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ESTUDOS E PESQUISAS Nº 471
A Armadilha do Baixo Crescimento
Affonso Celso Pastore,* Marcelo Gazzano e Maria Cristina Pinotti
XXV Fórum Nacional (Jubileu de Prata – 1988/2013)
O Brasil de Amanhã. Transformar Crise em Oportunidade.
Rio de Janeiro, 13-16 de maio de 2013
* Coordenador-Geral do Fórum Nacional. Versão Preliminar – Texto sujeito à revisões pelo(s) autor(es). Copyright © 2012- INAE - Instituto Nacional de Altos Estudos. Todos os direitos reservados. Permitida a cópia desde que citada a fonte. All rights reserved. Copy permitted since source cited. INAE - Instituto Nacional de Altos Estudos - Rua Sete de Setembro, 71 - 8º andar - Rio de Janeiro - 20050-005 - Tel.: (21) 2212-5200 - Fax: (21) 2212-5214- E-mail: [email protected] - web: http://forumnacional.org.br
A ARMADILHA DO BAIXO CRESCIMENTO
(primeira versão)
Affonso Celso Pastore
Marcelo Gazzano
Maria Cristina Pinotti
O que explica a queda da taxa de investimentos e o baixo crescimento econômico
brasileiro após a crise internacional? Os países industrializados ainda sofrem as
consequências da crise internacional, com taxas de crescimento baixas (como é o
caso dos Estados Unidos), ou permanecendo em recessão (como é o caso dos países
da Europa), mas este não é o caso da grande maioria dos países emergentes. O
Brasil tem tido um desempenho pior do que a média dos países emergentes, mas não
pode atribuir este resultado à escassez de demanda, como ocorreu na recessão em
2008/09. A solução para o nosso baixo desempenho não pode ser encontrada nas
políticas contra cíclicas recomendadas por um modelo keynesiano aplicável a uma
economia com elevado desemprego e com escassez de demanda agregada. O
mercado de trabalho mostra evidências de pleno emprego, e o consumo persiste
crescendo, negando a hipótese de escassez de demanda. Nosso baixo crescimento
está ligado a um problema de oferta, com as taxas baixas de investimento
desacelerando o crescimento do PIB potencial.
A partir da crise internacional economia brasileira tem mostrado duas características
interligadas: a estagnação da produção industrial; e as baixas taxas de investimento. A
indústria não tem uma participação tão alta quanto o setor de serviços nem no PIB1,
nem no mercado de trabalho2, mas é um setor intensivo em capital, e a queda na sua
formação bruta de capital fixo tem um peso elevado na determinação do valor dos
investimentos para a economia como um todo. Quer devido ao crescimento do custo
unitário do trabalho medido em reais, quer devido à valorização cambial, nos últimos
anos caíram os lucros do setor industrial. Sem que melhorem as perspectivas de lucro,
elevando as taxas de retorno esperadas sobre os investimentos em capital fixo, e sem
que a elevação dos lucros retidos contribua para financiar uma parcela elevada dos
investimentos, reduz-se a formação bruta de capital fixo, e não há como melhorar o
desempenho da indústria.
1A participação da indústria está em torno de 25% e a do setor de serviços em torno de 69%. 2 De acordo com as contas nacionais de 2009 o setor de serviços empregava em torno de 60 milhões de pessoas, e a indústria de transformação empregava em torno de 13 milhões.
Nas duas primeiras seções deste trabalho analisamos as forças por trás da queda dos
lucros na indústria: a pressão no mercado de trabalho; e a valorização cambial. A
depreciação cambial relevante para recompor a rentabilidade do setor industrial não é
a do câmbio nominal, e sim do câmbio real, que é um preço relativo – entre bens
tradables e non-tradables, e a sua depreciação implica na queda dos salários reais em
termos dos preços de bens tradables, que é uma tarefa que requer a necessária
austeridade fiscal e monetária. Em adição, este não é um ajuste passível de ser
realizado a curto prazo, devendo ser acompanhado de reformas estruturais que
reduzam a proteção tarifária e não tarifária. A longo prazo colhe-se o benefício do
aumento dos investimentos na indústria, acelerando o crescimento, mas a curto prazo
ocorrerá a queda de salários reais e o afrouxamento do mercado de trabalho, o que
torna este ajuste inconveniente para um governo que busca a reeleição.
O governo rejeita este diagnóstico e prefere o da ampliação da demanda.
Implicitamente rejeita que o Brasil vive atualmente uma insuficiência de crescimento
da oferta agregada – ou do PIB potencial -, sustentando que a baixa taxa de
investimentos será superada com a ampliação da demanda agregada. Para ele a
chave para a retomada dos investimentos é a ampliação do consumo, proveniente dos
estímulos fiscais. Na terceira seção deste trabalho mostramos, com base nos
superávits primários livres dos efeitos da contabilidade criativa do governo, que são os
relevantes para aferir seus efeitos sobre a demanda agregada, que atualmente a
política fiscal é tão ou mais expansionista do que a praticada em 2010, quando a
economia estava em recessão e o desemprego havia se elevado. Uma de suas
consequencias é a elevação da demanda sem a correspondente ampliação da oferta
agregada, aumentando as pressões sobre a inflação. A outra é que o país já está
próximo de abandonar os limites de prudência em termos de suas consequencias
sobre a dinâmica da dívida.
Na última seção voltamos ao tema da escassez das poupanças domésticas. No Brasil
o financiamento dos investimentos em capital fixo é dependente da absorção da
poupança externa. A política fiscal expansionista; os estímulos ao consumo; e o
desestímulo aos lucros retidos pela indústria vem reduzindo a poupança total
doméstica em relação à taxa de investimentos que vem caindo, mantendo elevadas as
importações líquidas. Durante o ciclo de ganhos de relações de troca era possível
absorver a poupança externa sem um efeito grande sobre os déficits em contas
correntes. Mas este ciclo está chegando ao fim, e as políticas macroeconômicas
postas em prática pelo governo devem continuar ampliando a absorção relativamente
ao PIB, ou, em outras palavras, ampliando a distância entre uma taxa baixa de
investimentos, e uma taxa ainda mais baixa de poupanças domésticas, com reflexos
no aumento do déficit em contas correntes.
PLENO EMPREGO E CUSTO UNITÁRIO DO TRABALHO EM REAIS
Contrariamente ao setor de serviços, que é fechado ao comércio internacional, a
indústria está exposta à competição das importações, e não tem uma maior liberdade
de repassar aumentos de custos para preços. Quando o custo unitário do trabalho
medido em reais se eleva as margens de lucro se estreitam, desestimulando os
investimentos em capital fixo.
A elevação dos salários reais provocada pelas taxas de desemprego nos mínimos
valores históricos não seria um problema para a indústria caso ocorresse o
correspondente aumento da produtividade média do trabalho. Um aumento de salários
de 10%, por exemplo, não levaria a nenhum aumento de custo caso a produtividade
média do trabalho também se elevasse em 10%. No gráfico 1 são superpostos os
salários reais médios e a produtividade média do trabalho na indústria. Os dados são
provenientes da PIMES (Pesquisa Mensal.de Emprego e Salários), do IBGE.
Contrariamente ao que ocorria no período anterior a 2008, quando a taxa de aumento
dos salários reais médios era semelhante à de crescimento da produtividade média do
trabalho na indústria, desde o início de 2010 (à direita da linha vertical, no gráfico 1) a
produtividade vem caindo ao lado da continuidade do crescimento dos salários reais.
Gráfico 1 – Salários reais e produtividade média do trabalho
A evolução do custo unitário do trabalho medido em reais (salários reais divididos pela
produtividade média) está no gráfico 2. Ele declinou entre 2001 e 2003, passando a
oscilar em torno de um valor estável entre 2003 e 2007, e depois de um salto anômalo
(que será explicado em seguida) durante a recessão de 2008/09, voltou no início de
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ProdutividadeSalário Médio Real
2010 ao mesmo nível médio ocorrido entre 2003 e 2007. Daí em diante, contudo,
passou a mostrar uma forte tendência de crescimento, que elevou seu valor médio,
nos últimos meses, situando-se atualmente em torno de 16% acima do ocorrido entre
2003 e 2007.
Gráfico 2 – Custo Unitário médio do trabalho em reais na indústria
Antes de mostrar as evidências de que o aumento do custo unitário do trabalho a partir
de 2010 é em grande parte o responsável pelo mau desempenho da indústria, é
importante esclarecer: a) o que explica o salto temporário ocorrido em 2008/2009; b)
por que a produtividade da mão de obra parou de crescer a partir de 2010. A razão
para estes dois comportamentos está nos movimentos pró-cíclicos da produtividade do
trabalho. Há na indústria (tanto quanto nos demais setores da economia) um claro
processo de retenção de mão de obra. Os custos de contratar, treinar, despedir
trabalhadores inibem as demissões, e fazem com que em prazos mais curtos as
oscilações da produção sejam absorvidas por variações nas horas trabalhadas,
somente ocorrendo dispensas em prazos mais longos. Ou seja, a curto prazo quedas
(elevações) da produção industrial acarretam quedas (elevações) pequenas no nível
de emprego industrial, com respostas mais acentuadas na intensidade na qual o
trabalho é utilizado, mudando as horas trabalhadas, por exemplo, o que afeta mais
intensamente a produtividade média do trabalho. No apêndice mostramos evidências
empíricas da importância da retenção de mão de obra na indústria. Como se vê no
gráfico 3, em 2010 a queda da produção industrial foi acompanhada de uma queda
forte da produtividade (usamos a mesma escala para permitir a comparação das
distâncias verticais), com uma queda muito menor do emprego industrial3. Da mesma
3 Em outubro de 2008 a produção industrial e a produtividade média da mão de obra começam a sua queda livre, Entre o pico e o vale, que ocorreu (em dezembro de 2008, a produção caiu mais de 20 pontos, com uma queda apenas um pouco abaixo de 20 pontos da produtividade.
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forma, a estagnação da produção entre 2010 e a metade de 2011, e sua queda para
um patamar um pouco mais baixo, a partir de 2011, foram acompanhados por
movimentos muito semelhantes na produtividade média da mão de obra.
Gráfico 3 – Industria: produção, produtividade e emprego
Que reflexos esta elevação teve sobre a produção industrial? Para responder a esta
questão utilizaremos um modelo explicativo do comportamento do hiato da produção
industrial, mas antes de apresentar os resultados é importante explicar qual é o
significado desta variável. No gráfico 4 superpomos o hiato da produção industrial4 aos
desvios do NUCI ( nível de utilização da capacidade instalada na indústria) da FGV
com relação à sua tendência5. A aderência entre as duas séries mostra claramente
que o hiato da produção industrial é uma excelente medida das flutuações na
utilização de capacidade instalada na indústria. Nossa hipótese é de que a queda da
utilização de capacidade (ou do hiato da produção) ocorrida do início de 2010 em
diante é explicada predominantemente pelo aumento do custo unitário do trabalho,
levando a uma contração da oferta.
Nesse mesmo período o nível de emprego quase não caiu. Ele inicia um ajuste mais lento, que somente termina em junho de 2009, com uma queda total entre o pico e o vale de apenas 8 pontos porcentuais. É obviamente uma queda muito pequena (e bem mais lenta) do que a queda da produtividade, mostrando que o emprego de fato se ajusta lentamente. Isto é a uma consequência da retenção de trabalho. 4 Ele é dado pelos desvios da produção industrial com relação à sua tendência, medida por um filtro HP. 5 Também medida por um filtro HP
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ProduçãoProdutividadeEmprego
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Gráfico 4 – Hiatos da produção industrial e do NUCI
Na tabela 1 mostramos a versão atualizada de um modelo usado anteriormente6, no
qual o hiato da produção industrial é explicado por quatro variáveis exógenas: a) a
taxa real de juros de mercado; b) o hiato da produção industrial mundial; c) o custo
unitário do trabalho medido em reais; d) o câmbio real medido com relação à cesta de
moedas. A dinâmica do ajuste é captada pela variável endógena defasada de um
período. São estimadas três versões do modelo. Na equação 1 são incluídos a taxa
real de juros e o custo unitário do trabalho. Na equação 2 adicionamos àquelas duas
variáveis mais uma variável exógena – o hiato da produção industrial mundial.
Finalmente, na equação 3 adicionamos mais uma variável – o câmbio real. Em todas
elas o custo unitário do trabalho e as taxas reais de juros têm o sinal negativo, e
mostram coeficientes com probabilidades muito baixas de terem sido obtidos ao
acaso. Mas na equação 3 a introdução do hiato do mundo mostra-se significante,
mantendo a significância das variáveis que já haviam sido previamente incluídas na
equação 2. Com o auxílio das projeções dinâmicas obtidas a partir destas duas
equações (a 2 e a 3) pode-se mostrar a importância do custo unitário do trabalho na
explicação da queda da utilização de capacidade ocorrida a partir do início de 2010.
6 Ver ...
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Nível de Utilização da Capacidade (FGV)Produção Industrial (IBGE)
Tabela 1 – modelos explicativos do hiato da produção industrial
variáveis Equação 1 Equação 2 Equação 3 Constante 8,029
(2,055) [0,042]
8,373 (2,296) [0,023]
1,052 (0,217) [0,828]
CUT (-1) -6,983 (1,905) [0,059]
-7,209 (2,103) [0,038]
-8,453 (2,474) [0,014]
Juros reais (-8) -0,118 (2,589) [0,011]
-0,132 (3,123) [0,002]
-0,242 (3,775) [0,000]
Dummy crise -13,837 (9,407) [0,000]
-12,416 (8,901) [0,000]
-12,516 (9,117) [0,000]
Hiato do mundo - 39,908 (4,736) [0,000]
45,997 (5,275) [0,000]
Câmbio real - - 2,167 (2,253) [0,026]
Hiato em t-1 0,738 (14,216) [0,000]
0,515 (7,663) [0,000]
0,462 (6,589) [0,000]
R2 S.E.
F
0,841 1,459
164,059
0,865 1,351
157,503
0,871 1,329
136,482 Notas: os números entre parênteses abaixo dos coeficientes são as estatísticas t de Student, e os números entre colchetes são os p-valores.
Comparemos primeiramente as projeções dinâmicas7 obtidas a partir das equações 1
(a linha vermelha) e 2 (a linha verde). Ambas incluem os juros reais e o custo unitário
do trabalho, e a diferença entre elas é que uma inclui e a outra exclui o hiato do
mundo, permitindo responder à questão: será que o contágio do resto do mundo é o
que explica o comportamento da produção industrial a partir do início de 2010? Ocorre
que as duas projeções dinâmicas (a que inclui e a que exclui o hiato do mundo) são
praticamente iguais a partir do início de 2010. Ou seja, à luz das duas projeções
dinâmicas a resposta àquela indagação é obviamente negativa. Ou seja, a partir do
início de 20108 aquele comportamento somente pode ser explicado pelas outras duas
variáveis incluídas: o custo unitário do trabalho e a taxa real de juros. Porém, a taxa
real de juros esteve em queda desde agosto de 2011, e ainda que as defasagens
sejam longas, deveria ter levado a uma elevação da utilização de capacidade (ou do
hiato da produção). A queda ocorrida, portanto, somente pode ser atribuída ao
7 No cálculo das projeções dinâmicas são usados os valores do hiato da produção em t-1 estimado pelo modelo, e não os seus valores efetivamente observados. Com isso evita-se elevar artificialmente o poder explicativo do modelo. 8 O contágio da crise mundial foi muito importante para explicar a queda profunda da produção industrial ocorrida a partir de 2008.
aumento do custo unitário do trabalho medido em reais, que foi elevado, como vimos
nos dados apresentados no gráfico 2. .
Gráfico 5 – hiato da produção industrial e projeções dinâmicas
Note-se que as melhores projeções dinâmicas vêm da equação 3, que inclui o câmbio
real. O câmbio é, também, uma variável importante, e os efeitos da valorização
cambial são analisados em seguida.
A VALORIZAÇÃO CAMBIAL
A indústria de transformação no Brasil tem setores altamente protegidos, como é o
caso do automobilístico, mas é mais aberta ao exterior do que o setor de serviços, e
sofre a competição das importações9. Por isso a valorização cambial afeta as margens
de lucro da indústria. Por várias razões o real veio se valorizando nos últimos anos10, e
uma nova rodada de valorização ocorreu com a injeção de liquidez gerada pela reação
dos países industrializados à crise mundial, particularmente a partir de 2010, quando o
Federal Reserve iniciou um agressivo programa de compra de ativos. Comparando o
valor atingido, nos últimos meses, pelo câmbio real medido com relação à cesta de
9 O Brasil é uma economia bastante fechada ao comércio internacional, mas isto se deve ao peso do setor de serviços, que se eleva em torno de 69% do PIB. Não é o caso nem do agronegócio, nem da indústria. Dividindo as exportações (ou as importações) de produtos manufaturados pelo PIB da indústria (em torno de 25% do total), veremos que a indústria brasileira é um setor bastante mais aberto do que admitido pela média das opiniões. 10 Na crise de confiança ocorrida na transição de FHC para Lula a fuga de capitais gerou uma forte depreciação, mas a adesão por parte do governo Lula à disciplina macroeconômica imposta pelo tripé – das metas de inflação; de superávits primários; e de câmbio flutuante – reduziu riscos, atraindo capitais, ao ponto de que em 2007 o Brasil obteve o reconhecimento do grau de investimento. O aumento dos ingressos de capitais foi uma força importante gerando a valorização do real. A outra foram os ganhos de relações de troca.
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Hiato da Produção IndustrialProjeção da Equação 1Projeção da Equação 2Projeção da Equação 3
moedas, com a média ocorrida no biênio 2005/2006 (quando, coincidentemente, o
câmbio real era aproximadamente igual à média da série em todo o período, mostrada
no gráfico 6) veremos que mesmo depois da depreciação ocorrida em 2011/2012, ele
está em torno de 15% valorizado. A comparação com a média da série, tanto quanto
com a média do biênio de 2005 a 2006 é, obviamente, arbitrária. Embora não haja um
critério objetivo para medir o grau de valorização, contudo, a simples observação dos
dados do gráfico 6 indica que atualmente o câmbio real somente não está mais
valorizado do que no período da âncora cambial, imediatamente posterior ao Plano
Real, e nos primeiros meses de 2011, quando sofreu os efeitos da forte expansão da
liquidez internacional. Para um setor afetado pela competição das importações isto
significa que a indústria perdeu competitividade em comparação à média histórica.
Gráfico 6 – Câmbio real (cesta de moedas) e média da série
Da mesma forma como ocorreu em outros países, o Brasil reagiu aos efeitos das
medidas monetárias não convencionais dos países industrializados elevando os
controles sobre os ingressos de capitais e intensificando as intervenções do Banco
Central no mercado de câmbio. Desde o início de 2011 foram tomadas várias medidas
como, por exemplo, as sucessivas elevações do IOF incidentes em empréstimos em
bonds, ou como a criação de um recolhimento compulsório sobre as posições
vendidas de câmbio por bancos11. Em adição, o Banco Central intensificou as suas
intervenções usando preferencialmente as intervenções no mercado futuro, sem
abandonar, contudo, as intervenções no mercado à vista.
Diante do comportamento dos prêmios de risco ocorrido em 2011 (gráfico 7) não é
possível afirmar que a depreciação que o levou de R$1,60/US$, no terceiro trimestre
11Os controles sobre ingressos de capitais limitaram-se aos ingressos em portfólio de renda fixa, deixando de fora os investimentos estrangeiros diretos e os ingressos em ações.
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Câmbio Real - Cesta de MoedasMédia da Série
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de 2011, para uma média em torno de R$1,80/US$, no período entre essa data o maio
de 2012, possa ser atribuída aos controles sobre ingressos de capitais. Nesse período
ocorreu, também, um aumento no grau internacional de aversão ao risco12, que
reduziu a demanda por ativos brasileiros independentemente do desejo do governo
brasileiro, com efeitos na depreciação do real13. Mas claramente a depreciação
ocorrida a partir de maio de 2012 não tem qualquer ligação com eventos
internacionais, sendo fruto das ações tomadas pelo governo brasileiro, visando o
controle de capitais e as intervenções no mercado de câmbio.
Gráfico 7 – Câmbio nominal e EMBI-Brasil : dados diários
Quando o governo forçou a mudança do regime cambial, passando a partir de maio de
2012 para um regime de bandas estreitas de flutuação – ou de câmbio fixo -, não
faltavam advertências de que a inflação cresceria. Havia dentro do governo o mito,
sem qualquer correspondência com o mundo real, de que o pass-through da
depreciação para os preços não mais existia. Se o governo quisesse recompor
parcialmente a competitividade da indústria usando o câmbio, não poderia agir da 12 De fato, desde que o Brasil foi promovido ao grau de investimento os prêmios de risco de seus títulos de dívida soberana (cuja estimativa é dada pelo EMBI) tornaram-se praticamente independentes dos fundamentos domésticos (como o estoque de reservas; o tamanho da dívida pública, entre outros), passando a oscilar apenas com variáveis ligadas ao mercado internacional, dentre as quais a mais importante é uma medida do grau de aversão ao risco, que pode ser representada pelos spreads dos high yield bonds, ou mesmo pelo índice VIX. 13 O câmbio nominal é um “preço de um ativo” e a curto prazo é formado no mercado de ativos financeiros. Quando a demanda por ativos brasileiros se expande gera dois efeitos: a) se ela for exercida no mercado financeiro internacional eleva os preços dos bônus de dívida soberana e, consequentemente, reduz os seus prêmios de risco; e b) para ser exercida no mercado financeiro doméstico (comprando quaisquer ativos de renda fixa ou variável) produz o ingresso de capitais, valorizando o real. É esta a razão para a correlação positiva existente entre o EMBI-Brasil e o câmbio nominal antes de maio de 2012, e que existia mesmo antes do período mostrado no gráfico. Mas não ocorreu apenas o “descolamento” da taxa cambial com relação ao EMBI-Brasil: antes de maio de 2012 o real mostrava flutuações muito semelhantes às das moedas de países com características semelhantes à brasileira – as commodity currencies -, como o peso chileno e o dólar australiano, entre outras, e esta ligação também se rompeu a partir de maio de 2012.
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I II III IV I II III IV I II III IV I II III IV I II III IV I II2008 2009 2010 2011 2012 2013
Taxa de Câmbio (E)EMBI Brasil (D)
R$/
US
$ b.p.
maneira simplista como agiu a partir de maio de 2012. Não poderia ter se limitado a
depreciar o câmbio nominal na expectativa de que a inflação não cresceria14. Teria
que escolher outro caminho, depreciando o câmbio nominal e simultaneamente pondo
em prática as necessárias austeridades - fiscal e monetária15 - para garantir a
transmissão da depreciação do câmbio nominal predominantemente para o câmbio
real.
Por que? O câmbio real é um preço relativo, entre bens tradables e non-tradables, e
para que o objetivo de recompor a competitividade da indústria fosse atingido a
relação câmbio salários teria que se elevar ou, em outras palavras, teria que ocorrer a
queda dos salários reais em termos dos preços dos bens tradables. Este é um ajuste
custoso, e não seria passível de ser realizado em um prazo curto, e sim ao longo de
extenso período. Em adição, ele não implicaria, apenas, em adotar as medidas
monetárias e fiscais que transformassem a depreciação do câmbio nominal
predominantemente em depreciação do câmbio real, mas também realizar alterações
estruturais importantes.
Por um caminho ou por outro nos últimos tempos o Brasil vem encontrando formas de
elevar o grau de protecionismo da indústria. Depois da crise internacional elevou
tarifas de aproximadamente 100 produtos; passou a usar o mecanismo do preço de
referência, que é apto a questões de dumping, para disfarçadamente elevar tarifas
sobre importações de produtos escolhidos; e tem gerado incidências diferenciadas de
impostos domésticos sobre produtos produzidos no Brasil e importados, de forma a
implicitamente elevar a proteção evadindo-se, nestes casos, de usar ostensivamente
as tarifas. Com isso não somente vem gerando uma estrutura caótica de proteção
efetiva, como vem elevando o grau médio de proteção, esquecendo-se do fato de que
a elevação do grau de proteção leva à valorização do câmbio real de equilíbrio, o que
implicitamente se transforma em um imposto sobre as exportações, prejudicando
predominantemente os produtos manufaturados, que não contam com a bonança
vinda da elevação dos preços internacionais de commodities.
Se quisesse levar a sério o objetivo de incentivar a indústria, recompondo suas
margens de lucro, teria que depreciar o câmbio nominal ao lado das necessárias
14 A inevitável aceleração da inflação ocorreu diante de um processo, já em marcha, de desancoragem de expectativas. Isto levou a um agravamento do controle da inflação. 15 Diante do objetivo de depreciar o real, a preferência teria que cair sobre um maior grau de austeridade fiscal. Com isso a elevação da taxa de juros poderia ser um pouco menor, evitando atrair capitais, que competem contra o objetivo de depreciar o real.
austeridades monetária e fiscal, disparando simultaneamente as reformas que
reduziriam o protecionismo.
Se estas alterações fossem postas em prática a indústria ganharia competitividade,
elevando suas margens de lucro e voltando a investir, com claros benefícios para o
crescimento econômico. Mas a curto prazo a austeridade fiscal e monetária acarretaria
o enfraquecimento do mercado de trabalho, com a queda dos salários reais, o que é
intolerável para o governo no plano político. O resultado é que continuaremos
bradando inutilmente contra a desindustrialização, sem atacar as origens do problema.
A POLÍTICA FISCAL
O caminho preferido pelo governo é de uma versão do modelo keynesiano, no qual
prevalece a crença de que a demanda cria a sua própria oferta. No seu modelo não há
uma oferta agregada, nem têm relevância as limitações ao crescimento do PIB
potencial.
Sua opção tem sido por uma política fiscal expansionista, que eleva o consumo,
mantendo as pressões sobre o mercado de mão de obra e sobre os salários, e
direcionando uma parte das desonerações de impostos para aliviar alguns setores da
carga suportada pelo custo unitário do trabalho medido em reais e pelo câmbio
valorizado. A curto prazo o governo colhe os frutos do desemprego baixo e dos
salários em crescimento, com uma evidente vantagem política. Porém, falha na sua
tentativa de usar as desonerações para atingir o second best, porque consegue
apenas ajudar alguns setores da indústria, falhando em recompor a rentabilidade do
setor industrial como um todo.
O governo vem usando dois tipos de estímulos fiscais. O primeiro são as
desonerações que reduzem a receita tributária e com isto levam à queda do superávit
fiscal primário. O segundo são as transferências de recursos para os bancos oficiais,
que diante da retração dos bancos privados são a única fonte de expansão do crédito.
Mas há dois tipos de desonerações. No primeiro grupo se incluem as desonerações
voltadas à redução dos preços de produtos específicos, visando uma baixa temporária
da inflação. Dentre estas estão as reduções ocorridas nos impostos sobre
automóveis; sobre a cesta básica; e nas tarifas de energia elétrica pagas pelos
consumidores, entre outros. No segundo grupo se incluem as ações votadas a se
atingir o second best. São as reduções que visam recompor a margem de lucro das
indústrias, como é o caso das desonerações de encargos sobre a folha de pagamento.
As desonerações reduziram a taxa de crescimento das receitas tributárias, que
atualmente se situam bem abaixo da taxa de 12 meses de crescimento dos gastos
primários (gráfico 8), e com isso provocam a redução dos superávits primários.
Gráfico 8 - Receitas e Gastos primários do governo central – taxas de 12 meses
Em entrevista recente o Secretário do Tesouro indicou que o governo não se
compromete em cumprir a meta para o superávit primário. O objetivo é realizar uma
política fiscal contra cíclica. Na sua definição, contudo, políticas contra cíclicas não se
realizam somente quando há uma clara queda da demanda, como ocorreu nas ações
visando a saída da recessão em 2010, e sim sempre e quando ocorrer uma queda na
taxa de crescimento econômico. Atualmente o crescimento econômico brasileiro
declinou devido à desaceleração no PIB potencial, e não devido à queda da demanda,
que tem sido suficiente para manter o mercado de trabalho em pleno emprego. Mas
isto não inibe o governo de realizar uma política fiscal expansionista, mesmo diante da
clara necessidade de elevar a taxa básica de juros para conter a inflação. Além do
óbvio erro de diagnóstico, não há nenhuma coordenação entre as políticas fiscal e
monetária.
O resultado desta política é a queda dos superávits primários. O conceito relevante de
superávits para aferir o seus efeitos sobre a demanda agregada, é o do superávit
primário livre dos efeitos da contabilidade criativa do governo, e não os dados oficiais
do governo. No gráfico 9 somamos o superávit (sem manobras) do governo central ao
superávit dos Estados e Municípios (dentro da hipótese realista de que Estados e
Municípios não praticam a arte da contabilidade criativa), e o resultado é comparado
com os dados oficiais (incluindo as manobras). Na recessão de 2008 o superávit
primário sem manobras caiu para 1,5% do PIB, e atualmente encontra-se exatamente
neste mesmo nível. Em 2008 a recessão justificava uma política fiscal expansionista,
mas este não é o quadro atual, no qual o mercado de mão de obra está claramente
-8
-4
0
4
8
12
16
03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
Receita LíquidaDespesa Total
em %
crescimento real em 12 meses
* sem capital ização da Petrobrás
em pleno emprego. Em adição, não há indicações de que o governo pretenda inverter
este comportamento. O quadro mais provável é de um superávit primário livre de
manobras ainda menor do que o atual em 2014, que é um ano de eleições.
Gráfico 9 - Superávit primário sem manobras
Mas esta não é a única força expansionista vinda da política fiscal. O outro estímulo
são as transferências a bancos oficiais – BNDES e Caixa Econômica Federal.
Somente para o BNDES estas transferências já atingiram mais de 8% do PIB, e se
aproximam de 9% no total (gráfico 10). Talvez o rebaixamento do rating destas duas
instituições por agências de risco tenha acendido uma luz de advertência, limitando o
uso deste instrumento. Porém, dada a retração dos bancos privados, cujo crescimento
do estoque de crédito em termos reais é nula, é dos bancos oficiais que atualmente
vem toda a expansão do estoque de crédito em termos reais (gráfico 11). Isto induz o
governo a continuar utilizando este mecanismo.
Gráfico 10 - Transferências de recursos aos bancos oficiais
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
3.5
4.0
4.5
03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
TotalSem Manobras*
% P
IB
Superávit Primário do Setor Público
1,44%
1,99%
* calculado com resultado primário do Governo Central livre de manobras, assumindo que não há manobras em estados e municípios.
0
2
4
6
8
10
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
Créditos concedidos a Instituições Financeiras OficiaisCréditos junto ao BNDES
% P
IB
Gráfico 11 - Taxas de 12 meses de variação dos empréstimos em termos reais
Para transferir recursos ao BNDES e à Caixa a dívida pública bruta se eleva através
de operações compromissadas (as mesmas utilizadas para esterilizar a acumulação
de reservas). Com isso cresce a dívida bruta, que atualmente se aproxima de 60% do
PIB, e que persiste crescendo, contrariamente à dívida líquida, que por enquanto se
mantém estável em torno de 35% do PIB16. Porém, a taxa de juros implícita sobre a
dívida líquida se mantem próxima de 15% ao ano17. Um exercício simples de dinâmica
da dívida mostra que dadas as taxas reais de juros sobre a dívida líquida (a taxa
nominal menos a inflação esperada) e de crescimento econômico, o superávit primário
de 1,5% está muito próximo (ou mesmo abaixo) daquele que estabiliza a dívida líquida
em proporção ao PIB. Isto pode ocorrer por algum tempo, mas não pode se tornar
uma prática contínua, principalmente diante de uma dívida bruta já próxima de 60% do
PIB.
A RESTRIÇÃO EXTERNA
Não há nenhuma novidade na afirmação de que no Brasil as poupanças domésticas
são baixas, e por isso o país é dependente da absorção de poupanças externas para
financiar os investimentos. Aumentos na formação bruta de capital fixo em proporção
ao PIB impõem que se elevem os déficits em contas correntes. Esta dependência nos
últimos anos foi menor em parte devido aos ganhos de relações de troca, que não
deve continuar nos próximos anos. 16 Para chegar à dívida líquida são deduzidos da dívida bruta os ativos líquidos do governo. Dentre eles estão as reservas internacionais que certamente são um ativo líquido. Embora o BNDES e a Caixa possam ter emprestado os 10% do PIB a empresas solventes, estes não são ativos líquidos. 17Os cálculos são do banco Central do Brasil.
-30
-20
-10
0
10
20
30
40
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
PúblicoPrivado NacionalPrivado Estrangeiro
Variação real em 12 meses
% a
o an
o
No gráfico 2 mostramos duas medidas das importações líquidas extraídas das contas
nacionais: a preços constantes do ano 2000; e a preços correntes. A diferença entre
elas está nas relações de troca. Os ganhos de relações de troca nos últimos anos, e
que se acentuaram em 2010, permitiram que nos últimos anos as importações líquidas
medidas a preços correntes se mantivessem bem mais baixas do que as importações
líquidas medidas a preços constantes.
Gráfico 12 – Importações líquidas a preços correntes e a preços constantes - % do PIB
Se quisermos trabalhar com a medida relevante de formação bruta de capital fixo para
aferir seus efeitos (através das alterações no estoque de capital) sobre o crescimento
potencial, temos que trabalhar com a formação bruta de capital fixo medida a preços
constantes. No gráfico 13 superpomos a formação bruta de capital fixo medida a
preços constantes do ano 2000 às duas medidas de importações líquidas mostradas
no gráfico anterior. Quando as taxas de investimento são baixas, como ocorreu entre
2002 e 2006, caem abaixo das poupanças totais domésticas e geram exportações
líquidas e não importações líquidas, levando a superávits nas contas correntes.
Momentos como estes são raros na história brasileira. Mas quando as taxas de
investimento se elevam excedendo as poupanças domésticas aparecem importações
líquidas que, medidas a preços constantes, são muito sensíveis à taxa de
investimentos.
Abandonando momentaneamente as importações líquidas a preços correntes, e
concentrando-nos nas importações líquidas a preços constantes, podemos ver pelo
diagrama de dispersão, no gráfico 14, que a relação entre a taxa de investimentos e as
importações líquidas a preços constantes é muito estável, e indica que taxas de
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Exportações Líquidas (preços constantes)Exportações Líquidas (preços correntes)
% d
o P
IB
investimento de 20% do PIB, como ocorreu em 2010, implicam em importações
líquidas a preços constantes em torno de 6% do PIB.
Gráfico 13 – Investimentos e importações líquidas em proporção ao PIB
Gráfico 14 – Taxas de investimento e importações líquidas a preços constantes
Porém, para que o Brasil tivesse realizado importações líquidas de 6% do PIB em
resposta a uma taxa de investimentos de 20% do PIB, que ocorreu no ano 2000, teria
sido necessário que: as relações de troca retornassem ao mesmo nível que estavam
no ano 2000; e que todo o déficit nas contas correntes pudesse ser financiado com
ingressos de capitais sem alterar a taxa cambial. Admitindo que superássemos os
problemas apresentados pelo câmbio e pelos ingressos de capitais. Neste caso teria
que ocorrer uma queda enorme de relações de troca, que segundo os dados do
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
14
15
16
17
18
19
20
21
1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Exportações Líquidas (preços constantes) (E)Exportações Líquidas (preços correntes) (E)FBCF (preços constantes) (D)
% d
o P
IB
% do P
IB
15
16
17
18
19
20
21
-6 -4 -2 0 2 4
Exportações Líquidas / PIB
Inve
stim
ento
s / P
IB
gráfico 15 está atualmente em torno de 1,25, e que deveria retornar próximo de 1,0,
que era onde se situava em 2000. Não vemos a curto prazo uma queda de relações
dessa magnitude. Mas será que uma queda como esta está completamente afastada?
Gráfico 15 – Índice de relações de troca
O s dados do gráfico 15 mostram que ocorreram vários ciclos de ganhos de relações
de troca, o mais recente dos quais iniciado em 2002. Porém o maior salto neste ciclo
mais recente ocorreu em 2010, devido à explosão de preços de commodities derivado,
em grande parte, da política monetária posta em marcha pelo Federal Reserve. Os
dados do gráfico 15 mostram, também, que apenas três anos antes desta ocorrência,
em 2007, o índice de relações de troca estava muito próximo do valor atingido no ano
2000! Isto sugere que declínios de relações de troca como o implícito no exercício do
parágrafo anterior (seu retorno ao nível ocorrido em 2000) não são fora de propósito, e
embora dificilmente ocorram em um único salto, podem perfeitamente ocorrer ao longo
de alguns anos. O mundo vem mudando muito rapidamente, e embora haja muitas
dúvidas, é alta a probabilidade de que passemos a assistir a um ciclo de alguma perda
de relações de troca.
Um sinal de alerta, consequentemente, é dado pelos riscos quanto à evolução futura
dos preços de commodities. O outro está sendo emitido pelo comportamento recente
do déficit em contas correntes (gráfico 15). Já nos primeiros meses de 2013 eles
saltaram para próximo de 3% do PIB. O que explica este comportamento? Em parte
ele vem de uma queda de preços de commodities, que tem alta probabilidade de
prosseguir nos próximos anos. Em parte vem da queda da absorção em relação ao
PIB derivada dos estímulos colocados em marcha pelas políticas contra cíclicas do
governo, que vem estimulando o consumo das famílias, o que reduz suas poupanças;
vem seguindo políticas que levam ao aumento do custo unitário do trabalho e que
0.6
0.7
0.8
0.9
1.0
1.1
1.2
1.3
1.4
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010
Índi
ce
Termos de Troca
dados dessazonalizados
(Preço Exportação / Preço Importação)
mantém o real valorizado, o que reduz os lucros retidos das empresas operando no
setor de bens tradables, baixando os lucros retidos; e vem elevando em proporção
seus gastos correntes e as transferências, contra os investimentos públicos. Todas
estas são ações que reduzem a poupança doméstica, com uma pressão sobre o
déficit em contas correntes tanto maior quanto mais elevado for o seu sucesso em
estimular alguns investimentos.
Gráfico 15 – saldos anuais das contas correntes – em US$ e em proporção ao PIB
A restrição da poupança total doméstica continua existindo. Ela somente deixou de
aparecer com maior clareza devido à queda da taxa de investimentos. O governo não
pode abandonar a preocupação com políticas que alterem o comportamento da
poupança.
APÊNDICE
Para mostrar empiricamente a importância do processo de retenção de mão de obra
na indústria trabalhamos com duas séries: a produção industrial; e o emprego
industrial. Ambas são produzidas pelo IBGE. Estamos interessados nas oscilações do
emprego em resposta às oscilações da produção industrial, e por isso trabalhamos
com as medidas do hiato da produção e do emprego. Cada um destes dois hiatos é
definido como os desvios das séries originais em relação ao respectivo filtro HP.
Em seguida estimamos um modelo VAR ligando os dois hiatos. Os resultados estão
na tabela abaixo. No gráfico anexo mostramos a comparação entre os valores
observados e as projeções do modelo VAR para uma as equações: a explicativa das
variações do emprego industrial. Para mostrar a estabilidade do comportamento o
modelo foi estimado em uma amostra que cobre o período à esquerda da linha vertical
vermelha no gráfico. As projeções à esquerda dessa linha foram realizadas dentro da
-70
-60
-50
-40
-30
-20
-10
0
10
20
-6
-5
-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
94 96 98 00 02 04 06 08 10 12
Ac. 12 meses (E)
% do PIB (D)%
PIB
US
$ B
ilhõe
s ao
ano
Transações Correntes
amostra; e as projeções à sua direita foram realizadas fora da amostra. As projeções
fora da amostra continuam mostrando uma excelente aderência aos dados obervados,
atestando a estabilidade do comportamento.
hiato da produção
hiato do emprego
hiato da produção (-1) 0,999
(9,208)
0,085
(4,715)
hiato da produção (-2) -0,185
(-1,642)
0,024
(1,273)
hiato do emprego (-1) 0,427
(0,632)
0,707
(6,326)
hiato do emprego (-2) -0,565
(-0,972)
0,059
(0,609)
constante -0,001
(-0,463)
-3,31E-05
(-0,103)
R2
S.E.
F
0,740
0,020
72,669
0,948
0,003
460,365
-5
-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12
Hiato População OcupadaProjeção VAR
dentro amostra fora amostra
O gráfico abaixo mostra a curva de resposta cumulativa do (hiato do) emprego ao
(hiato da) produção industrial. O novo equilíbrio é atingido em torno de 10 a 15 meses
após iniciado o movimento da produção, e a metade desse ajuste é atingida em um
pouco mais de cinco meses.
.00
.01
.02
.03
.04
.05
.06
.07
.08
5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Resposta População Ocupada± 2 S.E.
Choque na Produção Industrial
A ARMADILHA DO BAIXO CRESCIMENTO
Affonso Celso Pastore
A desaceleração do crescimento não é um problema de falta de demanda. Há uma queda dos investimentos
• O pleno emprego e a elevação do custo unitário do trabalho medido em reais
• A valorização cambial – os erros na tentativa de evitá-la
• Os efeitos da política fiscal expansionista
• A restrição externa
O aumento do custo unitário do trabalho medido em reais
• A indústria não cresce, mas o setor de serviços (que é o grande empregador, no Brasil) vem se expandindo, ampliando a demanda de mão de obra. O pleno emprego vem elevando os salários reais na indústria.
• No passado os salários reais cresciam à mesma taxa de crescimento da produtividade, e não havia aumento do custo unitário do trabalho. A partir do início de 2010 os salários reais persistiram em elevação, mas a produtividade média do trabalhador na indústria não mais se elevou (nos últimos dois anos tem declinado)
90
100
110
120
130
140
150
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
ProdutividadeSalário Médio Real
• Entre 2002 e 2008 o custo unitário do trabalho medido em reais persistiu constante.
• A curta explosão ocorrida em 2008/2009 é fruto do processo de retenção de mão de obra. Rapidamente o custo unitário voltou ao normal, devido á veloz recuperação da produção industrial à recessão.
• Do início de 2010 em diante há um crescimento continuo do custo unitário do trabalho medido em reais. Ele afeta tanto a indústria quanto o setor de serviços, mas este último está isolado do comércio internacional, e como não sobre a competição das importações, pode mais facilmente repassar aumentos de custos para preços.
0.85
0.90
0.95
1.00
1.05
1.10
1.15
1.20
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13ín
dice
Hiato da produção industrial = Nível de utilização da capacidade instalada. A contração ocorrida a partir de 2010 não é provocada pelo contágio da crise (que foi importante para
explicar o grande declínio em 2008/2009)Ela é devida ao aumento do custo unitário do trabalho medido em reais.
variáveis Equação 1 Equação 2 Equação 3Constante 8,029
(2,055)[0,042]
8,373(2,296)[0,023]
1,052(0,217)[0,828]
CUT (-1) -6,983(1,905)[0,059]
-7,209(2,103)[0,038]
-8,453(2,474)[0,014]
Juros reais (-8) -0,118(2,589)[0,011]
-0,132(3,123)[0,002]
-0,242(3,775)[0,000]
Dummy crise -13,837(9,407)[0,000]
-12,416(8,901)[0,000]
-12,516(9,117)[0,000]
Hiato do mundo - 39,908(4,736)[0,000]
45,997(5,275)[0,000]
Câmbio real - - 2,167(2,253)[0,026]
Hiato em t-1 0,738(14,216)[0,000]
0,515(7,663)[0,000]
0,462(6,589)[0,000]
R2
S.E.F
0,8411,459
164,059
0,8651,351
157,503
0,8711,329
136,482
-.20
-.15
-.10
-.05
.00
.05
.10
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
hiato da produção industrialprojeções da equação 1projeções da equação 2projeções da equação 3
Os efeitos da valorização cambial
• Há setores da indústria que são protegidos, mas a maioria sofre a competição de importações e é afetada pela valorização cambial.
• Não há um critério objetivo para definir o grau de valorização, mas a simples visualização do comportamento do câmbio real mostra que ele somente não está mais valorizado do que durante os primeiros anos do Plano real, e do período imediatamente posterior ao início das políticas monetárias não convencionais do Federal Reserve.
• A valorização do câmbio real contribui para reduzir ainda mais as margens de lucro na indústria. 60
80
100
120
140
160
88 90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12
média da sériecâmbio real - cesta de moedas
A mudança do regime cambial.O que interessa é depreciar o câmbio real, e não apenas o nominal. Para que isso seja
atingido o governo tem que seguir políticas fiscal e monetária mais austeras, com preferência para a política fiscal.
Políticas monetária e fiscal expansionistas aumentam o pass-through para o IPCA, predominantemente aumentando a inflação.
• A partir do início de 2011 foram tomadas ações que mudaram o regime cambial. Foi uma combinação de controles sobre ingressos de capitais (em renda fixa) e intensificação das intervenções do Banco Central (nos mercados à vista e futuro de câmbio). Atualmente estamos em um regime de bandas estreitas de flutuação; ou de câmbio fixo.
• O câmbio nominal é um preço de um ativo, enquanto que o câmbio real é um preço relativo, entre bens tradables e non tradables.
• Para que a depreciação do câmbio nominal se transmita predominantemente para o câmbio real, os preços dos non-tradables têm que cair relativamente aos dos tradables, o que significa a queda dos salários reais em termos de preços de bens tradables.
1.6
1.8
2.0
2.2
2.4
2.6
100
200
300
400
500
600
700
I II III IV I II III IV I II III IV I II III IV I II III IV I II2008 2009 2010 2011 2012 2013
Taxa de Câmbio (E)EMBI Brasil (D)
R$/
US
$ b.p.
Que tipos de ações seriam necessárias para recompor a competitividade usando o câmbio?
• Há medidas estruturais e ações a curto prazo.
• A estrutura de proteção vem se tornando caótica: a) com a elevação de tarifas sobre 100 produtos; b) com o uso do instrumento do preço de referência, que é um auxílio na proteção contra o dumping, mas que vem disfarçando aumentos de tarifas; c) com a diferenciação na incidência de impostos domésticos sobre produtos importados e substitutos locais, levando disfarçadamente a uma tarifa mais elevada.
• Impostos elevados sobre as importações cristalizam o câmbio em um nível mais valorizado, o que prejudica as exportações, que são, assim, taxas indiretamente.
• As ações de curto prazo objetivam evitar que a depreciação do câmbio nominal se transfira mais intensamente para preços. Obviamente se a depreciação ocorrer ao lado de políticas fiscal e monetária expansionistas colhe-se mais inflação.
• Em nenhum dos dois casos a correção pode ser realizada em um curto período.
As desonerações vêm reduzindo as receitas primárias. Computado livre dos efeitos da contabilidade criativa os superávits primários estão no mesmo nível do ocorrido em
2009/2010, quando a recessão justificava uma política fiscal expansionista. Atualmente ela constrange a política monetária e eleva a inflação.
-8
-4
0
4
8
12
16
03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
Receita LíquidaDespesa Total
em %
crescimento real em 12 meses
* sem capitalização da Petrobrás
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
3.5
4.0
4.5
03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
TotalSem Manobras*
% P
IB
Superávit Primário do Setor Público
1,44%
1,99%
* calculado com resultado primário do Governo Central livre de manobras, assumindo que não há manobras em estados e municípios.
O governo aumenta a dívida bruta (próxima de 60% do PIB) para transferir recursos aos bancos públicos (que continuam expandindo o crédito divergindo dos bancos privados), e deduz estes
créditos para o cômputo da dívida líquida, que atualmente está em 35% do PIB. Também deduz da dívida bruta as reservas (que são um ativo liquido). Como recebe taxas de juros mais baixas (sobre as reservas e sobre os créditos a bancos públicos) a taxa de juros implícita da dívida está em torno de 15%. Um exercício simples de dinâmica da dívida mostra que atualmente os superávits primários
estão próximos dos limites mínimos recomendados pela prudência.
-30
-20
-10
0
10
20
30
40
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
PúblicoPrivado NacionalPrivado Estrangeiro
Variação real em 12 meses
% a
o an
o
5
10
15
20
25
30
35
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13
SELICSwap DI 360 diasTx. Juros Implícita da Dívida Líquida
em %
acumulado em 12 meses
As poupanças domésticas são baixas e vêm caindo (estímulos ao consumo + queda de lucros das indústrias + redução dos investimentos públicos). Para investir o Brasil depende da absorção de
poupanças externas. Quando havia ganhos de relações de troca as importações líquidas a preços constantes (que mantém uma relação estável com a taxa de investimentos) podiam se elevar bem
acima das importações líquidas a preços correntes. Mas o ciclo de ganhos de relações de troca está chegando ao fim.
Se tivermos sucesso em elevar os investimentos sem o correspondente aumento das poupanças domésticas os déficits em contas correntes tendem a crescer.
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
14
15
16
17
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1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Exportações Líquidas (preços constantes) (E)Exportações Líquidas (preços correntes) (E)FBCF (preços constantes) (D)
% d
o P
IB
% do P
IB
15
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20
21
-6 -4 -2 0 2 4
Exportações Líquidas / PIB
Inve
stim
ento
s / P
IB