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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I
Salvador - BA
A ABORDAGEM SOBRE A SEXUALIDADE NO CURSO DE
PEDAGOGIA: reflexões sobre os saberes na disciplina Temas
Educativos Transversais I
Tatiane de Lucena Lima 1
Resumo:
Este artigo aborda a discussão sobre sexualidade em um curso de Pedagogia através da
disciplina Temas Educativos Transversais I, cujo enfoque principal é a pluralidade
cultural, as relações de gênero e a sexualidade no cotidiano escolar. Através de pesquisa
bibliográfica e de campo, por meio do grupo focal com estudantes do curso em questão,
percebemos que falta maior apropriação conceitual sobre sexualidade, anterior à
vivência na disciplina, e a necessidade dos atores educacionais dirigirem a devida
atenção ao próprio conceito de sexualidade e de relações de gênero, considerando os
mecanismos de poder que as circunscrevem. Apenas por meio de concepções menos
biologizantes sobre sexualidade no currículo é que podem surgir propostas e práticas
educativas mais contextualizadas às novas necessidades socioculturais contemporâneas.
Palavras-chaves: Sexualidade. Temas transversais. Currículo. Práticas educativas.
1 Introdução
O tema sexualidade na escola via projeto de trabalho, proposta curricular,
intervenção educativa ou manifestação do sujeito, passou a configurar agenda de
pesquisa e de debate nas últimas décadas. Sob o prisma dos temas transversais, essa
abordagem vem ganhando destaque e repercussão no currículo da Educação Básica e da
Educação Superior, no currículo de Pedagogia, em especial.
Como educadora do Curso de Pedagogia de uma instituição particular de ensino
superior e docente da disciplina Temas Educativos Transversais I (TET I), busquei
investigar as concepções sobre sexualidade e relações de gênero das estudantes e suas
implicações nas práticas educativas (atuais ou futuras), bem como avaliar as possíveis
contribuições da disciplina para as estudantes, analisando as concepções sobre
sexualidade e relações de gênero durante e após a vivência na disciplina.
1 Doutora em Educação – Universidade Federal da Bahia. E-mail para contato:
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Para tanto, reuni 9 (nove) estudantes dos dois últimos semestre do curso, sendo
que 4 (quatro) estavam cursando a disciplina em questão, mas, ainda não haviam
discutido a temática da sexualidade, foco central do nosso estudo; enquanto outras 5
(cinco) estudantes eram egressas da disciplina, o que permitiu um estudo comparativo
em relação à real contribuição da disciplina TET I no currículo e na formação de
educadores/ras. Embora não configurasse nosso objetivo central de pesquisa,
identificamos que 50% da amostra atua na Educação Infantil ou nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, seja como educadora (4 estudantes) e coordenadora pedagógica (1
estudante), enquanto a outra metade atua em outras áreas ou não trabalha.
Através da técnica de grupo focal, coletamos informações relevantes para
responder o seguinte problema de pesquisa: Como as estudantes de Pedagogia
compreendem as relações de gênero e sexualidade e vivenciam/vivenciarão suas
práticas educativas nesta perspectiva?
Neste sentido, foi realizada pesquisa bibliográfica tomando como aporte teórico
as obras de Britzman (1998), Louro (1998) e Felipe (1997) etc., além dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (Brasil, 1997) - livro Pluralidade Cultural e Orientação Sexual.
Algumas questões norteadoras balizaram a presente pesquisa, a saber: que
concepções de sexualidade possuem as estudantes concluintes de Pedagogia? O que
entendem por relações de gênero? De que forma os conhecimentos da disciplina Temas
Educativos Transversais I podem contribuir/contribuíram com a prática pedagógica
atual ou futura dessas estudantes? Que intervenções educativas ou propostas
curriculares na perspectiva da sexualidade elas conhecem ou aplicaram em sala de aula?
Buscando responder essas inquirições, este artigo se encontra dividido nas
seguintes seções, respectivamente: 1 Introdução; 2 Concepções sobre sexualidade e
relações de gênero: o que pensam as estudantes de Pedagogia? 3 Propostas e práticas
educativas: a sexualidade em questão; 4 Considerações finais.
2 Concepções sobre sexualidade e relações de gênero: o que pensam as
estudantes de Pedagogia?
A sexualidade é inerente ao indivíduo e faz parte da sua vida, pode ser
compreendida como “[...] a base da curiosidade, a força que nos permite elaborar e ter
ideias, bem como o desejo de ser amado e valorizado à medida que aprendemos a amar
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e a valorizar o outro” (BRITZMAN, 1998, p. 162). Desse modo, podemos perceber que
a sexualidade possui expressão no corpo, no substrato do inconsciente, nas formas
culturais, na construção das identidades. Nesta perspectiva, as estudantes de Pedagogia
explicaram:
Eu penso que sexualidade são descobertas que o ser humano faz em si próprio. Tanto
com o seu corpo, com a sua maneira de agir, a maneira do seu ver, que vai depender
muito do seu psicológico, do que tá, do seu intrapessoal2. (E
3)
[...] Sexualidade é uma construção do seu eu. É você botando para fora toda sua
maneira de ser, de agir, e de viver. (E1)
Sexualidade é uma construção de identidade do indivíduo, em termo de sua opção
sexual. (E2)
As narrativas abordam a sexualidade como descoberta de si mesmo, como
expressão do sentir, pensar e agir humanos, construção do “eu”, da identidade. Indica
que a sexualidade se configura na multidimensionalidade dos aspectos físico,
psicológico, social, existencial, político e cultural do indivíduo.
Segundo Foucault (1993), a sexualidade é um dispositivo histórico e relaciona-se
[...] à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a
intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos
conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências encadeiam-se uns
aos outros, segundo algumas estratégias de saber e de poder (FOUCAULT,
1993, p. 100).
Diferente desta perspectiva, outras estudantes que ainda não haviam se
apropriado da abordagem da sexualidade no currículo apresentaram concepções
biologizantes em relação ao tema:
Sexualidade para mim é o ato entre uma mulher e um homem, ou do mesmo sexo.
Desde que exista respeito comum aos dois. (E4)
Sexualidade para mim trata do indivíduo. Da pessoa, homem, mulher, sexos opostos.
(E3)
É uma construção biológica do ser humano. (E5)
2 Foi mantida, com fidelidade, a linguagem utilizada pelos estudantes em suas narrativas orais.
3 A letra indicativa “E” significa entrevistada no grupo focal.
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Nesse caso, de modo equivocado, a sexualidade aparece como sinônimo de ato
sexual entre pessoas, o que deturpa a noção até então discutida neste trabalho. Nas
demais narrativas, a sexualidade é compreendida como sexo (feminino ou masculino)
ou mesmo como construção apenas biológica. Não podemos negar que a sexualidade
possui um aspecto biológico/físico, que se manifesta através de um corpo sexuado, mas,
utilizando as palavras de Weeks (1993, p. 26), “a sexualidade tem tanto a ver com as
palavras, as imagens, o ritual e a fantasia como com o corpo”. Desse, modo, precisamos
incorporar em nosso mapa cognitivo que a sexualidade possui aspectos subjetivos,
libidinais, históricos, sociais, culturais, etc. que influenciam, sobremaneira, a
representação que se tem e se constrói sobre a própria sexualidade e sobre o corpo ao
longo da trajetória da humanidade.
Cabe considerar que a sexualidade envolve não apenas corpo, mas, um conjunto
de crenças, condutas, relações e identidades que são construídas social e historicamente.
Neste sentido, criticamos a discussão sobre sexualidade evidenciada nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), que centra a discussão em torno das doenças
sexualmente transmissíveis, a exemplo da AIDS, e a gravidez indesejada na
adolescência. Por outro lado, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil, traz uma relevante noção sobre a sexualidade:
[...] tem grande importância no desenvolvimento e na vida psíquica das
pessoas, pois independentemente da potencialidade reprodutora, relaciona-se
com o prazer, necessidade fundamental dos seres humanos [...] (BRASIL,
1998, p. 17).
Assim como a sexualidade, as identidades só podem ser compreendidas se
contextualizadas aos aspectos biológicos, psicológicos, sociais e simbólicos, já que a
individualidade do sujeito pressupõe a representação. Segundo Silva (2000), a
representação proposta pela análise cultural enfatiza:
[...] a cumplicidade entre representação e poder [...] sem negar que a
mudança de atitude possa ter um algum papel numa estratégia política global,
o interesse da análise cultural está centrado nas dimensões discursivas,
textuais, institucionais, da representação e não nas dimensões individuais,
psicológicas. (SILVA, 2000, p. 21)
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O fato dos sujeitos poderem vivenciar a sua sexualidade de diferentes formas,
desejos e prazeres sexuais, não podemos ignorar as interrelações entre sexualidade,
identidades de sexo e identidades de gênero. No quadro dessas ideias, a maioria das
estudantes expressou a sua opinião sobre as relações de gênero, apresentando
argumentos condizentes com a compreensão que se tem atualmente sobre o tema no
âmbito das teorizações acadêmicas, embora duas estudantes não inferissem sobre o
tema.
Relações de gênero são as relações que designam a masculinidade universal ou a
feminilidade universal.(E5)
[...] eu penso que as questões de gênero são as construções que o indivíduo faz sobre
aquilo que ele é e o que ele quer ser, sobre as suas opiniões, as suas decisões. Questões
de gênero é [...] a construção daquilo que eu tenho que ser, ou que eu quero ser, de
acordo com o meio, de acordo com as minhas convicções, as minhas opiniões. (E9)
Gênero é como na sexualidade, é a sua construção do que você quer ser. Do seu jeito
de ser. No seu viver. Ou você pode ser uma mulher que tem pensamento de homem, ou
você pode ser um homem com seus pensamentos femininos. Isto é gênero! É a
construção do que você quer ser na sua cabeça. (E1)
Relações de gênero é tudo que as meninas acabaram de falar... Só que o homem ele
vem pra ser homem, e a mulher vem pra ser mulher. Só que isso aí, agente tem a
relação, ou seja, a mulher pode ter atitude de um homem, viver como homem, e ser
mulher, ou vice-versa. Hoje o mundo está assim, o homem ele assume que gosta de
coisas que a mulher gosta, que antigamente não aceitavam, né? Existia o machismo, e
hoje isso esta mudando. (E8)
Esta última narrativa apresentou, inicialmente, uma visão centrada no corpo
sexuado ao dizer: “[...] o homem... ele vem pra ser homem, e a mulher vem pra ser
mulher”, referindo-se a certo determinismo biológico, que garantiria, em primeira
instância, a identidade de gênero. Sabemos, pois, que a identidade de gênero, difere da
identidade de sexo. A primeira refere-se a um sistema de signos e símbolos denotando
relações de poder e hierarquia, enquanto a segunda, pode ter muitos significados, entre
eles: se “referir a biologia de um indivíduo” (SCHIENBINGER, 2001, p. 47). Na
sequência, a mesma narrativa enfatizou: “[...] só que isso aí... agente tem a relação, ou
seja, a mulher pode ter atitude de um homem, viver como homem, e ser mulher, ou vice-
versa.”, referindo-se ao aspecto relacional que envolve gênero, isto é, a construção das
identidades de gênero.
Desse modo, questionamos às estudantes a relação entre sexualidade e relações
de gênero, que culminaram nas seguintes respostas:
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A sexualidade está relacionada às relações de gênero de forma harmônica. A
sexualidade tem haver com abrangência biológica, a questão biológica do ser, e as
relações de gênero está relacionada às questões normativas de ser. (E5)
Para mim, estão relacionadas da seguinte forma, que sexualidade é biológico, e gênero
é mente. (E1)
Para mim a sexualidade, e gênero tão ligados, né? Porque para existir a sexualidade
precisa existir o gênero, ou seja, um tem que respeitar o espaço do outro, sabendo que
cada um tem a sua escolha. (E4)
Sexualidade e gênero estão ligados, porque para haver sexualidade, tem que existir o
gênero masculino e feminino. (E3)
Deste modo, as narrativas apontam que a vivência da sexualidade e das relações
de gênero são indissociáveis e interdependentes na trama das inter-relações humanas. A
forma como os indivíduos vivenciam a sua sexualidade constituem as suas identidades
sexuais, pois denotam suas preferências e desejos ao escolher pessoas do mesmo sexo
ou do sexo oposto para vivência da sua sexualidade. De outro lado, o sujeito também se
identifica como masculino ou feminino e assim constrói a sua identidade de gênero,
permeadas por relações de poder/saber. Justamente por isto, as identidades sexuais e de
gênero estão intimamente inter-relacionadas (LOURO, 1998).
De modo geral, embora variáveis, as identidades de gênero são construídas a
partir do referencial biológico, delimitando a masculinidade e a feminilidade. Os
modelos de menina e menino são ensinados desde a tenra idade. Segundo Passos (1999,
p. 111), de modo explícito ou inconsciente, o menino, aprende a parecer-se com o pai,
com o “[...] macho concretizado na figura do provedor, seguro e justiceiro [...]”, já a
menina, deve identificar-se com a mãe e conquistar características como docilidade,
dependência e insegurança.
Essas características estereotipadas se assentam no regime da
heterossexualidade, que advém do engessamento e regulação de comportamentos e
valores como se eles tivessem um sexo próprio, autodefinido. Para Butler (2001, p.
170), a norma da heterossexualidade “[...] atua para circunscrever e contornar a
‘materialidade’ do sexo e essa ‘materialidade’ é formada e sustentada através de – e
como – uma materialização de normas regulatórias que são, em parte, aquelas da
hegemonia sexual”, ou melhor, da hegemonia da heterossexualidade. Assim, a
materialização dessas normas pelos sujeitos exigem processos identitários pelos quais as
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regras são assumidas ou apropriadas; e essas identificações precedem a formação de um
sujeito, ao tempo em que também a produz.
É notório que a nossa cultura está implicada no investimento daquelas
identidades consideradas mais “adequadas” ou “normais”. Ainda que existam
fragilidades e contradições em tal investimento, as pessoas e as instituições insistem em
reproduzir e também fixar uma identidade masculina ou feminina dita “normal”, o que
acaba relacionando as identidades de gênero “normais” a um modelo específico de
identidade sexual: a heterossexual (LOURO, 1997).
Essas diferenças constituem as nossas experiências formativas que foram
engendradas com base em relações de gênero. Flax (1991) explica que elas abrangem
um conjunto complexo de relações sociais, bem como se refere a um conjunto mutante
de processos sociais historicamente variáveis.
As tensas relações de gênero são atravessadas pelo poder e dominação que as
regulam. Na perspectiva de Foucault (1985, p. 14), entende-se poder como “[...] uma
rede de dispositivos ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa”. O poder é exercido
pelo controle do corpo com propósito da integração de pessoas “dóceis” e “produtivas”
a um determinado sistema.
As relações de gênero constituem as mais primitivas relações de poder. Elas se
constituem através de redes de poder e são, ao mesmo tempo, constituintes dessas redes;
elas são imanentes e representam efeitos imediatos das partilhas, desigualdades e
desequilíbrios que se produzem nas mesmas e, reciprocamente, são as condições
internas destas diferenciações, por isso não se encontram em posição de exterioridade
conforme outros tipos de relações como, por exemplo, relações de conhecimentos,
relações sexuais e processos econômicos. Assim consideradas do ponto de vista
acadêmico, as relações de gênero tornou-se objeto de análise e questionamento na
academia, ao tempo em que contribuiu para o novo pensar sobre a mulher na sociedade,
com repercussões evidentes na atualidade.
3 Propostas e práticas educativas: o tema da sexualidade no currículo de
Pedagogia
A abordagem curricular sobre o tema da sexualidade no curso de Pedagogia
investigado ocorre na disciplina Temas Educativos Transversais I, cuja proposta é o
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estudo da transversalidade no currículo escolar, com enfoque nos temas transversais
apresentados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, a
exemplo da pluralidade cultural e orientação sexual. Um dos objetivos da disciplina é,
justamente, abordar as relações de gênero e sexualidade no cotidiano escolar,
apresentando conceitos fundamentais, evidenciando práticas educativas sob este prisma
e seus desafios.
A disciplina busca contextualizar tais discussões com os Estudos culturais na
vertente pós-estruturalista e alguns fundamentos Foucaultianos, como os apresentados
na primeira seção deste trabalho, para ampliação dos fazeres e projetos educativos nesta
perspectiva. Destaca-se uma unidade do currículo para abordar gênero e conceitos
correlatos; sexualidade: conceito associados e contextos históricos; diversidade sexual;
desenvolvimento psicossexual infantil; e educação sexual na escola.
De modo geral, na visão das estudantes, a disciplina TET I contribui/contribuiu
para a formação docente na perspectiva da diversidade no tocante a compreensão sobre
gênero e sexualidade, fornecendo referencial teórico sobre os temas, bem como abriu
possibilidades para discussão sobre a prática pedagógica anti-sexista, democrática e
cidadã, voltada para a abordagem da Educação Sexual nas escolas.
Durante o grupo focal, as estudantes foram questionadas sobre o preparo do
curso para lidar com situações que envolvem sexualidade e gênero em sala de aula.
Declararam, de maneira unânime, que a depender da situação e de tipo de intervenção
educativa pode surgir insegurança, embora as respostas tenham oscilado
proporcionalmente entre o preparo ou o despreparo para abordar a sexualidade na
prática educativa, conforme narrativas a seguir:
Eu digo que sim, porém, abro uma aspas para o não, depende da situação em que esse
aluno me coloque no qual eu esteja ou não preparada para ela. [...] Tem situações que
é uma saia justa para o professor. Quando a criança traz para agente algum termo ou
alguma situação voltada para o ato sexual, se agente tem que tá situando ele na
realidade, agente tem que tá tendo uma espera daquele amadurecimento da criança,
porque muitas vezes agente choca com certas informações, que na verdade não era nem
o que ele tava falando. Agente antecipa ou que não deveria ser antecipado (E7).
Eu não me vejo preparada pra trabalhar esse assunto, porque assim, você ver que até
em músicas, os termos, eles levam para sala de aula e agente fica sem graça na hora de
explicar... Eu não me sinto preparada pra falar sobre algumas coisas, né?
relacionando ao conteúdo de sexualidade.(E3)
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Agente pode pensar “estou preparado teoricamente”, eu tenho um arcabouço teórico
que vai me trazer informações para situações diversas, mas, tudo depende das fases,
criança tem a sua fase, criança tem o seu tempo, o seu momento de desenvolvimento na
questão da aquisição do conhecimento, do autoconhecimento.(E5)
Então, agente ter tabu com agente sobre falar sobre sexo é ruim, agente tem que
encarar, conversar com ele abertamente; dependendo da idade, tudo bem, agente
sabe... Mas ela já tem informação... (E4)
Eu acredito que eu não tô preparada, até porque eu preciso primeiro trabalhar em mim
alguns tabus, e também tem esta questão de não saber o equilíbrio, entre o que eu vou
falar, e o que eu não devo falar, entende? (E6)
Podemos observar nas narrativas acima que, apesar da teorização acadêmica
sobre sexualidade conquistada em TET I, no caso das estudantes egressas, é evidente a
insegurança para lidar com certas situações que exigem a manipulação de informações e
as devidas intervenções sobre sexualidade na infância, especialmente considerando a
faixa etária da criança. São fontes de inquietação das estudantes questões como: de que
maneira devo responder tal dúvida sobre sexualidade para a criança em determinada
faixa etária? Será que posso antecipar uma determinada informação para aquela
criança? Que estratégias utilizar para abordar essa temática de modo construtivo e
democrático?
O tema da sexualidade é complexo porque se articula às concepções de vida
dos/as educadores/as, as limitações apresentadas em forma de tabus, a construção de
suas identidades de sexo e de gênero, à vivência da sua própria sexualidade e
descobertas, portanto, implica também um processo formativo, sobretudo,
autoformativo para o indivíduo.
Assim, discutir a formação ou autoformação é adentrar um campo de
subjetividades, de atribuição de significados; é tratar da tessitura de um fenômeno e as
multirreferencialidades inerentes. De maneira deturpada, a formação ainda hoje é
associada à capacitação, preparação, armazenamento de informações, ou mesmo
educação. Por outro lado, a formação perspectivada por Macedo (2010, p. 50), da qual
comungo:
[...] se realiza na existência de um ser social que, ao transformar as
experiências significativas, os acontecimentos, informações e conhecimentos
que o envolvem e envolvem suas relações nas suas itinerâncias e errâncias
aprendentes, ao aprender com o outro, suas diferenças e identificações
(heteroformação/ transformação), consigo mesmo (autoformação), com as
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coisas, os outros seres e as instituições (ecoformação), emergirá formando-se
na sua incompletude infinita, para saber refletir, saber-fazer, e saber-ser,
como realidades inseparáveis, em movimento, porque constantemente
desafiados.
Nesse veio, não se pode pensar a heteroformação ou a autoformação
desvinculadas da crítica, especialmente do papel da crítica na formação dos sujeitos.
Ardoino (2006) nos diz que a crítica em educação nos leva a revisitar e interrogar (como
que numa visão 360 graus), as convenções, as denominações, os territórios demarcados,
muito facilmente aceitos, implicando em confrontações de valores, de cosmovisões,
filosofias de vida e ideologias, isso porque leva em conta as contradições e injustiças
sociais que atravessam, inclusive, a educação, sua luta pela possibilidade de
emancipação e as utopias progressistas.
A crítica na educação só pode ser realizada quando a educação é vista como um
ato político, um ato de cidadania. Para tanto, a problematização das coisas, das pessoas,
dos processos institucionalizados, dos valores e visões cristalizados, especialmente
sobre as questões de gênero e condição feminina na sociedade contemporânea, precisam
ser desnaturalizada, descoisificada.
Em relação à sexualidade, deve-se fazer a crítica considerando todos os
dispositivos informacionais, a exemplo dos veículos de comunicação, especialmente,
sobre a forma pela qual abordam a sexualidade, a linguagem, considerando, sobretudo,
os conteúdos implícitos, nos gestos, valores e atitudes, que formam a mentalidade de
uma geração. É evidente nas narrativas a seguir o poder e influência da mídia na
construção da sexualidade do indivíduo.
Se você parar para assistir Malhação, Malhação ensina tudo, desde a usar camisinha,
a o ato em si, e a relação. Então uma criança de 5 anos ela vai assistir Malhação 17h,
canal aberto.(E4)
Então, ao você analisar, você não pode esconder dele, porque hoje você tem internet, o
facebook mostra muito, então, ele já sai dali com a informação que ele quer, ele só vai
lhe testar. Então, você tem que dar um passo a frente dele. Então, agente ter tabu com
agente sobre falar sobre sexo é ruim, agente tem que encarar, conversar com ele
abertamente; dependendo da idade, tudo bem, agente sabe... Mas ela já tem a
informação do que ele quer saber. Então, agente tem que dizer a ele, é por aqui. O
tempo é esse, ele vai entender, ele vai associar. O amadurecimento dele vai surgir com
o tempo, mais é agente que tem que quebrar este tabu, que a criança ela sabe o que ela
quer, por mais que ela não sabe o que é o ato sexual em si, mas ela sabe, televisão
ensina tudo. (E4)
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Felipe (2001) explica que vivemos em um momento em que as crianças têm tido
amplo acesso à informação. A mídia, através das propagandas, novelas, minisséries,
programas de TV, inclusive aqueles dirigidos ao público infantil têm procurado explorar
com bastante frequência cenas erotizadas dos mais diversos tipos. Alguns programas
abordam a sexualidade de forma jocosa e discriminatória. Outro aspecto que merece
atenção diz respeito às imagens das mulheres transmitidas pelos veículos de
comunicação, quando não aparecem associadas a um mero objeto sexual, são retratadas
de forma infantilizada, a exemplo das apresentadoras de programas infantis.
Por fim, as alunas relataram experiências sobre sexualidade vivenciadas em suas
práticas educativas que permitiram reflexão e apropriação sobre a sexualidade na
infância.
Já tive experiência da criança se masturbar, mas minha leitura foi assim, tá
atrapalhando a concentração dele, porque não é a hora dele se masturbar. É lindinho
que a criança descubra o seu corpo, o prazer que este corpo pode proporcionar. Acho
isto fantástico, mas não tava na hora de se masturbar, tava na hora de fazer atividade.
Então assim, com jeitinho agente traz aquela criança para a atividade ali que pode ser
tão prazerosa quanto... É difícil concorrer... (risos) (E8)
Em relação a criança de 3 anos que no caso havia tanto um banheiro para meninos,
quanto para as meninas, e ele perguntou, porque ele fazia xixi em pé, e a colega
sentada. Então, veio toda esta questão, porque ele tinha um pênis... A questão
cientifica. A gente trata do nome cientifico, por que? Porque o nome é esse, e ele tinha
fisiologicamente, ele podia ficar em pé, fazer xixi. Ela como é uma menina não podia,
ela teria que sentar, para não sujar as pernas, não sujar o sapato, então, ela sentava
para fazer xixi. Pedi a ele: você quer tentar fazer xixi sentado? Ele tentou. Não sei se
por ter o exemplo do pai em casa, ele não conseguiu. Ele disse: não pró, eu quero fazer
em pé, e fez o xixi em pé. (E7)
Uma criança estava sem saber o que realmente ele era, se ele era menino, ou se ele era
menina, e aquela coisa de não querer não entrar de banheiro de menino, porque ele
queria entrar no banheiro das meninas, agente teve que parar para fazer uma
intervenção, conversar com a criança e a família... (E9)
Narrativas como estas apresentam situações cotidianas relacionadas à
sexualidade com as quais muitos professores se deparam, muitas vezes, utilizam a
intuição, os conhecimentos e as vivências. Sobre a sexualidade na escola, Franco e
Fagundes (2001) destacam um aspecto central: o “[...] tratamento transversal às
questões relacionadas ao gênero e à sexualidade, ligadas apenas aos Programas de
Educação Sexual. Ainda assim, isso pode ser considerado uma vitória, conquistada
pelas lutas promovidas por grupos de educadores [...]”, entretanto, a discussão deste
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tema deve se ampliar às disciplinas (ex.: ciências) e aos projetos interdisciplinares. Tais
ações, no âmbito curricular, auxiliam no esclarecimento das questões que envolvem a
sexualidade para crianças, bem como corroboram para desmistificar que escola não é o
espaço para discutir sexualidade.
De modo geral, destaca-se a atenção para o trabalho pedagógico com a temática
sexualidade e gênero nas diversas áreas do conhecimento e atividades curriculares,
como citado pelos professores em suas narrativas: no teatro, nos estímulos imagéticos
(filmes, imagens), na literatura (clássica estória infantil do lobo-mau), na cultura
popular (brincadeiras), nas habilidades cognitivas (leituras e produções textuais), no
contexto das relações sociais e na relação família-escola.
Esses elementos são fundantes para a promoção de tempo-espaço que privilegie
as relações igualitárias entre as diversas identidades sexuais, a fim de que as futuras
gerações possam usufruir de concepções e práticas mais libertárias, autônomas e
humanas.
Considerações finais
Através de pesquisa realizada, depreendemos que falta maior apropriação
conceitual sobre sexualidade anterior à vivência na disciplina, tomando-a como uma
construção histórica e cultural circunscrita em comportamentos, linguagens,
representações, crenças, identidades, permeadas por estratégias de poder/saber. Por
outro lado, as demais estudantes apontaram a compreensão da sexualidade como
descoberta de si, como expressão do sentir, pensar e agir humanos, construção do “eu”,
da identidade, considerando a sua multidimensionalidade em seus aspectos físico,
psicológico, social, existencial, político e cultural do indivíduo.
Em relação aos projetos realizados nas escolas sob o enfoque da sexualidade,
aferimos crítica àqueles que centram discussão nas doenças sexualmente transmissíveis
e AIDS, sem dirigir a devida atenção ao próprio conceito de sexualidade e as relações
de gênero e poder que a circunscreve. Apenas por meio de concepções menos
biologizantes sobre sexo e sexualidade nas escolas é que podem surgir propostas
educativas contextualizadas às novas necessidades socioculturais contemporâneas.
Portanto, nos resta assumir um compromisso político permanente com uma
prática crítica e reflexiva que atenda a diversidade de identidades, bem como um olhar
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sistêmico para lidar com comportamentos que expressam exclusão em função das
diferenças, das desigualdades sexuais e de gênero no espaço educativo. Pois, por mais
que pareça relegado o nosso propósito, cabe-nos sempre esforço político, autodisciplina
e o desejo de mudança. Este, a nosso ver, constitui um desafio do qual não devemos
escapar.
Referências
ARDOINO, J. De l’intention critique. Pratique de Formation-analiyses, n. 43, março de
2006, 5-12.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: formação pessoal e social.
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15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I
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