da verdade, da diferençaentre aparência e realidade, ou da distinção entre conhecimento e meraopinião. Ainda mais importante, a teoria no paradigma curricular dominan-te parece incapaz de fornecer uma base racional para criticar os "fatos" dedeterminada sociedade. A teoria, neste caso, não apenas ignora sua funçãoética, "mas também está destituída de sua função política.8

--" O conhecimento no modelo curricular dominante é tratado basicamentecomo um domínio cios fatos objetivos. Isto é, o conhecimento parece obje-tivo no sentido de ser externo ao indivíduo e de ser imposto ao mesmo.Como algo externo, o conhecimento é divorciado do significado humano eda troca inter-subjetiva. Ele não é mais visto como algo a ser questionado,analisado e negociado. Em vez disso, ele se torna algo a ser administrado edominado. Neste caso, o conhecimento é separado cio processo de geraçãode nosso próprio conjunto de significados, um processo que envolve^umarelação interpretativa entre conhecedor e conhecido. Uma vez perdida adimensão subjetiva do saber, o propósito do conhecimento torna-se a acu-mulação e a categorização. Perguntas do tipo. "Eor.-que este .conhecimento^.

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são substituídas por perguntas técnicas como "Qual é a melhor maneira ciese aprender este dado corpo cie conhecimento?" Dentro do contexto destadefinição de conhecimento, desenvolvem-se modelos curriculares queenfatizam a "especificidade da missão", "variáveis de tempo na tarefa", e"retorno obtido para realização de ajustes".9 Esta visão de conhecimentogeralmente é acompanhada de relações sociais hierarquizadas em sala deaula conducentes a comunicados, e não comunicação.10 O controle, e nãoa aprendizagem, parece ter alta prioridade no modelo curricular tradicional.O que se perde aqui é a noção de que o conhecimento não é simplesmente"sobre" uma realidade externa; ele é sobretudo auto-conhecimento orienta-do em direção à compreensão crítica e emancipação.

Uma força central no modelo curricular tradicional é sua pretensão deobjetividade. Objetividade neste caso refere-se a formas de conhecimento einvestigação metodológica que estejam fora de contato com o mundo de-sorganizado das crenças e valores. Embora a separação do conhecimento epesquisa de asserções de valor possa parecer admirável para alguns, elamais esconde do que revela. É evidente que isso não significa sugerir queo questionamento das pretensões de neutralidade de valor dos principaisteóricos curriculares seja equivalente a apoiar o uso de parcialidade, pre-conceito e superstição na investigação pedagógica.

Em vez disso, sustenta-se a noção de que a objetividade se baseia nouso de critérios normativos estabelecidos pela comunidade de estudiosos eprofissionais intelectuais em qualquer campo determinado. A investigaçãoe pesquisa intelectuais livres de valores e normas são impossíveis de seremrealizadas. Separar valores de fatos ou investigação social de consideraçõeséticas não tem sentido. Como assinala Howard Zinn, é como tentar dese-nhar um mapa que ilustre todos os detalhes de um certo terreno.11 Mas nãose trata apenas de uma simples questão de erro intelectual; é também umafalha ética.

A noção de que a teoria, os fatos e a pesquisa podem ser objetivamen-te determinados é vítima de um conjunto de valores que são tanto conser-vadores como mistificadores em sua orientação política. Como têm assina-lado críticos como Paulo Freire, as escolas não existem em perfeito isola-mento do resto da sociedade. Elas incorporam atitudes coletivas quepermeiam todos os aspectos de sua organização.12 Em essência, elas nãosão coisas, mas manifestações concretas de regras específicas e relaciona-mentos sociais. A natureza de sua organização é baseada em valores. Deforma semelhante, a organização, implementação e avaliação curricular sem-pre representam padrões de julgamento acerca da natureza do conheci-mento, relacionamentos sociais em sala de aula e distribuição de poder.Ignorar isso é perder de vista as origens e conseqüências do sistema decrenças que orienta nosso comportamento no ambiente escolar.

O currículo tradicional representa um forte comprometimento com umavisão de racionalidade que é a-histórica, orientada por consenso e politica-

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ente conservadora. Ela favorece uma visão passiva dos estudantes e pare-°e incapaz de examinar as pressuposições ideológicas que a prendem a umC odo operacional estreito de raciocínio. Sua visão de ciência ignora os"lernentos de competição e estruturas de referência dentro da própria co-munidade científica.13 Além disso, ela termina substituindo a investigaçãocientífica crítica por uma forma limitada de metodologia científica baseadana previsão e no controle.

Em vez de promover uma reflexão crítica e compreensão humana, omodelo curricular dominante enfatiza a lógica da probabilidade como prin-cipal definição da verdade e do significado. Os conceitos que caracterizameste modelo parecem não apenas pouco críticos; eles são como chequesem branco que apoiam o status quo. Um exemplo disso pode ser encontra-do na influência poderosa cios psicólogos da aprendizagem no campo daeducação, com seus estudos infindáveis sobre "desempenho e interaçãoentre estudantes e professores"." Alguns críticos vêem isso como uma fortemedida de conservadorismo político que domina o campo curricular. Aperspectiva da psicologia da aprendizagem não examina a maneira comoas escolas legitimam certas formas de conhecimento e interesses culturais.15

O

A nova sociologia do currículo apresentou um sério questionamento a muitasdas crenças e suposições profundamente arraigadas que caracterizam ocurrículo tradicional. Longe de ser uniforme, este questionamento tem suasraízes em filosofias continentais tão diversas quanto o existencialismo, apsicanálise, o marxismo e a fenomenologia. A nova sociologia do currículousa uma linguagem que pode parecer estranha quando comparada com alinguagem de insumo-produção do modelo curricular tradicional. Esta novalinguagem pode ser difícil, porém é necessária, porque permite que seususuários desenvolvam novos tipos de relacionamentos no campo curriculare levantem diferentes tipos de questões. Este ponto é indiscutível. Semdúvida seria espúrio desconsiderar estes críticos por utilizarem formas delinguagem que poderiam parecer estranhas, e alguns de seus detratoresnão fizeram mais do que isso. Contudo, o ponto de real interesse deveriaser se a linguagem e os conceitos utilizados estão levantando questões etópicos profundamente importantes sobre o campo curricular em si. Embo-ra não seja possível apresentar as várias facções e questões que constituema nova sociologia do movimento curricular, o núcleo de algumas das idéiasmais gerais que permeiam esta perspectiva pode ser rapidamente analisa-do.

O grupo cia nova sociologia curricular argumenta vigorosamente

as escolas são parte de um processo social mais amplo e que elíis_ devem serjulgadas dentro de uma estrutura sócio-econômica específica. Além disso, o

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próprio currículo é visto como uma seleção de uma cultura mais ampla. Apartir desta perspectiva, os novos críticos argumentam a favor de umareavaliação completa do relacionamento entre currículo, escolas e socieda-de Esta reavaliação concentra-se em dois grandes inter-relacionamentos.Por um lado, o foco é o relacionamento entre as escolas e a sociedadedominante. O foco aqui é basicamente político e ideológico, e tem porênfase destacar como as escolas funcionam para reproduzir, tanto no currí-culo formal quanto no currículo oculto, as crenças culturais e relaciona-mentos econômicos que sustentam a ordem social mais ampla. Por outrolado, o foco é sobre como a própria textura dos relacionamentos cotidianosem sala de aula geram diferentes significados, restrições, valores culturais erelacionamentos sociais. Subjacente a estas duas preocupações está uminteresse profundamente arraigado no relacionamento entre significado econtrole social.

Alguns destes críticos têm se preocupado particularmente acerca decomo se constrói e se atua sobre o significado nas escolas. Eles sustentama visão de que a construção social dos princípios que governam a operaçãodo projeto, pesquisa e avaliação curricular é muitas vezes ignorada pelosespecialistas em currículo e professores escolares. Uma conseqüência dissoé que muitos educadores com freqüência operam a partir de suposições desenso comum que deixam de levantar questões fundamentais sobre comoos professores percebem seus alunos e experiências em sala de aula. Tam-bém se ignora questões sobre como os alunos percebem e geram significa-do em sala de aula; de forma semelhante, questões referentes a como ma-teriais didáticos particulares rnedeiam os significados entre professores eestudantes, escolas e a sociedade mais ampla ficam sem questionamento.Dentro desta visão limitada do significado, os preconceitos e mitos sociaissão relegados ao domínio dos hábitos inquestionáveis da mente e da expe-riência.

Dado este modo de comportamento, existe pouco espaço para que osestudantes gerem seus próprios significados, atuem sobre suas própriasvivências, ou desenvolvam uma atenção ao pensamento crítico. Argumen-ta-se que a aprendizagem nestas circunstâncias degenera num eufemismode um modo de controle que mais impõe do que cultiva significado. Este éum ponto crucial. Quando os professores não equacionam suas própriasconcepções básicas a respeito do currículo e da pedagogia, eles fazem maisdo que transmitir atitudes, normas e crenças sem questionamento. Elesinconscientemente podem acabar endossando formas de desenvolvimentocognitivo que mais reforçam do que questionam as formas existentes deopressão institucional. Definições comumente aceitas sobre trabalho, jogo,realização, inteligência, perícia, fracasso e aprendizagem são categorias so-cialmente construídas que levam consigo o peso de interesses e normasespecíficas. Ignorar esta importante noção é abrir mão da possibilidade deque estudantes e também professores moldem a realidade com uma ima-

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aem diferente daquela que é socialmente prescrita e institucionalmentelegitimada. O fracasso dos profissionais curriculares em reconhecer queexistem interesses fundamentais do conhecimento além da previsão con-trole e eficiência não é apenas uma questão de mal-entendido, mas umafalha ética e política grave.

Críticos como Michael Apple foram muito além da ênfase na necessi-dade de um modelo curricular que gere compreensão interpretativa e apren-dizagem propositada. Estes críticos levaram o debate sobre o currículo paraum outro nível de questionamento ao demandarem uma nova visão decurrículo, a qual o define como um estudo na ideologia.16 Nesta visão, asquestões referentes à produção, distribuição e avaliação do conhecimentoestão diretamente relacionadas com as questões de controle e dominaçãona sociedade mais ampla. Isto pode ser melhor compreendido examinan-do-se alguns dos tipos de perguntas que serviriam de base para ver o cur-rículo desta perspectiva. Estas questões incluiriam:

1. O que conta como conhecimento curricular?2. Como tal conhecimento é produzido?3. Como tal conhecimento é transmitido em sala de aula?4. Que tipos de relacionamentos sociais em sala de aula servem para

espelhar e reproduzir os valores e normas incorporados nas rela-ções sociais aceitas de outros lugares sociais dominantes?

5. Quem tem acesso a formas legítimas de conhecimento?6. Aos interesses de quem este conhecimento está a serviço?7. Como são mediadas as contradições e tensões políticas e sociais

através de formas aceitáveis de conhecimento escolar e relaciona-mentos sociais?

8. Como os métodos de avaliação predominantes servem para legiti-mar as formas de conhecimento existentes?

No cerne destas perguntas está o reconhecimento de que o poder, oconhecimento, a ideologia e a escolarização estão relacionados em padrõesde complexidade em constante transformação. O vínculo que dá forma aestes inter-relacionamentos é de natureza social e política, sendo tanto pro-duto como processo da história. Em termos mais concretos, os teóricos,professores e igualmente estudantes incorporam certas crenças e práticasque influenciam fortemente a maneira como percebem e estruturam suasexperiências educacionais. Estas crenças e rotinas são de natureza históricae social; além disso, elas podem ser objeto de auto-reflexão, ou podemexistir despercebidas pelo indivíduo que influenciam. Neste último caso,elas servem mais para dominar do que servir o indivíduo em questão.

Esta abordagem exige formas cie currículo que aprofundem a considera-ção de que o conhecimento é uma construção social. Ela também enfatizaa necessidade de examinar-se a constelação de interesses econômicos, pó-

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líticos e sociais que as diferentes formas de conhecimento podem refletirColocado de outra maneira, os modelos curriculares devem desenvolverformas de compreensão que relacionem as explicações dos significadossociais a parâmetros sociais mais amplos a fim de que sejam capazes dejulgar suas pretensões à verdade.17

o Futuro

Se um dos propósitos do currículo 6 gerar possibilidades de emancipação,teremos que desenvolver uma nova linguagem e novas formas deracionalidade para realizar tal tarefa. A situação de nossa era não é diferen-te da situação enfrentada atualmente pelo campo curricular. E esta situaçãoé tão envolvente quanto radical: construir as condições que permitam quea humanidade busque sua auto-compreensão e significado. A nova socio-logia do movimento curricular nos fornece diversas possibilidades para odesenvolvimento de formas mais flexíveis e humanas de currículo.

Devemos desenvolver uma espécie de currículo que cultive o discursoteórico crítico sobre a qualidade e propósito da escolarização e da vidahumana. Precisamos desenvolver perspectivas mais amplas que mais enrique-çam do que dominem o campo. A teoria curricular crítica deve ser situacional.Ela deve analisar as várias dimensões da pedagogia como parte das conjuntu-ras históricas e culturais nas quais elas ocorrem. E ela deve fazer isso comos instrumentos que são criados a partir de uma variedade de disciplinas.Isto não quer dizer que devemos nos tornar cientistas políticos ou sociólo-gos a fim de estudar o currículo. Não se trata disso, e seria inapropriadoproceder deste modo. Nosso centro de gravidade é o currículo, mas precisa-mos enriquecer nosso foco através da utilização dos conceitos e instrumen-tos que as outras disciplinas nos oferecem.

Os fundamentos de uma nova espécie de currículo devem ser tãoprofundamente históricos quanto críticos. Na verdade, a sensibilidade críti-ca deve ser vista como uma extensão da consciência histórica. A gênese,desenvolvimento e desdobramento de idéias, relacionamentos sociais emodos de investigação e avaliação devem ser vistos como parte de umdesenvolvimento em curso de condições de formações sociais complexas ehistoricamente ligadas.

A nova espécie cie currículo deve ser profundamente pessoal, massomente no sentido de que reconheça a singularidade e necessidades indi-viduais como parte de uma realidade social específica. Não devemos con-fundir auto-indulgência com pedagogia crítica. As necessidades sociais eindividuais devem ser relacionadas e mediadas através de uma perspectivaaliada a noções de emancipação. Os modelos curriculares devem dirigir-seàs experiências pessoais concretas de grupos e populações culturais espe-

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-ficas. Os educadores curriculares devem ser capazes de reconhecer a rele-C"ncia e importância da aceitação e utilização cie múltiplas linguagens eTrmas de capital cultural (sistemas de significados, gostos, maneiras de ver

inundo, estilo, e assim por diante). Ao mesmo tempo, os educadoresdevem reconhecer que o apelo por pluralismo cultural é vazio a menos que

reconheça que o relacionamento entre diferentes grupos culturais énediado através do sistema cultural dominante. Assim, nossa tarefa é des-

vendar estes relacionamentos em diferentes grupos culturais para emancipá-los dos tipos impostos de definições e do sofrimento emocional pelos quaistêm passado as minorias de classe e cor neste país.

Uma nova espécie de currículo deve abandonar sua pretensão de serlivre de valores. Reconhecer que as escolhas que fazemos com respeito atodas as facetas do currículo e pedagogia são carregadas de valor significa

-"nos libertarmos de impor nossos próprios valores aos outros. Admitir istosignifica que podemos partir da noção de que a realidade nunca deveria sertomada como dada, mas que, em vez disso, deve ser questionada e analisa-da. Em outras palavras, o conhecimento deve ser problematizado e situado emrelacionamentos sociais escolares que permitam o debate e a comunicação.

Finalmente, uma nova espécie de racionalidade curricular terá quesubordinar os interesses técnicos às considerações éticas. As questões dosmeios devem estar subordinadas às questões que abordem as conseqüênci-as éticas de nossas buscas. Embora estas sugestões representem um amploapanhado teórico, elas certamente nos dão um ponto de partida para odesenvolvimento de novas espécies de investigação curricular. Além disso,as tradições um tanto díspares da nova sociologia do currículo têm ajudadoa traduzir alguns dos tópicos mais abstratos em torno do propósito e signifi-cado da escolarização em problemas curriculares concretos e vias para es-tudos e pesquisas adicionais.

Eu comecei este capítulo assinalando que o modelo de currículo tradi-cional estava moribundo, política e eticamente. Desejo retornar àquela afir-mação para esclarecê-la, por receio de que seja confundida com um otimis-mo injustificável. O paradigma curricular tecnocrático dominante pode es-tar envelhecendo, mas está longe de ser uma relíquia do passado. A lutapara substituí-lo por princípios e suposições em concordância com a visãoda nova sociologia do movimento curricular será, sem dúvida, difícil. Masuma coisa é certa. A luta por uma nova espécie de racionalidade curricularnão pode ser abordada como uma tarefa simplesmente técnica. Ela deve servista como uma luta social profundamente comprometida com o que HerbertMarcuse adequadamente chamou de "a emancipação da sensibilidade, ra-zão e imaginação em todas as esferas da subjetividade e objetividade".18 An_pva sociologia do currículo tem ajudado a tornar esta luta um pouco maisfácil. O resto cabe a nós.

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Notas

1 Quentin Skinner. "The Flíght from Positivism" Neiv York Reuiew of Books 25 (June 15,1976): 26.

2 As intenções emancipadoras neste caso podem ser compreendidas como um paradigmaque combina teoria e prática no interesse de libertar os indivíduos e grupos sociais dascondições subjetivas e objetivas que os ligam às forças de exploração e opressão. Istosugere uma teoria crítica que promova auto-reflexão dirigida ao desmantelamento de for-mas de falsa consciência e relações sociais ideologicamente congeladas, todas as quaisgeralmente aparecem na forma cie leis universais. Assim, a emancipação tornaria o pensa-mento crítico e ação política complementares. Isto sugere um processo de aprendizagem noqual o pensamento e a ação seriam mediados por dimensões cognitivas, afetivas e moraisespecíficas.

3. Coletâneas recentes de escritos sobre o movimento podem ser encontradas em : WilliamF. Pinar, editor. Currículum Theorízing: The Reconceptualists (Berkeley, Calif.: McCutchanPublishing, 1975); James Macdonald e Esther Zaret, ecl, Schools in Search ofMeaning (Wa-shington, D.C.: ASCD, 1975). O melhor livro no assunto publicado neste país é Apple,Ideology and Currículum. A influência continental pode ser encontrada em Jerome Karabele A.H. Hasley, ed., Power and Ideology in Education (New York: Oxford University Press,1977).

4. William F. Pinar, "Notes on the Curriculum Field 1978", Educational Researcherl (Setem-bro 1978): 5-11.

5. Herbert M. Kliebard, "Bureaucracy and Curriculum Theory", Currículum Theorízing, pp.51-69.

6. Young, Knowledge and Control.

l. Michael W. Apple e Nancy Kíng, "What Do Schools Teach?" Humanistic Education, RícharclWeller, ed., (Berkeley, Calif.: McCutchan Publishing, 1977), p. 36. Ver também Hemy A.Giroux e Anthony N. Penna, "Educação Social em Sala de Aula: A Dinâmica do CurrículoOculto", neste volume.

8. Isto não deveria sugerir que a nova sociologia do currículo apoie a separação da teoria dotrabalho empírico ou rejeite totalmente as investigações empíricas. Tal caracterização égrosseira e vulgar. A teoria como está sendo descrita neste capítulo tem como centro degravidade seu potencial social de compreensão da natureza da verdade e significado davida. Ela está ligada a interesses específicos e situa suas suposições e modos de investigaçãotanto na compreensão quanto na determinação de fins. O que a nova sociologia do currícu-lo rejeita é o empirismo, isto é, o uso da teoria para defender a metodologia científica comodefinição última de significado e verdade. O empirismo é teoria reduzida à instrumentalícladede descobrir meios para fins que não são questionados. Ele é culpado de ideologia nosentido de que é incapaz de identificar sua própria base normativa ou os interesses aosquais serve. Verjürgen Habermas, Towardz RationalSociety (Rumo à uma Sociedade Racio-nal) (Boston: Beacon Press, 1970).

9. Fenwick W. English, "Management Practice as a Key to Curriculum Leaclership", EducationalLeadership 36(6): 408 - 13; Março, 1979. Uma resposta aprofundada à ideologia inerente aomodelo inglês pode ser encontrada em Henry A. Giroux, "Schooling and the Culture ofPositivism", 1981, e em Ideology, Culture and the Process of Schooling (Philadelphia: Tempk-University Press, 1981), pp. 37-62.

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Paulo Freire, Pedagogy of the Opressed (Pedagogia cio Oprimido) (New York:Seabury10press

11. Ho

.. 1973).,ward Zinn, The Politics ofHístory (Boston: Beacon Press, 1970), pp. 10-11.

j 2 Freire. Pedagogy ofthe Opressed.

- Thomas Kuhn, The structure ofScientific Revolutíons (A Estrutura das Revoluções Cien-T -as) 2'1 ecl- (Chicago: University of Chicago Press, 1970).

•' Thomas Popkewítz, "Educational Research: Values encl Vísions of Social Order", Theoryna Research in Social Education 6 (Dec. 1978): 19 -39.

15 Karabel e Halsey, Power and Ideology, pp. 1-85.

•\( \pple Ideology and Curriculum; Henry A. Giroux, "Beyond the Limits of RadicalEducational Reform: Toward a Crítica Theoiy of Education", Journal ofCuriiciílum Theorízing•>(!> Inverno 1980, pp. 20-46. in press; Henry A. Giroux , "Paulo Freire's approach to RadicalEducational Reform", Currículum ínquiry 9(3): (Outono 1979), pp. 257 -72.

17 Rachel Sharp and Anthony Greene, Education and Social Control: A Study in ProgressivePrímary Education (Boston and London: Routledge and Kegan Paul, 1975).

18 Herbert Marcuse, The Aesthetic Dimension (Boston: Beacon Press, 1978), p. 9.

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3em

de Aula: A doCurrículo OcultoHENRY A. GIROUX E ANTHONY N. PENNA

A crença de que a escolarização possa ser definida como a soma doscursos oficiais oferecidos é ingênua. Contudo, esta é a crença implí-cita que serviu como tema do movimento de reforma no desenvol-

vimento curricular em estudos sociais dos anos 60 e início dos anos 70.Seus representantes acreditavam que. se mudassem o currículo das escolasdo país, os problemas destas estariam remediados.1 No entanto, nos últi-mos anos, surgiram numerosas razões para se explicar a aparente incapaci-dade do movimento de reforma de penetrar nos padrões tradicionais deensino nas escolas. A preparação inadequada dos professores e materiaiscurriculares que superestimavam a capacidade dos estudantes representamas explicações mais familiares, embora acrílicas, oferecidas pelos educado-res. Agora, alguns deles dão apoio irrestrito ao movimento de retorno aosfundamentos na educação em estudos sociais, supondo mais uma vez quenovos materiais curriculares trarão a resposta à pergunta de como efetuarmudanças nesta área. Eles argumentam que atentando-se para as necessi-dades e capacidades cognitivas dos estudantes estarão superadas as defici-ências do recente movimento de reforma.2

Infelizmente, tais recomendações baseiam-se muito em modelos edu-cacionais funcionais e estruturais da teoria curricular3 que falham em perce-ber a finalidade da educação social além de seus resultados ínstrudonaisexplícitos limitados. Além disso, há o fracasso em reconhecer o relaciona-

íntimo e complexo entre a instituição da escola e as instituições

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econômicas e políticas do país. Uma vez reconhecida a relação entre aescolarização e a sociedade mais ampla, questões acerca da natureza esignificado da experiência da escolarização podem ser vistas a partir cieuma perspectiva teórica capaz de elucidar o relacionamento muitas vezesignorado entre conhecimento escolar e controle social. Ao ver as escolasdentro do contexto social mais amplo, os proponentes dos estudos sociaispoderão começar a focalizar o ensino tácito que ocorre nas mesmas e adesvelar as mensagens ideológicas embutidas tanto no conteúdo do currí-culo formal quanto nas relações sociais do encontro em sala de aula.

Apenas recentemente é que alguns educadores começaram a levantarquestões que apontam para a necessidade de um estudo completo dasinterconexões entre ideologia, instrução e currículo.' Por exemplo, MichaelApple argumenta que precisamos

examinar criticamente não apenas "como um estudante adquire maior conhecimento"(questão dominante em nosso campo preocupado com a eficiência), mas "por que ecomo aspectos particulares da cultura coletiva são apresentados na escola como co-nhecimento factual e objetivo". De que maneira concreta o conhecimento oficial poderepresentar configurações ideológicas dos interesses dominantes em uma sociedade?Como é que as escolas legitimam estes padrões limitados e parciais cio saber comoverdades inquestionáveis? Estas perguntas devem ser feitas em pelo menos três áreasda vida escolar: (1) como as regularidades básicas do cotidiano das escolas contribu-em para que estudantes aprendam estas ideologias: (2) de que maneira formas espe-cíficas de conhecimento curricular refletem estas configurações; e (3) como estasideologias se refletem na perspectiva fundamental que os próprios educadores em-pregam para ordenar, orientar e atribuir significado a sua própria atividade.'

Caso educadores como Apple, Bourdieu, e Bernstein estejam certos, eassim acreditamos, então os proponentes de estudos sociais terão que cons-truir seus modelos pedagógicos sobre uma estrutura teórica que situe asescolas em um contexto sócio-político. Como tal, a principal asserção destecapítulo é que os proponentes de estudos sociais terão que entender aescola como um agente de socialização^ Além disso, terão que identificaraquelas propriedades estruturais no cerne do processo da escolarizaçãoque o ligam a propriedades comparáveis no local de trabalho e outrasesferas sócio-políticas. Em suma, eles terão que abordai1 sua tarefa de maneiramais sistemática do que da maneira tradicional fragmentada, na qual su-põe-se erroneamente que a escola pode se tornar um veículo para ajudarcada estudante a desenvolver todo o seu potencial como pensador crítico eparticipante responsável no processo democrático simplesmente alterando-se o conteúdo e a metodologia do currículo oficial em estudos sociais.

Acreditamos que as duas principais tarefas dos educadores de estudossociais são identificar os processos sociais que operam contra a finalidadepolítica e ética da escolarização em uma sociedade democrática, e construirnovos elementos que forneçam as bases para novos programas em estudossociais. Inicialmente, os proponentes terão que compreender as contradi-

OS PROFESSORES CQMQ INTELECTUAIS 57

ões entre o currículo oficial, isto é, as metas cognitivas e afetivas explícitasç jnstrução formal, e o "currículo oculto"." - as normas, valores e crenças

-lo declaradas que são transmitidas aos estudantes através da estrutura'bjacente do significado e no conteúdo formal das relações sociais da

^scola e na vida em sala de aula.' Além disso, terão que reconhecer afunção do currículo oculto e sua capacidade de solapar as metas da educa-ç ã o social. . . . . .

Os proponentes dos estudos sociais terão que voltar sua atenção deuma visão técnica e não histórica da escolarização para uma perspectivasócio-política que focalize o relacionamento entre escolarização e a idéiade justiça. As metas da educação social devem ser redefinidas e compreen-didas como uma extensão da ética direcionada"a--iarena da excelência eresponsabilidade na qual, através da ação conjunta, Homens (e mulheres)possam tornar-se verdadeiramente livres".8 Assim, os proponentes dos es-tudos sociais terão que dar novas respostas à pergunta: "O que se aprendena escola?" Felizmente, alguns educadores provenientes de diversas tradi-ções teóricas já assumiram o desafio.

Tradições na Teoria Educacional

Três diferentes tradições na teoria educacional ajudaram a elucidar o papelde socialização das escolas e o significado e estrutura do currículo oculto.São elas: (1) uma visão estrutural e funcional da escolarização; (2) umavisão fenomenológica característica da nova sociologia da educação: e (3)uma visão crítica radical, freqüentemente associada com a análise neomarxistada teoria e prática educacional. Cada uma destas visões compartilha deforma distinta das diferentes suposições relativas ao significado do conhe-cimento, relacionamentos sociais em sala de aula e natureza política e cul-tural da escolarização. Embora tenhamos baseado nossa análise do currícu-lo oculto em suposições e idéias oriundas de todas as três tradições, acredi-tamos que as abordagens estruturais-funcionais e fenomenoíógicas sofremde graves deficiências. Parece-nos que o posicionamento neomarxista ofe-rece o modelo mais abrangente e aprofundado para uma abordagem maisprogressista à compreensão da natureza da escolarização e desenvolvimen-to de um programa de emancipação para a educação social. Antes de <íxu-rninarmos as contribuições específicas destas três tradições à noção de cur-rículo oculto e ao papel de socialização das escolas, daremos uma descri-ção geral de algumas de suas suposições básicas.

A abordagem estrutural-funcional tem como um de seus principaismteresses a maneira como normas e valores sociais são transmitidos nocontexto das escolas. Calcada principalmente em um modelo sociológicoPositivista, esta abordagem destacou como as escolas socializam os estudantes

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para aceitarem inquestionavelmente um conjunto de crenças, regras e dispo-sições fundamentais para o funcionamento da sociedade mais ampla. Segun-do os funcionalistas estruturais, a escola fornece um serviço valioso aotreinar os estudantes para sustentarem compromissos e aprenderem as habi-lidades exigidas pela sociedade.9 O valor desta abordagem é triplo: (1) eladeixa claro que as escolas não existem em total isolamento, à parte dosinteresses da sociedade rnais ampla; (2) ela especifica as normas e proprieda-des específicas do currículo oculto; e (3) ela levanta questões acerca do caráterespecificamente histórico do significado e do controle social nas escolas.10

Embora traga esclarecimentos em muitos aspectos, o modelo estrutu-ral-funcional sofre de diversas deficiências teóricas que caracterizam suassuposições básicas. Rejeitando a noção de que o crescimento se desenvol-ve a partir do conflito, ele enfatiza mais o consenso e a estabilidade do queo movimento. Como resultado, ele minimiza as noções de conflito social einteresses socio-econômicos competidores. Além disso, ele representa umapostura apolítica que não vê como problemáticas as crenças, valores eorganização estrutural socio-econômica características da sociedade america-na.11 Conseqüentemente, a posição estrutural-funcionalista define os estudan-tes em termos behavioristas reducionistas como produtos da socialização.

,.Ao definir os estudantes como receptores passivos, o conflito é explicadoprincipalmente em função de socialização deficiente, cujas causas geralmentesituam-se em instituições fora da sala de aula ou da escola, ou então noindivíduo caracterizado como desviado. A escola, assim, parece existir tran-qüilamente além dos imperativos e influências de classe e poder. De formasemelhante, o conhecimento é apreciado por seu valor instrumental nomercado. Finalmente, no modelo estrutural-funcional, os estudantes acei-tam a conformidade social e perdem a capacidade de criar significado porsi mesmos.

A abordagem sócio-fenomenológica da teoria educacional, muitas ve-zes chamada de nova sociologia, vai muito além da posição estrutural-funcionalista em sua abordagem do estudo da escolarização. A nova socio-logia focaliza criticamente uma série de suposições acerca das interaçõesem sala de aula e encontros sociais. Para os novos sociólogos, qualquerteoria válida de socialização deve ser vista como "uma teoria de construçãoda realidade social", se não de uma ordem social histórica particular.12 Elespostulam um modelo de socialização no qual o significado é construídointerativamente. Isto é, o significado é "dado" pelas situações mas tambémcriado pelos estudantes enquanto interagem em sala de aula. Além disso, aconstrução social do significado tanto por professores quanto por estudan-tes levanta novamente questões acerca da natureza objetiva do próprioconhecimento. Para os novos sociólogos, os princípios que governam aorganização, distribuição e avaliação do conhecimento não são absolutos eobjetivos; em vez disso, eles são construtos sócio-históricos forjados porseres humanos ativos criando mais do que simplesmente existindo no mundo.

INTELECTUAIS

Nesta abordagem, a visão dos estudantes como atores com identidadefixa é substituída por um modelo mais dinâmico de comportamento'doestudante. Os novos sociólogos focalizam a participação dos estudantes nadefinição e redefinição de seus mundos. Assim, com o surgimento cia novasociologia, o foco dos estudos de sala de aula mudou de uma ênfase exclu-siva no comportamento institucional para as interações dos estudantes coma linguagem, relações sociais e categorias de significado. Os proponentesda nova sociologia ofereceram uma nova dimensão ao estudo do relaciona-mento entre socialização e currículo escolar.13 (Young, 1971; Kedclie, 1973;Tenks, 1977; Eggleston, 1977). A nova sociologia eleva para um novo nívelde discussão o relacionamento entre a distribuição de poder e conhecimen-to. Ela exige que os criadores de currículos em estudos sociais problematizemmuitos dos truísmos que caracterizaram a seleção, organização e distribui-ção de conhecimento e estilos pedagógicos inerentes ao desenvolvimentocurricular. Em certo sentido, a nova sociologia destituiu o currículo escolarde sua inocência.

Mas a nova sociologia também tem suas falhas, as quais solapam suacapacidade de resolver os próprios problemas que identificou. A análisecrítica mais elaborada apresentada contra a nova sociologia é a de que elarepresenta uma forma de idealismo subjetivo." Supostamente, em seu cernea nova sociologia carece de uma teoria adequada de mudança social econsciência. Embora ajude os educadores a desvelarem as formas nas quaiso conhecimento é definido e imposto, ela deixa de fornecer critérios paramedir-se o valor de diferentes formas de conhecimento em sala de aula. Aoendossar o valor e relevância da intencionalidade cios estudantes, a novasociologia sucumbiu a uma noção de relatividade cultural. Ela carece deum construto teórico para explicar o papel desempenhado pela ideologiana construção cio conhecimento por parte dos estudantes. Ela não leva emconta o fato de que a maneira na qual os estudantes percebem o mundoexterno nem sempre corresponde à estrutura e conteúdo real daquele mun-do. As percepções subjetivas estão dialeticamente relacionadas com o mun-do social e não simplesmente o espelham. Ignorar isso, como têm feito osnovos sociólogos, significa ser vítima de um subjetivismo distorcido. Sharpe Greene captaram este posicionamento de forma contundente.

O mundo social é mais cio que simples constelações de significados. Embora possa-mos aceitar que o indivíduo conhecedor atue no mundo com base em sua compreen-são, sempre existindo um fator subjetivo que participa do conhecimento do inundo,não decorre disso que o mundo possui o caráter que este indivíduo empresta a ele,que os objetos conhecidos no mundo social são meras criações subjetivas capazes deserem diferentemente constituídas em uma variedade infinita de maneiras. Ofenomenologista parece estar propondo o que poderíamos chamar de uma formaextrema cie idealismo subjetivo. Quando o mundo externo objetivo é simplesmenteuma constituição da consciência criativa, o dualismo sujeíto-objeto desaparece notriunfo do sujeito contituidor.15

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Em última análise, a nova sociologia fracassa a despeito cie seu desejopor mudanças radicais e igualitarísrno fundamental. Seu fracasso reside emsua incapacidade de elucidar como as estruturas sociais e políticas masca-ram a realidade e promovem a hegemonia ideológica.16 Assim, este posi-cionamento não apenas deixa de explicar como surgem diferentes varieda-des de significados, conhecimento e experiências em sala de aula. mastambém deixa de explicar como estes são capazes de se sustentar. Ao concen-trar-se exclusivamente no micronível da escolarização, no estudo das inte-rações em sala de aula, a nova sociologia deixa de ilustrar como os arranjossócio-políticos influenciam e limitam os esforços individuais e coletivospara construir conhecimento e significado. Estes arranjos provavelmentedesempenham papel importante ao influenciar a própria textura da vida emsala de aula.

Uma terceira posição é a abordagem neomarxista da socialização emudança social. Embora esta posição também tenha suas falhas, seu valorreside em sua capacidade de ir além da visão apolítica da posição funciona-lista, bem como do idealismo subjetivo da nova sociologia. No cerne daabordagem neomarxista está o reconhecimento da relação entre a reprodu-ção econômica e cultural. Inerente a esta perspectiva está a intersecção cieteoria, ideologia e prática social. As escolas são vistas como agentes decontrole ideológico que reproduzem e mantêm as crenças, valores e nor-mas dominantes. Isso não significa sugerir que as escolas são simplesmentefábricas que processam estudantes e espelham os interesses da sociedademais ampla; tal perspectiva é evidentemente mecanícísta e reducionista.17 Aposição neomarxista salienta que as escolas de maneiras correspondentesestão ligadas aos princípios e processos que governam o local de trabalho.A perspicácia desta perspectiva é sua insistência em conectar as macro-forças da sociedade mais ampla com as mícro-análises, tais como os estu-dos em sala de aula.

_ A abordagem neomarxista elucida de maneira mais clara do que asduas outras abordagens identificadas neste capítulo como a reproduçãosocial está ligada aos relacionamentos sociais em sala de aula e como aconstrução do conhecimento está relacionada à noção de falsa consciência.Ainda que enfatizem a importância do papel subjetivo do estudante naconstituição do significado por si mesmo, os neomarxistas estão igualmen-te preocupados com as formas nas quais as condições sociais e econômicaslimitam e distorcem a construção social do significado, particularmente en-quanto mediado através do currículo oculto. Os estudos em sala de aulanão devem apenas ser relacionados com o estudo da sociedade mais am-pla, como também com uma noção de justiça, a qual seja capaz de articularcomo certas estruturas sociais injustas podem ser identificadas e substituí-das.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 6l

-roílhecimento Escolar e Relações em Sala de Aula

kora a perspectiva neomarxista ofereça um foco importante sobre a na-eza ideológica do processo de escolarização e da ordem social mais

tU Ia, e[a fez pouco para explicar em termos específicos os tipos cie co-ahecimento e relações sociais escolares que têm sido usados para produzir

consciência reifícada que mantém os interesses econômicos e culturais deUma sociedade estratificada. É aí que os funcionalistas estruturais e os adeptosda nova sociologia trouxeram contribuições valiosas ao estudo do currículoe educação social. Utilizando suas idéias dentro de uma nova estruturamarxista, podemos começar a responder à pergunta fundamental: "O quese aprende nas escolas?".

Como resposta à questão, Robert Dreeben salienta que o estudanteaprende mais do que simplesmente conhecimento e habilidades instrucionaís,e que a visão tradicional da escolarização como sendo "de natureza basica-mente cognitiva é na melhor das hipóteses apenas parcialmente sustentá-vel".18 Stephen Arons reforça esta visão chamando a escola de "um ambien-te social no qual uma criança pode aprender muito mais do que está nocurrículo formal."19 Implícita nesta análise da escola e da sala de aula comoum agente de socialização coloca-se uma premissa pedagógica importante- qualquer currículo destinado a introduzir mudanças positivas nas salas deaula irá fracassar, a menos que tal proposta esteja enraizada em uma com-preensão das forças sócio-políticas que influenciam decisivamente a pró-pria textura das práticas pedagógicas cotidianas em sala de aula.

Como não está totalmente claro para os educadores de estudos sociaisque as escolas são de fato instituições sócío-políticas. deve-se fornecer evi-dências que validem a posição de que as escolas estão inextrícavelmenteligadas a.outras agências e instituições sociais da sociedade americana.Ralph Tyíer destaca a função social das escolas ao assinalar que todas asfilosofias educacionais são essencialmente fruto de uma de duas perspecti-vas teóricas possíveis. Ele argumenta que uma orientação de filosofia edu-cacional pode ser construída sobre uma das seguintes questões: "As escolasdeveriam desenvolver jovens para adaptarem-se à sociedade atual assimcomo está, ou a escola tem uma missão revolucionária de desenvolverjovens que procurarão aperfeiçoar esta sociedade?"20

A questão levantada por Tyler acerca da filosofia educacional é impor-tante por uma série de motivos. Primeiramente, ela reforça a noção cte queas escolas têm uma função sócio-política e não podem existir cie formaindependente da sociedade na qual operam. Em segundo lugar, Tyler reco-nhece que subjacente a todo programa educacional destinado a intervir naestrutura organizacional existe um padrão teórico de referência. Paulo Freire,o educador brasileiro, sustenta estes dois pontos ao argumentar que:

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Não existe um processo educacional neutro. A educação ou funciona como instru-mento' usado para facilitar a integração cia geração mais jovem na lógica do sistemaatual e trazer conformidade ã mesma, ou então torna-se a "prática cia liberdade^' - omeio através do qual homens e mulheres lidam crítica e criativamente com a realidadee descobrem como participar da transformação de seu mundo.21

Conscientes ou não disso, os educadores de estudos sociais trabalhama serviço de uma das duas posições delineadas por Tyler e Freire.

Um exame da escolarização e seus laços sociológicos com a família eo local de trabalho podem elucidar a função política e social das escolas.Embora uma série de sociólogos assinalem convincentemente que as esco-las não assumem mais o papel de substituto da família, elas de fato cum-prem uma função socialízadora que a estrutura social da família não podesatisfazer. Por exemplo, compare-se as funções da família com aquelas daescola. Robert Dreeben argumenta que, embora satisfaçam as necessidadesafetivas específicas das crianças, as propriedades estruturais da família nãopodem socializá-las adequadamente para funcionarem no mundo adulto.Segundo este autor, a escola demanda a formação de relacionamentos soci-ais que são mais diversos, mais limitados no tempo, menos dependentes emenos emotivos do que aqueles em família. Diferentemente da família, asescolas separam o desempenho cia expressão emocional e cumprem o quese considera sua finalidade mais explícita , isto é, "oferecer as habilidades,informações, e crenças que cada criança irá necessitar mais tarde comomembro adulto da sociedade".22

.^-—-Dreeben argumenta que as escolas fazem mais do que fornecer instru-ção. Elas oferecem normas, ou princípios de conduta, que são aprendidasatravés das experiências escolares sociais variadas que influenciam a vidados estudantes. Embora ignore a natureza política destas experiências soci-ais, ele de fato menciona quatro normas importantes aprendidas pelos estu-dantes: independência, realização, universalismo e especificidade.

Digno de nota é que Dreeben deixa de mencionar em termos ideoló-gicos específicos os valores culturais que sustentam e dão significado aestas normas. Dois exemplos serão suficientes. A independência é definidacomo "o manuseio de tarefas com as quais sob diferentes circunstânciaspode-se esperar apropriadamente a ajuda dos outros".23 A realização é de-finida de forma a garantir aos alunos a gratificação de "vencer e perder", e,embora não afirmado por Dreeben, justifica as recompensas extrínsecas e :inoção de que alguém sempre deve chegar por último.

A idéia de que os estudantes aprendem mais do que habilidadescognitivas fica ainda mais ciara na análise de Bernstein, a qual focalizaprecisamente algumas das características da natureza política da escolarização.Sua análise argumenta que os estudantes aprendem valores e normas queproduziriam "bons" trabalhadores industriais. Os estudantes internalizamvalores que enfatizam o respeito pela autoridade, pontualidade, asseio,docilídade e conformidade. O que os estudantes aprendem com o conteú-

do formalmente sancionado do currículo é muito menos importante do queaquil° que aprendem com as suposições ideológicas embutidas nos trêssistemas de mensagem da escola: o sistema do currículo: o sistema deestilos pedagógicos de sala de aula; e o sistema de avaliação.2'' Ao descre-ver o que os estudantes aprendem com o currículo escolar oculto, StanleyAronowitz fornece uma visão compacta do processo de socialização queopera nestes sistemas de "mensagens":

Sem dúvida, a criança aprende na escola.... A criança aprende que o professor é apessoa com autoridade em sala de aula, mas que este está subordinado ao diretor.Assim a estrutura da sociedade pode ser aprendida compreendendo-se a hierarquia depoder dentro cia estrutura escolar. De maneira semelhante, a criança da classe operáriaaprende seu papel na sociedade. Por um lado, a escola marca os estudantes corno umtodo com sua impotência, já que estes não possuem o conhecimento necessário paratornarem-se cidadãos e trabalhadores. Por outro lado, a hierarquia das ocupações eclasses é reproduzida pela hierarquia das séries e divisões dentro cias séries. A promo-ção às séries sucessivas é a recompensa por ter dominado o comportamento políticoe social aprovado, bem como o material "cognitivo" prescrito. Mas dentro das séries,particularmente nas grandes escolas urbanas, outras distinções entre estudantes sãofeitas com base na inteligência imputada, e isto por sua vez é determinado pela pro-vável capacidade das crianças cie terem êxito em termos dos padrões definidos pelosistema educacional.25

Escritores como Dreeben e Aronowitz ajudaram a deixar claro que aescola funciona como uma agência de socialização dentro de uma cadeiade instituições mais amplas. Contudo, com poucas exceções, o papel polí-tico da escola e o modo como este papel afeta os objetivos, métodos,conteúdo e estrutura organizacional educacional não foram adequadamen-te esclarecidos pelos educadores dos estudos sociais.26

Ao comentar sobre as conseqüências de ignorar-se a natureza políticada educação, Jerome Bruner indica sem reservas que os educadores nãopodem mais manter a postura fictícia de neutralidade e objetividade.

Uma teoria de ensino é uma teoria política no sentido de que é proveniente de umconsenso em relação à distribuição de poder dentro cia sociedade - quem será educa-do e para cumprir que papéis? Exatamente no mesmo sentido, a teoria pedagógicaeleve certamente originar-se de urna concepção de economia, pois onde existe umadivisão de trabalho dentro da sociedade e uma troca de bens e serviços por riqueza eprestígio, a forma como as pessoas são educadas, em que número e com que limita-ções no uso de recursos são todas questões relevantes. O psicólogo ou educador quelormula uma teoria pedagógica sem considerar o ambiente político, econômico esocial do processo educacional corteja a trivialidade e merece ser ignorado na comu-nidade e na sala de aula.27

Como mencionado anteriormente, uma abordagem séria da mudançaeducacional nos estudos sociais teria que partir do exame das contradiçõesque existem entre o currículo oculto e o currículo oficial. Toda a aborda-gem do desenvolvimento curricular em estudos sociais que ignora a existência

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do currículo oculto corre o risco não apenas de ser incompleta, mas tam-bém insignificante, pois o cerne cia função cia escola não deve ser procura-do simplesmente fornecimento diário de informações por parte dos profes-sores mas também "nas relações sociais do encontro educacional".2S

Organização do Currículo Escolar

Antes que qualquer estudo das relações sociais em sala de aula seja propos-to, deve-se esclarecer que o conteúdo do que é ensinado em aulas deestudos sociais desempenha um papel vital na socialização política dosestudantes. Por exemplo, diversos estudos têm assinalado que o que contacomo conhecimento "objetivo" nos compêndios de estudos sociais na ver-dade representa muitas vezes uma visão parcial, teoricamente distorcida doassunto sob estudo.29 O conhecimento é com freqüência aceito como umaverdade que legitima uma visão específica do mundo que é questionávelou evidentemente falsa. A seleção, organização e distribuição do conheci-mento em estudos sociais são omitidas do domínio da ideologia.30 Além desuas mensagens explícitas ou ocultas, o modo como o conhecimento éselecionado e organizado representa suposições apriorístícas por parte doeducador acerca de seu valor e legitimidade. Em última análise, estas sãoconsiderações ideológicas que estruturam a percepção de mundo dos estu-dantes. Se a natureza ideológica frágil destas considerações não for deixadaclara para os estudantes, então estes aprenderão mais sobre conformidadesocial cio que investigação crítica. Para romper o "currículo oculto" do co-nhecimento, os educadores de estudos sociais devem ajudar os estudantesa compreenderem que o conhecimento não é apenas variável e relaciona-do com os interesses humanos, mas também deve ser examinado comrespeito a suas pretensões de validade. Popkewitz considerou de formasucinta este tópico para educadores cie estudos sociais com seu argumento.

A construção de currículos requer que os educadores dêem atenção às disciplinassociais corno um produto humano cujos significados são transmitidos nos processossociais. O ensino deveria dar séria atenção às visões de mundo conflitantes geradaspor estes artifícios, à localização social e aos contextos sociais da pesquisa. Para plane-jar o estudo de idéias para crianças, os educadores são forçados a investigar a naturezae caráter do discurso encontrado na história, sociologia e antropologia. De que problemascada um deles trata? Que modos de pensamento existem? Quais são suas tarefas pa-radigmáticas? Que limitações são impostas sobre o conhecimento de suas descobertas?O ensino deveria preocupar-se com as diferentes perspectivas tios fenômenos dentrode cada disciplina e como estes homens e mulheres passam a saber o que sabem/'

Além disso, segue-se que o mesmo peso deve ser ciado em qualqueranálise do currículo oculto às estruturas organizacionais que influenciam egovernam as interações professor-aluno dentro da sala de aula, pois estas

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 05

aereni um caráter ideológico que não é menos constrangedor do queSL"nteúdo curricular no processo de socialização em funcionamento n

oonteúdo curricular no processo cie socialização em funcionamento no

C contro em sala de aula. Embora distintamente apolítico por natureza, oÊabalho de Philip Jackson representa uma cias tentativas mais sofisticadas/ analisar os processos sociais que moldam uma outra dimensão do currí-jlo oculto. Diferente do currículo oficial, com seus objetivos afetivos e

oenitivos declarados, o currículo oculto neste caso enraiza-se naquelesaspectos da vida em sala de aula que não são normalmente percebidos pornrofessores ou alunos. De acordo com Jackson, os elementos do currículooculto são moldados por três conceitos analíticos centrais: grandes grupos,elogio e poder.32

Em resumo, trabalhar em salas de aula significa aprender a viver emagrupamentos. Aliado aos valores predominantes do sistema educacional,isto tem implicações profundas para a educação social estabelecida nasescolas. Igualmente significativo é o fato de que as escolas são ambientesavaliadores, e o que um estudante aprende não é simplesmente como seravaliado, mas como avaliar a si mesmo e também os outros. Finalmente, asescolas são marcadas por uma divisão básica e concreta entre os poderosos(professores) e os impotentes (alunos). Como assinala Jackson, isso signifi-ca que "de três maneiras principais, então - como membros de grandesgrupos, como recebedores potenciais de elogio ou reprovação, e comotíteres das autoridades institucionais - os estudantes são confrontados comaspectos da realidade que, pelo menos durante seus anos de infância, estãorelativamente restritos às horas passadas em sala de aula".33

Em termos mais específicos, especialmente aqueles que salientam asinterações professor-aluno, a análise de Jackson do currículo oculto mos-tra-se particularmente instrutiva. Aprender a viver em agrupamentos afetaos estudantes de várias maneiras importantes. Estes têm que aprender cons-tantemente a esperar para usar os recursos, o que conseqüentemente fazcom que aprendam a postergar ou abrir mão de seus desejos. Apesar dascontínuas interrupções em sala de aula, os estudantes têm que aprender aficar em silêncio. Embora trabalhem em grupo com outras pessoas que como tempo passam a conhecer, eles devem aprender a ficar isolados em umgrande grupo. Segundo Jackson, a virtude fundamental aprendida pelosestudantes nestas condições é a paciência (isto é, não uma padecia enraizadana restrição mediada, e sim em uma submissão injustificada à autoridade).Eles devem, até certo ponto, aprender a sofrer em silêncio. Em outras

Palavras, espera-se que suportem com serenidade o repetido adiamento,negação e interrupção cie sua vontade e desejos pessoais".3'

Elogio e poder em sala de aula estão inextricavelmente ligados um ao°utro. Embora ocasionalmente os estudantes possam ver-se em posição jdeavaliar uns aos outros, a fonte inquestionável de elogio e reprovação é oProfessor. Apesar da administração de sanções positivas ou negativas ser osímbolo mais visível de poder do professor, o real significado de seu papel

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situa-se na cadeia de relacionamentos e valores sociais que são reproduzi-dos com o uso desta autoridade. Em nenhum outro lugar a natureza do lcurrículo oculto fica mais evidente do que no sistema de avaliação. O efeito ipotencial da avaliação torna-se claro quando se reconhece que o que se •ensina e avalia em sala de aula é tanto acadêmico quanto não acadêmico, e ;inclui neste último a adaptação social e qualidades pessoais específicas.

De fato, existem alguns estudos notáveis que sustentam a hipóteseacima. Bowles e Gintis, após revisarem diversos estudos que ligam traçosde personalidade, atitudes e atributos comportamentais às notas escolares,chegaram às seguintes conclusões: -

Os estudantes são recompensados por mostrarem disciplina, subordinação, comporta-mento de orientação intelectual em oposição àquele de orientação emocional, e traba-lho esforçado, independente da motivação intrínseca à tarefa. Além disso, estes traçossão recompensados independentemente de qualquer efeito de "conduta correta" emrealizações escolásticas.35

Além disso, os autores assinalam que os estudantes considerados comalto grau de cidadania (isto é, conformidade com a ordem social da escola) :também colocavam-se "significativamente abaixo da média em medidas decriatividade e flexibilidade mental".36 Analisada pelo ponto de vista do estu-dante, a sala de aula torna-se uma miniatura do local de trabalho, na qual otempo, o espaço, o conteúdo e a estrutura são fixados pelos outros. As Jrecompensas são extrínsecas, e todas as interações sociais entre professores ~e alunos são mediadas por estruturas hierarquicamente organizadas. A men- 'rsagem subjacente aprendida neste contexto aponta menos para a escolaajudando os estudantes a pensarem criticamente sobre o mundo no qualvivem do que para a escola atuando como agente de controle social. ;

Os professores evidentemente desempenham um papel vital na manu-tenção da estrutura das escolas e transmissão dos valores necessários parasustentar a ordem social mais ampla.37 O estudo de Lortie sobre professoresindica que estes geralmente são incapazes de compensar as influências ;pedagógicas conservadoras por eles aceitas em sua formação antes e du-rante a faculdade. Ele também afirma que "os recursos de recrutamentofomentam uma perspectiva conservadora entre os principiantes... havendoforte apelo a jovens que tenham disposição favorável para com o sistemaexistente nas escolas".38 Lortie também descobriu que uma das deficiênciasmais graves dos professores era sua abordagem subjetiva, idiossincrática ciadocência. Destituídos de uma estrutura teórica elaborada a partir da qual •desenvolver uma metodologia e conteúdo, os professores careciam de cri- ;térios significativos para moldar, orientar ou avaliar seu próprio trabalho. -:Mas ainda mais importante é que eles repassam sua descrença na teoria ;para os estudantes, e ajudam a perpetuar a passividade intelectual. ;

Como mencionado anteriormente, no cerne do encontro educacional -social está o- currículo oculto, cujos valores moldam e influenciam pratica- :

:

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

iente todos os aspectos da experiência educacional do estudante. Mas issonão deveria sugerir que o currículo oculto seja tão poderoso a ponto de

ao haver esperança de reforma educacional. Ao contrário, o currículooculto deve ser visto como oferecendo um possível direcionamento paraanálise da mudança educacional. Por exemplo, embora os educadores deestudos sociais não possam sozinhos eliminar o currículo oculto, eles po-dem identificar sua estrutura organizacional e as suposições políticas sobreas quais ele se apoia. Desta forma, podem desenvolver uma pedagogia,materiais curriculares e propriedades estruturais em sala de aula que com-pensem as características mais antidemocráticas do currículo oculto tradici-onal. Assim será dado o primeiro passo significativo para ajudar estudantese professores a irem além da experiência em sala de aula e possivelmenteirem ao encontro da mudança destes arranjos institucionais.

Condições Democráticas e Ação Coletiva

Contudo, antes que mudanças na educação social e no desenvolvimentode estudos sociais possam ser empreendidas, os educadores de estudossociais terão que desenvolver processos de sala de aula bastante específi-cos, destinados a promover valores e crenças que estimulem modos críticose democráticos de participação e interação entre professores e alunos. Aidéia de que o currículo oculto tradicional da escolarização é adverso aosobjetivos declarados do currículo oficial não escapa mais de uma análisesocial astuta.39 Em vez de prepararem os estudantes para ingressar na soci-edade com as habilidades que lhes permitam refletir criticamente e intervirno mundo a fim de mudá-lo, as escolas são forças que, de modo geral,socializam os estudantes para conformarem-se ao status quo. A estrutura,organização e conteúdo da escolarização contemporânea imbui os estu-dantes com as necessidades de personalidade desejadas na mão-de-obraburocraticamente estruturada e hierarquicamente organizada. Como salien-tou Philip Jackson:

No que se refere a sua estrutura de poder, as salas de aula não são muito diferentes dasfábricas e escritórios, aquelas organizações ubíquas onde passamos grande parte denossa vida adulta. Assim, as escolas de fato poderiam ser chamadas cie preparaçãopara a vida, mas não no sentido usual em que os educadores empregam o termo."

O restante deste artigo irá identificar um conjunto alternativo de valo-res e processos sociais em sala de aula. De nosso ponto de vista, estasalternativas representam a base para formular-se uma educação social demo-crática e coletivista despida de individualismo egoísta e relacionamentossociais alienantes. Estes valores e processos deveriam ser usados por edu-cadores de estudos sociais no desenvolvimento de um conteúdo e pé ago

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gia que liguem a teoria e a prática e restituam em professores e estudantesuma consciência da importância social e pessoal da participação ativa e dopensamento crítico. Embora os valores sejam enumerados desde o início,os processos em sala de aula serão elucidados através de uma análise dascaracterísticas específicas que, ao nosso ver, deveriam caracterizar a educa-ção social.

Os valores e processos sociais que fornecem o sustentáculo teórico daeducação social incluem o desenvolvimento nos estudantes de um respeitopelo compromisso moral, solidariedade de grupo e responsabilidade so-cial. Além disso, deve-se fomentar um individualismo não autoritário quepreserve o equilíbrio com a cooperação de grupo e conscientização social.Todo o esforço deve ser feito para dar-se ao estudante uma conscientizaçãoda necessidade de desenvolver suas próprias escolhas e atuar sobre estasescolhas com um entendimento das restrições situacíonais. O próprio pro-cesso educacional estará aberto para exame em relação a seus laços com asociedade mais ampla.

Os estudantes devem experimentar os estudos sociais como um apren-dizado no ambiente da ação social, ou, como declarou Freire'1, deve-seensinar aos estudantes a prática de refletir sobre a prática. Urna maneira defazer isso é ver e avaliar cada experiência de aprendizagem, sempre quepossível, com respeito a suas conexões com a totalidade sócio-econômicamais ampla. Além disso, é importante que os estudantes não apenas pen-sem sobre o conteúdo e a prática da comunicação crítica, mas tambémreconheçam a importância de traduzir o resultado destas experiências emações concretas. Por exemplo, é tolice em nossa opinião envolver os estu-dantes em tópicos de desigualdade política e social em sala de aula e nomundo político mais amplo e ignorar a realidade e efeitos perniciosos dadesigualdade econômica e salarial. Mesmo que se faça uma ligação com arealidade mais ampla, o fracasso em abordar e implementar a prática nãoirá trazer aos estudantes o aprendizado implicado no apelo de Freire. Emoutras palavras, é importante que os educadores de estudos sociais propor-cionem aos estudantes a oportunidade de apreenderem a dialética dinâmi-ca entre consciência crítica e ação social. Existe, portanto, a necessidade dehaver uma integração da consciência crítica, os processos sociais e a práticasocial, de tal forma a esclarecer aos estudantes não simplesmente como asforças do controle social operam, mas também como estas podem ser supe-radas. Os estudantes devem ser capazes de reconhecer o real valor dadécima-primeira tese de Marx sobre Feuerbach. Os filósofos apenas inter-pretaram o mundo de várias maneiras; a questão é mudá-lo.'12

Muitos educadores liberais de estudos sociais aceitam estes valores eprocessos sociais e tentam desenvolver um currículo embasado que ostraduzam na prática. Mas, com efeito, os liberais despem estes valores eprocessos sociais de seu conteúdo radical ao situá-los mais na estrutura deajustamento social do que na emancipação social e política. O ponto de

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ista filosófico liberal, com sua ênfase no progresso através da melhoriaociul, no valor da "meritocracia" e do profissional especializado, e na via-ilidade do sistema de educação em massa dedicado a atender às necessi-

dades da ordem industrial, deixa de penetrar e utilizar o aspecto radical dosíores e processos sociais que apoiamos. Elizabeth Cagan capta a contra-

dição entre o pensamento liberal e os valores radicais e práticas sociais emseu comentário:

Embora os reformadores liberais pretendam usar a educação para promover a igualda-de, comunidade e interação social humanista, eles não confrontam aqueles aspectosdas escolas que puxam na direção oposta. É possível que sua cegueira a estas contra-dições seja proveniente de sua posição de classe: como reformadores de ciasse média,eles não estão dispostos a defender o tipo de ígualitarismo que é necessário para umaverdadeira comunidade humana. Reformas na técnica pedagógica foram instituídas,mas o...[currículo ocultol continua atuando. Este currículo oculto promove acompetitividade, individualismo e autoritarismo/'-'

Os processos sociais da maior parte das salas de aula militam contra odesenvolvimento por parte do estudante de um sentido de comunidade.Assim como na ordem social mais ampla, a competição e a luta individualestão no cerne da escolarização americana. Em termos ideológicos, a cole-tividade e a solidariedade social representam ameaças estruturais podero-sas ao espírito do capitalismo. Este espírito está calcado não apenas naatomização e divisão do trabalho, mas também na fragmentação da consci-ência e das relações sociais.'1'' Todas as virtudes acerca da coletividade quesão trazidas à atenção do público existem somente em forma e não emconteúdo.Tanto dentro como fora das escolas, o interesse próprio repre-senta o critério para atuar e ingressar nas relações sociais. A estrutura daescolarização reproduz o espírito da privatização e da postura moral deegoísmo em quase todos os níveis do currículo formal e oculto. Quer sutil-mente apoiando a filosofia do "faça o seu próprio negócio", quer preser-vando estruturas pedagógicas que solapam a ação coletiva, a mensagempresente na maioria das salas de aula divíniza o eu às custas do grupo. Amensagem oculta é do tipo que promove a alienação.''5

O cenário de sala de aula que estimula este individualismo desenfrea-do é familiar. Os estudantes tradicionalmente sentam-se em filas olhando asnucas uns dos outros e o professor que os encara de maneira simbólica,autoritãria, ou então em um grande semicírculo, com o espaço de professore aluno rigidamente prescrito. Os acontecimentos em sala de aula são go-^ernados por horários rígidos impostos por um sistema de sínetas e reforça-d°s por sinais dos professores enquanto a aula está em andamento. Alnstrução e algum aprendizado formal esperado geralmente começam eterminam em função do tempo correto predeterminado, e não porque umProcesso cognitivo foi colocado em ação.

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Implementação

Diversos processos sociais ajudam a solapar os efeitos autoritários do currí-culo oculto em sala de aula. Nossa terminologia será familiar a todos oseducadores de estudos sociais. Os liberais entre eles irão aderir às metasinstrucionais imediatas, mas somente os reconstrucionistas aceitarão as im-plicações de longo alcance destes processos para a vida na sala de aula, naescola e nas instituições sociais e políticas mais amplas.

O fundamento pedagógico dos processos democráticos pode ser esta-belecido eliminando-se a prática perniciosa de "'selecionarmos estudantes. Atradição nas escolas de agrupar os estudantes de acordo com sua "capaci-dade" e desempenho observado tem valor instrucional duvidoso. A justifi-cativa para esta prática se baseia em teorias genéticas tradicionais que fo-ram sistematicamente refutadas em termos intelectuais e éticos.'16 Uma tur-ma mais heterogênea oferece melhores oportunidades para que se manifes-te a flexibilidade. Por exemplo, em um ambiente de turma heterogênea, osalunos que têm um desempenho qualitativamente mais rápido do que osoutros poderiam ter a oportunidade de funcionar como colegas atuandocomo líderes individuais ou de grupo de outros estudantes. Em tal situação,os estudantes podem agir coletivamente no processo de ensino e aprendi-zagem. Desta forma, o conhecimento se torna o veículo de diálogo e aná-lise, bem como a base para um novo relacionamento social em sala de aula.Além disso, não apenas relacionamentos sociais mais progressistas são de-senvolvidos neste contexto, mas as noções tradicionais de aprendizagem erealização são então questionadas. Deve-se enfatizar que a educação socialdeveria basear-se em uma noção de realização que está em desacordo comas teorias genéticas tradicionais da inteligência que servem como base teó-rica para sustentar a seleção.

Com a eliminação da seleção, o poder é ainda mais difundido em salade aula, de forma que os indivíduos nos papéis de liderança de pares ougrupos podem assumir posições de liderança anteriormente reservadas so-mente para o professor. Em outras palavras, com o rompimento dos papéise regras hierárquicas rígidas, que Bernsteín chamou de "estruturação forte",tanto estudantes como professores podem explorar relacionamentos demo-cráticos raramente desenvolvidos na sala de aula tradicional.'7 Estes novosrelacionamentos também permitirão que os professores determinem o traba-lho de base para romper-se a estrutura celular exposta por Dan Lortie. Aestrutura celular refere-se ao fracasso dos professores em adaptarem mutua-mente sua tarefa e suas ações. A maioria dos professores não compartilhamde estratégias pedagógicas, e, assim, carecem de qualquer coesão em seusrelacionamentos interpessoais profissionais.tó Ao compartilhar de seus papeise poder, os professores estarão em melhor posição para romper com o provin-cianismo e socialização estreita que os impede de compartilharem e examina-rem sua teoria e prática pedagógica, tanto com estudantes como com colegas.

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Uma outra mudança importante que tais cursos deveriam perpetuaiaira em torno da questão da autoridade e das notas. Recompensas extrín -deveriam ser minimizadas sempre que possível, e os estudantes deveriamter a oportunidade de experimentar papéis que lhes permitam direcionar oprocesso de aprendizagem, independentemente do comportamento geral-mente associado com ênfase nas notas como recompensa. As relações soci-ais na sala de aula tradicional baseiam-se em relações de poder inextrica-velmente ligadas à atribuição e distribuição de notas pelo professor. Asnotas tornam-se muitas vezes os instrumentos disciplinares através dos quaiso professor impõe seus valores, padrões de comportamento e crenças aosestudantes.'19 A avaliação dialógica elimina esta prática perniciosa, já quepermite que os estudantes tenham algum controle sobre a distribuição dasnotas, e, assim, enfraquece a correspondência tradicional entre as notas e aautoridade. Nos referimos a tal espécie de avaliação como dialógica porqueela envolve um diálogo entre estudantes e professores sobre os critérios,função e conseqüências do sistema de avaliação. O uso do termo é de fatounia extensão da ênfase de Freire no papel do diálogo no esclarecimento edemocratização das relações sociais.50

Embora as oportunidades de diálogo com professores e colegas de-vam ser estimuladas, elas não são conducentes a ambientes de grande gru-po. Em pequenos grupos, os estudantes deveriam avaliar e testar a lógicado trabalho uns dos outros. A importância do trabalho em grupo para aeducação social está calcada em uma série de suposições fundamentais. Otrabalho em grupo representa uma das maneiras mais eficazes de desmistificaro papel manipulador tradicional do professor; além disso, ele oferece aosestudantes os contextos sociais que enfatizam a responsabilidade social e asolidariedade de grupo.

A interação de grupo proporciona aos estudantes as experiências deque necessitam para perceber que podem aprender uns com os outros.Somente através da difusão da autoridade no plano horizontal é que osestudantes serão capazes de compartilhar e apreciar a importância da apren-dizagem coletiva. Crucial para este processo é o elemento do diálogo. Atra-vés do diálogo em grupo, as normas de cooperação e sociabilidacle com-Pensam a ênfase do currículo oculto tradicional na competição e individua-lismo excessivos. Além disso, o processo de instrução em grupo ofereceaos estudantes a oportunidade de experimentarem a dinâmica da democra-c'a participativa, em vez de simplesmente ouvir falar da mesma.

Em resumo, o desenvolvimento de uma concientização que se nutre daarefa compartilhada de democratizar os relacionamentos em sala de aula é

Operativo para que os estudantes superem a falta de comunidade associada3- sala de aula tradicional e à ordem social mais ampla. O encontro do grupofornece a base social para o desenvolvimento de tal conscientização. Sob taiscondições, as relações sociais marcadas pelo domínio, subordinação e res-Peito acrítico pela autoridade podem ser efetivamente minimizadas.

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As relações sociais marcadas por reciprocidade e comunidade não sãoos únicos subprodutos do componente de grupo. Uma outra característicaimportante gira em torno da oportunidade que os estudantes têm de reali-zar um aprendizado no ensino. Avaliando o trabalho uns dos outros, atuan-do como líderes de pares, e propondo e participando das discussões, osestudantes aprendem que ensinar não se baseia em abordagens pedagógi-cas intuitivas ou imitatívas. Em vez disso, ao estabelecer-se uma relação detrabalho íntima com professores e colegas, os estudantes têm a oportunida-de de compreender que um corpo analítico e codificado de experiências éo elemento central de qualquer pedagogia. Isto ajuda professores e alunosa reconhecer que por trás de qualquer pedagogia existem valores, crençase suposiões calcados numa visão de mundo particular. A maior parte dosestudantes vêem o ensino em termos de personalidades individuais maisdo que como resultado de um conjunto refletido de axíomas pedagógicossocialmente, construídos.51 Ao adotar-se este curso de ação, proporciona-seaos estudantes e professores uma estrutura "particular" de ensino que sali-enta os sustentáculos teóricos da pedagogia escolar.

O conceito de tempo nas escolas restringe o desenvolvimento de relacio-namentos sociais e intelectuais saudáveis entre estudantes e professores.Aludindo à vida nas fábricas, com seus cronogramas de produção e relacio-namentos de trabalho hierárquicos, a rotina da maior parte das salas deaula atua como um freio à participação e aos processos democráticos. Oritmo próprio modificado é um processo de sala de aula que é mais compatí-vel com a visão de que a aptidão é a quantidade de tempo necessária paraque os estudantes desenvolvam uma compreensão e resolução crítica datarefa em questão.

É imperativo que os estudantes tenham a oportunidade de trabalharsozinhos e em grupo em um ritmo de aprendizagem agradável, de formaque possam desenvolver com rapidez um estilo de aprendizagem que lhespermita ir além das pedagogias fragmentadas e sem base teórica que carac-terizam atualmente a educação americana.52 O uso flexível de um tipo deaprendizagem com ritmo próprio deveria eliminar estas práticas.

O ritmo próprio também é importante por outros motivos. O adiamen-to e negação característicos da maior parte das salas de aula convencionaispodem ser compensados libertando-se professores e estudantes para res-ponderem uns aos outros quase que imediatamente. Os alunos não preci-sam esperar para obter um retorno e comunicação sobre seu trabalho. Issomilita contra a desistência ou adiamento por parte cios alunos de seu desejode aprender ou de compartilhar e analisar com outros estudantes o queaprenderam. O ritmo próprio modificado permite que os estudantes traba-lhem sozinhos ou com outros colegas em um ritmo agradável, dentro delimites razoáveis estabelecidos mutuamente por professores e estudantes.Sob este formato, o relógio deixa de determinar o ritmo e caráter da aula, ea tirania dos horários rígidos dá lugar a horários governados por trocas

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 73

.ecíprocas. Além clísso, como os estudantes têm uma medida cie controlebre seu trabalho, notas e tempo, isto elimina o antagonismo entre estu-

S]antes e reforça a noção de que o aprendizado é essencialmente um fenô-meno compartilhado.

Em termos políticos, as características de ritmo próprio e liderança de«ares põem em xeque a idéia de que o professor é um especialista indis-nensável, sendo o único qualificado para definir e distribuir conhecimen-to S3 Além disso, com o uso de liderança entre colegas e ritmo própriomodificado, desenvolvem-se relações democráticas em sala de aula e aunidimensionalidade das relações sociais tradicionais da sala de aula dálugar à possibilidade de encontros sociais infinitamente mais ricos. Estesencontros sociais em sala de aula são reciprocamente humanistas e media-dos através de uma estrutura conceptual emancípadora.

As características de ritmo próprio e liderança entre colegas represen-tam dois processos sociais que compensam de maneira significativa algu-mas das propriedades organizacionais e estruturais da sala de aula tradicio-nal. Na maioria das salas de aula tradicionais, os estudantes trabalham demaneira isolada e independente. Esta prática geralmente é racionalizadapelos educadores com base na idéia de que a mesma estimula a indepen-dência. Isto é , em parte, verdadeiro, mas o tipo de independência estimu-lada impede o desenvolvimento de relacionamentos sociais entre colegasde mesma idade e adultos que proporcionem oportunidades de comparti-lhar e trabalhar de maneira independente. Além disso, sua função pareceser mais ideológica do que racional, e representa um forte componentepedagógico para a sustentação da divisão de trabalho característica da soci-edade mais ampla. De qualquer maneira, a noção tradicional cie indepen-dência não suscita um equilíbrio entre o desenvolver talentos próprios e ocompartilhar das tarefas com outros estudantes. As características de ritmopróprio e liderança entre colegas reconciliam de forma suave esta contradi-ção. Os estudantes não apenas têm amplas oportunidades de explorar seustalentos e interesses em um ritmo que possam controlar, como tambémpodem compartilhar seus interesses com outras pessoas. Eles obtêm ajudatanto dos líderes da turma como de seus colegas.

Conclusão

Este capítulo oferece uma base para um novo ímpeto à tarefa cie identificara dinâmica e as suposições ideológicas subjacentes aos padrões específicosde socialização em salas de aula de estudos sociais. Ao identificar os pro-cessos sociais em sala de aula e na vida escolar que tornam estes padrões°perantes e destacar a natureza normativa do conhecimento em estudossociais, ele busca esclarecer a clicotomia entre as metas cios educadores deestudos sociais e o processo da escolarização. Ao nosso ver, o reconheci-

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mento desta dicotomia entre o currículo oficial e o currículo oculto iráforcar os educadores de estudos sociais a desenvolverem uma nova pers-pectiva teórica acerca da dinâmica da mudança educacional, a qual penetreas relações funcionais que existem entre as instituições das escolas, dolocal de trabalho e do mundo político. Desta forma, os educadores começarãoa desvelar aqueles processos sociais em todas as instituições sócio-políti-cas, inclusive as salas de aula, que militam contra a criação de uma educa-ção social democrática. A enumeração e elucidação adicional destes pro-cessos, bem como a busca de interconexões entre os mesmos, tornar-se-ãoos pré-requisitos necessários para educadores que pretendam intervir noprocesso educacional.

A mensagem está clara. Os educadores de estudos sociais correrão orisco de fracassos repetidos a menos que desenvolvam uma base estruturalque se oponha aos processos e valores sociais do currículo oculto. Paraque a solidariedade social, o crescimento individual e a dedicação à açãosocial resultem da educação social, o currículo oculto terá que ser elimina-do ou minimizado. Existe pouco espaço na educação social para a classifi-cação e seleção social, relações sociais hierárquicas, correspondência entreavaliação e poder e dinâmica interpessoal fragmentada e isolada do encon-tro em sala de aula, todos as quais caracterizam o currículo oculto. Estesprocessos em sala de aula terão que ser substituídos por processos e valo-res sociais democráticos que levem em consideração a interação recíprocade metas, pedagogia, conteúdo e estrutura.

A tarefa não será fácil; as mudanças a serem realizadas serão difíceis emuitas vezes frustrantes, mas, de qualquer maneira, necessárias. Osreformadores educacionais não podem mais operar dentro dos limites es-treitos da teoria e prática educacionais tradicionais. Deve ficar claro que aeducação social é essencialmente normativa e política, e na melhor dashipóteses pode ser tanto libertadora como reflexiva. Ao nos desvencilhar-mos dos parâmetros tradicionais da teoria e prática educacional, podemosver a escolarização como inextrincavelmente ligada a uma teia mais amplade arranjos políticos e sócio-econômicos. E ao analisarmos a natureza dorelacionamento entre as escolas e a sociedade dominante em termos políti-cos e normativos, podemos nos opor ao currículo oculto definido atravésda ideologia dos processos sociais. Se quiserem que a educação social, nostermos de Kant, seja usada para educar os estudantes para uma sociedademelhor, os educadores de estudos sociais terão que ir além da democratiza-ção de suas escolas e salas de aula. Terão que fazer mais do que ajudar adesenvolver mudanças na consciência dos estudantes; terão que ajudar aimplementar uma fundamentação para a reconstrução de uma nova ordemsocial, cujos arranjos institucionais, em última análise, proporcionarão-asbases para uma educação verdadeiramente humana.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 75

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1}. Sharp e Greene, Educational and Social Control'.

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76 HENRY A. GIROUX

18. Dreeben, The Contiibution ofScbooüng, p. 24.

19 Stephen Arons, "The Separation of School and State: Pierce Reconsidered", HaruardEducationai Review 46 (Fev. 1976): 98.

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22. Dreeben, "The Contribution of Schooling". p.13.

23. Ibid, p.66.

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28. Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America, p.265.

29. Apple, "The Hidden Curriculum"; jean Anyon, "Elementary Social Studies Textbooks andLegitimating Knowledge", Theory and Research in Social Education 6 (Set. 1978): 40-5-4;Thomas S. Popkewitz, "The Latent Values of the Discipline-Centered Curriculum in SocialEducation", Th eory and Research in Social Education 5 (Abril 1977): 41-60.

30. Apple, "The Hidden Curriculum"; Popkewitz, "Latent Values".

31. Popkewitz, "Latent Values", p.58.

32. Jackson, Life in Classrooms.

33. Ibid., p. 16.

34. Ibid., p. 18.

35. Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America, p.40.

36. Ibid., p. 41.

37. Keddie, Myth of Cultural Deprívation; Sharp e Greene, Educationai and Social Control.

38. Dan C. Lortie, Schoolteacher: A Socilogical Study (Chicago: University of Chicago Press,1975), p. 54.

39. Ivan Illich, "After Deschooling, What?"em Alan Gartner et ai., After Deschoolíng, What?(New York: Holt, Rinehart & Winston, 1973) Bernstein, Class, Codes and Control, vol.3.

40. Jackson, Life in Classrooms, p. 33.

41. Paulo Freire, Pedagogy in Process (New York: Seabury Press, 1978).

42. KarI Marx, "Theses on Feuerbach", em Loyd D. Easton e Kurt H. Guddart, Writings of theYoung Marx on Philosophy and History (New York: Doubleday, 1967), p.402.

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OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 11

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48. Lortie, Schoolteacher.

49 Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America.

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51. Lortie, Schoolteacher,

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53. Ivan Illich, Deschooling Society (New York: Harper & Row, 1971).

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4Objetivos

e

HENRYA.GIROUX

U m debate tem sido travado entre os educadores em torno da questãodo desenvolvimento dos objetivos dos cursos. A intensidade e natu-reza deste debate fez-se clara para a maioria dos professores de

primeiro e segundo graus quando viram seus sistemas escolares balança-rem como um pêndulo entre o movimento de objetivo humanista "aberto"dos anos sessenta e o movimento behaviorista do "demonstre-o com certe-za" dos anos setenta. Em retrospectiva, ambos os movimentos trouxeramalguma luz à complexidade problemática da organização, implementação eavaliação dos cursos. Mas em última análise, nenhum deles ofereceu ummodelo teórico para o desenvolvimento de objetivos dos cursos que equi-libre adequadamente a necessidade de certeza e exatidão com outros mo-dos de aprendizagem e valoração.

O propósito deste capítulo é examinar as deficiências das duas princi-pais '"escolas"1 que atualmente dominam o pensamento da instituição edu-cacional em torno do desenvolvimento dos objetivos dos cursos. Além dis-so, apresenta-se também uma nova abordagem pedagógica, a qual permiteque os educadores desenvolvam objetivos dos cursos que elucidem o rela-cionamento entre a metodologia e conteúdo em sala de aula e seus respec-tivos sustentáculos de valoração. Acredita-se que, através do exame desterelacionamento, a complexa interação entre as escolas e a ordem socialmais ampla será destacada. Espera-se que isto venha a persuadir os educa-dores a questionarem muitas das suposições "de senso comum" sem

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80 HENRY A. G1ROUX

questionamento que moldam a organização e avaliação de seus cursos.Além disso, este capítulo transfere o centro de gravidade do atual debateem torno dos objetivos dos cursos para além da perspectiva de "ou/ou" emrelação à validade das diferentes escolas de objetivos, oferecendo um novoenfoque que irá ajudar os educadores a determinarem que tipos de objeti-vos são mais apropriados para o desenvolvimento de diferentes conjuntosde metas pedagógicas entrelaçadas.

Num primeiro exame, parece que tanto a escola de objetivo humanistacomo a de objetivo behaviorista habitam planetas pedagógicos imensamentediferentes, com pouco ou nenhum diálogo sobre suas respectivas diferen-ças. Em vez de olharem para além dos parâmetros categóricos de suasprincipais suposições, ambas as escolas parecem arraigadas ao que eqüiva-le a uma aceitação sem crítica e auto-beneficiente de seus princípios teóri-cos de orientação.2 Em parte, o contraste entre as duas escolas é fortalecidopelas principais críticas que elucidam tanto suas respectivas limitações comosuas diferentes abordagens ao desenvolvimento dos objetivos de sala deaula. Por exemplo, muitos críticos apontaram que. embora a necessidadede exatidão e certeza entre aqueles que apoiam a escola de objetivobehaviorista seja compreensível, sua preocupação com o conhecimentotrivial, sua ênfase predominantemente cognitiva e sua negação do valor dosignificado pessoal são inquietantes.3 Por outro lado, aqueles que apoiam aescola de objetivo humanista muitas vezes encontram-se desenvolvendocursos que carecem de certeza e clareza de direção. Tais cursos geralmentese estruturam em torno de declarações de propósito imprecisas e hipotéti-cas, cujo valor geralmente continua sendo um mistério para professores eestudantes/'

A posição claramente antagônica das duas escolas forçou muitos educa-dores em busca de uma abordagem viável para o desenvolvimento de objeti-vos dos cursos a cair em uma posição de ter que optar entre uma escola ououtra, uma escolha diluída que termina reproduzindo o próprio problemaque supostamente deveria ter resolvido. O bom senso parece indicar queuma posição qualitativamente diferente poderia ser desenvolvida se cadaescola iniciasse um diálogo sério uma com a outra, o qual apontaria parauma síntese de suas respectivas posições. Embora esta última abordagempareça pratícável, ela não tem efeito quando se faz uma distinção entresenso comum e bom senso. O que precisamos não é tanto um diálogoentre as duas escolas, e sim uma disposição de cada uma delas para refletircriticamente sobre as deficiências de sua própria abordagem. O resultadode uma abordagem deste tipo deveria ser menos um diálogo do que umametamorfose para uma nova posição, a qual contorne o diálogo e dê lugarà autocrítica e frescor teórico. Talvez o ponto de partida para isso sejaobservar os pontos comuns entre as duas escolas, os quais parecem impe-di-las de irem além das suposições teóricas limitantes que identificam suasposições especialmente diferentes.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 81

As duas escolas apresentam os seguintes pontos em comum: uma no--ão truncada da função da escolarização; a defesa tácita de uma visão que

neaa a importância dos modelos e conflitos teóricos; e uma incapacidade<je dar o devido peso ao capital cultural do estudante como ponto de parti-da para as atividades de aprendizagem. Além disso, ambas as escolas deixa-ram de examinar as funções latentes da escolarização, muito embora taisfunções afetem os objetivos do currículo formal.5 O resultado final foi umimpasse teórico entre aqueles educadores que se identificam com uma po-sição humanista ou behaviorista.

Cada um destes pontos em comum será rapidamente examinado aseguir. É importante dizer que estes pontos em comum serão analisadosnão apenas segundo as questões que propõem, mas também segundo adireção na qual apontam para auxiliar os professores a construir um mode-lo e linguagem mais abrangentes e flexíveis no desenvolvimento eimplementação dos objetivos dos cursos.

Ensinar os estudantes a ler, escrever e compreender a estrutura con-ceptual de um determinado curso foi muitas vezes definido pelos educado-res como uma tarefa técnica.6 O termo "técnica", como utilizado aqui, refe-re-se à definição aplicada nas "ciências exatas", uma forma de racionalidadecujo interesse dominante reside nos modelos que promovem certeza e contro-le técnico; o termo também sugere uma ênfase na eficiência e técnicas de"como-fazer" que ignoram as questões mais importantes dos fins. Por exem-plo, muitas vezes ignora-se questões do tipo: "Por que estamos fazendo oque estamos fazendo?", "Por que este conhecimento está sendo aprendi-do?", "Por que este tipo de estilo pedagógico está sendo usado para transmitirinformações em sala de aula?", "Por que este tipo de avaliação?". Enquantoos behavioristas geralmente evitaram as questões dos fins, os humanistasrestringiram tais questões ao imediatismo do ambiente de sala de aula eignoraram a tarefa de "ajudar aqueles estudantes inclinados a superar o queé simplesmente "dado" a romperem com as experiências cotidianas".7

Nem os humanistas nem os behavioristas reportaram-se adequadamenteàs barreiras que impedem a compreensão e diálogo humanos acerca dorelacionamento entre o conhecimento socialmente construído e as dimen-sões normativas da interação em sala de aula. Nestas circunstâncias, asquestões referentes à conexão entre o conhecimento de sala de aula e ascategorias socialmente construídas usadas para legitimar este conhecimen-to são ignoradas. Young colocou bem o problema ao argumentar que oseducadores nos Estados Unidos quase não consideraram "o conteúdo daeducação em termos de como o sistema educacional poderia influenciar ossignificados publicamente disponíveis, ou cie como as definições contem-porâneas cias culturas têm conseqüências na organização do conhecimentono sistema escolar".8 Conseqüentemente, o papel das escolas como meca-nismos sociais para a seleção, preservação e repasse das competências denatureza fortemente ideológica e valorativa foi obscurecido.

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Vale a pena enfatizar que o conhecimento repassado aos estudantesnas escolas é selecionado a partir de um universo mais amplo de conheci-mento. O problema que isto propõe aos educadores, negligenciado tantopela escola de objetivo humanista como behavíorista, foi claramente defini-do por Apple:

Precisamos examinar criticamente não apenas "como um estudante adquire mais co-nhecimento" (questão predominante em nosso campo preocupado com a eficiência)mas "por que e como aspectos particulares da cultura coletiva são apresentados naescola como conhecimento factual, objetivo". De que maneira concreta o conheci-mento oficial pode representar configurações ideológicas dos interesses dominantesda sociedade? De que maneira as escolas legitimam estes padrões limitados e parciaiscio saber como verdades inquestionáveis? Estas questões devem ser levantadas empelo menos três áreas da vida escolar? (1) como as regularidades básicas do cotidianodas escolas contribuem para o aprendizado por parte dos estudantes destas ideologi-as; (2) como as formas específicas de conhecimento curricular refletem estas configu-rações; e (3) como estas ideologias se refletem na perspectiva fundamental que ospróprios educadores empregam para ordenar, orientar e atribuir significado a suaprópria atividade.9

Assim, a redução dos objetivos de ensino a uma preocupação comestilo, isto é, "subjetividade profunda", ou com o conteúdo por parte cieambas as escolas resultou no fracasso em desenvolver um modelo teóricoadequado, capaz de gerar objetivos para os cursos que liguem o conteúdoàs relações sociais em sala de aula, de forma a evitar a síndrome do "sintamais, pense menos" ou a abordagem do "aprenda mais e sofra".

Ambas as escolas ignoraram a importância de se desenvolverem obje-tivos para os cursos que enfatizem a importância da teoria, particularmenteo relacionamento entre a mesma e os fatos. É importante que os estudantescompreendam o relacionamento crucial entre a teoria e os fatos por umasérie de motivos. O mais óbvio deles é que a teoria representa a estruturaconceituai que medeia os seres humanos e a natureza objetiva da realidadesocial mais ampla. Ainda mais importante, as estruturas teóricas, quer cons-cientes ou não, operam como um conjunto de filtros através dos quais aspessoas vêem as informações, selecionam fatos, definem problemas, e fi-nalmente desenvolvem possíveis soluções para estes problemas. Colocadode maneira simples, é a teoria que permite que estudantes, professores eoutros educadores vejam o que estão vendo. O que não é tão óbvio é quea teoria faz mais do que estruturar nossa seleção dos fatos que moldamnosso mundo. A teoria também desempenha papel vital na reprodução deuma realidade que inclui as suposições tácitas de senso comum acerca dasociedade e da história.10 O ponto aqui é que a teoria é responsável pelaseleção e também pela criação dos fatos, e muitas vezes as frágeis suposi-ções ideológicas sobre as quais estes fatos se constróem são bastantequestionáveis. A teoria, no sentido mais geral, é crucial para quase todas asetapas do pensamento, não apenas porque nos ajuda a ordenar e selecio-

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nar os dados, mas também porque nos fornece os instrumentos conceituaiscom os quais questionar os próprios dados. Se ensinarmos os estudantes areconhecer que as estruturas teóricas e os fatos são parte inseparável doque chamamos conhecimento, o primeiro passo será dado para ajudá-los aavaliarem sua própria estrutura teórica, bem como irem além da tarefainistificadora e limitante de tratar as informações através do uso de classifi-cações, descrições e generalizações simples. Ainda mais importante é que,neste caso, o conhecimento para o estudante é concebido como mais doque uma "representação neutra do fato".11

Se diferentes modelos teóricos geram maneiras distintas de definir-se oconhecimento, então deveria ficar claro que o conhecimento não é o fimdo pensamento, mas sim o laço mediador entre estudantes e professores.Como tal, o conhecimento deveria ser tratado como problemático, e, assim,como objeto de investigação. Isto não significa sugerir que se deva dar omesmo peso a todo o conhecimento e a todos os modelos teóricos. Estaúltima abordagem é precisamente a armadilha em que caem muitos mem-bros da escola de objetivo humanista.12 Uma vez que se desenvolvam obje-tivos que permitam aos estudantes compreenderem que existe um laçoentre os fatos e os valores, então a questão de como a informação é seleci-onada, arranjada e seqüenciada para construir e interpretar uma visão darealidade assume uma dimensão axiomática. Em outras palavras, o relacio-namento entre teoria e fatos pocle ser visto como mais do que uma opera-ção cognitiva, uma tarefa técnica destituída de ideologia e de valores. Estaúltima relação deve ser vista como sendo um processo ideológico funda-mental para a questão de como nossas crenças e sistema de valores sãousados na formação cie nosso mundo.

Um outro ponto em comum compartilhado pelas escolas de objetivohumanista e behaviorísta gira em torno da noção de capital cultural. Ocapital cultural refere-se aos atributos cognitivos, lingüísticos e dispositivosque os diferentes estudantes trazem às escolas. Ambas as escolas deixaramde analisar a importância do relacionamento entre os objetivos da sala deaula e o capital cultural. Os recentes trabalhos de Bordieu e Bernsteínsugerem que crucial para o desenvolvimento de relacionamentos sociaisProgressistas nas salas de aula é a abertura de canais de comunicação quepermitam que os estudantes usem aquelas formas de capital lingüístico ecultural através das quais dão significado as suas experiências cotidianas.1-"1

Se os estudantes forem submetidos em sala de aula a uma linguagem e aum conjunto de crenças e valores cuja mensagem implícita é a de que sãoculturalmente analfabetos, os mesmos aprenderão pouco a respeito do pen-samento crítico, e muito a respeito do que Freire chama de "cultura dosilêncio".14

Uma nova abordagem ao desenvolvimento dos objetivos dos cursosdeve ir além das limitações das escolas de objetivo humanístico e behaviorista.O ponto de partida para tal tarefa é ver o conhecimento educacional como

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um estudo na ideologia, no qual levantem-se questões acerca das assimchamadas suposições compartilhadas e incorporadas no conteúdo, imple-mentação e avaliação da organização dos cursos. Esta última tarefa sugereo uso de novos termos para desenvolver e classificar objetivos que sirvampara elucidar o laço entre o conhecimento socialmente construído e a apren-dizagem escolar. O modelo para o desenvolvimento de objetivos dos cur-sos que está prestes a ser apresentado se estrutura em torno de dois concei-tos, rotulados de macro-objetivos e micro-objetivos. Após defini-los e explicá-los, farei um comentário sobre a função latente cia escolarização, um dosmais importantes pontos em comum que impediu as escolas humanística ebehaviorista de irem além das limitações de suas respectivas posições.

Os macro-objetivos são destinados a fornecer os blocos teóricos deconstrução que permitirão aos estudantes estabelecerem conexões entre osmétodos, conteúdo e estrutura de um curso e sua importância para a reali-dade social mais ampla. Com efeito, o que estes conceitos fazem é atuarcomo conceitos mediadores entre as experiências escolares dos estudantes,de cunho cognitivo bem como não cognitivo, e suas vidas fora da sala deaula. Utilizando tais conceitos, os estudantes deveriam ser capazes de ana-lisar o conteúdo, valores e normas do curso em relação aos fins que elespretendem ou poderiam servir. Em termos gerais, os macro-objetivos inclu-em o seguinte: diferenciar o conhecimento diretivo do produtivo, explicitaro currículo oculto e ajudar os estudantes a desenvolverem uma consciênciacrítica e política.

Os micro-objetivos geralmente representam os objetivos de curso tra-dicionais. Normalmente são limitados pela especificidade ou estreiteza deseu propósito, o qual é moldado pela singularidade do curso que são des-tinados a servir. Em outras palavras, os micro-objetivos consistem daquelasconcepções impostas que constituem o núcleo de uma dada disciplina edefinem seu curso de investigação. Em combinações variadas, a maior par-te dos cursos incluem muitos dos seguintes micro-objetivos: a aquisição deconhecimento selecionado, o desenvolvimento de habilidades de aprendi-zagem especializadas e o desenvolvimento de habilidades de investigaçãoespecíficas. Os pontos fortes e fracos destes micro-objetivos foram muitasvezes analisados por outros educadores; o que está em questão não é tantoa validade destes objetivos específicos e sim seu relacionamento como con-junto de objetivos limitados com um conjunto mais amplo de objetivos, osmacro-objetivos. Conseqüentemente, são os macro-objetivos, mais do queos micro-objetivos, que merecem análise.

A importância do relacionamento entre os macro e micro-objetivosprovém da necessidade de esclarecer para os estudantes quais são as cone-xões entre os objetivos dos cursos e as normas, valores e relações estrutu-rais enraizadas na dinâmica da sociedade estabelecida. Os macro-objetivosservem especificamente como conceitos mediadores que elucidam o signi-ficado e a importância que os micro-objetivos poderiam ter em relação às

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estruturas sócio-políticas que existem fora da sala de aula. Em suma, oslT,icro-objetivos são destinados a fornecer um paradigma que permita que' s estudantes questionem o propósito e valor dos micro-objetivos, nãopenas na medida em que se aplicam a um determinado curso, mas tam-

bém 3- sociedade mais ampla. Um destes macro-objetivos importantes giratorno de ajudar os estudantes a fazerem uma diferenciação entre as

noções de conhecimento diretivo e produtivo.O conhecimento produtivo está principalmente preocupado com os

iieios; a aplicação deste tipo de conhecimento resulta na reprodução debens é serviços materiais. Assim, o conhecimento produtivo é instrumentalno sentido cie inovar os métodos tecnológicos e científicos. O conhecimen-to diretivo é um modo de investigação destinado a responder questões quenão podem ser respondidas pelo conhecimento produtivo; ele está relaciona-do com questões especulativas em torno do relacionamento entre meios efins. O conhecimento diretivo é um modo filosófico de investigação noqual os estudantes questionam o propósito do que estão aprendendo. Éum conhecimento que questiona como o conhecimento produtivo deve serusado. O conhecimento diretivo formula as questões mais importantes parao aperfeiçoamento da qualidade de vida porque ele pergunta: 'Tara quefim?"

A importância deste macro-objetivo não pode ser exagerada. Se o co-nhecimento for reduzido à mera organização, classificação e computaçãodos dados, então não se questiona seu propósito e ele poderá ser usadopara fins estabelecidos por outras pessoas. Nestas circunstâncias, nega-seaos estudantes e também professores a oportunidade de examinarem oconhecimento de maneirta crítica e a conformidade social e política aca-bam disfarçadas de pedagogia "aceitável". Para que os estudantes reconhe-çam a importância da aplicação sócio-política do conhecimento, eles terãoque aprender a abordá-lo pela perspectiva de discernimento tanto do pon-to de vista produtivo quanto diretivo. Esta perspectiva se aplica não somen-te ao conteúdo dos cursos, mas também à metodologia e estrutura. O teó-rico social Max Horkheímer reconheceu vigorosamente a importância destaperspectiva quando assinalou que a natureza da verdade não pode serdescoberta através de uma metodologia que ignore a questão dos fins.1"

Além cie Horkheimer, filósofos desde Platão a Gramsci acertadamentealegaram que o conhecimento deveria desempenhar um papel emancipadorao proporcionar aos estudantes uma unidade, lógica e sentido de direçãoque lhes permita considerar todas as implicações do que lhes é ensinado,dentro ou fora da escola. Utilizando a classificação de conhecimento diretivo-Produtivo, os estudantes serão capazes de reconhecer que o conhecimentotem uma função social que vai além da meta de dominar uma certa discipli-na acadêmica. Como resultado, o inter-relacionamento entre conhecimentoe ação social torna-se possível para os estudantes. Fromm definiu o ínter-relacionamento entre o conhecimento e a ação social da seguinte maneira.

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O inter-relacionamento entre a atenção e o conhecimento foi muitas vezes adequada-mente expresso em termos do inter-relacionamento entre a teoria e a prática. Comoescreveu Marx uma vez, não se deve apenas interpretar o mundo, mas também mudá-lo. Sem dúvida, a interpretação sem intenção de mudança é vazia; a mudança seminterpretação é cega. Interpretação e mudança, teoria e prática não são dois fatoresseparados que podem ser combinados; eles estão inter-relacionados cie tal forma queo conhecimento torna-se fertilizado pela prática e a prática é orientada pelo conheci-mento; ambas teoria e prática mudam sua natureza uma vez que tenham deixado deestar separadas.16

Se Frornm for levado a sério, a preocupação com o conhecimentotorna-se viável em termos pedagógicos somente quando tal conhecimentoé testado com um fim explícito em mente. Longe de ser determinista, aimportância desta posição é que ela deixa clara a necessidade de que oseducadores desenvolvam objetivos que ajudem os estudantes a analisarema interação e tensões sociais complexas que surgem entre as questões refe-rentes aos meios e fins. Tal análise permitiria que os estudantes abordassemsuas vidas diante do problema da ação perguntando a si mesmos: "Qual ajustificativa moral para esta ação?" A perspectiva de conhecimento diretivo-produtivo oferece uma possível abordagem a esta questão.

Um macro-objetivo igualmente importante gira em torno de tornarexplícito o currículo oculto tradicional. O currículo oculto aqui refere-seàquelas normas, valores e crenças não declaradas que são transmitidas aosestudantes através da estrutura subjacente de uma determinada aula. Umvolume substancial de pesquisas sugere que o que os alunos aprendem naescola é moldado mais pelo currículo oculto, o padrão subjacente de rela-cionamentos sociais em sala de aula e na escola como um todo. do quepelo currículo formal.17 Além disso, o currículo oculto muitas vezes atua emoposição às metas declaradas do currículo formal, e, em vez de promoveruma aprendizagem efetiva, ele enfraquece a mesma. Em tais condições, asubordinação, conformidade, e disciplina substituem o desenvolvimentodo pensamento crítico e relações sociais como características básicas daexperiência escolar.18 Embora o currículo oculto não possa ser completamenteeliminado, suas propriedades estruturais podem ser identificadas e modifica-das para criarem-se condições que facilitem o desenvolvimento de méto-dos e conteúdos pedagógicos que ajudem a tornar os estudantes indivídu-os ativos em sala de aula em vez de simplesmente objetos recipientes. Aoconscientizar estudantes e professores do currículo oculto como este temtradicionalmente operado, ambos os grupos podem desenvolver uma com-preensão de seus componentes e efeitos e trabalhar para obter mais discer-nimento sobre ele. Uma vez que o currículo oculto tenha se tornado evidente,estudantes e professores estarão mais sensíveis para reconhecer e alterarseus piores efeitos, podendo trabalhar para construir novas estruturas, méto-dos e relacionamentos sociais nos quais as normas e valores subjacentes emsala de aula operem para promover aprendizagem mais do que ajustamento.

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Um terceiro macro-objetivo gira em torno de ajudar os estudantes aDesenvolverem uma consciência crítica e política. O suporte a esta posição

uma longa história, e pode ser encontrado nos escritos dos gregos-Os. Para eles, o teste final do sistema educacional era a qualidade

e política dos estudantes que produzia. Ao comentar sobre a noção're«a de política e educação, Iglitzín argumenta que "a concepção grega do

nensamento político concentrava-se em torno da noção de que os concei-[os de educação, virtude e participação política estão inextrincavelmenterelacionados. Assim, a educação no sentido grego deve incluir as alegrias eresponsabilidades da participação cívica completa".19 O desenvolvimentocie um macro-objetivo que procure perpetuar uma consciência crítica enolítica nos estudantes apóia-se em uma suposição compartilhada por Kant,o qual disse que os jovens "não deveriam ser educados para o presente,mas para uma melhor condição futura da raça humana, isto é, para a idéiade humanidade".20 As implicações políticas da afirmação de Kant devemficar claras. O ponto é que este objetivo não significa enfatizar-se o conteú-do político no sentido mais literal do termo, mas sugere que se ofereça aosestudantes uma metodologia que lhes permita olhar para além de suasvidas particulares para obter uma compreensão das bases políticas, sociaise econômicas da sociedade mais ampla. Político, neste sentido, significapossuir os instrumentos cognitivos e intelectuais que permitam uma partici-pação ativa em tal sociedade.

Uma abordagem deste macro-objetivo aponta para o ensino do signifi-cado e importância da noção de sistema de referência. Ao serem conscien-tizados de que todos têm um sistema de referência, operando conscienteou inconscientemente, os estudantes terão a oportunidade de desenvolveruma estruturação teórica na qual possam ordenar suas experiências e reco-nhecer a base social de suas percepções. Markovic, o notável filósofo iu-goslavo, relaciona diretamente o crescimento de uma consciência políticacrítica e o desenvolvimento de uma estrutura de referência, isto é, visão demundo:

A visão de mundo ajuda a trazer para a consciência o que somos por hábito inconsci-ente. Se a teoria for válida, ela aumenta nosso conhecimento acerca cie nós mesmos ede nosso agir, permite-nos controlar nossas próprias forças e refletir sobre elas críticae racionalmente, e aperfeiçoar nossa maneira futura de agir. Se for verdade que segui-mos certas regras sempre que nossa atividade é bem organizada e dirigida a algumameta, então a ignorância destas regras é uma forma específica de alienação.21

A importância dos estudantes se conscientizarem de seu próprio siste-^a de referência assume um significado adicional quando este sistema dereferência é informado por um modo de raciocínio que os auxilia a relacio-nar o pessoal e o social; em outras palavras, uma epistemologia que osajude a reconhecer a natureza social, e, portanto, política do pensar e cioa8ir. A suposição por trás desta posição é que o conhecimento é um fenô-

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meno político-social que pode ser mais significativamente estudado exami-nando-se a rede de conexões na qual ele está inserido. Esta posição repre-senta a utilização de uma metodologia que enfatize a conexão entre osvalores e os fatos, bem como a percepção do conhecimento através datentativa de compreender seus laços causais, isto é, a rede de relações quelhe emprestam significado. Para que os estudantes desenvolvam uma cons-ciência política, deve ficar claro para eles que a escola é um processopolítico, não apenas porque contém uma mensagem política ou trata detópicos políticos de ocasião, mas também porque é produzida e situada emum complexo cie relações políticas e sociais das quais não pode ser abstra-ída. Conseqüentemente, os estudantes devem ter a oportunidade tanto decompreender a natureza política do processo de ensino quanto de usá-locomo um modelo microcósmico no qual possam aplicar a crítica e análiseque se mostrarão benéficas quando deixarem a escola e ingressarem nasociedade mais ampla. Deste ponto de vista, este macro-objetivo deveriaajudar a gerar nos estudantes um desejo de combinar o pensamento analí-tico e reflexivo com várias formas de interação social em sala de aula.Refletindo sobre a origem de tal objetivo, Kohlberg salientou que "istosignifica que a própria sala de aula deve ser vista como uma arena na qualo processo político e social acontece em urn microcosmo".22

Em conclusão, os macro-objetivos oferecem um sistema de classifica-ção destinado a ajudar estudantes e professores a irem além das noções deaprendizagem limitadas pelos parâmetros de uma determinada disciplinaou curso. Ainda mais importante, a distinção entre macro e mícro-objetivospermite que os educadores usem objetivos diversos a fim de explorar orelacionamento entre as experiências escolares dos estudantes e as forçassócio-políticas que moldam a cultura dominante. Por exemplo, o modelode macro e micro-objetivos permitiria que professores que não concordamtotalmente com a posição behaviorista dos objetivos selecionem objetivosbehavioristas como micro-objetivos, e ao mesmo tempo possam usar ou-tros tipos de objetivos como macro-objetivos. A flexibilidade desta aborda-gem não apenas torna mais fácil avaliar a efetividade dos diferentes tiposde objetivos educacionais, como também assegura que qualquer organiza-ção de cursos seja baseada em uma abordagem que ligue diferentes formasde aprendizagem com normas e valores socialmente construídos. Os edu-cadores devem superar a esquizofrenia teórica que atualmente caracteriza omovimento dos objetivos. Somente então aproximar-se-ão do desenvolvi-mento de objetivos dos cursos destinados a fomentar as experiências edu-cacionais de seus alunos, que elucidarão a riqueza política e complexidadesocial da interação entre o que é aprendido na escola e a experiência davida cotidiana.

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ÍÍt§termo escolas como utilizado neste capítulo não deveria sugerir posições teóricas fixaslíSv'-'d* s dentre os dois movimentos analisados ou dos muitos movimentos marginais queSfêS1 posição no estabelecimento de objetivos dos cursos. Os vários movimentos repre-iSfi?"1 as escolas no sentido de que seus membros compartilham de suposições fundamen-jfÇ^ Desnecessário dizer que embora existam realmente diferenças entre os membros dasS^?' «vás escolas, tais diferenças têm menor peso do que suas concordâncias. Uma visãotf^ssante das escolas de objetivo humanista e behaviorista pode ser encontrada em LeonardBv^rfner "Humanistic Education and Behavioral Objectives: Opposing Theories of Educationaif^H • e" ScboolReview (Maio 1971): 376-94. Ver também Davicl R. Krathwohl e Davíd Payne,f^C!en ia Educationai Objectives", em Educationai Measurement, Robert L. Thorndike, ed.(Washington. D.C.: AGE, 1971), pp. 17-45.

•7 Uni exemplo evidente disso pode ser encontrado em W James Popham, "Probing theValiditv of Arguments against Behavioral Goals", Behavioral Objectives and ínstruction, ed.Robert I. Kibler et ai. (Boston: Allyn e Bacon, 1970), pp. 115-16. Ao defender a posição deobjetivo behaviorista, Popham fez a seguinte declaração, "contudo, como partidário nacontrovérsia, eu preferiria apoio unânime da posição que defendo. Vejam vocês, as outraspessoas estão erradas. Aderindo a um princípio filosófico de que o erro é mau, detesto vermeus amigos chafurdarem no pecado".

3. Michael W. Apple, "The Adequacy of Systems Managememnt Procedures in Educationand Alternatives", em Perspectives on Management Systems Approaches in Education, AlbertH. Yee ed. (Englewood Cliffs, N.J.: Educationai Technology Publícations, 1973), pp. 97-110;também ver Maxine Greene, "Curriculum and Consciousness", em Pinar, CurriculumTheorizing, p.304.

4. jean Bethke Elshtain, "Social Relations in the Classroom: A Moral and Polítical Perspective",Telos (Primavera 1976): 97-100.

5. O relacionamento entre o currículo formal e oculto é explorado em Giroux e Penna,"Social Relations in the Classroom".

6. Uma compreensão mais completa desta posição pode ter mais êxito examinando-se suaraízes históricas. Que eu saiba, o melhor livro no assunto é o de Raymond Callahan, Educationand the Cult ofEfficiency (Chicago: University of Chicago Press, 1962).

7. M. Greene, "Curriculum and Consciousness", p. 299.

8. Michael F. D. Young, "Knowledge and Control", Knowledge and Control, p.10.

9. Apple, "Curriculum as Ideological Selection", pp. 210-11.

10. Para um tratamento sofisticado do relacionamento entre teoria e "fatos", ver MaxHorkheimer, Criticai Theory (New York: Seabury Press, 1972), pp. 188-244.

H. Trent Shroyer, "Towarcl a Criticai Theory for Advanced Industrial Society", em RecentSociology 2, ed. Hans Peter Dreitzel (London: Collier-Macmillan, 1970), p. 211.

12. Russel jacoby, Social Amnésia (Boston: Beacon Press, 1975), p. xviii.

13. Bernstein, Class, Codes and Control, vol. 3; também ver Bourdieu e Passeron, Reproduction.

1-í. Paulo Freire, Education for Critica! Consciousness (New York: Seabury Press, 1973), PP-

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15. Max Horkheimer, Eclipse ofReason (New York: Seabury Press, 197-1), p.73.

16. Erich Fromm, Bcyoncl lhe Chain oflllusion (New York: Holt, Rínehart & Winston, 1968).

p. 173.

17. Discussões cio currículo oculto podem ser encontradas nas seguintes fontes: Jackson,Life in Classrooms; Dreeben, On Wbat ís Learned in Schools; Overly. The UnstudieclCurriculum.

18. Bowies e Gintis, Schooling in Capitalist America, pp. 131-48.

19. Lynne B. Iglitzin, "Political Education and Sexual Liberation", Politics and Socíety 2 (In-verno 1972): 242.

20. Herbert Marcuse, Counter-Revolution and Reuolt (Boston: Beacon Press, 1972), p.28.

21. Mihailo Markovic, From AffJuence to Praxis (Ann Arbor: University of Michígan Press,1974), p.23.

22. Lawrence Kohlberg, "Moral Development and the New Social Studies", Social Education37 (Maio, 1973): 371.

5Escrita eCrítico nos

HENRYA.GIROUX

General, um homem é bastante descartável. Elo pode voar e elepode matar. Mas ela tem um defeito: ele sabe pensar.Bertold Brecht.

E m um palestra recente sobre escrita perante o Conselho Nacional dProfessores de Inglês, o romancista Jerzy Kosinski afirmou que cestudantes não eram "verbais; eles não eram capazes de descrever

que liam, não sabiam descrever suas próprias emoções". Kosinski elaboroseu ponto argumentando que a cultura americana predominante amorteca consciência e pensamento individual. Implícita na acusação de Kosinslestá a suposição de que existe uma relação entre escrita e pensamentoMais especificamente, a escrita pobre reflete um pensamento pobre, eque os professores muitas vezes encaram simplesmente como um "erro" descrita na verdade é o reflexo de um erro no próprio pensamento.

O propósito deste capítulo é examinar as suposições teóricas tradicicnais a respeito da pedagogia da escrita e do pensamento crítico. Alérdisso, este capítulo tenta não apenas mostrar que a pedagogia da escritado pensamento crítico estão dialeticamente ligadas, mas também ilustrecomo a pedagogia da escrita pode ser usada como veículo de aprendiz;gem que auxilie os estudantes a aprender e pensar criticamente a respeítde qualquer assunto de estudos sociais.

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OS PROFESSORES COMO INTELECTij

Abordagens Tradicionais da Escrita

A história das últimas décadas indica que as abordagens tradicionais dapedagogia da escrita não funcionam.1 Parte deste fracasso pode estar ligadoao que Van Nostrand chama de estado primitivo da arte de ensinar a escre-ver. Como assinalaram Van Nostrand e outros, o ensino tradicional da escri-ta tem sido dominado por diversas suposições poderosas, porém engano-sas, que reduziram o ensino da escrita a uma pedagogia predominantemen-te metodológica e provinciana, isto é, uma pedagogia tecnocrática.2

Uma suposição é que a escrita deve ser ensinada exclusivamente porprofessores cie inglês. As evidências são bastante claras neste ponto. Emtodos os níveis de educação, o ensino da escrita se dá exclusivamentedentro dos domínios dos departamentos de inglês, ou então é realizadobasicamente por professores de inglês. Além disso, a maior parte da pesquisae das publicações a respeito do ensino da escrita são dirigidas exclusivamenteàs pessoas dos departamentos de inglês. Outras suposições decorrem damonopolização da pedagogia da escrita por professores de inglês. As maisimportantes incluem: (1) sabe-se muito acerca da pedagogia da escrita; (2)os professores de inglês, em virtude de seu treinamento, ocupam posiçãoprivilegiada para o ensino da escrita; e (3) o ensino da escrita é uma habi-lidade pouco relacionada com a aprendizagem de outras matérias.

Todas estas suposições precisam ser examinadas, mas apenas recente-mente é que elas foram questionadas e substituídas por uma compreensãomais precisa do que constitui a escrita em termos gerais e específicos. Alémdisso, foi somente durante a última década que as definições revisionistasda escrita foram relacionadas com estratégias de aprendizagem compará-veis.3 Contudo, antes de prosseguirmos para a definição destas novas abor-dagens do ensino da escrita, gostaria de elucidar algumas das idéias tradici-onais acerca do tema através do exame de três "escolas" predominantesque continuam a capitalizar e reproduzir noções errôneas a respeito danatureza e pedagogia da escrita.

As três principais escolas que atualmente dominam o ensino da escritasão o que defino como (1) a "escola tecnocrática", (2) a "escola mimética",e (3) a "escola romântica". Deve-se notar que existem outras escolas deensino que, em alguns casos, representam abordagens novas e progressis-tas da escrita, mas estas são poucas e não são representativas do campo.Além do mais, é essencial enfatizar que as três escolas sob exame represen-tam tendências e não posições teóricas fixas.

A escola tecnocrática é a mais influente e também a mais conhecidadas três. A abordagem desta escola é puramente formalista e caracterizadapor ênfase exclusiva às regras, exortações quanto ao que fazer e não fazeiquando se escreve. Escrever, neste caso, é visto como um ofício, uma ques-tão de técnica que começa pela ênfase à gramática e termina pela ênfase acoordenação e desenvolvimento de estruturas sintáticas mais amplas. A

única e mais importante suposição teórica que orienta a abordagem tecrática é a de que a escrita é um artefato, o aprendizado de uma séri ^°~habilidades que variam desde codificações gramaticais simples até conj ^e

cões sintáticas complicadas. Os devotos deste grupo variam desde os uf u~

rios ferrenhos da gramática inglesa e de textos de composição tradicicv^"até os defensores avant garde dos muitos textos sobre gramíu.ais

transformativa. lca

No cerne da abordagem tecnocrática está o fracasso em embas^pedagogia da escrita em uma estrutura conceptual que permita que;estudantes façam conexões entre o que Vygotsky chamou de discurso ir}te_rior e discurso escrito elaborado.4 Tais conexões envolvem uma ligaçãoentre as percepções subjetivas internalizadas pelos estudantes e Suaobjetivação destas experiências para um determinado público. Em suma, aescola tecnocrática deixou de compreender uma dimensão poderosa doprocesso de escrita, dimensão na qual a escrita funciona tanto como meioestruturado para a produção de conhecimento quanto como meio de cons-truir-se o pensamento lógico. O que a escola tecnocrática falha em perce-ber é que escrever é um processo, um modo singular de aprendizagem quecorresponde a estratégias de aprendizagem poderosas que examinam orelacionamento entre o leitor, o assunto e o escritor. Conseqüentemente, aescrita como forma de práxis, como um modo de estruturar a consciência,é vista simplesmente como uma habilidade técnica, reduzida a uminstrumentalismo simplista, grosseiro, divorciado do conteúdo, icleação efundamentos normativos.

Felizmente, durante os últimos anos, surgiram muitas pesquisas queindicam que o ensino da gramática formal não tem qualquer efeito noaperfeiçoamento da escrita, ou então tem um efeito negativo.5 Infelizmente,embora estas pesquisas sirvam para solapar suposições essenciais da escolatecnocrática, a popularidade desta última continua intacta, principalmentecom o crescimento recente do movimento de retorno aos fundamentos naeducação. Ainda mais desalentadoras são as pesquisas que indicam que,embora existam alguns manuais educacionais sobre escrita, os quais apa-rentemente estabelecem uma ligação entre a escrita e o pensamento, amaior parte destes manuais "versam sobre a organização e transcrição cioPensamento, e não do pensar".6

A escola mimética oferece uma perspectiva muito diferente, mas nãornenos enganosa, tanto do processo quanto da pedagogia da escrita. AoJnvés de começar de baixo para cima ensinando gramática e sintaxe, osrepresentantes deste grupo começam de cima, fazendo com que os estu-dantes leiam os trabalhos de autores de "prestígio", desde Platão até NormanMailer. A escola mimética supõe que os estudantes aprendem a escreveratravés da leitura de livros que servem como modelos de boa escrita. Infe-'Zmente, resta explicar como esta abordagem funciona. Ela parece operar a

Partir de uma versão do princípio "osmótico". Assim, se os estudantes lê-

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OS PROFESSORES COMO )

rem Hemingway, Vidal e outros autores o suficiente, eles aprenderão aescrever como resultado de um processo de assimilação.

Em uma conferência sobre o ensino da escrita proferida no Centro dePós-oraduação da Universidade da Cidade de Nova York, Susan Sontag eFrancine du Plessix Gray reiteraram o valor da abordagem mimética daescrita. Sontag argumentou que deveria-se ensinar os estudantes a pensarantes de escrever; uma maneira de aprender a pensar, assim como aprendera escrever, seria através da imitação de bons escritores, "que poderiam serministrados em pequenas doses - um parágrafo ou uma página - e entãoimitados pelos estudantes".7 Francine du Plessix Gray reiterou a sugestãode Sontag, pedindo aos professores que façam seus alunos lerem atenta-mente "Orwell, Agee, e a prosa de Walt Whitman".8 É possível que estaabordagem familiarize os estudantes com obras literárias importantes, masseu valor como técnica de escrita é seriamente limitado. O declínio dacapacidade de escrever nos últimos anos é tão perceptível entre graduandosde literatura inglesa quanto entre estudantes de outras disciplinas.9

Embora Sontag e outros autores vejam uma conexão entre o pensar eo escrever, a transição do primeiro para este último não pode ser feitaatravés de um ato do destino. A leitura das obras de autores de prestígionão garante que seremos capazes de pensar ou escrever melhor. Ironicamen-te, a abordagem mimética parece reforçar este último ponto com seu argu-mento um tanto superficial de que existem bons escritores e maus escrito-res, e dadas as condições adequadas os bons escritores irão florescer. Emtermos populares, isto se traduz na noção calvinista cie que "algumas pes-soas têm a coisa e outras não". Evidentemente, num nível mais sutil, estaposição também rejeita a necessidade de uma pedagogia cia escrita. Escre-ver neste caso não tem base pedagógica, e sim, biológica. Não se ensina aescrever; simplesmente se fornece um lugar para que os estudantes escre-vam.

Uma terceira abordagem da escrita, a escola romântica, apóia-se napremissa de que existe um relacionamento causai entre fazer com que osestudantes "sintam-se bem" e aperfeiçoar sua capacidade de escrever. Escre-ver neste caso é visto como o produto cie uma descarga catalítíca de emo-ções de alegria. Os proponentes desta escola baseiam-se em grande parteem um grupo isolado de pensadores tais como Gari Rogers, Abraham Maslowe Gordon Alport, cujas raízes encontram-se na tradição de aconselhamentopessoal existencial. Conhecidos como grupo pós-freudiano, seus proponentesrejeitam o pessimismo dos existencialistas do início do pós-guerra e enfatizamuma crença otimista no valor da capacidade cie crescimento e auto-realíza-ção do indivíduo. Infelizmente, aqueles que apoiam a posição pós-freudianano campo do inglês, tais como Sidney B. Simon e George E. Newell, acei-tam sem restrições as suposições teóricas sobre as quais esta posição sebaseia. Por motivos cie clareza, faz-se necessário fornecer uma análise su-cinta de algumas das mais importantes suposições da posição pós-freudiana. '

Para os pós-freudianos, o indivíduo parece existir em umrelações interpessoais desimpedidas, onde sua auto-realização é cont^ ̂apenas pelos limites da vontade individual e pela liberação pessoar rfrustração. O que os pós-freudianos ignoram são as realidades externas ^medeiam entre os desejos do indivíduo e a realização destes deseios Dmaneira semelhante, eles deixam de reconhecer que o sucesso não é simples-mente uma questão de vontade, transpondo magicamente as barricadas de"algodão" do mundo real. Na verdade, o "sucesso" representa a capacidadede lidar concretamente com as forças sócio-políticas que geram dúvidaconflito, angústia, e a possibilidade de cometer erros. O ponto aqui é que afelicidade e a vontade humana por si só perdem o significado quando nãosão avaliadas através de uma perspectiva teórica que as situe e analisedentro de circunstâncias sócio-históricas concretas. A sensibilidade paracom os sentimentos não é desculpa para uma indiferença em relação àsforças sociais mais distantes que definem o imediato, o imediato sendo,neste sentido, a sala de aula e os relacionamentos sociais cotidianos doencontro educacional.11

O problema básico da escola romântica é que ela dá ênfase excessivaà importância do "eu interior". A ênfase excessiva à necessidade do estu-dante de reconhecer o "eu interior" ignora a natureza objetiva de umapedagogia da escrita que tem suas próprias leis, as quais têm que ser ensi-nadas e não podem ser intuitivamente compreendidas por estudantes quetêm a oportunidade de regozijarem-se expressivamente na afirmação desentimentos "positivos". Esta última crítica não pretende solapar a impor-tância da dimensão afetiva como fator motivacional no ensino da escrita. Omodo afetivo é necessário, mas ao mesmo tempo é incompleto. É precisoum salto de confiança para alegar que existe uma correspondência de umpara um entre os estudantes "sentirem-se bem" e sua capacidade de escre-ver bem. "Sentir-se bem" não é substituto de uma abordagem sistemática daaprendizagem de uma pedagogia consistente e desenvolvida da escrita, aqual ajude os estudantes a compreenderem o que acontece quando escre-vem. Quando a dimensão interpessoal transforma-se em um substituto as-sim, ela parece traduzir-se no inverso de seu objetivo declarado e terminacomo um "sinta mais e pense menos".12

Todas estas escolas de pedagogia compartilham de um mesmo erro, o^ual tem tido influência considerável no sentido de impedir o desenvolvi-mento de uma nova abordagem à teoria e prática da escrita. Todos estesgrupos deixam de examinar a questão do que acontece quando se escreve.Assim, a noção de escrita tanto como processo interdisciplinar quantoePistemologia, capaz de ensinar os estudantes a pensarem crítica e racio-nalmente sobre um assunto, não pode ser ignorada.

Epistemologicamente, o escrever deve ser visto mais como um proces-s° dialético do que como uma habilidade instrumental. Enquanto habilida-

instrumental, a escrita limita-se a uma preocupação estática com catego-

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rias retóricas tradicionais, tais como argumento, exposição, narração e usoda gramática. Estas categorias deixam de fornecer, como assinalou Britton,uma compreensão do que está envolvido no processo de escrever.13 Umaabordagem dialética examinaria o processo de escrever como uma série derelações entre o escritor e o assunto, entre o escritor e o leitor, e entre oconteúdo e o leitor. Em termos gerais, tal abordagem da escrita significariaconsiderar a mesma em seu relacionamento mais amplo com os processosde aprendizagem e comunicação. Neste caso, aprender a escrever não sig-nificaria aprender a desenvolver um sistema de elocução instrumental, mas,como disse o Dr. Carlos Baker, significaria aprencter a pensar.14 Neste caso,a escrita é uma epistemologia, um modo de aprender.

Colocado de maneira mais precisa, a noção de escrita como modo deaprender tem que ser distinguida cia noção geral de comunicação. Como aoescrever, quando falamos nós aprendemos mais acerca do que queremosdizer simplesmente dizendo-o. Aprendemos ao falar. O mesmo se aplica àescrita, aprendemos ao escrever. A correlação parece óbvia e natural; entre-tanto, é tanto enganosa quanto incorreta. Embora as duas formas de comu-nicação envolvam aprender mais sobre um determinado assunto, as leisque governam a comunicação oral são muito diferentes daquelas que go-vernam a comunicação escrita. Na comunicação oral, o relacionamentoentre o falante e o ouvinte baseia-se em um número cie estímulos existen-ciais, tais como expressões faciais, altura e entonação, intensidade emocio-nal, e, em alguns casos, sinais táteis como o toque. Além disso, caso oouvinte esteja confuso, pode-se parar o falante e pedir esclarecimentos. Acomunicação escrita não dispõe de tais luxos. A relação do escritor com oleitor é muito mais tênue, e mantém-se pela promessa daquele em oferecera este informações importantes e interessantes. Semelhante a uma boa obrade arte, a boa escrita exige uma integração de forma e conteúdo, cujaqualidade mantenha a atenção do leitor. Infelizmente, o que ocorre muitasvezes é que o escritor promete uma coisa ao leitor e termina dando outra.Van Nostrand colocou bem o problema.

O relacionamento essencial entre escritor e leitor é um contrato: um contrato unilate-ral que o escritor faz. O escritor contém a promessa de transmitir algo de valor, algumtipo de informação, em troca da atenção cio leitor. Mas o escritor tende a violar estecontrato simplesmente ao escrever. O leitor espera o que foi prometido, mas recebeuma outra coisa em seu lugar, o que é um registro das tentativas do escritor cie estabe-lecer aiguma relação fugidia, incluindo, muitas vezes, tentativas inválidas, afirmaçõesimprováveis, referências confusas aos antecedentes, grupos de palavras transpostos emetáforas ambíguas. Estes são sinais normais do processo de aprendizagem normaldo escritor. Para o leitor, contudo, eles são rodeios em torno do que se prometeu.15

A diferenciação entre a comunicação oral e escrita marcou o primeiropasso de um número crescente de intelectuais como Emig, Freire, VanNostrand e Vygotsky na redefinição do que constitui a pedagogia da escri-ta. Descartando a noção de escrita como exercício no domínio de técnicas.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 97

este grupo fez avanços significativos no desenvolvimento de estratégiasteoricamente informadas, nas quais a escrita é definida como um relaciona-mento ativo que medeia entre o assunto e o mundo. Mais especificamentetal relacionamento tem implicações importantes tanto na forma quanto noconteúdo da aprendizagem, principalmente com respeito ao conceito depensamento crítico. É através do exame do que constitui o pensamento críti-co que as implicações de uma nova abordagem da escrita serão exploradas.

a do Crítico

A título de esclarecimento, devo salientar que não é meu propósito forne-cer um tratamento aprofundado do que constitui o pensamento crítico.Essa tarefa fica para uma outra ocasião. No relato que se segue, desejosimplesmente sugerir alguns componentes que, em minha opinião, consti-tuem um bom ponto de partida para uma pedagogia do pensamento críti-co. Isto também servirá como introdução à próxima seção, na qual a aplica-ção de um modelo específico de escrita em um curso de história americanaserá ilustrada como um nexo que integra a escrita e o pensamento crítico.Embora o foco imediato da próxima seção esteja em assuntos provenientesda disciplina de história, os conceitos e sugestões subjacentes podem seraplicados em outras áreas dos estudos sociais.

Gostaria de começar comentando em termos gerais sobre os proble-mas que continuam a moldar o ensino de estudos sociais. Acredito queestes problemas são importantes na medida em que refletem um equívocopedagógico por parte dos educadores acerca do que constitui o pensamen-to crítico em termos gerais e específicos. Em primeiro lugar, a maior partedo que os estudantes recebem na escola é uma exposição sistemática deaspectos selecionados da história e cultura humanas. Não obstante, a naturezanormativa do material selecionado é apresentada como inquestionável elivre de valores. Em nome da objetividade, grande parte de nossos currícu-los de estudos sociais universaliza as normas, valores e perspectivas querepresentam perspectivas interpretativas e normativas da realidade social.16

Esta última abordagem dos estudos sociais poderia ser adequadamente ca-racterizada como pedagogia da "percepção imaculada". Em segundo lugar,a pedagogia da "percepção imaculada" representa uma abordagem da apren-dizagem que não apenas sanciona as categorias dominantes de conhecimentoe valores, mas também reforça uma abordagem teórica e não dialética daestruturação de nossa percepção do mundo. Não se ensina os estudantes a°nsiderarem o conhecimento curricular, os fatos, dentro de um contextoais amplo de aprendizagem. Além disso, a relação entre teorias e "fatos" éuitas vezes ignorada, tornando, assim, bastante difícil que os estudantes

esenvolvam um aparelho conceituai para investigar, em primeiro lugar, aatureza ideológica e epistemológica daquilo que constitui um "fato". Final-

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mente, a pedagogia da "percepção imaculada" tanto cria quanto reproduzrelacionamentos sociais em sala de aula que são não apenas enfadonhospara a maioria dos alunos, mas também, e principalmente, mistificadores.Em vez de desenvolver pensadores ativamente críticos, tal pedagogia pro-duz estudantes que têm rnedo ou são incapazes de pensar criticamente.17

Antes de examinar a natureza do pensamento crítico, deve-se fazer urnbreve comentário sobre a origem das mazelas pedagógicas que estão con-sumindo as escolas norte-americanas e o campo de estudos sociais emparticular. Se o campo de estudos sociais, particularmente em nível da edu-cação de segundo grau, é em parte caracterizado por uma pedagogia quecensura o pensamento crítico, quem em última análise é responsável por talnegligência? Qualquer resposta conclusiva para esta pergunta teria que par-tir do reconhecimento de que atribuir a culpa exclusivamente a professoresou estudantes é uma resposta excessivamente simplista. Tal ponto de vistaignora que a essência da escolarização reside em seu relacionamento coma realidade sócio-econômica mais ampla, particularmente com as institui-ções de trabalho. As escolas parecem ter pouco a ver com a noção kantianade que deveriam funcionar para educar os estudantes para uma "melhorcondição futura da raça humana, isto é, para a idéia de humanidade".18 Onegócio real das escolas parece ser socializar os estudantes para aceitareme reproduzirem a sociedade existente.19 Embora no final das contas não sepossa culpar os professores por muitas das mazelas que assolam a educa-ção norte-americana, estes podem examinar as suposições de senso co-mum por trás de suas abordagens de ensino. Isto significa que eles teriamque reformar e reestruturar sua pedagogia conforme à máxima categóricauma vez proferida por Nietzsche, "Uma grande verdade exige crítica, nãoidolatria."20 Isto nos conduz diretamente à questão espinhosa de definir oconceito de pensamento crítico tanto em termos teóricos quantoprogramáticos.

As visões tradicionais da natureza do pensamento crítico deixaram deapoiar o apelo de Nietzsche por uma busca crítica da verdade. Isto é verda-de não apenas porque os manuais e abordagens pedagógicas dos estudossociais tenham objetivado as normas, crenças e atitudes predominantes,mas também por causa da própria forma com que o pensamento crítico foidefinido. A definição mais poderosa, porém limitada, do pensamento críti-co provém da tradição positivista nas ciências aplicadas, e sofre do quechamo de posição de Consistência Interna.21 De acordo com os adeptosdesta posição, o pensamento crítico consiste basicamente em ensinar oestudante a analisar e desenvolver trabalhos de leitura e escrita a partir daperspectiva dos padrões lógicos de consistência. Neste caso, ensina-se oaluno a examinar o desenvolvimento lógico de um tema, "coordenadoresavançados", argumentação sistemática, validade das evidências, e determi-nar se uma conclusão procede a partir dos dados em estudo. Embora todasestas habilidades de aprendizagem sejam importantes, suas limitações como

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um todo encontram-se no que é excluído, e é com respeito ao que estáausente que se revela a ideologia desta abordagem.

No cerne do que chamamos de pensamento crítico existem duas supo-sições importantes que estão ausentes. Ern primeiro lugar, existe o relacio-namento entre teoria e fatos; em segundo, o conhecimento não pode serisolado dos interesses, normas e valores humanos. A despeito de uma apa-rente simplificação excessiva, é no contexto destas duas suposições queoutras poderão ser desenvolvidas, e um embasamento teórico e programátícopoderá ser criado para uma abordagem pedagógica que ensine os estudan-tes a pensarem criticamente.

Alvin Gouldner enfatizou a importância de se reconhecer o relaciona-mento entre a teoria e os fatos, relacionamento que levanta questões funda-mentais acerca da natureza frágil do conhecimento. "O pensamento críti-co... é aqui entendido como a capacidade de tornar problemático o quehavia até então sido tratado como dado; trazer a. reflexão o que anteriormentesó havia sido usado... examinar criticamente a vida que levamos. Esta visãoda racionalidade situa a mesma na capacidade cie pensar sobre nosso pen-samento."22 Em termos pedagógicos, isto significa que os fatos, questões eeventos em quaisquer estudos sociais deveriam ser problematicamente apre-sentados aos estudantes. O conhecimento neste caso exige busca, inven-ção e reinvenção constantes. Como argumenta Paulo Freire, o conhecimen-to não é o fim do pensamento, e sim o laço mediador entre estudantes eprofessores. Este último ponto sugere não apenas uma abordagem muitodiferente dos relacionamentos sociais em sala de aula quando comparadoscom aqueles que têm tradicionalmente predominado, mas também queuma boa porção de tempo deveria ser usada para ensinar os estudantes anoção de sistema de referência e seu uso como instrumento interpretativoteórico/conceituai. Observando informações semelhantes através de diferen-tes sistemas de referência, os estudantes podem começar a tratar o conheci-mento como problemático e, assim, como objeto de investigação.

A ligação entre a teoria e os fatos coloca em primeiro plano um outrocomponente fundamental da pedagogia do pensamento crítico: as relaçõesentre os fatos e os valores. O modo pelo qual a informação é selecionada,disposta e seqüencíada para construir um quadro da realidade contemporâ-nea e histórica é mais do que uma operação cognitiva; é também um pro-cesso intimamente ligado às crenças e valores que orientam nossa vida.Implícitas na reorganização do conhecimento estão as suposições ideológi-cas acerca de como vemos o mundo, suposições que constituem a distin-ção entre o essencial e o não essencial, o importante e o não importante. OPonto aqui é que qualquer conceito de sistema de referência tem que serapresentado aos estudantes como mais do que uma estrutura epistemológíca,Para incluir também uma dimensão axiomática. Além disso, separar fatosde valores é correr o risco de ensinar os estudantes como lidar com osmeios, independentemente da questão dos fins.

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Relacionada com as duas principais suposições acerca do pensamentocrítico temos uma questão de procedimentos que gira em torno do quepoderia ser chamado de contextualização da informação. Os estudantesprecisam aprender a ser capazes de saírem de seu próprio sistema de refe-rência, de forma que possam questionar a legitimidade de um determinadofato, conceito ou questão. Eles também precisam aprender a perceber aprópria essência daquilo que estão examinando situando-no criticamenteem um sistema de relacionamentos que lhe empreste significado. Em outraspalavras, os estudantes devem aprender a pensar dialeticamente e não demaneira isolada e compartimentalizada. Ao salientar as limitações de urnaabordagem não dialética do pensamento, Frederic Jameson apresenta umcomentário pertinente sobre a necessidade de uma abordagem mais dialé-tica do mesmo: "a tendência antiespeculativa daquela tradição, sua ênfaseno fato ou item isolado às custas da rede de relacionamentos nas quais esteitem pode estar inserido, continua a estimular uma submissão ao que é,não permitindo que seus seguidores estabeleçam relações e, principalmen-te, tirem conclusões de outra forma inevitáveis em nível político.23

Além da contextualização da informação, a forma e conteúdo das rela-ções sociais escolares têm que ser consideradas por qualquer pedagogiaque se preocupe com o pensamento crítico. Qualquer pedagogia do pensa-mento crítico que ignore as relações sociais da sala de aula corre o risco deser mistificadora e incompleta. Sartre captou bem este último ponto comsua observação de que o conhecimento é uma forma cie práxis.2' Em outraspalavras, o conhecimento não é estudado por si mesmo e sim visto comouma mediação entre o indivíduo e a realidade social mais ampla. Dentro docontexto de tal pedagogia, os estudantes se tornam indivíduos no ato deaprender. Sob estas circunstâncias, os estudantes devem ser capazes cieexaminar o conteúdo e as estruturas dos relacionamentos em sala de aulaque fornecem os limites de sua própria aprendizagem. O ponto importanteaqui é que, para que o conhecimento educacional seja um estudo na ideo-logia, a questão do que constitui conhecimento legítimo deve ser tomadaem meio a relações sociais que encorajem tal abordagem. Qualquer abor-dagem do pensamento crítico, independentemente de quão progressistaseja, irá debilitar suas próprias possibilidades caso opere a partir de umarede de relacionamentos sociais de sala de aula que sejam autoritariamentehierárquicos e que promovam passividade, docilidade e silêncio. As rela-ções sociais de sala de aula que glorificam o professor como expert, ofornecedor cie conhecimento, acabam mutilando a imaginação e criatividadedo estudante; além disso, tais abordagens ensinam os estudantes mais so-bre a legitimidade cia passividade do que sobre a necessidade de examina-rem criticamente a vicia que levam.25

Crucial para o desenvolvimento de relações sociais escolares progressis-tas é a abertura de canais de comunicação nos quais os estudantes usem ocapital lingüístico e cultural que trazem para a sala de aula. Se os estudantes

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forem submetidos a uma linguagem, bem como a um ambiente de crençasvalores cuja mensagem implícita sugere que eles são culturalmente anal-

fabetos, eles aprenderão pouco sobre o pensamento crítico e muito sobre o\ie Paulo Freire chamou de "cultura do silêncio".26 Bourdieu e outros auto-es revelaram a essência da pedagogia da "cultura do silêncio" ao assinala-

rem que ° conhecimento escolar, longe de ser o "resultado dos significadosgaociados entre professores e alunos", é muitas vezes a imposição de um

estiío de alfabetização e cultura "que é específico à socialização da lingua-gem das classes privilegiadas".27 Em resumo, para que o conhecimento sejausado pelos estudantes a fim de dar significado a suas existências, os edu-cadores terão que usar os valores, crenças e conhecimento dos estudantescomo parte importante do processo de aprendizagem, antes que, comoassinala Maxine Greene, "um salto para o teórico possa ser dado".28

Enfim, a tarefa de ligar a escrita, a aprendizagem e o pensamentocrítico significa redefinir a pedagogia da escrita e também do pensamentocrítico. A seção final deste capítulo irá ilustrar como um modelo de escritapode ser usado como veículo de aprendizagem para ajudar os estudantes apensarem criticamente sobre o que constitui o conhecimento, em termosgerais, e, mais especificamente, o que constitui o significado da história.

Um de Escrita e História

A resposta inicial de muitos professores de estudos sociais à sugestão deque se apoiem na escrita como veículo de aprendizagem para ensinar umamatéria de estudos sociais poderia ser: "Escrever é uma disciplina à parte, eeu já tenho um bocado de dificuldades simplesmente ensinando em meucampo." Em vista da atitude para com a escrita que tem dominado o campodos estudos sociais, a resposta é justa, porém errônea. Mais do que umamatéria, escrever é um processo que pode ser usado para ensinar umamatéria aos estudantes, permitindo-se que eles assumam o mesmo papeldo autor dos livros e textos que são usados como fonte de aprendizagem.Em outras palavras, os professores de estudos sociais podem fornecer aosalunos um modelo de escrita que os ajude a aprender uma matéria atravésdo domínio dos mesmos processos fundamentais de pensamento e escritausados pelos próprios escritores. A partir deste ponto, faremos referênciasfuturas específicas a um modelo de escrita adaptado para um texto destina-do a ensinar episódios em um curso de história americana.29 O modelo aP^"sentado não se limita ao ensino da história americana; com pequenas mo 11-cações, ele pode ser aplicado em qualquer outro curso de estudos ̂ sociais.

Fundamental para uma boa pedagogia da história é o conceit°r^cfoioa escrita da mesma envolve um processo. O historiador define uni p ^^através do qual relata os detalhes de qualquer evento ou série

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Uma vez estabelecido um princípio de relacionamento em termos de causae efeito o historiador pode começar a fazer escolhas. Estas envolvem sele-cionar as evidências, fazer asserções que incorporem evidências e apresen-tar as asserções em uma seqüência. Este processo esclarece o relaciona-mento entre os eventos percebidos pelo historiador. Assim, as escolhasfeitas dentre as informações resultam em um registro que chamamos dehistória. Este processo gera o próprio significado da história. Sendo assim,a escrita da história engendra uma capacidade crítica de compreender ahistória. Isto não apenas representa um bom princípio de aprendizagempara um historiador profissional jovem, como também proporciona umembasamento pedagógico para ensinar os estudantes a escrever, aprendere reestruturar suas visões da história.

Uma abordagem viável para uma pedagogia integrada de escrita ehistória deveria começar pelo desenvolvimento de uma metodologia destina-da a ensinar os estudantes algo sobre a natureza da história. Isto poderiaser feito mostrando-se aos estudantes como ler a história, mostrando-seprimeiramente como a história é escrita. Mais especificamente, esta aborda-gem permitiria que os estudantes lessem trechos de histórias publicadas deeventos reais, para compor histórias limitadas de tais eventos e, então, compa-rar seus próprios escritos com a história escrita. É fundamental para estaabordagem que se faça uma distinção entre escrever a história e simplesmentereproduzi-la. Não se deveria dar aos estudantes a tarefa de realizar traba-lhos que exijam nada mais do que copiar outras fontes históricas. Em vezdisso, dever-se-ia utilizar uma abordagem na qual os estudantes passempelo processo de fazer o mesmo tipo de escolhas que todo historiador faz.Conseqüentemente, deveria-se ensinar os estudantes a julgar qualquer históriapelo que é a tentativa de um autor de explicar o significado do que aconte-ceu e por que aconteceu.

É fundamental para a metodologia a ser analisada que se faça umadescrição dos conceitos de escrita envolvidos no processo de aprendiza-gem do escritor-historiador, bem como uma descrição das estratégias a se-rem usadas para justapor e comunicar estes conceitos. Os conceitos deescrita a serem utilizados na abordagem pedagógica apresentada na Figural incluem o seguinte: sistema de referência, coleta de informações, desen-volvimento de uma idéia organizadora e utilização de evidências. A Figural ilustra um dos modos de se organizarem estes conceitos. Todos elesdeveriam ser apresentados aos estudantes como problemáticos. Assim, cadauma das suposições, significados e relacionamentos subjacentes que estesconceitos têm para os diferentes historiadores que os utilizam deveriam seranalisados e questionados pelos estudantes. Isto nos leva a uma das supo-sições de aprendizagem mais importantes do modelo escrita-pensamentocrítico: a problematização de uma questão.

A natureza problemática de uma matéria, como, por exemplo, a apro-vação das leis americanas de imigração, poderia primeiramente ser apre-

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ponto de vista dohistoriador

IdéiaOrganizadorado Historiador

FIGURA 1. Conceitos de Escrita.

sentada aos alunos da seguinte maneira. O capítulo sobre "Imigração Ame-ricana" poderia começar com uma seção que apresente a questão como umdilema histórico específico que todo o historiador que escreve sobre oassunto tem que enfrentar. Este dilema poderia assumir a forma de umapergunta específica. Neste caso, a pergunta é: "Havia justificativa para asleis de restrição à imigração para os Estados Unidos?" Os estudantes, então,serão colocados na posição de poderem explorar, através da discussão e dodiálogo, o que as dimensões interpretativas da história sugerem acerca dorelacionamento entre conhecimento histórico e interesses humanos. É evi-dente que neste ponto as discussões deveriam ir além desta questão, e osdados das próprias vidas dos estudantes poderiam ser examinados comoquestões a serem observadas a partir de uma variedade de perspectivas.

O passo seguinte deveria ser usado para ajudar os estudantes a com-preenderem o que anteriormente nos referimos neste artigo como aborda-gem dialética do pensamento. Neste caso, dever-se-ia apresentar aos estu-dantes diversos pontos de vista sobre a aprovação das leis de restrição àimigração. O ponto a ser discutido e esclarecido é que as leis em si mesmasnão podem ser totalmente compreendidas a menos que examinadas em umcontexto histórico mais amplo. É a contextualização de um evento e sualrnportância para a aprendizagem que estão em jogo nesta seção. Para me-lhor compreender este ponto, dever-se-ia então passar para outras questõesrnais intimamente relacionadas com as vidas e experiências dos estudantes;lais questões poderão então ser explicadas.

Uma vez que a abordagem dos diversos pontos de vista tenha sidoconcluída, o conceito mais sistemático de sistema de referência pode serapresentado. Ele pode ser introduzido relacionando-o com um conceito deescrita conhecido como "idéia organizadora". Para tornar o ponto maisConcreto, fornece-se aos estudantes uma análise de como dois historiado-res que tinham acesso às mesmas informações sobre a política de imigração

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americana desenvolveram diferentes idéias organizadoras para relatar aquelasinformações. Apresenta-se então ao estudante o seguinte comentário sobredois historiadores específicos:

Em seu livro, Imigração na América, Maldwyn Allen Jones tem uma idéia organizadoraque critica a aprovação cias leis de restrição ao argumentar que os imigrantes ofereci-am habilidades e mão-de-obra para o desenvolvimento das cidades e indústrias ame-ricanas.

Em um outro livro, Imigração, Henry Pratt Fairchild utiliza uma idéia organizadoraque justifica a aprovação das leis de restrição. O autor argumenta que os imigrantestiravam o emprego dos trabalhadores nativos ao diminuir os ordenados e intensificaro desemprego.

Você pocle ver que Jones e Fairchild têm idéias organizadoras diferentes. A fim decompreender por que estes dois historiadores têm idéias organizadoras diferentes,você eleve conhecer um outro conceito chamado de Sistema de Referência.30

O conceito de sistema de referência é explicado ao estudante; suarelação corn a noção de idéia organizadora é então elucidado através douso do seguinte exemplo, extraído de Giroux, Karras e Capizano.31

Este exemplo mostra como dois sistemas cie referência diferentes, quando aplicadosao mesmo evento e ao mesmo conjunto de fatos ou informações, podem produzir duasidéias organizadoras diferentes.

O sistema de referência de Jones poderia ser:Os imigrantes tiveram contribuição positiva para o crescimento da América.

... e este assunto: As Leis de Restrição â Imigração; e este conjunto de informações:• redução no declínio da taxa de natalidade entre os americanos na década de 1830.® surgimento do industrialismo.• estabelecimento do Oeste.• influxo de mão de obra imigrante especializada.

e esta idéia organizadora:Os imigrantes desempenharam um papel positivo no crescimento das cidades e indús-trias americanas ao fornecer habilidades e mão-de-obra valiosas.

O sistema de referência de Fairchild poderia ser:Os imigrantes representaram uma força negativa na história americana.

...e este assunto: As Leis de Restrição â Jm igração; e este conjunto de informações:« redução no declínio da taxa de natalidade entre os americanos na década de 1830.• surgimento do industrialismo.• estabelecimento do Oeste.• influxo de mão de obra imigrante especializada.

e esta idéia, organizadora:Os imigrantes tiraram o emprego dos trabalhadores nativos ao diminuir os ordenados

e intensificar o desemprego.

Neste ponto da aula talvez fosse útil utilizar uma versão modificada daabordagem de Freire da alfabetização a fim de permitir não apenas que os

OS PROFESSORES CQMQ INTELECTUAL

estudantes trabalhem juntos, mas também para ajudá-los a compreenderiiielhor os conceitos de sistema de referência e idéia organizadora 32 pod >-se apresentar um ou vários quadros que tratem cie questões controversas nacomunidade dos alunos. A partir deste quadro, os mesmos deveriam iden-tificar algumas informações importantes. Pedir-se-ia, então, que escreves-sem um ensaio de cinco parágrafos que incorporasse as cinco informaçõesUrna vez terminado o ensaio, deveriam numerar os parágrafos, e numafolha separada poderiam redigir uma idéia organizadora para cada pará»ra-fo, totalizando cinco idéias organizadoras. Depois de concluir a tarefa, gru-pos poderiam ser formados para discutir o conteúdo e o seqüenciamentode idéias. Tanto o significado quanto a ordenação cias idéias tornam-seproblemáticas através deste exercício.

A parte seguinte da aula gira em torno de duas leituras comparativassobre as leis de imigração; as leituras representam relatos históricos distin-tos de historiadores com diferentes sistemas de referência. Se o nível deleitura destas fontes históricas for muito difícil, cada relato deve ser dividi-do em parágrafos e cada parágrafo deve ser precedido pelo assunto doparágrafo bem como por uma lista de sinônimos das palavras potencial-mente difíceis. O estudante então lê os parágrafos e escreve uma idéiaorganizadora na forma de uma asserção para cada parágrafo, usando oassunto declarado do mesmo como assunto da idéia organizadora. Atravésdeste exercício, os estudantes têm a oportunidade de se familiarizar maiscom o conceito de idéia organizadora ao analisar dois conjuntos de idéiasorganizadoras, cada um relacionado com um sistema de referência diferen-te. A seguir temos um exemplo dos parágrafos introdutórios de duas leitu-ras diferentes sobre imigração americana.33

Leitura l cie "Efeitos da Imigração nas Condições da América"

1. Nova Classe de Imigrantesprevalecente - presente

incentivo - atração

Esta porção privilegiada da superfície da terra viu chegar um número crescente deindivíduos provenientes das classes mais baixas de outras nações. Qual foi seu efeitosobre o padrão de vida preualecenttà Como premissa mais importante, assume-se queo padrão de vida das classes operárias dos Estados Unidos foi e continua sendo supe-rior àquele das nações de onde vieram grande parte dos imigrantes. A observaçãocomum e o testemunho geral afirmam isto sem necessidade de comprovação. Particu-larmente no momento presente, se isto não fosse assim, muito poucos de nossosimigrantes viriam, pois, como vimos, este é o grande incentivo que os atrai. Contudo,é significativo que, com o passar das décadas, a maior parte da imigração tem sidorecrutada de raças cada vez mais atrasadas da Europa.

IDÉIA ORGANIZADORA:

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106 HENRYA.GIROUX

Leitura 2 de "Efeitos Econômicos da Imigração"

1. Idéias Errôneas sobre Empregospersistentes — que continuam apesar de interferência.recorrentes — que estão sempre voltando a ocorrer.

concepção errônea — crença errada.

Uma das falácias econômicas mais persistentes e recorrentes no pensamento popularé a noção de que os imigrantes tomam os empregos dos americanos nativos. Isto sedeve à concepção errônea de que existe apenas um número fixo de empregos eniuma economia, e que qualquer recém-chegado ameaça o emprego de um antigoresidente. Esta teoria, às vezes chamada de "círculo da falácia cia mão-de-obra", j"Ojrepetidamente refutada por economistas competentes.

IDÉIA ORGANIZADORA.:

Depois de concluída a seção de leituras comparativas, os estudantestêm a oportunidade de demonstrar um conhecimento operante tanto doconteúdo histórico da lição quanto dos axiomas de escrita em estudo. Umexemplo de uma tarefa de redação é apresentado abaixo.3' Nesta tarefa, dá-se aos estudantes um sistema de referência e um conjunto de informações.Pede-se então a eles que acrescentem de três a cinco novas informações apartir da seção de pontos de vista ou de outras fontes históricas. Depois osestudantes escrevem uma idéia organizadora e constróem um parágrafousando pelo menos quatro informações extraídas do conjunto completo.

Tarefa Escrita l

I. Sistema de Referência:A imigração tem contribuído positivamente para o crescimento e estabilidade ciosEstados Unidos.

II. Conjunto de Informações:imigrantes do norte da Europa.estabelecidos nas cidades.máquinas políticas.crescimento da Igreja Católica.migrações em massa do sudoeste da Europa.

III. Acrescente de três a cinco informações a esta lista:1.

IV. Determine sua idéia organizadora:1.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 107

V. Escreva um parágrafo usando pelo menos quatro informações:1. Parágrafo:

Depois de terminada a tarefa escrita, descobri que era proveitoso fazerQue ° estudante se reunisse com três ou cinco colegas para ler e

avaliar os trabalhos uns dos outros. É importante que alguns critérios deAvaliação das tarefas escritas sejam deixados bem claros para os alunos. Porexemplo, nos grupos acima, clíz-se aos estudantes que ao lerem os traba-lhos uns dos outros devem certificar-se de que: (1) as três ou cinco informa-ções adicionais são relevantes para o tópico em questão; (2) a idéiaorganizadora corresponde ao sistema de referência; (3) o parágrafo contémtodas as informações escolhidas; e (4) a informação do parágrafo se man-tém adequadamente em torno da idéia organizadora. Critérios mais preci-sos tornam mais fácil a avaliação cios trabalhos por parte dos estudantes etambém lhes ajudam a lidar de forma mais objetiva com a crítica que exer-cem e recebem. Quando o grupo é capaz de se concentrar claramente noque está procurando nas tarefas escritas, parece muito mais capaz de con-siderar de forma imparcial seus próprios erros bem como os dos outros.

Com respeito à avaliação deste tipo de lição, é importante que o estu-dante desempenhe um papel significativo neste processo. Para que os rela-cionamentos em sala de aula sejam compatíveis com uma pedagogia cujoobjetivo é fomentar o pensamento crítico, os estudantes devem ter a res-ponsabilidade de avaliar e corrigir seus próprios erros. Nesta perspectiva, odesempenho insatisfatório é tratado como veículo que proporciona umaexperiência de aprendizagem, capaz de ser compartilhado pelos outroscolegas. Por exemplo, os estudantes em grupos podem avaliar e dar notaaos trabalhos uns dos outros mantendo o grupo até que todos os membrosobtenham uma nota satisfatória. Além disso, no final da lição, os estudantespodem desempenhar um papel significativo ao fornecerem dados para acom-panhamento do progresso realizado, os quais mediriam o conteúdo históri-co bem como o domínio dos axiomas de escrita em estudo. No final cieunia lição, uma turma sugeriu que o conteúdo histórico, bem como osaxiomas de escrita, poderia ser avaliado através de um exame do progressobaseado no modelo utilizado na primeira tarefa escrita em grupo. Atravésdeste modelo, os estudantes teriam a oportunidade de demonstrar seu co-nnecirnento dos conceitos de escrita, tais como sistema de referência, idéiafganizadora e informações de base. Ao escrever um parágrafo ou uma

serie de parágrafos, os estudantes tiveram a oportunidade de mostrar nãoApenas uma compreensão dos conceitos de escrita, mas também a chancee demonstrar uma fundamentação para sua utilização.

- Ensinar os estudantes a escrever e pensar criticamente não é uma táa fácil nara nrofessores de estudos sociais. Com resneíto à escrita, i

tare-isto

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108 HENRY A. GIROUX

•anifica rejeitar as visões convencionais da mesma como um ofício, umadisposição biológica, ou um exercício para se sentir bem. O que precisa serdemonstrado é que a escrita é um processo interdisciplinar baseado emaxiomas do comportamento de aprendizagem. Reconhecendo estes axio-mas os estudantes serão capazes de usar sua escrita como instrumentopedagógico para pensar mais criticamente sobre um assunto em estudo.Isto nos leva a um segundo ponto.

As salas de aula e os estudantes não existem em total isolamento,abstraídos da sociedade mais ampla em que vivemos. As técnicas pedagó-aicas utilizadas para o ensino da escrita e do pensamento crítico perdem osignificado caso não incorporem o "'capital cultural" que estrutura a vidados estudantes. Mais especificamente, para que os estudantes analisem asmatérias de estudos sociais de uma perspectiva crítica, esta análise deveestar calcada em estruturas pedagógicas que promovam a comunicação ediálogo produtivos. Este último ponto é importante porque é somente naausência de relações sociais escolares opressivas e hierárquicas que alunose professores poderão se comunicar, sem medo ou intimidação, dentro docontexto de sua própria linguagem e cultura. Além disso, com o desenvol-vimento de relações sociais democráticas em sala de aula, os estudantesterão a oportunidade de sair de sua própria linguagem e cultura ao apren-derem como examinar as suposições básicas que moldam suas vidas atra-vés de sistemas de referência diferentes dos seus. Como argumenta Freire,os estudantes que vêem o conhecimento como problemático realizam uma"reflexão" que se traduz em uma "leitura" crítica da realidade. Isto marca oprimeiro passo no desenvolvimento de uma pedagogia que gera a "vontadede escrever e criar".35

As propriedades da escrita e pensamento crítico delineadas neste arti-go têm um enorme potencial para o ensino de estudos sociais, não apenasporque ajudam a ensinar os estudantes sobre as relações de importânciafundamental entre escrever e pensar, mas também porque ajudam os mes-mos a reformar e reestruturar suas visões de determinado tema de estudossociais. Qualquer assunto perde seu interesse e legitimidade quando é vistocomo matéria escrita por especialistas, cie difícil acesso para os estudantes.Utilizando-se o modelo pedagógico apresentado neste artigo, os estudantestêm a oportunidade de penetrar num assunto e pensar criticamente, deforma que possam dar sua própria interpretação do material. O que signíti-ca isto a longo prazo? Novamente, Freire captou bem o sentimento.

Somente quando compreendem os temas de seus tempos é que os homens [s/c] po-dem intervir na realidade em vez de serem meros espectadores. E somente desenvol-vendo uma atitude permanentemente crítica é que os homens poderão superar unwpostura de ajustamento...36

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 109

j O agora famoso artigo da Newsweek, "Why Johnny Can't Write", Merril! Shiels (Dez 1975)simplesmente trouxe o problema para a atenção do público. Ver também Nan Elsasser eVera P. john-Steiner, "An Interactionist Approach do Advancing Líteracy, Harvard EducationalReview 47 (Agosto 1977):355-69; Lyons. "The Higher Illiteracy".

2. A.D. Van Nostrancl, "The Inference Construct: A Model of the Writing Process", .-IDE~Bitlletin, n°. 54 (Maio 1978): 1-27.

3. Ver Janet Emig, "Writing as a Mocie of Learning", College Compositíon and Commimication28 (Maio 1977): 122-28; James Britton et ai., The Develofment of Writing Abilities (London:Macmillan. 1975); GaiyTate, ed.. TeachingComposition: TenBJbliographicEssaysQrortWotíh,Texas: Texas Christian University Press, 1976).

4. Lev S. Vygotsky, Language and Tboiigbí (Cambrídge. Mass.: MIT Press, 1962), p.100.

5. Braddock et ai., Research in Written Composition (Champaign, III.: National Council ofTeachers of Englísh, 1963); W.B Elley et ai., "The Role of grammar in a Secondary EnglishCurriculum", Research in the Teaching of English 10 (Primavera 1976): 18.

6. Richard Ohmann, English in America (New York: Oxford University press, 1976), p. 136.

7. John Simon. "The Language", Esquire (Junho 1977): 18.

8. Ibid.; ver também R. Verland Cassil, Writing Fiction (Englewood Cliffs, N J.: Prentice-Hall,1975).

9. A.D. Van Nostrand, "English I and the Measurement of Writing", palestra proferida naNational Conference on Personalized Instruction in líigher Education, 21 de março, 1975.

10. Siclney Simon et ai., Values Clarification íbroiigb Writing: Composition for Personal Growlb(New York: Hart Publishing, 1973); George E. Newell, "The Emerging Self: A Curriculum ofSelf Actualization", English Journal 66 (Nov. 1977): 32-34.

11. Jacoby, Social Amnésia, p. 67.

12. Uma das críticas mais devastadoras a estes educadores que enfatizam abertamente adimensão interpessoal na pedagogia foi feita por Elshtaín. "Social Relatíons in the Classroom".

13. Britton et ai., Development of Writing Abililies, pp. 1-18.

14. Sheils, "Why Johnny Can't Write", p. 61; ver também Janet Emig. The Composing ProcessofTu-elfth Graders (Urbana, III.: National Council of Teachers of English, 1971).

15. Van Nostrand , "The Inference Construct". P.2.

*o. Para um excelente comentário sobre o relacionamento entre conhecimento e valores.yer Young, Knowledge and Contrai. Michael Apple escreveu extensamente sobre este últimoassunto, e seu artigo, "The Hidden Curriculum and The Nature of Conflict" trata diretamente"o campo dos estudos sociais. Ver também Jonathon Kozol, The Night is Dark aticl I Am ParJroni Home (Boston: Houghton Mifflin, 1975). pp. 63-73.

*?• Para uma excelente descrição deste tipo de pedagogia, ver Freire, Ped(!S°S)' °flhc

°Ppresseel, e Giroux e Penna, "Social Relatíons in the Classroom".18- Marcuse, Cmmter-Remlutiou, p.27.

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10 Existem muitas fontes que tratam desta posição com seriedade. Uma das melhores éBowles e Gintis, Schooling in Capitalist America. Ver também Martin Carnoy e Henry M.Levin, T/jeltmitsofEcliicatiotialRefonníNevsYork: DaviclMckay, 1976), pp. 52-82, 219-44.

•>0 Martin Jay, The Dialectical Imagination (Boston: Little, Brown, 1973), p.65.

•? l Esta abordagem foi amplamente popularizada através dos trabalhos de Hilda Taba,Teachefs HandbookforElementary Social Sto//£« (Reading, Mass. : Addison- Wesley, 1967);I Richarcl Suchman, InquityBox: TeachersHandbook (Chicago: Science research Associates.1967); Joseph j. Schwab, Biolog)' Teacbcr's Handbook (New York: Wiley, 1965).

22. Alvin J. Gouldner, The Dialectic ofldeolog)* and Technology (New York: Seabury Press,1976), p. 49.

23. Fredericjameson, MarxismandForm(Prmceton, N.J.: Princeton University Press, 1965).

24. Jean-Paul Sartre, Lilerature and Exisíentialism, 3a edição (New York: Seabuiy Press,1976), p. 49.

25. Ver Apple e King, "What Do Schools Teach?" pp. 29-63, e Bowles e Gintis, Schooling inCapitalist America. Uma coleção aceitável cie artigos pode ser encontrada em Overly, TheUnstudied Curriculum.

26. Freire, Education for Criticai Consciousness.

27. Ver David Swattz, "Pierre Bourdieu: The Cultural Transmission of Social Inequality",Harvard Educational Review 47 (Nov. 1977): 545-55; Bourclieu e Passeron, Reproditction;Bernstein, Class, Codes and Contraí, pp. 85-156. Para um bom estudo generalizado sobre apolítica da linguagem, ver Claus Mueller, The Politics of Communication (New York: OxfordUniversity Press, 1973).

28. M. Greene, "Curriculum and Consciousness", p. 304.

29- Ver Heniy Á. Giroux et ai., The Process of Wríting History: Episodes in American Histoty(Provídence, R.L: Center for Research in Writing, 1978). Todos os conceitos de escrita usa-dos neste capítulo são adaptados de a.d. Van Nostrand et ai., Functional Writing (Boston:Houghton Mifflin, 1978).

30. Giroux et ai, Process of Writing History, p.13.

31. Ibid., p.14.

32. Freire, Education for Criticai Consciousness, pp. 32-89.

33. Giroux et ai, Process of Writing History, p. 24.

34. Ibid., p.33-

35. Paulo Freire, "Conscientization" em The Goal is Liberation (Geneva: United Council ofChurches, 1974), p.2.

36. Freire, Education for Criticai Consciousness, pp. 5-6.

6A dee o doNovo

aDE HENRYA. GIROUX

Assegurem-se do Conhecimento, vocês que estão congelados! Vocês, famin-tos, agarrem-se ao livro: ele é uma Arma. Vocês devem assumir a liderança.

Bertold Brecht

N esta era de capitalismo, os americanos parecem estar frente a umimportante paradoxo em torno do relacionamento entre tecnologia,cultura e emancipação. Por um lado, o desenvolvimento crescente

da ciência e tecnologia oferece a possibilidade de libertar os seres humanosdo trabalho desumanizador e exaustivo. Esta liberdade, por sua vez, ofere-ce à humanidade novas possibilidades de desenvolvimento e acesso a umacultura que promove uma sensibilidade mais crítica e qualitativamentediscriminatória em todos os modos de comunicação e experiência. Por°utro lado, o desenvolvimento da tecnologia e da ciência, construído con-forme às leis da racionalidade capitalista, introduziu formas de domínio econtrole que parecem mais se opor do que ampliar as possibilidades deemancipação humana.1

E dentro dos parâmetros deste paradoxo que um exame do valor eda leitura em uma sociedade multimídia pode ser analisado. A ne-

cessidade de tal perspectiva encontra-se nos laços intrincados, muitas vezes'gnorados, que existem entre os vários modos de comunicação e as forças

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112 HENRY A. GIROUX OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 113

políticas que dominam esta sociedade. Falar de uma coisa sem falar daoutra representa não apenas um problema conceituai mas também urnafalha política. Em termos gerais, isto significa que qualquer entendimentodo relacionamento entre a mídia eletrônica e a cultura impressa fica confu-so a menos que tal relacionamento seja situado dentro do contexto históri-co e social específico no qual se encontra. Situar a análise em tal contextosignifica opor-se às principais correntes da teoria social que fracassaram noestudo da dinâmica dos modos visuais e impressos de comunicação dentrodos conceitos críticos mais amplos de história, cultura de massa e ideolo-gia.2 Este fracasso, na verdade, indica um fracasso ideológico mais graveem reconhecer as qualidades e funções dialéticas em transformação que amídia eletrônica e a cultura impressa tiveram na história e continuam tendohoje em dia.3 Historicamente, o relacionamento entre as mudanças na socie-dade e as mudanças na comunicação tem sido determinado menos pelanatureza da tecnologia de comunicação em desenvolvimento do que pelaideologia dominante e formações sociais existentes em tal sociedade. Porexemplo, em contraste com os Estados Unidos de hoje em dia, ler em vozalta e em público era coisa comum durante o final da Idade Média, assimcomo ainda o é na China contemporânea. De forma semelhante, em con-traste com a maior parte dos países ocidentais, não existem leis de direitosautorais em Cuba, porque o governo acredita que os livros devem ser usa-dos para difundir a cultura e não para propósitos comerciais:' Isto indicaque existe uma interação complexa entre as mudanças sociais e técnicas, naqual a forma e uso de um modo de comunicação são determinados porforças diferentes daquelas da tecnologia existente. Além disso, existemquestões profundas que espreitam por trás das diversas funções que osmodos de comunicação visuais e impressos desempenham em contextossociais e históricos diferentes. Quem controla os diferentes modos de co-municação e no interesse de quem eles atuam? Colocado de maneira maissucinta, será que os modos de comunicação operam no interesse da opres-são ou da libertação? Infelizmente, estas são questões que os principaisteóricos sociais optaram por ignorar.5 Uma maneira de abordar estas ques-tões é através do que chamei cie dialética do uso e potencial da tecnologia.

Subjacente à dialética da opressão e libertação inerente a todas asformas de comunicação, encontra-se a distinção fundamental entre o usoque se faz de um moclo particular de comunicação, como, por exemplo, atelevisão, e o uso potencial que poderia ter em uma determinada socieda-de. Concentrar-se na contradição entre o uso e o potencial representa umamaneira viável de analisar-se o relacionamento em transformação entre asculturas visual e escrita nesta sociedade. Não fazer isso significa ser vítimade uma espécie de fatalismo tecnológico ou então de uma utopia tecnológica.0

Nos dois casos, a tecnologia é abstraída de suas raízes sócio-históricas,afastada cios imperativos de classe e poder, e definida dentro da camisa cieforça conceituai do determinismo tecnológico.

Uma abordagem mais crítica tentaria por a descoberto "algumas dasjjaações concretas e complexas entre a criação e distribuição cultural e asformas econômicas e sociais".7 Isto exige que redefinamos a cultura emtermos políticos e observemos o modo como as culturas visual e escritaoperam como mecanismos de reprodução social e cultural. Contudo, deve-se primeiramente explicar o conceito de reprodução social e cultural antesde examinar detalhadamente seus mecanismos. A noção de reproduçãoelucida o relacionamento entre cultura e sociedade para sugerir a subordi-nação da cultura à sociedade dominante. Este ponto é importante por doismotivos. Primeiro, os antropólogos das correntes dominantes tradicional-niente clespolitizaram a noção de cultura tornando-a sinônima de "o modode vida de um povo".8 Conseqüentemente, tornaram difícil o estudo doimportante relacionamento entre a sociedade e a cultura, particularmente orelacionamento entre ideologia e controle social. Em segundo lugar, o focode dominação nos países industriais desenvolvidos sofreu uma mudançasignificativa, e precisamos de uma noção politizada de cultura para exami-nar esta mudança. Uma análise mais frutífera do que aquela dos principaiscientistas sociais pode ser encontrada na obra do teórico social italianoAntônio Gramsci, bem como no trabalho mais recente da Escola de Frank-furt e seus seguidores.9

Hegemonia Cultural

Pela perspectiva de Gramsci e outros, o foco de dominação nos paísesindustriais desenvolvidos do ocidente transferiu-se da confiança na força(polícia, exército, etc.) para o uso de um aparato cultural que promove oconsenso através da reprodução e distribuição dos sistemas dominantes decrenças e atitudes. Gramsci chamou esta forma de controle de hegemoniaideológica, uma forma de controle que não apenas manipulava a consciên-cia como também saturava as rotinas e práticas diárias que guiavam o com-portamento cotidiano. A escola de Frankfurt aprofundou muito esta análisee apontou para o desenvolvimento crescente da tecnologia para reproduzira cultura dominante e manter a organização sócio-econômica existente.Mais recentemente, o trabalho cie Pierre Bourdíeu e Basil Bernstein de-rnonstrou que a sociedade dominante não apenas distribui materiais e mer-cadorias como também reproduz e distribui capital cultural, isto é, aquelessistemas de significados, gostos, disposições, atitudes e normas que sãodireta e indiretamente definidos pela sociedade dominante como social-mente legítimos.10 A partir desta perspectiva, a reprodução de uma socieda-de está intimamente ligada à produção e distribuição de suas mensagensculturais. Como tal, o aparato cultural para reproduzir a cultura dominantee comunicá-la ao público torna-se uma questão política importante. Comefeito, a cultura não é então apenas vista como expressão ideológica da

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sociedade dominante, mas também refere-se à forma e estrutura da tecnologiaque comunica as mensagens que "estabelecem os alicerces psicológicos emorais do sistema econômico e político"."

Como expressão ideológica cia sociedade dominante, a cultura domi-nante está profundamente atrelada ao espírito do consumismo e positivismo.À medida que a cultura tornou-se industrializada na primeira parte do sécu-lo vinte, ela desenvolveu novas formas de comunicação para difundir suamensagem. A produção de mercadorias passou então a ser acompanhadapela reprodução crescente da consciência. Além disso, quando o capitalis-mo do século vinte deu origem à publicidade em massa e sua concomitantedoutrina de consumismo desenfreado, todas as esferas da existência socialforam então informadas, embora longe de serem totalmente controladas,pela nova racionalidade do capitalismo industrial desenvolvido. O marketingde massa, por exemplo, mudou drasticamente os domínios do trabalho edo lazer, e, como assinalou Stuart Ewen, preparou o palco para o controleda vida diária.

Durante os anos 20 definiu-se o palco através cio qual a diversidade crescente deorganizações corporativas poderia travar uma batalha cultural com uma populaçãoque precisava e pedia por mudança social. O palco situava-se no teatro da vida diária,e era na intimidade daquela realidade - produtiva, cultural, social, psicológica - queuma pièce-de-théâtre estava sendo escrita.12

Enquanto a cultura industrializada transformava radicalmente a vidadiária, a administração científica alterava os padrões tradicionais de traba-lho. A produção artesanal deu lugar a um processo de trabalho fragmenta-do, no qual a concepção estava desligada tanto da execução como daexperiência do trabalho. Um dos resultados foi um processo de trabalhoque reduzia o mesmo a uma série de gestos pré-concebidos e sern vida.15

Acompanhar estas mudanças no local de trabalho e no campo do lazerera uma forma de legitimação tecnocrática baseada na visão positivista deciência e tecnologia. Esta forma de racionalidade definia-se através dossupostos efeitos inalteráveis e produtivos que as forças tecnológicas e cien-tíficas em desenvolvimento estavam tendo nas bases do progresso do sécu-lo vinte. Embora o progresso nos Estados Unidos nos séculos dezoito edezenove estivesse ligado ao desenvolvimento do auto-aperfeiçoamento £da autodísciplina moral no interesse de construir uma sociedade melhor, oprogresso no século vinte estava despido de uma preocupação com amelhoria da condição humana e passou a dedicar-se ao crescimento mate-rial e tecnológico.1' O que uma vez era considerado humanamente possí-vel, uma questão envolvendo valores e fins humanos, foi então reduzidoao que era tecnicamente possível. A aplicação cia metodologia científica anovas formas de tecnologia surgiu como força social gerada por suas pró-prias leis, as quais eram governadas por uma racionalidade que pareciaexistir acima e além ao controle humano.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

Como modo de legitimação, esta forma de racionalidade tecnocráticatornou-se a hegemonia cultural prevalecente. Enquanto consciência prevale-cente, ela glorifica a expansão continuada dos confortos da vida e da pro-dutividade do trabalho através da submissão cada vez maior do público àsleis que governam o domínio técnico tanto dos seres humanos como danatureza. O preço para a maior produtividade é o refinamento e administra-ção contínuos não simplesmente das forças de produção, mas da próprianatureza constituinte da consciência.

A Indústria da

Hans Enzensberger (1974) argumentou que a mídia eletrônica, operando aserviço desta racionalidade tecnocrática, tornou-se a principal força no quechama de industrialização da mente. Assinala que a indústria da mentetranscende a discussão partícularizada das culturas visual e escrita. Ele es-creve que "Quase ninguém parece perceber o fenômeno como um todo: aindustrialização da mente humana. Este é um processo que não pode sercompreendido pelo simples exame de sua maquinaria."15 E mais:

O principal negócio e preocupação da indústria da mente não é vender seu produto,mas "vender" a ordem existente. Perpetuar o padrão de dominação do homem pelohomem, sern importar quem dirige a sociedade, e através cie quaisquer meios. Suaprincipal tarefa é expandir e treinar nossa consciência - a fim de explorá-la.16

Críticos mais recentes foram muito além de Enzensberger, alegandoque a indústria da cultura de massa atual nos Estados Unidos representauma afronta à capacidade dos seres humanos de até pensarem em termoscríticos ou, no que se refere a isso, envolverem-se no discurso social signi-ficativo.17 Aronowitz refere-se a este fenômeno como o "novo analfabetis-mo", alegando que não apenas o pensamento crítico, mas a própria substânciada democracia está em jogo. Ele aborda esta questão com eloqüência:

A nova situação levanta a questão da competência das pessoas para efetivamentecomunicarem um conteúdo ideacional. Esta questão é a própria capacidade de pensa-mento conceituai... Como o pensamento crítico é a pré-condição fundamental paraum público ou cidadania autônoma e automotivacla, seu declínio ameaçaria o futurodas formas democráticas sociais, culturais e políticas.18

Estes críticos vêem a cultura visual em particular como desempenhan-do um papel significativo e importante na redução do pensamento e imagina-Ção coletiva a dimensões estritamente técnicas. Entretanto, nenhum destesCríticos dá suporte ao pesadelo orweliano de uma indústria monolítica daconsciência que opera sem contradições ou resistência. Tal posição é vul-gar e predominantemente determinista. Além disso, ela deixa de reconhe-

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cer que a mídia eletrônica, assim como a cultura impressa, não é tanto uniagente causai quanto uma força mediadora na reprodução da consciência.19

A tecnologia da indústria da consciência não pode produzir cultura; ela sópode reproduzi-la e distribui-la. Concomitantemente, a indústria da consci-ência não é a única agência de socialização. Em outras palavras, a culturade massa em suas várias formas gera contradições e também consenso,embora com pesos diferentes. Tanto em termos objetivos quanto subjeti-vos, a tecnologia da indústria da cultura de massa cria focos de resistênciaalimentados por suas próprias contradições. Por exemplo, ela gera constan-temente expectativas e necessidades que não pode satisfazer, e, no entanto,contém em sua tecnologia a possibilidade de real comunicação entre aspessoas - isto é, as pessoas poderiam se tornar tanto transmissores comoreceptores de informação.

Impresso versas Visual ;

A questão importante que ainda resta é se deveríamos fazer uma distinção ;

entre a cultura visual e a cultura impressa em relação a suas possibilidades ;como força de libertação ou dominação neste momento da história. Pelas ;•razões delineadas abaixo, creio que a resposta é um retumbante sim. ;

É bastante óbvio que cada cultura tem seu próprio centro de grávida- íde, proporcionando uma experiência diferente, bem como diferentes for- [mas de acesso ao conhecimento. Mas o significado disso não é tão óbvio \quando analisado em termos sócio-políticos. Por exemplo, em termos ideais \e essenciais, as culturas visual e impressa deveriam ser complementares, '''--mas, na atual conjuntura histórica, não é isso que ocorre. A cultura visual, "particularmente a televisão, é a forma de comunicação predominante por- ;que sua tecnologia oferece possibilidades muito maiores de manipulação e ;controle social. Isto se torna particularmente evidente quando a mesma é ,comparada à tecnologia da leitura.

Embora seja verdade que, historicamente, a leitura tenha criado um -.público de classe específica por causa das habilidades técnicas e críticas ;necessárias para dela fazer uso, o mesmo não pode ser dito da cultura •visual, que praticamente eliminou qualquer dependência de um público declasse específica para usar sua tecnologia ou entender suas mensagens. ;Colocado de outra maneira, a cultura visual eliminou a necessidade de quequalquer público específico use o tipo de habilidades críticas e discrimina- ;tórias que são necessárias para acercar-se de um modo de comunicação. A ;própria noção de "cultura de massa" sugere não apenas a importância cia jquantidade, mas também a redução do pensamento e da experiência ao ;nível da mera condição de espectador. A doença, neste caso, é a impotên- Jcia, e a cura é uma forma de escapismo manufaturado. É claro que a cultura fimpressa também se presta à manipulação da consciência, e num sentido |

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importante todos os modos de comunicação podem ser manipuladores A.questão real é qual a possibilidade de tornar todas as pessoas manipuladoresda tecnologia cie comunicação de massa. Diversos críticos assinalaram queo desenvolvimento da cultura impressa ajudou a produzir uma esfera públi-ca burguesa em massa que nutria a discussão dos eventos, jornais e livroscorrentes.20 Este é um ponto crucial, porque a tecnologia da mídia impressanecessita de uma forma de racionalidade que guarda espaço para a análisee pensamento crítico. Por exemplo, a cultura impressa é um meio que exigeatenção. Ela não é tão impositiva quanto à cultura visual; carece das quali-dades ''táteis" da última. Como resultado, devemos nos acercar dela comintencionalidade; esta forma de intencionalidade torna-se clara quandoconsideramos que a palavra escrita é governada pela lógica da concisão,clareza e persuasão. E tem que ser assim, pelo menos por princípio, porquea palavra escrita "congela" a informação. Quando lemos, temos mais tempode parar e refletir sobre o que foi escrito. Com a palavra escrita é possívelavaliar com mais rigor a validade e valor verídico de um argumento. Aprópria forma da tecnologia de impressão conserva uma checagem da ma-nipulação excessivamente evidente da mensagem escrita. Em outras pala-vras, existe uma tensão na tecnologia impressa entre sua forma e conteúdo.O olho crítico que a leitura idealmente exige põe em cheque a manipula-ção da mensagem.

Existem outras considerações referentes à tecnologia de impressão quea torna libertadora no momento atual. Ela é barata em termos de produçãoe consumo. Conseqüentemente, através da píetora de livros, jornais e revis-tas que inundam o mercado, tem-se acesso a um grande número de visõese posições sobre qualquer assunto. A esquerda americana tem sido acusadade basear-se em demasia na tecnologia de impressão.21 Esta crítica éelucidativa não por mal representar uma certa dose de elitismo por parte daesquerda, mas por indicar que a tecnologia de leitura proporciona maioresoportunidades de transmitirmos nossos pontos de vista do que qualqueroutra forma de comunicação. A esquerda simplesmente não tem acesso àcultura visual. A televisão, o rádio e a produção cinematográfica são essen-cialmente controlados pelos interesses governantes. Além do mais, estesmodos de comunicação são importantes demais para os interessescorporativos para serem democratizados. A mídia visual é atualmentedemagoga da comunicação de uma só via. E isto se deve em parte a seuPoder de influenciar as pessoas, característica tão endêmica a sua tecnologiaquanto às relações sociais que determinam seu uso unilateral. O poderdesta influência pode em parte ser medido pelos seguintes números : "9oPor cento dos lares americanos possuem pelo menos uma televisão, ...atelevisão fica ligada em média mais de seis horas por dia, e.^dez por centodos lares americanos possuem pelo menos três televisões/'22

Theodore Adorno (1978) escreveu que "quem fala de cultura fala igual-mente de administração, quer tenha ou não esta intenção."23 Aronowitz

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elucida as colocações de Adorno ao alegar que a cultura visual está indus-trializando a mente ao colonizar o campo do lazer.2'1 Vale a pena salientarnovamente que tal posição não ignora a interação dialética entre a culturavisual e o público em geral. As pessoas respondem à cultura visual comatitudes e necessidades diferentes. A questão é que a cultura visual cresceudemais e é muito centralizada, penetrando no "espaço privado" dos indiví-duos a ponto de, em muitos casos, reduzir a cognição e a experiênciahumana a uma mera sombra da técnica e da cultura de consumo.

A cultura visual é atualmente acessível como modo de comunicaçãode mão única. Além disso, enquanto força motriz no amoldamento da ex-periência, ela tem algumas vantagens poderosas quando comparada com acultura impressa. A cultura visual, especialmente a televisão, situa-se emestímulos táteis, tais como imagens e sons, os quais, em combinações eformas diferentes, simulam de maneira muito próxima a realidade cara acara. O poder da cultura visual de restringir os padrões de pensamentoprovém não apenas das mensagens e mitos que divulga (um tópico pordemais conhecido para ser discutido aqui), mas também das técnicas queutiliza.

A técnica dominante que caracteriza a cultura visual tem suas raízes nadivisão de trabalho que procura igualar na sociedade mais ampla. A frag-mentação e imediatismo da informação são a ordem do dia. O trabalhorápido da câmera e a edição elaborada criam o efeito imediato de apelar àsemoções e, ao mesmo tempo, causar um curto-circuito na reflexão crítica.25

Como é impossível para o telespectador, a menos que disponha de umequipamento de vídeo, reduzir a velocidade ou observar novamente a rápi-da difusão de imagens, ele tem poucas chances de se distanciar do conteú-do da produção visual e refletir sobre seu significado. Além disso, as ima-gens não são apenas apresentadas com a velocidade de uma metralhadora;elas geralmente carecem de uma unidade particular, como nos noticiários,ou então de um contexto mais amplo - isto é, elas não têm foco. Nestecontexto, a imagem classifica a realidade, e o fato se torna o árbitro daverdade. Os situacionistas franceses referem-se ao entesouramento da ima-gem como "o espetáculo". Como descreve Norman Fruchter:

O espetáculo é a pseudo-reaiidade continuamente produzida e, portanto, em contí-nuo desdobramento, predominantemente visual, que cada indivíduo encontra, habitae aceita como realidade pública e oficial, negando-se, assim, tanto quanto possível, arealidade privada cotidiana de exploração, sofrimento e inautenticidade que ele ou elaexperimenta.26

O entesouramento da imagem, o espetáculo, encontra algumas de suasmanifestações no estrelato, na identificação do estético com o "entreteni-mento", e na glorificação de temas sensacionais e violentos. Em meio aabundância de imagens estilizadas e excessivamente dramatizadas da realida-de, a mídia visual, especialmente a televisão, acalenta o público com sua

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^iDiçac» de "objetividade" e sua preocupação com os "fatos". A objetivida-de dos meios visuais parece garantir-se pela presença bruta da câmera, comua capacidade de focalizar imediatamente um determinado evento ou deantar todos os gestos e movimentos em sua versão da realidade. Frederic

l^jfieson descreve bem esta posição quando escreve:

Asseguramo-nos na ilusão de que a câmera está testemunhando tudo exatamentecomo aconteceu e que tudo o que ela vê é tudo o que há. A câmera é presençaabsoluta e absoluta verdade: assim, a estética de representação desintegra a densidadedo evento histórico, achatando-o de volta à ficção.27

Em meio à fragmentação das imagens e transbordamento da informa-ção, a intrusão do fato aparece como instrumento confiável para por ordemna confusão e incerteza. Como assinala Gitlin em sua análise da televisão eda 'cultura do positivismo:

A televisão contribui poderosamente para um fetichismo dos fatos.... Como a históriaé desconcertante, complexa e fora do controle popular, o fato bruto assume umaimportância excessiva....Os fatos por si mesmos parecem explicar, tranqüilizar ou alar-mar, tudo de maneira planejada. Os fatos exigem atenção, entram no fluxo da discus-são, e. parecendo legítimos e confiáveis, eles orientam - e durante todo o tempoparecem deixar a escolha para o consumidor, o público.28

Embora a mídia visual não seja a única força a promover a reproduçãosocial e cultural, é possível que ela seja a mais poderosa. Aronowitz apontapara estudos que sugerem uma tendência crescente entre os estudantespara ver as coisas de maneira literal e não conceituai; estes estudos tambémtêm apontado para a crescente incapacidade dos estudantes de pensardialeticamente, ver as coisas em um contexto mais amplo ou estabelecerrelações entre objetos ou eventos aparentemente não relacionados. Ele eoutros autores também se queixam do fato dos estudantes estarem amarra-dos a "factualidade" do mundo, e parecerem ter dificuldade de utilizar con-ceitos que poderiam controverter as aparências.29

A resposta de alguns críticos ao poder e sofisticação cada vez maioresda mídia visual tem sido a exaltação das virtudes dos meios eletrônicos emgeral, mas ao mesmo tempo exigindo uma suspensão da leitura e do mate-rial impresso.30 Estes críticos apontam para as virtudes e possibilidades dacomunicação em duas mãos inerentes à mídia eletrônica, e sugerem que aera dos impressos é uma relíquia cultural em extinção. Eles também apon-tam que a cultura visual não irá embora, e instigam seus leitores a enfrentá-*a- Esta posição é nobre, porém errônea. A mídia eletrônica está nas mãosdos monopólios corporativos, e seria necessário uma redistribuição de po-der e riqueza para colocá-la à disposição do público.31 Embora importante,esta tarefa deve ser precedida por uma mudança na consciência popular eacompanhada pelo desenvolvimento de uma luta política em andamento.Além disso, ela subestima o poder da mídia em definir o uso de sua própria

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tecnologia. Em outras palavras, mesmo com o acesso cada vez maiormeios de comunicação eletrônicos, tais como câmeras e aparelhos cie videbem como meios eletrônicos não visuais como os rádios CB*, o públi °encara estas formas de comunicação como importantes somente para ativid-°dês de lazer.32 a~

de

Se a cultura visual no contexto da sociedade de hoje ameaça a auto-refle-xão e o pensamento crítico, teremos que redefinir nossas noções dealfabetismo e confiar muito na cultura impressa para ensinar às pessoas osrudimentos cio pensamento crítico e da ação social. O ponto aqui é quedevemos ir além da noção positivista de alfabetismo que atualmente carac-teriza as ciências sociais.33 Em vez de formular o alfabetismo em termos dedomínio de técnicas, devemos ampliar seu significado para incluir a capaci-dade de ler criticamente, tanto dentro como fora de nossas experiências, ecom força conceituai. Isto significa que a alfabetízação permitiria que aspessoas decodificassem seus mundos pessoais e sociais e, assim, estimula-ria sua capacidade de questionar mitos e crenças que estruturam suas per-cepções e experiências. A alfabetízação, como Freire nunca se cansa de nosdizer, deve estar ligada a uma teoria do conhecimento que esteja em conso-nância com uma perspectiva política libertadora e que dê expressão máxi-ma à elucidação do poder das relações sociais no ato de conhecer. Isto écrucial porque sugere não apenas que deveríamos aprender a ler as mensa-gens de maneira crítica, mas também que a análise crítica só pode ocorrerquando o conhecimento serve como objeto de investigação, como forçamediadora entre as pessoas.3/í

A verdadeira alfabetízação envolve o diálogo e relacionamentos so-ciais livres de estruturas autoritárias hierárquicas. Na atual conjuntura histórica,a leitura oferece oportunidades para o desenvolvimento de abordagensprogressistas da alfabetízação, tanto como modo de consciência crítica quantocomo trampolim fundamental para a ação social. A cultura impressa é aces-sível e barata, e seus materiais podem ser produzidos e fabricados pelopúblico. A leitura em grupo, bem como a leitura solitária, proporciona oespaço e distanciamento "privados" raramente oferecidos pelas culturas ele-trônicas e visuais. A tecnologia dos materiais impressos contém a promessaimediata de transformar as pessoas em agentes sociais que possam manipu-

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j!' f° ,' B e a abreviat"ra de CitizensBcmdQ-ZK* do Cidadão). Refere-se a um serviço de rádio emMa tíupla_concedido pelo governo aos cidadãos americanos para comunicação a curta distância entre

NevfvnN »S °<' m°VeÍS' (THe Random House ComPact Unabridged Dictíonarv. Special 2nd Edition,INC\\ York: Random House, Inc, 1996). " '

t r e usar o livro, o jornal e outras formas de comunicação impressa paraeu próprio benefício. Ela contém a promessa de emancipação. Além disso

5 cultura impressa permite o desenvolvimento cie métodos dê^onceitualização e organização social que poderiam eliminar a papel atual. s nieios visuais e eletrônicos como força opressiva. Este é o conceito quew à exortação de Brecht - "Vocês que estão famintos, agarrem-se ao livro:

e|e é uma arma."35 - mais urgência hoje do que quando ele a escreveu hápiais cie três décadas.

Notas

l Herbert Marcuse, One Dimensional Man (Boston: Beacon Press, 1964): Horkheímer, Eclipseof Reason; Davici F. Noble, America by Design (New York: Knopf, 1977); Aronowitz, FalsePromises.2. f.W. Freiberg, "Criticai Social Theory in the American Conjuncture", in J. W. Freiberg, ed.,Criticai Sociology (New York: Irvington Press, 1979), pp. 1-21.

3. Todcl Gitlin, "Media Sociology", Theory and Society 6 (1978): 205-53.

4. M. Hoyles, 'The Histoiy and Politics of Literacy", in M. Hoyles, ed., ThePolitics ofLiteracy(Lontlon: Writers and Readers Publishing Cooperation, 1977), pp. 14-32.

5. Gitlin, "Media Sociology", p. 205; Aronowitz, "Mass Culture", p. 768.

6. A utopia tecnológica encontra sua expressão mais popular em Marshal McLuhan,Understanding Media (New York: Signet, 1963); o fatalismo tecnológico é captado comperfeição em jacques Ellul, The TechnologicalSociety (New York: Knopf, 1965). Uma análisecrítica destas duas posições pode ser encontrada em Henry A. Giroux, "The Politics ofTechnology. Culture and Alienation", Left Curve 6 (Verão/Outono 1976): 32-42.

7. M.W. Apple, "Television and Cultural Reproduction", Journal of Aesthetic Education 12(Out. 1979): 109.

8. Christopher Lasch, Haven in a Heartless World (New York: Basic. 1977), pp. 93-94; HansPeter Dreitzel, "On the Political Meaning oi" Culture", em Norman Birnbaum, ed., BeyondtheCrisis (New York: Oxford University Press, 1977), pp. 83-138.

9. Gramsci, Prison Notebooks- uma amostra representativa excelente dos escritores da escolade Frankfurt pode ser encontrada em A. Arato e E. Gebhardt, eds., The Essential FrankfurtSchool Reader (New York:Urizon, 1978).

10. Bourdieu e Passeron, Reproduction; Bernstein, Class, Codes, and Contrai, vol.3-

11. Dreitzel, "Political Meaning of Culture", p.88.

12. Ewen, Captains of Consciouness, p. 202.

13. Braverman, Labor and Monopoly Capital; Ewen, Captains of Consciouness, p. 195.

M. T. McCarthy, The Criticai Theory of fürgen Habermas (Cambridge, Mass.: MIT Press,!978j, p.37.

15. Hans Enzenberger, The Consciousness Industry (New York: Seabury, 1974).

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122 HENRY A. G1ROUX

16. Ibid., p-16.

17 Um crítico alega que a sociedade americana é caracterizada por uma "taxa decrescentede'inteligência, a qual representa mais uma tendência do que uma lei imutável. Este proces-so de obsoletismo intelectual aniquila a memória e a história de forma a incitar uma deman-da e produção estagnantes. O resultado é uma repetição desmemoriada - uma amnésiasocial". Russell jacoby, "A Falling Rate of Intelligence", Telos 27 (Primavera 1976): 144.

18. Aronowitz, "Mass Culture", pp. 768, 770.

19. Ver D. Ben-Horin, "Television without Tears", Sociatist Revieiu 35 (Set./Out. 1977): 7-35.

20. Gouldner, Dialectic ofldeology.

21. Enzenberg, Consciousness Industry, pp. 95-128.

22. Gitlin, Media Sociology, p.791.

23. Theodor Adorno, "Television and Patterns of Mass Culture", em Mass Culture: The Popu-lar Arts in America, ed. B. Rosenberg e P. Manning White (New York:Free Press (1957), p.93.

24. Aronowitz, False Promises, pp. 50-134.

25. Theodor Adorno, "Television and Patterns of Mass Culture", p.484.

26.Norman Fruchter, "Movement Propaganda and the Culture of the Spectade". Liberation(Maio 1971), pp. 4-17.

27. Frederic Jameson, "Class and Allegory in Contemporary Mass Culture: Dog Day Afternoonas a Political Film", College English 38(Abril, 1977): 848. '

28. Gitlin, "Media Sociology", p. 791.

29. Aronowitz, "Mass Culture"p. 770. Ver também D. Lazere, "Literacy and Política!Consciousness: A Critique of Left Critiques", Radical Teacherü (Maio 1975): 20-21.

30. J. MacDonald, "Reading in an Electronic Age", em J. MacDonald, ed., Social Perspectivesin Reading (Delaware: International Reading Association, 1973), pp. 24-27; Enzenberger,Consciousness Industry, pags. 95-128.

31. Gitlin. "Media Sociology", passim.

32. O. Negt, "Mass Media: Toois of Dominatíon or Instruments of Liberation?" New GennanCritique 14 (Primavera 1978): 70.

33. Exemplos desta tendência foram analisados em Elsasser e john-Steiner, "An Internationa!Approach". Exemplos representativos das abordagens positivistas do alfabetismo na leiturapodem ser encontrados em R. C. Calfee e P. A. Drum, "Learning to Reacl: Theory, Research,and Practice", Curriculum Theory 8 (Outono 1978): 183-250.

34. Giroux, "Beyond the Limits".

35. Citado em Hoyles, Politics of Literacy, p.78.

7Crítica,

e oDiscurso daHENRY A. GIROUX

E screvendo sobre o ato de estudar, o educador Paulo Freire alega que"estudar é uma tarefa difícil que requer uma atitude crítica e umadisciplina intelectual sistemáticas adquiridas somente através da prá-

tica".1 Ele também argumenta que, subjacentes à natureza desta prática,encontram-se duas suposições pedagógicas importantes. Primeiro, o leitordeveria assumir o papel de um indivíduo no ato"de estudar. Segundo, o atode estudar não é simplesmente um relacionamento com o texto imediato;pelo contrário, tem o sentido mais amplo de uma atitude em relação aomundo. Vale a pena citá-lo mais detalhadamente nestas questões:

Estudar um texto exige urna análise do estudo daquele que, através do estudo, oescreveu. Isso exige uma compreensão do condicionamento sociológico e históricodo conhecimento. E também requer uma investigação do conteúdo em estudo e deoutras dimensões do conhecimento. Estudar é uma forma de reinventar, recriar, rees-crever, e isto é tarefa cie um indivíduo, não de um objeto. Além disso, nesta aborda-gem, o/a leitor/a não pode ser separado/a do texto porque estaria renunciando a umaatitude crítica em relação ao mesmo.... Sendo o ato de estudar uma atitude perante omundo, o mesmo não pode ser reduzido ao relacionamento do leitor com o livro oudo leitor com o texto. Na verdade, um texto reflete o confronto de seu autor com omundo. Ele expressa este confronto.... Aquele que estuda nunca deveria parar ciesentir curiosidade sobre outras pessoas e outra realidade. Existem aqueles que pei-guntam, aqueles que tentam encontrar respostas e aqueles que continuam procuracio.2

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124 HENRY A. GIROUX

Os comentários de Freire são um ponto importante para iniciar estecapítulo porque tornam sugestiva e problemática a questão de como teorizare desenvolver uma pedagogia que incorpore formas de experiência nasquais professores e estudantes mostrem um sentido de agência crítica efortalecimento do poder. A ênfase de Freire na noção de agência, nestecaso, é particularmente importante porque evoca imagens tanto cie críticaquanto de possibilidade. Em primeiro lugar, existe uma demanda implícitapor compreender como a experiência nas escolas ocorre de um modo queefetivamente silencia a possibilidade de aprendizagem e agência críticas.Em segundo, Freire emprega de forma distinta uma linguagem e um desa-fio para a organização de experiências pedagógicas dentro de formas epráticas sociais que referem-se ao desenvolvimento de modos de aprendi-zagem mais críticos, abertos, investigativos e coletivos.

Devo argumentar que, para vencer este desafio, os educadores críticosprecisam desenvolver um discurso que, por um lado, possa ser usado paraquestionar as escolas enquanto corporificações ideológicas e materiais deuma complexa teia de relações de cultura e poder, e, por outro, enquantolocais socialmente construídos de contestação ativamente envolvidos naprodução de experiências vividas. Subjacente a tal abordagem encontraria-se uma tentativa de definir-se como a prática pedagógica representa umapolítica particular de experiência, isto é, um campo cultural no qual o co-nhecimento, o discurso e o poder interseccionam-se de forma a produzirpráticas historicamente específicas de regulação moral e social.3 De manei-ra semelhante, esta problemática aponta para a necessidade de questionar-se como as experiências humanas são produzidas, contestadas e legitima-das na dinâmica da vida escolar cotidiana. A importância teórica deste tipode interrogação está diretamente relacionada com a necessidade de que oseducadores críticos criem um discurso no qual uma política mais abrangenteda cultura e cia experiência possa ser desenvolvida. Aqui está em questão oreconhecimento de que as escolas são corporificações históricas e estrutu-rais de formas e cultura que são ideológicas no sentido de que dão signifi-cado à realidade através de maneiras que são muitas vezes ativamente con-testadas e distintamente experimentadas por grupos e indivíduos variados.Isto é, as escolas não são de forma alguma ideologicamente inocentes, cnem simplesmente reproduzem as relações e interesses sociais dominantes.Elas, contudo, de fato exercitam formas de regulação moral e política inti-mamente relacionadas com as tecnologias de poder que ''produzemassimetrias na capacidade de grupos e indivíduos de definir e compreendersuas necessidades".'' Mais especificamente, as escolas estabelecem as con-dições sob as quais alguns indivíduos e grupos definem os termos pelo^quais os outros vivem, resistem, afirmam e participam na construção desuas próprias identidades e subjetividades. Com esta perspectiva teórica,devo argumentar que o poder tem que ser compreendido como um conjun-to concreto de práticas que produzem formas sociais através das quais

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 125

sãodiferentes conjuntos de experiência e espécies de subjetividadeconstruídos.5 O discurso nesta equação é tanto constituinte quanto produtodo poder. Ele funciona para produzir e legitimar configurações de tempoespaço e narrativa que posicionam os professores de maneira a privilegiarversões particulares de ideologia, comportamento e representação da vidacotidiana. O discurso como tecnologia de poder assume expressão concre-ta nas formas de conhecimento que constituem os currículos formais bemcomo nas relações sociais escolares que penetram tanto o corpo como amente.6 Não é preciso dizer que estas práticas e formas pedagógicas são•'lidas'' de maneira diferente tanto por professores quanto por estudantes.7

Não obstante, dentro destes conjuntos de práticas pedagógicas socialmenteconstruídas encontram-se forças que trabalham ativamente para produzirsubjetividades que, consciente ou inconscientemente, mostram um "senti-do" particular do mundo.

Neste caso, o problema a ser analisado tem um foco dual. Primeira-mente, eu gostaria de investigar aquelas formas de discurso e prática edu-cacionais que produzem verdadeiras injustiças e desigualdades através deuma estruturação particular das experiências pedagógicas. Em segundo lu-gar, gostaria de ir além da linguagem da análise crítica e, assim, analisar apossibilidade de construírem-se formas de prática pedagógica que permi-tam que professores e estudantes assumam o papel crítico e reflexivo cieintelectuais transformadores. Em cada caso, examinarei os modos nos quaisas escolas tanto incorporam quanto refletem os antagonismos sociais atra-vés das relações sociais que se constróem em torno de visões pedagógicasparticulares da cultura, conhecimento e experiência.

Educação e o Discurso da Administração e Controle

As escolas deveriam ensinar você a se realizar, mas não o fazem. Elas te ensinam a serum livro. E fácil tornar-se um livro, mas para tornar-se você mesmo é preciso que vocêtenha várias opções e seja ajudado a avaliar estas opções. Você tem que aprender isso,do contrário não estará preparado para o mundo lá fora.8

O estudante cie segundo grau que deu esta resposta oferece tanto umaleitura importante de sua experiência escolar particular quanto uma indica-ção de que o discurso e as práticas pedagógicas que o moldaram nãotoveram sucesso. Mas argumentar que tal pedagogia não teve sucesso exigemaior elaboração quanto a como este discurso e prática se caracterizam,^ue suposições lhes informam, e que interesses particulares subjazem suavisâo da cultura, do conhecimento e das relações professor-aluno que elessustentam.

O conjunto de práticas pedagógicas que estou prestes a analisar^ ê'"formado por um discurso que desejo rotular de discurso da administração

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126 HENRY A. GIROUX

e controle. Inerente a este discurso encontra-se uma visão de cultura e deconhecimento na qual ambos são muitas vezes tratados como parte de umdepósito de artefatos constituídos como cânones. Embora este discursotenha diversas expressões características, sua defesa teórica mais recentepode ser encontrada na Proposta Paideia de Adler. Ele propõe que as esco-las implementem um curso central de disciplinas em todos os doze anos deescolarização pública. Seu apelo é por formas de pedagogia que permitamaos estudantes dominarem habilidades e formas de compreensão com respei-to a formas predeterminadas de conhecimento. Nesta visão, o conhecimen-to parece estar além cio alcance do questionamento crítico, exceto em nívelda aplicação imediata. Em outras palavras, não há referência quanto a comotal conhecimento é escolhido, os interesses de quem ele representa, ou porque os estudantes estariam interessados em aprendê-lo. Na verdade, nestaperspectiva os estudantes são constituídos como corpo unitário separadodas diferenças ideológicas e materiais que constróem suas subjetividades,interesses e preocupações de maneira diversa e múltipla. Eu argumentariaque o conceito de diferença neste caso torna-se a aparição negativa do"outro". Isto é particularmente claro no caso de Adler, já que ele desconsideraas diferenças culturais e sociais entre os estudantes com o comentário sim-plista e reducionista de que "Apesar de suas muitas diferenças individuais,as crianças são todas iguais em sua natureza humana".9 Neste discurso, umcorpo de conhecimento predeterminado e hierarquicamente organizado étomado como valor cultural a ser distribuído a todas as crianças, indepen-dentemente de suas diferenças e interesses. Igualmente importante é o fatode que a aquisição de tal conhecimento torna-se o princípio de estruturaçãoem torno do qual se organiza o currículo escolar e se legitimam relaçõessociais escolares particulares. Neste caso, é o apelo exclusivo ao conhecimen-to escolar que constitui a medida e valor do que define a experiência deaprendizagem. Isto é, o valor cia experiência tanto do professor quanto cioaluno tem por premissa a transmissão e reiteração do que pode ser chamadode "conhecimento positivo". Conseqüentemente, é na distribuição, administra-ção, medição e legitimação de tal conhecimento que este tipo de pedagogiainveste suas energias. Em seu estudo etnográfico em três escolas urbanas desegundo grau, Cusick comenta sobre a natureza problemática de legitimar eorganizar as práticas escolares em torno da noção de "conhecimento positivo".

Por conhecimento positivo quero dizer aquele que geralmente é aceito como tendouma base empírica ou tradicional.... A suposição de que a aquisição de conhecimentopositivo pode ser interessante e atraente subjaz em parte às leis que obrigam todos afreqüentar a escola, pelo menos até a metade de sua adolescência....A suposiçãoconvencional seria a de que o currículo de uma escola existe como corpo de conhe-cimento, com pleno acordo de seus membros e aprovação da comunidade em geral edas autoridades locais, que detém certa sabedoria, e que reflete o melhor pensamentoacerca cio que os jovens precisam para ter sucesso em nossa sociedade. Mas não toiisso que eu encontrei.10

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 127

O que Cusick de fato encontrou foi que o conhecimento escolar organi-zado nestes termos não tinha apelo suficiente para suscitar o interesse demuitos estudantes que ele observou. Além do mais, os educadores presos -aesta perspectiva respondiam ao desinteresse, violência e resistência dos alunostransferindo suas preocupações do ensino de conhecimento positivo propria-mente dito para a manutenção da ordem e do controle, ou, corno expresso emsuas palavras, "segurando a tampa". Vale a pena citar Cusick mais detidamente:

Os administradores não apenas dispendiam tempo nesses assuntos de administração econtrole, mas também tinham a tendência cie avaliar outros elementos, tais como odesempenho dos professores, segundo sua capacidade de contribuir ou não para amanutenção da ordem. O exemplo mais notável disso foi a implementação nas duasescolas urbanas do regime de cinco-por-cinco, no qual os estudantes eram levados aescola de manhã cedo, assistiam cinco períodos de aula, com alguns minutos deintervalo entre elas e um recreio de quinze minutos na metade da manhã, e eramdispensados antes da uma hora da tarde. Não havia períodos livres, saias cie estudo,períodos de refeição ou reuniões. Não se permitiam ocasiões em que a violênciapudesse ocorrer. A importância de manter a ordem nestas escolas secundárias públi-cas não podia ser subestimada."

Neste discurso, a experiência do estudante é reduzida a seu desempe-nho imediato e existe como algo a ser medido, administrado, registrado econtrolado. Sua particularidade, suas disjunções e sua qualidade vivida sãotodas diluídas numa ideologia de controle e administração. Um dos maio-res problemas desta perspectiva é que a exaltação de tal conhecimento nãoassegura que os estudantes terão qualquer interesse nas práticas pedagógi-cas que ele produz, principalmente porque tal conhecimento parece terpouca relação com as experiências cotidianas dos próprios estudantes. Alémdisso, os professores que estruturam as experiênciais em sala de aula apartir deste discurso geralmente enfrentam muitos problemas nas escolaspúblicas, especialmente aquelas de grandes centros urbanos. O fastio e/ourompimento parecem ser seus principais produtos. Até certo ponto, é claro,os professores que dependem de práticas escolares que mostram um desres-peito pelos estudantes e pela aprendizagem são propriamente vítimas decondições de trabalho específicas que virtualmente lhes impossibilitam as-sumir a posição de educadores críticos. Ao mesmo tempo, as condiçõessob as quais os professores trabalham são mutuamente determinadas pelosinteresses e discursos que fornecem a legitimação ideológica para a promo-ção de práticas escolares hegemônicas. A seguinte citação pode exagerar alógica da -administração e controle operando neste discurso, mas certamen-te revela sua ideologia. Existe um certo tom de ironia neste exemplo nosentido de que o autor é um professor de redação defendendo as virtudesda docilidade de seus leitores estudantes:

Docilidacie significa "ensinabilidade" e é simplesmente a qualidade de estar disposto aseguir instruções simples e ter confiança no professor, que já passou por todo o

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aprendizado - e talvez muito ensino - antes, e ele (sic) simplesmente deve saber o queestá fazendo... Você mesmo, sem qualquer talento, seguindo paciente, dócil e seria-mente um método passo a passo pode produzir um bom tema.12

Este tipo de discurso não apenas promove uma violência simbólicacontra os estudantes no sentido de que desvaloriza o capital cultural quepossuem como base significativa para o conhecimento e investigação esco-lar, como também tende a posicionar os professores dentro de modelospedagógicos que legitimam seu papel como "funcionários" do império.Infelizmente, os interesses tecnocráticos que incorporam a noção de profes-sores como funcionários faz parte de uma longa tradição de modelos ciegerenciamento em pedagogia e administração que tem dominado a educa-ção pública americana.15 Expressões mais recentes desta lógica incluemuma variedade de modelos de contabilidade, administração por objetivosmateriais curriculares à prova de professor, e exigências de certificaçãoimpostas pelo estado. Subjacente a todas estas abordagens da administra-ção e trabalho docente encontra-se um conjunto cie princípios em desacor-do com a noção de que os professores deveriam estar coletivamente envolvi-dos na produção dos materiais curriculares adequados aos contextos so-ciais e culturais no qual ensinam. As questões referentes à especificidadecultural, julgamento do professor e a como a experiência e as histórias doestudante se relacionam com o próprio processo de aprendizagem são igno-radas. É possível ir ainda mais longe e dizer que estes últimos pontos repre-sentam uma espécie de autonomia e controle do professor que são umobstáculo para os administradores, os quais acreditam que a excelência éuma qualidade a ser exibida principalmente mediante notas superiores emleitura e matemática e exames para admissão à faculdade. Isto fica aindamais óbvio à luz da principal suposição subjacente ao discurso da administra-ção e controle, isto é, que é preciso controlar o comportamento do profes-sor, tornando-o congruente e previsível nas diferentes escolas e populaçõesde estudantes. É importante frisar que o resultado dos sistemas escolaresque adotam esta ideologia não é simplesmente o desenvolvimento de umaforma autoritária de controle escolar e formas de pedagogia mais padroniza-das e gerenciáveis. Este tipo de política escolar também contribui para boasrelações públicas no sentido de que os administradores escolares podemoferecer soluções técnicas para problemas sociais, políticos e econômicosque assolam suas escolas, ao mesmo tempo evocando os princípios decontabilidade como indicadores de sucesso. A mensagem para o público éclara: se o problema pode ser medido, então pode ser resolvido. Mas odiscurso educacional predominante não é todo cie um tipo: existe umaoutra posição dentro do mesmo que não ignora o relacionamento entreconhecimento e aprendizagem, por um lado, e a experiência do estudante,por outro. É esta posição que agora irei abordar.

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jjclticação e o Discurso da

O discurso da relevância na teoria e prática educacional tem uma longaassociação com vários princípios daquela que tem sido chamada em geralde educação progressista nos Estados Unidos. Desde Dewey ao Movimentoda Escola Livre, passando pelos anos 60 e 70 até a ênfase atual no multicul-ruralismo, tem havido uma preocupação em tomar as necessidades e expe-riências culturais dos estudantes como ponto de partida para o desenvolvi-mento de formas relevantes de pedagogia.1'1 Como é impossível analisarneste ensaio todas as voltas e reviravoltas deste movimento, desejo focalizarexclusivamente algumas de suas tendências, juntamente com a maneira naqual seus discursos estruturam as experiências de estudantes e professores.

Em sua forma mais próxima ao senso comum, o discurso da relevânciaprivilegia uma noção de experiência na qual a mesma é igualada à "satisfa-ção das necessidades dos jovens" ou ao desenvolvimento de relações cor-diais com os estudantes, de forma a ser capaz de manter a ordem e ocontrole na escola. Em muitos aspectos, estes dois discursos representamlados diferentes da mesma ideologia educacional. No discurso da "satisfa-ção das necessidades", o conceito de necessidade representa a ausência deum conjunto particular de experiências. Na maioria dos casos, o que oseducadores acreditam que está faltando são as experiências culturalmenteespecíficas que enriquecem a vida dos estudantes, ou então as habilidadesbásicas que "necessitam" para conseguir emprego quando saírem da esco-la. Subjacente a esta visão da experiência está a lógica da teoria da privaçãocultural que define a educação em termos de enriquecimento cultural,remediação e conceitos básicos.

Neste discurso, existe pouco reconhecimento de que aquilo que élegitimado como experiência privilegiada muitas vezes representa o endos-so a um estilo de vida particular que indica sua superioridade com uma''vingança" contra aqueles que não compartilham de seus atributos. Maisespecificamente, a experiência do estudante, quando distinta, é moldadadentro de um discurso que muitas vezes a rotula como desviada, poucoprivilegiada e inculta. Conseqüentemente, não apenas os estudantes têmresponsabilidade exclusiva pelo fracasso escolar, como também há pouco°u nenhum espaço teórico para questionarem-se as formas nas quais osa<Jministradores e professores na verdade criam e sustentam os problemasRue atribuem aos estudantes em questão. Esta visão acrílica dos estudantes,Particularmente daqueles pertencentes a grupos subordinados, está refletí-da na recusa do discurso da relevância em examinar criticamente a maneiraPela qual o mesmo fornece e legitima formas de experiência que incorpo-^m a lógica de dominação. Um exemplo evidente que me fez compreen-

e_r isso foi o caso de um professor secundário em um de meus cursos deP°s-graduação que constantemente referia-se a seus estudantes da classe

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operária como "de vida baixa". Neste caso, ela não fazia idéia de como sualin^uaoem efetivamente construía suas relações com estes estudantes, em-bora eu tenha certeza que a mensagem não deixasse cie influenciá-los. Umtipo de prática que surge a partir deste discurso com freqüência coloca osprofessores na posição de culpar os estudantes por seus problemas e aomesmo tempo humiíhá-los através de um esforço para fazê-los participar daaula. A seguinte citação capta esta abordagem:

Depois de quinze minutos fazendo a chamada, o professor escreveu algumas expres-sões no quadro: "Adão e Eva", "geração espontânea", e "evolução", e disse aos alunos:•'nos próximos quarenta minutos vocês elevem escrever um ensaio sobre como achamque o mundo começou, e aqui estão três possibilidades que vocês conhecem, poisforam discutidas na semana passada. Eu fiz isso como minha turma de preparação nafaculdade e eles gostaram.... Isso lhes fará bem. Ensiná-los a pensar, para variar, que éalgo que vocês não fazem muito."15

Quando os estudantes se recusam a tolerar este tipo de discurso humi-lhante, os professores e administradores escolares geralmente enfrentamproblemas de ordem e controle. Uma resposta é o discurso das relaçõescordiais. O caso típico de manejo dos estudantes neste discurso é tentarmantê-los felizes pela satisfação de seus interesses pessoais através de mo-dos adequadamente desenvolvidos de conhecimento de baixo status, ouentão pelo desenvolvimento de uma boa harmonia com eles16. Definidossegundo uma lógica que os vê como os outros, os estudantes tornam-seentão objetos de observação no interesse de serem compreendidos paraserem mais facilmente controlados. Por exemplo, o conhecimento usadopelos professores com estes alunos é muitas vezes extraído de formas culturaisidentificadas com interesses específicos a classes, raças e gêneros. Mas arelevância, neste caso, tem pouco a ver com preocupações libertadoras. Aoinvés disso, ela se traduz em práticas pedagógicas que tentam apropriar-sedê formas de cultura estudantil e popular com o interesse de "segurar atampa". Além disso, ela fornece uma ideologia de legitimação para formasde seleção específicas à classe, raça e gênero. A seleção aqui em questão édesenvolvida em sua forma mais sutil através de uma série infinita de discipli-nas opcionais que parecem legitimar as culturas de grupos subordinados,mas que de fato as incorporam de maneira pedagógica trivial. Assim, asmeninas da classe trabalhadora são aconselhadas pelos orientadores a assistir"Conversa de Menina", enquanto os estudantes da classe média não têmdúvidas acerca da importância de freqüentar aulas de crítica literária. Emnome da relevância e ordem, os meninos da classe trabalhadora são estimu-lados a selecionar artes industriais, ao passo que seus colegas cie classemédia fazem cursos de química avançada. Estas práticas e formas SOCÚUNjuntamente com os interesses e pedagogias divergentes que produzem, pforam extensivamente analisadas em outra parte e não precisam ser repeti-das aqui.17

OS PROFESSORES COMOlNTCLECn ,A

Em suas formas com maior embasamento teórico, o discurso da 1vância traduz-se no que chamarei de discurso da integração, uma transiçãoindicada por uma visão mais liberal da experiência e cultura do estudanteNeste discurso, a experiência do estudante é definida através da psicologiaindividualizante da "centralidade da criança" ou através da lógica dopluralismo normativo. Entendida como parte de um processo natural emdesdobramento, a experiência do estudante não é aliada aos imperativosda autoridade disciplinar rígida mas ao exercício do autocontrole e auto-regulação. O foco de análise neste discurso é a criança como objeto unitá-rio e as práticas pedagógicas enfatizadas são estruturadas em torno da metade estimular a expressão saudável e relações sociais harmoniosas.

Essencial ao discurso da integração é a problemática que equaciona aliberdade com a concessão de amor e com o que Carl Rogers chama de"consideração positiva incondicional" e "compreensão enfática".18 Este câ-none pedagógico posiciona os professores em um conjunto de relaçõessociais que enfatizam em alto grau a aprendizagem autodirigida, ligam oconhecimento às experiências pessoais dos estudantes e tentam ajudar osestudantes a interagirem uns com os outros de maneira positiva e harmoniosa.A maneira como as experiências dos estudantes são desenvolvidas nestediscurso está, evidentemente, relacionada com a questão mais ampla decomo elas são construídas e compreendidas dentro dos múltiplos discursosque incorporam e reproduzem as relações sociais e culturais que caracteri-zam a sociedade mais ampla. Embora esta questão geralmente seja ignora-da na linguagem da centralidade da criança, ela é apropriada como preocu-pação central em uma outra versão do discurso da integração, o qual em-prega o que pode ser chamado de pedagogia do pluralismo normativo.

Na pedagogia do pluralismo normativo, a análise e significado da ex-periência desloca-se cia preocupação com a criança individual para o estu-dante como parte de um grupo cultural específico. Assim, a identificação ecompreensão da experiência se dão através de uma gama de categoriassociais que situam a criança individual dentro cie uma rede de conexõesculturais diversas. De importância teórica fundamental é a maneira pelaqual o conceito de cultura é definido e questionado nesta perspectiva. Emtermos antropológicos, a cultura é vista como as formas pelas quais os sereshumanos dão sentido a suas vidas, sentimentos, crenças, pensamentos esociedade mais ampla.19 Neste discurso, a noção da diferença é destituídade sua singularidade e acomodada na lógica cie um "humanismo cívicoPolido".20 Isto é, a diferença não simboliza mais a ameaça de rompimento.Pelo contrário, ela então indica um convite aos diversos grupos culturaisPara que dêem as mãos sob a bandeira democrática do pluralismo integrador.vale a pena salientar que a relação entre diferença e pluralismo é essencialPara esta perspectiva; ela serve para legitimar a idéia de que, a despeito dasdiferenças manifestas em torno da raça, etnia, linguagem, valores e estilos

vida, existe uma igualdade subjacente entre os diferentes grupos cultu-

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rais que repudia o privilégio de qualquer uma delas. Assim, a noção dediferença é incluída em um discurso e conjunto de práticas que promovemharmonia, igualdade e respeito dentro e entre grupos culturais diversos.

Isto não significa sugerir que o conflito é ignorado nesta abordagem enem estou sugerindo que os antagonismos sociais e políticos que caracteri-zam o relacionamento entre os diferentes grupos culturais e a sociedademais ampla são negados. Ao contrário, tais problemas geralmente são reco-nhecidos, porém vistos como questões a serem discutidas e superadas nointeresse de criar-se uma "classe feliz e cooperativa", que irá desempenharum papel fundamental na formação de um "mundo feliz e cooperativo".21

Neste contexto, as representações culturais de diferença enquanto conflitoe tensão só se tornam pedagogicamente possíveis de serem trabalhadasdentro da linguagem da unidade e cooperação. Conseqüentemente, o con-ceito de diferença torna-se seu contrário, pois a diferença torna-se significa-tiva como algo a ser resolvido dentro de formas relevantes de troca e dis-cussões em aula. O que se perde aí é o respeito pela autonomia de lógicasculturais diferentes e qualquer compreensão de como tais lógicas operamem relações assimétricas de poder e dominação. Em outras palavras, a igual-dade que é associada com as diferentes formas de cultura enquanto experiên-cias vividas e incorporadas serve para substituir as considerações políticasreferentes às formas pelas quais os grupos dominantes e subordinados sãoproduzidos, mediados e expressos nas práticas sociais concretas dentro efora das escolas.

As práticas pedagógicas desenvolvidas a partir desta noção de diferen-ça e diversidade cultural estão repletas da linguagem do pensamento posi-tivo. Isto se torna claro nos projetos curriculares desenvolvidos em tornodestas práticas. As mesmas geralmente estruturam os problemas curricularesde forma a incluir referências aos conflitos e tensões que existem entre osdiferentes grupos. Contudo, em vez de educar os estudantes para as formasnas quais os diferentes grupos lutam dentro das relações de poder e domi-nação à medida que estas são travadas na arena social mais ampla, estasabordagens subordinam as questões de luta e poder à tarefa de desenvol-ver metas pedagógicas que fomentem o respeito e entendimento mútuoentre grupos culturais diversos. A natureza apologétíca deste discurso, oqual ignora tranqüilamente a complexidade e dificuldade da mudança soci-al, é evidente nos tipos de objetivos educacionais que estruturam suas prá-ticas escolares. O exemplo a seguir é tipíco:

É importante que os estudantes em um ambiente multicultural, bem como em umambiente mais homogêneo, desenvolvam uma perspectiva multicultural, O desenvol-vimento de competências que funcionem confortavelmente em ambientes multiculturaisdeveriam levar a (1) uma maior autoconsciêncía e respeito próprio, (2) maior respeitopor grupos culturais diferentes daquele do estudante, (3) extensão do pluralismo eigualdade cultural nos Estados Unidos, e (4) menor número de conflitos intergrupaiscausados pela ignorância e incompreensão.22

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Em suas versões teoricamente mais sofisticadas, a pedagogia doluralismo normativo reconhece a existência de conflitos de raça, gênerotnia e de outros tipos entre grupos diferentes, mas é ideologicamente mais

honesta em relação a por que eles não deveriam ser enfatizados no currícu-lo Apelando para os interesses de uma cultura comum, esta posição recor-re a uma ênfase pedagógica aos interesses e ideais comuns que caracteri-zam a nação. Como coloca um de seus porta-vozes, Nathan Glazer, a esco-lha do que deve ser ensinado "deve ser guiada...por nossa concepção deurna sociedade desejável, de um relacionamento entre o que selecionamospara ensinar e a capacidade das pessoas de realizar urna sociedade assim econviver na mesma".23 O que é preocupante nesta posição é que ela carecede qualquer sentido de cultura como terreno de luta; além disso, ela não dáqualquer atenção ao relacionamento entre conhecimento e poder. Na ver-dade, subjacente à afirmação de Glazer encontra-se um igualitarismo levia-no que assume, mas não demonstra, que todos os grupos podem participarativamente no desenvolvimento de tal sociedade. O silêncio estruturadoque subjaz o seu único "nossa" sugere não haver disposição para indiciarou questionar as estruturas de dominação existentes, enquanto apela parauma harmonia artificial. Trata-se de uma harmonia que não é mais do queuma imagética no discurso daqueles que não têm que sofrer as injustiçasexperimentadas por grupos subordinados. Em suma, a pedagogia dopluralismo normativo é vítima de uma perspectiva que idealiza o futuroenquanto destitui o presente de suas contradições e tensões profundamen-te arraigadas. Não se trata simplesmente do discurso da harmonia; trata-setambém de um conjunto de interesses que se recusa a postular as relaçõesentre a cultura e o poder como uma questão moral que exige uma açãopolítica emancipadora.

Eu já registrei algumas das críticas referentes a algumas das suposiçõesque informam o discurso da relevância e integração, mas gostaria deaprofundá-las antes de analisar como a pedagogia crítica pode ser formadaa partir de uma teoria de política cultural.24

O discurso da relevância e integração é vítima de uma tendência ideo-lógica profundamente arraigada na educação americana, bem como nasciências sociais predominantes, de separar a cultura das relações de poder.A cultura nesta visão torna-se objeto de investigação sociológica, e é anali-sada principalmente como artefato que incorpora e expressa as tradições evalores cie grupos diversos. Não há, nesta visão, tentativa de entender acultura como os princípios de vida compartilhados e vivencíactos, caracte-rísticos dos diferentes grupos e classes à medida que estes surgem em meioa relações de poder e campos de luta assimétricos. Em essência, a culturaenquanto relação particular entre grupos dominantes e subordinados e ex-Pressa na forma de relações antagônicas vividas que incorporam e produ-zern formas particulares de significado e ação permanece inexplorada no

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discurso da relevância e integração. Na realidade, este discurso exclui total-mente o conceito de cultura dominante e subordinada, e assim deixa dereconhecer a importância das forças sócio-políticas mais amplas que afetamtodos os aspectos da organização escolar e do cotidiano das salas de aula.

Ao recusar-se a reconhecer as relações entre cultura e poder, o discur-so da relevância e integração deixa de compreender como as próprias esco-las estão envolvidas na reprodução dos discursos dominantes e das práticassociais. Nesta visão, supõe-se que as escolas podem analisar os problemasenfrentados pelos diferentes grupos culturais, e que a partir desta análise osestudantes irão desenvolver um sentido de compreensão e respeito mútuoque de alguma forma irá influenciar a sociedade mais ampla. Mas as escolasfazem mais do que influenciar a sociedade; elas também são moldadas pelamesma. Isto é, as escolas estão inextrincavelmente ligadas a um cojuntomais amplo de processos culturais e políticos, e não apenas refletem osantagonismos incorporados em tais processos, como também os incorpo-ram e reproduzem. A questão geralmente ignorada neste discurso é a decomo as escolas de fato funcionam para produzir diferenciações de classe,raça e gênero juntamente com os antagonismos fundamentais que as estru-turam. Em outras palavras, de que maneira as formas mais amplas de domi-nação e subordinação política, econômica, social e ideológica são investi-das na linguagem, textos e práticas sociais das escolas, bem como nasexperiências dos próprios professores e estudantes? De forma semelhante,de que maneira o poder dentro das escolas é expresso como conjunto derelações que privilegiam alguns grupos e deslegitimam outros? O pontoimportante aqui é que o discurso da relevância e integração é desprovidonão apenas de uma teoria adequada de dominação e do papel desempe-nhado pelas escolas em tal processo, mas também de uma compreensãocrítica de como a experiência é denominada, construída e legitimada nasescolas. Compreendido nestes termos, este discurso deixa de analisar comoas relações sociais trazidas por estudantes e professores à sala de aula sãoexpressas e mediadas. Simon coloca a questão de uma maneira que elucidaa complexidade do problema ignorado por este discurso:

Nossa preocupação como educadores é desenvolver um modo de pensar sobre :iconstrução e definição da subjetividade dentro das formas sociais concretas de nossaexistência cotidiana no qual a escolarização seja compreendida como um local cultu-ral e político que [incorpora] um projeto de regulação e transformação. Como educado-res, exige-se que tomemos uma posição quanto à aceitabilidade de tais formas. Tam-bém reconhecemos que, embora a escolarização seja produtiva, ela não o é isoladamen-te, e sirn em complexas relações com outras formas organizadas em outras condi-ções... Ao trabalhar para reconstruir aspectos da escoiarização, os educadores deve-riam tentar compreender como ela está envolvida na produção de subjetividade», e

reconhecer como as formas sociais existentes legitimam e produzem desigualdade*reais que servem aos interesses de alguns em detrimento cie outros, e que uma peda-gogia transformadora tem propósito oposicionista e ameaça alguns em sua pratica.

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Simon acertadamente argumenta que as escolas são locais de contesta-ção e luta que, enquanto locais de produção cultura], incorporam representa-ções e práticas que constróem bem como bloqueiam as possibilidades deaaência humana entre os estudantes. Isto fica claro reconhecendo-se queum dos elementos mais importantes em funcionamento na construção daexperiência e subjetividade nas escolas é a linguagem. Neste caso, a lingua-gem intersecciona-se com o poder na maneira como uma forma lingüísticaparticular é usada nas escolas para legitimar e estruturar as ideologias emodos de vida de grupos específicos. A linguagem, neste caso, está intima-mente relacionada com o poder, e funciona tanto para posicionar quantoconstituir a forma na qual professores e estudantes definem, medeiam ecompreendem sua relação uns com os outros e com a sociedade maisampla- Uma outra crítica importante ao discurso da relevância e integraçãoé que ele despolitiza a noção de linguagem quando a define basicamenteem termos técnicos (mestria), ou em termos que defendem seu valor comuni-cativo no desenvolvimento do diálogo e transmissão de informação. Emoutras palavras, a linguagem é privilegiada como meio de trocas verbais eapresentação de conhecimento, e, como tal, é abstraída de seu papel cons-tituídor como instrumento e local de disputa em torno de diferentes signifi-cados, práticas e leituras do mundo. Neste discurso, não há noção de comoas práticas da linguagem podem ser usadas para efetivamente silenciar cer-tos estudantes, ou de como o privilegiar de formas particulares de lingua-gem pode funcionar para deslegítimar as tradições, práticas e valores queas práticas de linguagem subordinadas incorporam e refletem. De formasemelhante, há o fracasso em desenvolver a importante tarefa pedagógicade fazer com que os professores aprendam formas de alfabetízação nalinguagem, nas quais se tenha uma compreensão crítica da estrutura da lingua-gem, bem como das habilidades teóricas necessárias para ajudar os estudantesa desenvolverem uma linguagem em que possam tanto validar quanto incluirde maneira crítica suas próprias experiências e ambientes culturais.26

Não é de surpreender que dentro deste discurso as questões de diferençacultural sejam geralmente reduzidas a uma ênfase exclusiva à transmissãoe currículo. O aprendizado e compreensão do conhecimento escolar tor-

nam-se os únicos meios através dos quais os problemas são identificados eresolvidos. O que se perde aí são as formas pelas quais o poder é investidonas^ forças institucionais e ideológicas que se acercam e moldam as práticasociais da escolarização de uma maneira não evidente pela análise de tex-05 curriculares no momento isolado de seu uso em sala de aula. Não há,P°r exemplo, compreensão clara de como as relações sociais operam nas

scolas através da organização de tempo, espaço e recursos, ou da formaPQ 'A qual os diferentes grupos experimentam estas relações através de suas

cações econômicas, políticas e sociais fora das escolas. Entretanto, esteso não apenas deixa de compreender a escolarização como um pro-cultural ínextricavelmente ligado à presença inevitável de forças soei-

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ais mais amplas, mas também parece incapaz de reconhecer como poderi-am surgir forças de resistência nas escolas.27

Uma outra limitação teórica do discurso da relevância e integração é ade que ele deixa de analisar como a escola, enquanto agente de controlesocial e cultural, é mediada e contestada por aqueles cujos interesses elanão serve. Isto se deve, em parte, a uma visão funcíonalista da escolarizaçãona qual as escolas são indiscutivelmente vistas como a serviço das necessi-dades da sociedade dominante, sem questionar-se a natureza de tal sociedadeou os efeitos que ela tem nas práticas cotidianas do próprio processo deensino. Paga-se um preço teórico alto por este tipo de funcionalismo. Umade suas conseqüências é que as escolas são aparentemente afastadas dastensões e antagonismos que caracterizam a sociedade mais ampla. Comoresultado, torna-se impossível compreender as escolas como locais ativa-mente envolvidos nas lutas em torno de poder e significado em andamen-to. Além disso, não há espaço teórico neste discurso para compreender porque grupos subordinados podem efetivamente resistir e negar a culturadominante como incorporada nos vários aspectos da vida escolar cotidia-na.

Crítica e o Discurso da Política Cultural

Gostaria agora de mudar de engrenagem teórica e voltar à suposição implí-cita na declaração de Paulo Freire no início deste capítulo, de que a apren-dizagem envolve um indivíduo no ato de estudar, e que este ato é construídoa partir de uma relação mais ampla com o mundo. Gostaria de começarpropondo algo ousado. Desejo argumentar que, para que uma pedagogiacrítica seja desenvolvida como forma de política cultural, é imperativo quetanto professores quanto alunos sejam vistos como intelectuais transformado-res.28 A categoria de intelectual transformador é útil de várias maneiras.Primeiro, ela significa uma forma de trabalho na qual o pensamento eatuação estão inextrincavelmente relacionados, e, como tal, oferece umacontra-ideología para as pedagogias instrumentais e administrativas queseparam concepção de execução e ignoram a especificidade das experiên-cias e formas subjetivas que moldam o comportamento dos estudantes eprofessores. Segundo, o conceito de intelectual transformador faz entraremem ação os interesses políticos e normativos que subjazem às funções so-ciais^ que estruturam e são expressas no trabalho de professores e estudan-^tes^Em outras palavras, ele serve como referencial crítico para que os pró-"fessores problematizem os interesses que estão inscritos nas formasinstitucionais e práticas cotidianas experimentadas e reproduzidas nasjg?--colas. Finalmente, encarar os estudantes e professores como intelectuaisrepresenta urna demanda adicional por um discurso crítico que analisecorno as formas culturais acercam-se das escolas e como tais formas são

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experimentadas subjetivamente. Isto significa que os educadores críticosprecisam compreender como as formas materiais e vividas de cultura estãosujeitas à organização política, isto é, como são produzidas e reguladas

Com efeito, eu advogo uma pedagogia de política cultural que se de-senvolva em torno de uma linguagem criticamente afirmativa que permitaaos educadores enquanto intelectuais transformadores compreenderem comose produzem as subjetividades dentro daquelas formas sociais nas quais aspessoas se deslocam, mas que muitas vezes são apenas parcialmente com-preendidas.29 Uma pedagogia assim torna problemático o modo como pro-fessores e estudantes sustentam, resistem ou acomodam aquelas lingua-aens, ideologias, processos sociais e mitos que os posicionam dentro dasrelações de poder e dependência existentes. Além disso, ela aponta para anecessidade de desenvolver-se uma teoria de política e cultura que analiseo poder como um processo ativo - processo que é produzido como partede um balanço em contínua transformação de recursos e práticas na lutapara privilegiarem-se modos específicos de identificação, organização eexperimentação da realidade social. O poder, neste caso, torna-se uma for-ma de produção cultural, ligando agência e estrutura através das formaspelas quais as representações públicas e privadas são concretamente orga-nizadas e estruturadas dentro das escolas. Além disso, o poder é compreen-dido como um conjunto incorporado e fragmentado de experiências quesão vividas e sofridas por indivíduos e grupos dentro de contextos e ambi-entes específicos. Nesta perspectiva, o conceito_de_exrjeriência é ligado àquestão mais ampla de como as subjetividades são inscritas nos processosculturais que se desenvolvem em relação à dinâmica de produção, transfor-mação e luta. Compreendida nestes termos, uma pedagogia da política£yJíyral apresenta um conjunto duplo de tarefas para os educadores críti-cos. Primeiro, eles precisam analisar como a produção cultural é organiza-,da dentro de relações assimétricas cie poder nas escolas. Segundo, elesprecisam construir estratégias políticas de participação nas lutas sociais des-tinadas a lutarem pelas escolas como esferas públicas democráticas.

Para tornar esta tarefa praticável, é necessário avaliarem-se os limitesPolíticos e potencialidades pedagógicas dos exemplos diferentes, porémrelacionados, de produção cultural que constituem os diversos processosde escolarização. É importante notar que chamo estes processos sociais deexemplos de produção cultural em vez de usar o conceito esquerdista do-minante de reprodução.30 Este último, acredito, aponta adequadamente paraas várias ideologias e interesses econômicos e políticos que são reconstituídosnas relações de escolarização, mas carece de uma compreensão de comotais interesses são mediados, elaborados e subjetivamente produzidos, in-dependentemente dos interesses que finalmente emergem.-~í> Uma pedagogia crítica que assuma a forma de política cultural precisa~"-animar como os processos culturais são procluzicios e transformados.denti.a

'.três campos de discurso particulares, porém relacionados, são eles: o

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£Hs£urso_daprodução, o discurso da análise dejexto, e o discurso das cultu-ras iãfíidfi^~Cã(ía min"destes; discursos"tem um histórico de desenvolvimen-to cultural em diversos modelos de análise de esquerda, e cada um foisubmetido à intensa discussão e crítica, o que não precisa aqui ser repeti-do.31 O que desejo fazer aqui é observar estes discursos em termos daspotencialidades que apresentam em suas interconexões, particularmente àmedida que apontam para um novo conjunto de categorias para o desenvol-vimento de formas de prática educacional que autorizem professores eestudantes em torno de interesses emancipadores.

e os de de eCulturas Vividas

O discurso da produção na teoria educacional tem se concentrado nasformas pelas quais as forças estruturais fora da vida escolar imediata cons-tróem as condições objetivas dentro das quais as escolas funcionam. Nestediscurso encontram-se análises elucidativas do estado, locais de trabalho,fundações, empresas de publicação, e outros interesses políticos que diretaou indiretamente influenciam a política escolar. Além disso, as escolas sãocompreendidas dentro de uma rede de conexões mais amplas, o que permitesua análise enquanto construções históricas e sociais, incorporações deformas sociais que travam uma relação com a sociedade mais ampla. Emseus melhores casos, o discurso da produção nos alerta para a necessidadede compreender-se a importância das estruturas ideológicas e materiaiscomo conjuntos particulares de práticas e interesses que legitimam represen-tações públicas e estilos de vida específicos. É inconcebível analisar o proces-so de escolarização sem compreender como estas formas mais amplas deprodução são construídas, manifestadas e contestadas dentro e fora da es-cola. Um exemplo óbvio disso é analisar as formas pelas quais as políticasgovernamentais incorporam e promovem práticas particulares que legiti-mam e privilegiam algumas formas de conhecimento e não outras, ou al-guns grupos e não outros. Igualmente significativa seria uma análise decomo as formas dominantes de discurso na prática educacional são cons-truídas, sustentadas e postas em circulação fora cias escolas. Por exemplo,os educadores críticos precisam fazer mais do que identificar a linguagem evalores das ideologias corporativas manifestas no currículo escolar; elesprecisam também desconstruir os processos através dos quais eles são produ-zidos e postos em circulação. Um outro aspecto importante do discurso daprodução é que ele aponta para a forma na qual o trabalho é objetivamenteconstruído, isto é, ele fornece uma análise das condições sob as quais aspessoas trabalham e da importância política destas condições tanto paralimitar quanto para permitir o que os educadores podem fazer. Esta questão

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é especialmente importante para analisarem-se as possibilidades críticasque existem para que professores e estudantes da escola pública dentro decondições específicas de trabalho atuem e sejam tratados como intelectuais.pé maneira simples, caso professores e estudantes estejam sujeitos a condi-ções de saturação, falta de tempo para trabalharem coletivamente de ma-neira criativa, ou a regras e regulamentações que os desautorizem, as con-dições técnicas e sociais de trabalho devem ser compreendidas e abordadascomo parte do discurso de reforma e luta.

Ao mesmo tempo, o discurso da produção tem que ser suplementadocom análises de formas textuais. Neste caso, é necessário obter um discursoque possa questionar de maneira crítica as formas culturais como produzi-das e usadas em salas de aula específicas. O que é importante a respeitodeste tipo de discurso é que ele fornece a professores e estudantes osinstrumentos críticos necessários para analisarem-se aquelas representaçõese interesses socialmente construídos que organizam e enfatizam leiturasparticulares dos materiais curriculares. Este é um modo de análise particu-larmente importante porque argumenta contra a idéia de que os meios derepresentação nos textos são simplesmente transmissores de idéias.

Este discurso aponta para a necessidade de análises sistemáticas damaneira pela qual o material é usado e ordenado nos currículos escolares ede como seus "significantes" registram pressões e tendências ideológicasparticulares. Em seus melhores exemplos, este discurso permite que profes-sores e estudantes desconstruam os significados que estão silenciosamenteembutidos nos princípios que estruturam os vários sistemas de significadoque organizam a vida cotidiana nas escolas. Com efeito, ele acrescenta umanova virada teórica para a análise de como o currículo oculto funciona nasescolas.

Este tipo de crítica textual pode ser usado, por exemplo, para analisarcomo as imagens ou convenções técnicas dentro de formas diversas, taiscomo a narrativa, formas de tratamento, e referência ideológica, tentamconstruir uma gama limitada de posições a partir das quais elas devem serlidas. Richard Johnson diz:

O objeto legítimo de uma identificação de "posições" são as pressões ou ^ tendênciassobre o leitor, a problemática teórica que produz formas subjetivas, as direções nasquais se movem em sua força - uma vez habitada... Se acrescentarmos a isso o argu-mento de que certos tipos de texto ("realismo") naturalizam os meios pelos quais oposicionamento é obtido, temos uma compreensão dual de grande forca. A promessaparticular é tornar os processos até agora inconscientemente sofridos (e ciesnut,uoabertos para análise explícita.32

Aliado a formas tradicionais de crítica ideológica do conteúdo dosMateriais escolares, o discurso cia análise de texto fornece uma compieen-sào valiosa de como as subjetividades e formas culturais funcionam musescolas. O valor deste tipo de trabalho foi demonstrado na analise aos

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princípios estruturados usados na construção de pacotes prontos de mate-riais curriculares, na qual se argumentou que tais princípios utilizam uniaforma de tratamento que coloca os professores em uma posição de merosimplementadores de conhecimento.33 Tal posicionamento está evidente-mente em discordância com o tratar professores e estudantes como intelec-tuais. Numa brilhante apresentação desta abordagem. Judith Williamsonofereceu um estudo abrangente da maneira pela qual este tipo de críticapode ser aplicado à publicidade em massa.3'1 De forma semelhante, Arie]Dorfman aplicou este tipo de análise a diversos textos usados na culturapopular, inclusive o retrato de personagens como o Pato Donald e o Elefan-te Babar. É em sua análise da Readers Digest que Dorfman apresenta uniaexposição impressionante do valor crítico da análise de texto. Em um caso,por exemplo, ele analisa como a Readers Digest usa um tipo de representa-ção que minimiza a importância de ver o conhecimento em suas conexõeshistóricas e dialéticas. Ele escreve:

Assim como com os super-heróis, o conhecimento não transforma o leitor; pelo con-trário, quanto mais ele [sic] lê a Digest, menos ele precisa mudar. É aí que toda aquelafragmentação volta a desempenhar o papel que sempre se pretendeu que desempe-nhasse. Nunca se supõe um conhecimento prévio....Mês após mês, o ieitor deve puri-ficar-se, sofrer de amnésia, empacotar o conhecimento que adquiriu e colocá-lo emalguma prateleira escondida para que não interfira no prazer inocente de consumirmais, tudo de novo. O que ele aprendeu sobre os romanos não se aplica aos etruscos.O Havaí não tem nada a ver com a Polinésia. O conhecimento é consumido por seuefeito tranqüilizador, para uma "renovação da informação", para um intercâmbio ciebanalidades. Ele só é útil à medida que pode ser digerido como anedota, mas seupotencial para um pecado original foi eliminado, juntamente com a tentação de gerarverdade ou movimento - em outras palavras: mudança.35

Eu gostaria de concluir argumentando que, a fim de desenvolver umapedagogia crítica em torno de uma forma de política cultural, é essencialdesenvolver um discurso que não suponha que as experiências vividaspossam ser inferidas automaticamente a partir de determinações estruturais.Em outras palavras, a complexidade do comportamento humano não podeser reduzida à simples identificação de determinantes, quer sejam eles modoseconômicos de produção ou sistemas cie significação textual, nos quais talcomportamento é moldado e segundo os quais ele constitui a si mesmo. Aforma pela qual os indivíduos e grupos tanto medeiam quanto habitam asformas culturais apresentadas por tais forças estruturais é por si mesma umaforma de produção e precisa ser analisada através de um discurso e tipo deanálise relacionado, porém diferente. Neste caso, gostaria de apresentar demaneira sucinta a natureza e implicações pedagógicas do que chamo ciediscurso das culturas vividas.

Essencial para o discurso das culturas vividas é a necessidade de de-senvolver-se o que pode ser genericamente chamado de teoria da auto-procíução.36 Em seu sentido mais geral, isto exigiria uma compreensão de

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS l4l

como os professores e estudantes dão significado a suas vidas através dascomplexas formas históricas, culturais e políticas que tanto incorporam comoproduzem. Diversas questões precisam ser desenvolvidas dentro de umapedagogia crítica em torno desta preocupação. Primeiramente, é precisoreconhecer as formas subjetivas de vontade e luta política. Isto é,'o discursodas culturas vividas precisa questionar como as pessoas criam estóriasmemórias e narrativas que postulam um senso cie determinação e agência'Este é o conteúdo cultural da mediação, o material consciente e inconscien-te através do qual membros de grupos dominantes e subordinados ofere-cem visões de quem são e apresentam diferentes leituras do mundo. Tam-bém é parte daquelas ideologias e práticas que nos permitem compreenderas locações sociais, histórias, interesses subjetivos e mundos particularesque entram em jogo em qualquer pedagogia escolar.37

Se tratarmos as histórias, experiências e linguagens de grupos culturaisdiferentes como formas particularizadas de produção, torna-se mais fácilcompreender as diversas leituras, respostas e comportamentos que, diga-mos, os estudantes apresentam para a análise de um texto particular. Naverdade, uma política cultural precisa que seja desenvolvido um discursoque esteja atento às histórias, sonhos e experiências que tais estudantestrazem para as escolas. É somente partindo destas formas subjetivas que oseducadores críticos poderão desenvolver uma pedagogia que confirme eenvolva as formas contraditórias de capital cultural que constituem a ma-neira como os estudantes produzem significados que legitimam formasparticulares de vida.

A procura e elucidação dos elementos de autoprodução que caracteri-zam os indivíduos que ocupam culturas vividas diversas não é simplesmen-te uma técnica pedagógica para legitimar as experiências daqueles estudan-tes que muitas vezes são silenciados pela cultura dominante da escolarização;é também parte de um discurso que questiona como o poder, a dependên-cia e a desigualdade social estruturam as ideologias e práticas que capaci-tam e limitam os estudantes em torno de questões de classe, raça e gênero.Dentro desta perspectiva teórica, o discurso das culturas vividas torna-sevalioso para os educadores porque pode servir não apenas para elucidarcomo o poder e o conhecimento interseccíonam-se para deslegitímar ocapital cultural dos estudantes de grupos subordinados, mas também paraelucidar como este pode ser traduzido em uma linguagem de possibilidade,isto é, ele pode ser usado também para desenvolver uma pedagogia críticado popular, a qual inclua o conhecimento da experiência vivida através doMétodo dual de confirmação e questionamento. O conhecimento do "ou-tro" é incluído não apenas para exaltar sua presença, mas também porqueeje deve ser questionado criticamente com respeito às ideologias que con-tém, os meios de representação que utiliza, e as práticas sociais subjacentesque ele reitera. Aqui está em jogo a necessidade de desenvolver-se um laçoentre conhecimento e poder, o qual sugira possibilidades praticáveis para

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os estudantes. Isto é, o conhecimento e o poder interseccionam-se em uniapedagogia de política cultural para dar aos estudantes a oportunidade nãoapenas de compreender mais criticamente quem eles são como parte deuma formação social mais ampla, mas também para ajudá-los a apropria-rem-se de maneira crítica daquelas formas de conhecimento que tradicio-nalmente lhes foram negadas.

Em conclusão, cada um dos discursos que apresentei e analisei deforma sucinta envolve uma visão diferente da produção cultural, análisepedagógica e ação política. E embora cada uma destas formas de produçãoenvolva um certo grau de autonomia tanto em forma quanto em conteúdo,é importante que se desenvolva uma pedagogia crítica em torno das cone-xões internas que elas compartilham dentro do contexto de uma políticacultural, pois é dentro destas interconexões que uma teoria tanto de estru-tura quanto de agência pode construir uma nova linguagem, apontar paranovas questões e possibilidades, e permitir que os educadores enquantointelectuais transformadores lutem pelo desenvolvimento de escolas comoesferas públicas democráticas.

Notas

1. Paulo Freire, The Politics of Education (S. Hadley, Mass.: Bergin & Garvey, 1985), p. 2.

2. Ibid, pp. 2-3.

3. J. Henriques et ai., Changing the Subject (New York: Methuen, 1984).

4. Richard Johnson, "What is Cultural Studies ?" Anglística 26 (1-2):11.

5. Roger Simon, "Work Experience", em Davicl W. Livingstone, ecl, Criticai Pedagogy andCultural Power (S. Hadley, Mass.: Bergin & Garvey, 1987), pp. 155-77.

6. Foucault, Power and Knowledge.

I. Peter McLaren, Schooling as a Ritual Performance (Boston: Routleclge & Kegan Paul,1986).

8. R. White e D. Brockington, Tales oul of School (London: Routleclge & Kegan Paul, 1983),p. 21.

9. Mortimer Adler, The Paideia Proposal (New York: Macmillan, 1982), p. 42.

10. P. Cusick, The Egalitarian Ideal and the American School (New York: Longman, 1983),pp. 25-71.

II. Ibid., p. 108.

12. W. Kerrigan, Writinq to the Point. 2a ecl. (New York : Harcourt, Brace, Jovanovich, 1979),p. 32.

13. Callahan, Education and the Cult ofEf/iciency.

14. Quero deixar claro que existe uma distinção importante entre a obra de John Dewey.Democracy and Education (New York: Free Press, 1916), neste caso, e os discursos híbrido»

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

já reforma educacional progresista que caracterizaram o final dos anos 60 e 70. O discursod-i relevância e integração que estou analisando aqui guarda pouca semelhança com' afilosofia cia experiência de Dewey no sentido cie que Dewey enfatizou o relacionamentoentre a experiência do estudante, a reflexão crítica e a aprendizagem. Em contraste, o apelo$ relevância tão em voga hoje em dia geralmente abre mão cio conceito de aquisição siste-mática de conhecimento e privilegia sem crítica um conceito antiintelectual de experiênciado estudante. Para uma análise crítica destas posições, ver Aronowitz e Gíroux, Educativalindei'Siege, e Giroux, Ideology and Culture.

15. Cusick, The Egalitarian Ideal, p. 55.

16 Ibid., Theodore Sizer, Horaces Compromise (Boston: Houghton Mifflin, 1984).

17. Firoux anel Purpel, The Hidden Curriculum.

18 Carl Rogers, Freedom to Learn (Columbus, Ohio: Charles Merril, 1969).

19. Clyde Kluckhohn, Mirror for Man: The Relation of Anthropology to Modern Life (NewYork: McGraw-Hill, 1949).

20. P. Corrigan, "Race, Ethnicity, Gender, Culture: Embodying Differences Educationally AnArgument" (Trabalho não publicado, Ontario Instítute for Studies in Education, 1985), p. 7.

21. R. Jeffcoate, Positive Image: Towards a Multicultural Curriculum (London: Readers andWriters Cooperative, 1979), p. 122.

22. M. Goünick e P. Chinn, Multicultural Education in a Pluralistic Society (St. Louis: C.V.Mosby, 1983), p. 306.

23. Nathan Glazer, "'Cultural Pluralism The Social Aspect", em M. Tumin e W. Plotch, eds.,Pluralism in a Democratic Society (New York: Praeger, 1977), p. 51.

24. Henry A. Giroux e Roger Simon, "Curriculum Study and Cultural Politics" Journal ofEducation 166 (Outono 1984): 226-38.

25. Simon, "Work Experience", p. 176.

26. Dell I lymes, "Ethnolinguístic Study of Classroom Discourse", relatório final para o Nationalinstituto of Education (Phihdelphia: University of Pennsylvania, 1982); G. Kress e R. Hodge,Language as Ideology (London: Routledge & Kegan Pauí, 1979).

27. Giroux, Theory and Resistance in Education.

28. Aronowitz e Giroux, Education under Siege.

-9. Giroux e Simon, "Curriculum Study and Cultura! Politics".

30. A tese de reprodução na teoria educacional radical foi desenvolvida a partir do trabalhode Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America, e Giroux, Theory and resistance inEdiication.

31.^Urna analise importante destes discursos e cias tradições com as quais eles geralmenteestao associados pode ser encontrada em Johnson, "What is Cultural Studies?" Utilizei livre-mente o trabalho de Johnson nesta seção do capítulo.

32. Johnson, "What is Cultural Studies?", pp. 64-65.

33. Apple, Education and Power.34- Judith Williamson, Decoding Aduertisements (New York: Marían Boyars, 1978).

35. Ariel Dorfman, TheEmpires Old Clothes (New York: Pantheon, 1983), P- 149-

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36. A. Touniine, The Sdf-Production ofSociety (Chicago: University of Chicago Press 1977

37. Johnson, "What is Cultural Studies?"

8Cultura, e

na Obrade Paulo Freire: a

Política de EducaçãoHENRY A. GIROUX

A obra de Paulo Freire continua a representar uma alternativa teorica-mente renovadora e politicamente viável para o atual impasse nateoria e prática educacional da América do Norte. Freire apropriou-

se do legado abandonado de idéias emancipadoras em suas versões defilosofia secular e religiosa encontradas no corpusdo pensamento burguês.Ele também integrou de maneira crítica em seu trabalho o legado do pensa-mento radical sem assimilar muitos dos problemas que historicamente oassolavam. Com efeito. Freire combina o que chamo de "linguagem dacrítica" com a "linguagem da possibilidade".

Utilizando a linguagem da crítica, Freire construiu uma teoria de edu-cação que considera seriamente o relacionamento entre a teoria crítica radi-cal e os imperativos do comprometimento e luta radical. Fazendo uso deSuas experiências na América Latina, África e América do Norte, ele produ-2iu um discurso que aprofunda nossa compreensão da dinâmica e comple-xidade da dominação. Neste caso, Freire acertadamente argumenta que aDominação não pode ser reduzida exclusivamente a uma forma de domínioJe classe. Tomando a noção de diferença como um fio condutor teórico,reire rejeita a idéia de que existe uma forma universal de opressão. Em vez

«isso, ele reconhece e situa dentro de diferentes campos sociais formas des°rrimento que referem-se a modos particulares de dominação e, consequen-

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temente, formas diversas de luta e resistência coletiva. Ao reconhecer quecertas formas de opressão não são redutíveis à opressão de classes, Freirevai além da análise marxista padronizada; ele alega que a sociedade con-tém urna multiplicidade de relações sociais contraditórias, em torno dasquais os grupos sociais podem lutar e se organizar. Isto é manifesto naque-las relações sociais em que as condições materiais de discriminação degênero, raça e idade estão em funcionamento.

Igualmente importante é a compreensão de que a dominação é maisdo que a simples imposição de um poder arbitrário de um grupo sobreoutro. Em vez disso, para Freire, a lógica da dominação representa umacombinação de práticas materiais e ideológicas, históricas e contemporâne-as que nunca têm sucesso total, sempre incorporam contradições, e estãosempre sendo disputadas dentro de relações assimétricas de poder.Subjacente à linguagem da crítica de Freire, neste caso, está a compreensãode que a história nunca é predeterminada. Assim como as ações dos ho-mens e mulheres são limitadas pelas pressões a que estão submetidos,também eles criam estas pressões e as possibilidades que podem decorrerde seu questionamento.

Dentro desta conjuntura teórica, Freire introduz uma nova dimensãona teoria e prática educacional radical. Eu digo nova porque ele liga oprocesso de luta às particularidades das vidas das pessoas e ao mesmotempo argumenta em prol de uma fé no poder dos oprimidos para lutaremno interesse de sua própria libertação. Esta é uma noção de educação quenão provém apenas da análise crítica e do pessimismo orweliano; é umdiscurso que cria um novo ponto de partida ao tentar fazer com que aesperança seja realizável e o desespero não convincente.

A educação na visão de Freire torna-se tanto ideal quanto referencialde mudança a serviço de uma nova espécie de sociedade. Enquanto ideal,a educação refere-se a uma forma de política cultural que transcende oslimites teóricos de qualquer doutrina política específica, enquanto ao mes-mo tempo liga a teoria e prática social aos aspectos mais profundos deemancipação. Conseqüentemente, como expressão de uma teoria socialradical, a política cultural de Freire é mais ampla e mais fundamental doque qualquer discurso político específico, como, por exemplo, a teoriamarxista clássica, ponto que muitas vezes confunde seus críticos. Na verda-de, ela representa um discurso teórico cujos interesses subjacentes se for-mam em torno de uma luta contra todas as formas de dominação subjetivae objetiva, assim como uma luta em prol de formas cie conhecimento, habi-lidades e relações sociais que promovam as condições para a emancipaçãosocial e, portanto, a auto-emancipação.

Como referencial de mudança, a educação representa tanto um loca'como um tipo particular de envolvimento com a sociedade dominante.Para Freire, a educação inclui e vai além da noção de escolarização. A»escolas são apenas um local importante no qual ocorre a educação, no qual

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 14?

homens e mulheres tanto produzem como são produto de relações sociaise pedagógicas específicas. Na visão de Freire, a educação representa tantouma luta por significado quanto uma luta em torno das relações de poderSua dinâmica nasce da relação dialética entre indivíduos e grupos que vi-vem suas vidas, por um lado, dentro de condições históricas e limitaçõesestruturais específicas e, por outro, dentro de formas e ideologias culturaisque dão origem às contradições e lutas que definem as realidades vivenciadasdas várias sociedades. A educação é aquele terreno no qual o poder e apolítica têm expressão fundamental, no qual a produção de significado,desejo, linguagem e valores inclui e responde às crenças mais profundasacerca do que significa ser humano, sonhar, e identificar e lutar por umfuturo particular e forma de vida social. A educação torna-se uma forma deação que une as linguagens da crítica e da possibilidade. Finalmente, elarepresenta a necessidade de um comprometimento apaixonado por partedos educadores em tornar o político mais pedagógico, isto é, tornar a refle-xão e ação crítica partes fundamentais de um projeto social que não apenasinclua formas de opressão mas também desenvolva uma fé profunda epermanente na luta para humanizar a própria vida. É a natureza particulardeste projeto social que confere à obra de Freire sua singularidade teórica.

A singularidade teórica da obra de Freire pode ser melhor compreen-dida examinando-se rapidamente como seu discurso situa-se entre duastradições radicais. Por um lado, a linguagem da crítica expressa em suaobra incorpora muitas das análises que caracterizam o que tem sido chama-do de nova sociologia da educação. Por outro lado, sua filosofia da espe-rança e luta tem raízes na linguagem da possibilidade que está em grandeparte calcada na tradição da teologia da libertação. É a partir da mescladestas duas tradições que Freire produziu um discurso que não apenas dásignificado e coerência a seu trabalho, mas também fornece as bases parauma teoria mais abrangente e crítica da luta pedagógica.

A Nova Sociologia da Educação e a da Crítica

A nova sociologia da educação surgiu com todo o vigor na Inglaterra eEstados Unidos há mais de uma década como resposta crítica ao que pocleser genericamente chamado de discurso da teoria e prática educacionaltradicional. A questão central em torno da qual ela desenvolveu sua críticada escolarização tradicional, bem como seu próprio discurso teórico, é tipi-camente freireana: Como tornar a educação significativa de forma a toma-te crítica e, espera-se, emancipadora?

Os críticos radicais em sua maioria concordam que os tradicionalistaseducacionais geralmente ignoram esta questão. Eles fogem da questão atra-is da despolitização paradoxal da linguagem da escolarização e, ao mes-

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mo tempo, reproduzindo e legitimando as ideologias capitalistas. A expres-são mais óbvia desta abordagem pode ser vista no discurso positivista usa-do pelos teóricos educacionais tradicionais. O discurso positivista, nestecaso, toma como preocupações mais importantes o domínio de técnicaspedagógicas e a transmissão de conhecimento instrumental para a socieda-de existente. Na visão de mundo tradicional, as escolas são simplesmentelocais de instrução.

Os teóricos educacionais críticos argumentam que a teoria educacio-nal tradicional suprime questões importantes em relação ao conhecimento,poder e dominação. Além disso, as escolas não oferecem oportunidades,na ampla tradição humanista ocidental, de fortalecimento próprio e socialna sociedade como um todo. Em contraste, os educadores críticos forne-cem argumentos teóricos e enormes volumes de evidências empíricas parasugerir que as escolas são, na verdade, agências de reprodução social,econômica e cultural. Na melhor das hipóteses, o ensino escolar públicooferece mobilidade individual limitada aos membros da classe trabalhadorae outros grupos oprimidos, mas, em última análise, as escolas públicas sãoinstrumentos poderosos para a reprodução de relações capitalistas de pro-dução e de ideologias legitimadoras da vida cotidiana.

Para a nova sociologia da educação, as escolas são analisadas principal-mente dentro da linguagem da crítica e dominação. Entretanto, como asescolas são basicamente vistas como reprodutoras por natureza, os críticosde esquerda deixam de fornecer um discurso programático através do qualpoderia-se estabelecer a oportunidade de práticas contra-hegemônicas. Aagonia da esquerda neste caso é que sua linguagem da crítica não ofereceuqualquer esperança para que professores, pais ou estudantes travassemuma luta política dentro das próprias escolas. Conseqüentemente, a lingua-gem da crítica é incluída no discurso do desespero.

O trabalho anterior de Freire compartilha de uma semelhança notávelcom alguns dos princípios teóricos importantes da nova sociologia da edu-cação. Ao redefinir e politizar a noção de alfabetização, Freire desenvolveum tipo semelhante de análise crítica, no qual argumenta que as formastradicionais de educação funcionam basicamente para objetivar e alienargrupos oprimidos. Além disso, Freire explora profundamente a naturezareprodutora da cultura dominante, tendo analisado sistematicamente comoela funciona através de práticas e textos sociais específicos para produzir epreservar uma "cultura do silêncio" entre os camponeses brasileiros com osquais trabalhou. Embora Freire não use o termo "currículo oculto" comoparte de seu discurso, ele demonstra abordagens pedagógicas através dasquais grupos de aprendizes podem decodificar práticas ideológicas e mate-riais cuja forma, conteúdo e omissões seletivas contêm a lógica da domina-ção e opressão. Além disso, Freire liga a seleção, discussão e avaliação doconhecimento aos processos pedagógicos que fornecem o contexto p-u£l

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAL

atividade. Em sua visão, é impossível separar uma coisa da outraqualquer prática pedagógica viável deve ligar as formas radicais de conhecijnento às práticas sociais radicais correspondentes.

A principal diferença entre o trabalho de Freire e a nova sociologia daeducação é que esta última parece iniciar e terminar com a lógica da reprodu-ção política, econômica e cultural, ao passo que a análise de Freire iniciacom o processo de produção, isto é, as diversas formas nas quais os sereshumanos constróem suas próprias vozes e validam suas experiências con-traditórias dentro de ambientes e pressões históricas específicas. A reprodu-ção da racionalidade capitalista e outras formas de opressão é apenas uminomento político e teórico no processo de dominação, mais do que umaspecto que abarque toda a existência humana. Ela é algo a ser decodificado,questionado e transformado, mas somente dentro do discurso, experiênci-as e histórias correntes dos próprios oprimidos. É neste afastamento dodiscurso da reprodução e crítica para a linguagem da possibilidade eengajamento que Freire se utiliza de outras tradições e cria uma pedagogiamais abrangente e radical.

A Teologia da e a da

Fundamental para a política e pedagogia de Freire é a visão filosófica deuma humanidade liberta. A natureza desta visão tem suas raízes no respeitopela vida. A esperança e visão do futuro que ela inspira não pretendemtanto oferecer consolo aos oprimidos quanto promover formas correntesde crítica e uma luta contra forças objetivas de opressão. Ao combinar adinâmica da luta crítica e coletiva com uma filosofia de esperança, Freirecriou uma linguagem de possibilidade, o que chama de visão proféticapermanente. Subjacente a esta visão encontra-se uma fé, a qual. argumentaDorothée Soelle em Optando pela Vida , "torna a vida presente para nós e,assim, torna-a possível... É um grande 'Sim' para a vida...o que pressupõenosso poder de lutar".

A oposição de Freire a todas as formas de opressão, seu apelo paraunir a crítica ideológica à ação coletiva e a visão profética essencial a suaPolítica devem muito ao espírito e dinâmica ideológica que informou ecaracterizou o Movimento da Teologia da Libertação, o qual surgiu princi-palmente na América Latina na última década. De maneira verdadeiramenteDialética, Freire tanto criticou como resgatou o aspecto radical do cristianis-Oio revolucionário. Como descobrirá o leitor, Freire é um crítico ferrenhoda igreja reacionária. Ao mesmo tempo, ele situa sua fé e esperança no^eus da história e dos oprimidos, cujos ensinamentos tornam impossível,nas palavras de Freire, "reconciliar o amor cristão com a exploração dosSeres humanos".

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Dentro do discurso da teologia da libertação, Freire cria um poderosoantídoto para o cinismo e desespero de muitos críticos radicais de esquer-da Embora utópica, sua análise tem natureza e apelo concretos, tomandocomo ponto de partida atores coletivos em seus diversos ambientes teóri-cos e a particularidade de seus problemas e formas de opressão. Ela éutópica somente em sua recusa em render-se diante dos riscos e perigosque enfrentam todos os questionamentos às estruturas de poder dominan-tes. Ela é profética enquanto vê o Reino de Deus como algo a ser criado naterra, mas somente através da fé em outros seres humanos, bem como nanecessidade de luta permanente. A noção de fé que emerge da obra deFreire é informada pela memória dos oprimidos, pelo sofrimento que nãose deve permitir que continue, e pela necessidade de nunca esquecer quea visão profética é um processo em andamento, um aspecto vital da próprianatureza da vida humana. Ao combinar os discursos da crítica e da possibi-lidade, Freire junta história e teologia para fornecer a base teórica de umapedagogia radical que expressa esperança, reflexão crítica e luta coletiva.

É nesta conjuntura que o trabalho de Paulo Freire torna-se crucial parao desenvolvimento de uma pedagogia radical, pois em Freire encontramoso pensador dialético das contradições e da emancipação. Seu discurso apontao relacionamento entre agência e estrutura, situa a ação humana em pres-sões forjadas em práticas históricas e contemporâneas, enquanto ao mesmotempo aponta para os espaços, contradições e formas de resistência quelevantam a possibilidade de luta social. Concluirei voltando-me brevemen-te para aqueles elementos teóricos do trabalho de Freire que parecem vitaispara o desenvolvimento de uma nova linguagem e fundamentação teóricade uma teoria radical da pedagogia, particularmente no contexto norte-americano.

Duas qualificações devem ser feitas antes de começar. Primeiramente,o tipo de análise de Freire não pode ser descartado como irrelevante para ocontexto norte-americano. Embora os críticos tenham alegado que suasexperiências com os camponeses brasileiros não se traduzam adequada-mente para os educadores dos países industriais desenvolvidos do Ociden-te, Freire deixa claro, através da força de seus exemplos e variedade deexperiências pedagógicas que apresenta, que o contexto de seu trabalhotem escopo internacional. Ele não apenas capitaliza com suas experiênciasno Brasil, como também aproveita seu trabalho no Chile, África e nos Esta-dos Unidos. Além do mais, ele toma como objeto de sua crítica não apenasa educação de adultos, como também as práticas pedagógicas da IgrejaCatólica, de assistentes sociais e da educação pública. Como salientou re-petidamente, o objeto de sua análise e a linguagem que utiliza destinam-seaos oprimidos de todas as partes; sua concepção de terceiro mundo é ide-ológica e política em vez de meramente geográfica.

Isto leva a uma segunda qualificação. A fim de ser fiel ao espírito dascrenças pedagógicas mais profundas de Freire, deve-se salientar que ele

OS PROFESSORES COMO INTELECTlJAIS 151

nUnca alegou que seu trabalho deveria ser adotado sem questionamentom qualquer local ou contexto pedagógico. O que de fato Freire oferece é

urna metalinguagem que gera uma série de categorias e práticas sociais. Otrabalho de Freire não pretende oferecer receitas radicais para formas ins-tantâneas de pedagogia crítica. Ele consiste de uma série de indicadoresteóricos que precisam ser decodificados e criticamente apropriados dentrodos contextos específicos nos quais possam ser úteis.

O Discurso do Poder

Para Freire, o poder, como força positiva e negativa, tem caráter dialético, eseu modo de operação é sempre mais do que simplesmente repressivo. Opoder opera sobre e através das pessoas. A dominação nunca é tão comple-ta a ponto do poder ser experimentada exclusivamente como força negati-va, embora ela esteja na base de todas as formas de comportamento nasquais as pessoas resistem, se esforçam e lutam por um futuro melhor. Emsentido geral, a teoria de poder de Freire e sua demonstração do caráterdialético do mesmo cumprem a importante função de ampliar a esfera eterreno nos quais opera o poder. O poder, neste caso, não se exaure nasesferas públicas e privadas por governos, classes dirigentes e outros gruposdominantes. Ele é mais ubíquo e se expressa em uma gama de espaços e

'. esferas públicas oposicionistas que tradicionalmente têm sido caracteriza-• das pela ausência de poder e, assim, de qualquer forma de resistência.; A visão de poder de Freire não apenas sugere uma perspectiva alterna-tiva para aqueles teóricos radicais presos na camisa de força do desespero

;e cinismo, como também enfatiza que sempre existem falhas, tensões e; contradições em esferas sociais tão diversas quanto as escolas, onde o po-der pode ser exercido como força positiva em nome da resistência. Além

• disso, Freire entende que o poder - dominação - não é simplesmente im-Posto pelo estado através de agências como a polícia, o exército e tribu-nais. A dominação também se expressa na forma como o poder, a tecnologia

; e ideologia se reúnem para produzir conhecimento, relações sociais e ou-fctras formas culturais concretas que indiretamente silenciam as pessoas. Elaf também se encontra no modo como os oprimidos internalizam e assimí Participam de sua própria opressão. Este é um ponto importante no traba-'lho de Freire, e nos dirige aos modos nos quais a dominação é subjetiva-• mente experimentada através de sua internalização e sedimentação nasPróprias necessidades da personalidade. O que está em funcionamento

|aqui é uma tentativa de examinar os aspectos psiquicamente repressores aa|d°minação e os obstáculos internos ao autoconhecimento e, assim, as ror-

~"as de emancipação própria e social. . ,Freire amplia a noção de aprendizagem para incluir a maneira peia

l o corpo aprende tacitamente, como o hábito traduz-se em nistona

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sedimentada, e, principalmente, como o próprio conhecimento pode blo-quear o desenvolvimento de certas subjetividades e modos de experienciaro mundo. Ironicamente, as formas emancipadoras de conhecimento po-dem ser recusadas por aqueles que mais poderiam se beneficiar com asmesmas. Neste caso, a acomodação dos oprimidos à lógica de dominaçãopode assumir a forma de resistência ativa a formas de conhecimento queimpõem um questionamento a sua visão de mundo. Mais do que urnaaceitação passiva da dominação, o conhecimento torna-se então uma dinâ-mica ativa de negação, uma recusa ativa em escutar, ouvir ou afirmar nossaspróprias possibilidades. As questões pedagógicas que surgem a partir destavisão são: Como os educadores radicais avaliam e abordam os elementosde repressão e esquecimento no cerne desta dominação? O que explica ascondições que sustentam a recusa ativa em saber ou aprender em face doconhecimento que pode questionar a própria natureza da dominação?

A mensagem que surge a partir da pedagogia de Freire é relativamenteclara. Para que os educadores compreendam o significado da libertação,eles devem primeiro se conscientizar da forma assumida pela dominação, anatureza de sua situação, e os problemas que ela suscita para aqueles quea experimentam como força subjetiva e objetiva. Contudo, tal projeto seriaimpossível a menos que se tomem as particularidades históricas e culturais,as formas de vida social de grupos subordinados e oprimidos, como pontode partida para tal análise. É para este ponto do trabalho de Freire queagora me voltarei.

A Filosofia da Experiência e Produção Cultural de Freire

Um dos elementos teóricos mais importantes da pedagogia radical apresenta-da por Freire é sua visão da experiência e produção cultural. Sua noção decultura está em desacordo tanto com a posição conservadora quanto com aposição progressista. No primeiro caso, ele rejeita a noção de que a culturapode ser facilmente dividida em formas superiores, populares e inferiores,sendo a cultura superior representante do legado mais desenvolvido deuma nação. A cultura, nesta visão, esconde as ideologias que legitimam edistribuem formas específicas de cultura como se estas não estivessem rela-cionadas com os interesses dirigentes e configurações de poder existentes.No segundo caso, ele rejeita a noção de que o momento de criação culturalreside exclusivamente nos grupos dirigentes e que as formas culturais do-minantes guardam simplesmente as sementes da dominação. Relacionadacom isso, e igualmente rejeitada por Freire, é a suposição de que os gruposoprimidos possuem, por sua própria posição no aparato de dominação,uma cultura progressista e revolucionária que só está esperando para serliberta dos grilhões de dominação da classe dirigente.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 153

Para Freire, a cultura é a representação de experiências vividas, artefa-tos materiais e práticas forjadas dentro de relações desiguais e dialéticas

e os diferentes grupos estabelecem em uma determinada sociedade emum momento histórico particular. A cultura é uma forma de produção cujosprocessos estão intimamente ligados com a estruturação de diferentes forma-ções sociais, particularmente aquelas relacionadas com gênero, raça e clas-se Também é uma forma de produção que ajuda os agentes humanos,através de seu uso de linguagem e outros recursos materiais, a transformar

sociedade. Neste caso, a cultura está intimamente ligada à dinâmica depoder e produz assimetrias na capacidade dos indivíduos e grupos de defini-rem e realizarem suas metas. Além disso, a cultura também é uma arena deluta e contradição, e não existe uma cultura no sentido homogêneo. Pelocontrário, existem culturas dominantes e subordinadas que expressam dife-rentes interesses e operam a partir de terrenos de poder diferentes e desi-guais.

Freire argumenta em prol de uma noção de poder cultural que tomacomo ponto de partida as particularidades históricas que constituem osproblemas, sofrimentos, visões e atos de resistência que compõem as for-mas culturais de grupos subordinados. O poder cultural tem então um focodual como parte de sua estratégia para tornar o político mais pedagógico.Primeiramente, os professores terão que trabalhar com as experiências queos estudantes trazem às escolas e outros locais de instrução. Isto significafazer das experiências públicas e privadas objeto de debate e confirmação;significa legitimar tais experiências a fim de dar àqueles que vivem e nelasse deslocam um sentido de afirmação, e fornecer as condições para queestudantes e outros mostrem uma voz e presença ativas. A experiênciapedagógica aqui transforma-se num convite para tornar visíveis as lingua-gens, sonhos, valores e encontros que constituem as vidas daqueles cujashistórias são muitas vezes ativamente silenciadas. Mas Freire faz mais doque argumentar em prol da legitimação da cultura dos oprimidos. Ele tam-bém reconhece que tais experiências são contraditórias por natureza e guar-dam não apenas potencialidades radicais como também as sedimentaçõesda dominação. O poder cultural, neste caso, dá uma volta e refere-se ànecessidade de se trabalhar sobre as experiências que constituem as vidasdos oprimidos. Tais experiências em suas diversas formas culturais têm queser recuperadas criticamente a fim de revelarem-se suas forças e fraquezas.Além disso, a autocrítica é elogiada em nome de uma pedagogia radicaldestinada a desenterrar e criticamente apropriar-se daqueles momentosernancipadores esquecidos do conhecimento e experiência burgueses quefornecem as habilidades que^fs oprimidos necessitarão para exercer lide-rança na sociedade dominante. . ,

O que é notável nesta apresentação é que Freire criou uma teoriapoder e produção cultural que começa com a educação popular. Em vez

oferecer generalizações abstratas em torno da natureza humana, ele acerta

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154 HENRY A. GIROUX

mente argumenta em prol de princípios pedagógicos que surgem a partirde práticas concretas - os terrenos nos quais as pessoas vivenciam suasexperiências cotidianas. Tudo isso sugere tomar com seriedade o capita]cultural dos oprimidos, desenvolvendo-se instrumentos críticos e analíticospara questioná-lo, e mantendo-se o contato com as definições dominantesde conhecimento, a fim de que possamos analisá-las em função de suautilidade e modos nos quais elas contêm a lógica da dominação.

Freire, e oTeoria e

A teoria social radical tem sido historicamente assolada pelo desenvolvi-mento do relacionamento entre os intelectuais e as massas, por um lado, eo relacionamento entre teoria e prática, por outro. Sob o apelo por união dateoria e prática, a possibilidade de práticas emancipadoras foi muitas vezesnegada através de formas de vanguardismo nas quais os intelectuais efeti-vamente afastaram das forças populares a capacidade de definirem por simesmas os limites de seus objetivos e práticas. Ao assumir urn monopóliovirtual no exercício da liderança teórica, os intelectuais inconscientementereproduziram a divisão do trabalho mental e manual que estava no cerneda maior parte das formas de dominação.Em vez de desenvolverem teoriasda prática, enraizadas na experiência concreta de ouvir e aprender com osoprimidos, os intelectuais marxistas desenvolveram teorias de prática ouinstrumentos técnicos de mudança que ignoravam a necessidade de umareflexão dialética sobre a dinâmica e os problemas cotidianos dos oprimi-dos dentro do contexto da transformação social radical.

Freire refuta esta abordagem do relacionamento entre teoria e prática,e redefine a própria idéia do intelectual. Como o teórico social italianoAntônio Gramsci, Freire redefine a categoria de intelectual e argumenta quetodos os homens e mulheres são intelectuais. Isto é, independentemente desua função social e econômica, todos os seres humanos atuam como inte-lectuais ao constantemente interpretar e dar significado a seu mundo e aoparticipar de uma concepção de mundo particular. Além disso, os oprimi-dos precisam desenvolver seus próprios intelectuais orgânicos e transfor-madores que possam aprender com tais grupos e ao mesmo tempo ajudara fomentar modos de educação própria e luta contra as várias formas deopressão. Neste caso, os intelectuais são orgânicos no sentido de que nãosão membros externos que trazem a teoria para as massas. Pelo contrário,eles são teóricos organicamente mesclados com a cultura e atividades prá-ticas dos oprimidos. Em vez de casualmente dispensarem conhecimento asmassas agradecidas, os intelectuais fundem-se com os oprimidos a fim defazer e refazer as condições necessárias para um projeto social radical.

OS PROFHSSOKKS COMO INTELECTUAIS 155

Esta posição é crucial ao destacar a função política e importância doslectua~is. Igualmente significativa é a maneira na qual redefine a noçãoluta Política ao enf"atizar sua natureza pedagógica e a importância funda-

•le da natureza popular e democrática de tal luta. Isto levanta a questão•mportante de como Freire define a relação entre teoria e prática.

Para Freire, "não há contexto teórico se este não estiver em uniãodialética com o contexto concreto". Em vez de defender o rendimento dateoria à prática, Freire argumenta a favor de uma certa distância entre asmesmas. Ele vê a teoria como antecipadora por natureza e postula que eladeve tomar os conceitos de compreensão e possibilidade como seus pon-tos fundamentais. A teoria é informada por um discurso de oposição quepreserva seu distanciamento crítico dos "fatos" e experiências de uma de-terminada sociedade. A tensão e, sem dúvida, o conflito com a práticapertencem à essência da teoria e estão calcados em sua própria estrutura. Ateoria não dita a prática; em vez disso, ela serve para manter a prática anosso alcance de forma a mediar e compreender de maneira crítica o tipode práxis necessária em um ambiente específico em um momento particu-lar. Não há aqui apelo a leis universais ou necessidade histórica; a teoriasurge dentro de contextos e formas de experiência específicas a fim deexaminar tais contextos de maneira crítica e então intervir com base emuma práxis informada.

Contudo, a contribuição de Freire à natureza da teoria e da prática e aopapel do intelectual no processo de transformação social contém uma outradimensão importante. A teoria deve ser vista como a produção de formasde discurso que surgem de vários locais sociais específicos. Tal discursopode surgir nas universidades, nas comunidades de camponeses, nos conse-lhos de trabalhadores, ou dentro dos diversos movimentos sociais. A ques-tão aqui é que os educadores críticos reconhecem que estes diferenteslocais dão origem a várias formas de produção e prática teóricas. Cada urndestes locais fornece idéias variadas e críticas acerca da natureza da domina-ção e das possibilidades de emancipação pessoal e social, e o fazem a partirdas particularidades históricas e sociais que lhes dão significado. O queeles têm em comum é um respeito mútuo forjado na crítica e a necessidade"e lutar contra todas as formas de dominação.

e o Conceito de

reine acredita que a sensibilidade crítica é uma extensão da sensibilidadehistórica. Isto é, para compreender o presente, tanto em termos institucionaisQuanto sociais, os educadores devem colocar todos os contextos pedagógi-^°s em um contexto histórico para poder ver claramente sua gênese eaesenvolvimento. A história é usada por Freire em um duplo sentido: ela

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156 HENRY A. GIROUX

revela nas instituições e relações sociais existentes o contexto histórico qUfcinforma seu significado e o legado que tanto esconde quanto esclarece su3função política. Por outro lado, Freire aponta para a história sedimentadaque constitui quem somos como seres históricos e sociais. Em outras pala-vras, a história que está ancorada nas formas culturais que dão significadoà maneira como falamos, pensamos, vestimos e agimos torna-se objeto deuma forma de análise histórica. Neste sentido, a história torna-se dialéticana obra de Freire porque é usada para distinguir o presente enquanto dadoe o presente enquanto portador de possibilidades de emancipação. Estaperspectiva torna o presente, na medida em que constitui nossa psique e asociedade mais ampla, visível em termos de suas possibilidades revolucio-nárias, e assim aponta para a necessidade de um despertar crítico Co queFreire poderia chamar de processo de denúncia e anunciação), o qual sefundamenta na capacidade de transformação social.

Em conclusão, a obra de Freire oferece uma visão de pedagogia epráxis que é partidária de sua essência; em sua origem e intenções, ela é afavor de "optar pela vida". Além disso, Freire demonstra mais uma vez quenão é apenas homem do presente; é também homem do futuro. Sua fala,ações, calor e visão representam um modo de reconhecer e criticar ummundo que vive perigosamente à beira da destruição. Em certo sentido, aobra e presença de Freire estão aí não apenas para nos lembrar o quesomos, mas também para sugerir no que podemos nos transformar.

9Professores

HENRY A. GIROUX

Diferente de muitos movimentos de reforma educacional do passado,o atual apelo por mudança educacional apresenta aos professorestanto uma ameaça quanto um desafio que parecem sem preceden-

tes na história de nossa nação. A ameaça vem na forma de. unia série dereformas educacionais que mostram pouca confiança na capacidade dosprofessores da escola pública de oferecerem uma liderança intelectual emoral para a juventude de nosso país. Por exemplo, muitas das recomenda-ções que surgiram no atual debate ignoram o papel que os professoresdesempenham na preparação dos aprendizes para serem cidadãos ativos eCríticos, ou então sugerem reformas que ignoram a inteligência, julgamentoe experiência que os professores poderiam oferecer em tal debate. Quando°s professores de fato entram no debate é para serem objeto de reformaseducacionais que os reduzem ao statusde técnicos de alto nível cumprindoditames e objetivos decididos por especialistas um tanto afastados da reali-dade cotidiana da vida em sala de aula.1 A mensagem parece ser que osProfessores não contam quando trata-se de examinar criticamente a nature-2a e processo de reforma educacional.

O clima político e ideológico não parece favorável para os professores^° momento. Entretanto, ele de fato lhes oferece o desafio de unirem-se aodebate público com seus críticos, bem como a oportunidade de se engajaremerr» uma autocrítica muito necessária em relação à natureza e finalidade daPreparação dos professores, dos programas de treinamento no trabalho e

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158 HENRYA. GIROUX

das formas dominantes da escolarização. De forma semelhante, o debateoferece aos professores a oportunidade de se organizarem coletivamentepara melhorar as condições em que trabalham, e demonstrar ao público opapel fundamental que eles devem desempenhar em qualquer tentativa dereformar as escolas públicas.

Para que os professores e outros se engajem em tal debate, é necessá-rio que uma perspectiva teórica seja desenvolvida, redefinindo a naturezada crise educacional e ao mesmo tempo fornecendo as bases para urnavisão alternativa para o treinamento e trabalho dos professores. Em resu-mo, o reconhecimento de que a atual crise na educação tem muito a vercom a tendência crescente de enfraquecimento dos professores em todosos níveis da educação é uma precondição teórica necessária para que elesefetivamente se organizem e estabeleçam uma voz coletiva no debate atual.Além disso, tal reconhecimento terá que enfrentar não apenas a crescenteperda de poder entre os professores em torno das condições de seu traba-lho, mas também as mudanças na percepção do público quanto a seu papelde praticantes reflexivos.

Gostaria de dar uma pequena contribuição teórica para este debate e odesafio que ele suscita examinando dois problemas importantes que preci-sam ser abordados no interesse de melhorar a qualidade da "atividade docen-te", o que inclui todas as tarefas administrativas e atividades extras, bemcomo a instrução em sala de aula. Primeiramente, eu acho que é imperativoexaminar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para o quedesejo chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência dereduzir os professores aostatusde técnicos especializados dentro da burocra-cia escolar, cuja função, então, torna-se administrar e implementar progra-mas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente decurrículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos. Em segundolugar, existe uma necessidade de defender as escolas como instituiçõesessenciais para a manutenção e desenvolvimento cie uma democracia críti-ca, e também para a defesa dos professores como intelectuais transformadoresque combinam a reflexão e prática acadêmica a serviço da educação dosestudantes para que sejam cidadãos reflexivos e ativos. No restante desteensaio, irei desenvolver estes pontos e concluir examinando suas ímplicí!"ções para o fornecimento de uma visão alternativa da atividade docente.

e do Docente

Uma das maiores ameaças aos professores existentes e futuros nas escol3s

públicas é o desenvolvimento crescente de ideologias instrumentais que

enfatizam uma abordagem tecnocrática para a preparação dos professor^e também para a pedagogia de sala cie aula. No cerne cia atual ênfase no>fatores instrumentais e pragmáticos da vicia escolar colocam-se diversa-

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 159

suposições pedagógicas importantes. Elas incluem: o apelo pela separaçãode concepção de execução; a padronização do conhecimento escolar como interesse cie administrá-lo e controlá-lo; e a desvalorização do trabalhocrítico e intelectual de professores e estudantes pela primazia de considera-ções práticas.2

Este tipo de racionalidade instrumental encontra uma de suas expres-sões historicamente mais fortes no treinamento de futuros professores. Ofato de que os programas de treinamento de professores nos Estados Uni-dos há muito têm sido dominados por uma orientação e ênfase behaviorístana mestria de áreas disciplinares e métodos de ensino está bem documenta-do.3 Vale a pena repetir as implicações desta abordagem, salientadas porZeichner:

Subjacente a esta orientação na formação dos professores encontra-se uma metáforade "produção", uma visão do ensino como "ciência aplicada" e uma visão do profes-sor como principalmente um "executor" das leis e princípios de ensino eficaz. Osfuturos professores podem ou não avançar no currículo em seu próprio ritmo e po-dem participar de atividades de aprendizagem variadas ou padronizadas, mas aquiloque eles têm que dominar tem escopo limitado (por exemplo, um corpo de conheci-mentos de conteúdo profissional e habilidades didáticas) e está totalmente determina-do com antecipação por outros, com base, muitas vezes, em pesquisas na efetividadedo professor. O futuro professor é visto basicamente como um receptor passivo desteconhecimento profissional e participa muito pouco da determinação do conteúdo edireção de seu programa de preparação.''

Os problemas desta abordagem são evidentes .com o argumento deJohn Dewey de que os programas de treinamento cie professores queenfatizam somente o conhecimento técnico prestam um desserviço tanto ànatureza do ensino quanto a seus estudantes.5 Em vez de aprenderem arefletir sobre os princípios que estruturam a vida e prática, em sala de aula,os futuros professores aprendem metodologias que parecem negar a pró-pria necessidade de pensamento crítico. O ponto é que os programas detreinamento de professores muitas vezes perdem de vista a necessidade deeducar os alunos para que eles examinem a natureza subjacente dos pro-blemas escolares. Além disso, estes programas precisam substituir a lingua-gem da administração e eficiência por uma análise crítica das condiçõesWenos óbvias que estruturam as práticas ideológicas e materiais do ensino.

" Em vez de aprenderem a levantar questões acerca dos princípios queSubjazem os diferentes métodos didáticos, técnicas cie pesquisa e teorias daeducação, os estudantes com freqüência preocupam-se em aprender o "cornolazer", "o que funciona" ou. o domínio da melhor maneira de ensinar umdado" corpo de conhecimento. Por exemplo, os seminários obrigatórios

prática no campo consistem na partilha das técnicas utilizadas pelosidantes para administrar e controlar a disciplina em sala de aula, orgam-

2ar as atividades do dia e aprender a trabalhar dentro de cronogramasesPecíficos. Examinando um programa destes, jesse Goodman levanta al-

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160 HENRY A. GIROUX

gumas questões importantes acerca cios silêncios prejudiciais que o mesmoincorpora. Ele escreve:

Não havia questionamento de sentimentos, suposições ou definições nesta discussãoPor exemplo, a "'necessidade" de recompensas e punições para "fazer as críanc-),aprenderem" era dada como garantida; as implicações éticas e educacionais não eramabordadas. Não se via preocupação em estimular ou alimentar o desejo intrínseco dacriança por aprender. As definições de bons alunos como "alunos quietos", atividadeno caderno de exercícios como "leitura", tempo envolvido com a tarefa como "nprendizagern", e finalizar o material dentro do horário como "objetivo do ensino" - todaspassavam sem questionamento. Os sentimentos de pressão e possível culpa quanto anão satisfazer os cronogramas também não eram explorados. A real preocupaçãonesta discussão era a de que todos "compartilhassem"."

As racionalidades tecnocráticas e instrumentais também operam den-tro do próprio campo de ensino, e desempenham um papel cada vez maiorna redução da autonomia do professor com respeito ao desenvolvimento eplanejamento curricular e o julgamento e implementação de instrução emsala de aula. Isto é bastante evidente na proliferação do que tem se chama-do pacotes curriculares "à prova de professor".7 A fundamentação subja-cente de muitos destes pacotes reserva aos professores o simples papel deexecutar procedimentos de conteúdo e instrução predeterminados. O métodoe objetivo de tais pacotes é legitimar o que chamo cie pedàgogias de geren-ciamento. Isto é, o conhecimento é subdividido em partes diferentes, padro-nizado para serem mais facilmente gerenciados e consumidos, e medidosatravés cie formas de avaliação predeterminadas. As abordagens curricularesdeste tipo são pedàgogias de gerenciamento porque as principais questõesreferentes à aprendizagem são reduzidas ao problema da administração,isto é, "como alocar recursos (professores, estudantes e materiais) para pro-duzir o número máximo de estudantes...diplomados dentro do ternpo de-signado".8 A suposição teórica subjacente que orienta este tipo de pedago-gia é a de que o comportamento dos professores precisa ser controlado,tornando-o comparável e previsível entre as diferentes escolas e popula-ções de alunos.

O que fica claro nesta abordagem é que a mesma organiza a vidaescolar em torno de especialistas em currículo, instrução e avaliação, aosquais se reserva a tarefa de concepção, ao passo que os professores sãoreduzidos à tarefa de implementação. O efeito não se reduz somente aincapacitação dos professores para afastá-los do processo de deliberação &reflexão, mas também para tornar rotina a natureza da pedagogia de apren-dizagem e de sala de aula. Não é preciso dizer que os princípios subjacentesàs pedàgogias de gerenciamento estão em desacordo com a premissa deque os professores deveriam estar ativamente envolvidos na produção demateriais curriculares adequados aos contextos culturais e sociais em quaisensinam. Mais especificamente, o estreitamento das opções curriculares aoformato de retorno aos fundamentos e a introdução cie pedàgogias inflexi'

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

•s <je tempo na tarefa operam a partir da suposição errônea de que todo~V - estudantes podem aprender a partir dos mesmos materiais, técnicas de°nsino em sala de aula e modos de avaliação. A noção de que os estucían-Ê s têm histórias diferentes e incorporam experiências, práticas lingüísticasalturas e talentos diferentes é estrategicamente ignorada dentro da lógica éontabilidade cia teoria pedagógica administrativa.

professores

Ho que se se§ue! desejo argumentar que uma forma de repensar e reestruturar1 natureza da atividade docente é encarar os professores como intelectuaistransformadores. A categoria de intelectual é útil de diversas maneiras. Pri-meiramente/ela oferece uma base teórica para' examinar-se a atividadedocente como forma trabalho intelectual, em contraste com sua definiçãoem termos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, elaesclarece os tipos de condições ideológicas e práticas necessárias para queos professores funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda aesclarecer o papel que os professores desempenham na produção e legiti-mação de interesses políticos, econômicos e sociais variados através daspedàgogias por eles endossadas e utilizadas./

Ao encarar os professores como intelectuais, podemos elucidar a impor-tante idéia de que toda a atividade humana envolve alguma forma de pensa-mento. Nenhuma atividade, independente do quão rotinízada possa se tor-nar, pode ser abstraída do funcionamento cia mente em algum nível. Esteponto é crucial, pois ao argumentarmos que o uso da mente é uma partegeral de toda atividade humana, nós dignificamos a capacidade humana deintegrar o pensamento e a prática, e assim destacamos a essência do quesignifica encarar os professores como profissionais reflexivos. Dentro destediscurso, os professores podem ser vistos não simplesmente como "opera-dores profissionalmente preparados para efetivamente atingirem quaisquermetas a eles apresentadas. Em vez disso, eles deveriam ser vistos como/homens e mulheres livres, com uma dedicação especial aos valores doyintelecto e ao fomento da capacidade crítica cios jovens".9 J

Encarar os professores como intelectuais também fornece uma vigoro-Sa crítica teórica das ideologias tecnocráticas e instrumentais subjacentes àeoria educacional que separa a conceitualização, planejamento e organiza-do curricular dos processos cie implementação e execução. É importanteBatizar que os professores devem assumir responsabilidade ativa peloevantamento de questões sérias acerca do que ensinam, como devem en-

smar, e quais são as metas mais amplas pelas quais estão lutando. IstoSlgnifica que eles devem assumir um papel responsável na formação dosPropósitos e condições de escolarização. Tal tarefa é impossível com umaülvisão de trabalho na qual os professores têm pouca influência sobre as

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162 HENRY A. GIROUX

condições ideológicas e econômicas de seu trabalho. Este ponto tem umadimensão normativa e política que parece especialmente relevante para osprofessores. Se acreditarmos que o papel do ensino não pode ser reduzidoao simples treinamento de habilidades práticas, mas que, em vez dissoenvolve a educação de uma classe de intelectuais vital para o desenvolvi-mento de uma sociedade livre, então a categoria de intelectual torna-seuma maneira de unir a finalidade da educação de professores, escolarizacãopública e treinamento profissional aos próprios princípios necessários parqo desenvolvimento de uma ordem e sociedade democráticas.

Eu argumentei que, encarando os professores como intelectuais, nóspodemos começar a repensar e reformar as tradições e condições que têmimpedido que os professores assumam todo o seu potencial como estudio-sos e profissionais ativos e reflexivos. Acredito que é importante não ape-nas encarar os professores como intelectuais, mas também contextualizarem termos políticos e normativos as funções sociais concretas desempe-nhadas pelos mesmos. Desta forma, podemos ser mais específicos acercadas diferentes relações que os professores têm tanto com seu trabalho comocom a sociedade dominante.

Um ponto de partida para interrogar-se a função social dos professoresenquanto intelectuais é ver as escolas como locais econômicos, culturais esociais que estão inextrincavelmente atrelados às questões de poder e con-trole. Isto significa que as escolas fazem mais do que repassar de maneiraobjetiva um conjunto comum de valores e conhecimento. Pelo contrário, asescolas são lugares que representam formas de conhecimento, práticas delinguagem, relações e valores sociais que são seleções e exclusões particu-lares da cultura mais ampla. Como tal, as escolas servem para introduzir elegitimar formas particulares de vida social. Mais do que instituições obje-tivas separadas da dinâmica da política e poder, as escolas são, de fato,esferas controversas que incorporam e expressam uma disputa acerca deque formas de autoridade, tipos de conhecimento, formas de regulaçãomoral e versões do passado e futuro devem ser legitimadas e transmitidasaos estudantes. Esta disputa é mais visível, por exemplo, nas demandas ciegrupos religiosos de direita que atualmente tentam instituir a reza nas esco-las, eliminar certos livros das bibliotecas escolares e incluir certas formas deensinamentos religiosos no currículo de ciências. É claro que demandas deoutro tipo são feitas por feministas, ecologístas, minorias, e outros gruposde interesse que acreditam que as escolas deveriam ensinar estudos femini-nos, cursos sobre meio ambiente, ou história dos negros. Em resumo, asescolas não são locais neutrqs_e.os professores não_podem temgoucjDjyjSUj:rnir_a_postura de serem neutros,.

Num sentido mais amplo, os professores como intelectuais devem servistos em termos dos interesses políticos e ideológicos que estruturam anatureza do discurso, relações sociais em sala de aula e valores que eleslegitimam em sua atividade de ensino. Com esta perspectiva em mente,

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 163

gostaria de concluir que os professores deveriam se tornar intelectuais trans-formadores se quiserem educar os estudantes para serem cidadãos ativos eCríticos.

Essencial para a categoria de intelectual transformador é a necessidade<je tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico. Tornar0 pedagógico mais político significa inserir a escolarizacão diretamente naesfera política, argumentando-se que as escolas representam tanto um esforçopara definir-se o significado quanto uma luta em torno das relações depoder. Dentro desta perspectiva, a reflexão e ação críticas tornam-se partedo projeto social fundamental de ajudar os estudantes a desenvolveremuma fé profunda e duradoura na luta para superar injustiças econômicas,políticas e sociais, e humanizarem-se ainda mais como parte desta luta.Neste caso, o conhecimento e o poder estão inextrincavelmente ligados àpressuposição de que optar pela vida, reconhecer a necessidade de aperfei-çoar seu caráter democrático e qualitativo para todas as pessoas, significacompreender as precondições necessárias para lutar-se por ela.

Tornar o político mais pedagógico significa utilizar formas de pedago-gia que incorporem interesses políticos que tenham natureza emancipadora;isto é, utilizar formas de pedagogia que tratem os estudantes como agentescríticos; tornar o conhecimento problemático; utilizar o diálogo crítico eafirmativo; e argumentar em prol de.um mundo qualitativamente melhorpara todas as pessoas. Em parte, isto sugere que os intelectuais transformado-res assumam seriamente a necessidade de dar aos estudantes voz ativa emsuas experiências de aprendizagem. Também significa desenvolver umalinguagem crítica que esteja atenta aos problemas experimentados em nívelda experiência cotidiana, particularmente enquanto relacionados com asexperiências pedagógicas ligadas à prática em sala de aula. Como tal, oponto de partida destes intelectuais não é o estudante isolado, e sim indiví-duos e grupos em seus diversos ambientes culturais, raciais, históricos e declasse e gênero, juntamente com a particularidade de seus diversos proble-mas, esperanças e sonhos.

Os intelectuais transformadores precisam desenvolver um discurso queuna a linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade, de forma que oseducadores sociais reconheçam que podem promover mudanças. Destarnaneira, eles devem se manifestar contra as injustiças econômicas, políticase sociais dentro e fora cias escolas. Ao mesmo tempo, eles devem trabalharPara criar as condições que dêem aos estudantes a oportunidade de torna-rem-se cidadãos que tenham o conhecimento e coragem para lutar a fim deque o desespero não seja convincente e a esperança seja viável. Apesar deParecer uma tarefa difícil para os educadores, esta é uma luta que vale aPena travar. Proceder de outra maneira é negar aos educadores a chance deassumirem o papel de intelectuais transformadores.

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I6f ' HENRY A. GIROUX

Notas

1. Para uma análise crítica mais detalhada das reformas, ver Aronowitz e Giroux, Educai'Vnder Siege-, ver também os comentários incisivos sobre a natureza impositiva cios °'*relatos em Charles A. Tesconi, Jr., "Additive Reforms and the Retreat from PEclitcational Studies 15 (Primavera 1984): 1-11; Terence E. Deal, "Searching for the z a iThe Quest for Excellence in Education", Issues m Educatíon 2 (Verão 1984): 56-57- c .Shapiro, "Choosing Our Educational Legacy: Disempowerment or Emancipation?" Issitp* V'Education 2 (Verão 1984): 11-22. ' "'

2. Para um comentário excepcional sobre a necessidade de educar os professoresserem intelectuais, ver John Dewey, "The Relation of Theory to Practice", em John Dev^"*Tbc Middle Works, 1899-1924, JoAnn Boydston, ed. (Carbonciale, III.: Southern Illinoi :

Universíty Press, 1977), primeiramente publicado em 1904. Ver também Israel Schefi]~S

"University Scholarship and the Education of teachers", Teachers College Record 70 (1968)'1-12; Giroux, Ideology, Culture, and the Process of Scbooling.

3. Ver, por exemplo, Herbert Kliebard, "The Question of Teacher Education", em D. McCartved., New Perspectives on Teacher Educatíon ( San Francisco: Jossey-Bass, 1973).

4. Kenneth M. Zeichner, "Alternative Paracligm on Teacher Education", Journal of TeacherEducation 34 (Maio-Junho 1983): 4.

5. Dewey, "Relation of Theory to Practice".

6. Jesse Goodman, "Reflection on Teacher Education: A Case Study and Theoretical Analysis"Interchange 15 (1984): 15.

7. Apple, Education and Power.

8. Patrick Shannon, "Mastery Learning in Reading and Contrai of Teachers" Lan"iict°e Am61 (Set. 1984): 488. ^

9. Scheffler, "University Scholarship", p. 11.

10e

HENRY A. GIROUX E ROGER SIMON

Seja qual for o ponto de partida para uma nova direção do estudocurricular deve-se levar em consideração a divisão histórica e fragmenta-da dentro dos maiores departamentos curriculares da América do

Norte. Há cerca de sessenta anos os educadores começaram a elucidar osinteresses e suposições existentes de uma maneira que produziu dois mo-dos bastante distintos de se pensar o estudo curricular.1 Estamos aqui nosreferindo à divisão clássica entre interesses "administrativos" e "científicos",uma cisão talvez expressa de forma mais simples na diferença entre estasquestões: (1) O que os professores devem ensinar? e (2) Que intervençõesefetivas podem ser obtidas a partir da compreensão do desenvolvimentohumano e dos processos de aprendizagem? Não iremos criticar ou nos atera estas orientações, pois as mesmas são suficientemente familiares. Nossosinteresses não se alinham com qualquer uma delas.

Nossa preocupação é o desenvolvimento de uma nova forma de estu-do acadêmico curricular que sustente o que chamamos de construção deuma política cultural. Que programa de estudo articularia esta preocupa-Çao, e com quem estes esforços estariam aliados? Vamos começar sendo^strategicamente práticos. Qualquer programa acadêmico tem que estar re-ferido a uma clientela. Para aqueles de nós que são educadores, podemostambém enfrentar a estrutura social e econômica de que somos parte. Nósoferecemos uma mercadoria. Nós competimos não apenas com outras univer-Sldades mas também com nossos colegas em outros departamentos de nos-Sas instituições. Assim, a lógica desta mercadoria nos força a perguntar,

são nossos clientes? Quem encontraria seus interesses abordadosestudo curricular enquanto política cultural?

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Acreditamos que os educadores são cada vez mais defrontados com aespecificação de práticas racionalizadas através de uma lógica de comodifi-cacão individual que é ditada por uma relação instrumental com a econo-mia. Estes são educadores que cada vez mais sentem que não sabem o queé estar ao lado do estudante, mas que assim o desejam desesperadamente.São educadores cuja localização contraditória dentro de um conjunto especí-fico de relações sociais resulta na alternância entre levantamento e supres-são de questões do tipo: O que conta como educação?

O que se segue tem por premissa a noção de que nós nas universida-des temos algo útil a oferecer para tal clientela (esta linguagem por si mes-ma significa um problema profundamente arraigado à estrutura de nossotrabalho, e utilizamos o termo propositalmente para levantar esta contradi-ção). Ironicamente, nós que trabalhamos nas universidades somos força-dos a oferecer política como uma mercadoria! É um tema familiar na socie-dade ocidental que sempre embota a agudeza crítica. É uma contradiçãoque devemos finalmente abordar e à qual voltaremos mais tarde. Pode-senotar que é uma contradição que é mais fácil de ser resolvida em umcontexto de pesquisa, no qual o crescimento de alianças não dependetanto do sucesso na competição no mercado.

Mas agora gostaríamos de ser um pouco mais específicos. Para oseducadores que repensam a escolarízação contemporânea, a questão im-portante que precisa ser enfrentada é: Que abordagem programática doensino acadêmico seria desejável? Isto é especialmente importante a fim deque os educadores considerem o que terá que ser levado em conta naformulação das práticas de ensino e organização que poderiam opor-se aodiscurso e ideologia dominante. Em nossa visão, tal abordagem programáticado estudo acadêmico no currículo seria aquela que compreendesse aescolarização: (1) como uma entre muitas formas, (2) como local cultural epolítico que incorpora um projeto de transformação e regulação, e (3) comouma forma produtiva que constrói e define a subjetividade humana atravésdo repertório de ideologias e práticas que incorpora. Esta formulação re-quer uma forma de estudo curricular que enfatize o histórico e o culturalem relação aos materiais e práticas educativas. Além disso, ela aponta paraáreas de estudo específicas que seriam cruciais para este esforço. Antes deexaminar as formas de discurso que estruturariam o estudo do currículo,gostaríamos de comentar sobre os temas ou áreas de análise que seriamessenciais para tal programa.

Linguagem

Em muitas escolas acadêmicas de educação, a linguagem (isto é,escrita, literatura, aprendizagem de segunda língua, e assim por diante)

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 16?'

um dos focos ou áreas específicas de concentração disponíveis para osestudantes que entram no programa curricular. Esta delimitação exclusivado que define uma preocupação com a linguagem sempre nos impressio-nou como um tanto bizarra no sentido de que legitima e limita as questõesda linguagem como técnicas e instrumentais. Embora tais preocupaçõessejam evidentemente importantes, o que se suprime nesta orientação é aquestão essencial da relação entre linguagem e poder.

A fundamentação de tal posição torna-se clara se a aquisição de umalinguagem (seja ela inglês, matemática, física, teatro ou qualquer outra) forvista como uma forma de aprendizagem que não apenas instrui os estudan-tes quanto às formas de "nomear" o mundo, mas também lhes introduz emrelações sociais particulares. Em outras palavras, o que é historicamenteconstruído como estimado, aprovado, adequado e de valor instrumental éaprendido no "sentido" de uma versão discursiva particular de algum as-pecto de nosso ambiente e de nós mesmos. A expressão está totalmenteimplicada na realização da experiência, mas o "busílis" é que a expressãonunca é manifestação arbitrária, sendo determinada dentro das condiçõesreais que organizam sua situação social.2 O conhecimento institucionalmentelegitimado organiza e desorganiza a experiência, e os educadores devemsaber perguntar quem tem suas experiências e interesses sustentados pelasdiferentes formas possíveis de educação.

Culturas Populares e

Um outro tema de estudo essencial para a construção da educação comopolítica cultural é a relação das culturas populares e subordinadas com osmodos dominantes da escolarização. Temos que enfrentar as implicaçõesdo fato de que a experiência escolar dos estudantes está entrelaçada comsuas vidas em casa e na rua. Isto não representa um apelo simplista porrelevância; é mais uma afirmação de nossa necessidade de compreender astradições de mediação que os estudantes trazem para seu encontro com oconhecimento institucionalmente legitimado. É uma tentativa de construirurna agenda teórica através da qual os educadores possam começar a con-siderar com seriedade as esperanças, ansiedades, experiências e históriasde grupos e classes subordinadas. Estamos utilizando o termo "cultura"como as maneiras distintas nas quais um grupo social vive e dá sentido àscircunstâncias e condições de vida que lhe são "dadas".3 Estas podem ser"inconscientes" ou não; certamente elas são o produto de processos histó-ricos coletivos e não cie intenções meramente pessoais. Na verdade, os^divíduos formam seus propósitos e intenções dentro das estruturas°rnecidas por seu repertório cultural.

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Teorizacão da Formação Social

A fim de decidirem o que fazer, os educadores devem compreender porque as coisas são como são, como ficaram assim, e que condições as sus-tentam. Além disso, os educadores devem ser capazes de avaliar os poten-ciais de ação que estão embutidos nos relacionamentos e práticas reais. Istoexige que se pense sobre a educação através de sua inter-relação com aformação social circundante. Esta forma de análise requer uma certa famili-aridade com as questões propostas pela teoria social e algum entendimentodo estado como a agência através da qual a escolarização tem sido organizadanos últimos 150 anos. O mais importante, porém, é que isso significa apren-der a analisar situações concretas de uma maneira que mostre como (e comque limitações) qualquer relacionamento social ou forma institucional podeser transformada através da ação intencional. O modo como tais análisessão formuladas depende, evidentemente, das visões específicas do modocomo o mundo social é construído. Sem dúvida, este é um argumento emprol da intersecção essencial da teorização social e curricular. Também éum apelo por uma nova forma de discurso e linguagem curricular.

História

Não estamos aqui interessados na cronologia e sim em uma compreensãode como práticas educacionais específicas podem ser compreendidas en-quanto construções históricas relacionadas com os eventos econômicos,sociais e políticos em um espaço e tempo particular. Isto é absolutamenteessencial a fim de podermos pensar sobre como casos específicos deescolarização e teoria curricular podem representar uma entre as muitasformas possíveis. Esta posição não apenas destaca a natureza especifica-mente social e construída da escolarização, mas também fornece as basespara o pensamento e ação críticos e de oposição. Em resumo, ela forneceas bases para pensar-se em termos que possam antever um mundo e futurodiferentes. O conteúdo aqui teria que ser não apenas a história da escolari-zação do país, mas também sua comparação com outras.

Pedagogia

Esta lista de temas talvez tenha sido um pouco parcial. Mas pretendemosdar a pedagogia o seu lugar. Sustentamos o termo pelo alcance e conexãoteóricas definitivamente amplas com a prática que o mesmo sugere. Paranós, a pedagogia refere-se a uma preocupação com os materiais e instruçãode um maneira que fale sobre sua integração, que lhe dê um foco e propó-

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 109

sito. É aí que os educadores devem confrontar-se coletivamente com aquestão: O que deve ser feito?

Como poderíamos pensar sobre a leitura de um texto para abrir (reve-]ar) sua mitologia?1 Como poderíamos organizar situações de aprendizagempara minimizar a violência simbólica cia cultura dominante?5 Que novosmateriais e atividades poderiam ser enfatizados para dar aos estudantes umsentido de possibilidades alternativas?6 Como poderíamos trabalhar paraproblematizar a experiência e as necessidades dos estudantes de forma afornecer a base para explorar-se a interface entre suas próprias vidas e aspressões e possibilidades da sociedade mais ampla?

Existem respostas para tais questões, mas as mesmas terão sempre queser desenvolvidas eventual e coletivamente. Estudar pedagogia nunca de-veria ser confundido com nos dizerem o que fazer, mas a mesma cie fatorequer novas formas de estudo acadêmico que implicam definitivamente afaculdade universitária em reais esforços para definir projetos educacionaisque sejam verdadeiramente transformadores. Isto requer, como veremos,abandonar finalmente a denominação de nossos estudantes como clientela.

Na seção anterior, tentamos esboçar de forma sucinta os temas especí-ficos que acreditamos que deveriam gerar um discurso crítico para o estudocurricular. Estamos tentando provocar um discurso novo e crítico que defi-na o estudo curricular dentro dos parâmetros da cultura teórica que estáligada à dinâmica do comprometimento e luta. Para este fim, gostaríamosde prosseguir destacando algumas das categorias, as quais acreditamos queseriam essenciais para uma visão crítica do estudo curricular.

Teoria como da Crítica e

Como certamente indicam os temas acima mencionados, cremos ser impor-tante encarar a teoria curricular como forma de teoria social. Quando ateoria curricular é vista deste ângulo, torna-se evidente que o discursocurricular está inextrincavelmente relacionado com formas de conhecimen-to e práticas sociais que legitimam e reproduzem formas particulares deyida social. O currículo, neste sentido, é visto como um discurso teóricoque faz do político um ato pedagógico. Isto é, o currículo representa umaexpressão de disputa em torno de que formas de autoridade política, or-dens de representação, formas de regulação moral e versões do passado edo futuro deveriam ser legitimadas, repassadas e debatidas em locais peda-gógicos específicos. Neste caso, não se deve condenar a teoria curricularPor ser política, mas por ser política de maneira oculta ou inconsciente.%ualmente importante é a noção relacionada de que o discurso curricular,com todas as suas variações/é uma forma cie ideologia que tem intima

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relação com questões de poder, principalmente enquanto estas estruturamas relações sociais em torno de considerações de gênero, raça e classe.

Além disso, nós achamos que o valor da teoria e prática curricularesdeveria ser ligado à provisão de condições para que os estudantes as com-preendam como forma de política cultural, isto é, como uma expressão dateoria social radical. Mas aqui deve-se fazer uma advertência. Ao ligar ateoria e prática curriculares à teoria social radical, não estamos argumentan-do que os estudantes deveriam aprender o discurso de, por exemplo, uniadoutrina específica como o marxismo. Pelo contrário, a noção de radical,como a utilizamos neste contexto, é muito mais ampla e mais fundamentaldo que qualquer versão particular do marxismo ou outra doutrina política.Na verdade, ela sugere ligar a teoria e prática curriculares com os aspectosmais profundos da emancipação na qual a autorização própria e socialsejam desenvolvidas em torno da meta de lutar contra todas as formas dedominação subjetiva e objetiva. De forma semelhante, ela sugere esforçar-se para produzir formas de conhecimento e habilidades que forneçam ascondições para uma vida qualitativamente melhor para todos. Como tal, odiscurso curricular passa, neste caso, a ser valorizado pelas formas nasquais ele abarca tanto a linguagem da análise crítica quanto a linguagem dapossibilidade. Sejamos mais específicos neste ponto.

Informados pela linguagem da crítica, os estudos curriculares repre-sentariam um lugar dentro da universidade no qual a natureza partidária daaprendizagem e esforço humano forneceriam um ponto de partida paraligar o conhecimento ao poder. O compromisso com o desenvolvimento deformas de vida comunitária levaria seriamente em consideração as noçõesde liberdade, igualdade e solidariedade humanas. Assim, os estudoscurriculares organizar-se-iam em torno da meta de educar os estudantespara oferecerem liderança moral e intelectual (não através de vanguardismo!).Neste caso, o discurso curricular relacionaria o conhecimento e o poder detrês maneiras. Primeiro, ele questionaria todas as pretensões de conheci-mento pelos interesses que estruturam tanto as questões que são levanta-das quanto as questões que são excluídas. Segundo, as pretensões de co-nhecimento em torno de todos os aspectos da escolarízação e da sociedadeseriam analisadas como parte de processos culturais mais amplos intima-mente ligados com a produção e legitimação de formações sociais de clas-se, raça, gênero e idade enquanto reproduzidas dentro de relaçõesassimétricas de poder. Terceiro, o conhecimento deveria ser visto comoparte de um processo de aprendizagem coletivo intimamente relacionadocom a dinâmica de luta e contestação, tanto dentro como fora da universi-dade. Longe de serem tratadas como objetivos, como algo a ser simplesmentedominado, as alegações de conhecimento no campo curricular seriam anali-sadas como parte de uma luta mais ampla em torno de diferentes ordens de

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS171

representação, formas conflitantes de experiência cultural e visões dtve-do futuro.

Com respeito ao discurso da possibilidade, estamos sugerindo commencionado acima, que o estudo do currículo seja informado pôr um-linguagem que reconheça o mesmo como introdução, preparação élegitimação de formas da vida social. Isto é, o discurso curricular considera-ria seriamente as particularidades sociais e históricas que constituem asformas e limites culturais que dão significado às vidas dos estudantes eoutros aprendizes. Em um certo sentido, isto aponta para a necessidade dedesenvolverem-se teorias, formas de conhecimento e práticas sociais quetrabalhem com as experiências que as pessoas trazem para o ambientepedagógico. Isto significa tomar com seriedade e confirmar as formas delinguagem, modos de raciocínio, disposições e histórias que dão aos estu-dantes voz ativa na definição do mundo. Em um outro sentido, a Hnguaoemda possibilidade refere-se à necessidade de trabalhar sobre as experiênciasque constituem as vidas dos estudantes. Isto significa que tais experiênciascom suas formas culturais variadas, têm que ser recuperadas de maneiracrítica, de forma a revelar suas forças e também suas fraquezas. De formasemelhante, isto significa ensinar os estudantes a apropriarem-se critica-mente dos códigos e vocabulário de diferentes experiências, de modo alhes fornecer as habilidades que irão necessitar para definir, e não simples-mente servir, o mundo moderno.

Como linguagem de possibilidade, o discurso curricular estaria ligadoa formas de autofortalecímento e social que envolvessem a luta para desen-volver formas ativas de vida comunitária em torno dos princípios de igual-dade e democracia. Ele iria infundir o trabalho pedagógico dentro e foradas escolas com um discurso que pode funcionar para trazer esperançasreais, forjar alianças democráticas e apontar para novas formas de vidasocial que pareçam realizáveis.

Essencial para tal projeto seria o compromisso fundamental com asnoções de esperança e emancipação. A importância, finalidade e estudo docurrículo como forma de discurso e-prática estariam inextrincavelmenteligados a uma noção de prática educacional que toma como ponto departida um compromisso com o bem-estar do público. Assim, o estudocurricular como expressão de formas específicas de conhecimento, valorese habilidades tomaria como princípio de organização a tarefa de educar osestudantes a tornarem-se cidadãos ativos e responsáveis; isto é, cidadãosque disponham das habilidades intelectuais e da coragem cívica necessári-as para uma vida autodeterminada, reflexiva e democrática. A medida desucesso para julgamento deste programa seria baseada no grau em que omesmo consegue proporcionar as condições ideológicas e materiais parasua implementação e o grau no qual ele demonstra o relacionamento fun-damental entre a escolarização e a idéia de emancipação humana.

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Reconstruindo a entre e Escolas

Como discurso teórico crítico, os estudos curriculares terão que redefinir orelacionamento entre teoria e prática, superando mais do que reforçando adivisão de trabalho entre eles. Particularmente ao definir a conexão entreinstituições de educação superior e as escolas públicas, o estudo curricularterá que ser reconstruído em aliança específica com formas ativas de vidacomunitária. Isto significa reconhecer que a teoria curricular pode ser vistacomo a produção de formas de discurso que surgem cie locais sociais espe-cíficos, e enquanto a comunidade universitária teoriza a partir de um localespecífico, os professores e administradores da escola pública, bem comooutros envolvidos no trabalho pedagógico, teorizam a partir de contextosdiferentes, porém igualmente importantes. Estes locais diferentes dão ori-gem a várias formas de produção e prática teóricas. Cada uma destas dife-rentes esferas institucionais fornece idéias diversas e críticas sobre os proble-mas da produção curricular e escolarização, e o fazem a partir de particu-laridades históricas e sociais que lhes dão significado. A questão central écomo estas formas de produção e prática teóricas podem ser unidas dentrode um projeto comum informado pelas linguagens de crítica e possibilida-de.

Este laço exige um repensar sobre quem somos enquanto educadores.Ele redefiniria os estudos curriculares como sustentáculos dos professores-educadores enquanto intelectuais transformadores.7 Os educadores traba-lhariam em conjunto com grupos e movimentos sociais específicos em tor-no de diversas preocupações emancipadoras. Eles ajudariam tais grupos adesenvolverem os instrumentos de liderança moral e intelectual, e, comotal, sua função pedagógica estaria ligada não apenas à produção de idéias,mas também a formas de luta coletiva em torno de preocupações econômi-cas, sociais e políticas variadas. A importância disso tem que ser julgada,em parte, contra a suposição de que os estudos curriculares como atual-mente instituídos na maioria dos programas acadêmicos foram destituídosde uma visão democrática - de que, conseqüentemente, eles têm funciona-do para educar os estudantes menos como intelectuais e profissionais refle-xivos do que como funcionários públicos obedientes e técnicosespecializados. Encarar professores e administradores como intelectuais trans-formadores oferece a oportunidade pragmática de ligar as possibilidadesde emancipação às formas críticas de liderança ao reformular-se o papel dotrabalho curricular. Ao tomar a categoria de intelectual seriamente, os estu-dantes, professores acadêmicos e outros teriam que investigar e seconscientizar plenamente de seu papel ativo na mediação entre a socieda-de dominante e a vida cotidiana. Seria igualmente importante que eles seconscientizassem de que seu papel pedagógico é definitivamente político,já que não podem fugir das funções contraditórias de legitimação ou resis-tência às formas dominantes de ideologia e cultura. A categoria de intelec-

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ai orgânico também aponta para a luta diária em andamento dos educadoressobre o que constitui a distinção entre normalidade e desvio, sobre o queconta como prática social e escolar aceitável, e sobre o que conta comoforma legítima de linguagem e conhecimento.

Contudo, deve-se enfatizar que o conceito de intelectual transforma-dor vai além de sugerir a função política envolvida no trabalho curricular.Ele também oferece um ponto de partida para que os educadores exami-nem suas próprias histórias, isto é, aquelas conexões com o passado e comformações sociais, culturas e experiências sedimentadas particulares quedefinem quem eles são e como estruturam as experiências escolares. Deforma semelhante, o conceito transforma-se num referencial político paraque os educadores assumam com seriedade a luta para eliminar a divisãoentre trabalho intelectual e manual, não apenas em nosso próprio trabalho,mas também na sociedade como um todo. Finalmente, o uso do conceitocomo um princípio de organização do discurso curricular aponta para aimportância de que os estudantes e outros examinem o caráter multifacetadodo poder como força tanto ideológica como material. Em outras palavras,precisamos compreender como o poder funciona de maneira tanto positivaquanto negativa em meio as muitas contradições que constituem a vidaescolar.8 Isto sugere a necessidade de desenvolverem-se análises concretasdentro dos programas de estudo curricular de como o poder funciona parapoliciar e estruturar a linguagem, como ele é usado como força para admi-nistrar e moldar a política do corpo, e como ele está implicado na organiza-ção do tempo e do espaço. Essencial a estas preocupações é o papel delimitação e habilitação que os profissionais curriculares desempenham comointelectuais.

Assim, gostaríamos de concluir este capítulo retornando a uma dascontradições que é saliente para os acadêmicos que buscam articular oestudo e a pesquisa educacional como forma cie investigação social e polí-tica cultural. Esta é a contradição, produzida em meio à lógica de mercado-ria que estrutura nosso trabalho, entre nosso desejo de liberdade intelectuale empresarial do intelectual descompromissado e as obrigações e compro-missos do intelectual orgânico. Os comentários a seguir pretendem elucidaresta contradição e apontar para uma maneira de mitigá-la. Não existemsoluções fáceis.

O

^e, por um lado, adotarmos a noção anteriormente salientada d£ clue °currículo seja visto como a expressão de uma forma de luta, deveni°s 'azer

as Perguntas conseqüentes: Qual é a natureza desta luta? Do que gia

Que forma ela assume? Em que lado estamos? O que precisa ser feíto-

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dúvida afirmaríamos que o estudo curricular se define a partir da aborda-rem destas questões.

Por outro lado, devemos reconhecer que, como acadêmicos, nós outrabalhamos para o governo ou temos um relacionamento particularmenteíntimo com suas ideologias e práticas sociais. Como funcionários do esta-do, por exemplo, nós vivemos do valor excedente criado nas regiões particu-lares e áreas do país onde trabalhamos. Nós vivemos deste valor excedentesituado em uma economia política definida tanto pela localização estruturalde nosso local de trabalho nas universidades quanto pelas relações concre-tas de nossa "profissão". À medida que os acadêmicos desejam adquirir osescassos recursos desta economia, o que inclui posse de cargo, cursos de-sejáveis, estudantes interessados, espaço nos jornais, tempo para escrever,reconhecimento dos colegas e assim por diante, devemos buscar definir econtrolar o "chão" em que trabalhamos. Mas à medida que os acadêmicosfazem isto individualmente, em seus próprios termos, em competição comoutros que desejam recursos semelhantes, tornamo-nos pelite bonrgeoisie.Esta é uma forma de prática e subjetividade material que sem dúvida éfomentada pela própria estrutura do trabalho nas universidades.

Nós de fato reconhecemos que o caráter contraditório do ambienteuniversitário está em desacordo com a noção de estudo curricular que deli-neamos acima. Mas buscamos trazer para a questão e disputa aquelas práti-cas ideológicas e materiais que simultaneamente constituem a vida no traba-lho e limitam a prática dos intelectuais universitários nos departamentoscurriculares. Além disso, sugerimos que qualquer programa de estudocurricular como política cultural exige que tenhamos sucesso em algumamedida.

Queremos colocar a questão de como os intelectuais podem lidar comesta contradição: como podem estimular a vida acadêmica coletiva quepermita a liberdade intelectual e ainda assim permaneça ligada a outrosinteresses que não os seus. Admitimos que a expressão ''outros interessesque não os seus" parece um pouco paradoxal. Nós a utilizamos aqui emreferência exclusiva à economia política que aludimos acima, no sentido deque esta economia define e estrutura "nossos" interesses. O fato de nosinteressarmos em permanecer ligados com interesses "que não os nossos" éum assunto importante. Ele se relaciona com questões referentes a comorespondemos a nossa família e amigos quando nos perguntam como justi-ficamos o que fazemos todos os dias. Contudo, examinar isto nos furtodesviar do assunto. Não dispomos de um programa abrangente, mas quere-mos de fato levantar e discutir algumas idéias. Esta discussão irá se ciar erntorno de três questões relacionadas: coleguismo, conteúdo programático enecessidade de abandonar-se a noção de estudantes como "clientela".

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 175

Coleguismo

espírito competitivo está muito vivo na vida acadêmica, e estrutura gran-parte de nosso discurso e desejo. Existe pouquíssima interação social

genuína (e conseqüentemente pouquíssima alegria) na produção culturalcoletiva (autoria coletiva de artigos não significa necessariamente produçãocoletiva!). Como acadêmicos e intelectuais devemos nos tornar cada vezmais ponderados em torno cia criação de estruturas que apoiem o trabalhoconjunto tanto em relação à pesquisa/investigação quanto em relação aoensino conjunto e escrita conjunta. Estas estruturas podem parecer triviais,mas na dinâmica concreta da vida cotidiana elas podem assumir uma im-portância frustrantemente brutal. Elas são representadas por preocupaçõestais como garantir que os horários dos cursos permitam a possibilidade deco-ensino, e, em casos nos quais possa haver fundos arbitrários para subsi-diar a pesquisa ou viagens, estabelecer prioridades que dêem preferênciaao trabalho conjunto. Além disso, significa oferecer suporte técnico quepossa estimular o trabalho conjunto, por exemplo, fornecendo tecnologiaem informática que permitisse que vários autores tivessem acesso ao mes-mo arquivo a fim de criar um texto verdadeiramente comum, no qual cadaum poderia fazer seus acréscimos e alterações.

No mesmo espírito, o trabalho em projetos coletivos em termos ciefaculdade e estudantes precisa ser encorajado. Isto deve ser defendido tan-to do ponto de vista dos limites cio trabalho individual (não se pode fazertudo sozinho) quanto da importância de uma forma de estudo acadêmicoque envolva os estudantes e a faculdade em alguma investigação concretagenuína que aborde um aspecto do estudo curricular. O que estamos sugerin-do é que tais esforços devem estar embutidos na estrutura do próprio estudoacadêmico. Além disso, as exigências de curso deveriam ser estabelecidasde forma a permitir e encorajar os estudantes a cumprirem as obrigações doprograma através do trabalho em projetos coletivos. Não é conseqüênciasem importância que tal exigência tornaria o conhecimento e habilidadesnecessárias para o trabalho coletivo uma parte explícita de um programa deestudo curricular acadêmico.

Conteúdo do ProgramaEfn relação ao conteúdo do programa, concordamos com aqueles que argu-mentam que o estudo curricular não pode ser compreendido como umRecipiente vazio. Ele tem que tratar cie alguma coisa! Contudo, ao mesmotempo acreditamos que organizar o estudo curricular através da identifica-do com as categorias disciplinares tradicionais é antítético ao tipo de pro-§rama curricular que estamos advogando. Nossas noções de trabalho bási-

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co são definidas pelos cinco temas especificados anteriormente ^gem, culturas populares e subordinadas, teorização cia formação sócia]história e pedagogia). O que sugerimos é a identificação de "grupos dgtrabalho discíplinares". Estes são grupos de estudantes de graduação oupós-graduação cujos interesses em um determinado momento são reunidosem torno do trabalho em um assunto particular. Por exemplo, no InstitutoOntário de Estudos em Educação em Toronto existem grupos de trabalhoemergentes de educação no trabalho, educação na saúde e literatura infan-til. Tais grupos se reúnem para ler juntos e apoiar e criticar o trabalho unsdos outros. Á atividade destes grupos teria que ser apoiada como aspectolegítimo e essencial de um programa de estudo. Como não se atribui umconceito pela participação em tais grupos, eles correm o risco de se torna-rem extracurriculares. Este é um problema familiar. A viabilidade de taisgrupos torna-se uma questão de tempo disponível, legitimidade percebidae da importância de um grupo na provisão de identidade para seus mem-bros. Existem formas específicas de criarem-se estas condições, mas estaquestão exige um nível de especificidade inapropriado para este ensaio.

Clientela, do Educador

Finalmente, como argumentamos anteriormente, os educadores devem pa-rar de considerar os estudantes como clientela. Isto significa que o estudan-te individualmente considerado não se torna mais dependente dos mem-bros da faculdade por seu conhecimento especializado (a palavra-chaveaqui é dependente, não conhecimento especializado). Em termos concre-tos, o que isto poderia significar?

Uma possibilidade é redefinir-se a unidade de admissão a um progra-ma de pós-graduação, de forma que este se torne uma unidade social. Istoé, duas ou mais pessoas tornar-se-iam uma unidade admissível. Caso queiracandidatar-se à admissão, tal unidade deve identificar uma situação ou pro-jeto em que deseje trabalhar ou compreender melhor (isto não implica que,uma vez no programa, os estudantes tenham que permanecer presos a estaidéia quando começarem a ir além dos horizontes iniciais para dar sentidoa suas vidas pessoais e profissionais). Esta é uma política radical que redefinao propósito da educação universitária liberal ocidental como não mais fo-calizada no desenvolvimento do indivíduo sozinho. Em vez disso, ela esta-belece as condições para um trabalho de pós-graduação como investigaçãocoletiva. Ela encorajaria grupos cie pessoas da mesma escola ou bairro, ouque compartilham de um sentido semelhante de frustração ou sonho, $envolverem-se umas com as outras e levarem este envolvimento à atuaçãojunto à faculdade dentro de um departamento curricular. A dependênciapessoal à faculdade por seu conhecimento especializado é alterada à medi-da que um projeto comum torna-se o foco de estudo.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 177

Além disso, como enfatizado anteriormente, os educadores devemnieçar a ver o seu trabalho como parte de uma aliança com grupos de

essoas fora de seu foco particular. Isto é importante para um programa-orn uma política de admissão coletiva. A ênfase no trabalho em projetosConjuntos de faculdade/estudante também precisa, para ser uma forma ge-uína de política cultural, um sentido de como ela se articula com os esfor-

rOs em outros aspectos da esfera pública. Por exemplo, em Ontário, otrabalho coletivo de faculdade e estudante está atualmente desenvolvendoo currículo junto com grupos de direitos humanos comprometidos com aluta contra o racismo no Canadá. Tal aliança também poderia assumir aforma de trabalho com grupos políticos cuja agenda não seja apenas repre-sentação eleitoral mas articulação de uma agenda social dentro da esferapública. Isto sugeriria alianças com grupos ecológicos, feministas ou dedireitos humanos. Como argumentamos anteriormente neste ensaio, o estu-do curricular precisa tornar concreto um discurso que traduza a teoria so-cial em formas de práxis que contribuam para as noções de coragem cívicae cidadania ativa. Tais alianças não apenas promovem a base do trabalhocoletivo como também ligam a teoria e a prática a formas de luta social.

O que estamos advogando é a abordagem do estudo e ensinocurriculares como algo essencial para a prática da política cultural que tempor base suas alianças cooperativas entre grupos que lutam para definir umestilo de vida. Sem dúvida, gostaríamos de reconhecer esta prática comoeducativa por si mesma. Este é um foro educacional que recusa as separa-ções costumeiras de teoria e prática, objetivo e subjetivo, saber e fazer. Éuma forma de profissionalismo que recusa o que Wendy Simon, um profes-sor de escola primária, chamou de "status de camponês do professor", aoresistir às tendências hierárquicas na organização do quadro escolar. Emnossa visão, a transformação simultânea das circunstâncias e das pessoas éo tema orientador do trabalho e ensino curriculares enquanto política cul-tural. Isto pressupõe que nós aprendemos pela descoberta, questionamento,crítica e tentativas de mudança, e que todas estas práticas levam àreconceitualização de nós mesmos como possuidores de capacidades, ha-bilidades e formas de conhecimento que anteriormente não havíamos per-cebido. É este tipo de atividade que o estudo acadêmico curricular podeajudar a estimular e apoiar.

NotasOs autores apresentaram pela primena \< z is> seções deste capítulo na The Curriatlum of

Conference, realizada na Lbcola de Educação da Universidade Estadual üeà diretora Juditn, durante 16, 17 e 18 de maio de 19S i. Somos especialmente gratos

Lanier e ao professor Cleo Cherryholmes por seu apoio.

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178 HENRY A. GIROUX

1. Herbert M. Kliebard, "The Drive for Curriculum Change in the Unite

^íffxtnl^r"^^^0105"

3. Giroux, Theory and Resistance.

4. Roland Barthes, Mythologies (New York: Hill & Wang, 1972).

5. Bourdieu e Passeron, Reproduction.

6. Giroux, Theory and resistance

7. Gramsci, Prison Notebooks.

8. Aronowitz e Giroux, Education under Siege.

11A de

CulturaisHENRY A. GIROUX, DAVID SHUMWAY, PAUL SMITH E JAMES SOSNOSKI

N ~ as universidades da América do Norte, o estudo da cultura1 é tãofragmentado pela especialização que uma análise crítica cultural com-binada é quase impossível. O desenvolvimento histórico de disci-

plinas isoladas alojadas em departamentos segregados produziu uma ideo-logia legitimadora que com efeito suprime o pensamento crítico. Racionali-zada como proteção da integridade de disciplinas específicas, adepartamentalização da pesquisa tem contribuído para a reprodução dacultura dominante ao isolar seus críticos uns dos outros.2 Sob a bandeira daliberdade acadêmica dos especialistas para dirigirem sua própria atividade,os especialistas ligam-se em formações discursivas que geralmente circuns-crevem a natureza de suas investigações.

Os profissionais das disciplinas que investigam fenômenos culturais,como, por exemplo, antropologia, sociologia, história, estudos literários,são limitados em sua capacidade de se comunicarem uns com os outrosacerca de suas preocupações comuns. O estudo literário tradicional, porexemplo, tem se desenvolvido dentro de padrões formalistas que estabele-ceram um limite quase intransponível entre o estudo de uma sociedade e oestudo de um romance; de forma semelhante, os sociólogos fazem uso daliteratura de uma maneira que aliena os críticos literários tradicionais. Eassim por diante. A sabedoria convencional dos acadêmicos é deixar que°s membros de outros departamentos façam o que quer que seja seu traba-lho da maneira que quiserem - contanto que este direito lhes seja garanti-do. Como conseqüência destes desenvolvimentos, o estudo da cultura éconduzido em fragmentos, e, à medida que os especialistas devem definir a

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si mesmos em contraste com um público constituído cie amadores, a espe-cialização afasta os intelectuais de outras esferas.3 Desabilita-se, assim acrítica, e possibilitam-se os mecanismos de reprodução social e cultural.

O papel do especialista não é de todo compatível com o papel dointelectual. Como assinala Paul Piccone:

A menos que se reduza a definição de intelectuais em termos de critérios educacionaispuramente formais e estatísticos, está bastante claro que o que a sociedade modernaproduz é um exército de especialistas alienados, privatizados e incultos que somentesão instruídos dentro cie áreas muito estreitamente definidas. Em vez cie intelectuaisno sentido tradicional de pensadores preocupados com a totalidade, esta intelilligentsici.técnica está crescendo vertiginosamente para operar o aparelho burocrático e indus-trial cada vez mais complexo. Sua racionalidade, contudo, tem caráter apenas insirit-mental, e, portanto, é adequada principalmente para realizar tarefas parciais, mais doque para lidar com questões substanciais az organização social e direção política.1

Nosso argumento é que existe uma necessidade de que os estudosculturais envolvam de maneira crítica justamente aquelas questões políticase sociais aludidas por Piccone, e promovam uma compreensão das dimen-sões tanto de possibilidade quanto cie limitação da cultura. Isto sugeretanto o desenvolvimento de uma análise crítica como a produção de formasculturais em consonância com interesses de emancipação. Uma tarefa im-portante de tal análise crítica transformadora é identificar as fissuras nasideologias da cultura dominante. Na ausência de intelectuais que possamanalisar criticamente as contradições de uma sociedade, a cultura dominan-te continua a reproduzir seus piores efeitos com toda a eficácia. E, sem umaesfera de crítica cultural, o intelectual de resistência não tem voz nos negó-cios públicos.

Este capítulo começa mostrando como as definições de disciplina sãohistoricamente arbitrárias. Ele então passa adiante para argumentar que astentativas de romper os limites arbitrários estabelecidos pelas disciplinas edesenvolver programas interdisciplinares - estudos americanos ou cana-denses, estudos femininos, estudos dos negros, etc. - fracassaram. A seguiro capítulo argumenta que a fundamentação humanista tradicional para oestudo disciplinar da cultura é inadequada no sentido de que mascara opapel que os membros de uma cultura podem desempenhar como agentesem sua formação. Isto nos leva a argumentar em prol cia necessidade deuma práxis contradisciplinar. Neste ponto, introduzimos a noção de intelec-tual transformador como uma formação educacional necessária para resti-tuir aos educadores seu papel de intelectuais. As seções posteriores delinei-am algumas das implicações de nossa discussão: o retorno dos intelectuaisde suas torres de marfim para a esfera pública; e um movimento de afasta-mento da pesquisa individualista, esotérica, rumo a investigações coletiva?das mazelas sociais. O capítulo é concluído pelo delineamento das cone»'ções para o desenvolvimento de estudos culturais.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 181

^ Arbitrariedade e o FracassoluterdíscipMíias

\ maioria de nós pensa nas disciplinas acadêmicas como reflexo de catego-rias mais ou menos naturais de coisas que chamamos de matérias. Inglês édiferente de história porque literatura e história são dois tipos distintos decoisas. Mas se considerarmos o assunto mais detidamente, logo reconhece-remos que a identificação de uma disciplina com objetos naturais não ex-plica muito. Em primeiro lugar, um grupo particular de objetos é assunto deuma série de disciplinas. O mesmo texto, A Cabana do Tio Tom, por exem-plo, pode ser estudado por estudiosos de literatura e por historiadores. Emsegundo lugar, os objetos particulares que uma disciplina estuda não per-manecem iguais no decorrer de sua história. A literatura tem sua referênciaatual - ficção, poesia, e drama - somente desde o início do século dezenove.Além disso, a forma na qual se definem as categorias muda regularmente.O inglês foi reconhecido como área legítima de estudo somente desde ofinal do século dezenove, e novas subdisciplinas na física ou química têmsurgido num ritmo cada vez mais rápido.

O que é estudado sob a égide de uma disciplina acadêmica em umdeterminado momento não é uma matéria natural, mas uma área que é emsi mesma constituída pela prática da disciplina. Tal área não é arbitrária nosentido de desenvolver-se aleatoriamente ou por capricho; uma área podeser chamada de arbitrária porque é contingente com a circunstância históri-ca. Assim, ela reflete demandas culturais, sociais e institucionais. Isto seaplica a todas as áreas acadêmicas, mas mais especialmente em camposfora das ciênciais naturais. Para compreender-se por que este é o caso, énecessário observar mais intimamente a formação das disciplinas acadêmicas.

Michel Foucault mostrou que a disciplina5 como estratégia particularde controle e organização social apareceu no final da era clássica e passoua prevalecer no período moderno. Embora Foucault não esteja diretamentepreocupado com disciplinas acadêmicas, grande parte cie sua análise seaplica a estas empresas. O que é característico nas tecnologias dísciplinaresé sua capacidade de simultaneamente normalizar e hierarquizar, homogenizare diferenciar. Este paradoxo é explicado pelo controle que a disciplinaexerce sobre a diferença. Como as normas são cuidadosamente estabelecidase mantidas, os desvios podem ser medidos em escala. A meta cio profíssio-nal em uma disciplina é subir nesta escala diferenciando-se apenas da ma-neira apropriada.

Não é necessária uma análise ao estilo de Foucault para compreender^ue uma disciplina limita o discurso. Ser parte de uma disciplina significalazer certas perguntas, usar um conjunto particular de termos e estudar umc°njunto relativamente estreito de coisas. Mas a obra de Foucault de faton°s ajuda a ver como estas limitações, esta disciplina, são reforçadas pelas

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instituições através de várias recompensas e punições, a maior parte dasquais pertencentes à classificação hierárquica. A punição derradeira é aexclusão. Se paramos de nos expressar dentro do discurso da disciplinanão seremos mais considerados parte da mesma. Isto geralmente não signi-fica que os hereges serão proibidos de ensinar ou mesmo publicar; elesserão simplesmente marginalizados. A situação é similarmente grave para onovo Ph.D. , para o qual o preço da admissão à academia é a mesmaconformidade com os discursos acadêmicos dominantes.

Muito embora o desenvolvimento da "ciência normal" no sentido deKuhn faça a distinção entre as ciências naturais e as outras disciplinas, "asciências humanas tentam constantemente copiar a exclusão das ciênciasnaturais de qualquer referência à base social e histórica de suas teorias".5

Nas ciênciais sociais e humanas, tem havido uma normalização cada vezmais condizente com a profissionalização das várias disciplinas, mas estáclaro que nenhuma disciplina teve êxito em excluir totalmente a "base" desuas teorias. Técnicas de formalização podem tornar a ciência normal pos-sível nas ciências sociais e humanas somente através da exclusão de habi-lidades sociais, instituições e arranjos de poder que tornam possível o iso-lamento de atributos. Esta prática ignora a prática social e a interação cultu-ral de cientistas sociais e humanistas.

Como a prática social não é um dos objetos constituídos pelas ciênciasnaturais, "é sempre possível e geralmente desejável que uma ciência nor-mal inquestionável, a qual define e resolve problemas referentes à estruturado universo físico, se estabeleça, [mas] nas ciências sociais tal ciência nor-mal inquestionável indicaria apenas que uma ortodoxia se estabeleceu, nãomediante realização científica, mas ignorando a experiência e eliminandotodos os competidores".7 Embora as disciplinas humanístícas possibilitemuma variedade de atividades mais ampla do que as disciplinas das ciênciasnaturais, estas atividades por si mesmas são hierarquicamente valorizadas.Em inglês, por exemplo, o estudo normal sob o "paradigma" da Nova Crí-tica era a interpretação descontextualixada de textos individuais dos cânonesliterários. Outros tipos de conhecimento eram permitidos e às vezes recom-pensados, mas nunca se permitia que sobrepujassem a prática normal daNova Crítica. O conhecimento histórico, neste caso, tinha seu lugar, mas eraconsiderado subordinado à Nova Crítica.8

Embora o trabalho nas ciências humanas não se proponha como ciên-cia normal, sua estrutura disciplinar tem por objetivo produzir especialistas-A estrutura disciplinar do estudo em literatura, história, sociologia e outrasdivisões que com freqüência concentram-se na cultura tende a proibir este»especialistas de relacionarem seu conhecimento com a esfera pública. Oestudo disciplinar exige atenção constante àquelas poucas questões queconstituem sua preocupação especializada corrente. Tais questões estãomuitas vezes bastante afastadas das controvérsias genuínas de uma dadacultura.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

Os movimentos interdisciplinares, tais como os estudos americanos eOs estudos femininos, muitas vezes se desenvolveram a partir da idéia deque as questões mais importantes estavam sendo perdidas nas rupturasentre os limites rígidos das disciplinas. Como conseqüência, os estudosamericanos começaram com a agenda de recuperar estas questões. Deveser lembrado que o nacionalismo que deu luz aos estudos americanos ecanadenses era abertamente político, e que os livros de estudos americanoseram críticos dos interesses ideológicos embutidos nos documentoscanônicos da cultura americana. Não obstante, os estudos americanos ele-vem ser considerados como um exemplo preventivo para aqueles que tenta-rem estabelecer estudos culturais como empreendimento interdisciplinardentro da academia. O problema é que nenhuma alternativa sólida à estru-tura disciplinar foi desenvolvida dentro da academia, e, como resultado,movimentos tais como os estudos americanos devem paradoxalmente es-forçar-se para tornarem-se disciplinas. Assim, embora estes movimentosmuitas vezes comecem com uma perspectiva crítica, eles abandonam aanálise crítica quando obtêm maior sucesso. À medida que tais movimentosresistem à disciplina, sua seriedade é questionada. Seus profissionais sãoconsiderados diletantes em vez de verdadeiros estudiosos, e seus empreen-dimentos são descartados como mero modismo. Nos estudos americanos, aidéia de interdisciplinariedade tornou-se uma maneira dos profissionaisquestionarem uma hierarquia particular, mas não ofereceu uma alternativapara a ordem hierárquica. E à medida que os estudos americanos se estabe-leceram com mais firmeza, a interdisciplinariedade recuou em importânciana retórica do movimento.9

Seria um erro considerar o fracasso do movimento interdisciplinar emcontinuar sendo um empreendimento crítico como resultado da supressãode idéias políticas. Como a visão política de um intelectual é postuladacomo irrelevante para o trabalho das disciplinas propriamente ditas, falar epensar sobre questões políticas e sociais é visto como meramente excêntri-co ao estudo disciplinar da cultura. Este fracasso em incluir os contextoshistóricos e as particularidades sociais pode ser visto mais claramente notipo de pedagogia que as disciplinas tradicionais instituem.

Dificuldades com a Tradicional do daCultura

maneira geral, a fundamentação da educação humanística tradicional éela oferece aos estudantes acesso garantido a um reservatório de mate-

riais culturais que é constituído como cânone. Tal cânone é relativamenteflexível em sua definição na medida em que pode incorporar e tomar co-nhecimento de materiais recônditos e marginais; como enciclopédia de ti-

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pôs, ele não pode recusar nada de valor. Os valores que são operacionaisaqui de fato variam de acordo com necessidades ideológicas específicas -testemunhe-se a incorporação agora bastante segura do cânone dos estu-dos femininos ou mesmo de um estudo literário em alguns currículos uni-versitários. Mas, ao mesmo tempo, existe um "padrão ouro" sempre implí-cito, através do qual estes incrementos e variações temporárias são regula-das. Como chefe do NEH*, William Bennett conduziu uma pesquisa ad bocpara descobrir que livros "poderia-se esperar que todo estudante de segun-do grau tivesse lido" antes da graduação. A lista de tais livros, trinta no totalvariavam desde a República de Platão, passando por Virgílio, ChaucerDickens, e Tolstoy, até O Apanhador no Campo de Centeio™ Estes livros eautores representam o padrão de regulação de uma certa cultura correnteatravés do qual as ciências humanas e suas produções são medidas. Diz-seque uma familiaridade com o núcleo central estável do cânone permite aosestudantes absorverem os valores aí entesourados, a ponto de poderemaplicar tais valores a seus componentes mais marginais ou temporários.Ainda mais importante, os estudantes teriam acesso a uma riqueza que é''humanizadora" em seus efeitos; mas estes efeitos encerram uma cumplici-dade com a economia que produziu esta riqueza para a humanidade. Dei-xando de lado as questões não sem importância de como este projeto paraas ciências humanas é ideologicamente efetuado e de como ele se relacio-na na prática com as vidas dos estudantes (suas histórias sócio-econômicasindividuais), é importante perguntar se seria desejável, ou até mesmo ne-cessário, ou não que os estudos culturais se apropriassem ou explorassemde alguma maneira o mesmo tipo de fundamentação educacional. Afinal decontas, e como a nova direita é rápida em assinalar, esta fundamentaçãosempre tomou seriamente o efeito e função ideológica do que se ensina aosestudantes. Ao aprenderem a cultura dominante, ou assimilarem seus valo-res representativos, os estudantes estão teoricamente capacitados no senti-do de possuírem os recursos para modos de ação e comportamento parti-culares dentro desta cultura. Pode-se facilmente argumentar (como é freqüen-temente o caso dos estudos femininos, por exemplo) que o ensino de umconteúdo alternativo, de um novo cânone, pode efetivamente produzir novasposições ideológicas e, daí, ações políticas.

Contudo, deve-se lembrar que a fundamentação humanista do cânonebaseia-se em uma economia hierárquica na qual os objetos culturais sãoclassificados. Alguns destes objetos ( os escritos de Shakespeare, por exem-plo) são tidos como "o melhor" da cultura ocidental; eles, portanto, repre-sentam a essência da cultura. É exatamente contra esta visão simbólica chtcultura que os estudos culturais deveriam lutar. A instalação de um novocânone, construído sobre suposições acerca do que é mais importante e

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N. do T.: National Endowment for íbe Humanisies (Fundo Nacional das Humanidades)

valioso que os estudantes conheçam ou tenham familiaridade, simplesmen-te replica a tradicional visão hierárquica da cultura, embora de maneiranova e talvez minimamente subversiva. Os estudos culturais, por outrolado, deveriam ser construídos sobre uma economia diferente, a qual provi-denciasse que os objetos culturais, na verdade, estivessem dispostos deniodo relacionai.

Isto eqüivale a dizer que os estudos culturais deveriam encarar comsuspeita qualquer projeto de hierarquização no qual a cultura é delimitadaa algumas de suas partes, quer tais partes representem o "melhor" da cultu-ra ou mesmo representem o que foi predeterminado como política e etica-mente importante e valioso. Os estudos culturais, em suma, deveriam aban-donar a meta de dar aos estudantes o acesso àquilo que representa a cultu-ra. Em vez disso, os estudos culturais têm a possibilidade de investigar acultura como um conjunto de atividades que é vivido e desenvolvido den-tro de relações assimétricas de poder, ou como irredutivelmente um pro-cesso que não pode ser imobilizado na imagem de um reservatório.

Ao investigar e ensinar a noção de que a cultura é, num sentido real,inacabada, os estudos culturais podem assegurar sua própria eficácia política.Os estudantes - particularmente aqueles marginalizados pelos valores dacultura dominante - podem ser desenganados cia noção de que a cultura àqual de fato pertencem de alguma forma não é sua, ou lhes está disponívelsomente através de iniciação correta nos valores entesourados em textosrepresentativos. Os estudos culturais, considerando novos objetos ( isto é,necessariamente não canônicos) e os inserindo em uma visão relacionai enão hierárquica, estimulam um questionamento das premissas das práticaseducacionais e políticas dominantes. Ainda mais importante, os estudosculturais podem se recusar a concordar que "a literatura e qualquer outroobjeto cultural... são distintos da política"11 e podem assim reconsiderar osacessórios ideológicos e políticos de um texto ou qualquer conjunto de textos.

Evidentemente, o que está em jogo aqui é a possibilidade de que osestudos culturais possam promover nos estudantes, não o empenho porum acesso complacente predeterminado ou definitivo a um certo conjuntode valores culturais, mas sim uma análise continuada cie suas próprias con-dições de existência. Tal práxís, fundamentada na derrocada das pressupo-sições das abordagens disciplinares tradicionais, é um pré-requisito paraurna resistência autoconsciente e efetiva às estruturas dominantes.

A Necessidade de

Na primeira parte deste ensaio, assinalamos que as disciplinas preocupadasconi a análise da cultura, inclusive aquelas chamadas humanísticas, temtentado se modelar pelo padrão da ciência normal. Seu objetivo e descrevera cultura, acumular conhecimento sobre a cultura. Na seção antenor, argu-

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mentamos que tal objetivo deixa nos estudantes a impressão de que acultura tem um caráter permanente, e que estruturas específicas podem serdescritas de um modo essencialista. Tais procedimentos são especialmenteperniciosos naquelas disciplinas associadas com as humanidades, já queeles sugerem que a cultura já esta formada e não que ela está em processode transformação.

Os estudos culturais deveriam resistir a tais tendências. Isto requer ummovimento de distanciamento de nossa concepção descontextualizada depráticas disciplinares em favor de uma "concepção de práxis humanaenfatizando-se que os seres humanos não devem nem ser tratados comoobjetos passivos, nem como indivíduos completamente livres", já que oestudo da vida humana é precisamente "o estudo de práticas sociais defini-das, voltado às necessidades humanas".12

Dados os mecanismos disciplinares em funcionamento na estruturadas universidades ocidentais, tal práxis é necessariamente contradisciplinarno sentido de que resiste à noção de que o estudo da cultura é o acúmulode conhecimento sobre a mesma. Em nossa visão, o estudo correto dacultura está "intrinsicamente ligado com aquilo que tem que serfeüóní nassociedades repletas de opressão. A pré-condição para tal ação é a resistên-cia crítica às práticas prevalecentes. Contudo, a resistência não será eficazse for aleatória e isolada; os intelectuais devem desempenhar o papel crucialna mobilização de tal resistência em uma práxis que tenha impacto político.

Transformadores

Essencial para o projeto de emancipação que informa nossa noção de estu-dos culturais é a reformulação do papel do intelectual dentro e fora dauniversidade. Estamos de acordo com Gramsci de que é importante ver osintelectuais em termos políticos.1' O intelectual é mais do que uma pessoadas letras, ou um produtor e transmissor de idéias. Os intelectuais sãotambém mediadores, legitimadores, e produtores de idéias e práticas so-ciais; eles cumprem uma função de natureza eminentemente política. Gramscidistingue entre intelectuais orgânicos radicais e conservadores. Os intelec-tuais orgânicos conservadores proporcionam às classes dominantes formasde liderança intelectual. Como agentes do status quo, tais intelectuais iden-tificam-se com as relações de poder dominantes, e tornam-se, conscienteou inconscientemente, os propagadores de suas ideologias e valores. Elesoferecem às classes governantes a fundamentação das formações econômi-cas, políticas e éticas.

De acordo com Gramsci, os intelectuais orgânicos conservadores po-dem ser encontrados em todas as estratificações da sociedade industrialdesenvolvida — nas organizações industriais, nas universidades, na inclú;--

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tria cultural, nas diversas formas de administração, e assim por diante Elea]eaa que os intelectuais orgânicos radicais também tentam oferecer lide-rança intelectual e moral à classe trabalhadora. Mais especificamente osintelectuais orgânicos radicais fornecem as habilidades pedagógicas e polí-ticas que são necessárias para criar-se consciência política na classe traba-lhadora, e para desenvolver liderança e envolver-se na luta coletiva.

A análise de Gramsci é útil para formular-se uma das metas essenciaisJos estudos culturais: a criação do que desejamos chamar de intelectualtransformador. Isto difere da noção de Gramsci de intelectuais orgânicosradicais; nós acreditamos que tais intelectuais podem surgir e trabalhar emdiversos grupos que resistam ao conhecimento e práticas sufocantes queconstituem sua formação social. Os intelectuais transformadores podemfornecer a liderança moral, política e pedagógica para aqueles grupos quetomam por ponto de partida a análise crítica das condições de opressão. Oepíteto orgânico em nosso caso não pode ser reservado aos intelectuaisque tomam a classe trabalhadora como único agente revolucionário.

A noção de intelectual transformador é importante no sentido maisimediato porque torna visível a posição paradoxal na qual se encontram osintelectuais radicais da educação superior nos anos 80. Por um lado, taisintelectuais ganham a vida em instituições que desempenham um papelfundamental na produção da cultura dominante. Por outro lado, os intelec-tuais radicais definem seu terreno político oferecendo aos estudantes for-mas de discurso de oposição e práticas sociais críticas em desacordo com opapel hegemônico da universidade e da sociedade que ela apoia. Em mui-tos casos, este paradoxo funciona a favor da universidade:

Geralmente, a meta tem sido elaborar disciplinas em vez de desenvolver projetos,apresentar (meld) os princípios sem vida cia semiologia, teoria de sistemas, pragmatismoe positivismo com os arcaísmos do materialismo histórico. O apetite infatigável destesintelectuais esquerdistas para ganharem credibilidade em suas respectivas disciplinas,para serem au courant e apreciados como sua "ala esquerda" e sua "tendência maisprogressista", é evidência espantosa de que o que carecemos é de ... um movimentointelectual revolucionário.15

As observações de Bookchín nos lembram que o conhecimento críticogeralmente está desligado de qualquer relação com movimentos políticosconcretos; a teoria social radical torna-se mera mercadoria de periódicos econferências acadêmicas; e os intelectuais radicais têm abrigo seguro den-tro de um sistema de mandatos que lhes é oferecido como prova do com-Promisso da universidade para com o pluralismo liberal.

Em vez de renderem-se a este tipo de incorporação acadêmica e polí-kca, os estudos culturais precisam definir o papel do intelectual como prá-tica contra-hegemôníca que possa tanto evitá-la quanto questioná-la. Emterrnos gerais, podemos apontar as seguintes atividades pedagógicas e es-tratégicas. Primeiramente, os estudos culturais precisam desenvolver ura

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currículo e uma pedagogia que enfatizem o papel político e mediador dosintelectuais. Isto significa fornecer aos estudantes os instrumentos críticosque precisarão para compreender e desmantelar a racionalização crônicade práticas sociais prejudiciais, e ao mesmo tempo apropriar-se do conheci-mento e das habilidades que precisam para repensar o projeto de emancipa-ção humana. Em segundo lugar, os intelectuais transformadores devemengajar-se ativamente em projetos que os estimulem a abordar seu própriopapel crítico na produção e legitimação das relações sociais. Tais projetossão necessários não apenas para lutar contra os intelectuais conservadorese os múltiplos contextos nos quais os processos de legitimação ocorremmas também para ampliar os movimentos teóricos e políticos fora da uni-versidade. Os intelectuais transformadores devem desenvolver e trabalharcom movimentos fora dos contornos limitantes das disciplinas, simpósios esistemas de recompensa que tornaram-se os únicos referenciais da ativida-de intelectual. Ainda mais importante, tal projeto amplia a noção de educa-ção e leva a sério a noção de Gramsci de toda a sociedade como umagrande escola.16 Além disso, ele estimula os intelectuais transformadores adesempenharem um papel ativo nas muitas esferas públicas em desenvol-vimento em torno de diversos conflitos ideológicos.

Assim, os estudos culturais postulam a necessidade de intelectuais trans-formadores que possam estabelecer novas formas de relações políticas dentroe fora da universidade. Neste contexto cultural, os estudos culturais refle-tem o apelo de Gramsci para que os intelectuais radicais forjem alianças emtomo de novas coligações históricas. Os intelectuais, podem desempenharum papel importante no fortalecimento de indivíduos e grupos em domíni-os públicos de oposição.

e

A importância de que os estudos culturais participem nas esferas públicasde oposição é uma premissa subjacente deste ensaio. Uma práxis contra-disciplinar adotada por intelectuais transformadores não seria efetiva setivesse como público somente as pessoas nas universidades. Em vez disso,ela deveria ocorrer de maneira mais abrangente cm público. Embora muitasuniversidades sejam instituições públicas, raramente as consideramos parteda esfera pública.

Para que os estudos culturais sejam compreendidos como esfera pú-blica de oposição, eles não devem ser concebidos como um "departamen-to" ou como parte de um limite que separa as atividades profissionais da-quelas de amadores. Em vez de pensar os estudos culturais em termos quecaracterizam com mais adequação as disciplinas, deveríamos reconceber asfundamentações tradicionais em um esforço para criar práticas contrárias. Asala de aula, por exemplo, é tradicionalmente vista como um lugar onde a

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informação é transmitida aos estudantes. Os especialistas de uma disciplinatransmitem aos aprendizes o conhecimento reconhecido acerca de um as-sunto particular; os estudantes não são agentes neste processo, mas recep-táculos passivos e explicitamente acrílicos. Contudo, como argumentamos,se assegurarmos aos estudantes um papel ativo no processo de formaçãocultural, eles poderão se tornar agentes na produção de práticas sociais.Para realizar isto deveríamos nos envolver com a fomentação de formas deresistência; necessita-se de uma pedagogia crítica que promova a identifica-ção e análise dos interesses ideológicos subjacentes em jogo no texto esuas leituras. Estaremos então todos envolvidos como intelectuais transfor-madores em uma prática social que permita que ambas as partes compreen-dam a si mesmas como agentes no processo de sua própria formação cultu-ral, uma concretização óbvia desta práxis seria a de uma mulher resistindoà visão das mulheres apresentada em um romance canôníco. Este exemploé o reflexo de uma resistência a práticas sociais em ampla escala que opri-mem as mulheres. Esta resistência precisa ser produzida.

Em vez de abandonar o conhecimento, os intelectuais transformado-res precisam repolitizá-lo. As publicações acadêmicas, critério disciplinarusado para estabelecer o mérito das opiniões profissionais em contrastecom aquelas de um público constituído de amadores, não atingem o públi-co. Embora não seja apropriado discutir este ponto aqui, alegamos que asdisciplinas atualmente preocupadas com o estudo da cultura estãoindevidamente ligadas à premissa de que sua tarefa é fazer pesquisa disci-plinar, isto é, acumular e armazenar de maneira recuperável descrições dosfenômenos culturais. Mas, se reconcebermos nossa atividade como a pro-dução (em vez de descrição) de práticas sociais, então o que fizermos emnossas salas de aula será facilmente estendido às esferas públicas. Nãopodemos nos render à noção disciplinar de que a pesquisa tem como seuúnico público os outros especialistas na área. Os intelectuais transformado-res devem legitimar a noção de escreverem-se revisões e livros para o pú-blico em geral, e devem criar uma linguagem de análise crítica equilibradapor uma linguagem de possibilidade que permita a mudança social.1' Istosignifica que precisamos nos envolver com a leitura política da culturapopular. Como Stanley Aronowitz afirma em Falsas Promessas, "cabe a nósinvestigar de que forma a cultura de massa torna-se constitutiva da realida-de social".18 O treinamento em práticas disciplinares nos afasta do estudoda relação entre cultura e sociedade e nos aproxima do acúmulo de descri-ções do material cultural isolado de suas conexões com a vida cotidiana.Como assinala Aronowitz:

Para compreender integralmente o impacto ideológico e as funções manipuiadorasdas apresentações dos meios de comunicação atuais, é necessário apreciar-se o cará-ter multifacetado da cultura de massa contemporânea. Além cio conteúdo ideológicoexplícito dos filmes e da televisão - transmitindo novos modelos de papel, valores eestilos de vida a serem mais ou menos conscientemente imitados pelo público de

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massa — existe também uma série cie mensagens ocultas neles contidas que apelam apúblico muito em nível inconsciente. ... Tipicamente, estas definem o caráter da expe

riência do espetáculo por parte cio espectador em termos cia... gratificação de seusdesejos inconscientes.... Ao criar um sistema cie pseuclogratificações, a cultura c[àmassa funciona como um tipo cie regulador social, tentando absorver tensões surgidasna vida cotidiana e dirigir as frustrações para canais que sirvam ao sistema, as quais cieoutra forma poderiam realizar-se em oposição ao mesmo.'9

É em função dos efeitos da cultura serem inconscientemente absorvi-dos com tanta freqüência que surge a necessidade de estudos culturais queenfatizem a crítica. Como assinalamos anteriormente neste ensaio, as disci-plinas que advogam aspectos selecionados da cultura como seu conteúdorestringem de forma arbitrária este conteúdo - por exemplo, constituindo aárea de estudos literários como um cânone. Simultaneamente, elas estabe-leceram um espaço entre os profissionais e o público a serviço das classesgovernantes, como no caso dos estudos literários, em que a chamada cultu-ra inferior é excluída do domínio de pesquisa. Não deveríamos tampoucocontinuar a ser enganados pela admissão de filmes, romances populares,novelas e coisas deste tipo no currículo dos departamentos de literatura. Àmedida em que tais artefatos culturais forem examinados como simples-mente os materiais que constituem uma cultura fixa, sua descrição discipli-nar não irá além da criação de reservatórios de conhecimento que quasenada têm a ver com a cultura vivida, muito menos com sua transformação.Somente uma práxis contradisciplinar desenvolvida por intelectuais queresistam à formação disciplinar terá chance de gerar práticas sociais deemancipação.

O problema de sugerir que os estudos culturais sejam contradisciplinaresé que eles não podem ser alojados nas universidades da maneira comoestas atualmente se estruturam. Daí a necessidade cie contra-instituições.Haveria diversos tipos de agremiações, com membros variados - grupos deestudo, grupos de pesquisa contradisciplinar, até mesmo sociedades e ins-titutos.

É improvável que as estruturas e mecanismos díscíplínares das univer-sidades desapareçam no futuro próximo. Contudo, seria um erro situar osestudos culturais dentro das mesmas. Nossa alternativa seria tratar as discipli-nas como periféricas a nossas principais preocupações, e mesmo assimobter algumas importantes concessões de seus administradores. Esta é umaquestão tática que tem que ser negociada a cada situação. Entretanto, pode-mos avançar ainda mais e desenvolver modelos de investigação colaborativaque ultrapassem os limites da universidade a fim de combater esferas públi-cas hegemônicas e formar alianças com outras esferas públicas de oposi-ção. No contexto dos estudos culturais, não será adequado simplesmenteproduzir interpretações idiossincráticas dos artefatos culturais. O objetivomais importante cie uma práxis contradisciplinar é a mudança social radicai-

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Não deveríamos nos resignar aos papéis que as universidades nos-atribuem. O intelectual transformador pode desenvolver uma práxis coleti-va contradisciplinar, dentro da universidade que tenha um impacto políti-co'fora da mesma. A questão tática importante neste momento da históriadas universidades norte-americanas é como estabelecer os estudos cultu-rais como forma de análise crítica cultural. Nossa sugestão foi a formaçãode institutos de estudos culturais que possam constituir uma esfera públicade oposição.

Conclusão

Para que os estudos culturais sejam informados por um projeto político quereserve um lugar central 2. análise crítica e a transformação social, eles terãoque partir de um duplo reconhecimento. Primeiramente, é imperativo reco-nhecer que a universidade tem um conjunto particular de relações com asociedade dominante. Estas relações não definem a universidade como umlocal de dominação nem como um local de liberdade. Em vez disso, auniversidade, com relativa autonomia, funciona em grande parte para pro-duzir e legitimar o conhecimento, as habilidades e as relações sociais quecaracterizam as relações de poder dominantes na sociedade. As universida-des, como outras instituições públicas, contêm pontos de resistência e luta,e é dentro destes espaços que existem condições ideológicas e materiaispara produzir discursos e práticas de oposição. Tal reconhecimento nãoapenas politiza a universidade e sua relação com a sociedade dominante,mas também questiona a natureza política dos estudos culturais como esfe-ra de análise crítica e como meio cie transformação social. Isto nos leva aosegundo ponto.

Para que um projeto social seja radical, os estudos culturais devemdesenvolver um discurso auto-regulador, com isso queremos dizer um dis-curso que contenha uma linguagem da crítica e concomitante linguagem depossibilidade. No primeiro caso, ele deve desvelar os interesses historicamen-te específicos que estruturam as disciplinas acadêmicas, as relações entre asmesmas, e a maneira pela qual a forma e conteúdo das disciplinas reprodu-zem e legitimam a cultura dominante. Esta é uma tarefa fundamental dosestudos culturais, pois, para que promovam um discurso e método de inves-tigação de oposição, eles terão que incorporar interesses que afirmem maisdo neguem a importância normativa e política da história, ética e interaçãosocial.

O discurso cios estudos culturais eleve resistir aos interesses contidosnas disciplinas e departamentos acadêmicos estabelecidos. Ele deve questio-nar as pretensões à verdade e os modos de inteligibilidade essenciais adefesa cio status quo acadêmico em diversos departamentos e disciplinas,igualmente importante, os estudos culturais devem indiciar os interesses

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embutidos nas perguntas que não foram feitas dentro das disciplinas aca-dêmicas. Ele deve desenvolver métodos de pesquisa acerca da forma comoas atuais ausências e silêncios estruturados que governam o ensino, o co-nhecimento e a administração dentro dos departamentos acadêmicos ne-gam a ligação entre conhecimento e poder, reduzem a cultura a um objetoinquestionável de mestria e recusam-se a reconhecer o estilo de vida parti-cular que o discurso acadêmico dominante ajucia a produzir e legitimar.

A fim de preservar sua integridade teórica e política, os estudos cultu-rais devem desenvolver formas de conhecimento crítico, bem como umaanálise crítica do próprio conhecimento. Esta tarefa exige resistência à rei-ficação e fragmentação que caracterizam as disciplinas. Por causa de suaconstituição, as estruturas disciplinares impedem a derrubada de divisõesde trabalho técnicas e sociais das quais são parte e as quais ajudam aproduzir. Os estudos culturais precisam desenvolver uma teoria cia maneirapela qual diferentes formações sociais são produzidas e reproduzidas den-tro das relações assimétricas cie poder que caracterizam a sociedade domi-nante. De forma semelhante, eles precisam desenvolver uma linguagem ciepossibilidade na qual o conhecimento seja visto como parte de um proces-so de aprendizagem coletivo ligado à dinâmica de luta dentro e fora dauniversidade. Os estudos culturais, neste sentido, devem desenvolver umdiscurso de oposição e uma práxis contradisciplinar para lidar com as disputassobre diferentes ordens de representação, formas conflitantes de experiênciacultural e visões diversas do futuro. É evidente que os interesses que infor-mam tal problemática não podem ser desenvolvidos dentro dos departamen-tos tradicionais. Atualmente, a estrutura das universidades está inextrinca-velmente atrelada a interesses que suprimem as preocupações críticas dosintelectuais dispostos a lutar por esferas públicas de oposição. Tais interes-ses podem ser desmantelados a favor de práticas mais radicais somente atra-vés dos esforços coletivos dos intelectuais transformadores.

Notas

1. Nossa definição de cultura é extraída de John Clarke et ai., "Subculture, Culture andClass", em Resistance Through Rituais, Stuart Hall e TonyJefferson, eds. (London: Hutchínson,1976): "Por cultura compreendemos os princípios de vida compartilhados característicos declasses, grupos ou ambientes sociais particulares. As culturas são produzidas à medida queos grupos compreendem sua existência social no curso de sua experiência cotidiana. Acultura, portanto, está em íntima relação com o mundo da ação prática. Ela é suficiente, namaior parte cio tempo, para administrar a vida cotidiana. Entretanto, comei este mundocotidiano é por si mesmo problemático, a cultura eleve obrigatoriamente assumir formaicomplexas e heterogêneas, 'de forma algumas livres de contradições'." Páginas 10-17.

2. Esta afirmativa se baseia no trabalho de vários membros do Group for Research into the

Institutionalization and Professionalization of Literary Study CGRIP) (Grupo de Pesquis-1

para a Institucionalização e Profissionalização dos Estudos Literários) , os quais têm examinado

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relacionamento entre o desenvolvimento histórico das disciplinas e sua departamenta-rzacão. Ver também Thomas S. Popkewitz, "Social Science and Social Amelioration: Thenevelopment of the American Acaclemic Expert", em Paradigm anclldeology in EchicationalKesearch (Philadelphia: The Falmer Press, 1984), pp. 107-28.

2 Ver Burton Bledstein, The Culture ofProfessionalism: The Middle Class and the DevelopnioniOf Higher Education in America (New York: Norton, 1976).

/ Paul Piccone, "Symposium: Intelectuais in the 1980's". Telos 50 ( Inverno 1981-82): 116.

- Michel Foucault, Discipline and Punish, Parte Três ( New York: Pantheon), pp. 135ff.

ó Hubert L. Dreyfus e Paul Rabinow, Michel Foucault: Beyond Stmctumlism and Hermenêutica(Chicago: University of Chicago Press, 1982), p. 163-

7 Dreyfus e Rabinow, Michel Foucault, pp. 163-4.

g Ver lames Sosnoski " The Magister Implicatus as an Institutionalized Authority Figure:Rereading the Histoty of New Critidsm". The GRIPReport Vol. l, ( Oxford, Ohio: Research inProgress, comercializado pela Societyfor Criticai Exchange).

9 Ver David Shumway, "Interdisciplinarity and Authority in American Stuclies", The GRJPReport, Vol. 1.

10. Ver New York Times, 13 Agosto, 1984, p. 7. Pergunta-se sobre a inclusão do ManifestoComunista nesta lista canônica: sintoma de paranóia ou liberalismo cauteloso, ou ambos?

11. Ver a PN Review 10(6), 4-5, a qual é uma expressão bem típica da visão emergente danova direita sobre as relações ideológicas da literatura.

12. Cf. Anthony Giclclens, CentralProblems in SocialHistoiy (Beúíeley. University of CalifórniaPress, 1983), pp. 150-51.

13. Giddens, p. 4.

14. Gramsci, Prison Notebooks (New York: International Publications, 1971), pp. 5-27.

15. Murray Bookchin, "Symposium: Intelectuais in the 1980's" Telos 50 (Inverno 1981-82):13.

16. Gramsci, Prison Notebooks, passim.

17. Ver Peter Hohendahl, The Instüution of Critidsm (Ithaca: Cornell University Press, 1982),pp. 44ff. e 242ff para uma discussão deste ponto.

18. Aronowitz, False Promises, p. 97.

19. Ibicl., p. 11.

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12A de

e adeHENRY A. GIROUX E PETER MCLAREN

O s teóricos críticos da primeira geração, tais como Max Horkheimer,Theodor Adorno e Walter Benjamin, asseveram que nas democraciasocidentais a capacidade de razão crítica está desaparecendo rapi-

damente. Apontando para a usurpação do Estado, a indústria cultural e aconcentração de riqueza em número cada vez menor de mãos, estes pensado-res receiam que as condições ideológicas e materiais que tornaram a interaçãopública e o pensamento crítico possíveis estejam sendo solapadas pela cres-cente padronização, fragmentação e comercialização da vida cotidiana. Elesafirmam também que à medida que a vida cotidiana se torna mais "raciona-lizada" e abarrotada com imagens de ganância e individualismo para pro-veito próprio, o discurso da democracia irá desaparecer da vida pública atéfinalmente ser substituído pela linguagem e lógica da tecnocultura.1

Jürgen Habermas e Herbert Marcuse levam esta crítica adiante - eluci-dando como, no século vinte, a razão foi quase que eliminada e a investiga-ção reflexiva perigosamente domesticada pela destruição das esferas públi-cas clássicas que predominavam na Europa do século dezoito e dezenove.Antes, as esferas públicas - agremiações políticas, periódicos, cafés, associ-ações de bairro e casas de publicação - ofereciam redes através das quaisindivíduos particulares reuniam-se para debater, dialogar e trocar opiniões.Esferas públicas deste tipo muitas vezes transformavam-se em uma forçaPolítica coesa. Para os pragmáticos americanos como John Dewey, a esferaPública fornecia o nexo para diversos locais pedagógicos importantes, onde

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a democracia como movimento social estava embutida em um esforço contí-nuo de numerosos grupos subordinados para encontrarem e produziremum discurso social e para ponderarem sobre as implicações de tal discursona ação política.2 Ampliando a crença de Dewey de que a ação socialinteligente guarda a melhor promessa para uma sociedade mais humana, osreconstrucionistas sociais nos anos 30 e 40 argumentavam em prol de umapolítica de individualidade social na qual os imperativos da democraciapoderiam ser buscados não apenas nas escolas mas em todos os locaispedagógicos que reconheciam a prioridade da política na vida cotidiana.Sob a lógica desta posição encontrava-se uma ênfase no relacionamentoentre conhecimento e poder, fazer e agir, compromisso e luta coletiva. Comefeito, a esfera pública não servia apenas para produzir a linguagem daliberdade, como também mantinha viva a esperança de que os grupos subor-dinados uni dia pudessem produzir seus próprios intelectuais; em termosde Gramsci, isto significava a criação de "intelectuais orgânicos" que pudes-sem preencher o espaço entre as instituições acadêmicas e as questões eoperações específicas da vida cotidiana. Isto é, tais intelectuais poderiamfornecer as habilidades morais e políticas necessárias para financiar institui-ções de educação popular e culturas e crenças alternativas.3

Parte de nossa intenção neste capítulo é argumentar que as institui-ções de formação de professores precisam ser reconcebidas como esferaspúblicas. Tais instituições, na forma como atualmente existem, são prejudi-cialmente desprovidas de consciência social. Como resultado, é precisodesenvolver programas nos quais os futuros professores possam ser educa-dos como intelectuais transformadores que sejam capazes de afirmar e pra-ticar o discurso da liberdade e democracia.'1 Nesta perspectiva, a pedagogiae cultura podem ser vistas como campos de luta que se sobrepõem. Ocaráter contraditório do discurso pedagógico que atualmente define a natu-reza da atividade docente, a vida escolar cotidiana e a finalidade da escob-rização pode ser submetido a um questionamento mais radical. Mais espe-cificamente, o problema que queremos abordar gira em torno da questãode como os educadores radicais podem criar uma linguagem que permitaaos professores tomarem com seriedade o papel que a escolarização de-sempenha na união de conhecimento e poder. Em suma, gostaríamos deexplorar como uma força docente radicalizada pode contribuir tanto 'fortalecer os professores quanto ensinar para o fortalecimento.

Uma das maiores falhas da educação norte-americana tem sidoincapacidade de oferecer aos futuros professores os meios e imperativomorais para formar-se um discurso e conjunto de acordos mais críticos etorno das metas e finalidades fundamentais da escolarização. A formaçados professores raramente ocupou um espaço crítico, quer públicopolítico, dentro cia cultura contemporânea, no qual o significado dopoderia ser recuperado e recolocado de forma que as histórias cultui-1

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narrativas pessoais e vontade coletiva de professores e alunos tivessem aoportunidade de se unir em torno do desenvolvimento de uma esferacontrapública democrática.

Apesar dos esforços anteriores de John Dewey e outros para reforma-rem a escolarização segundo a lógica da democracia radical e das recentestentativas críticas dos teóricos educacionais de esquerda de ligar a ideolo-gia da escolarização aos imperativos do estado capitalista, o espaço políticoque a formação de professores ocupa hoje continua, de maneira geral, nãodando ênfase à luta pelo fortalecimento dos professores.5 Além disso, elegeralmente serve para reproduzir as ideologias tecnocráticas e corporativasque caracterizam as sociedades dominantes. De fato, é razoável alegar queos programas de formação de professores são destinados a criar intelectuaisque atuem no interesse do estado, cuja função social é basicamente susten-tar e legitimar o status quo.

Por que os educadores deixam de aproveitar as possibilidades teóricasque lhes estão disponíveis a fim de repensar as alternativas democráticas efomentar novos ideais de emancipação? Acreditamos que uma das princi-pais razões está no fracasso dos pensadores esquerdistas e outros educado-res em ir além do que nos referimos como linguagem da crítica. Isto é, oseducadores radicais continuam presos a um discurso crítico que liga asescolas basicamente às relações de dominação. Daí decorre que as escolasservem principalmente como agências de reprodução social que fabricam

' trabalhadores dóceis e obedientes para o Estado; o conhecimento adqui-rido em sala de aula é geralmente considerado parte de uma estrutura de'falsa consciência"; e os professores parecem esmagadoramente presos auma situação em que não há como vencer. A agonia desta posição é queela impediu que os educadores de esquerda desenvolvessem uma lingua-gem programática na qual pudessem teorizar para as escolas. Em vez disso,eles teorizaram principalmente sobre as escolas e, procedendo desta manei-ra, raramente se ocuparam com a construção cie novas esferas públicasdentro dos locais de ensino. Não há em seu discurso uma linguagem dePossibilidade que, como assinalam Laclau e Mouffe, proponha a "constitui-ção de um imaginário radical".6 Em nosso caso, um imaginário radical re-presenta um discurso que ofereça novas possibilidades de relações sociaisdemocráticas; ele estabelece os laços entre o político e o pedagógico a fimue fomentar o desenvolvimento de esferas contrapúblicas que se envolvamcom seriedade com e nas articulações e práticas cia democracia radical.Nosso propósito aqui não é repetir as falhas da política de esquerda e dareforrna educacional, e sim abordar o desenvolvimento de uma nova con-Ceitualização da educação e, através da mesma, de uma abordagem maisCritica da formação de professores.

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A Formação de Professores e o do

A formação de professores constitui um conjunto de práticas institucionaisque raramente resulta na radicalização dos professores. Os programas deeducação de professores poucas vezes estimulam os futuros professores -j.assumirem seriamente o papel do intelectual que trabalha no interesse deuma visão de emancipação. Quando e se os professores de fato decidem seengajar em formas de política radical, isto ocorre invariavelmente depois dehá muito terem abandonado suas instituições de formação. Nossas própriasexperiências na formação de professores - primeiro como estudantes edepois como instrutores - confirmaram o que é geralmente aceito comolugar comum na maioria das escolas e faculdades de educação em toda aAmérica do Norte: estas instituições definem a si mesmas como instituiçõesde serviço. Elas são impulsionadas pela lógica da tecnologia de instrução esão autorizadas pelo estado a fornecerem conhecimento técnico e adminis-trativo necessário. Elas desempenham quaisquer funções consideradas ne-cessárias pelas várias comunidades escolares nas quais os estudantes reali-zam suas experiências de prática ou colocação no campo.7

Isto não quer dizer que os críticos de educação não fizeram propostasdestinadas a radicalizar os programas de formação de professores. Pelocontrário. O problema é que quando tais propostas de fato aparecem, elasgeralmente restringem-se à exaltação de modos mais refinados e reflexivosde investigação e métodos de instrução, ou então ficam restritas à prisão daanálise crítica. Uma preocupação urgente que surge deste dilema é a inca-pacidade dos liberais e radicais de constituírem uma nova teoria e espaçosocial para a redefinição da natureza da atividade docente e a função socialdo ensino. Em outras palavras, o que geralmente está ausente no projetopolítico que informa estes discursos é a tentativa de relacionar a escolarizaçãoà luta mais ampla por uma democracia radical.

Os educadores da esquerda mais radical geralmente não caem na ar-madilha de tentar reformar a educação de professores a fim de torná-losmais eficientes na resolução de problemas ou mais tecnicamente compe-tentes em seu domínio de um conteúdo. Estes educadores geralmente evo-cam a linguagem da crítica, auto-reflexão e união de teoria e prática. Masapesar de sua tentativa de problematizar o conhecimento e ligar a teoria aprática, este tipo de esforço pedagógico carece da capacidade de conceitua-lizar a educação de professores como parte de um projeto político maisamplo ou luta social em geral. Ele deixa de definir os programas de prepara-ção de professores como parte de uma esfera contrapública ampliada que

poderia funcionar de maneira coordenada para educar os intelectuais que

estejam dispostos a desempenhar um papel central na ampla luta por de-mocracia e justiça social. Com efeito, a linguagem da crítica que informaeste tipo de discurso é excessivamente pessimista e tende a permanece»presa à lógica da reprodução social. Sua linguagem deixa de apreender

reconhecer o conceito de contra-hegemonia como momento de luta coletvá, porque as sugestões programáticas que emergem de seu discurso estabasicamente presas às limitações das teorias de resistência prevalecenteVale a pena elaborar a distinção entre estas duas categorias.

a de Professores

Sentimos que o termo "contra-hegemonia", em distinção ao termo "resistêrcia", especifica melhor o projeto político que definimos como a criação desferas públicas alternativas.8 Como usado com freqüência na literatureducacional, o termo resistência refere-se a um tipo de "lacuna" autônomentre as inelutáveis forças de dominação em todas as partes e a condiçãde ser dominado. Além disso, a resistência foi definida como um "espacepessoal, no qual a lógica e força de dominação são contestadas pelo pocicda agência subjetiva de subverter o processo de socialização. Vista destmodo, a resistência funciona como um tipo de negação ou afirmação colecada diante de práticas e discursos governantes. É claro que a resistêncímuitas vezes carece de um projeto político explícito e com freqüência reflete práticas sociais que são informais, desorganizadas, não políticas e na'teóricas por natureza. Em alguns casos pode reduzir-se a uma recusa irrcfletida e derrotista em aquiescer a diferentes formas de dominação; eralgumas ocasiões pode ser vista como uma rejeição cínica, arrogante, oimesmo ingênua de formas opressivas de regulação moral e política.

A contra-hegemonia, por sua vez, implica uma compreensão mais politica, teórica e crítica tanto da natureza da dominação quanto do tipo óoposição ativa que engendra. Ainda mais importante, o conceito não apenas afirma a lógica da crítica como também refere-se à criação de novarelações sociais e espaços públicos que incorporam formas alternativas d<luta e experiência. Como domínio reflexivo da ação política, a contrahegemonia transfere a natureza característica da luta do terreno da críticPara o terreno coletivamente construído da esfera contrapública.

Detivemo-nos nesta distinção porque acreditamos que ela aponta par;formas nas quais os programas de educação de professores foram e continuam sendo isolados de uma visão e conjunto de práticas que tomem conseriedade a luta por democracia e justiça social. Parte deste problema <Proveniente da falta de uma teoria social adequada que possa fornecer ;"ase para repensar-se a natureza política da atividade docente e o pape"Os programas de formação de professores.

Muitos dos problemas associados com a preparação de professores d<hoje em dia apontam para a falta de ênfase dos currículos na questão depoder e sua distribuição hierárquica e no estudo da teoria social críticaFortemente influenciada pela psicologia comportamental e cognitiva préDominante, a teoria educacional tem sido construída em torno de um dis

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curso e conjunto de práticas que enfatizam aspectos metodológicos imedi-atos e mensuráveis da aprendizagem. Ausentes estão as questões referentesà natureza do poder, ideologia e cultura e como estas constituem noçõesespecíficas do social e produzem formas particulares de experiência estu-dantil.'-' Embora o interesse renovado na teoria social tenha desempenhadopapel significativo na reconstituição da teoria educacional radical, o mesmonão realizou incursões sérias nos programas de formação de professores.Esta falta cie atenção à teoria crítica social destituiu os professores estudan-tes de uma estrutura teórica necessária para compreender, avaliar e afirmaros significados socialmente construídos por seus estudantes acerca de simesmos e da escola, e portanto diminuiu a possibilidade de lhes garantir osmeios para o autoconhecimento e fortalecimento social. Para muitos pro-fessores em formação que se encontram lecionando para estudantes daclasse operária ou de minorias, a falta de uma estrutura bem articulada paracompreender as dimensões de classe, cultura, ideologia e gênero da práticapedagógica torna-se ocasião para a produção de uma atitude defensivaalienada e uma armadura pessoal e pedagógica que muitas vezes se traduzem um distanciamento cultural entre "nós" e "eles".

A Teoria Social e a Formação de Professores

Com o passar dos anos, os teóricos educacionais de esquerda aumentaramnossa compreensão da escolarização como um processo essencialmentepolítico, como forma de reproduzir ou privilegiar um discurso particular,juntamente com o conhecimento e poder que possuem, para a exclusão deoutros sistemas teóricos ou de significação. Como resultado, foi possívelpara muitos educadores reconhecer a escolarização como uma prática queé tanto determinada quanto determinante. O núcleo conceituai das análisesrealizadas pelos estudos radicais durante a última década foi fortementeinfluenciado pela redescoberta de Marx, e envolveu o exame do relaciona-mento entre a escolarização e a esfera econômica da produção capitalista.Estamos, em parte, de acordo com esta posição, e especialmente com aalegação de Ernest Mandei de que as nações industriais estão atualmenteentrando numa forma de capitalismo corporativo no qual o capital expan-diu-se extraordinariamente em áreas até então não afetadas. Também con-cordamos com a noção de que as formas cie controle de poder tornaram-semais difíceis de serem reveladas e confrontadas de maneira crítica porquehoje saturam quase todos os aspectos cias dimensões pública e privada tbvida cotidiana.10 Mas ainda cremos que esta posição não conseguiu fugir tioreducionismo econômico que tanto procura superar. Além disso, táreducionismo, em suas formas mais sofisticadas, é evidente no trabalho emandamento de alguns teóricos educacionais de esquerda, os quais dão ên-fase excessiva ao relacionamento entre as escolas e a esfera econômica -

OS PROFESSORES COMQ INTELECTUAIS 201

custas do questionamento do papel específico de sinais, símbolos, rituais eformações culturais na identificação e construção da subjetividade'e voz doestudante.11 Nossa posição provém da observação de que o capitalismoestatal é regulado por mais do que pressões puramente econômicas, e quea intervenção do estado no processo econômico resultou no desenvolvi-mento de novos discursos simbólicos e culturais que dão origem e susten-tam áreas importantes da vida social moderna. Isto é particularmente notá-vel na maneira pela qual o estado controla a forma e conteúdo dos progra-mas de formação de professores através da legislação de exigências decertificação para futuros professores. Assim, as questões referentes a comoos estudantes produzem significados e criam suas histórias culturais nãopodem ser respondidas recorrendo-se unicamente às discussões dedeterminismo econômico e de classe social, mas devem começar a abordai-as formas nas quais a cultura e a experiência se unem para constituir aspec-tos poderosamente dominantes da agência e luta humana.

O interesse florescente pelo campo da cultura enquanto mediadora egeradora de subjetividade e discurso está atualmente deixando sua marcano projeto teórico da pedagogia crítica na América do Norte. Nos últimosanos, os educadores radicais tentaram com maior ou menor êxito incluirem seus trabalhos os principais conceitos formulados por filósofos e teóri-cos sociais europeus. Derrida, Saussure, Foucault, Barthes, Lacan, Gadamere Habermas estão aos poucos penetrando nas publicações educacionais etiveram o efeito cumulativo de dirigir um ataque maciço às formas domi-nantes de teorização e prática educacional. Extrapolando o projeto dedesconstrução de Derrida, o combate hermenêutico de Gadamer, areconstituição psicanalítica do sujeito de Lacan, a anarquia textual de Barthese a noção de poder e investigação histórica de Foucault, os educadorescríticos estão começando a construir um novo vocabulário teórico. Não éraro hoje em dia encontrar tentativas de "desconstruir"o currículo, ler o"texto" de instrução escolar, e articular as "formações discursivas" embuti-das na pesquisa educacional.12

Alguns educadores usaram estes avanços na teoria social como auxíliopara destituir o pensamento convencional sobre ensino de seu staíiis dediscurso objetivo e cientificamente embasado. Uma boa parte deste traba-lho questiona a visão ideológica do estudante como autor e criador de seuPróprio destino ao descrever como a subjetividade do estudante está inscri-ta e posicionada em "textos"pedagógicos variados. Este trabalho constituiUr»ia linguagem crítica através da qual o comportamento de oposição podeSer testado, a contestação política problematizada, e o "significado vivido"laminado de maneira crítica. Grande parte desta nova teorização socialPode mostrar-se útil para compreender-se como os estudantes formam suasinstruções de si mesmos e da escola através da política de voz e represen-taÇào do estudante. Compreender a voz do estudante significa enfrentar anecessidade de dar vicia ao domínio dos símbolos, linguagem e gestos. A

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voz do estudante é um desejo, nascido da biografia pessoal e história sedi-mentada; é a necessidade de construirmos e afirmarmo-nos dentro de unialinguagem que seja capaz de reconstruir a vida privatizada e investi-la ciesignificado, e também validar e confirmar nossa presença vivida no mundoDaí decorre que silenciar a voz do estudante é torná-lo impotente.

De maneira geral, os novos avanços da teoria social mudaram o focode ideologia da lógica de economia da tradição marxista para as categoriasmutuamente determinantes de cultura, ideologia e subjetividade. A subjeti-vidade do estudante e sua experiência vivida estão agora sendo questiona-das como práticas sociais e formações culturais que incorporam mais doque o domínio de classes e a lógica do capital. Por outro lado, estas novasabordagens teóricas estão agora disponíveis para desvendar as complexasrelações entre as produções econômicas, culturais e ideológicas.

Contudo, existem sérias precauções que uma pedagogia radical devetomar antes de começar a compor com estas novas diretrizes da teoriasocial um discurso programático que possa informar uma visão mais críticada educação de professores. Em vez de endossar estes movimentos demaneira indiscriminada, como o fazem alguns educadores, a tarefa atua! dapedagogia radical deveria ser apropriar de maneira crítica e seletiva os con-ceitos centrais da teoria do discurso, teoria de recepção, pós-estruturalismo,hermenêutica da desconstrução e diversas outras escolas de pesquisa, semficar presa em sua linguagem muitas vezes incompreensível, seu jargãoenigmático e seus impasses teóricos. A pedagogia radical deve adotar opotencial crítico destes movimentos, mas ao mesmo tempo pressioná-lospara explicarem suas tendências muitas vezes apolítícas, não históricas eexcessivamente estruturalístas. Os educadores radicais devem continuar abuscar na revolução semiótica uma linguagem crítica que permita que osavanços teóricos relevantes sejam empregados com a finalidade de criar-seum currículo emancipador na educação de professores, colocando de ladoos debates sobre questões marginais. Daí decorre também que a pedagogiacrítica não pode realmente funcionar a menos que torne o desespero me-nos aceitável, através da promoção da promessa de uma aquisição progres-sista de conhecimento que resultaria na emancipação de grupos subordina-dos através da transformação de relações assimétricas de poder.

Somos a favor da emergência de teorias pós-estruturalistas e semióticaspara ocasionar-se uma interfertilização e reestruturação de idéias e teoriasque até agora só foram marginal ou tenuamente relacionadas e reconheci-das. Além disso, estes desenvolvimentos teóricos foram importantes na cri-ação de um movimento intelectual que tem interesse fundamental na pro-dução e representação de significado dentro das formações culturais con-temporâneas. Não obstante, devemos insistir que quaisquer que sejam o?desenvolvimentos gerados por estes discursos, estes últimos devem conti-nuar a abordar os problemas centrais cie poder e política, particularmenteenquanto expressos no domínio e subordinação dos povos dentro da socie-

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 20;

dade. Dado o desenvolvimento destas novas trajetórias teóricas na pedalogia radical, é essencial compreender que o poder necessário para transfortfiar a ordem social não pode ser ocasionado simplesmente através do exercício de um discurso particular ou de uma síntese cie discursos. A refornvnão pode existir como possibilidade prática fora da dinâmica vivida domovimentos sociais. O discurso por si só não pode ocasionar mudançísocial. É com este entendimento em mente que os programas de forma çãccie professores se comprometem sem concessões com as questões de íbrtalecimento e transformação, as quais combinam conhecimento e análisecrítica num apelo por transformar a realidade no interesse das comunicladês democráticas.

e Currículo Docente

Um currículo de formação de professores como forma de política cultura,enfatiza a importância de fazer do social, cultural, político e econômico atcategorias básicas de análise e avaliação cia escolarização contemporânea.1;

Dentro deste contexto, a vida escolar deve ser conceitualizada como arenarepleta de contestação, luta e resistência. Além disso, a vida escolar podeser uma pluralidade de discursos e lutas conflitantes, um terreno móvel ncqual as culturas da escola e da rua se chocam e os professores, estudantese administradores escolares afirmam, negociam e, às vezes, resistem à for-ma como a experiência e prática escolares são denominadas e realizadas. Ameta fundamental da educação é criar condições para que os estudantes sefortaleçam e se constituam como indivíduos políticos.

O projeto de "fazer-se" um currículo de política cultural como parte deum programa de formação de professores consiste na ligação da teoriasocial radical a um conjunto de práticas estipuladas, através do qual osprofessores em formação sejam capazes de (desmantelar e questionar osdiscursos educacionais favorecidos, muitos dos quais foram vítimas de umaracionalidade hegemônica instrumental que limita ou ignora os imperativosde uma democracia crítica. Porém, estamos mais interessados em atrelaresta linguagem de análise crítica a uma linguagem de possibilidade a fim dedesenvolver práticas alternativas cie ensino que sejam capazes de destruir atógica de dominação dentro e fora das escolas. Em sentido mais amplo,temos o compromisso de articular uma linguagem que possa contribuirPara o exame do campo de educação docente como uma nova esfeia pu-blica, a qual busque recuperar a idéia de democracia crítica como movi-n~iento social de liberdade individual e justiça social. Queremos remodelar aeducação docente como projeto político, como uma política cultural queDefina os professores em formação como intelectuais cuja vontade estabe-leÇa espaços públicos nos quais os estudantes possam debater, apropriar-se

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e aprender o conhecimento e habilidades necessárias para atingir a liberda-de individual e a justiça social.

Pensamos que reconceber a educação docente desta maneira é ummétodo de revogar a prática retrógrada das burocracias educacionais dedefinir os professores basicamente como técnicos, funcionários pedagógi-cos que são incapazes de tomar decisões políticas ou curriculares. O escár-nio e desprezo por parte dos burocratas dirigidos aos professores que exi-gem e exercem o direito de ligar o prático ao conceituai num esforço paraganhar algum controle sobre seu trabalho continua a assombrar o discursodo empreendimento educacional contemporâneo. A caracterização simul-tânea dos intelectuais como teóricos em suas torres de marfim, distantesdas preocupações e exigências mundanas da vida cotidiana, tanto pelosadministradores escolares quanto pelo público, é um outro sério obstáculoque deve ser compreedido pelos educadores como primeiro passo parasuperá-lo. Um currículo como forma de política cultural envolve a crençade que os professores podem funcionar na capacidade de pedagogos comointelectuais, e é esta questão que iremos agora abordar.

A busca de uma pedagogia radical para a educação de professores temcomo sua principal tarefa a criação de modelos teóricos que forneçam umdiscurso crítico para analisarem-se as escolas como locais socialmenteconstruídos de contestação, envolvidos de maneira ativa na produção deexperiências vividas. Inerente a esta abordagem encontra-se uma proble-mática caracterizada pela necessidade de definir-se como a prática pedagó-gica representa uma política particular de experiência, ou, em termos maisexatos, uma área cultural na qual o conhecimento, o discurso e o poder seehcontram, de forma a produzir práticas historicamente específicas de re-gulação social e moral. Esta nova ênfase dentro da teoria educacional regis-tra unia ampla gama de questões culturais e políticas que são essenciaispara o futuro papel da escolarização e da democracia.

Além disso, esta problemática aponta a necessidade de questionar-secomo as experiências humanas são produzidas, contestadas e legitimadasdentro da dinâmica da vida escolar cotidiana. A importância teórica destetipo de questionamento está diretamente ligada à necessidade de que osprofessores iniciantes formem um discurso no qual uma política abrangentecie cultura, voz e experiência possa ser desenvolvida. Em questão aqui estao reconhecimento de que as escolas são instituições históricas e culturaisque sempre incorporam interesses ideológicos e políticos. Elas atribuem a

realidade significados muitas vezes ativamente contestados por diverso»indivíduos e grupos. As escolas, neste sentido, são terrenos políticos eideológicos a partir dos quais a cultura dominante "fabrica" suas ''certezashegemônicas; mas elas também são lugares nos quais grupos dominantes e

subordinados definem e pressionam uns aos outros através de uma constante batalha e intercâmbio em resposta às condições sócio-histórícas <-coO'tidas" nas práticas institucionais, textuais e vividas que definem a cultu1-

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 205

escolar e a experiência professor/estudante. As escolas são tudo menosinocentes, e também não reproduzem simplesmente as relações e interes-ses sociais dominantes. Ao mesmo tempo, as escolas de fato praticam for-mas de regulação moral e política intimamente relacionadas com astecnologias de poder que "produzem assimetrias nas habilidades dos indi-víduos e grupos de definirem e satisfazerem suas necessidades".1'1 Maisespecificamente, as escolas estabelecem as condições sob as quais algunsindivíduos e grupos definem os termos pelos quais os outros vivem, resis-tem, afirmam e participam na construção de suas próprias identidades esubjetividades.

Como locais de contestação e produção cultural, as escolas incorpo-ram representações e práticas que promovem bern como inibem o exercí-cio de agência humana entre os estudantes. Isto fica mais claro quandoreconhecemos que um dos elementos mais importantes em funcionamentona construção da experiência e subjetividade nas escolas é a linguagem. Alinguagem intersecciona-se com o poder na maneira como formas lingüís-ticas particulares estruturam e legitimam as ideologias de grupos específi-cos. Intimamente relacionada com o poder, a linguagem funciona paraposicionar e constituir a maneira pela qual professores e estudantes defi-nem, medeiam e compreendem sua relação uns com os outros e com asociedade mais ampla.

Com as suposições teóricas anteriores em mente, queremos argumen-tar em termos mais específicos a favor do desenvolvimento dentro dasinstituições de formação de professores de um currículo que incorporeuma forma de política cultural. Com efeito, queremos argumentar em favorda construção de uma pedagogia de política cultural em torno de umalinguagem criticamente afirmativa que permita que professores potenciaiscompreendam como as subjetividades são produzidas dentro daquelas for-mas sociais nas quais as pessoas se deslocam, mas das quais muitas vezestêm consciência somente parcial. Esta pedagogia torna problemática a ma-neira como professores e estudantes sustentam, resistem ou acomodam aslinguagens, ideologias, processos sociais e mitos que os posicionam emmeio às relações existentes de poder e dependência. Além disso, ela apon-to para a necessidade de que professores futuros e em exercício reconhe-çam o discurso como uma forma de produção cultural que sirva para orga-nizar e legitimar modos específicos de denominar, organizar e experimen-tar a realidade social.

Nesta perspectiva, o conceito de experiência está relacionado com aQuestão mais ampla de como se inscrevem as subjetividades dentro deProcessos discursivos que se desenvolvem com respeito à dinâmica deProdução, transformação e luta. Compreendida nestes termos, uma pedagogia~e Política cultural coloca uma dupla tarefa para professores potenciais,rimeiro, eles precisam analisar como a produção cultural é organizada

de relações assimétricas de poder nas escolas (por exemplo, textos

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escolares, currículos, seleção, política, práticas pedagógicas). Segundo, elesprecisam construir estratégias políticas de participação em lutas sociais desti-nadas a lutarem pelas escolas como esferas públicas democráticas.

A fim de tornar esta tarefa praticável, é necessário avaliar os limitespolíticos e potencialidades pedagógicas dos diferentes, porém relaciona-dos, exemplos de produção cultural que constituem os vários processos deescolarização. Note-se que estamos chamando estes processos sociais exem-plos de produção cultural, em vez de utilizar o conceito mais familiar dereprodução social. Embora a noção de reprodução social aponte adequa-damente' para as diversas ideologias e interesses econômicos e políticosque são reconstituídos dentro das relações da escolarização, ela carece cieuma compreensão teórica abrangente de como tais interesses são media-dos, elaborados e subjetivamente produzidos, independentemente dos vá-rios interesses que afinal se manifestem.

a de na Formação deProfessores

Gostaríamos de concluir novamente enfatizando e ampliando algumas con-siderações teóricas para o desenvolvimento de uma teoria crítica de educa-ção de cidadania para os programas de formação cie professores. Essencialpara uma política e pedagogia da cidadania crítica é a necessidade de re-construir uma linguagem visionária e filosofia pública que coloquem a igual-dade, liberdade e existência humana no centro das noções de democraciae cidadania. Exitem diversos aspectos desta linguagem que merecem algu-mas considerações. Primeiramente, é importante reconhecer que a noçãode democracia não pode basear-se em qualquer noção a-históríca e transcen-dente da verdade ou autoridade, A democracia é um lugar de luta informa-do pelas concepções ideológicas competitivas de poder, política e comunida-de. Este é um reconhecimento importante porque ajuda a redefinir o papeldo cidadão como agente ativo no questionamento, definição e modelamentode sua relação com a esfera política e a sociedade mais ampla. Como colo-cado por Laclau e Mouffe, o conceito radical que a sociedade democráticaintroduz é que

o lugar de poder torna-se um espaço vazio: a referência a uma garantia transcendei"1

desaparece, e com ela a representação da unidade essencial da sociedade.... Abie-s .assim, a possibilidade de um processo infindável de questionamento: nenhumaque possa ser fixada, cujos ditames não sejam objeto de contestação, ou cujos fundanie1 ^tos não possam ser questionados.... A democracia inaugura a experiência de ut •sociedade que não pode ser apreendida ou controlacia, na qual o povo será proclan ̂do soberano mas sua identidade nunca será defmtivamente dada, permanecendo ratete.15

1Sse

Implícito nesta posição está o questionamento às noções tanto liberaicomo direitistas do conceito de política. Isto é, a noção de política não sereduz à ênfase liberal na conformidade às regras e procedimentos adminis-trativos. Tampouco reduz-se à visão de direita de que a política é um negó-cio privado cujo resultado tem pouco a ver com o bem-estar público e tudoa ver com a defesa da economia de livre mercado, defesa nacional, e umadefinição individualista dos direitos e da liberdade. Mas é importante enfatizarque, ao redefinir a noção de política, a esquerda não pode simplesmenterejeitar de imediato a recente convergência das visões neoliberal e direitistade democracia. Em vez disso, ela deve "aprofundá-la e estendê-la em dire-ção a uma democracia radical e pluralista".16 Para Laclau e Mouffe, istosignifica reconhecer a importância daqueles antagonismos fundamentaisentre as mulheres, diversas minorias radicais e sexuais, e outros grupossubordinados que abriram novos espaços políticos radicais através dos quaisse possa pressionar pela ampliação do discurso e direitos democráticos. Aemergência destas novas lutas democráticas demonstra a necessidade deuma revitalização na visão do significado e importância da noção do con-ceito de política. Benjamin Barber reforça esta visão quando alega correta-mente que a esquerda americana precisa embasar a noção de política emtradições históricas que revelem o poder subversivo e dignificante do dis-curso democrático e que também sustentem a importância fundamental daautonomia do discurso político na compreensão e influência de aspectosimportantes de nossas vida cotidiana. Ele escreve:

A alternativa para a esquerda é uma revitalização da autonomia da política e da sobe-rania da mesma sobre outros domínios de nossa existência coletiva. A iradição quegerou a constituição americana via a igualdade civil como a liberdade crucial. Deacordo com esta tradição, a política pode refazer o mundo, e o acesso político, aigualdade política e a justiça política são os caminhos para uma igualdade econômicae social. As melhores armas da esquerda continuam sendo a constituição americana ea tradição política democrática que ela fomentou.17

A democracia, nesta visão, é vista como um movimento social ativocom base em relações ideológicas e institucionais de poder que exigemuma política participativa vigorosa mergulhada nas tradições cie uma demo-Cracia jeffersoniana. Antes que uma noção radical de democracia possa serParte da agenda de formação cie professores, a esquerda precisa redesen-volver o conceito de cidadania ativa, o qual poderia ser vigorosamentec°nfrontado com os porta-vozes liberais e conservadores "que clamam por^ais moderação na democracia, medidas para fazer com que a população

oite a... um estado de apatia e passividade para que a •''democracia" emJ;u sentido favorável, possa sobreviver.18 Em termos radicais, a cidadaniastlva não reduziria os direitos democráticos à mera participação no prpces-0 de votação eleitoral, mas estenderia a noção de direitos à participação na

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economia, no estado, e em outras esferas públicas. Thomas Ferguson capr-este sentimento em sua observação de que

os pré-requisitos da democracia eletiva não são realmente o registro automático deleitores ou mesmo o feriado de votação, embora estes ajudem. Na verdade, as verdade'rãs bases cia democracia efetiva são as associações institucionais mais profundas par

o florescimento de forças, terceiros partidos prontamente acessíveis, meios de cornunicação baratos, e uma rede próspera cie cooperativas e organizações comunitárias l*>

Em segundo lugar, uma linguagem radical de cidadania e democraciaimplica um fortalecimento dos laços horizontais entre cidadão e cidadãoIsto exige uma política de diferença, na qual as demandas, culturas e rela-ções sociais de grupos diversos sejam reconhecidas como parte do discursodo pluralismo radical. Como forma de pluralismo radical, a categoria dadiferença não se reduz ao individualismo possessivo do indivíduo autôno-mo no cerne da ideologia liberal. Pelo contrário, a diferença estaria funda-mentada nos vários grupos sociais e esferas públicas cujas vozes singularese práticas sociais contêm seus próprios princípios de validade, enquanto aomesmo tempo compartilham de uma consciência e discurso. Essencial paraesta forma de pluralismo radical é uma filosofia pública que reconheça oslimites entre os diferentes grupos, o eu e os outros, e ainda assim crie umapolítica de confiança e solidariedade que sustente uma vida comum basea-da em princípios democráticos que criem as precondições ideológicas einstitucionais tanto da diversidade quanto do bem público.20

Isto nos leva a nossa terceira consideração para revitalizar o conceitode cidadania e democracia de futuros professores. Um discurso revitalizadode democracia não deveria basear-se exclusivamente em uma linguagemde analise crítica, o qual, por exemplo, limita sua atenção nas escolas àeliminação das relações de subordinação e desigualdade. Esta é uma preocu-pação política importante, mas tanto em termos teóricos quanto políticos élamentavelmente incompleta. Como parte de um projeto político radical, odiscurso da democracia também precisa de uma linguagem de possibilida-de, a qual combine uma estratégia de oposição com uma estratégia dereconstrução da nova ordem social. Tal projeto representa tanto uma lutaem torno da tradição histórica quanto a construção de um novo conjuntode relações sociais entre o indivíduo e a comunidade mais ampla. Maisespecificamente, a esquerda precisa situar a luta pela democracia em umprojeto utópico que articule de maneira ativa uma visão de futuro fundamen-tada em uma linguagem programática de responsabilidade cívica e bempúblico. Ernst Bloch deu atenção significativa à importância do impulsoutópico no pensamento radical, e sua noção da produção de imagens daquiloque "ainda não é" apresenta-se claramente em sua análise cios devaneios.

Os sonhos vêm durante o dia e também à noite. E ambas as espécies de sonho suomotivadas pelos ciesejos que procuram satisfazer. Mas os devaneios diferem dos so-

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nhos noturnos, pois nos devaneios o "eu" permanece o tempo todo de maconsciente e privativa, imaginando as circunstâncias e imagens de uma v'ida dês '-melhor. O conteúdo do devaneio não é, como o do sonho noturno uma jornadaretorno às experiências reprimidas e suas associações. Ele relaciona-se tanto auarpossível, com uma jornada sem limites para frente, de forma que, em vez de reconstiraquilo que não é mais consciente, as imagens daquilo que ainda não é podem •imaginadas na vida e no mundo.21

A ênfase de Bloch na dimensão utópica dos devaneios leva a unquarta consideração. Em nossa visão, a insistência em incorporar a noçiutópica de "possibilidades não realizadas" na teoria radical fornece unbase para analisar e constituir as teorias críticas do ensino escolar e cidadnici- Tanto o ensino escolar quanto a forma de cidadania que ele legitinpodem ser desconstruídos como um tipo de narrativa histórica e ídeológi-que proporciona uma introdução, preparação e legitimação de formas pjíiculares cie vida social nas quais se dá lugar central a uma visão do futurum sentido de como a vida poderia ser. Dado o caráter antiutópíco bási<que caracteriza grande parte do discurso radical hoje em dia, a incorporcão de uma lógica utópica como parte de um projeto de possibilída<representa um importante avanço no repensar do papel dos professores

Finalmente, os educadores precisam definir as escolas como esferpúblicas nas quais a dinâmica de engajamento popular e política democrtica possam ser cultivadas como parte da luta por um estado democrãtiradical. Isto é, os educadores radicais precisam legitimar as escolas conesferas públicas democráticas, como lugares que forneçam um serviço pblico essencial na construção de cidadãos ativos, a fim de defender stimportância fundamental na manutenção de uma sociedade democráticacidadania crítica. Neste caso, o ensino escolar seria analisado por seu ptencial em fomentar a alfabetização cívica, a participação do cidadão,coragem moral. A teoria da cidadania radical para programas de formaçíde professores deve começar a desenvolver papéis alternativos para iprofessores enquanto intelectuais dentro e fora das escolas. Esta é unquestão importante porque salienta a necessidade de ligar a luta políti<dentro das escolas a questões sociais mais amplas. Ao mesmo tempo, esustenta para professores futuros e em exercício a importância de usaresuas habilidades e idéias em aliança com outros que estejam tentancredefinir o terreno da política e cidadania.

O desenvolvimento de uma pedagogia radical para a autorização dgerações futuras de estudantes e professores exige que as escolas de edcação repensem a natureza de seus programas e suas práticas. Reconhec

contudo, que o projeto que estamos descrevendo já está em anel. Os professores em formação precisam de mais tempo nas salas c

aula - mais do que geralmente se oferece em um ou dois anos cie tremn^ento - para explorar as conexões teóricas que estivemos sugerindo entensino escolar, subjetividade, cidadania e poder. Precisam igualmente c

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uma exposição prolongada a uma reorganização radical das instituiçõesformadoras de professores em torno dos conceitos de história, linguagem,cultura e poder.22

É evidente que uma agenda radical de reforma escolar tem que come-çar em algum lugar, e pequenos grupos de professores trabalhando isola-damente em suas respectivas escolas não são suficientes para produzir ascondições necessárias para tranformar as escolas em esferas contrapúblicas.As condições para democratizar as escolas no interesse do fortalecimentode professores e estudantes devem começar nas escolas e faculdades deeducação através de uma reconstituição dos programas de formação deprofessores da maneira como sugerimos. Igualmente importante para a re-forma radical é a necessidade de que os professores reconheçam que asesferas contrapúblicas não podem ser criadas somente dentro de institui-ções de treinamento de professores ou salas de aula, mas devem finalmentefundir-se com outras comunidades de resistência. O projeto que descreve-mos focaliza o papel que os programas e instituições de formação de pro-fessores poderiam desempenhar na ampliação do discurso da democracia.Mas tal projeto vai muito além destas instituições e revela a necessidade demovimentos sociais e mudanças estruturais mais amplas. No final, reformasmais amplas exigem não apenas que os professores se engajem em novosmovimentos sociais, mas que os programas de formação de professoresredefinam a natureza de por que e como eles funcionam na sociedade.

Conclusão

No momento atual, a política pública pesa muito a favor dos valores einteresses dos ricos e privilegiados. A ganância tomou o lugar da compai-xão, e o impulso por lucros relega todas as preocupações sociais a umaforma de amnésia individual e social. Em risco no novo discurso da ideolo-gia neoconservadora e yuppie estão não apenas os pobres, as minorias, asmulheres e os idosos, mas também as escolas públicas, serviços sociais eagências para o bem-estar da nação. A mensagem central, como argumen-tamos ao longo deste capítulo, é que os ultraconservadores lançaram umataque geral tanto ao significado quanto às possibilidades de razão crítica evalores democráticos. As esferas públicas que poderiam fornecer o espaçocrítico para o desenvolvimento de movimentos sociais, ou que sustentariampráticas sociais de oposição compatíveis com os mais importantes impulso11

da democracia, tornaram-se objeto de rejeição e escárnio ideológico p°r

grupos de direita dentro e fora do governo e, em muitos casos, foramatacadas a fim de serem eliminadas da paisagem da política pública ameri-cana. Em um certo nível, isto significou a eliminação ou redução de fundo»para tais instituições. Em outro nível, significou o lançamento de um

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ideológico violento aos alicerces básicos de tais instituições. Este é evidtemente o caso, por exemplo, com respeito às várias criticas e polític"'oferecidas para solapar as escolas públicas da nação. Os ultraconservacloré<gostariam de transformar as escolas públicas em instituições semelhantes -uma mistura de escola local dominical, mercado de empresa e museu develho oeste. A ideologia industrial, o sectarismo religioso e a uniformidadecultural fornecem a base para reconstruir as escolas públicas segundo :,imagem política dos políticos reacionários.

Isto não deveria sugerir que a direita venceu a batalha. O que de fatcsugere é que os educadores deveriam organizar-se coletivamente nestestempos difíceis a fim de lutar pela democracia como estilo de vida e unir osimperativos da vida cotidiana com formas de democracia política e econô-mica que tomem com seriedade as noções de liberdade e justiça. Em ter-mos mais específicos, isto significa que os educadores progressistas de vá-rias formações ideológicas precisam fazer das escolas centros de aprendiza-gem e propósitos democráticos. Os programas de formação de professorespodem desempenhar um papel importante no fornecimento de liderançasnecessárias para tornar as escolas responsivas à necessidade da democraciaamericana de criar cidadãos autoconfíantes, organizados e fortalecidos. Deforma semelhante, os programas de formação de professores podem de-sempenhar papel importante no desenvolvimento de uma filosofia públicaque ligue a aprendizagem e fortalecimento a uma visão de fidelídades maisamplas. Subjacente a estas fidelídades deve haver uma moralidade públicaque enfatize as responsabilidades sociais que atentem para formas de co-munidade que combinem o respeito pela liberdade individual e diversida-de social com um compromisso com a vida pública democrática.

A renovação de uma filosofia pública democrática americana precisaser alimentada por uma visão que amplie mais do restrinja as possibilidadeshumanas. Isto presupõe o sentido de que a história é aberta, incerta, edigna de luta; aqui está em questão uma visão de futuro na qual a histórianão é aceita simplesmente como um conjunto de prescrições herdadas dopassado sem questionamento. A história pode ser nomeada e refeita poraqueles que se recusam a permanecer passivos diante do sofrimento eopressão humana. Os educadores podem se unir a fim de politizar a natu-reza do que acontece nas escolas e estender o trabalho político em nossassalas de aula para outras esferas públicas.

Notas

L Horkheimer, Eclipse of Reason; Theodor Adorno e Max Horkheímer, The Dialectíc ofEnlightenment, John Cumming, trad. (New York: Schocken, 1969).

~- Arthur Lothstein, "Salving from the Dross: John Dewey's Anarcho-Communaüsm", Theophical Fórum 10 (1978): 55-111.

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3 Jürsjen Habermas. Sn-iiktenimulele/erOffenlichkeitÇNeuwied: Luchterhand, 1962); MarcuseOne Dimensiona! Alan; John Dewey, The Public and lis Problems (New York: Henry Holt'1927); Gramsci, Príson Notebooks.

4. Aronowitz e Giroux, Education UnderSiege.

5. Giroux, Theory and Resistance.

6. Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy (London: Verso, 1985)p. 190.

7. Goodman, "Reflections on Teacher Education", pp. 9-26.

8. Walter Aclamson, Hegemony and Revolution: A Study of Antônio Gramsci's Political andCultural Theory (Berkeley: University of Califórnia Press, 1980).

9. Henriques et ai., Changing the Subject.

10. Ernest Mandei, Late Capitalism (London: New Left Books, 1975); John Brenkman. "MassMedia: From Collective Experience to the Culture of Privatization", Social Text l (Inverno1979): 94-109.

11. Peter McLaren, Schooling as a Ritual Performance (London: Routledge e Kegan Paul,1986).

12. Cf. Cleo Cherryholmes, "Knowledge, Power, and Díscourse ín Social Studies Education",Boston University Journal fo Education 165(4): 341-58; Manuel Alvaraclo e Bob Ferguson,"The Curriculum, Media and Discursivity", Screen 24(3): 20-34; Philip Wexler, "Structure,Text, and the Subject: A Criticai Sociology of Schooí Knowledge", em Michaef Apple, ed.,Cultural andEconomic Reproduction (Boston and London: Routledge & Kegan Paul, 19S2),pp. 275-303. Ferdinand de Saussure, Coursein GeneralLinguistics (London: Fontana, 1974);Jacques Derrida, Of Grammatology, trad. Gayatrí Chakravorty Spivak (Baltimore: John HopkinsPress, 1977); Míchel Foucault, Power and Knowledge: Selected Interuiews and Other Writings,ed. c. Gordon (New York: Pantheon, 1980); Jacques Lacan, Ecrits (London: Tavistock. 1977);Hans-Georg Gadamer, Truth andMethod (London: Sheed anel Ward, 1975); RolancI Banhes,Elements ofSemiology, trad. A. Lavers e C. Smíth (New York: Hill and Wang, 1968); JürgenHabermas, The Theory of Communicatiue Action, Vol. l (Boston: Beacon Press, 1983).

13. Giroux e Simon, "Curriculum Study as Cultural Policies".

14. Johnson, "What Is Cultural Studies?", p. 11.

15. Laclau e Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy, pp. 186-87.

16. Ibid., p. 176.

17. Benjamin Barber, "A New Language for the New Left", Harper's Magazine (Nov. 198o):50.

18. Noam Chomsky, Turning the Tide (Boston: South End Press, 1986), p. 223.

19. Ibid.

20. Chriscopher Lasch, "Fraternalist Manifesto", Harper's Magazine (Abril 1987): 17-20.

21. ErnstBloch. The Philosophy of the Future (New York: Herder and Herder, 1970), pp- s6"87.

22. Henry A. Giroux e Peter McLaren, "Teacher Education and the Politics of Engagernent-The Case for Democratic Schooling", Harvard Educational Reuieiu 56(3): 213-38.

13Crise enaHENRY A. GIROUX

A o aproximarem-se do século vinte e um, os Estados Unidos pareceenfrentar uma dupla crise na educação pública. Um aspecto dêscrise é evidente no surgimento da Nova Direita e seus ataques econ<

micos e ideológicos às escolas.1 O segundo aspecto da crise refere-se zfracasso dos educadores radicais em igualarem-se à política educacionneoconservadora com um conjunto correspondente de visões e estratégia;Creio que ambas as crises oferecem aos educadores críticos a oportunidacnão apenas de repensar a natureza e propósito da educação pública, m;também de elevar as ambições, desejos e esperanças reais daqueles qidesejam tomar com seriedade a questão da luta educacional e justiça soei;no futuro. Mas para que tais esperanças tornem-se realizáveis, precisamcavaliar não apenas os fracassos do pensamento educacional de esquercna década passada, mas também os motivos do sucesso da política educacicnal neoconservadora e a "popularidade autoritária" sobre a qual ela f<capaz de construir um amplo consenso nacional. Para empreender estanálise, primeiramente considerarei a natureza e ideologia do discurso necconservador em relação à educação pública e a maneira como ela desafioalgumas das suposições básicas da teoria educacional radical. Finalizareicapítulo apontando brevemente alguns dos elementos de uma teoria educíciona! crítica que, a meu ver, precisam ser desenvolvidos no futuro.

O aspecto mais óbvio da crise na educação pública e da resposta deneoconservadores que ela está produzindo é visível no discurso atualmentuülizado para descrever o papel que as escolas deveriam desempenhar nsociedade americana. As escolas não estão mais sendo enaltecidas por sei

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3 Jürgen Habermas, StnikterwandeicierOffenlJcbkeit(.Neuwied: Luchterhand, 1962); MarcuseOne Dimensional Man; John Dewey, The Public and lis Problems (New York: Henry Holt'1927); Grumsci, Prison Notebooks.

4. Aronowitz e Giroux, Education UnderSiege.

5. Giroux, Tbeory and Resistance.

6. Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy (London: Verso. 1985)p. 190.

7. Goodman, "Reflections on Teacher Education", pp. 9-26.

8. Walter Adamson, Hegemony and Revolutíon: A Study of Antônio Gramsci's Política! andCultural Tbeory (Berkeley: University of Califórnia Press, 1980).

9- Henríques et ai., Changing th e Subject.

10. Ernest Mandei, Late Capitalism (London; New Left Books, 1975); John Brenkman, "MassMedia: From Collective Experience to the Culture of Privatization", Social Text l (Inverno1979): 94-109.

11. Peter McLaren, Scbooling as a Ritual Performance (London: Routledge e Kegan Paul,1986).

12. Cf. Cleo Cherryholmes, "Knowledge, Power, and Discourse in Social Studies Education",Boston University Journal fo Education 165(4): 341-58; Manuel Alvarado e Bob Ferguson,"The Curriculum, Media and Discursivity", Screen 24(3): 20-34; Philip Wexler, "Structure,Text, and the Subject: A Critica! Sociology of School Knowledge", em Michael Apple, ecl,Cultural and Economic Reproduction (Boston and London: Routledge & Kegan Paul, 1982),pp. 275-303. Ferdinand de Saussure, Coursein GeneralLinguistícs (London: Fontana, 1974);Jacques Derrida, Of Grammatology, trad. Gayatri Chakravorty Spivak (Baltimore: John HopkinsPress, 1977): Michel Foucault, Power and Knowledge: Selected Interviews and Other Wrítings,ed. c. Gordon (New York: Pantheon, 1980); Jacques Lacan, Ecrits (London: Tavistock, 1977);Hans-Georg Gadamer, Trutb andMethod (London: Sheed and Ward, 1975); Roland Barthes,Elements of Semiology, trad. A. Lavers e C. Smith (New York: Hill and Wang, 1968); JürgenHabermas, The Theory of Communicative Action, Vol. l (Boston: Beacon Press, 1983).

13. Giroux e Simon, "Curriculum Study as Cultural Politics".

14. Johnson, "What Is Cultural Studies?", p. 11.

15. Laclau e Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy, pp. 186-87.

16. Ibicl, p. 176.

17. Benjamin Barber, "A New Language for the New Left", Harper's Magazine (Nov. 1986):50.

18. Noam Chomsky, Turning the Tíde (Boston: South End Press, 1986), p. 223.

19. Ibid.

20. Christopher Lasch, "Fraternalist Manifesto", Harper's Magazine (Abril 1987): 17-20.

21. Ernst Bloch, The Philosophy of the Future (New York: Herder and Herder, 1970), pp- Só-87.

22. Henry A. Giroux e Peter McLaren, "Teacher Education and the Politics of Engagenient-The Case for Democratic Schooling", Harvard Educational Remeiu 56(3): 213-38.

13Crise enaHENRY A. GIROUX

A o aproximarem-se do século vinte e um, os Estados Unidos parecemenfrentar uma dupla crise na educação pública. Um aspecto destacrise é evidente no surgimento da Nova Direita e seus ataques econô-

micos e ideológicos às escolas.1 O segundo aspecto da crise refere-se aofracasso dos educadores radicais em igualarem-se à política educacionalneoconservadora com um conjunto correspondente de visões e estratégias.2

Creio que ambas as crises oferecem aos educadores críticos a oportunidadenão apenas de repensar a natureza e propósito da educação pública, mastambém de elevar as ambições, desejos e esperanças reais daqueles quedesejam tomar com seriedade a questão da luta educacional e justiça socialno futuro. Mas para que tais esperanças tornem-se realizáveis, precisamosavaliar não apenas os fracassos do pensamento educacional de esquerdana década passada, mas também os motivos do sucesso da política educacio-nal neoconservadora e a "popularidade autoritária" sobre a qual ela foicapaz de construir um amplo consenso nacional. Para empreender estaanálise, primeiramente considerarei a natureza e ideologia do discurso neo-conservador em relação à educação pública e a maneira como ela desafioualgumas das suposições básicas da teoria educacional radical. Finalizarei ocapítulo apontando brevemente alguns dos elementos de uma teoria educa-cional crítica que, a meu ver, precisam ser desenvolvidos no futuro.

O aspecto mais óbvio da crise na educação pública e da resposta dosneoconservadores que ela está produzindo é visível no discurso atualmenteutilizado para descrever o papel que as escolas deveriam desempenhar nas°ciedade americana. As escolas não estão mais sendo enaltecidas por seu

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papel de instituições democratizantes. Pelo contrário, como ilustra a recen-te enxurrada de relatórios comissionados, as escolas estão atualmente sen-do vistas dentro dos parâmetros estreitos da teoria de capital humano.5 Empalavras simples, o relacionamento tradicional de distância entre as escolase os negócios está atualmente sendo desmantelado com o propósito dealinhar as escolas mais intimamente com os negócios e interesses corporativosa curto e médio prazo.

Esta virada em direção à educação pública enquanto cidadela da ideo-logia corporativa surge numa conjuntura histórica específica nos EstadosUnidos. Para muitos, esta conjuntura é tanto caracterizada quanto compreen-dida como expressão da recessão econômica capitalista. Esta explicação sótem validade parcial, e, assim, deixa de explicar a popularidade do discursoneoconservador na educação pública como parte tanto de uma luta quantode uma resposta à crise política e ideológica que a nação atualmente enfrenta.Em outras palavras, os neoconservadores não apareceram do nada; eles sãoparte de um conjunto diversificado de tradições históricas que se solidifica-ram em uma força política e ideológica particular neste momento específicoda história. Neste processo, elas realinharam e remodelaram a naturezapolítica de seu discurso e as configurações ideológicas que a informam.Além disso, os neoconservadores parecem fazer sentido para um públicoamericano que está preocupado e intimidado pelas mudanças pelas quais opaís tem passado desde os anos sessenta. Em questão aqui coloca-se oparadoxo de como os grupos que tão flagrantemente favorecem os ricos, asclasses superiores, e a lógica do individualismo desenfreado podem mobi-lizar de maneira tão efetiva as necessidades e desejos cie grupos subordina-dos e oprimidos tais como as classes trabalhadoras, minorias e outros.

O discurso neoconservador sobre a escolarização não apenas toca numaampla gama de insatisfações, como também toma forte posição em ques-tões educacionais importantes, tais como padrões, valores e disciplina es-colar. Ao mobilizar o descontentamento público existente, ele combinadois aspectos da filosofia conservadora, de forma a incluir em seu discursoum elemento poderoso de apelo cultural-popular. Ele abarca, de diversasmaneiras, elementos de comunidade e localismo em seu apoio à famílw,autoridade patriarcal e religião. De maneira semelhante, estes aspectos dafilosofia conservadora tradicional estão em perfeita combinação com o>princípios do liberalismo clássico, com sua ênfase no individualismo, com-petição, e esforço e recompensa pessoal.

Em torno da questão pró-familía, por exemplo, o discurso neoconser-vador examina uma gama completa de questões relacionadas com a natuie-7.í\ da crise moral e econômica atual definida a seu modo. Neste caso^ <l

família é vista corno uma entidade "natural" dada por Deus, existindo alen1

das fronteiras da história. Definida como o centro da moralidade e da or-dem, o núcleo familiar é louvado como centro de civilização, comunidadee controle social. Como unidade básica da sociedade, ela é tomada

referencial moral e político a partir do qualconstante contra seus "inimigos". Allen Hunter

Um grande número de questões se... combinam em defesa'd''"f'^^^'^^^^^^^^imagética da família atua como "símbolo de condensação" e'••' ':* *família"- é usada para reunir uma ampla gama de questões dist. >v •• •« H-WI^S»»»»:»imagem positiva. Também os inimigos são amontoados. pe^^^fe^sSlIiiilSwSjovens e as drogas, a música negra, os homossexuais, o aborto"„,! J 1:1 :„ . , „ ! _ - • _ 1:1 : . , , !_ J:. .£..,:_ . l(J>

a' esta forma, a''c,oa\íza° Pr(>

FeministÍ|í:gí||íp||, - aborto

educadores liberais, as leis liberais do divórcio, a contracepção e urtla !Tfi t"flaP5f5a

° 'outros fenômenos são todos assemelhados a uma característica ca família e, junto com isso, a sociedade.'1 comum: eles destroem

O discurso neoconservador também alimenta seu louvor à família coma ideologia do individualismo. Embora a princípio a ideologia do individualis-mo militante possa parecer em desacordo com o apoio ã família e à comuni-dade, ela é, na verdade, deslocada para uma outra esfera da sociedade, nosentido de que é usada como suporte ideológico para atacar o estado eoutras formas de intervenção burocrática. Neste caso, as noções de mobilida-de, autonomia e liberdade são relacionadas com a capacidade dos indiví-duos de traçarem seu destino na dinâmica competitiva do mercado. Emcontraste, alega-se que o estado e a intervenção governamental bloqueiamesta possibilidade e, assim, solapam as virtudes do trabalho árduo e da auto-suficiência, e ao mesmo tempo desgastam o bem-estar econômico e a priva-cidade espiritual e patriarcal necessária para a manutenção da vida familiar.

O que é interessante a respeito da ideologia neoconservadora é queela toma com seriedade as formas nas quais o estado e outras instituições,inclusive as escolas, se intrometem na vida das pessoas ou, através da arro-gância da política administrativa, funcionam para excluí-las da participaçãoem questões vitais que afetam suas experiências em nível cotidiano. Nem épreciso dizer que, em muitos aspectos, as pessoas das classes trabalhadorase outras respondem de maneira positiva às ideologias antigovernamentaisporque encaram a política governamental e as práticas sociais não comobenefícios, mas como imposições burocráticas aviltantes e poderosas emsuas vidas. Por outro lado, muitas pessoas expressaram ambivalência quan-to à educação pública, da qual os neoconservadores tiraram proveitoredefinindo-a em seu próprio interesse.

Para muitas pessoas, as escolas ocupam um lugar importante, porémParadoxal, entre suas experiências diárias e seus sonhos do futuro. Emcerto sentido, a educação pública tem representado uma das poucas possi-bilidades de mobilidade econômica e social. Contudo, em função dos mui-tos problemas que assolam os sistemas escolares, sejam eles a violência nasescolas, o absenteísmo, queda nos padrões ou escassez de recursos econô-micos, a preocupação popular desviou-se da ênfase tradicional em ganharacesso à educação pública para uma preocupação em moldar e controlar aPolítica escolar. A ideologia neoconservadora tem sido politicamente hábil

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na abordagem destas preocupações, mas o faz de uma maneira que "asrepresenta dentro de uma lógica... que sistematicamente as alinha com aspolíticas e estratégias de classe da direita".5

Ao capitalizar os sentimentos e descontentamento populares, o discur-so neoconservador tem convenientemente argumentado a favor de políti-cas educacionais que promovam valores tradicionais e formas conservado-ras de autoridade e disciplina. Mais do que negarem o papel das escolas napromoção de valores, os neoconservadores têm argumentado que a regulaçãomoral deveria tornar-se uma dimensão central do currículo. Conseqüente-mente, o currículo escolar tornou-se um dos principais focos de contesta-ção popular e local de uma espécie de luta competitiva. Isto torna-se evi-dente quando os neoconservadores defendem a inclusão de práticas religio-sas, a proibição de livros e áreas de estudo subversivas, e um renovadoenvolvimento com formas de escolarização que exibem um empreendi-mento instrumental no desenvolvimento de currículos que glorificam metase valores que sustentam a ideologia do pragmatismo comercial. Além disso,como a política neoconservadora promove cortes nos subsídios financeirosàs escolas públicas, assim como a outras formas de serviço social, ela criauma nova força de trabalho de mulheres sem remuneração, as quais, se-gundo a mesma, pertencem ao lar. Ao mesmo tempo, os neoconservadoressustentam vigorosamente que o trabalho voluntário seja feito pelas mãesdiante dos cortes entre as classes de professores e senadores.6 Neste caso.o ataque à educação pública apóia-se em uma política discriminatória con-tra as mulheres.

O resultado disso tudo fica completamente claro na forma como a ideolo-gia neoconservadora separa a educação pública do discurso do autofortaleci-mento e da liberdade coletiva. Mais do que confrontar as desigualdades e reaisfracassos da educação pública, a política neoconservadora vê a educação pú-blica dentro de um modelo de raciocínio que enaltece preocupações econômi-cas estreitas, interesses privados e valores altamente conservadores.

É instrutivo notar que o discurso neoconservador que atualmente do-mina o debate na educação nos Estados Unidos em parte fortaleceu suaposição ao relacionar as crises da vida cotidiana com os fracassos da educa-ção pública. O que é particularmente interessante aqui é que as coalizõesconservadoras têm se mostrado capazes de intervir nas preocupações po-pulares sobre a escolarização em torno de diversas questões ideológicas deuma maneira que deixou os educadores radicais quase invisíveis no pi'e"sente debate. Acredito que isto nos informa menos sobre a credibilidade daideologia conservadora do que sobre o fracasso teórico dos educadoresradicais em considerarem seriamente as particularidades sociais e históricasda vida das pessoas. A educação radical manteve por muito tempo seu focode atenção na questão de quem tem acesso à educação pública, ou ruapresentação de relatos, muitas vezes desesperadores, de como as escolasreproduzem, através do currículo explícito e oculto, as diversas desigualda-

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 217

dês que caracterizam a sociedade dominante. Isto não deveria suoerir queos educadores de esquerda não ofereceram idéias importantes sobre o modocomo funcionam as escolas, e sim que estas idéias ficaram muito aquém doque é teoricamente necessário para desenvolver uma teoria mais crítica eabrangente da escolarização. Durante a última década, os relatos radicaisdo ensino escolar concentraram-se em demasia nas análises críticas do ensinoescolar, enquanto deixaram de cumprir a tarefa teórica mais difícil de estabe-lecer a fundamentação de modos alternativos de teoria e prática educacio-nais.

A natureza unilateral da teoria educacional radical é evidente na maneirapela qual ela tem abordado as noções de poder, controle social e lutapopular. Por exemplo, o poder nestes relatos tem muitas vezes sido defini-do basicamente como uma força negativa que funciona no interesse dadominação. Tratado como um exemplo de negação, o poder assumiu acaracterística de uma força contaminadora que deixa sua marca de domina-ção ou impotência no que quer que toque. Conseqüentemente, a noção decontrole social tornou-se sinônima do exercício de dominação nas escolas,e a questão de como as escolas poderiam se tornar o local de produção denovas formas de conhecimento e práticas sociais de oposição foi largamen-te ignorada. É evidente, por exemplo, que houve uma confusão básica emtorno da questão do que constituía a liberdade dentro do discurso da pedago-gia radical. Este ponto pode ser melhor apreciado na suposição subjacenteà maior parte da teoria educacional radical de que a disciplina, autoridadee padrões acadêmicos da escola são representantes de imposições coerci-vas que limitam o desenvolvimento da capacidade natural, emocional eintelectual dos estudantes. Assim, a liberdade tornou-se sinônimo da des-mistificação e eliminação das restrições ideológicas e materiais impostaspelas escolas, de forma que os estudantes pudessem descobrir suas reaispossibilidades e capacidades de aprendizagem. Em outras palavras, a liberda-de é definida como a ausência de controle e o estudante é apresentadocomo a personalização de uma individualidade que tem que amadurecercomo parte de um processo de desenvolvimento natural. O que se perdenesta visão teórica é a compreensão de que a educação sempre funciona demaneira complexa como força tanto positiva quanto negativa para produziras próprias condições sob as quais se constituí a individualidade. Minhaopinião é que a liberdade não está separada do poder ou cias questões deautoridade, padrões e disciplina dentro das escolas. Na verdade, ela relaciona-se diretamente com a questão de como ela tanto informa quanto surgeDaquelas condições cotidianas das escolas que ajudam a produzir estudan-tes criticamente instruídos e socialmente responsáveis. Valerie Walkerdineesclarece este ponto de forma convincente quando alega que "o que oseducadores precisam compreender é como esta condição que chamamosde individualidade é formada dentros dos dispositivos de regulação social,inclusive a educação".7

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A teoria educacional radical oferece muitas críticas esclarecedoras acercada natureza socialmente construída do currículo escolar, mas ao mesmotempo ela deixa de considerar com seriedade o que implica tal julgamento.Isto é, o currículo escolar não é simplesmente uma construção social. Ele étambém uma expressão histórica de disputas passadas em torno do queconstituía a autoridade política e cultural e as formas de regulação ética,intelectual e moral implicadas em formas específicas de autoridade escolar.Com poucas exceções, os teóricos educacionais radicais dão pouca atençãoao lado positivo da vida escolar, isto é, àquelas dimensões da escolarizaçãoque penetram a fundo as preocupações da experiência cotidiana. Nestecaso negligenciam-se questões tais como o que constitui o conhecimentocrítico, ou como a linguagem e a cultura deveriam ser desenvolvidas comoparte de uma pedagogia crítica. Mais especificamente, o que se ignora é aquestão fundamental de como definir uma noção positiva de controle eresponsabilidade sociais a partir das quais construir e defender certas con-cepções de organização escolar, relações em sala de aula e corpos de co-nhecimento escolar hierarquicamente organizados. Finalizarei este capítuloabordando rapidamente algumas destas questões enquanto definidas parauma pedagogia crítica aplicável não apenas ao presente mas também aofuturo.

Para que as escolas sejam vistas como locais ativos de intervenção eluta, nos quais exista a possibilidade de que professores e estudantes rede-finam a natureza da aprendizagem e prática críticas, o relacionamento entrepoder e controle social terá que ser redefinido. Neste caso, o poder terá queser visto como força tanto negativa quanto positiva, como algo que operasobre e através das pessoas. Seu caráter terá que ser visto como dialético, eseu modo de operação tanto como condição de capacitação quanto delimitação. Esta visão mais dialética do pocier tem implicações significativaspara a redefinição do relacionamento entre controle social e escolarízação.

É importante ver o controle social como portador de possibilidadestanto positivas quanto negativas. Isto é, quando ligado a interesses quepromovem o autofortalecimento e social, o construto de controle socialfornece o ponto de partida teórico sobre o qual estabelecer as condições deaprendizagem e prática críticas. De forma semelhante, a noção de podeique enfatiza esta posição começa com a suposição de que, para que ocontrole social sirva aos interesses da liberdade, ele deve funcionar deforma a fortalecer professores e estudantes. Como usado neste contexto, ocontrole social refere-se a formas de prática necessárias para a difícil tarefade criar currículos que dêem aos estudantes voz ativa e crítica, proporcio-nando-lhes as habilidades que são básicas para a análise e liderança nomundo moderno.

Mas a noção de controle social usada aqui também se refere a algomais fundamental. Ela liga a noção de liberdade a formas de estruturadisciplina sociais que seriam essenciais na criação e ordenação de

OS PROFESSORES COMO'NTEI.ECTUA1S

critérios para o desenvolvimento do tipo de currículo necessáripromoção de formas de pedagogia crítica. Uma noção crítica dsocial não pode esquivar-se da difícil questão da responsabilidade do fnecimento do contexto e das condições para o desenvolvimento dê for ̂emancipadoras de escolarização.

Relacionada com esta noção cie controle social está a necessidade cieque os educadores radicais tomem com seriedade o relacionamento entre aescolarização e o que chamo de "poder cultural". Tradicionalmente, a cul-tura escolar tem operado basicamente dentro cie uma lógica que a defendecomo parte da estrutura da cultura superior. A função do professor eratransmitir esta forma cie cultura aos estudantes na esperança de que ciacompensaria aquelas formas culturais reproduzidas no âmbito da culturapopular e da experiência de classes subordinadas. Os educadores de es-querda opuseram-se a esta visão de cultura argumentando que a própriacultura superior desenvolveu-se a partir da estrutura de dominação e mistifi-cação, e como tal tinha que ser rejeitada. Como parte de uma tarefa educacio-nal de oposição, a cultura dos grupos oprimidos tinha que ser resgatada erepresentada para compensar as piores dimensões da cultura dominante. Anoção chave aqui era a de que os educadores radicais tinham que trabalharcom a experiência dos grupos oprimidos. Embora este conceito sejaesclarecedor tanto para criticar a cultura dominante quanto para dar voz àsculturas subordinadas (a classe trabalhadora, os negros, as mulheres), eledeixou de desenvolver um método e pedagogia crítica para lidar tanto coma cultura dominante quanto com a cultura subordinada. Em outras palavras,ele deixou de considerar com seriedade a necessidade de trabalhar nãoapenas com as culturas subordinadas, mas também trabalhar sobre elas.Assim, trabalhar sobre elas significa não apenas confirmar as experiênciasculturais subordinadas, mas também interrogá-las de maneira crítica pararesgatar seus pontos fortes e fracos. De forma semelhante, para que a no-ção de poder cultural forneça as bases teóricas para formas de pedagogiacrítica, ela tem que tornar-se um referencial para examinar-se o que osestudantes e os outros precisam aprender fora de suas próprias experiênci-as. Isto aponta para a necessidade de redefinir-se o papel cio conhecimentodentro dos contextos de estudos culturais e curriculares.

A pedagogia crítica, então, focalizaria o estudo do currículo não ape-nas como uma questão de autocultívo ou de imitação cie formas específicascte linguagem e conhecimento. Ela daria ênfase a formas de aprendizageme conhecimento direcionadas à provisão de uma compreensão crítica ciecorno a realidade social funciona; ela focalizaria a forma como certas di-mensões de tal realidade são sustentadas; focalizaria a natureza de seusprocessos formativos; e também focalizaria a maneira pela qual seus aspec-tos relacionados com a lógica da dominação poderiam ser mudados. Stuart

oferece uma idéia mais específica do tipo de habilidades que este tipopedagogia crítica envolveria. Ele escreve:

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São as habilidades que são básicas, agora, para uma classe que pretende liderar, e nãosimplesmente servir, o mundo moderno. Elas são as habilidades básicas gerais deanálise e conceitualização, de conceitos, idéias e princípios mais do que de "conteú-dos" específicos e antiquados; de abstração, generalização e categorização, em todosos níveis em que puderem ser ensinadas.8

De forma semelhante, esta abordagem da pedagogia crítica estariabaseada em uma noção dialética do que conta como conhecimento e prá-tica escolares realmente úteis para a construção de um currículo emancipador.Ela se desenvolveria em torno de formas de conhecimento que questioneme se apropriem das ideologias dominantes, em vez de simplesmente rejeitá-las instantaneamente; ela também consideraria as particularidades históri-cas e sociais das experiências dos estudantes como ponto de partida para odesenvolvimento de uma pedagogia escolar crítica; isto é, ela partiria dasexperiências populares para torná-las significativas a fim de engajá-las critica-mente. Ao começarem a pensar sobre as estratégias pedagógicas para oséculo vinte e um, os educadores críticos terão que desenvolver algumaclareza sobre que tipo de currículo é necessário para construir-se uma de-mocracia socialista crítica. Isto significa redefinir a noção de poder, culturaescolar e conhecimento realmente útil. Tal tarefa não significa desmascararas formas existentes de escolarização e teoria educacional; significa aperfei-çoá-las, contestando os terrenos nos quais se desenvolveram e construindosobre eles as possibilidades democráticas inerentes às escolas e às visõesque orientam nossas ações.

O que sugeri neste capítulo aponta para a necessidade de infundir nateoria e prática educacional uma visão de futuro, a qual, espero, seja corres-pondida pela disposição dos educadores para lutar e assumir riscos. A natu-reza de tal tarefa pode parecer utópica, mas o que está em jogo é valiosodemais para ignorar-se tal desafio.

_OS PROFESSORES COMO ]

• .

6. Míriam David, "Nice Girls Say No", New Internationalist (Marco IQR/n ->/-"Teaching anel Preaching Sexual Morality: The New Rights Anti Fem Míriam Davíd,U.S.A.", Journal of Education 166 (Março 1984): 63-76. ln Brftain and *«

7. Valerie Walkerdine, "It's Only Natural: Rethinking Child-Centeres Pedas?n -Anyone Here From Education? Donald (London: Pluto Press, 1983), p 87 ' e™ Is Tbere

p. 6.S. Stuart Hall, "Education in Crisís", em Is Tbere Anyone Here From Educatíon?,

1. Para uma análise detalhada clesta questão, Henry A. Giroux, "Public Philosophy and theCrisis in Education", Harvard Educational Review 42 (Maio 1984): 186-94. Também ver asobservações esclarecedoras cie -Charles A. Tesconi, Jr., "Aclclitive Reform and the Retreatfrom Purpose", Educational Studies 15 (Primavera 1984): 1-190.

2. Ver minha análise crítica detalhada dos limites do discurso marxista na teoria educacionalradical em Henry A. Giroux, "Marxism and Schooling: The Limits of Radical Discourse ,Educational Theory 34 (Primavera 1984): 113-35.

3. Ver Giroux. "Public Philosophy".

4. Allen Hunter, "In the Wings: New Right Ideology and Organizatíon", Radica! America l?(1981): 129.

5. Stuart Hall, "Moving Right", Socialíst Review 11 (Jan.- Fev. 1982): 128.

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14a

A deHENRY A. GIROUX E PETER MCLAREN

G eorge S. Counts, já em 1922, pôs em questão os princípios democrá-ticos que supostamente estruturavam a natureza e as práticas daescolarização americana. Ao analisar as realizações acadêmicas nas

escolas públicas, Counts foi capaz de desvelar e documentar um relacio-namento claro entre oportunidade educacional e estrutura de classe:

Parece... provável que a seleção é primeiramente sociológica e depois psicológica;que as crianças entram e permanecem na escola de segundo grau porque vêm cioslares de classes mais influentes e abastadas, e não por causa de sua maior capacida-de.... Por que deveríamos proporcionar, às custas do público, aquelas oportunidadeseducacionais avançadas para Y porque seu pai é um banqueiro e praticamente negá-las a X porque seu pai varre as ruas cia cidade? Devemos fazer uma distinção entre aeducação para todos e aquela que é para poucos. Atualmente, nossa educação secun-dária é do primeiro tipo em teoria, e do segundo na prática.1

Embora sessenta e cinco anos tenham se passado desde o estudo deCounts, as escolas continuam a reproduzir desigualdades cie classe, gêneroe raça. O problema fica mais evidente na seleção institucionalizada.

Embora o debate sobre a seleção escolar pareça ressurgir em todas asCeadas, o mesmo é muitas vezes contornado ou marginalizado por preocu-pações orçamentárias ou administrativas que parecem mais urgentes. O

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224 HENRY A. GIROUX

livro dejeannie Oakes, Seleção Educacional'', promete restabelecera ques-tão da seleção como assunto primordial para debate. Pesquisadora associa-da na Faculdade de Educação da UCLA, Oakes reuniu um número impressio-nante de dados para interrogar um tema antigo, porém importante: a estrutu-ração do currículo e pedagogia escolar de forma a privilegiar alguns gruposem detrimento de outros com base em distinções de raça, gênero e classe.2

O livro de Oakes chega num momento importante de nossa história,dada a magnitude do debate e das atividades de reforma em torno daeducação americana nos dias de hoje. Neste debate, os conservadores do-minaram os primeiros rounds, e o discurso da reforma educacional foireduzido à lógica reducionista do progresso econômico e realização indivi-dual. Dadas as circunstâncias, o surgimento de Seleção Educacional nomercado educativo é especialmente bem-vindo, nem que seja apenas paralembrar os educadores e o público da responsabilidade da organização eadministração escolar pela produção de desigualdade e injustiça.

Oakes inicia seu estudo com uma tentativa séria de "desvendar a tradi-ção" da seleção educacional traçando o desenvolvimento das práticas deagrupamento e seleção segundo a capacidade em escolas americanas duranteos últimos 100 anos. A afluência de imigrantes desqualificados provenien-tes do sul e leste europeu no início deste século, acompanhada pelo cumpri-mento das leis de trabalho infantil e educação compulsória, precipitaram onascimento da escola secundária abrangente." Este novo tipo de escolariza cãorequeria o abandono da '''noção oitocentísta da necessidade de aprendiza-gens comuns para construir-se uma nação coesa" em favor da diferenciaçãocurricular na forma de seleção e agrupamento homogêneo.3 O darwinismosocial serviu de ideologia legitimadora da caracterização das minorias étni-cas e dos pobres como ocupando posição inferior na escala evolutiva esendo menos aptos ao desenvolvimento moral do que a maioria anglo-protestante. Aliado à preocupação crescente com a preservação da culturabranca anglo-saxônica dominante contra a "depravação" da população imi-grante, o Darwinismo Social assim apoiou a tendência em direção à americani-zação que finalmente dominou o currículo escolar.

A indústria americana devia fornecer a lógica deste novo tipo de educa-ção apresentando nas escolas um modelo de aprendizagem de fábrica.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 225,

'N.cio T.Contudo

ilha''-'. Keeping Track: a expressão significa normalmente manter-se informado, ou acompan»^o, em educação, track refere-se a um determinado programa de estudos ou nível curricularpela

qual um estudante é encaminhado com base em sua capacidade ou necessidade. Optamos então Pc"*expressão "Seleção Educacional", que transmite melhoro ponto em questão, definido pela autora log°xpressão "Seleção ia seguir.

' conseqüência, e com o encorajamento de uma economia industr' I:ente, a produção e a eficiência tornaram-se os princípios ideológie^

Chicago: William Benton, Publisher, 1966).

Comoflorescente, a produção e a eficiência tornaram-se os princípios lueoiógicosde orientação para o estabelecimento cie uma educação vocacional cornocurrículo alternativo apropriado para estudantes que não são destinados àfaculdade. O desenvolvimento de testes de QI contribuiu adicionalmentepara a fundamentação objetiva necessária para classificar os estudantes emvários programas com base em seu histórico étnico, racial e econômico.Realizada "dentro do espírito da eficiência científica", a testagem educacio-nal era vista como "meritocrática", já que ajudava a classificar os estudantes emprogramas especializados nos quais receberiam o que se considerava a melhoreducação possível, dadas as oportunidades disponíveis no mercado industrial.

Depois de fornecer uma descrição histórica da seleção, Oakes desvelacertos mitos e práticas de desigualdade em torno da seleção escolar. Aoanalisar a disjunção entre os valores democráticos defendidos pelas escolase as ideologias autoritárias e reprodutivas inerentes à morfología e práticasde seleção, Oakes trabalha com uma ampla e complexa amostra de dadosobtidos em um estudo do final dos anos 70 com 25 escolas de primeiro esegundo graus sem segregação social (297 salas de aula) desenvolvido porJohn Goodlad em seu bem conhecido livro "Um Lugar Chamado Escola".'1

Argumentando que "os estudantes não devem cair na armadilha de pensarque uma preparação prévia para um mundo injusto requer exposição pré-via à injustiça"5, Oakes procura nos mostrar que as escolas oferecem bene-fícios de maneira desigual. Ela afirma que, invariavelmente, os estudantesque são pobres e provenientes de minorias são mais privados de sua auto-ridade e direitos pelos procedimentos de seleção escolar.

Este efeito provém em parte da maneira como o conhecimento escolaré distribuído em grupos de alto e baixo padrão. Oakes sustenta que osestudantes de grupos de baixo padrão têm maior probabilidade do que osoutros de pertencerem a minorias ou serem provenientes cie classes maispobres, além de aprenderem comportamentos que os tornam mais adequa-dos para funções de status mais baixo. Em outras palavras, mínistra-se aosestudantes de baixo padrão conhecimento cie status inferior que tem "pou-co valor de troca em termos sociais ou econômicos"'.6

Oakes também analisa as oportunidades cie aprendizagem. Seus dadosrevelam que os estudantes cie grupos de alto padrão desfrutam de vanta-gens educacionais distintas daqueles de grupos de médio e baixo padrão.-Para os grupos de alto padrão, os professores dedicam mais tempo à aprendi-2agem; dedica-se mais tempo real em aula às atividades de aprendizagem;espera-se maior atenção às tarefas de casa; menor número de estudantessão dispensados das tarefas; e maior prática instrutiva é oferecida. Em resu-mo, para os estudantes de alto padrão, a aprendizagem ocorre em umambiente que confirma suas identidades de alto padrão e, como tal, estrutura0 tempo, atividade e o lugar cie forma a privilegiar seus sentido de identicta-^ (.self) e realização.

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Para os estudantes de baixo padrão,,.o tempo na escola pode represen-tar mais uma carga do que um bem. Tais estudantes muitas vezes vêem oconhecimento como desligado de suas vidas, e a instrução como um roubode seu tempo. A escola torna-se um lugar para suportar o tempo mais doque para usá-lo no interesse de autofortalecimento e social. Digna de lou-vor é a análise de Oakes das reações dos estudantes de baixo padrão àsformas nas quais as escolas administram e desestruturam suas vicias. Se taisalunos conseguem aprender alguma coisa, é a despeito da degradação quesuportam.

A seleção faz mais do que alienar os estudantes da escolarização; elatambém solapa suas aspirações sociais e sentido cie valor próprio. Oakessugere que os estudantes das camadas inferiores na hierarquia social rebai-xam suas aspirações sem perceberem que as escolas os tratam injustamen-te. A posição de Oakes torna-se cruel neste ponto, traduzindo injustamenteum fracasso social em um fracasso pessoal e obscurecendo nossa compre-ensão de como tais fracassos poderiam ser retificados no futuro. Em essên-cia, as escolas desempenham papel importante na legitimação da desigualda-de, na socialização dos estudantes para que aceitem as características dedesigualdade da sociedade mais ampla.

Oakes também examina a educação vocacional e alega que os progra-mas vocacionais funcionam basicamente para segregar os estudantes po-bres e minoritários em programas de treinamento ocupacional, preservan-do, desta forma, o currículo acadêmico para os estudantes de classe médiae alta. Conseqüentemente, a educação vocacional é crucial para a reprodu-ção das desigualdades de raça, gênero e classe nas escolas típicas da ordemeconômica mais ampla. Não é de surpreender que Oakes constata que nostreinamentos vocacionais os não brancos são mais direcionados cio que osbrancos a futuros em posições sociais e econômicas inferiores.

Próximo ao fim cie seu livro, Oakes muda sua linguagem de críticapara uma linguagem de possibilidade. Ela analisa a legalidade da seleção eidentifica características que poderiam ser o foco de ação legal. Sua premis-sa é que

a seleção é uma ação governamental que classifica e separa os estudantes, e destamaneira determina o volume, a qualidade e mesmo o valor do serviço governamental(educação) que os estudantes recebem. As classificações realizadas são duradouras^ sestigmatizantes. Além disso, elas não parecem ser essenciais ao processo de provtôJde serviços educacionais. Na verdade, em alguns estudantes elas podem interleru nprocesso educacional.7

Evidentemente a discussão do litígio como meio de questionar os eftJítos discriminatórios da seleção tem o intuito de sugerir uma estratégia pi'e |minar que poderia levar a uma igualdade mantida por legislação governament^-

Não desejamos discutir as proposições e conclusões gerais de Oakes,isto é, que o conhecimento escolar tem distribuição desigual e é qualitativa

OS PROFESSORES COMO INT,227

a mobjij_mente diferente de estudante para estudante; que a seleçãodacle econômica e social dos estudantes; e que a escolarizac^

. , , , , .atitudes dos estudantes e lhes ensina a aceitarem seu status inferior como

inquestionável e inviolável. Contudo, gostaríamos cie charnar a atencãopara alguns problemas teóricos encontrados por Oakes quj(ncj^ embasasem crítica seu ataque à seleção na teoria da reprodução.

Oakes se utiliza dos trabalhos de teóricos da reproduçào> tajs como

Bowles e Gintís, e teóricos radicais como Paul Willis, Basil Berrem PierreBourdieu e Jean-Claude Passeron para sustentar suas conclusões.8 Não sa-tisfeita em confiar na força ideológica de seus próprios dados, eja reítera asprincipais alegações dos reproducionistas: que a escolarizacão legitima adesigualdade; que o status inferior corrói a auto-estima; que as escolascomo máquinas de seleção, preparam os estudantes para papéis adultosassim ajudando a manter a estrutura social e os padrões organizacionais dasociedade mais ampla; que as escolas constituem e distribuem os estudan-tes de acordo com a raça, classe e gênero; e que os estudantes descontentesgeralmente acabam nos mesmos cargos de baixo status de seus pais. Masembora Oakes não hesite em usar a teoria da reprodução, ela deixa deabordar suas implicações mais radicais. Ela não chama atenção, por exem-plo, para os efeitos deletérios da lógica cio capital em geral, ou a forma naqual esta lógica é produzida no próprio processo de seleção. Em outraspalavras, a análise de Oakes não dá idéia de como as forças ideológicas emateriais do capital de fato estruturam - através da intervenção do estado.comércio e da ideologia do sucesso individual e competitividade - os vá-rios interesses que operam nas escolas para o benefício das relações sociaiscapitalistas. Ela não reconhece que, sem grandes mudanças na distribuiçãodo poder econômico e político na sociedade mais ampla, a reforma escolarrumo à igualdade é virtualmente impossível. Martin Carnoy, em contraste.coloca bem a questão:

O sistema hierárquico de produção capitalista, estruturado em divisões de classe,gênero e raça em nossa sociedade, não será alterado pela qualidade superior e igualda educação básica a menos que sejam feitos esforços concorrentes para democratizara economia e burocracia do estado. E se o local de trabalho não for democratizado,alguns grupos de crianças receberão a mesma educação com um retorno social muitoinferior. A menos que as funções mais humildes, repetitivas, sejam relacionadas, porexemplo, entre os cidadãos, teremos lavadores de pratos muito intelectuais e muitoinsatisfeitos trabalhando por salários baixos. Os apelos para que considerem sua educa-ção como um fim em si mesmo só podem ser feitos por aqueles que sentam em suastorres de marfim e são bem pagos para fazê-lo.9

A falta de inclinação de Oakes para considerar "uma ampla reconstru-#0 social" a leva a oferecer sugestões para reformas mais imediatas. ComUr« apelo ansioso à política pragmática, ela adota uma posição que setracluz mais ou menos assim: se não podemos criar urna autentica democra-cia de maneira realista, pelo menos podemos tentar criar igualdade nas

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escolas. Conseqüentemente, ela assevera que as escolas devem "parar dedividir e selecionar os estudantes para funções futuras na sociedade". Alémdisso, elas deveriam "abandonar seu papel como agentes de reproduçãodas desigualdades na sociedade mais ampla"10.

À medida que seu plano de reforma se desdobra, Oakes nos apresentaum modelo pedagógico baseado, como poderia-se esperar, em agrupamen-tos obrigatoriamente heterogêneos e um currículo comum, o qual seria,surpreendentemente, orientado por um enaltecimento do conhecimento"de status superior". Oakes alega que

a reorganização das escolas de forma que o padrão predominante torne-se o uso degrupos heterogêneos poderia nivelar as experiências educacionais dos estudantes devárias maneiras. Primeiramente, se déssemos um currículo igual aos estudantes,idealmente constituído em grande parte pelo conhecimento de status superior hojereservado basicamente aos estudantes de padrão superior, o fechamento do acessodos estudantes a oportunidades futuras seria consideravelmente adiado e talvez redu-zido. Toclos os estudantes seriam pelo menos expostos aos conceitos e habilidadesque permitem acesso à educação superior. E se alguns estudantes não compreende-rem os conceitos com a mesma rapidez e abrangência cie outros, pelo menos terãotido um começo, uma chance."

Como diferenças na aquisição de conhecimento ainda ocorreriam den-tro de grupos heterogêneos, Oakes desenvolve o que considera estratégiaspedagógicas alternativas idealmente adaptadas para o ensino de gruposheterogêneos. Uma alternativa é usar testes com referência a critérios emvez de testagens que comparem um estudante com o outro. Além disso, astarefas de aprendizagem seriam reestruturadas para fomentar a aprendiza-gem cooperativa, permitindo aos estudantes evitarem os modelos individu-alistas e competitivos de instrução atualmente empregados pela maior partedos professores. As estruturas de aprendizagem cooperativas, alega Oakes,oferecem três vantagens características: "(1) um incentivo inerente para queos estudantes interajam uns com os outros como recurso de aprendizagem;(2) um meio de acomodar diferenças entre os aprendizes no processo deaprendizagem; e (3) uma maneira de minimizar bastante ou eliminar osefeitos cias diferenças iniciais no nível de habilidade ou na velocidade deaprendizagem dos estudantes na atribuição de recompensas pela mesma'. ~

O que se perde nesta visão de Oakes da reforma escolar é uma anáfe6

crítica da natureza do conhecimento de status superior. Oakes não vê que

a aceitação sem crítica da primazia do conhecimento de status supetio1

poderia levar à desvalorização de formações culturais populares e conhecimento subcultural e a uma exclusão da legitimidade do capital cultural de*estudantes da classe trabalhadora. Em outras palavras, Oakes não mosti-1

compreensão teórica do relacionamento entre cultura, poder e aprendiz-1

gem. Existe pouca compreensão em seu discurso de como as escolas incorpram uma cultura dominante que muitas vezes funciona no nível da vic -escolar cotidiana para deslegitlrnar, marginalizar, ou efetivamente

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as "vozes" dos estudantes de grupos subordinados. Não se apresenta qualquer análise do relacionamento entre linguagem e poder, da forma na quala linguagem funciona para introduzir os estudantes em modos de vidaparticulares, e, sendo assim, como ela constrói e inclui formas particulares desubjetividade. À teoria de reprodução em geral e a análise de Oakes em parti-cular deixam de desenvolver uma teoria da subjetividade e uma política deexperiência estudantil relacionadas com a dinâmica da aprendizagem prática

Com efeito, o que nos é apresentado é uma nova estratégia liberal semo benefício dos esclarecimentos radicais oferecidos pelos próprios teóricosda reprodução que Oakes tanto endossa quanto critica. Oakes termina porsacrificar a primazia da política ao construir uma noção de reforma docenteque afasta as categorias fundamentais de cultura, ideologia e poder dapedagogia, para a qual aponta como uma forma de tornar as escolas locaisdemocráticos com oportunidades iguais. O que acabamos obtendo é maisrogeriano e interacionista do que qualquer forma de pedagogia radical quetenha se desenvolvido nos Estados Unidos até hoje. Dizem-nos, por exem-plo, que a forma e conteúdo das disciplinas escolares deveriam ser reorga-nizados de uma maneira mais equitativa, e que, uma vez que os estudantesagem ou interagem uns com os outros de uma maneira fortemente determi-nada pela forma como os professores estruturam as metas de aprendiza-gem, os professores precisam estar mais atentos à organização das tarefasde sala de aula e à alocação de recompensas pela aprendizagem. Mas pou-cas descrições contextuais nos são oferecidas de como a própria voz ecapital cultural do estudante são mediados e constituídos pela experiênciaescolar, ou de como a voz e capital cultural dos estudantes são construídosdentro de formações sócio-culturais mais amplas.

Na melhor das hipóteses, Oakes esboça uma visão em que estudantesde todos as classes e raças teriam a mesma chance de sobreviver economi-camente em um mundo injusto. A própria Oakes admite que não tem cer-teza se sua visão de igualdade nas escolas teria, a longo prazo, o efeito dedesestimular as desigualdades da sociedade. No mínimo, Oakes crê que osestudantes teriam um início melhor do que têm agora na estrada para osucesso no trabalho. Mas qualquer proposta de reforma escolar que duvidade seu próprio poder de afetar a realidade fora da própria escola - além deajudar os estudantes a encontrarem um lugar no mercado capitalista — nosengana ao esconder a possibilidade de que os professores poderiam seorganizar coletivamente fora da escola, em aliança com outros movimentossociais, a fim de efetuar mudanças políticas e estruturais que possam diri-gir-se tanto às escolas quanto à sociedade como um todo. Oakes não apresen-te questões acerca de se a persistência da visão dominante da educação - aqual ela vagamente relaciona com "oportunidades de emprego" - tem justifi-cativa ética. É claro que o dilema de Oakes não é novo. Eie reflete o maiorirnpasse na reforma educacional liberal: Como podem as escolas dar aosestudantes um sabor de democracia, de forma que os mesmos sejam motiva-

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dos a criarem uma ordem social mais justa e mais igualitária quando deixa-rem a escola, e ao mesmo tempo rejeitar as sugestões ou estratégias demudanças de grande alcance na sociedade mais ampla por serem demasiada-mente radicais ou fora da realidade?

As formulações de Oakes sobre a natureza e propósito da escolarizaçãodemocrática não são suficientemente problematizadas. Na visão de Oakes,um sistema educacional destituído de desigualdade seria organizado paragarantir "maiores realizações acadêmicas, mais atitudes positivas em rela-ção às atividades instrutivas, e ênfase aos relacionamentos interpessoais eentre os grupos".13 Existe uma certa lógica nisso. Mas sem uma análisesistemática e sustentada do sistema social e econômico mais amplo que éresponsável pela desigualdade nas escolas, o modelo de escola democráti-ca que Oakes endossa não representa mais do que uma fábrica ideológicaaperfeiçoada para a eficiência "democrática". O que acabamos obtendo émenos uma questão de fortalecimento democrático do que uma forma cieescolarização na qual os estudantes de todas as classes e grupos sociais sãoigualmente socializados dentro dos imperativos da cultura dominante. Navisão de reforma de Oakes, todos os estudantes teriam maiores chances deobter conhecimento de padrão superior e melhores oportunidades de empre-go, mas as escolas como tal continuariam sendo as empregadas da culturadominante.

Isto nos sugere um problema bem como uma confusão, na qual Oakesparece estar presa. Oakes parece confundir a natureza processual da demo-cracia com a questão de fortalecimento para a democracia. Uma coisa éargumentar que as escolas deveriam se tornar ambientes mais democráti-cos, mas tal apelo é teoricamente vazio se não estiver acompanhado deuma tentativa de determinar com clareza as formas de conhecimento, osvalores e as práticas sociais que os estudantes irão necessitar a íim decompreenderem como uma sociedade particular funciona, onde estão situa-dos na mesma, e quais são suas características de maior desigualdade. Comefeito, Oakes apresenta uma defesa da democracia enquanto ambiente quecarece de quaisquer agentes. Seria uma democracia de formas vazias.

O conceito de boa escolarização deveria transcender consideraçõespedagógicas que focalizam preocupações do tipo "tempo na tarefa ,"envolvimento do aluno com as tarefas de aprendizagem", e o "grau deintensidade do envolvimento do aluno". Oportunidades iguais deveriampassar a significar mais do que simplesmente oferecer aos dois gênero»,todas as classes e todas as raças as mesmas chances de serem igualmentesocializados para ocupações de classe superior. Os dois conceitos exige"que reconsideremos o relacionamento entre conhecimento e poder. Preci-samos aprender como a autoridade funciona nas escolas para moldai *subjetividade de acordo com a lógica da sociedade dominante.

À luz da realidade política atual, o enfoque estreito cie Oakes na ques-tão imediata da organização e burocracia escolar pode oferecer à NoV«-

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Direita e outros a oportunidade de se mobilizarem em torno de questõe-que afetam as escolas de maneira indireta, porém poderosa. A abolição daseleção é uma pré-condíção da escolarização democrática. Mas o fracassode Oakes em considerar com seriedade a necessidade de que as escolasfuncionem politicamente como esferas públicas, ou que estabeleçam laçoscom componentes populares, tais como movimentos de trabalhadores, gru-pos feministas e grupos de desarmamento, aproxima perigosamente suasrecomendações daquelas de uma outra proposta recente em favor cie umsistema completamente unificado de escolarização, a qual também tem umenfoque humanístico e de status superior: A Proposta Paideia.

Em última análise, o conceito de igualdade que Oakes adota permane-ce acrítico e indiferenciado. A desigualdade não é simplesmente "causada"por disposições estruturais e administrativas ou pela adesão irrefletida deprofessores bem intencionados a mitos que erroneamente promovem aseleção de estudantes. A desigualdade é melhor compreendida contextual-mente, por referência a conjuntos de práticas e negociações sociais entreatores sociais dentro de certos limites estruturais, históricos e ideológicos.Como salientam Connell et ai., a desigualdade não pode ser compreendida

por um tipo de aritimética de vantagem e desvantagem. Se tanto, a analogia deveriaser com composições químicas mais do que com adição e subtração. Precisamos deinstrumentos para pensar sobre mudanças qualitativas, saltos e descontínuiclades, comonosso meio de penetrar na essência do sistema."

Acreditamos que a noção das causas das desigualdades deveria serminimizada em favor dos esforços para compreender os relacionamentos epadrões sociais que operam no sistema educacional, incluindo as contradi-ções e tensões dentro destes padrões, e uma compreensão de como aspessoas se relacionam com estes padrões e relacionamentos e os medeiam.Mais do que tentar manipular os fatores causais da desigualdade, como fazOakes, Connell et ai. preferem falar "em termos dos potenciais que umadada situação tem para as pessoas que nela se encontram, e os limites doque podem fazer com ela".15

Em outras palavras, a noção de causa é infrutífera a menos que sejaexaminada no contexto da ação social. Vista desta perspectivada seleção émais produto de como o poder e o conhecimento operam através das dispo-sições institucionais e formações sócio-culturais do que resultado de umacausa institucional uniderecional. Com todos os seus dados e boas inten-Çòes, o livro de Oakes nos aproxima muito pouco da resposta à questãoProposta por Counts em 1922. Portanto, nos parece simplesmente adequa-do que deixemos que o espírito de Counts reitere nossa preocupação final,a de que os educadores precisam fazer uma escolha entre escolarização eDemocracia ou escolarização e dominação. Oakes não consegue nos trazerl'ma compreensão das escolas como locais possíveis de e sobre democra-cia. Ela aborda a questão de se as escolas podem ou não funcionar no

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interesse da democracia, mas ela o faz com uma temeridade teórica e políti-ca que sugere a necessidade de um novo modelo de teoria e prática educacio-nal radical. Em sua procura por respostas, Oakes vira de cabeça para baixoa tradição recente da teoria educacional radical e confunde o início dateoria educacional tradicional em sua etapa de reprodução como seu momen-to culminante. Isto é teoricamente enganoso e politicamente incorreto. Suge-rimos que os educadores tirem proveito do novo discurso e questões propos-tas pela teoria educacional radical. Ela é uma abordagem que liga a teoria àprática, combina a linguagem da crítica com a linguagem da possibilidadee analisa as escolas de forma a revelar como elas poderiam produzir novosindivíduos, novas subjetividades e a coragem necessária para reformas ins-titucionais mais amplas.16

Notas

1. George S. Counts, The Selectiue Character of American Secondary Education (Chicago:University of Chicago Press, 1922), pp. 154, 156.

2. Oakes, Keeping Track.

3. Ibicl., p. 21.

4. John Goodlad, A Place Called School (New York: McGraw-Hili, 1984).

5. Oakes, Keeping Track, p. 205.

6. Ibid, p. 92.

7. Ibíd., p. 173.

8. Bowles e Gintis, Schooling in Capitalist America; Paul Willis, Learning toLabour (Lexington,Mass.: D.C. Heath, 1977); Bernstein, Class, Codes, and Conlrol, Vol.3; Bourdieu e Passeron,Reproduction.

9. Martin Carnoy, "Education, Democracy and Social Conflict", HarvardEducationalReview43(1983): 402.

10. Oakes, Keeping Track, p. 205.

11. Ibid., p.206.

12. Ibid., p.210.

13. Ibid., p. 211.

14. R. W. Conell et ai, Making the Difference (Sydney, Austrália: Allen &Unwin, 1982), p-193.

15. Ibicl.

16. Para uma análise das várias tradições que caracterizam os desenvolvimentos recentes n:'teoria educacional teoria, ver Aronowitz e Giroux, Education UnderSíege, e McLaren, Schoohngas a Ritual Performance.

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A ntônio Gramscí finalmente desponta como um dos grandes teóricosda teoria social marxista, quase quarenta e cinco anos após sua mor-te. Contudo, a preocupação quase global com os escritos de Gramsci

tem sido acompanhada de um paradoxo que continua sem resolução. Em-bora a obra de Gramsci seja atualmente acessível a estudiosos muito alémdo alcance de sua Itália nativa, existe pouca concordância sobre o significa-do ou importância de seu trabalho. Interpretada e reinterpretada, a obra deGramsci foi elaborada e popularizada a ponto de, às vezes, ter sido destitu-ída de suas mais importantes características. Em meio à confusão e aosslogans, o nome de Gramsci tornou-se uma auréola para racionalizar asalegações teóricas mais banais.

As origens deste problema são tanto a natureza de seus escritos quan-to o gênero no qual expressou suas idéias. Seus primeiros trabalhos consis-tiam principalmente de empreendimentos jornalísticos que, embora signifi-cativos, eram um tanto limitados pelo gênero em que foram elaborados. Osescritos da prisão, mais célebres, foram redigidos sob o olhar cie desdém deum censor de uma prisão fascista, e, na melhor das hipóteses, são fragmen-tários e inacabados. Isto não significa sugerir a ausência de uma riqueza deidéias e análises nestes escritos; eles estão aí, mas exigem uma leitura paci-ente e sistemática, na qual muitas vezes idéias contraditórias e não desen-volvidas ao máximo têm que ser situadas dentro dos parâmetros da visãode mundo de Gramsci para serem totalmente compreendidas.

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A. contextualização das idéias de Gramsci é particularmente relevantecom respeito a seus escritos em educação. Teóricos e abstratos, eles sãodesfigurados por uma linguagem codificada e por perspectivas incompletase variáveis. Por exemplo, grande parte de suas notas de prisão sobre mu-dança curricular e pedagogia foram escritas como resposta às reformas es-colares propostas por Gentile em 1923. A importância destes escritos sópode ser integralmente apreciada dentro do posicionamento geral de Gramscisobre hegemonia, intelectuais, e "guerra de posições". Não proceder destamaneira significa correr o risco de sustentar uma leitura simplista da posi-ção de Gramsci sobre educação, a qual incorretamente o descreve comopartidário de um estilo conservador de escolarização. Esta visão é particular-mente errônea, já que tal análise ostenta os clichês comumente usados daeducação tradicional e progressista. Este tipo de categorização não é histó-rica ou dialética, e simplesmente não pode acomodar a noção de que o queera rotulado cie política educacional progressista nos anos vinte poderia serconsiderado como bastante "conservador" por alguns educadores "radi-cais" nos anos 80. Quando abstraídos dos contextos sócio-históricos nosquais foram usados, estes termos tornam-se inaplicáveis para avaliar-se ovalor da contribuição de Gramsci para a teoria e prática educacionais críti-cas. Assim, a verdadeira questão não é, no sentido não histórico convenci-onal, a cie rotular elementos de pedagogia tradicionais ou progressistas naobra de Gramsci. Em vez disso, o ponto de partida teórico importante paraavaliar os escritos educacionais de Gramsci é se sua problemática sobreeducação, as questões que ela levanta e as sugestões apresentadas ofere-cem as unidades de construção conceituai de uma pedagogia crítica coe-rente tanto com seus próprios objetivos de mudança social radical quantocom as necessidades políticas da classe trabalhadora nos países industriaisavançados do ocidente durante os anos 80 e 90.

O trabalho de Harold Entwistle representa um dos primeiros esforçosmaduros para explorar a relevância dos escritos de Gramsci para o desen-volvimento de uma base para a teoria e prática educacionais. Entwistleaborda esta tarefa primeiramente examinando em detalhes os escritos <znotas sobre escolarização de Gramsci. Ele então compara sua própria aná-lise destes escritos com a maneira na qual a obra de Gramsci foi interpreta-da e usada pelos assim chamados novos sociólogos da educação, bemcomo por outros teóricos educacionais radicais. Depois de ressuscitar o"verdadeiro" Gramsci, Entwistle passa a repudiar aqueles críticos radicai^que supostamente interpretaram erroneamente sua obra. Ele prova que alição a ser aprendida da obra de Gramsci é que as escolas não proporcio-nam o ambiente para uma "educação radical, contra-hegemônica".1 A anali-se de Entwistle da obra de Gramsci nos oferece a oportunidade de articulaialgumas das principais suposições que caracterizam seu trabalho, critica!uma apropriação particularmente conservadora destas suposições, e indi-car a relevância que sua obra poderia ter para os educadores.

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Nesta visão, a pedagogia crítica é de responsabilidade exclusiva dasinstituições destinadas à educação de adultos, isto é, locais de trabalh*sindicatos, etc. Assim, em nome cie Gramsci, somos colocados perante uniestranho dualismo: por um lado, a escolarização para crianças é vista comoum exercício de imposição de disciplina, trabalho árduo e" fatos objetivos-isto é, ela passa a ser um lugar em que os professores podem apresentarmecanicamente aos estudantes da classe trabalhadora os instrumentos e"virtudes" da cultura e história tradicionais. Por outro lado, a educação paraadultos é caracterizada por auto-reflexão, pensamento crítico, e "relacio-namentos professor-estudante nos quais ambas as partes estão ativamenteengajadas como aprendizes na busca da verdade e mudança social.

Em seu sentido mais importante, o dualismo que caracteriza a visão deEntwistle da escolarização e de Gramsci representa a chave para compreen-der a metodologia que ele usa para desenvolver sua tese. Trata-se de umametodologia que é tão reducionista quanto não dialética. Sua razão de serparte não de um problema ou questão a ser explorada, mas de um fervormessiânico, cujo propósito parece ser impor uma leitura positivista deGramsci, a qual infelizmente o faz parecer nada mais do que um apologistagrosseiro do modo mais reacionário de pedagogia. Entwistle também pare-ce ter usado este livro para exorcizar a má influência dos novos sociólogosda educação e dos educadores críticos neomarxistas. Em ambos os casos, ainterpretação não corresponde à realidade.

A leitura de Gramsci apresentada por Entwistle revela-o como um che-fe "severo", cujas visões sobre disciplina, conhecimento e hegemonia ocolocam mais em sintonia com Karl Popper e jacques Barzun (ambos osquais são citados de maneira positiva) do que com semelhantes a KarlMarx, Paulo Freire ou mesmo John Dewey. Por exemplo, se quisermoslevar a sério a versão de Entwistle de Gramsci como modelo de educaçãosocialista, então teremos que aceitar a alegação de que Gramsci acreditavaque o conhecimento humano é objetivo no sentido adotado por Karl Popper.Isto é, que o conhecimento é "independente de quem reivindica saber, eque existem leis objetivas, inegociáveis, às quais o homem deve se adaptai-se quiser dominá-las".2

Ao fazer esta alegação epistemológica, Entwistle obscurece a distinçãode Gramsci entre as ciências naturais, que envolvem "as coisas objetivas"do inundo natural que correspondem aos atributos marcados por conven-ções lingüísticas, e o conhecimento do mundo social, o qual envolve per-cepções da realidade social compreendidas a partir da forma na qual osseres humanos constituem e conferem significado ao mundo. O "conheci-mento sem um sujeito" cie Popper e sua noção de lógica que opera deforma independente da volição humana guardam pouca semelhança com opensamento cie Gramsci, o'qual rejeitou a falsa distinção entre conheci-mento e interesses humanos.3 Além disso, a posição de Gramsci não podeser compreendida como um argumento para o tipo de relatívísmo cultuado

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pelos primeiros proponentes da nova sociologia da educação e corretamentecriticado por Entwistle.' E tampouco pode ser usada para sustentar a visãode conhecimento de Popper, com seu apoio subjacente a formas organiza-cionais tecnocráticas concebidas "de forma que o conhecimento objetivo,anistóríco e abstrato possa ser empregado no controle dos eventos históri-cos".5 Gramsci foi muito claro sobre a rendição da ação humana e da práti-ca social às projeções baseadas em leis estatísticas e modelos de objetivida-de e previsão. Ele argumentou que tal visão não apenas reforçava a passivi-dade entre as massas como também dava suporte à falsa noção de que ofuturo poderia ser previsto através de uma leitura mecânica do passsado.6 Oponto aqui é argumentar contra o objetivismo que despoja a epistemologiae marxismo de Gramsci de sua subjetividade, história e humanismo. A preocu-pação de Gramsci com os "fatos" e seu rigor intelectual em seus escritoseducacionais só faz sentido enquanto análise crítica bem articulada dasformas de pedagogia que separam os fatos dos valores, a aprendizagem ciacompreensão, e a emoção do intelecto.

Não era mistério para Gramsci que a pedagogia das reformas de Gentile,as quais enfatizavam o "sentimento", a "emoção" e as "necessidades maisimediatas da criança" para a exclusão do conteúdo e dos modos deracionalidade técnica, representava uma forma de dominação operando àguisa de uma teoria educacional libertária. É somente dentro do contextoda própria pedagogia dialética de Gramsci que sua análise crítica daescolarização vocacional, sua preocupação em ligar a sabedoria à autodis-cíplina árdua e sua rejeição do "imediato" testemunham uma epistemologiaque rejeitava uma versão positivista da realidade social e da natureza huma-na, com seus falsos dualismos e sua imagem de um mundo de fatos comsubsistência independente e estruturados como leis. A leitura de Gramsciempreendida por Entwistle não penetra na origem deste dualismo; ela sim-plesmente a inverte. Isto é, ele substitui a glorificação unilateral da urgência\iinmediacy) das necessidades por uma glorificação igualmente unilateralda urgência dos "fatos".

A pedagogia radical para Gramsci era histórica, dialética e crítica. Maisdo que adular a "urgência" das necessidades humanas ou a "urgência" dosfatos, ela rejeitava a mera factualidade e requeria que a escolarização fosse"formativa enquanto era 'instrutiva'."7 Para Gramsci, a tarefa pedagógicaera, em parte, "mitigar e tornar mais fértil a abordagem dogmática que deveinevitavelmente caracterizar estes primeiros anos".8 Tal tarefa não é fácil, edemandava, por um lado, a necessidade de "estabelecer limites nas ideolo-gias libertárias", ao passo que, por outro, era necessário reconhecer que "oselementos de luta contra a escola mecânica e jesuíta haviam se tornadoprejudicialmente exagerados".9 Subjacente à pedagogia cie Gramsci encon-tra-se um princípio educacional no qual um humanismo confortável é subs-tituído por um radicalismo obstinado; não um radicalismo que falsamentesepara a necessidade e espontaneidade, disciplina e aprendizagem de habí-

dúvi-lidades básicas importantes da imaginação, e sim as intecra 10 ixr h'da que os exercícios repetidos, o trabalho árduo e a discipüsuporte na pedagogia de Gramsci. Mas, como Philip SimpscTassi^f ̂trabalho árduo necessário não é o princípio que ele encontra no traba'lhotanto quanto seu poder de transformação".11 As interconexões ent ' fplina e pensamento crítico na visão de escolarização de Gramsci só 1SC1~prestam suporte a uma noção conservadora de pedagogia se o conceit d >disciplina e autocontrole físico for abstraído de sua ênfase na importânciade desenvolver-se uma contra-hegemonia, "a qual requer a formação deum proletariado militante, autoconsciente, que irá lutar sem trégua por seudireito de governar a si mesmo...".12 Em outras palavras, a alegação deGramsci de que "sempre será um esforço aprender a autodisciplina e auto-controle físicos; o aluno, com efeito, tem que passar por um treinamentofísico" fica seriamente distorcida a menos que compreendida dentro docontexto de suas outras observações sobre aprendizagem e desenvolvi-mento intelectual.13 Por exemplo, ele escreveu em 1916:

Devemos romper com o hábito de pensar que a cultura é conhecimento enciclopédi-co, através do qual o homem é concebido como mero recipiente para despejar econservar dados empíricos ou fatos brutos e desconexos que subseqüentemente eleterá que distribuir em seu cérebro como nas colunas de um dicionário de forma a sercapaz de no futuro responder aos diversos estímulos do mundo externo. Esta formade cultura é realmente prejudicial, especialmente para o proletariado. Ela só servepara criar desajustados, pessoas que se acreditam superiores ao resto da humanidadeporque acumularam em sua memória uma certa quantidade de fatos e datas quevomitam em toda a oportunidade a ponto cie quase levantar uma barreira entre elas eos outros."

Entwistle acertadamente critica o relativismo de Gramsci, seu fracassoem situar o conhecimento historicamente, e sua leitura linear da hegemoniacomo uma imposição de significado, como falhas graves tanto na interpre-tação quanto no uso dos princípios educacionais de Gramsci. Mas na tenta-tiva de fortalecer sua posição de que Gramsci argumentava contra o desen-volvimento de uma pedagogia radical na qual as escolas seriam locais delutas contra-hegemônicas, Entwistle desenvolve uma análise crítica daescolarização que é enganosa.

Entwistle argumenta que a noção de Gramsci da função hegemônicada escola "reside em sua organização mais do que em seu currículo, ou no"currículo oculto" implícito no método de ensino".15 Isto é, a função hege-mônica da escola nada tem a ver com o que ou como ela ensina, e sim coma maneira na qual ela impede que estudantes da classe trabalhadora obte-nham acesso a uma educação humanística tradicional.16 Nesta visão umtanto "notável", as questões referentes a como as escolas funcionam dentrodo sistema mais amplo de relações de poder a fim de manter o domínio dosgrupos governantes são facilmente/irrefletidamente (glibfyy desconsideradascomo inconseqüentes ou enganosas. Ao ignorar a questão de como a ím-

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posição de significados e valores distribuída nas escolas está dialeticamenterelacionada com os mecanismos de controle econômico e político na socie-dade dominante, Entwistle despolitiza o relacionamento entre poder e cul-tura. Desta maneira, ele banaliza o papel que as escolas desempenham nadefinição do que é conhecimento legítimo e prática social. Conseqüente-mente, sua própria análise acaba sendo uma forma cie ideologia administra-tiva, a qual substitui as questões referentes ao relacionamento entre conhe-cimento e poder por questões que se limitam a como um dado corpo deconhecimento deve ser ensinado e aprendido no encontro em sala de aula.

Um ponto significativo é parcialmente desenvolvido por Entwistle emsua alegação de que a noção de hegemonia de Gramsci foi mal-interpreta-da e aplicada por diversos educadores radicais. Ao verem a hegemoniacomo a simples imposição cie significados, eles banalizaram o conceitodefinindo-o simplesmente como uma forma de reiteração. Este é um impor-tante corretivo na compreensão cie como os mecanismos de dominaçãointermedeiam a sociedade mais ampla e a escola, particularmente enquantose manifestam nas práticas materiais dos relacionamentos sociais escolares,nas práticas ideológicas dos professores, nas atitudes e comportamento dosestudantes e nos próprios materiais didáticos.

A noção de luta ideológica de Gramsci era crítica demais para sugerirque os professores deveriam simplesmente transmitir a cultura prevalecen-te. Ele argumentava que a cultura humanístíca tradicional deveria ser domi-nada, porém compreendida no sentido dialético a fim de ser criticada erearticulada de acordo com as necessidades de uma classe trabalhadoraradical. A oposição, e não a transmissão, é o tema crítico que Gramscipostula como a principal tarefa pedagógica da escolarízação radical. Istonão significa sugerir que se deve fazer uma limpeza completa da culturaexistente, ou substituí-la por outra completamente nova e já formulada. Naverdade, trata-se de um processo de transformação (com o objetivo deproduzir uma nova forma) e rearticulação de elementos ideológicos existen-tes".17 Mais uma vez, a cultura dominante tinha que ser criticamente com-preendida antes cie poder ser transformada. Esta é uma questão significati-va na noção de educação de Gramsci, pois tem importantes implicaçõespara os relacionamentos professor-estudante em uma teoria crítica da pedago-gia, implicações que estão em oposição às visões que Entwistle atribui aGramsci.

Gramsci compreendeu claramente, como assinala Femia, que "a cons-ciência revolucionária não devia ser injetada na classe trabalhadora de tora,e sim mobilizada de dentro"1H. Isto não significa, como alega Entwistle, quenão existe uma cultura cia classe trabalhadora. E, por outro lado, tampoucosugere que os radicais deveriam argumentar em favor cia equivalência dacultura da classe trabalhadora com a cultura dominante. As duas posiçõessão reducionistas e ignoram as complexas mediações e modos de resistên-cia que existem entre a cultura dominante e as várias espécies de cultura cia

classe trabalhadora. A reprovação cie Entwistle da cultura H-J H, .11 i ~ . t

c ^-^ V-'HSSG tríí fvi -Ihaciora não apenas ignora seus momentos de resistência e suas -K• •dades como fonte parcial de contra-hegemonia, mas também sugere * - '~domínio nas escolas é relativamente total. Tal visão interpreta mal a n ^~°de hegemonia, bem como a capacidade das pessoas de resistirem à clorninação. Esta última posição também ignora a visão de Gramsci sobre' orelacionamento entre o "senso comum" e o "bom senso", bem como suavisão de que a interconexão entre os dois fornece um exemplo essencial deuma fonte de pedagogia contra-hegemônica em torno da qual estruturar asrelações professor-estudante. Para Gramsci, o senso comum não sugeriasimplesmente uma consciência mistificada; referia-se, em vez disso, ao terrenoonde os homens adquiriam consciência de si mesmos. Colocado de manei-ra mais simples, a cultura das classes trabalhadoras não deve ser equacionadacom passividade e unidimensionalidade; ela deve ser vista como um modode prática incapaz de "romper com o mundo dado e transformá-lo".ly Lon-ge de ser passiva, tal visão de mundo é simplesmente "desconexa eambivalente".20

A tarefa dos educadores críticos não é negar a cultura da classe traba-lhadora, mas usá-la como ponto de partida a fim de compreender comoestudantes particulares dão significado ao mundo. Os estudantes devem sercapazes de falar com suas próprias vozes, antes de aprenderem a sair desuas próprias estruturas de referência, antes de poderem romper com osenso comum que os impede cie compreender as fontes socialmenteconstruídas que subjazem seus próprios processos de autoformação e osignificado de questioná-los e romper com os mesmos. A noção de Gramscide que o senso comum contém as sementes de uma visão mais racional ciomundo reforça sua visão de que a tarefa do intelectual é desenvolver lutascontra-hegemônicas utilizando a consciência popular como ponto de parti-da em qualquer relacionamento pedagógico. Quando Gramsci argumentaque "todo o professor é sempre um aluno, e todo aluno, um professor",21

ele não está abandonando o apelo por uma pedagogia disciplinada. O queele está fazendo é introduzir um princípio educacional nas relações profes-sor-estudante que não deixa espaço para o elitismo ou pedantismo estéril.A noção de que o professor é sempre um aprendiz coloca os intelectuais naposição de não apenas ajudar os estudantes a apropriarem-se de suas pró-prias histórias, mas também observarem de maneira crítica a natureza deseu próprio relacionamento com os estudantes da classe trabalhadora, bemcomo com outros grupos oprimidos. A noção de Gramsci de que o ele-mento popular 'sente' mas nem sempre sabe ou compreende; o elementointelectual 'sabe' mas nem sempre compreende e em particular nem sempresente"22 coloca em alto relevo duas importantes dimensões de hegemoniaque devem ser contestadas nas escolas. Por um lado, as ideologias devemser combatidas e "des-reificadas", quer estejam no currículo explicito ouoculto. Por outro lado, as práticas hegemônicas que estão sedimentadas

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nas relações sociais do encontro em sala de aula. essenciais à própria textu-ra de nossas personalidades e estrutura de necessidades, devem ser trans-formadas através de formações sociais concretas que permitam comunica-ção e ação crítica.23 Somente com este tipo de pedagogia os educadorescríticos serão capazes de compreender como as sementes de reproduçãosocial estão contidas na própria natureza da resistência dos estudantes, ecomo eles poderiam, por exemplo, usar este discernimento para tranformara resistência muitas vezes mal direcionada em formas de consciência polí-tica e ação social.

Notas

1. Harold Entwistle, Antônio Gramsd: Conservatiue Schooling for Radical Politics (London:Routledge & Kegan Paul, 1979), p. 177.

2. Ibicl, pp. 46, 47.

3. Karl R. Popper, Objective Knowledge: An Euolutionary Approach (Oxford: Oxford UniversityPress, 1962).

4. Young, Knowledge and Control.

5. John Friedman, "The Epistemology of Social Practíce: A Critique of Objective Knowledge",Theory and Society 6 (1978): 80.

6. Antônio Gramsci, The Modem Prince and Other Wrüings (New York: InternationalPublishers, 1967), pp. 95-101.

7. Gramsci, Prison Notebooks.

S. Ibid., p. 30.

9. Ibid., pp. 32-33.

10. Esta questão é explorada em profundidade em Marx \X'"artofsky, "Art and Technology:Confiicting Models of Education? The Use of a Cultural Myth", em Walter Feinberg e lleniyRosemont, jr., Work, Technology, and Education (Urbana, III.: University of Illinois Press,1975), pp. 166-85; Giroux, "Beyond the Limits of Radical Ectucational Reform"; Elshtain,"Social Relations of the Ciassroom".

11. Philip Simpson, "The Whalebone in the Corset: Gramsci on Education, Culture. andChange", Screen Education N°. 28 (1978): 20.

12. Jerome Karabel, "Revolutionary Contraclictions: Antônio Gramsci and the Problems oiIntelectuais", Politics and Society 6 (1976):172.

13. Gramsci. Prison Notebooks, p. 42.

14. Antônio Gramsci, "Socialism and Culture". em Paul Piccone e Pedro Cavalcante, Histoi.V,Philosophy, and Culture in the Young Gramsci (Si. Louis: Telos Press, 1975), pp. 20-21.

15. Entwistle, Antônio Gramsci, p. 92.

16. Ibid., p. 93.

n ,.Pohtical Studies 27

17. Chantal Mouffe, "Hegemony and Icleology in Gramsci", em Chant-,1 Mand Marxist Theory (London: Routledge & Kecan Paul 107<Ti ,i Moutte, ed., Gramsci-^ ° & ' *-//;}, pp. 191-9218. Joseph V. Femia, "The Gramsci Phenomenon: Some ré(1979): 478.

19. Mihaly Vajda, "Antônio Gramsci: Prison Notebooks Review", Telos n" r fiQ7ntambém Paul Piccone, "Gramscrs Marxism: Beyond Lenin and Toalhtti" Th» V?1' Ver

3 (1973): 485-511. ' eory and Society

20. Femia, "The Gramsci Phenomenon", p. 481.

21. Gramsci, Prison Notebooks, p. 481.

22. Ibid., p. 418.

23. Maxine Greene, "The Politics of the Concrete", Social Pmctice (June 1980); Henrv AGiroux, "Beyond the Correspondence Theory: Notes on the Dynamics of Educ-itión-iiReproduction and Transformation", em ídeology, Culture, and the Process of Scbooline(Philadelphia: Temple University Press, 1981).

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16Ética e

naCrítica

HENRYA. GIROUX

A necessidade de esperança como pré-condição para a luta e pensa-mento crítico geralmente não é característica das formas prevalecen-tes da teoria educacional radical na América do Norte. Em parte, o

que atualmente passa por grande parte da teoria educacional radical represen-ta uma linguagem da crítica, destituída de qualquer linguagem de possibili-dade, o que, por sua vez, representa uma visão de política sem os benefíci-os de um discurso moral substancial ou de uma visão programática dofuturo. Existe uma tendência crescente, especialmente entre a segunda ge-ração de teóricos educacionais radicais, de evitar uma lógica de esperançae possibilidade como base para o engajamento teórico e político. Embora amaior parte da teoria social radical se utilize de várias correntes sofisticadaspara definir o seu projeto, a teoria educacional radical parece ainda atreladaao legado do cientifícismo e reducíonísmo ideológico que tende a se mani-festar como uma variante do marxismo vulgar ou simplesmente como produ-ção acadêmica ruim. Um dos aspectos mais marcantes de grande parte dateorização educacional radical é sua glorificação crescente cia teoria comométodo e verificação. Hoje os teóricos educacionais radicais falam da impoi-tância da teoria ser empiricamente segura, ou de seu valor coffl° estruturacoerente de asserções. Alguns educadores radicais argumentam ao estilo dePopper em prol de que a teoria educacional enfrente o teste de ser empiri-camente confirmada ou falsificada.1 Isto não significa sugerir que ^as ques-tões de coerência, consistência lógica interna ou verificação empmca não

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244 HENRY A. GIROUX

sejam importantes. Mas a teoria deveria primeiramente ser valorizada porseu projeto político, sua crítica de relevância social, sua qualidade dedistanciamento. Em outras palavras, ela deveria ser valorizada por seu po-tencial de liberar formas de análise crítica e estabelecer a base cie novasformas de relações sociais. A teoria educacional não pode ser reduzida àquestão paralisante e politicamente inofensiva da consistência e confia-bilidade, obsessão peculiar da teoria social dominante; pelo contrário, seuvalor deveria ser avaliado por sua capacidade de confrontar o discurso epráticas sociais da opressão com o que Walter Benjamin uma vez chamoude "imagens potencialmente liberadoras de liberdade".

Em parte, a natureza profundamente antiutópica de grande parte dateoria educacional radical contemporânea deve-se ao isolamento dos teóri-cos das fontes de crítica social e dos movimentos sociais, bem como aopessimismo dos acadêmicos que desconfiam de qualquer forma de luta outeorização que possa surgir nas esferas públicas fora da universidade. Emalguns casos, isto toma a forma de uma recusa absoluta em admitir qual-quer esperança ou possibilidade de que os professores e outros possam sercapazes de travar lutas contra-hegemônicas nas escolas. Temos, por exem-plo, a alegação exagerada de alguns teóricos de que qualquer luta porreforma democrática e fortalecimento dos estudantes dentro das escolas sóleva a um tipo de "falsa consciência". Evidenciando basicamente um discur-so que enfatiza a lógica esmagadora da dominação ou o fracasso dos profes-sores em agir perante a mesma, estes teóricos parecem simplesmente reciclaro etos da teoria da reprodução sem reconhecer como suas suposições ideo-lógicas moldam suas opiniões.2 Esta é a linguagem do não comprometimento,sustentada como análise crítica ideológica (uma linguagem que não con-tém o menor indício de engajamento político). De forma semelhante, umoutro grupo de teóricos radicais comete a façanha paradoxal de exigir amudança educacional exaltando a reforma "de baixo para cima", e ao mes-mo tempo mostrando pouca confiança ou compreensão nos esforços dosprofessores ou no poder da teoria social para contribuir para tal mudança.3

O desespero e reducionismo cie tais abordagens também se manifestaem sua recusa em considerar a possibilidade de desenvolverem-se estraté-gias políticas nas quais as escolas possam ser ligadas a outros movimentossociais e esferas públicas. Brandindo suas credenciais marxistas ortodoxasde maneira clássica, alguns educadores radicais chegam a argumentar quea teoria educacional crítica deu demasiada atenção às considerações cieraça, gênero e idade: se quisermos realmente ser radicais é importantecomeçar a trabalhar enfatizando a primazia da classe como a determinaçãouniversal e mais importante na luta por liberdade.' Isto não é apenas unwteorização fraca, pois às vezes é acompanhada de formas de discurso acadê-mico que trocam os imperativos das análises críticas por insultos generaH-zantes e estilísticos. As tradições radicais são negligentemente desconside-radas como meros "interlúdios inspiradores"; análises radicais complexas

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 245

são casualmente chamadas de "exageros enfadonhos e... simplificações didá-ticas".5 Além da desconsideração leviana de certas tradições e escolas ciepensamento educacionais, surgiu uma vileza cie espírito que abstrai e reífícaa dor e sofrimento que ocorre nas escolas. Isto é, em meio às análises"científicas" referentes às condições de trabalho dos professores, aos peri-gos da escolarização e do capitalismo e à economia política dos manuaispouca atenção é dada a uma política do corpo, ao sofrimento humanoconcreto, ou a formas de fortalecimento coletivo entre professores e/ouestudantes à medida que surgem a partir das várias lutas contra a domina-ção dentro das escolas. Na verdade, o desaparecimento de um discurso docorpo, o qual elucide e aponte para exemplos concretos de sofrimento eoposição, significa uma ausência teórica crucial porque aponta para o desa-parecimento do discurso da política e engajamento. Em vez de desenvolve-rem um projeto e ética política que incorpore a análise crítica e a esperança,que ligue as escolas e outras instituições a formas correntes de luta, estasespécies recém surgidas de teoria educacional crítica parecem estar sufocadasde narcisismo ideológico, intimamente mais ligadas aos princípios auto-beneficientes do vanguardismo e desespero do que a qualquer outra coisa.

A teoria social em si mesma precisa ser ressuscitada e aprofundada deforma a prover uma base mais crítica e abrangente para os educadoresrepensarem a natureza subjacente de seu projeto político e ético. Ela devefornecer os indicadores teóricos necessários para que os professores com-preendam seu papel como ativistas sociais cujo trabalho é sustentado einformado por lutas e movimentos sociais mais amplos. Diversos trabalhoscríticos recentes ajudaram a elucidar estas questões para uma forma reno-vada de teoria social e educacional radical. Dois livros recentes, de TerryEagleton e Sharon Welch, em particular, estabelecem idéias teóricas impor-tantes para centralizar e focalizar o significado e as possibilidades de umateoria social crítica reconstruída que dê atenção especial às noções cie esfe-ra pública democrática e discurso da ética crítica.6 É significativo que, em-bora cada autor trate de diferentes aspectos da luta política e da críticasocial, eles se unem no discurso potencialmente transformador e radical-mente utópico que mostram.

O livro de Eagleton é especialmente bem-vindo porque tenta ofereceruma visão da crítica social como um conjunto de práticas históricas inex-trincavelmente ligadas às questões de poder e controle. Além disso, ele écapaz de situar a crítica como uma prática social dentro de uma análise emtransformação histórica das várias esferas públicas que lhe forneceram apoioinstitucional. Eagleton argumenta que a crítica social nasceu da disputa nosséculos dezessete e dezoito na Inglaterra entre a classe média nascente e osimperativos políticos do absolutismo real. Colocando-se contra "as imposi-ções arbitrárias da autocracia", as classes médias formaram uma esfera publicaburguesa constituída de "uma série de instituições sociais (clubes, jornais,cafés, periódicos) nas quais indivíduos independentes reúnem-se para o

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intercâmbio livre e igual de um discurso razoável, unindo-se, assim, em umcorpo coeso cujas deliberações podem assumir a forma de uma forca depoder político".7

Para Eagleton, a esfera pública clássica tem uma importante qualidadedialética. Em primeiro lugar, ela define a crítica social como parte de umdiscurso mais amplo voltado à política cultural e moralidade pública, esendo assim, invoca os princípios iluministas de discussão racional e livretroca de idéias para questionar noções de autoridade enraizadas na supers-tição, tradição, e decretos absolutistas. A esfera pública clássica estabeleceuum legado no qual a escrita, o estudo da literatura e a crítica social tinhamuma "função amplamente civilizadora"8. Em segundo lugar, a esfera públicaclássica finalmente fortaleceu e mistificou as relações sociais burguesas e opoder do estado. Infundindo um falso igualitarismo na esfera pública, seuspartidários burgueses negaram a estrutura subjacente de privilégios e final-mente dissociaram a política do conhecimento argumentando que a esferapública era um lugar onde todos os homens e mulheres poderiam expres-sar suas idéias independentemente de sua classe social. Como Eagletondeixa claro, a razão e racionalidade, mais do que o poder e a dominação,tornaram-se a ideologia usada tanto para esconder quanto legitimar o siste-ma de desigualdade que deu à esfera pública clássica sua legitimidade efundamentação para existir.

Com a ascensão do industrialismo na Inglaterra, a esfera pública clás-sica foi invadida pelas forças do mercado, o declínio da legitimidade de suaprópria neutralidade, e a emergência de esferas públicas entre classes egrupos subordinados. Conseqüentemente, o crítico burguês não podia maisfalar enquanto voz universal da razão sem questionamento. Assim, a pró-pria natureza da crítica mudou, especialmente a crítica literária, que entãorefugiou-se na universidade, onde foi institucionalizada nos departamentoscie inglês, perdendo sua conexão com a vida cotidiana e seu papel poten-cialmente crítico como base para uma forma de política cultural.

Eagleton está em sua melhor forma ao explicar como isto aconteceu.Ele mostra que a crítica não apenas divorciou-se radicalmente da vida so-cial como também perdeu qualquer reivindicação de uma visão legitimadorada autoridade enraizada em sua capacidade como prática socialinextrincavelmente ligada ao bem-estar da comunidade mais ampla da ex-periência cotidiana. Ela pode ter obtido segurança no ambiente acadêmico,mas, em última instância, o fez cometendo o suicídio político. Isto nãosignifica dizer que a universidade e seus intelectuais não desempenhamqualquer função social e política. O ponto de Eagleton é que elas nãoproduzem mais formas de crítica social que sejam emancipacloras por natu-reza, uma crítica com laços políticos ativos com a sociedade mais ampla.Em vez disso, a crítica agora é tão amestrada que serve como apologia doestado, ou então degenerou em formas misteriosas de teorização marxistaem que substituem por lutas literárias as batalhas políticas que envolvem

05 PROFESSORES COMQ INTELECTUAIS 24?

relações cie poder reais mais do que imaginárias. Para Eagleton, a universida-de como esfera pública fracassou em um duplo sentido ideológico En-quanto a crítica acadêmica tradicional tenta "treinar os estudantes no em-prego efetivo cie certas técnicas, no domínio eficiente de um certo discursocomo meio de certificá-los como novos membros intelectualmente qualifi-cados para a classe governante",9 a crítica de esquerda, da forma comosurgiu nas universidades, especialmente nos anos 70, assume uma posiçãoaltamente abstrata e teoricamente questionável em relação ao propósito dacrítica social. Para Eagleton, os vários estruturalismos de tendência pós-modernista e desconstrutivista degeneraram em um "liberalismo sem umindivíduo".10 As questões de poder e disputa são com freqüência reduzidasa análises de textos e estruturas, ao passo que as questões de autoridade edisputa subjetiva são neutralizadas em um jogo cie infinitas diferenças eíndeterminações.

Segundo Eagleton, a ampla função política e civilizadora da crítica nãoé característica dos acadêmicos nem da universidade em geral. Embora talalegação pareça simplesmente reciclar uma análise crítica muito conhecidanas revoltas estudantis dos anos 60, Eagleton habilmente a utiliza paraanalisar como os intelectuais dentro da universidade poderiam afirmar aprimazia da natureza política de seu trabalho ligando-o aos projetos políti-co-culturais mais amplos. Em questão aqui está a preocupação de que, naausência de uma esfera pública vital, a crítica não tem oportunidade de serdebatida e institucionalizada em um contexto coletivo que lhe permita tor-nar-se uma força política mobilizadora. Eagleton tenta evidenciar teorica-mente sua posição através da análise dos efeitos políticos da obra deRaymond Williams, um dos mais importantes escritores socialistas da Ingla-terra. Embora em 1979 Williams já tivesse vendido 750.000 cópias de seuslivros apenas na Inglaterra, ele tinha poucas chances de organizar politica-mente seu público leitor na ausência de uma esfera contrapública socialis-ta. Eagleton comenta:

Na ausência efetiva cie um movimento teatral da classe trabalhadora, o drama políticode Wilüam encontrou um lar, para seu bem ou mal, na mídia capitalista: na ausênciade instituições de produção literária e intelectual da classe trabalhadora, uma dastarefas mais vitais cio intelectual socialista (aquela cia popularização resoluta de idéiascomplexas, conduzida dentro cie um meio comum que proíbe o patronato e a condes-cendência) lhe foi negada. A popularização política genuína envolve mais do queproduzir obras que tornem a teoria socialista compreensível ao público de massa,mesmo que tal projeto seja importante; o público leitor deve ser mais institucionalizadocio que amorfo, capaz cie receber e interpretar tal trabalho em um contexto coletivo eponderar suas conseqüências para a ação política."

Essencial ao próprio projeto político de Eagleton é a linguagem tantocrítica quanto de possibilidade. Ele oferece uma análise histórica e criticada função social da crítica e dos intelectuais que a praticam dentro de

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diferentes ambientes institucionais. Entretanto, ele é bastante claro ao argu-mentar que, para que os intelectuais desempenhem um papel contra-hegc-mônico ativo no âmbito da política cultural, eles terão que abandonar suaposição de intelectuais solitários reduzidos à produção de crítica. Na verda-de, tais intelectuais precisam reafirmar uma nova política de socialidade. naqual seu trabalho seja desenvolvido e nutrido através de um conjunto vivi-do de relações com aqueles grupos que estão a seu lado politicamente.Para ser mais direto, tais intelectuais terão que se tornar parte do movimen-to social mais amplo ligado às esferas públicas existentes.

Subjacente ao apelo de Eagleton para que os educadores liguem seutrabalho às esferas públicas há um reconhecimento importante: dada a natu-reza presente da indústria cultural e do poder cada vez mais abrangente doEstado, a esfera pública clássica dos séculos dezessete e dezoito não podefornecer o modelo político e ideológico sobre o qual desenvolver esferaspúblicas nos países industrializados do ocidente. A esfera pública clássicase desenvolveu em torno de uma noção de racionalidade e discussão quegeralmente substituía o diálogo voltado ao desenvolvimento de formas desolidariedade e organizações políticas pelo discurso e debate polido. Eagletonargumenta que as esferas públicas por necessidade política precisam ir alémde tal noção de racionalidade, e ele encontra modelos alternativos em duasfontes. A primeira fonte é histórica e aponta para as várias esferas públicasorganizadas pelas classes trabalhadoras na República de Weimar. Comoassinala Eagleton,

o movimento da classe trabalhadora não era apenas uma força política formidável; eleera também equipado de seus próprios teatros e sociedades corais, clubes e jornais,centros de recreação e foros sociais. Foram estas condições que ajudaram a tornai'possível um Brecht e um Benjamin, e mudar o papel do crítico de intelectual isoladopara funcionário político. Na Grã-Bretanha dos anos 30, os grupos de propagandacomunista (agitpropgroups), o Teatro da Unidade, a Liga de Fotos e Filmes1 dos Traba-lhadores, o Clube dos Trabalhadores, a Sociedade Operária Londrina de Cinema euma série cie outras instituições refletiam elementos desta rica contracultura.12

O movimento das mulheres representa, para Eagleton. um segundomodo de política e forma de socialidade em funcionamento no qual alógica das esferas públicas pode ser identificada. O que é notável na análisede Eagleton é sua identificação dos elementos críticos do movimento dasmulheres com o que ele chama de política do corpo, uma forma de socia-lidade que liga a racionalidade com o poder e o desejo e não apenas comestruturas discursivas. De considerável importância aqui é uma política naqual a experiência, interesses, desejos e necessidades cotidianas configu-ram-se corno parte de uma política cultural que busca ampliar e aprofundara noção tanto de opressão quanto de emancipação. Por fim, Eagleton liga otrabalho intelectual e a prática política com o desenvolvimento de espaçospúblicos nos quais novas formas de subjetividade possam ser construídas

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 249

em meio a novas formas cie política. O inventário histórico cie Eagleton d-inatureza da crítica social e suas formas concorrentes e legitimadoras d~prática intelectual oferece um vislumbre das forças sociais e políticas emfuncionamento que separam o conhecimento cio poder e a teoria crítica daprática política concreta. De maneira semelhante, tal análise aponta para opoder da universidade na produção de intelectuais, para os quais, na au-sência de uma esfera pública, o desespero e o cinismo muitas vezes sãoconfundidos como elementos essenciais da teoria e prática críticas. É claroque o apelo de Eagleton para que os intelectuais ampliem e desenvolvamseu trabalho dentro de esferas públicas envolvidas na luta corrente pordemocracia radical oferece novas esperanças na definição dos termos depolítica cultural adequados para a parte final do século vinte.

O que Eagleton não faz é fornecer o embasamento ontológico para otipo de trabalho intelectual que postula um forte comprometimento emsuperar os casos de sofrimento e desenvolver formas concretas de socialidadeque fortaleçam mais do que prejudiquem uma política cultural crítica. Éesta questão que Sharon Welch aborda de maneira admirável, e para a qualagora me volto no restante deste capítulo.

O simples peso do apocalipse oblitera a utopia. A catástrofe não evoca imagens deredenção. Em vez disso, ela produz cinismo, que não é menos ideológico. O cinismoé a aceitação total do poder cia realidade como destino, ou como piada, a "consciênciainfeliz" da impotência. É a postura endurecida, murcha: a negatividade desapegadaque mal se permite qualquer esperança, no máximo um pouco de ironia e autopiedade.'3

O medo em particular, nos diz Sartre, é um estado que anula a pessoa; conseqüen-temente, o oposto animador se aplica, subjetiva e principalmente objetivamente, àesperança. E mesmo que seja na construção de meros castelos no ar, o gasto total deuma íorma ou outra pouco importa... a esperança com um plano e em conexão como... possível ainda é a melhor e mais poderosa coisa que existe. E mesmo que aesperança simplesmente se eleve no horizonte, enquanto somente o conhecimento doReal a mude de forma concreta por meio da prática, ainda assim é somente a esperan-ça que nos permite obter a compreensão inspiradora e consoladora do mundo para oqual ela aponta, como a compreensão mais sólida, mais calcada em tendência e maisconcreta."

Os educadores conservadores agora empregam a linguagem da análi-se crítica radical a fim de anular o sofrimento da história. Eles argumentamque o desenvolvimento de uma consciência crítica nas camadas popularestraduz-se tout court em um ataque injustificado à tradição, e ao mesmotempo promove um individualismo niilista para proveito próprio. Segundoesta visão, a razão crítica parece incapaz de tomar como seu objeto a histó-ria formativa específica de uma cultura particular a fim de questionar ainteração de suas tradições dominantes e emancipadoras. Em vez disso, arazão é reduzida a uma inércia política. Ao mesmo tempo, a razão criticacontinua separada do fortalecimento social de forma a negar as possibilida-des de lutas coletivas organizadas em torno das contradições da vida cotidi-

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ana e do legado das memórias históricas radicais que foram excluídas dodiscurso da cultura dominante. A esperança, neste caso, torna-se indefensávele impraticável.15

Agora alguns educadores radicais alegam que a noção de esperançacomo base de uma linguagem de possibilidade realmente não passa de um"truque de contra-hegemonia", empregado mais para efeito ideológico doque por motivos teóricos consistentes.16 Em outras palavras, a esperançacomo visão de possibilidade não contém projeto político imanente, e, comotal, tem que ser sacrificada no altar da realidade empírica. Ironicamente,esta posição torna a própria noção de contra-hegemonia indefensável, umavez que toda luta significa implicitamente um elemento de possibilidadeutópica. Não é de surpreender que tal posição acabe por definir a práticasocial crítica como nada mais do que "um ceticismo persistente para com areforma a partir do status quó'.17 Neste caso, o conceito de esperança éusado para repudiar a ação política. Este beco sem saída teórico e políticoé a antítese do que significa falar a linguagem da possibilidade e ao mesmotempo engajar-se na prática crítica, isto é, ele vai contra o questionamentoda opressão e ao mesmo tempo luta por um novo tipo de subjetividade eformas alternativas de comunidade.

A questão crucial que confronta os educadores é que a tendência an-tiutópica crescente entre alguns elementos da esquerda aliou-se ideologica-mente com a nova direita. Esta aliança espúria produz um discurso queofende a lógica democrática ao estreitar a possibilidade de que os intelec-tuais se tornem parte daqueles movimentos sociais correntemente envolvi-dos na defesa e promoção dos valores universais de vida e liberdade. Istoé, o discurso da nova direita/esquerda na educação representa uma tendênciateórica que nega as próprias bases nas quais a prática intelectual pode serlegitimada.18

Em meio à crise aprofundada da democracia nas nações industrializa-das do ocidente, é imperativo que os educadores críticos dêem séria conside-ração à função social e política do relacionamento entre os intelectuais e osmovimentos sociais de emancipação. Como assinalei anteriormente, teóri-cos como Terry Eagleton argumentaram de forma persuasiva que a universi-dade não estimula mais o discurso da liderança moral e crítica social. Con-seqüentemente, o apelo pelo desenvolvimento de esferas contrapúblicasfora da universidade aponta para a necessidade cie reconstruir-se uma po-lítica cultural na qual os educadores críticos e outros intelectuais possamtornar-se parte de qualquer um dos diversos movimentos sociais nos quaisutilizam suas habilidades teóricas e pedagógicas na construção de coliga-ções históricas capazes de mudança social emancipadora. Em um certonível, isto sugere que tais intelectuais podem trabalhar para analisar lutashistóricas específicas travadas pelos vários movimentos sociais radicais emtorno da importância política da educação na batalha por justiça econômicae social. Este tipo de análise não apenas elucida as atividades dos

S PROFESSORES COMO INTELEC J AIS 251

mentos sociais fora da universidade, os quais têm lutado por conhecimentoe formas de prática crítica, mas também fornece a base para mntírWo,. «.„

. i r "\ \ f i • i *-wi iniciei "I ~oCque tipos de esferas publicas poderiam ser politicamente úteis na atualconjuntura histórica.

Esta é uma discussão importante porque fornece a fundamentaçãoteórica para o desenvolvimento de esferas contrapúblicas como defesa etransformação da própria educação pública, mais do que como um substi-tuto a longo prazo para o sistema de educação pública e educação supe-rior. Ao expandir a noção de educação e estender as possibilidades cieatividade pedagógica a uma variedade de esferas sociais, os educadorescríticos podem tornar as políticas, discursos e práticas de escolarizaçãoabertas à crítica, e, assim, disponíveis a um maior número de pessoas que,de outra forma, são geralmente excluídas de tal discurso. É imperativo queos educadores considerem como as instituições sociais podem ser compreen-didas e desenvolvidas como parte de uma luta política e educacional maisampla; além disso, ao combinar a linguagem da crítica com uma linguagemde possibilidade, tais educadores podem desenvolver um projeto políticoque amplie os contextos sociais e políticos nos quais a atividade pedagógi-ca pode funcionar como parte de uma estratégia contra-hegemônica. Es-sencial para este projeto é a questão de como formas específicas de práticademocrática podem ser sustentadas por uma versão particular de justiça emoralidade. Os educadores devem ser claros quanto aos referenciais mo-rais para justificar-se como formas particulares de experiência podem serlegitimadas e realizadas como parte tanto do desenvolvimento de esferaspúblicas democráticas quanto de mudança social radical em geral. Eviden-temente, o discurso da mudança social precisa desenvolver uma concepçãocrítica de democracia enquanto prática que opera a partir de formas sociaisparticulares e que está enraizada em um conjunto específico de interessespolíticos e morais. É para esta questão que agora me volto.

Escrevendo nos anos 20, Ernst Bloch procurou se opor à perspectivado Iluminismo do século dezoito, na qual o conceito de utopia era descon-siderado porque não podia ser legitimado através da razão e fundamentadoem uma realidade empírica imediata. Bloch argumentava que a utopia erauma forma de "excedente cultural" no mundo: "ela contém a centelha quealcança além do vazio circundante".19 A tentativa de Sharon Welch de de-senvolver uma teologia de libertação feminista deve muito a Ernst Bloch,embora não se baseie diretamente em sua obra.20 Assim como Bloch, eladesenvolve sua análise do Cristianismo tradicional dentro cie uma lingua-gem cie análise crítica que rejeita as abstrações universais acerca da boiida-de da humanidade e, em vez disso, focaliza exemplos concretos de sofri-mento, os atos de resistência que com freqüência engendram, e o p2Pe^que o Cristianismo tradicional desempenhou ao ignorar tal sofrimento ou

contribuir diretamente para ele. Ao mesmo tempo, ela postula uma noÇao

de esperança que é mediada por formas de luta nas quais "visões alteriiatí-

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"252 HENRY A. GIROUX

vás da sociedade, humanidade, estruturas institucionais, ordens de conhe-cimento... são acionadas".21 Para Welch, a esperança é tanto um referencialde mudança social e luta pedagógica quanto base para reconstruir umateologia radical, a qual combine a visão da teologia da libertação, com seufoco nos oprimidos, com a meta feminista radical de reconstruir as identidadese subjetividades sociais em novas formas de comunidade. Welch escreve:

Esta teologia surge a partir da luta para criar, e não apenas proclamar, uma comunida-de humana que incorpore a liberdade. A verificação desta luta não é conceituai e simprática: o processo bem-sucedido de iluminação e emancipação, processo que é aber-to e autocrítico. Esta teologia surge do esforço por viver na berlinda, aceitando tanto opoder quanto o perigo do discurso, engajando-se na batalha pela verdade com uniapreferência consciente pelos oprimidos.... É um discurso imbuído de uma tragédiaparticular da existência humana — a lembrança perigosa do desespero, aridez, sofri-mento -a lembrança igualmente perigosa das concretizações históricas de liberdade ecomunidade.... [Este] tipo de teologia... afirma com Bloch "que a esperança instruída éo indicador desta era — não apenas a esperança, mas a esperança e o conhecimentopara tomar o caminho que leva a mesma".22

Essencial ao projeto político de Welch é a descoberta de uma lingua-gem que dê expressão fundamental à primazia da experiência, poder eética. A meta de Welch é ir além do "espaço vazio" da racionalidade doIluminismo, que limita a experiência à percepção a fim de desenvolver umdiscurso que forneça compreensão histórica e social de como a experiênciaé formada, legitimada e realizada dentro de formas sociais particulares en-quanto estas são organizadas dentro de relações particulares de poder. Naótica de Welch, a experiência é tanto construção histórica quanto práticavivida. Ela conecta a necessidade de compreender como as formas sociaisposicionam e produzem a experiência com o imperativo adicional de ques-tionar como a experiência, em seus momentos contraditórios e muitas ve-zes menos do que coerentes, é sentida e habitada. Para Welch, o sofrimentonão pode ser reduzido aos relatórios estatísticos mecanicamente produzi-dos pelo Estado e pelos centros de poder da Igreja; é uma experiênciavivida que relaciona desejo, dor, sofrimento e esperança.

A experiência de Welch como feminista fornece parte da base para suacrítica dos rituais e teologias do Cristianismo estabelecido como religião daclasses médias. Welch recorda que sua própria experiência tanto cio patriarca-do quanto das formas de socialídade não relacionadas com o sexo levaram-na a questionar as práticas da Igreja Cristã tradicional. Estas experiências,inclusive sua insurreição real contra a prática cie discriminação sexual, propor-cionaram a Welch a base para analisar a visão cia Igreja Cristã do pecadocomo expressão da ideologia masculina. Elas também permitiram-lhe desen-volver uma análise crítica teórica da recusa tradicional do Cristianismo emdesenvolver um discurso que assuma com seriedade a natureza historicamen-te contingente da verdade, doutrina e redenção. Operando por trás de umdiscurso de absolutos e essências universais, o Cristianismo tradicional, na

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 253

visão de Welch, deixou de desenvolver urna visão de fé e eclésia baseadanum comprometimento com os grupos marginais e excluídos que eramexplorados e oprimidos. Mas em vez de rejeitar totalmente o Cristianismo(como foi feito por Marx, Proudhon, Bakunín e muitos radicais contemporâ-neos), Welch opta por reconstruir e estender aquelas dimensões da esperançacristã que apontam para a possibilidade de luta e felicidade humana. Nestecaso, ela alega que dentro do Cristianismo existem discursos que não acei-tam o papel da Igreja tradicional e das instituições fundamentais da sociedadedominante. São estes discursos excluídos e marginalizados que hoje preci-sam ser recuperados. Welch usa esta questão para demonstrar o quão profun-damente a luta por controle religioso se inscreve em uma linguagem ecultura particulares. Além disso, sua própria escolha de um discurso caracterís-tico, baseado em uma interpretação radical da fé e da prática social, nãoapenas elucida as suposições de uma teologia feminista radical, mas tam-bém questiona a contingência histórica e ideológica do conhecimento eseu relacionamento com o poder. Ao apropriar-se de maneira crítica danoção de Foucault do relacionamento entre poder e linguagem, Welch de-monstra, através cie sua própria interpretação do Cristianismo, como a lingua-gem oferece uma série de posições do indivíduo, uma gama de discursos apartir dos quais a compreensão histórica se desenvolve e formas particula-res de conhecimento e prática social são legitimadas. Para Welch, é imperativoque um elemento importante da teologia radical reconheça a linguagemcomo construção social, ligada aos aparatos de poder e definições particularesda verdade. Um dos pontos mais fortes do livro reside em seu argumentode que a linguagem tem que ser vista em suas dimensões históricas e cieformação social como parte de uma política cie identidade, ética e luta.

Na teologia da libertação, escolhe-se pensar e agir da perspectiva do oprimido. Acre-dito que a opção é escolhida, e não imposta. Ser um teólogo feminista da libertação éreconhecer o papel constitutivo de nossa participação matricial nas lutas de resistênciae optar por continuar a pensar e agir desta perspectiva, reconhecendo a contingênciadesta escolha.... O contexto destas teologias é uma das camadas de toda a tradiçãocristã, uma opção particular que é crítica da sociedade e da igreja institucional. Estacamada é uma forma prática, comunal e revolucionária de eclésia. As teologias cialibertação estão enraizadas na memória das lutas e esperanças revolucionárias expres-sas na "Bíblia secreta" e na história das heresias. Elas estão enraizadas nas comunida-des de fé que são contínuas com aqueles aspectos da tradição cristã que têm secomprometido com a libertação ao longo da história e com a solidariedade para comos oprimidos.23

Uma cios pontos fortes da teologia da libertação é sua redefinição ciarelação entre teoria e prática. A teoria é definida através de sua capacidadede recordar e legitimar padrões de prática ética que servem melhor as ne-cessidades e esperanças humanas. Welch embasa sua noção de prática radi-cal em uma teoria cie fé construída em torno de uma visão particu aisofrimento humano, solidariedade e comunidade humana.

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254 HENRY A. GIROUX

Vaie a pena elaborar este relacionamento. Em primeiro lugar, Welchargumenta que uma prática radical começa com uma identificação das ne-cessidades e desejos dos grupos dominados e suas tentativas correntes deacabar com seu sofrimento e opressão. Isto não é simplesmente um reflexodo sofrimento humano, mas mais um referencial moral para ação políticaenraizada em uma afirmação da importância da vicia humana e da necessi-dade de abordar as injustiças causadas pela discriminação de classe, sexo,raça e outras formas de exploração. Ao abordar suas próprias experiênciasem seu trabalho com mulheres maltratadas, Welch demonstra vigorosamenteeste ponto ao reconhecer o contexto do sofrimento humano como umcampo de luta e esperança.

Eu consigo sair do tédio e desespero auto-indulgente somente à medida que perma-neço em comunidade com aqueles que são oprimidos e estão lutando contra estaopressão. Viver em comunidade com mulheres que ajudam outras mulheres e criançasa se recuperarem dos traumas de estupro, incesto e mau trato, com homens quetrabalham contra o estupro através da identificação e questionamento da equação dasexualidade e violência na socialização masculina, com mulheres e homens que ten-tam criar comunidades cie não violência em um mundo violento, faz-me lembrar queo sofrimento é real, que ele deve ser abordado mesmo que não se tenha certeza desuas causas ou não se conheçam os melhores meios de curar seus clanos. Lembrar arealidade da opressão nas vidas das pessoas e valorizar estas vidas é poupar-se doluxo da desesperança.21

Essencial à afirmação da vida humana é uma noção bilateral de análisecrítica. Primeiro, existe a necessidade de se desenvolverem formas de aná-lise crítica que elucidem como os mecanismos concretos de poder operamdentro de diferentes relações ideológicas e institucionais de dominação.Segundo, existe a ênfase em analisar a própria análise crítica como um tipoparticular de prática na qual os homens e mulheres questionem instituiçõesopressivas e dominadoras. A análise crítica, nesta visão, está ligada ao reco-nhecimento, como parte de qualquer projeto radical, das especifícidacleshistóricas e culturais que constituem a natureza dos tipos particulares cieresistência.

A noção de solidariedade de Welch é uma categoria fundamental paraorganizar-se uma noção radical de fé em torno cie uma conceitualizaçaoespecífica da luta e como um engajamento vivido com a ação coletiva^Welch concebe a solidariedade como uma forma de socialidade que évivenciada na participação real "nas lutas de resistência dos oprimidos ."'Enquanto ato participativo, a solidariedade fornece a base teórica para desen-volverem-se, de maneira crítica, novas formas de socialidade baseadas norespeito pela liberdade humana e pela própria vida. Como tal, a solidariedadecomo experiência vivida e forma cie discurso crítico serve como um referenciapara criticar as instituições sociais opressivas e como um ideal para desen-volver as condições materiais e ideológicas necessárias para criarem-se co-munidades nas quais a humanidade é antes afirmada do que negada.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 255

Intimamente ligada à visão cie Welch do sofrimento humano e solidaridade é sua noção de comunidades redimidas, a qual pode ser mais claramentcompreendida em contraste com sua análise crítica do discurso cristão tra-dicional dos universais abstratos. Ao falar dos universais, tais como os direi-tos humanos e a paz universal, a Igreja tradicional recusou-se a abordar asparticularidades cia dor, sofrimento e luta dentro das comunidades concre-tas nas quais as pessoas experienciavam a vida cotidiana. Repetindo aspalavras de Foucault, Welch argumenta que o Cristianismo recusou-se areconhecer o processo pelo qual o poder é incorporado e instalado dentrodas condições concretas de opressão, e desta forma ele muitas vezes deixade aliviar o sofrimento de suas vítimas. Por trás cio discurso cristão tradicio-nal dos universais existe um silêncio estruturado.

O tipo de humanidade e subjetividade que Welch acredita ser coerentecom seus próprios princípios teológicos feministas representa uma formade comunidade pela qual precisa-se lutar, mais do que uma forma de comu-nidade que deva ser exigida através de um apelo às Escrituras. Welch com-preende claramente que o poder do amor, trabalho e justiça aparece nãoapenas através do discurso, mas através de uma luta por condições sociaise econômicas específicas. Welch acertadamente insiste que a noção de co-munidade não representa uma forma a priori de organização social queprecisa ser estabelecida para os oprimidos. Pelo contrário, a noção de co-munidade redimida representa uma luta por um tipo particular de subjetivi-dade e existência social cujos contornos são definidos pelos processos his-tóricos através dos quais as pessoas de fato lutam, desenvolvem formasconcretas de socialidade e promovem o discurso da autolibertação e dalibertação social. Inerente às noções de Welch de sofrimento, solidariedadee comunidade redimida estão os princípios da prática política e pedagógicaque destacam uma visão específica do relacionamento entre poder, conhe-cimento e luta cultural. Welch deixa isto claro na seguinte declaração:

Questionar a verdade da opressão não é apontar para suas debilidades intelectuais ouconceituais, mas expor suas debilidades na prática, revelar e fomentar formas alterna-tivas de comunidade humana que a questionem no nível das operações diárias depoder/conhecimento. Questionar efetivamente a opressão é apontar para seu fracassoem determinar a natureza cia existência humana e buscar ampliar a esfera de influên-cia de estruturas alternativas.... A tentação de definir as esperanças de libertação dosoutros deve ser evitada. O genocídio cultural de um Cristianismo imperialísta não éacidental, mas tem por base tal abordagem arrogante da libertação. É opressivo "liber-tar" as pessoas se sua própria história e cultura não servem como fonte fundamentalde definição de sua liberdade.26

Welch não se contenta em simplesmente questionar a noção cristãtradicional da verdade em sua política de comunidades redimidas; em vezdisso, ela tenta uma reconsideração fundamental do conceito, a qual éessencial em todo o seu sistema teórico. A articulação de Welch de umapolítica da verdade ecoa o espírito fortalecedor presente nos escritos de

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256 HENRYA. GIROUX

Ernst Bloch e Michel Foucault. Bloch argumenta contra uma fundamenta-ção transcendental da verdade, uma vez que é a lógica de tais racionaliza-ções a príori que muitas vezes é usada para legitimar o status gno. ParaBloch, a verdade deve ser dirigida em relação ao mundo e situada na dialé-tica corrente da interação e comunidade humana. Como assinala Bloch:

Existe um segundo conceito de verdade... o qual é, pelo contrário, repleto de valor(Wertgeladen) — como, por exemplo, no conceito de "um verdadeiro amigo", ou mexpressão de Juvenal Tempestaspoética - isto é, o tipo de tormenta que se encontranum livro, uma tormenta poética, o tipo que a realidade nunca testemunhou, umatormenta levada ao extremo, uma tormenta radical e, portanto, uma verdadeira tormen-ta.27

A própria formulação de Welch do conceito de verdade como enraizadanas aspectos mais fundamentais da experiência e solidariedade rejeita cla-ramente, juntamente com Bloch, a noção Iluminista da verdade como ummodo universal de conhecer e ordenar a experiência. Contudo, enquantoBloch proporciona a Welch uma noção de verdade como análise críticaradical, Foucault liga a verdade com as engrenagens mais fundamentais dopoder e do conhecimento, e assim fornece uma maneira radicalmente novacie conceitualizar-se o papel do intelectual e da prática intelectual.

Nos termos cie Foucault, a verdade não existe fora do poder, nem éproduto e recompensa daqueles intelectuais que se libertaram da ignorân-cia. A verdade é parte de uma economia política do poder. Nas própriaspalavras de Foucault:

A verdade é uma coisa deste mundo: ela é produzida somente em virtude cias múlti-plas formas de coação. E ela induz efeitos regulares de poder. Cada sociedade tem seuregime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de discurso que elaaceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e situações que nos permi-tem distinguir afirmações falsas e verdadeiras, os meios pelos quais cada unia delas esancionada; as técnicas e procedimentos aos quais se concede valor na aquisição daverdade; o status daqueles que têm a responsabilidade cie dizer o que conta comoverdade.... Parece-me que o que deve agora ser levado em conta no intelectual não eo "portador dos valores universais". Em vez clisso, é a pessoa que ocupa uma posiçãoespecífica (mas cuja especificidade está ligada, em uma sociedade como a nossa, aofuncionamento geral de um aparato da verdade).28

A análise de Foucault cia economia política da verdade e seu estudocios modos discursivos e institucionais nos quais os "regimes de verdadesão organizados e legitimados fornecem a Welch uma base teórica sobre aqual desenvolver o conceito de prática intelectual como uma forma ciepolítica cultural. Welch argumenta que os intelectuais têm que ser vistos erntermos de sua função social e política dentro de ''regimes de verdadeparticulares. Isto é, os intelectuais não podem mais se iludir acreditandoque estão servindo em nome da verdade, quando, de fato, estão profunda-

PROFESSORES CO,V|OINTELECTUAIS 257

mente envolvidos em batalhas "em torno do status daeconômico e político que ela desempenha".29

Ao desenvolver esta visão, Welch ainda argumenta

verdade e do papel

que,„ "" ". , , . ,'„'. , . " " MUV-, para que apratica intelectual crie uma política alternativa e emancipacíora da verdadela precisa ser embasada em formas de discurso e ação moral e ética quedirijam-se ao sofrimento e às lutas dos oprimidos. Esta é uma das formula-ções mais marcantes desenvolvidas por Welch. Ela é notavelmente produzi-da através de uma apropriação crítica dos princípios radicais mais funda-mentais da teologia da libertação e da teoria feminista. De igual importân-cia é a tentativa de Welch de apontar formas específicas de prática intelec-tual coerentes com sua visão de uma ética legitimadora.

As formulações pedagógicas de Welch surgem a partir de sua convic-ção de que os intelectuais precisam reconsiderar o relacionamento entreconhecimento e poder. Isto é particularmente claro em sua análise críticadas falhas da visão de ideologia do marxismo tradicional.30 Na visão marxis-ta clássica, o poder se relaciona com o conhecimento basicamente atravésdas formas nas quais ele serve para distorcer ou místíficar a verdade. Conse-qüentemente, a análise crítica da ideologia serve principalmente para exami-nar as condições econômicas e sociais subjacentes do conhecimento, ou asformas nas quais o conhecimento pode ser analisado por suas distorções emistificações. Segundo Welch, o que se perde nesta formulação é qualquercompreensão do papel produtivo que o poder representa ao gerar formasde conhecimento que produzem e legitimam formas particulares de vida,ressoam com os desejos e necessidades das pessoas e constróem formasparticulares de experiência. Ampliando o importante conceito de Foucault,Welch argumenta que a relação conhecimento/poder produz efeitos "positi-vos" perigosos pela maneira na qual cria necessidades, desejos e verdadesparticulares.

É neste ponto que sua análise pode fornecer aos educadores a basepara reconstruir-se uma teoria social crítica que ligue a pedagogia a formasde crítica e possibilidade. Ao elucidarem-se os efeitos produtivos do poder,torna-se possível que os professores como intelectuais desenvolvam for-mas de prática que tomem com seriedade a maneira como as subjetividadessão construídas dentro de "regimes de verdade"; destaca-se também a im-portância de desenvolver-se uma teoria da experiência como aspecto cen-tral da pedagogia radical. Isto também aponta para o papel que os educadorespodem desempenhar como portadores de memória perigosa. Como intelec-tuais transformadores, os educadores podem servir para revelar e desenter-rar aquelas formas de conhecimento histórico e subjugado que apontampara as experiências de sofrimento, conflito e luta coletiva. Neste sentido,os professores como intelectuais podem começar a ligar a noção de compre-ensão histórica aos elementos de análise crítica e esperança. Tais lembran-ças mantêm vivo o horror da exploração desnecesária, bem corno a necessi-

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258 HENRY A. GIROUX

dade constante de intervir e lutar coletivamente para eliminar as condiçõesque a produzem.

Por fim, Weich argumenta de forma convincente que os radicais preci-sam se engajar em lutas contra-hegemônicas como "intelectuais específi-cos". Tal formulação requer que os intelectuais pensem não em termos decivilidade, profissionalismo ou promoções de mandato, mas redefinam seupapel dentro da especificidade dos locais políticos, econômicos e culturaisonde os "regimes de verdade" são produzidos, legitimados e distribuídos. Édentro destes conceitos que os intelectuais podem confrontar a microfísicado poder e trabalhar para construir esferas públicas alternativas que te-nham urna conexão orgânica corrente com a dinâmica da vida cotidiana.

Eagleton e Welch respectivamente desenvolvem e demonstram a im-portância de tornar o discurso da ética e da esperança, por um lado, e a lutaem andamento para o desenvolvimento de esferas públicas democráticasdentro e fora das escolas, por outro, aspectos centrais de uma teoria educacio-nal crítica. Enquanto Eagleton questiona e reconstrói criticamente o relaciona-mento entre crítica social e a esfera pública, Welch fornece os referenciaismorais que ligam a teoria e prática às lutas políticas e pedagógicas corren-tes com grupos oprimidos e subordinados. Ambos os autores fornecem oscontornos de um projeto político que não apenas está em desacordo com ocaráter antíutópico exibido por muitos educadores radicais e conservado-res, como também traz esperanças reais para o desenvolvimento de umaprática e teoria educacional dentro de um discurso que una a escolarizaçãoa uma política na qual a crítica e a esperança estejam fundamentadas emum projeto prático de possibilidade.

Notas

1. Por exemplo, ver Dan Líston, "On Facts and Values: An Analysis of Radical CurriculumStudies", Educational Theory, 36:2 (1986): 137-52.

2. Um exemplo típico é Nicholas C. Burbules, "Radical Eclucational Cynicism and RadicalEducation Skeptícism", em Philosophy of Education 1985, Davíd Nyberg, ed. (Urbana. III.:Philosophy of Education Society, 1986), pp. 201-5.

3. Por exemplo, ver Robert R. Bullough, Jr., e Andrew D. Gitlen, "Schooling and Change: AView From the Lower Rung", Teachers College Record 87:2 (1985): 219-37. Ver tambémRobert V. Bullough, Jr., Andrew D. Gitlin, e Stanley L. Goldstein, "Ideology, Teacher Role,and Resistance", Teachers College Record 86:2 (1984): 339-58. Estes autores têm uma manei-ra curiosa de descobrir problemas que têm uma longa tradição de análise radical e então osapresentar como se eles nunca tivessem sido examinados de uma maneira crítica semelhan-te.

4. Ver, como um exemplo, Dan Liston, "Marxism and Schooling: A Failed or Limited Tradítion.' ,Educational Theory 35:3 (1985): pp. 307-12. Argumentei contra esta posição em Giroux.Theory and Resistance, e Giroux, "Rumo a Uma teoria crítica da Educação", neste volume.

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 259

5. Philip Wexler, "Introducing the Real Sociology of Education", Contemüorarv13:4 (1984): 408. y

6. Terry Eagleton, The Function ofCrüicism: From the Spectator to Post-StructuraHsm (LondVerso, 1984); Welch, Communities of Resistance.

7. Ibid., p. 9.

8. Ibid., p. 107.

9. Ibid., p.91.

10. Ibid., p. 98.

11. Ibid., p. 113.

12. Ibid., p. 112.

13- Anson Rabinach, "Between Enlightenment and Apocalypse: Benjamin, Bloch, and ModernGerman jewish Messianism", New German Critique 34 (Winter 1985): 124.

14. Ernst Bloch, The Principie o/Hope, III (Cambrídge, Mass.: MIT Press, 1985), pp. 1366-67.

15. Um exemplo deste tipo cie discurso pode ser encontrado em todo o trabalho de C. A.Bowers. Ver, por exemplo, The Promise of Theory (New York: Longman, 1984). O tratamentoda história de Bowers como um discurso unificado não problemático que é sinônimo deuma tradição reverenciada não tem nada em comum com críticos do Iluminísmo tais comoAdorno, Horkheimer e Benjamin, os quais acreditavam que uma consciência históricalibertadora envolveria (não destruiria) seletivamente o continuum da história, indo de en-contro a ela para resgatar suas memórias subjugadas e reprimidas. Bowers erra ao argumen-tar que a visão de pensamento crítico da esquerda traduz-se diretamente em um individua-lismo desarraigado que nega a própria noção de tradição. Parece ter escapado à atenção deBowers que o pensamento crítico é uma preconclição para ação coletiva ou para uma leituraseletiva do passado. Este é o discurso do apologista político.

16. Esta posição é mais bem exemplificada no artigo mais recente de Nicholas C. Burbules,''Review Article Education Under Siege", Educational Theory, 36:3 ( 1986): 301-13.

17. A posição de Burbule aponta para sua própria confusão quanto à natureza dos interessesque guiam sua própria política. Este parece ser um problema constante em grande parte deseu trabalho. Ver Burbules, "Review Article", p. 309.

18. É impossível detalhar os problemas que precisam ser enfrentados ao apelar-se para asalianças com movimentos sociais críticos. Para uma discussão brilhante desta questão, verPerene Feher e Agnes Heller, "From Red to Green", Teíos 59 (Primavera 1984): 35-44.

19. Bloch, citado em Anson Rabinach, "Unclaimed Heritage: Ernst BlodYs Herítage of OurTimes and the Theory of Fascism", New German Critique, 11 (Primavera 1977): 11.

20. Welch, Communities of Resistance.

21. Ibíd., pp. 74-75.

22. Ibíd., pp. 90-92.

23. Ibid., p. 26.

24. Ibid., p. 90.

25. Ibid., p. 15.

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26. Ibid., pp. 82-83.

27. Michael Lowy, "Interview with Ernst Bloch", New German Critique 9 (Outono 1976)- 37

28. Michel Foucault, Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings, 1972-1977(New York: Pantheon, 1980), p. 132.

29. Ibid., p. 132.

30. A esquerda educacional é notável por seu tratamento reducionista da ideologia e Maneismo. Ver Michael Dale, "Stalking a Conceptual Chamaleon: Ideology in Marxist Studies ofEducation", Educational Theory 36:3 (Verão 1986): 241-57. Ver também o tratamento deBurbules de ideologia-análise crítica em Burbules, "Review article", p. 310. Para um tratamento unidimensional do Marxismo e educação, ver Francis Schrag, "Education anel HistoricalMaterialism", Interchange 17:3 (Outono 1986): 42-52. O artigo de Schrag de fato tem umavirtude: ele oferece aos professores e alunos um exemplo clássico cie como não escreversobre Marxismo e educação.

/

Remissivo

B

Abordagem neomarxista, 59-61. Vertambém Educadores radicais

Ação coletiva, 67-70Ação social, pensamento critico e, 39-40,

'67-70, 52n2educação em estudos sociais e, 67-69sociedade e, 195-196

Adler, Mortimer, 125-126. Ver tambémProposta Paideia

Administração científica, 43-44, 113-115Adorno, Theodor, 117-118Agência crítica, 123-124Alfabetismo, 33-34, 119-121, 148-149América do Norte, obra cie Freire e, 150-

151Analfabetismo: crítico, 39-41

cultural, 100-101. Ver também "Novoanalfabetismo"

Análise de texto, 138-139, 141-142Antiutopia, 243-244, 250-251Apple, Michael, 48-49,55-56, 81-82Aprendizagem emancipadora, autorização

e, 147-148, 151-152, 202-203, 52n2formas de conhecimento e, 85-87, 219-121história e, 145-146, 155-51para professores, 202-203

Aronowitz, Stanley, 62-63, 115-119, 189-190

Arons, Stephen, 61-62Autoprodução, teoria da, 140-141Autoridade, sala de aula democrática e, 70-

72Avaliação: dialógica, 70-72

currículo oculto e, 64-66participação dos estudantes na, 106-108

Barber, Benjamín, 207Bennett, William, 183-184Bernstein, Basil, 62-63, 83-84, 113-114,

226-227Bloch, Ernst, 208-209, 251-252, 255-256Bookchin, Murray, 187-188Bourdieu, Pierre, 83-84, 101-102, 113-114,

226-227Bowers, C.A., 259nl5Bowles, Samuel, 65-66Bruner, Jerome, 63

Cagan, Elizabeth, 68-69Cânone nas humanidades, 183-184Capital Cultural: sociedade dominante e,

36-38, 113-114dos estudantes, 82-84, 100-102, 107-108,127-129, 227-129dos oprimidos, 153-154dos professores, 38-39

Capitai humano, 213-214. Ver tambémCapital cultural

Carnoy, Martin, 226-227Centralidade da criança, 130-132Cidadania: educação e, 33, 162-163

treinamento de professores e, 206-207Ver também Ação Social

Cinismo, 249-250Classe social. Ver Cultura dominante

Culturas subordinadasClasse trabalhadora

Classe trabalhadora, 130-131, 238-239, 24S-249. Ver também Culturas subordinadas

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202 HENRY A. GJROUX

Colegialidade, 174-175Comunicação: cultura dominante e, 113-

115escrita vs. oral, 95-97

Comunidade redimida, noção de, 254-255Comunidade, noção de, 254-255Conflito cultural, 131-133Conflito social, 57-58. Ver também LutaConhecimento diretivo, 84-85Conhecimento: construção do, 60-61

como experiência, 131-132como fato, 33-34, 44-46, 64, 81-83, 234-237como significado, 45-46crítico, 39-40cultura dominante e, 151-152currículo e, 47-50de alto vs. baixo status, 223-225, 227-228diretivo vs. produtivo, 84-87distribuição de, 223-225legitimação seletiva do, 64, 80-82papel emancipador do, 85-87processos pedagógicos e, 148-149produtivo, 84-85valores e, 98-100. Ver também Relaçãoconhecimento/ poder

"Conhecimento positivo" 126-127Connell, R.W., 230-231Consciência política, 86-88Contra-hegemonia: em Gramsci, 236-238

esperança e, 147-148, 249-250papel do intelectual e, 28-29, 187-188,247-248, 257-258pedagogia e, 251-252vs. Resistência, 198-199

Controle social, 57-58, 216-217Controle: discurso das relações cordiais e,

130-131Controle socialdos estudantes, 126-128, 130-131dos professores, 159-160no modelo tradicional, 45-46. Vertambém Hegemoniasignificado e, 48-49

Counts, George S., 223Criatividade, 65-66Cristianismo tradicional: universais abstra-

tos e, 254-255luta humana e, 252-253

movimento cia Teologia da Libertação e,149-150, 251-252papel do, 251-252

Crítica social, esferas públicas e, 245-246Cultura dominante: pedagogia crítica e,

218-219discurso da cultura vivida e, 141-142discurso da relevância e, 133-135domínio da, e crítica, 237-238educação tradicional e, xxx, 184-185ensino escolar e, 226-229intelectuais e, 179-180, 187-188natureza reprodutiva da, 148-149tecnologia e, 113-114

"Cultura do silêncio", 83-84, 100-102Cultura popular, 190Cultura: formas de, 152-153

como experiência vivida, 152-153como inacabada, 184-185. Ver tambémDiscurso, das culturas vividacomo mediadora, 200-201como terreno cie luta, 132-136controle religioso e, 252-253Cultura dominanteCulturas subordinadasescolas como corporificações de, 123-125noção de, 38-39, 235nlpluralismo normativo e, 131-133poder e, 133-136popular, 166-167

Culturas subordinadas: pedagogia crítica e,218-219discurso da relevância e, 133-135mobilização neoconservadora cias, 213-214

Currículo oculto: consciência do, 86-87conhecimento escolar e, xxx, 60-61crítica textual e, 139-140e a abordagem estrutural-funcíonalista,57-58e validade cio conhecimento, 64-65elementos de, 64-65Freire e, 148-149Gramsci e, 237-238, reformadoresliberais e, 216-217metas da educação social e, 56-57mudança educacional no, 66-67, teoriaeducacional e, 35-37, 56-57-60-61organização curricular e, 64-67

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 26

relações em sala de aula e, 60-61, 64-6 /riscos de ignorar-se o, 64,74

Currículo: regulação moral no, 215-216exigências da nova espécie de, 50-51oficial vs. oculto, 56-57, 73-74organização do, 64-67sociologia cio, 43-51, 217-218teoria tradicional do, 43-46, 55-56. Vertambém Nova sociologia do currículo

Cusick, R, 126-127

D

Darwinismo social, 223-225Democracia: conceito de, 206-207, 251-252

"novo analfabetismo" e, 115-116autorização para a, vs. natureza proces-sual da, 229-230como filosofia pública, 210-211linguagem de crítica e possibilidade e,207-208participativa, 71-72processos sociais subjacentes à, 67-70

Desigualdade, causas da, 230-231legitimação da, 223-225

Dewey.John, 28-29, 195-197, I42nl4Diálogo, 70-72Diferença, noção de: currículo e, 134-136

na pedagogia do pluralismo normativo,131-132-133no discurso da administração e controle,125-126política e, 207-208teoria da pedagogia administrativa e,160-161

Disciplinas Acadêmicas: arbitrariedade das,180-181-82-83como ciência normal, 181-182-82-83,185-186estudos culturais e, 191-192normalização das, 181-182-82-83práxis contra-disciplinar e, 185-186-88,190-92-93

Disciplinas. Ver Disciplinas acadêmicasDiscurso educacional neoconservador:

natureza e ideologia cio, 213-117-118sentimento popular e, 213-214-116-117teoria educacional radical e, 213, 216-217-118-119

Discurso positivista, 147-148Discurso utópico, 208-209, 251-25? Ver

também Terry EagletonSharon Welch

Discurso: das relações cordiais, 130-131campos de, 137-138-38-39da administração e controle 33 124-1?=128-129, 158-159, da satisfação das ""necessidades, 129-131da análise de texto, 138-139, 141-142da democracia, 28-29da experiência, 123-125da integração, 130-136da política cultural, 135-136da produção, 137-138, 141-142da relevância, 128-131, 133-136das culturas vividas, 140-141Discurso educacional neoconservadordo poder, 150-151Linguagem de possibilidadeVer também Linguagem da análisecrítica

Dominação: nos países industriais desen-volvidos, 112-115complexidade da, 145-146conhecimento e, 151-152. Ver tambémCultura dominantePoder

Dorfman, Ariel, 139-140Dreeben, Robert, 62-63

Eagleton, Terry, 244-245, 250-251, 257-258Educação progressista. Ver Discurso, da

relevânciaEducação vocacional, 223-226Educação: natureza política da, 25, 61-64

para política radical, 233-240 Educadorede esquerda Ver Educadores radicais

Educadores radicais: natureza antiutópicacios, 243-244, 250-251crise na educação pública e, 213, 21ó-217teoria e, 243-244Teoria social européia e, 200-203

Empirismo, 225n8Entwistle, Harold, 233-238Enzensberger, Hans, 114-116

Page 134: 86004352 Giroux Os Profess Ores Como Intelectuais

264 HENRY A. GIROUX

Escola de Frankfurt, 113-114. Ver tambémTheodor AdornoHerbert MarcuseJürgen HabermasMax Horkheimer

Escola mimética de escrita, 92-9-4Escola romântica de escrita, 93-96Escolas urbanas, 126-128Escolas: como agência de socialização. 62-

63como esferas políticas, 161-162universidades e, 171-172sociedade e, 47-48, 55-58, 61-62, 133-134, 223-225, 228-229

Escrita: conceitos de, 102-103abordagens tradicionais da, 92-97como processo, 92-93, 95-'96como veículo de aprendizagem, 101-108vs. comunicação oral, 95-97

Esferas contrapúblicas. Ver Esferas públicasoposicionistas

Esferas públicas democráticas: desenvolvi-mento de, 251-252, 257-258escolas como, 28-29, 137-142, 205-206,208-211. Ver também Esferas públicasoposicionistasna obra de Eagleton, 244-245

Esferas públicas oposicionistas: desenvolvi-mento de, xxxiii, 250-251escolas e, 230-231fora da universidade, 250-251intelectuais e, 188-192, 247-248política pública e, 209-210teoria educacional radical e, 243-244-37-38

Esferas públicas: ausência de, para osintelectuais, 248-249classe trabalhadora, 248-249. Ver tam-bém Esferas públicas democráticasclássicas, 245-246, 247-248crítica social e, 245-246escolas como, 230-231Esferas públicas oposicionistasestudo curricular e, 176-177estudos culturais e, 188-189intelectuais e, 179-183nos países industrializados, 247-248, 250-251para investigação reflexiva, 195-196poder e, 151-152

trabalho conjunto faculdade/professor e176-177universidades como, 203-204, 246-247

Especialização, 179-180, 182-183Esperança. Ver Linguagem da possibilidade

Discurso utópicoEstruturas de aprendizagem cooperativas,

227-228Estudar, 123-124Estudo curricular: clientela do, 165-166,

176-177ambiente universitário e, 173-174colegialidade e, 174-175como política cultural, 165-166conteúdo do programa e, 175-176esferas públicas e, 176-177ideologia e, 48-50intelectuais transformadores e, 172-173-70-71linguagem cie crítica e possibilidade e,169-170-68-69pedagogia crítica e, 219-220-121relacionamento teoria-prática e, 171-172

Estudos americanos, 182-183Estudos culturais: práxis contradisciplinar

nos, 185-186, 190-191e linguagem de crítica e possibilidade.189, 190-191intelectuais transformadores e, 186-187,191-192necessidade dos, 179-180

Estudos de pós-graduação. Ver Treinamen-to de professores

Ética na educação, 56-57, 244-245, 252-253,256-257

Ewen, Stuart, 113-114Exigências cie Certificação, 127-129Experiência: poder cultural e, 153-154

como prática vivida, 252conhecimento como, 131-132discurso da, 123-125verdade enraizada na, 255-256. Vertambém Capital cultural

Falsa consciência, 60-6l, 196-197Família, 61-63, 214-215Fatos, Ver Conhecimento, como fato

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS

Teoria, fatos eFortalecimento: aprendizagem

emancipadora e, 147-148, 151-152, 202-203, 52n2dos professores, 195-196educação tradicional e, xxx

Foucault, Michel, 180-181, 252-256, 257-258

Freire, Paulo, 61-62, 123-124, 145-146Fruchter, Norman, 118-119Funcionalismo, 56-61,135-136

G

Gintis, Herbert, 65-66Gitlin, Todcl, 119Glazer, Nathan, 133Goodlad, John, 223-225Goodman, Jesse, 159-160Gouldner, Alvin, 99-100Governo, intervenção do, 214-215Gramsci, Antônio, 112-113, 186-187, 233-

240Grandes grupos, currículo oculto e, 64-66Gray, Francine du Piessix, 93-94Greed, 195, 209-211Greene, Anthony, 59-60Grupo pós-freudiano, 94-95Grupos oprimidos. Ver Culturas subordina-

das

H

Habermas, Jürgen, 195Habilidades, para liderança, 218-220

dos professores, 134-135. Ver tambémMicro-objetivos

Hall, Stuart, 219-220Hegemonia: nas práticas de sala de aula,

127-128cultural, 112-115noção de Gramsci cie, 237-238, culturada classe trabalhadora e, 238-239

História: conceito de inserção histórica e,155-156escrita como veículo de aprendizagemcom, 101-108possibilidades de emancipação e, 145-146, 155-156

teoria curricular e, 167-169Horkheimer, Max, 85-86Humanidades, cânone nas, 183-184Hunter, Allen, 214-215

Idéia organizadora, conceito cie, 102-106Ideologia: construção do conhecimento e,

59-60como ferramenta pedagógica, 36-37currículo como estudo na, 48-50

Iglitzin, Lynne B., 86-87Imaginário radical, 196-197Incapacitação dos professores, 35-36, 157-

158Independência, 62-63Individualismo, processos em sala de aula

e, 68-70autobeneficiente, 195, 209-210discurso neoconservador e, 214-215e cooperação de grupo, 67-68

Indústria cultural, 114-116Informação, contextualização da, 99-101Institucionalização da crítica social, 246-

247Instituto Ontario de Estudos em Educação

(Toronto), 175-176"Intelectuais orgânicos", 195-196Intelectuais transformadores: estudos

culturais e, 186-187, 191-192estudantes como, 135-136estudo curricular e, 172-173professores como, 29-31, 135-136, 142,157-158, 160-161, 186-187-188, 257-258relação teoria-prática e, 154-155

Intelectuais: conservadores vs. radicaisorgânicos, 186-187política cultural e, 256-257. Ver também,Intelectuais transformadores

Inteligência, taxa de, 232nl7Interação de grupo, 64-65, 71-72Interações professor-aluno. Ver relações

estudante-professorInter-clisciplinas, fracasso das, 182-183Interesse próprio vs. interesse do grupo,

69-70Inter-relacionamento currículo-escola-

socíedade, 47-48, 55-57

Page 135: 86004352 Giroux Os Profess Ores Como Intelectuais

266 HENRY A. GIROUX

jackson. Philip, 64-66Jameson, Frederic, 100-101, 118-119Johnson, Richard, 139-140Justiça, 56-57, 60-61

K

Kant, Immanuel, 86-88Kliebard, Herbert, 43-44Kohlberg, Lawrence, 88Kosinski, Jerzy, 91

Laclau, Ernesto, 206-207Leitura. Ver Mídia impressa vs. cultura

visualLiberdade, 217-219Libertação da memória, xxxiv-xxxvLiderança cie pares, 70-74Linguagem da crítica: estudo curricular e,

169-170educadores radicais e, 43, 196-198, 231-232na obra cie Freire, 145-146na teologia da libertação, 251-252no trabalho de Eagleton, 247-248seleção e, 226

Linguagem da possibilidade: estudocurricular e, 170-171educadores radicais e, 196-197, 231-232,249-250mudança social e, 251-252na obra de Eagleton, 247-248opressão e, 148-149seleção e, 226teologia da libertação e, 146-149, 251-252

Linguagem: educacional, 33-35como construção social, 134-135, 252-254. Ver também Discursocio currículo da nova sociologia, 47-48do pensamento positivo, 132Linguagem cia análise críticaLinguagem da possibilidadepoder e, 166-167, 205-206, 228-229

Local de trabalho: pedagogia crítica e, 234-235

escolas e, 60-63, 65-68Lortie, Dan C., 65-67Luta, 252-253. Ver também Resistência

Conflito social

M

Macro-objetivos, 83-88Marcuse, Herbert, 195Marketing cie massa, 113-114Markovic, Mihailo, 87-88Marxismo: teoria curricular e, 169-170

Abordagem neomarxistae a obra de Freire, 145-146Educadores radicaisreducionismo econômico do, 200-202relacionamento intelectual-massas e, 154relacionamento poder/conhecimento no,257-258Ver também Antônio Gramsci

Materiais curriculares: mudança educacio-nal e, 55-56envolvimento do professor com, 40-41,127-129, 159-160mediação dos significados e, 48-49racionalidade e, 34-36

Materiais de sala de aula, Ver Materiaiscurriculares

Métodos cie ensino, 39-41, 158-160Micro-objetivos, 83-85Mídia eletrônica. Ver Mídia visualMídia impressa ^.cultura visual, 116-120Míclia visual: Esquerda americana e, 117-

118pensamento crítico e, 116-120vs. cultura impressa, 116-120

Minorias. Ver Culturas subordinadasModelo estrutural funcional, 39-40, 56-61,

135-136Modelos de ensino: modelos de responsa-

bilidade, 127-129modelo administrativo, 124-129modelo estrutural-funcional, 39-40, 56-61, 135-136modelo de escrita-história, 101-108. Vertambém Teoria educacional

Modelos de Responsabilidade, 127-129Modos comunicativos, uso vs. potencial

dos, 111-113, 115-116

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 207

Moral na educação, 215-216. Ver tambémÉtica na educação

Mouffe, Chantal, 206-207Movimento de retorno aos fundamentos,

33-34, 55, 92-93, 160-161Movimento dos objetivos, 79-81, 88Mudança educacional: currículo oculto e,

66-67reforma e, 55-56, 157, 223-225teoria cia reprodução e, 226-227desigualdade social e, 226-229teoria social e, 243-244

Mulheres: discurso neoconservador e, 215-216esferas públicas e, 248-249. Ver tambémTeologia feministaCulturas subordinadas

N

Necessidades da criança: raciocínio críticoe, 235-237satisfação das, 129-131

Negócios, escolas e, 213-214Negros. Ver Culturas SubordinadasNietzsche, Fríecirich Wilhelm, 98-99Normalização, das disciplinas, 181-182Notas (escolares), 70-72Nova Direita, 213Nova sociologia do currículo: questiona-

mento feito pela, 46-50como idealismo subjetivo, 58-60e a linguagem de crítica, 146-147, 43-44idéias gerais da, 43-45, 47-50relativísmo da, 235-236significado da, para o futuro, 49-51

"Novo analfabetismo", 115-116

O

Oakes, Jeannie, 223-225Objetividade: perspectivas normativas e,

45-46, 97-98e o modelo curricular tradicional, 45-47dos meios visuais, 118-119. Ver tambémConhecimento, como fato

Objetivos dos cursos: relações sociais emsala de aula e, 80-82capital cultural e, 82-84

macro vs. micro-objetivos e, 83-88movimentos humanístico vs. Behavioristanos, 79-81teoria e, 81-83

Passeron, Jean-Claude, 226-227. Vertambém Pierre Bourdieu

Passividade, 57-58Pedagogia crítica: como política cultural

135-136como situacional, 50-51cultura dominante e, 218-219culturas subordinadas e, 133-135, 218-219discurso da experiência e, 123-125e linguagem de crítica e esperança, 243—247, 257-258noções de emancipação e, 50-51poder cultural e, 218-219

Pedagogia: estudo curricular e, 168-169controle social e, 217-218política e, 161-162Ver também Pedagogia crítica

Pensamento crítico: componentes ciepedagogia e , 96-102ação social e, 39-40, 67-70, 52n2, 235nl5alfabetização como, 33-34, 119-121capital cultural e, 82-84cultura visual e, 116-120currículo oculto e, 65-66disciplina e, 236-237educação de professores e, 158-159ensinar para, 41ensino cie estudos sociais e, 97-102esperança e, 249-250modelo do currículo tradicional e, 46-47nas democracias ocidentais, 195posição cie Consistência Interna e, 98-99vs. urgência das necessidades 235-237

Pensamento: abordagem dialética do, 102-103ação social e, 67-69, 136-137teoria e, 82-83. Ver também Pensamentocrítico

"Percepção imaculada" 97-98Piccone, Paul, 179-180Pinar, William F., 43-44

Page 136: 86004352 Giroux Os Profess Ores Como Intelectuais

208 HENRYA. GIROUX

Pluralismo normativo, 130-133Pluralismo radical, 207-203Poder cultural, 153-154, 218-219Poder: Cristianismo e, 252-253

controle social e, 218-219cultura e, 133136currículo oculto e, 64-65linguagem e, 166-167, 252-253na pedagogia de Freire, 150-151na teoria educacional radical, 216-217produção cultural e, 136-137programas dos estudos curriculares e,173-174, experiência e, 124-125Relação conhecimento/poderverdade e, xxv, 38-40, 255-256. Vertambém Poder cultural

Política cultural: estudo curricular e, 165-166campos de discurso e, 137-138currículo da formação de professores e,203-204-e educação, na visão de Freire. 145-146pedagogia da, 135-136prática intelectual e, 247-248, 256-257

Política cio corpo, 244-245, 248-249Política pública, 209-210Política radical, ensino escolar para, 233-

240Popham, \V. James, S9n2Popkewitz, Thomas S., 64Popper, Karl, 234-236Posição de Consistência Interna, 98-99Práxis contradisciplinar, 185-186, 190-191Privilégio: de experiência culturalmente

específica, 129-132, 223-225da linguagem, 134-135cio conhecimento de stattis superior, 223-225, 227-228e seleção, 223-225pocler nas escolas e, 133-134prática pedagógica e, 124-125

Problemática, 35-37Processos democráticos em sala de aula:

currículo oculto e, 68-70, 73-74implementação de, 69-74valores por trás dos, 66-69

Produção capitalista: coletividade e, 68-70igualdade nas escolas e. 226-227intervenção cio estado e, 200-201

Produção cultural: discurso da, 137-138,141-142experiência e, 152-153nas escolas, 136-137, 205-206poder e, 136-137processo cie, 148-149, 206-207

Produção, discurso da, 137-138, 141-142-143- Ver também Produção capitalistaProdução cultural.

Proposta Paideia, A (Adler), 125-126. 230-231

R

Racionalidade cio íluminismo, 251-252,255-256

Racionalidade tecnocrática: crítica da, 43-47administração científica e. 43-44como hegemonia cultural, 114-115escrita e, 92-93estado da, 43-45, 51no campo cie ensino, 157-158objetivos e, 80-81professores como intelectuais e, 161-162treinamento cie professores e, 38-40,158-159, 172-173

Racionalidade, noção de, 34-36. Vertambém Racionalidade tecnocrática

Realização, 62-63, 70-71Recompensas, 65-66, 70-71. Ver também

AvaliaçãoReconstrucionistas sociais, 195-196Reformas de Gentile, 235-236Relação conhecimento/poder: discurso

curricular e, 170-171, 237-238crítica social e, 248-2-49democracia e, 230-231discurso das culturas vividas e, 141-142esferas públicas e, 195-196intelectuais transformadores e, 30-31,162-163verdade e viu, 38-40, 255-256

Relação teoria-prática, 154-155, 252-253Relações professor-aluno: pedagogia

contra-hegemônica. e, 238-239democráticas, 66-71currículo oculto e, 64-67

Relações sociais em sala de aula: objetivosdos cursos e, 80-82

OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS 269

aprendizagem autoclirigida e, 131-132conhecimento e, 51, 60-64, 100-101 199200democráticas, 69-74, 108diálogo e, 71-72dominação e, 237-238e seleção, 69-71notas e, 70-72nova sociologia e, 47-50, 59-60pensamento crítico e, 100-101Relações professor-alunoVer também Currículo oculto

Relações sociais: análise das, 167-168contraditórias, 145-146Currículo oculto,nas escolas, 135-136teoria e, 243-244Ver também Relações sociais em sala deaula

Relatividade cultural, 59-60Relevância, 128-131, 133-136, 142nl4Repolitização da produção acadêmica, 189Reprodução social: relacionamentos sociais

em sala de aula e, 60-61conceito de, 137-138e inter-reladonamento currículo-escola-sociedade, 47-48educadores radicais e, 243-244escola como agência de, 37-38, 147-148Oakes e, 226-229pensamento crítico e, 98-99relacionamento cultura-sociedade e, 112-115seleção e, 223-223vs. processo de produção, 148-149us. produção cultural, 206-207

Reprodução. Ver Reprodução socialResistência, 198-199. Ver também LutaRitmo próprio, 72-74Rogers, Carl, 131-132

Seleção educacional (Oakes), 223-225Seleção. 223-224

formas específicas de por classe, raça egênero, 130-131história da, 223-225linguagem da crítica e possibilidade e226

sala de aula democrática e, 69-71Senso comum, 238-239Sexo, seleção e, 130-131Sharp, Rachel, 59-60Significado: construção do, 37-38 47-49

58-61caráter histórico do, 57-58ideologia e, 36-37, 60-61

Simon, Roger, 133-135Simpson, Philip, 236-237Sistema de referência, 87-88, 99-100 102-

105Sociedade: função dos professores na 160-

161escolas e, 47-48, 55-58, 61-62, 133-134,213-214, 223-225, 228-229

Soelle, Dorothée, 149-150Sofrimento, 253-254Solidariedade, 254-255Sontag, Susan, 93-94

Tecnologia, uso i's. potencial da, 111-113,115-116

Televisão. Ver Mídia visualTeologia cia libertação, 146-147, 251-252Teologia feminista, 251-252. Ver também

Sharon WelchTeoria da privação cultural, 129-130Teoria educacional: teorias alternativas na,

25-26, 38-39abordagem neomarxista na, 59-61abordagem sócío-fenomenológica da,39-40, 56-61abordagem tradicional, 25-26, 35-38,147-1-iS. Ver também Modelos de ensinodiscurso e, 33-35.Nova sociologia do Currículo

Teoria social: necessidade de reconstruçãocia, 244-245como previsão, 235-236educação de professores e, 199-200

Teoria: fatos e, 81-83, 97-100educadores radicais e, 243-2~*4

Trabalho conjunto faculdade/estudante,175-177

Trabalho docente: natureza política do,199-200proletarizaçfio do, 157-158

Page 137: 86004352 Giroux Os Profess Ores Como Intelectuais

270 HENRY A. GIROUX

Treinamento de professores: contra-hegemonia e, 198-199abordagem técnica e, 39-41, 158-159,172-173. Ver também Estudo curricularanalfabetismo crítico e, 39-41e linguagem de crítica e possibilidade,203-204estudo curricular e, 165-74instituições de, como esferas públicas,195-196política cultural e, 176-177, 203-204recuo do político e, 197-198teoria social e, 199-200trabalho conjunto faculdade/estudantee, 175-177

Tyler, Ralph, 61-62

U

Universidade: sociedade dominante e,190-191escolas e, 171-172institucionalização da crítica e, 246-247intelectuais radicais na, 187-188

democracia na educação e, 67-70discurso neoconservador e, 213-214,216-217fatos e, 99-100transmissão de, 65-67

Van Nostrand, A.D., 96-97Verdade: conhecimento como, 64

enquanto enraizada na experiência '55-256relação conhecimento/poder e, viii, 38-40, 255-256

Vida humana, afirmação da, 253-254Voz do estudante, xxxv, 201-202, 21S-219,

228-229, 238-239

wWalkerdine, Valerie, 217-218Welch, Sharon, 244-245, 249-252Williams, Raymond, 247-248Wiliiamson, Judith, 139-140Willis, Paul, 226-227

Valores: teoria curricular e, 45-47, 50-51

Zeichner, Kenneth M., 158-159

ACTRDPOLE.Indústria Gráfica Lida.