899-2095-1-pb

162
ISSN 2238-6890 Organizações Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edição especial), p. 417-562, dez. 2014 Departamento de Administração e Economia Universidade Federal de Lavras

Upload: leticia-melo

Post on 17-Dec-2015

119 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Revista

TRANSCRIPT

  • ISSN 2238-6890

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-562, dez. 2014

    Departamento de Administrao e Economia Universidade Federal de Lavras

  • Organizaes Rurais & Agroindustriais, a revista de Administrao da UFLA, tem como misso divulgar trabalhos cientficos e ensaios desenvolvidos nas reas de gesto de cadeias agroindustriais, gesto social, ambiente e desenvolvimento, organizaes/associativismo, mudana e gesto estratgica, economia, extenso e sociologia rural.

    Indexada nas seguintes bases de dados:

    Ficha Catalogrfica Elaborada pela Coordenadoria de Produtos e Servios da Biblioteca Universitria da UFLA

    Organizaes rurais & agroindustriais. Vol. 16, n.4 (edio especial), dez. 2014 - . Lavras: UFLA, Departamento de Administrao e Economia, 2014- .

    v. : il.

    Semestral: 1998-2004. Quadrimestral: 2005- Continuao de: Cadernos de administrao rural, ISSN 0103-412X. ISSN 1517-3879

    1. Administrao. 2. Agronegcio. 3. Economia rural. 4. Gesto social, ambiente e desenvolvimento. I. Universidade Federal de Lavras. Departamento de Administrao e Economia.

    CDD 630.68

  • Reitor da UFLAJos Roberto Soares Scolforo

    Vice-Reitoradila Vilela de Resende Von Pinho

    Pr-Reitoria de PesquisaJos Maria de Lima

    Chefe do DAE/UFLAFrancisval de Melo CarvalhoCoordenador do PPGA

    Luiz Marcelo AntonialliEditora UFLA Conselho Editorial

    Renato Paiva (Presidente)Brgida de Souza, Carlos Alberto Silva, Flvio Meira Borm, Joelma Pereira,

    Luiz Antnio Augusto Gomes

    CapaHelder TobiasCirculaoBiblioteca Universitria da UFLA/Setor de Intercmbio: Edio Eletrnicahttp://revista.dae.ufla.brhttp://www.editora.ufla.br

    EXPEDIENTESecretriaGicelda Aparecida de SouzaEditorao EletrnicaPatrcia Carvalho de MoraisRenata de Lima Rezende Suporte de SistemaPolaris - Inovaes em Solues WebReviso de Portugus

    FN Monografias - Formatao e RevisesReviso de Ingls

    FN Monografias - Formatao e RevisesReviso de Referncias BibliogrficasMrcio Barbosa de Assis

    Organizaes Rurais & AgroindustriaisDepartamento de Administrao e EconomiaUniversidade Federal de LavrasCaixa Postal 3037 CEP 37200-000 Lavras, MG BrasilFone: +55 35 3829-1762Fax: +55 35 3829-1772Contato: [email protected] Eletrnico: http://revista.dae.ufla.br

  • CONSELHO EDITORIAL

    Daniel Carvalho de Rezende - UFLA - Presidente/EditorAdalberto Amrico Fischmann - USPBruno Lanfranco - INIA - Instituto de Investigacin Agropecuria - UruguaiCristina Lelis Leal Calegario - UFLADcio Zylbersztjan - USPEdgard Alencar - UFLAEllen F. Woortmann - UNBFbio Ribas Chaddad - University of MissouriJaime Evaldo Fensterseifer - UFRGSJos Edson Lara - UFMGLuis Araujo - Lancaster UniversityMarcelo Jos Braga - UFVMozart Jos Brito - UFLAPaulo Furquim Azevedo - FGV/SPPeter J.P. Zuurbier - WUR - Wageningen University HolandaRosa Teresa Moreira Machado - UFLATales Wanderley Vital - UFRPETerry Terrence - UGA - University of Georgia - EUA

    EDITORES DE SEO Cristina Lelis Leal Calegario - UFLADany Flvio Tonelli - UFLASabrina Soares da Silva - UFLA

  • EDITORIAL

    com prazer que apresentamos a quarta edio de 2014 da revista Organizaes Rurais e Agroindustriais. a primeira vez que temos 4 edies em um ano, e essa ampliao permitiu a publicao de 38 artigos em 2014, sendo 30 em edies regulares e 8 na edio especial vinculada chamada de artigos com o tema Gesto Social e Territrios Rurais. Em 2015 continuaremos com a poltica de 3 edies regulares e 1 edio especial, cuja chamada deve sair em breve. Um total de 87 artigos foram submetidos revista em 2014, o que significa uma taxa de mais de 2 pra 1 entre artigos submetidos e publicados. A diversidade geogrfica tem sido uma marca importante da revista. Somente na presente edio temos artigos de autores vinculados a instituies de 6 estados: Minas Gerais, Santa Catarina, Paran, So Paulo, Mato Grosso do Sul e Alagoas. Para 2015 os planos so ousados. Pretendemos aumentar significativamente o nmero de artigos publicados em ingls. Por meio de projeto de financiamento da Fapemig j aprovado, investiremos na traduo de artigos com o objetivo de que ao menos 50,0% dos artigos publicados em 2015 sejam em lngua inglesa, o que aumentar a visibilidade de nosso peridico e as chances de indexao nas mais importantes bases de dados internacionais.

    Os artigos do v.16, 4, 2014 so um reflexo da diversidade de reas de conhecimento que caracterizam historicamente a revista, com os seguintes ttulos: Estruturas de governana e capacidade de resposta s leis ambientais: um estudo em destilarias no estado do Paran A demanda do etanol e sua caracterizao no mercado brasileiro de combustveis Interaes de Estados Unidos e Brasil no mercado mundial de soja em gro: uma anlise dinmica baseada nas trajetrias estocsticas das exportaes Anlise dos custos de transao nas cooperativas da cadeia produtiva do leite no oeste de Santa Catarina Desempenho da pauta de exportaes do agronegcio de Mato Grosso do Sul A influncia dos investimentos diretos externos (IDE) na rentabilidade e no risco: uma aplicao dos modelos de sries temporais no perodo de 2000 a 2012 numa empresa do setor alimentcio Avaliao de desempenho econmico-financeiro em cooperativas de crdito rural de Minas Gerais As relaes de confiana e de comprometimento como bases da estrutura e da governana das redes: casos dos agronegcios de banana e de uva no Norte do Paran Mercantilizao da agricultura familiar: uma anlise dos efeitos de variveis selecionadas para as culturas do feijo e do arroz Resultados econmicos de propriedades rurais familiares na regio oeste de Santa Catarina: uma anlise do custo de oportunidade do capital

    Boa leitura!

    Daniel Carvalho de RezendeEditor

  • ISSN 2238-6890

    SUMRIO/CONTENTS

    417

    466

    435

    481

    496

    506

    450

    ESTRUTURAS DE GOVERNANA E CAPACIDADE DE RESPOSTA S LEIS AMBIENTAIS: UM ESTUDO EM DESTILARIAS NO ESTADO DO PARANGovernance structures and response conditions to environmental laws: a case study in distilleries of Paran StateCleicieli Albuquerque Augusto, Jos Paulo de Souza, Slvio Antonio Ferraz Cario.........................................................

    ANLISE DOS CUSTOS DE TRANSAO NAS COOPERATIVAS DA CADEIA PRODUTIVA DO LEITE NO OESTE DE SANTA CATARINAAnalysis of transaction costs in milk production cooperatives in western Santa CatarinaMaycon Noremberg Schubert, Paulo Dabdab Waquil.......................................................................................................

    INTERFACES TERICAS NA ESTRUTURAO DE UMA REDE: PROPOSTA E APLICABILIDADE NO AGRONEGCIO PARANAENSETheoretical interfaces in structuring networks: proposal of implementation in the agribusiness of Paran, BrazilNilson Csar Bertli, Ernesto Michelangelo Giglio, Celso Augusto Rimoli.....................................................................

    UTILIZAO DA ANLISE FATORIAL PARA IDENTIFICAO DOS PRINCIPAIS INDICADORES DE AVALIAO DE DESEMPENHO ECONMICO-FINANCEIRO EM COOPERATIVAS DE CRDITO RURAL DE MINAS GERAISIdentification of the major indicators of economical and financial performance assessment in rural credit cooperatives of the State of Minas Gerais through the factor analysis methodRichardson Coimbra Borges, Gideon Carvalho Benedicto, Francisval de Melo Carvalho..............................................

    A INFLUNCIA DOS INVESTIMENTOS DIRETOS EXTERNOS (IDE) NA RENTABILIDADE E NO RISCO: UMA APLICAO DOS MODELOS DE SRIES TEMPORAIS, NO PERODO DE 2000 A 2012, NUMA EMPRESA DO SETOR ALIMENTCIOInfluence of Foreign Direct Investments (FDI) in the profitability and risk: an application of time series models, from 2000 to 2012, in a food sector companyGabriel Rodrigo Gomes Pessanha, Juciara Nunes de Alcntara, Cristina Lelis Leal Calegario, Antonio Carlos dos Santos, Leiziane Neves de zara.......................................................................................................................................

    RESULTADOS ECONMICOS DE PROPRIEDADES RURAIS FAMILIARES NA REGIO OESTE DE SANTA CATARINAEconomic results of rural family properties in western of the State of Santa CatarinaKarlize Prigol, Flvio Jos Simioni...................................................................................................................................

    MERCANTILIZAO DA AGRICULTURA FAMILIAR: UMA ANLISE DOS EFEITOS DE VARIVEIS SELECIONADAS PARA AS CULTURAS DO FEIJO E DO ARROZMercantilization of the family farming: an analysis of the effects of variables selected for bean and rice cropsMarcos de Oliveira Garcias, Carlos Jos Caetano Bacha..................................................................................................

  • 532

    518

    545

    INTERAES DE ESTADOS UNIDOS E BRASIL NO MERCADO MUNDIAL DE SOJA EM GRO: UMA ANLISE DINMICA BASEADA NAS TRAJETRIAS ESTOCSTICAS DAS EXPORTAESInteraction between Brazil and The United States on the world market for soybeans: a dynamic analysis based on the stochastic trajectories of exportsAndressa Lemes Proque, Francisco Carlos da Cunha Cassuce, Evaldo Henrique da Silva..............................................

    A DEMANDA DO ETANOL E SUA CARACTERIZAO NO MERCADO BRASILEIRO DE COMBUSTVEIS The demand of hydrated ethanol and its characterization in the brazilian fuel marketNilton Csar Lima, Gustavo Henrique Silva de Souza......................................................................................................

    DESEMPENHO COMPETITIVO DA PAUTA DE EXPORTAES DO AGRONEGCIO DE MATO GROSSO DO SUL ENTRE 1997 E 2011Competitive performance of exported products from Mato Grosso do Sul State agribusiness sector between 1997 and 2011Eduardo Luis Casarotto, Carlos Eduardo Caldarelli..........................................................................................................

  • Estruturas de governana e capacidade de resposta... 417

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    ESTRUTURAS DE GOVERNANA E CAPACIDADE DE RESPOSTA S LEIS AMBIENTAIS: UM ESTUDO EM DESTILARIAS

    NO ESTADO DO PARAN

    Governance structures and response conditions to environmental laws:a case study in distilleries of Paran State

    RESUMOObjetivou-se, neste artigo, compreender, sob amparo terico da Nova Economia Institucional, como as estruturas de governana podem afetar a condio de resposta s leis ambientais, nas relaes entre produtores e processadores, em destilarias paranaenses. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa, descritiva e de corte transversal, com perspectiva longitudinal. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com gerentes agrcolas e fornecedores mais antigos de cinco, das sete destilarias presentes no estado do Paran. Os resultados indicaram que, alm da integrao vertical, a estrutura de governana na forma hbrida, representada pelo contrato de parceria do tipo arrendamento, apresenta-se como a mais adequada para o atendimento s leis ambientais, devido ao controle total obtido sobre o processo produtivo. As estruturas hbridas, envolvendo os contratos de parceria agrcola e fornecimento, apresentam baixa velocidade de resposta, por no possibilitarem controle total dos ativos e exigirem uma maior coordenao da relao da destilaria com seus contratados.

    Cleicieli Albuquerque AugustoUniversidade Federal de Santa [email protected]

    Jos Paulo de SouzaUniversidade Estadual de [email protected]

    Slvio Antonio Ferraz CarioUniversidade Federal de Santa [email protected]

    Recebido em 14/03/2012. Aprovado em 17/04/2014Avaliado pelo sistema blind reviewAvaliador cientfico: Sabrina Soares da Silva

    ABSTRACTIn this work, we aimed to understand, under theoretical umbrella of the New Institutional Economics, the way how the governance structures can affect the response condition to environmental laws in the relations between producers and processors in Paran distilleries. Thus, we performed a qualitative, descriptive and cross-sectional research, with longitudinal perspective. Data were collected by means of unstructured interviews to agricultural managers and to the oldest suppliers of five of seven distilleries of the State of Paran. According to results, besides vertical integration, the governance structure in the hybrid form, represented by the contract of partnership-type lease, was found to be the most suitable for attending the environmental laws, due to total control obtained under the productive process. The hybrid structures involving the agricultural and supplying partnership contracts, showed low response speed, by not making possible the total control of assets and by requiring higher coordination of the relation among distillery with its working partners.

    Palavras-chave: Destilarias paranaenses, estruturas de governana, capacidade de resposta, leis ambientais.

    Keywords: Paran distilleries, governance structures, response capacity, environmental laws.

    1 INTRODUO

    Nos ltimos anos,os biocombustveis ganharam notoriedade e a produo de lcool brasileira tem ocupado uma posio de destaque no cenrio internacional.Oestado do Paran, nesse contexto, apresenta um perfil moderno e ocupa a posio de segundo maior produtor nacional de lcool, participando com 7,51% da produo nacional (LINS; SAAVEDRA, 2007). De acordo com dados da

    Associao de Produtores de Bioenergia do Estado do Paran - ALCOPAR (2010), no perodo de 2002 a 2009, houve um aumento de 52% na rea utilizada para o plantio de cana-de-acar no Paran, o que significou um acrscimo de 90,2% da produo de lcool paranaense.

    Diante desse crescimento, o setor alcooleiro tem sido apontado como um impulsionador do desenvolvimento econmico, em funo dos benefcios que tem propiciado. Por outro lado, ele tem sido criticado pela degradao que

  • AUGUSTO, C. A. et al.418

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    as atividades inerentes fabricao de lcool causam ao ambiente.Tendo-se em vista que a produo de lcool no envolve apenas um segmento, pois existe uma relao de interdependncia entre produtores e processadores, surgem questes relacionadas coordenao. Essa coordenao pode envolvera utilizao de estruturas de governana que sejam capazes de minimizar os custos de transao envolvidos.

    Tradicionalmente, as estruturas de governana tm sido estudadas por abordagens da Nova Economia Institucional (NEI), especialmente pela Economia dos Custos de Transao (ECT), a partir dos trabalhos de Coase (1937), Klein, Crawford e Alchian (1978) e Williamson (1975, 1985, 1991, 1996). A ECT apresenta a transao como unidade de anlise e tem como preocupao central criar valor a partir da coordenao de estruturas de governana, que podem se dar meio de integrao vertical, mercado ou contratos (WILLIAMSON, 1985).

    Objetivou-se,no presente artigo, compreender como as estruturas de governana podem afetar a capacidade de resposta aos estmulos impostos pelo aparato legal ambiental, nas relaes envolvendo produtores e processadores, em destilarias no estado do Paran. As evidncias quanto importncia de se entender as problemticas transacionais entre produtor e processador no atendimento legislao ambiental do setor, envolvendo conhecimento tcnico, dependncia e garantias de direito de propriedade,definem a validade e o carter inovador do presente estudo.

    Nesta orientao, a resposta ao objetivo apresentado indicou, inicialmente, a necessidade de se descrever as leis ambientais que interagem com a dinmica operacional nos segmentos produtor e processador,nas destilarias pesquisadas. Em um segundo momento, buscou-se identificar os tipos de estruturas de governana encontrados e sua influncia nas condies operacionais especificas s atividades das destilarias e dos produtores estudados. Por fim, buscou-se compreender como as estruturas de governana influenciam na capacidade de resposta aos estmulos impostos pelas leis ambientais, nas relaes de produtores e processadores, em destilarias no estado do Paran.

    Para atingir os objetivos propostos, o trabalho apresenta, alm desta introduo, uma seo contemplando o referencial terico utilizado, discutindo a ECT em termos de origem, evoluo, caractersticas principais e limitaes; outra seo apresentando os resultados alcanados; uma ltima seo com as consideraes finais obtidas e as referncias utilizadas.

    2 REFERENCIAL TERICO

    A teoria econmica que remonta a Smith (1976) proclamou que as transaes de mercado so a forma mais eficiente de organizar a vida econmica. No entanto, como observa Crooks et al. (2013), essa teoria deixou duas importantes questes sem resposta: Se os mercados so a maneira mais eficiente para organizar, por que as empresas ainda existem? E dado que existem empresas, como gerentes decidem quais atividades organizar dentro das organizaes, usando os mercados para as outras?.

    Coase (1937) comeou a responder a estas perguntas em seu clebre artigo The nature of the firm, explicando que a organizao atravs de mercados envolve certos custos - mais tarde chamados de custos de transao - que podem ser reduzidos em algumas circunstncias se as atividades forem organizadas dentro da empresa. Para Zylbersztajn (2009, p. 42), Coase [...] discutiu razes explicativas para a existncia da firma com base nos custos comparativos da organizao interna e de produo via mercado, e lanou as bases para o estudo das formas alternativas de organizao das firmas contratuais.

    A partir da viso da firma como um nexo de contratos, surgiu uma famlia de teorias da firma de base contratual,como a Economia dos Custos de Transao (WILLIAMSON, 1985, 1996), a Teoria dos Custos de Mensurao (BARZEL, 1997, 2005), ambas ancoradas em Coase, a Teoria dos Contratos Incompletos (HART, 1995), e a Teoria com Base nos Recursos (LANGLOIS; FOSS, 1997), entre outras. A ECT evidencia-se como foco do presente estudo, frente ao objetivo de analisar qual a melhor forma de coordenao diante das leis ambientais presentes no setor alcooleiro. Seus princpios bsicos relacionados aos atributos de transao, pressupostos comportamentais e estruturas de governana so discutidos a seguir.

    2.1 Economia dos Custos de Transao: Origem e Princpios Bsicos

    O princpio bsico na considerao da TCT est relacionado ao pressuposto de que existe um ambiente com custos de transao positivos, ou seja, existem custos para proteger e capturar direitos de propriedade, que podem ser garantidos tanto por contratos formais como por outras formas de coordenao informais, amparadas por reputao ou laos sociais. Em todo caso [...] a unidade de anlise fundamental passa a ser a transao, onde so negociados direitos de propriedade (ZYLBERSZTAJN, 1995, p. 15).

  • Estruturas de governana e capacidade de resposta... 419

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    Na tentativa de explicar mais precisamente a natureza dos custos de transaes e como eles podem enviesar a tomada de decises econmicas, Williamson (1985) faz uso de alguns conceitos, entre os quais se destaca o de quase-renda (quase-rents). A quase renda, para o autor, surge da produo de ativos especficos e refere-se diferena do lucro que se obtm se a negociao sair como o planejado, em comparao ao lucro que se obteria se tivesse que apelar para a prxima melhor opo.

    Ao discutir a quase-renda, Barzel (2005), insere o conceito de padronizao. Conforme o autor,a padronizao se constitui em um dos procedimentos que podem reduzir a quase-renda e, com isso, o incentivo para a sua apropriao. O uso de relaes de longo prazo tambm destacado pelo autor como um mtodo para driblar a captura de quase-renda. Alm disso, as empresas podem adquirir uma reputao de no se engajar em capturar a quase-renda [...] (BARZEL, 2005, p. 368, traduo nossa). O autor ainda destaca que relaes de longo prazo parecem ser especialmente eficazes quando os envolvidos na transao lidam diretamente uns com os outros, porque desse modo desenvolvem confiana.

    De modo geral, a ECT estuda como as partes em uma troca protegem-se dos riscos, visando a reduo dos custos de transao envolvidos. Nesse contexto, analisando-se os atributos e pressupostos transacionais presentes, possvel prever os arranjos institucionais que sero adotados. Com base nesse argumento geral da ECT, so discutidos a seguir os atributos caractersticos das transaes, bem como os pressupostos comportamentais inerentes.

    2.1.1 Atributos de Transao e Pressupostos Comportamentais

    Os atributos que caracterizam uma transao so trs, conforme Williamson (1985): a frequncia, a incerteza e a especificidade de ativos. Ao discutir o atributo frequncia, Williamson (1985), considera que, quanto maior a frequncia, menores so os custos relacionados coleta de informaes e elaborao de contratos, e maior a probabilidade de os parceiros desenvolverem reputao, limitando comportamentos oportunistas. Alm disso, o autor observa que a transao poder ser ocasional, o que ocorre quando os agentes no desenvolvem qualquer tipo de relacionamento, ou recorrente, quando h ganhos de aprendizado que criam dependncia entre os agentes.

    J em relao incerteza, Williamson (1985) afirma que, quanto maior for a presena desse atributo em uma dada transao, mais complexo torna-se o

    desenvolvimento de parcerias de longo prazo. De acordo com Bohrer, Padula e Gonalves (2005, p. 4), a incerteza pode ser classificada como ex- ante e ex-post. A incerteza ex-ante se relaciona falta de informaes sobre os atores envolvidos na transao [...] e, consequentemente, podem ocasionar erros no processo decisrio quanto s clusulas contratuais. J as incertezas ex-post, dizem respeito s condies de mercado, que iro determinar a qualidade e os resultados das escolhas prvias.

    Os ativos especficos, por sua vez, so ativos tangveis ou intangveis irrecuperveis, no sentido de que no podem ser reempregveis em outra transao sem perda de valor. Na viso do autor, os ativos especficos so os principais atributos que influenciam na escolha pela estrutura de governana e o mais distinguvel custo econmico das transaes. Um grande nmero de estudos empricos com inspirao na ECT tem suportado as consideraes de Williamson quanto influncia dos ativos especficos e dos outros atributos de transao na determinao de estruturas de governana, tais como os de Klein (2005), Macher e Richman (2006) e Shelanski e Klein (1995). Na perspectiva de Williamson (1996), os ativos especficos podem alcanar seis ramificaes: locacionais, temporais, fsicos, dedicados humanos e de marca.

    A especificidade local surge, segundo Williamson (1985), quando estgios sucessivos esto localizados prximos uns aos outros, apresentando uma condio de imobilidade pelos custos elevados de deslocamento. A especificidade temporal, por sua vez,ocorre quando o valor da transao est relacionado com o tempo especfico em que ela se realiza, sendo relevante, por exemplo, no caso de produtos perecveis. J a especificidade fsica acontece quando os investimentos realizados por alguma das partes envolvidas na relao so especficos para a atividade. Os ativos dedicados envolvem a relao de dependncia do investimento com o retorno em virtude da dedicao a um comprador particular, ou a uma atividade especfica. As especificidades de ativos humanos, conforme o autor, referem-se necessidade de capital humano especfico para a atividade. Williamson (1996) destaca, ainda, a especificidade de marca que apresenta uma importncia especfica para a atividade.

    Alm dos atributos das transaes, Williamson (1985) afirma que a ECT parte de dois pressupostos comportamentais que a distinguem da abordagem tradicional: o oportunismo e a racionalidade limitada. Para Zylbersztajn (1995, p. 17), [...] o oportunismo parte de um princpio de jogo no cooperativo, onde a

  • AUGUSTO, C. A. et al.420

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    informao que um agente possa ter sobre a realidade no acessvel a outro agente, pode permitir que o primeiro desfrute de algum benefcio do tipo monopolstico. No caso da existncia de comportamento oportunista, a integrao vertical pode se mostrar eficiente para evitar a captura de renda (WILLIAMSON, 2000). Por outro lado, de acordo com Foss e Klein (2010), empiricamente, a relevncia do oportunismo destituda, apontando para a baixa frequncia com que aes oportunistas podem ser observadas, por exemplo, em redes industriais ou em associaes de longo prazo entre as empresas e seus fornecedores. J a racionalidade limitada [...] deriva da noo de incompletude contratual, ou seja, devido aos limites cognitivos que caracterizam os agentes, no possvel o estabelecimento de contratos que deem conta de todas as contingncias futuras, conforme Azevedo (2000, p. 36).

    Numa viso geral sobre atributos de transao e pressupostos comportamentais, Foss e Klein (2010) explicam que ativos especficos abrem a porta ao oportunismo. Se contratos so incompletos devido racionalidade limitada, eles devem ser renegociados considerando as incertezas presentes, e se uma parte do contrato (por exemplo, uma empresa fornecedora) tenha incorrido em custos irrecuperveis no desenvolvimento de ativos especficos, (incluindo capital humano), a outra parte pode, oportunistamente, apropriar-se de uma parte indevida do pay-off do investimento (quase-rendas), ameaando retirar-se do relacionamento.Essa situao conduz a um resultado ineficiente.

    Considerando-se o exposto, destaca-se que, a partir dos atributos das transaes, dos pressupostos comportamentais e tendo sido identificadas as diferentes relaes contratuais, pode-se identificar a estrutura de governana apropriada para as diversas transaes. As estruturas de governana discutidas na literatura sobre a Economia dos Custos de Transao so apresentadas a seguir.

    2.1.2 Estruturas de Governana

    Na viso de Williamson (1996), as estruturas de governana so mecanismos de coordenao empregados para reduzir custos de transao na realizao das transaes, a partir de instituies reguladoras. As instituies so as regras do jogo e, juntamente com as regras da economia, definem o conjunto de escolhas presentes para as organizaes (NORTH, 1991; WILLIAMSON, 2000).

    O ponto central que instituies so relevantes, so passveis de anlise, afetam e so afetadas pelas

    firmas e organizaes (ZYLBERSZTAJN, 2009). Para o autor, as instituies podem ser estudadas a partir de duas vertentes analticas. A primeira, de natureza macro-desenvolvimentista, focaliza a origem, estruturao e mudanas das instituies. A segunda, de natureza microinstitucional, preocupada com a anlise de estruturas de governana. De acordo com Williamson (1991), a ECT foca em trs alternativas genricas para estruturar atividades econmicas e se adaptar s condies de mudanas: mercado, hierarquia (integrao vertical) ou por contratos (formas hbridas).

    Na estrutura de governana via mercado, conforme Williamson (1985), o nvel de especificidade de ativos baixo, logo, os custos de transao so mnimos. Os agentes conhecem as caractersticas dos produtos transacionados, a incerteza e a frequncia nas transaes so insignificantes e, normalmente, no se cria reputao entre os agentes. De acordo com Crook et al. (2013, p. 65), [...] os mercados so a primeira escolha dos gestores,de acordo com o TCE. Eles so bem adequados para simples operaes em que a necessidade de uma estreita coordenao entre as partes baixa. A integrao vertical ou hierarquia, por sua vez, motivada pelo alto nvel de frequncia, de incerteza e, principalmente, de especificidade de ativos.

    Outra questo que deve ser observada so os diferentes nveis de incentivo e de controle que a firma dispe para organizar suas atividades, discutidos por Williamson (1985) e posteriormente tratados por Mizumoto e Zylbersztajn (2006). Segundo Mizumoto e Zylbersztajn (2006, p. 150), [...] arranjos via mercado so os que oferecem mais incentivos, mas a possibilidade de controle depende da existncia de parceiros substitutos para disciplinar os desvios em relao ao acordo. Sendo assim, conforme a necessidade de controle aumenta, a firma passa a optar por arranjos contratuais em que possvel utilizar a ameaa de litgio para fazer cumprir o contrato. Neste caso, a firma opta por arranjos hierarquizados em que as atividades so coordenadas internamente, ao preo de um incentivo menor,vis--visao arranjo via mercado.

    Entre os extremos do mercado e da hierarquia, Mnard (2004) refora a proposta de Williamson (1985), e aprofunda os estudos sobre as formas contratuais. Os contratos ou formas hbridas, de acordo com Mnard (2004) e Zylbersztajn (2005), podem se fazer necessrios para garantir que no haja captura da quase renda pelas partes envolvidas, ou seja, para garantir que no ocorra a perda ou expropriao do valor econmico do produto ou servio transacionado. O autor prope que a estrutura

  • Estruturas de governana e capacidade de resposta... 421

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    de governana contratual pode assumir diferentes configuraes (Figura 1), constituindo-se em arranjos menos formais at arranjos mais formais.

    Nessa linha de raciocnio, desdobra a figura inicialmente desenvolvida por Williamson (1985) que, como se utilizasse uma lente de aumento, classifica as formas contratuais, de um menor para um maior nvel de formalizao, a partir de relaes de confiana, redes relacionais, liderana at a governana formalizada, que seria o ltimo nvel antes da hierarquias. A partir desse ponto, a hierarquia se mostra a forma de governana mais apropriada na presena de alto nvel de especificidade de ativos. Mnard (2004) refora que, na medida em que as partes vo se conhecendo, aumenta o uso de mecanismos informais, tais como reputao, confiana, compartilhamento de informaes e ajuda mtua, que so utilizados na coero dos agentes.

    Cabe observar que o estudo das estruturas de governana toma por pressuposto que as fronteiras das organizaes no so claras, e a busca pela forma adequada para encaminhar uma transao tem, em seu processo decisrio, a considerao, tanto de custos de produo, quanto de custos de transao. Dessa forma, ao se decidir entre a integrao vertical ou a eficincia dos contratos, ou mesmo o incentivo do mercado, trata-se de considerar a forma eficiente capaz de reduzir os custos envolvidos e viabilizar estratgias competitivas. O custo para movimentar o mercado (COASE, 1937), na presena de especificidade de ativos e condicionantes comportamentais (WILLIAMSON, 1985), e a necessidade de se considerar custos de monitoramento e possibilidades de quebra contratuais, dado que so transacionados direitos de propriedade

    (BARZEL, 1997; HART; MOORE, 1990; JACOBIDES; WINTER, 2005), possibilita que a deciso pelo alinhamento eficiente seja mais bem orientada.

    Essas consideraes indicam que a escolha pelo mecanismo adequado para governar as transaes, com influncia direta no escopo das organizaes, envolve diversas variveis. Isso porque, a definio de estruturas de governana, alm de definir a eficincia transacional nas relaes intra e interorganizacionais, influencia diretamente a capacidade de resposta das empresas frente ao ambiente externo que se apresenta. Nas destilarias paranaenses, percebe-se a importncia cada vez mais presente do aparato legal ambiental nas atividades alcooleiras, estabelecendo normas e limitando as atividades do setor.

    Ao se considerar a questo ambiental no setor alcooleiro, a percepo de que no se tratam, apenas, de restries formais existentes, mas tambm como essa questo se configura em problemas de coordenao e governana, dado que existem relaes de interdependncia sequencial. Nessas condies, as estruturas de governana utilizadas pelas destilarias estabelecem uma influncia direta sobre a coordenao de custos adicionais, resultantes da presena de gargalos produtivos e competitivos associado as o atendimento s leis ambientais. A busca pela compreenso e tratamento desses gargalos, no presente estudo, torna relevante a considerao da transao e o tratamento das relaes contratuais envolvendo os agentes, como mecanismo para tratar o atendimento das questes ambientais no agronegcio. Buscando um melhor entendimento sobre as condies legais ambientais no setor alcooleiro, o prximo tpico visa apresentar uma viso geral sobre a sua configurao.

    FIGURA 1 Estruturas de governanaFonte: Mnard (2004, p. 22)

  • AUGUSTO, C. A. et al.422

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    2.2 Legislao Ambiental Brasileira no Setor Sucroalcooleiro

    O ajuste ao regramento ambiental define o conjunto de restries ao comportamento dos agentes e as suas decises diante de um ambiente de incertezas climticas, sazonais e produtivas, gerando efeitos imediatos nos resultados de curto prazo e nas decises acerca de alocao de recursos. No caso do Brasil, o estudo de Jank (2010) identifica que a legislao ambiental bastante avanada e de carter mais preservacionista do que a de muitos pases desenvolvidos. Segundo o autor, o verdadeiro desafio eliminar a ilegalidade, garantindo a preservao das atuais florestas, ampliando-se a estrutura de fiscalizao e definindo claramente os direitos de propriedade.

    No Brasil, a questo ambiental tem amparo no Cdigo Florestal aprovado pela Lei 771, de 15 de setembro de 1965 (BRASIL, 1965). Essa lei se destaca como uma das mais importantes leis que regulam as atividades ambientais nas destilarias paranaenses, em que o governo institui reas de preservao permanente e reas de reserva legal.

    Frente a esse contexto, importante lembrar que a existncia de uma legislao ambiental, que impe algumas medidas a serem adotadas pelas empresas para a minimizao dos impactos no meio ambiente, exerce efeito direto nas atividades inerentes produo sucroalcooleira. Tendo como base a produo agrcola, as reas de plantio so objeto de preocupao constante da legislao, amparada no Cdigo Florestal, de 1965.

    Os limites ao plantio da cana-de-acar, e sua necessria contribuio proteo das guas, convergem para o conjunto de restries s aes produtivas. A partir do Cdigo Florestal (BRASIL, 1965), as medies da mata ciliar de nascentes, crregos, riachos e rios so realizadas tendo como base os limites estabelecidos em seu Art. 2, em que as metragens das reas so deixadas de acordo com a largura dos corpos hdricos, Segundo Neves et al. (2012, p. 13), a mata ciliar uma proteo natural contra o assoreamento. Sem ela, ocorre a eroso das margens que leva terra para dentro do rio, tornando-o barrento e dificultando a entrada da luz solar. As autoras defendem que a ausncia ou a reduo da mata ciliar pode provocar o aparecimento de pragas e doenas na lavoura e outros prejuzos econmicos s propriedades rurais.

    No mbito do estado do Paran, alm do Cdigo Florestal, outras leis so aplicadas e podem afetar as atividades da destilaria e de seus contratados:

    Lei N 6.894, de 16 de Dezembro de 1980 (acrescentar marcador nesse primeiro item, pois no constava)- Dispe sobre a inspeo e fiscalizao da

    produo e do comrcio de fertilizantes, corretivos, inoculantes, estimulantes ou biofertilizantes, destinados agricultura; Lei no 6.902, de 27 de Abril de 1981 - Dispe sobre a criao e utilizao de Estaes Ecolgicas e reas de Proteo Ambiental; Lei N 7.827, de 29 de Dezembro de 1983 - Dispe que a distribuio e comercializao no territrio do Estado do Paran, de produtos agrotxicos e outros biocidas, ficam condicionadas ao prvio cadastramento perante a Secretaria de Agricultura e Secretaria do Interior; Lei N 11054, de 11 de Janeiro - 11/01/1995 Dispe sobre a Lei Florestal do Estado, determinando como deve ser realizada a atividade florestal e as demais formas de vegetao no territrio paranaense, incluindo reas de preservao, como a reserva permanente e legal; Lei N 9.605, de 12 de Fevereiro de 1998 Dispe sobre as sanes penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, inclusive as reas de preservao permanente e de reserva legal.

    Nota-se que esses regramentos, alm de direcionar para a adoo de prticas adequadas relao produtiva com o meio ambiente, definem os encaminhamentos para o seu no cumprimento. Esses encaminhamentos podem envolver procedimentos de preservao ou reposio, e tambm penalidades, como multas e at priso. Cabe destacar, entretanto a viso de Palhares (2010), de que ainda existem muito poucas leis que visam preservao ambiental e de que preciso entender que as leis ambientais no tm o papel de impedir o desenvolvimento, mas sim de conserv-lo por meio da conservao dos recursos naturais.

    Estes regramentos se unem a outros mecanismos que se configuram em barreiras, normalmente no tarifrias, como exigncias de certificaes, que estabelecem restries com impacto direto nas relaes comerciais das organizaes. nesse contexto que se inserem as destilarias no Estado, e as restries formais presentes desafiam os gestores, no s pela presena de mecanismos de enforcement, mas tambm pela necessidade de coordenao no cumprimento s leis frente as relaes de interdependncia existentes no setor.

    3 METODOLOGIA

    Para desenvolver o objetivo proposto neste trabalho, adotou-se a pesquisa de natureza qualitativa,

  • Estruturas de governana e capacidade de resposta... 423

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    do tipo descritiva e corte transversal, com perspectiva longitudinal.

    Para o trabalho emprico foram selecionadas as destilarias, fabricantes de etanol, envolvendo sete unidades, presentes no estado do Paran. Para investigar as destilarias, foram coletados dados primrios e secundrios. Os dados secundrios foram buscados em rgos como Associao de Produtores de Bioenergia no Estado do Paran (ALCOPAR), Unio da Indstria de Cana-de-Acar (UNICA) e Instituto Ambiental do Paran (IAP). Os dados primrios foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com os gerentes agrcolas, bem como com fornecedores de cana mais antigos das destilarias pesquisadas. Essas entrevistas duraram em torno de noventa minutos e foram realizadas no ano de 2010.

    Como a ECT, por meio do atributo frequncia,indica o fator tempo como um elemento que define a maneira como as transaes se configuram,e os contratos tm durao mnima de 5 anos, foram selecionadas as destilarias e fornecedores contratados que esto na

    atividade h, pelo menos, dez anos. Dessa forma, foi possvel analisar a opinio dos entrevistados durante todo o perodo de contratao, considerando, ainda, os casos de continuao da relao ou recontratao. Dessa forma, das sete destilarias existentes no Estado, cinco atenderam solicitao de entrevista, pois uma no atendia ao critrio tempo na atividade, e a outra no aberta a pesquisas. O perfil das cinco destilarias selecionadas encontra-se no Quadro 1. A referncia dos fornecedores mais antigos das destilarias, um para cada destilaria, foi retirada dos arquivos das prprias destilarias, na fase de realizao das entrevistas.

    Aps a coleta dos dados, as entrevistas foram transcritas em documento word e a anlise e interpretao dos dados foram feitas por intermdio do mtodo de anlise de contedo. Bardin (2004) assinala trs etapas bsicas de um trabalho que se utiliza desse mtodo: pr-anlise, descrio analtica e interpretao inferencial. Essas etapas e as aes correspondentes desempenhadas nessa pesquisa so descritas no Quadro 2.

    QUADRO1 Amostra das destilarias localizadas no Estado do Paran por tempo de atuao

    Fonte: Elaborado pela autora, a partir de dados da ALCOPAR (2010)

    Destilarias Mesorregio Ano de fundao Cargo do entrevistado ProdutosA Norte Central Paranaense 1999 Gerente Agrcola lcoolB Noroeste Paranaense 1981 Gerente Agrcola lcoolC Norte Pioneiro Paranaense 1986 Gerente Agrcola lcoolD Noroeste Paranaense 1962 Gerente Agrcola lcool

    E Norte Pioneiro Paranaense 1976 Gerente Agrcola lcool

    Etapas Aes1. Pr-anlise - Escolha do tema e definio do referencial terico

    - Delimitao dos objetivos e delineamento da metodologia a ser utilizada- Demarcao do Corpus da pesquisa- Coleta de dados primrios e secundrios e transcrio das entrevistas realizadas- Reviso do referencial terico utilizado e verificao da necessidade de coletar novos dados.

    2. Anlise descritiva - Estudo aprofundado dos dados coletados- Categorizao classificao dos dados coletados- Apresentao de inferncias e interpretaes- Discusso dos resultados

    3. Interpretao inferencial

    - Compreenso dos fenmenos com base nos materiais empricos e tericos- Respostas efetivas s questes de pesquisa levantadas- Verificao de contradies e realizao das concluses

    QUADRO 2 Etapas da anlise de contedo

    Fonte: Elaborado pela autora (2010), a partir de Bardin (2004)

  • AUGUSTO, C. A. et al.424

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    Destaca-se que, na anlise de contedo realizada na presente investigao, a escolha das categorias se deu pelo referencial terico e pelos objetivos apresentados. Portanto, tem-se como pressuposto que os custos de transao podem configurar as estruturas de governana que, por sua vez, afetam a capacidade de resposta ao aparato legal ambiental, nas relaes entre produtores e processadores, no setor alcooleiro paranaense. Esse raciocnio estabelece as categorias de estudo que so apresentadas na Figura 2. Dessa forma, a apresentao e anlise dos dados seguiu a categorizao proposta.

    4 APRESENTAAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS

    4.1 Aparato Legal Ambiental

    A partir das entrevistas realizadas identificou-se que a questo ambiental, que interfere na relao da destilaria com os seus contratados, resume-se ao atendimento do Cdigo Florestal. Estabelecido a partir da Lei 4.771 de 15 de Setembro de 1965, o Cdigo Florestal apontado como a mais importante lei que regula as atividades ambientais nas destilarias paranaenses. Nessa lei, so discutidas as condies quanto instituio de reas de preservao permanente e reas de reserva legal, bem como quanto s queimadas.

    As reas de reserva legal equivalem a 20% da propriedade que deve ser recomposta com vegetao. As reservas permanentes, por sua vez, referem-se formao vegetal localizada nas margens dos rios, crregos, lagos, represas e nascentes (BRASIL, 1965). No tocante s queimadas, ainda no existe uma legislao especfica para sua regulao no estado do Paran, sendo que a sua prtica depende de liberaes realizadas anualmente pelo IAP, a partir de garantias de controle e uso criterioso por

    parte das destilarias (INSTITUTO AMBIENTAL DO PARAN - IAP, 2010).

    Todos os entrevistados asseguram que as leis ambientais so impostas e cabe s destilarias somente se adequar para que no prejudique o seu funcionamento, uma vez que existem rgos ambientais munidos de autoridade que fiscalizamo seu cumprimento. Como essas leis so praticadas nas relaes que as destilarias tm com seus contratados, elas influenciam a dinmica operacional das atividades na rea agrcola. Percebeu-se que essa influncia se d tanto nas atividades realizadas no plantio, quanto nas atividades desempenhadas na colheita.

    Quanto aos procedimentos relacionados ao plantio, as reservas permanentes e legais so as que mais afetam a condio operacional na relao das destilarias com produtores, devido reduo da rea plantada e, consequentemente, da capacidade produtiva que acontece.Outra caracterstica que influencia a dinmica operacional, apontada pelos entrevistados, diz respeito responsabilidade de averbao das reservas. Quando a destilaria a proprietria da terra, ela mesma se encarrega de averbar suas reservar legais e permanentes. No caso dos contratos, essa averbao se estabelece como condio para os fornecedores conseguirem realizar transaes com a destilaria.

    Quanto aos procedimentos relacionados colheita, o principal fator que estabelece condies operacionais nas atividades das destilarias e produtores pesquisados refere-se s queimadas. Diante de uma tendncia nacional para extinguir as queimadas, uma das opes para que isso acontea a automatizao da colheita. De acordo com os entrevistados, alm de aumentar a produtividade agrcola, as queimadas podem evitar que animais peonhentos piquem os cortadores de cana. Nesse caso, como a mecanizao elimina a colheita manual, as queimadas no se fazem necessrias. A participao da colheita

    FIGURA 2 Esquema de anlise categorias de estudoFonte: Elaborado pela autora (2010)

  • Estruturas de governana e capacidade de resposta... 425

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    mecanizada na colheita das destilarias paranaenses, de acordo com os gerentes agrcolas entrevistados, so 60% na Destilaria A, 72% na Destilaria B, 35% na Destilaria C, 0% na Destilaria D e 40% na Destilaria E. Nota-se portanto, que a Destilaria C a nica que no realiza colheita mecanizada, sendo que as outras tm se tornado cada vez mais mecanizadas e com o objetivo institudo de mais de 90% de mecanizao at 2016.Percebe-se, ento, que a quase totalidade das destilarias investigadas, em maior ou menor grau, esto se adequando s tendncias legais relacionadas extino das queimadas, adotando, para isso, a mecanizao da colheita. No entanto, vlido destacar que, para realizar a mecanizao, necessrio que os terrenos sejam adequados ao recebimento de mquinas, sendo que, nem todas as terras contratadas apresentam tal caracterstica topogrfica. O principal aspecto que influencia a dinmica operacional das destilarias, portanto, a priorizao de proprietrios que apresentem terrenos mais planos, favorveis entrada de mquinas colheitadeiras. Nesse aspecto, o principal problema apontado pela grande maioria dos gerentes entrevistados refere-se queima acidental de reas de reserva permanente ou legal.

    As afirmaes acima corroboram o controle advindo das instituies, apresentado por Williamson (1996), cujas regras regulam a configurao das estruturas de governana utilizadas. Isso porque, enquanto as reservas impactam na rea til, nos custos e no volume da produo, bem como na renda das partes envolvidas, a eliminao das queimadas trazem como exigncia a mecanizao e, consequentemente, a escolha, por parte das destilarias, de proprietrios que possuam terrenos adequados. Portanto, essas especificidades legais vm afetar diretamente a relao da destilaria com seus contratados.

    Diante disso, as orientaes de North (1991), que parte do pressuposto de que as instituies so as regras do jogo, e as organizaes so os jogadores, tambm so confirmadas.As questes operacionais, nesse contexto, se ajustam necessidade de atender aos determinantes legais, com destaque para as exigncias relacionadas reserva permanente, reserva legal e prtica de queimadas. As consequncias oriundas desses determinantes ambientais e os problemas relacionados listados pelas destilarias e produtores podem ser sintetizadas no Quadro 3.

    A partir da classificao de Williamson (2000) e Zylbersztajn (2009), percebe-se que as leis ambientais so tratadas sob um ponto de vista macroanaltico, definindo parmetros legais para as interaes das agroindstrias e destilarias no setor.Essas orientaes, por um lado

    estabelecem a necessidade de respostas imediatas dos agentes envolvidos. Por outro, indicam a trajetria que dever orientar a atividade, permitindo que indicativos para o regramento positivo do setor possam ser buscados. J o segundo nvel de anlise trata das microinstituies que regulam transaes especficas e se constituem por meio de estruturas de governana. Nesse sentido, o prximo tpico se dedica identificao dos tipos de estruturas de governana adotadas e, ainda, descrio de como essas estruturas definem condies operacionais especficas s atividades das destilarias e dos produtores estudados.

    4.2 Estruturas de Governana no Setor Alcooleiro

    4.2.1 Atributos de Transao e Pressupostos Comportamentais

    A discusso acerca dos atributos das transaes (frequncia, incerteza e especificidade de ativos), bem como dos pressupostos comportamentais relacionados (oportunismo e racionalidade limitada) toma por orientao a proposta de Williamson (1985) e direcionaram a obteno dos dados primrios. Alm disso, essa base terica conduziu a discusso dos objetivos relacionados identificao e influncia das estruturas de governana nas atividades das destilarias paranaenses e produtores investigados.

    Quanto frequncia, percebeu-se que as destilarias precisam constantemente de cana-de-acar para o andamento de suas atividades e, portanto, esto sempre buscando renovar contratos ou estar em contato com produtores potenciais.Os contratos normalmente so feitos para um perodo de cinco anos, com possibilidade de renovao para um ou dois anos, se a produtividade ainda for alta e caso ambas as partes tenham interesse, como pode ser constatado na fala do gerente agrcola da Destilaria A: Normalmente se faz um contrato de cinco anos, com a possibilidade de prorrogao de at mais dois [...]. Dependendo do tipo de solo e do trabalho que feito em cima daquela rea, esses dois anos so a margem de vida til do canavial. Menos de cinco difcil [...].

    De acordo com os entrevistados, a frequncia com que o contratado entra em contato com a destilaria normalmente recorrente. No entanto, deve-se levar em conta o tipo de contrato que foi firmado e suas especificidades. Por exemplo, no caso do contrato de parceria do tipo arrendamento, a interao da destilaria com o contratado menor, ocorrendo mais no caso de pagamentos, obrigaes legais e renovao de contrato. J os fornecedores parceiros, esto em constante interao com a destilaria, buscando informaes sobre o seu empreendimento.

  • AUGUSTO, C. A. et al.426

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    A partir das definies iniciais de Williamson (1985), e as contribuies de Mnard (2004), sobre os tipos de transaes que decorrem da frequncia nas relaes, constatou-se que, no caso de contratos de parceria do tipo arrendamento, a frequncia gera transaes do tipo ocasional, ou seja, na maior parte das vezes, no h qualquer tipo de relacionamento prximo com a destilaria. J nos contratos de fornecimento, a frequncia gera transaes do tipo recorrente, ou seja, existem ganhos de aprendizado, principalmente por parte do contratado, o que implica em uma relao de dependncia entre os agentes que apresentam interesse recproco em continuar a transacionar.

    Devido frequncia das transaes e, ainda, ao fato das destilarias estarem h mais de dez anos no mercado, observou-se que as partes desenvolveram reputao. Como consequncia, no so gerados custos significativos

    relacionados coleta de informaes, elaborao de contratos ou custos judiciais advindos de mecanismos de enforcement, o que vai ao encontro da suposio de Williamson (1985). Alm disso, situaes de captura de quase-renda (KLEIN; CRAWFORD; ALCHIAN, 1978), normalmente, no so observadas, uma vez que existe padronizao nas transaes e confiana entre as partes. Sendo assim, comportamentos oportunistas so mitigados devido s relaes de longo prazo caractersticas do setor, o que corroborado por Barzel (2005) e Foss e Klein (2010). A elevada presena de contratos de parceria do tipo arrendamento, por sua vez, funciona como mecanismo inibidor de comportamentos oportunistas, uma vez que afasta o produtor do processo produtivo.

    Quanto incerteza, enquanto para alguns produtores essa se manifesta, na ausncia de polticas

    Condies Operacionais

    ExignciasLegais

    Objetivo Condio para efetivao da

    transao

    Consequncias operacionais

    Problemas

    Reserva Permanente Preservar os recursos hdricos, florestais e ambientais e assegurar o bem-estar das populaes humanas.

    Averbao de reserva -Reduo da capacidade produtiva.

    Queima Acidental

    Reserva Legal Propiciar o uso sustentvel dos recursos naturais e proteo de fauna e flora nativas.

    Averbao de reserva -Reduo da capacidade produtiva.

    -Queima Acidental-Conflito Destilaria Versus Produtor.

    Prtica de queimadas Preservar o meio ambiente, reduzindo ou substituindo o uso de fogo na realizao da colheita em reas agrcolas.

    -Pessoal tcnico disponvel nas destilarias para a realizao das queimadas.-Capacidade para realizao da colheita mecanizada.

    - Tendncia a mecanizao devido a:-Leis ambientais-Falta de mo-de-obra.-Conscincia ambiental-Preferncia por fornecedores com terrenos mais planos.

    -Excedente de mo-de-obra rural, devido completa mecanizao-Remanejamento de pessoal.

    QUADRO 3 Exigncias legais e suas implicaes operacionais nas Destilarias Paranaenses

    Fonte: Elaborado pela autora, a partir de dados primrios coletados

  • Estruturas de governana e capacidade de resposta... 427

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    econmicas claras para o setor e voltadas ao produtor rural, para todos os entrevistados o fator climtico se destaca como o principal. Isso porque, chuvas e secas podem alterar a maneira como a programao de plantio e colheita realizada: Choveu, a usina para. No ps-chuva complicado puxar a cana, a umidade sobe voc para. Tem lugar que acontece de estragar um pouco a cana. E a gente no tem como prever tempestades, chuvas, e se ocorrer no h o que fazer, s esperar para ver os danos depois, exemplifica o entrevistado da Destilaria A. Alm da condio climtica, outra incerteza refere-se aos preos, que podem sofrer variaes. Alm disso, os entrevistados afirmam que a incerteza depende do tipo de contrato. No contrato de parceria do tipo arrendamento a incerteza menor, uma vez que as condies so pr-definidas. J no contrato de fornecimento, o contratado participa de todas as imprevisibilidades.

    Cabe observar que, sob a tica do produtor, a condio dos preos tambm se constitui em um fator de incerteza no caso de contratos para dois ciclos ou na hora de renovar o contrato para mais uma safra. Nesse caso, como envolve um prazo de, no mnimo, dez anos,as dvidas quanto manuteno da vantagem no tempo, frente a outras culturas, pode dificultar esse tipo de contratao. Essa afirmao vem ao encontro da proposio de Williamson (1985), que considera que, em condies de incerteza, torna-se mais complexo o desenvolvimento de parcerias de longo prazo.

    A partir das colocaes de Bohrer, Padula e Gonalves (2005), quanto s incertezas ex-ante e ex-post, percebeu-se que, no caso das destilarias investigadas, as incertezas so mais ex-post, ou seja, relacionadas s condies de mercado, preo e clima, que no podem ser previstas de forma efetiva no momento da realizao dos contratos. Para alguns produtores, a incerteza se manifesta, ainda, na ausncia de polticas econmicas claras para o setor e voltadas ao produtor rural.

    Quanto especificidade dos ativos, os entrevistados citaram de forma mais recorrente a especificidade locacional, em que a distncia se destaca como um fator decisivo para se estabelecer a relao contratual. Sobre isso, o gerente agrcola da Destilaria A esclarece: O principal fator a distncia [...] 20% do custo da colheita da cana o transporte dela, tudo que envolve o gasto de colocar isso dentro do caminho e trazer at aqui, manuteno, depreciao, motorista, tudo. Ento, quem est mais perto eu invisto porque traz menos custo para a usina. Neste aspecto, a distncia se torna um ativo especfico porque influi de forma considervel na questo logstica,

    afetando a qualidade da cana e os custos com transporte, relacionados ao frete e manuteno de equipamentos. Alm disso, a distncia influencia a programao de carga e descarga da cana na destilaria, bem como a distribuio de vinhaa.

    Diante disso, confirma-se a observao de Williamson (1985) sobre a especificidade locacional nas destilarias investigadas, em que a proximidade de estgios no processo produtivo pode trazer vantagens relacionadas a economias nas despesas de transporte e estoques, alm de contribuir para uma maior eficincia no processamento. Em decorrncia desse tipo de especificidade surge a especificidade temporal, advinda da perecibilidade (WILLIAMSON, 1991) da cana. Isso porque, a partir do momento que a cana queimada, ela comea a perder qualidade (sacarose), sendo que imprescindvel sua chegada o mais rpido possvel na unidade industrial para otimizar o seu aproveitamento.

    A especificidade de ativos fsicos tambm observada, tanto do lado da usina, que realiza altos investimentos nas reas agrcola, industrial e administrativa, como do lado do produtor, que remodela sua propriedade para receber a cultura da cana, cujo cultivo e retorno ocorrem num prazo mnimo de cinco anos. Do mesmo modo, os ativos dedicados surgem, uma vez que as destilarias investem e definem todas as suas atividades para um processo especfico, que a fabricao de lcool, a partir da cana-de-acar. Ao mesmo tempo, os contratados se tornam dependentes do retorno sobre o investimento que fizeram em sua terra para uma destilaria particular e uma atividade especfica. Portanto, a cana se torna um ativo especfico, pela sua caracterstica fsica e dedicada.

    A especificidade de ativos humanos igualmente foi notada, devido ao fato do cultivo da cana ser idiossincrtico e demandar aprendizados especiais. Por ser uma culturapeculiar, diferente de outras culturas tradicionais, os conhecimentos empregados, conforme descrito por Williamson (1985), so especficos para a atividade, sendo mais valiosos dentro do relacionamento com a destilaria do que fora dele. No caso da especificidade de marca, no foram apontados argumentos que justifiquem a sua existncia nas destilarias pesquisadas, uma vez que o produto final padronizado de acordo com a variedade escolhida para o plantio. Percebeu-se, por meio das entrevistas realizadas, a influncia da especificidade de ativos sobre a forma contratual escolhida, corroborando o pressuposto de Williamson (1985, 1996) e os resultados j encontrados por Klein (2005), Macher e Richman (2006) e Shelanski e Klein (1995).

  • AUGUSTO, C. A. et al.428

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    De acordo com grande parte dos entrevistados, apesar de no serem recorrentes, podem ocorrer comportamentos oportunistas na relao da destilaria com os contratados, notadamente em contratos de parceria e fornecimento. A maioria desses problemas advinda da prtica no acordada de queimadas, visando forar a colheita, como exemplifica o gerente agrcola da Destilaria C: [...] ele quer colher a cana, e ns no estamos com a programao de colheita para isso [...], ento ele vai l e coloca fogo no canavial dele e avisa que algum queimou o canavial dele.

    Por outro lado, os produtores, tambm, demonstram preocupao a respeito da queima e corte no acordados da cana, em que as destilarias chegam a praticar em condies diferentes das acordadas com o produtor. Nesse sentido, o contratado da Destilaria B esclarece: Eles chegam l e cortam, mesmo no estando perfeito para o corte, ou s vezes eles param o corte no meio. De repente, eles vo l colocar fogo na sua cana para cortar e o tempo est de chuva [...] d meio um p de guerra, mas normalmente a gente tem que ceder. De acordo com eles, essa situao especialmente frequente no caso de parceria agrcola, porque as destilarias tm uma porcentagem do total da colheita da cana e se sentem no direito de cortar sempre que quiserem.

    A racionalidade limitada, do mesmo modo que a incerteza, tambm se torna presente em termos de definio de clima e de preos. Alm disso, a racionalidade limitada pode ser identificada nas restries ao domnio de todas as capacidades produtivas necessrias ao processo de plantio e colheita da cana e seu impacto na industrializao, principalmente, por parte do produtor rural. vlido notar que, no caso dos contratos de parceria do tipo arrendamento, somente a destilaria arca com as consequncias operacionais dos limites cognitivos ocorridos durante o perodo em que ocorrem as transaes. J no caso dos contratos de parceria e fornecimento, essa responsabilidade dividida com o produtor.

    A partir dos atributos de transao e dos pressupostos comportamentais inerentes ao relacionamento das destilarias com os contratados, possvel identificar os tipos de estruturas de governana adotadas pelas destilarias investigadas, bem como descrever como essas estruturas definem condies operacionais especficas nas atividades das destilarias e dos produtores estudados. Esses objetivos especficos so discutidos nos tpicos a seguir.

    4.2.2 Estruturas de Governana

    A frequncia nas transaes, caracterizada pela necessidade contnua por parte das destilarias de adquirir a matria-prima cana, a possibilidade de comportamento

    oportunista, bem como a especificidade locacional e temporal, principalmente, justificam as estruturas contratuais, tendendo integrao vertical (FOSS; KLEIN, 2010; WILLIAMSON, 1985), como predominantes nas destilarias pesquisadas. Essas estruturas se do, em sua grande maioria, por meio de contrato de parceria do tipo arrendamento.

    Como segunda opo de arranjo organizacional identifica-se o contrato de parceria agrcola, seguido pelo contrato de fornecimento. O mercado e a integrao vertical, normalmente, so arranjos pouco utilizados, devido imprevisibilidade presente e necessidade de alto investimento em terras, respectivamente. A configurao das estruturas de governana, bem como a sua participao na aquisio de cana-de-acar pelas destilarias paranaenses, pode ser sintetizada na Tabela 1.

    Ao se considerar essas estruturas, vlido notar que, quanto integrao vertical, os gerentes agrcolas das destilarias que utilizam esse tipo de arranjo afirmam que s o adotam pelo fato dos donos das destilarias possurem a posse prvia de terras, o que representativo no caso da Destilaria B. Para os entrevistados, a principal vantagem da integrao vertical o controle obtido, tanto da terra, como do processo produtivo da cana, considerada um ativo especfico fsico. Desse modo, no existe possibilidade de conflitos, ratificando-se os pressupostos de Williamson (1985) quanto aos benefcios dessa forma de governana na presena de ativos especficos.

    Quanto ao contrato de parceria do tipo arrendamento, o principal argumento demonstrado nas entrevistas que esse tipo de contrato possibilita s destilarias obterem maior controle, sem precisarem investir na aquisio de terras.Esse fato confirmado no relato do gerente agrcola da Destilaria E: mais questo de maior controle mesmo, de liberdade para tomar decises sem recorrer aos parceiros, porque como se a terra fosse nossa por aquele perodo [...]. Esse controle influencia a dinmica operacional das destilarias, sendo desejado para efeito de programao, uma vez que aumenta a autonomia em caso de incertezas, a um custo menor que a integrao vertical.

    Esta constatao corroborada por Mizumoto e Zylbersztajn (2006) e Williamson (1985), no que refere aos diferentes nveis de incentivo e controle que a organizao pode ter na escolha de um arranjo organizacional. Para os autores, conforme a necessidade de controle aumenta, a empresa passa a optar por arranjos contratuais hierarquizados em que as atividades so coordenadas internamente, ao preo de um incentivo menor em comparao ao arranjo via mercado.

  • Estruturas de governana e capacidade de resposta... 429

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    No caso de medidas de expanso, os entrevistados so unnimes ao argumentar que, caso a destilaria queira manter o controle, so priorizados as relaes contratuais via parceria do tipo arrendamento, que no necessitam de grandes quantias imobilizadas. Embora no sejam verificadas prticas de hold-up e de comportamentos oportunistas expressivos, essa possibilidade existe devido presena de ativos especficos, justificando o uso de contratos de arrendamento como alternativa integrao vertical, dado que oferece as mesmas vantagens. Esses fatores ratificam as proposies de Williamson (1985) presentes na literatura quanto aos motivos da utilizao de estruturas mais integradas.

    Quanto ao contrato de parceria agrcola e de fornecimento, os entrevistados apontam que as principais vantagens so o aumento da capacidade produtiva, a diviso de responsabilidades e o compartilhamento dos riscos.No caso do contrato de fornecimento, o entrevistado da Destilaria E, que realiza esse tipo de contrato, esclarece: O contrato de fornecimento interessante para ampliar a produo [...]. O fornecedor seria um algo mais para suprir uma demanda onde voc vai tentar adquirir a cana para somar sem ter tanta responsabilidade. Vale notar que,ao contrrio do contrato de parceria do tipo arrendamento, o contrato de parceria agrcola permite ao produtor compartilhar os benefcios do mercado relacionados ao acrscimo dos preos e crescimento do setor.

    Conforme os entrevistados, os contratos de parceria agrcola e fornecimento so os que mais influenciam as condies operacionais das destilarias, devido interdependncia que ocorre entre as partes. Sendo assim, eles podem afetar a dinmica das destilarias medida que o abastecimento do processo industrial depende da cana advinda de terceiros. Outra condio operacional, impactada por esses contratos, refere-se

    produtividade agrcola no cultivo de cana-de-acar. Segundo os gerentes agrcolas, h a possibilidade de se conseguir uma produtividade maior quando o produtor participa ou gerencia o processo produtivo, pelos cuidados mais apurados que ele tem com a terra. Por outro lado, o contrrio tambm pode acontecer, ou seja, os proprietrios deixarem de investir na propriedade, devido queda nos preos ou situao desfavorvel no mercado da cana-de-acar.

    Os entrevistados alegam que atitudes desse tipo, no sentido de prejudicar a produtividade do plantio, ocorrem menos quando se conhece o produtor e se estabelece uma relao de confiana com ele. Nesse aspecto, corroborado o ponto destacado por Mnard (2004), de que o uso de mecanismos informais, como a confiana, por exemplo, serve como um mecanismo de coero sobre as partes, contribuindo para evitar comportamentos oportunistas.

    Quanto ao mercado livre, os entrevistados afirmam que esta prtica no comum. Isso porque, a cana demanda custos de transao pela sua alta especificidade fsica, descartando o mercado pela incerteza presente nesse tipo de transao. Essa afirmao pode ser esclarecida pela fala do gerente agrcola da Destilaria B: [...]. Tem que ter contrato porque voc tem que ter previso e no mercado livre voc no tem como fazer previso. Ento, um ano o cara vende para voc, no outro vende para outro, como que fica? Muito risco.

    Esse argumento vem ao encontro da afirmao de Williamson (1985), que aponta que a estrutura de governana via mercado mostra-se mais eficiente quando ativos de baixa especificidade esto envolvidos na transao, o que no o caso da cana-de-acar. Confirma tambm a colocao de Crook et al. (2013), de que o mercado adequado para simples operaes em que a necessidade de uma estreita coordenao entre as

    Destilaria/Estrutura

    Quantidade de Terras/Hectares

    Integrao Vertical

    Contrato Parceria/Arrendamento

    Contrato de Parceria Agrcola

    Contrato de Fornecimento, com CCT Mercado

    Destilaria A 5.996 h 100%

    Destilaria B 21.000 h 90% 5% 5%

    Destilaria C 7.483 h 10% 45% 45% 10%

    Destilaria D 11.400 h 10% 45% 45%

    Destilaria E 14.000 h 35% 35% 30%

    TABELA 1 Estruturas de governana adotadas pelas Destilarias Paranaenses

    Fonte: Elaborado pela autora, a partir de dados primrios coletados

  • AUGUSTO, C. A. et al.430

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    partes baixa, o que no ocorre no setor alcooleiro, cuja proximidade entre as partes altamente buscada.

    Portanto, as relaes contratuais acabam sendo preferidas, por garantir a entrega da matria-prima. Essa constatao, tambm, corroborada por Mnard (2004) e Williamson (1985, 1991), autor que defende a utilizao das relaes contratuais formais, ou seja, aquelas mais prximas das estruturas hierrquicas quando se observa alto nvel de especificidade de ativos. Isso porque, essas relaes fogem dos custos das hierarquias e protegem os direitos de propriedade frente ao alto grau de dependncia bilateral que existe nessas circunstncias.As implicaes operacionais das estruturas de governana so sintetizadas no Quadro 4.

    4.3 Capacidade de Resposta s Questes Ambientais

    A partir do exposto, foi possvel compreender como as estruturas de governana adotadas pelas destilarias afetam a sua capacidade de resposta s leis ambientais. Conforme observado, as demandas ambientais inerentes s relaes envolvendo os segmentos produtor e processador se associam, principalmente, manuteno de reserva permanente e legal, e s queimadas. A avaliao da capacidade de resposta s questes ambientais, objetivo dessa seo, pode ser explicada pelas condies inerentes s estruturas de governana utilizadas. Nesse aspecto, busca-se um alinhamento entre a escolha da estrutura de governana, capaz de reduzir custos de transao,

    e a capacidade de atendimento s regras ambientais estabelecidas no ambiente institucional.

    Neste contexto, o controle se relaciona diretamente estrutura de governana escolhida, orientada pela busca de eficincia. Esse controle pode apresentar dois efeitos causais positivos: de um lado visa reduzir custos operacionais e de transao; de outro, permite potencializar o atendimento s demandas ambientais. Dito de outra forma, o controle dos recursos utilizados permite minimizar gargalos produtivos, transacionais e ambientais. Isso porque, com a adequao entre estruturas e atributos presentes, ocorre uma reduo dos conflitos nas relaes os quais se associam, muitas vezes, s questes de ordem ambiental. Como consequncia, o alinhamento a partir dos atributos presentes, pode indicar vantagens para estruturas mais verticalizadas, e se traduzir em eficcia no tratamento de questes ambientais.

    Observou-se, ento, que as estruturas que possibilitam acelerar a capacidade de resposta das destilarias s imposies legais ambientais so a integrao vertical e o contrato de parceira do tipo arrendamento. Como as Destilarias j tm conhecimento sobre as leis ambientais institudas e o pessoal tcnico para a sua operacionalizao, esses tipos de arranjos organizacionais possibilitam a elas obter o controle necessrio a uma rpida implementao.

    No caso do contrato de parceria agrcola e fornecimento em que o produtor ou proprietrio

    Tipos de Estrutura

    Implicaes

    Contrato de Parceria do Tipo Arrendamento

    Integrao vertical Contrato de Parceria Agrcola e de Fornecimento

    Mercado

    Funo Garantia de matria

    prima e opo de expanso

    Aproveitamento de recursos e garantia de

    matria- prima

    Garantia de matria- prima e ampliao da

    capacidade

    Complementa a produo

    Investimentos Elevado Muito elevado Mdio Baixo

    Controle Elevado Muito elevado Mdio Baixo ou InexistenteProgramao da

    colheita Maior MaiorMenor (Dependncia do

    contratado)No faz parte da

    programao

    Responsabilidade no processo Total Total Parcial Nenhuma

    Riscos No compartilhados No compartilhados Compartilhado No compartilhadoConflito Ausente Ausente Presente Ausente

    QUADRO 4 Estruturas de governana e suas implicaes operacionais nas destilarias

    Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de dados primrios coletados

  • Estruturas de governana e capacidade de resposta... 431

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    o principal responsvel pelo processo produtivo, a capacidade de resposta depende da articulao das partes envolvidas, o que pode demandar mais tempo. Nestes tipos de arranjos organizacionais, os gerentes agrcolas entrevistados confirmam que a principal dificuldade refere-se corresponsabilidade e ausncia de direito de controle sobre o processo produtivo, o que pode gerar custos de transao ou ineficincia. Isso porque, podem ocorrer conflitos das destilarias com os produtores, em funo das decises que precisam ser tomadas,conjuntamente,durante o processo produtivo.

    Por outro lado, sob a perspectiva dos produtores, as estruturas que possibilitam uma maior capacidade de resposta s leis ambientais so o contrato de parceria agrcola, seguido pelo de fornecimento, em que eles tm, na destilaria, o suporte e apoio necessrios para o cumprimento das leis. vlido notar que esse fator intensifica ainda mais a relao de dependncia entre o parceiro agrcola e o fornecedor com a destilaria. O surgimento de leis, que trazem consigo a necessidade de conhecimentos especficos e altos investimentos em tecnologia para sua implementao,gera uma situao de desvantagem e dependncia do pequeno produtor rural frente destilaria.

    Levando em considerao que o setor alcooleiro no estado do Paran predominantemente caracterizado pela presena de pequenos produtores, essa condio de dependncia foi fortemente observada. Outro ponto destacado pelos entrevistados diz respeito ao porte da empresa e sua fora poltica, em relao aos proprietrios de terras e contratados, como fatores facilitadores nas negociaes referentes s leis ambientais. Portanto, a velocidade de resposta se apresenta tanto na capacidade operacional da destilaria, quanto na sua fora poltica, que influencia positivamente os efeitos resultantes de um problema ambiental.

    No que se refere averbao de reservas, permanente e legal, independente da estrutura de governana utilizada, a resposta da usina s leis ambientais depende do produtor ou proprietrio, podendo ocorrer, apenas, transferncia de conhecimento da destilaria acerca do como realizar os procedimentos necessrios. Essa idia confirmada pelo entrevistado da Destilaria B: [...] existe hoje uma exigncia de que o proprietrio da terra tem que averbar em cartrio a reserva legal e permanente [...]Ento, antes de firmar o contrato ns fazemos essa exigncia e tentamos ajudar ele a cumprir, dando as informaes necessrias.

    Do mesmo modo, na relao via mercado essa responsabilidade no compartilhada com a destilaria. Isso significa que a resposta demanda ambiental est nas mos do produtor independente, sendo que a deciso de como e quando atender legislao depende do mecanismo de enforcement existente. Nesse sentido, a destilaria no determina a necessidade de averbao na compra via mercado, j que no h relao contratual durante a realizao do plantio e da colheita da cana. Entretanto, a averbao se estabelece como condio geral para que a transao ocorra, uma vez que a queimada s pode acontecer com liberao do IAP, sendo possvel, apenas mediante apresentao de documentao de averbao de reservas.

    J no caso das queimadas, a responsabilidade da destilaria, apesar do produtor estar indiretamente envolvido no processo. Nesse caso, as destilarias respondem mais rapidamente s exigncias legais do que se tratando das reservas. Isso porque, a capacidade da destilaria em termos de recursos e conhecimento operacional e legal ambiental permite que essas aes sejam executadas dentro dos padres estabelecidos. Alm disso, mesmo no caso de ocorrncias ambientais, as capacidades existentes na destilaria permitem um melhor encaminhamento e soluo para o problema. Na Figura 3 so sintetizados os resultados encontrados a partir das categorias de estudo configuradas.

  • AUGUSTO, C. A. et al.432

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Objetivou-se, no presente estudo, compreender como as estruturas de governana podem afetar a capacidade de resposta aos estmulos impostos pelo aparato legal ambiental em destilarias paranaenses. Em relao s estruturas de governana, foram encontrados os trs tipos identificados na literatura: integrao vertical, contratos e mercado. No entanto, em todas as destilarias investigadas, percebeu-se forte tendncia para a utilizao de contratos mais verticalizados que se do, em sua grande maioria, por meio de parceria do tipo arrendamento.

    Ao se considerarem as estruturas de governana identificadas, as informaes obtidas permitem as seguintes afirmaes: na integrao vertical e no contrato de parceria do tipo arrendamento o rpido atendimento

    s questes ambientais possibilitado pelo controle que esses tipos de arranjos propiciam, considerando a disponibilidade de pessoal com conhecimento tcnico para o cumprimento dessas normas; no contrato de parceria agrcola e de fornecimento, a capacidade de resposta envolve a competncia de articulao da destilaria com seus contratados; na relao via mercado, a destilaria no est envolvida no atendimento s questes ambientais, que depende dos mecanismos de enforcement existentes, uma vez que o produtor realiza sua produo de modo independente. Por outro lado, sob a perspectiva do produtor, a estrutura de governana via contrato de parceria agrcola possibilita uma resposta mais rpida, j que possibilita o suporte necessrio para o cumprimento das leis.

    FIGURA 3 Resultados a partir das categorias de anliseFonte: Elaborado pela autora, a partir dos dados primrios levantados

  • Estruturas de governana e capacidade de resposta... 433

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    Apesar de atingir os objetivos propostos, vlido destacar algumas questes que indicam limitaes para o estudo. Uma delas refere-se aos sujeitos entrevistados. Dentre as sete destilarias presentes no estado do Paran, duas no foram investigadas. Quanto aos produtores, o fato de no serem entrevistados produtores independentes, os quais identificam a estrutura de governana via mercado, pode configurar limitao. Justifica-se, entretanto, que a ampliao no nmero de entrevistas e a obteno de informaes de produtores independentes, provavelmente,talvez no modificassem os resultados alcanados no presente trabalho, embora pudessem acrescentar novos pontos de vista. Nota-se, ainda, que a presente pesquisa no teve como foco a discusso da gesto ambiental, e sim da capacidade de resposta s demandas legais ambientais, a partir das estruturas de governana identificadas nas destilarias, o que indica a possibilidade de novos estudos envolvendo essa temtica.

    Alm isso, outras possibilidades para futuras pesquisas so vislumbradas. Uma delas a realizao de estudos nas usinas de acar e lcool paranaenses. Contrastar ou complementar o presente estudo com a realidade de usinas de acar e lcool, que so empresas maiores, pode se mostrar vlido para denotar especificidades e os impactos da porte da empresa sobre as estruturas de governana empregadas. Outra sugesto reaplicar o estudo em outros Estados fabricantes de lcool do Brasil para confrontar as diferenas existentes entre diferentes regies produtoras e suas justificativas.

    6 REFERNCIAS

    ASSOCIAO DE PRODUTORES DE BIOENERGIA DO ESTADO DO PARAN. Banco de dados Alcopar Maring, PR. Disponvel em: . Acesso em: 15 mar. 2010.

    AZEVEDO, P. F. de. Nova economia institucional: referencial geral e aplicaes para a agricultura. Agricultura, So Paulo, v. 47, n. 1, p. 33-52, 2000.

    BARDIN, L. Anlise de contedo. Lisboa: Edies 70, 2004.

    BARZEL, Y. Economic analysis of property right. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University, 1997. 175 p.

    ______. Organizational forms and measurement costs. Journal of Institutional and Theoretical Economics, Berlin, v. 161, p. 357-373, 2005.

    BOHRER, C. T.; PADULA, A. D.; GONALVES, J. de S. O desenho de contratos em uma empresa fornecedora de refeies coletivas. In: ENCONTRO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO, 29., 2005, Braslia. Anais... Rio de Janeiro: ENANPAD, 2005. 1 CD-ROM.

    BRASIL. Presidncia da Repblica. Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o Cdigo Florestal. Braslia, 1965. Disponvel em: . Acesso em: 22 jan. 2010.

    COASE, R. The nature of the firm. Economica, London, v. 4, n. 16, p. 386-405, Nov. 1937.

    CROOK, T. R. et al. Organizing around transaction costs: what have we learned and where do we go from here? Academy of Management Perspectives, New York, v. 27, n. 1, p. 63-79, 2013.

    FOSS, N. J.; KLEIN, P. G. Critiques of transaction cost economics: an overview. In: KLEIN, P. G.; SYKUTA, M. E. (Ed.). The elgar companion to transaction cost economics. Cheltenham: E. Elgar, 2010. p. 263-272.

    HART, O. Firms, contracts, and financial structure. Oxford: Oxford University, 1995.

    HART, O.; MOORE, J. Property rights and the nature of the firm. Journal of Political Economy, Chicago, v. 98, n. 6, p. 1119-1158, 1990.

    INSTITUTO AMBIENTAL DO PARAN. Legislao ambiental. Disponvel em: . Acesso em: 22 fev. 2010.

    JACOBIDES, M. G.; WINTER, S. G. Co-evolution of capabilities and transaction costs: explaining the institutional structure of production. Strategic Management Journal, Chicago, v. 26, n. 1, p. 395-413, Mar. 2005.

    JANK, M. S. Reserva legal: uma confrontao absurda entre agricultura e meio ambiente. Disponvel em: . Acesso em: 5 abr. 2010.

    KLEIN, B.; CRAWFORD, R. G.; ALCHIAN, A. A. Vertical integration, appropriable rents, and the competitive contracting process. Journal of Law and Economics, Chicago, v. 21, n. 2, p. 297-326, Oct. 1978.

  • AUGUSTO, C. A. et al.434

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 417-434, dez. 2014

    KLEIN, P. G. The make-or-buy decision: lessons from empirical studies. In: MNARD, M.; SHIRLEY, C. (Org.). Handbook of new institutional economics. Chicago: Kluwer, 2005. p. 435-464.

    LANGLOIS, R. N.; FOSS, N. J. Capabilities and governance: the rebirth of production in the theory of economic organization. Social Science Research Network, Chicago, v. 97, n. 2, p. 1-44, Jan. 1997.

    LINS, C.; SAAVEDRA, R. Sustentabilidade corporativa no setor sucroalcooleiro brasileiro. Rio de Janeiro: FBDS, 2007.

    MACHER, J. T.; RICHMAN, B. Transaction cost economics: an assessment of empirical research in the social sciences. Georgetown: Georgetown University, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 15 abr. 2014.

    MNARD, C. The economics of hybrid organizations. Journal of Institutional and Theoretical Economics, Berlin, v. 160, n. 3, p. 345-376, 2004.

    MIZUMOTO, F. M.; ZYLBERSZTAJN, D. A coordenao simultnea de diferentes canais como estratgia de distribuio adotada por empresas da avicultura de postura. Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 8, n. 2, p. 147-159, 2006.

    NORTH, D. Institutions. Journal of Economic Perspective, Pittsburgh, v. 5, n. 1, p. 97-112, 1991.

    PALHARES, J. C. P. Tendncias ambientais para suinocultura brasileira. Revista Suinocultura Industrial, So Paulo, ano 32, n. 230, p. 12-19, 2010.

    SHELANSKI, H. A.; KLEIN, P. G. Empirical research in transaction cost economics: a review and assessment.

    Journal of Law, Economics and Organization, Oxford, v. 11, n. 1, p. 335-361, 1995.

    SMITH, A. An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. Indianapolis: Liberty, 1976. 2 v.

    WILLIAMSON, O. E. Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives. Administrative Science Quarterly, Cornell, v. 36, n. 2, p. 269-296, 1991.

    ______. The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York: Free Press, 1985.

    ______. Markets and hierarchies: analysis and antitrust implications. New York: Free Press, 1975.

    ______. The mechanisms of governance. New York: Oxford University, 1996.

    ______. The new institutional economics: taking stock, looking ahead. Journal of Economic Literatura, Nashville, v. 38, p. 595-613, Sept. 2000.

    ZYLBERSZTAJN, D. A estrutura de governana e coordenao do agribusiness: uma aplicao da nova economia das instituies. 1995. 238 f. Tese (Livre-Docncia) - Universidade de So Paulo, So Paulo, 1995.

    ______. Measurement costs and governance: bridging perspectives of transaction cost economics. Barcelona: ISNIE, 2005.

    ______. Papel dos contraltos na coordenao agro-industrial: um olhar alm dos mercados. In: SOUZA, J. P. de; PRADO, I. N. do (Org.). Cadeias produtivas: estudos sobre competitividade e coordenao. 2. ed. Maring: EDUEM, 2009. p. 15-30.

  • Anlise dos custos de transao nas cooperativas... 435

    Organizaes Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 4 (edio especial), p. 435-449, dez. 2014

    ANLISE DOS CUSTOS DE TRANSAO NAS COOPERATIVAS DA CADEIA PRODUTIVA DO LEITE NO OESTE DE SANTA CATARINA

    Analysis of transaction costs in milk production cooperatives in western Santa Catarina

    RESUMOObjetivou-se, no presente artigo discutir uma proposta metodolgica aplicvel aos estudos sobre os Custos de Transao. Alm da apresentao do aporte terico e das ferramentas metodolgicas, apresentamos um estudo de caso em que tal proposta utilizada. O universo emprico do estudo o Oeste de Santa Catarina, com foco nas cooperativas de produo de leite. Apresentamos a discusso sobre os Custos de Transao sob as trs dimenses: frequncia, especificidades dos ativos e incertezas, sendo que, alm dessas, inserimos a varivel confiana como relevante ao estudo. Com relao aos pressupostos, os utilizamos tambm como variveis. Apresentamos uma escala de diferencial semntico, a qual nos permitiu construir ndices capazes de evidenciar importantes resultados comparativos. Observamos que as especificidades dos ativos tiveram um peso importante no aumento dos Custos de Transao. Por outro lado, a confiana e a frequncia contriburam no sentido de diminurem os Custos de Transao. Os preos pagos no ano de 2010 foram menores nas cooperativas que apresentaram maiores Custos de Transao, demonstrando forte correlao. A concorrncia contribui com o aumento dos Custos de Transao, o que veio a prejudicar a competitividade das cooperativas. Por fim, conclumos que tal proposta metodolgica e terica pode ser aplicada em outros estudos de caso.

    Maycon Noremberg SchubertUniversidade Federal do Rio Grande do [email protected]

    Paulo Dabdab WaquilUniversidade Federal do Rio Grande do [email protected]

    Recebido em 22/08/2012. Aceito em 08/09/2014.Avaliado pelo sistema blind reviewAvaliador cientfico: Cristina Lelis Leal Calegario

    ABSTRACTIn the present study, we sought to discuss a methodological proposal suitable to studies about transaction costs. Besides the theoretical framework and methodological tools, we describe here the case study, on which the proposal is used. The empirical universe of study was the Western Santa Catarina, focused on the cooperatives of milk production chain. We discussed about transaction costs in three perspectives, namely, frequency, assets specificity and uncertainties, in which we included the confidence as a relevant variable for the study. We also used the assumptions as variables, and we showed a scale of semantic differential, which allowed us determining indices able to highlight important comparative results. We found that assets specificity showed a significant effect in the transaction costs increase. In addition, the confidence and frequency caused reduction of transaction costs. The prices paid in the year of 2010 were lesser on the cooperatives that showed greater transaction costs, showing strong correlation. However, the competition resulted in increase of transaction costs, which prejudiced the cooperatives competitiveness. Therefore, the methodological and theoretical proposals can be used in another case studies.

    Palavras-chave: Custos de transao, cooperativas, leite.

    Keywords: Transaction costs, cooperatives, milk.

    1 INTRODUO

    A anlise dos custos de transao apresenta-se como uma importante ferramenta terica para os estudos sobre os mercados, pois sua abordagem est calcada em uma anlise institucionalista e behaviorista. Esse olhar nos permite entender a firma como um conjunto de relaes contratuais, que se desdobram segundo o comportamento dos atores, do ambiente institucional e dos ativos dedicados ao longo da cadeia produtiva.

    No tocante a este trabalho, objetivou-se demonstrar um mtodo de anlise dos Custos de Transao a partir da

    criao de ndices, por meio de dados de campo coletados junto aos agricultores associados s cooperativas de produo de leite, no Oeste de Santa Catarina, bem como evidenciar alguns resultados de forma comparativa.

    As contribuies dadas pela teoria dos Custos de Transao aos estudos ligados agricultura so recentes. Neste sentido, sua depurao te