a alegria e a tristeza análise das expressões faciais na...
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A ALEGRIA E A TRISTEZA
Análise das expressões faciais na diligência do Retrato
José Carlos Catraio Minderico
Dissertação
Mestrado em Anatomia Artística
Especialização em Desenho Anatómico
2015
A ALEGRIA E A TRISTEZA
Análise das expressões faciais na diligência do Retrato
José Carlos Catraio Minderico
Dissertação orientada pelo Prof. Doutor José Artur Ramos
Mestrado em Anatomia Artística
Especialização em Desenho Anatómico
2015
Resumo
A manifestação de uma expressão facial surge no primeiro instante em que nascemos.
Ela é a primeira forma de contacto do nosso interior com o exterior e é através dela que
reagimos e nos afirmamos.
Através do Retrato, a Arte traduz a cumplicidade do pensamento que vai desde a
observação à execução de uma expressão do rosto humano. Cumplicidade de quem olha o
outro, o traduz desde várias temáticas consolidando-as numa imagem de alguém “capaz de
ultrapassar as barreiras do tempo e do lugar”, como citado por Plínio.
Este estudo foca-se essencialmente nos mecanismos presentes na diligência de um
Retrato, desde o ponto de vista construtivista e formal, estabelecendo as bases para o
Desenho das expressões faciais, sem estabelecer referências de espaço nem de tempo ao
resultado final.
Através da observação analítica da acção do rosto em três variações de duas expressões
faciais opostas, como a Alegria e a Tristeza, este trabalho identifica as alterações originadas
no rosto ocorridas em três vistas distintas do Retrato e tenta reproduzi-las em duas
representações a partir de um encontro com o modelo.
Palavras-chave: Retrato; Desenho; Expressões Faciais; Alegria; Tristeza
Abstract
The manifestation of facial expression occurs in the first moments after birth. It is in
this way that our inner self connects with the outside world for the first time and it is through
this manifestation that we react and claim our status.
Through Portraiture, Art translates the complicity of thought between the observation
and the making of a human facial expression. The complicity of seeing the other,
transforming them from the perspective of different disciplines and congregating an image
“capable of breaking the boundaries of time and place”, as Pliny wrote.
This study is focused mainly on the mechanisms present in the construction of a
portrait, from its constructive and formal approach, establishing the basis for facial
expression representation without relating the final results to any time or space references.
Observing analytically the action of three variations of the expressions of Happiness
and Sadness, this work identifies the face changes in three distinct views used in Portraiture
and strives to replicate the results in two expression variations taken from the initial model´s
drawing session.
Key words: Portraiture; Drawing; Facial Expressions; Happiness; Sadness
Agradecimentos
A realização desta dissertação assinala mais um importante momento da minha vida.
A dissertação, presente nos últimos meses, ficou marcada por constantes dúvidas, anseios e
obstáculos colocando à prova as minhas capacidades. Nestes dois anos do Mestrado de
Anatomia Artística da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, foram muitas as pessoas que
contribuíram para o culminar desta dissertação, e é a quem dedico este trabalho.
Mais especificamente, deixo o meu agradecimento ao meu orientador, o professor
Artur Ramos, pela motivação que me imprimiu em cada encontro e pela partilha do seu vasto
conhecimento da Arte do Retrato, algo que estará sempre em mim.
À coordenadora do mestrado, profª Isabel Ritto, aos professores e colegas de
mestrado, deixo uma nota de agradecimento pela forma como me receberam e me
acarinharam desde o primeiro dia, ficando com a fortuna de poder chamar alguns de amigos.
Aos meus “amigos do peito”, colegas de trabalho e familiares pelas palavras de
incentivo e apoio constantes.
Ao João Brás e ao Carlos Curto, pela imensa disponibilidade e enorme contributo dado
à concretização deste trabalho, que sem eles dificilmente seria possível concretizar.
Aos meus filhos Jonas e Ema, este trabalho é para vocês, com todo o meu amor.
À minha Gaja, Ana Jorge, que percorre comigo este caminho e a quem devo muito.
A todos dedico a minha mais sincera gratidão.
Índice
Resumo ....................................................................................................................................... 5
Abstract ....................................................................................................................................... 6
Agradecimentos .......................................................................................................................... 7
Índice .......................................................................................................................................... 8
Introdução ................................................................................................................................. 10
Capítulo I - O Retrato e as Expressões ................................................................................... 13
Capítulo II – Bases para o Retrato ........................................................................................... 23
Cap. II.I - Antes do Desenho da cabeça humana ...............................................................23
Cap. II.II - A Cabeça Humana ............................................................................................26
Cap. II.III - As Massas, planos e ângulos da Cabeça .........................................................32
Cap. II.IV – A Perspectiva ....................................................................................................36
Cap. II.V- As Proporções da Cabeça ...................................................................................39
Cap. II.VI - Os músculos da Expressão ou da Mímica ......................................................45
Cap. II.VII – A Anatomia de Superfície ..............................................................................48
Cap. II.VIII – As Partes do rosto .........................................................................................52
Cap. II.IX – Os Pontos antropométricos .............................................................................59
Cap. III - Análise da Alegria e da Tristeza. Observação num modelo .................................. 64
Cap. IV- As expressões faciais em Arte, hoje. ......................................................................... 70
Cap.V- Conclusões ................................................................................................................... 75
Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 78
Bibliografia específica ..........................................................................................................78
Bibliografia não-específica ...................................................................................................80
Indíce de Figuras ...................................................................................................................... 84
Apendice ................................................................................................................................... 86
Apendice I- Quadro Miológico ............................................................................................86
Anexo I – Observações Qualitativas do modelo ..................................................................... 88
1. Os princípios básicos das Expressões Faciais ...............................................................88
1.1 -Linhas Horizontais, Expansivas e Convergentes, segundo Humbert de Superville ..........88
1.2 – Os extremos das Expressões Faciais no modelo ....................................................89
2 Malha triangular facial, na Alegria .................................................................................90
2.1 – Vista Frontal ...............................................................................................................90
2.2 – Vista Lateral................................................................................................................91
2.3 – Vista de Treçado ou ¾ ..........................................................................................92
3 Malha triangular facial, na Tristeza ...............................................................................93
3.1 - Vista Frontal ................................................................................................................93
3.2 - Vista Lateral ................................................................................................................94
3.3 - Vista Treçado ou de 3/4 ..............................................................................................95
4 Acção dos Pontos Antropométricos na Alegria ............................................................96
5 Acção dos Pontos Antropométricos na Tristeza ...........................................................97
6 Acção dos músculos na Derme, na Alegria ...................................................................98
7 Acção dos músculos na Derme, na Tristeza..................................................................99
8 Estudos da Expressão de Alegria e Tristeza, desde o retrato do natural .......................100
Anexo II - Súmula Artística de João Manuel Lopes Brás ..................................................... 102
Introdução
A diligência de um Retrato, segundo o ponto de vista do Desenho Académico, apoia-
se na figura dos cinco dedos da mão para definir as etapas da sua realização1. São elas, o
conceito, ou seja, procurar a ideia a retirar do modelo e que consistirá naquilo que o artista
quer transmitir ao espectador; o Esquiço, onde se definem a Composição, as Proporções,
o Movimento e as relações tonais, onde este passo deverá ser livre (mas não de menor
importância em toda a sequência) enquanto o olhar ainda não está cansado e a primeira
impressão do modelo pode ser rapidamente colocada no suporte; a Construção das partes
principais verificando as proporções e a relação anatómica do crânio com a fronte, os olhos,
o nariz, a boca e a sua colocação em relação aos planos da cabeça; e, por fim, o passo final
da restauração das relações tonais, a colocação de detalhes mas tendo sempre em conta ao
ideia básica inicial. De facto, o acto da elaboração de um Retrato antevê um processo
cuidado e rigoroso. Para auxiliar o retratista nesta tarefa, existe um conjunto vasto de
temáticas cuja génese se localiza no mais fundo do ser humano e da sua origem. Aliás, o
Retrato pode ser analisado de inúmeras perspectivas e é esse aspecto que o torna numa
disciplina tão fascinante. Quer seja consagrado desde o ponto de vista subjectivo em temas
como a Beleza ou a Harmonia, objectivo como a Anatomia e a Miologia, o Retrato abraça
esses elementos e assimila-os num só instante que se traduz, geralmente, num Desenho,
pintura ou escultura. É de facto o conhecimento da existência das várias matérias
fundamentais envolvidas no Retrato que dará sentido à prática do Desenho de uma pessoa
por parte de outra. A “praxis” retratista significa, de certa maneira, conseguir atribuir a cada
linha ou mancha desenhada, um sentido, um enquadramento dentro daquilo que o modelo
é, como ser vivo e material, mas também como um ser emotivo com formas de estar e ver
a vida. A procura de fixar numa superfície plana bidimensional o “ar” de alguém, é tão
complexo quanto o sentido da ideia que esta afirmação transmite. Da criação de um
sistemas de ilusões ópticas apoiadas em matérias de conhecimento científico, filosófico,
matemático ou antropológico, o retratista deverá completar uma imagem que faça no seu
resultado final a sensação daquela imagem ter obtido vida e adquirido uma expressão facial
que reconhecemos e nos faz reagir. Mas até chegar ao momento de dar ao modelo uma
expressão de medo, angústia, tristeza ou alegria, existem várias áreas que o retratista deve
estudar. Esta dissertação é, portanto, uma verificação dessas áreas e uma análise qualitativa
dos seus princípios sobre um modelo, de modo que o leitor possa relacionar os dados
1 Lê-se no manual de apoio aos estudantes das disciplinas de pintura do Instituto de Pintura, Escultura e Arquitectura da Academia
Estatal de São Petersburgo Ilya Repin, da Academia de Artes da Rússia. MOGILEVTSEV, “Fundamentals of Drawing- teaching Aid”, 2007
teóricos e bibliográficos nela mencionados de um modo directo, tendo as expressões da
Alegria e da Tristeza como elementos de comparação dos diversos movimentos e acções
do rosto.
O primeiro capítulo enquadra o leitor com os princípios fundamentais do Retrato,
assim como os motivos da expressão através do rosto, da sua importância no contexto
histórico e social em que a humanidade se formou e rege-se e de que forma se inseriu a sua
representação no panorama artístico. A relação que o Retrato tem com a morte e a ausência
de alguém faz desta Arte, um narrador da nossa passagem pelo mundo, quer em
representações joviais e eloquentes quer na honra da velhice e a sabedoria que nela outrora
figurava. Também importa distinguir o que é a emoção e o que se define por sentimento
desde a vertente da neurologia moderna e compará-la com o estabelecimento dos
princípios fisiognomónicos desenvolvidos no séc. XVIII e que deram origem ao estudo
das paixões no âmbito da pintura histórica daquela época tendo-se desenvolvido até finais
do séc. XIX.
O segundo capítulo estabelece algumas considerações prévias à construção de um
retrato, enquadrando a posição do modelo e o modo como as bases teóricas da sua
modelação se aplicam actualmente. Em seguida, descreve as oito áreas de estudo que
definem a base para a representação das expressões faciais. Procurou-se ao longo deste
capítulo identificar os autores que marcaram o estudo de cada uma destas matérias, as obras
mais significativas e os aspectos mais importantes a ter em conta. A constatação prática das
referências bibliográficas é, ao longo de todo o documento, verificada por esquemas
elaborados pelo autor com o objectivo de contribuir para uma melhor compreensão das
matérias e servindo de auxiliar gráfico. É propósito desta dissertação contribuir para a
continuação do Estudo do Retrato, ao tentar proporcionar mais uma fonte de referências
gráficas e bibliográficas válidas para os estudantes e artistas das áreas do estudo do rosto.
Na tentativa de levar a verificação dos aspectos construtivos da cabeça humana e
tentando verificar o modo como as expressões faciais funcionam, descreve-se no capítulo
seguinte um conjunto de observações realizadas num modelo específico. Assim, com a
ajuda do actor João Brás que amavelmente colaborou neste trabalho (ver anexo III),
descrevemos neste capítulo a análise qualitativa da acção de alguns pontos antropométricos
do rosto nas três vistas privilegiadas do Retrato (vista frontal, de perfil e treçado ou de ¾).
Foram elaboradas filmagens em simultâneo do actor descrevendo algumas variações das
expressões da Alegria (sorriso, sorriso falso, riso e gargalhada) e da Tristeza (recebimento
de uma má notícia ou espanto leve, choro e pranto). No caso das expressões de Alegria
partiu-se da expressão de repouso e no caso das da Tristeza a expressão inicial foi a que
podemos chamar de “permanentemente triste”.
O quarto capítulo pretende mostrar a força que o Retrato das expressões tem no
panorama artístico actual e demonstra-o através de três exemplos de artistas que abordam
as expressões faciais de forma tecnológica, abstracta e figurativa. Desde a costa Este à costa
Oeste dos Estados Unidos, até à Coreia do Sul observamos como o Retrato pode ser
entendido e abordado sob aspectos representativos diversos e com uma intensa relação
com o público. Desde a utilização da mais alta tecnologia, à replicação dos elementos ou à
abstracção da cor para sugerir paixões no rosto, o Retrato mantém-se uma Arte poderosa,
pertinente e hábil no modo como nos faz reflectir e ver o mundo.
Por fim, concluímos este trabalho com algumas conclusões às observações realizadas
e com a aplicação destas mesmas observações com um exercício de, a partir de uma sessão
e desenho “tirado do natural”, representar o mesmo indivíduo com uma expressão que
defina Alegria e outra que defina um sentimento de tristeza.
Capítulo I - O Retrato e as Expressões
O Retrato representa uma das mais íntimas formas de arte. Nele existe uma
cumplicidade entre o artista, o modelo e o Desenho que dificilmente vemos noutros
géneros artísticos. Apesar da representação da figura humana e, mais concretamente, do
rosto humano não ser exclusivo do Retrato, é aí que a singularidade do indivíduo é
celebrada. Em géneros artísticos como a Alegoria, para dar um exemplo, a figura não
representa o indivíduo mas, sim, utiliza a figura humana para abordar concepções abstractas
como o tempo, a guerra, a justiça ou o amor. Mesmo noutros géneros, como a pintura
histórica e narrativa, onde o indivíduo aparece representado, este somente o é para ajudar
a contar uma história, para dar enfase a uma ideia que é maior que o sujeito. O Retrato tem
o específico objectivo de celebrar a vida de um indivíduo2, de registá-lo num devido
momento da sua vida e fazê-lo perdurar após a sua morte. A substituição perante a ausência
ou a necessidade de “evitar que o tempo apague a imagem”, são duas das intenções
fundadoras da necessidade do Retrato.3 Esta relação na ausência é verificada já em tempos
longínquos da história humana, como são exemplo os sarcófagos do Egipto romano
(datados do meio do século I) onde se fazia referência à fisionomia do defunto através de
pinturas do rosto na madeira que acompanhava a múmia, fazendo alusão à aparência em
vida da pessoa morta, numa inquestionável demonstração de um Retrato4. Por sua vez, era
também prática comum a elaboração de máscaras fúnebres, indicando claramente um
registo premeditado de uma representação fiel das feições do defunto, numa tentativa de
perpetuação da sua imagem5. Anteriormente, observamos que a escultura do faraó Sesóstris
III (c. 1900 ac- c. 1801ac)6, “mostra um rosto quase ancião e abatido”, (Fig.1) numa
referência que Pedro Azara7 identifica como um reconhecimento e valorização pelo atingir
da velhice8, ao mesmo tempo que é testemunho que as esfinges idealizadas não eram as
únicas formas de representação do Retrato. A procura pela semelhança estava evidente nos
2 ARISTIDES, Juliette, “Classical Drawing Atelier - A Contemporary Guide to Traditional Studio Practice”, New York, 2006, p.
105 3 RAMOS, Artur, "Retrato: o desenho da presença", Lisboa, 2010, p. 13 4 Algumas destas pinturas são conhecidas pelo “não tão correcto termo”, pinturas de Fayum, ao fazerem alusão ao local onde a
pintura de retrato teve o seu maior impulso e onde se encontraram mais destas maravilhosas peças mesmo que o fenómeno tivesse ocorrido em toda a extensão do território egípcio. In Thompsom, David, L., “Mummy Portraits in the j. Paul Getty Museum”, California,1982
5 FEJFER, Jane,“Roman Portraits in Context”, Berlim, Wanlter de Gruyter, 2008, p. 155. 6 Khakaura Senuseret III, ou Sesóstris III foi o quinto faraó da XII dinastia do Egipto, cujo reinado marcou o apogeu do Império
Médio. Faleceu em 1839, a.C. 7 Pedro Azara (Barcelona), arquitecto e investigador, autor do livro “El ojo y la sombra, Una mirada al retrato en Occidente”, de
2002, onde relata a história do retrato desde as suas origens aos nossos dias, destacando” o rosto limpo sem artifícios e alegorias, que olha ao observador”, segundo o editor.
8 “Que un ser humano se mostrara como un anciano denotaba su condición superior. De algún modo, había vencido al tiempo,
al menos durante más tiempo que el resto de los humanos. El tiempo no le había borrado sus rasgos. Los ancianos, por otra parte, eran considerados sabios, o magos. Ningún joven imberbe podía aspirar a la sabiduría: valor, entrega, coraje, pero nunca lucidez y experiencia, eran los valores asociados a la juventud. Los ancianos eran casi dioses. Lo sabían casi todo. Un retrato de un anciano no era un retrato enteramente humano”, in,”El Retrato en la antigüedad occidental”, Pedro Azara , Barcelona, Espanha, sem data.
traços “profundamente humanos”9 que desde muito cedo os artistas imprimiam nas suas
obras. Não será de admirar, portanto, que através do retrato se encontre materializado
muito do conhecimento cultural acumulado sobre o que é ser humano.
O Retrato implica que da parte do artista exista uma observação do modelo que vai
mais além da análise formal do rosto e das partes que o compõem. E é esse modo de
observar o retratado, traduzido na diligência10 da sua execução, que nos interessa aqui
explorar. Algo nos fascina no retrato do rosto humano e grande parte desse fascínio advém
da nossa avançada capacidade de reconhecimento da pessoa (um amigo, um familiar ou
uma celebridade) assim como o estado de espírito que este manifesta (alegria, tristeza,
desconfiança, medo).
Entendamos, então, o fenómeno pelo qual o Homem exprime o que sente através
do seu rosto e do seu corpo. Todos nós sentimos algo inato à nossa existência humana
pelo facto de, perante uma situação, uma imagem ou uma ideia, obtermos uma reacção
física expressa facial e corporalmente associada às emoções e aos sentimentos. O
neurocientista António Damásio11, na sua obra de 2010, “O livro da Consciência”, começa por
diferenciar os dois termos afirmando que as emoções são “programas complexos de acções
9 “…como arrugas, bolsas bajo los ojos, rictus, en ocasiones amargos, y toda clase de rasgos muy humanos (barba, calvicie, etc.)”,
idem 10 Diligência, do latim diligentia, que significa atenção, zelo, cuidado, economia ou poupança, devendo todos estes atributos devem
estar presentes na elaboração de um Retrato. 11 António Damásio, (1944-…), neurologista, neurocientista português que trabalha no estudo do cérebro e das emoções
humanas. Autor d´”O erro de Descartes: Emoção, Razão e Cérebro humano” (1995), “O Sentimento em Si: o Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência” (2002) e “Ao Encontro de Espinosa: As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir” (2003).
1- Retrato de mulher de Fayum e Faraó Sesóstris III (c. 1900 ac- c. 1801 ac)
modeladas pela evolução” e os sentimentos são “percepções compostas daquilo que
acontece no corpo e na mente quando sentimos emoções”12.
Não é de estranhar portanto que à capacidade de exprimirmos expressões esteja
associada a capacidade de reconhecer essas mesmas expressões quando ocorrem noutra
face que não a nossa. Este fenómeno é provavelmente um dos mais antigos e
constantemente desenvolvidos pelo Homem ao longo da sua História. À nossa habilidade
em distinguir um sorriso de um choro, um olhar desconfiado de um olhar terno, um
potencial predador de um vizinho inofensivo - que faz parte do nosso “equipamento
instintivo” assim como a aversão à dor ou o sentimento-, junta-se a nossa incrível
capacidade de reconhecer um sorriso ou uma testa franzida mesmo se, por distúrbio
mental, fôr impossível o reconhecimento do próprio rosto quando visto a um espelho13.
O impacto que as expressões faciais dos outros tem no nosso entendimento da
sociedade onde estamos inseridos é crucial para a nossa própria reacção e integração a essa
sociedade.
Ora, no que concerne às expressões faciais do ponto de vista da representação no
Retrato, desde que começaram a ser estudadas nesse contexto, por volta do século XVIII,
eram vistas como reflexos das emoções e das paixões da alma de alguém num determinado
momento da sua vida. Como veremos mais adiante, estas, se prolongadas ao longo da vida,
ficavam registadas no rosto quando este se encontrava em repouso, naquilo que Artur
Ramos, descreve como a “fisionomia de repouso”14.
Charles Darwin, em “A expressão das emoções no homem e nos animais”, de 1872, refere
que Sir Charles Bell, com a sua obra de 1806, “Anatomy and Philosophy of Expression” foi
bastante valorizado por “ter provado a íntima relação existente entre os movimentos da
expressão e os da respiração”. É notório, perante esta afirmação, o desvio que o termo
“expressão” sofreu em quase 200 anos de História. Claro que nem Darwin nem Bell
adquiriam, naquela altura, o conhecimento científico contemporâneo de António Damásio
12 Diz Damásio que “enquanto as emoções são acções acompanhadas por ideias e modos de pensar, os sentimentos emocionais
dão sobretudo percepções daquilo que o nosso corpo faz durante a emoção, a par das percepções do estado da nossa mente durante o
mesmo período de tempo”, o que correlaciona a reacção corporal com imagens processadas pelo cérebro que colocam em acção “uma
série de regiões incitadoras de emoções como, por exemplo, a amígdala ou regiões especiais do córtex do lobo frontal”. Segundo o autor,
pela activação dessas regiões, são segregadas moléculas químicas de glândulas endócrinas e núcleos subcorticais que são enviadas tanto
para o cérebro como para o corpo onde “certas acções são levadas a cabo (…) e assumem-se determinadas expressões”. In DAMÁSIO,
António ,“O Livro da Consciência- A Construção do Cérebro Consciente”, Lisboa, Círculo de Leitores, 2010, p. 143
13 A esta incapacidade dá-se o nome de Prosopagnosia que designa uma patologia caracterizada por um tipo de agnosia visual em
que a pessoa deixa de reconhecer rostos familiares ou de aprender a conhecer novos rostos. Em casos extremos a pessoa deixa de reconhecer o seu próprio rosto.
14 RAMOS, Artur, "Retrato: o desenho da presença", 2010, p. 180
e o contexto histórico-científico era outro, mas é interessante observar que essa relação se
referia ao facto de os “músculos que rodeiam os olhos se contraírem involuntariamente
quando se executam violentos esforços respiratórios, de forma a proteger da pressão
sanguínea esses delicados órgãos”. Poderá parecer que tais dispares formas de abordagem
do tema das expressões do rosto nada têm que ver entre eles e, realmente, não têm, mas
são demonstrativos do vasto espectro de abordagens que recaem sobre as expressões e o
longo caminho que os estudiosos das emoções percorreram até aos nossos dias.
Encontramos aqui a disciplina da Fisiognomonia, que etimologicamente deriva do
Grego gnómon (o que conhece) e physis (natureza), e que historicamente constitui uma
actividade que busca o entendimento da personalidade e da identidade através da análise
do corpo em especial do rosto. Também conhecida como Fisiognomia, esta disciplina
existe há milhares de anos e é utilizada milenarmente no Oriente e no Ocidente como um
dos principais métodos de diagnóstico de saúde e de avaliação comportamental. Com
origens na Antiguidade, a fisiognomonia atravessou culturas tão diversas como a indiana,
a japonesa ou a chinesa15, onde, nas eras imperiais, cargos do governo e outros cargos
importantes eram definidos através da observação dos traços faciais dos candidatos.
Durante o período do Renascimento esta disciplina foi alvo de um enorme interesse,
com estudos de Leonardo da Vinci (1452 – 1519) e seus seguidores como Giorgione (c.
1477- 1510), Lorenzo Lotto (1480- 1556) ou Gerolamo Savoldo (1480-1548) que
aprofundaram o amadurecimento teórico e inventivo da teoria do “moti dell´animo”16
15 Lê-se no sítio physiognomy.history.qmul.ac.uk, que se trata de uma cooperação entre a Queen Mary University of London
(Londres), a Ecole Normale Supérieure (Paris), e a Scuola Normale Superiore (Pisa). 16 Lê-se no original “… è del tutto indubitable che la maturazione teórica e inventiva di questa abissale ideia figurativa non si sarebbe prodotta
senza la teoria dei “moti dell`animo” già formulata dal pensiero leonardesco.”. Em CAROLI, Flavio, 2012, “Storia della Fisiognomica,…”, p. 32
2 - Ilustrações de "De Humana Physiognomia", de Giovanni Della Porta, 1586.
(movimento da alma) já formulada pelo pensamento “leordanesco”. A Fisiognomonia
obteve nas obras de Giovanni Battista della Porta17 o seu ponto mais alto, nomeadamente
com a “De Humana Physiognomia”, de 1586, que constituiu talvez o primeiro documento de
maior difusão da fisiognomonia e onde surgiram as primeiras ilustrações de comparação
entre características homólogas entre humanos e animais e que tanto influenciou o trabalho
de Charles leBrun18.
Este, em 1667, descrevia a expressão de medo desta forma: “Quando a sobrancelha está
descida de um lado e subida do outro, dá a impressão de que a parte elevada quer unir-se ao cérebro para
o proteger do mal que a alma sente, enquanto a parte descida e que se apresenta inchada parece colocada
nessa posição pelos espíritos que acorrem ao cérebro, como que para abrigar a alma e defendê-la do mal que
esta teme; a boca muito aberta mostra o choque provocado no coração pelo sangue ao refluir para ele, e que
o obriga a um esforço maior para conseguir respirar, razão pela qual a boca se abre desmedidamente e emite,
quando o ar passa pela laringe e pelos órgãos da voz, um som inarticulado; pois se os músculos e as veias
parecem inchados, isso deve-se à acção dos espíritos que o cérebro envia para essas zonas”.
Devido à necessidade que a pintura de história do séc. XVII exigia aos pintores de
figuras imaginadas em relação ao “resultado que determinadas paixões”19 produziam nos
espectadores de uma pintura, e fortemente influenciado pela obra “As paixões da Alma”, em
1649, de René Descartes20, Charles le Brun sistematizou o estudo das alterações
17 Giovanni Battista della Porta ((Itália,1535-1615). É autor de 3 obras sobre as diversas vertentes da fisiognomonia, são eles:
“A Magia Naturalis” de 1589, na qual escreve sobre analogias das formas com a natureza; a “Phytognomonica” onde estabelece uma correlação entre os organismos animais e humanos e a estrutura das plantas; e o “De Humana Physiognomonia”, tendo escrito também o “ Della Celeste Fisionomia”.
18 Charles le Brun (1619-1690), pintor, decorador e teórico francês, nasceu e morreu em Paris. Foi o primeiro autor a desenvolver
o estudo das alterações fisionómicas de um modo sistemático dirigido aos pintores. As suas conferências sobre as paixões da alma, tornaram-no uma referência.
19 RAMOS, A., Desenho da Presença, 2010, pp 170 20 René Descartes (1596-1650), matemático, cientista e filósofo francês, considerado o pai da filosofia moderna, ao abandonar
a escola aristotélica e criado a primeira versão do dualismo mente-corpo. Escreveu as “Paixões da Alma”, em 1649, que serviu como manual para pintores durante quase um século.
3- Expressões de Alegria e Riso, por Charles le Brun
fisionómicas dirigido aos pintores com especial interesse para “as alterações que os
distintos estados emocionais provocam no rosto”. Num momento da história em que se
reconhecia que a expressão das paixões era transmitida pela cabeça em detrimento do corpo
le Brun enumerou, na sua obra, “Méthode pour apprendre a Dessiner les Expressions”,de 1702, as
paixões primitivas ou simples – de acordo com Descartes - como a admiração, o amor, o
ódio, o desejo, a alegria e a tristeza e as paixões compostas como a estima, a veneração, o
êxtase, o desespero, o horror, a esperança, o pavor, o temor, a dor corporal, a inveja ou
ciúme, o riso, o choro, a cólera, o extremo desespero e a raiva.
No século XVIII, duas ciências “da cabeça” tornaram-se dominantes: a frenologia e
a fisiognomonia. Impulsionada pelo trabalho de Franz Joseph Gall21, a frenologia consistia
no estudo da estrutura do crânio de modo a determinar o carácter da pessoas e a sua
capacidade mental. Esta pseudociência baseava-se na falsa assunção de que as faculdades
mentais estão localizadas em "órgãos" cerebrais na superfície deste que podiam ser
detectados por inspecção visual do crânio e, deste modo, descodificar informações sobre
o carácter da pessoa. Mesmo que a frenologia se tenha tornado popular ao ponto de terem
proliferado locais onde as pessoas iam receber “leituras” do seu relevo facial, nunca foi tão
influente na prática das artes visuais como a considerada segunda mais importante ciência
da altura, a fisiognomonia.22
Foi da mão de Johann Caspar Lavater23 que se redigiu a principal referência ao estudo
da fisiognomonia. O seu “Essai sur laphysiognomonie, destiné à faire connoître l'homme et à le faire
aimer”, de 1781, foi traduzido em vários idiomas como o alemão, francês e inglês, e editada
em pequenos formatos o que fez com que este documento se tornasse uma importante
referência. Se a fisiognomonia assenta na existência de associações entre as partes do rosto
e as características da personalidade, no caso de Lavater, o seu sistema reflectia uma
combinação de duas interessantes influências: por um lado a doutrina cristã e por outro, a
teoria da individualidade de Leibniz24 que sustentava que cada entidade detinha uma
essência individual que a diferenciava de todas as outras. Lavater utilizou esta abordagem
21 Franz Joseph Gall (1758, 1928), médico e anatomista alemão, nascido em Baden, é considerado como o “pai” da frenologia,
as suas teorias sobre a localização das funções do cérebro, obrigaram-no em 1805 a abandonar o seu país, devido a ofensas à religião. Apesar de Paul Broca ter demonstrado mais tarde, em 1861, a existência de um centro para a fala, também foi demonstrado que, devido à variação da grossura do crânio, a sua superfície não tem qualquer reflexo na topografia do cérebro, invalidando assim a premissa básica da frenologia.
22 FREELAND, Cynthia, “Portraits and Persons”, Oxford University Press, Nova Iorque, 2010, pp.125 23 Jean Gaspard Lavater, 1740-1801, teólogo e poeta suíço, autor da principal referência ao estudo da fisiognomonia, a sua obra
“Essai sur Physiognomonie, destiné à faire connoître l´homme & à faira aimer”, inicialmente publicada em alemão entre 1775 e 1778, tendo sido traduzida para francês e inglês. A edição de pequenos livros mais acessíveis ao público levou a erros de interpretação, deturpação ou exagero, mas Lavater ficou sempre referenciado com o respeito da sua autoridade nesta matéria.
24 Gottfried Wilhelm Leibniz, 1646-1716, Alemanha. Foi um filósofo, cientista, matemático, diplomata e bibliotecário alemão,
considerado um dos maiores pensadores dos sécs. XVII e XVIII, com profundos contributos nas áreas da Metafísica, Epistemologia, Lógica, Filosofia e Religião, assim como Matemática, Física, Geologia, Jurisprudência e História.
para sugerir que cada rosto detinha um determinado código semiótico único, complexo e
inimitável.
Dandré Bardon25, no seu “Traité de la Peinture”, em 1765, aborda o tema da expressão
e divide as paixões em 4 grupos separando aquelas que são mais dirigidas ao Retrato e as
que, pela dificuldade de prevalência da pose por parte do modelo, entram mais no campo
do Desenho de Memória26. As paixões tranquilas e as paixões agradáveis são dois grupos
que apesar de não merecerem quase nenhum movimento dos músculos faciais conseguem
transmitir uma emoção ou pensamento. Ou seja, Bardon refere que no caso das paixões
tranquilas “tudo deve anunciar a paz que a alma regozija”27 e quanto às paixões agradáveis
“todas as partes do rosto se elevam, e se voltam sobre o cérebro”, mas com muito pequenas
ou imperceptíveis alterações que tornam o rosto mais humano. Um sobreolho que se eleva
ou um esboço de um leve sorriso introduz um forte carácter ao retratado.
Os dois últimos grupos de paixões descritos por Bardon, são as paixões tristes e as
paixões violentas. Nas tristes existe um enfraquecimento do espírito e da vivacidade e, se a
dor aparece “é pelo tormento do sobrolho que ela se anuncia”28, e as paixões violentas são
aquelas “ que tiranizam o corpo e o espírito, que inclinam as partes da expressão, e que
assolam o coração pungido de descontentamento”29. Estes últimos grupos serão analisados
em mais detalhe no capítulo III, tomando como amostra a expressão da Alegria e a da
Tristeza.
Uma outra obra consagrada na área da fisiognomonia pertenceu ao autor Mathias
Duval30, o “Précis d´Anatomy” de 1881, que invocou outros dois grandes estudiosos da
fisiognomonia, relacionando-os e dando uma efectiva demonstração de como se entendem
as variações musculares nas expressões faciais, “num estado activo”31. Deste modo, ao
cruzar os estudos de caracterização do rosto humano de Humbert de Superville32, através
25 Michel-François Dandré-Bardon, 1700-1785, foi um talentoso pintor e desenhador francês, assim como poeta e escritor.
Fundador da “Académie des Beaux-Arts” de Marselha.
26 Mesmo que este termo tenha sido introduzido muito mais tarde.
27 In BARDON, Dandré, “Traité de la Peinture”, 1765, p.60
28 idem, p.61
29 Idem, idem.
30 Mathias Duval, 1844-1907, Professor de anatomia e histologia francês.
31 DUVAL, Mathias. “Artistic Anatomy”, tradução de 1890, pg 280.
32 David Pierre Giottino Humbert de Superville (1770-1849) Artista alemão, litógrafo, retratista. Autor do Tratado “Essai sur
les signes Inconditionnels dans l´Art”, de 1827, onde apresenta analogias das 3 direcções elementares (vertical, horizontal e diagonal
expansiva e diagonal convergente) com as expressões do rosto. Superville foi dado a conhecer aos artistas franceses através da “Grammaire
des arts du dessin, architecture, sculpture, peinture, jardins,..”, do ano 1876, de Charles Blanc (1813-1882), que explora as direcções de
Supperville introduzindo 3 variações a cada um dos 3 estados expressivos de Supperville (calma, felicidade e tristeza).
do quais definem-se linhas horizontais e oblíquas que resumem de forma determinante a
expressão do rosto (ver capítulo III), com os estudos patognomónicos do dr. Duchenne
de Boulogne33, que procurou determinar quais os músculos responsáveis pelas linhas
expressivas do rosto através de pequenas descargas eléctricas aplicadas nos músculos
(sugerindo que a expressão da fisionomia humana poderia ser determinada pelo estudo da
acção muscular), Duval recria aquilo que chama “o princípio da linguagem da
fisiognomonia”34
Em relação aos músculos de expressão diz Duval35 que, enquanto os músculos de
mastigação estão ligados a ossos e têm barrigas carnudas (“fleshy bellies”, na tradução) mais
ou menos espessas que incham ao contraírem e são marcadas por proeminências, os
músculos de expressão são músculos da pele, ou seja, que movem a pele e não a parte
esquelética. Deste modo, estes músculos são muito delgados e as suas contracções só se
manifestam na alteração de posição e de forma nas membranas e dobras estruturais da face
(pálpebras, lábios, etc). (ver anexo I).
O que é revelador na obra de Mathias Duval ao relacionar dois estudiosos da
fisiognomonia é que no próprio estudo do Retrato, existe a tendência de não existir uma
contradição dos estudos elaborados mas um aprofundamento dos temas. Ora, se o
entendimento do esqueleto da cabeça, como se formam e se posicionam as partes do rosto,
é importante para a criação de uma semelhança, também o conhecimento do
33 Guillaume Duchenne de Boulogne (1806-1875), foi um médico neurologista francês. Graças às suas contribuições sobre os
efeitos da electricidade no ser humano, é considerado o pai da Electroterapia, recurso terapêutico utilizado por fisioterapeutas no
tratamento, reabilitação e cura de diversas doenças.
34 RAMOS, A., Desenho da Presença,2010, p. 301. 35 Lê-se no texto: “the muscles which, under the influence of emotion, modify the traits of countenance and serve for the expression of the emotions”, DUVAL,
Mathias. “Artistic Anatomy”, tradução de 1890, pg 291
4 - Testes de Duchenne de Boulogne e um dos diagramas de H. de Superville
funcionamento dos músculos faciais ajuda o retratista a perceber o carácter do retratado.
Isso explica-se pela observação atenta do artista que deve procurar na “expressão de
repouso” quais os traços do rosto mais permanentes e caracterizadores de um estado de
alma mais constante ao longo da vida.
Ao longo do período entre o “Cinquecento” e o “Ottocento”, muitos artistas
europeus se destacaram no estudo das expressões da alma iniciado por Leonardo36, sendo
que destacamos alguns que conseguiram com maestria transpor para as suas obras os
mistérios das emoções. Assim, artistas como os italianos Leonardo da Vinci (1), sem dúvida,
uma figura incontornável na arte renascentista e que utilizou muito o sorriso fechado tanto
nos rosto masculinos como femiminos37. Outros como Tizziano (1473/1490)(2) , Annibale
Carracci (1560-1609), Gian Lorenzo Bernini (1598 – 1680)(3) Ubaldo Gandolfi (1728-
1781), os espanhóis Jose de Ribera (1591-1652)(4), Diego Velázquez (1599-1660)(5) e
Francisco Goya (1746-1828)(6), o holandês Rembrandt Hammenszoon va Rijn (1606-
1669)(7), os franceses (1704-1788), Maurice Quentin de La Tour (1704-1788)(8) Jean
Antoine Houdon (1741-1828), Clodion (1738- 1814), Jacques-Louis Davis (1748-1825),
Jean-Baptiste Carpeaux (1827-1875(9)), Jean Baptiste Siméon Chardin (1699-1779),
Théodore Géricault (1791-1824) ou Gustave Coubert (1819-1877)(10), o britânico William
Hogarth (1697-1764)(11) ou os alemães Albrecht Dürer (1471- 1528), Peter Paul Rubens
(1577-1640) e Franz Xaver Messerschmitt (1736-1783)(12), quer na escultura como na
pintura podem ser referenciados como artistas que imprimiram esta relação do físico e o
tangível com a alma e o supérfluo imprimindo nas suas obras (aliado a magistrais
composições e harmonias) uma qualidade superior aos seus retratos.
36 segundo SCAROLI, F., em “Storia della Fisiognomica…”,p. 12 37 Como por exemplo em a “Mona Lisa”, “Dama do arminho” ou “São João Batista”
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5- Artistas de referência entre o séc. XIV e o séc. XVIII
Capítulo II – Bases para o Retrato
Cap. II.I - Antes do Desenho da cabeça humana
“Um aluno do estudo do Desenho deve aprender cedo a apreciar mentalmente todos os planos que abrangem a cabeça, embora ao
olhar desde um determinado ponto de vista, só alguns planos serão visíveis. Esta consciência e entendimento dos planos proporcionarão ao aluno
uma melhor abordagem e compreensão dos três aspectos essenciais que caracterizam um desenho “forte””. J.H. Vanderpoel “The Human
figure”, 191138
Antes de entrarmos no campo fisionómico das expressões, importa analisar os
aspectos essenciais para a completa representação de uma expressão facial. A fim de atingir
uma semelhança do modelo no Desenho de memória (quando este não está presente), o
desenhador deverá ter presente alguns princípios subjectivos como a Harmonia, a
Concordância a Postura ou a Atitude que deseja revelar no seu desenho. Estes, integrados
com os princípios construtivistas da cabeça que criam “…relações fundamentalmente de
natureza métrica e geométrica, que são estabelecidas entre as partes da cabeça e entre estas
e o todo”39, como a Proporção ou a própria geometria da cabeça humana, estabelecem os
ingredientes necessários para um Retrato correcto e vivo.
Porém, estes preceitos essenciais na Pintura, no Desenho e na Escultura, não sendo
o objecto desta dissertação não podem deixar de serem referidos, pois neles encontramos
o sucesso dos grandes Retratos já realizados. Devemos mesmo assim mencionar um
aspecto que toca na importância do conhecimento da Proporção no âmbito do Retrato e
que tem que ver principalmente com “a escolha do ponto de vista e a consequente
deformação que este ou a inclinação da cabeça possa apresentar”. Essa escolha, pode
depender da parte da cabeça dominante40, mas sempre dependerá das decisões que o
desenhador estabelece na aproximação ao carácter e à expressão própria do modelo. O
modelo, por sua vez, consiste num ser único e inimitável cujo Retrato deverá ser
testemunho de tais singularidades. Isso, o desenhador deverá revelar na construção de todo
o Retrato através da harmonia entre o mais pequeno elemento e todos os outros, fazendo
com que “tudo tenha a ver com tudo”. Da mesma maneira que a Natureza cria um ser
38 ”Lê-se na obra: “ A pupil must learn early in the study of drawing to appreciate mentally all the planes that encompass the head, though to the
physical eye from a given point of view only certain ones may be visible. This consciousness and understanding of the planes will enable the student the more readily to approach and comprehend the three essentials that characterize a strong drawing:first, the carriage of the head, or its action; second, its construction; third, the character and personality of the sitter. With thorough appreciation of the three requirements, accompanied by a simplicity of expression through a practiced hand, the student is well on the way to draftsmanship.” P. 53
39 RAMOS, A., “Desenho da Presença”, 2010, p. 161. 40 Idem. “…,isto é se a porção superior constituída pela fronte e olhos é maior ou menor em relação à porção inferior constituída pelos olhos, nariz e
mento.” P. 163
humano mediante uma ordem harmoniosa entre todos os elementos que o constituem,
também o acto de retractar alguém deve espelhar essa mesma concordância entre as
partes41.
Ou seja, há que diferenciar a elaboração do desenho da cabeça humana da elaboração
da cabeça enquanto Retrato. As duas, aparentemente similares, denotam abordagens
bastante distintas. Se a primeira “transporta em si uma certa secura e desumanidade” a
segunda “carrega consigo um compromisso com toda a humanidade que um rosto pode
significar”. Como aponta Artur Ramos, “o retrato antes de ser um retrato” deverá ser o
desenho de uma cabeça e o entendimento dos diversos elementos (geométricos,
anatómicos, antropométricos e fisionómicos) que a compõem e esse deverá ser o primeiro
passo.
Dos tratados, documentos, livros e textos já escritos sobre a forma como se deve
realizar a construção (quer no desenho, na escultura ou na pintura) da cabeça humana,
interessa, aqui, apenas abordar os autores modernos que se destacaram na elaboração dos
processos construtivistas que melhor definiram as metodologias para a representação
realista da cabeça e do rosto e descrevê-los tendo em vista o estabelecimento das bases para
o desenho das expressões faciais. Actualmente, existem muitas adaptações destes métodos
de desenho da cabeça humana, todas elas adaptadas às diversas áreas de representação
gráfica como a banda desenhada e a ilustração, a pintura realista e figurativa, entre outras,
com grande destaque para a modelação tridimensional de personagens para a indústria de
jogos e cinema. O anacronismo da criação em computador de cabeças humanas e de
personagens fantásticas com os métodos tradicionais de escultura, relançaram o debate
entre criadores, ilustradores, modeladores e técnicos da 7ª arte, acerca dos métodos
utilizados para a concepção topológica42 do corpo e da cabeça humana. Este movimento
relançou o interesse pela anatomia do corpo humano, a miologia da cabeça e o desenho
das expressões faciais e o movimento e ritmo do corpo humano, fazendo com que cada
artista tenha adaptado o seu método de trabalho às suas necessidades criativas. Os diversos
sub-capítulos seguintes propõem o entendimento das bases necessárias para o completo
exercício do Retrato, desde a forma básica da cabeça até à acção dos pontos
antropométricos na superfície do rosto, tomando como método de análise as metodologias
41 A Concordância acontece quando existe uma pré-disposição para encontrar o modo como um determinado rosto deverá ser
desenhado, pois este comporta uma estrutura formal harmoniosa. Cabe ao desenhador entender a fisionomia do retratado e aplicar a concordância que julga mais justa, fruto da sua prática e observação. A Concordância pode ser distinguida em três níveis: a que existe no modelo, a que é distinta pelo artista e aque advém do desenho em si.
42 O termo Topologia deriva do grego “topos” (lugar) e “logos” (estudar), mas recentemente a indústria de modelação
tridimensional adaptou este termo para descrever as características de uma superfície geométrica de um objecto tridimensional e a forma como este organiza os seus polígonos. A fluidez, a continuidade e a organização dos polígonos resultam em modelos mais adequados à animação.
dos autores aplicadas ao modelo disponibilizado para este exercício e algumas referências
do mundo das artes plásticas. Entendemos que através da explanação do conjunto de
temáticas subjacentes à prática do Retrato estamos a clarificar o estudante nesta forma de
Arte, sobre quais os aspectos a ter em conta em todas as fases da elaboração de uma imagem
de alguém. Este alguém, como já foi mencionado anteriormente, está inserido num corpo
que tem uma determinada fisionomia e vive, tem personalidade e uma energia própria que
importa captar na diligência do Desenho. Aliado à prática, à observação e ao esforço do
desenhador, deve estar o conhecimento das massas básicas da cabeça humana, os planos
que a compõem, as direcções e os fluxos que o rosto comporta, os ângulos que o perfil
constrói, a anatomia das diversas partes do rosto, a acção dos músculos que deformam a
superfície anatómica do rosto. Tudo isto inserido num espaço bidimensional que deverá
iludir a tridimensionalidade do mundo que habitamos, dando uso às noções de perspectiva
e de proporção, de sombra e de brilhos para alcançarmos uma representação realista do
modelo que não sendo a única forma de representação do rosto humano, é com certeza
aquela a que esta dissertação se dedica, dentro do espírito do Mestrado de Anatomia
Artística da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Cap. II.II - A Cabeça Humana
Para o seu Desenho, a cabeça humana de uma forma geral é considerada como uma
superfície oval43 podendo até em algumas vistas ser um pouco esférica. Esta noção inicial
surge pela enorme porção do crâneo, constituída pelos ossos frontal, parietal, occipital e
temporal que definem o ovóide característico da parte posterior do plano frontal da cabeça.
Por sua vez, a parte que define o rosto, onde se concentram as partes móveis e daí
influenciadoras das expressões (olhos, boca e os chamados “músculos de expressão”)
encontram-se na parte anterior do plano frontal numa forma rectangular que Charles
Rochet44, dividiu verticalmente na “linha Mediana Longitudinal” e horizontalmente na
“linha de separação transversal”. Estas importantes secções da cabeça ajudam,
respectivamente, a definir a orientação da cabeça e a auxiliar no desenho de uma vista
frontal e a determinar a linha média da cabeça onde se tem como referência a posição da
chanfradura frontal ou mesmo os olhos.
Estas considerações gerais perduraram no tempo e alguns ilustradores e professores
da figura humana norte-americanos dos finais do séc. XIX e da primeira metade do séc.
XX, com destaque para obras como “The Human Figure”, de 1908, de John Henry
Vanderpoel (1857-1911) e, “The Practice and Science of Drawing”, de Harold Speed (1872-
1957), em 1913, que saiam das convencionais formas de ensinar a desenhar45. Mesmo que
com abordagens distintas, mas seguindo os princípios da construção formal da cabeça,
Burne Hogarth (1911-1996), no seu livro “Drawing the Human Head”, de 1965, separa a
forma básica da cabeça em duas grandes massas, a massa cranial (“cranial mass”) e a massa
facial (“facial mass”), (fig. 5). Estas, desde uma vista frontal, tendem a ser iguais em
tamanho, enquanto que numa vista lateral a massa craneal é o dobro da massa facial.46
43 “Encyclopédie Méthodique”, artigo sobre as Proportions de Watelet, 1791, p. 228, Apud RAMOS, Artur, “O Desenho da
Presença”,2010, p. 90 44 Traité D´Anatomie d´anthropologie et d´Enthnographie Appliquées aux Beaux-Arts”, 1886, Apud RAMOS, Artur, “O Desenho da
Presença”,2010, p. 99 45 Como o manual de J.D. Harding (1793-1863), “On Drawing Trees and Nature”, que era bastante popular durante todo o séc.
XIX nos Estados Unidos da América e que Speed tentou aprofundar um pouco mais para além das “fórmulas” da criação de sólidos geométricos onde os objectos de inseriam. A Speed interessava-lhe que o estudante de Desenho adquirisse a sensibilidade artística do ritmo e de unidade, independentemente da forma como este desenhasse. Fonte (http:\gurneyjourney.blogspot.pt)
46 Este autor inicia o desenho frontal da cabeça desenhando uma oval com o maior diâmetro interno na vertical e divide-o com
uma linha. Encontrada a maior largura de uma das metades da oval, esta deverá ser a terça parte da linha vertical já traçada anteriormente. A oval desenhada inicialmente deverá ser corrigida até que respeite esta proporção. Uma vez desenhada a oval e utilizando-a como a norma, esta deverá ser dividida por uma linha horizontal AB, a meia distância do topo e da base, que revela as duas massas que constituem a cabeça. Ao cruzarmos esta linha com uma linha vertical CD, encontraremos o ponto E que identifica a posição da glabela (ponto médio entre as sobrancelhas que é idêntico à glabela óssea do osso frontal) (RITTO, Isabel, “Antropometria:…”, 2001). Para o desenho lateral da cabeça, Hogarth propõe a representação da mesma forma oval, assim como outra idêntica numa posição horizontal e sobreposta com a parte superior da primeira. Deste modo, o arco mais abaixo da oval vertical indica a posição do queixo e o ponto do arco mais afastado da oval horizontal indica a zona posterior da cabeça. A distância entre este ponto e o ponto mais perto da oval vertical, em linha horizontal, equivale a um terço da totalidade da cabeça.
A obra que primeiro apresentou a forma de desenhar a cabeça humana, nos Estados
Unidos foi “The American Drawing Book: manual for the amateur and basis of study for the professional
artist,…” escrita por John Gadsby Chapman, em 1847, onde no segundo capítulo indica
que a forma oval apesar de ser observada de forma admirável, já no perfil tem pouca
importância, aliás diz mesmo que “não limita nada, não define nada”. Como podemos
verificar na figura abaixo, Chapmann faz uma leitura da cabeça mais esférica e, logo,
desproporcionada com a realidade.
5 - Massa cranial e massa facial e a sua construção, por Burne Hogarth.
7 -A cabeça humana em perfil, por J. G. Chapmann, 1847
6- Massa cranial e massa facial verificadas no modelo. Esquema elaborado digitalmente em
Adobe Photoshop, pelo autor.
A partir de observação do modelo utilizado para esta dissertação47, reconhece-se a
veracidade da observação de Burne Hogarth e a importância que a forma oval na realidade
tem na definição do perfil humano.
George Bridgman (1865-1943)48, por outro lado, preferia ao início de cada desenho de
uma cabeça começar por defini-la como um cubo. Deste modo, diz, “podemos fazer simples
e definitivos cálculos”49. Apesar de também mencionado a construção da cabeça como uma
oval50, o “cubo” a que Bridgman se refere é na realidade um parelelepípedo com 15,24 cms
de largura, 20,32 cms de altura e 19,05 cms de profundidade (apresentado em polegadas com
as medidas standard de 6, 8 e 7,5, respectivamente), o que pode ser subentendido como um
método mais mecânico e menos flexível que o anterior. Na realidade, os desenhos de
Bridgman apresentam uma forte solidez fruto da sua aprendizagem de escultura, ao contrário
de Hogarth que assentava a sua abordagem na linha curva, associada à teoria da linha da
beleza, mas de igual modo com um desenho associado à ideia de que “a estrutura da figura
se deve moldar tal como um escultor esculpe, o seja um processo orgânico explorando a
construção da anatomia de forma faseada”51.
Hogarth numa entrevista disse isto acerca de Bridgman que este era um anatomista
na tradição clássica de MichelAngelo e não um anatomista na tradição do séc. XX, na
medida em que faltava movimento e leveza aos seus desenhos.52
Outro influente ilustrador e aluno de Bridgman, foi Andrew Loomis (1892-1959),
que aplicou os métodos do seu mestre dando-lhes uma “roupagem” mais moderna, com
um discurso e um grafismo mais apelativos e criando um sistema de simbiose entre as linhas
curvas e as linhas rectas, dando início à construção da cabeça por uma simples esfera.
Então, estabelecendo o seu eixo, indica os quartos da esfera e a linha mediana da esfera ou
“linha do equador“, que coincidiria com a arcada supraciliar, passando pela “glabela”53. À
esfera seriam então retiradas duas porções laterais criando uma forma muito parecida com
47 O modelo utilizado para esta dissertação é o actor João Brás, nascido no ano de 1963 em Aveiro. Ver súmula artística em
anexo II. 48 George Brant Bridgman, artista, anatomista, professor e escritor, considerado um dos maiores e influentes na América neste
campo de pensamento. Estudou na École des Beaux-arts de Paris, onde estudou Gustave Boulanger e com Jean-Léon Gérôme, que influenciou muito o estilo de desenho de Bridgman apresentando uma qualidade escultural, com forte evidência volumétrica e solidez. In SANTOS, Pedro, “O Retrato além do aparente”, Fbaul, 2013
49 BRIDGMAN, George,“Complete guide to drawing from life”, Nova Iorque, 1974, p. 102. 50 Em “Complete guide to Drawing from life”, o autor aborda as duas formas de construção da cabeça, optando e defendendo somente
o cubo na sua obra “Constructive Anatomy”, de 1920 51 SANTOS, Pedro,2013, Fbaul, p. 56. 52 Citação: “I began to think in terms of all the things that I’d been doing, that I never saw in any book that I had access to. And some of them were
really good books, like George Bridgman. Bridgman is really a classic anatomist in the tradition of Michelangelo, but he is not an anatomist in the tradition of the 20th century. He does beautiful carvings of figures that are pillars… supporting devices for the roof of a building. They’re not things that move, they are not light as air “, In” http://burnehogarth.com/blog/biography”, artigo investigado por Kyle Ryan and Kathryn Bergstrom,escrito por Rafael Alvarez.
53 A introdução dos pontos notáveis da cabeça neste capítulo antevê uma descrição mais detalhada nos seguintes capítulos,
servindo só como indicação da sua localização aquando da construção da cabeça.
o crâneo. Do encontro desta linha traçava-se uma linha paralela ao eixo vertical da cabeça
definindo o plano sagital do rosto onde se marcariam os dois terços inferiores do rosto.
Estes corresponderiam ao queixo (“gnathion”) e à base do nariz (“subnasale”), marcando
acima da arcada supraciliar, uma marca idêntica correspondente à linha da raiz do cabelo
ou ao “trichion”. A partir deste é possível desenhar a linha da mandíbula inferior que se
une à linha média da esfera, passando pelo “gonion”, em ambos os lados. Anteriormente a
essa linha e numa altura compreendida entre a base do nariz e o arco supraciliar (onde se
encontram as sobrancelhas), podem-se representar as orelhas, completando a forma básica
da cabeça (fig.6).
Loomis modela então os planos básicos de luz e de sombra criando uma série de
planos secundários que quando decorados, garante, produzem “uma bem proporcionada
cabeça masculina”54.
Da prática deste sistema resultou um modo simples e objectivo na sua aplicabilidade
nomeadamente em banda desenhada onde foi tão consagrada por se conseguir uma realista
representação da cabeça humana. Constituía uma base concisa para a introdução de
elementos auxiliares ao Retrato como a Anatomia e a Antropometria, os planos da cabeça,
a perspectiva, a etnicidade e tipos de cabeça e a indicação do carácter das personagens,
como veremos mais adiante.
54 “The surface varies with the individual character, but with the planes shown here you can produce a well-proportioned, manly
head”., in LOOMIS, Andrew, “Drawing the Head and Hands”, New York, p.33
7 - Construção da cabeça, por Andrew Loomis.
Frank Reilly (1906-1967), foi um dos professores de arte mais influentes da América
no século XX. Para além do Desenho, codificou métodos para o ensino de pintura,
ilustração e outros aspectos da arte representativa que são a base de muitas técnicas de
ensino nos nossos dias.55 A sua abordagem construtivista da cabeça era idêntica à de
Loomis quanto ao conteúdo, mas não na forma. Como menciona Pedro Santos, “Reilly
parece juntar na sua metodologia, o conteúdo apreendido com Bridgman e o seu estudo de
anatomia, bem como uma estética próxima da de Burne Hogarth”. A cabeça começava
numa evocação gestual mas com uma maior preocupação antropométrica. Assim,
desenhava uma oval que incluía já a mandíbula, seguido dos planos primários (frontal,
lateral, topo e base), para surgirem uma série de linhas curvas que definem as principais
massas faciais, as suas posições, proporções e principais volumetrias anatómicas, numa
sobreposição e justaposição de elipses e linhas curvas que originam o mapeamento facial e
a sua volumetria (fig.7). Reilly parte do princípio que as linhas são abstracções e usa esta
forma rítmica e mais solta de construção do rosto que vai procurando o modelo real. Talvez
por este motivo, o seu método tenha servido e serve como referência para a criação de
topologia56 por muitos modeladores tridimensionais. A continuidade das linhas curvas
ajudam a esculpir os traços do rosto na medida em que auxilia na relação entre o todo e as
partes de uma forma muito orgânica ao mesmo tempo que resulta numa topologia muito
apreciada quando toca em animação de personagens em computador.
Reconhecemos neste método abstracto mas ao mesmo tempo assente numa
observação do modelo, que a adaptabilidade das linhas de construção do modelo poderão
55 Fonte: http:\ linesandcolors.com 56 A qualidade da topologia de uma cabeça para ser animada em software de para esse fim depende da integridade, da continuidade
(em inglês “flow”) e da distribuição de polígonos que compõem a cabeça. A integridade garante a união dos polígonos, a continuidade garante a maleabilidade das formas e dos materiais aplicados e a distribuição garante a concentração de um número maior de polígonos nas zonas de maior detalhe topológico.
8 - Desenho da cabeça segundo o método de Frank Reilly. Comparação com o modelo. Imagem elaborada em Adobe Photoshop, pelo autor.
servir como auxiliares na posterior representação de uma expressão facial que não a de
“repouso”, pois como verificaremos mais adiante, não existem grandes variações na
posição das partes do corpo e da sua relação ente si. Excepto, obviamente, quando a
expressão facial obriga à abertura da boca, ou seja, à depressão da mandíbula.
Cap. II.III - As Massas, planos e ângulos da Cabeça
Depois de entendermos a forma volumétrica da cabeça como uma superfície ovóide,
importa entender as diversas massas da cabeça, como importantes auxiliares ao retratista
para uma correcta relação entre os diversos elementos. Na sua abordagem mais escultórica,
Bridgman propõe a distribuição das massas da cabeça em 4 simples formas. São elas, a
testa, quadrada na forma e atravessando o crâneo, a região facial (“cheek bone region”)
que é plana, uma forma cilíndrica vertical onde se colocam a base do nariz e a boca, e
por fim, a forma triangular da mandibula inferior, plana na sua extremidade.
Estas formas, segundo Bridgman, conjugam-se numa alternância entre projecções e
recuos, linhas curvas e linhas rectas, num jogo que onde o rosto em perfil é comparado a
uma moldura arquitectónico (“architectural molding”) (fig.9). De um modo sequencial, a
ideia das massas da cabeça deverá surgir primeiro seguida dos planos e depois destes, as
9 - Planos da cabeça, por Albrecht Dürer. Massas principais da cabeça por George Bridgman.
10- Planos e massas principais da cabeça no modelo. Imagens elaboradas em Adobe Photoshop, pelo autor.
quatro partes arredondadas da cabeça57, numa permanente combinação entre as formas
curvas e planas cujo contraste imprime beleza ao desenho. A construção da cabeça poderá
ter uma abordagem mais cúbica ou mais oval, dependendo da intenção do desenhador58,
mas deve-se ter sempre em conta que os planos da cabeça são a frente, o topo e os lados
das massas e é a localização e definição destes planos e formas que dão solidez e uma
simetria estrutural ao rosto. É a sua relação de proporções assim como a forma como cada
parte se projecta ou recua, se inclina para a frente ou para trás que produz as mais óbvias
diferenças do desenho nos rostos59. Isso quer dizer que também os ângulos da cabeça
deverão ter sido em conta quando se definem as massas da cabeça, relativamente ao
desenho de um retrato específico, como veremos mais adiante.
A importância do ângulo geral na caracterização do tipo de perfil facial é
extraordinária, como demonstrou Pierre Camper (1722 – 1789), numa edição póstuma de
1791, na sua “Dissertation sur les Variétés Naturelles qui Caractérisent la Physionomie”, pela
importância do seu contributo para a caracterização da estrutura da cabeça. Camper
alcançou notoriedade com o estabelecimento do Ângulo Facial, o qual lhe serviu para
verificar a relação que existia entre a identidade humana e a ossatura particular de cada
indivíduo. Assim, definiu em 1770, na apresentação das suas teorias sobre as fronteiras
entre homens e entre estes e os animais60. Já anteriormente, Albrecht Dürer, tinha sido
pioneiro no estudo da diversidade humana ao “virar as costas aos cânones antigos e às
noções de beleza absoluta”, oferecendo princípios para a produção de variações
geométricas da fisionomia humana, alcançados pela introdução de “alterações nos traçados
geométricos onde se inscrevem as cabeças”. A sua análise relatada seu tratado “Vier Bücher
57 uma na testa, duas de cada lado da cabeça acima de cada orelha e outra na zona frontal do rosto e que se estende do nariz ao
queixo. BRIDGMAN, George, “Complete guide to drawing from life”, 1974 p. 89 58 A construção em cubo permite um maior sentido de massa, uma maior referência para a medição e a comparação entre medidas.
A divisão vertical da cabeça em duas partes cria-as iguais, opostas e equilibradas. A cabeça comporta uma solidez que ajuda no desenho em escorço na perspectiva. Na construção em oval, a linha que une o olho ao topo da orelha é definida como a linha média, acima fica o topo da cabeça e abaixo o rosto. A linha vertical define a posição dos restantes elementos e a posição da cabeça deve ser acompanhada pelo pescoço quer em movimento quer em ritmo. idem p. 102 e p.105
59 Em BRIDGMAN, George, “Complete guide to drawing from life”,1974, p. 86 60 Pierre Camper, 1722-1789, anatomista e esteta holandês. Contemporâneo de Lavater. Nas suas teorias defimiu que um ângulo
facial de 42° correspondia ao macaco, um de 58° ao orangotango, um negro apresentaria um ângulo de 70°, um europeu 80°, a beleza clássica romana 90° e 100° o cânone grego. FRANCO, Filipe, Aproximação facial de Quatro crânios…” dissertação de mestrado, Fbaul, 2012
von Menschlicher Proportion”, composto por 4 livros, inspirou o desenvolvimento da
antropometria científica (fig.11).
De facto, é curioso notar na imagem acima do modelo, que o ângulo da fronte
encontra-se nos 81,5°, o que o enquadra correctamente na classe dos europeus, segundo
Camper. Analisando a variação que Camper efectuou nos seus estudos em 1791,
verificamos o modo como o ângulo da fronte se tem vindo a alterar ao longo da evolução
entre os primatas, com uma tendência para a verticalidade o que tem significativa
importância na fisionomia dos indivíduos. Aliás, basta uma alteração grosseira de 8,5°
(como ilustrado na figura 12), para notarmos uma alteração do perfil do modelo que lhe
imprime sinais fisionómicos e fisiognomónicos distintos. Lavater estudou e reconheceu a
11 - O ângulo facial, por Petrus Camper. Estudos de A. Dürer, da diversidade fisionómica em perfil.
12- Análise de ângulo facial 81,5 e 90 graus. Imagem elaborada em Adobe Photoshop, pelo autor.
importância do fisionomista em observar estas pequenas variações, escrevendo que “ quem
acha que as testas ou frontes são todas iguais e não percebe que existem grandes diferenças
entre as orelhas, nunca se tornará fisionomista”61. Para além das características físicas,
literárias, humanas e psicológicas que Lavater entendia que o fisionomista deveria
manifestar no exercício da sua profissão, este deveria atribuir uma enorme importância ao
perfil, vista privilegiada para a observação da forma, da posição ou proporção e a relação
entre os diversos elementos da cabeça. Lavater chama à sua versão da teoria do ângulo
facial de Camper “a linha da animalidade”, onde observa existir um conjunto de relações
ente as partes que compõem o rosto, a saber, a relação da boca com o conjunto da cabeça,
a relação da boca com o olho em particular, a determinação da relação a partir do
comprimento da boca vista de perfil, a partir da forma e da curvatura da boca de perfil, a
partir do ângulo de esta linha com a o olho, supondo uma nova linha tirada do centro do
olho à extremidade da boca. Destes parâmetros Lavater começa a estabelecer os princípios
para a construção dos valores fisiognomónicos que por vezes correspondia ou à
inteligência, à bondade ou à sanidade espiritual. É com o perfil que conseguimos ter a
consciência da importância que as pequenas alterações do rosto provocam na correcta
apreciação do carácter da pessoa retratada.
61 LAVATER, Jean Gaspard, “Essai sur Physiognomonie”, vol I, 1871, p. 118.
13- Perfis de Sócrates segundo Lavater, Essai su la Physiognomonie, pp. 181, 1781
Cap. II.IV – A Perspectiva
Na Primeira secção do seu tratado de Pintura, Leonardo da Vinci, afirma que a
primeira coisa que um jovem deve aprender é a Perspectiva “para a justa medida das
coisas”62. A noção de perspectiva refere-se ao efeito de distância na aparência dos objectos
e dos planos da cabeça quando falamos de Retrato 63, ou seja, trata-se de um sistema
matemático que cria a ilusão de espaço e profundidade numa superfície bidimensional64. A
aplicação da perspectiva no Retrato coloca o modelo no espaço, retira a sua índole
construtivista que temos analisado para posicionarmos o retratado num local que
(virtualmente) existe e, por conseguinte, contribuirá à aproximação do modelo com o
observador. Dependendo da posição do modelo no desenho, o uso da perspectiva linear65,
poderá variar entre a utilização de um, dois ou três pontos de fuga, sendo o primeiro
utilizado para vistas frontais e os seguintes para vistas a ¾ com maior incidência para a
aplicação dos dois pontos de fuga. Quando aplicamos a perspectiva empregamos os
conceitos de linha do horizonte, pontos de fuga ou e linhas ortogonais (fig.9). A linha do
horizonte percorre o plano da figura ao nível dos olhos do observador. Assemelha-se numa
paisagem à linha onde o céu encontra o solo. Na perspectiva de um ponto de fuga, este
deve estar localizado no centro da linha do horizonte, ou muito perto. As linhas ortogonais
deverão, então, dirigir-se todas para este ponto. Estas são como raios visuais que auxiliam
o olho do observador a unir os vértices da forma e dos planos com o ponto de fuga.
Em suma, a perspectiva procura estabelecer as seguintes regras:
- As linhas ortogonais quando acima ou abaixo da linha do horizonte tendem a
dirigirem-se para o nível dos olhos – mesmo que esta relação seja muito pouco perceptível,
a influência que esta tem no resultado final é determinante.
- As linhas ortogonais que, na vista frontal, recuam do plano principal encontram-se
ao nível dos olhos dirigindo-se para o ponto de fuga.
62 Em “El Tratado de la Pintura por Leonadro de Vinci, y los três libros que sobre el mismo arte escribió Leon Bautista Alberti”, tradução de
Rejon de Silva, Diego Antonio, 1827, Madrid.,p. 40 63 Em BRIDGMAN, George, “Complete guide to drawing from life”, p.76 64 “…turns the picture plane into a picture window”, como refere MAUGHAN, William L. em “The Artist´s Complete Guide to Drawing the
Head”, New York, 2004, p. 45 65 Diz Leonardo da Vinci que “o ofício da perspectiva linear é provar com medidas e através de linhas visuais quanto menor aparece um segundo
objecto em relação a outro primeiro e assim sucessivamente até ao fim de todas as coisas que se vêem”, em “Tratado de Pintura por Leonardo da Vinci,…”, idem p. 145
- Quando os objectos se afastam ou recuam, parecem mais pequenos, logo o olho
do modelo mais próximo do observador deverá ser ligeiramente maior que aquele que já
acompanha a linha ortogonal em direcção ao ponto de fuga.
Mesmo através da fotografia estes princípios são verificáveis e na análise realizada no
modelo observamos com clareza a existência de uma linha horizontal que define a posição
do olhar do observador (neste caso da lente da máquina fotográfica), assim como todas as
linhas abaixo e acima desta que convergem para dois pontos de fuga. O cruzamento dessas
linhas indica a mudança dos planos da cabeça e deve ser nessa zona que existirá uma
mudança de zona iluminada e zona em sombra. Nas duas figuras abaixo, constatamos que
a introdução da perspectiva dá ao Retrato uma Harmonia que o rosto elaborado sem
perspectiva (modificado digitalmente) não pode ter. Para além do já indicado tamanho dos
elementos, também a proporção entre eles alterna-se de uma indicação objectiva para uma
indicação relativa.
14 - Perspectiva segundo George Bridgman e Andrew Loomis.
Para Leonardo da Vinci, a perspectiva na Pintura representava três aspectos
fundamentais que se resumiam à diminuição do tamanho dos objectos e das cores em
relação a diversas distâncias e ao escurecimento e à “confusão” de contornos das figuras
vistas desde várias distâncias. Ora, estes são princípios que o retratista também deverá
reconhecer, na medida em que certas partes do rosto podem ser mais destacadas que outras
através da perspectiva. Se atendermos ao desenho da boca, os seus extremos deverão
demarcar sempre uma linha que se dirige para um ponto, a não ser nas vistas frontal ou de
perfil puras. De igual modo, também os pontos antropométricos que se apresentam
duplamente em simetria, quando utilizados na construção proporcional do rosto, reforçam
essa direccionalidade ao ponto de fuga tornando-se um forte auxiliar do Desenho. O olho
mais próximo do observador na vista de ¾ poderá ter um destaque maior em relação à
orelha que se vê ou ao olho mais distante, ao mesmo tempo que com uma “breve
deslocação do nosso ponto de vista, confirmar a sua altura e consequente colocação dos
olhos”66 e isso só é possível com a existência da perspectiva.
A perspectiva é, portanto, um método matemático de organização do espaço. A sua
flexibilidade em organizar esse espaço através das variações dos seus princípios
matemáticos, proporciona ao desenhador uma multiplicidade de composições fazendo dela
uma fonte de inspiração dinâmica e inspiradora. Cumpre as regras tanto da “correcção”
como da “harmonia”, numa relação íntima com a teoria das proporções que “aspira a
conseguir o mesmo com respeito aos corpos humanos e animal”.67
66 RAMOS, Artur, “Desenho da Presença”, p. 332 67 RITTO, Isabel, “Antropologia…”, Fbaul, 2001, p. 163
15- Análise da aplicação da perspectiva no modelo. Imagem elaborada em Adobe Photoshop, pelo autor.
Cap. II.V- As Proporções da Cabeça
Assim como a Perspectiva, também os princípios das Proporções da cabeça humana,
pelos quais nos regulamos, tiveram origem no séc. XV, como vimos anteriormente. Estes
dois aspectos considerados no Retrato comportam-se tanto de forma absoluta como
relativa, na medida em que a distorção perspectiva protagonizada na vista a 3/4 altera a
relação proporcional das partes. Estas proporções auxiliares, deverão sempre serem vistas
como indicadores auxiliares que nasceram da observação, e não regras que, não obstante o
modelo, devem ser seguidas. Como diz Artur Ramos, “o conhecimento da proporção no
âmbito do Retrato deve basear a procura e a escolha do ponto de vista e consequente
deformação que este ou a inclinação da cabeça possam apresentar”. A Proporção, a par
com a Harmonia contribui para um rosto equilibrado e natural.68, daí que seja fundamental
o conhecimento das proporções do rosto humano por parte dos retratistas e a forma como
estas são progressivamente desenhadas.69.
Pressupondo o reconhecimento artístico da subjectividade, Miguel Ângelo fez uso
dos três factores que constituem a diferença entre as proporções “objectivas” e as
proporções “técnicas”: a influência do movimento orgânico, a influência do escorço e a
atenção dada à impressão visual do observador70. É realmente o Renascimento que legitima
essas três formas de subjectividade. Na arte egípcia, apenas o que era objectivo era
representado, os seres humanos moviam-se de acordo com regras de representação, em
que a própria amplitude dos movimentos era codificada. Na Idade Média, o plano em que
se efectuava a representação foi privilegiado sobre o sujeito ou o objecto. Embora existisse
movimento, não obstante os corpos se virarem e torcerem de várias maneiras, não é
atingida uma impressão real de profundidade. Na Antiguidade Clássica, foram
reconhecidos os três factores subjectivos: movimento orgânico, perspectiva em escorço e
ajustamentos ópticos.
Assim compreendemos que a História das Proporções é também reflexo da
História da Humanidade. Como exemplo, com a instauração do Período Bizantino nos
finais do século IV, a única semelhança representada era exclusiva de Jesus Cristo,
68 Gaurico, Pompónio. De Sculptura (1504), p.149: “Toda a deformação, por falta ou por excesso, é um sinal de defeitos
psíquicos; os artistas apresentam traços caricaturescos aos atormentadores e inimigos da fé.” 69 Richard Schmid, 1934-…, (autor e pintor realista norte-americano, considerado uma das maiores referências acuais do estilo)
refere na sua demonstração em vídeo “the Captain´s Portrait” que inicia um retrato marcando uma linha horizontal referente à linha horizontal mediana e uma linha vertical que marca a posição da cabeça. Em seguida marca a distância entre os olhos que sabe equivaler à dimensão de um olho, procurando as relações entre partes até chegar ao nariz. Aqui afirma que muitas vezes somente estas marcações rigorosas são suficientes para captar uma semelhança do retratado.
70Lê-se em RITTO, Isabel, “Antropologia…” ,,Fbaul,2001, p. 163, “O movimento orgânico introduz na composição artística a vontade e as
emoções subjectivas daquele que é apresentado. O escorço traduz a experiência visual subjectiva do artista. Os ajustamentos ópticos substituem o “que é certo” pelo que “parece certo” à experiência visual subjectiva dum potencial observador.”
relegando ao rosto humano uma representação simbólica e convencional71 . Segundo Erwin
Panofsky, surgiu nos ateliers bizantinos, um sistema algébrico ou numérico de medidas,
(fig.15) que reduzia as dimensões do corpo a um módulo único que seria “muito mais
compatível com a tendência medieval à esquematização que o sistema clássico das fracções
comuns”.72 Assim, a vantagem da rápida construção compensava a perda de elasticidade e
de vida das figuras, e consequentemente, de semelhança. O esquema dos três círculos na
representação de Jesus Cristo e a inscrição de cabeças de pessoas ou de animais em formas
simples e complexas como triângulos, esferas, quadrados ou estrelas de 5 pontas,
demonstram os métodos de esquematização geométrica que, ao mesmo tempo que
procurava uma harmonia cosmológica, se afastava na sua relação com a Arte e em
consequência desse facto os preceitos práticos começaram a não fazer sentido nessa mesma
harmonia.
Portanto, não foi por mero acaso que, no início do séc. XV, no Renascimento
italiano, a teoria das proporções veio recuperar uma interpretação cosmológica mas agora
misturada com a noção clássica de Symetria, 73“entendida como o princípio fundamental
da perfeição estética” (Panofski, 1987). O novo império romano florescia novamente com
as artes e a filosofia do mundo clássico integrada numa vida moderna. Masaccio (1401-
1428) finalmente dominava a ciência da perspectiva, Alberti (1404-1472) redigia os
princípios da arte e arquitectura renascentistas nos seus tratados “Della Pittura” (1435) e
“De Re Aedificatoria” (1450), numa altura em que tanto Michelangelo (1475-1564) quer
Leonardo da Vinci (1452-1519) eram ainda aprendizes.
71 “ Em RILEY, Luise C. Kainz / Olive L, Portraits and Personalities; An Introduction to the World´s Great Art”, 1968, HARRY
N. ABRAMS, INC. Publishers, Nova Iorque, p. 17 72 Diz Panofsky:”:…um canon que transmitia relaciones más bien que cantidades reales suministrava al artista una idea vívida e
simultánea del organismo tridimensional, pero no un método para construir sucessivamente su imagen bidimensional.” 73 Symmetria: junção da proposição grega syn, que em latim é cum, com a palavra metron ou metria, que em latim é mensura.
Logo symmetria equivale em latim commensus ou commensuratio.
16- Teoria dos 3 círculos, era bizantina.
Quer no Renascimento quer em tempos seguintes, escreveram-se muitos tratados
sobre as Proporções, a Matemática e a Arquitectura em Itália e Alemanha de um modo
geral, separando a temática em duas direcções: a alta especulação matemática que escrutina
as leis da Mecânica celeste e a do empirismo que analisa as normas da criação estética
através do imenso acervo universal deixado pelas artes plásticas. Em 1509, o frade
franciscano Fran Luca Paccioli74 apresenta, em Veneza, a sua obra “De Divina Proportione”
que Platão já tinha mencionado no seu Timeu e a quem Paccioli atribui a autoria da “divisão
de um segmento em meia e extrema razão”75. Esta proporção foi denominada como
“Divina” pelas numerosas correspondências de semelhança que guarda “com as
propriedades da Divindade”, ou seja, é única, imutável e está presente em tudo o que criado
pela Natureza. Em síntese, a secção áurea, (assim foi reconhecida esta teoria a partir da
primeira metade do Séc. XIX), definia que uma linha ACB está dividida segunda a dita
proporção quando a relação da parte maior com a parte menor seja igual à relação de toda
a linha com a parte maior. Ou seja a/b =c/a. A partir desta equação, Luca Paccioli
demonstra o número incomensurável Φ (Phi), ou mais concretamente, 1,618033…, “o
princípio universal e objectivo da Beleza”76.
74 Luca Pacioli da Borgo Sansepolcro, 1445-1517, foi um monge franciscao e célebre matemático italiano. A sua obra “De
Divina Proportione” está considerada como uma das obras mais significatias do ambiente cinêntífico e artístico da Itália dos finais do Século XV, sendo o ponto de partida de inúmeros trabalhos dedicados às proporções do corpo humano e da arquitectura escritos “à posteriori”. Esta obra respondeu àvisão estética e filosófica do neoplatonismo da época que concebia a imagem do universo como uma construção harmoniosa na qual o Homem e a Arte viriam a ser um reflexo de uma superior ordem cósmica. Ilustrada com 60 gravuras realizadas por Leonardo da Vinci, seu amigo próximo,
75 Em, GHYKA, Matila, “Estética de las proporciones en la naturaleza y en las Artes”, Edição espanhola de 1977, prefácio. 76 Em CALATRAVA, Juan, Trad., “Luca Paccioli, La Divina Proporción”, Madrid, Editora Akal, 1991, p. 20.
17- A Proporção Divina no rosto humano, segundo esquema de Matila Ghyka. Esquema elaborado digitalmente em Adobe Photoshop, pelo autor.
Sem aprofundarmos a questão da presença da Divina Proporção na geometria da
cabeça humana e, consequentemente, no rosto, achamos importante fazer notar a
sobreposição de um esquema de Matila Ghyka77 em “The geometry of Art and life”, publicado
em 1977, onde se identifica uma coerência geométrica entre o esquema apresentado e a
posição das partes do rosto. Podemos destacar a relação entre os cantos dos olhos, a base
do nariz e os cantos da boca opostos e a partir dessa linha entendermos uma contínua
interligação de intersecções e conexões que definem uma armadura coerente no plano
facial.
Na edição de “Méthode de dessin à lúsage des écoles et des lycées contenant l´enseignement
analytique de l´art du dessin” de Adolphe Yvon, de 186778, que contém uma série de diagramas
(fig.16) sobre as proporções da cabeça humana, na qual a cabeça masculina representa o
cânone a seguir, lê-se como subtítulo “ contém o ensino analítico da Arte do Desenho e Proporções
da figura humana baseada na tradição da Antiguidade e dos grandes Mestres”, numa alusão à ainda
presente teoria das Proporções renascentista. As nove definições indicadas são as seguintes:
1 – O ponto médio entre o topo do crâneo e a base do queixo marca a linha
horizontal para os olhos desde a carúncula.
2 - O ponto médio entre a linha dos olhos e a base do queixo marca o ponto onde a
base do nariz encontra a face.
3 - O ponto médio entre onde a base do nariz encontra a face e a base do queixo
marca onde começa o queixo.
77 Matila Costiesco Ghyka (1881-1965), escritor, matemático, historiador, filósofo e diplomata romeno, elaborou várias obras
sobre as teorias das Proporções, em concreto a Divina Proporção e o número Phi. 78 Adolphe Yvon (1817-1893), famoso pintor francês do século XIX, pelas suas pinturas sobre as guerras napoleónicas. Deu
aulas na École des Beaux Arts, em Paris e John Singer Sargent, em 1874, foi um dos seus mais conhecidos alunos.
18- Método de Desenho das Proporções, por Alphonse Yvon.
4 – O ponto médio entre estas duas últimas linhas marca a posição dos cantos da
boca.
5 – A maior largura da oval que descreve a cabeça (vista frontal) está num ponto a ¼
da altura da cabeça desde o topo.
6 – Um quinto desta largura marca o tamanho do comprimento do olho, a largura
do espaço entre os olhos, e a largura do canto exterior do olho à linha que descreve a parte
mais larga da cabeça.
7 – As orelhas “caem” entre duas linhas, começando pelo contorno superior do olho
e a base do nariz.
8 – Em perfil, desde a carúncula ao ponto mais posterior da cabeça são ¾ da altura
da cabeça.
9 – Em perfil, o orifício do ouvido cai no ponto médio entre as linhas que marca o
topo e a base do nariz.
Outras considerações, deste texto, são:
- A largura da cabeça é dividida em 5 partes.
- Para desenhar a cabeça, é necessário, antes de começar, entender as proporções
básicas. Estes desenhos definem as proporções gerais. Mesmo assim, estas devem ser
consideradas com linhas-guia da construção de uma cabeça, devendo fazer nota da
infinidade de variedades de variações apresentadas pela natureza.79
79 Texto original: “ To draw the head, one must, before starting, understand the principle proportions. The drawings give the
general proportions. However, they should be considered as guidelines in the construction of a head, and note must be taken of the infinite variety of variations presented by nature.”
19- Identificação das proporções do rosto no modelo. Esquema elaborado digitalmente em Adobe Photoshop, pelo autor.
Esta última afirmação não podia estar mais perto da verdade, pois como observámos
muitas são as variáveis presentes na construção de uma cabeça humana e todas elas têm a
sua acção na estrutura matemática da cabeça e que faz com que o rosto se modifique ao
longo da vida. Em análise sobre fotografias tiradas ao modelo, identificamos as 9 definições
indicadas por Yvon e observamos que estas estão realmente presentes, mas não se
verificam. O retratista deverá através da observação verificar a veracidade das proporções
do rosto e ser capaz de corrigi-las com todo o rigor, pois o equívoco no desenho das
proporções dá ao resultado final um retrato que não é fidedigno na sua semelhança e,
portanto, desviante da pessoa retratada.
Cap. II.VI - Os músculos da Expressão ou da Mímica
Charles Rochet80, acerca dos músculos da face afirma que estes apresentam
características distintas dos restantes músculos do corpo humano, “…eles são planos, finos,
aderentes à pele, que se esticam e contraem em vários sentidos, e assim, modificando a
idade do rosto, formando (…) os músculos de expressão, ou seja os músculos que, pela sua
acção e finura extremas, transmitem ao exterior e deixam ver o que se passa como
sensações, dentro do cérebro dos indivíduos”.81
Os músculos de expressão são portanto todos os músculos da cabeça para além dos
que Rochet considera como os músculos de força e os de acção, os quais são intitulados
também como “músculos formais” pois ao se encontrarem à superfície “dão a forma
definitiva à nossa face, os traços do nosso rosto82”. Como é comum nos tratados de
anatomia aplicados às Belas Artes como pintura, escultura ou o Desenho, Rochet exclui
todos os músculos internos da cabeça de uma enumeração que comporta 9 músculos
principais (Fig. 19): os frontais, o “orbicular das pálpebras”, o “orbicular dos lábios”, o
elevador comum do nariz e do lábio superior, os dois zigomáticos, o “quadrado” do mento,
o “triângulo” do lábio inferior, o masséter e o temporal.
É notório que Rochet não refere outros músculos muito importantes na mecânica
das expressões faciais e confunde alguns como simétricos quando na realidade não são
80 Charles Rochet (1815-1900), Pintor, escultor e Desenhador francês, Nasceu em Paris onde foi professor na École des Beaux,
Arts 81 Tradução do autor. Texto original “…ils sont plats, minces, adhérents à la peau, qu´ils entraînent et font plisser en divers sens,
et par là, modifiant l´etat du visage, deviennent, comme nous l´avons dit, des muscles d´expression, c´est-à-dire des muscles qui, par leur action d´une mobilité extremes, transmettent au dehors et laissent voir ce qui se passe comme sensations, dans le cerveau des individus.”, ROCHET, Charles, “Traite d´Anatomie, Anthropologie et Ethnographie Apliquees aux Beaux Arts”, de 1886, p. 119
82 Idem “ …ils donnet la forme définitive à notre face, les traits à notre visage”, p. 119
20 - Miologia da cabeça segundo Charles Rochet.
(caso do músculo frontal), ao mesmo tempo que refere o masséter e o temporal como
intervenientes das expressões quando na realidade não é assim. Tanto o masséter como o
temporal têm como acção puxar a mandíbula, ou seja, fechar a boca, tendo o temporal a
acção adicional de retrair a mandíbula. É óbvio que estas acções têm um papel importante
no desenho das expressões faciais e contribuem de forma decisiva para dar enfase a certas
expressões, mas são músculos mais de “força” e de “acção” que de “expressão”83. Gary
Faigin, no seu “Artist´s complete guide to facial expression”, de 1990, actualiza estes dados e
atribui a 11 músculos a generalidade dos movimentos das expressões faciais, atribuindo a
cada um as expressões que lhe correspondem. (fig. 20)
Os músculos da expressão não têm o mesmo nível de presença nos movimentos da
face. Podemos compreender facilmente que a superfície sobre a derme do rosto não é
totalmente preenchida pelos músculos que tornam possíveis as expressões faciais e que
estes estão dispostos em estratos de profundidades distintas84. Numa lógica de análise desde
o estrato mais profundo ao mais superficial, a figura 21 ilustra bem a distribuição dos
músculos da mímica facial.
Assim, cremos ser de melhor compreensão a elaboração de um quadro que resume
estes músculos, as suas origens e inserções, qual é a acção que a lhes corresponde e a sua
correspondência com as expressões faciais do rosto humano, o qual apresentamos como
anexo. A este quadro incluímos outros músculos que mesmo estando ausentes das duas
obras citadas, comprovadamente estão associados às expressões faciais (estes variam na
numeração).
83 Idem, idem 84 Como nota Filipe Franco na sua tese de mestrado da FBAUL, “Aproximação facial de 4 crânios..”, em 2012, referindo-se a Gerhard
Ferilinger e ao seu estudo de distribuição dos músculos da mímica facial segundo a localização tridimensional no espaço.
22- Músculos de Expressão, segundo Gary Faigin. 21- Profundidade dos músculos de expressão, segundo Filipe Franco.
Músculo frontal
Músculo corrugador
Músculo orbicular dos olhos
Músculo elevador dos lábios e
da asa do nariz
Músculo elevador do lábio
superior
Músculo zigomático maior
Músculo zigomático menor
Músculo risório
Músculo masséter
Músculo depressor do lábio inferior
Músculo depressor do ângulo da boca
Músculo
do mento
Músculo orbicular da boca
Músculo elevador do ângulo da boca
Músculo zigomático menor
Músculo zigomático maior
Músculo risório
Glândula parótida
Músculo masséter
Músculo Esternocleidomastóide
Fascia do Deltóide
Músculo Bucinador
Músculo frontal
Músculo corrugador
Músculo orbicular dos olhos
Músculo do mento
Músculo elevador do ângulo da boca
Músculo Prócero
Músculo depressor do lábio inferior
Músculo depressor do ângulo da boca
Músculo elevador do lábio superior
Músculo elevador dos lábios e da asa do nariz
Parte transversal do músculo nasal
Músculo orbicular da
boca
23- Músculos de Expressão (vista frontal e vista de perfil). Desenhos retirados de Gordon, Louise. Desenho Anatómico,1979
Cap. II.VII – A Anatomia de Superfície
O termo anatomia de superfície da cabeça humana refere-se ao reconhecimento e
entendimento, com maior incidência na massa facial, do relevo do rosto. Todas as
saliências, proeminências, depressões e protuberâncias que deverão ser desenhadas no
sentido de melhor definir a topografia do rosto do modelo, contêm um suporte esquelético
ou muscular que importa conhecer. O conhecimento anatómico e miológico da superfície
do rosto humano adicionará ao retratista a noção estrutural morfológica da cabeça que
contém elementos identificadores que também contribuem para a semelhança. Para que a
figuração realista do Retrato, detenha o grau de semelhança anatómico desejado85, não
deverá existir um desconhecimento das relações volumétricas e antropométricas entre a
estrutura óssea e a massa muscular ao nível superficial, poderá sim existir um
desconhecimento científico de que não dependa a tridimensionalidade da figura a ser
desenhada.
Muitos artistas, nomeadamente pintores, afirmam que não é necessário o
conhecimento anatómico e miológico da cabeça, se o retratista for capaz de representar
correctamente “o que vê”, através de muita prática de treino do seu olhar e da sua
percepção visual, assim como o claro entendimento da acção da luz e sombras. Porém, se
falarmos de um Desenho de memória onde se deseja captar a semelhança do modelo, deter
a capacidade de entender e localizar as relações entre a estrutura óssea e a volumetria
muscular identificando alterações na superfície do rosto, tem toda a importância. O
esqueleto é a primeira base estrutural para a definição de um tipo de rosto, pois define a
tipologia fisionómica tanto do tipo de ângulo geral do rosto86, como, por relação, dos
diversos ângulos entre as partes, como vimos anteriormente.
Além disso, o crâneo também apresenta elementos formais que são relevantes no
registo do indivíduo, através do seu relevo único. Charles Rochet (1815-1900), no seu
“Traité d´Anatomie, d´Anthropologie et d´Ethnographie apliquées aux Beaux Arts”, de 1886, indica
“os pontos que se deve observar sobre a natureza para chegar ao conhecimento exacto dos
crânios dos indivíduos e dos povos”87 no que chama de “Crânio artificial” (“Crane Factice”),
85 Com a representação das zonas em sombra própria ou reflectida, os reflexos de luz e as diversas tonalidades que fazem a
superfície do rosto. 86 A moderna antropometria atribui ao perfil humano três classes: o perfil côncavo apresenta uma curvatura reentrante que
deprime o nariz que se encontra recuado em relação à fronte e ao mento; o perfil convexo, cujas saliências tocam um arco de modo que o queixo e a testa recuam atirando o nariz para a frente; e o perfil direito cujos traços encontram-se dentro de uma certa verticalidade e as saliências são aferidas em relação a uma vertical assim como os pontos do perfil mais recuados. Ramos, Artur,, “O Desenho da Presença”, p 103
87 Tradução : “Crane Factice donnat tous les pionts qu´on doit observer sur la nature pour arriver a la connaissance exacte des cranes des individus et
des peuples.” p. 30
através da definição de 15 pontos localizados na linha mediana (à excepção dos dois
primeiros pontos) (fig.22).
Mas quando observamos um indivíduo a morfologia do seu rosto é constituída por
concavidades todas elas associadas directa ou indirectamente ou a um músculo ou a um
osso. Ou seja, as rugas observadas num rosto não são nem osso nem músculo mas são
formadas sim pelo estreitamento da pele entre os músculos ao mesmo tempo que as linhas
faciais surgem nas extremidades dos próprios músculos88. Estas marcas tendem em
aparecer nos rostos mais afectados pelo envelhecimento e este caracteriza-se por 3 factores:
- A perda de volume facial, que ocorre de forma progressiva ao longo do tempo.
Este fenómeno pode ser comparado com o que acontece a uma uva quando se torna uma
passa. A pele vai perdendo gordura, massa muscular e a estrutura óssea também reduz o
seu volume. Enquanto que todas as estruturas faciais são afectadas por atrofio ou
encolhimento enquanto envelhecemos, a perda de volume ocorre mais nos
compartimentos de gordura subcutânea e numa extensão inferior no osso, nos músculos e
nas camadas de pele.
- A perda de massa das bolsas de gordura é dos componentes mais destacados do
envelhecimento do rosto, pois a gordura subcutânea está separada em vários
compartimentos. Duas das áreas que tende em perder mais gordura são as bochechas e as
têmporas. Esta redistribuição, nova acumulação e atrofio da gordura leva à perda de volume
facial.
88 LOOMIS, Andrew, “Drawing the Head and hands”,1956, p. 59
24 - A estrutura óssea e os pontos salientes, segundo Charles Rochet.
Porém, outras áreas ganham gordura, como a zona da boca e do queixo e estas,
assim como as modificações das “almofadas” de gordura, levam a uma alteração do
contorno do rosto. Assim, as áreas de gordura separam-se e em vez de uma camada
contínua e suave, surgem como elementos separados.
- O atrofio muscular é bastante significativo quer no rosto quer em todos o corpo.
O envelhecimento do esqueleto craniofacial poderá ser provocado na dinâmica da
expansão e na reabsorção óssea. Esta reabsorção leva à perda biométrica de volume e
poderá ser mais pronunciada nos maxilares superior e inferior se o indivíduo teve perda de
dentes. Sem o suporte estrutural ósseo começam-se a notar alterações nas outras camadas
de tecido mole e de pele.
Também a própria gravidade tem um papel importante na representação do
envelhecimento, já que com a falta de elasticidade dos tecidos moles e o enfraquecimento
dos ligamentos de retenção da face, ou seja, a eficácia do colagénio na pele e dos tecidos
25- Perda de massa das bolsas de gordura do rosto
26- Perda de elasticidade do rosto
subcutâneos decresce tanto em quantidade como em qualidade. A elastina deteriora-se e,
além disso, os ligamentos de fixação que prendem os tecidos moles faciais para
proeminências ósseas da face ficam enfraquecidos e menos capazes de manter a pele e os
compartimentos de gordura. Sob a influência da gravidade, os tecidos moles gradualmente
cedem para criar características de envelhecimento.
- Outro aspecto é a deterioração que é classificada como as alterações que
ocorrem na pele e que afectam a sua textura e a sua cor Estes sinais são importantes para
um aspecto mais ou menos envelhecido do rosto e podem ser comparados no quadro
abaixo:
SINAIS VISÍVEIS DE DETERIORAÇÃO DA PELE
PELE JOVEM PELE ENVELHECIDA
Superfície suave Superfície áspera
Translúcida Seca e escamosa
Poros invisíveis ou muito
pequenos Poros abertos
Pele “apertada” e sem rugas Rugas finas e grossas
Cor uniforme com pouca
tonalidade Discromia e manchas
Sem manchas pigmentadas ou
vasos sanguíneos danificados.
Manchas, pontos vermelhos e
vasos sanguíneos
Cabelo escuro Cabelo cinzento
Cap. II.VIII – As Partes do rosto
Apesar de analisarmos um modelo específico de forma a possibilitarmos a sua
representação “semelhante”, devemos indicar de uma forma generalizada, quais as partes
do rosto que o definem como indivíduo (logo, com vida, sentimentos e expressão). Estas
encontram-se no plano frontal da cabeça, já mencionado anteriormente e que são a fronte,
o nariz, a orelha, a boca, o queixo e os olhos89. Todos eles, com certeza envoltos em
saliências e concavidades superficiais “…que os circunscrevem e (…) eles formam”90 e que
devem ser constatadas pela sua maior ou menor evidência través de uma observação
cuidada da cabeça 91. As referências às várias partes do rosto apresentadas neste capítulo
pretendem demonstrar a importância que cada uma delas tem para a representação das
expressões, assim como propõe um mais aprofundado estudo das suas especificidades.
Assim, a fronte92 (a porta da alma ou o templo do pudor), é o elemento
preponderante da parte superior do rosto e aquele que está mais relacionado com as partes
sólidas do rosto, nomeadamente o osso frontal e o arco superciliar. Mesmo com a formação
de rugas, a variação do perfil da fronte é determinada pela constituição óssea e é o osso
frontal que determina a forma geral da testa. A comparação de vistas de perfil de diversas
frontes ilustra bem a diversidade que esta parte do rosto pode apresentar e a sua
importância na representação do indivíduo retratado, podendo variar entre uma superfície
plana e uma superfície arredondada, como ilustrado na figura 12 (cap. II.III). Lavater
atribuiu à fronte uma enorme importância e destaque, tendo registado tanto as suas
variações na vista de perfil como os aspectos mais formais da sua constituição
tridimensional, nomeadamente o seu grau de curvatura no sentido horizontal e como se
desenvolve na transição para o plano lateral do rosto definindo a arcada superciliar e
indicando o ponto de flexão do sobrolho. A vista frontal também ajuda a definir se a fronte
é larga ou estreita, se aumenta ou diminui na parte superior ou inferior e se as bossas
frontais são mais ou menos visíveis quando relacionadas com o resto do rosto e das suas
partes. Todas estas observações direccionavam-se para uma análise fisiognomónica do que
se poderia caracterizar como uma “fronte perfeitamente bela, da qual a expressão e a forma
89 ,segundo RAMOS, Artur, 2010, p. 218 90 Idem, p. 87 91 através de pequenas rotações que permitam, através de sombras e reflexos, entender o aparecimentos das grandes saliências até
às mais subtis concavidades. 92 Do grego φροvϮις “frontis”, que significa pensamento, ou do francês “coronal”, do latim coronalis que designa onde a coroa
assenta.
anunciam por sua vez a riqueza do julgamento e a nobreza do carácter”, através de vários
sinais indicados por Lavater.93
Por sua vez, Roger de Piles afirma que todas as partes do rosto contribuem para a
expressão dos sentimentos do coração mas os olhos especialmente pois, como disse Cícero,
eles são as “janelas da alma”94. Na verdade, os olhos tendem em ser a zona focal de um
Retrato, pois o ser humano olha para o centro do rosto para o seu reconhecimento físico
e psicológico e isso acontece analogamente na visualização de um retrato. A representação
de um olho cai, por isso, em vários erros que deverão ser tidos em conta. Por lhe darmos
muita importância há a tendência de serem desenhados maiores do que realmente são e o
desconhecimento da sua fisionomia também contribui para uma errada representação das
partes que o compõem.
Várias estruturas ósseas do rosto contribuem para a forma das órbitas que constituem
as cavidades ósseas onde os globos oculares se encaixam e protegem. O globo ocular tem
cerca de 2,5 centímetros de diâmetro e está associado aos músculos extra-oculares que
proporcionam ao olho os movimentos horizontais, verticais e rotacionais. Em termos
representativos do seu desenho, o globo ocular é composto pela esclerótica ou esclera que
é a membrana branca do globo ocular e a córnea da qual a íris é a parte mais visível do olho
93 Estes sinais tinham que ver com a proporção com resto do rosto, com uma largura que ao alto deverá ser oval ou quadrada,
não deverá ter rugas permanentes a não ser em momentos de meditação, dor ou indignação, deverá recuar no alto e avançar em baixo, vistos de cima, os ossos dos olhos deverão apresentar uma curva regular, poderá apresentar uma cavidade perpendicular e transversal desde que delicadas, a cor da pele deverá ser mais clara que a das outras partes do rosto. RAMOS, Artur, 2010, p. 221.
94 Texto original: All parts of the face contribute towards expressing the sentiments of the heart : But the eyes especially; which
are, as Cicero says, the windows of the soul. The passions they mod particularly discover are, pleasure, languifliing, scorn, severity, mildness, admiration, and anger ; to which we might add joy and grief, if they did not proceed more particularly from the eye-brows and mouth : But, when those two passions fall in also with the language of the eyes, the harmony will be wonderful.” PILES, Roger de, tradução inglesa de “Principles of Painting”, 1743, p. 105-106
27- A fronte verificada no modelo, nas vistas perfil, frontal e treçado. Esquema elaborado digitalmente em Office Word, pelo autor.
Bossas frontais
Sinus frontal
Fonte Chanfradura Frontal
Movimento das sobrancelhas
contendo a pupila no seu centro. A esclerótica nem sempre é a parte mais branca do olho95,
quando em comparação quer com o bordo da pálpebra inferior quer com os pontos fortes
de luz entre a íris e a pupila, fruto da saliência da córnea. A cor da íris varia bastante entre
pessoas e pode apresentar-se tanto em castanho escuro como num claro verde ou em vários
tons de azul. O círculo da íris varia a sua forma desde o círculo a uma elipse consoante o
olho olhe em diversas direcções ou exista a rotação da cabeça desde a vista frontal até ao
perfil. O diâmetro da íris corresponde, regra geral, a um terço do globo ocular, quando
observado na vista frontal. A pupila corresponde ao orifício no centro da íris que dilata e
contrai em resposta à quantidade de luz que lhe é projectada, dilatando na escassez de luz
e contraindo quando presente de uma luz intensa. A córnea é um tecido transparente
convexo que cobre a íris e lhe confere uma espessura adicional, provocando deste modo
os pontos de luz forte entre a pupila e o rebordo exterior da íris. Do lado oposto a este
ponto surge uma área mais clara da íris. O globo ocular é envolvido por duas pálpebras não
simétricas compostas pela parte palpebral do músculo orbicular ocular coberto por uma
camada muito fina de pele.
Numa vista frontal de uma posição em repouso, a pálpebra superior cobre a parte
superior da íris e tem como função fechar e abrir o olho, enquanto que a pálpebra inferior,
tende a ser sensivelmente tangente à íris. Ambas as pálpebras apresentam um ponto de
quebra das suas curvaturas, sendo no caso da pálpebra superior mais próximo da comissura
interna do olho e no caso da pálpebra inferior mais próximo da comissura externa. A
pálpebra superior preenche uma maior parte da área visível do globo ocular e por isso é
mais iluminada que a pálpebra inferior. Por esta avançar em relação quer ao olho quer à
95 Aliás esta varia entre um branco amarelado e um branco azulado ou acinzentado. WINSLOW, Vallerie, “Classic Human Anatomy,
the artist´s guide to form, function and movement”, New York, Watson-Guprill Publications, 2009
28- Os olhos e as sobrancelhas verificadas no modelo, nas vistas perfil, frontal e treçado. Esquema elaborado digitalmente em
Office Word, pelo autor.
Pupila Íris Esclerótica
Ligeira elevação da pálpebra
Carúncula Espessura da pálpebra inferior
iluminada
Pálpebra superior cobre a
parte superior da íris
pálpebra inferior, na vista de perfil, a pálpebra superior cria uma linha de sombra no globo
ocular. Por sua vez, o rebordo da pálpebra inferior fica tendencialmente mais iluminado
criando um contorno mais claro na parte inferior do olho. Em conjunto com o sobrolho
formado pela margem supra-orbital do arco superciliar, a pálpebra superior e, mais
concretamente o olho, ganha uma configuração que em muito ajuda à caracterização do
indivíduo. Também a abertura da pálpebra superior revela mais da íris contribuindo com
grande intensidade para a revelação de expressões no indivíduo como a admiração. Aliás,
a forma das sobrancelhas também apresenta uma maior facilidade de caracterização do que
os olhos, quer pela sua multiplicidade de formas quer pela sua capacidade infinita de definir
a “natureza das paixões”. Tendencialmente as sobrancelhas masculinas são mais espessas
que as femininas e apresentam-se no rebordo inferior do arco supraciliar ao passo que as
femininas encontram-se no rebordo superior, revelando-se mais afastadas do olho. As
sobrancelhas apresentam sempre uma quebra que acontece no segundo terço do lado lateral
e que ajuda a indicar a alteração dos planos frontal e lateral da cabeça. Devido ao subtil
controlo muscular existente especialmente no primeiro terço medial da sobrancelha,
pequenas alterações na sua posição de repouso podem indicar uma leve sensação de tristeza
ou espanto. Este é só um exemplo da importância das sobrancelhas nas expressões as quais
não são objectivo desta dissertação detalhar em pormenor mas que poderemos analisar
mais adiante nas expressões de alegria e tristeza. Os limites laterais das sobrancelhas
determinam um dos lados do triângulo que, com o terceiro vértice localizado no mento,
define tanto a forma central do rosto (onde se inscrevem os olhos, o nariz e a boca), como
delimita a área onde a acção muscular protagoniza a expressão.
O nariz, no centro do rosto, estabelece um acento de altura em oposição à direcção
horizontal dos olhos e da boca. A sua estabilidade na face provem da sua estrutura que
desde a sua raiz no meio da arcada supraciliar se desenvolve para a frente e para baixo até
à sua base, ou septo. De forma piramidal triangular, o nariz é composto formalmente por
quatro planos (um frontal, dois laterais e um de base horizontal), formados pelos ossos
nasais no terço superior e pelas cartilagens do septo nasal, as cartilagens superiores laterais
e inferiores laterais e as asas do nariz que constituem a porção inferior das paredes das
narinas que são formadas por tecido fibroadiposo96.
96 FRANCO, Filipe, “Aproximação facial de Quatro crânios..”, Fbaul, 2012, p. 122
As alterações na forma do nariz são quase infinitas e variam de indivíduo para
indivíduo, proporcionando ao nariz, do ponto de vista fisiognomónico, uma importância
vital na avaliação do carácter e na “detecção da natureza intelectual e espiritual”97, levando
autores como Lavater a considerá-lo como “a base, o pilar ou (..)o contraforte da fronte,
sobre a qual repousa o seu arco ou abóbada”.98 Através das transições mais ou menos subtis
entre as estruturas que compõem o nariz, as quais são mais evidentes quando observadas
de perfil, o indivíduo adquire uma interpretação fisiognomónica que lhe pode atribuir tanto
inteligência quanto inferioridade, através de um conjunto de relações geométricas e
matemáticas entre as suas partes e a face99.
Devido à sua posição central no rosto, o nariz é naturalmente afectado pela acção
muscular proveniente das expressões faciais. O movimento dos músculos de expressão
exerce sobre o nariz alterações na sua superfície, como a elevação das asas do nariz quando
o músculo orbicular dos olhos ou o músculo elevador do lábio superior se contraem, o
aparecimento de rugas na área da raiz quando o músculo corrugador se contrai. Por este
motivo a representação do nariz nas expressões deverá ter em consideração o perfil da
posição de repouso na sua forma e transições, mas também a sua acomodação às acções
musculares que o influenciam. O nariz deverá ser desenhado de forma a evidenciar o seu
destaque da face, trabalhando a sombra da base do nariz de modo a evidenciar a área de
luz da ponta do nariz tende a receber. De um modo geral, e visto no Retrato existir sempre
um emissor de luz preponderante em relação à luz que possa ser, a projecção do dorso do
97 RAMOS, Artur, 2010, p. 228. 98 idem 99 Artur Ramos descreve os nove princípios descritos por Lavater para a obtenção de um nariz “belo e regular” , p. 229.
29- O nariz verificado no modelo, nas vistas perfil, frontal e treçado. Esquema elaborado digitalmente em Office
Word, pelo autor.
Nasion Probabilidade de assimetria
Ponto de transição
entre o osso nasal e a
cartilagem do septo
Base do nariz em sombra Asa do nariz Narina Cartilagens alares
Cartilagens
laterais
Osso nasal
nariz também cria sombra na face do lado oposto ao ponto de luz, reforçando a posição e
avanço em relação à face.
A parte mais maleável da face encontra-se entre o nariz e o queixo ou mento. Os
lábios superior e inferior envolvem a abertura que antecipa a cavidade bocal. Quando em
repouso, a linha da fenda labial situa-se aproximadamente no terço superior da distância
ente a base do nariz e o mento, mas quando em movimento poderá obter uma variedade
enorme de formas curvilíneas. A boca justifica a sua forma pela existência de um tubérculo
abaixo do philtrum (ou goteira, que corresponde a uma depressão formada desde o lábio
superior até à base do nariz) no centro do lábio superior e dois toros no lábio inferior que
definem a forma final dos lábios quando estes encontram as comissuras nas extremidades
laterais. Por sua vez, os cantos da boca ou pontos mais laterais da boca encontram-se
alinhados, quando vistos de frente, com os centros das órbitas dos olhos, correspondendo
às pupilas. A forma geral da boca inscreve-se na curvatura do cilindro da cabeça não
devendo ser entendido como a curvatura dos dentes nos maxilares, sendo os cantos da
boca os dois pontos mais retraídos e a parte superior do tubérculo da boca o ponto mais
projectado. O lábio superior tende a avançar em relação ao lábio inferior que forma um
arco entre os dois toros e o seu contorno inferior sobre o sulco mentolabial projectando-
lhe uma sombra que ajuda à sua definição. Na vista frontal, o lábio superior aproxima-se
da forma do “M” enquanto que o lábio inferior tende a lembrar o “W”. A linha que a fenda
labial faz depende em parte do volume e da proeminência dos toros e do tubérculo e é ela
que define o aspecto emocional que a boca transmite.
Jean Gaspar Lavater cita Charles le Brun quando afirma que a boca é a parte do rosto
que marca de forma mais particular os “movimentos do coração”, considerando-a o mais
expressivo de todos os órgãos.
Na parte mais inferior do rosto encontra-se o queixo ou mento que começa a partir
do sulco mentolabial e apresenta-se com formas muito varáveis e, a par do nariz, constitui
30- A boca verificada no modelo, nas vistas perfil, frontal e treçado. Esquema elaborado digitalmente em
Office Word, pelo autor.
Philtrum ou goteira
Sulco Mentolabial Toro
s
Tubércu
Comissura
Labial
uma das partes mais salientes do perfil. O queixo altera a forma dos ossos ligeiramente pela
presença da camada epidérmica bastante densa e por músculos pouco prenunciados,
mesmo que nas expressões o mento desempenhe, (como na Tristeza) um papel revelador
do estado de alma. Por fim, a orelha que limita “excelentemente os lados da face”100, como
escreveu Julien Fau101, quando vistas de frente e que sempre reflectem os ângulos e a
inclinação do nariz, em perfil. A orelha consiste numa porção de cartilagem com forma de
taça formada por uma forma em espiral exterior, ou hélix, o antihélix ou a porção média
da orelha, e a concha que antecede o orifício auditivo protegido pelo trágus. Quando as
orelhas são observadas de frente, sem perspectiva, elas apresentam-se entre as linhas que
definem a base do nariz e as sobrancelhas. Na vista de perfil, a distância desde a comissura
exterior do olho ao trágus, corresponde à medida da base do nariz ao mento. Na
observação da cabeça humana, a orelha oferece informações importantes sobre a posição
da cabeça, a sua orientação e a posição do observador em relação à linha do horizonte.
100 Apud RAMOS, Artur, “Retrato: desenho da Presença”, p 77 101 Julien Fau, Doutor de medicina parisiense, autor de obras como “Anatomie artistique élémentaire du corps humain”, de 1899
ou“Anatomie des formes du corps humain a ̀ l'usage des peintures et des sculpteurs” de 1865.
Cap. II.IX – Os Pontos antropométricos
Os pontos antropométricos fazem parte de um vasto conjunto de pontos que se
denominam “notáveis” e servem, desde uma perspectiva do Desenho, como uma forma
de revelar geometricamente a estrutura interna da cabeça actuando como “uma síntese
entre o interior e o exterior estabelecendo relações proporcionais entre os diversos
elementos e porções da cabeça”.102
Devido ao elevado número de pontos já definidos por vários anatomistas e
antropólogos e perante a inexistência de um “limite para o número de medidas e
observações que podem ser feitas no corpo humano vivo”, farei somente referência aos
pontos notáveis que mais dizem ao Retrato, nomeadamente os 30 pontos descritos
graficamente com desenho do autor, por Artur Ramos, em “o Desenho da Presença”. A
drª Isabel Ritto, na sua dissertação de doutoramento103, apresenta 42 pontos e este número
tem variado tanto como as diversas abordagens antropométricas realizadas ao corpo
humano.
Mais uma vez, assim como acontece com as proporções, o facto de se identificar e
reconhecer os diversos pontos notáveis da cabeça, auxiliam o desenhador a estabelecer
relações geométricas entre as diversas parte do rosto e da cabeça, dando uso ao seu
“compasso”.104
Aquando das expressões faciais, a relação geométrica entre os pontos notáveis altera-
se e enfatizam-se certas áreas do rosto como veremos na análise do próximo capítulo. Na
realidade, entendemos ser necessária e pertinente uma observação qualitativa da
transformação geométrica do rosto baseada na malha criada pelos pontos antropométricos
identificados, na tentativa de verificar a real importância dos pontos antropométricos do
rosto no momento do Desenho do Retrato. Por outro lado interessa-nos questionar se a
sua posição relativa apresenta uma correlação com a expressão facial realizada105 e de que
102 RAMOS, A., 2010, p. 63 103 RITTO, Isabel, “Antropometria,…”2001. 104 A expressão “compasso nos olhos” tornou-se usual por vários autores ao longo dos tempos e define a natureza das operações
do desenho à vista, estando o compasso não na mão mas na mente do artista, o qual aplica critérios de análise e de correcção. 105 No caso do presente texto mais concretamente a Alegria e a Tristeza e as suas variantes: Na Alegria iniciou-se com a expressão
de repouso, o sorriso, o sorriso falso, o Riso e a Gargalhada; Na Tristeza a tristeza permanente, a surpresa de uma má notícia, o Choro e o Pranto.
modo as áreas formadas pela triangulação destes pontos variam em dimensão e relevância
quer com as partes do rosto ou o ponto de vista que é desenhado.
Para tal estudo, procedemos à marcação de alguns pontos antropométricos no
modelo, (fig. 29) com papel autocolante de côr verde fluorescente - para maior captação
dos pontos no processo em edição-, e filmámos o desenvolvimento das expressões nas
vistas frontal, perfil e treçado ou ¾, recorrendo a 3 cameras de vídeo em gravação
simultânea. Interessou-nos avaliar as expressões relacionadas com a Alegria e A Tristeza,
por estas serem opostas de um posto de vista emocional e por nos levantar a dúvida do
grau de discrepância na acção dos pontos antropométricos. Realizámos 4 amostras de cada
sequência, para fins de credibilidade do estudo, o que nos proporcionou um total de 108
amostras106.
Para a nomenclatura dos pontos antropométricos utilizam-se, convencionalmente,
as letras minúsculas, ficando as letras maiúsculas reservadas para os pontos estudados em
imagens radiológicas. Isto acontece também porque os pontos utilizados em antropometria
crânio-facial e cefalometria podem ter o mesmo nome mas não a mesma localização
106 As 9 expressões (ver acima) captadas em vídeo foram filmadas de 3 ângulos distintos e em 4 amostras distintas, o que perfaz
um total de 108 amostras.
Trichion
Frontotemporale
Glabela
Nasion
Palpebrale Superius
Sub-nasion
Exocanthion
Palpebrale Inferius
Endocanthion
Pronasale
Subnasale
Ponto da curvatura alar
Labiale Superius
Labiale Inferius
Stomion
Sublabiale
Pogonion
Menton ou Grathion
Gonion Otobasion Inferius
Subaurale
Postaurale
Superaurale
Tragus
Zygion
31- Pontos antropométricos verificados no modelo. Esquema elaborado digitalmente em Office Word, pelo autor.
anatómica. A marcação de cada um dos 25 pontos antropométricos do rosto do nosso
modelo, teve em conta as seguintes orientações de localização107:
- Trichion, geralmente abreviado como tr, é o ponto de origem ou nascimento do
cabelo, situado no eixo médio vertical. É um ponto como uma localização incerta e pode
mesmo não existir em casos de perda de cabelo ou na primeira infância.
- Frontotemporale (ft) é o ponto se encontra, de ambos os lados, lateralmente à
saliência da crista lateral do frontal. Localizam-se aproximadamente ao nível dos pontos
terminais das caudas das sobrancelhas. São dois pontos que dão pistas sobre a linha de
intersecção entre os
- A Glabela (g) está situada no plano médio vertical, encontra-se na saliência entre
as sobrancelhas e coincide com a glabela óssea do osso frontal. É o ponto mais
proeminente do espaço entre as sobrancelhas.
- Nasion (n) é o ponto que corresponde quer à linha média da raiz nasal, quer à
sutura naso-frontal. Tem a sua origem óssea e cutânea idênticas, pelo que a sua acção é
mínima. Situa-se sempre acima da linha horizontal que une os dois cantos inferiores. A
ligeira crusta óssea sobre a qual se situa pode ser palpada pela unha do observador.
- Subnasion ou Sellion (se) é o ponto mais profundo do ângulo naso-frontal e
encontra-se habitualmente entre os níveis da prega supra-tarsal e das pestanas da pálpebra
superior.
- Palpebrale superius (ps) é o ponto mais elevado da porção média do bordo livre
de cada pálpebra superior.
- Exocanthion (ex), ou Ectocanthion, é o ponto que corresponde ao canto externo
da fenda palpebral. Está situado um pouco para dentro do exocanthium ósseo (Lo) e é
igualmente denominado por comissura externa.
- Palpebrale inferius (pi) é o ponto mais inferior da porção média do bordo livre de
cada pálpebra superior.
- Endocanthion (en) é o ponto que corresponde ao canto interno da fenda
palpebral. Também é designado de comissura interna do olho ou por zona da carúncula.
- Pronasale (prn) é o ponto de máxima protusão da ponta do nariz (apex nasi). É
um ponto ou uma linha de quebra que define uma nova direcção do plano que passa a ser
107 Elementos retirados da obra de Artur Ramos e da tese de doutoramento de Isabel Ritto, já mencionados.
o plano da base do nariz. Identifica-se no perfil da face, estando a cabeça em posição de
repouso.
- Subnasale (sn) é o ponto médio do ângulo formado pela base do septo nasal com
o lábio superior. É identificado no perfil
- Ponto da curvatura alar (ac) é o ponto mais externo na linha curva da base de
cada asa, indicando a inserção facial da base da asa do nariz.
- Labiale superius (ls) é o ponto médio do bordo do lábio superior.
- Stomion (sto) é o ponto imaginário do cruzamento do eixo médio da face com a
fenda labial, estando os lábios suavemente fechados e os maxilares fechados na posição de
repouso (na qual as arcadas dentárias superior e inferior distam alguns milímetros).
- Labiale inferius (li) é o ponto médio do bordo do lábio inferior.
- Sublabiale (sl) corresponde ao bordo inferior do lábio inferior ou ao bordo
superior do mento. Corresponde ao ponto médio do sulco mentolabial, onde é formada
uma linha importante para a definição da boca, pois marca o limite da sombra própria da
saliência que o lábio inferior e o músculo orbicular labial produzem. A sua identificação é
fácil se o sulco mentolabial for profundo.
- Pogonion (pg) é o ponto mais anterior da linha média do mento, ou seja, o mais
proeminente, localizado na superfície da pele, em frente do ponto ósseo idêntico da
mandíbula.
Gnathion (gn) ou Menton é o ponto mais inferior da linha média do mento e o mais
baixo da cabeça. É identificado por palpação e é idêntico ao gnathion ósseo. Este é o ponto
usado na medição da altura da face, com o Vertex (ponto mais elevado da cabeça).
- Zygion (zy) é o ponto mais externo de cada arcada zigomática e a sua identificação
faz-se por palpação. É idêntico ao Zygion ósseo dos ossos malares.
- Gonion (go) é o ponto mais externo do ângulo mandibular e o que se encontra o
mais próximo possível do gonion ósseo. É identificável por palpação e mostra bem o
ângulo que o perfil forma, por ser um ponto de quebra.
- Otobasion inferius (obi) é o ponto de inserção do lobo do pavilhão à face.
Determina o bordo inferior da inserção do pavilhão.
- Subaurale (sba) é o ponto mais baixo do bordo livre do pavilhão auricular e situa-
se no lobo.
- Tragion (t) é a chanfradura do bordo superior do tragus (saliência à entrada de
cada ouvido externo).
- Postaurale (pa) é o ponto mais posterior do bordo livre do pavilhão.
- Superaurale (sa) é o ponto mais elevado do bordo livre do pavilhão auricular.
O ponto Vertex, que tão importante é para a medição da altura da cabeça, não foi
localizado neste estudo devido ao facto do modelo ter cabelo e esse facto impossibilitar a
sua marcação fiel, e também por este não ser fundamental para o estudo e representação
das expressões faciais.
Não podemos, todavia, deixar de mencionar, toda a acção que a derme tem na
caracterização da Semelhança e do Carácter da pessoa a retratar. É na derme que a
“máscara” da vida do retratado se imprime e se regista. É através da observação atenta do
retratista que este determina o grau de relevância e importância dos defeitos físicos108 que
o rosto do modelo poderá apresentar para realçar aspectos da sua personalidade que
atribuirão verdade ao Retrato. Também a coloração do próprio rosto é, por si só, um
instrumento de captação de graciosidade ou de decadência e através da variação tonal do
rosto também se reconhece a intensidade de uma expressão facial.
108 Estes defeitos físicos poderão ser somente linhas de rosto características assim como algumas rugas mais salientes no sorriso,
mas também sinais, manchas dérmicas ou cicatrizes que poderão ocorrer em alguns indivíduos e atribuem ao retratado mais traços da sua personalidade.
Cap. III - Análise da Alegria e da Tristeza. Observação num modelo
A análise das expressões de Alegria e Tristeza109 no modelo, baseados na
interpretação do movimento dos seus pontos antropométricos do rosto, tem como base,
naturalmente, a sua expressão de repouso. É a partir desta expressão que se inicia a acção
de cada expressão facial, do “olho cheio, vivo e brilhante”110 à gargalhada, da melancolia
(ou do estado permanentemente triste) ao pranto111. Enquadramos a base filosófica desta
análise em Humbert de Supperville, quando no seu “Essay sur les signes inconditionnels dans
l´Art”, de 1827, interpretou o Homem como uma linha vertical, extensão do eixo do globo
terrestre perpendicular ao plano horizontal. O homem “…na expressão do seu próprio
eixo, única direcção vertical primitiva e absoluta”112, em comparação com a linha horizontal
que é “única e invariável” e com as linhas oblíquas ou sensíveis, pela sua capacidade de
variação angular. Também no rosto estas linhas se manifestam, sendo a expressão de
repouso similar ao traçado de 3 linhas horizontais (os olhos, a base do nariz e a boca). Por
sua vez, Supperville divide as linhas oblíquas em “linhas oblíquas expansivas” aquelas cujo
ponto de intersecção se encontra abaixo das linhas horizontais correspondentes e em
“linhas oblíquas convergentes”, às linhas cujo ponto de intersecção se eleva. Igualmente,
na sua obra, o autor questiona o leitor sobre a impressão que este sente ao fazer a leitura
destes esquemas113, e define a sua universalidade ao afirmar que até uma criança, “ou um
tonto”, reconhecerão um rosto que “fará rir” e outro que fará chorar, entre um que “não
significa nada”.
109 Descartes em “As paixões da Alma”, de 1649, classifica a Alegria como a “agradável emoção da alma” e a Tristeza o “langor
desagradável no qual consiste a incomodidade que a alma recebe do mal”. p. 262 110 Lê-se no original “…In joy the eyebrow is raised moderately, but without any angularity ; the forehead is smooth; the eye full, lively, and sparkling
; the nostril is moderately inflated, and a smile is on the lips”. BELL, Charles, “Essays on the Anatomy of Expression”, Londres, S.l, 1806, p. 133
111 Claramente existem uma infinidade de outras variações possíveis, mas o texto dedica-se às específicas variantes da Alegria e
da Tristeza. 112 Lê-se no original: “voilà tout l´homme compris dans l´expression de son propre axe, seule et unique direction verticale primitive et absolue”, p.
3. 113 Lê-se no original: “Quelle est maintenant l´impression qui résulte d´une indication d´organes la plus élémentaire qu´il soit possible, dans le sens
des signes précités”, p. 6.
32- As linhas horizontais, oblíquas expansivas e oblíquas convergentes, segundo Hubert de Superville
Estes são considerados, portanto, “signos estéticos” que se manifestam como
“elementos visíveis e constantes de todo o jogo convulsivo da fisionomia”.
Importa, portanto, reconhecer as bases da análise quantitativa do rosto do modelo114
tentando evidenciar as definições anteriores, e a figura 1.1 do anexo II comprova
claramente a associação dos três tipos de linhas e as expressões de repouso, alegria e
tristeza. É notória uma predominância de uma certa elevação das linhas do rosto na
expressão de Alegria e o mesmo acontece com a expressão de tristeza onde o rosto tende
a “fechar-se” marcando linhas convergentes tão evidentes como a formada no suco
mentolabial. Sobre um aspecto prático, solicitámos ao modelo que na parte final das
filmagens, realizasse movimentos faciais de alternância entre as expressões de Alegria e de
Tristeza. Solicitámos-lhe igualmente que estas expressões fossem realizadas de uma forma
mais exagerada com o intuito de verificar os estados extremos, e portanto ainda mais
opostos de um posto de vista emocional, das duas expressões. Neste caso o que
observámos foi a tendência para a elevação do rosto em direção aos limites laterais do rosto
na Alegria e o oposto para a Tristeza, tal como Supperville mencionara. É, portanto, curioso
verificar que, no caso do modelo, os aspectos que mais se alteraram no rosto foram a
abertura da boca e a acção do mento, o orbicular da boca que contrai na Tristeza, a elevação
das asas do nariz na Alegria, a contração do orbicular dos olhos em ambas expressões, uma
maior pressão na zona medial das sobrancelhas com a acção do músculo corrugador na
Tristeza e a elevação da zona distal das mesmas na Alegria, por contração do frontal. Tudo
isto associado a uma forte tendência para inclinar a cabeça para trás na Gargalhada e para
baixá-la ao mesmo tempo que se elevavam os ombros no Pranto115. Porém, quando
comparadas as duas imagens (anexo II -1.2), percebemos que os únicos pontos marcados
ao longo do rosto do modelo que denotam uma alteração da malha construida, são os
localizados abaixo do lábio inferior. Se não existem dúvidas que, emocionalmente, a
Gargalhada e o Pranto são opostas, do ponto de vista da fisionomia do rosto, verificamos
que as duas expressões apresentam a boca aberta, e por esse motivo, os lábios são finos e
tensos, com o lábio superior tendencialmente a delinear uma linha recta. Na área zigomática
a alteração entre as duas expressões é mínima com a compressão do olho que no caso do
Pranto é mais notada o que faz deste feito um factor diferenciador.
114 Devido à necessidade de referências gráficas para ilustrar as diversas observações realizadas neste capítulo, remeteremos as
mesmas ao anexo II – Observações qualitativas do modelo. 115 É de referir que nestas duas expressões surgem os soluços característicos das mesmas, os quais interferiram com o mapeamento
dos pontos antropométricos. De facto, fomos confrontados com a questão prática desse constrangimento técnico, mas optámos por valorizar mais a autenticidade das expressões do que o preciosismo rigoroso que uma análise quantitativa obriga, pois tratou-se de uma análise puramente qualitativa da acção e dos movimentos dos pontos marcados no rosto.
Leonardo da Vinci, no seu Tratado de Pintura, afirma que “o que ri não se diferencia
do que chora, nem nos olhos, nem na boca, nem nas bochechas, senão só na rigidez das
sobrancelhas que se abatem no que chora e se elevam no que ri”116. De facto, ao analisarmos
as filmagens do modelo e ao sobrepormos alguns “frames”117 das mesmas rapidamente nos
apercebemos da consistência da anterior afirmação.
Aquando do mapeamento dos pontos do rosto, por meio de edição em vídeo,
conseguimos obter para cada ponto uma linha ou um percurso que permita a tradução do
movimento de cada ponto antropométrico. Na figura 4 e 5 do anexo II, é possível
compararmos a acção dos pontos antropométricos no desenvolvimento das duas
expressões. De facto, existe uma predominância de um movimento no sentido ascendente
na expressão de Alegria, exceptuando os pontos abaixo da fenda labial. Obtemos uma
interpretação de elevação generalizada a qual é evidente na vista de treçado. Por sua vez,
na Tristeza não se entende uma tal elevação, o movimento ascendente dos pontos existe
mas é bem menor, concentrando-se no encolher do lábio superior e das asas do nariz, por
intermédio da acção involuntária do músculo zigomático menor, do músculo levantador
do lábio superior e do contributo do músculo risório e do orbicular ocular.
Para aprofundarmos, em termos de análise qualitativa, a acção dos pontos
antropométricos marcados no modelo, construimos uma malha triangular formada por
estes, que nos permitisse verificar o modo como a superfície facial se modifica em
movimento no seu todo. Observámos que embora existindo uma deformação clara da
generalidade da malha, esta apresentou variações relevantes na zona média do rosto ao
nível da zona interna das órbitas e na zona inferior com a abertura da boca. Mesmo assim
não nos era possível interpretar de uma forma concreta as diversas malhas, pelo que
marcámos alguns segmentos de recta formando uma linha que atravessasse
longitudinalmente as estruturas triangulares.
Este novo elemento possibilitou-nos relacionar as malhas da expressão facial nas suas
três vistas e compará-las na tentativa de verificar quer o seu movimento, quer identificar
qual a vista onde ocorria uma maior alteração à linha e, consequentemente, à malha.
116 Lê-se no capítulo 257 (CCLVII)“De la risa y el llanto, y su diferencia. El que rie no se diferencia del que llora, ni en los ojos, ni en la boca, ni
en las mejillas, sino solo en lo rigido de las cejas que se abaten en el que llora, y se levantan en el que rie. A esto se anade que el que llora destroza con las manos el vestido y otros varios aecidcntes, segun las varias causas del llanto; porque unos lloran de ira, otros de miedo, otros de ternura y alegria, algunos de zelos y sospechas, otros de dolor y sentimiento, y otros de compasion y pesar por la perdida de amigos y parientes. Entre estos unos parecen desesperados, otros no tanto, unos derraman lagrimas otros gritan, algunos levantan el rostro al cielo y dejan caer las manos cruzadas, y otros manifestando temor, levantan los hombros, y asi a este tenor segun las causas mencionadas. El que derrama lagrimas, levanta el entrecejo y une las eejas, arrugando aquella parte, y los extremos de la boca se bajan; pero en el que rie estan levantados, y las cejas abiertas y despejadas.”,texto da tradução e ilustração espanholas, “El tratado de la pintura por Leonardo da Vinci y los tres libros que sobre el mismo arte escribió Leon Bautista Alberti ,Madrid”,trad. de SILVA, Don Diego, REJON, Antonio, 1827. p.114
117 Frame ou imagem fixa de um produto audiovisual. De origem inglesa, frame é utilizado em Portugal apenas para as imagens
retiradas de uma gravação vídeo, sendo que quando estas são retiradas de um filme são denominadas de fotograma.
Sobrepondo as linhas numa só imagem obtemos uma representação do desenvolvimento
das expressões nas diversas vistas e deste modo foi possível uma comparação mais directa.
Em primeiro lugar, observámos que o comprimento geral das linhas é
substancialmente superior na Alegria que na Tristeza tendo para tal muito contribuido a
acção da parte inferior do rosto. Aliás, é o segmento que une o queixo ao canto da boca,
na vista frontal, que se revela mais marcado, sugerindo a marcação de um ângulo elevado
ao qual poderemos reconhecer um sorriso. A mesma observação na vista frontal da
expressão de Tristeza, mostra-nos um segmento de recta mais curto e formando um ângulo
mais aberto e por isso não apresentando a mesma eficácia de um sorriso que o anterior.
Também observámos que o ângulo interno dos segmentos relativos à zona do nariz
apresenta-se maior na Tristeza que na Alegria, confirmando a acção muscular observada
anteriormente na observação dos pontos antropométricos. De notar também, que em
ambas vistas frontais e de perfil, o espaçamento entre os vértices mais à esquerda e os
vértices mais à direita do observador, tendem em aproximarem-se aquando da Tristeza.
33- A Alegria. Linhas retiradas das malhas do rosto. Vista Treçado, vista frontal e vista de perfil.
O movimento dos pontos é substancialmente distinto nas 3 partes do rosto, sendo
que, no caso da Alegria, os pontos do terço inferior do rosto (por acção do músculo
masseter movendo a mandíbula) apresentam um maior movimento que os dois terços
superiores. Mesmo assim, do ponto de vista miológico, a contração do músculo risório e
do músculo levantador do lábio contribuiram muito para uma elevação da derme na região
média da face, assim como a contracção do músculo frontal na região superior. Por outro
lado, na análise da expressão de Tristeza, esses movimentos não são tão notórios na região
inferior da face devido à menor abertura da boca, apesar do mento se apresentar mais plano
e enrugado, fruto da acção do músculo mentual e do músculo triangular e dos cantos da
boca se afastarem devido à progressiva acção do músculo risório.
Porém, na parte média do rosto a acção quer do orbicular dos olhos quer do
levantador do lábio superior e do corrugador, promovem a tristeza de tal forma que a
conseguem transmitir sem ser necessária a representação da boca, algo em que o oposto
não é tão eficaz.118 Na parte superior do rosto, há que destacar a acção dos pontos. É
portanto cada vez mais perceptível, a partir destas observações, que nada no rosto age
individualmente quando se trata de exprimir um sentimento. Não são somente os olhos
sem as sobrancelhas, nem a boca ou o nariz que transmitem o sentimento em pleno. Cada
118 FAIGIN, Gary, “The Artist´s Complete Guide to Facial Expression”, New York, Watson-Guptil Publications, 1990, pp. 155
34- A Tristeza. Linhas retiradas das malhas do rosto. Vista Treçado, vista frontal e vista de perfil.
parte do rosto contribui para a expressão da emoção e o Homem, como observador nato
que é, entende-a e depreende nela a sua intensidade e variação119.
119 No tratado de Alberti lê-se: “Debe saber el Pintor muy bien las varias actitudes y movimientos del cuerpo humano, lo cual se ha de tomarem
mi sentir del mismo natural con mucho cuidado: la cosa es muy dificil, porque los movimientos del animo son infinitos, y por estos se gobierna el cuerpo. Además:
quien crccrr., sino el que por si mismo lo haya experimentado, que es sumamente dificil el pintar un rostro riyendo, y evitar el que parezca que llora? .Quien sera
tambien el que pueda, no habiendo puesto en ello el mayor estudio, pintar bien una cabeza de aquellas, cuya boca, barba, ojos, mejillas, y nariz se configuran de
la misma manera para la risa que para el llanto? Por esto es menester estudiar continuamente el natural, y tomar siempre aquellos primeros movimientos, y
principalmente se han de pintar aquellas cosas que liacen pensar mas, y no aquellas que inmediatamente se adivinan.”, “El tratado de la pintura por Leonardo
…”, Madrid”,trad. de SILVA, Don Diego, REJON, Antonio, 1827. P. 239
Cap. IV- As expressões faciais em Arte, hoje.
“ O maior de todos os retratistas – um Rembrandt ou um Goya- capta os seus modelos como se estes estivessem
temporariamente suspensos entre o antes e o depois: numa interrupção do fluxo da vida em vez de numa pose
estática.”120
No final do mês de Setembro deste ano de 2015, o canal britânico BBC em colaboração com
a National Portrait Gallery de Londres e o historiador de Arte Simon Schama apresentaram um
livro, uma exposição e uma série televisiva de 6 episódios intitulada “The Face of Britain: The
Nation through its Portraits”. O facto de três tão prestigiadas entidades do mundo cultural e
artístico da actualidade terem elaborado tal colaboração, demonstra bem que a Arte do Retrato
permanece viva e que traz aos seus ombros toda uma história de um país. “A face do Reino Unido”
consiste numa análise aos Retratos que marcaram a nação britânica e que a definiram como uma
comunidade de identidade própria. Ao longo dos seis episódios da série o retrato é observado por
cinco áreas de interesse: o Poder, o Amor, a Fama, o Auto-Retrato e o Povo.
Desde os Retratos de Winston Churchill ou Margareth Tatcher, às fotografias de John
Lennon momentos antes de ser abatido na rua, as imagens que criaram os primeiros heróis públicos,
como sir Francis Drake, os auto-retratos de artistas como Lucian Freud ou Gwen Jonh ou as
imagens dos rostos do Povo, exemplificadas pelas fotografias de Charlie Philips in Notting Hill
momentos depois da crise racial britânica dos anos 60.
O autor Simon Schama, na sua apresentação da exposição, convida o público a que “ saiam
da exposição com o que o Retrato tenta fazer que é, durante o tempo que estiverem na galeria,
sintam que estiveram na presença viva de todas estas pessoas”.121 Com esta afirmação, verificamos
que o sentido primordial do Retrato é entendido e permanece como algo que fascina tanto a classe
artística como o público.
No que toca esta dissertação, muitos são os exemplos de pintores, escultores, artistas das
artes digitais e tecnológicas, e outros que mantêm esse fascínio pela figura humana, pelo rosto e
pelas expressões faciais. Por todo o mundo surgem exemplos de novas leituras do rosto humano e
120 Tradução do autor de um excerto do artigo de Simon Schama ao jornal The Guardian, “The greatest of all portraitists – a
Rembrandt or a Goya – caught their subjects as if temporarily halted between a before and an after: an interruption of the flux of life rather than a becalmed
pose.”
121 Tradução do autor de excerto da apresentação disponível em http://www.npg.org.uk/whatson/simon-schamas-face-of-
britain/exhibition.php
como estas invadem os meios de comunicação e as redes sociais. Numa era digital, tecnológica e
de um intenso culto da imagem, as Belas Artes e o Retrato em concreto, continuam a “desafiar” o
mundo imediato das “selfies” e de redes como o Instangram ou o Facebook, cativando a atenção da
expressão criativa e intrinsecamente humana que a fotografia instantânea é incapaz de transmitir.
Os artistas cujo objecto de trabalho está centrado no rosto humano, abrangem actualmente
todas as áreas de criação artísticas, pelo que os mencionados neste capítulo são apenas uma pequena
recolha de alguns que, quer através da sua experiência, da sua originalidade, técnica ou dos suportes
adoptados, manifestam nas suas obras a aplicação dos princípios descritos ao longo dos capítulos
anteriores.
O norte americano Bill Viola (1951- ) está considerado um dos artistas de topo do nosso
tempo. A sua actividade em instalações de vídeo, criação de ambientes sonoros, performances
musicais ao longo de quarenta anos, contribuiu para o estabelecimento do vídeo como uma “forma
vital de arte contemporânea”122. Como um exemplo descritivo do seu trabalho, Bill Viola
apresentou no Getty Museum de Los Angeles, em 2003, uma exposição intitulada “As Paixões”,
composta por diversas instalações de vídeo, em que uma das quais sob o nome de “6 cabeças”,
consistia em seis filmagens num só painel de um actor representando alternados estados
emocionais. Lia-se no catálogo da exposição “um estudo barroco do drama interior”, inspirado pela
arte cristã renascentista do norte da Europa como por exemplo a “Adoração do magos” pelo pintor
Andrea Mantegna, em 1462. Igualmente, Viola descreve que na base deste trabalho estão os tratados
de Charles leBrun de 1698, assim como os escritos de Darwin sobre as expressões faciais.
122 Lê-se na sua biografia, em www. Billviola.com
35- "As seis cabeças" e "Expressão", vídeo em plasma de alta definição, por Bill Viola, 2003.
A artista britânica Jenny Saville, é aos 45 anos de idade considerada uma das mais
importantes artistas plásticas do Reino Unido, tendo muito contribuído as suas qualidades técnicas
em retratos de grande escala que mereceram comparação com as obras de Lucian Freud ou mesmo
de Peter Paul Rubens. A sua obra está repleta de explorações do rosto humano deformado, obeso,
brutalizado e mutilado numa “luta contra o histórico domínio masculino dos retratos idealizados
de mulheres”123, criando um contacto intenso entre as suas obras e os espectadores, suportado pelo
contraste de formas muito bem representadas e rasgos abstractos, por vezes reveladores das fases
que passa a própria obra. Inspirada por Pablo Picasso, Saville vive em Glasgow e é membro da
Young British Artists.
As referências a obras de arte clássicas estão também presente nos novos artistas italianos,
muito influenciados pela presença das academias clássicas, cuja procura muito aumento nos últimos
anos. Referenciamos o artista tarantino Roberto Ferri (1978-) como um estudioso da pintura
Antiga do Cinquecento ao Ottocento, em particular a pintura de Caravaggio, na Academia di Belle
arti di Roma. Recentemente, em 2014, elaborou o retrato oficial do Papa Francisco, agora exposto
no Vaticano, em Roma. O professor de História de Arte Donald Kuspit, afirma acerca de Ferri que
“Ferri é um mestre do formato monumental (…)mas também do formato intímo como
demonstram os seus desenhos. (…) Para Ferri, as figuras e as certezas da religão clássica e cristã
convergem, resultando num novo modo de pintura épica religiosa124
123 Lê-se na sua biografia no sitio artsy.net
124 Tradução do autor do texto original:” Ferri is a master of the monumental format (as Shattered Delights, 2008, among other physically
grand tours de force, makes clear), but also of the intimate format, as his numerous drawings show. Whatever its position, the figure always holds its own in the space, transcending it in the act of defining it. For Ferri, the figures and beliefs of classical religion and Christian religion converge, resulting in a new kind of epic religious painting”http://www.nccsc.net/essays/refining-great-tradition#sthash.3MtpaSwo.dpuf
36- Reverse, óleo sobre tela, 213 x 244 cms, por Jenny Saville, 2002-03
O jovem artista sul coreano Kwang Ho Shin, tem sido desde 2013, uma referência da nova
tendência de artistas. Através de fortes cores e manchas o Shin revela novas interpretações das
expressões do rosto humano que relacionam a nosso intrínseco código de descodificação do rosto
com um jogo cromático capaz de sugerir emoções. Apesar da curta experiência Kwang Ho Shin é
um exemplo de artista que usa as novas tecnologias para divulgação das suas obras através de sítios
online de galerias de arte. A curadora Myung-Jin You, do sítio Saatchi Art usa termos como
“complexidade das emoções humanas”, e “a conciliação entre o medo e o êxtase interior” para
descrever as suas obras.125
125 Lê-se nem Saatchi Art.com :” Complexity of human emotions, which is hard to be defined in one word, is left as momentary traces on the
empty space, after the long agony of the artist's inner side. The complexity" is a kind of action which is come by completely absorbing and assimilating with the
artworks while he holds the brush in a brief, and from the moment that the colors arrive on the screen, and the shape is built, the fear of blank space is collapsed,
and his inner side's fear and the ecstasy from the fear coincide. This moment is the process that the artist takes out something from his inside, and also is the
climax of the energy that he creates the pieces." (Myung-Jin You, Curadora)
37- "Melancolia", estudo, técnica mista e Retrato de Papa Francisco, óleo sobre tela, 95 x 75 cms, por Roberto Ferri, 2015
38- Sem título, óleo e acrílico, por KwangHo Shin, 2012
Apesar de não existir muita informação escrita acerca de Emilio Villalba126, artista de San
Diego da Califórnia, nos Estados Unidos da América, este é um exemplo de originalidade do
Retrato moderno, relevante ao ponto de lhe fazermos menção. As composições de Villalba actuam
no campo da sobreposição de elementos do rosto sem a necessidade de completar todo o rosto
para a definição do mesmo. Apesar de trabalhar os princípios da Perspectiva, das massas da cabeça,
dos pequenos sinais que demonstram emoções, Villalba rompe com a formalidade estrutural do
rosto ao mesmo tempo que é sensível ao seu equilíbrio.
126 Um dos poucos locais onde se pode ter alguma informação sobre este artista é na sua página de Facebook :
<https://www.facebook.com/emiliovillalbaart> e num sítio que somente tem algums imagens <http://emilliovillalba.net>
39- Sem título, óleo sobre tela, 36 x 45 cms, carvão sobre papel newsprint, por Emilio Villalba, 2014 e 2015
Cap.V- Conclusões
O decurso deste trabalho foi marcado pela ideia do conhecimento presente na
diligência do Desenho de uma expressão facial e o que isso significa em Retrato.
O Retrato “tirado polo natural”127 , talvez pelo facto de que “re-naturaliza o rosto, a
cabeça e o próprio indivíduo”128, já foi, por muitas vezes, a dedicação da vida de pintores e
artistas, teóricos e anatomistas, pois nele assenta a procura pelo espírito humano e por aquilo
que não se observa “à flor da pele”, mas se encontra no profundo entendimento do homem.
Não será seguramente o desenho estrutural e construtivista da cabeça humana que oferecerá
a contemplação de um “ar” frágil, sereno ou irónico, mas sem dúvida que, sem ele, o Retrato
realista não pode ser realizado. Trata-se, então, de revelar numa superfície plana (como uma
folha de papel, uma tela, ou presentemente um monitor de computador) um ser vivo, que
nos observa e respira quando o contemplamos e que muitas vezes o fez sem estar presente.
Cynthia Freeland, na sua obra, “Portraits and Persons”, de 2010, fala no que define como o
“paradoxo do retrato”, no sentido da utilização de um objecto para captar alguém que é um
sujeito129. Por outro lado, a capacidade do Retrato fazer parar no tempo o retratado e
transportá-lo para além do seu tempo foi um dos motivos promotores do seu
desenvolvimento. É deste modo que o retrato se relaciona connosco. No contacto mais
directo das nossas vidas, das nossas emoções e do modo como recordamos alguém e
queremos ser recordados. Esta procura pelo modo de levar a cabo tal tarefa, fez necessário
reconhecer o modo como funciona a base de todas as emoções da alma, o meio de
comunicação humano mais avançado, a cabeça, ela que comporta o rosto humano de suporte
ósseo, muscular, visceral e ao mesmo tempo sensível, quente, frio, triste, alegre.
Aliada e musa do Desenho, a cabeça humana configura, como vimos nesta dissertação,
uma vasto espectro de estruturas complexas que promovem um mundo de oportunidades
de abordagens artísticas. Não será, portanto, de estranhar que o Retrato esteja presente em
todas as épocas da História do Homem e afigura-se repleta de novos campos de exploração,
127 Em referência a HOLANDA, Francisco de, “Do tirar polo Natural”, Lisboa,Livros Horizonte 1984, , onde se lê “…e o
tirar ao natural aquilo que só Deus fez por tão investigabil sabedoria como Ele sabe.”, p.13. Francisco de Holanda ( 1517-1585), foi
um humanista, arquitecto, escultor, desenhador, iluminador e pintor português, considerado um dos maisores vultos do renascimento
em Portugal, também ensaísta, critico de Arte e historiador.
128 RAMOS, Artur, “Desenho da Presença”. p. 327 129 Lê-se no original “In creating a portrait, the artist shapes an inanimate object in some medium that purports to represent a person—a being
with a distinctive soul, essence, or ‘air’ (…). A material object is used to capture or convey a person, who is a subject. I call this the paradox of portraiture. Is
the goal of portraiture ever achieved? Would success require an animistic belief in the magical powers of artists and artworks?”. p.291
cheios de contemporaneidade, que fazem do Retrato uma matéria sempre actual e
dinâmica.130
A Arte do Retrato é a capacidade de verificar que todos os elementos relacionados
com uma caracterização formal ou não-formal de um indivíduo se tocam e se relacionam e
que alguns destes elementos têm mais importância que outros em dado momento e/ou num
dado modelo. Esta é a dificuldade maior do retratista. A decisão do modo de abordar o
modelo, lhe pertence, pela sua sensibilidade e percepção, sem dúvida, traduzindo através de
manchas, linhas ou cores, no caso da pintura e do Desenho, o “ar” que o outro, aos seus
olhos, manifestou.
Através da diligência do Retrato, da aprendizagem das suas metodologias, da
verificação dos elementos anatómicos, miológicos e fisionómicos de cada modelo e da sua
constante prática, o retratista conseguirá entender o modo de desenhar uma expressão facial
que descreva o modelo como uma pessoa com carácter, com alma. As expressões faciais
acompanham-nos durante toda a nossa vida, elas fazem parte da nossa forma de reagirmos
ao mundo e de comunicarmos com ele e o modo como o fazemos é inteiramente único e
pessoal. A subtileza do seu desenho é tão subtil como a expressão em si, pois basta um
pequeno erro, uma pequena alteração de momento para que a expressão se altere, para que
o momento se perca.
Não pretendemos, porém, afirmar que o Retrato deverá sempre consagrar a definição
de uma expressão facial inequívoca e, desse modo, forçada. A “expressão de repouso”, como
já mencionado, é reflexo ou consequência dos nossos sentimentos habituais ou dominantes,
e, para além de ser aquela mais cómoda para o modelo, também servira como base para a
interpretação do artista. Assim, este, perante o conhecimento verificado nesta dissertação,
está capacitado para melhor imprimir “nuances” expressivas ao rosto do modelo. Poderá
entender que num dado modelo fará sentido a contracção do músculo risório ou do
sobrolho, atribuindo um sentimento de moderada alegria a um modelo que o justifica por
quem é. Lateralmente ao rosto, nomeadamente ao triângulo que define a maior parte das
acções do rosto formado pelos cantos da arcada superciliar e o mento, existem elementos na
cabeça que também eles contribuem para a semelhança da pessoa retratada. Isto foi
claramente observado nos desenhos finais deste trabalho, em que somente o desenho do dito
130 Lê-se na dissertação de Maria Cabral, FBAUL,“Dado o seu carácter identitário, o retrato permite uma enorme expressividade, um número
infinito de possibilidades de criação de imagens e uma liberdade de manipulação e reconceptualização da própria identidade”. P.61
triângulo não permitiu que alguns conhecidos do modelo o reconhecessem. A Semelhança
surgiu mais claramente com a definição dos limites do rosto, do pescoço e do cabelo.
É interessante verificar que apesar de toda a atenção e rigor colocado no rosto, também
ele faz parte da cabeça que o encerra e justifica de uma forma única. Estes aspectos sobre os
limites da Semelhança e da Identidade do ser humano e o modo como a imagem poderá ser
transmitida ao espectador, poderá, em si, ser um tema a desenvolver em futuros trabalhos.
Foi, em suma, objectivo desta dissertação, a criação de um documento que verificasse
as teorias sobre um modelo fazendo desta tarefa uma oportunidade de observação empírica
dos elementos a estudo durante o mestrado de Anatomia Artística, e que, ao mesmo tempo,
servisse de auxiliar para futuros estudantes da Arte do retrato. Deste modo, tentou-se que
este documento contivesse uma série de apontamentos, notas e referências bibliográficas
válidas que possam servir de apoio para outras dissertações.
Referências Bibliográficas
Bibliografia específica
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Studio Practice”, New York, Watson-Guptil Publications, 2006
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Indíce de Figuras
1- Retrato de mulher de Fayum e Faraó Sesóstris III (c. 1900 ac- c. 1801 ac) ....................... 14
2 - Ilustrações de "De Humana Physiognomia", de Giovanni Della Porta, 1586. ................ 16
3- Expressões de Alegria e Riso, por Charles le Brun ................................................................ 17
4 - Testes de Duchenne de Boulogne e um dos diagramas de H. de Superville .................... 20
5- Artistas de referência entre o séc. XIV e o séc. XVIII .......................................................... 22
6- Massa cranial e massa facial verificadas no modelo. Esquema elaborado digitalmente em
Adobe Photoshop, pelo autor. ....................................................................................................... 27
7 - Construção da cabeça, por Andrew Loomis. ......................................................................... 29
8 - Desenho da cabeça segundo o método de Frank Reilly. Comparação com o modelo.
Imagem elaborada em Adobe Photoshop, pelo autor. ............................................................... 30
9 - Planos da cabeça, por Albrecht Dürer. Massas principais da cabeça por George
Bridgman. ........................................................................................................................................... 32
10- Planos e massas principais da cabeça no modelo. Imagens elaboradas em Adobe
Photoshop, pelo autor. ..................................................................................................................... 32
11 - O ângulo facial, por Petrus Camper. Estudos de A. Dürer, da diversidade fisionómica
em perfil. ............................................................................................................................................. 34
12- Análise de ângulo facial 81,5 e 90 graus. Imagem elaborada em Adobe Photoshop, pelo
autor. ................................................................................................................................................... 34
13- Perfis de Sócrates segundo Lavater, Essai su la Physiognomonie, pp. 181, 1781 .......... 35
14 - Perspectiva segundo George Bridgman e Andrew Loomis. .............................................. 37
15- Análise da aplicação da perspectiva no modelo. Imagem elaborada em Adobe
Photoshop, pelo autor. ..................................................................................................................... 38
16- Teoria dos 3 círculos, era bizantina. ........................................................................................ 40
17- A Proporção Divina no rosto humano, segundo esquema de Matila Ghyka. Esquema
elaborado digitalmente em Adobe Photoshop, pelo autor. ....................................................... 41
18- Método de Desenho das Proporções, por Alphonse Yvon. .............................................. 42
19- Identificação das proporções do rosto no modelo. Esquema elaborado digitalmente em
Adobe Photoshop, pelo autor. ....................................................................................................... 43
20 - Miologia da cabeça segundo Charles Rochet. ...................................................................... 45
21- Profundidade dos músculos de expressão, segundo Filipe Franco. .................................. 46
22- Músculos de Expressão, segundo Gary Faigin. .................................................................... 46
23- Músculos de Expressão (vista frontal e vista de perfil). Desenhos retirados de Gordon,
Louise. Desenho Anatómico,1979 ................................................................................................. 47
24 - A estrutura óssea e os pontos salientes, segundo Charles Rochet.................................... 49
25- Perda de massa das bolsas de gordura do rosto.................................................................... 50
26- Perda de elasticidade do rosto.................................................................................................. 50
27- A fronte verificada no modelo, nas vistas perfil, frontal e treçado. Esquema elaborado
digitalmente em Office Word, pelo autor. .................................................................................... 53
28- Os olhos e as sobrancelhas verificadas no modelo, nas vistas perfil, frontal e treçado.
Esquema elaborado digitalmente em Office Word, pelo autor. ............................................... 54
29- O nariz verificado no modelo, nas vistas perfil, frontal e treçado. Esquema elaborado
digitalmente em Office Word, pelo autor. .................................................................................... 56
30- A boca verificada no modelo, nas vistas perfil, frontal e treçado. Esquema elaborado
digitalmente em Office Word, pelo autor. .................................................................................... 57
31- Pontos antropométricos verificados no modelo. Esquema elaborado digitalmente em
Office Word, pelo autor................................................................................................................... 60
32- As linhas horizontais, oblíquas expansivas e oblíquas convergentes, segundo Hubert de
Superville ............................................................................................................................................ 64
33- A Alegria. Linhas retiradas das malhas do rosto. Vista Treçado, vista frontal e vista de
perfil. ................................................................................................................................................... 67
34- A Tristeza. Linhas retiradas das malhas do rosto. Vista Treçado, vista frontal e vista de
perfil. ................................................................................................................................................... 68
35- "As seis cabeças" e "Expressão", vídeo em plasma de alta definição, por Bill Viola,
2003. .................................................................................................................................................... 71
36- Reverse, óleo sobre tela, 213 x 244 cms, por Jenny Saville, 2002-03 ................................ 72
37- "Melancolia", estudo, técnica mista e Retrato de Papa Francisco, óleo sobre tela, 95 x
75 cms, por Roberto Ferri, 2015 .................................................................................................... 73
38- Sem título, óleo e acrílico, por KwangHo Shin, 2012 .......................................................... 73
39- Sem título, óleo sobre tela, 36 x 45 cms, carvão sobre papel newsprint, por Emilio
Villalba, 2014 e 2015 ......................................................................................................................... 74
Apendice
Apendice I- Quadro Miológico
DESIGNAÇÃO
COMUM
NOME
ORIGINALORIGEM INSERÇÃO ACÇÃO
EXPRESSÃO
ASSOCIADA
Orbital: Porção orbital -
parte nasal do osso
frontal
Palpebral: ligamento
palpebral medial
2Elevador da
PálpebraLevator Palpebrae Órbita Pálpebra Superior Levanta a pálpebra
Surpresa,
reflexão
Levator Labii
Superioris
Metade interna do
rebordo inferior a órbita
Face profunda da
pele do bordo
posterior da asa do
nariz e do lábio
superior
Alaeque NasiProcesso frontal da
maxila
Pele do bordo
posterior da asa do
nariz e do lábio
superior
4 Zigomático MaiorZygomaticus
MajorOsso zigomático Comissura labial
Puxar o canto da
boca para cima e para
fora
Sorriso
5 Risorius / platysma Risorius
Aponevrose do
masséter (Fáscia
parotideomassetérica)
Comissura labial e
lábio superior
Retrair o ângulo da
boca para trás
lateralmente
Sorriso falso
6 Frontal FrontalisAponevrose do
Epicrânio
Bordo subcutâneo
da sobrancelha
Movimenta o
escalpo, eleva as
sobrancelhas de um
ou de ambos os
lados
Surpresa
7 Orbicular da boca Orbicularis Orbis
Ângulo da boca,
circundando a boca
como um esfíncter
Cantos da boca
(modiolus)
Movimentam os
lábio, as asas do
nariz e a pele do
mento
Encolher os
lábios (dar um
beijo)
8Corrugador do
Supercílio
Corrugator
(Procerus)
parte nasal do osso
frontal
Face profunda da
pele na zona medial
ou cabeça da
sobrancelha[1]
Abaixa a pele da
fronte e dos
supercílios
Raiva,
Aborrecimento,
grande
concentração,
dor
9Depressor do lábio
superior
Depressor Angulai
Oris
Margem inferior da
órbita acima do forame
infra-orbital, maxila e
zigomático
Lábio superior
Levanta o lábio
superior e leva-o um
pouco para frente
Resmungar,
sarcástico,
irritação
Choro, tristeza,
dor1 Orbicular dos olhos Orbicularis Oculi Circunda a órbita
Fechar os olhos
voluntária ou
involuntariamente
Elevador do Lábio
Superior (profundo
e superficial)
3Eleva as asas do
nariz e o lábio
superior
Sarcasmo, Nojo
DESIGNAÇÃO
COMUM
NOME
ORIGINALORIGEM INSERÇÃO ACÇÃO
EXPRESSÃO
ASSOCIADA
10Depressor do lábio
inferiorquadratus labii
Linha oblíqua da
mandíbula
Tegumento do lábio
inferior
Repuxa o lábio
inferior diretamente
para baixo e
lateralmente
(expressão de ironia)
Ironia, tristeza,
dúvida
11Mentual ou Borla
do MentoMentalis
Fossas incisivas laterais
da mandíbula
Tegumento do queixo
Tegumento do
queixo
Eleva e projeta para
fora o lábio superior
e enruga a pele do
queixo
fazer “beicinho”
Occiptofrontal Linha nucal supremaAponeurose
epicrânica
Ventre Occipital Pele da fronteAponeurose
epicrânica
Ventre Frontal
B Prócero piramidalis nasiOsso nasal, cartilagem
nasal lateralPele da glabela
Abaixa a pele da
fronte e dos
supercílios
Desconfiança,
ameaça
Porção Transversa:
Eminências caninas da
maxila
Porção Transversa:
Cartilagem nasal
lateral
Porção Alar:
Eminências incisivas
laterais
Porção Alar: Asa do
nariz
D Zigomático MenorZygomaticus
Minor
Superfície malar do osso
zigomáticoLábio superior
Auxilia na elevação
do lábio superior e
acentua o sulco
nasolabial
Sorriso, ternura,
arrependimento
ECanino ou Elevador
do Ângulo da BocaCaninus Fossa nasal da maxila
Face profunda do
ângulo da boca e da
comissura labial
Puxa o lábio
superior para cima,
elevando a
comissura,
mostrando os
dentes
Raiva
F Bucinador Buccinator
Superfície externa dos
processos alveolares da
maxila, acima da
mandíbula
Ângulo da boca
Deprime e
comprime as
bochechas contra a
mandíbula e maxila.
Importante para
sugar, mastigar,
assobiar e soprar
Contentamento,
aborrecimento,
sorriso “tolo”
A Frontalis
Movimenta o
escalpo, eleva as
sobrancelhas de um
ou de ambos os
lados
Surpresa,
desconfiança,
Ternura, atenção
C Transverso do nariz Nasalis Dilatação do narizIrritação,
Inspiração
[1] In “A mímica do rosto na Artes”, Elias, Frederico, 2014, FBAUL, mestrado.
Anexo I – Observações Qualitativas do modelo
1. Os princípios básicos das Expressões Faciais
1.1 -Linhas Horizontais, Expansivas e Convergentes, segundo Humbert de
Superville
Linhas Expansivas ou Alegria
Linhas Convergentes ou Tristeza
Linhas Horizontais ou Repouso
1.2 – Os extremos das Expressões Faciais no modelo
Extremo da expressão de Tristeza
Extremo da expressão de Alegria
2 Malha triangular facial, na Alegria
2.1 – Vista Frontal
2.2 – Vista Lateral
Sorriso Sorriso Falso
Gargalhada Riso
2.2 – Vista Lateral
Sorriso Sorriso Falso
Gargalhada Riso
2.3 – Vista de Treçado ou ¾
Gargalhada Riso
Sorriso Sorriso Falso
3 Malha triangular facial, na Tristeza
3.1 - Vista Frontal
Melancolia ou Estado de permanente tristeza Má notícia
Pranto Choro
3.2 - Vista Lateral
Melancolia ou Estado de permanente tristeza Má notícia
Pranto Choro
3.3 - Vista Treçado ou de 3/4
Pranto Choro
Melancolia ou permanente tristeza Má notícia
4 Acção dos Pontos Antropométricos na Alegria
Vista Treçado
Vista Frontal Vista Lateral
5 Acção dos Pontos Antropométricos na Tristeza
Vista Treçado
Vista Frontal Vista Lateral
6 Acção dos músculos na Derme, na Alegria
7 Acção dos músculos na Derme, na Tristeza
8 Estudos da Expressão de Alegria e Tristeza, desde o retrato do natural
A Tristeza. Desenho do autor,Grafite e carvão
A Alegria. Desenho do autor,Grafite e carvão
Anexo II - Súmula Artística de João Manuel Lopes Brás
João Manuel Lopes Brás, passaporte nº M438041
Caranguejo de 1963, desperta para o teatro em 1984 no Grupo Experimental de
Teatro da Universidade de Aveiro onde trabalha com vários encenadores, desenvolvendo
o gosto e a paixão pela arte da representação.
Em 1991 profissionaliza-se com José Carretas em “Joana que…”, mantendo até aos
dias de hoje actividade regular como actor, encenador e autor.
Em 1995 é co-fundador da Efémero – Companhia de Teatro de Aveiro.
No virar do século, depois de uma passagem pela Escola da Noite em Coimbra, ruma
a Lisboa fazendo uma primeira incursão no Parque Mayer em “A Revista é Linda!!!”.
Entre 2002 e 2005 trabalha com a Andante, percorrendo o país de norte a sul e ilhas,
utilizando o teatro como ferramenta no incentivo á leitura.
Em 2008 inicia uma colaboração regular com a ETER –Produção Cultural (integra
o elenco de Memorial do Convento e Vieira- O Sonho do Império)
O século XXI também é o tempo em que inicia com regularidade participações em
programas de entretenimento e ficção na TV.