a abolicão do comércio brasileiro de escravos - bethel l, leslie

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 Capitão do Mato. Ilustração extraída da obra Viagem Pitoresca Através do Brasil, de Johann Moritz Rugendas. Página anterior

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Capito do Mato. Ilustrao extrada da obra Viagem Pitoresca Atravs do Brasil, de Johann Moritz Rugendas. Pgina anterior

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A A BOLIO DO COMRCIO BRASILEIRO DE ESCRAVOSA GR-BRETANHA, O BRASIL E A QUESTO DO COMRCIO DE ESCRAVOS, 1807 1869

Mesa DiretoraBinio 2001/2002Senador Ramez Tebet Presidente

Senador Edison Lobo 1 Vice-Presidente Carlos Wilson 1 Secretrio Senador Ronaldo Cunha Lima 3 Secretrio

Senador Antonio Carlos Valadares 2 Vice-Presidente Se na dor Ante ro Paes de Bar ros 2 Secretrio Senador Mozarildo Cavalcanti 4 Secretrio

Suplentes de Secretrio Senador Alberto Silva Se na do ra Mar lu ce Pin to Se na do ra Ma ria do Carmo Alves Senador Nilo Teixeira Campos

Conselho EditorialSenador Lcio Alcnta ra Presidente Conselheiros Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga Jo a quim Cam pe lo Mar ques Vice-Presidente

Raimundo Pon tes Cu nha Neto

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Coleo Biblioteca Bsica Brasileira

A ABOLIO DO COMRCIO BRASILEIRO DE ESCRAVOSLeslie BethellTraduo de Lus A. P. Souto Maior

Braslia 2002

COLEO BIBLIOTECA BSICA BRASILEIRAO Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em 31 de janeiro de 1997, buscar editar, sempre, obras de valor histrico e cul tural e de importncia relevante para a compr eenso da histria poltica, econmica e social do Brasil e reflexo sobre os destinos do pas. COLEO BIBLIOTECA BSICA BRASILEIRA A Querela do Estatismo, de Ant nio Paim Mi nha For ma o (2 edi o), de Jo a quim Na bu co A Poltica Exte ri or do Imp rio (3 vols.), de J. Pan di Ca l ge ras Captulos de His t ria Co lo ni al, de Capistrano de Abreu Instituies Po lticasBrasileiras , de Oliveira Viana Deodoro: Sub s di os para a His t ria, de Ernesto Sena Presidencialismo ou Parlamentarismo?, de Afonso Ari nos de Melo Fran co e Raul Pila Rui o Esta dis ta da Re p bli ca, de Joo Mangabeira Ele i o e Re pre sen ta o, de Gilberto Amado Dicionrio Biobibliogrfico de Autores Brasileiros, organizado pelo Centro de Documentao do Pensamento Brasileiro Obser va es so bre a Franqueza da Indstria, do Vis con de de Ca i ru A renncia de Jnio, de Carlos Castello Branco Joaquim Nabuco: revolucionrioconservador, de Vamireh Chacon Oito Anos de Parlamento, de Afonso Celso Pensamento e Ao de Rui Barbosa, seleo de tex tos pela Fun da o Casa de Rui Bar bo sa Histria das Idias Polticas no Brasil, de Nelson No gueiraSaldanha A Evoluo do Sis te ma Ele i to ral Bra si le i ro , de Manuel Rodrigues Ferreira Rodrigues Alves: Apo geu e De cl nio do Pre si den ci a lis mo (2 volumes), de Afonso Arinos de Melo Franco O Estado Nacional , de Francisco Campos O Brasil Social e ou tros Estu dos So ci o l gi cos, de Sl vio Ro me ro Projeto Grfico: Achilles Milan Neto Se na do Fe de ral, 2002 Congresso Nacional Pra a dos Trs Po de res s/n CEP 70165-900 Braslia DF CEDIT@ce graf.se na do.gov.br Http://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Bet hell, Les lie. A Abolio do co mr cio bra si le i ro de escravos / Les lie Bet hell ; tra du o de Lus A. P. Sou to Ma i or. --Bra s lia : Se na do Fe de ral, Conselho Editorial, 2002. 478 p. : il.-- (Coleo biblioteca bsica brasileira) 1. Tr fi co de es cra vos (1549-1850), Bra sil. 2 Abo li ci o nis mo (1630-1888), Brasil. I. Ttulo. II. Srie. CDD 380.1440981

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Ele [Brasil] precisa de mo-de-obra barata...o africano o trabalhador mais barato de todos...ns nos comprometemos a impedi-lo de obter tal mo-de-obra. possvel dois estados serem mais completamente envolvidos por qualquer questo? James Hudson, recentemente ministro britnico no Rio de Janeiro, em setembro de 1852 Duas correntes irreconciliveis ... a primeira levou-nos frica em busca de escravos para satisfazer as necessidades crescentes do nosso desenvolvimento agrcola ... a Segunda ... afastou-nos da frica por causa da insistncia inglesa na abolio do ... comrcio de escravos ... Este conflito entre necessidades nacionais e exigncias inglesas foi a verdadeira essncia da nossa histria durante os primeiros cinqenta anos do sculo XIX. Jos Honrio Rodrigues, Brasil and Africa (1965), pg. 115

Traduzido do texto ings (N. T.).

PARA VALERIE

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Sumrio

PREFCIO pg. 13 ABREVIAES pg. 19 I Primeiros passos rumo abolio, 1807-1822 pg. 21 II Independncia e abolio, 1822-1826 pg. 49 III O Brasil e o comrcio de escravos, 1827-1839 pg. 85 IV Negociaes de tratados, 1830-1839 pg. 113 V A Marinha britnica e as comisses mistas, 1830-1839 pg. 149 VI A ampliao dos poderes da Gr-Bretanha, 1839 pg. 181 VII A Gr-Bretanha e o comrcio de escravos, 1839-1845 pg. 211 VIII Comrcio de escravos, escravido e direitos sobre o acar, 1839-1844 pg. 247

IX A Lei de Lorde Aberdeen, de 1845 pg. 277 X As conseqncias da Lei Aberdeen pg. 305 XI Mudanas de atitude e de planos de ao, 1845-1850 pg. 337 XII Crise e abolio final, 1850-1851 pg. 371 XIII As conseqncias da abolio pg. 411 APNDICE Estimativas do nmero de escravos importados no Brasil, 1831-1855 pg. 437 BIBLIOGRAFIA pg. 447 NDICE ONOMSTICO pg. 469

Sumrio

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Prefcio

urante 300 anos, do comeo do sculo XVI ao do sculo XIX, o comrcio transatlntico de escravos a mi grao fora da de africanos para trabalhar como escravos nas plantaes e nas minas das colnias britnicas, francesas, espanholas, portuguesas e holandesas na Amrica do Norte e do Sul e no Caribe foi praticado, legalmente e em escala sempre crescente, pelos mercadores da maior parte dos pases da Europa Ocidental e seus congneres coloniais, com a ajuda e a cumplicidade de intermedirios africanos. Na verdade, at a segunda metade do sculo XVIII, quando (numa estimativa conservadora) 70-75.000 escravos estavam sendo transportados anualmente atravs do Atlntico, raramente uma voz se levantou contra tal prtica. Em 25 de maro de 1807, entretanto, depois de uma longa e amarga luta dentro e fora do Parlamento, foi declarado ilegal para sditos britnicos (e na ocasio, du rante as guerras napolenicas, pelo menos metade do comrcio estava em mos

D

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britnicas) comerciar com escravos depois de 1 de maio de 1808: oposio ao comrcio de escravos por motivos morais ou intelectuais tinha ganho impulso durante os vinte anos anteriores e a mudana das condies eco nmicas, que em alguma medida diminuiu a importncia das colnias das ndias Ocidentais para a economia britnica, para as quais o comrcio de escravos era de importncia vital, criando ao mesmo tempo novos grupos de interesses desvinculados daquelas colnias e at hostis a elas, tinham grandemente facilitado a abolio daquele trfico. Encorajado por esse sucesso, o movimento abolicionista britnico passou a pressionar o governo britnico a ir mais longe na expiao da culpa da prpria Gr-Bretanha e usar todos os meios ao seu dispor para persuadir outras naes, moralmente inferiores, a seguir o seu exemplo. (Na poca, s a Dinamarca, por um decreto real de 1792, que entrou em vigor em 1804, e os Estados Unidos, pela lei de 2 de maro de 1807, que entrou em vigncia em 1 de janeiro de 1808, j tinham proibido o trfico.) Alm de consideraes morais, havia slidas razes eco nmicas para a Gr-Bretanha seguir tal poltica. Com os plantadores de acar das ndias Ocidentais britnicas privados da sua oferta regular de mo-de-obra barata, era importante que os seus rivais, especialmente aqueles em Cuba e no Brasil, que j gozavam de muitas vantagens sobre eles, fossem co locados em p de igualdade pelo menos a este respeito. E se o continente afri cano devia ser aberto como um mercado para produtos manufaturados e uma fonte de matrias-primas (alm de ser civilizado e cristianizado), como muitos na Gr-Bretanha ti nham a espe ran a, era essen ci al que todo esforo fosse feito para levar o comrcio de escravos total destruio. Foi assim que, por mais de meio scu lo depois de a prpria Gr-Bretanha ter abolido o comrcio de escravos, e especialmente do fim das guerras

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napolenicas, em 1815, ao comeo da guerra da Crimia, em 1853, um perodo quase ininterrompido de paz, estabilidade e preeminncia britnica nos assuntos internacionais sucessivos Ministros do Exterior britnicos, especialmente Ge orge Canning (1807-9, 1822-7), Lorde Castlereagh (1812-22), Lorde Aberdeen (1828-30, 1841-6) e, sobretudo, Lorde Palmerston (1830-34, 1835-41, 1846-51), dedicaram muito do seu tempo e energia a assegurar a abolio internacional do comrcio de escravos africanos. Por meio de uma mistura judiciosa de intimidao e suborno (para usar a expresso de Sir Charles Webster), foram feitos exaustivos esforos para persuadir e coagir os estados europeus, americanos e africanos que mantinham um interesse naquele comrcio a fazerem acordos de abo li o com a Gr-Bretanha, para introduzir e aplicar a sua prpria legislao contrria ao comrcio de escravos e para permitir marinha britnica po liciar reas de comrcio de escravos dos dois lados do Atlntico. A ta refa provou no ser fcil: poucas outras naes compartilhavam os recm-adquiridos sentimentos abolicionistas da Gr-Bretanha e, para algumas, estavam em jogo interesses vitais. Alm do mais, ressentiam-se profundamente da interferncia britnica nos seus assuntos internos. S a partir da segunda me tade da dcada de 1830 o comrcio de escravos foi proibido por todos os principais estados americanos e europeus. Mesmo en to, um comrcio que durante sculos tinha sido o principal sustentculo da economia atlntica e intimamente ligado a poderosos interesses na Europa, frica e Amricas no seria prontamente suprimido. Durante a dcada de 1840 o comrcio transatlntico de escravos provavelmente alcanou o seu ponto mais alto de todos os tempos. E dois dos ramos mais importantes desse comrcio o brasileiro (ilegal desde 1830) e o cubano (ilegal desde 1820) continuaram

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ainda na se gunda meta de do sculo XIX. O comrcio bra sileiro de escravos foi finalmente es magado em 1850-1 (embora uns poucos desembarques isolados de escravos provenientes da frica tenham ocorrido at 1855); o comrcio de escravos para Cuba foi finalmente terminado em 1865. A histria da abolio internacional e da supresso do comrcio transatlntico de escravos no sculo XIX ainda est por ser escrita, embora W. L. Mathieson, Great Britain and the Slave Trade, 1839-1865 (Londres, 1929) e Christopher Lloyd, The Navy and the Slave Trade (Londres, 1949), por exemplo, sejam trabalhos pioneiros teis. Meu prprio ob jetivo foi oferecer, dentro de um quadro geral de referncia, um estudo detalhado de um aspecto importante do assunto a luta pela abolio do comrcio de escravos para o Brasil. (No foi meu objetivo es crever uma histria do prprio comrcio brasileiro de escravos nos seus estgios mais tardios e dominantemente ilegais, embora eu tenha sido compelido a fazer alguns clculos, necessariamente tentativos, do seu volume.) Tentei responder a trs perguntas bsicas: primeiro, como o comrcio brasileiro de escravos, um dos principais pilares da eco nomia brasileira, chegou a ser declarado ilegal? (captulos 1-2); segundo, por que, durante vinte anos, provou-se impossvel suprimir o comrcio, uma vez que ele tinha sido declarado ilegal? (captulos 3-10); e terceiro, como ele foi finalmente abolido? (captulos 11-12). Embora os esforos da Gr-Bretanha tenham necessariamente recebido a maior ateno, tentei olhar a questo do comrcio de escravos tanto do ponto de vista brasileiro quanto do britnico, com o resultado de que o meu livro , espero, uma contribuio tanto para a histria brasileira quanto para a britnica. De maneira mais modesta, tambm uma contribuio para a histria portuguesa, j que, at 1822, o Brasil era uma colnia de Portugal, durante

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a dcada de 1830 o comrcio ilegal de escravos para o Brasil continuou a ser praticado sob a bandeira portuguesa e a frica lusitana manteve-se at o fim como o maior for necedor de escravos para o Brasil. Mais im portante talvez um estudo sobre as relaes anglo-brasileiras, que foram dominadas e prejudicadas pela questo do comrcio de escravos durante trinta anos depo is de o Brasil ter afirmado a sua in dependncia de Portugal em 1822 e na verdade, muito depois de o comrcio ter sido suprimido (v. captulo 13). Neste livro, limitei minha ateno ao comrcio brasileiro de escravos. Minha inteno atual escrever um segundo volume sobre a luta pela abolio da escravatura no Brasil, na segunda metade do sculo XIX. um prazer poder reconhecer aqui a minha grande dvida para com o Professor R. A Humphreys, que nos meus anos de estudante universitrio, primeiro despertou meu interesse pela histria latino-americana, que supervisionou de perto meu trabalho de pesquisa e treinamento ps-graduado como historiador e que me encorajou a escrever este livro. Gostaria tambm de mencionar Christopher Fyfe, que estimulou meu interesse pela histria africana e o comrcio de escravos, Kenneth Timings, que guiou os estgios iniciais da minha pesquisa no Public Record Office, e o Professor William Ashworth, que em mais de uma ocasio me deu apoio amigo quando eu perdia a esperana de jamais terminar o livro. Professor Jos Honrio Rodri gues inte res sou-se pelo meu trabalho, ajudou-me de vrias maneiras durante minhas visitas ao Brasil. Como todos os estudiosos das relaes anglo-brasileiras, sou devedor do Professor Alan K. Manchester, cujo livro British Preeminence in Brazil: Its Rise and Decline, inicialmente publicado em 1933, ainda a mais notvel contribuio ao assunto.

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Pela assistncia financeira que me tornou possvel passar dois perodos curtos de pesquisa e viagem no Brasil, desejo expressar minha gratido ao Dr. Celso da Rocha Miranda, Fundao William Waldorf Astor, Sociedade Anglo-Brasileira, em Londres, ao Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil e Universidade de Bristol. Tambm desejo registrar minha gratido aos funcionrios das seguintes bibliotecas e arquivos: na Inglaterra, Public Record Office, British Museum, University of London Li brary, Uni ver sity Col lege Lon don Li brary, Insti tute of Historical Research, Leeds City Library e National Register of Archives; no Brasil, Arquivo Histrico do Itamarati, Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro e Arquivo do Museu Imperial, Petrpolis. Pela permisso para consultar os Palmerston Papers no National Register of Archives, Londres, sou grato aos Trustees of the Broadlands Archi ves. Enquanto ensinava na Universidade de Bristol, doaes do Colston Research Fund habilitaram-me a continuar mi nha pesquisa em Londres. Uma doao da Twenty-Seven Foundation facilitou a preparao final do manuscrito para publicao. A Sra. Doreen Nunn datilografou todo o manuscrito final em circunstncias difceis. Minha ma ior dvida, entretanto, para com minha mulher. Sem a sua ajuda e encorajamento constantes, este livro nunca teria visto a luz do dia: ela leu, criticou e da tilografou sucessivos ras cunhos e de al guma forma apren deu a vi ver com ele e comigo. Ela tambm leu as provas e ajudou a pre parar o ndice. Rio de Janeiro, agosto de 1969.L ESLIE BETHELL

Sumrio

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Abreviaes

Arquivo Diplomtico da Independncia Arquivo Histrico do Itamarati, Rio de Janeiro Arquivo do Museu Imperial, Petrpolis A. M. I. P. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro A. N. British and Foreign State Papers B. F. S. P. B. M. Add. MSS Additional Manuscripts, British Mueum, Londres Foreign Office Arhives, Public Record F. O. Office, Londres Hispanic American Historical Review H. A. H. R. Parliamentary Papers P. P. Public Record Office, Londres P. R. O. Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro R. I. H. G. B. A. D. I. A. H. I. ORTOGRAFIA PORTUGUESA Receio no ter sido possvel evitar completamente inconsistncias de ortografia e acentuao no uso do portugus. Em geral, preservei o velho portugus original ao citar livros, panfletos e jornais do sculo XIX (exceto no caso do bem conhecido Jornal do Comrcio). Nomes de navios aparecem, naturalmente, na sua forma original. Nomes prprios foram, na maior parte dos casos, modernizados de acordo com a prtica brasileira corrente.

Na traduo, procurei respeitar a grafia das palavras portuguesas utilizada pelo autor na obra orig i nal (N. T.).

Sumrio

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Captulo IPRIMEIROS PASSOS RUMO ABOLIO, 1807-1822

o comeo do sculo XIX, quando a Gr-Bretanha lanou a sua cruzada contra o comrcio transatlntico de escravos, no havia nenhuma nao mais profundamente envolvida na exportao, no transporte e na importao de escravos africanos do que Portugal. Embora o territrio africano efetivamente ocupado ou controlado pelos portugueses (que tinham sido os primeiros a descobrir e explorar o litoral da frica trs sculos e meio antes) se estendesse pouco alm de umas poucas cidades, assentamentos e entrepostos comerciais fortificados dispersos ao longo da costa e das margens dos grandes rios, milhares de escravos eram anualmente exportados para o Novo Mundo a partir daquelas partes do continente africano reivindicadas pela coroa portuguesa como parte dos seus vastos domnios ultramarinos. Bisso e Cacheu, no que hoje a Guin Portuguesa, que eram governados desde as ilhas de Cabo Verde, j tinham tido o seu potencial de escravos virtualmente esgotado e os portugueses h muito tinham perdido para os ingleses, franceses, holandeses e dinamarqueses o seu monoplio de comrcio na Costa da Mina (a linha de litoral ao norte do Equador e paralela a ele, que se estende do cabo de Palmas aos Camares e compreende as Costas do Marfim, do Ouro e dos Escravos, s vezes

N

22 Leslie Bethell coletivamente conhecidas como Costa da Guin). Mas retinham as ilhas de So Tom e Prncipe, no golfo da Guin, atravs das quais era exportado um grande nmero de escravos, e o entreposto fortificado de So Joo Batista de Ajud, em Whidah, em Daom, talvez o porto de escravos mais importante ao norte do Equador. Alm disso, territrios portugueses ou reivindicados por Portugal ao sul do Equador o Congo e Angola constituam uma das maiores reas de oferta de escravos, e So Paulo de Luanda e So Filipe de Benguela (ambos em Angola), dois dos maiores portos de escravos na costa ocidental da frica. Angola tinha ficado tristemente aqum da sua promessa econmica inicial e, desde meados do s culo XVII, suas exportaes tinham sido quase exclusivamente de escravos; na verdade, o comrcio de escravos tinha-se tornado a nica atividade co mercial importante da colnia e o imposto de exportao sobre os escravos respondia por at quatro quintos da receita pblica. Desde meados do sculo XVIII, um nmero crescente de escravos tinha tambm sido trans portado volta do Cabo e atravs do Atlntico, a partir de colnias em Moambique, na costa oriental da frica, principalmente de Quelimane, Inhambane, Ibo e a prpria ilha fortificada de Moambique; ali tam bm, o co mr cio de es cra vos ti nha-se tor na do o ramo de comrcio mais bem sucedido e a maior fonte de receita pblica.1 Do outro lado do Atlntico Sul, a apenas 35-50 dias de navio a vela desde a costa ocidental da Africa, a colnia portuguesa do Brasil era um dos maiores importadores de escravos africanos no Novo Mundo. Durante mais de dois sculos e meio, os portugueses na Amrica, confrontados com o pro blema da falta de braos, tinham esta do na dependncia do trabalho do escravo negro. (A mo-de-obra indgena era usada, particularmente nas reas mais remotas e atrasadas do Norte e em So Paulo, mas o ndio brasileiro no se prestava bem ao trabalho regular do campo. Alm disso, no Brasil, como na Amrica espanhola, a Igreja e o Estado tinham tradicionalmente e ilogicamente mostrado1 Sobre o comrcio de escravos na frica portuguesa, ver, por exemplo, James Duffy, Portuguese Africa (Harvard, 1959), pgs. 137, 142, 146; James Duffy, A Ques ti on of Slavery (Oxford, 1967), pgs. 1-2; R. J. Ham mond, Portugal and Afri ca, 1815-1910 (Stan ford, 1966) pgs. 37-8, 42, 55-6, 68-9; Mabel V. Jack son, Eu ro pe an Po wers and South-East Afri ca (Lon dres, 1942), pgs. 84-7, 188-9. Em por tu gus no ori gi nal (N. T.).

A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos

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mais preocupao com o bem-estar do indgena do que com o do africano; na verdade, durante os anos 1755-8, tinha sido finalmente proibido escravizar ndios no Brasil.) Em quase todo o Brasil, a escravido do negro era o aspecto mais caracterstico tanto da cena rural como da urbana. Os portugueses tinham sido pioneiros, no Novo Mundo, na agricultura em larga escala das fazendas, e a escravido era a pedra angular da economia e da sociedade nas fazendas. A indstria do acar, sobre a qual o Brasil fora originalmente construdo, tinha sofrido um lento declnio desde a metade do sculo XVII, quando o virtual monoplio brasileiro do mercado de acar tinha sido quebrado pelas ndias Ocidentais britnicas e francesas, mas o acar permaneceu como o principal produto agrcola de exportao da colnia e grandes concentraes de escravos ainda se encontravam nas fazendas aucareiras (nos campos de cana, nas usinas e nas casas-grandes), por exemplo, no Recncavo (a regio litornea frtil) da Bahia, em Pernambuco, na Baixada Fluminense (a faixa costeira do que hoje o estado do Rio de Janeiro) e, num desenvolvimento mais recente, em So Paulo. Escravos tambm trabalhavam tanto nas fazendas de algodo do sudoeste do Maranho e Pernambuco (o algodo representava 20% do valor das exportaes do Brasil no comeo do sculo XIX) como nas de tabaco e cacau da Bahia e Alagoas. No extremo sul Rio Grande de So Pedro (Rio Grande do Sul) e Santa Catarina empregavam-se escravos negros em escala considervel na criao de gado (para a produo de couro e carne-seca), na produo de cereais e na agricultura de subsistncia. Havia tambm grande nmero de escravos empregados na agricultura de subsistncia em Minas Gerais, onde as minas de ouro e diamante, que tinham prosperado durante a primeira metade do sculo XVIII, mas estavam ento em declnio, tinham originalmente atrado para a rea a mo-de-obra escrava. No Rio de Janeiro, capital do vice-reino desde 1763, na Bahia, a capital anterior, e, na verdade, em todas as cidades, de So Lus, no norte, a Porto Alegre e Pelotas, no sul, empregavam-se amplamente escravos como serviais domsticos e negros de ganho escravos particulares que eram alugados a terceiros pelos seus senhores e recebiam sa lrios podiam ser encontrados trabalhando, por exemplo, como estivadores e carregadores nos portos, comoEm por tu gus no ori gi nal (N. T.).

24 Leslie Bethell carregadores de gua e lixo, e at como pedreiros e carpinteiros. A Igreja mosteiros, conventos e hospitais possuam escravos. O estado possua e alugava escravos para a construo e manuteno de obras pblicas. 2 impossvel calcular com qualquer grau de preciso a populao total do Brasil em 1800 ou a sua composio racial ou a proporo entre pessoas livres e escravos. Entretanto, uma estimativa razovel da populao (excludos os indgenas no convertidos, em nmero, talvez, de uns 800.000) pareceria situar-se entre 2 e 2,5 milhes. Dois teros, talvez trs quartos, da populao era de cor e entre um tero e metade eram escravos. Nas reas de maior concentrao de escravos Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro os escravos eram maioria.3 A populao escrava do Brasil, como a de outras sociedades escravistas do Novo Mundo, tinha de ser recomposta regularmente atravs do comrcio transatlntico de escravos. Uma razo era a taxa de mortalidade muito alta entre os escravos. Muitos no sobreviviam ao seu treinamento e aclimatao iniciais; outros morriam em conseqncia de uma dieta pobre, condies de vida insalubres e enfermidades (as senzalas eram especialmente sujeitas a epidemias de clera e varola). Mais importante, j que era considerado mais econmico matar de trabalho os escravos (pelo menos aqueles empregados no campo) e depois substitu-los por outros, muitos africanos morriam de maus-tratos e simples exausto. No se esperava que um escravo empregado no campo durasse indefinidamente. Ao mesmo tempo, a taxa de reproduo natural entre os escravos era extremamente baixa: havia em mdia oito homens para cada duas mulheres, as escravas mulheres no eram particularmente2 Para a estrutura da eco no mia e da so ci e da de bra si le i ras no fim do pe ro do co lo ni al, ver, por exem plo, Caio Prado J nior, For ma o do Bra sil Con tem po r neo (5 ed., So Pa u lo, 1957); tra du o inglesa, The Colonial Back ground of Modern Brazil (Univ. of California Press, 1967), passim; Sr gio Buarque de Holanda (ed.), Histria Geral da Civilizao Brasileira, tomo I, vol. II, A poca Colonial. Administrao, Economia, Sociedade (So Pa u lo, 1960), pas sim; Cel so Fur ta do, Formao Eco nmica do Brasil (Rio de Janeiro, 1959); traduo inglesa, The Economic Growth of Brazil (Univ. of Califrnia Press, 1963), pgs. 79-106. O exame mais completo da evidncia disponvel sobre o tamanho, distribuio e compo sio ra ci al da populao brasileira no fim do perodo colonial encontra-se em Dauril Alden, The Population of Brazil in the eigh te enth cen tury: a pre li mi nary study, H. A. H. R xli ii (1963), pgs. 173-205. Ver tam bm Jos Honrio Ro drigues, Brasil e fri ca: ou tro ho ri zon te (2 ed., Rio de Janeiro, 1964); trad. ingl., Brazil and Africa (Univ. of Ca lif. Press, 1965), pgs. 52-4; Artur Ra mos, O Ne gro na Ci vi li za o Bra si le i ra (Rio de Ja ne i ro, 1956), pgs. 24-7.

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A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 25 fecundas e, dadas as condies em que ocorria a maior parte dos nascimentos, no era de surpreender que a mortalidade infantil fosse alta mesmo para os padres da poca. Portanto, a importao de um nmero considervel de escravos da frica era necessria apenas para manter a populao escrava existente no Brasil. Em perodos de expanso econmica, suprimentos adicionais de mo-de-obra tornavam-se necessrios e no comeo do sculo XIX a economia brasileira estava (ainda que apenas temporariamente) numa situao extraordinariamente saudvel. O cresci men to da populao e o come o da industrializao e da urbanizao na Europa Ocidental tinham au mentado a procura de alimentos (inclusive acar) e matrias-primas (especialmente algodo), ao mesmo tempo que acontecimentos polticos as Guerras Revolucionrias Americanas, as Guerras Revolucionrias Francesas, as guer ras napolenicas e, no menos importante, o levante sangrento na ilha au careira de Santo Domingo, no Caribe tinham in capacitado mui tos dos rivais econmicos do Brasil e elevado os preos mundiais de produtos tropicais. Mesmo as velhas reas aucareiras do Nordeste foram temporariamente restauradas a uma situao semelhante sua prosperidade anterior. Em contraste com as ndias Ocidentais britnicas, o Brasil tinha, disponvel para cultivo quando a procura pelos produtos brasileiros era alta, abundncia de terras frteis ainda inexploradas. A falta de negros permanecia, entretanto, um problema constante, apesar do comrcio interno de escravos das reas em relativo declnio. Em conseqncia, mais escravos do que nunca 15.000 a 20.000 por ano eram importados pelo Brasil, principalmente para o Rio de Janeiro (na maioria de Angola, do Congo e de Moambique) e Bahia (de Whydah e outros pontos da Costa da Mina), mas tambm para Pernambuco e Maranho. 4 Com toda a vida econmica do imprio ultramarino de Portugal na frica e na Amrica organizado em torno do comrcio de escravos, o sentimento abolicionista era notavelmente fraco em todo o mundo luso-brasileiro. No passado, vozes isoladas tinham-se levantado contra os piores males associados escravido e ao trfico de escravos: por 4 Em portu gus no ori gi nal (N. T.). Maurcio Gou lart, Escravido Africana no Brasil: das origens extino do trfico (So Paulo, 1950), pgs. 265-70. Du ran te o perodo colonial como um todo, provvel que o nmero de escravos importados pelo Bra sil te nha al can a do trs mi lhes.

26 Leslie Bethell exemplo, as do Padre Antnio Vieira (1608-97), o celebrado diplomata e publicista jesuta, e Andr Joo Antonil (1649-1716), autor do famoso tratado Cultura e Opulncia do Brasil (publicado em Lisboa em 1711), que passaram ambos a maior parte das suas vidas adultas no Brasil. Melhora, no abolio, tinha sido, entretanto, o seu objetivo. Na obra curiosamente intitulada Etope Resgatado, Empenhado, Sustentado, Corregido, Instrudo e Libertado, que foi publicada em Lisboa em 1758, Padre Manuel Ribeiro da Rocha, um padre laico nascido em Lisboa que tinha passado na Bahia boa parte da sua vida, foi mais longe e advogou o fim do comrcio de escravos e a substituio gradual do trabalho escravo pela mo-de-obra livre no Brasil. Seu ponto de vista era, porm, claramente minoritrio. Em 1761, a escravido foi abolida em Portugal (e o trans porte de negros para territrios fora do imprio portugus foi proibido), mas nenhuma medida foi ou poderia ser tomada para emancipar os escravos nos territrios ultramarinos de Portugal ou para abolir o comrcio de escravos para o Brasil. A grande maioria dos portugueses brancos fazendeiros, comerciantes, funcionrios, at padres era profundamente preconceituosa no tocante questo da escravido e do comrcio de escravos, acreditando que os africanos nasceram para servir e que, atravs do comrcio de escravos, eles tinham sido salvos da barbrie na frica e apresentados aos benefcios da cristandade no Brasil.5 Mesmo aqueles que entraram em contacto com as idias progressistas do fim do sculo XVIII e, em particular, com os ataques que se faziam tanto moralidade como legalidade da escravido, no podiam visualizar uma base alternativa para a vida econmica do imprio e se sentiam compelidos a defender o sistema e o comrcio que o sustentava como males necessrios que, no melhor dos casos, poderiam apenas ser reformados. Por exemplo, o Bispo Jos Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho (1742-1821), uma figura de proa do iluminismo portugus, identificava-se com os interesses dos proprietrios de terras no Brasil e freqentemente argumentava que tanto a escravido como o comrcio de escravos (ele descrevia este ltimo como um negcio legtimo e uma forma de comrcio) eram indispensveis para o desenvolvimento agrcola do5 V. C. R. Bo xer, Race Re la ti ons in the Portu gue se Co lo ni al Empi re, 1415-1825 (Oxford, 1963), pgs. 101-21.

A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 27 Brasil, onde a terra era abundante e a mo-de-obra escassa, e, portanto, para a prosperidade e segurana de Portugal e do imprio como um todo. 6 No surpreendente que os primeiros apelos da Gr-Bretanha ao governo portugus em Lisboa para a abolio imediata do comrcio transatlntico de escravos tenha cado em ouvidos moucos. Quando, em abril de 1807, menos de trs semanas depois de a lei de abolio da prpria Gr-Bretanha ter recebido a chancela real, Lorde Strangford, o ministro ingls junto cor te portuguesa, agindo por instrues de George Canning, secretrio de Assuntos Estrangeiros britnico, instou os portugueses a seguirem o exemplo da Gr-Bretanha ou, no mnimo, a assegurarem que o comrcio portugus se mantivesse dentro dos limites existentes, Antnio de Arajo Azevedo, ministro dos Negcios Estrangeiros portugus, respondeu que era totalmente impraticvel para Portugal adotar quaisquer medidas para desencorajar, ainda mais abolir, o comrcio de escravos. 7 Historicamente, entretanto, como resultado de tratados que vinham desde a metade do sculo XVII, a Gr-Bretanha gozava de uma relao especial, econmica e poltica, com Portu gal e, por causa da enorme disparidade de riqueza e poder entre as duas naes, uma relao na qual a Gr-Bretanha desempenhava um papel claramente dominante. Alm disso, mais para o fim do ano, a posio de semidependncia de Portugal em relao Gr-Bretanha se tornaria dramaticamente clara e, em conseqncia, esta ltima teve uma rara oportunidade de obter de Portugal uma primeira concesso, ainda que limitada, na questo da abolio. Em agosto de 1807, Napoleo deu um ultimatum a Dom Joo, o Prncipe Regente de Portugal, que governava no lugar de sua me demente, a rainha Maria I: ele devia fechar os seus portos aos navios ingleses, incluindo, portanto, Portugal no Bloqueio Continental que visava a destruir o comrcio da Gr-Bretanha6 J. J. da Cu nha de Azeredo Coutinho, An li se so bre a jus ti a do co mr cio do res ga te dos es cra vos da Cos ta da Africa (1798: 2 ed., Lisboa, 1808). Ver tambm Snia Aparecida Siqueira, A escravido negra no pensamento do bispo Azeredo Coutinho. Contribuio ao estudo da mentalidade do ltimo Inquisidor, Revista da Histria (So Pa u lo), 56 (1963), pgs. 349-65, 57 (1964), pgs. 141-76. Canning para Strangford, 15 de abril de 1807, citado em James Bandinel, Some ac count of the tra de in sla ves from Afri ca (Londres, 1842), pg. 126; Strang ford para Can ning, n 31, 4 de junho de 1807, F. O. 63/54. O li vro de Ban di nel um re su mo ines ti m vel dos pa pis do Fo re ign Offi ce so bre o comrcio de escravos; o autor foi escrevente prin ci pal e su pe rin ten den te do Departamento para o Comrcio d e Escra vos do Fo re ign Offi ce, 1819-45.

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28 Leslie Bethell com a Europa, ou enfrentar uma invaso francesa. Ameaando, de um lado, destruir a frota portuguesa no Tejo e apoderar-se das colnias de Portugal se ele cedesse, ao mesmo tempo em que, de outro, prometia renovar as obrigaes existentes da Gr-Bretanha de defender a Casa de Bragana e os seus domnios contra ataques externos se ele resistisse, Lorde Strangford conseguiu pressionar Dom Joo a rejeitar o ultimato. Quando, em novembro, o General Junot marchou sobre Lisboa, a famlia real e a corte portuguesas, escoltados por quatro navios de guerra britnicos, procuraram refgio do outro lado do Atlntico, no Brasil.8 Em janeiro de 1808, Dom Joo desembarcou brevemente na Bahia, onde outorgou sua Carta Rgia, que abria os portos do Brasil ao comrcio de todas as naes amigas (o que na prtica significava o comrcio britnico). Em maro, ele estava seguramente instalado no Rio de Janeiro, que ines peradamente se tornou a sede do governo e a capital do imprio portugus. Dom Joo estava agora, entretanto, totalmente dependente das tropas e armas britnicas para a defesa de Portugal contra os franceses e da marinha britnica para a proteo do Brasil e do resto do imprio ultramarino de Portugal. Assim, a Gr-Bretanha estava em posio de fazer a Portugal exigncias que no podiam ser facilmente recusadas. Pela conveno secreta de outubro de 1807, j tinha sido estabelecido que, no caso de mudana da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, o preo da proteo britnica no seria apenas a abertura do Brasil (um mercado importante por si mesmo e uma conveniente porta dos fundos para a Amrica espanhola) ao comrcio britnico direto, num momento em que os produtos britnicos estavam sendo excludos da Europa e ameaados de excluso na Amrica do Norte, mas tambm a transferncia de Portugal para o Brasil, por tratado, dos amplos privilgios comerciais da Gr-Bretanha.9 Canning agora deixou claro que um novo tratado anglo-portugus deveria tambm incluir um compromisso de Portugal de gradual desativao e abolio final e no distante do comrcio (de escravos); at l, ele considerava que os portugueses deveriam cessar de exportar escravos para territrios no-portugueses no Novo Mundo e evitar expandir o seu comrcio para8 Sobre a trans fe rn cia da cor te por tu gue sa de Lis boa para o Rio de Ja ne i ro, ver Caio de Freitas, George Canning e o Bra sil (2 vols. Rio de Jane i ro, 1958), i 32-96; Alan K. Manchester, Bri tish Preeminence i n Br azil: Its Rise and Decline (Univ. of North Carolina Press, 1933), pgs. 54-68 Caio de Fre i tas, op. cit., I, 45-6.

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A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 29 reas da costa africana que estavam sendo abandonadas pelos mercadores britnicos. 10 Depois de prolongadas negociaes no Rio de Janeiro, Lorde Strangford, que tinha acompanhado a corte portuguesa para o Brasil, finalmente persuadiu Dom Joo a assinar, em 19 de fevereiro de 1810, dois tratados com a Gr-Bretanha. O primeiro era um tratado de comrcio e navegao, a ser renovado em quinze anos, o qual, entre os mui tos privilgios que concedia ao comrcio britnico, fixava uma tarifa mxima de 15% ad valorem sobre os produtos britnicos importados no Brasil (art. 9) e permitia ao governo britnico nomear juzes conservadores, isto , magistrados especiais que teriam competncia para tratar dos 11 casos que envolvessem cidados britnicos no Brasil (art. 10). O segundo era um tratado de aliana e amizade, cujo dcimo ar tigo se referia ao comrcio de escravos: convencido da injustia e desutilidade do comrcio e especialmente das desvantagens de introduzir e continuamente renovar uma populao estrangeira e factcia no Brasil, o Prncipe Regente concordava em cooperar com a Gr-Bretanha pela adoo das medidas mais eficazes para levar a cabo a gradual abolio do comrcio de escravos em todos os seus domnios e, nesse nterim, comprometia-se a que o comrcio no fosse permitido em qualquer parte da costa da frica que ento no pertencesse aos domnios de Sua Alteza Real nos quais aquele comrcio tivesse sido descontinuado e abandonado pelas potncias e estados da Europa que l antes comerciavam. portugueses, entretanto, conservavam o direito de comerciar em escravos dentro dos domnios afri canos da Coroa de Portugal e ficava claro que nem os direitos da Coroa portuguesa que no passado tinham sido objeto de disputa aos territrios de Cabinda e Molembo (5 o 12 a 8o S) desde o nor te da embocadura do Congo fronteira setentrional de Angola, nem o direito dos portugueses de comerciar com Ajud (Daom) e outras par tes da Costa da Mina ao norte do Equador pertencentes Coroa portuguesa ou 12 por ela reivindicadas eram invalidadas de qualquer maneira. Assim,10 11 12 Canning para Strang ford, 17 de abril de 1808, ci ta do em Ban di nel, op. cit. pg. 127. Para uma discusso do tratado comercial anglo-portugus de 1810, ver Manchester, op. cit. pgs. 86-90; Caio de Fre i tas, op. cit. i. 167-99, 255-88. B. F. S. P. i. 555-7. Um alvar portugus de 24 de novembro de 1813 limitou o n me ro de escravos que um navio podia carregar (5 escravos por 2 toneladas) e introduziu novos regulamentos relativos a higi ene, alimentao, etc. (Baudinel, op. cit ., pg. 128): este trfico, declarava, era ignominioso e im pos s vel de con tem plar sem hor ror e in dig na o, e era pra ti ca do em des res pe i to a to das as leis naturai s e di vi nas.

30 Leslie Bethell Portugal tinha assumido sua primeira obrigao de restringir e gradualmente abolir o comrcio de escravos e a presso britnica pelo seu cumprimento seria da por diante implacvel. Por enquanto, porm, a Gr-Bre ta nha tinha re conhecido o dire i to dos por tugueses de continuarem o comrcio dentro dos seus prprios domnios. Em resumo, o trata do era menos do que uma grande vitria pela causa da abolio do comrcio de escravos. Durante toda a negociao, entretanto, Strang ford tinha-se defrontado com a obstinada oposio de Dom Joo e vrios dos seus principais ministros a qualquer concesso na questo do comrcio 13 de escravos. E vale notar que o governo britnico no conseguiu extrair sequer isso da Espanha, que, como Portugal, dependia do apoio britnico na luta contra Napoleo, mas que, tambm como Portugal, tinha colnias no Novo Mundo, especialmente Cuba e, em menor grau, Porto Rico, cujas plantaes de acar, tabaco e caf dependiam fortemente 14 do trabalho de escravos importados. Enquanto a guerra continuava, a Gr-Bretanha, em pleno comando dos mares, podia exercer algum controle sobre o comrcio transatlntico de escravos praticado por outras naes, embora no tanto quanto Lord Grenville, lder do governo que finalmente aboliu o comrcio britnico de escravos, tinha antecipado. No via o nobre e ilustre Senhor, escrevera ele a Lorde Eldon em maio de 1806, que se desistssemos do comrcio no seria possvel a qualquer estado assumi-lo sem a nossa permisso? No singramos os oceanos por toda parte, sem competidores? Poderia alguma potncia ter a pretenso de tomar para si esse comrcio enquanto ns comandamos desde as costas da frica at13 Ma nu el de Oli veira Lima, Dom Joo VI no Bra sil, 1808-21 (2 ed. 3 vols., Rio de Ja neiro, 1945), ii. 438. Oliveira Lima cita a correspondncia do cnsul francs Maler, que informava que Dom Joo sem pre dis cu tia a ques to do co mr cio de es cra vos com ca lor. Durante quase trs sculos as fazendas agrcolas tinham sido relativamente negligenciadas em Cuba. Desde o l ti mo quar tel do s cu lo XVIII, po rm, e es pe ci al men te de po is da de sor ga nizao da econo mia aucareira de So Domingos pela revoluo e pela guerra, a ilha tinha alcanado um novo nvel de prosperidadeeconmica baseado na produo e exportaode acar, ta ba co e caf, e o co m rcio cubano de es cra vos ti nha, con se qen te men te, se ex pan di do de for ma con si de r vel. Para um exa me das re la es da Gr-Bretanha com a Espa nha a res pe i to da ques to do co mr cio de es cra vos du ran te a primeira metade do sculo XIX, ver David Robert Murray, Britain, Spain and the sla ve tra de to Cuba, 1807-45 (tese de doutorado no publicada, Cambridge, 1967); Arthur F. Corwin, Spain and the Abolition of Slavery in Cuba, 1817-1886 (Univ. of Texas Press, 1967); H. H. S. Ai mes, A History of Slavery in Cuba , 1511-1868 (Nova York, 1907); Eric Williams, The Negro Slave Tra de in Anglo-Spanish Re lations Ca ribbe an His to ri cal Re vi ew, i (1950), pgs. 22-45.

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A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 31 os confins do Atlntico?15 No caso, no era possvel marinha britnica, engajada simultaneamente em vrios teatros de guerra e nunca em condies de destacar mais do que quatro ou cinco vasos de guerra especialmente para tarefas de represso ao comrcio de escravos, suprimir um trfico praticado numa rea to vasta e em to grande escala. Era, entretanto, possvel mant-lo pelo menos dentro de limites aceitveis. No apenas colnias inimigas francesas e holandesas foram tomadas e a importao de escravos consideravelmente diminuda, mas, de acordo com decretos reais de maro de 1808, os navios de guerra britnicos puderam fazer pleno uso do direito beligerante de busca para identificar e capturar navios de escravos inimigos e mand-los como presas de guerra para julgamento perante um tribunal martimo britnico, na maioria dos casos aquele sediado na colnia de Serra Leoa, que em 1807 tinha sido tomada pela Coroa da Sierra Leone Company, ento falida. 16 Por esse servio era oferecido um prmio por escravo capturado e subseqentemente libertado, seguindo a generosa tarifa de 60 libras por um homem, 30 por mulher e 10 por criana, embora, depois que o comandante da esquadra, o governador de Serra Leoa, informantes, agentes, advogados e at o Greenwich Hospital ti nham tirado a sua parte, s uma pequena percentagem alcanasse os oficiais e a tripulao do navio que tinha efetuado a captura. 17 Durante algum tempo, a marinha britnica tambm se encarregou (numa ao de duvidosa legalidade) de interceptar, revistar e capturar navios de escravos de todas as naes ma rtimas navios americanos, por exemplo que tinham declarado ilegal o comrcio de escravos.18 E durante um curto perodo, os oficiais de marinha britnicos interpretaram erradamente o ambguo ar tigo dcimo do tratado anglo-portugus de fevereiro de 1810 como significando que o comrcio portugus de escravos era ilegal ao norte do Equador e que, portanto, eles tinham o direito de suprimi-lo: vrios navios portugueses foram capturados e um nmero importante de casas co merciais da Bahia e15 16 17 18 Grenville para Eldon, 16 de maio de 1806, ci ta do em Joo Pan di Ca l ge ras, A Poltica Exterior do Imprio (2 vols., Rio de Ja ne i ro, 1927-8), i. 371-2. V. E. I. Her ring ton, Bri tish Me a su res for the Sup pres si on of the Sla ve Tra de from the West Co ast of Africa, 1807-1833 (tese de mes tra do no pu bli ca da, Lon dres, 1923), ca p tu lo I. V. Chris top her Lloyd, The Navy and the Sla ve Tra de (Lon dres, 1949), pgs. 79-80. Ver Herrington, tese no publicada, pgs. 44 segs.; Hugo Fischer, The Suppression of Slavery in International Law, Inter na ti o nal Law Qu ar terly, iii (1950), pgs. 32 segs.

32 Leslie Bethell Pernambuco, que tinham desfrutado de vnculos particularmente estreitos com a Costa da Guin, sofreram pesadas perdas.19 Em 1813, entretanto, o Almirantado deu instrues estritas para que navios portugueses velejando entre portos portugueses na frica e o Brasil no fossem molestados (deixando sem resposta a controvertida questo de que portos na frica pertenciam a Portugal). 20 Durante os ltimos estgios da guerra, a Sucia e a Holanda esta ltima tinha sido recentemente liberada do domnio francs e a Casa de Orange, restaurada, sentia-se portanto devedora da Gr-Bretanha foram persuadidas a firmar convenes bilaterais com a Gr-Bretanha declarando ilegal o comrcio de escravos. Mas Portugal continuava a resistir s exigncias da Gr-Bretanha para a imediata e total abolio, e a Espanha no estava disposta a fazer mais do que Portugal fizera em 1810, isto , restringir o comrcio aos seus prprios domnios.21 Os abolicionistas ingleses estavam irritados com o fracasso em obter a concordncia de naes amigas, porm dependentes, como Espanha e Portugal: Providencialmente, acontece, escreveu Wilberforce a James Stephen em abril de 1814, que as nicas potncias que esto interessadas em praticar o comrcio de escravos so Espanha e Portugal e elas 22 seguramente podem ser compelidas a concordar. Eles estavam tambm amargamente decepcionados com os termos do primeiro tratado de Pa ris (30 de maio de 1814). A Frana tinha sido derrotada; ainda assim, suas colnias das ndias Ocidentais que tinham sido capturadas, seriam agora devolvidas e Lus XVIII, restaurado no trono da Frana, apenas se comprometia a abolir o comrcio no curso de cinco anos e, nesse in tervalo, a limit-lo aos seus prprios domnios. Em vista do fato de que o comrcio francs de escravos tinha sido severamente reduzido durante a guerra, parecia que a Gr-Bretanha estava de fato permitindo19 Ver Representation of the Brazilian Merchants against the insults offe red to the Portuguese flag and against the violent and oppressive cap tu re of se ve ral of the ir ves sels by some of fi cers be lon ging to the English navy (Londres, 1813); Strangford para Castlereagh, 20 de fe ve re i ro de 1814, impresso em C. K. Webs ter, ed., Bri ta in and the Inde pen den ce of La tin Ame ri ca, 1812-1830. Se lect Do cu ments from the Fo re ign Offi ce Archi ves (Lon dres, 1938), i. 171; Man ches ter, op. cit., pg. 168. V. Her ring ton, tese no pu bli ca da, pgs. 76-80. V. Cor win, op. cit., pg. 25; Bandinel, op. cit , pgs. 131-2. Wilberforce para Stephen, 18 de abril de 1814, em R. I. e S. Wilberforce, Life of William Wilberforce (Lon dres, 1838), iv. 175.

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A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 33 o seu ressurgimento, ainda que temporariamente. 23 Lorde Castlereagh, secretrio de Assuntos Estrangeiros da Gr-Bretanha, entretanto, preocupado com o arranjo poltico mais amplo com a Frana, tinha-se contentado em assegurar o princpio da abolio e um acordo quanto a uma data final. O prximo Congresso de estados europeus, em Viena, parecia oferecer a melhor oportunidade at ento de a Gr-Bretanha conseguir uma condenao geral e a renncia ao comrcio transatlntico de escravos. Wilberforce e seus amigos, decididos a no deixar que o tema fosse negligenciado, montaram uma campanha de propaganda to frentica que deu ao Duque de Wellington, embaixador britnico em Paris na ocasio, a impresso de que o povo em geral parece achar que serviria poltica da nao entrar em guerra para pr fim quele trfico abominvel, e muitos desejam que entremos em campo nessa nova cruzada24 Castlereagh, que representou pessoalmente a Gr-Bretanha em Viena e considerava que sua tarefa principal era a reforma da Europa e o estabelecimento de uma paz duradoura, ficava irritado com essa presso abolicionista. Alm disso, sua opinio pessoal que era errado imp-la [a abolio do comrcio de escravos] s naes custa da sua honra e da tranqlidade do mundo. A moral nunca foi bem ensinada pela espada.25 A opinio pblica nacional compeliu-o, entretanto, a fazer do comrcio de escravos um tema maior na conferncia e a usar ameaas e suborno para assegurar a sua total abolio, ou pelo menos a sua abolio ao norte do Equador, onde era em grande parte praticado. As trs potncias centrais Rssia, ustria e Prssia estavam prontas a cooperar: elas no tinham interesses coloniais. Mas Castlereagh teve menos xito no trato com os principais culpados. Ele no conseguiu persuadir a Frana j no mais submissa a abolir o comrcio imediatamente e a Espanha no mais dependente a proibir logo o comrcio ao norte do Equador e, ao sul, num perodo mximo de cinco anos. Ambos desprezaram suas ofertas de indenizao financeira e territrio colonial guisa de compensao.23 B. F. S. P. i. 172-5; C. K. Webs ter, The Foreign Policy of Castlereagh, 1812-15 (Londres, 1931), pgs. 271-2; Life of Wil ber for ce , iv. 187-9; F. J. Klingberg, The Anti-Sla very Mo ve ment in England (New Ha ven, 1926), pg. 146. Wellington para Sir Henry Wel lesley, seu ir mo, 29 de ju lho de 1814, ci ta do em Betty Fla de land, AbolitionistPressures on the Concert of Eu ro pe, 1814-1822, Jour nal of Mo dern His tory, xxxvi ii (1966), pg. 361. Ci ta do em Kling berg, op. cit ., pg. 144.

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34 Leslie Bethell Chefiada pelo Conde de Palmela, a delegao portuguesa tambm achou que cinco anos no dava ao seu pas tempo suficiente para se preparar para a abolio do comrcio; aparentemente se oferecia a aboli-lo num perodo de oito anos, mas com a condio de que a Gr-Bretanha desistisse do tratado comercial de 1810 e Castlereagh no tinha poderes para aceitar tal barganha.26 Sob considervel presso, entretanto, com o exrcito ingls sob as ordens do General Beresford em efetivo controle de Portugal ao fim da Guerra Peninsular, enquanto a corte portuguesa continuava a residir no Brasil, e contando com a Gr-Bretanha para de fender os interesses mais amplos de Portugal em Viena, os portugueses finalmente concordaram em terminar o comrcio ao norte do Equador em troca de uma substancial indenizao financeira. Por uma conveno firmada em 21 de janeiro de 1815, a Gr-Bretanha concordou em pagar a soma de 300.000 libras, assim desobrigando-se de todas as reivindicaes a respeito da deteno e captura ilegal de navios portugueses por vasos de guerra britnicos e sua condenao em tribunais martimos antes de 1 de junho de 1814. Por um tratado separado assinado no dia seguinte, 22 de janeiro de 1815, a Gr-Bretanha tambm remiu novos pagamentos devidos por um emprstimo de 600.000 libras esterlinas que tinha sido negociado em 1809 (cerca da metade ain da estava por pagar) e Dom Joo comprometeu-se a declarar ilegal o comrcio de escravos ao norte do Equador e a adotar quaisquer medidas que fossem necessrias para aplicar essa proibio parcial daquele comrcio.27 Tal arranjo constituiu um relativo triunfo para Palmela. Somente parte do comrcio portugus de escravos para o Brasil e na poca a parte menos substancial, aquela destinada Bahia, a Pernambuco e ao Maranho se realizava a partir da costa africana ao norte do Equador. O tratado expressamente permitia aos sditos portugueses transportar escravos para o Brasil desde ter ritrios portugueses na frica ao sul daquela li nha. Apenas se exi gia de Dom Joo que reiterasse o seu compro mis so de abolir26 Sobre o tema do comrcio de escravos no Congresso de Viena, ver Webster, Castlereagh, 1812-15, pgs. 413-26. Por tu gal no prometeu abolir o co mr cio de escra vos de po is de oito anos: cf. Webster, op. cit. pgs. 459-60, e Man ches ter, op. cit. pg. 171, n. 30; ver tambm correspondncia posterior sobre a poltica portuguesa em Viena, p. ex., Palmerston para Mon cor vo (mi nis tro por tu gus em Lon dres), 30 de abril de 1836, F. O. 84/202 e Palmerston para Howard de Walden (ministro britnico em Lisboa) n 13, 20 de abril, no. 14, 29 de abril de 1839, F. O. 84/281. B.F.S.P. ii. 348-55; Ant nio Pe re i ra Pin to, Apontamentos para o Direito Inter na ci o nal; ou Co le o Com ple ta dos Tratadoscelebrados pelo Bra sil com di fe ren tes Na es Estran ge i ras (Rio de Janeiro, 1864-69), i. 124-37.

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A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 35 gradualmente todo o comrcio de escravos em seus domnios. Ao faz-lo, ele se comprometia a negociar separadamente um novo acordo que fixaria a data at a qual o comrcio ao sul do Equador seria proibido. Duas semanas mais tarde, em 8 de fevereiro de 1815, Portugal juntou-se Gr-Bretanha, Frana, Espanha, Sucia, ustria, Prssia e Rssia numa Declarao das Oito potncias de que o comrcio de escravos era repugnante aos princpios de humanidade e moral universal, que a voz pblica em todos os pases civilizados clama pela sua pronta supresso e que todas as potncias que possuem colnias reconhecem o dever e necessidade de aboli-lo to pronto quanto praticvel. Concordava-se, porm, que o perodo para a cessao universal deve estar sujeito a 28 negociao entre as Potncias interessadas. Em junho de 1815, essa declarao foi anexada Acte Final do Congresso de Viena: deveria servir de base s conferncias de ministros europeus realizadas em Londres em mais de uma dzia de ocasies entre 1816 e 1819 uma espcie de Congresso Europeu permanente , nas quais se coletavam informaes sobre o comrcio de escravos e se discutiam os meios de suprimi-lo. Nesse intervalo, a Frana juntara-se s fileiras daquelas potncias que tinham concordado inteiramente em abolir o comrcio de escravos. Em maro de 1815, durante os seus Cem Dias, Napoleo, na esperana de conquistar a opinio britnica, tinha decretado a cessao imediata do comrcio francs de escravos. Em julho, Lus XVIII foi, portanto, obrigado a anunciar que faria o mesmo: como Lorde Liverpool escreveu a Castlereagh, ele deve isso a ns, que o restauramos no trono pela segunda vez.29 E em novembro, depois de Waterloo, um artigo contrrio ao comrcio de escravos foi acrescentado ao segundo tratado de Paris: os Cinco Gran des Gr-Bretanha, Rssia, ustria, Prssia e Frana comprometeram-se a concertar esforos para a abolio completa e definitiva de um comrcio to odioso e to fortemente condenado pelas leis da religio e da natureza. 3028 29 30 Declaration ... relative labolition universelle de la traite des ngres, 8 de fevereiro de 1815, B. F. S. P. iii. 971-2. Em fran cs no ori gi nal (N. T.). Bandinel, op. cit., pg. 169; Liverpool para Cas tle re agh, 7 de ju lho de 1815, ci ta do em Fla de land, op. cit., pg. 366. B. F. S. P. iii. 292-3.

36 Leslie Bethell A Frana, a Holanda e a Sucia, alm da Gr-Bretanha, dos Estados Unidos e da Dinamarca, tinham ento proibido ou concordado em proibir o comrcio transatlntico de escravos africanos. Alm disso, muitos dos regimes revolucionrios hispano-americanos tinham declarado ilegal o comrcio ou indicado a sua disposio de faz-lo.31 Dos principais estados escravagistas, s Portugal e Espanha aferravam-se sua parcela do comrcio, e at Portugal o tinha abolido ao norte do Equador. Proibio, entretanto, no era de nenhum modo sinnimo de supresso. Nem tratados nem leis so auto-aplicveis e, por falta de poder ou de vontade (em alguns casos, obrigaes includas em tratados foram certamente assumidas sem que jamais tivesse havido a inteno de honr-las), poucos governos tomaram as medidas necessrias para tornar efetiva a proibio do comrcio, o qual continuou a expandir-se em resposta crescente procura de escravos no Novo Mundo. No Brasil, por exemplo, onde a abertura dos portos em janeiro de 1808 tinha acelerado o processo de integrao economia internacional e estimulado a produo de acar, algodo e, pela primeira vez em escala significativa, caf, a procura por novos suprimentos de escravos africanos era insacivel e o comrcio con tinuou ilegalmente ao norte da linha (embora numa escala reduzida) e, legalmente, ao sul.32 Do Rio de Janeiro, em dezembro de 1817, Henry Chamberlain, o cnsul-geral e encarregado de negcios britnico (Strangford tinha retornado ao seu pas em 1815), escreveu sobre o sistema de no fazer nada que caracteriza a administrao; ele achava que o comrcio, legal e ilegal, continuaria e prosperaria at que alguma forte presso de interesse ou de inconvenincia force o Ministrio a pr termo a ele.33 A Gr-Bretanha estava preparada para assumir o papel de polcia internacional e acrescentar s tarefas de paz da Marinha Real a interceptao de navios de escravos que tentassem a travessia ilegal do Atlntico. Parecia, entretanto, que, em tempos de paz, os oficiais de Marinha britnicos no tinham autoridade, segundo o direito internacional31 32 Ver F. J. King, The Latin American Re pu blics and the Sup pres si on of the Sla ve Tra de, H. A. H. R. xxiv (1944), pgs. 388-9. Para algu mas es timativas do tamanho do comrcio brasileiro de escravos no perodo posterior a 1808, ver Edmundo Correia Lopes, A Escravatura: Sub sdios para a sua histria (Lisboa, 1944), pgs. 139-47. Chamberlain para Castlereagh, 24 de dezembro de 1817, F. O. 63/204.

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A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 37 consuetudinrio, para realizar a vi sita e busca preliminares que eram necessrias para descobrir se navios de outras naes estavam ou no carregando escravos ilegalmente, muito menos para det-los mesmo nos casos em que o comrcio tinha sido declarado ilegal por tratado com a Gr-Bretanha. 34 Essa opinio foi exposta em sua forma clssica no Superior Tribunal Martimo, em 15 de dezembro de 1817, quando Sir William Scott (mais tarde Lorde Stowell), uma eminente autoridade em direito martimo internacional, passou julgamento num recurso relativo a Le Louis, uma embarcao francesa proveniente da Mar tinica, capturada em maro de 1816 por um navio britnico perto da Serra Leoa, levado perante o tribunal martimo l sediado e subseqentemente condenado. O famoso julgamento de Scott, no qual, com grande relutncia, ele derrubou a deciso do tribunal de Serra Leoa, seria freqentemente citado, nos cinqenta anos seguintes, tanto na Gr-Bretanha como no exterior, por adversrios das medidas britnicas mais arbitrrias contra o comrcio de escravos. No pode haver dvida, declarou,de que este era um navio francs intencionalmente dedicado ao comrcio de escravos. Mas estes foram fatos estabelecidos em conseqncia do seu apresamento; antes de o apresador poder servir-se da sua descoberta era necessrio indagar se ele tinha qualquer direito de visita e busca; porque se a descoberta se produziu ile galmente, no se lhe pode ria permitir tirar proveito do seu prprio erro ... no posso encontrar qualquer autoridade que d o direito de interrupo da navegao de estados amigos em altomar, exceto aquela que o direito de guerra d a am bos be li ge ran tes contra pases neutros ... para que esse direito de guerra seja aplicado numa situao de paz (com o ob je ti vo de su pri mir o co mr cio de es cra vos), isso deve ser feito por conveno.

A Frana nunca tinha assentido visita, busca e captura de navios franceses dedicados ao comrcio de escravos por navios da Gr-Bretanha ou de qualquer outra potncia. Forar o caminho para a libertao da frica atropelando a independncia de outros estados na Europa...para obter um bem por meios ilegtimos, conclua Scott, pouco consentneo tanto com a moral privada quanto com a justia pblica.3534 Ver, por exemplo, Robinson (Pro curador do Rei) para Bathurst, 28 de ju nho de 1816, impresso em C. W. Newbury (ed.), British Po licy to wards West Afri ca. Se lect Do cu ments, 1786-1874 (Oxford, 1965), pg. 139. J. Dod son, Re port of ca ses ar gued and de ter mi ned in the High Court of Admi ralty (Lon dres, 1828), ii. 236-64.

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38 Leslie Bethell Conforme eminentes abolicionistas como Lord Brougham tinham argumentado durante anos, se era para suprimir efetivamente o comrcio de escravos, era necessrio que a Gr-Bretanha no apenas persuadisse as potncias martimas a concordar por tratado com a abolio e com a passagem e aplicao de legislao contrria ao comrcio de escravos, mas tambm tornar mais eficazes os tratados, existentes ou projetados, contra aquele comrcio, inserindo neles um direito limitado de visita e busca em alto-mar e fazendo arranjos para a adjudicao de barcos capturados e a libertao dos escravos por eles transportados.36 A questo do direito de visita tinha sido levantada sem xito em Viena. A Gr-Bretanha foi, pois, obrigada a retornar negociao de acordos bilaterais com as potncias individuais interessadas um processo trabalhoso que aumentava enormemente o trabalho do Foreign Office e que, combinado com a necessidade de fornecer informaes s Conferncias de Londres sobre o Comrcio de Escravos, tornou necessrio o estabelecimento, em 1819, de um Departamento para o Comrcio de Escravos separado. Se, entretanto, tinha-se mostrado e ainda se estava mostrando difcil persuadir outros estados a abolir o comrcio, seria provavelmente ainda mais difcil persuadi-los a conceder a navios de guerra britnicos o direito de busca sobre qualquer dos seus navios mercantes suspeitos de se estarem entregando quele comrcio. Porque, embora o direito de busca pudes se ser e era disfarado como um di re i to recproco, a reciprocidade estava desde o comeo destinada a ser essencialmente um mito: s a Gr-Bretanha tinha os navios disponveis para patrulhar as costas da frica e da Amrica e, em todo caso, o comrcio de escravos j no era praticado em navios mercantes britnicos. Temia-se, portanto, que o plano de Castlereagh para a superintendncia vigilante de uma fora de polcia internacional armada na costa da frica significasse na prtica, em tempo de paz, o tipo de interferncia arbitrria da Marinha britnica na navegao mercante em alto-mar que tanto tinha sido ressentida durante os anos de guerra. Alm disso, era essencial que nenhum estado com interesse no comrcio de escravos ficasse fora de um sistema de tratados sobre o direito de busca. Como escreveu Castlereagh em fevereiro de 1818,36 Por exem plo, dis cur sos de Broug ham, de 14 de ju nho de 1810 e 9 de ju lho de 1817, ci ta dos em C. W. New, Henry Broug ham (Lon dres, 1961), pgs. 129-30, 140.

A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 39o sistema de ob ter papis fraudulentos e ocultar a propriedade real... torna fcil para os sditos de todos os estados pra ticarem o trfico enquanto o comrcio de es cravos permanecer le gal para os s di tos de qual quer es ta do individual ... mes mo que o tr fico fosse abo lido por todos os estados, en quanto a bandeira de um estado impedir a visita de todos os outros estados, o comerciante ilcito de escravos ter sempre meios de esconder-se sob o disfarce da nao cujo navio ele no tenha possibilidade de en contrar no litoral.37

Mercadores de escravos j tinham o hbito de usar escrituras de venda fictcias, conjuntos de documentos duplos, bandeiras alternativas, livros de bordo fraudulentos, etc. para protegerem, onde necessrio, suas atividades ilegais prticas que aumentariam muito as dificuldades da Gr-Bretanha na tentativa de suprimir o comrcio internacional de escravos durante os cinqenta anos seguintes. A presso britnica por um tratado sobre direito de busca foi exercida primeiro sobre Portugal, a mais dependente da Gr-Bretanha de todas as potncias comerciantes de escravos restantes e j obrigada pelo artigo segundo do tratado de 22 de janeiro de 1815 a adotar as medidas necessrias para a supresso do comrcio ilegal. Em 28 de julho de 1817, depois de um grande receio e hesitao, o Conde de Palmela, agora ministro portugus em Londres, foi persuadido a assinar uma Conveno Adicional ao tratado de 1815. 38 Ela definiu mais precisamente aquela parte do comrcio portugus de escravos que continuava a ser legal, isto , o comrcio praticado em navios portugueses de boa f entre portos dentro dos domnios da Coroa Portuguesa ao sul do Equador e territrio portugus na costa da frica ao sul da Linha, especificadamente entre cabo Delgado e a baa de Loureno Marques na costa leste e as duas reas 5o 12 a 8o S. (Molembo e Cabinda) e 8o a 18 o S., a oeste. Foi ento acordado que, fora de portos e ancoradouros e do alcance do tiro de canho das baterias costeiras, navios de guerra de qualquer das duas potncias, providos das necessrias au torizaes especiais, podiam37 Memorando, 4 de fevereiro de 1818, Ane xo ao 10 Protocolo de Conferncias de Londres sobre o Comrcio de Escravos, F. O. 84/2. Cf. Thomas Fo well Buxton, The Afri can Sla ve Tra de and its Re medy (2 ed., Lon dres, 1840), pg. 209, ci ta do adi a n te, ca p tu lo 6, pg. Em portu gus no ori gi nal (N. T.) B. F. S. P. iv. 85-115 e Pereira Pinto i. 155-87; Palmela para Con de da Bar ca, n 32, 29 de julho d e 1817, Reservado, A. H. I. 58/3. Um alvar por tu gus de 26 de janeiro de 1818 pro i biu o co mr cio ao norte do Equa dor e es ta be le ceu se ve ras pe nas para o co mr cio il ci to (Pe re i ra Pi nto, i. 398-404; Chamberlain para Can ning, n 85, 23 de agos to de 1818, F. O. 63/212).

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40 Leslie Bethell abordar e efetuar buscas nos navios mercantes de qualquer delas que fossem suspeitos, com base razovel, de terem a bordo escravos que tivessem sido embarcados em reas proibidas da costa africana (isto , ao norte do Equador) e det-los, caso fossem realmente encontrados escravos a bordo. Ademais, acordou-se que um navio capturado seria levado perante uma de duas comisses mistas uma com sede em territrio britnico, na frica ocidental, a outra do outro lado do Atlntico, no Brasil para julgamento. Cada comisso seria composta de um juiz e um comissrio de arbitragem de cada nao, bem como de um secretrio ou oficial de registro nomeado pelo governo em cujo territrio a comisso estivesse situada. A comisso decidiria sem direito de recurso se um navio trazido perante ela era ou no um navio negreiro comerciando ilicitamente e legalmente capturado e, conforme o caso, o condenaria como presa legal, o confiscaria e libertaria os escravos nele transportados, ou alternativamente, o absolveria, restituiria navio e escravos aos seus proprietrios e determinaria que os captores compensassem quaisquer perdas resultantes da deteno ilegal. s comisses mistas no era dada, porm, jurisdio sobre os proprietrios, comandante ou tripulao de um navio condenado: as pessoas fsicas deveriam ser entregues s suas prprias autoridades para julgamento e punio pelos seus prprios tribunais, de conformidade com as suas prprias leis. Portugal comprometeu-se a introduzir legislao que punisse o trfico ilcito de escravos, concordou em proibir a importao de escravos no Brasil sob qualquer bandeira exceto a portuguesa e novamente prometeu sem qualquer entusiasmo abolir completamente o comrcio num futuro no muito distante. Num artigo separado, assinado em 11 de setembro de 1817, foi estabelecido que, to logo todo o comrcio portugus de escravos fosse proibido, seriam tomadas medidas para adaptar a Conveno s novas circunstncias. Na ausncia de qualquer emenda acordada, ela permaneceria em vigor durante quinze anos a contar do dia em que o comrcio fosse abolido.39 Apesar do fato de se ter conseguido de Portugal um direito limitado de busca, os crticos da Conveno podiam queixar-se, com ra zo, de que ela oferecia proteo legalizada ao comrcio portugus de escravos. Como Palmela logo percebeu na ocasio, ao sul do Equador, protegido por tratado da interferncia da Marinha britnica, o comrcio39 B. F. S. P. Iv. 115-16; Pereira Pin to, I. 187-8.

A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 41 poderia continuar tranqilamente at que Portugal mesmo decidisse aboli-lo, enquanto ao norte da Linha, algum tempo se passaria antes que as co misses mistas pudessem ser estabelecidas e, ainda ento, as atividades dos navios ingleses estariam to circunscritas pelos termos da Conveno que ela podia revelar-se mais um embarao do que um estmulo ao esprito de iniciativa naval.40 A Conveno Anglo-Portuguesa de 28 de julho de 1817 viria constituir a base para convenes sobre o direito de busca com muitas outras potncias martimas. Em 23 de setembro de 1817, por exemplo, em troca de uma generosa indenizao de 400.000 libras, a Espanha finalmente concordou em abolir imediatamente o comrcio de escravos ao norte do Equador, onde se realizava a maior parte do comrcio cubano, e a partir de maio de 1820, tambm ao sul do Equador; o governo espanhol tambm concedeu aos navios britnicos o direito de abordar, revistar e deter navios suspeitos do comrcio ilegal de 41 escravos. Em 4 de maio de 1818, a Holanda, que j tinha proibido o comrcio em decorrncia de um tratado anterior com a Gr-Bretanha, assinou uma conveno semelhante sobre direito de busca.42 Em 1819, fizeram-se as nomeaes para uma comisso mista anglo-portuguesa no Rio de Janeiro, uma comisso anglo-espanhola em Havana, uma anglo-holandesa no Suriname e para comisses anglo-portuguesa, anglo-espanhola e anglo-holandesa que o Foreign Office decidiu deveriam todas sediar-se em Freetown, Serra Leoa. At o fim do ano seguinte, as seis comisses mistas estavam todas em pleno funcionamento.43 Com a assinatura dos primeiros tratados sobre direito de busca, foram emitidas pelo Almirantado autorizaes de busca de navios portugueses, espanhis e portugueses suspeitos do trfico de escravos por navios de guerra britnicos de todas as estaes navais no exterior e, em novembro de 1819, a costa ocidental da frica tornou-se pela primeira vez uma estao naval separada, compreendendo uma fragata, trs chalupas e dois brigues 40 41 Em portu gus no ori gi nal (N. T.) Pal me la para o Con de da Bar ca, 29 de ju lho de 1817. B.F.S.P. iv. 33-68; Bandi nel, op. cit. pgs. 159-60. Para um exame completo das negociaes que lev a ram ao tra ta do an glo-es pa nhol con tra o co mr cio de es cra vos de 1817, ver Mur ray, tese no pu bli cada, pgs. 60-116. B.F.S.P. v. 125-43; Ban di nel, op. cit., pgs. 163-4. Para uma viso ge ral das vrias comisses mis tas para a ad ju di ca o de na vi os de es cra vos captur a dos, ver Les lie Bet hell, The Mi xed Com missions for the Suppression of the Transatlantic Sla ve Tra de in the Ni ne te enth Cen tury, Jour nal of Afri can His tory, vii (1966), 79-93.

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42 Leslie Bethell artilhados (embora com menos da metade do nmero de navios envolvidos na guarda de Napoleo em Santa Helena), com Sir George Collier como seu primeiro comandante e, como sua razo de ser, a proteo de colnias britnicas e do comrcio legtimo e, sobretudo, a supresso do comrcio ilegal de escravos.44 A costa ocidental da frica permaneceria como um comando independente pelos cinqenta anos seguintes, exceto pelos perodos de 1832-9 e 1857-60, quando foi temporariamente combinada com a estao do Cabo. Enquanto isso, no Congresso de Aix-la-Chapelle, no outono de 1818, tinha sido perdida outra oportunidade para efetuar uma ao conjunta europia contra o comrcio de escravos. Uma proposta de Castlereagh para que as grandes potncias concordassem conjuntamente em conceder um direito de busca limitado com o objetivo de suprimir o comrcio de escravos foi derrotada, sobretudo pela oposio da Frana. guisa de alternativa, ele instou por uma declarao conjunta que classificasse o comrcio de escravos como pirataria: uma vez que o referido comrcio fosse assim considerado e quem o praticasse como hostis humani generis pelo direito geral das naes, os navios de guerra de qualquer nao poderiam dar busca e capturar navios de escravos em alto-mar, qualquer que fosse a bandeira que hasteassem, e eles poderiam ser condenados nos tribunais do prprio captor. Esta foi uma sugesto feita originalmente em Viena e novamente durante as Conferncias de Londres, mas nunca adequadamente discutida; tampouco agora fez grande pro gresso. Uma dificuldade maior era que, enquanto a pirataria contrariava os interesses de todas as naes civilizadas e era, portanto, universalmente condenada, o comrcio de escravos ainda era parcialmente permitido e, na verdade, protegido por Por tu gal, por exemplo. Alm disso, argumentava-se, declarar o comrcio de escravos pirataria significava dar aos navios de guerra britnicos poderes ainda maiores de interferir no comrcio internacional.45 No que se refere ao comrcio de44 45 Lloyd, op. cit., pgs. 67-8, Apn di ce D. De Was hing ton, Strat ford Can ning as si na lou que um acor do in ter na ci o nal que con si de ras se o co mr cio de es cra vos como pi ra ta ria se ria de fato me nos sa tis fa trio, do ponto de vista bri tnico, do que o di re i to concedido por tra tado Ma rinha britnica para dar bus ca em todos os na vi os suspeitos de estarem engajados no comrcio de escravos. Na busca de piratas, argumentava ele, nenhum caso particular de exer c cio do di re i to po de ria jus ti fi car-se se no pelo fato de se pro var que o na v io ob je to de bus ca era um pi ra ta. evi den te que a res pon sa bi li da de do ofi ci al que efe tu as se a bus ca se ria as sim to enor m emente aumentada que o faria relutar em agir, exceto em casos de informao muito clara e positiva, Stratford Canning para Canning, 10 de maro de 1823, citado em H. G. Soulsby, The Right of Search and the Slave Tra de in Anglo-Ame ri can Re la ti ons (Baltimore, 1933), pg. 27.

A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 43 escravos, o nico resultado do Congresso foi a adoo pelos Cinco Grandes de uma resoluo em favor de pressionar Portugal a cumprir promessas anteriores, renovadas em 1817, de proibir o comrcio tanto ao sul como ao norte da Linha. Das potncias representadas em Viena em 1815, s Por tugal ainda no tinha abolido completamente o comrcio de escravos ou sequer fixado uma data para a sua completa abolio.46 Em mais de uma ocasio durante 1819, Palmela escreveu de Londres ao governo portugus, ainda residente no Brasil, que o comrcio de escravos estava agora fadado a acabar mais cedo ou mais tarde e que a Gr-Bretanha parecia pronta a adotar quaisquer medidas, sem excluir o uso da fora, para a sua prxima supresso.47 Suas advertncias, po rm, no foram ouvidas. Nem Sir Edward Thornton, ministro britnico junto corte portuguesa, conseguiu fazer qualquer progresso. Em abril de 1821, em conseqncia das bem sucedidas revoltas liberal-nacionalistas em Lisboa e no Porto durante o ms de agosto anterior, Dom Joo, temendo perder Portugal, foi finalmente persuadido a deixar o Brasil e regressar ptria depois de uma ausncia de treze anos. Mas Thornton, que o acompanhou, no teve em Lisboa mais xito do que ti vera no Rio de Janeiro em convencer o go verno portugus a proibir o comrcio de escravos ao sul do Equador. A questo do comrcio de escravos e, em particular, a recusa de Portugal em alinhar-se s outras potncias martimas estava novamente na agenda quando, no outono de 1822, as potncias europias se reuniram em Verona. George Canning, que voltou ao Foreign Office em setembro, depois do suicdio de Castlereagh, estava ansioso por que fossem feitos todos os esforos para encontrar algum meio de acabar com aquele escndalo do mundo civilizado, embora no tivesse grandes esperanas, dado o que ele chamava o baixo nvel de sensibilidade, em toda a Europa, em relao a assuntos que apelam aos sentimentos da humanidade e a desconfiana generalizada quanto aos motivos da Gr-Bretanha. 48 Mais uma vez, como Canning previra, a Frana bloqueou todos os esquemas para a adoo de medidas coletivas46 47 48 Sobre a ques to do co mr cio de es cra vos no Con gres so de Aix-la-Cha pel le, ver C. K. Webs ter, The Fo re ign Po licy of Cas tle re agh, 1815-22 (Lon dres, 1929), 463-4; Fla de land, op. cit., pgs . 367-9. Oliveira Lima, op. cit., ii. 455-6; Goulart, op. cit., pgs. 238-40. Canning para Wel ling ton, 30 de se tem bro de 1822, im pres so em Despatches, Correspondence and Memoranda of the Duke of Wel ling ton edi ted by his son (Lon dres, 1867-80), i. 322.

44 Leslie Bethell de carter preventivo (como, por exemplo, declarar pirataria o comrcio de escravos) e, como em Aix-la-Chapelle, toda discusso sobre o comrcio de escravos mostrou-se infrutfera. Uma sugesto britnica, originalmente feita em Viena em 1815, de que as exportaes de estados que comerciavam em escravos, em particular o acar, fossem excludas do mercado europeu com evidente vantagem para o acar das ndias Ocidentais britnicas foi aparentemente recebida ... com um sorriso.49 Ao final, pouco se conseguiu alm da reafirmao, em 28 de novembro de 1822, da Declarao de Viena e de uma promessa de tomar todas as medidas para acabar com o comrcio que fossem compatveis os direitos e interesses nacionais vagas generalidades de reprovao verbal, declararam os diretores da African Institution (fundada na Gr-Bretanha em 1807 para promover a civilizao da frica e, incidentalmente, a abolio do comrcio estrangeiro de escravos), as quais, como a experincia ensina, no os obriga a qualquer medida especfica eficiente. 50 Instigado pelos abolicionistas domsticos, o governo britnico no apenas manteve sua presso diplomtica sobre Portugal para a abolio final do comrcio e, sobre outros governos estrangeiros, para a aplicao dos tratados de abolio existentes, mas tambm continuou a insistir pela extenso e o fortalecimento dos tratados sobre o direito de busca. Desde o comeo tinha sido necessrio dar garantias de que somente navios com escravos a bordo seriam passveis de busca e captura. Em 1818, por exemplo, quando foi feito um contacto inicial com os Estados Unidos, que pelo Artigo 10 do tratado de Ghent (1814) tinham concordado em cooperar com a Gr-Bretanha na supresso do comrcio de escravos, Richard Rush, o ministro americano em Londres, relatou que nenhuma estrutura peculiar ou aparncia anterior do navio objeto de busca; nenhuma presena de ferros ou outras presunes de inteno criminosa; nada exceto a efetiva descoberta de escravos a bordo poderia jamais au torizar a apreenso ou deteno.51 Como logo ficou claro, entretanto, o fato de que navios de escravos estivessem livres de qualquer49 50 51 Memorando do Gabinete, 15 de novembro de 1822, Canning Papers, 131; excertos impressos em Webster, Britain and the Independence of La tin Ame ri ca, ii. 393-8. 17 Relatrio Anu al dos Di re to res da Afri can Insti tu ti on, ci ta do em Fla de land, op. cit., pg. 373. Sobre a ques to do co mr cio de es cra vos no Con gres so de Vi e na, ver Despatches, de Wel ling ton, i passim. Rush para Adams, 18 de abril de 1818, ci ta do em Soulsby, op. cit., pg. 16.

A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 45 interferncia at o momento em que levassem escravos constitua a mais sria debilidade dos tratados sobre direito de busca. Ao governo britnico parecia que o comrcio de escravos nunca seria suprimido at que os seus navios de patrulha tivessem permisso de deter barcos de escravos que estivessem deixando ou voltando ao porto de origem e, portanto, comeou a insistir pelo acrscimo aos tratados sobre o direito de busca de uma clusula de equipamento, pela qual um ou mais itens de uma lista de artigos de equipamento determinados grilhes e algemas, pranchas de reserva para um convs de escravos, escotilhas abertas, quantidades pouco usuais de gua fresca, alimentos, desinfetante, etc constituiriam evidncia bastante, at prova em contrrio, de que um na vio partindo para a costa africana, para ela rumando ou l chegando era usado no comrcio de escravos e, a menos que satisfatoriamente explicados pelo proprietrio ou comandante, a presena de tais equipamentos constituiria base suficiente para condenao; isto , os navios seriam tratados como se o ato para o qual estavam equipados j tivesse sido cometido. Poucas naes j estavam, porm, preparadas para concederem Marinha britnica direitos to amplos para interferir com a sua navegao mercante. Em todo caso, argumentava-se, no era injusto deixar de fazer distino entre a inteno de cometer um crime e o prprio crime? Durante os anos de 1822-23, Espanha, Holanda e Portugal finalmente assinaram artigos adicionais aos seus tratados contra o comrcio de escravos com a Gr-Bretanha, pelos quais navios podiam ser detidos desde que houvesse prova clara e inegvel de que escravos embarcados em reas proibidas (isto , ao norte do Equador s no caso de Portugal) tivessem estado a bordo por algum tempo durante a viagem do navio. Em suma, os navios podiam ser apresados depois de terem desembarcado as suas cargas. Mas dos trs, s a Holanda, cuja bandeira j tinha quase desaparecido do comrcio em conseqncia dos esforos das autoridades holandesas, estava disposta a permitir a captura de navios que estavam apenas equipados para o trfico.5252 Tra ta do an glo-es pa nhol, 10 de dezembro de 1822, B. F. S. P. xi. 713-14; tratado anglo-holands, 31 de dezembro de 1822, B. F. S. P. x. 554-7; tratado an glo-portugus, 15 de maro de 1823, B. F. S. P . xi. 23-6 e Pereira Pinto i. 191-3; tratado anglo-holands, 25 de janeiro de 1823, B. F. S. P. x. 557-61. Em novembro de 1824, a Sucia firmou um tratado de busca que in clu a uma clu su la de equipamento. Ilegal desde 1813, o co mr cio de es cra vos j no era pra ti ca do sob a ban de i ra su e ca e, nas circunstncias, no se considerou ne ces s rio es ta be le cer qua is quer co misses mis tas an glo-su e cas.

46 Leslie Bethell Durante todos esses anos, duas grandes naes martimas, a Frana e os Estados Unidos, que tinham ambas proibido o comrcio de escravos, recusaram-se firmemente a conceder Gr-Bretanha sequer o direito limitado de dar busca em navios suspeitos de efetivamente terem escravos a bordo. Como Canning disse a Wellington em outubro de 1822, na questo do comrcio de escravos a Frana era hostil, os Estados Unidos mornos, seno indiferentes. 53 Como resultado de suas experincias durante as Guerras da Revoluo Francesa e durante a Guerra de 1812, quando o direito de busca tinha sido usado abusivamente para fins de recrutamento forado de marujos, os Estados Unidos tornaram-se os mais articulados campees dos direitos martimos e da liberdade dos mares. Apesar disso, em 13 de maro de 1824, depois de longas negociaes, foi assinada em Londres uma conveno pela qual a Gr-Bretanha e os Estados Unidos concordaram em considerar o comrcio de escravos como pirataria, embora no tivesse ainda sido declarado tal pelo direito internacional, tornando assim os navios de escravos americanos e britnicos passveis de busca e captura por navios de patrulha ingleses e americanos embora devessem ser entregues aos seus prprios tribunais para adjudicao. No Senado dos Estados Unidos, entretanto, a questo de um tratado contra o comrcio de escravos complicou-se com o problema da escravido domstica, e a Conveno de 1824 nunca foi ratificada. 54 Por outro lado, o Executivo dos Estados Unidos, armado com uma legislao mais estrita contra o comrcio de escravos e temporariamente em condies de mandar uma pequena fora naval americana para a costa ocidental da frica, teve considervel xito em impedir a importao de escravos nos Estados Unidos, apesar da crescente procura por escravos nos estados algodoeiros e, momentaneamente pelo menos, controlou o uso de navios e da bandeira americanos no comrcio internacional de escravos. 55 Durante os anos 20, a Frana tambm passou e aplicou legislao mais severa contra o comrcio de escravos e reduziu a propores insignificantes o nmero de escravos importados em53 54 55 Canning para Wel ling ton, 10 de ou tu bro de 1822, ci ta do em Fla de land,op. cit., pg. 372. So bre as ne go ci a es an glo-americanas con tra o co mr cio de es cra vos nes se pe ro do, ver Soulsby, op. cit ., pgs. 15-38; Ban di nel, op. cit ., pgs. 176-91. Peter Duignan e Clarence Clen de nen, The United Sta tes and the Afri can Sla ve Tra de, 1619-1862 (Stanford, 1963), pgs. 28-30; Warren S. Ho ward, American Slavers and the Federal Law, 1837-1862 (Univ. of California Press, 1963), pgs. 26-7, 30.

Sumrio

A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos 47 Martinica e Guadalupe, embora a ausncia de um tratado sobre direito de busca com a Gr-Bretanha e de uma flotilha francesa permanente na costa da frica possibilitasse aos traficantes de outras naes fazer uso da bandeira francesa, por exemplo, no comrcio cubano. 56 At meados dos anos 1820, quase vinte anos depois de terem sido tomadas as primeiras medidas efetivas para a abolio do comrcio transatlntico de escravos, poucos ou nenhum escravo africano estava sendo importado nas ndias Ocidentais britnicas, francesas e holandesas, nas no vas repblicas americanas ou at no sul dos Estados Unidos. Havia ainda, porm, um comrcio amplo e completamente ilegal da frica (dominantemente da costa ocidental da frica ao norte do Equador) para as colnias aucareiras espanholas de Cuba e Porto Rico. Numa escala ainda maior e crescente na maior parte legal e, apesar da captura de um nmero de navios de escravos portugueses navegando ao norte do Equador por navios de guerra da esquadra britnica da frica Ocidental,57 praticamente tranqilo continuava o comrcio de escravos da frica (e especialmente da frica portuguesa ao sul do Equador) para o Brasil, que em 1822 declarara sua independncia de Portugal.

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Bandinel, op. cit., pg. 172; Herrington, tese no publicada, pgs. 151-5. Dois foram condenados e um liberado pela comisso mista anglo-portuguesa sediada em Freetown em 1820; quatro condenados e um liberado em 1821; dois condenados e dois liberados em 1823; 5 condenados em 1824; quatro condenados em 1825. Apenas um navio o Emilia, con de na do em agosto de 1821 compareceu comisso mista no Rio de Janeiro du ran te es ses anos; sobre este caso, ver Man ches ter, op. cit., pgs. 180-3.

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Sumrio

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Captulo IIINDEPENDNCIA E ABOLIO, 1822-1826

independncia do Brasil foi essencialmente o resultado de uma tentativa impossvel de Portugal durante os anos 1821-22, em seguida ao regresso de Dom Joo a Lisboa, depois de uma ausncia de treze anos de recuar no tempo e reduzir o Brasil, poltica e economicamente, sua situao anterior de colnia. O Brasil tinha, desde a fuga da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1807-8, progredido a um ponto em que qualquer coisa menos do que a completa igualdade poltica e econmica com a me-ptria j no seria aceitvel: os portos brasileiros tinham sido abertos ao comrcio mundial e especialmente britnico e o influxo de nova gente, novo capital, no vas idias tinham estimulado o desenvolvimento econmico e a modernizao; o Brasil tinha sido governado a partir do Rio de Janeiro, no de Lisboa na verdade, desde dezembro de 1815, seu status tinha sido o de um reino igual a Portugal; o desenvolvimento de uma conscincia nacional brasileira tinha-se acelerado consideravelmente. Portanto, quando Portugal se mostrou intransigente na sua exigncia de uma capitulao

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50 Leslie Bethell do Brasil frente autoridade portuguesa, muitos brasileiros e alguns portugueses cujas razes e interesses estavam agora no Brasil no viram alternativa a uma secesso do imprio portugus. Deixado para trs no Rio de Janeiro como prncipe regente, o filho mais velho de Dom Joo, Dom Pedro, de vinte e quatro anos, escolheu liderar o crescente movi mento pela independncia em vez de ser esmagado por ele, jogando a sua sorte com os brasileiros. Quando ordenado a regressar para Portugal, recusou-se a faz-lo. Fico, anunciou em 9 de janeiro de 1822. Da por diante, orientados nos estgios ulteriores pelo eminente paulista Jos Bonifcio de Andrada e Silva, os acontecimentos moveram-se rapidamente no sentido de uma completa rutura com Portugal at que finalmente, em 7 de setembro de 1822, s margens do Ipiranga, perto de So Paulo, Dom Pedro proclamou Independncia ou Morte. Uma vez declarada a independncia, a debilidade militar e financeira da metrpole era tal que nunca se colocou a questo de ela ser capaz de reafirmar pela fora sua autoridade sobre o Brasil, embora tenha sido necessria uma curta Guerra da Independncia para remover as tropas e a esquadra portuguesas estacionadas na Bahia e para garantir a lealdade da Bahia e das provncias setentrionais a Dom Pedro, no Rio de Janeiro. 1 A afirmao pelo Brasil da sua independncia de Portugal teve conseqncias de longo alcance para o futuro do comrcio brasileiro de escravos. Os portugueses tinham declarado repetidamente que s os seus interesses coloniais transatlnticos tornavam impraticvel proibir o comrcio ao sul do Equador. Era, portanto, possvel argumentar, como fez George Canning, que se tornou secretrio de Negcios Estrangeiros uma semana depois de Dom Pedro anunciar a separao do Brasil de Portugal, que a desculpa deste ltimo para no cumprir os compromissos assumidos nos tratados de 1810, 1815 e 1817 (abolir, em alguma data futura, todo o comrcio de escravos) estava agora absolutamente e ipso1 Sobre a in de pen dn cia do Bra sil, ver John Armi ta ge, The History of Brazil from the Period of the Arrival of the Braganza Family in 1808 to the Abdication of Dom Pedro the First in 1831 (2 vols., Londres, 1836); Francisco Adol fo de Var nha gen, His t ria da Inde pen dncia do Brasil, R. I. H. G. B. 79 (1916), 25-594; Ma nu el de Oli ve i ra Lima, O movimento da independncia, 1821-1822 (So Pa u lo, 1922); To bi as do Rego Mon te i ro, Histria do Imprio: A elaborao da independncia (Rio de Janeiro, 1927); Joo Pandi Calgeras, A His tory of Bra zil, trad. Percy A. Martin (Univ. of North Carolina Press, 1939, pgs. 72-83; Alan K. Manchester, Pa radoxal Pedro First Emperor of Brazil, H. A. H. R. xii (1932), pgs. 179-86; Histria Geral da Civilizao Brasileira, tomo II, vol. I, O Bra sil Mo nr qui co. O Pro ces so de Eman ci pa o (So Pa u lo, 1962).

A Abolio do Comrcio Brasileiro de Escravos

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facto ab-rogado e anulado por um acontecimento que abole totalmente o carter colonial dos Brasis. Alm do mais, Canning podia argumentar com justia que todo o comrcio portugus de escravos atravs do Atlntico tornara-se, a partir do momento em que Br