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  • Revista da

    CGUControladoria-Geral da Unio

    ANO V - N

    O 8O

    utubro/2010ISSN 1981-674X

  • Controladoria-Geral da Unio

    Revista da CGU

    Braslia, DFOutubro /2010

  • CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO CGUSAS, Quadra 01, Bloco A, Edifcio Darcy Ribeiro

    70070-905 - Braslia /[email protected]

    Jorge Hage SobrinhoMinistro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da Unio

    Luiz Navarro de Britto FilhoSecretrio-Executivo da Controladoria-Geral da Unio

    Valdir Agapito TeixeiraSecretrio Federal de Controle Interno

    Eliana PintoOuvidora-Geral da Unio

    Marcelo Neves da RochaCorregedor-Geral da Unio

    Mrio Vincius Claussen SpinelliSecretrio de Preveno da Corrupo e Informaes Estratgicas

    A Revista da CGU editada pela Controladoria-Geral da Unio.

    Tiragem: 1.500 exemplaresDiagramao e arte: Assessoria de Comunicao Social da CGUDistribuio gratuita da verso impressaDisponvel tambm no site www.cgu.gov.br

    permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.O contedo e as opinies dos artigos assinados so de responsabilidade exclusiva dos autores e no expressam, necessariamente, as opinies da Controladoria-Geral da Unio.

    Revista da CGU / Presidncia da Repblica, Controladoria-Geral da Unio. - Ano V, n 8, Outubro/2010. Braslia: CGU, 2010.

    120 p. Coletnea de artigos.

    1.Preveno e Combate da corrupo. I. Controladoria-Geral da Unio.

    ISSN 1981- 674XCDD 352.17

  • S umrioNota do editor....................................................................................5

    Artigos

    A aplicao do princpio da proporcionalidade no processo administrativo disciplinar.....................................................................8Alexandro Mariano Pastore e Mrcio de Aguiar Ribeiro

    Medidas cautelares no processo administrativo sancionador: uma an-lise da possibilidade de suspenso cautelar do direito de uma pessoa licitar e contratar com a Administrao Pblica......................20Luiz Henrique Pandolfi Miranda

    Tcnicas de minerao de dados como apoio s auditorias governamentais................................................................................28Carlos Vincius Sarmento Silva e Henrique Aparecido da Rocha

    Eficincia, proporcionalidade e escolha do procedimentodisciplinar..........................................................................................40Carlos Higino Ribeiro de Alencar

    Utilizao de prego nas contrataes de obras e servios de engenharia.......................................................................................49Lucimar Cezar Fernandes Silva

  • Auditoria de TI: proposta de modelo de implementao deauditoria de tecnologia da informao no mbito daSecretaria Federal de Controle...........................................................60Mara Hanashiro

    Corrupo na Administrao Pblica e crimes de lavagem ou oculta-o de bens, direitos e valores...........................................................70Paulo Roberto de Arajo Ramos

    Legislao

    Atos normativos................................................................................88Legislao em destaque....................................................................91

    Jurisprudncia

    Julgados recentes do TCU - Acrdos................................................96Julgados recentes de tribunais Acrdos........................................98

  • 6Revista da CGU

    Nota do editorCaro leitor,

    A oitava edio da Revista da CGU conta com sete artigos inditos escritos por colaboradores externos ou por servidores da casa que debatem, analisam ou suge-rem medidas de aperfeioamento dos mtodos e sistemas de controle e estratgias de preveno e combate corrupo. Nesta publicao, o leitor encontrar textos tcnicos, posies doutrinrias, alm de anlises sobre polticas anticorrupo.

    Entre os artigos desta edio, est o A aplicao do princpio da proporcio-nalidade no processo administrativo disciplinar. Por meio desse trabalho, os autores expem anlises sobre a aplicabilidade do princpio da proporcionalidade no mbito do processo administrativo disciplinar, em especial destacando as fases processuais em que o postulado normativo se apresenta com mais intensidade. Trata tambm da anlise das controvrsias correlatas ao tema, tais como concei-to e peculiaridades do enquadramento administrativo, parmetros de dosimetria da pena, pareceres vinculantes da Advocacia-Geral da Unio e recentes decises do Superior Tribunal de Justia.

    Na mesma linha correicional, est o artigo Eficincia, proporcionalidade e es-colha do procedimento disciplinar, que busca explicitar que, a fim de atender aos princpios da proporcionalidade e eficincia, deve o gestor pblico escolher o pro-cedimento que mais se adeque gravidade da situao tratada.

    No artigo de Luiz Henrique Pandolfi Miranda, o leitor poder fazer uma reflexo sobre o uso de medidas cautelares no processo administrativo sancionador, anali-sando em que casos tais medidas podem e devem ser tomadas, bem como em que grau devem ser tomadas para atender o interesse pblico e no ferir os direitos fundamentais da pessoa atingida.

    Interessante tambm o tema tratado pelos autores Carlos Vincius Sarmento Silva e Henrique Aparecido da Rocha, que demonstram a eficincia da tcnica de minerao em bancos de dados no apoio s auditorias governamentais.

  • 7Revista da CGU

    Tambm ligado ao tema Tecnologia da Informao, o artigo Auditoria de TI proposta de modelo de implementao de auditoria de Tecnologia da Informao no mbito da Secretaria Federal de Controle traz como estudo de caso a Secretaria Federal de Controle e a proposta de criao de uma unidade de auditoria de TI no mbito desta Secretaria.

    Por fim o leitor ainda ter a oportunidade de analisar a utilizao da modalida-de Prego de licitao para contratao de obras e servios de engenharia, bem como razes e fatores estratgicos que contribuem para a prtica de atos de cor-rupo na Administrao Pblica e sua relao, na condio de antecedentes, com os crimes de lavagem de dinheiro.

    Alm dos artigos, o leitor pode ampliar e enriquecer seus conhecimentos com a legislao em destaque, a saber, o Decreto n 7.203, de 4 de junho de 2010, que dispe sobre a vedao do nepotismo no mbito da Administrao Pblica Federal.

    Esperamos que a Revista da CGU continue sendo um instrumento de troca de experincias e fomento s diversas discusses acerca do fenmeno da corrupo, e, assim, possa contribuir para o aperfeioamento das atividades de preveno e combate corrupo no Brasil.

    Boa leitura!Os editores

  • A rtigos

  • 9Revista da CGU

    A aplicao do princpio da proporcionalidade no processo administrativo disciplinar

    Alexandro Mariano Pastore, bacharel em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, advogado, Analista de Finanas e Controle da CGU, lotado na Corregedoria

    Setorial do Ministrio da Fazenda

    Mrcio de Aguiar Ribeiro, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia, advogado, Analista de Finanas e Controle da CGU, lotado na Corregedoria Setorial do

    Ministrio da Fazenda

    Resumo

    O presente artigo tem por finalidade expor anlise sobre a aplicabilidade do princpio da proporcionalidade no m-bito do Processo Administrativo Disciplinar, em especial destacando as fases processuais em que o postulado normativo se apresenta com mais inten-sidade. Para tanto, realizar-se- breve incurso sobre a Teoria dos Princpios, identificando a grande mudana de pa-radigmas ocorrida no mbito do mundo jurdico e a repercusso de tal mudana na doutrina e na jurisprudncia que se debruam sobre o Direito Disciplinar. Ser, tambm, objeto do presente tra-balho a anlise das controvrsias corre-latas ao tema, tais como conceito e pe-culiaridades do enquadramento administrativo, parmetros de dosime-tria da pena, pareceres vinculantes da Advocacia-Geral da Unio e recente de-ciso do Superior Tribunal de Justia.

    1. Introduo

    O presente texto tem por finalidade tecer sucinta anlise sobre a aplicao do princpio da proporcionalidade no curso do Processo Administrativo Disciplinar, dispensando especial aten-o forma em que ele se desenvolve e aos momentos oportunos da sua apli-cao, em considerao s peculiarida-des do processo disciplinar e a sua legis-lao de regncia.

    A atualidade do tema proposto jus-tifica-se pelas profundas alteraes ocorridas no mago da Teoria do Direito, que, por meio de novos marcos, deter-minaram a superao do positivismo jurdico, trazendo para o centro das dis-cusses a juridicidade dos princpios jurdicos, uma vez que as Constituies contemporneas consagraram a hege-monia axiolgica dos princpios, conver-tidos em pedestal normativo sobre o

  • 10Revista da CGU

    A atualidade do tema proposto justifica-se pelas

    profundas alteraes ocorridas no mago da

    Teoria do Direito, que, por meio de novos marcos,

    determinaram a superao do positivismo jurdico,

    trazendo para o centro das discusses a juridicidade dos princpios jurdicos,

    uma vez que as Constituies

    contemporneas consagraram a hegemonia axiolgica dos princpios, convertidos em pedestal

    normativo sobre o qual se estruturou o arcabouo

    jurdico dos novos sistemas constitucionais.

    qual se estruturou o arcabouo jurdico dos novos sistemas constitucionais.

    Alm das repercusses existentes no plano terico, o tema abordado guarda especial relevncia para as atividades correcionais desenvolvidas no mbito da Administrao Pblica, bem como para as atividades jurisdicionais que tm por objeto o controle dos atos adminis-trativos punitivos.

    Nesse sentido, o recorte temtico do presente trabalho se debruar sobre as discusses que envolvem o carter vin-culado da aplicao das penalidades capitais, nos casos previstos no artigo 132 da lei n 8.112, de 11 de dezembro de 1990, matria que j foi objeto de pareceres vinculantes da Advocacia-Geral da Unio.

    A ttulo de exemplo, vale mencionar recente julgado do Superior Tribunal de Justia (Mandado de Segurana n 13.523-DF), pelo qual foi declarada a ilegalidade dos pareceres GQ-177 e GQ-183, da Advocacia Geral da Unio, sob o entendimento de que a compulsorie-dade da aplicao da pena de demis-so, no caso das infraes previstas no artigo 132 da lei n 8.112/90, contraria o disposto no artigo 128 do mesmo di-ploma estatutrio, que reflete, no plano legal, os princpios da individualizao da pena e da proporcionalidade.

    Sendo assim, ao longo deste artigo,

    ser defendido o argumento da plena aplicao do princpio da proporciona-lidade, demonstrando-se, todavia, como as peculiaridades existentes no curso do processo disciplinar iro reper-cutir na forma como a norma principal ser aplicada.

    2. Breve contextualizao sobre a Teoria dos Princpios

    Para melhor entendimento do tema proposto, torna-se necessria uma con-cisa abordagem sobre a mudana de paradigmas ocorrida no mbito da dou-trina e jurisprudncia, que se desape-gam, cada vez mais, do conceito de le-galidade estrita, para consagrar a

  • 11Revista da CGU

    juridicidade dos princpios, ou seja, o reconhecimento de que eles, uma vez constitucionalizados, constituem-se chave de todo sistema normativo.

    Antes, no entanto, convm percorrer brevemente o campo fecundo em que se desenvolveu a Teoria dos Princpios: o Neoconstitucionalismo.

    Luiz Roberto Barroso1 aponta que o Neoconstitucionalismo se arregimentou sobre trs marcos fundamentais: o his-trico, o filosfico e o terico.

    O marco histrico do novo direito constitucional, na Europa continental, foi o constitucionalismo do ps-guerra. No Brasil foi a Constituio de 1988 e o processo de redemocratizao que ela insuflou.

    No plano filosfico, destaca-se a cor-rente ps-positivista, que busca ir alm da legalidade estrita (a decadncia do positivismo est associada derrota dos regimes fascistas e nazistas, que promo-veram a barbrie sob a proteo da le-galidade), empreendendo uma leitura moral do direito, mas sem recorrer a categorias metafsicas e sem desprezar o direito posto. Possuem abrigo nesse paradigma a atribuio de normativida-de aos princpios e a definio de suas relaes com valores e regras.

    No plano terico, trs grandes trans-formaes delinearam a nova aplicao desse ramo do direito: o reconhecimen-to da fora normativa da Constituio, a expanso da sua jurisdio e o desen-volvimento de uma nova dogmtica da interpretao constitucional.

    A juridicidade dos princpios, por sua vez, desenvolveu-se por meio de trs distintas fases: a jusnaturalista, a positi-vista e a ps-positivista.

    Segundo Paulo Bonavides2, na fase jusnaturalista, os princpios habitavam esfera por inteiro abstrata, e a sua nor-matividade, basicamente nula e duvido-sa, contrastava com o reconhecimento de sua dimenso tico-valorativa de ideia que inspira os postulados de justi-a. Apesar de dispensar relevncia aos princpios, seus fundamentos tericos se encontravam arraigados em um dis-curso predominantemente metafsico.

    A segunda fase da teorizao dos princpios a positivista, momento em que os princpios passam a encontrar guarida nos Cdigos Civilistas como mera fonte normativa subsidiria, ou seja, eles tm por finalidade garantir o reinado absoluto da lei, e sua aplicao se restringe a suprir as lacunas legais: o princpio em funo da lei.

    Sobre o tema, Bonavides3 leciona que o juspositivismo, ao fazer dos prin-cpios na ordem constitucional meras pautas programticas supralegais, tem assinalado, via de regra, a sua carncia de normatividade, estabelecendo, por-tanto, a sua irrelevncia jurdica.

    A terceira fase, capitaneada, entre ou-tros, por John Rawls, Ronald Dworkin e Robert Alexy, a do ps-positivismo, que corresponde s atividades constituintes das ltimas dcadas do sculo XX, cujas constituies promulgadas aclamam a hegemonia axiolgica dos princpios, convertidos em baliza normativa dos no-vos sistemas constitucionais.

  • 12Revista da CGU

    nesse momento que se consolida a doutrina da normatividade dos princ-pios, segundo a qual os princpios so normas, as quais compreendem igual-mente os princpios e as regras. Chega-se mxima de que o princpio atua normativamente; parte jurdica e dog-mtica do sistema de normas, ponto de partida para o desdobramento judi-cial de um problema.

    Quanto diferenciao entre princ-pios e regras, pode-se afirmar que as regras possuem generalidade que se traduz na situao de ser ela fixada para um nmero indeterminado de fatos e atos; no entanto, a sua aplicao cinge-se a uma determinada e especfica situ-ao jurdica, o que traduz, dessa for-ma, uma aplicao hermtica. Em outras palavras, a interpretao e a apli-cao de regras partem de uma ade-quada verificao da subsuno do fato concreto hiptese prescrita.

    Os princpios, ao contrrio das re-gras, no contm diretamente ordens, mas apenas fundamentos, critrios para justificao de uma ordem; no pos-suem eles prprios uma ordem vincula-da estabelecida de maneira direta, se-

    no apenas fundamentos para que essa seja determinada. Os princpios funcio-nariam como fundamentos jurdicos para as decises. Ainda que com carter normativo, no possuiriam a qualidade de normas de comportamento, dada a sua falta de determinao.

    Humberto vila4, destacando a lio de Alexy, informa o momento em que a distino entre regras e princpios des-ponta com mais nitidez: quando da comparao entre a coliso de princ-pios com o conflito de regras.

    Para o notvel doutrinador alemo, um conflito entre regras somente pode ser resolvido se uma clusula de exce-o, que remova o conflito, for introdu-zida numa regra, ou pelo menos se uma das regras for declarada nula. Juridicamente, segundo ele, o conflito sempre resolvido no plano da validade: a norma vale ou no vale.

    Com a coliso de princpios, a solu-o apresenta-se de maneira totalmen-te distinta. A coliso no se resolve com a determinao da retirada imediata de um princpio em relao a outro, mas estabelecida em funo da ponderao entre os princpios colidentes, em fun-o da qual um deles, em determinadas circunstncias concretas, recebe a pre-valncia. s a aplicao dos princpios diante dos casos concretos que os con-cretiza mediante regras de coliso. O conflito de regras resolve-se na dimen-so da validade; a coliso de princpios, na dimenso do valor.

    Diante das consideraes acima, per-cebe-se que os princpios, no mbito da doutrina e jurisprudncia contemporne-as, alcanaram o cume do ordenamento

    Os princpios funcionariam como fundamentos

    jurdicos para as decises. Ainda que com carter

    normativo, no possuiriam a qualidade de normas de comportamento, dada a

    sua falta de determinao.

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    jurdico, fornecendo para o sistema par-metros interpretativos que podero impli-car a adaptao da leitura da norma in-fraconstitucional, para adequ-la ao postulado maior contido no princpio, ou, se tal adequao for impossvel, at mes-mo levar necessidade de afastamento da regra legal por sua incompatibilidade com o mandamento superior.

    3. Do princpio da proporcionalidade

    O fundamento maior do princpio da proporcionalidade a necessidade de controle dos atos estatais abusivos, seja qual for a sua natureza. O fim a que se destina exatamente o de conter atos, decises e condutas de agentes pbli-cos que ultrapassem os limites adequa-dos, com vistas ao objetivo colimado pela Administrao, ou at mesmo pe-los poderes representativos do Estado. Significa, segundo Carvalho Filho5, que o Poder Pblico, quando intervm nas atividades sob seu controle, deve atuar porque a situao reclama realmente a interveno, e esta deve processar-se com equilbrio, sem excessos e propor-cionalmente ao fim a ser atingido.

    Afirma Celso Antnio Bandeira de Mello6, seguindo ensinamento de J.J. Canotilho, que o princpio da proporcio-nalidade se desdobra em trs subprinc-pios: a adequao, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

    Extrai-se das lies do mestre portu-gus que o princpio da adequao im-pe que a medida adotada para a rea-lizao do interesse pblico deve ser apropriada persecuo dos fins a ele subjacentes; o princpio da necessidade (ou da menor ingerncia possvel) colo-ca a tnica na ideia de que o cidado tem direito menor desvantagem pos-svel; e o princpio da proporcionalidade estrita expressa o sentido de justa me-dida, ou seja, meios e fins so equacio-nados perante um juzo de ponderao, com o objetivo de avaliar se o meio uti-lizado ou no desproporcionado em relao ao fim colimado.

    Apesar de o mencionado princpio no se apresentar de forma expressa e especfica no texto constitucional, reco-nhece-se sua existncia como norma implcita da Carta Maior, noo que se infere de outros princpios que lhe so afins, dentre os quais se acentua o prin-cpio da igualdade, do devido processo legal (em sua acepo substantiva), da razovel durao do processo e da re-presentao proporcional.

    Vale mencionar que o critrio de pro-porcionalidade se transformou em regra jurdica, por fora do artigo 2 da lei n 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que impe Administrao Pblica obedi-ncia ao mencionado princpio, bem como a observncia, no mbito dos processos administrativos, dos critrios de adequao entre meios e fins, veda-

    O fundamento maior do princpio da

    proporcionalidade a necessidade de controle

    dos atos estatais abusivos, seja qual for a sua

    natureza.

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    da a imposio de obrigaes, restries e sanes em medida superior quelas estritamente necessrias ao atendimen-to do interesse pblico.

    No mbito especfico do Processo Administrativo Disciplinar, estipula o ar-tigo 128 da lei n 8.112/90 que a auto-ridade competente, no momento de aplicao das penalidades disciplinares, dever observar a natureza e a gravida-de da infrao cometida, os danos que dela provierem para o servio pblico, as circunstncias agravantes ou atenu-antes e os antecedentes funcionais. Tal disposio legal reconhecida pela doutrina e jurisprudncia como funda-mento do princpio da proporcionalida-de em matria disciplinar.

    Sobre o tema, alis, Jos Armando da Costa7 adverte que a desobedincia ao plano dosimtrico traado pelas nor-mas disciplinares no apenas afeta a justia em sua expresso axiolgica, como tambm estiola o finalismo perse-guido pelo poder disciplinar, a saber: a normalidade do servio pblico, con-cluindo que a punio desproporcional no configura apenas afronta de ordem moral, como tambm desacato ordem jurdica constituda.

    Percebe-se, portanto, que o princpio em tela reala o aspecto teleolgico da punio disciplinar, agindo como um limite discrio na avaliao dos mo-tivos determinantes, exigindo, ainda, que sejam eles adequados, compatveis e proporcionais, de modo que o ato pu-nitivo atenda a sua finalidade pblica especfica. Considerando a sua qualida-de de princpio constitucional, bem como seu amparo legal nos diplomas incidentes sobre o processo disciplinar,

    conclui-se que tal instrumento normati-vo possui plena aptido para acautelar, do arbtrio do poder, os cidados que se submetem aos procedimentos correcio-nais do Estado.

    4. Enquadramento administrativo e parmetros de dosimetria da pena: incidncia concreta do princpio da proporcionalidade na seara disciplinar

    Para a real compreenso do tema e uma delimitao mais precisa sobre os momentos em que os ditames da pro-porcionalidade sero efetivamente apli-cados, cabe uma anlise das peculiari-dades existentes na legislao que rege o processo disciplinar, especialmente quanto s especificidades do enquadra-mento administrativo e s fases proces-suais que comportam um juzo de pon-derao tendente a balizar a aplicao da medida punitiva.

    No mbito do Direito Penal, em razo das peculiaridades que envolvem a sua natureza punitiva que, em grande par-te, recair sobre o mais precioso bem do cidado (sua prpria liberdade) , sua dogmtica se consolidou em torno do postulado da legalidade estrita e da tipi-cidade cerrada. Justamente pela possibi-lidade de que os efeitos da pena venham a incidir sobre o bem mais caro ao ho-mem moderno que os ilcitos penais so descritos de forma individualizada e precisa, tanto no aspecto objetivo (des-crio da conduta), quanto no aspecto subjetivo (seara do nimo). Requer tam-bm a infrao penal que haja, entre o tipo penal e a conduta do agente, a qua-se que absoluta correspondncia.

  • 15Revista da CGU

    J o Direito Disciplinar, embora tam-bm seja uma sede do direito pblico punitivo, diferencia-se consideravel-mente dos postulados da tutela penal, e, fazendo contraposio ao conceito de tipicidade penal, sua sistemtica pu-nitiva se estruturou ao redor do concei-to de enquadramento administrativo.

    O enquadramento administrativo, ao invs de lanar mo de processo crite-rioso para a elaborao de tipos cerra-dos, em que todos os aspectos relevan-tes da conduta devem estar presentes no texto legal, elaborado por meio de hipteses configuradoras de faltas ad-ministrativas de conceituao genrica, concebidas propositadamente em ter-mos amplos, para abranger um maior nmero de casos. a aplicao no Direito Disciplinar dos conceitos jurdi-cos indeterminados.

    Outro no o entendimento da Controladoria-Geral da Unio8, ao dis-por em seu Manual de Processo Administrativo Disciplinar que, na sede disciplinar, no se trata de buscar a ni-ca definio legal em que o ato se amol-da, mas sim de identificar, dentre algu-mas definies legais porventura cabveis, aquela que melhor a conduta se adequa. Um determinado ato irregu-lar em sede administrativa, vista de diferentes enquadramentos em que a priori ele se encaixa, deve ser enquadra-do naquele que melhor o comporta, tendo em vista o fato objetivo e, sobre-tudo, o nimo subjetivo do servidor.

    Essa peculiaridade do enquadramen-to administrativo propicia campo frtil para a aplicao concreta do princpio da proporcionalidade, uma vez que im-pe que o aplicador analise de forma

    mais qualificada o caso concreto, em todas as suas particularidades e condi-cionantes relevantes, antes de enqua-dr-lo nas hipteses generalistas do texto legal.

    Considerada tal premissa, analisar-se- o itinerrio procedimental previsto em lei, identificando-se, por conseguin-te, em quais momentos processuais ocorrer a manifestao concreta do princpio da proporcionalidade.

    O primeiro momento corresponde

    reao da autoridade administrativa que tiver cincia de irregularidade no servio pblico. Segundo o artigo 143, caput, do Estatuto dos Servidores Pblicos, dever dessa autoridade promover a ime-diata apurao, mediante sindicncia ou processo administrativo disciplinar. Esse momento processual corresponde ao ju-zo de admissibilidade, anlise prvia em que a autoridade competente levanta os elementos acerca da suposta irregulari-dade e os pondera vista da necessidade e utilidade de determinar a instaurao da sede disciplinar.

    Nesse juzo de ponderao, concen-tra-se a primeira aplicao dos critrios de proporcionalidade, que poder im-plicar a escolha do procedimento ade-quado (se processo disciplinar ou sin-dicncia), ou, at mesmo, o arquivamento sumrio da denncia. Cabe reconhecer, pois, que o juzo da instaurao de medida correcional traz consigo o juzo de proporcionalidade, precrio muito embora.

    Superado o juzo de admissibilidade e encerrada a instruo probatria, recai a anlise sobre a indiciao, correspon-dente ao segundo momento de anlise

  • 16Revista da CGU

    da proporcionalidade, que medeia a ins-truo e o relatrio final da comisso. o instrumento de acusao formal do servidor, refletindo a convico prelimi-nar da comisso de que ele cometeu a irregularidade apurada. Apesar de ser uma convico preliminar e, portanto, sujeita a mudanas, a indiciao repre-senta uma avaliao madura em torno da culpa do servidor, luz de todas as provas e fatos reunidos nos autos, depois de devidamente esclarecido o quadro ftico, com a realizao dos atos proces-suais instrutrios pertinentes.

    A indiciao delimitar a matria fti-ca envolvida no exame da responsabili-dade disciplinar do acusado, os fatos considerados infraes funcionais e seu respectivo enquadramento legal, fixando os limites da acusao e da defesa. Percebe-se, portanto, que nessa fase ocorrer a formalizao do primeiro ju-zo envolvendo o enquadramento admi-nistrativo dos fatos apurados, trazendo consigo todas as peculiaridades de sua sistemtica que foram elucidadas em li-nhas pretritas. Assim, a comisso, dian-te de determinado ato noticiado irregu-lar, vista de diferentes enquadramentos em que a priori ele se encaixe, deve en-quadr-lo naquele que melhor o com-porte, tendo em vista todas as circuns-tncias que envolvam o caso, tais como agravantes, atenuantes, antecedentes funcionais, nimo do servidor, dentre ou-tros. O que isso seno a aplicao con-creta de um juzo de proporcionalidade?

    O terceiro momento caracterizado

    pelo relatrio final da comisso proces-sante (artigo 165), pea de carter dia-ltico, em que as provas colhidas duran-te a instruo (inqurito), embasadoras da indiciao, so conjugadas com os

    argumentos da defesa escrita ofertada pelo acusado, os quais podero ser aco-lhidos ou refutados pela comisso, que dever se posicionar conclusivamente quanto inocncia ou responsabilidade do servidor acusado.

    Nesse nterim procedimental, o juzo de proporcionalidade se apresentar com mais assertividade do que na anterior fase de indiciao, afinal trata-se de relatrio circunstanciado do que se apurou no pro-cesso, contendo, inclusive, exame e apre-ciao detalhada de todos os argumentos da defesa escrita, demonstrando-se que o acusado teve suas alegaes levadas em considerao. Tal feio dialtica facilitar a anlise e a aplicao dos critrios de proporcionalidade, uma vez que o posi-cionamento do conselho instrutor poder ser corroborado com os argumentos es-grimidos pela defesa.

    Nessa oportunidade, quando a co-misso legalmente obrigada a enqua-drar o fato, faz-se necessrio que ela aplique os parmetros do artigo 128 da lei n 8.112/90, dispositivo que funda-menta a adequabilidade da punio sugerida, para que a justa medida seja observada no caso concreto.

    Alis, este o entendimento consa-grado pela Controladoria-Geral da Unio9:

    A rigor, os parmetros do art. 128 da lei n 8.112, de 11/12/90, atua-riam apenas de forma horizontal, qualificando a pena para um enqua-dramento j definido ou seja, no-teriam o condo de desconfigurar o fato ilcito apurado e de atuar verti-calmente na definio do enquadra-mento. Todavia, como aquela lei

  • 17Revista da CGU

    contempla degraus de escalona- mento de gravidade para fatos simi-lares e vincula a pena a ser aplicada ao enquadramento julgado cabvel e esses dois fatores causam natural senso de responsabilidade no apli-cador, ningum melhor que a co-misso para, aps meses de traba-lho, em que travou o dilogo juridicamente aceito com o acusado (levando em considerao todas as ferramentas jurdicas, princpios ga-rantidores de defesa, fatores huma-nos, praxes administrativas, etc.), em uma construo intelectual in-formal, adotar estes parmetros como indicadores de, dentre os en-quadramentos possveis para o fato apurado, qual o mais razovel e qual tem a pena vinculada mais pro-porcional e nesse rumo concluir o seu relatrio.

    No h dvidas de que o princpio da proporcionalidade assume, nessa fase processual, relevncia de primeira gran-deza e aplicabilidade integral.

    O quarto momento, clmax da apu-

    rao, o julgamento, em que a auto-ridade competente decidir administra-tivamente entre a inocncia e a responsabilidade do servidor e, nessa ltima hiptese, sugerir a extenso da pena aplicvel, luz da Lei 8.112/90.

    Esse , sem dvida, o momento em que o juzo de proporcionalidade se apresenta de forma mais intensa e em que, a depender do exame da autorida-de, ser o servidor simplesmente ino-centado ou apenado.

    Se for apenado, pode a deciso ad-ministrativa espelhar a sugesto da co-

    misso processante, bem como atenu-la ou mesmo agrav-la, desde que fundamentadamente.

    Nesse momento, a importncia do princpio da proporcionalidade aflora em toda a sua dimenso (embora no mais seja do que o desenvolvimento do juzo que se foi formando ao longo da apura-o). Julga a autoridade competente com liberdade, limitada pelo acervo pro-batrio coligido durante a fase instrut-ria. No se vincula nem indiciao nem ao relatrio final da comisso processan-te (artigo 168, pargrafo nico), mas s provas dos autos que valorar.

    Aps essas consideraes, passa-se a enfrentar a situao que ensejou a elaborao deste estudo, qual seja, o aparente conflito entre, de um lado, a obrigatoriedade de aplicao de pena de demisso, tal qual propugnado pela Administrao Pblica Federal por meio da sua Advocacia, e, de outro, a exigncia de dosimetria e proporciona-lidade no Direito Disciplinar, tal qual reclamado na doutrina ptria e na re-cente tendncia jurisprudencial trazida baila na Introduo.

    Eis o teor dos assemelhados parece-res da Advocacia Pblica Federal postos em xeque:

    PARECER N GQ-177 (Parecer vinculante, conforme art. 40 da Lei Complementar n 73, de 10/02/93) - Ementa: Verificadas a autoria e a infra-o disciplinar a que a lei comina penali-dade de demisso, falece competncia autoridade instauradora do processo para emitir julgamento e atenuar a penalidade, sob pena de nulidade de tal ato....

  • 18Revista da CGU

    PARECER N GQ-183 (Parecer vinculante, conforme art. 40 da Lei Complementar n 73, de 10/02/93) - Ementa: compulsria a aplicao da penalidade expulsiva, se caracterizada infrao disciplinar antevista no art. 132 da Lei n 8.112, de 1990.

    Em relao aos documentos acima, no julgamento do Mandado de Segurana n 13.523-DF, de relatoria do Min. Arnaldo Esteves Lima, posicionou-se, por unanimidade, a 3 Seo do Superior Tribunal de Justia (STJ) nestes termos:

    So ilegais os Pareceres GQ-177 e GQ-183, da Advocacia-Geral da Unio, segundo os quais, caracteri-zada uma das infraes disciplinares previstas no art. 132 da Lei 8.112/90, se torna compulsria a aplicao da pena de demisso, porquanto con-trariam o disposto no art. 128 da Lei 8.112/90, que reflete, no plano le-gal, os princpios da individualizao da pena, da proporcionalidade e da razoabilidade.

    Observa-se que a controvrsia se eri-ge em torno da obrigatoriedade da apli-cao de pena de demisso, nos casos em que o julgamento concluir pela res-ponsabilizao de servidor com funda-mento num dos incisos do artigo 132 da Lei 8.112/90.

    Como visto, postam-se a doutrina e os tribunais contrariamente a essa orientao ventilada pela Advocacia-Geral da Unio, por entend-la refrat-ria aos princpios da individualizao da pena e da proporcionalidade.

    Se, por um lado, seguir cegamente os opinativos poderia importar automa-

    tismo, esvaziando o juzo que necessa-riamente integra e caracteriza o proces-so administrativo disciplinar, por outro, tambm se pode afirmar que obtempe-rar de forma acrtica o contedo judicial acima equivaleria a relativizar o efetivo exerccio do Direito Disciplinar, acarre-tando punies divergentes para infra-es similares, expondo a matria cor-recional insegurana jurdica e a alegaes de arbitrariedade.

    Nesse passo, importa verificar se es-to realmente em testilha os dois enten-dimentos, ou se seria possvel, de algu-ma forma, lanar luz sobre a questo, buscando concili-los.

    Nesse sentido, durante o percurso do processo administrativo disciplinar, o juzo de proporcionalidade assoma, pelo menos, em quatro momentos, j comentados, indo desde a fase anterior instaurao (juzo de admissibilidade) at o desfecho processual (julgamento).

    Assim, a obrigatoriedade esposada pela Advocacia-Geral da Unio necessi-ta ser considerada em seu momento processual exato, que posterior s eta-pas de aplicao do princpio da pro-porcionalidade, jamais sucednea.

    Explica-se: a obrigatoriedade de apli-cao de pena de demisso, encarada como lei natural definida pela causa (a conduta apurada) e pelo efeito (a puni-o), s se verificar caso, posterior-mente ao juzo de proporcionalidade, a autoridade julgadora se convencer, com base na prova dos autos, de que a con-duta sob exame se enquadra num dos incisos do artigo 132 da Lei 8.112/90.

  • 19Revista da CGU

    , pois, necessrio insistir: o juzo de proporcionalidade que se insere em todo itinerrio processual no fica, nem poderia ficar, afastado pela obrigatorie-dade de aplicao de determinada pena em face de certa conduta censurvel.

    Assim, a incidncia do princpio da proporcionalidade e a consequente do-simetria da pena esto presentes na prpria determinao do enquadra-mento (indiciao, relatrio final e jul-gamento) e, uma vez que este corres-ponda hiptese de determinada pena, a sim se mostrar necessria e compul-sria a aplicao dessa medida punitiva.

    A escolha de determinado enquadra-mento para dada conduta no arbi-trria, consequncia da valorao dos atos e fatos do caso concreto, a qual deve levar em conta a natureza, a gra-vidade, o risco ou o prejuzo envolvidos, bem como as circunstncias agravantes ou atenuantes.

    Uma vez definido o enquadramento que se amolda com mais perfeio ao caso sob apurao, ento compulsria ser a aplicao da pena correspondente.

    No obstante, certa fluidez h para aplicao entre as penas de advertncia e de suspenso, conforme quer a Lei (arts. 129 e 130 da Lei 8.112/90), bem como para graduao do prazo desta (a suspenso varia de um a noventa dias).

    J a pena de demisso, semelhan-a da de advertncia, no comporta essa matizao (escalonamento em dias) o que, evidentemente, no sig-nifica desprezar, para sua aplicao, a proporcionalidade, a dosimetria, que lhe antecedente.

    que a demisso, tal qual a adver-tncia, s comporta um juzo absoluto, podendo apenas ser devida a punio ou no (culpado ou inocente).

    A pena de suspenso, que contada em dias e pode ser convertida em mul-ta, espcie de sano em que cada circunstncia, cada detalhe, por mais insignificante que parea no conjunto do julgamento, pode influir na sua fixa-o e, por isso, a que mais se asseme-lha sano penal.

    De outra sorte, como afirmado, so as penas de advertncia e demisso, que s admitem ser impostas ou no, no se admitindo gradao ou meio termo.

    Concluso

    O Neoconstitucionalismo o terreno em que se desenvolveu a Teoria dos Princpios, que passaram a ser mais va-lorizados, merc do reconhecimento da

    A escolha de determinado enquadramento para dada conduta no arbitrria, consequncia da valorao

    dos atos e fatos do caso concreto, a qual deve levar

    em conta a natureza, a gravidade, o risco ou o

    prejuzo envolvidos, bem como as circunstncias

    agravantes ou atenuantes.

  • 20Revista da CGU

    sua juridicidade, o que implicou concei-tu-los, ao lado das regras, como nor-mas jurdicas.

    Dentre os princpios, o da proporcio-nalidade tem ganhado cada vez mais destaque, decompondo-se em trs sub-princpios: adequao, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

    Convertido em regra pelo artigo 2 da Lei 9.784/99, sua incidncia e aplica-o devem ser reconhecidas tambm no Direito Disciplinar, matria enfrentada recentemente pelo Superior Tribunal de Justia, que, nos autos do mandado de segurana n 13.523-DF, julgou ilegais os pareceres QG 177 e QG 183, da Advocacia-Geral da Unio, em razo de suposta afronta ao princpio da propor-cionalidade e da individualizao da pena (dosimetria).

    Os opinativos atacados pela deciso da 3 Seo do Superior Tribunal de Justia afirmam a obrigatoriedade de aplicao de pena expulsiva para res-ponsabilizao de servidores, quando fundamentada em um dos incisos do artigo 132 da Lei 8.112, de 11 de de-zembro de 1990.

    Este trabalho buscou demonstrar como os entendimentos aparentemente antagnicos podem ser conciliados, mediante anlise mais aprofundada dos momentos e das formas de aplicao do princpio da proporcionalidade no processo administrativo disciplinar.

    Com isso, evidenciou-se que a orien-tao da Advocacia Pblica, quando bem assimilada, no contraria nem a Lei nem os princpios jurdicos, de modo que o princpio da proporciona-

    lidade pode ser divisado em pelo me-nos quatro momentos durante o pro-cedimento disciplinar (previamente instaurao, indiciao, ao relatrio final e ao julgamento).

    Por fim, considerou-se a natureza das principais penas disciplinares (advertn-cia, suspenso e demisso), apontando a diferena entre a de suspenso e as outras duas, por ser a nica delas que admite gradao e fixao em dias, semelhana da sano penal tradicional.

    Referncias Bibliogrficas

    (1) BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalizao do Direito. Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Pblico. 2007.

    (2) BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores. 24 edi-o. 2009. p. 259.

    (3) Ob. cit., p. 262

    (4) VILA, Humberto. A distino entre princpios e regras e a redefinio do dever de proporcionalidade. Revista Dilogo Jurdico, Salvador, CAJ, V.I, n4, 2001.

    (5) CARVALHO FILHO, Jos dos santos. Manual de Direito Administrativo. Lumen Juris. 19 Edio. 2008. p. 33.

    (6) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 26 Edio. 2009. p. 111.

    (7) COSTA, Jos Armando da. Direito Disciplinar: Temas Substantivos e Processuais. Editora Frum. p. 8.

    (8) Controladoria-Geral da Unio. Manual de Processo Disciplinar. p. 293.

    (9) Idem, p. 418.

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    Medidas cautelares no processo administrativo sancionador: uma anlise da possibilidade de suspenso cautelar do direito de uma pessoa licitar e contratar com a Administrao Pblica

    Luiz Henrique Pandolfi Miranda, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Esprito Santo, Corregedor Setorial dos Ministrios da Cincia e Tecnologia e das

    Comunicaes da CGU.

    1. Introduo

    Entre os instrumentos de combate corrupo e malversao de recursos postos disposio da Administrao Pblica, destacam-se aqueles voltados para afastar licitantes e contratados pelo Estado que agiram com desonesti-dade nessas relaes, sanes que cum-prem a dupla funo de evitar novos ilcitos praticados por esses agentes que ficam impossibilitados de contratar com a Administrao e de punir exem-plarmente os infratores.

    Dispe o art. 86 da Lei n 8.666/93 que, pela inexecuo total ou parcial do contrato, a Administrao poder apli-car ao contratado as sanes de adver-tncia; multa; suspenso temporria de participao em licitao e impedimen-to de contratar; e declarao de inido-

    neidade para licitar ou contratar com a Administrao Pblica.

    Ainda de acordo com o referido di-ploma legal, as sanes de suspenso temporria de licitar e contratar e a de-clarao de inidoneidade so aplicveis aos licitantes e contratados que pratica-rem fraude fiscal ou cometerem atos ilcitos com o objetivo de frustrar os ob-jetivos da licitao, ou que demonstrem no possuir idoneidade para contratar com a Administrao (art. 87).

    Disposio semelhante contm a Lei n 10.520/2002, que prev a pena de impedimento de licitar e contratar com a Administrao Pblica ao licitante ou contratado que cometer graves irregu-laridades no curso da licitao ou na execuo do contrato (art. 7.).

  • 22Revista da CGU

    A despeito de configurar medida res-tritiva que encontra fundamento no exer-ccio do Poder Disciplinar, decorrente de uma especial relao de sujeio existente entre a Administrao e o administrado, a aplicao de tais sanes demanda pr-vio processo administrativo em que seja assegurado ao suposto infrator os direitos ampla defesa e ao contraditrio, confor-me expressa dico do art. 5., inciso LV, da Constituio Federal.

    Sobre o Poder Disciplinar e sua dis-tino do Poder de Polcia, vale a citao de Hely Lopes Meirelles:

    Poder disciplinar a faculdade de punir internamente as infraes funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas disciplina dos r-gos e servios da Administrao. uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam Administrao por relaes de qualquer natureza, subordinando-se s normas de fun-cionamento do servio ou do esta-belecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente.[...]Poder de polcia a faculdade que dispe a Administrao Pblica para condicionar e restringir o uso e go-zos de bens, atividades e direitos individuais em benefcio da coletivi-dade ou do prprio Estado [...] fun-dado na supremacia geral que o Estado exerce em seu territrio so-bre todas as pessoas, bens e ativida-des, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas norma de ordem pblica [...]

    A prpria Lei n 8.666/93, alis, pre-v a garantia de prvia defesa ao con-

    tratado para a aplicao das sanes arroladas em seu art. 87.

    No obstante a previso, no h, na Lei n 8.666/93, a descrio dos procedi-mentos a serem adotados pela Administrao para a aplicao das pena-lidades aos licitantes e contratados, omis-so que se mostra mais evidente naqueles processos instaurados para apurao de ilcitos complexos, que envolvam a produ-o de provas que vo alm da documen-tao j disponvel no processo licitatrio ou do procedimento de acompanhamen-to da execuo contratual.

    Com o advento da Lei n 9.784/99, no restam dvidas quanto aplicabili-dade das regras ali contidas ao processo administrativo instaurado para aplicao de sanes a licitantes e contratados pela Administrao Pblica, uma vez que seu art. 69 prev expressamente a aplicao subsidiria dos preceitos dessa lei aos processos administrativos especficos re-gidos por outros diplomas normativos.

    Assentadas essas premissas, preten-de-se analisar a aplicabilidade do art. 45 da Lei n 9.784/99 aos processos instau-rados pela Administrao Pblica para a aplicao das penalidades previstas nos

    Poder disciplinar a faculdade de punir

    internamente as infraes funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas

    disciplina dos rgos e servios da Administrao.

  • 23Revista da CGU

    arts. 87, inciso III e IV, da Lei n 8.666/93, e 7. da Lei n 10.520/2002 isto , se o Estado pode suspender cautelarmente o direito de uma pessoa de participar de licitao e contratar com a Administrao Pblica antes do trmino do processo administrativo instaurado para apurar a suposta conduta ilcita.

    Ademais, objetiva este trabalho in-vestigar perfunctoriamente os limites e a extenso em que a medida pode ser adotada luz do direito que todas as pessoas possuem de s serem privadas de seu patrimnio e sua liberdade aps o devido processo legal, em que lhe seja assegurado o contraditrio e a ampla defesa (art. 5., incisos LIV e LV, da Constituio Federal).

    2. Da medida cautelar em processo administrativo sancionador

    Em alguns casos, a Administrao Pblica tem-se deparado com provas robustas do cometimento de fraudes por licitantes ou contratadas, oriundas sobretudo de operaes policiais, que abalam de forma profunda a relao fornecedor/cliente que existia entre a Administrao e aquela pessoa, que muitas vezes se estende a diversos con-tratos e licitaes em curso.

    Sem um instrumento de coibir, ainda que temporariamente, a participao daquela empresa em processos licitat-rios, em muitos casos a Administrao pode ficar impedida de adquirir produ-tos ou servios essenciais ao seu funcio-namento, sobretudo se a empresa sus-peita continuar vencendo novas licitaes perante a Administrao antes

    do trmino do regular processo de de-clarao de inidoneidade ou de suspen-so/impedimento de licitar.

    Nesse ponto que se mostra impor-tante a avaliao quanto possibilidade de a Administrao, cautelarmente, nos termos do art. 45 da Lei n 9.784/99, im-pedir a pessoa suspeita de participar de licitaes e contratar com a Administrao, at o fim do trmite regular do processo administrativo instaurado.

    Dispe o art. 45 da Lei n 9.784/99 que, em caso de risco iminente, a Administrao Pblica poder motiva-damente adotar providncias acautela-doras sem a prvia manifestao do interessado.

    Tal previso no representa afronta s garantais constitucionais dos admi-nistrados ampla defesa e ao contradi-trio, porquanto, em muitas situaes, a Administrao agiria ao arrepio das normas e dos princpios previstos na Constituio Federal, caso tivesse de aguardar o desfecho do processo admi-nistrativo para aplicar determinadas medidas restritivas liberdade e ao pa-trimnio dos administrados, necessrias para resguardar o interesse pblico de risco iminente.

    Cumpre transcrever trecho da lio de Srgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari sobre a questo:

    Excepcionalmente, em caso de pe-rigo pblico iminente (por exemplo: um surto epidmico, calamidade pblica, comoo interna grave, ris-co iminente para a vida e a sade das pessoas ou para bens e interes-ses especialmente protegidos) po-

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    deria haver uma atuao cautelar instantnea. A regra geral, porm, a supremacia irrestrita da Constituio, da interpretao con-forme a Constituio. A competn-cia conferida pela lei deve ser exer-cida em consonncia com a Constituio.

    De partida, porm, pode-se vislum-brar dois requisitos essenciais para a adoo de medida cautelar em processo administrativo: a configurao de risco iminente e a motivao, que engloba a necessidade de demonstrar existirem indcios suficientes que amparem a ado-o da medida at a devida apurao dos fatos (Idem, p. 150).

    Repete-se, pois, a consagrada fr-mula das medidas cautelares judiciais, que exigem a demonstrao do fumus boni juris e do periculum in mora, ou seja, de indcios suficientes que de-monstrem a verossimilhana das alega-es do interessado e do risco iminente para o direito deste, que no pode aguardar a concluso do processo prin-cipal, conforme lio da doutrina:

    Os provimentos cautelares fundam-se na hiptese de um futuro provi-mento definitivo favorvel ao autor (fumus boni juris): verificando-se cumulativamente esse pressuposto e o do periculum in mora, o provimen-to cautelar opera em regime de ur-gncia, como instrumento provisrio sem o qual o definitivo poderia ficar frustrado em seus efeitos.

    Alm desses requisitos, a medida cautelar no deve ultrapassar restries estritamente necessrias para resguar-dar o interesse pblico do risco a que

    est exposto, isto , o art. 45 da Lei n 9.784/99 no se presta a antecipar a sano a ser cominada ao fim do pro-cesso, que pode ter uma natureza estri-tamente punitiva, como o caso da pena de multa.

    Isso no significa que a medida cau-telar no processo administrativo no pode se assemelhar penalidade que eventualmente ser aplicada ao final do processo, uma vez que algumas dessas sanes tm tambm um carter de proteo do interesse pblico, como ocorre justamente com a pena de sus-penso ou impedimento de licitar e con-tratar com a Administrao Pblica.

    3. Da aplicao do art. 45 da Lei n 9.784/99 ao caso em anlise

    Como se demonstrou, havendo risco iminente, e desde que estejam previstos elementos de convico suficientes para um convencimento prvio da Administrao Pblica acerca dos elemen-tos fticos, a Administrao pode adotar medidas acauteladoras do interesse pbli-co, sem prvia manifestao do interessa-do, que devem se limitar ao necessrio para resguardar o bem tutelado.

    Tambm conforme dito, as penalida-des previstas nos arts. 87 da Lei n 8.666/93 e 7. da Lei n 10.520/2002 demandam regular processo adminis-trativo para serem aplicadas. No obs-tante, inegvel que, muitas vezes, oferecer ampla defesa e contraditrio aos investigados demanda tempo in-compatvel com o dinamismo que a Administrao Pblica precisa empregar para garantir o correto funcionamento do aparato estatal.

  • 25Revista da CGU

    Assim, a despeito de a doutrina e a ju-risprudncia silenciarem sobre o assunto, defende-se que, ao se deparar com provas robustas do cometimento de graves ilcitos por parte de licitantes e contratados, a Administrao tem o direito de afastar cautelarmente essa pessoa de novas licita-es e contratos, at o trmino de proces-so administrativo instaurado ou em vias de ser instaurado para aplicao das sanes previstas nos arts. 87 da Lei n 8.666/93 e 7. da Lei n 10.520/2002, sob pena de colocar em risco o funcionamento de seus servios, mormente quando se tratar de contrataes essenciais para o desempe-nho do rgo ou da entidade.

    Conforme expressa dico do art. 45 da Lei n 9.784/99, a medida pode ser adotada sem a prvia manifestao do interessado; nada obsta, entretanto, que seja adotada aps a instaurao e a noti-ficao do administrado, o que se consi-dera inclusive desejvel, como forma de evitar possveis erros que a manifestao do interessado poderia chamar ateno.

    Tratando-se de medida cautelar, con-tudo, deve-se atentar para os limites e condies que a circunscreva apenas ao resguardo do interesse pblico em risco.

    Nesse sentido, primeiramente cabe inda-gar quanto ao prazo mximo que a Administrao Pblica pode suspender cau-telarmente uma pessoa de licitar e contratar. que o Estado no pode se aproveitar de sua prpria demora para concluir o proces-so administrativo e manter os direitos do suspeito indefinidamente suspensos.

    As penalidades previstas nos arts. 87 da Lei n 8.666/93 e 7. da Lei n 10.520/2002 importam restrio ao di-reito de licitar e contratar com a

    Administrao Pblica por um perodo de 2 a 5 anos, sem contar a pena de declarao de inidoneidade, que perdura enquanto permanecerem os motivos determinantes da punio ou at que seja promovida a reabilitao perante a prpria autoridade que aplicou a penali-dade, que ser concedida sempre que o contratado ressarcir a Administrao pe-los prejuzos resultantes e aps decorrido o prazo de 2 anos (art. 87, inciso IV).

    Nesse sentido, de incio no se pode conceber que a Administrao Pblica suspenda cautelarmente o direito de contratar e licitar de uma pessoa por um perodo maior que 2 anos, no caso das modalidades de licitaes previstas na Lei n 8.666/93, e 5 anos, no caso do prego, porquanto essa medida re-presentaria uma restrio maior que aquela que ser eventualmente imposta quando do trmino do processo.

    De outro lado, a suspenso cautelar, porque no representa uma sano, deve possuir limites bem mais estreitos que aqueles previstos para a penalidade pro-priamente dita. Assim que, na falta de um dispositivo legal explcito sobre a ma-tria, cumpre ao intrprete recorrer-se das formas de integrao do sistema jurdico, dentre as quais ressalta a analogia.

    Tratando-se de medida cautelar, contudo, deve-se atentar para os limites e

    condies que a circunscreva apenas ao resguardo do interesse

    pblico em risco.

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    No mbito federal, a Lei n 8.112/90, na parte que disciplina o processo ad-ministrativo disciplinar aplicvel ao ser-vidor pblico que cometeu infrao disciplinar, prev a hiptese do afasta-mento cautelar do funcionrio, no curso do processo, como medida cautelar e a fim de que o servidor no venha a influir na apurao da irregularidade (art. 147), pelo prazo mximo de 60 dias, prorrogveis por igual perodo, findo o qual cessaro os seus efeitos, ainda que no concludo o processo.

    Como se trata de hipteses seme-lhantes, ambas adotadas em processo administrativo disciplinar, ou seja, em processos administrativos sancionado-res em que h uma especial relao de sujeio entre a Administrao Pblica e o suposto infrator, advoga-se sua apli-cao para o caso da medida cautelar que determina a suspenso dos direitos de uma pessoa de licitar e contratar com o Estado, isso no mbito federal.

    Outra questo que ressurge da ado-o da medida cautelar de suspenso de licitar e contratar com a Administrao Pblica advm da falta de definio quanto abrangncia da restrio, se engloba todos os entes da Administrao Pblica, ou apenas o rgo que adotou a medida . E mais, uma medida adotada pelo Poder Executivo Federal vincula os demais poderes? Ou, ainda, a medida adotada por um dos membros de Federao repercute nos demais?

    Uma interpretao literal da Lei n 8.666/93 autoriza a concluso de que a declarao de inidoneidade por um rgo surte efeitos em toda a administrao direta e indireta da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios,

    abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurdica de direito privado sob controle do poder pblico e das fun-daes por ele institudas ou mantidas (arts. 6., inciso XI), uma vez que a lei assim conceitua a expresso Administrao Pblica, utilizada no art. 87, inciso IV, que prev a referida penalidade.

    Como o art. 87 da Lei n 8.666/93 prev uma gradao de penas, e seu inciso III (suspenso temporria de par-ticipao em licitao e impedimento de contratar com a Administrao) consti-tui uma sano menos grave em relao declarao de inidoneidade, buscou a doutrina diferenciar as referidas penali-dades, apontando que a palavra Administrao, utilizada no inciso III, abrangeria to somente o prprio r-go em que a pena foi imposta.

    No foi essa, porm, a viso do Superior Tribunal de Justia no julgado abaixo transcrito:

    ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANA - LICITAO - SUSPENSO TEMPORRIA - DISTINO ENTRE ADMINISTRAO E ADMINISTRAO PBLICA - INEXISTNCIA - IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAO DE LICITAO PBLICA - LEGALIDADE LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.- irrelevante a distino entre os ter-mos Administrao Pblica e Administrao, por isso que ambas as figuras (suspenso temporria de par-ticipar em licitao (inc. III) e declara-o de inidoneidade (inc. IV) acarre-tam ao licitante a no-participao em licitaes e contrataes futuras.- A Administrao Pblica una, sen-do descentralizadas as suas funes,

  • 27Revista da CGU

    para melhor atender ao bem comum.- A limitao dos efeitos da suspen-so de participao de licitao no pode ficar restrita a um rgo do po-der pblico, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administrao se estendem a qualquer rgo da Administrao Pblica.

    A despeito da indefinio da matria, inclusive para os fins da aplicao das penas previstas nos arts. 87 da Lei n 8.666/93 e 7. da Lei n 10.520/2002, entende-se que a medida cautelar ado-tada s produz efeitos nos rgos ou entidades que estejam sob o poder hie-rrquico da autoridade que a adotou, a no ser que haja previso legal especfica que permita a extrapolao desse limite.

    Nesse caso, uma deciso adotada por um Ministro de Estado s produz efeitos internamente quela Pasta, a no ser que os demais ministros, apro-veitando-se dos indcios j colhidos pelo primeiro, adotem internamente a mes-ma medida cautelar. Uma deciso do Presidente da Repblica ou de a quem a lei ou um decreto presidencial delegar essa funo, vincula todos os rgos ou entidades do Poder Executivo Federal.

    Pelas mesmas razes, cr-se que no h repercusso de uma deciso adotada em um dos Poderes da Repblica em relao aos demais, nem de um mem-bro de Federal em relao aos outros.

    Outra questo interessante que se co-loca no que tange ao desconto do per-odo em que foi suspenso o direito de lici-tar e contratar com a Administrao em relao a tempo de eventual pena aplica-da, como ocorre no Direito Penal, em que

    computam-se, na pena privativa de liber-dade e na medida de segurana, o tempo de priso provisria (art. 42 do Cdigo Penal), sendo ali chamada de detrao.

    A fim de que o Estado no abuse de seu poder-dever de punir, utilizando-se da medida cautelar como um aumento de pena no previsto em lei, advoga-se a aplicao da detrao no mbito das medidas cautelares em processo admi-nistrativo, reduzindo-se, portanto, o perodo da suspenso cautelar do direi-to de licitar e contratar da pena eventu-almente aplicada ao final do processo, o que deve restar explcito na deciso que julgar esse procedimento.

    Vale lembrar que a detrao s surtir efeitos em relao ao rgo ou entidade que adotou a medida cautelar. Sendo as-sim, se a pena aplicada ao final do pro-cesso surtir efeitos em outros rgos e entidades, em relao a estes o punido ter de cumprir integralmente o perodo estipulado na deciso do processo.

    Por fim, importa reconhecer que, em caso de a medida cautelar causar preju-zos ao interessado, comprovando-se ao final do processo que no houve a prtica dos atos ilcitos cujos indcios ensejaram a restrio, abre-se discusso quanto ne- cessidade de a Administrao ser civil-mente responsabilizada por seus atos.

    Os limites deste trabalho impendem uma discusso mais aprofundada do tema, porm desde j possvel deixar registrado que a hiptese se delimita disciplina da responsabilidade extracon-tratual do Estado, cuja tese dominante de que o art. 37, 6., da Constituio Federal impe a responsabilidade objeti-va ao Estado pelo seus atos que causem

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    prejuzos a terceiros, isto , indepen-dentemente de dolo ou culpa.

    Assim que, sempre que houver a ado-o de uma medida cautelar restritiva do direito de uma pessoa licitar e contratar com a Administrao Pblica, o Estado es-tar obrigado a reparar os danos porven-tura causados, se, ao final do processo, se concluir pela no aplicao da penalidade.

    No se olvide, entretanto, que, em caso de culpa concorrente do sujeito que sofreu o dano, h atenuao da responsabilidade da Administrao.

    Assim, se o rgo ou entidade que adotou a medida notifica o interessa-do da medida cautelar e este perma-nece inerte em defender-se da acusa-o, ou defende-se de forma precria, h culpa concorrente do administra-do, que no pode alegar prejuzo por eventuais restries sofridas durante o perodo em que podia demonstrar sua inocncia e no o fez, mantendo a Administrao em erro.

    Concluso

    O art. 45 da Lei n 9.784/99 prev a possibilidade de a Administrao Pblica adotar medidas cautelares, antes mesmo de ouvir o interessado, a fim de resguar-dar risco iminente a interesse pblico.

    Desde que haja elementos de convic-o suficientes para embasar a deciso, que se traduz em indcios relevantes da prtica do ato ilcito, a Administrao Pblica pode suspender cautelarmente uma pessoa de licitar e contratar com o poder pblico, a fim de resguardar as contrataes que dever fazer no curso

    do processo administrativo instaurado para apurar as supostas faltas cometi-das pelo administrado.

    A medida restritiva, contudo, deve ser limitada a resguardar o interesse co-letivo, razo pela qual no pode ultra-passar prazo hbil razovel para a con-cluso do processo, tampouco produzir os mesmos efeitos das penas que por-ventura venham a ser aplicadas, restrin-gindo-se ao rgo que adotou a medi-da, que posteriormente dever subtrair esse perodo daquele fixado na sano, alm de poder dar ensejo responsabi-lidade civil do Estado se a restrio se mostrar incabvel.

    Referncias Bibliogrficas

    (1) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 35. ed., So Paulo: Malheiros, 2009, p. 126, 133 e 135.

    (2) FERRAZ, Srgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo, 2. ed., So Paulo: Malheiros, 2007, p. 147 e 150.

    (3) DINAMARCO, Cndido Rangel; CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 341.

    (4) MENEZES, Alex Pereira. Incidncia dos efeitos da suspenso temporria e da decla-rao de inidoneidade em licitaes pbli-cas. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2124, 25/04/2009. Disponvel em: . Acesso em: 10 out. 2009.

    (5) REsp 151567/RJ, Rel. Ministro Francisco Pea Martins, 25/02/2003, Dirio de Justia, 14/04/2003, p. 208.

    (6) RE 109.615/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 28/05/1996, Dirio de Justia, 02/08/1996, p. 25785.

    (7) AI 636.814-AgR/DF, Rel. Min. Eros Grau, 22/05/2007, Dirio de Justia, 15/06/2007, p. 39.

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    Tcnicas de minerao de dados como apoio s auditorias governamentais

    Carlos Vincius Sarmento Silva, mestrando e bacharel em Cincia da Computao (UnB), Analista de Finanas e Controle da CGU, lotado na SIINF/DSI/CGU.

    Henrique Aparecido da Rocha, mestre em Cincia da Computao (Unicamp), Analista de Finana e Controle e Gerente de Pesquisas estratgicas/DIE/SPCI.

    Resumo

    O trabalho de auditoria governa-mental tem sido realizado no mbito do Poder Executivo Federal pela Controladoria-Geral da Unio. Vrias estratgias so utilizadas visando a pre-veno e o combate corrupo. No entanto, devido ao crescente aumento de informaes nos bancos de dados governamentais, a tarefa de explorao desses dados para gerao de conheci-mento til na atividade de auditoria se torna cada vez mais rdua. As tcnicas de Minerao de Dados, estudadas na rea de Inteligncia Artificial, tm sido alvo de vrias pesquisas por causa de seus bons resultados no processo de descoberta de conhecimento em gran-des volumes de dados. Este artigo trata da aplicao de tcnicas de Minerao de Dados em um conjunto de dados reais de licitaes realizadas pelo Governo Federal. O objetivo verificar o potencial das tcnicas para lidar com conjuntos de dados provenientes dos sistemas de informao do Governo, procurando assim identificar padres de

    interesse que possam subsidiar aes de controle.

    1. Introduo

    So inquestionveis a relevncia, a importncia e o poder da informao na sociedade contempornea. O eleva-do nmero de atividades produtivas que dependem da gesto de fluxos in-formacionais aliado ao uso intenso das novas tecnologias de informao e co-municao nos introduziu em um novo modelo de organizao: a Sociedade da Informao.

    E no diferente com a Administrao Pblica. Atualmente a maioria dos seus processos suportada por sistemas computacionais que registram, de for-ma detalhada, informaes sobre pro-gramas de governo, finanas, transfe-rncias, oramentos, servidores, dirias, viagens, entre outras.

    O SIAFI, por exemplo, registrou mais de um bilho de transaes financeiras

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    de 24 mil unidades gestoras no ano pas-sado [Portal SIAFI - http://www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi/index.asp]. O SIAPE armazena os registros de mais de um milho de servidores, entre ativos, apo-sentados e pensionistas [Apresentao SRH/MP - http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/srh/pales-tras_apre/090600_politica_gestao.pdf]. Nesses registros esto armazenadas in-formaes sobre pagamentos mensais, afastamentos, progresses e diversas ou-tras ocorrncias dos assentos funcionais. O mais recente dos chamados sistemas estruturadores, o SICONV, em pouco mais de um ano de funcionamento, j registra cerca de cinco mil convnios ce-lebrados pelo Governo Federal [Portal SICONV - https://www.convenios.gov.br/portal/arquivos/Boletim_Gerencial_SICONV_n2.pdf]. Essa pequena amostra de sistemas utilizados pelo Governo Federal demonstra a dimenso do con-junto de informaes disponveis atual-mente em meio eletrnico.

    O Controle Interno utiliza os dados provenientes dos sistemas de informa-o para planejar e executar auditorias e fiscalizaes dos recursos pblicos. medida que esses sistemas incorporam mais informaes, antes disponveis apenas em papel, o trabalho executado pelos auditores da CGU tende a apre-sentar melhores resultados, com me-nos recursos logsticos. A maior dificul-dade, porm, reside em correlacion-los para gerar informao til para os au-ditores. As alternativas atualmente se restringem a consultas aos sistemas em casos pontuais ou preparao de amostras estatsticas que diminuem o universo para um conjunto reduzido de informaes, tratvel pela capacidade operacional do rgo.

    Entretanto, existem tcnicas compu-tacionais que podem auxiliar na tarefa de produzir conhecimento a partir de gran-des volumes de dados, como o so as bases de dados governamentais. Tcnicas baseadas em inteligncia artificial so amplamente utilizadas para esse fim por empresas, para identificar padres ou informaes teis para seus negcios.

    No Brasil temos um exemplo recente de utilizao pelo Banco Nossa Caixa. O banco desenvolveu um sistema de pre-veno de transaes financeiras frau-dulentas baseado em redes neurais, outra tcnica disponvel na matria de Inteligncia Artificial. Esse sistema tem a misso de correlacionar dados prove-nientes dos canais de atendimento, ti-pos de transaes e locais comumente usados pelos clientes para identificar e interromper transaes suspeitas em tempo real [Portal do Governo do Estado de So Paulo - http://www.sao-paulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=103153].

    Nos Estados Unidos, temos um gran-de exemplo na esfera pblica. Em 2004, o General Accounting Office rgo de controle externo realizou pesquisa para identificar as iniciativas de utiliza-o de minerao de dados pelos r-gos do governo federal. Os resultados indicaram a utilizao da tcnica para uma variedade de propsitos, desde a melhoria dos servios prestados at a deteco de padres ou atividades ter-roristas. A pesquisa alcanou 128 agn-cias federais e revelou que 52 agncias utilizavam ou planejavam utilizar mine-rao de dados. Essas agncias juntas reportaram 199 iniciativas, das quais 68 estavam em planejamento, e 131, ope-

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    racionais [GAO http://www.gao.gov/products/GAO-04-548].

    Este artigo demonstra a aplicao da tcnica de minerao de dados em um conjunto de dados reais de licitaes rea-lizadas pelo Governo Federal. O objetivo verificar se a tcnica tem potencial para lidar com conjuntos de dados provenien-tes dos sistemas de informao do Governo e capacidade para identificar pa-dres de interesse que possam subsidiar aes de controle. Os dados apresentados neste artigo foram obtidos como resulta-do preliminar de pesquisa de mestrado em andamento na Universidade de Braslia, com o apoio da Diretoria de Informaes Estratgicas da CGU.

    2. Minerao de dados

    Para lidar com grandes volumes de informao, a utilizao de tcnicas de minerao de dados tem-se mostrado de grande valia na obteno de infor-maes potencialmente teis. Essas tc-nicas pertencem a um ramo da Cincia da Computao conhecido como Descoberta de Conhecimento em Base de Dados, ou Knowledge Discovery in Database (KDD). Na definio de Frawley et al. (1992), KDD uma extrao no trivial de informaes implcitas, previa-mente desconhecidas e potencialmente teis de uma base de dados. por isso que aplicaes de tcnicas de KDD tm sido vistas em diversas reas, tanto no campo da pesquisa quanto dos neg-cios e do governo (Fayyad et al., 1996b).

    Segundo Fayyad et al. (1996a), o processo de KDD pode ser definido como o processo no trivial de identifi-car padres vlidos, originais, potencial-

    mente teis e compreensveis em deter-minados bancos de dados. O processo classificado como no trivial porque envolve decises que esto alm da apli-cao das tcnicas, como a de definir exatamente o problema que se tem para que assim se possa encontrar um caminho de otimizao dos algoritmos de determinado mtodo de minerao de dados. Ainda segundo Fayyad et al. (1996a), o processo de KDD interativo e iterativo (com muitas decises toma-das pelo usurio). O processo torna-se iterativo na medida em que os resulta-dos obtidos por meio da minerao de dados fazem pouco ou nenhum sentin-do, exigindo assim um recalibramento das funes de minerao relacionando a parte interativa do processo na qual se obtm dados que sejam de fato teis ao negcio.

    Segundo Tan et al. (2005), as tarefas

    de minerao de dados so geralmente divididas em duas categorias principais:

    Tarefas Preditivas: tm como obje-tivo predizer o valor de um atributo par-ticular baseado nos valores de outros atributos. O atributo a ser predito co-nhecido como alvo ou varivel depen-dente, enquanto os atributos usados para fazer a predio so conhecidos como explanatrios ou variveis inde-pendentes.

    Tarefas Descritivas: tm como ob-jetivo derivar padres como correlaes, tendncias, grupos, trajetrias e ano-malias, as quais sumarizam as relaes subjacentes nos dados. Tarefas de mine-rao de dados descritivas so frequen-temente exploratrias e frequentemen-te requerem a utilizao de tcnicas

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    para validar e explanar o resultado (ps-processamento).

    Algumas das principais tcnicas de minerao de dados so classificao, clusterizao e regras de associao.

    2.1 Classificao

    A tcnica de minerao de dados por classificao uma tcnica preditiva. Segundo Tan et al. (2005), classificao a tarefa de aprender uma funo alvo f que mapeia cada conjunto de atributos A para um dos rtulos de classificao y.

    Por exemplo, dado um conjunto de caractersticas de diversos animais, tais como sistema de temperatura, habitat, sistema sseo, cobertura da pele, e um atributo de rotulao de classe y (mam-fero, rptil, peixe, anfbio), o algoritmo de classificao aprende a funo f, chamada tambm de modelo de classi-ficao, tal que essa funo seja capaz de definir regras de classificao a partir das caractersticas dada. Exemplo: um animal homeotermo, que tem o corpo coberto de pelo e quadrpede, um mamfero. A tcnica de Regresso segue a mesma ideia da classificao, com a diferena de que, na classificao, as classes so discretas, e, na regresso, as classes so contnuas.

    A tcnica de classificao constri

    um modelo de classificao (funo f) baseado em algoritmos de aprendiza-gem, sendo que o algoritmo emprega-do tenta identificar um modelo que melhor adapta a reao entre o con-junto de atributos e o rtulo de classe selecionado dos dados de entrada. Existem diversas tcnicas de classifica-o, tais como rvore de deciso, clas-

    sificadores baseado em regras e redes neurais, bayesianos, entre outros (Tan et al., 2005).

    2.2 Clusterizao

    Segundo and Dubes (1988), clusteri-zao a tarefa descritiva na qual se pro-cura identificar um conjunto finito de categorias ou clusters para descrever uma informao. Essas categorias po-dem ser mutuamente exclusivas ou no.

    A anlise de cluster est relacionada com outras tcnicas que so usadas para dividir objetos de dados em grupos. Por exemplo, a clusterizao pode ser consi-derada como a forma de classificao em que se cria uma rotularizao de objetos com rtulos de classe (que so os clus-ters). Entretanto, esses rtulos so deri-vados unicamente dos dados.

    Em contraste, o processo propria-mente dito de classificao uma classi-ficao supervisionada, isto , objetos novos e no rotulados recebem um r-tulo de classe usando um modelo desen-volvido a partir de objetos com rtulos de classes j conhecidos. Por essa razo, anlise de clusters algumas vezes refe-rida como uma espcie de classificao no supervisionada (Tan et al., 2005).

    2.3 Regras de associao

    Essa tcnica de minerao de da-dos consiste em descobrir relaes fortes entre determinadas informa-es. Tem a capacidade de detectar padres em forma de regras que asso-ciam valores de atributos num deter-minado conjunto de dados. Essas re-gras so expressas por meio de clusulas da seguinte forma:

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    IF atrib1=valor1ANDabrib2=valor2AND THEN atribn=valornAND atribn+1=valorn+1...

    Em que atrib um atributo do con-junto de dados e valor o valor do atri-buto identificado na regra.

    Segundo Witten and Frank (2005), diferena entre classificao e regras de associao que estas podem pre-ver padres com qualquer atributo, e no s da classe selecionada. Diferentes regras de associao expressam dife-rentes regularidades subjacentes no conjunto de dados, cada uma predi-zendo coisas diferentes.

    A cobertura das regras de associao o nmero de instncias em que a re-gra se repete, e chamada de suporte. A acurcia da regra, chamada de con-fiana, o nmero de instncias que a regra prediz corretamente, e expressa como uma proporo de todas as ins-tncias em que a regra se aplica.

    Por exemplo, na seguinte regra:

    temperatura=frio > umidade=normal

    O suporte ser o nmero de instn-cias na base de dados em que o atri-

    buto temperatura seja frio e o atribu-to umidade seja normal. J a confiana ser a proporo de instn-cias com temperatura fria que tenham umidade normal.

    3. Estudo de caso

    Foram realizadas atividades de mi-nerao de dados numa base de lici-taes extra da do s istema ComprasNet, em que so realizados os preges eletrnicos do Governo Federal. Os dados so relativos a todas as licitaes para contratao de um determinado tipo de servio na moda-lidade de Prego para rgos do Poder Executivo Federal, durante os anos de 2005 a 2008, em todos os estados da Federao. Os testes foram executa-dos utilizando a ferramenta Weka (Environment for Knowledge Analysis) e renem vrios algoritmos para exe-cuo de tarefas de minerao de da-dos (Witten and Frank, 2005).

    A Tabela 1 mostra algumas informa-

    es da base de dados utilizada nos expe-rimentos. Cada registro da base de dados representa uma participao de uma em-presa numa determinada licitao.

    Tabela 1: Base de dados utilizada nos experimentos preliminaresInformaes TotalRegistros 26615Licitaes 2701Empresas 3051Empresas que j ganharam pelo menos uma licitao 1162Empresas que j ganharam pelo menos cinco licitaes 121

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    3.1. Primeiro experimento

    Dois datasets foram preparados, no intuito de aplicar as tcnicas de regras de associao para deteco de grupos suspeitos de fazer rodzio de licitaes. O algoritmo utilizado nesse experimen-to foi o Apriori, apresentado em and Srikant (1994) e disponvel na verso 3.6.1 da ferramenta Weka.

    O primeiro dataset foi construdo contemplando todas as licitaes da base e todos os fornecedores. J o se-gundo contemplou apenas os fornece-dores que j tinham participado de pelo menos duas licitaes (Tabela 2). Essa escolha se deu pelo fato de estarmos procurando grupos de empresas atuan-do em cartis, no fazendo assim senti-do procurar entre aquelas que partici-param de apenas uma licitao.

    Tabela 2: Resultados da execuo do Apriori para os dois datasetsInstncias Atributos Suporte Mn. Confiana Mn. Regras Obtidas2701 3051 1,00% 70,00% 2942370 1086 1,00% 80,00% 145

    A estratgia usada para procurar as-sociao de fornecedores foi organizar os datasets de forma que cada fornece-dor da base fosse um atributo, e cada instncia fosse uma licitao. Assim, para cada licitao, o atributo relativo a um determinado fornecedor era preen-chido com o valor sim, caso ele tivesse participado da licitao, ou no, caso contrrio.

    A preparao dos datasets para re-gras de associao resumiu-se em cons-truir a matriz A por m linhas e n+1 co-lunas, tal que:

    m = nmero total de licitaes da basen= nmero total de fornecedores da

    base de dados

    O valor ? entendido pelos algo-ritmos do Weka como valor faltante (missing value). A insero desse smbo-lo na nossa matriz foi proposital, para suprimir regras envolvendo a no parti-cipao de fornecedores, o que certa-mente ocorreria caso substitussemos o valor ? pelo valor no. Como o nos-so interesse encontrar regras indican-do a participao de fornecedores em licitaes, optamos por usar o smbolo ? na matriz.

    A Tabela 2 mostra o resultado da execuo do algoritmo Apriori datasets.

    A escolha de valores altos na confi-gurao do suporte mnimo para execu-o do algoritmo no nos garante boas regras para identificao de cartis. Uma regra que associa alguns fornece-dores e que tem suporte alto provavel-mente indica a presena de grandes fornecedores participando de vrias lici-taes. Dessa forma, a configurao de um suporte mnimo alto para execuo do algoritmo pode suprimir a apario

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    de diversas regras boas, com reais ca-ractersticas de cartis. Valores altos de confiana, por sua vez, garantem a se-leo de regras boas. Assim, foi definida uma funo de avaliao de regras, com ajuda do especialista, para poder classi-ficar e selecionar as melhores regras ob-tidas. Isso porque, com a reduo do suporte mnimo, muitas regras foram obtidas na execuo do algoritmo, como mostra a Tabela 2.

    3.2 Segundo experimento

    A tentativa de aplicar a tcnica de regras de associao em dados de todo o pas deixa o espao de solues bas-tante esparso.

    O estudo do negcio possibilitou ve-rificar que, muitas vezes, os fornecedo-res no se restringem necessariamente a regies macroeconmicas. Um exem-plo tpico a situao de Mato Grosso

    do Sul, Gois e Tocantins. Embora Mato Grosso do Sul e Gois pertenam mes-ma regio, mais provvel que os for-necedores do estado de Gois atendam ao estado de Tocantins, pela proximida-de geogrfica, do que ao estado de Mato Grosso do Sul, embora Tocantins pertena a uma regio diferente.

    Dessa forma, a necessidade de apli-car tcnicas de clusterizao para ma-pear os grupos comuns de atuao dos fornecedores se tornou necessria.

    Foi aplicado o algoritmo Expectation-Maximization (E.M.) na base de dados, com o objetivo de definir as regies ge-ogrficas comuns de participao de empresas em licitaes. O algoritmo foi executado nas 26615 instncias da base, tendo como atributos Fornecedor a UF participou da licitao. A execuo do algoritmo trouxe como resultado 10, conforme apresentado na Tabela 3.

    Tabela 3: Clusters de EstadosCluster Estados1 SP, MT, MS, AL, CE, PB, PE, PI, RN2 DF3 RJ4 ES, MG5 AP, MA, PA6 PR7 RS, SC8 GO, TO9 AC, AM, RR, RO10 BA, SE

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    Na Figura 1, pode-se notar que a maioria dos clusters encontrados tem como caracterstica a proximidade geogrfica.

    FIGURA 1: Clusters encontrados com a execuo do algoritmo E.M.

    3.3 Terceiro experimento

    A partir das regies obtidas no Segundo Experimento, foi aplicada a tcnica de regras de associao em cada cluster, na tentativa de identificar gru-pos de empresas associadas atuando especificamente na regio.

    Os resultados desse experimento po-dem ser vistos na Tabela 4.

    3.4 Avaliao dos resultados obtidos

    Com ajuda dos especialistas, defini-mos tambm um mtodo de avaliao

    das regras que seriam obtidas por meio do processo de minerao de dados. A frmula de avaliao definida foi:

    M = 100.V(F)/Suporte (1)

    Sendo que V(F) a funo que retor-na o nmero de vezes que algum forne-cedor do grupo F de fornecedores ga-nhou uma licitao da qual todo o grupo participou. As regras foram ava-liadas por meio da Equao 1. Para an-lise dos resultados, foram selecionadas as 10 melhores regras, segundo a fun-o de avaliao. Os valores mnimos de suporte e confiana foram 9 (absoluto) e 80%, respectivamente.

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    Tabela 4: Execuo do APRIORI para datasets de clustersCluster Inst. Atrib. Sup. Conf. Regras1 787 614 2,00% 80,00% 8512 211 164 4,00% 80,00% 14063 261 166 3,00% 80,00% 1004 194 257 5,00% 80,00% 865 134 168 6,00% 80,00% 1156 98 152 9,00% 80,00% 28487 270 196 4,00% 80,00% 16798 94 118 1,00% 80,00% 39 211 204 4,00% 80,00% 2210 134 259 10,00% 80,00% 5869

    Foram selecionadas as 10 melhores regras obtidas nos Experimentos 1 e 3. As melhores regras obtidas no Experimento 1 tiveram na mdia melhor suporte que as melhores regras obtidas

    pelos Modelos gerados no Experimento3. No entanto, as regras obtidas no Experimento 3 tiveram um aumento no valor de avaliao de cerca de 100%. O grfico da Figura 2 mostra a comparao.

    FIGURA 2: Mdia de suporte e avaliao das 10 melhores regras

    Os resultados mostram tambm que as melhores regras na nossa base, se-gundo a avaliao adotada, tendem a aparecer quando o suporte baixo e quando h uma melhor definio do espao de solues, nesse caso, defini-do pelos clusters encontrados. Por isso as regras abrangendo o Brasil todo no

    foram to boas quanto as encontradas em regies especficas do Pas.

    Entre os modelos gerados a partir dos clusters (Tabela 4), as melhores re-gras foram obtidas no Cluster 6. A com-parao entre as 10 melhores regras obtidas nesses modelos pode ser vista no grfico da Figura 3.

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    FIGURA 3: Comparao das 10 melhores regras de cada cluster

    3.5 Conhecimento descoberto

    O modelo de cluster gerou interesse por parte do especialista, que explicou que as atividades de rodzio de licitaes so tipicamente regionais. Isso significa que, mesmo que uma empresa tenha atuao em mbito nacional e pratique rodzio de licitaes com um grupo, improvvel que esse grupo atue em todo o pas. Assim, a regra que apresen-ta uma associao de fornecedores pro-vavelmente em conluio teria maior su-porte em apenas uma regio, que seria a regio de atuao do cartel.

    O Cluster 1 trouxe um resultado in-teressante, por fugir do padro de re-gionalizao geogrfica. Os estados de So Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul agruparam-se com os estados de Alagoas, Cear, Paraba, Pernambuco, Piau, Rio Grande do Norte. Esse resul-tado trouxe outras propostas de pesqui-sa, no intuito de levantar, dentre as em-presas que atuaram nesses estados,

    quais delas contriburam para essa dis-tribuio atpica nas participaes em licitaes. Um rpido levantamento mostrou 76 empresas que atuaram na regio formada pelos estados de Alagoas, Cear, Paraba, Pernambuco, Piau e Rio Grande do Norte e na regio formada pelos estados de So Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Dessas empresas, 8 participaram de mais de 15 licitaes, tanto numa re-gio quanto na outra. Dessas 8 empre-sas, nenhuma da sub-regio compos-ta por So Paulo ou Mato Grosso ou Mato Grosso do Sul.

    As prximas atividades sero no sentido de experimentar novas bases, na tentativa de detectar outros clusters de interesse nas investigaes, como, por exemplo, clusters envolvendo r-gos superiores.

    Quanto s regras de associao, algu-mas das melhores regras foram selecio-nadas pelo especialista para verificao.

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    Grupos de empresas foram detectados onde a mdia de participaes juntas e as vitrias em licitaes levavam a ind-cios de conluio. Alguns exemplos de re-gras encontradas so detalhados abaixo:

    Duas empresas de um mesmo esta-do, sendo que o total de licitaes de que cada uma participou individual-mente foi de 75 e 78 licitaes. Dentre essas, em 68 licitaes, parti-ciparam juntas ganhando 14 contra-tos entre os anos de 2005 a 2007.

    Outra regra envolveu 3 empresas que somavam 14 certames de parti-cipao conjunta. O grupo celebrou 8 contratos com a Administrao. Cada uma delas tinha uma mdia de participao individual relativamente baixa na base de dados (mdia de 30 licitaes).

    No ano de 2008, uma empresa ga-nhou 9 licitaes num mesmo rgo, concorrendo com outra empresa que no ganhou nenhuma das licitaes de que ambas participaram. O detalhe que as 9 licitaes que a segunda empresa perdeu foram as nicas licita-es de que ela participou na base de dados. O histrico de vitrias da pri-meira empresa na base de dados no passa de 12 certames.

    Embora o processo utilizado tenha permitido a seleo de boas regras, a frmula de avaliao ainda pode ser melhorada. Isso porque a frmula sele-cionou tambm regras que mostravam apenas coincidncia de participaes conjuntas de empresas em processos de licitao, em especial no caso de serem grandes fornecedores.

    Concluso

    Foram apresentados neste trabalho aplicaes de tcnicas de inteligncia ar-tificial como suporte s atividades de au-ditoria e combate corrupo.

    Os resultados da aplicao de tcnicas de minerao de dados geraram um con-junto de conhecimentos interessantes, que pode ser utilizado pelos auditores quando em execuo de aes de contro-le. A anlise de clusters apresentou, no caso estudado, fortes indcios de carteli-zao, informao reforada pelas regras de associao selecionadas na sequncia. Dessa forma, a tcnica demonstra grande potencial para processar os volumes de dados armazenados nos sistemas de in-formao do Governo na busca de fragi-lidades ou mesmo de fraudes nos proces-sos controlados por esses sistemas.

    O estudo tambm se mostrou bastan-te promissor quanto aplicao das tc-nicas apresentadas em bases de dados de outras reas de despesas e servios contratados, podendo ser largamente utilizada como insumo para o trabalho do auditor.

    Em estudos futuros, sero analisa-das de forma mais profunda as regras de associao, objetivando a constru-o de um modelo de seleo mais apropriado, que priorize as regras mais importantes. Alm disso, ser proposta uma integrao das atividades de mi-nerao de dados com sistemas mul-tiagentes. Dessa forma, espera-se au-tomatizar os processos de minerao de dados, alm de enriquecer o conhe-cimento descoberto, fazendo uso de mais de uma tcnica, de forma coope-rativa, autnoma e independente.

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    Referncias Bibliogrficas

    AGRAWAL, R. and SRIKANT, R. (1994). Fast algorithms for mining association rules in large databases. In 94: Proceedings of the 20th International Conference on Very Large Data Bases, pages 487499, San Francisco, CA, USA. Morgan Kaufmann Publishers Inc.

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    Eficincia, proporcionalidade e escolha do procedimento disciplinar

    Carlos Higino Ribeiro de Alencar, bacharel em Economia pela Universidade de So Paulo (USP) e em Direito pela Universidade Federal do Cear (UFC), mestre em Direito pelo Instituto

    Brasiliense de Direito Pblico (IDP), Corregedor-Adjunto da rea Econmica da CGU.

    Resumo

    O poder disciplinar um poder-de-ver, ou seja, no pode o administrador pblico, sob pena de ele mesmo vir a ser punido, tergiversar sobre a apurao de faltas praticadas pelos seus subordina-dos. Isso no implica que a apurao disciplinar deva sempre implicar na ins-taurao de processos administrativos disciplinares stricto sensu. O administra-dor pblico possui recursos escassos e deve utiliz-los da maneira mais eficien-te possvel. Alm disso, tanto a lei que rege os servidores pblicos civis da Unio, como diversas normas regula-mentares, preveem procedimentos dife-renciados, de acordo com a complexi-dade da situao. Dessa forma, a fim de atender aos princpios da proporciona-lidade e eficincia, deve o gestor pbli-co escolher o procedimento que mais se adeque gravidade da situao tratada. Instrumentos que buscam essa correta aplicao, como o Termo Circunstanciado Administrativo, devem ser aplicados e difundidos entre as vrias esferas da Administrao Pblica, a fim de permitir o efetivo e adequado atendimento do

    interesse pblico que norteia o exerccio do poder disciplinar.

    1. Introduo

    Uma das questes mais afetas aos administradores pblicos atualmente o exerccio do poder disciplinar. A apu-rao de faltas disciplinares praticadas pelos servidores um dever, e no uma opo. Embora parcela dos administra-dores tenda a negligenciar tal obriga-o, a maior parte deles ciosa e se preocupa em administrar essa respon-sabilidade, encontrando, por veze