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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA FREDERICO DUARTE PIRES DE SOUSA A ANÁLISE ESTRURAL DA NARRATIVA GRÁFICA: A LINGUISTICA DOS QUADRINHOS E UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO NO PANORAMA DA CULTURA DA CONVERGÊNCIA

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O presente trabalho busca compreender o modo como as mudanças socioculturais, resultantes da inserção de uma nova tecnologia midiática, impactam nos meios já inseridos. Para lançar luz sobre tal problemática, definiu-se enquanto objeto as histórias em quadrinhos. Procurou-se estabelecê-las a partir de uma metodologia estruturalista que correlacionasse com a linguística da narrativa trabalhada em Barthes, individuando, assim, a dinâmica das articulações internas na composição de seus modos de funcionamento. A partir desta conceituação estruturalista, por fim, tenta-se contextualizar a história em quadrinhos ao cenário da cultura da convergência, do qual fala Jenkins (2009), como possível resposta ao questionamento inicialmente levantado.

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Page 1: A Análise estrutural da Narrativa Gráfica: A linguística dos Quadrinhos e Uma Breve Contextualização no Panorama da Cultura da Convergência

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA

FREDERICO DUARTE PIRES DE SOUSA

A ANÁLISE ESTRURAL DA NARRATIVA GRÁFICA:A LINGUISTICA DOS QUADRINHOS E UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO NO

PANORAMA DA CULTURA DA CONVERGÊNCIA

Page 2: A Análise estrutural da Narrativa Gráfica: A linguística dos Quadrinhos e Uma Breve Contextualização no Panorama da Cultura da Convergência

Goiânia

2013

FREDERICO DUARTE PIRES DE SOUSA

A ANÁLISE ESTRURAL DA NARRATIVA GRÁFICA:A LINGUISTICA DOS QUADRINHOS E UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO NO

PANORAMA DA CULTURA DA CONVERGÊNCIA

Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado

em Comunicação Social com habilitação em

Publicidade e Propaganda da Universidade

Federal de Goiás, para obtenção do título de

Bacharel em Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. Dr. Daniel Christino

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Goiânia

2013

FREDERICO DUARTE PIRES DE SOUSA

A ANÁLISE ESTRURAL DA NARRATIVA GRÁFICA:A LINGUISTICA DOS QUADRINHOS E UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO NO

PANORAMA DA CULTURA DA CONVERGÊNCIA

Monografia defendida no curso de Bacharelado em Comunicação Social com habilitação em

Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade

Federal de Goiás, para obtenção do grau de Bacharel, aprovada em ______ de fevereiro de

2013, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

Prof. Dr. Daniel Christino - UFG

Presidente da Banca

Prof. Ms. Rubem Borges Teixeira Ramos - UFG

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Aos invisíveis no mundo.

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AGRADECIMENTOS

A minha mais sincera gratidão à Sra. Progenitora e a Srta. Namorada, pois sem elas,

não há dúvida, esta monografia teria sido mais fácil de se fazer. Embora menos divertida.

Page 6: A Análise estrutural da Narrativa Gráfica: A linguística dos Quadrinhos e Uma Breve Contextualização no Panorama da Cultura da Convergência

"Yo Adrian, i did it.”

BALBOA, Rocky

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RESUMO

O presente trabalho busca compreender o modo como as mudanças socioculturais,

resultantes da inserção de uma nova tecnologia midiática, impactam nos meios já inseridos.

Para lançar luz sobre tal problemática, definiu-se enquanto objeto as histórias em quadrinhos.

Procurou-se estabelecê-las a partir de uma metodologia estruturalista que correlacionasse com

a linguística da narrativa trabalhada em Barthes, individuando, assim, a dinâmica das

articulações internas na composição de seus modos de funcionamento. A partir desta

conceituação estruturalista, por fim, tenta-se contextualizar a história em quadrinhos ao

cenário da cultura da convergência, do qual fala Jenkins (2009), como possível resposta ao

questionamento inicialmente levantado.

Palavras-chave: cultura da convergência; estruturalismo; história em quadrinhos; mídia;

narrativas;

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ABSTRACT

The present work seeks to understanding the mode how the sociocultural changes,

resultants by insertion of a new midiatic technology, impact in the already inserted media. For

shed light about such problematic, was defined as an object the comics. Sought to establish

them starting from a structuralist methodology that correlates with the linguistic of the

narrative worked in Barthes, being individualized, thus, the internal dynamics of the joints in

the composition of its operating modes. Starting from this structuralist conception, tries to

contextualize the comics to scenario of Convergence Culture, of what talks about Jenkins

(2009), as a possible response to the question initially posed.

Keywords: comics; convergence culture; media; narrative; structuralism;

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Exemplo da estética da ligne claire 47

Figura 2: Página 4 de O Segredo de Licorne 56

Figura 3: Página 46 de O Segredo de Licorne 57

Figura 4: Página 31 de O Segredo de Licorne 60

Figura 5: Primeira página de O Segredo De Licorne 62

Figura 6: Página 53 de O Segredo De Licorne 64

Figura 7: Angry Birds: The Motion Comic 81

Figura 8: Spider-Woman, motion-comic 82

Figura 9: Penny Arcade 83

Figura 10: Cave Days 84

Figura 11: Sobre Deuses 86

Figura 12: Exemplo de quadrinho interativo 87

Page 10: A Análise estrutural da Narrativa Gráfica: A linguística dos Quadrinhos e Uma Breve Contextualização no Panorama da Cultura da Convergência

SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO....................... ..........................................................................................11

2. AS NARRATIVAS GRÁFICAS ENQUANTO OBJETO EPISTEMOLÓGICO.......14

2.1 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS SOB A PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA..14

2.2 A LINGUÍSTICA DOS QUADRINHOS.........................................................................23

3. AS ESTRUTURAS DA NARRATIVA............................................................................27

3.1 NARRATOLOGIA, A TEORIA INTERNALISTA DA NARRATIVA...........................27

3.2 A NARRATIVA SOB O PRISMA DA LINGUÍSTICA..................................................30

3.3 A GÊNESE DO CONCEITO BARTHESIANO..............................................................33

3.3.1 Os níveis da narrativa em Barthes............................................................................36

3.3.1.1 As funções..................................................................................................................37

3.3.1.2 As ações.....................................................................................................................40

3.3.1.3 A narração..................................................................................................................42

4. A ESTRUTURA EM MOVIMENTO............................................................................45

4.1 APLICANDO O MÉTODO............................................................................................46

4.2 AS AVENTURAS DE TINTIM......................................................................................46

4.3 O SEGREDO DE LICORNE.................................................................................;........49

4.4 INDIVIDUANDO OS NÍVEIS ESTRUTURAIS DA NARRATIVA EM O SEGREDO

DE LICORNE.......................................................................................................................54

5. O MUNDO ESTÁ CONVERGINDO............................................................................65

5.1 O IMPACTO DA MÍDIA................................................................................................65

5.2 A CULTURA DA CONVERGÊNCIA............................................................................72

5.3 CROSSMÍDIA E TRANSMÍDIA...................................................................................75

5.4 OS QUADRINHOS E A CONVERGÊNCIA.................................................................78

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................90

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1. INTRODUÇÃO

No glossário de Cultura da Convergência (2009), Jenkins assim define o termo chave de sua

pesquisa:

Convergência: palavra que define mudanças tecnológicas, industriais, culturais e

sociais no modo como as mídias circulam em nossa cultura. Algumas das ideias

comuns expressas por este termo incluem o fluxo de conteúdos através de varias

plataformas de mídia, a cooperação entre as múltiplas indústrias midiáticas, a busca

de novas estruturas de financiamento das mídias que recaiam sobre os interstícios

entre antigas e novas mídias, e o comportamento migratório da audiência que vai a

quase qualquer lugar em busca das experiências de entretenimento que deseja.

Talvez, num conceito mais amplo, a convergência se refira a uma situação em que

múltiplos sistemas de mídia coexistem e em que o conte´do passa por eles

fluidamente. Convergência é entendida aqui como um processo contínuo ou uma

série contínua de interstícios entre diferentes sistemas de mídias, não um relação

fixa. (JENKINS, 2009, p.377).

A inserção de novas tecnologias, sejam midiáticas ou de outras ordens, no âmbito social

sempre traz consigo mudanças expressivas. Por vezes, mudanças paradigmáticas. Este trabalho tem

enquanto uma de suas propostas problematizar as possíveis implicâncias sofridas por um meio

dentro de um quadro midiático em transformação, como o que Jenkins contextualiza sob o prisma

da convergência. Aqui, tenta-se seguir os passos de McLuhan (2002), que defendia que a inserção

de um novo meio (de comunicação) em uma dada cultura, altera as suas dinâmicas sociais. Assim

chegou-se a uma das questões-chave que norteiam esta monografia: se a inserção de uma nova

mídia transforma as interações socioculturais, de que modo estas transformações podem impactar

nos meios já inseridos?

Obviamente, não é possível contextualizar todas as transformações sociais, e todas as teorias

da mídia que as abarquem, num único trabalho de porte como este. Assim, primeiramente focou-se

num determinado tipo de transformação social: a inserção de novas tecnologias midiáticas; em

seguida, recorre-se a uma teoria especifica, que ao momento, parece a mais adequada para se

entender as transformações contemporâneas que ocorrem no panorama comunicacional: a teoria da

convergência de Jenkins. Desse modo, em último instante, procurar-se-á situar a partir, sobretudo,

das concepções midiáticas de Jenkins, as relações de um dado meio com o quadro cultural ao qual

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se sujeita.

Uma vez feitas tais considerações, demarque-se aqui o meio que será o objeto destas

problematizações: as histórias em quadrinhos. Enquanto uma das mais populares e eficazes formas

de se contar histórias e se comunicar mensagens, estas, não estiveram imunes à aclamada revolução

digital. A arte sequencial teve também de enfrentar as mudanças trazidas pela digitalização das

mídias. Nessa conjuntura, o estudo de como os quadrinhos se adequaram a esse panorama não

apenas é relevante como material de pesquisa acadêmica para uma área ainda tão escassa de

abordagens teóricas como é o caso das narrativas gráficas, mas como um estudo detalhado sobre de

que modo as formas através das quais a sociedade fala se relacionam com mudanças em níveis

socioculturais, se adequam e interferem em um panorama fruto de transformações constantes. É

válido enfatizar ainda o fato de a arte sequencial ser um meio que transita de maneira expressiva por

diversas áreas como a literatura, as artes visuais e gráficas, a linguagem gestual, entre outras, de

maneira que, por essa peculiaridade, um estudo sobre os quadrinhos possa lançar luz também sobre

outras linguagens midiáticas, afinal, a pesquisa no campo da comunicação funciona tal como coloca

McLuhan: “Posto que todos os meios são extensões de nós mesmos, ou traduções de alguma parte

de nós em termos de materiais diversos, o estudo de um meio qualquer nos ajuda a compreender os

demais.” (MCLUHAN, 2002, p.161). Por fim, não se deve esquecer, é claro, a importância de se

pensar o papel cultural de um meio enquanto veiculador de mensagens, e consequentemente, de

sentido.

Uma vez expostos tais argumentos, é de bom tom agora, determinar o principal objetivo

desta monografia: definir conceitualmente os quadrinhos, a partir de seu modo de funcionamento.

Para tal, buscou-se, com efeito, individuar suas caraterísticas internas especificas e a lógica de suas

articulações recorrendo-se a uma abordagem estruturalista, correlacionada diretamente, com estudos

linguísticos da narrativa. Portanto, uma vez estabelecida tal perspectiva internalista, evitar-se-á

apelar a contextualizações históricas, mercadológicas, midiáticas, quanto a condições criativas,

nichos, consumo, processos produção etc., pois em sentido análogo as considerações de Reuter

(2011), quando este distingue o “não-texto” do “texto” em seu estudo das narrativas, aqui separou-

se o “não-quadrinho” do “quadrinho”. O ponto será estabelecer um diálogo entre as principais

correntes teóricas do meio na procura de lançar-se a uma possível “interpretação linguística” da

narrativa em quadrinhos.

Assim, os dois primeiros capítulos que se seguem irão tratar de estabelecer tal abordagem.

Em capitulo subsequente, indicar-se-á os modos de articulação entre tais estruturas em pleno

funcionamento a partir de uma análise de uma narrativa gráfica, que seja capaz de exemplificar as

relações funcionais de composição tanto dos níveis narrativos quanto das características especificas

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das histórias em quadrinhos. Por fim, serão feitas algumas considerações sobre o panorama

midiático geral da cultura da convergência e em como o quadrinho, enquanto processo

comunicacional, se encaixa em tal cenário, buscando indicar quais são os primeiros indícios de

algum impacto das mudanças de que Jenkins fala. Neste último capítulo, será retomado e

reformulado boa parte do material trabalhado no artigo O Consumidor é a Mensagem: A

Publicidade na Era da Cultura da Convergência (2011)1, adaptando e dando sequencia as

constatações ali feitas ao escopo desta monografia.

Agora faça-se aqui algumas considerações que contextualizem o leitor quanto a perspectiva

sistemática deste trabalho. Estabeleça antes mais nada que aqui não se pretende verdades e nem

absolutismos, esta monografia surge antes enquanto proposta, enquanto possibilidade metodológica,

dentre inúmeras outras, para se abordar um dado meio. Escolheu-se para esta monografia, enquanto

norte teórico, o estruturalismo, fazendo um recorte sobretudo nos trabalhos de Roland Barthes. A

medida que um dos questionamentos que se propõe responder com essa monografia é a

compreensão dos reflexos que as mudanças culturais resultantes da interação entre a inserção de

uma nova tecnologia midiática e a sociedade acarretam nos outros veículos midiáticos, entender as

condições estruturais do meio e as relações estabelecidas entre estas, é um dos possíveis e eficazes

paradigmas referenciais de comparação a ser utilizado na busca de compreensão quanto a estas

mudanças. Em segundo lugar, por que as narrativas gráficas enquanto objeto de estudo carecem de

abordagens metodológicas de caráter empírico, sendo que as correntes teóricas mais populares em

sua maioria se propuseram a pensar o canal midiático apenas a partir das características especificas

que definiriam o vocabulário do meio.

Aqui compreende-se que ao se ter um meio de comunicação por foco de análise, de acordo

com aquilo que se busca compreender a respeito dele, sejam seus aspectos técnicos, seus efeitos

sociais, sua função cultural, seu modo de funcionamento especifico, entre outros aspectos, haverá

uma gama de diferentes abordagens metodológicas possíveis. As variadas formas de se

problematizar as diversas facetas de um dado meio sempre trarão à tona novos aspectos deste meio

em questão, acrescentando, reforçando ou contrapondo saberes correlacionados ao mesmo. As

narrativas gráficas, por exemplo, enquanto objeto epistemológico possuem seu próprio quadro de

referências teóricas, que vão desde correntes historiográficas até discussões quanto as características

semânticas inerentes ao veiculo. Diferentes abordagens lançam luz a diferentes problemáticas.

É importante enfatizar ainda que nem toda a bibliografia selecionada pertence a perspectiva

estruturalista, sobretudo no que diz respeito especificamente as histórias em quadrinhos, alguns dos

1 Trabalho apresentado na VI FEICOM: Mídia, Imagem e imaginário. GT – Publicidade e Propaganda. De 12 a 15 de outubro 2011, em Goiânia – GO.

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autores que embasaram este trabalho não estão, necessariamente, de acordo com a corrente teórica

selecionada. No entanto por apresentarem concepções que dialogam com o objeto da monografia e

que são fundamentais à compreensão da temática, serão constantemente recorridos. No último

capitulo, abandona-se em parte esse posicionamento estruturalista para tentar relacionar o quadrinho

com o cenário midiático em voga, o que pode parecer em um primeiro momento uma contradição

metodológica, na verdade é uma forma de melhor compreender o impacto das transformações

socioculturais nos modos de funcionamento dos meios de comunicação. Afinal, uma vez que se

esclarece as estruturas internas que condicionam a sistematização de um dado processo

comunicacional, se terá uma base a partir da qual se possa lançar luz contra as suas possíveis

transformações.

Feita tal contextualização geral, concluí-se agora esta introdução, definindo o estruturalismo,

entendido aqui antes de mais nada, não enquanto escola teórica, mas sim, como corrente

metodológica, uma certa perspectiva filosófica de se problematizar e analisar o objeto, o fato ou o

fenômeno posto em cheque. Do ponto de vista teórico o estruturalismo tem como proposta

estabelecer epistemologicamente um dado objeto a partir de suas estruturas e das relações e das

funções estabelecidas entre estas:

A noção de estrutura em ciências humanas não difere muito do que em matemática

se denomina um conjunto: um todo constituído por partes articuladas. As partes são

chamadas elementos, as articulações definidas por uma expressão indicadora de

relações, por meio da qual é possível obter qualquer elemento do conjunto. Esta

expressão recebe o nome de modelo. Assim, por exemplo, o conjunto dos números

pares apresenta o seguinte modelo: Np = 2n, sendo n ≥ 1; (…) O estruturalismo

procura fazer o mesmo com as ciências humanas: considera determinado “objeto”

(um enunciado linguístico, um mito, as relações de parentesco numa comunidade,

etc.) como um conjunto formado de elementos e procura definir as relações entre

esses elemento num modelo. (PINTO, 2009, p.8).

2. AS NARRATIVAS GRÁFICAS ENQUANTO OBJETO EPISTEMOLÓGICO

2.1 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS SOB A PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA

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Para se fundamentar as histórias em quadrinhos a partir do prisma estruturalista é preciso

entender, então, a natureza da condição que as permitem, de fato, existirem enquanto tais. Como

coloca Edgar Guimarães “A tentativa de conceituar uma forma de expressão artística deve se

concentrar em identificar a essência desta forma de expressão, mesmo que, como consequência

disso, os limites entre as diversas formas de expressão se tornem indistintos.” (GUIMARÃES,

1999, p.3). Frise-se aqui que, antes de mais nada, as narrativas gráficas, são um veículo. Uma

plataforma. Um canal midiático a partir do qual se comunica algo a alguém. Em essência, a hq, é

um meio de comunicação. Para citar Eisner (1999), quadrinhos são uma “Arte de comunicação” que

ele define como sendo: “veiculo de expressão criativa, uma disciplina distinta, uma forma artística e

literária que lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras para narrar uma história ou

dramatizar uma ideia.”(p. 5).

Se tratar de um meio de comunicação pressupõe, por si só, algumas condições significantes:

um emissor, um receptor, um canal, um código, um quadro cultural de referências, uma linguagem,

um suporte, etc. São estruturas especificas que todo processo comunicacional resguarda em si.

Estabeleça-se, a grosso modo, que processos comunicacionais são a propagação e troca de

conteúdos codificados partindo de um emissor pressupondo uma recepção capaz de decodificar e

assimilar estes conteúdos. Sendo que essa troca pode ter caráter midiático ou não, particular ou

social. Comunicação seria nesse sentido, acima de tudo, interação. Uma interação entre duas partes

que possuem e pertencem, simultaneamente, à um mesmo mundo compartilhado, isto é, que

possuem um certo quadro de referências culturais similar. Assim, ser um processo comunicacional,

é a condição a partir da qual todas as estruturas do quadrinho se organizam. A função dos elementos

e das articulações características das histórias em quadrinhos é justamente a contínua construção

desta condição, isto é: comunicar algo.

Como nas histórias em quadrinhos, tanto do ponto de vista midiático quanto artístico, o que

é comunicado, se comunica a partir do que é visto, pressupõe-se aqui, tratar de um meio de ordem

visual. Nesse sentido, em uma história em quadrinhos, o autor irá comunicar com seu receptor a

partir daquilo que é expressado para ser percebido, em um primeiro momento, pelos olhos deste

último. Cabe agora individuar o caráter dessa mensagem visual. Toda imagética presente nos

quadrinhos, pode-se afirmar, trata-se de uma representação, a medida que, aquilo que se apresenta

ao receptor a partir do discurso visual, não se apresenta enquanto o próprio elemento real do mundo,

mas sim como uma realocação de um significado a partir de um outro elemento significante. Esse

significante visual se expõe, tradicionalmente, enquanto algum tipo manifestação pictórica de

ordem expressiva. A grosso modo, isso implica dizer que o significante se comunica enquanto

expressão representativa. Expressar é a forma de se tornar sensível aquilo que pertence ao mundo

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das ideias, em sentido lato, pode-se dizer que trata-se se de um meio de tornar visível para outrem,

uma forma particular de se enxergar as coisas do mundo. Tudo aquilo que é expressado

graficamente nos quadrinhos é, portanto, uma representação, seja da realidade ou de uma ideia do

que seja a realidade. Sob a ótica comunicacional, a expressão funciona também enquanto uma

alternativa as limitações do meio ao representar aquilo que este não pode, por si só, oferecer. Por

exemplo, nas hqs, tem-se o balão como representação da fala, ou a sequência visual como

representação da passagem de tempo em conjunto com o movimento, ou ainda a estilização do traço

como representação de mundo, e assim por diante. Desse modo, em quadrinhos, conclui-se, uma

primeira estrutura essencial: o significante pictórico.

A função do significante pictórico, além de comunicador, é também ser, a partir da soma de

todos os pictogramas de uma história em quadrinhos, a estrutura que carrega mensagem dos

quadrinhos. Diga-se de antemão que enquanto plataforma midiática, as histórias em quadrinhos, só

podem comunicar um único tipo de conteúdo: as narrativas. Isso não significa dizer que este meio

só possa veicular histórias, mas sim, que é apenas a partir de histórias que outros tipos de

mensagens poderão ser comunicadas. Assim, fazendo uma ponte com Eisner, que afirma que “Todas

as histórias têm uma estrutura. Uma história tem um inicio, um fim e uma linha de eventos

colocados sobre uma estrutura que os mantêm juntos.” (EISNER, 2005, p.13) tem-se que o conjunto

dos elementos pictóricos, são em si, o vocabulário que, em um primeiro momento, significam e dão

significado a narrativa, para que esta, de fato, exista enquanto narrativa.

Marshall McLuhan afirmava que “[…] todos os meios andam aos pares, um atuando como

'conteúdo' do outro, de modo a obscurecer a atuação de ambos.”(2002, p.71), a partir deste

pressuposto, pode-se presumir que a narrativa seja, nessa perspectiva, o meio que funciona como

conteúdo dos quadrinhos, um veículo dentro de outro veículo. Devido as circunstâncias estruturais

do canal, seja a composição da mensagem por parte do emissor ou a percepção desta pelo receptor,

só o fluem, de modo narrativo. Isso se deve a outra característica, tão essencial quanto as duas

anteriores, desta plataforma: a sequência visual. As histórias em quadrinhos, enquanto canal

midiático, apresentam diversas limitações na forma de se relacionarem com certos traços da

realidade, como o tempo, o movimento e o som. Numa narrativa gráfica, esses fatores só podem

aparecer enquanto metáfora daquilo que são, uma vez que estes, em sua realidade, só se manifestam

na própria temporalidade. O tempo, só existe no tempo, pois a noção que se tem deste, deriva da

percepção de sua passagem. O som, para ser percebido, precisa de um momento de silêncio anterior

a ele, o momento que ele existe enquanto som, e o silêncio posterior a este. Da mesma forma, o

movimento precisa da inércia. Toda ação que necessita do tempo para ser percebida, existindo em si

no fluxo temporal, de modo que esta ação mude, altere, resulte ou transforme algo, pressupõe um

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começo, um meio e um fim, sendo a percepção deste processo, nesse sentido, de “ordem narrativa”,

pois tempo, é sucessão. A própria narrativa, para existir enquanto narrativa, precisa emular este

processo perceptivo, comunicando algo que acontece em um tempo representativo que se estruture

na transição entre o início, o meio e o fim, de uma dada ação ou sequência de eventos, Greimas irá

salientar: “Na qualidade de uma sucessão, a narrativa possui uma dimensão temporal: os

comportamentos ali apresentados mantêm entre eles relações de anterioridade e posterioridade.”

(GREIMAS, 2009, p.65).

Como os quadrinhos não são capazes de processar a real dimensão temporal, necessitam

representar tudo o que ocorre na temporalidade pictórica e espacialmente, usando a narrativa como

a semântica destas representações. A narrativa, além de conteúdo midiático, é o elemento que

organiza, estrutura e dá sentido a sequencia visual. A sequencialidade entre um plano e outro, tal

qual no cinema, é por sua vez o elemento que constrói o fluxo narrativo que o receptor irá assimilar,

estabelecendo não apenas a ordem narrativa, mas a própria dimensão temporal no meio. Ressalta

Eisner que:

A função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou revista), que é comunicar

ideias e/ou histórias por meio de palavras e figuras, envolve o movimento de certas

imagens (tais como pessoas e coisas) no espaço. Para lidar com a captura ou

encapsulamento desses eventos no fluxo da narrativa, eles devem ser de compostos

em segmentos sequenciados. Esses segmentos são chamados quadrinhos. Eles não

correspondem exatamente aos quadros cinematográficos. São parte do processo

criativo, mais do que um resultado da tecnologia. (EISNER, 1999, p.38).

Tanto a narrativa quanto a sequencia visual, são interdependentes. Dentro de uma história

em quadrinhos, uma narrativa que não se estruture a partir da sequencia visual, ou uma sequencia

visual que não esteja a serviço da narrativa, ou mesmo a ausência de um destes elementos, criaria

um paradoxo para o próprio meio. Mesmo que se utilizasse de todos os outros elementos que

compõem o vocabulário dos quadrinhos, seria em última instância, uma negação conceitual da

plataforma.

É relevante frisar que Eisner acredita que os quadrinhos podem comunicar também ideias, o

que não entra em conflito com o que foi anteriormente exposto, desde que as ideias, sejam

veiculadas em conjunto ou a partir da narrativa. A própria narrativa se compõe das ideias de mundo

que o autor deseja comunicar. Por outro lado, uma ideia representada dentro de uma história em

quadrinhos com a total ausência da narrativa, deixa de ser quadrinho e se torna símbolo, ainda que

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seja representada segundo a estética das hqs.

Uma outra corrente teórica, convenciona a arte sequencial a partir da amálgama narrativa

que surge entre linguagem escrita e linguagem visual. O Francês Jacques Marny que se propõe a

pensar o meio do ponto de vista sociológico, afirma que os quadrinhos são, em suma, estabelecidos

a partir da “[...] relação dinâmica entre imagem e texto.” (1970, p.34). Em via paralela, Antonio

Cagnin diz que: “História em quadrinho é um sistema narrativo formado por dois códigos de signos

gráficos: a imagem, obtida pelo desenho e a linguagem escrita.” (CAGNIN apud FRANCO, 2004,

p.25). Nessa busca por uma definição que encontre o ponto de interação máxima entre imagem

pictórica e palavra escrita, Sonia Bibe-Luyten (1993) apresenta uma concepção que delimita as

histórias em quadrinhos a partir de um único aspecto específico: o balão. Assim, a autora determina

a essência que define as hqs como sendo a forma característica da justaposição entre as imagens e a

linguagem escrita. Os balões, de acordo com essa perspectiva, são o elemento caracterizante das

histórias em quadrinhos por estruturar uma relação orgânica entre narrativa visual e narrativa

textual, diferente das obras nas quais o texto possui um caráter meramente descritivo em relação a

imagem ou que a imagem funciona apenas enquanto ilustração do texto, de modo que a função do

balão é traduzir graficamente os elementos sonoros inerentes a fala e ao pensamento. Porém, essa

linha de pesquisa é questionável, já que não consegue responder a problemática da existência de

quadrinhos que dispensam a necessidade de uma linguagem textual, e que ainda assim, funcionam

enquanto história em quadrinhos, como é o caso da série de quadrinhos mudos de Masashi Tanaka,

Gon (1991).

Portanto aqui, por ser mais importante que a articulação estabelecida entre pictogramas e

escrita fonética, a relação entre a narrativa, a representação gráfico-visual, a sequencialidade e um

quarto elemento a ser abordado adiante, sim, será o foco de interesse na busca de uma definição

estrutural para os quadrinhos. Assim, nesta monografia, histórias em quadrinhos, referirão-se a um

meio narrativo visual, que pode ser definido, de acordo com Moacy Cirne, como “uma narrativa

gráfico-visual, impulsionada por sucessivos cortes, cortes estes que agenciam imagens rabiscadas,

desenhadas e/ou pintadas.” (CIRNE, 2000, p.11). Edgar Guimarães, a partir do mesmo viés

epistemológico de Cirne, mas no entanto buscando uma definição mais abrangente e efetiva, capaz

de correlacionar as diferentes correntes que se propuseram a pensar o fenômeno quadrinhístico,

expõe que:

Muitas vezes há a tendência de definir uma forma de expressão por um conjunto

amplo de características de modo a delimitar com precisão as fronteiras entre as

diversas formas de expressão. Esta necessidade de garantir que uma determinada

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obra tenha uma classificação inequívoca em uma única categoria leva a

conceituações muito restritivas que contemplam somente o tipo mais comum e

consagrado de trabalho, excluindo da categoria tanto as manifestações mais

primitivas quanto as obras experimentais. (1999, p.3).

E nesse sentido, define o meio afirmando que:

História em Quadrinhos é a forma de expressão artística que tenta representar um

movimento através do registro de imagens estáticas. Assim, é História em

Quadrinhos toda produção humana, ao longo de toda sua História, que tenha

tentado narrar um evento através do registro de imagens, não importando se esta

tentativa foi feita numa parede de caverna há milhares de anos, numa tapeçaria, ou

mesmo numa única tela pintada. Não se restringe, nesta caracterização, o tipo de

superfície empregado, o material usado para o registro, nem o grau de tecnologia

disponível. Engloba manifestações na área da Pintura, Fotografia, Desenho de

Humor como a charge e o cartum, e até algumas manifestações da Escrita. (1999,

p.6).

Obviamente, a concepção de Guimarães inclui todo um leque de produções que vai bem

além daquilo que se é convencionalmente entendido como sendo arte sequencial, ainda que bastante

eficaz e significativa, está mais próxima do conceito de narrativa gráfica do que de hq. Will Eisner,

de modo claro e objetivo, define as narrativas gráficas como: “[...] qualquer narração que usa

imagens para transmitir ideias.” (2005, p.10). Tem-se assim, que narrativas gráficas referem-se a

uma forma específica de narrar histórias a partir de imagens pictóricas em conjunto de outros

elementos linguísticos, culturais e antropológicos, sendo os quadrinhos, apenas uma de suas

manifestações. As narrativas gráficas, com todos os seus códigos, seriam a linguagem, enquanto as

histórias em quadrinhos, um de seus processos. No entanto, para fins de estudo acadêmico, nesta

monografia, os dois serão compreendidos como sinônimos, mesmo que nem toda narrativa gráfica,

possa ser de fato entendida como sendo um quadrinho. Portanto, a definição de Guimarães, ainda

que holística, por sintetizar eficientemente a natureza das principais características das narrativas

gráficas, é de extrema valia para a área.

Seguindo na mesma linha de raciocínio, o teórico espanhol Roman Gubern afirma que:

“[quadrinho é a] estrutura narrativa formada pela sequencia progressiva de pictogramas nos quais

podem integrar-se elementos de escrita fonética.” (GUBERN, apud FRANCO, 2004, p.25). Edgar

Franco complementa que “a união entre texto, imagem e narrativa visual formam um conjunto

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único e uma linguagem sofisticada com possibilidades expressivas ilimitadas” (2004, p.25),

esclarecendo assim que palavra escrita, ainda que não necessária, tem valor enriquecedor enquanto

recurso narrativo. Esta é a questão central dos quadrinhos: todos os elementos que constituem o

meio, dos mais supérfluos aos mais fundamentais, todos eles, são elementos narrativos. Toda a

semântica dos quadrinhos, está à serviço da narrativa, e a narrativa por sua vez, a serviço do meio.

Traçado tal panorama, partir-se-á agora para a abordagem de um último elemento

fundamental na estruturação conceitual das histórias em quadrinhos: a conclusão. As narrativas

gráficas, enquanto meio de comunicação, possuem, suas limitações e ruídos. Por ser uma arte

visual, mesmo não tendo uma dimensão sonora, “O ruído nos quadrinhos, mais do que sonoro, é

visual.” (CIRNE, 1972, p. 30). Se for analisado, trata-se de um meio que veiculará uma narrativa

construída a partir de representações gráfico-visuais aonde tem-se que, o fluxo narrativo, é

estruturado através da sequência estabelecida entre um quadro (e/ou pictograma) e outro. É também

a sequência que estabelece a temporalidade e a ideia de movimento presente nas histórias em

quadrinhos: “O ato do enquadramento separa as cenas e opera como um pontuador. Uma vez

estabelecido e posto em sequencia, o quadro ou painel torna-se o critério pelo qual se mede a ilusão

do tempo.” (EISNER, 1999, p. 28). Guimarães acrescenta:

Na História em Quadrinhos, o autor decompõe uma cena em um determinado

número de imagens estáticas colocadas em sequencia, mas não há um recurso

tecnológico que produza a ilusão de movimento. No entanto, o espectador, sabendo

desta limitação, aceita-a e tenta reconstituir mentalmente o movimento sugerido

pelas imagens disponíveis. A codificação usada para este encadeamento de imagens

é a apresentação das imagens inequivocamente separadas, normalmente dentro de

quadros, seguindo a mesma convenção da leitura de textos escritos usada no

mundo ocidental: da esquerda para a direita e de cima para baixo. (2002, p.9).

Em síntese, pode se presumir que a narrativa, ocorre, em essência, na mente do receptor. Na

sua capacidade de adentrar no universo proposto pelo autor da obra e ignorar as limitações do meio,

aceitando uma sequência de enquadramentos como transposição temporal e representações gráficas

como realidade. Essa cumplicidade entre emissor e espectador é uma necessidade que toda

comunicação precisa atender para poder ser minimamente inteligível. E na cumplicidade que o

receptor precisa desempenhar, se estabelece o quarto elemento essencial das histórias em

quadrinhos, a conclusão:

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Para realizar uma história em quadrinhos através de um conjunto de imagens

colocadas em sequencia, o autor, com a história em mente, deve selecionar um

número definido de imagens que narrem esta história eficientemente. Estas

imagens encadeadas devem ter uma separação inequívoca entre elas, e esta

separação física entre as imagens é chamada entrequadro. A divisão entre uma

imagem e a outra na sequencia é chamada corte. Quando um autor define duas

imagens de uma sequencia fazendo um corte entre elas, obviamente está

eliminando uma quantidade imensurável de outras imagens que poderiam existir

naquele intervalo. No entanto, estas imagens omitidas não deverão fazer falta ao

leitor para o entendimento da sequencia. Esta capacidade que uma pessoa tem de

imaginar o que há entre as duas imagens selecionadas pelo autor é chamada

conclusão. (GUIMARÃES, 1999, p.8).

O conceito de conclusão (no que diz respeito as hqs), tal qual é entendido aqui, aparece pela

primeira vez nos trabalhos de Scott McCloud, (2005) ao referir-se a capacidade humana de

compreender um todo a partir da observação de suas partes. Segundo o autor:

Os quadros das histórias fragmentam o tempo e o espaço, oferecendo um ritmo

recortado de momentos dissociados. Mas a conclusão nos permite conectar esse

momentos e concluir mentalmente uma realidade contínua e unificada. Se a

iconografia visual é o vocabulário das histórias em quadrinhos, a conclusão é a sua

gramática. […] num sentido bem estrito, quadrinho é conclusão. (2005, p.67)

A problemática da cumplicidade está completamente alinhada com aquilo que Marshall

McLuhan discerne enquanto meios quentes e meios frios. Para o teórico, os canais midiáticos se

diferenciam, também, pelo grau de interação exigido por parte do receptor para compreensão

efetiva da mensagem, e assegura que:

Há um princípio básico pelo qual se pode distinguir um meio quente, como o rádio,

de um meio frio, como o telefone, ou um meio quente, como o cinema, de um meio

frio, como a televisão. Um meio quente é aquele que prolonga um único de nossos

sentidos e em “alta definição”. Alta definição se refere a um estado de alta

saturação de dados. Visualmente, uma fotografia se distingue pela “alta definição”.

Já uma caricatura ou um desenho animado são de “baixa definição”, pois fornecem

pouca informação visual, O telefone é um meio frio, ou de baixa definição, porque

ao ouvido é fornecida uma magra quantidade de informação. A fala é um meio frio

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de baixa definição, porque muito pouco é fornecido e muita coisa deve ser

preenchida pelo ouvinte. De outro lado, os meios quentes não deixam muita coisa a

ser preenchida ou completada pela audiência. Segue-se naturalmente que um meio

quente. como o rádio, e um meio frio, como o telefone, têm efeitos bem diferentes

sobre seus usuários. […] Um meio quente permite menos participação do que um

frio: uma conferência envolve menos do que um seminário, e um livro menos do

que um diálogo. (MCLUHAN, 2002, p.38 e 39).

Nas narrativas gráficas, tempo e movimento são expressados espacialmente, cada elemento

que estrutura a sequencia desempenha função representativa visando superar as restrições do canal.

Inclusive o espaço entre um corte e outro, a sarjeta. A conclusão é o ato que se pressupõe ao

receptor, visando preencher esse espaço, a partir de experiencias anteriores e elementos imagísticos

inerentes ao mundo compartilhado entre este e o emissor, criando um uno com a narrativa já

representada. Fresnault-Deruelle acrescenta: “[…] le descontinu fonde l’univers de la bande

dessinée…et se matérialise par les blancs entre les rectangles.” (1972, p.50).

Quadrinhos, portanto, para serem de fato quadrinhos, ou melhor, para serem de fato

comunicação, precisam, também, da cumplicidade de seus receptores, uma vez que é a partir desta

que se dá a ação que irá completar a narrativa veiculada, fazendo destes co-autores da mensagem.

Por isso, ao se referir as histórias em quadrinhos, McCloud evidencia tratar-se de “um meio onde o

público é um colaborador consciente e voluntário, e a conclusão é o agente de mudança, tempo e

movimento” (2005, p 65). Um meio, em essência, frio. Nesse sentido, o autor respalda sua definição

de quadrinhos, que será aqui o principal norte teórico no que diz respeito as narrativas gráficas, que

ele estabelece como: “imagens pictóricas e outras justapostas em sequência deliberada destinadas a

transmitir informações e ou produzir uma resposta no espectador.”. (MCCLOUD, 2005, p.12).

Além das quatro estruturas essenciais abordadas, há o suporte. Não é um elemento

fundamental capaz de definir a condição estrutural do processo comunicacional, sendo mais uma

necessidade do meio para se manifestar enquanto comunicação. O suporte é a estrutura física aonde

a narrativa gráfica irá se encarnar, podendo variar em inúmeras plataformas, desde o papel comum

até as paredes de uma caverna. Em resumo, é a forma como o quadrinho irá se apresentar ao

receptor fisicamente ou, na lógica contemporânea, virtualmente; é o “corpo” a partir do qual o leitor

irá entrar em contato com a narrativa. Sua função é possibilitar que aquilo que é veiculado, seja

veiculado.

Diante do que foi exposto, do ponto de vista comunicacional, narrativas gráficas, com base

sobretudo nas concepções de Eisner e McCloud, chega-se a uma definição das histórias em

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quadrinhos, que aqui podem ser entendidas como o ato de propagar, a partir de representações

imagéticas, narrativas cujo fluxo temporal dá-se pela disposição sequencial destas representações,

pressupondo nesse sentido, interação e cumplicidade por parte do receptor e estando essa narrativa

suportada por algum tipo plataforma midiática. Cada um dos referidos elementos que estruturam

tanto o meio quanto sua linguagem, serão melhor abordados no tópico a seguir.

2.2 A LINGUÍSTICA DOS QUADRINHOS

Toda linguagem é uma expressão, e toda expressão, é em essência, representação e

comunicação. O conteúdo linguístico é a representatividade do mundo conceitual das ideias. A

linguagem é a condição a priori da comunicação, a forma de toda e qualquer mensagem se fazer

presente. Afirma Kristeva que “[...] a linguagem é simultaneamente o único modo de ser do

pensamento, a sua realidade e a sua realização”. (2007, p.17). Assim, a linguagem está bem além de

ser apenas o código a partir do qual se comunica e transmite uma mensagem, sendo que é somente

por existir uma linguagem que se pode pensar em uma mensagem e não o inverso, por que é o

processo cognitivo da linguagem que permite estruturar, organizar e sistematizar pensamento em

mensagem e posteriormente, propagá-lo.

A linguagem se faz, portanto, fundamental, uma vez se tratando de um elemento chave na

capacidade humana de se comunicar, registrar e transmitir conhecimentos uns aos outros, em suma,

por permitir não apenas que a sociedade fale, mas que fale consigo mesma. E acrescenta Kristeva:

“Se a linguagem é a matéria do pensamento, é também o próprio elemento da comunicação social.

Não há sociedade sem linguagem, tal como não há sociedade sem comunicação. Tudo que se

produz como linguagem tem lugar na troca social para ser comunicado”. (2007, p.18).

Segundo Ferdinand Saussure, a linguagem seria um instrumento de interação e dominação,

que existe na mente daqueles que a compartilham. Não sendo em essência uma concretização, mas

sim uma abstração da realidade que só se concretiza através da fala. Nesse sentido, a língua só se

manifesta enquanto, e a partir, do acervo linguístico. Saussure sistematiza os estudos da linguagem

a partir de uma dicotomia epistemológica: uma tem por objeto a língua (langue) e outra, a fala

(parole); de modo que, a primeira em sua essência, seria uma manifestação de ordem social, em

contrapartida à segunda que se individua como a estrutura singularizada da problemática linguística.

É a partir dessa abordagem que Saussure estabelece seu escopo teórico, a língua, considerada por

ele enquanto um sistema de signos formados pela união do sentido e da imagem acústica: “é um

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tesouro depositado pela prática da parole em todos os indivíduos pertencentes à mesma

comunidade.”(SAUSSURE, 2006, p. 23). Sentido entendido aqui como sendo o próprio conceito,

ideia, em suma, o significado a se comunicar; enquanto a imagem acústica é pensada como a

impressão psíquica a ser materializada, o elemento significante pelo qual se comunica. A partir

deste viés, Saussure demarca que esses dois elementos estruturais constituintes do signo linguístico

“estão intimamente unidos e um reclama do outro” (SAUSSURE, 2006, p. 80). São, portanto,

necessariamente interdependentes, uma vez a existência de uma estrutura compromete a existência

da outra, ainda que “o laço que une o significante e o significado é arbitrário.” (SAUSSURE, 2006,

p.81). O teórico defende a tese de que a arbitrariedade do signo linguístico é resultado da não

obrigatoriedade de relação entre significado e significante. E se respalda ao referir-se as diferenças

entre as línguas, da possibilidade de um significado ser representado por vários significantes.

Deste ponto de vista, aquilo que se convenciona popularmente enquanto a linguagem dos

quadrinhos, ou seja, o conjunto de códigos e recursos gráficos e pictóricos, dotados de sentidos

comuns entre o emissor e o receptor, na realidade, não seriam mais que o vocabulário significante

da verdadeira linguagem dos quadrinhos. Isso significa dizer que toda iconografia visual do meio,

se articula para construir, justificar, elaborar, em suma, para enredar a história que se deseja contar.

E por isso, pensando na lógica saussuriana, sempre variam de acordo com o tempo e o local aonde

esse tipo de narrativa se manifesta. E como as narrativas gráficas são ainda uma expressão de

caráter artístico, seus códigos poderão variar, também, de acordo com estilo do autor, da caráter da

história ou do mercado visado.

Apesar de nesse sentido, o vocabulário dos quadrinhos ser condicionado por uma

diversidade de variáveis socioculturais, econômicas e artísticas, existem nas narrativas gráficas

modernas, certos significantes pictóricos, ou melhor, certas necessidades representativas mais ou

menos constantes: natureza, som, movimento e tempo.

A natureza nos quadrinhos, é toda a construção visual que envolve o cenário, a ambientação,

climatização, os personagens e o seu universo, em suma, é o mundo representado imageticamente.

Refere-se ao que Yves Reuter define, dentro do plano da narrativa, como ficção: “A ficção designa o

universo encenado pelo texto: a história, as personagens, o espaço-tempo. Ela se contrói

progressivamente, seguindo o fido do texto e da leitura.” (REUTER, 2011, p.27). Sendo que será a

partir da estilização da imagem que se construirá tal realidade:

As informações visuais provenientes da realidade e captadas pelo olho são

suficientemente complexas para que seja possível sua representação

detalhadamente. Portanto, sempre alguma simplificação é necessária. A estilização

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mais comum no desenho, já presente nos primeiros esboços realizados pelas

crianças, e também nas HQs publicadas em preto e branco e na maioria das HQs

coloridas, é a utilização de traço bem definido para delimitar o contorno dos

objetos e figuras representados. É o chamado ‘desenho a traço’. [...] As HQs em

preto e branco e a maioria das coloridas têm seus desenhos feitos a traço, com

maior estilização como em Charlie Brown ou maior realismo como em Príncipe

Valente. (2002, p.8).

Por outro lado, a realidade nos quadrinhos, não é composta apenas de elementos físicos.

Existem as expressões, as sensações, os sentimentos, as ideias e outros fatores não sensíveis que

cercam o mundo dos personagens e que carecem também de representação. McCloud ao lidar com

esta problemática, estabelece a imagística presente nos quadrinhos enquanto ícones, uma vez que

tratam-se de imagens desempenhando função representativa, e os define, portanto, como: “[…]

qualquer imagem que represente uma pessoa, local, coisa ou ideia.” (2005, p.27) podendo,

consequentemente, terem maior ou menor grau de abstração de acordo com aquilo que se busca

representar e o nível de identificação que se procura por parte do receptor. Quanto mais abstrato e

simplificado, mais o leitor precisará preencher as lacunas. Numa arte visual como os quadrinhos,

aonde tem-se a necessidade de uma realidade representada, toda construção gráfica e imagética,

será, nesse sentido, icônica.

O som, é representado nos quadrinhos a partir de dois elementos principais: O balão e a

onomatopeia. São estes dois fatores, a priori, que estabelecem a realidade sonora do meio,

funcionando enquanto metáfora sintética da audição, aonde se “ouve” com os olhos, pois tal qual o

tempo, nos quadrinhos, o som é expressado espacialmente. O balão funciona como a representação

imagética da linguagem falada e de suas variações, dentre as quais o pensamento. Lega em muito do

filactério medieval e começa a ser desenvolvido modernamente, sobretudo, a partir de Yellow Kid

(1896) de Richard Outcault. Umberto Eco (2008) define o balão enquanto o elemento que

fundamenta a semântica do meio, uma vez que traduz a partir da forma como é expressado, além da

fala representada, um conjunto de significâncias que dirão respeito ao teor discursivo daquilo que é

apresentado ao leitor. Eisner complementa: “O contorno do balão comunica a característica do som,

dentro do balão o letreiramento reflete a natureza e a emoção da fala.” (EISNER,1999, p.27). O

balão é também um índice de temporalidade ao estabelecer a sequencia dos falantes em cada cena a

partir de sua posição:

[…] são a intersecção entre imagem e palavra, transmitem também um código

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auditivo, indica qual personagem está falando/pensando, ou onde o som tem

origem. Eles também são indicadores da ordem dos falantes. Balões colocados na

parte superior esquerda devem ser lidos primeiro. (FERREIRA, 2008, p.1).

Já a função da onomatopeia é traduzir todos os outros sons do mundo, e possuem portanto,

uma estilização gráfica coerente com as suas significâncias. Expressa neste sentido outro tipo de

sonoridade, ao buscar uma representação para os sons e ruídos de ambientes, ações, coisas, contato,

choques, contusões e etc. E tal qual nos balões, a estilização tipográfica pode indicar o teor a

situação que o autor busca representar.

O movimento, por sua vez, numa história em quadrinhos pode ser emulado, sobretudo, de

duas formas. A primeira, e mais simples, é a linha cinética de ação, que trata-se de traços indicando

trajetórias de objetos ou ações no espaço e no tempo. A outra, é mesma forma através da qual se

representa passagem de tempo, ou seja, a sequencia estabelecida entre as imagens que compõem a

narrativa:

O ato de enquadrar ou emoldurar a ação não só define seu perímetro, mas

estabelece a posição do leitor em relação à cena e indica a duração do evento. Na

verdade, ele “comunica” o tempo. A magnitude do tempo transcorrido não é

expressa pelo quadrinho per se, como logo revela o exame de uma série de

quadrinhos em branco. A imposição das imagens dentro do requadro dos

quadrinhos atua como catalizador. A fusão de símbolos, imagens e balões faz o

enunciado. Na verdade, em algumas situações, o contorno do quadrinho é

inteiramente eliminado com igual efeito. O ato de colocar a ação em quadrinhos

separa as cenas e os atos como uma pontuação. Uma vez estabelecido e disposto na

sequência, o quadrinho torna-se o critério por meio do qual se julga a ilusão de

tempo. (EISNER, 1999, p.28)

A própria noção convencionada de tempo que se tem, como afirmado anteriormente, deriva

da sequencia dos eventos. Nesse sentido, cabe pensar, se a hq não é o meio que melhor permite uma

relação representativa entre receptor e temporalidade. Cada recorte representa um momento no

tempo, deixando lacunas a serem completadas pela mente do receptor. Além de estabelecer a

temporalidade representativa, o encadeamento de imagens estabelece também a sintaxe da mídia.

Assim, a conclusão, nada mais é, do que compreender a “sintaxe” do meio, ou como coloca

Umberto Eco, “soldar” a descontinuidade narrativa:

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A relação entre os sucessivos enquadramentos mostra a existência de uma sintaxe

especifica, melhor ainda, de uma série de leis de montagem. Dissemos “leis de

montagem”, mas o apelo ao cinema não nos pode fazer esquecer de que a estória

em quadrinhos “monta” de modo original, quando mais não seja porque a

montagem da estória em quadrinhos não tende a resolver uma série de

enquadramentos imóveis num fluxo contínuo, como no filme, mas realiza uma

espécie de continuidade ideal através de uma fatual descontinuidade. A estória em

quadrinhos quebra o continuum em poucos elementos essenciais. O leitor, a seguir,

solda esses elementos na imaginação e os vê como continuum (…). (ECO, 2008, p.

147).

E por fim, desempenhando a função semântica, encontra-se a narrativa, o elemento que dá o

sentido de ser a uma história em quadrinhos, estando todo o repertório gráfico das hqs a seu favor.

O conceito de narrativa trabalhado nesta monografia, bem como suas estruturas de coesão,

elementos específicos que podem ser singularizados e identificados em toda narrativa por

excelência, isto é, sua linguística, serão objetos do próximo capitulo. Conclui-se, a partir do que foi

aqui exposto, que pensar uma linguagem das histórias quadrinhos, é pensar nas possibilidades de

materializar, expressar e veicular sentidos quadrinhísticamente. A Linguagem dos quadrinhos, seria,

portanto, a forma de realizar e comunicar significados em sua completude de elementos

fundamentais, a relação dialética entre significante e significado, sendo em última instância, a

própria história em quadrinhos concretizada.

3. AS ESTRUTURAS DA NARRATIVA

3.1 NARRATOLOGIA, A TEORIA INTERNALISTA DA NARRATIVA

O homem narra. Cria, conta, compartilha, transmite. Para a espécie humana, a capacidade de

representar ou ficcionar a realidade é um dos pilares fundamentais na contínua construção de suas

culturas. Narrar significa conhecer e partilhar, tornando todas as coisas passíveis de representação.

A narrativa é, a priori, um todo de significação, uma construção de sentidos. E enquanto sistema de

significação, sempre será passível de várias abordagens, já que aos diferentes níveis em que se se

significa a narrativa, pode-se apresentar diferentes metodologias de análise, cada uma ancorando-se

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em um saber especifico e acrescentando uma nova perspectiva de sentido.

Falou-se anteriormente quanto a escolha metodológica desta monografia: o estruturalismo.

Foram expostos alguns dos motivos desta escolha. Enquanto abordagem empírica, o estruturalismo

desembocou em várias áreas do saber, resultando, alterando o reconstruindo dinâmicas

epistemológicas. No âmbito do estudo da narrativa, o seu efeito foi a gênese de uma de suas mais

importantes teorias, a narratologia. Do prisma conceitual, o termo aparece pela primeira vez nos

trabalhos de Tzvetan Todorov (1969), referindo-se a um método especifico de objetar a narrativa a

partir de sua “gramática” interna, e a partir daí, como coloca Cesare Segre (1999), seria função do

narratologista descrever o funcionamento e demonstrar os mecanismos que condicionam a

construção narrativa. A narratologia analisa, portanto, as articulações em comum entre todas as

narrativas, procurando justamente aí, nas similaridades possíveis entre a multiplicidade de formas, a

“condição narrativa” que as distinguiriam enquanto tais. E para tal, a metodologia narratologista

busca a descrição do sistema especifico da construção narrativa, procurando regras que guiem o

processo de composição da narrativa. Nesse sentido, a narratologia dialoga, com efeito, com o

estruturalismo, ao considerar a narrativa enquanto um sistema, regido por normas de funcionamento

geral. Mais um traço da lógica estruturalista está na ação de isolar as articulações, sejam estas

fundamentais em maior ou menor grau, dos vários tipos de narrativas e considerar os modos como

se relacionam entre si na composição do todo.

Outros autores adentraram ainda mais nessa busca pela consolidação da narratologia

enquanto teoria da narrativa, A.J. Greimas (1987), por exemplo, irá aprofundar o conceito ao

apontar o fato de haver uma possível gramática universal da narrativa. Barthes (2009), por sua vez,

defende a existência de um modelo básico para as narrativas, uma estrutura condicionadora do

funcionamento a partir da qual todas se constroem, e seria justamente este o objeto da narratologia

enquanto saber: descrever esta estrutura. Contemporaneamente, Yves Reuter (2011) sintetiza a

narratologia em frente de suas duas características funcionais :

A primeira consiste em interessar-se pelas narrativas como objetos linguísticos,

fechados em si, independentemente de sua produção e sua recepção. A segunda

característica reside no postulado segundo o qual, para além da aparente

diversidade, as narrativas apresentam formas de base e princípios de composição

comum. São essas formas e esses princípios que constituem o objeto de pesquisa

da narratologia como teoria da narrativa. São essas formas e esses princípios que

constituem os instrumentos de análise das diferentes narrativas que podemos

encontrar. (REUTER, 2011, p.10).

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Esta será a concepção de narratologia adotada aqui. E se se escolheu o estruturalismo para

tracejar as condições de funcionamento da história em quadrinhos, é coerente que se escolha a

narratologia enquanto método de análise do processo narrativo. Um dos importantes motivos dessa

escolha se deve ao forte impacto e relevância que essa abordagem apresenta nas demais teorias da

narrativa desde o seu surgimento, de modo que qualquer pesquisa que coloque em cheque as

narrativas e desconsidere a linha estruturalista/narratologista sem apresentar motivos significativos,

estaria sendo leviana. Não significa dizer que a narratologia seja a verdade absoluta da narrativa ou

a única possível, afinal, tal qual coloca Reuter: “Esta não é certamente a escolha perfeita; mas

nenhuma será, na medida que não se pode ter a pretensão de tudo compreender acerca de todas as

narrativas.” (REUTER, 2011, p.10). Sua escolha aqui se deve, ainda, a sua eficácia e simplicidade

metodológica, já que oferece conceitos de fácil abordagem e aplicação; e talvez, além disso, a

liberdade que o autor desta monografia detém para poder escolher o campo teórico que lhe pareça

mais adequado a seus objetivos. Outra justificativa para o recorte pode ser encontrada também em

uma considerável questão levantada por Barthes, a infinitude das narrativas:

Inumeráveis são as narrativas do mundo. Há em primeiro lugar uma variedade

prodigiosa de gêneros, distribuídos entre substâncias diferentes, como se toda

matéria fosse boa para que o homem lhe confiasse suas narrativas: a narrativa pode

ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou

móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas essas substâncias; está

presente no mito, na lenda [...] na pintura, no vitral, no cinema, nas histórias em

quadrinhos, no fait divers, na conversação. Além disso, sob essas formas quase

infinitas, a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em

todas as sociedades [...] internacional, trans-histórica, transcultural, a narrativa está

aí, como a vida. (BARTHES, 2009, p.19-20).

Se são infinitas as narrativas, se se apresentam em todas as formas, povos e lugares, mais

uma vez e agora por outro prisma, serão também infinitas as formas de problematizar-las. Assim

sendo, não só por causa das limitações desta pesquisa, mas também para que não se corra o risco de

perder o foco ou esfacelar-se em uma miríade de teorias que ora se contradiriam, foi necessário

estabelecer um quadro referencial que mantivesse a coerência metodológica da pesquisa. Entre os

estruturalistas, priorizou-se Roland Barthes, figura central entre estes. Outros autores serão

ocasionalmente recorridos, e será, sobretudo, a partir do diálogo entre a obra de Barthes e destes

autores que a metodologia deste capítulo se estabelecerá. E enfatize-se ainda, que em Barthes,

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frisou-se suas concepções durante o auge de sua fase estruturalista, principalmente aquelas

apresentadas em Análise Estrutural da Narrativa (2009), uma vez que mesmo sendo a narrativa uma

das teorizações centrais em Barthes, o conceito de código narrativo trabalhado por ele ao longo de

sua obra é abordado de maneira diversificada:

Se, em um primeiro momento, os interesses de Barthes se articulavam em torno das

consequências políticas da forma da narrativa, em uma segunda fase, o seu foco se

voltará justamente para o estabelecimento de uma homologia entre o

funcionamento da língua – tal como exposto por Saussure – e a própria

estruturação da narrativa. Essa ideia, contudo, é abandonada a partir de S/Z,

momento em que o autor, a partir de uma crítica ao modelo estrutural, vislumbra a

narrativa como uma sequência organizada de múltiplas estruturas que se articulam

enquanto vozes de um texto. É neste momento que a metáfora do diagrama dá

espaço à metáfora da partitura (e, posteriormente, do tecido) como modo de

estruturação de um texto. (CASSADEI, 2012, p.67)

Se Barthes se diferencia em suas próprias metodologias, consequentemente a escolha de

toda a sua obra ou recortes diferentes influenciaria diretamente no decorrer desta monografia, de

modo que não dialogaria nem com o que já foi sugerido e/ou nem com as conclusões que se espera

alcançar deste trabalho. No capitulo anterior, como já bastante frisado, buscou se propor as histórias

em quadrinho a partir do estruturalismo, fazendo uma analogia com a própria linguística. Isso

implicou encontrar as articulações e relações entre as estruturas que condicionam o modo pelo qual

funciona e, em última instância, existe a linguagem dos quadrinhos. Esse é o processo mesmo pelo

qual em a Análise Estrutural da Narrativa, em seu ensaio introdutório, Barthes coloca em cheque a

análise narrativa.

3.2 A NARRATIVA SOB O PRISMA DA LINGUÍSTICA

Como dito acima por Cassadei, Barthes correlaciona-se aos estudos linguísticos de Saussure

na sua busca de uma metodologia própria para identificar as estruturas da narrativa, e afirma: “No

estado atual2 da pesquisa, parece razoável dar como modelo fundador à análise estrutural da 2 É importante aqui levar em consideração o panorama à época a qual refere-se Barthes, contemporânea a primeira publicação de Análise Estrutural da Narrativa, quando o estruturalismo desfrutava de grande prestígio acadêmico, marcando fortemente as áreas dos saberes humanos, sobretudo graças aos trabalhos de Lévi-Strauss e de Saussure.

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narrativa a própria linguística.” (BARTHES, 2009, p.22). O paralelo traçado entre linguagem e

narrativa é uma característica marcante do estruturalismo, sobretudo em Barthes, e deriva do

tratamento que ele e demais teóricos desta perspectiva darão a esta última ao considerá-la enquanto

modalidade discursiva, ainda que nesse momento, o conceito de discurso não apareça de maneira

explícita nestes autores.

A tradição semiótica francesa, pode-se dizer, postulava que deveria ser o objeto de uma

teoria do discurso, a investigação da “totalidade dos fatos semióticos – relações, unidades,

operações – situados no eixo sintagmático da linguagem” (COURTÉS & GREIMAS, 1986, p. 125 e

126), sendo assim entendido por discurso, “tudo aquilo que é colocado pela enunciação, pois

‘enunciação’ é a colocação em discurso” (idem, p.127). Deste modo, as práticas do discurso

envolveriam tanto os fatos de mundo verbal, das línguas naturais, quanto os do “mundo natural”,

das linguagens não-verbais. Se se levar em consideração as concepções de Louis Hjelmslev (1958)

quanto a linguagem, que a define enquanto qualquer processo de construção e comunicação de

sentindo que seja articulado a partir da relação entre significante e significado, que se vinculam em

diversos níveis de significação, o que no sentido lato, implica dizer, qualquer sistema semiótico, o

discurso seria a concretização empírica da linguagem. Para colocar em termos melhores, o discurso

seria a linguagem em plena interação, pois em virtude de sua heterogeneidade semiológica, este

sempre se comunicará em múltiplos níveis de sentido, pressupondo assim também, múltiplas

interpretações, o que leva a presumir que o discurso, em sua composição, tratar-se-á na verdade do

resultado de uma complexa sobreposição de mensagens que se intercalam para constituir a lógica do

todo que é comunicado. Será a partir de contextualizações como esta, que aos estruturalistas, por se

tratar de uma de suas manifestações, a narrativa se sujeitará a linguística do discurso:

[…] é evidente que o próprio discurso (como conjunto de frases) é organizado e

que por esta organização ele aparece como a mensagem de uma outra língua

(langue) superior à língua (langue) dos linguistas: o discurso tem suas unidades,

suas regras, sua “gramática”: além da frase e ainda que composto unicamente de

frases, o discurso deve ser naturalmente o objeto de uma segunda linguística. […]

A língua geral da narrativa não é evidentemente mais que um dos idiomas

oferecidos à linguística do discurso, e ela se submete em consequência à hipótese

homológica: estruturalmente a narrativa participa da frase, sem poder jamais se

reduzir a uma soma de frases: a narrativa é uma grande frase, como toda frase

constativa de uma certa maneira o esboço de uma pequena narrativa. (BARTHES,

2009, p.23 e 24).

A necessidade e a busca por definir uma “segunda” linguística, capaz de investigar o

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discurso, é uma problemática que aparece primeiramente em Saussure (2006), isto é, os campos

limites da linguística. Saussure defende que a linguagem (oral e escrita), em sua condição

heteróclita e multiforme, jamais será capaz de ser o propósito da linguística, uma vez que suas

manifestações se apresentarão sempre em múltiplas instâncias, como ato da fala, por exemplo, que:

psiquicamente, é a associação entre imagem acústica e conceito; fisiologicamente, é a transmissão

pelo cérebro ao aparelho fonador do impulso correspondente ao significante a ser comunicado;

fisicamente, a propagação de ondas sonoras; socialmente, será o material compartilhado com outros

indivíduos, capazes de compreender o produto resultante da fala; individualmente, será o objeto

singular a cada ato de falar e a cada sujeito falante; em nível sincrônico, um estado, um material

estático, fechado; diacronicamente, um processo continuo, dinâmico e em evolução. A partir deste

questionamento, Saussure irá concluir que a linguagem em sua totalidade, enquanto propósito de

pesquisa, seria incapaz de se tornar inteligível, de modo que que para te-la por material de análise,

seria necessário fazer um recorte que a tornasse empiricamente simplificável. Saussure propõe

assim, que se privilegie a língua em detrimento dos outros aspectos da linguagem, considerando a

primeira um dos níveis essenciais desta última. E que se privilegie também, a perspectiva

sincrônica, mantendo enfoque na língua enquanto material fechado, excluindo elementos e

contextos externos, enfatizando-a apenas em suas estruturas particulares. A grosso modo, a língua é

um sistema abstrato de regras e métodos, anterior ao individuo e a ele se impõe enquanto força

coercitiva, que só pode existir em nível social. O inverso também é verdadeiro, a sociedade só pode

existir no contexto da linguagem, o que implica em uma correlação estrutural de conjunta

construção e interdependência entre uma e outra. A fala, por outro lado, em seu caráter efêmero,

condiciona-se antes pela vontade individual do sujeito, variável e subjetiva, sendo por isso, segundo

Saussure, inapta para ser objeto de uma ciência da linguagem. A esse respeito, Barthes acrescenta:

É sabido, a linguística para na frase: é a última unidade da qual se julga com direito

de tratar; se, com efeito, a frase, sendo uma ordem e não uma série, não pode ser

reduzida a soma das palavras que a compõem, e constitui por isso mesmo uma

unidade original, um enunciado, ao contrário, não é apenas a sucessão de frases que

o compõem: do ponto de vista da linguística, o discurso não tem nada que não se

reencontre na frase: “A frase, diz Martinet, é o menor segmento que é perfeita e

integralmente representativo do discurso”3. A linguística não saberia, pois, se dar

um objeto superior à frase, porque acima da frase não há mais que outras frases:

tendo descrito a flor, o botânico não se pode dedicar a descrever o buquê.

(BARTHES, 2011, p.22). 3 “Réflexions sur la Phrase”. In: Language and society. Copenhage, 1961, p.113.

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Ainda que o discurso se estruture a partir da linguagem para poder ser de fato discurso, uma

vez enunciado, ele se contextualizará em outros níveis, se significando partir de outros sentidos, que

extrapolam o campo linguístico, e portanto, será constituinte de uma própria “linguagem” estrutural.

Enquanto uma das possibilidades discursivas, a narrativa, também apresentará esta qualidade, a

medida que em sua composição, não foge ao universo semiótico do discurso, de modo que é

possível assim afirmar que:

Da mesma maneira, já que “língua” (langue) da narrativa não é a língua (langue)

da linguagem articulada – embora bem frequentemente sustentada por ela – , as

unidades narrativas serão substancialmente independentemente das unidades

linguísticas: elas poderão certamente coincidir, mas, por acaso, não

sistematicamente; as funções serão representadas ora unidades superiores à frase

[…] ora inferiores […] (BARTHES, 2009 . p.30).

É nessa vertente que se estabelece o grande feito de Análise Estrutural da Narrativa, isto é, a

proposta de uma metodologia que seja capaz de fundamentar, mesmo diante de toda a sua

multiplicidade de manifestações existentes no mundo, a construção narrativa, não sob a ótica do que

é singular ou específico, mas a partir de um quadro (um organograma) descritivo que estruture e

indique as relações e as funções dos elementos que se articulam na composição de qualquer que seja

o processo narrativo por excelência, encontrando justamente nos limites da própria narrativa, a

forma de “formar” seu sentido. Em Barthes, esse método se correlacionará com o de Saussure,

procurando estabelecer aí, uma espécie de “linguística” da narrativa, tendo como objeto a

sistematização do código narrativo.

3.3 A GÊNESE DO CONCEITO BARTHESIANO

A concepção de narrativa em Barthes, aparece imbricada com sua metodologia e com seu

objeto. E antes de tentar adentrar-se nela, recorra-se aqui a outros dois estruturalistas que

apresentam definições mais claras, que servirão de guia na tentativa de tracejar o conceito presente

em Barthes. Aproximando-se mais da antropologia estruturalista de Lévi-Strauss e do formalismo

russo, A.J. Greimas tem enquanto objetivo encontrar na própria narrativa, para além de suas

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manifestações superficiais da narratividade, uma semântica e uma gramatica fundamentais. Assim,

Greimas (1987) estabelece três níveis de descrição do discurso: o nível profundo das estruturas

narrativas, o nível de superfície das estruturas narrativas, e o nível das estruturas discursivas. Não se

adentrará aqui, nos níveis de descrição do discurso presentes em Greimas, apenas deixar-se-á claro

seu objeto, cujo qual, é penetrar no nível profundo das estruturas narrativas, e para tal, recorre a

uma teoria semiótica geral que, nesse sentido, é capaz de abordar todas expressões e manifestações

da significação interna à narrativa, pois, segundo Greimas, tudo aquilo que pode ser articulado na

linguagem, e pela linguagem, deve conformar-se a regras de estruturação. A partir desta lógica,

entender a dinâmica de organização destas estruturas de significação é entender, em livre abstração,

o próprio modo como o homem organiza sua forma de ver mundo. Greimas (2009) define então a

narrativa, partindo do pressuposto de que ela só encontra um sentido a partir do momento que se

manifesta enquanto um todo de significação, e assim a concebe: “A narrativa, unidade discursiva,

deve ser considerada como um algoritmo, isto é, como uma sucessão de enunciados cujas funções-

predicados simulam linguisticamente um conjunto de comportamentos orientados para um

objetivo”.( GREIMAS, 2009, p.65).

Gerárd Genette (2009), em via paralela, chama a atenção para o fato de que uma definição

abstrata pode limitar a própria forma de problematizar a narrativa, pois corre-se risco de implicar

estabelecer a narrativa sob um prisma que a entende apenas enquanto resultado do gênio criador do

autor, de modo que sua construção não é outra coisa mais do que o ato de reorganizar e contar de

forma criativa um conjunto de ações na forma de conto, mito, romance ou qualquer outra

manifestação narrativa. Uma vez levantado este questionamento, Genette constata que, como

qualquer fenômeno linguístico e sociocultural, a construção narrativa foi evoluindo ao longo das

formas em que se apresentou no decorrer do tempo, o que consequentemente implica, entre outras

coisas, atentar-se para o aspecto singular e simultaneamente, multiforme e artificial do ato narrativo.

Genette tem como objeto, neste sentido, considerar os principais recursos de composição através

dos quais a narrativa se estabelece e se contrapõe as diversas formas da não-narrativa. Partindo

então da conjectura de que a representação literária, em sentido amplo, se confunde com a noção de

narrativa, questiona alguns aspectos das obras de Platão e Aristóteles, focando principalmente no

jogo de oposição que estes autores estabeleceram entre narração e descrição. Genette é de opinião

que o processo narrativo em sua completude, sempre admitirá, em maior ou menor grau: uma frente

de representações daquilo que está acontecendo, temporalmente, na narrativa (ações,

acontecimentos, tranposição temporal, etc.), sendo este o objeto da narração; e de outro lado

representações daquilo que compõe o universo no qual acontece a narrativa (personagens, objetos,

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lugares e etc.), e este será o plano da descrição. Estabelecendo então estes dois níveis enquanto

objeto indispensáveis ao estudo da narrativa, Genette os distingue e define:

[…] a narração liga-se a acontecimentos ou ações, considerados como processos

puros e por isso põe acento sobre o aspecto temporal e dramático da narrativa; a

descrição ao contrário, uma vez que se demora sobre objetos e seres considerados

em sua simultaneidade, e encara os processos como espetáculos, parece suspender

o curso do tempo e contribui para espalhar a narrativa no espaço. (GENETTE,

2009, p. 275).

Em decorrência dessa abordagem, Genette irá defender que não haverá manifestação

literária senão pelo modo narrativo e divergirá das observações platônicas e aristotélicas, que

separam as manifestações da narração das formas da representação a partir de uma lógica de

oposição, ao afirmar:

Toda narrativa comporta com efeito, embora intimamente misturadas e em

proporções muito variáveis, de um lado representações de ações e de

acontecimentos, que constituem a narração propriamente dita, e de outro lado

representações de objetos e personagens, que são o fato daquilo que se denomina

hoje a descrição. (GENETTE, 2009, p. 272).

Genette salientará ainda a forma como esses dois níveis se relacionam, sendo que segundo

ele, mesmo que a descrição sobrepuje a narração, já que é mais fácil descrever sem recorrer a

narração do que o inverso, a descrição se submete à narrativa, a medida que, que suas principais

funções (como a exposição do espaço, do tempo, da ambientação, do cenário, dos personagens, dos

objetos e etc.) estão completamente a serviço da narratividade. Dentro deste quadro metodológico

Gérard Genette irá, então, de forma sucinta definir as narrativas enquanto “a representação de um

acontecimento ou de uma série de acontecimentos, reais ou fictícios, por meio de uma linguagem.”

(GENETTE, 2009, p. 265).

Assim, com base no que foi exposto anteriormente e a respeito das abordagens de Greimas e

Genette, é possível fazer algumas considerações sobre a noção de narrativa conceituada em Barthes.

Primeiramente, constate-se que a narrativa aos estruturalistas, ou ao menos a maior parte destes, é

entendida a partir de seu sentido e o seu sentido se dá pela forma como se significa em seus

diversos níveis. Em segundo lugar, ainda que se estruture a partir da linguagem, a narrativa não se

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reduz a relação entre seus componentes linguísticos, e nem se significa apenas partir deles, pois a

narrativa se articula enquanto discurso, e portanto, ela é uma construção semiótica. Por fim, uma

análise da narrativa, dentro do contexto estruturalista/narratologista deve organizar suas unidades a

partir de níveis de descrição, individuando como as unidades, em cada nível interrelacionam-se em

seus processo de funcionamento. Barthes salienta:

A linguística fornece desde o principio a analise estrutural da narrativa um conceito

decisivo, porque, dando-se conta imediatamente do que é essencial em todo

sistema de significação, a saber sua organização, permite por sua vez aplicar como

uma narrativa não é uma simples soma de proposições e classificar a massa enorme

de elementos que entram na composição de uma narrativa. […] (BARTHES,

2009, p.25)

Portanto, Barthes considera a narrativa a partir do seu funcionamento, que para ele é fruto de

um quadro de constituição comum a todas as narrativas. Esse quadro se estruturaria, tal qual um

organograma, a partir de níveis de sentido compostos de classes de unidades funcionais que

imbricam-se e sobrepõem-se em relações de contínua de significação. A narrativa será então, um

sistema em funcionamento, um processo, uma composição de sentido, sendo este processo,

resultado da forma como se organiza as estruturas narrativas. Assim, uma vez que Barthes procura

estabelecer a “linguística” da narrativa a partir de um dissecamento não apenas de suas

sistematizações de sentido, mas também de suas condições de funcionamento, não irá se diferenciar

muito de Genette e Greimas em sua metologia, procurando justamente individuar a organização

destas estruturas. Para tal, distingue três níveis de descrição e composição da narrativa, e serão estes

os níveis que irá se adotar nesta monografia.

3.3.1 Os níveis da narrativa em Barthes

O ensaio em que Barthes faz essa divisão metodológica da narrativa, na verdade é apenas

uma introdução ao método estruturalista de abordá-la. Nesse sentido, ele não se aprofunda e nem

explicita claramente os níveis que descreve, indicando apenas enquanto possíveis caminhos a se

seguir. Portanto, ainda que se adote Barthes, é necessário, para trabalhar em cima do seu modelo,

recorrer a outros autores. Barthes enquanto integralista, defende que o divisão entre as unidades não

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deve ser meramente arbitrária e distribucional, mas sim a partir de sua significação e

complementaridade com outras unidades, pois o critério pelo qual se estabelece estas unidades, é o

seu caráter funcional. O primeiro nível que Barthes individua é o nível das funções.

3.3.1.1 As funções

Sendo todo sistema a combinação de unidades cujas classes são conhecidas, é

preciso primeiramente dividir a narrativa e determinar os segmentos do discurso

narrativo que se possam distribuir em um pequeno número de classes; em uma

palavra, é preciso definir as unidades narrativas mínimas […] Desde os formalistas

russos, constitui-se em unidade todo segmento da história que se apresenta como o

termo de uma correlação. A alma de toda função é, caso possa dizer, seu germe,

fato que lhe permite semear a narrativa de um elemento que amadurecerá mais

tarde sobre o mesmo nível, ou além, sobre outro nível […] (BARTHES, 2009,

p.28).

A grosso modo, o nível das funções é um sistema de lógica causal, fundado a partir

correlações estabelecidas entre as unidades que o compõem. As funções são, portanto, o conjunto

das unidades, que dentro do contexto narrativo, resultam ou causam algo. É a lógica do mundo

inserido na narrativa em si. Barthes irá nesse sentido, questionar:

Tudo, numa narrativa é funcional? Tudo, até o menor detalhe, tem significação? A

narrativa pode ser integralmente cortada em unidades funcionais? […] existem sem

dúvida muitos tipos de funções, pois há muitos tipos de correlações. Disto resulta

que a narrativa só se compõem de funções: (da parte do narrador), é uma questão

de estrutura: na ordem do discurso, o que se nota é, por definição, notável: mesmo

quando um detalhe parece irredutivelmente insignificante, rebelde a qualquer

função, ele tem pelo menos a significação de absurdo ou de inútil: ou tudo significa

ou nada. (BARTHES, 2009, p.29).

A partir da exposição de Barthes, presume-se então que o nível funcional, é o nível da

organização da coerência interna da narrativa, de maneira que será aonde os significados possíveis

irão se compor, a medida que tudo que funciona dentro da narrativa, é englobado neste nível, sendo

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justamente aqui, o lugar em que se enraizará o sentido da narrativa. E assim, Barthes define a

função:

A função é evidentemente, do ponto de vista linguístico, uma unidade de conteúdo:

é o “o que quer dizer” um enunciado que o constitui em unidade funcional, não a

maneira pela qual isto é dito. Este significado constitutivo pode ter significantes

diferentes, frequentemente, muito retorcidos […] Para determinar as primeiras

unidades narrativas é, pois, necessário jamais perder de vista o caráter funcional

dos segmentos que se examinam, e admitir por antecipação que não coincidirão

fatalmente com as formas que reconhecemos tradicionalmente nas diferentes partes

do discurso narrativo (ações, cenas, parágrafos, diálogos, monólogos interiores,

etc), ainda menos com as classes “psicológicas” (condutas, sentimentos, intenções,

motivações, racionalizações dos personagens). (BARTHES, 2009, p.30).

Uma vez estabelecida a função, Barthes parte para um questionamento subsequente: os

modos de sua significação. Em suas articulações umas com as outras, as unidades irão se relacionar

com diferentes formas de sentido, e consequentemente se significarão em diferentes níveis dentro

da narrativa: enquanto objeto de uma correlação semântica, uma unidade sempre se ligará a outras,

sendo que poderá se ligar a unidades do mesmo nível, ou a unidades de outro o nível semântico. A

partir desta constatação, Barthes irá individuar as duas grandes classes de funções: a distribucional e

a integrativa. A primeira categoria Barthes irá denominar como a classe das funções, propriamente

ditas, referindo-se ao conjunto das unidades que pressupõe correspondência com outras unidades do

mesmo nível, em relação de causa e consequência, sua significação remete diretamente com a

unidade complementar. Barthes exemplifica, de maneira clara: a compra de um revolver tem como

correlato o momento em que será usado. Assim, a função é a unidade que indica relação dentro do

mesmo nível de unidades, uma relação causal. A segunda classe, são os índices, que Barthes assim

os define:

A segunda grande classe de unidades, de natureza integrativa, compreende todos os

“índices” (no sentido muito geral da palavra); a unidade remete então, não a um ato

complementar e consequente, mas um conceito mais ou menos difuso, necessário

entretanto ao sentido da história: índices caracteriais concernentes aos personagens,

informações relativas à sua identidade, notações de “atmosfera”, etc.; a relação da

unidade e de seu correlato não é mais então distribucional (frequentemente muitos

índices remetem ao mesmo significado e sua ordem de aparição no discurso não é

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necessariamente pertinente), mas integrativa; para compreender “para que serve”

uma notação indicial, é necessário passar para um nível superior […] (BARTHES,

2009, p 32).

A cada uma dessas categorias Barthes apresenta subdivisões. Ao nível das funções, ele

especifica duas categorias ligadas a importância da significação de cada unidade. Algumas funções,

desempenham papel de “nó” narrativo, uma quebra, um choque, um ponto de virada, algo que se

desenlace numa verdadeira articulação da narrativa, à essas funções, Barthes, dá-lhes o nome de

funções cardinais ou núcleos. E afirma “para que uma função seja cardinal, é suficiente que a ação à

qual se refere abra (ou mantenha, ou feche) uma alternativa consequente para o seguimento da

história, enfim que ela inaugure ou conclua uma incerteza” (BARTHES, 2009, p.33). Em linha

oposta, há as funções que apenas “preenchem” o espaço entre uma função cardinal e outra, se

significam em nível marginal, em natureza completiva, à esta classe de funções, Barthes nomeou

catálises. Estas funções sempre estão entre duas funções cardinais, se organizando em torno de um

núcleo de sentido, sem lhe alterar o significado, não podendo ser analisadas em nível de

importância, mas pela sua natureza. Já a categoria indicial irá se dividir entre índices, quando a

função se tratar uma unidade que remete a um conceito, tanto mais abstrato, como caráter,

atmosfera, sentimentos, ideologias; e informações, quando sua função for apenas situar, individuar,

significar ou estabelecer o referente no espaço-tempo da narrativa.

Quanto aos modos das relações entre as funções, Barthes considera que ao tempo que uma

catálise só se liga a outra função em ordem consecutiva, um núcleo se liga a outra função em ordem

lógica e cronológica, sendo ao mesmo tempo consecutiva e consequente. No momento em que essas

interelações cardinais e catalíticas, indiciais e informativas, agrupam-se semanticamente,

estabelecem a sequência, que em Barthes é conceituada da seguinte forma:

A cobertura funcional da narrativa impõe uma organização de substituição, cuja

unidade de base não pode ser mais que um pequeno agrupamento de funções, que

se chamará aqui (seguindo C. Bremond) uma sequência. Uma sequência é uma

série lógica de núcleos, unidos entre si por uma relação de solidariedade: a

sequência abre-se assim que fecha um de seus termos que não tenha antecedente

solidário e se fecha logo que um de seus termos não tenha mais consequente.

(BARTHES, 2009, p.40).

A Sequência consiste na sucessão de blocos narrativos que constituem parte significativa da

história e que ao interagirem entre si dão-lhe forma. Barthes chama atenção ainda para uma das

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características marcantes da sequencia enquanto unidade semântica, sua nomeabilidade. Toda

sequência é nomeável, e seu nome, traduz significativamente aquilo que ela é, pois a lógica interna

que lhe estrutura, está intimamente ligada com o significado deste. Pode-se, por fim, concluir que:

A sequencia é, portanto, caso se queira, uma unidade lógica ameaçada: é o que

justifica a mínimo. Ela é também fundada a máximo; fechada sobre suas funções,

resumida em um nome, a própria sequência constitui uma unidade nova, prestes a

funcionar como o simples termo de uma outra sequência maior. (BARTHES, 2009,

p.42).

3.3.1.2 As ações

O segundo nível, é o nível das ações, ou o nível actancial segundo a concepção greimasiana,

a qual Barthes retoma. Aqui, individua-se a esfera das personagens e suas respectivas funções na

construção narrativa. Barthes procura fugir de uma definição que interprete as personagens a partir

de suas essências psicológicas, e com efeito, estabelecê-las como agentes de alguma ação, e

enquanto agentes, as personagens serão o eixo em torno do qual se organizará o sentido narrativo,

remetendo a Greimas, afirmará:

A.J. Greimas propôs descrever e classificar os personagens da narrativa, não

segundo o que são, mas segundo o que fazem (donde seu nome de actantes), já que

participam de três grandes eixos semânticos que se encontram além disso na frase

(sujeito, objeto, complemento de atribuição, complemento circunstancial) e que são

a comunicação, o desejo (ou a busca) e a prova […] (BARTHES, 2009, p.46).

Greimas adota o termo actante no lugar de personagem, referindo-se a qualquer entidade

(antropomórfica, zoomórfica, figurativa, etc.) que realiza ou a quem se realize alguma ação. O

actante enquanto a figura ativa (ou passiva) da ação, será também o sujeito da função narrativa.

Assim, o actante como sendo o ator de uma ação, se definirá em função daquilo que executa, isto é,

de sua missão narrativa. A respeito da esfera narrativa dos personagens e dessa questão, Reuter irá

considerar que:

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Greimas propôs um dos modelos mais conhecidos – o esquema actancial. Partiu de

uma hipótese similar à de Propp para as ações: se todas as histórias –

independentemente de sua diversidade – possuem uma estrutura comum, isso

acontece decerto porque todas as personagens – independentemente de suas

aparentes diferenças – podem ser agrupadas em categorias comuns. Ele chamou

essas categorias comuns – abstratas – de forças ativas (não se trata somente de

personagens humanas), necessárias a toda intriga, actantes. (REUTER, 2009, p 46).

A partir desta abordagem, Greimas (1987) irá categorizar os actantes com base no sentido

que ele implica a narrativa, o da busca. Individuará, assim, seis categorias, que se articulam duas a

duas, norteadas segundo eixos de sentido para com a narrativa. O primeiro eixo é o do desejo, que

se define pela relação entre um sujeito e sua busca por um objeto, de modo que a ação se fundaria

então, no querer do sujeito, consistindo na jornada deste até o objeto. Em segundo lugar, tem-se o

eixo do poder, constituído pelo adjuvante e o oponente, que no decorrer da busca do sujeito, ajudam

ou se opõem a sua jornada. Em último lugar, o eixo da comunicação ou do saber, em que a busca se

estabelece pela relação entre um destinante e um destinatário, sendo a função de ambos articular e

determinar a busca do sujeito.

Reuter (2011) irá chamar a atenção para o fato de que um ator poderá desempenhar mais de

uma função actante, ou no decorrer da narrativa, inverter ou trocar sua função, ou ainda, uma

função pode ser executada por mais de um ator (mais de um oponente, ou oponente que se torna

adjuvante, oponente que é destinatário, etc.). Em Greimas (1987), é importante salientar, há

algumas diferenciações entre ator e actante, podendo ser situada a seguinte correlação: o actante

funcionando como uma espécie de molde pré-estabelecido a ser preenchido, é a categoria semântica

a partir da qual se constituí a personagem, que é o ator da ação e a matéria que preenche o molde. A

relação entre estes, se dá em nível de anterioridade, o actante é uma condição da narrativa já

preestabelecida, o ator é a estrutura narrativa a partir da qual se manifesta esta condição. Assim,

para classificar o ator frente a sua multiplicidade de formas, Greimas irá apresentar o conceito de

papel temático, que nada mais é do que uma categorização a partir dos traços sociais, culturais,

psicológicos, religioso, imagísticos, etc. com base no qual o ator é retratado no decorrer de uma

dada narrativa em questão. Reuter acrescenta:

Esta noção apresenta dois grandes interesses. Primeiro, ela permite organizar a

previsibilidade, a indecisão ou os efeitos de surpresa do texto. De fato, da

personagem esperaremos ações ou reações diferentes, conforme a categoria a que

pertença. A noção também permite indicar com exatidão os tipos de personagens,

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papéis temáticos, específicos de cada gênero em relação às categorias actanciais.

Assim, em lugar do sujeito, teremos oportunidade de encontrar um caçula no conto,

um detetive particular no romance policial […] (REUTER, 2011, p. 47).

Com efeito, Reuter irá afirmar então que os personagens são elementos essenciais a

organização narrativa, já que que as ações são por estes assumidas, e por isso fundamentam-se nas

relações estabelecidas entre cada personagem e a lógica do mundo ficcionado na narrativa, levando

a crer, tal qual como coloca, que “De certa forma, toda história é história de personagens”

(REUTER, 2011, p.41). Como Barthes não foge ao sentido greimasiano, conclui então que no nível

das ações, o principal objetivo deve ser :

[…] definir o personagem pela sua participação em uma esfera de ações, estas

esferas sendo pouco numerosas, tipicas, classificáveis; é por isso que se chamou

aqui o segundo nível de descrição, embora sendo o dos personagens, nível das

ações: esta palavra não se deve, pois, entender aqui no sentido dos pequenos atos

que formam o tecido do primeiro nível, mas no sentido das grandes articulações da

práxis (desejar, comunicar, lutar). (BARTHES, 2009, p. 46).

3.3.1.3 A narração

O último nível, é o nível da narração. Neste nível, seu sentido se dá pela forma como na

própria narrativa, serão significados narrador e narratário. Sendo a narrativa entendida ainda

enquanto processo comunicacional aonde um emissor interage com um receptor a partir de sua

enunciação, a narrativa é em uma instância, o conteúdo de uma comunicação e simultaneamente o

seu próprio processo, Barthes (2009) irá dizer que em modo análogo, esse processo se repetirá

internamente, em que se manifestará um doador/transmissor da narrativa e um receptor, isto é, o

narrador que comunica internamente a narrativa ao narratário. Assim, a narração será o nível em

que as estruturas da narrativa estão organizadas para comunicá-la, externa e internamente,

referindo-se ao conjunto de código e escolhas semânticas, léxicas, gramaticais etc. selecionadas

pelo autor para “contar” a narrativa, ou como Barthes coloca: “O nível narracional é pois ocupado

pelos signos da narratividade, o conjunto de operadores que reintegram funções e ações na

comunicação narrativa, articulada sobre seu doador e seu destinatário.” (BARTHES, 2009 p.53).

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A definição barthesiana de narração é na verdade uma retomada do conceito de discurso

presente em Todorov, que ao entender este último enquanto o modo a partir do qual o narrador se

faz revelar a narrativa ao seu destinatário, afirma que ao nível do discurso, irá se estabelecer: “[a]

um narrador que relata a história; há diante dele um leitor que a percebe. Neste nível, não são os

acontecimentos relatados que contam, mas a maneira pela qual o narrador nos fez conhecê-los.”

(TODOROV, 2009,p.221). É necessário, de antemão, diferenciar aqui narrador de autor, pois o

narrador irá, com efeito, referir-se a unidade semântica da narrativa que guia a história até seu

desfecho, instância que detém o poder e controle sobre o fio narrativo, e não aquele que criou a obra

em si, sendo portanto, para citar Reuter, “fundamentalmente constituído pelo conjunto de signos

linguísticos que dão uma forma mais ou menos aparente àquele que narra a história” (REUTER,

2011, p.19).

Consequentemente, irá diferenciar dentro da proposta de Barthes, a noção de receptor/leitor

e narratário. Todorov trabalha com o termo “leitor” para referir-se àquele que recebe a narrativa do

narrador. Mas o leitor, não recebe a narrativa do narrador, e sim do emissor da mensagem narrativa,

pois o narrador não está comunicando em nível comunicacional, mas sim narrativo, mostrando ou

contando algo a um possível leitor, que dentro da narrativa, se significa a partir de um papel

linguístico, inerente a narrativa, o de narratário. E retomando Reuter, pode-se então afirmar que:

Por sua vez, o narratário – aparente ou não – só existe no texto e mediante o texto,

por meio de suas palavras ou daquelas que o designam. Ele é quem, no texto,

escuta ou lê a história. O narratário é fundamentalmente constituído pelo conjunto

dos signos linguístico (o “tu” e o “você”, por exemplo) que dão uma forma mais ou

menos aparente a quem “recebe” a história. (REUTER, 2011, p.20)

Decorrendo da situação narrativa que se instaura na relação entre narrador e narratário,

Barthes irá situar neste nível algumas características específicas do processo de narração:

Em nossas escrituras, descobriu-se muito cedo as “formas do discurso” (que são de

fato signos de narratividade): classificação dos modos de intervenção do autor,

esboçada por Platão e retomada por Diômedes, codificação dos começos e fins de

narrativas, definição dos diferentes estilos de representação (a oratio directa, a

oractio indirecta, com seus inquit, a oratio tecta), estudo de “pontos de vista”, etc.

Todos estes elementos fazem parte do nível infrarracional. É necessário acrescentar

evidentemente a escritura no seu conjunto, pois seu papel não é o de “transmitir” a

narrativa, mas de mostrá-la. (BARTHES, 2009, p.53 e 54).

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Como, em sua obra selecionada, Barthes apenas indica as direções da narração, não se

aprofundando em cada traço especifico, recorra-se aqui a Reuter (2011), que em sua concepção

deste nível narrativo não se diferencia muito da linha barthesiana. Saliente-se, que serão abordados

apenas alguns dos principais pontos que sejam capazes de lançar luz a problemática do nível

narracional, havendo muitos outros caminhos a serem seguidos. Primeiramente, Reuter irá

estabelecer narrativa neste nível a partir dos dois modos do discurso: quando o narrador se fizer de

corpo presente na história, explicitamente relatando todos acontecimentos, apresentando o mundo

ficcional, em suma, inserindo o narratário no contexto da obra, terá-se a diegese (modo do contar);

em linha inversa, quando o narrador se ocultar, havendo um sobreposição de sequencias descritivas,

dando a impressão ao leitor de proximidade para com a narrativa, terá-se a mimese (modo do

mostrar). Assim o modo se define pela forma como narrador irá se manifestar aos olhos de quem lê

e como a partir daí a narrativa será apresentada.

Em segundo lugar, há as vozes narrativas, isto é, quem fala dentro da narrativa e os modos

pelos quais fala, cuja caraterização se dá pelo vínculo situado entre o narrador e narrativa que ele

narra:

A escolha do romancista não é entre duas formas gramaticais, mas entre duas

atitudes narrativas (cujas formas gramaticais são apenas uma consequência

mecânica): fazer que a história seja contada por uma de suas “personagens” ou por

um narrador estranho à história […] Aqui pois, distinguiremos dois tipos de

narrativa: um cujo narrador está ausente da história que conta (por exemplo:

Homero, na Ilíada, ou Flaubert em A educação sentimental); outro, cujo narrador

está presente como personagem na história que conta (por exemplo: Gil Blas ou O

moro dos ventos uivantes). Chamo o primeiro tipo de […] heterodiegético e o

segundo de homodiegético. (GENETTE apud REUTER, 2011, p.69 e 70)

Estabelecida a forma como a narrativa é “dita”, Reuter irá levantar, então, a questão quanto

as formas de se “'perceber” a narrativa, isto é, o modo como o leitor será contextualizado ao mundo

ficcionado, e dirá: “a questão das vozes narrativas concerne ao fato do contar. A das perspectivas

(focalizações, visões ou pontos de vista) concerne ao fato do perceber. Com efeito, não existe nas

narrativas relação mecânica entre contar e perceber, aquele que percebe não é necessariamente

aquele que conta e vice-versa.” (REUTER, 2011, p.72). A perspectiva assim, irá referir ao prisma

segundo o qual o leitor irá “consumir” a narrativa, será a consciência que o autor irá estabelecer ao

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seu leitor que condicionará a natureza de sua compreensão, podendo ser mediada tanto pelo

narrador quanto por um ator, sendo então estabelecida pelo “psiquismo” do ente perceptor. Reuter

irá diferenciar três possibilidades de perspectivas narrativas: a visão de trás, em que se percebe a

narrativa sob a ótica de um narrador onisciente e onipresente; a visão com, que irá passar pelo

horizonte de uma ou mais personagens, que saberão em maior ou menor grau; a visão de fora, “na

qual o leitor tem a impressão de uma narrativa 'objetiva', de um universo filtrado por alguma

consciência; a visão, os pensamentos e os sentimentos das personagens lhe são desconhecidos: aqui

se tem a sensação de se saber menos do que elas […]” (REUTER, 2011, p.74).

Há outros aspectos neste nível, que aqui não serão aprofundados, mas que são dignos de

nota, a saber: o tempo da narração, os níveis e a instância narrativa. Ao tempo, pode-se fazer

questionamentos quanto a relação entre o tempo ficcional da narrativa e o tempo da narração; a

respeito dos níveis da narração, Reuter considera as quebras de níveis a partir da aproximação entre

narração e ficção (metalepse) ou da sobreposição entre narrativas menores que dialogam entre si na

composição de uma narrativa maior. Já a instância narrativa, por sua vez, é a condição que surge da

articulação entre o “falar” e o “perceber” narrativo, sendo assim a composição resultante das

múltiplas possibilidades de combinação dos tipos de vozes, narradores e perspectivas possíveis.

Esses são então, os três níveis de significação na concepção barthesiana da narrativa.

Barthes faz outras significativas considerações sobre como estes três níveis se organizam em um

sistema narrativo, na obra aqui abordada e em outras subsequentes, que gradualmente vão se

afastando do estruturalismo. Preferiu-se não adentrar na cerne dessa problemática, isso por que

metologicamente, a abordagem de Barthes é obtusa, demasiadamente implícita, sendo, como já foi

bastante enfatizado, mais a indicação de um caminho do que o próprio caminho, é um respaldo

teórico a uma procura pela prática. Barthes aponta como problematizar um método e esse é o seu

ponto. Por sua vez, Reuter (2011) propõe um interessante programa de análise, que em diálogo com

Barthes, será de grande valia logo adiante. No entanto, para conseguir entender a dinâmica da

organização dos níveis narrativos, bem como das estruturas da história em quadrinho, é preciso ver

essas articulações em curso. Por isso, no próximo capitulo, será feita a análise de uma narrativa

gráfica que funcione enquanto exemplo paradigmático, o propósito da análise é individuar as

aplicações das características específicas tanto das narrativas, quanto das histórias em quadrinhos,

em pleno funcionamento na construção de sentido da obra.

4. A ESTRUTURA EM MOVIMENTO

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4.1 APLICANDO O MÉTODO

Estabelecidos os níveis de estruturação das histórias em quadrinhos e de descrição da

narrativa, partir-se-á agora para uma tentativa de aplicação dessa abordagem. Se o ponto era definir

o quadrinho segundo a concepção estruturalista para então poder questionar sua condição dentro de

um panorama midiático e sociocultural, que é fruto de um período de intensa transição, uma vez

individuadas as suas articulações internas, é imprescindível, vê-las em ação em seu contexto normal

para então se possível estabelecer hipóteses comparativas.

No entanto, é importante enfatizar que a análise aqui proposta é apenas um forma de indicar

aquilo que foi abordado nos capítulos anteriores em curso de execução, de modo a dar legitimidade

a metodologia proposta. Neste sentido, não se pode fazer de tal análise o objeto deste trabalho,

primeiramente por que não é o foco aqui proposto e em segundo lugar por que dificilmente uma

narrativa será capaz de manifestar simultânea e explicitamente todas as estruturas que é possível se

especificar a partir da lógica estruturalista e ao mesmo tempo ser o exemplo de todas as narrativas

possíveis; por mais paradigmático que seja um modelo, ele nunca será paradigmático o suficiente.

Seria então necessário contrapor exemplos de diferentes contextos, de diferentes épocas, culturas,

escolas, linhas, etc. E tal abordagem, para se fazer significativa, demandaria mais do que todo o

espaço aqui disposto. Assim, o que se pretende é apenas verificar a presença dos níveis expostos

anteriormente e a relação estabelecida entre eles dentro de uma obra, que aqui será trabalhada

enquanto paradigma. Portanto, talvez o que será feito aqui, será antes uma aplicação da metodologia

trabalhada nos capítulos anteriores do que uma análise estrutural da narrativa. Ou para colocar em

termos melhores, a indicação de um caminho

4.2 AS AVENTURAS DE TINTIM

Apesar do que foi dito acima, é indispensável trabalhar com um modelo que seja

paradigmático, que exemplifique detalhadamente as estruturas do quadrinho e que tenha

influenciado outras obras, o que implica escolher um modelo clássico de quadrinho. Foi pensando

nisso que o, que se selecionou enquanto objeto desta aplicação, As Aventuras de Tintim, do

quadrinista belga Georges Remi (1907-1983), que sob o pseudônimo de Hergé, criou no ano de

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1929 um dos maiores clássicos do quadrinho mundial, as aventuras do jovem repórter conhecido

como Tintim, cuja primeira aparição se deu no suplemento infanto-juvenil Le Petit Vingtième, que

fazia parte do jornal belga Le Vingtième Siècle. Originalmente publicada de forma semanal e

estruturada em arcos, que posteriormente eram reunidos em volumes encadernados, a série de

Hergé foi, talvez, o maior expoente de um das mais importantes escolas das histórias em

quadrinhos: a ligne claire. Este movimento, refere-se a um estilo especifico de fazer quadrinhos,

uma escola que surge na Europa da primeira metade do século 20, cujas características de destaque

que se pode citar, são: traço leve e simplificado, sobretudo para os personagens, em oposição a

cenários fortemente marcados e detalhados; um equilíbrio de importância visual entre o primeiro

plano e o fundo de composição; democracia do traço, em que a todos os elementos gráficos se é

dado o mesmo impacto; jogo de cores suaves; grandes blocos de textos; balões retangulares etc. Em

Hergé a linha clara também se manifestou de maneira especifica: a narrativa e o enredo eram

apresentados de forma explicita, diretamente.

Figura 1: Página de As Aventuras Tintim, marcante exemplo da estética da linha clara

A série é protagonizada por Tintim, que pode ser caracterizado, em primeira análise, como

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uma das clássicas manifestações do arquétipo do herói: o aventureiro. Descrito como repórter

investigativo, de espirito curioso e audaz, Tintim, em companhia de seu fiel cão, Milu, está sempre

em busca de aventura, se lançando ao incerto, solucionando mistérios, salvando vidas ou

enfrentando perigos. Enquanto personagem central na história e na contextualização do universo

narrativo, o tom dos discursos (sociais, culturais, psicológicos etc.) que Hergé irá apresentar aos

seus leitores, serão estabelecidos pela forma como este personagem irá dialogar com o modo em

que estes discursos irão aparecer no interior da narrativa, seja como discursos do próprio

personagem, como discursos de outros personagens ou como funções narrativas. Assim, é possível

ver o impacto que as transições sociais causam em Hergé manifestado no discurso de Tintim, pois

se ao inicio da publicação da série, o autor vivia num contexto de hegemonia europeia, fortemente

marcado pelo neocolonialismo, pela forte expansão de doutrinas socialistas e fascistas, e a

iminência de uma guerra, influem diretamente na forma como Hergé irá realocar seu personagem

dentro do universo em que é ficcionado, estabelecendo um Tintim que reflita o discurso à época;

por outro lado a medida que o tempo vai transcorrendo e as dinâmicas socioculturais vão se

alterando, elas irão se impor na série e no discurso de Hergé, desenraizando Tintim de preconceitos

e partindo para representações mais humanistas .

A caracterização do personagem já pressupõe em si, um eixo temático para a história, o

gênero aventuresco, apesar de recorrer a outros nichos como gênero fantástico, narrativa de humor o

mistério, a espionagem e ficção cientifica, é justamente aí que se estabelece a narrativa de Tintim. O

universo em que se passa a narrativa é de certo modo contextualizado mais ou menos na mesma

realidade de Hergé, e por isso tanto no nível narrativo quanto descritivo, irá ancorar-se em discursos

que o remetam, fazendo uso, para isso, daquilo que Reuter (2011) irá definir enquanto o efeito do

real, aonde este é resultante mais pela forma como a narrativa irá reproduzir e remeter aos discursos

do mundo do que em referência direta ao mundo. Entre os personagens mais constantes no decorrer

da história, podem ser citados, principalmente: Capitão Haddock, grande companheiro de aventura,

melhor amigo de Tintim, de forte concepções ideológicas e muito espirituoso, e talvez o mais

humano dos personagens de Hergé; o Professor Trifólio Girassol, a própria representação do

estereótipo do gênio-louco; e os atrapalhados detetives Dupont e Dupond.

A seguir, será transcrita a narrativa que se passa em um dos álbuns de As Aventuras de

Tintim, O Segredo de Licorne, a história é a primeira parte do arco de O Tesouro de Rackham, que

foi recentemente adaptado tanto ao cinema quanto para jogo eletrônico, o que será objeto algumas

considerações no próximo capitulo. Essa transcrição buscará ser detalhada na medida do possível,

ainda que não seja este seu objeto, pois o que se propõe com ela é deixar claro ao leitor o caminho

feito para se chegar a individuação das estruturas que a compõe, coisa que é feita mais adiante.

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4.3 O SEGREDO DE LICORNE

Em função de um surto de roubos em feiras e mercados, a polícia demanda seus homens

para estes locais, dentre eles, os detetives Dupond e Dupont, que decidem começar sua patrulha

pelo mercado das pulgas. Este é o local aonde a história de fato começa. É aonde também

encontram Tintim e falam a ele de sua missão. Nisso decidem comprar bengalas, mas logo

percebem, um a um, que suas carteiras foram roubadas. Tintim paga pelas bengalas. Eles decidem ir

dar queixa e enquanto saem de cena, em uma trapalhada, um deles sai arrastando a maleta de um

individuo presente no mercado devido a forma como carrega a bengala e logo são acusados de

roubo e levados a delegacia. O tumulto causado em virtude dessa situação chama a atenção de

Tintim, mas este logo tem o foco desviado ao notar a ausência de Milu, que o leva a encontrar um

curioso barco a venda. De cara, Tintim decide comprá-lo como presente ao Capitão Haddock. Logo

após efetuar a compra, aparecem dois outros sujeitos que lhe tentam convencer a vender o barco.

Primeiramente irá aparecer um homem de barba longa, óculos, chapéu preto e sobretudo de tons

claros, que se diz colecionador. Em seguida, um sujeito de terno azul e aspecto de mafioso, também

tentará convencer Tintim. Mas este se mostra muito espirituoso e recusa todas as ofertas que ambos

lhe fazem, insistindo que é um presente a um amigo. Tintim segue em direção a sua casa. O

colecionador barbado insiste outra vez mais e o segue, faz uma última proposta, que é recusada, e

parte deixando seu cartão. Nisso, Milu derruba o barco do móvel que estava, “quebrando” o barco,

que é facilmente concertado por Tintim. Capitão Haddock chega e por algum motivo fica espantado

com o barco, tão espantando que pede que Tintim o acompanhe, para que este veja com os próprios

olhos o motivo do espanto.

Chegando na casa do Capitão, este logo mostra um quadro na parede, que diz se tratar de um

antepassado seu, o Cavaleiro de Hadoque. E chama atenção para uma nau ao fundo do quadro.

Ambos ficam impressionados com a similaridade entre os barcos. Tintim atenta-se para um nome

escrito em letras miúdas no barco do quadro: Licorne. Tintim se pergunta se seu barco também teria

esse nome e corre para buscá-lo, já que havia, na pressa, deixado em casa. Para sua surpresa, o

navio desapareceu. Ele logo suspeita do homem que lhe deixou o cartão. Neste momento, descobre-

se o nome do colecionador: Ivan Ivanovich Sakharin. Tintim vai então até a casa de Ivan para tirar

satisfações, já que o endereço do suspeito constava no cartão. Ao chegar, é bem recebido por Ivan,

que acha que o motivo de Tintim estar ali, é por que decidiu vender seu navio. Tintim vai direto a

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coleção de Ivan, aonde encontra um navio que acredita ser o seu. No entanto, Ivan insiste que ainda

que sejam exatamente idênticos, ele possui aquele navio há mais de dez anos. Tintim para confirmar

se o que diz Ivan é verdade ou não, observa se o mastro apresentava o reparo que havia feito devido

ao estrago causado por Milu. Para surpresa de Tintim, o mastro encontrava-se intacto. No entanto,

Tintim aproveita para verificar o nome do navio, e logo descobre que este também se chama

Licorne.

Tintim segue para casa e no caminho tenta ligar para o Capitão para contar o ocorrido, mas

encontra a cabine ocupada por uma mulher que só estava esperando a chuva passar. Tintim suspeita

então do segundo sujeito, aquele com trejeito de mafioso. O capitão não atende e Tintim então

segue adiante e encontra seu apartamento todo revirado. Não levaram nada, deixando apenas

indícios de que procuraram algo ali.

No dia seguinte, Dupond e Dupont batem a porta de Tintim, estão ali para devolver o

dinheiro que Tintim lhes emprestou para pagarem as bengalas. Afirmam ter passado na noite

anterior, mas que não o encontraram. Tintim pergunta se encontraram suas carteiras. Um deles diz

que não, mas que comprou uma nova, no entanto, para sua surpresa descobre ter sido também

roubada. Ele acusa o sujeito com quem esbarrara na noite anterior na escadaria do prédio Tintim,

que na descrição de Dupond, é idêntico ao suspeito de Tintim. Todavia, Tintim salienta que não

poderia ter sido ele quem roubou a carteira de Dupond, já que este havia comprado a carteira pela

manhã. Dupond e Dupont saem espirituosamente, e acabam um caindo da escada e outro batendo de

cara na porta.

Enquanto lamenta o azar de seus amigos e a onda de roubos, Tintim vai organizando a

bagunça que os ladrões deixaram em seu apartamento. Nisso, embaixo de um dos móveis, encontra

um pequeno rolo de papel contendo uma charada que refere-se à três Licornes e algumas

indicações. Ao se indagar quanto a sua origem, logo Tintim lembra de quando Milu derrubara o

barco. Supõe então que quem roubou o barco, havia voltado a procura do bilhete e daí o motivo da

arruaça em seu apartamento. Assim, decide ir até o Capitão Haddock, mas ao chegar no

apartamento deste, encontra a porta trancada. Ainda que ouça barulhos de dentro do apartamento,

ninguém vem à porta. Tintim chama um chaveiro e juntos abrem a porta. Ao entrar, Tintim é

surpreendido pelo Capitão empunhando uma espada e utilizando um estranho chapéu. Quando

indagado quanto aos motivos disso por Tintim, Haddock explica que havia ficado intrigado com a

história dos navios e se lembrou de um antigo baú que havia pertencido ao seu antepassado, o

Cavaleiro de Hadoque. Entre outras coisas, Haddock encontrou no baú, as memórias de seu

antepassado, que o próprio Capitão começa a relatar para Tintim.

A história do Cavaleiro de Hadoque se passa em 1698, quando uma das naus da terceira

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frota de Luís XIV parte das Antilhas à Europa levando carregamento de rum. Nesse momento, há

uma troca de perspectiva e o leitor é levado ao contexto do Cavaleiro de Hadoque, quando os

integrantes da navio, inclusive o cavaleiro, avistam se aproximando, O Pavilhão Negro. Presumindo

o ataque dos corsários, o Cavaleiro opta então em adiantar o contra-ataque e parte em uma manobra

estratégica. Segue uma longa batalha e a tripulação inimiga vence. O Capitão é amarrado no mastro

e quando retorna a si, percebe que ao invés de levarem o butim para o seu barco, os corsários ao

contrário, estão trazendo suas coisas para o Licorne. O capitão da nau inimiga se apresenta ao

Cavaleiro de Hadoque, diz se tratar de Rackham, o terrível. O corsário inimigo lhe explica então o

por que de estar levando seus tesouros para o Licorne: o bombardeio à “queima-roupa” orquestrado

pelo Cavaleiro de Hadoque danificara sua nau, que agora está a afundar. Ao anoitecer, o Licorne

chega em uma ilha e logo depois a tripulação de piratas descobre o carregamento de rum. Enquanto

os corsários se embebedam, o antepassado de Haddock consegue escapar e se prepara para explodir

o navio quando é descoberto por Rackham. Os dois lutam e François sai vitorioso e consegue por

um fim ao navio. Capitão Haddock relata o que se segue a seu antepassado após essa aventura,

sobre o tempo em que o cavaleiro passou numa ilha de indígenas antes de ser resgatado por seu

povo. Explica também que na última página do diário de memórias, há umas espécie de testamento

aos três filhos de François, no qual ele diz legar a cada um deles, miniaturas do Licorne, e que ao

puxarem o mastro, a verdade se completaria. Tintim, diz enfaticamente: “Agora ficou claro, capitão!

O tesouro de Rackham, o Terrível, é nosso!” (HERGÉ, 2006, p.26). Tenta mostrar a Haddock o

bilhete que encontrara em sua casa, mas ao procurar a carteira, percebe ter sido roubado. Aqui

fecha-se a primeira grande sequencia, que contextualiza Tintim na aventura que ele é lançado.

Sabendo aonde encontra-se outra miniatura do Licorne, Tintim parte com Capitão Haddock

em direção a casa de Sakharin, tendo enquanto objetivo, encontrar o outro bilhete. Ao chegarem na

entrada, deparam com uma senhora gritando por socorro. Estupefata, ela afirma que mataram

Sakharin. Tintim e Haddock vão conferir e logo percebem que Ivan, na verdade, está apenas

desmaiado. Haddock então avista o Licorne de Sakharin, e logo constata o mastro fora do seu lugar.

Chegaram antes deles! Nisso chegam também Dupond e Dupont. Dizem estar em serviço, e ao

analisar a situação, concluem que Haddock é o culpado do ocorrido, o capitão se enfurece. Após

algumas agitações, quando Sakharin desperta, eles questionam o que havia lhe ocorrido. Ivan afirma

que na noite anterior, um homem havia ido até sua casa oferecer-lhe gravuras e aproveitou de um

momento de distração para lhe desmaiar com clorofórmio. Quando Tintim indaga a Ivan a descrição

física do sujeito, este o descreve exatamente igual ao seu suspeito do mercado das pulgas. Tintim

relembra a Dupond e Dupont que se trata do mesmo homem de quem suspeitaram ter roubado suas

carteiras. Tintim diz que roubaram sua carteira também. Dupont e Dupond agora estavam

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preparados para o batedor de carteiras, com um elástico, a carteira ficava presa ao seu dono.

Tintim e Haddock partem para casa novamente, meio desesperançosos de encontrarem

alguma pista, no entanto, são surpreendidos ao encontrarem a sua espera o sujeito de quem

suspeitam. Este, em tom de preocupação, diz querer falar em particular com Tintim. E quando estão

para entrar na casa de Tintim, um carro azul passa e o homem do mercado das pulgas é alvejado à

tiros na frente de Tintim e Haddock. Antes de perder a consciência, tudo que o homem consegue

dizer é que Tintim deve tomar cuidado, pois sua vida está em perigo. E aponta para pardais. No

outro dia, é noticiado nos jornais que o homem do mercado das pulgas havia morrido. Tintim

explica a Haddock que isso havia sido uma estratégia para que o criminoso abaixasse a guarda e

também não tentasse mais nada contra sua vitima.

Ao fim do dia, quando esperam o bonde para irem para casa, Dupond e Dupont são

finalmente surpreendidos pelo batedor de carteiras. O ladrão não obtém sucesso graças a ideia do

elástico e então tenta fugir. Os atrapalhados detetives seguem no encalço do larápio, mas tudo que

conseguem agarrar é o seu paletó. No dia seguinte, Tintim recebe um telefonema de Dupond e

Dupont, haviam encontrado a sua carteira: estava no paletó do meliante da noite anterior. Ao

indagar como conseguiram deter o ladrão, um dos detetives explica a Tintim, que tudo que

conseguiram pegar foi o seu paletó. Desiludidos quanto a pistas que possam levar ao ladrão, Tintim

atenta para uma sequencia numérica no paletó, indicio de que havia sido recentemente lavado no

tintureiro. Dupont e Dupond, partem então a procura da tinturaria que lavou o dito paletó.

Passado alguns dias, dois homens aparecem no prédio de Tintim com um caixote dizendo ser

uma entrega para ele. Tintim se espanta, já que não havia feito nenhuma encomenda. Quando vai

verificar o pedido, num momento de descuido, um dos homens lhe “apaga” com clorofórmio. Com

Tintim desmaiado, o colocam no caixote e seguem para o caminhão com o qual vieram. Milu avista

a ação dos bandidos enquanto Haddock chega, mas este de nada suspeita, pois os homens já

estavam de partida. Milu segue o caminhão. Tintim desperta no dia seguinte preso em um cativeiro.

Através do interfone o sequestrador informa seus motivos: quer de volta os dois pergaminhos, que

acredita estarem com Tintim. Este por sua vez afirma nunca ter estado com mais de um. O bandido

ignora e ameaça lhe dando o prazo de duas horas para informar aonde estão os bilhetes. Tintim

encontra uma viga que e planeja usá-la como aríete para arrombar a parede. Enquanto Tintim segue

com os preparativos de seu plano, é mostrado as peripécias de Milu no encalço de seu dono. Tintim

obtém sucesso em sua empreitada, e através da parede que ele derrubou, entra em uma curiosa sala,

repleta de tesouros e obras de artes. Os sequestradores, que ao ouvirem o barulho, suspeitam de

Tintim, vão até o cativeiro e logo constatam a parede arrombada. É mostrada uma breve sequencia

de perseguição através do salão dos tesouros na qual Tintim por fim engana o seus malfeitores, sai

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do salão, e os tranca. Sai em procura de um telefone para pedir ajuda, e logo na mesinha aonde o

encontra, avista um envelope endereçado a um certo Sr. Passarinho, entendendo então por que o

homem do mercado das pulgas apontara para os pardais. Tintim liga para o Capitão e começa a

explicar a situação quando o mordomo do Sr. Passarinho aparece. Tintim tenta inventar uma

desculpa, mas logo o Sr. Passarinho o desmente através do interfone. Tintim que estava ao telefone

com Haddock é atacado então pelo mordomo. Há uma rápida luta a qual Tintim vence. Enquanto

isso, os sequestradores escapam e partem em direção ao comodo aonde se encontram Tintim e o

mordomo. Tintim tenta fugir e os malfeitores vão atrás dele contando com a ajuda do cão Brutus.

Segue-se mais uma sequencia de perseguição que acontece fora da mansão e termina em uma

reviravolta na qual Tintim através de sua astúcia consegue tomar a arma de um dos bandidos

invertendo, assim, a situação. Enquanto retornam para a mansão, o mordomo que havia ficado,

toma consciência da situação, e ataca Tintim. Os malfeitores tomam a arma novamente, mas Milu

aparece e ataca o Sr. Passarinho que estava em posse da arma, Tintim aproveita a deixa para socar

os vilões. Por fim chegam ao local Dupond e Dupont acompanhados do Capitão Haddock.

Segue-se então algumas contextualizações e explicações entre os personagens, sobre como

chegaram ali, sobre o nome dos bandidos, seus métodos e etc. Nisso, enquanto Tintim conversava

com o Capitão Haddock ouve-se baralho de pancadaria do local aonde ficaram os bandidos e os

detetives. Ao irem verificar, logo percebem que um deles conseguiu escapar, tentam persegui-lo,

mas é inútil, ele foge de carro. Tintim interroga o outro irmão da dupla Passarinho, esse se mostra

irredutível de começo, mas ao saber que o homem do mercado das pulgas, Barnabé, havia

sobrevivido a sua tentativa de matá-lo, que inclusive revelara seus nomes e havia sido ele quem

fornecera o endereço da mansão ao capitão Haddock, decide então relatar o ocorrido: há dois anos,

haviam comprado aquela mansão, e no sótão encontraram uma das miniaturas do Licorne. Ao

restaurarem o modelo, que encontrava-se em péssimo estado, acharam o pergaminho. Um dos

irmãos Passarinho logo se convenceu tratar-se de um tesouro. No entanto, o pergaminho referia-se a

três Licornes e como os irmãos Passarinhos eram antiquários, colocaram toda a sua rede de contatos

atrás dos outros dois navios. O malfeitor conta que um de seus homens, Barnabé, havia lhe contado

ocorrido no mercado das pulgas. É então relatado como eles incitaram Barnabé a roubar o navio,

sobre como ele não encontrou o bilhete e que passara a chantagear seus patrões para que

aumentasse o valor que lhe pagariam, levando estes, que temiam uma aproximação entre ele e

Tintim, a tomarem medidas desesperadas. Por fim o Sr. Passarinho explica também o motivo do

sequestro: reaver os pergaminhos que Tintim havia lhes furtado. Tintim, mais uma vez salienta que

não está com ele.

Suspeitando que estejam com Sakharin, Tintim vai a casa do mesmo, mas descobre que este

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está viajando. Tintim então decide passar na casa de Dupond e Dupont para ver se tiveram alguma

notícia sobre o fugitivo e sobre os bilhetes. Ao chegar, depara com os detetives de saída e estes

pedem que Tintim o acompanhem. Logo chegam na residência de um certo Sr. Aristides Filagrana.

Dupond e Dupont dão a voz de prisão. Aristides Filagrana é o batedor de carteiras perseguido desde

o inicio da história pelos irmãos detetives. O larápio se diz um colecionador de carteiras com

tendências cleptomaníacas. Tintim ao procurar em sua coleção, encontra a carteira do Sr. Passarinho

e juntamente com a carteira, dois dos três bilhetes do tesouro do Licorne. Resta um.

No dia seguinte Dupont e Dupond ligam para Tintim e Haddock, encontraram o irmão

Passarinho que havia escapado e com ele, o bilhete. Com os três bilhetes em mãos, Tintim logo

descobre o segredo: ao sobrepô-los contra luz, aparece coordenadas geográficas, que indicam aonde

o Cavaleiro de Hadoque afundou o Licorne. Assim, conclui o álbum o Segredo de Licorne, com a

indicação de onde encontra-se o Tesouro de Rackham, o terrível, Tintim e o Capitão Haddock,

empolgados começam os preparativos para aventura que é concluída no álbum seguinte.

A análise que se fará a seguir, parte com a proposta de indicar a presença dos níveis da

narrativa descritos por Barthes e identificar em que instância, se possível dizer, se relacionam com

as articulações especificas das histórias em quadrinhos, a saber: conclusão, significante visual,

sequência gráfica.

4.4 INDIVIDUANDO OS NÍVEIS ESTRUTURAIS DA NARRATIVA EM O SEGREDO DE

LICORNE

Toda narrativa envolve a composição de um mundo no qual esta contida a narrativa, ao

mesmo tempo que esta o conterá. Toda história, afinal, se passa dentro de uma lógica particular de

mundo aonde ela acontece, ou para citar Reuter, “Toda narrativa contrói um universo (de modo

realista ou não) e tenta torná-lo verossímil.” (REUTER, 2011, p.133). Inicie-se assim esta análise

retomando aqui Genette (2009), quando este afirma que toda narrativa mescla em si traços da

descrição e da narração. Pois, se o for verdade, pode-se afirmar que as histórias em quadrinhos,

enquanto processo narrativo, não fugirão a regra.

O universo interno da narrativa irá envolver vários artifícios para fazer sentido ao leitor,

podendo retomar discursos que já lhe são conhecidos, remeter ao mundo real, se compor em

estruturas lógicas e etc. No entanto, independente da forma que o narrador for recorrer para

estabelecer o sentido, para usar a nomenclatura de Reuter, da ficção, para o seu narratário, é

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indispensável que este seja contextualizado ao universo da narrativa. O que implica que para

entender o mundo, é antes necessário ser apresentado a ele, conhecê-lo. A dinâmica do mundo e o

modo do seu funcionamento se estabelecem ao narratário a partir da narração, da forma como os

personagens irão interagir com esse mesmo mundo, no sentido como as coisas acontecerão e serão

comunicadas, contadas no decorrer da história (diegese). Já o mundo, se manifesta a partir da

descrição, sua representação é a partir de relatos que o compõem, que o constroem, o que implica

dizer, que é na forma como o mundo é mostrado, que ele se institui, isto é, naquilo que Genette

nomeia, mímese. Obviamente, é importante atentar-se que, assim como todas as estruturas

apresentadas nos capítulos anteriores, está não será uma articulação fechada, haverá exceções,

mesclagem entre elementos ou formas adversas de se abordar tais composições.

Uma vez contextualizada tal problemática, chega-se a conclusão que é de fundamental

importância para se compreender a composição narrativa, determinar em que tipo de situações irá

predominar cada um desses modos narrativos. Lembre-se aqui, que a história em quadrinhos é um

processo narrativo de ordem fundamentalmente visual. Cabe perguntar em que sentido isso afeta ou

altera a dinâmica entre narração e descrição. Se numa narrativa literária ou oral, a construção do

universo no qual se contém a narrativa enquanto matéria se fará pela descrição detalhada dos

elementos do mundo verbal ou textualmente, o que implica a interpretação dos detalhes

apresentados para se chegar a uma suposta imagem mental, mais ou menos condicionada de acordo

com que e o modo pelo que se descreveu tais elementos, uma narrativa visual não irá prescindir de

tal artificio.

Na Figura 2, por exemplo, há a transição de um ambiente para outro, a indumentária dos

personagens, a fisionomia de cada um, a miniatura do Licorne, entre outros elementos que dão

corpo ao mundo que Hergé busca representar, e nenhum destes aspectos é descrito, senão,

visualmente. O que não altera em nada na contextualização da história. O mesmo pode acontecer na

narração, aonde as ações serão aptas de ser mostradas visualmente, como na página a seguir, na

Figura 3, em que há uma série de ações (a luta entre Tintim e o mordomo, o telefone que cai, os

irmãos Passarinho que correm de encontro a Tintim, etc.), que não são narradas verbalmente, mas

apenas apresentadas ao receptor

Deve-se salientar que em nem todo exemplo de história em quadrinhos, o impacto visual

será tão predominantemente e marcante. Em Tintim, a dimensão textual só aparece nos diálogos e

recordatórios de transição espacial e/ou temporal. No entanto, haverão casos em que descrição e

narração serão textuais. Mas tais casos estarão menos próximos do que é de fato quadrinho, pois

uma descrição simultaneamente textual e visual, não apenas é repetitiva mas estabelece ou imagem

enquanto ilustração do texto ou texto enquanto legenda da imagem. Geralmente esse era o modo

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presente nas narrativas gráficas primitivas e no quadrinho moderno nos tempos de seus primórdios,

quando estes ainda se encontravam num processo de formação e consolidação do meio. Assim,

Tintim é de fato um ótimo exemplo da história em quadrinhos por excelência, por saber resolver,

“quadrinhísticamente”, a dinâmica entre imagem e texto.

Figura 2: Página 4 de O Segredo De Licorne

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Figura 3: Página 46 de O Segredo De Licorne

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Ainda que a descrição não se verbalize textualmente, do ponto de vista narrativo, ela ainda

está presente, pois o mundo em Tintim, de fato existe. A sua forma de ser, é a partir da forma como

ele é apresentado, visualmente, ou seja, a partir dos significantes pictóricos utilizados. São todos os

ícones que estabelecem a composição do mundo graficamente: os personagens e todas as suas

performances, os lugares, a representação do movimento a partir da linhas e das estrelas no terceiro

quadro da página anterior, os balões que permitem que os personagens falem entre si, a

onomatopeias que estipulam a sonoridade do mundo, ações entre os personagens, que são ao seu

modo signos de seus comportamentos, a temporalidade metaforizada e etc. É justamente este

vocabulário imagístico, esse conjunto de códigos, de formas de se representar e descrever

visualmente as coisas do mundo, mais ou menos conhecido do público, que a ficção, no sentido

reuteriano, é construída e comunicada ao narratário.

A representação pictórica terá enquanto função, não apenas arquitetar o mundo da narrativa,

mas também descrevê-lo, e ao apresentar-lo, colocá-lo em contato com o possível receptor. É a

partir da forma como os elementos gráficos se estruturam enquanto articulações significantes que a

narrativa se torna viabilizada dentro do processo da quadrinização, pois a narrativa, acontece em

nível visual. Essa constatação se torna mais evidente uma vez estabelecido o modo do discurso

narrativo presente em Tintim. Hergé constrói uma história fortemente marcada pelo tom descritivo,

ainda que visualmente, e pela forma como cada sequencia da história é revelada e demonstrada tal

qual acontece, como os diálogos entre os personagens são tais como falam, em suma, a descrição é

tão exata que ela dispensa a presença de um narrador e de uma narração marcada, o modo do

discurso, é neste sentido, mimético, e bastante próximo do narratário. Essa é uma das características

do modo discursivo da narrativa em quadrinhos, que muitas vezes tende para uma predominância da

mímese, pois a imagem enquanto recurso narrativo, pode simultaneamente narrar e descrever. Deste

modo, pode-se afirmar que aqui, em primeiro momento, uma das articulações fundamentais dos

quadrinhos, a representação gráfica, está intimamente ligada com dois níveis da construção

narrativa: o nível da narração, sendo condicional do seu modo e a estruturação da ficção.

A narrativa é heterodiegética, pois o narrador não se faz presente, nem mesmo enquanto

personagem dentro da história; a perspectiva em que se acompanha a narrativa é, sobretudo,

estabelecida a partir da visão de Tintim, sendo ele, o personagem que dita o tom que esta deve

receber, ainda que por vezes se tome a perspectiva de outros personagens. Essa combinação,

determina à narrativa de Tintim uma instância poliscópica, que segundo Reuter (2011) é um modo

de estabelecer a perspectiva em vários personagens, pois uma vez que não se tem um narrador

onisciente, é a partir do emaranhado das consciências e visões que se poderá compor o contexto

narrativo de compreensão que espera-se que o narratário mantenha.

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A relação entre narrador e narratário que se estabelece ao nível da narração também é

significada a partir, sobretudo, dos recursos gráficos, pois ao serem códigos “linguísticos”,

pressupõem que o possível receptor os reconheça, que os saiba decodificar. Assim, o narratário

significa-se no balão, na linha cinética, no emolduramento do quadro à quadro, no processo de

conclusão e etc. de modo que o narratário não aparecerá de forma explicita no papel de um “amigo

leitor”, mas sim de um leitor possível que seja capaz de compreender a dinâmica das estruturas

narrativas do quadrinho, como, por exemplo na página a seguir (figura 4), espera-se que o narratário

compreenda a forma na qual o carro entra e sai de cena sem que se mostre o seu trajeto, a

onomatopeia como representação gráfica do som do disparo que remeta diretamente ao próprio

disparo, a compreensão da transição entre encapsulamentos temporal como um continuum, a espiral

que sai da cabeça de Barnabé no último quadro ou os pingos em Haddock e Tintim quando este é

alvejado como um estado de ânimo e assim por diante.

Ao nível das funções, que em em O Segredo de Licorne são muitas, apenas se individuarão a

forma como algumas delas relacionam-se com o fio da narrativa e como irão colaborar com certos

modos do funcionamento da sequencia visual e da conclusão. Não é difícil de identificar em Tintim,

todo um conjunto de sequencias nodais, que em suas interelações determinam o sentido narrativo,

que aqui será entendido na concepção greimasiana da busca. Funções que em um primeiro

momento aparecem de maneira quase que insignificante, logo adiante se mostram fundamentais,

como pode-se ver, por exemplo, nas ligações que se estabelecem entre as sequencias que se referem

ao batedor de carteira: Dupond e Dupont tem suas carteiras roubadas; Tintim também; os irmãos

detetives suspeitam de Barnabé, e assim Tintim fica sabendo que ele esteve em sua casa; os roubos

de carteiras, descobre-se, são resultado das ações de Aristides e que ao roubar a carteira do Sr.

Passarinho desencadeia o sequestro de Tintim, que possuía um dos três Licornes; Aristides filagrana

foi preso graças a ideia do elástico dos irmãos Dupont e Dupond quando Tintim fala que teve sua

carteira roubada; e assim sucessivamente as funções vão se interligando umas as outras e ao o

fazerem estabelecem a coerência narrativa.

No entanto, pode-se dizer que em O Segredo de Licorne, há funções cujas quais todas as

outras funções irão girar em torno, pois enquanto núcleos centrais da sequencia em que se

instauram, são determinantes na composição daquilo em que se constituirá a busca de Tintim, a

saber: a compra do navio que contém em si o seu significado no todo do mistério já pressuposto

pelo seu nome; o roubo das carteiras, que funciona como uma narrativa paralela ao mistério; a

história do Cavaleiro de Hadoque, que explica o mistério e ao mesmo tempo comunica haver um

tesouro, que será o objeto final da busca; o sequestro de Tintim que revela a existência de opositores

a sua busca, os Irmãos Passarinho; a sequencia final na qual resolve-se a narrativa (prisão de

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Aristides e dos Irmãos Passarinho) e prepara o território para o próximo álbum.

Figura 4: Página 31 de O Segredo De Licorne

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No entanto, como enfatizado anteriormente, Tintim é uma narrativa visual e muitas funções

se estabelecerão a partir desta característica como, por exemplo: a indumentária dos personagens

que serão ora informações, ora índices; as sequencias de trapalhadas dos irmãos Dupond e Dupont

que para funcionarem, do ponto de vista lógico, dependem da representação visual que lhes é dada;

até funções cardinais como a compra da miniatura do Licorne. Nesse sentido, o aspecto visual das

narrativas gráficas implica algumas considerações também neste nível, porque uma vez sendo a

imagem um signo que está além do meramente linguístico, ainda que uma função ligue-se enquanto

significante a outra função do mesmo nível, enquanto ícone imagético irá remeter significado em

outros níveis, pois como mostra o exemplo da compra da miniatura do Licorne no mercado das

pulgas, que ao mesmo tempo é núcleo de uma sequencia que se significará a partir de um conjunto

de funções que ao se relacionarem, estabelecem o sentido da narrativa; mas também será índice pois

a forma como o mercado, o ato da compra, a insistência de Sakharin e Barnabé em comprar o barco

de Tintim, a recusa deste, as expressões faciais e corporais dos personagens. serão visualmente

apresentadas para além to texto, enfim, toda a representação que se faz imageticamente, será, tal

qual afirmado anteriormente, icônica. E enquanto ícone, significa-se em outros âmbitos além do

nível das funções, podendo remeter a índole do personagem, ao contexto do universo representado,

aos discursos do mundo, a ambientação e etc. e assim, a construção da ficção, ao se fazer icônica,

irá remeter, em maior ou menor grau, ao mundo:

Todo discurso, todo texto e toda narrativa remetem ao mundo. Não pode ser de

outra maneira, pois – como bem mostrou Umberto Eco em Os limites da

interpretação (1992), em concordância com muitos outros semiólogos – não se

pode construir um universo ficcional e compreende-lo sem referi-lo às nossas

categorias de apreensão do mundo. Todo objeto, personagem ou lugar de uma

narrativa, por mais surpreendente que seja, é constituído por meio de deformações,

acréscimos, supressões e alterações em relação àqueles que já conhecemos.

(REUTER, 2011, p.154).

É válido salientar ainda que uma função, ao se constituir de ícones imagéticos (ainda que o

mesmo seja válido para outras formas narrativas), não exprimirá sentido apenas no contexto da

narrativa ou da própria função, mas se enraizará também na ideologia do autor, como se pode ver na

forma como Hergé representou o mercado das pulgas que remete diretamente a forma como ele

conhece e/ou quer que seu leitor reconheça o mercado das pulgas, a atmosfera que ele dá ao

representar é o tom que espera que seja levada a obra e assim sucessivamente

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.

Figura 5: Primeira página de O Segredo De Licorne

Em outra via as funções ditam o propósito da sequencia gráfica, arranjando a lógica visual

dos enquadramentos e da conclusão, pois para que haja uma transição coerente entre os quadros,

estes devem se relacionar semanticamente em torno de um sentido que seja capaz pressupor mais ou

menos o tom da conclusão necessária ao narratário. Portanto, irá se supor que cada quadro irá conter

funções que serão específicas da linguagem interna dos quadrinhos que, ainda que possam estar

ligadas a linguística da narrativa individuada em Barthes, não aparecerão em outras linguagens, pois

a composição de cena que interliga o último quadro ao penúltimo como um continuum temporal na

página acima só existe semanticamente, o receptor pressupõe uma linha de sucessividade entre a

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forma como quadro é visualmente e/ou textualmente composto.

Todas as considerações quanto aos níveis anteriores também se darão no nível actancial, pois

a narrativa visual também inflige na forma como o personagem é representado, como sua ação é

representada, como esta altera a dinâmica do mundo e como a ação poderá ser ao mesmo tempo

também índice das ideologias do personagem. As ações são executadas todas em torno de um dois

núcleos que ao fim se interligam: descobrir e apanhar o batedor de carteiras e descobrir qual o

mistério dos barcos. Assim, Tintim será o sujeito da busca, que é, em primeiro momento, encontrar

os bilhetes. Será ajudado e ao mesmo tempo destinado a estes bilhetes pelo Capitão Haddock e por

Milu, encontrando enquanto oposição os Irmãos Passarinhos. O batedor de carteiras irá servir de fio

condutor paralelo, elemento de pouca importância que no fim soluciona o por que Tintim ter sido

sequestrado. Tintim é a manifestação do arquétipo do herói, na forma do aventureiro, que vai até o

fim para solucionar um mistério, de modo que sua ações no decorrer de sua busca serão todas

carregadas de esperteza, integridade e espirituosismo, sempre audaz, bravo e forte. É aquele capaz

de se livrar dos infortúnio, seguir em frente a partir da inteligencia. Se Reuter (2011) afirma com

efeito que o nome do personagem é capaz de defini-lo, carregar o valor de seu significado enquanto

signo narrativo, a descrição visual, seja a partir da caracterização física, da indumentária, das

expressões ou das ações, será também com efeito, de igual impacto para construção do personagem.

Em Tintim as ações são estritamente visuais. Isso implica considerar em como um ato

isolado de um dado personagem é representado e em que instância se articulará com demais

segmentos da narrativa. Uma sequência de luta como a que ocorre na página a seguir, depende para

ter efeito, de um conjunto de recursos gráficos como as linhas cinética, as “estrelas” suspensas

indicando o impacto dos golpes de Tintim, a sucessão da ação diretamente estabelecida na transição

que ocorre sequencialmente, principalmente, do terceiro ao sexto enquadramento.

Obviamente, a ação de que falam Barthes (2009) e Greimas (1987) não referem-se tão

somente a atos isolados como uma sequencia de luta ou de fuga. No entanto, o importante aqui é

levantar o questionamento quanto como a soma destes pequenos atos, visualmente representados, na

construção da busca de Tintim irão definir seu lugar no mundo e entender qual o impacto da

descrição gráfica nesta composição de sentido. É a partir das suas ações na narrativa que o actante

se define, é o modo de estabelecer seu modo de ser. A ação é apresentada a partir de sua descrição

ou narração, e esta dentro de uma história em quadrinhos, se estabelece, como todos os outros

níveis, visualmente, se valendo para isso dos ícones imagéticos e demais recursos gráficos

pressupondo assim relações mais ou menos parecidas com as que foram individuadas quanto aos

níveis anteriores.

Figura 6: Página 53 de O Segredo De Licorne

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Uma mídia como quadrinho, carrega uma forma especifica de comunicar a narrativa. Suas

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características linguísticas estão todas em função da narrativa, mas ao mesmo tempo, por suas

particularidades irão alterar não o conteúdo da narrativa, mas o modo de apresentá-la ao receptor.

Saliente-se uma vez mais que a história em quadrinhos, é um meio narrativo, um processo a partir

do qual com base em um conjunto de códigos e mecanismos se contrói e se comunica uma

narrativa. A história em quadrinhos, não é o suporte, mas as possibilidades do meio, é a forma

especifica a partir da qual se manifesta uma história. No entanto, para levar essa pressuposição

adiante e melhor embasá-la, seria necessário contrapor análises cada vez mais profundas não apenas

entre diversas formas do quadrinhos, mas também entre outras manifestações narrativas (cinema,

literatura, teatro, novela), encontrando a forma como cada processo de construção narrativa irá

individuar características e particularidades da própria mídia e em como cada uma dessas

características irão impactar nas estruturas internas da narrativa, alterando, acrescentando ou

modificando as formas de se articularem. Nessa monografia, tomou-se Tintim como um modelo

paradigmático, que seja capaz de abarcar e de representar todas as formas de quadrinhos, sem

distinção. Devido aos limites e a demanda deste trabalho, tal abstração foi necessária. No entanto,

uma pesquisa mais fundada se faz necessária, pois o ponto aqui, foi antes indicar a possibilidade e a

necessidade de se seguir por tal rumo.

5. O MUNDO ESTÁ CONVERGINDO

5.1 O IMPACTO DA MÍDIA

Cada período da história é marcado por meios de produção de linguagem que lhe

são próprios. Quando novos meios surgem, seus potenciais e usos, ainda

desconhecidos, têm de ser explorados (SANTAELLA, 2008, p. 36).

Este capitulo sairá das condições internas do quadrinho para buscar entender como este se

integra em um contexto midiático especifico da contemporaneidade, fruto de transições

socioculturais. Tentará assim entender em que níveis as novas condições tecnológicas

influenciaram, se o fizeram, em sua realocação no mundo. Isto implica dizer, que aquilo que se

estabeleceu nos últimos três capítulos, dentro de um cenário midiático em transição e em constante

modificação, sofre algum tipo de impacto na sua forma de articular com suas manifestações. Para

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isso, serão retomadas aqui algumas das considerações trabalhadas em O Consumidor é a

Mensagem: A Publicidade na Era da Cultura da Convergência (2011), aprofundando-as, embasando

e recorrendo agora, a outros autores além de Jenkins.

Foi enfatizado anteriormente que a priori, as histórias em quadrinhos são um meio a partir

do qual se veicula o produto de sua comunicação, que no caso, é a sua unidade semântica, a

narrativa. A narrativa, enquanto comunicação também carrega traços específicos, sendo o processo

e a lógica da comunicação. Eisner acrescenta:

Todas as histórias têm uma estrutura. Uma história tem um inicio, um fim e uma

linha de eventos colocados sobre uma estrutura que os mantêm juntos. Não importa

se o meio é um texto, um filme ou quadrinhos. O esqueleto é o mesmo. O estilo e a

maneira de se contar pode ser influenciado pelo meio, mas a história em si não

muda. (EISNER, 2005, p.13).

É nesse sentido que deve-se pressupor que uma narrativa, para existir e chegar ao seu

receptor, necessita de uma estrutura que a suporte, seja a língua falada ou mais complexo meio de

comunicação, uma narrativa precisa recorrer a alguma mídia para poder ser comunicada e ao o

fazer, será condicionada as articulações especificas do meio ao qual utilizou para ser narrada. Não

existe uma narrativa “pura”, que não irá se ancorar em nenhuma linguagem, em nenhum sistema

semiótico que a carregue, pois a narrativa, seguindo a concepção barthesiana, é uma manifestação

discursiva, e ao o ser, será a narrativa em si mesma, um meio, um modo, de comunicação e

seguindo a lógica de McLuhan (2002), os meios andam aos pares. Obviamente, a questão é mais

profunda do que isso, pois a narrativa é um dos discursos do homem sobre o mundo e o homem

para enunciar seus discursos a outrem, faz, para isso, uso da linguagem. Esta, para ser possível, se

baseia em códigos que sejam mais ou menos conhecidos tanto pelo emissor quanto pelo receptor. A

linguagem é a faculdade que possibilita e condiciona a comunicação. Thompson enfatiza:

Na produção de formas simbólicas e na sua transmissão para os outros, os

indivíduos geralmente empregam um meio técnico. O meio técnico é o substrato

material das formas simbólicas, isto é, o elemento material com que, ou por meio

do qual, a informação ou conteúdo simbólico é fixado e transmitido do produtor

para o receptor. Todos os processos de intercambio simbólico envolvem um meio

técnico de algum tipo. Mesmo o intercâmbio de afirmações linguísticas face a face

pressupõe alguns elementos materiais – laringe, cordas vocais, ondas de ar,

ouvidos, tímpanos auditivos, etc. - em virtude dos quais os sons significativos são

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produzidos e recebidos. Mas a natureza do meio técnico pode variar grandemente

de um tipo de produção simbólica (e intercâmbio) para outro, e as propriedades dos

diferentes meios técnicos facilitam e circunscrevem os tipos de produção simbólica

e intercâmbios possíveis. (THOMPSON, 2012 p.44)

Seguindo as concepções de McLuhan, que estabelece os meios enquanto extensões das

faculdades humanas, as mídias são antes de mais nada a extensão da linguagem: acrescentam novas

possibilidades a sua estrutura, comunicam em outros níveis e sentidos, possibilitam armazenamento

massivo, rompimento com limitações espaciais e temporais. A esse respeito, Thompson (2012)

considerará a comunicação a partir da forma como os seus meios serão utilizados, entendendo-a sob

o prisma da interação:

Argumento que sempre que indivíduos usam os meios de comunicação […] eles

estão se envolvendo em formas de ação e interação que diferem, de certas maneiras

básicas do tipo de interação face a face que carateriza a maioria dos encontros da

vida diária. Estão não só intercambiando informação ou consumindo um produto

(embora também possam estar fazendo isso): estão também participando de formas

de interação que têm propriedades bastantes específicas. (THOMPSON, 2012, p.9).

E assim, ao procurar compreender a dinâmica da interação que as diferentes mídias

possibilitam aos indivíduos, Thompson irá individuar dois campos possíveis: a interação mediada e

a quase-interação mediada. E assim as estabelece:

Por “interação mediada” quero dizer o tipo de interação envolvida quando usamos

um meio técnico tal qual o telefone para interagir à distância com outras pessoas.

Por “quase-interação mediada” quero dizer o tipo de relacionamentos sociais

estabelecido pelo uso de meios como livros, jornais, rádio, televisão etc. - aquilo

que é normalmente descrito como “mídia de massa” […] Tanto a interação

mediada quanto a quase-interação mediada envolvem a extensão das relações

sociais através do tempo e do espaço. Enquanto a interação face a face ocorre em

um contexto de copresença em que os participantes compartilham um sistema de

referência espacial-temporal comum, as duas formas de interação mediada

envolvem a interrupção da ligação com os contextos de copresença; portanto, os

participantes já não compartilham um arcabouço espacial-temporal comum e

precisam adaptar seu comportamento à nova situação, usando outros meios de se

orientar com relação a outras pessoas distantes. Mas há diferenças importantes

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entre as duas formas de interação mediadas. Enquanto que a interação mediada é

dialógica por natureza e envolve um fluxo de comunicação em dois sentidos, a

quase-interação mediada é normalmente monológica; e enquanto a interação

mediada está orientada para outros específicos (por exemplo, a pessoa para quem

você está fazendo uma ligação telefônica), a quase-interação mediada está

orientada para uma série indefinida de receptores potenciais. (THOMPSON, 2012,

p.9 e 10)

O ponto em Thompson será ligeiramente diferente do que é trabalhado por McLuhan, indo

mais para o campo social, buscando entender como uso das mídias dentro da sociedade influem nas

interações e ações dos indivíduos uns com os outros. Já McLuhan fixa-se principalmente no

contexto tecno-midiático destes impactos. Em ambos os autores e também em Jenkins, o que aqui

interessa é entender que os meios impactam nas estruturas sociais e culturais, as reorganizam e

modificam. Toda inserção de um meio, seja midiático ou não, irá acrescentar novas possibilidades

as faculdades humanas, ao interagirem a partir destes meios com o mundo, novos paradigmas

socioculturais serão gradualmente construídos. Pois tal qual afirma Thompson, é importante

salientar que:

[…] os meios de comunicação não são apenas transmissores neutros que

transmitem informação ou conteúdo simbólico de um individuo (ou grupo de

indivíduos) para outro – uma espécie de esteiras transportadores de significado por

assim dizer; ao contrário, quando novos meios de comunicação são desenvolvidos

e introduzidos, eles mudam as maneiras pelas quais os indivíduos relacionam uns

com os outros e com eles próprios. (THOMPSON, 2012, p.9).

A implicância de tais constatações, que são também objeto dos outros supracitados autores,

serão abordadas mais adiante. Nesse momento é importante esclarecer como a narrativa em

quadrinhos se estabelecerá dentro deste contexto. Retome-se então a diferenciação feita por

Thompson quanto as interações mediadas, cujo o quadrinho pertence obviamente a segunda

categoria. Quadrinhos serão então uma interação, entre um emissor e um quadro de receptores

possíveis, cujos quais poderão estar espalhados em qualquer lugar do espaço e tempo. Essa

interação é a troca daquilo que é comunicado em seus diversos níveis discursivos. Obviamente ela

dependerá de fatores que já foram salientados antes como o mundo compartilhado, a compreensão

dos códigos utilizados etc. Mas para ser de fato um interação, entre o receptor e o emissor, ela

precisa mediada a partir de um terceiro elemento, isto é, o suporte da comunicação. Como

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69

enfatizado inicialmente, cada suporte carregará características especificas do seu modo de

funcionamento, e essas características irão, como mostrado no capitulo anterior, condicionar a

forma como o conteúdo interagirá com receptor. É também nesse sentido que Marshal McLuhan

considerará a comunicação, deixando claro o teor de suas concepções naquela que talvez seja sua

maior máxima, “o meio é a mensagem”. Sintetizando os trabalhos de McLuhan, Olga Pombo4 irá

dizer:

Enquanto suporte material da comunicação, o meio tende a ser definido como

transparente, inócuo, incapaz de determinar positivamente os conteúdos

comunicativos que veicula. A sua única incidência no processo comunicativo seria

negativa, causa possível de ruído ou obstrução na veiculação da mensagem. Pelo

contrário, McLuhan chama a atenção para o fato de uma mensagem proferida

oralmente ou por escrito, transmitida pela rádio ou pela televisão, pôr em jogo, em

cada caso, diferentes estruturas perceptivas, desencadear diferentes mecanismos de

compreensão, ganhar diferentes contornos e tonalidades, em limite, adquirir

diferentes significados. Por outras palavras, para McLuhan, o meio, o canal, a

tecnologia em que a comunicação se estabelece, não apenas constitui a forma

comunicativa, mas determina o próprio conteúdo da comunicação.

O suporte, em si, será sempre um objeto fruto da aprimoração tecnológica. E a medida que

este se estabelece em um contexto midiático, estará constantemente a mercê de fortes

transformações, caminhando junto com o desenvolvimento sociocultural. Os quadrinhos, por

exemplo, em sua manifestação clássica, dependeu de um impactante período de transição

tecnológica, que decorreu da consolidação da reprodutibilidade técnica. Em sua expressão moderna,

que começa a se consolidar com Yellow Kid (1896), os quadrinhos surgem enquanto encartes de

jornais, e por isso ligaram-se a voracidade massiva da imprensa. Posteriormente vão se

estabelecendo como meio individual, passando de semanários a publicações e antologias fechadas

constituindo toda uma lógica de nichos e mercados, que não será o objeto aqui adentrado. Fato é,

que até então, antes da reprodução em massa, a narrativa gráfica poderia ser estabelecida entre arte

e uma mídia cuja relação com o seu receptor talvez estivesse mais próxima de algum outro tipo de

interação mediada do que da quase-interação mediada, já que as primeiras narrativas gráficas5,

4 POMBO, Olga. O meio é a mensagem. Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/cadernos/mcluhan/estudo_mcl_olga.pdf > Acesso em: 18 jan. 2013.5 Seguindo a linha de Scott McCloud (2005), pode-se dizer ser o caso, numa livre abstração, da escrita hieroglífica,

das tapeçarias medievais, dos emakimonos japoneses ou de qualquer forma de narrativa que tenha se estabelecido visualmente e seja precursora do quadrinho moderno.

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70

enquanto obras unitárias, como deixa claro o exemplo de As Tentações de Santo Antão6, quadro

tríptico pintado por Bosch entre 1495 e 1500, que narra sequencialmente as passagens da vida de

Santo Antão, estavam bem longe, em seu contexto original, de poderem ser conceituadas enquanto

mídia de massa.

Com o advento da reprodução técnica, há uma alteração no contexto sociocultural em que se

estabelece a narrativa gráfica, contexto este que se caracteriza pelo fato de, como coloca Thompson,

“A reprodutibilidade das formas simbólicas [ser] uma das características que estão na base da

exploração comercial dos meios de comunicação.”(THOMPSON, 2012, p.46). A própria narrativa

assume dentro de uma sociedade de forte cultura midiática, como a do século 20, outras funções

sociais, mais ligadas a uma lógica de mercado e de entretenimento embasada em discursos

ideológicos em voga nesta dada cultura, que implicam diretamente nos modos e nos meios de sua

produção. Essa virada na produção midiática decorrente da industrialização acarretou na

modificação gradual da dinâmica de interação entre receptor e emissor, afinal, ao longo desse

período novos meios de comunicação foram aparecendo e se consolidando (cinema, rádio,

televisão, etc). Cada qual acrescentando novas técnicas, novas possibilidades, novos nichos. O

efeito dessas mudanças na construção do quadrinho moderno foi a aprimoração de suas estruturas

internas (vocabulário gráfico, conclusão, narrativa) que ao longo desse período foram se tornando

cada vez mais complexas, pois não apenas as condições de reprodução foram radicalmente

alteradas, mas também as de produção, afinal o desenvolvimento do suporte permitia a consequente

evolução do processo. Assim a reprodutibilidade influenciou diretamente na forma como quem

recebe a comunicação irá interagir com ela, de modo que o unitário foi dando lugar ao múltiplo,

fruto de uma evolução midiática exponencialmente mais acelerada. A constância e a multiplicidade

viabilizou códigos e convenções gradualmente mais complexas, conclusões mais abertas a medida

que o sequenciamento gráfico foi se firmado enquanto característica inerente do meio, relegando

um papel ao receptor cada vez mais fundamental.

A comunicação social é um processo, um fenômeno sociocultural. Colaborando para a

construção e ainda assim refletindo toda a realidade social a qual está submetida. Não é fruto apenas

de inovações tecnológicas, ainda que esteja intricada a elas, mas de cenários culturais. Jenkins

assegura que “meios de comunicação são também sistemas culturais.” (JENKINS, 2009, p.41).

Nesse contexto é válido enfatizar que o estudo da mídia em geral, sempre lançou luz sobre a cena

social de cada época; e o atual panorama, por sua vez, permite ver, talvez com maior clareza do que

antes, o valor de um dos mais importantes imperativos de análise, no que diz respeito ao estudo dos

6 BOSCH,H. As Tentações de Santo Antão, 1500. 1. original de arte, óleo sobre madeira de carvalho, 131.5 cm × 119/53 cm. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

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mass media, dentro da realidade cultural contemporânea: a influência direta das relações que

surgem entre o homem e a tecnologia midiática. Assim, para retomar Thompson (2012), seria

inviável se propor a pensar qualquer fenômeno sociocultural contemporâneo sem se estabelecer

relações com o panorama comunicacional, bem como com sua historicidade. Afinal, tal qual

colocava também McLuhan (2002), toda inserção de uma nova tecnologia midiática readequa todo

o panorama comunicacional e, consequentemente, sociocultural, no qual esta é inserida. É válido

constar ainda, que essa noção da influência da mídia nos fenômenos de ordem social, já chamava a

atenção Walter Benjamim (1936) em suas acepções, uma vez que autor via em seu próprio tempo a

inserção de novas mídias revolucionar as artes.

Contemporaneamente, vive-se também em um período de forte transição midiática. Se ao

fim do século 19 havia uma tendência a multiplicação de canais e conteúdos que se dispersam em

diversas frentes, o cenário midiático atual tende a convergência. Talvez nenhuma outra sociedade

tenha sido tão ávida por informação quanto a atual, em nenhuma outra sociedade o receptor dessa

informação teve papel tão decisivo na forma como a mensagem chega até ele e em como ela é

construída. Ainda que não tenha ciência disto, é justamente o consumidor midiático quem detém o

poder. Se antes, a informação era escassa, e diferentes meios atendiam diferentes demandas, se

antes presumia-se um receptor passivo, uma lógica mercadológica que condicionava toda a

produção cultural, este panorama irá se inverter totalmente a favor do receptor, que gradativamente

irá ganhar um poder midiático. Ele se conscientiza de que é ele quem decide a informação que vai

consumir, é ele quem, em última instância, escolhe o canal pelo qual quer receber essa informação.

Não é necessário dizer as inúmeras formas dessa informação chegar até ele. Tampouco da miríade

de escolhas, em termos de conteúdo, que tem a sua disposição. Mas o receptor ainda pode mais, ele

pode participar na produção ou mesmo produzir conteúdos, ele pode interferir, se tornando em

essência um prossumer midiático

O acelerado desenvolvimento técnico-cientifico e o consequente “boom” comercial das

novas tecnologias, aliados a outros fatores culturais inerentes a sociedade contemporânea,

acarretaram em implicâncias significativas para o campo das comunicações. Acrescentadas às

formas através das quais a sociedade até então dialogava consigo mesma, novas plataformas,

mostram diariamente ao que vieram. Os principais pilares da tradicional comunicação em massa

tiveram de sair de sua zona de conforto e se adaptar a era digital, para se manterem enquanto

plataformas viáveis ao novo paradigma midiático e cultural. Nesse sentido, cabe enfatizar que não

basta interagir ou se inserir dentro do plano digital, é necessário se integrar e agregar a este. A rede

mundial, o aparato tecnológico, a inundação de novos softwares, a pirataria, a velocidade de

informação e de divulgação são apenas alguns dos pontos a se citar desse admirável mundo novo,

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72

cuja única característica de que se pode ter certeza são as suas constantes mudanças.

Henry Jenkins, que busca entender esse quadro midiático para além do determinismo

tecnológico, acredita que as respostas sociais do homem aos avanços tecnológicos, bem como em

que aspectos essas novas formas de se comunicar se encaixam e que funções desempenham dentro

do contexto sociocultural dos indivíduos nele inserido deve ser o prisma a partir do qual deve-se

problematizar o cenário midiático contemporâneo. O quadrinho, mais uma vez, não esteve imune

aos impactos causados pela constante transição midiática. A seguir, serão abordados os principais

aspectos das concepções de Henry Jenkins quanto a este quadro de mudanças socioculturais e

midiáticas, que ele nomeará Cultura da Convergência.

5.2 A CULTURA DA CONVERGÊNCIA

Um processo chamado “convergência de modos” está tornando imprecisas as

fronteiras entre os meios de comunicação, mesmo entre as comunicações ponto a

ponto, tais como o correio, o telefone e o telégrafo, e as comunicações de massa,

como a imprensa, o rádio e a televisão. Um único meio físico – sejam fios, cabos

ou ondas - pode transportar serviços que no passado eram oferecidos

separadamente. De modo inverso, um serviço que no passado era oferecido por um

único – seja a radiodifusão, a imprensa ou a telefonia – agora pode ser oferecido e

várias formas físicas diferentes. Assim, a relação um a um que existia entre um

meio de comunicação e seu uso está corroendo. (POOL apud JENKINS, 2009,

p.37).

A cultura está em transição. O mundo está mudando. Hoje, o quadro comunicacional é fruto

de um fluxo de informações, conteúdos e experiências midiáticas em rota de colisão. Tudo

converge, mídias se hibridizam, o analógico se digitaliza, o digital se vende analógico. A produção

de conteúdo, deixou de pertencer tão somente aos grande conglomerados, à lógica mercadológica,

como dito antes, gradualmente os receptores foram adquirindo um poder midiático, seja interagindo

com conteúdos já veiculados, seja consumindo-os, seja produzindo seus próprios conteúdos. A

grosso modo, a convergência poderia ser entendida apenas como o “fluxo de conteúdos através de

múltiplas plataformas de mídia ” (JENKINS, 2009, p.29). O fenômeno, não é novo, é algo que vem

se enraizando na sociedade moderna desde o inicio do século 20, com as primeiras transposições

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multimidiáticas e obviamente, não pode se resumir apenas a ascensão das novas tecnologias. Ao

contrário de tal pressuposição, Jenkins irá defender a convergência como um cenário cultural em

que um dado comportamento social para com a mídia é estabelecido pelos indivíduos. É nesse

sentido que por cultura da convergência, será entendido aqui, o processo de modificações culturais

que se estabelece a partir dos novos modos de relações e interações entre indivíduos e mídia, e a

forma como esse contexto geral impacta na manutenção do imaginário social.

No entanto Jenkins enfatiza que só é possível pensar em uma convergência das mídias, tal

qual ocorre hoje, devido às bases culturais e a natureza do imaginário social que permeiam a vida

do homem contemporâneo, de fato, está de acordo que a inserção de uma nova mídia em um dado

contexto social, acarreta em uma alteração em suas dinâmicas, o que consequentemente irá implicar

também no processo de recepção e interação com estas mídias, pois como ele próprio assegura, “a

convergência dos meios de comunicação impacta o modo como consumimos esses meios.”

(JENKINS, 2009, p.44). No entanto, esse imperativo sociocultural, Jenkins chama atenção, não

decorre tão somete de um processo tecnológico:

Em vez disso, a convergência representa uma transformação cultural, à medida que

consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em

meio a conteúdos midiáticos dispersos. […] A convergência não ocorre por meio

de aparelhos por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro

dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os

outros (JENKINS, 2009, p. 29 e 30).

Assim, busca apontar a partir deste termo, cultura da convergência, todo um quadro de

mudanças que seguem em diversas frentes mas que estão intimamente ligadas aos meios de

comunicação, sobretudo ao advento das novas mídias relacionadas à internet. Ao estabelecer a

convergência enquanto um cenário, Jenkins individua os níveis, até o momento, de sua atuação, os

modos a partir do quais essas mudanças se estruturam na composição desta nova lógica social, a

saber: a convergência das mídias, a inteligência coletiva e a cultura participativa.

A convergência, como o próprio nome irá supor, é a mesclagem, a transição, a interação

entre diferentes mídias a partir daquilo que se veicula, seja qual for o discurso ou a experiência

midiática objeto da comunicação. É importante, antes de mais nada, diferenciar convergência

midiática, no sentido que Jenkins dá a esta, de crossmedia. Ainda que a convergência das mídias

envolva em seus processos muito do que seja entendido por crossmedia, os conceitos não se

equivalem. Por crossmedia é possível definir como sendo a transposição de um mesmo conteúdo ou

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experiência midiática por diversas mídias diferentes. A convergência, por outro lado, é também um

processo cultural e social, afinal, como enfatizado por Jenkins logo acima, ela ocorre primeiramente

no cérebro dos receptores. Na verdade a crossmídia é uma das manifestações da convergência e não

um paralelo a ela, mais adiante será aprofundada. Jenkins, então irá conceituar:

Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes

midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento

migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte

em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma

palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas,

culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar

falando. (JENKINS, 2009, p. 29).

A inteligência coletiva, por sua vez, é um termo que, em seu sentido, Jenkins toma

emprestado de Pierre Levy (1999), que o define originalmente como sendo “uma inteligência

distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta uma

mobilização efetiva das competências” ( LÉVY, 1999, p. 28). Jenkins irá acrescentar que dentro do

cenário contemporâneo, a inteligência coletiva dever entendida também enquanto os processos que

dizem respeito aos novos modos de se consumir conteúdos, serviços, produtos, informações em

conjunto, processos esses que adquirem tons de um poder midiático. Quanto à cultura participativa

Jenkins diz:

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a

passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre

produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados,

podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um

novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. (JENKINS,

2009, p. 30).

Um exemplo notável de como estas facetas da cultura da convergência se interrelacionam na

prática são o caso do crowdsourcing e do crowdfunding. O primeiro termo irá dizer respeito a um

modelo de produção que surge enquanto alternativa ao tradicional outsourcing (serviço terceirizado)

ao contar em seus processos de criação com a mão-de-obra e com o conhecimento coletivo. É acima

de tudo um processo colaborativo onde o aperfeiçoamento é constante e o público também

desempenha papel fundamental na produção. O crowdsourcing quando trabalhado de maneira

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adequada pode ser bastante vantajoso a começar com a redução dos preços que envolvem pesquisas

de mercado, quadro de funcionários, soluções de problemas e no próprio desenvolvimento de

projetos, além dos laços afetivos que passam a surgir entre a marca e os consumidores. A gigante do

ramo das vídeo-locadoras, Netflix; a Wikipedia, a enciclopédia que revolucionou o acesso ao

conhecimento na era digital; o sistema operacional Linux e a empresa brasileira especializada em

crowdsourcing, Ideas.me, são exemplos significativos dos resultados proveitosos desse método.

Não seria surpreendente supor que o crowdsourcing é o modelo que mais se adeque a realidade do

consumidor contemporâneo.

Em via paralela, o crowdfunding, que nada mais é do que um financiamento coletivo, que

ocorre geralmente em ambiente virtual; um dado público se organiza e paga previamente pela

produção e execução de um dado projeto; em troca aqueles que o propuseram, geralmente,

oferecerão algum tipo de compensação ou recompensa aos seus financiadores. Um dos maiores

exemplos do crowdfunding dentro do cenário brasileiro é a empresa online, Cartase.me, que desde

2011 vem se tornando referência no gênero viabilizando inúmeros projetos nos mais diversos

setores. Assim, quem consome pode participar diretamente na produção e também possibilitar

produções que não estarão necessariamente condicionadas pelo mercado. Estes aspectos são apenas

alguns dos traços apresentados por esses processos que não apenas agrega, valores à produção,

como pode também criar uma relação acolhedora entre entre o produtor, o receptor e obra.

5.3 CROSSMÍDIA E TRANSMÍDIA

Agora cabe perguntar os efeitos desse panorama comunicacional nas narrativas e a

posteriori nas histórias em quadrinhos. Se a relação do receptor com a produção midiática pode ser

alterada, tanto do ponto de vista da emissão quanto da recepção, criando novos sentidos para o

discurso comunicacional, novas possibilidades de interação, então certamente a convergência

midiática impactará em algum sentido nas narrativas. Aqui será o objeto entender como a

convergência influenciou a dinâmica dos canais em que se veiculam a narrativa. Até o presente

momento, no que diz respeito aos suportes, vão se consolidando duas lógicas da construção

narrativa: o crossmedia e o transmedia storrytelling.

Uma narrativa crossmidiática, é um derivado do crossmídia, que pode ser definido como o

processo através do qual um dado conteúdo, originalmente veiculado em uma dada mídia, é

transportado e adaptado a um outro suporte midiático e a seus recursos. Ainda que se estabeleça

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dentro da cultura da convergência, não é um fenômeno particular a esta, já que narrativas são

adaptadas a outras formas de comunicação desde sempre, basta citar a multiplicidade de mitos que

se tornaram pinturas, esculturas, romances, peças de teatro etc. Portanto, uma narrativa que é

interpretada em outro veiculo diferente daquele original, que é suportado a partir de outras

estruturas de comunicação, sendo condicionada por estas, será uma narrativa que se estabeleceu

crossmidiáticamente. Como é o caso da adaptação cinematográfica de O Segredo de Licorne, a qual

se referiu no capitulo anterior. Esse tipo de narrativa sofre alterações na sua composição original, os

níveis da narrativa uma vez se relacionando com particularidades de diferentes meios, se

estabelecem em diferente sentidos. É portanto assim, que um filme de uma história em quadrinhos

nunca será capaz de transmitir a mesma narrativa de forma idêntica como ela é apresentada em seu

meio original. Uma narrativa oral se difere de uma narrativa textual. O mesmo ocorre com qualquer

linguagem semiótica. Isso por que cada meio em seus processos de funcionamento demanda do

receptor percepções diversas, uma história em quadrinhos é um meio predominantemente visual, o

cinema audiovisual, assim, ainda que O Segredo de Licorne do cinema remeta a mesma narrativa

presente na obra de Hergé, os seus métodos de exposição e descrição, a construção dos seus

personagens, a composição de mundo, a narração, em suma, tudo que estrutura a narrativa será

desencadeado por processos diferentes.

Em outra linha, a convergência midiática viabilizou um fenômeno narrativo particular ao

seu contexto: a narrativa transmidiática. Se o método crossmidiático estabelecia uma transposição

independente entre diferentes meios de uma mesma narrativa, o modelo transmidiático irá contrapô-

lo a partir de uma mesma narrativa que se desenrola em diferentes meios, a partir de um único

sentido. Jenkins conceitua da seguinte forma:

A narrativa transmidiática refere-se a uma nova estética que surgiu em resposta à

convergência das mídias – uma estética que faz novas exigências aos consumidores

e depende da participação ativa de comunidades de conhecimento. A narrativa

transmidiática é a arte da criação de um universo. Para viver uma experiência plena

num universo ficcional, os consumidores devem assumir o papel de caçadores e

coletores, perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais, comparando

suas observações com as de outros fãs , em grupos de discussão on-line, e

colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e energia tenham

uma experiência de entretenimento mais rica. (JENKINS, 2009, p. 49).

A narrativa transmidiática se consiste na forma na qual se pode aliar a ideia de uma cultura

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participativa, de uma inteligência coletiva com as possibilidades dos diversos meios que se tem a

disposição na construção de um conteúdo. Um universo narrativo que se expande em diversos

setores midiáticos e em cada um deles, vai construindo partes diferentes da trama geral. Esse tipo de

narrativa lança o receptor numa jornada de coleta e discussões entre outros receptores para que seja

capaz de se ter a experiência completa.

Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim

de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão,

romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou

experimentado como atração de um parque de diversões. (JENKINS, 2009, p.138).

Assim ao se estabelecer enquanto um universo em continua expansão, a narrativa transmídia

consolidará, quase sempre, uma franquia. Rocha defende:

Cria-se uma franquia em volta do produto principal e cada acesso a essa franquia

deve ser autônomo, para que não seja necessário ler os quadrinhos para entender o

filme ou o game, e vice-versa. Cada um dos produtos criados é um ponto de acesso

à franquia como um todo. A compreensão obtida por meio das diversas mídias

sustenta a profundidade da experiência que leva o público consumidor a consumir.

Para que o processo de transmídia ocorra com sucesso em meio aos fãs, as histórias

não devem ser redundantes. Elas devem sempre devem oferecer novos níveis de

revelação e experiência, sempre trazendo algo a mais para o universo criado em

torno da obra principal, renovando assim a franquia e sustentando a fidelidade do

consumidor. Se as narrativas paralelas não se completarem ou por algum motivo

começarem a se repetir ou a não trazer nenhuma novidade, acaba fazendo com que

os fãs percam o interesse e acabem migrando para outra franquia melhor

executada. Mídias diferentes atraem públicos diferentes, essa é a lógica econômica

de uma indústria de entretenimento integrada horizontalmente, ou seja, onde uma

única empresa tem empreendimentos por várias mídias diferentes. Sabe-se que

filmes e televisão tem maior diversidade e um maior alcance de público e que

quadrinhos e games são mais restritos, mas uma boa franquia de transmídia

trabalha para atrair públicos múltiplos, simplesmente alterando o tom do conteúdo

de acordo com a mídia. (ROCHA, 2011, p.45 e 46).

As histórias não apenas funcionam como forma de entretenimento, mas também enquanto

canal de abstração, ou ainda, como meio pedagógico. Nesse sentido, histórias influenciam e

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persuadem as pessoas em níveis completamente diferentes e mais eficientes, do que boa parte das

outras manifestações discursivas. Talvez o maior exemplo prático de narrativa transmidiática seja a

franquia Star Wars, que desde seu inicio teve seu conteúdo abordado a partir de diferentes

plataformas como cinema, literatura, histórias em quadrinhos, jogos eletrônicos, brinquedos, entre

outros, sendo que em cada um destes canais a narrativa adquire um novo contorno, tem adicionado

algo de novo a história central, de modo que aqueles que podem ter acesso a essas plataformas

obtém uma experiência narrativa mais significante. O resultado direto desse quadro é a franquia

criada por George Lucas, que há mais de 30 anos segue forte no mercado, movimentando milhões

de dólares ao ano.

Tanto a narrativa crossmídia quanto a transmídia mudam a forma tradicional através das

quais o receptor irá interagir e receber a narrativa, já que estas irão demandar outros processos

perceptivos. Não há espaço aqui para que se individue as estruturas das narrativas que se utilizam

destes processos, mas nem por isso deve ser pressuposto serem as mesmas trabalhadas por Barthes,

ou que se estabeleçam no mesmo modo de significação. Para que se chegue a alguma conclusão

prévia a respeito dos modos de estruturação de tais tipos narrativos ainda há muita pesquisa a ser

feita. Aqui apenas buscou-se apontar como os novos mecanismos da cultura midiática começaram a

afetar diretamente os modos das sociedade falar consigo mesmo, afinal, a narrativa é um discurso

social. Assim, nesse primeiro momento, chega-se a conclusão de que a convergência midiática criou

novas condições de comunicação narrativa, como essa comunicação funcionará, em que níveis irão

interagir com o receptor dela, qual o papel dentro do sentido narrativo desta interação, os

mecanismos de produção, a contextualização sociocultural, essas e outras questões devem ser objeto

de pesquisas subsequentes. Aqui, nesta monografia em especifico, apenas se tentou contextualizar

brevemente este quadro e algumas de suas implicâncias. A seguir, serão feitas algumas

considerações quanto a adequação das histórias em quadrinhos neste cenário.

5.4 OS QUADRINHOS E A CONVERGÊNCIA

O advento das novas tecnologias, sobretudo a internet, acarretou em novas possibilidades

para os quadrinhos, tanto em questões de produção quanto de recepção. A modificação mais drástica

que pode-se apontar, em primeira análise, é a mudança do suporte midiático, que começa a transitar

do plano físico para o digital, estabelecendo toda uma nova lógica comunicacional. Para veicular

um quadrinho, o artista não precisa mais recorrer as grandes editoras que instituem a lógica do

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mercado; muito menos para produzir. O formato digital não substitui o material impresso, mas surge

enquanto alternativa para artistas que estão começando a divulgar seu trabalho. Por ser um veiculo

de custo de produção relativamente barato, o quadrinista basta publicar seus trabalhos na internet

através de blogues, rede sociais, sites etc. para colocá-lo em contato com o seu público. O Deviant.

Art, uma espécie de rede social mesclada com portfólio digital, por exemplo, é uma plataforma

inteiramente voltada para o compartilhamento de trabalhos artísticos, na qual muitos quadrinistas

iniciantes começam a divulgar seus trabalhos. Assim, a produção independentemente ganha força

muito maior, o contato entre o artista e o seu público se torna mais direto, como acontece no caso

dos irmãos Gabriel Bá e Fábio Moon, criadores da aclamada série, Daytripper (2010), que mesmo

após sua consagração, ainda mantêm seu blog de tiras semanais, vinculado a redes sociais de amplo

compartilhamento de conteúdo como o Facebook, Twitter e Flickr, mantendo a partir destas

plataformas contato direto com seus leitores e destes recebendo feedback contínuo. Os quadrinistas

podem também recorrer ao crowdfunding para publicarem suas obras, como faz Fábio Yabu com

seus Combo Rangers a partir do Catarse.me. A questão é que os quadrinhos se tornam objetos das

modificações culturais. Sua contextualização social na atualidade é completamente diversa da que

tinha há 50 anos, os mercados, os nichos, as condições de produção, a interação entre quem faz e

quem lê, são outras. Qualquer análise historiográfica pode deixar claro tal constatação, afinal, uma

mídia que em dado momento histórico é apenas um encarte semanal de jornal se tornar o meio a

partir do qual se estabelecem franquias que posteriormente se tornaram alguns dos maiores sucessos

da história do cinema, como as adaptações de Batman dirigidas por Chirstopher Nolan ou mais

recentemente, de Vingadores (2012), é no mínimo um grande indicio do impacto de tais mudanças.

Os quadrinhos, seja pelo seu baixo custo de produção, pela grande ascensão e consolidação

das franquias que surgem nele, por condições culturais, mercadológicas, midiáticas, seja pelo

motivo que o for, estão no centro do fenômeno transmidiático. Em nível crossmidiático, sempre

esteve, afinal, quantos filmes, desenhos animados, jogos e brinquedos de personagens originalmente

surgidos nos quadrinhos não foram produzidos nas últimas décadas? Quantas narrativas gráficas

não foram traduzidas para outros meios? Os exemplos estão em toda parte, o leitor há de convir de

que não há necessidade de indicá-los. A questão é que os quadrinhos estão presentes também nas

narrativas transmídias, como Matrix, Star Wars, Lost, Vingadores, Resident Evil, Walking Dead,

Smallville etc. Todas as principais manifestações deste processo, contaram com abordagens em

cima das histórias em quadrinhos. Em maior ou menor grau, a narrativa que é veiculada no

quadrinho participa na composição da trama geral, isso quando não é o caso de ser a trama

principal, acrescentando, esclarecendo ou lançando outras interpretações para a narrativa.

Dentro do panorama geral da convergência, emergiram-se ainda, duas formas particulares de

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se produzir quadrinhos, em ambiente digital: o motion-comics e o webcomics. A primeira categoria

refere-se a uma hibridização midiática entre a história em quadrinhos e o desenho animado. Ainda

que se utilize dos recursos dos meios audiovisuais, como o som e o movimento, enquanto mantiver

a lógica da representação gráfica, da sequencia visual estabelecida nos enquadramentos e da

necessidade de uma conclusão sematicamente articuladas a partir de uma narrativa, o motion-

comics não deixa de ser quadrinho; no entanto, uma vez ultrapassada esta linha de estruturação do

que de fato é quadrinho, pode se tornar um animação que se vale do vocabulário linguístico dos

quadrinhos, sendo assim,o motion-comics um ponto de transição entre as duas mídias narrativas.

Yuge, acrescenta ao afirmar que tratam-se de: “uma espécie de revista (em quadrinhos) em

movimento, com a narrativa tradicional (dos quadrinhos) acrescida de efeitos de câmera e áudio.”

(YUGE, 2009)7. As imagens a seguir, são espécie de “frames”, por assim dizer, de duas motion-

comics distintas. Percebe-se em primeira análise, em ambos os casos, a presença de um fluxo

narrativo, uma lógica de enquadramento sequencial e conclusão, além de um vasto vocabulário

imagético. Todas as estruturas se articulando tal qual se foi defendido nos capítulos anteriores.

7 YUGE, Claudio.“''Motion Comics'': futuro dos quadrinhos? Bonde, 20 de fevereiro de 2009. Disponível em:

< http://www.bonde.com.br/bonde.php?id_bonde=1-14--24-20090220 > Acesso em: 18 jan 2013.

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Figura 7: Angry Birds: The Motion Comic8, adaptação feita por fãs9, do popular jogo desenvolvido

pela Rovio Mobile.

8 Disponível em: < http://geek-news.mtv.com/2011/08/11/awesome-fan-made-angry-birds-motion-comic-video/ > Acesso em: 18 jan. 20139 Poucos exemplos seriam tão emblemáticos da cultura da convergência quanto este caso. Angry Birds é uma franquia

de jogos eletrônicos disponibilizados em uma série de diferentes plataformas (iOS, BlackBerry PlayBook, Xbox 360,

PC, PSP, PlayStation 3,PS Vita, Mac OS X, Android, WebOS, Maemo, Symbian^3, uma versão para o navegador

Chrome, do Google e outra para Facebook), de diferentes versões, inclusive uma de Star Wars, em brinquedos, pelúcias,

jogos analógicos etc, que neste exemplo foi apropriada por fãs que lhe deram uma narrativização em outra mídia e a

divulgaram em uma das maiores plataformas de compartilhamento da internet: o Youtube. É a cultura participativa e a

inteligência coletiva em plena ação.

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Figura 8: Spider-Woman, motion-comic criada por Brian Michael Bendis e Alex Maleev,

veiculada inteiramente em ambiente digital, entre 2009 e 2010 pela editora Marvel.

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Os webcomics, numa visão geral, refere-se a todo quadrinho que é publicado

exclusivamente em ambiente digital (inclusive o motion-comics). É o modo de se consumir e

produzir quadrinhos, cujo suporte de sua veiculação seja necessariamente a internet. Lopes

acrescenta:

Os webcomics subdividem-se em três grupos: o grupo das webcomics digitais

“puras”, que englobam a grande maioria das webcomics, o grupo das webcomics

digitais interativas, que ainda são minoria devido a diversos fatores (dentre os quais

a falta de conhecimento acerca da correta utilização dos programas de animação, o

que afasta os desenhistas de quadrinho e a largura de banda ainda insuficiente que

ainda não permite que tais experimentações demonstrem todo seu potencial, sob a

pena de tornar a navegação excessivamente lenta) e, finalmente, as webcomics

analógicas. De uma maneira geral, estas webcomics analógicas são desenhadas e

roteirizadas por entusiastas e fãs dos quadrinhos, não por desenhistas e roteiristas

profissionais, possuindo um nível de qualidade artística bastante inferior as

iniciativas elaboradas por profissionais tecnicamente melhor preparados e roteiros

por demais ralos, sendo desprovidas de qualquer tipo de pretensão comercial

mercadológica. (LOPES, 2008 p.51 e 52)

Figura 9: Penny Arcade, clássica série de quadrinhos digitais, publicada desde 1998.

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Figura 10: Página da webcomic do jogo Cave Days10, que não é um exemplo apenas de quadrinho

digital, mas também de narrativa transmidiática, já que o sentido da trama construída no jogo é

completado por aquele estabelecido na série em quadrinhos.

10 Disponível em < http://www.cavedays.net/fun-stuff/web-comics/ > Aceso em: 18 jan. 2013

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Figura 11: Sobre Deuses, webcomic criada pelo autor desta monografia.

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Figura 12: Exemplo de quadrinho interativo11, em que o leitor ao passar o cursor de seu mouse ao

longo do último quadro, movimenta-se pelo cenário que dá continuidade ao sentido da história,

completando sua experiência de leitura.

Em todas as páginas acima, inclusive no exemplo de interatividade, individua-se facilmente

a mesma composição de elementos, no que diz respeito aos modos de estruturação de sentido

presente em qualquer história em quadrinhos analógica. As mesmas considerações que foram feitas

aos exemplos de motion-comics aplicam-se aqui. No quadrinho interativo por exemplo, a

possibilidade de poder se movimentar através de um dos enquadramentos, de fato brinca com o

processo da conclusão que se espera do receptor, mas esse recurso é utilizado como um elemento

narrativo que dá sentido ao todo da história, estando em completa sincronia com aquilo que é

estabelecido na sequencia de enquadramentos anteriores. O próprio cenário interativo se compõe de

11 Disponível em < http://xkcd.com/1110/ > Acesso em: 18 jan. 2013

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uma sequencia lógica de fatos que ocorrem dentro da trama geral exposta pelo narrador.

Ao que tudo indica, em primeira análise, tanto os webcomics quanto os motion-comics ainda

serão formas de quadrinho. Afinal, ainda é possível considerá-los enquanto “imagens pictóricas e

outras justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e ou produzir uma

resposta no espectador.”. (MCCLOUD, 2005, p.12). Não importa os níveis de interatividade e de

hibridização, não importa a mudança no suporte, desde o modo como a narrativa é estruturada neste

suporte, mantenha as características de articulação individuadas na sistematização do quadrinho

tradicional. Haverão manifestações destas formas de quadrinhos que se utilizaram do movimento

dentro de um recorte, de enquadramentos, que dispensarão o balão e outras representações gráficas

da sonoridade, que irão utilizar recursos interativos de outros meios etc. mas se a constituição

narrativa for, mais ou menos mantida, a partir da mesma lógica que na história em quadrinhos

tradicional, não irão se diferir em nível conceitual. Obviamente, haverão pontos de ruptura, quando

o uso excessivo de plataformas interativas implicarão numa outra definição para a mídia, ou ao

menos outra classificação. É necessário para tanto, que se faça análises mais aprofundadas e de

exemplos mais diversos, que se contraponha tais análises com análises de quadrinhos analógicos, de

materiais de outras mídias para que se possa afirmar com certeza o processo de estruturação do

quadrinho digital. Ao momento, buscou-se apenas indicar brevemente as primeiras semelhanças

encontradas entre o quadrinho digital e contextualização que se fez do meio nos capítulos

anteriores.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez o grande feito deste trabalho seja, antes de mais nada, ter estabelecido uma

perspectiva metodológica que problematize as histórias em quadrinhos, longe das clássicas

abordagens derivativas e historiográficas. Tentou-se aqui entender o quadrinho, a partir daquilo que

o compõe, do que lhe dá sentindo, isto é, de suas estruturas internas. Na medida do possível,

buscou-se individuar uma análise linguística e estruturalista dos quadrinhos. Até o presente

momento, acredita-se que ao menos enquanto proposta de direção metodológica a outros

pesquisadores, possa ter acrescentado aos estudos na área alguma coisa.

Foi possível estabelecer, a partir de toda a discussão realizada no segundo capítulo uma

definição estruturalista das histórias em quadrinhos, que a saber, pode ser resumida da seguinte

forma: o processo narrativo constituído a partir de representações imagéticas, cujo fluxo temporal

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dá-se pela da disposição sequencial destas representações, que podem ou não estarem contidas

dentro de um enquadramento, pressupondo nesse sentido, interação e cumplicidade por parte do

receptor; e veiculado a partir de algum tipo de suporte.

Esta definição foi a base para se individuar os elementos de uma linguística dos quadrinhos,

que se correlacionasse às concepções barthesianas da narrativa. Tentou-se, com efeito, aplicar tais

concepções em um exemplo prático de história em quadrinhos, indicando na mesma as articulações

entre suas estruturas na construção do sentido narrativo. Posteriormente contextualizou-se as

mudanças do cenário midiático contemporâneo a partir, sobretudo, na perspectiva de Henry Jenkins,

procurando apontar como a história em quadrinhos se relaciona com este quadro geral.

O presente quadro midiático indica de fato um conjunto de mudanças que abarca todo o

contexto sociocultural, impactando, com efeito, na forma em como os indivíduos se relacionam com

suas produções midiáticas e simbólicas. Novas lógicas de consumo comunicacional vão se

estabelecendo. Novos sentidos de produção também. A sociedade está em transição. Novas mídias

surgem antes que todos possam ter acesso ou saberem utilizar as que já estão inseridas. Jenkins

acrescenta:

A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A

convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados,

gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática

opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento.

Lembrem-se disto: a convergência refere-se a um processo, não a um ponto final.

Não haverá uma caixa preta que controlará o fluxo midiático para dentro de nossas

casas. Graças à proliferação de canais e à portabilidade das novas tecnologias de

informática e telecomunicações, estamos entrando numa era em que haverá mídias

em todos os lugares. A convergência não é algo que vai acontecer um dia, quando

tivermos banda larga suficiente ou quando descobrirmos a configuração correta dos

aparelhos. Prontos ou não, já estamos vivendo numa cultura da convergência

(JENKINS, 2009, p. 43).

Respondendo a questão levantada ao inicio desta monografia, sim, as transformações

socioculturais, resultantes das inserções de novas mídias influem em alterações de sentido nas

mídias já inseridas. Estas alterações, podem ser inúmeras, de acordo com a perspectiva que adote. A

conclusão que se chega nesse primeiro momento é que no caso das histórias em quadrinhos, há

significativas mudanças em seu status quo, tendo se consolidado como um forte veiculo de

comunicação, estando no epicentro das principais manifestações da cultura da convergência, como

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visto no capitulo anterior, o que resultou em mudanças no modo de produção, na dinâmica da

interação entre quem emite e quem recebe, nos processos de veiculação e no suporte. A alteração no

suporte do processo midiático não é um fenômeno novo, a transição do suporte físico ao digital é

uma mudança análoga, numa livre abstração, ao surgimento do quadrinho moderno com o advento

da produção em série, de modo que mais uma vez se tem uma aprimoração estrutural do meio. Aqui

não se procurou adentrar nas significações que essa mudança no suporte implica, se um suporte irá

substituir outro etc, nem se aprofundou na problemática da interação, procurou-se apenas fazer uma

contextualização geral do quadrinho em tal cenário.

Do ponto de vista estrutural, a mesma definição estabelecida anteriormente para o meio

ainda se faz válida, mesmo que crie a necessidade de algumas categorizações, a medida que é

possível perceber em um primeiro instante, que as estruturas internas não são, do ponto de vista

conceitual, modificadas com as mudanças trazidas pela inserção de novas mídias embora as

relações interativas, os modos de produção, recepção e veiculação, sejam fortemente impactados.

Obviamente, a evolução da tecnologia viabiliza novas possibilidades que irão em muito acrescentar

à “experiência” do quadrinho, sendo no vocabulário imagético aonde irá se significar com maior

força tais mudanças. No capitulo anterior, fez-se algumas breves considerações quanto a

estruturação do quadrinho em ambiente digital, sendo que em nenhum dos exemplos utilizados foi

possível individuar alguma mudança significativa em suas articulações internas na composição de

sentido narrativo em relação, por exemplo, ao que se expôs na análise de O Segredo de Licorne.

Deve-se atentar no entanto, que análises mais complexas podem mostrar resultados diferentes, levar

a conclusões diferentes. Enquanto premissa de uma definição estruturalista, a abordagem aqui

proposta, foi de grande valia. Fica em aberto agora, o caminho para pesquisas mais aprofundadas

que sejam capazes de embasar ou de contradizer tal definição. Na presente ocasião, mesmo diante

da série de mudanças midiáticas expostas por Jenkins, a abordagem estruturalista se manteve.

Enquanto criador de webcomics, posso defender que em meu processo de criação, não fujo

as regras de estruturação do quadrinho tradicional, como é facilmente observado na figura 11, é

claro que outros autores podem o fazer de maneira diferente, o que implica num detalhado estudo

dos diversos modos do processo criativo, o que ao momento, me parece algo inviável a uma

abordagem estruturalista. Por fim, recorra-se uma vez mais a Jenkins, agora para concluir está

monografia, que traz uma excelente questão que aqui preferiu-se deixar em aberto:

Para uma definição de meios de comunicação, recorramos à historiadora Lisa

Gitelman, que oferece um modelo de mídia que trabalha em dois níveis: no

primeiro, um meio é uma tecnologia que permite a comunicação; no segundo, um

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meio é um conjunto de “protocolos ” associados ou práticas sociais e culturais que

cresceram em torno dessa tecnologia. Sistemas de distribuição são apenas e

simplesmente tecnologias ; meios de comunicação são também sistemas culturais.

Tecnologias de distribuição vêm e vão o tempo todo, mas os meios de comunicação

persistem como camadas dentro de um estrato de entretenimento e informação cada

vez mais complicado. […] uma vez que um meio se estabelece, ao satisfazer

alguma demanda humana essencial, ele continua a funcionar dentro de um sistema

maior de opções de comunicação. (JENKINS, 2009, p.41).

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