a avó das havaianas e as percepções do público...
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A Avó das Havaianas e as percepções do Público Idoso1
Pâmela Fabíola TODESCHINI2
Odig Marketing Digital, Santa Maria, RS
Milena Carvalho Bezerra Freire de OLIVEIRA-CRUZ3
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS
Resumo
O presente artigo se propõe a apresentar e ponderar acerca de alguns dos resultados de
um estudo de recepção realizado com a intenção de observar aspectos da relação entre a
publicidade e a sociedade, no que diz respeito ao tratamento de tabus. Nesse sentido,
através de um estudo de caso da campanha “Avó” das Havaianas (retirada do ar após
manifestações do público), investigou-se como se articulam as representações sobre a
sexualidade do idoso (aqui tratadas como tabus) através das relações entre anúncio e
receptores, sendo aqui considerados apenas os receptores idosos.
Palavras-chave: Publicidade; idosos; recepção; Havaianas.
1. Introdução
O Brasil, um país sempre considerado jovem, vem registrando o envelhecimento
de sua população. Analisando a sinopse dos resultados do Senso 2010, e pondo em
comparação a pirâmide etária do senso anterior, de 2000 (Figura 1), e este último
(Figura 2), podemos visualizar um aumento de quase 20% na população com mais de 60
anos.
1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos da recepção do IV SIPECOM - Seminário Internacional de
Pesquisa em Comunicação 2 Web Designer da Odig Marketing Digital, graduada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de
Santa Maria, email: [email protected] 3 Orientadora do trabalho. Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de
Santa Maria. email: [email protected]
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Figura 1: Senso 20004
Figura 2: Senso 20105
Essa ampliação da expectativa de vida observada nas estatísticas implica em
uma reorganização de todos os setores da sociedade na forma de lidar com esta parcela
4 http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/webservice/default.php?cod1=0&cod2=&cod3=0&frm=piramide
5 http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/webservice/default.php?cod1=0&cod2=&cod3=0&frm=piramide
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crescente da população. Estas modificações estruturais são reflexo de uma melhoria na
qualidade de vida do idoso que, por conseqüência, tem se tornado mais ativo e
participativo na sociedade.
Neste novo cenário, a publicidade apresenta o “rejuvenescimento do idoso”,
mudando a imagem negativa da velhice através da representação deste grupo como
pessoas ativas, que desfrutam da vida, dos prazeres, da cultura, da tecnologia - imagens
antes associadas exclusivamente aos jovens.
Considerando a representação do idoso em papéis que antes eram designados aos
jovens, é possível identificar a valorização de práticas de subversão, perspectiva pela
qual vemos idosos rompendo com valores tradicionais e sendo atrelados à tecnologia,
novos valores familiares, sexualidade, etc (DEBERT, 2003, p.136).
Tendo como pano de fundo este cenário, o presente artigo tem como marco
inicial a resistência do público ao comercial “Avó”, assinado pelas sandálias Havaianas
e veiculado em setembro de 2009. Em função de protestos dirigidos à empresa pelos
receptores do comercial, a campanha foi retirada do ar.
O comercial das Havaianas, então, foi o foco de pesquisa anterior, que buscou
compreender, a partir da visão dos receptores de diferentes faixas etárias, como se
constrói a relação entre a publicidade e a sociedade, no que diz respeito ao tratamento
de tabus. A pesquisa trabalhou com três grupos distintos: jovens, adultos e idosos. Este
artigo tem por objetivo apresentar e ponderar alguns dos resultados obtidos
especificamente com o grupo de receptores idosos.
2. A sexualidade na velhice: um tabu não tão fácil de apagar
Tabus são assuntos que as pessoas não estão acostumadas a abordar e
consideram impróprios de tratar abertamente. São aqueles valores que a sociedade
mantém arraigados em volta de comportamentos e posicionamentos, cujos princípios
não são postos em questão e, com isso, seu debate público provoca constrangimento e
vergonha.
Segundo Guérios (apud VILAÇA; 2009, p. 52), tabu é a “[...] abstenção ou
proibição de pegar, matar, comer, ver, dizer qualquer coisa sagrada ou banida [...]”,
estando ligado ao que é sagrado, proibido, a comportamentos que devem ser reprimidos.
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Para Vilaça, “[...] em cada cultura existem temas e palavras que são consideradas
„proibidas‟ e evitadas em público [...]” (2009, p. 50, grifo do autor).
A sociedade tem evoluído, mudado, comportamentos que outrora eram
considerados impróprios e até mesmo proibidos, hoje já são comuns e/ou aceitáveis.
Porém, mesmo que essas transformações sejam perceptíveis, há valores, conceitos,
comportamentos que permanecem, especialmente como tabus no discurso da sociedade,
ainda que por vezes implícitos em falsas aceitações.
Nesse sentido, ainda que se visualizem mudanças nas representações acerca do
idoso, os tabus relacionados a ele permanecem marcando presença na sociedade atual.
Negreiros (2004, p.79) afirma que “a concepção de estar se tornando velho é excluída
da própria identidade [...], diante da internalização dos preconceitos. Velhos são os
outros.”
O idoso, o velho, o envelhecimento, remetem à idéia de degeneração, de
decadência, de doença, do corpo que perece, da finitude da vida, de morte; e vivemos
em uma sociedade que tem grandes dificuldades em lidar com estas representações. As
várias formas e recursos utilizados na expectativa de se retardar a velhice são uma prova
dessa dificuldade.
Nesse contexto de preconceitos e estigmatizações, no cerne de uma sociedade
em transformação, do tradicional à maior liberdade, se encontram os idosos de hoje.
Eles são de uma geração que vivenciou por um tempo maior valores e princípios muito
rígidos, em que todos seguiam fielmente os papéis pré-estabelecidos pela cultura e
sociedade.
Esses valores tradicionais que marcaram os idosos de hoje acabam por
influenciar a forma como estes vivenciam a sua velhice. Os idosos destas gerações
passadas tinham o papel de conselheiros, eram a representação da sabedoria, da
vivência, dos conhecimentos adquiridos ao longo dos anos. Neste “modelo”
anteriormente construído de velhice, a sexualidade era praticamente inexistente.
A sexualidade na velhice, por sua vez, é um dos maiores tabus relacionados ao
idoso. Fernandes (2009, p.419) diz que “as repercussões do processo de envelhecimento
sobre a sexualidade constituem uma realidade particularmente contaminada por
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preconceitos” e nesse sentido, Risman (2005, p.1) salienta ainda que os mitos e
estereótipos negativos relacionados aos idosos são muito mais intensos nas questões
ligadas à sexualidade.
As regras e condutas em relação à sexualidade do ser humano estão presentes
desde o início da civilização. A sexualidade foi sempre desvinculada de interesses
afetivos e ligada apenas à reprodução; pensamento esse que transcorre as culturas desde
os povos primitivos, passando pelos gregos, romanos, Idade Média (RISMAN, 2005).
Assim sendo, desde a antiguidade foram constituídos pensamentos a respeito dos
idosos, instituídos de diversas formas, mas que culminavam com a repressão e/ou
extinção da vivência de sua sexualidade. Uma vez que o idoso perdeu a sua capacidade
reprodutora e a sexualidade foi sempre desvinculada do afeto, a ele é atrelada a imagem
de assexualidade e até androginia.
Fernandes (2009) afirma que o mito da velhice assexuada é cultural. Para o autor
“os mitos sobre a velhice assexuada são freqüentes em nossa sociedade que, sob uma
forte influência religiosa cristã, aprendeu a associar as expressões da sexualidade a
sentimentos de culpa e vergonha” (FERNANDES, 2009, p.419).
Entendemos, portanto, que são culturais tanto a “não sexualidade” quanto a
vivência da mesma, pois vão além de processos biológicos e fisiológicos, recebendo
grandes influências do contexto social em que está inserido o sujeito idoso. Deste modo,
a cultura, os valores, as experiências, entre outros fatores, participam da construção da
sexualidade de cada pessoa.
E se os preconceitos em relação ao idoso não são poucos, visto que este é a
representação daquilo que não se quer ver, do feio, do decrépito, da morte, com as
mulheres idosas estes valores se agravam. Segundo Salgado (2002, p.9), o preconceito
com as idosas é de caráter “gerofóbico” e “sexista”, já que pesa o fato de serem velhas e
também mulheres.
As idosas acumulam, então, os estigmas relacionados à velhice e às mulheres,
duas valorações culturais que constroem padrões comportamentais específicos. Já não
bastassem todos os estereótipos da velhice, as idosas são marcadas também pelas
associações referentes ao ser mulher, indivíduos tidos sempre como inferiores,
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desiguais, devendo estar em situação de submissão ao homem, no que Salgado (idem)
fala que “o contexto social atual ensina e perpetua o descrédito na mulher idosa”.
Nesse contexto de desvalorização da velhice e da mulher, numa sociedade que
preza e busca incessantemente a juventude, foi veiculado o comercial da “Avó” das
Havaianas. Neste, a velha senhora rompia com os preconceitos e tabus atrelados à sua
condição de idosa (e mulher), e trazia em seu discurso a subversão dos tradicionais
valores atrelados à sexualidade. O comercial surpreendeu a todos, chocou a uns,
agradou a outros, e a reação da sociedade frente a sua veiculação chamou nossa atenção
e nos levou a analisá-lo mais a fundo.
3. O caso da “avó moderninha”
O comercial “Avó”, veiculado em setembro de 2009, se passava em um
restaurante fino, provavelmente freqüentado por pessoas de classe média/alta. Neste,
avó e neta sentadas uma de frente para a outra, aguardando o pedido estendiam seus
guardanapos no colo. A avó então repreende a neta por esta ter ido ao restaurante de
Havaianas, no que a neta retruca chamando sua avó de atrasada, e dizendo não estar de
Havaianas (uma vez que as Havaianas são comercializadas como marca de sandálias, e
não de chinelo) apresenta as novas Havaianas Fit.
Figura3: imagens do comercial “Avó”, das Havaianas.
Em seguida chega ao restaurante o ator Cauã Reymond, o que desperta a atenção
da neta que rapidamente mostra para sua avó. A senhora logo reconhece o ator, o
“menino da televisão” como ela mesma diz, e completa que a neta deveria arrumar um
rapaz como ele. Expressando desaprovação à idéia da avó, a neta diz que “deve ser
muito chato casar com um famoso”.
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Contrariando as expectativas da neta (e de todos que assistiram ao comercial), a
senhora, com um ar de naturalidade, exclama: “mas quem falou em casamento, eu tô
falando de sexo”. A neta mostra espanto, parecendo não acreditar no que sua avó estava
dizendo, no que a senhora acrescenta: “e depois eu que sou a atrasada?”. O anúncio
termina mostrando os modelos das novas Havaianas Fit e a assinatura da marca.
O público que se sentiu constrangido e agredido pelo comercial, entrando em
contato com a empresa, com a agência responsável pela sua criação e com o CONAR
(Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), reclamou e expressou
desaprovação ao anúncio. Então, antes mesmo de o CONAR definir sua posição a
respeito do ocorrido, a própria empresa decidiu tirar o comercial do ar e veiculou um
novo em seu lugar. Neste, dizia-se ser uma empresa democrática, que ouve e respeita as
opiniões de seu público.
Dois meses após a veiculação e a resistência ao comercial da “Avó”, foi
divulgado o parecer oficial do CONAR que apenas exigia alteração no horário de
veiculação. Ao classificar o comercial como em “concordância com o comportamento
da maioria do público” (CONAR, 2009), subentende-se que o próprio Conselho
considerou o comportamento da avó um reflexo das posturas adotadas pela sociedade
nos dias atuais.
Na internet, a repercussão sobre o VT das Havaianas foi enorme. As palavras
“Comercial avó Havaianas censurado”, se colocadas no site de busca Google chegaram
a mostrar mais de 30.000 resultados; milhares de blogs e sites que postaram sobre o
assunto, e neles, muitos comentários de pessoas se posicionando contra ou a favor da
censura.
Na perspectiva da pesquisa, então, interessou apreender, através reação do
público frente à comunicação publicitária e da conseqüente retirada do comercial do ar,
como a publicidade e a sociedade estão próximas e em constante articulação.
Percebemos que há uma articulação entre ambas em que tanto a publicidade serve de
influência para a sociedade, quanto esta se apropria dos valores e das práticas sociais ao
construir-se.
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4. A pesquisa
Visando analisar as articulações entre a publicidade e a sociedade quando temas
considerados tabus são postos em circulação no discurso publicitário, buscamos nos
aproximar do público, a fim de observar como esta percepção se desenvolve a partir da
cotidianidade, nas relações e experiências dos sujeitos receptores.
A pesquisa realizada para o trabalho monográfico de que o presente artigo se
vale dos resultados e dados obtidos, portanto, foi estruturada metodologicamente a
partir da coleta de dados quantitativos (aplicação de questionário estruturado com 150
pessoas) e qualitativos, através da realização de três Grupos Focais, com jovens, adultos
e idosos de ambos os sexos.
Desse modo, buscou-se visualizar os aspectos mais significativos em três eixos
centrais, que foram considerados como categorias de análise. O primeiro eixo,
denominado “representação/participação do idoso” tentava compreender as diferentes
maneiras como os sujeitos representam o idoso, como entendem que seja (e como
deveria ser) sua inserção e participação na sociedade.
O segundo eixo, intitulado “sexualidade e gênero”, visava abordar os
tensionamentos relativos à sexualidade do idoso, às questões ligadas ao corpo, bem
como as diferenças que possam existir entre homem/mulher, segundo a percepção dos
receptores entrevistados.
O terceiro e último eixo para análise, denominado “campanha/comunicação”
buscava visualizar as apropriações, negociações e resistências dos receptores à
campanha. Buscava, ainda, observar as representações dos grupos sobre a censura à
campanha das Havaianas e, de modo mais geral, compreender como estes sujeitos
percebem a participação da comunicação (incluindo a perspectivas dos meios de
comunicação e do discurso publicitário) no tratamento de temas considerados tabus.
A análise, por sua vez, foi ancorada teoricamente nas mediações de socialidade e
ritualidade de Martín-Barbero (2006), para assim melhor compreender os
posicionamentos dos sujeitos entrevistados, conforme as categorias/eixos de análise
propostos, de modo que entendemos que os discursos não existem de forma isolada,
mas imbricados a um contexto cultural e relacional que se reflete em suas atitudes e
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pensamentos a respeito dos assuntos abordados. Intentamos, assim, explorar esse
contexto de cotidianidade, subjetividade, relações sociais e temporalidades, aportados
nas mediações de Martín-Barbero, em especial a socialidade e a ritualidade.
O grupo dos idosos (com participantes de 60 anos ou mais) que aqui nos
ateremos a tratar, foi o último grupo a ser realizado, e o que se mostrou mais
homogêneo. A regularidade nos posicionamentos deu-se, principalmente, pelo fato de
todos os entrevistados serem participantes de grupos destinados à terceira idade, o que
por si, indicou um perfil de sujeitos pró-ativos e abertos às mudanças de valores que
representam os idosos na atualidade; sendo importante ressaltar que esta associação
entre entrevistados e participantes de grupos de atividades para idosos não foi
proposital. Ao contrário, vários idosos com perfis distintos foram convidados a
participar da pesquisa, no entanto, os mais reclusos ou reservados apresentaram grande
resistência e declinaram aos convites da pesquisadora.
5. As percepções dos idosos
Apesar do perfil mais aberto, neste grupo se apresentou uma grande dificuldade
em tratar as questões da pesquisa, principalmente no tocante à sexualidade do idoso.
Além de o grupo divagar bastante em outros assuntos (o que se entende também como
uma característica dos idosos de gostar e querer contar suas experiências), a dificuldade
de abordar-se a questão da sexualidade na terceira idade revela que o bloqueio em
relação a esse assunto existe, ainda que em seus discursos as pessoas possam parecer
menos resistentes.
5.1. Representação/participação do idoso
A terceira idade foi caracterizada pelo grupo como um período de muita
liberdade. Todos expressaram sentir que a liberdade encontrada nessa fase da vida é
uma de suas melhores características. Segundo relatam, no decorrer de suas vidas
sempre estiveram presos a afazeres domésticos, trabalho, cuidado com filhos, e agora,
ainda que tenham suas casas, desenvolvam alguns trabalhos e não dispensem o cuidado
com filhos e netos, atividades não são mais uma necessidade ou uma obrigação, por isso
há uma maior liberdade para realizarem outras atividades que envolvam lazer e
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sociabilidade. Percebeu-se assim, como a socialidade, através da marca dos contextos
de vida experienciados por estes idosos, constrói suas percepções sobre a terceira idade.
Os problemas de saúde, por sua vez, demonstram uma preocupação dos idosos
em função das limitações naturais que vão se apresentando com o passar da idade. O
grupo como um todo, mostrou preocupação com a saúde, visto que todos praticam
atividades que trabalham o condicionamento físico, como esportes ou dança. O cuidado
com a saúde, além da preocupação natural com o cuidado físico, procura evitar
quaisquer impedimentos para se aproveitar com qualidade o tempo livre, o que para eles
faz da terceira idade um bom período.
O grupo demonstrou que seus vínculos familiares são bastante fortes. Todos
expressaram ter um contato grande com filhos e netos. Ao falarem de suas famílias, dos
auxílios prestados, percebemos que o papel do idoso está muito atrelado à assistência à
família, como alguém que está sempre disponível em caso da necessidade de ajuda.
Para este grupo de idosos, a idéia da terceira idade também é vista como uma
liberação, em comparação a outras fases que eles próprios viveram antes. Na opinião
deles a educação de antigamente era muito mais rígida, o que tornava as relações muito
respeitosas, inclusive com o idoso. Em contrapartida, estes valores acabavam
reprimindo muito as crianças, adolescentes e jovens, como relatado por alguns dos
entrevistados.
Segundo Fernandes (2009, p.418) a geração dos idosos de hoje foi marcada por
valores muito rígidos, isso faz com que, de algum modo, estes busquem viver na sua
terceira idade o que lhes foi reprimido no restante de suas vidas. Pode-se ver isso
claramente, pelo relato de uma das entrevistadas, que após expor sobre sua juventude
regrada a partir de limites muito rigorosos, foi enfática ao dizer que a “terceira idade”
foi a melhor coisa que inventaram, demonstrando o valor de liberação que a terceira
idade representa para essa geração.
Ao se compararem com os idosos de antigamente os participantes do grupo
vêem o idoso do passado como alguém sem expectativas, uma vez que, antigamente,
aos 50 anos a pessoa já era considerada pela sociedade como sendo velha – o que
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contraria a representação atual, na qual aos 50 anos uma pessoa ainda nem é
considerada idosa.
A comparação com as gerações anteriores também considerou para o tratamento
dedicado aos idosos, em que o grupo acredita que havia maior respeito com as pessoas
mais velhas. Pode-se assim inferir que, segundo a percepção dos próprios participantes,
atualmente há uma carência ou uma falha no respeito devido para com os idosos. Como
abordado pelos entrevistados, o respeito está diretamente ligado à educação, e uma vez
que hoje há uma falha neste ponto, é reflexo de uma falha também na educação; pelo
que vemos o quanto instituições como a família e a escola interferem foram importantes
nas representações construídas e nas formas de se relacionar com a terceira idade.
Foi perceptível ainda entre todos os componentes do grupo uma resistência no
que diz respeito à associação entre velhice e morte, ou incapacidade física e mental.
Neste sentido, foram externados discursos como “velhice não tem idade”, “somos
velhos, mas somos jovens”, “mas a gente tem a mente jovem”, que, em nossa
percepção, tratam de um “sentir-se jovem” como uma negação à velhice.
5.2. Sexualidade e Gênero
A relação com o próprio corpo e a auto-estima foi o primeiro aspecto
mencionado pelo grupo ao refletir sobre a sexualidade. Contrariamente ao aspecto da
magreza valorizado na atualidade, para os idosos o tornar-se belo pode ser atrelado ao
engordar, uma vez que em um idoso muito magro as marcas da velhice (como rugas e
flacidez) são muito mais aparentes. Isto remete, então, à tentativa de esconder traços da
velhice, sendo desejável para sentir-se belo parecer “menos velho”.
Referindo-se a essa busca pelo rejuvenescimento, um dos idosos expressou que
na sociedade de hoje, tem-se medo de envelhecer, o que reafirma a existência de valores
de uma busca pela eterna juventude, expressos num medo do envelhecimento, como
referido por Pacheco (apud SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008, p.587):
Tem-se medo de envelhecer como se tem receio de ser ridicularizado ao
usar o aparelho antigo de dez anos, como os tijolões dos „tiozinhos‟. O
ser humano envelhecido é-nos apresentado, pela ideologia dominante,
como o aparelho ultrapassado.
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O envelhecimento do próprio corpo foi tido pelo grupo como algo pessoal, em
que não se deve dar atenção para o que as pessoas falam, mas encarar com naturalidade
e da forma como achar melhor. Os componentes do grupo afirmaram também que é
preciso se aceitar, aceitar que envelheceu, que o corpo não é o mesmo de quando eram
jovens, e que apesar disso é preciso gostar de si mesmo.
Ao questionarmos sobre a vivência da sexualidade, o grupo, em geral, disse não
mudar nada, que é algo normal e natural, e que esta permanece até a terceira idade. Isso,
por si só, já contraria ao mito da velhice assexuada (FERNANDES, 2009, p. 421) que
permanece arraigado no subconsciente da sociedade (e que pôde ser percebido no
discurso dos entrevistados nos grupos focais de jovens e adultos, mas que não cabe ao
presente artigo detalhar).
Dos seis idosos que participaram do nosso Grupo Focal cinco eram casados, e
para eles, a sexualidade na terceira idade está vinculada ao matrimônio. De modo geral,
consideram que vivenciar a sexualidade permanece natural como sempre foi desde o
começo do casamento, e que os anos juntos só acrescentam em intimidade, apego um ao
outro e conhecimento do outro.
O grupo considerou ainda que no geral, as pessoas encaram de forma natural a
sexualidade dos idosos. No entanto, através dos depoimentos dados pelos entrevistados,
foi perceptível que ainda existe resistência, mesmo que de modo muito subjetivo, e que
eles não se sintam afetados por isso. Tratando da diferença de gênero, o grupo
concordou que existe sim uma grande diferença, e que para o homem idoso a
sexualidade é muito mais naturalizada. Esta foi considerada pelos entrevistados também
como uma necessidade, entendendo que o homem ocupe um lugar de dependência da
mulher, o que o obriga a buscar sempre uma companheira – e que para a mulher é muito
mais fácil permanecer sozinha.
5.3. Campanha/comunicação
Apenas as mulheres entrevistadas no grupo dos idosos tinham assistido ao
comercial das Havaianas, de modo que nos leva a considerar a percepção da mediação
da ritualidade, ao visualizar-se o uso dos meios de comunicação, mais
especificadamente da televisão. Assim, se apenas as mulheres assistiram o VT, podemos
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inferir que estas assistem mais à televisão e por isso o viram, enquanto os homens não
viram por assistirem menos, o que até mesmo foi pontuado por um dos homens
entrevistados.
Sobre suas opiniões a respeito do comercial, os idosos salientaram diversas
vezes questões como “evolução”; de como a senhora do comercial era evoluída, alguém
que está acompanhando as transformações da sociedade. A resistência do público, por
sua vez, foi entendida como uma crítica por parte de pessoas que tem vontade de agir e
se posicionar como a senhora do comercial, mas que não tem coragem. O grupo
concordou ainda, que a resistência ao comercial pode ter acontecido pela dificuldade de
visualizar algo que sabem que existe, como se fosse aceitável vivenciar a sexualidade
mas inapropriado enxergar isso explícito no comercial. Para o grupo, de um modo geral,
o incômodo foi gerado entre os receptores a censura se deu por parte dos próprios
idosos.
O grupo demonstrou não ter concordado com a resistência, e esta foi vista até
como desnecessária, uma vez que o público infantil hoje tem amplo acesso aos temas
abordados pelo comercial. Os entrevistados concordaram também que sendo um jovem
no lugar daquela senhora do comercial, a resistência não seria tão grande, e que
possivelmente não teria acontecido a censura. Este posicionamento reafirma a
resistência existente em relação à sexualidade do idoso, ainda que para o grupo isso já
seja tratado com naturalidade.
O grupo se mostrou mais conservador quando questionado sobre as mudanças na
sexualidade de um modo geral, através da demonstração do corpo, e nas novas formas
de se relacionar dos jovens. Uma das idosas, já se justificando “não ser puritana”,
expressou pensar que as jovens de hoje deveriam se preservar mais. Para um dos idosos,
por sua vez, futuramente não haverá mais casamentos que durem 50 anos, por
conseqüência da liberdade excessiva dos dias atuais e que, segundo ele, produz uma
desvalorização das relações afetivas, e do casamento. Para o entrevistado, os
casamentos de 50 anos são fruto das rígidas normas a que foram submetidos quando
jovens em seus namoros.
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Os idosos consideraram o segundo comercial veiculado pelas Havaianas uma
boa saída diante do cenário que se apresentou. Acreditam, também, que não há motivos
para a publicidade não abordar tabus e questões mais polêmicas, visto que estas
questões já estão na sociedade e que de uma forma ou outra serão abordadas. Entendem
que não há motivos para esconder, ou que não há de quem esconder, e que seria até um
erro tentar velar isso, seja em relação ao público infantil ou qualquer outro.
6. Considerações finais
Compreendemos que existem representações sociais que ainda são muito rígidas e
permanecem arraigadas em nossa cultura. Ainda que hoje se apresente um discurso de
liberdade, de aproveitar a vida em todas as fases, e exista uma proposição de evolução
de conceitos e pensamentos, os valores tradicionais continuam presentes na sociedade e
permeiam as representações dos sujeitos ao se tratar de idade, gênero e sexualidade.
Deste modo, por mais que as pessoas se coloquem como abertas e liberais em
seus discursos, ao nos aprofundarmos e mostrarmos situações mais específicas que
coloquem valores da modernidade em contrapondo aos valores tradicionais – como o
caso da campanha das Havaianas – percebemos que o apego aos valores mais
conservadores é ainda bastante forte.
Aspectos como as representações do idoso atrelado ao respeito, à experiência,
seu papel de perpetuar a cultura, valores ligados ao casamento e ao sexo, a questão da
mulher na sociedade e suas representações ligadas à maternidade que a desvinculam da
sexualidade, continuam sendo fundamentados em princípios tradicionais e
conservadores. Esse apego ao tradicional observado de maneira direta e indireta nos
posicionamentos dos entrevistados se traduziu, então, no apoio à resistência do anúncio
das Havaianas.
Os discursos dos receptores entrevistados, neste sentido, mostraram contradições
e ambigüidades, à medida que ora tinham uma postura de apropriação do discurso de
modernidade das Havaianas, ora resistiam a ele. Essa dubiedade em suas falas revela o
momento de transformação em que a sociedade se encontra. Valores sendo modificados,
os hábitos e a cultura sendo transformados evidenciam contradições de uma sociedade
que se coloca aberta a essas mudanças, mas que se apega às antigas tradições e que, no
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cerne desse momento, tenta buscar um equilíbrio, pendendo ora para um lado, ora para
outro.
7. Referências Bibliográficas
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