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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
VALDEÍRA APARECIDA CARDOSO
A BASE CURRICULAR NACIONAL COMUM E AS IMPLICAÇÕES PARA A
CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO
Rondonópolis
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
VALDEÍRA APARECIDA CARDOSO
A BASE CURRICULAR NACIONAL COMUM E AS IMPLICAÇÕES PARA A
CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação – PPGEdu, da Universidade Federal de
Mato Grosso Campus de Rondonópolis, na Linha de
Formação de Professores e Políticas Públicas
Educacionais, como parte dos requisitos para a obtenção
do título de mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Eglen Sílvia Pipi Rodrigues
Rondonópolis
2018
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Rod. Rondonópolis.-Guiratinga, km 06 MT-270 - Campus Universitário de Rondonópolis - Cep:
78735-901 -RONDONÓPOLIS/MT
Tel : (66) 3410-4035 - Email : [email protected]
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO: "A BASE CURRICULAR NACIONAL COMUM E AS IMPLICAÇÕES PARA A
CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO"
AUTOR : Mestranda Valdeíra Aparecida Cardoso
Dissertação defendida e aprovada em 20/03/2018.
Composição da Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________________
____________
Presidente Banca / Orientador Doutor(a) Eglen Silvia Pipi Rodrigues
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Interno Doutor(a) Ademar de Lima Carvalho
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Externo Doutor(a) Catarina de Almeida Santos
Instituição : Universidade de Brasília
Examinador Suplente Doutor(a) Érika Virgílio Rodrigues da Cunha
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
RONDONÓPOLIS,26/03/2018.
A Tia Bina e Tia Cida,
caminhar até aqui tornou-se muito mais simples,
possível!
A elas, meu mais profundo amor, gratidão e
respeito.
AGRADECIMENTOS
Ao completar esta caminhada registro meu profundo sentimento de gratidão a muitos que,
presentes ou ausentes, contribuíram para que fosse possível chegar até aqui. Com alegria e
satisfação dedico este trabalho a todos vocês que direta ou indiretamente, em algum momento
caminharam comigo.
Embora para mim, agradecer signifique olhar nos olhos e dizer, “obrigado, você é muito
importante para mim”, aqui tentarei expressar um pouco dessa gratidão.
A Deus, gratidão pela vida, pela companhia e força nos momentos de solidão. Aos familiares
pela compreensão das ausências que não foram poucas.
À minha querida e amada mãe Adaira Ungaro Cardoso, pelos cuidados, carinho e afeto
dedicados a mim, pois sem eles nada disso seria possível.
Às amizades novas, as velhas, as próximas e também as distantes, que foram companheiras
dessa jornada, presentes fisicamente ou não, mas que, de uma forma ou de outra fizeram parte
desse processo de aprendizagem e crescimento intelectual e espiritual.
À Profa. Dra. Eglen Silvia Pipi Rodrigues, orientadora desta pesquisa, merecedora de todo meu
sentimento de gratidão por tornar possível este momento me aceitando como sua orientanda,
amiga e companheira, pessoa com quem constantemente tenho aprendido.
Ao Prof. Dr. Ademar de Lima Carvalho, com sua amizade, sabedoria, ética e profissionalismo
que me fizeram ter coragem de seguir sempre em frente acreditando em mim, nas pessoas e no
mundo a minha volta.
À Profa. Dra. Catarina de Almeida Santos, que aceitou prontamente nosso convite para
contribuir com este trabalho, o que fez com muita seriedade desde o exame de qualificação.
Obrigada também pelo carinho e respeito por mim e por todos os envolvidos nessa banca.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação (UFMT/PPGEDU/CUR), por todo o auxílio
recebido.
Aos amigos e colegas do Grupo de Estudos de Aprendizagem Dialógica
(UFMT/PPGEDU/CUR), pelas conversas, encontros que inspiraram muitas ocasiões deste
trabalho e me fizeram crer que o mundo pode se tornar mais igualitário e justo para todos.
Aos colegas e professores do Grupo de Pesquisas Políticas Públicas Educacionais e Práticas
Pedagógicas (UFMT/PPGEDU/CUR), assim como aos demais professores do Programa de
Pós-Graduação.
RESUMO
Esta pesquisa se insere no Grupo de Estudos de Aprendizagem Dialógica
(GEAD), na linha de pesquisa Formação de Professores, vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, campus
Rondonópolis. Amparados pelos estudos sobre currículo e educação popular, que
orientam nosso olhar para refletir os elementos fundantes do Currículo Crítico
Comunicativo e que podem contribuir para se pensar uma proposta educativa que valorize
a diversidade presente na comunidade escolar. Nosso objetivo é analisar as concepções
que embasam o conceito de diversidade, solidariedade e equidade apresentados no
documento oficial da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e para saber se os
mesmos estão em concordância com os elementos fundantes do Currículo Crítico
Comunicativo. Para tanto, a questão da pesquisa se configura da seguinte forma: quais as
possiblidades de construção de uma escola inclusiva, que considere a diversidade,
solidariedade e equidade sob a perspectiva de um currículo crítico comunicativo a partir
das diretrizes e conteúdos da Base Nacional Comum Curricular? Nosso corpus de análise
é composto pela obra de Donatila Ferrada Torres que apresenta o conceito de Currículo
Crítico Comunicativo como uma proposta de pensar a equidade para todos os meninos e
meninas independente dos contextos socioeconômicos aos quais estejam inseridos. Para
a análise, também foram utilizados artigos acadêmicos publicados a partir da ressonância
da referida obra anteriormente citada e que, conforme critérios pré-estabelecidos, foram
considerados publicações do campo da Educação. Privilegiamos nessa pesquisa a
abordagem qualitativa e adotamos como meio de investigação o estudo bibliográfico.
Tomamos como referência a técnica de Análise Temática de Laurence Bardin. Ainda
contamos com John B. Thompson (2011) sobre a hermenêutica de profundidade (HP), e
aplicando a técnica da análise de conteúdo, conforme preconizado por Laurence Bardin
(1977). A proposta curricular apresentada, assume também o desafio de mobilizar ações
para que possam ser incorporadas uma racionalidade comunicativa como parte integrante
das propostas curriculares, possibilitando repensar a instituição escolar na perspectiva da
igualdade da diferença (FERRADA, 2001). No corpus analisado identificamos que as
concepções que embasam o conceito de diversidade, solidariedade e equidade
apresentados no documento oficial da BNCC que, não apresententam concordância com
os elementos fundantes do Currículo Crítico Comunicativo visto que desenvolvem um
discurso sem aprofundamento que acaba contribuindo, talvez reforçando as desigualdades
sociais e o preconceito nas escolas brasileiras.
Palavras-chave: Currículo Crítico Comunicativo. Educação Popular. Diversidade.
ABSTRACT
This research has inserted in the Group of Studies of Dialogical Learning
(GEAD), in the field of research called Teacher Training. It has linked to the Graduate
Program in Education of the Universidade Federal de Mato Grosso, Campus
Rondonópolis. It is supported by studies on curriculum and popular education that guide
our view to reflect on the conceptual bases of the Critical Communicative Curriculum. It
can contribute to think about an educational proposal that has enhanced the diversity
presents in the school community. Our aim to analyze the conceptions substantiate the
concept of diversity, solidarity and equity the presented in official document Common
National Curricular Basis. Our corpus of analysis is composed by the work of Donatila
Ferrada Torres who presents the concept of Critical Communicative Curriculum as a
proposal of possibility of equity for all boys and girls independently of the socioeconomic
contexts to which they are inserted. It also has composed our corpus of analysis, academic
articles published from the resonance of the mentioned work and which, according to pre-
established criteria, were considered publications in the field of Education. For this
purpose, we have adopted as a research methodology the reference of Nadja Hermann
(2002), which proposes to reflect the pedagogical action as a means to enable a new
interpretation and reinterpretation of the educational field questioning the ways of
educating, teaching and learning, understanding and dialogue. We still have John B.
Thompson (2011) on depth hermeneutics (HP), and applying the technique of content
analysis, as advocated by Laurence Bardin (1977). The curricular proposal presented also
assumes the challenge of mobilizing actions so that a communicative rationality can be
incorporated as an integral part of the curricular proposals, making it possible to rethink
the school institution with a view to equality of difference (FERRADA, 2001). In the
corpus analyzed, we identify that tha concept of diversity, solidarity and equity
presentend in the oficial BNCC document whitc do not agree whith the founding elements
of the Critical Comunicaive Curriculun since they develop a discourse without deepening
that ends up contributing, perhaps reinforcing the social inequalities and prejudice in
Brazilian schools.
Keywords: Critical Communicative Curriculum. Popular Education. Diversity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 10
DEFINIÇÃO DA TEMÁTICA ................................................................................................................ 19
1 CAMINHOS DA PESQUISA ........................................................................................................ 19
1.1 MÉTODO DE ANÁLISE DE CONTEÚDO: UMA FERRAMENTE PARA INTERPRETAR O JÁ
INTERPRETADO ................................................................................................................................ 40
2 CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO ............................................................................. 43
2.1 CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO: PRINCÍPIOS, EVOLUÇÃO, CONCEPÇÕES ....................... 45
2.1.1 Reflexões sobre a formação da pessoa para transformar a sociedade................................... 50
2.1.1.2 Que tipo de sociedade queremos construir? ...................................................................... 56
2.2 TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA (TAC) DE JÜRGEN HABERMAS E A TEORIA DA AÇÃO
DIALÓGICA DE FREIRE PARA PENSAR UM CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO .............................. 60
2.3 TEORIA DA RESISTÊNCIA: RESISTIR E LUTAR POR UMA ESCOLA PARA O POVO ........................... 66
2.4 GIRO DIALÓGICO E O CURRÍCULO: DO INDIVIDUAL AO COLETIVO ............................................. 72
3 CURRÍCULO: INSTRUMENTO IDEOLÓGICO CONTROLADOR OU EMANCIPATÓRIO?
............................................................................................................................................................ 79
3.1 DIMENSÕES EPISTEMOLÓGICAS DO CURRÍCULO ....................................................................... 81
3.2 O MOVIMENTO HISTÓRICO CURRICULAR NO BRASIL E SUAS MUDANÇAS .................................... 91
3.3 FUNDAMENTOS POLÍTICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR:
PROJETO DE SOCIEDADE? QUAL? ................................................................................................... 104
3.3.1 Equidade, solidariedade e respeito às diferenças humanas: construindo uma escola e
sociedade mais solidária e equitativa ......................................................................................... 107
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................ 130
REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 136
APÊNDICE....................................................................................................................................... 143
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC Análise de Conteúdo
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CNE Conselho Nacional de Educação
CUR Campus Universitário de Rondonópolis
DCNs Documentos Curriculares Nacionais
GEAD Grupo de Estudos de Aprendizagem Dialógica
HP Hermenêutica de Profundidade
INEP Instituto Nacional de Pesquisa
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério de Educação e Cultura
PNE Plano Nacional de Educação
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
SNE Sistema Nacional de Educação
TAC Teoria da Ação Comunicativa
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância, em inglês United Nations
Children's Fund
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. As fases da Hermenêutica de Profundidade
Figura 2. Teoria Critica Comunicativa de Educação
Figura 3. A intersubjetividade e a construção da pessoa
10
INTRODUÇÃO
Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado
para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da
opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a
necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão
pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento
e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que,
pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de
amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência
dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa
generosidade referida. (FREIRE, 1987).
Esta dissertação propõe analisar quais as concepções embasam o conceito de
diversidade, solidariedade e equidade apresentados no documento oficial da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) para saber se estão em concordância com os elementos fundantes
do Currículo Crítico Comunicativo.
Assim como Freire (1996) anuncia, pensamos a solidariedade como obrigação histórica
de homens e mulheres, contrária ao individualismo que é um “mito espalhafatoso do
capitalismo, que precisa de uma política de “dividir para conquistar” contra a solidariedade das
pessoas comuns que ele procura organizar numa cultura comercial e conformista, contradizendo
o próprio individualismo que ele propõe” (FREIRE, 1986, pg. 71). Deste modo, a solidariedade
torna-se um instrumento de luta e enfrentamento, capazes de potencializar uma “ética universal
do ser humano”, capaz de promover e instaurar a solidariedade social e política para uma
sociedade menos “feia” e “arestosa”, onde possamos ser nós mesmos. No tocante a educação,
a aprendizagem solidária é incompatível com o “treinamento pragmático e com o elitismo
autoritário” (FREIRE, 1996, pg. 42). Ainda de acordo com Freire (1996), o espaço de
aprendizagem é, um texto para ser constantemente “lido”, interpretado, “escrito" e “reescrito”.
Neste sentido, quanto mais solidariedade houver entre o educador e educandos no
“trato” deste espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola
(FREIRE, 1996, p. 97).
As possibilidades de uma aprendizagem democrática certamente perpassam segundo
Freire (2001), um “educador progressista” que está aberto à uma prática pedagógica crítica que
valorize a diversidade de culturas, ou seja, que “se entrega aberto e crítico à compreensão da
importância da posição de classe, de sexo e de raça para a luta de libertação” (FREIRE, 2001,
p.46).
11
Mas para viver democraticamente numa sociedade plural como o caso do Brasil, é
preciso respeitar os diferentes grupos e culturas que o compõem, investindo na superação e
irradicação das diversas formas de preconceito e discriminação. Embora Freire (2001) não
deixe explicito em suas obras especificamente o conceito de diversidade cultural, é possível
compreender como ele que, uma proposta educativa coerente com os problemas da diversidade
cultural como elemento indispensável para a problematização de uma autêntica prática
educativa libertadora, assumindo um conceito dinâmico de cultura proposto por ele já que para
o mesmo autor, a mudança é componente indispensável da experiência cultural, fora da qual
não somos, atribuindo a nós é buscar maneira de entender a diversidade cultural na ou nas suas
origens de ser, ou seja, mudanças que ocorrem “no campo dos costumes, no do gosto estético
de modo geral, das artes plásticas, da música, popular ou não, no campo da moral, sobretudo
no da sexualidade, no da linguagem”, etc. (FREIRE, 2000, p. 17).
Nessa direção e como pressuposto teórico para análise buscou-se os elementos
fundantes que embasam o currículo escolar na perspectiva crítico comunicativa, enfoque desta
pesquisa que exigiu além da compreensão acerca do conceito de currículo, seu movimento
histórico no cenário brasileiro, especialmente a partir da década de 1990, período marcante para
as políticas públicas, com a elaboração e implementação de leis e políticas econômicas, sociais
como meio para refletir as principais mudanças ocorridas e quais as concepções de sociedade
que embasam as políticas e projetos educacionais.
Do ponto de vista da LDB a coordenação da elaboração das diretrizes curriculares
nacionais fica sob a responsabilidade do MEC, mas os currículos são de responsabilidade das
redes de ensino. De maneira prática, é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996,
prevista pela Constituição Federal de 1998, que determina as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) de modo que a LDB define como a educação básica deve ser organizada para toda
educação básica brasileira e todo sistema de ensino, seja ele público ou privado. Esses
documentos, cada um em sua especificidade, dão de beber a construção e implementação da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para educação infantil e ensino fundamental 2017.
A aprovação do Documento BNCC no final de 2017, suscitou desta pesquisadora um
aprofundamento ainda maior das questões aqui analisadas. Em busca desse aprofundamento
deparei-me com um parecer emitido pelo Conselho Nacional de Educação que foi emitido em
virtude do processo de discussão sobre a questão da BNCC, constituindo uma Comissão
Bicameral. Essa comissão foi designada pela Portaria CNE/CP nº 11/2014, com o propósito de
“acompanhar e contribuir com o Ministério da Educação na elaboração de documento acerca
dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” e das metas prognosticadas no
12
Plano Nacional de Educação aprovado pela Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (CNE/CP
nº 11/2014).
Entre os argumentos das conselheiras está o pedido de vistas para o documento da BNCC,
estão a “urgência” na aprovação da proposta, a “exclusão do ensino médio”, “estreitamento
curricular”, “[...] no que se refere às diversidades regionais, estaduais e locais, além da
necessária articulação entre direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.”
(BRASIL, 2016b, não paginado).
No âmbito de uma sociedade bastante diversificada, onde as contradições sociais,
epistemológicas, conceituais, teóricas, etc., estão presentes em todos os espaços, no campo do
currículo não haveria de ser diferente. Uma sociedade marcada historicamente por educação
superficial em uma escola fragilizada por processos excludentes, incapazes de promover nos
sujeitos uma educação voltada ao aprofundamento acerca do mundo social em todos os seus
aspectos. Essa mesma sociedade de classes, contraditória, pode também tornar-se espaço de
transformação e espaço de luta e um movimento constante de resistência da classe trabalhadora
em prol de educação e escola inclusivas no sentido amplo do termo.
Significa dizer que é preciso garantir direito a educação a qualquer pessoa sem que, isso
esteja atrelado a sua condição sociocultural, biológica e psicológica. Aqui partimos do
pressuposto de que toda e qualquer pessoa tem direito a educação independentemente do local
que esteja, das suas diferenças e da diversidade do contexto ao qual esteja inserido,
considerando os processos de discriminação e preconceito que sofre esse sujeito.
É preciso ter cuidado com o discurso da inclusão escolar. Partimos do ponto de vista de
que o discurso dominante apresenta também uma concepção de escola inclusiva onde a
educação oficial molda o sujeito, inclui esse sujeito na dinâmica do consumismo e da
individualidade. Partimos da concepção de inclusão na perspectiva da educação popular crítica,
que se opõe a um sistema que oprime, trabalhando e incluindo na perspectiva da inclusão
somente para, o consumo e a dominação. Uma educação que é contrária a todo tipo de
acolhimento da organização social e está apoiada apenas nos pilares da concorrência, da
hierarquização e classificação do ser humano (PINTANO, 2016, p. 43).
Dizemos isso porque, em leitura do documento da BNCC quando fala sobre os marcos
legais que a embasam, referindo-se a promulgação de Documentos Curriculares Nacionais
(DCN) pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) quanto a ampliação de contextualização
do conhecimento considerando a [...] realidade local, social e individual da escola, percebe-se
que “[...] portanto, a [...] inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e
13
à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade
[...]” (BRASIL, 2017, p. 11)
Por conseguinte, nesse novo contexto social, que pratica uma educação tecnológica e
massificada a inclusão é transcender um discurso distanciado de práticas reais para uma escola
real. A constituição curricular tradicional acaba potencializando processos excludentes, uma
vez que trata todos os alunos que chegam a escola igualmente, sem considerar sua real situação
social, econômica e cultural. Pois bem, sabemos que a escola de modo algum é capaz de
oferecer uma “escola igual para todos”, o que não nos impede de acreditarmos em uma escola
para o “povo”, um povo que já chega a escola marginalizado e fragilizado por uma sociedade
capitalista, excludente, classista e contraditória. (NIDELCOFF, 1978, p. 9-20).
Nessa direção, argumentamos em defesa de uma proposta curricular na perspectiva
crítica comunicativa que propõe um currículo escolar voltado para formação humana e um certo
tipo de organização de sociedade, de pessoa e de relações que se estabelecem nesse espaço
social. No que tange a educação pensamos uma sociedade apoiados em Habermas (2001) e
Freire (1996). Para o primeiro que concebe a sociedade com dois pilares principais definidos
por ele como sistema que diz respeito ao sistema econômico e político que tendenciosamente
coloniza os aspectos mais específicos da vida humana a partir de uma ideologia
homogeneizadora que pode ser combatida através da educação consolidando interação e
diálogo entre mundo da vida e sistema mundo produzindo efeitos emancipatórios. Para o
segundo autor citado acima, nessa mesma sociedade é preciso transpor de uma educação
bancária para uma educação libertadora e emancipadora.
Para Freire (1996), a educação bancária é reflexo de uma sociedade que oprime e
confere privilégios a uns poucos. Isso acontece quando o processo de comunicação é
controlado, ou seja, os conteúdos e conhecimentos (dominantes) são considerados válidos. É o
mesmo que dizer que professores e educadores são detentores de todo saber na sociedade, que
tem como ferramenta a educação. Já uma educação que liberta uma sociedade da opressão é
aquela que existe a interação entre quem ensina e quem aprende e vice-versa. Nesta mesma
sociedade descrita pelo autor, onde nos incluímos, a educação tem papel fundamental de
desvelar as diversas relações opressoras, transformando homens, sociedade e o mundo.
Para que seja possível essa transformação, pensamos sobretudo uma proposta capaz de
dialogar em todos os espaços, sejam eles escolares ou não, bem como com a diversidade, por
considerar aqui, que um currículo fechado da forma com está pensado, não possibilita uma
educação que promova a compreensão de temas como ética, meio ambiente, pluralidade
14
cultural, saúde, orientação sexual e diversos outros temas sociais locais que além de promover,
naturalizam a exclusão social.
Partimos desse princípio, considerando que o referencial que sustenta essa proposta de
Currículo Crítico Comunicativo, está pautada no diálogo respeitoso e na igualdade de
diferenças, tendo como perspectiva a inclusão da diversidade em todos os seus aspectos, sejam
eles sociais, de gênero, raça, orientação sexual, etc., e todos os outros que hoje tem sofrido
diversos ataques pelas políticas públicas curriculares, as mesmas políticas que servem de
referência para os currículos das escolas brasileiras. Um currículo capaz de contribuir com os
processos de ensino e aprendizagem direcionados para autoformação e autocompreensão,
aliado a capacidade do ser humano de questionar, revisar e re-interpretar o que já foi
interpretado anteriormente, respeitando seu atual contexto histórico social, respeitando
também, o mundo em que vive, os outros e a si mesmo.
O Currículo Critico Comunicativo, como proposta curricular, vai além do diálogo
respeitoso e da igualdade na diferença. Se trata de uma proposta curricular voltada para
processos educativos que permitam elucidar e abrir espaços, possibilitando a construção e a
reconstrução de práticas que valorizem a solidariedade, o respeito das diferenças humanas, a
igualdade de oportunidades, a luta contra todo tipo de discriminação e a participação real nos
diversos espaços sociais, assumindo, conforme defende Ferrada (2001, p. 3, tradução nossa),
“[...] o desafio de mobilizar ações para incorporar uma racionalidade comunicativa como parte
das ações curriculares.”
A esse currículo são incorporadas a racionalidade comunicativa e o diálogo nas relações
sociais como base para se pensar, refletir e compreender os conflitos e desafios educacionais
demandados das transformações sociais, culturais e econômicas atuais, acompanhando as
transformações ocorridas ao longo do tempo, considerando que há muito estamos imersos e
submetidos a um mundo globalizado, também chamado de sociedade informacional ou
sociedade do conhecimento. Nesse novo modelo social a demanda é de que, de uma “restrita
visão de currículo como lista de disciplinas e conteúdos, passa-se a uma visão de currículo que
abrange praticamente todo e qualquer fenômeno educacional. Ou seja, “o currículo torna-se
tudo ou quase tudo” (MOREIRA, 1998, p.75).
Ao partir desse pressuposto, percebe-se que essa atual estrutura social altera as novas
demandas e exigências informacionais, culturais e formativas. São demandadas também nessa
nova dinâmica, projetos de educação intercultural, pautados no diálogo, que possam “[...]
recuperar o lugar central que a cultura teve nas finalidades fundamentais da educação e pôr os
meios e técnicas pedagógicas a seu serviço” e considerar que os processos educativos devem
15
ser concebidos tendo como base uma “[...] nova sociedade conectada em rede” (SACRISTAN,
2002, p. 24). Ainda de acordo com o mesmo autor, essa sociedade globalizada insurge
decorrente dos “[...] fenômenos econômicos, políticos, e culturais globalizadores.” exigindo da
educação e aqui inserimos o currículo escolar, que pensem propostas educativas orientadas para
e pela necessidade de construção de criação de um “modelo orientador de ser humano.”
(SACRISTAN, 2002, p. 30).
No centro dessa mudança de modelo social está como indispensável a necessidade de
diálogo e comunicação para pensar a resolução dos conflitos no interior e entre os grupos
sociais. Deste modo, pensar em formar seres humanos no âmbito dessa sociedade globalizada,
tanto em âmbito macro como micro, ou nas relações políticas, como nas relações pessoais do
dia a dia das pessoas em suas casas, onde se descobre a cada momento mais valores dialógicos,
descobrem também, uma intensa relação entre tais valores e as transformações dialógicas que
são impulsionadas.
O diálogo passou a ser muito mais necessário podendo desempenhar um maior papel
nas sociedades pós-modernas do que nas sociedades industriais e como consequência, exige
que as escolas deixem de desempenhar apenas o papel de transmissoras de culturas
descontextualizadas da realidade social de seus sujeitos ou o que Freire (1987, p. 35) chama de
“educação bancária”, passando à produtora de cultura própria. Para Sacristan (2002, p. 24)
trata-se de “uma cultura desejável” para o que chamamos de uma sociedade desejável.
É sabido que nem tudo ocorre na mais perfeita ordem e esse movimento dialógico pode
oferecer limitações consideráveis. Diversas barreiras são impostas para que sejam efetivadas as
transformações necessárias. A exemplo é possível citar o tradicionalismo, que acaba negando
o efetivo dialogo nas relações e a barreira sistêmica, apresentado pela forma burocrática das
diversas instituições sociais. Na escola não é diferente e pode ser massacrada por uma lógica
capitalista que se utilizam de discursos descontextualizados socialmente, culturalmente e
economicamente de uma prática verdadeira e plena de democracia, cidadania e igualdade para
todos.
Partimos do pressuposto de que as propostas de elaboração e implementação curricular
vive dilemas de um modelo que, certamente está longe de atender as reais necessidades culturais
e formativas de meninos e meninas que frequentam as escolas. Uma hipótese é que o currículo
que está posto para educação e escola, não dá conta do atual contexto em que vivemos, pois
não considera a imensa pluralidade de culturas, saberes, conhecimentos que está presente no
cotidiano das escolas. É essa mesma escola que vive dias difíceis, pois está subjugada a uma
lógica curricular que não considerar a grande pluralidade que está presente em seu cotidiano,
16
pautada em um modelo ultrapassado, que cerceia o indivíduo ao invés de emancipá-lo e de criar
condições para a autonomia.
Entre os anos de 1990 e 2017 foram elaboradas e aprovadas pelo CNE algumas diretrizes
e normas, dentre essas as Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Infantil, para o
Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, homologadas pelo MEC. E em 2017, o MEC
encaminha ao CNE a 3ª versão da Base Nacional Comum Curricular.
Essas considerações que apresentamos pretende desempenhar a função de resgatar
debates e concepções em torno da construção curricular e projetos de sociedade, que pretendem
desenvolver com a prescrição de conteúdos para as escolas públicas brasileiras. Certamente que
se trata de discussões que fazem emergir consensos e dissensos com relação a um currículo
padronizado para todas as escolas do país.
Desse modo, entendemos que algumas questões precisam de atenção para que possamos
refletir, são elas: para que serve a BNCC? Para quem é pensada? A partir de qual concepção de
sociedade é pensada? Diante de tantas mudanças, há uma relação com documentos curriculares
produzidos anteriormente? É possível avançar para uma escola pública de qualidade social a
qual seja uma escola inclusiva sentido latu do termo? O que se entende por diversidade, para
além da concepção de “escola para todos”? É possível construir um currículo escolar, a partir
das diretrizes da Base Nacional Comum Curricular, na perspectiva crítico comunicativa? Há
possiblidades de construção de currículos inclusivos seguindo os conteúdos e as diretrizes da
Base Nacional Comum Curricular?
As revelações até aqui amparam reflexões que constituem a questão central dessa
pesquisa que é saber: quais as possiblidades de construção de uma escola inclusiva, que
considere a diversidade, solidariedade e equidade sob a perspectiva de um currículo crítico
comunicativo a partir das diretrizes e conteúdos da Base Nacional Comum Curricular? Para
compreender esse movimento partiu-se da análise temática do documento oficial da Base
Nacional Comum Curricular, prevista na Constituição de 1988, na LDB de 1996 e no Plano
Nacional de Educação. Analisamos os discursos concernentes ao conceito de diversidade e
como esses conceitos são apresentados e descritos nos textos e partir de que bases teóricas são
amparados. Ficou definido 1 também para análise a obra de Donatila Ferrada Torres que
1 No decorrer do texto que apresentamos, os verbos utilizados, no modo indicativo, tais como, pesquisamos,
analisei, adotamos, realizei, dentre outros, apresentados tanto na primeira pessoa do singular quanto na primeira
pessoa do plural referem-se a um conceito / reflexão / ação individual e coletiva. Há momentos no texto em que
verbos indicativos na primeira pessoa do singular indicam a minha posição, o meu olhar diante de uma situação
enquanto pesquisadora, em outros momentos, os verbos indicativos na primeira pessoa do plural fazem referências
a uma reflexão ou conceito o da pesquisadora e orientadora da dissertação e / ou. Tais verbos estão identificados
em notas de roda pé para melhor compreensão da pesquisa.
17
apresenta o conceito de Currículo Crítico Comunicativo como uma proposta de se pensar a
equidade para todos os meninos e meninas, independente dos contextos socioeconômicos aos
quais estejam inseridos.
Tem-se conhecimento do poder decisório de tais organismos governamentais com relação
a imposição de políticas curriculares pensadas para serem implementadas nas e pelas escolas
brasileiras, mas, tem-se também convicção de que este mesmo espaço pode transformar-se em
espaço de resistência e luta das classes exploradas e mais afetadas pelas desigualdades
produzidas por tais instrumentos de imposição.
Pesquisar os discursos da diversidade produzidos nos documentos e propostas
curriculares nos ajuda a pensar sobre as representações que a sociedade, de modo geral, e em
especial professores, alunas e alunos tem sobre a diversidade e o quais as implicações que essa
representação pode promover no interior das escolas e na sociedade como um todo, em especial
nas relações que se estabelecem no cotidiano da escola, certamente refletindo na sociedade e
vice-versa. Entendemos que os documentos curriculares, são como peças que contribuem (ou
não) significativamente na construção social justa ou injusta. A organização curricular faz parte
da construção de realidades e isso tem impacto no contexto educativo e social.
Para que possamos expor os resultados que aqui pretendemos, organizamos este
trabalho em três capítulos.
O Capítulo 1 é dedicado às trajetórias metodológicas do trabalho. No segundo tópico
desse mesmo capítulo, é apresentado o método da Hermenêutica de Profundidade (HP) de John
B. Thompson (2011) descrevendo a Analise de Conteúdo como técnica escolhida para análises
das formas simbólicas a partir da análise temática.
Apresentamos no Capítulo 2 o Currículo Crítico Comunicativo, amparados pelos
estudos sobre currículo e educação popular a fim de situar o leitor para nosso objeto de estudo
o qual defendemos como proposta educativa. Neste capítulo apresentaremos os elementos
fundantes do Currículo Crítico Comunicativo bem como os procedimentos adotados, suas
significações e os resultados obtidos a partir da análise temática obtida a partir da leitura e
análise do livro de Donatila Ferrada Torres
No capítulo 3, nossa atenção está voltada para a temática a respeito construção curricular
no Brasil e sua contextualização sócio histórica, que compreende uma das fases da
Hermenêutica de Profundidade (HP), dialogando com o aporte teórico como meio de
questionar, interpretar e reinterpretar mecanismos e instrumentos do campo educacional. Neste
capítulo refletiremos o diálogo e ação comunicativa e como aporte teórico Freire e Habermas,
além de outros autores que dialogam nessa mesma perspectiva. O capítulo discute ainda
18
discursos presentes na BNCC a respeito da diversidade e como esta é apresentada no texto da
Base, finalizando assim, a segunda fase da HP.
Nas considerações finais retomam de modo geral, a problematização bem como as
constatações evidenciadas na pesquisa no que tange ao conceito de diversidade apresentado
pela BNCC em contraposição com os elementos fundantes de uma proposta curricular na
perspectiva crítico comunicativa, o Currículo Crítico Comunicativo. O que talvez encaminhe
nossas reflexões para um recomeço no tocante às formas de pensar a constituição curricular e
sua relação com o conceito da diversidade.
19
1 CAMINHOS DA PESQUISA
Qualquer tentativa séria de entender a quem pertence o
conhecimento que chega à escola deve ser, por sua própria
natureza, histórica. Deve começar por considerar os
argumentos atuais sobre currículo, pedagogia e controle
institucional como consequências de determinadas
condições históricas, como argumentos que eram e são
gerados pelo papel que as escolas desempenham em nossa
ordem social. Assim, se pudermos começar a compreender
os objetivos econômicos e ideológicos que as escolas serviram no passado, então poderemos começar a ver as
razões pelas quais os movimentos sociais progressistas que
buscam determinados tipos de reforma escolar – tais como
participação da comunidade e controle das instituições – tem
frequentemente menos sucesso do que seus proponentes
gostariam que tivessem. (APPLE, 2006)
A partir das questões que permeiam esta pesquisa – as possiblidades de
construção de uma escola inclusiva, que considere a diversidade, solidariedade e equidade sob
a perspectiva de um currículo crítico comunicativo a partir das diretrizes e conteúdos da Base
Nacional Comum Curricular – assumimos como basilar, para responder aos questionamentos
apresentados, e como ponto de partida as discussões acerca da organização curricular no Brasil.
Em razão do tema e da análise dos discursos, adotamos como metodologia, nessa
pesquisa, a Hermenêutica em Profundidade de John Thompson (2011) e como técnica de análise
a Análise de Conteúdo de Lawrence Bardin (1977). Elegemos as dimensões sócio-histórica e
culturais da organização curricular no Brasil, desde a década de 1990, para a análise que aqui
se pretende. E quando sistematizadas evidenciam, que a forma como são pensados tais
documentos deixam de fora a diversidade cultural presente na sociedade, demonstra uma
pretensão de modelo de organização social e de pessoa.
1.1 Definição da temática
Conhecer, na dimensão humana, [...] não é o ato através do qual um sujeito, transformado em objeto, recebe, dócil e
passivamente, os conteúdos que outro lhe dá ou impõe. [...]
O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa
do sujeito em face do mundo. Requer sua ação
transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca
constante. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a
reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer,
pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se
assim, percebe o ‘como’ de seu conhecer e os
condicionamentos a que está submetido seu ato. [...]
conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito, e somente enquanto sujeito, que o homem pode
20
realmente conhecer. (FREIRE, 1969; 1992a, p. 27, apud
SILVA, 2004).
O tema em questão começou a se delinear a partir dos estudos sobre Comunidades de
Aprendizagem2 que são desenvolvidos pelo Grupo de Estudos de Aprendizagem Dialógica
(GEAD) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT/CUR) coordenado pela professora
doutora Eglen Sílvia Pípi Rodrigues que vem se debruçando a estudar tal assunto, entre outros
temas, buscando refletir sobre propostas educativas que valorizem a diversidade cultural da
comunidade escolar e de seu entorno.
Nessa direção e tendo como base a interação, primeiramente em minha experiência de
vida como pertencente à classe popular e como dizia Paulo Freire em suas reflexões acerca da
educação e escola popular, não falo como pesquisadora alheia a cultura popular, “de fora”, falo
como alguém que conhece tal realidade de perto, de dentro. Posteriormente, minha experiência
aumenta quando com crianças, jovens e professores em projetos de leitura formulados e
desenvolvidos a partir da experiência como docente do curso de Biblioteconomia da
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, projetos estes pensados para bibliotecas e
escolas situadas nas periferias de áreas urbanas desta cidade, que foi possível observar e ainda
é, a presença da diversidade cultural, ao mesmo tempo que também foi possível perceber a
tentativa de negar e/ou silenciar essa diversidade.
Nessa constante, deparei-me com diversos ataques à educação e escola vindo de todos
os lados. Talvez o pior de tudo é que os sujeitos que compõem a trama da sociedade brasileira,
pais, professores, alunas (os), comunidade em geral não apenas neguem e/ou tentem silenciar a
diversidade que está presente nas escolas, acreditando que dispõem de um sistema educativo
verdadeiramente democrático e inclusivo, apesar de que os próprios conceitos equivocados de
democracia e cidadania vem se ressignificando e se cristalizando paulatinamente, dificultando
assim uma reflexão por parte da sociedade do que de fato é escola democrática.
Quero esclarecer que embora tenha sido um longo, mas, importante caminho percorrido
até a escolha do Currículo Crítico Comunicativo como objeto de estudo dessa pesquisa, e aqui
me ombreando à Guimarães Rosa que diz que o “[...] real não está na saída e nem na chegada,
2 Esta proposta pensada principalmente para transformar a partir da proposta curricular a realidade de exclusão
social que existe na escola e entorno. A proposta de Comunidade de Aprendizagem foi desenvolvida pelo Centro Especial em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades, da Universidade de Barcelona/Espanha e pelo
Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa, da Universidade Federal de São Carlos, Brasil. Refere-se à
transformação da escola e de seu entorno para que todas as pessoas, estudantes da escola e moradores do bairro
possam fazer parte de um novo cenário social. (MELLO et al., 2012)
21
ele se dispõe pra gente é no meio da travessia.” (ROSA, 1994, p. 85), tentei, acima de tudo,
aproveitar ao máximo o meu caminhar, onde foi possível transitar por diversos temas e teorias
que me fizeram chegar até aqui.
Dentre os temas, em especial, as questões que discutem o sentido da escola, a exclusão
escolar e escolas inclusivas e democráticas e especialmente o tema currículo. O envolvimento
dessa autora em projetos de incentivo à leitura em comunidades periféricas desta cidade foi
determinante nesse processo de escolha da temática em questão, bem como da professora
orientadora que é referência como pesquisadora de Comunidades de Aprendizagem no
município de Rondonópolis. É importante enfatizar que é a compreensão de aprendizagem que
motiva as Comunidades de aprendizagem, e que se baseia em sete princípios 3 de igual
importância no processo educativo para que todos tenham êxito em contextos socioculturais,
ou seja, comunidade e escola.
Nesse viés de raciocínio, a proposta de Comunidades de Aprendizagem visa, sobretudo,
a transformação da realidade da escola, como também das diversas formas de exclusão social e
cultural e foi desenvolvida pelo Centro Especial em Teorias e Práticas Superadoras de
Desigualdades, da Universidade de Barcelona/Espanha e pelo Núcleo de Investigação e Ação
Social e Educativa, da Universidade Federal de São Carlos, Brasil. Refere-se à transformação
da escola e de seu entorno para que todas as pessoas, estudantes da escola e moradores do bairro
possam fazer parte de um novo cenário social (MELLO et. al., 2012).
Nessa trajetória, partindo de um estudo preliminar, foi desenvolvido um levantamento a
por meio do Estado do Conhecimento, que compreendia as teses e dissertações com recorte das
produções acadêmicas (2005-2015) brasileiras, que naquele momento contribuíram com
discussões sobre a diversidade cultural, escola inclusiva, multiculturalismo e currículo
dialógico, como possibilidades para se pensar a construção curricular. Foi possível identificar,
entre outros dados, que grandes parcelas das pesquisas localizadas se concentram na Educação
o que aumenta o interesse em relação ao tema, aumenta também à medida que percebemos um
dado bastante importante, que nenhum trabalho no Estado do Mato Grosso discute,
especificamente, a temática que aqui nesse estudo propomos.
Nesse breve levantamento e levados a buscar entendimento acerca do que tem sido
produzido especificamente na área educacional, foi possível identificar algumas questões
relevantes que poderiam contribuir para as reflexões que aqui estão propostas, como por
3 Diálogo igualitário; inteligência cultural; transformação; criação de sentido; solidariedade; dimensão
instrumental e igualdade de diferença. Alguns autores contribuem teoricamente e apoiam estes princípios, dentre
eles: Freire, Vygotsky, Bruner, Wells, Habermas, Chomsky, Scriner e Mead.
22
exemplo, pensar caminhos possíveis para a construção de uma escola que respeite a diversidade
cultural, uma escola verdadeiramente inclusiva.
De modo geral, uma análise preliminar identificou trabalhos que tratam da temática em
questão, ficando evidente que na maior parte desses, que discutiam a escola inclusiva, tratavam
apenas da inclusão dos alunos com algum tipo de deficiência psicomotora. Um número pouco
expressivo nessas produções discutia a inclusão a partir do viés da diversidade cultural e
currículo, ou seja, questões decorrentes dos debates de raça, etnia, cultura, sexualidade, gênero,
classe social, religião, idade, necessidades especiais que por sua vez tem estreita relação com
outros confrontos sociais e com a construção curricular.
Posteriormente, deu-se a busca por compreensão acerca da escola e as possibilidades de
torná-la verdadeiramente inclusiva na perspectiva da educação popular emancipadora como
possibilidades para contribuir com os processos de formação humana com foco na construção
de um currículo onde o sujeito fosse visto integralmente, sujeito que interage, sujeito que possua
laços de escuta, de fala e de reflexão com os demais em uma interação intersubjetiva,
possibilitando o que Habermas (1987a apud PINENT, 2004) aponta como ação comunicativa
que se manifesta numa clara intencionalidade dialógica entre dois ou mais indivíduo. Que seja
um movimento inerente ao diálogo, da palavra verdadeira, da práxis, ação e reflexão (FREIRE,
1987, p. 44).
Nessa direção é preciso compreender que a educação popular, que de fato tenha
compromisso com a libertação das amarras d1987as desigualdades sociais é justificada por uma
prática pedagógica em contextos de opressão, como é o caso brasileiro, oferecendo resistência
a opressão social (PITANO, 2016).
A luz de análises e da observação do processo educativo, atravessado pelas incertezas
pedagógicas e marcada pela opressão, passou-se a busca na literatura para compreender como
é possível que o currículo seja considerado fora de interação dialógica entre escola e vida,
quando entendemos que ele deve contemplar tanto desenvolvimento humano, o conhecimento
quanto também a diversidade de culturas dos sujeitos envolvidos nessa dinâmica e que estes
sujeitos também buscam incessante o conhecimento que é produzido historicamente e que lhe
é negado. Essa busca vai desde “nossa capacidade de pensar e raciocinar” até a busca por
“mecanismos de superação dos desafios e relações conflituosas” que são impostos pela
existência humana (MARIGO, 2015, p. 23).
Mas a preocupação não está diretamente relacionada com legitimidade científica do
conhecimento que é materializado no currículo, a questão primordial a saber é em relação aos
procedimentos que levam a considerar um conhecimento legítimo de modo que essa validade
23
seja capaz de anular um outro conhecimento que os mesmos mecanismos asseguram ser
inválidos. De acordo com Apple (2015, p. 46) tratam-se de conhecimento “ilegítimos”, e que
amparar-se nos modelos curriculares tradicionais, os questionamentos se limitam a analisar os
“[...] critérios epistemológicos estreitos de verdade e falsidade. Como consequência, os
modelos técnicos de currículo limitam-se a questão de como organizar o currículo [...],
deixando de fora tanto a interação que acontece no cotidiano escolar como nas práticas
educativas.”
Assegurar uma aprendizagem dialógica aumenta a aprendizagem das pessoas,
potencializando a criação de sentido nos processos de escolarização de meninos e meninas.
Nesse sentido, é preciso criar mecanismos capazes de romper com os processos hierárquicos
que são identificados nas ações de ensino e aprendizagem e na produção de conhecimento seja
ele social ou cientificamente produzido. Marigo (2015), a esse respeito, esclarece que somente
integrando conhecimento social e cientifico, é possível eliminar o imenso abismo que se
instaurou no interior de “grupos socialmente vulneráveis” de um lado e de outro, “pesquisas em
ciências sociais e educação” e avançar nos processos de ensino e aprendizagem (MARIGO,
2015, p. 159).
Estudos apontaram também, para a urgência em reconhecer que são tempos difíceis para
escola pública bem como dos processos de ensino e aprendizagem que essa oferece, os sinais
são demasiadamente contraditórios e estão por todos os lados. Da mesma forma que é
necessário pensar sobre mecanismos de luta capazes e desvelar como as desigualdades sociais,
econômicas e culturais são produzidas e de que maneira é possível eliminá-las. Romper com
um pensamento ingênuo com relação a produção das desigualdades sociais, quando na verdade
podem ser reforçadas (se não produzidas) pela própria escola e pelo currículo escolar, quando
é aceito como instrumento neutro e desinteressado, quando na verdade o currículo e escola
sempre foram parte de instrumentos de controle social.
A título de ilustração sobre tais instrumentos de controle no qual essa autora se inclui, é
possível citar os aparelhos ideológicos discutidos por Althusser (2003) em sua obra “Aparelhos
Ideológicos de Estado”, que considera a instituição escolar também como aparelho ideológico
de Estado dominante nas formações sociais capitalistas e de reprodução, e também é a escola
que toma para si em seus processos todas as crianças, impondo-lhes e inculcando-lhes uma
ideologia, que geralmente advém da classe dominante.
Embora essa ideologia apresente-se em forma de projetos e propostas (currículo) que na
maioria das vezes são impostas e ditam as práticas pedagógicas de ensino e aprendizagem da
escola, determinando a esses sujeitos as práticas que estes desempenharão na sociedade, ou
24
seja, uma posição de explorado ou explorador, que compõem as formações capitalistas da
sociedade atual, é nesse mesmo chão de escola que podem se dar espaços de lutas em prol de
uma educação emancipadora capaz de transformar a realidade de meninas e meninos
marginalizados em uma sociedade de classes.
Quanto à escolarização das pessoas, muitos desafios são apresentados, principalmente no
que diz respeito à aprendizagem, mais especificamente ao conhecimento a ser ensinado.
Amparada em Marigo (2015), digo que é urgente compreender que o Brasil recebe destaque no
atual contexto educacional e entre diversos países que tem sido investigado e estudado, dentre
eles o Brasil é o que apresenta precariedade marcante na área da educação.
Mas, acreditando que nem tudo está perdido, em contrapartida estão os professores e
profissionais da educação que munidos de práticas respeitosas e de consciência política, com
respeito a liberdade, cultural, social e econômica, e respeito as diferenças, desenvolvem
propostas e projetos a fim de estimular a consciência crítica e reflexiva destes alunos confiados
à escola. Uma das razões porque dizemos isso, é que entendemos como Moreira e Candau
(2003, p. 159-160) que a escola é uma instituição cultural de modo que “[...] não se pode
conceber uma experiência pedagógica desculturizada.”, sem que os inúmeros costumes e
tradições que se manifestam na sociedade sejam uma constante na escola também.
Colocado de outra maneira pelos autores, escola e cultura são “universos entrelaçados,
como uma teia, tecida no cotidiano e com fios e nós profundamente articulados.” Mas como
paralisar o que é puro movimento? O currículo pode até ser movimentado por intenções oficiais
de transmissão de uma única cultura como sendo uma cultura oficial, mas certamente nunca o
resultado será o esperado, isso porque essa transmissão sempre se dará em um espaço dinâmico
de significação de puro movimento (MOREIRA; SILVA, 2011, p. 27).
Mas embora seja dado ênfase no comum, atualmente, muitos estudos e pesquisas
demonstram a necessidade de se entender que a pluralidade de diferenças se faz cada vez mais
presente em nossa sociedade e consequentemente na escola. Em decorrência dos embates
produzidos pelas diferenças culturais muitos autores, 4 de diferentes perspectivas, têm se
debruçado sobre o tema da cultura, da diversidade cultural, do multiculturalismo, igualdade de
diferenças, inclusão/exclusão, e defendem a necessidade de pensar que o currículo deve
apresentar em sua elaboração as diferentes expressões culturais.
4 Moreira e Candau (2008), Sacristan (2001), Moreira e Silva (2011), Silva (1995), Mclaren (1997) Pérez Gomes
(2001), Giroux (1998), Louro (2013; 2014; 2015) dentre outros que no momento oportuno contribuirão com essa
pesquisa.
25
É nesse contexto que defendemos que não se trata apenas de exaltar a diferença e a
diversidade cultural, mas sim, de reconhecê-las. O que nos leva a considerar que se tratando de
um país multicultural que, ao falar em democratização do ensino e garantir a todos e todas,
acesso aos bens e serviços sejam eles, sociais e/ou culturais, constitui compreensão das questões
relacionadas a respeito a diferentes culturas que coexistem nesse mesmo espaço. Isso porque
partimos do princípio que temos o direito a sermos nós mesmo em nossas subjetividades.
Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o
direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a
necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que
não produza, alimente ou reproduza as desigualdades (SANTOS, 1999, p. 44).
Naturalmente que essa convivência no espaço escolar não é pacífica e pode oferecer
desafios aos estudantes e professores. São conflitos colocados também para a educação, escola
e principalmente para a construção curricular, por estarmos assentados, historicamente e
epistemologicamente, em uma cultura escolar que prioriza o que é comum, o uniforme o
homogêneo, fazendo com que a construção curricular não fuja a essa regra.
Com base nas alegações acima, é que este projeto de pesquisa intitulado “Currículo
Crítico Comunicativo: caminhos possíveis para uma escola inclusiva”, busca a primazia de
compreender a construção curricular que considera a diversidade cultural em favor de uma
educação e escola inclusivas e que sejam possuidoras de relações mútuas de respeito com as
diferentes culturas presentes no cotidiano escolar, respeitando o princípio da igualdade e
garantindo direitos iguais para atender às necessidades específicas de cada um que compõem o
todo social.
É importante considerar que a igualdade aqui está relacionada à ideia da garantia de
direitos sociais. Todas as pessoas têm que ter os seus direitos sociais respeitados, sem distinção,
sempre considerando todos em quaisquer diferenças, sejam elas relacionadas à classe social,
raça, etnia, gênero, sexualidade, cultura, religião, idade, necessidades especiais, e a outras
características que convivem em um mesmo espaço social.
Foram essas e tantas outras inquietações que ao longo dos últimos anos, provocaram em
mim, enquanto pesquisadora, o desejo e a necessidade de refletir a partir de um referencial
teórico, a possibilidade de pensar em construir relações respeitosas no interior da escola e fora
dela. Nesse contexto, a concepção de Bardin (1977, p. 27) contribui para refletir sobre o papel
do pesquisador como investigador social que além do “[...] desejo de rigor e necessidade de
26
descobrir, de adivinhar, de ir além das aparências[...]”, como também o de observar e “[...]
determinar as influências culturais das comunicações de massa da nossa sociedade.”
Nesse horizonte de inquietações surge uma hipótese, a de que talvez seja porque “[...]
vivemos em uma sociedade marcada por políticas neoliberais, excludentes e que potencializam
cada vez mais a homogeneidade de seus sujeitos, asseverando a negação do outro.” (CANDAU,
2012, p. 23), inclusive por currículos e práticas escolares que certificam uma educação e
currículos iguais para todos.
Na contramão desse discurso de negação do outro, merecem destaque a criação de
iniciativas afirmativas em prol da educação e do respeito à diversidade cultural nas políticas
curriculares. Entre outras iniciativas, há uma lei sancionada em 9/01/2003, pelo então
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que “tratava-se” de uma medida de ação afirmativa que
“tornava” obrigatória a inclusão do ensino da História da África e da Cultura Afro-Brasileira
nos currículos dos estabelecimentos de ensino públicos e particulares da educação básica. Dizia
respeito a uma alteração da Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN).
Mais do que uma iniciativa do Estado, essa lei deve ser compreendida como uma vitória
das lutas históricas empreendidas pelo Movimento Negro brasileiro em defesa da educação
como direito de todos. Portanto, a partir de 2003, a Lei 9.394/96 passa a vigorar acrescida dos
seguintes artigos: 26-A, 79-A e 79-B: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de Ensino Fundamental
e Médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira incluído pela Lei 10.639, de 09/01/2003. (BRASIL, 2003).
Mas, em decorrência das disputas teóricas e de poder são concretizadas propostas que
contrariam o estado democrático de direito. Surgem no horizonte educacional novas medidas
impostas a educação e a escola. Para a construção dessa reflexão, podemos (devemos) observar
certos documentos oficiais como por exemplo a reforma do ensino médio, e as alterações na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em seu artigo 61, discorre a respeito das mudanças
que chegam por meio de medida provisória. A palavra de ordem é “falência do ensino”, a
justificativa: “um salto de qualidade para o ensino médio”. As mudanças vão desde a disciplinas
que deixam de ser obrigatórias à contratação de “professores de notório saber”.
Assim, presenciamos as idas e vindas das políticas educacionais, sempre acompanhadas
de diferentes discursos políticos, sociais ou culturais, que às vezes se manifestam de forma
implícita, ou explicitamente no cenário atual político. Por isso, entendemos como Freire (1987,
p. 30) que a “educação é ato político”, do mesmo modo que não acreditamos que currículo seja
27
apenas território em disputa teóricas, mas também disputas por direitos, tanto políticos, sociais
ou culturais.
Em meio às disputas e confrontos políticos temos sempre que acreditar num horizonte de
possibilidades para uma escola pública de qualidade social. É bem verdade que numerosos
debates em torno da qualidade do ensino vêm ocorrendo na educação, bem como no campo do
currículo na atualidade. Entre as questões centrais desses debates estão a seleção e a
organização do conhecimento e a qualidade do ensino, medida não pela ótica da eficiência e
eficácia do ensino, e sim pela qualidade que leve em conta as possibilidades de
desenvolvimento pleno do indivíduo com participação ativa na sociedade.
Assim como Carvalho (2005, p. 15), penso que qualidade na educação tem a ver com a
“educação de qualidade social” e aqui como o autor é incluída aos tipos de educação capazes
de garantir “[...] o acesso e a permanência de todos os alunos na escola e, ao mesmo tempo,
propicia uma educação emancipadora para toda a sociedade e a apropriação do conhecimento
sistematizado, visando o fortalecimento do poder popular.”
Nesse entendimento, embora difícil, devemos manter viva a vitalidade e a força dos
sujeitos que frequentam a escola, bem como a busca por uma reforma educacional democrática
e justa para todos. É preciso continuar, mesmo que isso signifique lutar constantemente nesse
ambiente de inquietações, contra os “ataques gerais a educação” (APPLE; BEANE, 2001, p.
11).
Para tanto, essa pesquisa se ancora na metodologia proposta por John B. Thompson
(2011) desenvolvida em três fases: 1. Análise sócio histórica, 2. Análise formal ou de discurso
e 3. Interpretação e reinterpretação dos dados que será realizada com a ajuda da técnica da
análise de conteúdo, conforme preconizado por Laurence Bardin (1977). Entendemos ser
possível, dessa maneira, realizar o tratamento e interpretação das mensagens para além da
superficialidade que elas possam apresentar. Segundo salienta Bardin (1977, p. 16), “[...] por
detrás do discurso aparente, geralmente simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que
convém desvendar.”
A seguir, no próximo capítulo, os procedimentos metodológicos utilizados para a
realização desta pesquisa serão descritos passo a passo.
1.2 HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE E A TÉCNICA DA ANÁLISE DE CONTEÚDO
28
Embora seja bastante expressivo o número de trabalhos que trazem à luz discussões de
diversos temas relacionados e entrelaçados nessa construção que aqui se apresenta, é, necessário
selecionar um referencial que sustente nossa intenção de pesquisa e auxilie na compreensão dos
elementos de análise para que os documentos selecionados possam, conforme Richardson
(2011, p. 233) “[...] proporcionar a informação adequada para cumprir os objetivos da
pesquisa.”
Acreditamos que no universo da pesquisa qualitativa, seja exigido um método criterioso
com base em subsídios teóricos metodológicos adequados para a análise do material
selecionado. Diante dessa afirmação, apresentamos a Hermenêutica de Profundidade (HP) de
John B. Thompson (2011). A HP configura-se como instrumento metodológico capaz de
oferecer subsídios para compreensão e interpretação. Para o autor essa opção está em
consonância com a análise que aqui se pretende, nas palavras dele,
[...] muitos fenômenos sociais são formas simbólicas e formas simbólicas são construções significativas e que, embora possam ser analisadas pormenorizadamente
por métodos formais ou objetivos, inevitavelmente apresentam problemas
qualitativamente distintos de compreensão e interpretação (THOMPSON, 2011, p.
358).
Isso nos leva a compreender porque as formas simbólicas necessitam de análise e
interpretação tanto estatísticas, objetivas como interpretativas, por se tratarem de um objeto de
análise já pré-interpretado (THOMPSON, 2011). E nesse processo de análise, interpretação e
reinterpretação de dados, buscamos evidenciar que não existe uma única verdade, embora o
positivismo tenha prevalecido na modernidade e venha refletindo ainda hoje na forma como
concebemos aspectos de caráter psicológico, sociológico, político, histórico e culturais nos
processos educativos. A hermenêutica é contrária a essa via de mão única de se conceber os
ambientes de produção e reprodução do conhecimento.
No âmbito específico dessa pesquisa é possível afirmar a Hermenêutica como
importante subsidio teórico metodológico à análise que aqui pretendemos, pois mantem sua
característica interpretativa, embora, num primeiro momento, ela remetia a interpretação,
unicamente, de textos bíblicos conforme é conceituado no dicionário de filosofia de Japiassu e
Marcondes (2001, p. 92). De acordo com os autores e como meio de apresentar alguns aspectos
históricos, as origens do termo “hermenêutica” tem suas raízes na teologia e designa,
[...] 1. A metodologia própria à interpretação da Bíblia: interpretação ou exegese dos
textos antigos, especialmente dos textos biblicos. 2. O termo passou depois a designar
todo esforço de interpretação cientifica de um texto dificil que exige uma explicação.
29
[...] 3. Contemporaneamente. A hermenêutica constitui uma reflexão filosófica
interpretativa ou compreensiva sobre os símbolos e os mitos em geral [...]
(JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 92).
Esse resgate da concepção da hermenêutica serve para nos localizarmos acerca do
contexto sociohistórico ao qual a hermeneutica está insirida e da sua contribuição com a análise
dos diversos contextos sócio-históricos ao longo do tempo.
Vale ressaltar que o corpus a ser analisado é constituído pelo documento da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), compreendidos aqui como formas simbólicas que são
“[...]construções significativas que exigem uma interpretação.” (THOMPSON, 2011, p. 357),
por isso elegermos como método a HP, por compreendemos que embora Thompson (2011) não
aborde o conceito de formas simbólicas especificamente no campo curricular, ele vê a escola e
aqui é possível incluir a organização curricular que é pensada para essa escola, como
importante território de contestação, dominação e de disputa de poder e um território pré-
interpretado, que exige ainda mais uma análise meticulosa.
Para Thompson (2011) isso se deve, também, pelo fato de que a escola como instituição
responsável pela distribuição do conhecimento, está entre os espaços sociais em que a maior
parte das pessoas vivem suas vidas cotidianas sendo profundamente afetadas pela comunicação
de massa ou pela “[...] ampliação da educação de massas.” conforme esclarece Silva (2000 apud
HIDALGO, 2008, p. 28).
Ainda segundo Silva (2000), ao discutir as complexidades das “[...] elaborações teóricas
acerca do currículo”, afirma que já na década de 1960 com o advento movimentos sociais e a
elaboração das teorias críticas, acabaram provocaram intensas alterações no interior no campo
curricular, demandando
[...] atenção exclusiva dos aspectos técnicos da elaboração e organização do currículo,
sem questionamento político do papel da educação na sociedade, passa a ser
substituída pelas preocupações pelas desigualdades sociais e o papel do currículo na
manutenção e ampliação dessas (SILVA, 2000 apud HIDALGO, 2008, p. 28).
Já para Thompson (2011), o contexto sócio-histórico é sem dúvida alguma,
indispensável para a análise exaustiva das formas simbólicas interpretando e reinterpretando,
mas o autor lembra que, é preciso avançar nessa concepção e ir além das interpretação e
reinterpretação do que ele chama doxa. Para o autor, a doxa, nada mais é do que “[...]
interpretações de opiniões, crenças e compreensões que são sustentadas e partilhadas pelas
pessoas que constituem o mundo social.” Não afirmamos aqui que é preciso desconsiderar a
30
interpretação da doxa, o que estamos afirmando é a necessidade de ir além, para uma análise
mais profunda das formas simbólicas (THOMPSON, 2011, p. 364). Nas palavras do autor,
Sem esquecer a interpretação da doxa, devemos ir além desse nível de análise, para
tomar em conta outros aspectos das formas simbólicas, aspectos que brotam à
constituição do campo-objeto. As formas simbólicas são construções significativas
que são interpretadas e compreendidas pelas pessoas que as produzem e recebem, mas
elas são também construções que são estruturadas de maneiras definidas e que estão
inseridas em condições sociais e históricas específicas (THOMPSON, 2011, p. 365).
A luz desses esclarecimentos, entendemos ser possível refletir o currículo, bem como
escola, a partir do viés de contextos sócio-histórico. Ao qual tanto organização curricular, como
escola estão inseridos, bem como a forma como são produzidas, transmitidas e recebidas as
mensagens que estes carregam ao longo do tempo histórico e, considerando que percebemos o
currículo como um espaço de luta e contestação constantes. Nesse aspecto, Thompson (2011,
p. 288) diz que o currículo é também território de “[...] produção institucionalizada e a difusão
generalizada de bens simbólicos através da transmissão a do armazenamento da
informação/comunicação.”, que se efetivam por meio e através das instituições escolares
(THOMPSON, 2011, p. 288).
O autor ao se referir a tais construções como formas simbólicas, insere também como
sendo formas simbólicas:
[...] ações, falas, textos que, por serem construções significativas, podem ser
compreendidas [...], por se tratarem de uma ampla variedade de fenômenos
significativos, desde ações, gestos e rituais, até manifestações verbais, textos,
programas de televisão e obras de arte. (THOMPSON, 2011, p. 183).
E são constituídas por cinco características que tem uma intrínseca relação com o
“significado”, “sentido” e significação” do objeto a ser estudado (THOMPSON, 2011, p. 183).
Do mesmo modo que o autor esclarece quando descreve tais características, não temos
a intenção de discutir profundamente as mesmas, mas no que se refere essa pesquisa elas são
“cruciais para a análise da cultura” em que são interpretados os discursos apresentados pelos
documentos curriculares quanto ao sentido e significado do que se quer dizer ou do que se diz
com tais discursos.
Assim, mesmo que de maneira sucinta não iremos negligenciar tais aspectos sob pena
de perder de vista o caráter cultural da interpretação das formas simbólicas, que aqui nessa
pesquisa diz respeito a organização curricular e o conceito de diversidade apresentado por esse
documento e do pressuposto de que cultura pode ser interpretada, como as particularidades:
31
[...] espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou
um grupo social [...] carregados de aspectos culturais que são produzidos ao longo do tempo histórico da vida do ser humano. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
PELA EDUCAÇÃO CIÊNCIA E CULTURA, 2002, não paginado, grifo nosso).
Ao partir dessa premissa, observa-se que a primeira característica, de acordo com
Thompson (2011, p. 183), está relacionada com o “aspecto intencional” das formas simbólicas,
tem a ver com o modo como as formas simbólicas são produzidas, construídas e empregadas
por um sujeito com intencionalidades de expressão de algo que quer dizer ou projetar para outro
sujeito ou sujeitos. A segunda característica diz respeito ao “aspecto convencional” das formas
simbólicas. É importante destacar que essa característica, embora a produção e representação
das formas simbólicas estejam submersas a “[...] aplicação de regras, códigos, ou convenções
de vários tipos.”, não é intrínseco a esse processo a consciência de tais regras de modo que seja
capaz de formulá-las de maneira clara e concisa (THOMPSON, 2011, p. 185).
Ao descrever a terceira característica, Thompson (2011) detalha o “aspecto estrutural”
das formas simbólicas. Para ele, significa dizer que se existe nas formas simbólicas uma
estrutura articulada, é possível abstrair e reconstruir dessa maneira, uma variedade de
elementos, de modo que suas análises devam considerar tais aspectos, bem como suas inter-
relações (THOMPSON, 2011, p. 187). A quarta característica é o “aspecto referencial”, ou seja,
o aspecto da representação, pois as construções representam algo, querem dizer algo acerca de
alguma coisa, ou como Thompson (2011, p. 190) descreve, “[...] são construções que
tipicamente representam algo, referem-se a algo, dizem algo sobre alguma coisa.”
E por fim, o autor apresenta a quinta característica. O “aspecto contextual” diz respeito
aos processos e contextos sócio-históricos” ao qual as formas simbólicas estão inseridas, sendo
a através destes contextos que tais formas são “produzidas, transmitidas e recebidas” e
possivelmente carregadas de marcas resultantes das relações sociais desses contextos
(THOMPSON, 2011, p. 192).
É preciso considerar nessa última característica, que quando esse contexto diz respeito
às formas mais complexas como por exemplo, discursos, textos, etc., “[...] pressupõem, uma
variedade de instituições especificas, dentro das quais, e por meio das quais, essas formas
simbólicas, são produzidas, transmitidas e recebidas.” (THOMPSON, 2011, p. 183).
Nessa direção e considerando o contexto social ao qual está inserido nosso corpus de
análise, as características das formas simbólicas dizem muito pois, estas acabam por produzir,
32
instituir, criar, sustentar, nutrir ou reproduzir relações de poder e de dominação, a partir do
sentido e significado atribuído as mensagens, sejam elas implícitas ou explícitas.
E aqui, partindo do princípio de que tais relações, são permeadas por conflitos e
diferenças de classe, raça, gênero, orientação sexual, opção religiosa, idade, pode etc. Enfim, a
diversidade em suas diversas expressões e no tocante a organização curricular determinar,
prescrever conteúdos como receitas prontas, pode estabelecer uma relação de dominação de uns
sobre outros. Nas palavras de Thompson,
Relações de classe são apenas uma forma de dominação e subordinação, constitui
apenas um eixo da desigualdade e exploração; as relações de classe não são, de modo
algum a única forma de dominação e subordinação. [...] vivemos atualmente um
mundo em que a dominação e a subordinação de classe continuam a desempenhar um
papel importante, mas em que outras formas de conflito são prevalentes e, em alguns
contextos, de importância igual ou até maior (THOMPSON, 2011, p. 77-78).
Do mesmo modo o universo de construção, reconstrução e desconstrução curricular é
local onde se manifestam a representação como domínio, discurso e regulação. De modo que
não é possível desconsiderar as características apresentadas por Thompson (2011) ao elaborar
a concepção estrutural da cultura. Nas palavras de Silva (1996) quanto a organização curricular
e também no
[...] currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de
formação de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais
estão mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais. (SILVA
,1996, p. 23).
O currículo deriva sempre de uma tradição de escolha seletiva, resultado da seleção de
alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. A sistematização
do conhecimento no currículo é “[...] produto de tensões, conflitos e concessões culturais,
políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo” de uma nação (APPLE, 1992
apud MOREIRA; SILVA, 2011, p. 71).
Aqui partimos do pressuposto de que currículo não é apenas o conhecimento, mas
também é atravessado por atitudes, comprometimento e intenções. Nesse caso, ele corresponde
as todas as ações que se desenvolvem no espaço escolar com a participação de professores e
alunos. O que, de certa forma, faz com que sua construção se dê numa arena de conflitos e
desafios. Tais desafios podem se relacionar com a forma de pensar o currículo, a articulação
do tempo e do espaço, a flexibilização, a organização, a não compartimentalização dos
conteúdos, sobretudo a construção curricular que não considere a diversidade cultural.
33
A metodologia da Hermenêutica em Profundidade (HP), está inserida no campo da
Teoria Social Crítica, bem como entendemos que essa investigação também se situa, pois,
buscamos a partir de nosso corpus de análise do mesmo modo que o autor propõe, desvelar,
interpretar e reinterpretar o já dito a respeito da construção curricular no que tange à sua
elaboração e implementação e as relações que se estabelecem nesse campo, com relação ao
conceito de diversidade que é inserido no documento e textos que aqui analisamos.
Embora a HP tenha sofrido inúmeras transformações desde a Grécia Clássica, ou seja,
a mais de dois milênios, conforme preconiza Thompson (2011, p. 357-360), ela conserva
características fundamentais para a análise que dispomos a realizar, dentre elas é possível citar
que no estudo das formas simbólicas é fundamentalmente uma questão de compreensão e
interpretação bem como o autor nos relembra que “[...] os sujeitos que constituem parte do
mundo social estão sempre inseridos em tradições históricas.” Sendo preciso considerar que, os
acontecimentos sócio-históricos são tanto campo-objeto como campo-sujeito e, que segundo
mesmo autor, trata-se da distinção entre investigação social e conduta das ciências naturais.
Contudo se a hermenêutica nos relembra que campo-objeto é também campo-sujeito,
[…] ela também nos recorda que os sujeitos que constituem o campo-sujeito-objeto
são, como os próprios analistas sociais, sujeitos capazes de compreender, de refletir
e de agir fundamentados nessa compreensão e reflexão [...] outro aspecto relacionado,
devido ao que a hermenêutica conserva sua importância hoje, ela nos recorda que os
sujeitos que constituem parte do mundo social estão sempre inseridos em tradições
históricas. [...] (THOMPSON, 2011, p. 359-360, grifos do autor).
Não é possível então, conceber os seres humanos apenas como observadores ou
espectadores como alguns documentos e construções curriculares tentam impor, mas estes
devem ser compreendidos como parte da história, do mesmo modo que entendemos ser possível
refletir com e sobre construção do currículo distanciado da realidade social e cultural dos
sujeitos para quem esse currículo é sistematizado e prescrito. É nessa perspectiva que
desenvolvemos essa investigação, apoiamo-nos nesse referencial teórico metodológico (HP),
proposto por Thompson (2011, p. 365) como meio de analisar as “formas simbólicas” do
currículo em contextos sócio-históricos.
Essa abordagem teórica metodológica, abarca três fases, sendo elas: análise sócio
histórica, análise formal ou discursiva, e interpretação-reinterpretação conforme demostrado na
figura abaixo:
Figura 1 – As fases da Hermenêutica de Profundidade
34
De acordo com essa proposta metodológica, a análise do contexto sócio-histórico
corresponde a primeira etapa da HP, que é entendida como produção, circulação e recepção das
formas simbólicas e que, no que se refere a essa pesquisa, trata-se do documento da BNCC,
especificamente as diretrizes para a educação básica e do livro de Donatila Ferrada Torres,
Curriculum Crítico Comunicativo, ambos aqui compreendidos como “[...] objetos e expressões
que circulam nos campos sociais.” são também textos que de são também de alguma forma são
“[...] construções simbólicas complexas que apresentam uma estrutura articulada.” e que
caracteriza-se como a segunda fase de análise, a “análise formal e discursiva.” (THOMPSON,
2011, p. 369).
A análise formal ou discursiva refere-se à segunda fase da HP que, parte do
entendimento de que as formas simbólicas apresentam uma complexidade quanto a sua
estrutura, e é por meio dessa estrutura que os fatos são revelados. A esse respeito, Thompson
(2011) parte do princípio de que:
[...] as formas simbólicas são produtos contextualizados e algo a mais, pois elas são
produtos que, em virtude de suas características estruturais, têm capacidade, e têm por
objetivo dizer alguma coisa sobre algo. (THOMPSON, 2011, p. 369).
Dessa forma, para execução e desenvolvimento da segunda fase da HP, analisamos,
tanto o livro de Donatila Ferrada Torres que apresenta o conceito de currículo numa perspectiva
crítico comunicativa, como o documento da BNCC na parte que trata da educação básica,
35
compõem o corpus deste trabalho que levou em consideração o tema central da pesquisa,
Currículo Crítico Comunicativo: caminhos possíveis para uma escola inclusiva.
Desse modo, na segunda fase da HP definimos as formas simbólicas sobre a temática
da análise em questão: diversidade. O recorte temporal foi definido a partir da análise sócio-
histórica (primeira fase da HP) compreendido como período importante com exponenciais
transformações no campo educacional e curricular, e utilizando como contribuição na analise a
produção acadêmica a partir da ressonância na temática do Currículo Crítico Comunicativo e
dos textos oficiais que descrevem a BNCC e como a diversidade e apresentada nos textos, como
forma de contribuir com as interpretações e reinterpretações do objeto de estudo.
Ainda que sejam inúmeras formas de realizar a análise formal, e que tem a ver com “[...]
organização interna das formas simbólicas, com suas características estruturais, seus padrões e
relações.” (THOMPSON, 2011, p. 369). Enfim, tendo em mente as características e as
circunstâncias que circunscrevem o objeto de estudo, definimos como técnica de análise nesta
segunda fase da HP, a “Análise de Conteúdo” (AC), que conforme defendida por Bardin (1977)
busca, dentre outros aspectos, rigor teórico-metodológico da pesquisa bem como de sua análise.
Essa técnica é capaz de transpor as barreiras da subjetividade e do achismo, evitando a
ilusão da transparência e dos pressupostos apresentados apressadamente por diversos textos
como é o caso de alguns conceitos apresentados pelo documento elaborado para a BNCC, como
o conceito de cidadão, escola pública de qualidade, direitos, deveres, e principalmente pelo
estudo que aqui se pretende, o conceito de diversidade, pois como Bardin (1977, p. 16) salienta,
“[...] por detrás do discurso aparente, geralmente simbólico e polissêmico, esconde-se um
sentido que convém desvendar.”
É nessa direção e intenção que recorrermos à instrumentos de investigação laboriosa de
documentos, a fim de desenvolver, um modo de vigilância crítica que,
[...] exige o rodeio metodológico e o emprego de técnicas de ruptura e afigura-se tanto
mais útil para o especialista das ciências humanas, quanto mais ele tenha sempre uma
impressão de familiaridade face ao seu objeto de análise. E ainda dizer não a leitura
simples do real, sempre sedutora [...] (BARDIN, 1977, p. 28).
Antes de passamos para a terceira fase da HP, nos deteremos a desenvolver uma reflexão
mais aprofundada da Análise de Conteúdo. Este fato se deve a necessidade em destacar sua
importância como conjunto de técnicas de análise de comunicações, bem como demostrar a
importância da semântica para a análise pretendida, ou seja, a análise do sentido ou significado
de um texto.
36
Mas a busca por compreender certas relações e conexões existentes no campo
curricular a partir da HP não podem correr o risco de deixar que as heranças do positivismo
interfiram. É necessário entender que embora não se descarte essa possibilidade, não podemos
partir apenas de análise puramente “formal, estatística e objetiva” como acontece com o
positivismo, mas é preciso considerar as especificidades das “[...] formas simbólicas como
construções significativas que exigem uma interpretação; elas são ações, falas, textos que, por
serem construções significativas.”, que podem e devem ser compreendidas (THOMPSON,
2011, p. 356).
Nesta pesquisa optamos pela análise temática, ou como Bardin (1977) chama de unidade
de registro tema. A escolha se deu por compreendemos que nosso objeto de estudo se trata de
formas simbólicas de comunicação de massa e que segundo Thompson (2011, p. 366) são “[...]
produzidas, transmitidas, e recebidas em condições sociais e históricas específicas[...], que tem
como objetivo principal a [...] reconstrução das condições sociais e históricas de produção,
circulação e recepção das formas simbólicas.”
Nessa perspectiva utilizamos a análise temática por se tratar também de uma técnica
aplicada para analisar “[...] motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de
tendências, etc.”, bem como a comunicação de massa que utiliza o tema como base de análise
em busca de “[...] descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação, cuja presença,
ou frequências de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”
(BARDIN, 1977, p. 106).
Do mesmo modo que acontece na análise sócio-histórica, é possível elencar inúmeras
maneiras de realizar a análise formal ou discursiva dos dados, mas que segundo Thompson
(2011) esse fato se deve as características do objeto de estudo, bem como das circunstâncias
especificas em que acontece a investigação. Mas aqui não nos interessa discutir,
pormenorizadamente, cada método ou os diversos tipos de análise. Por ora, nos deteremos a um
tipo específico que será capaz de dar conta da análise que pretendemos, pois precisamos
questionar o discursos acerca do conceito de diversidade que a BNCC apresenta bem como
contrapô-los aos elementos fundantes do currículo na perspectiva crítico comunicativa como
meio de evidenciar os ocultamentos que os textos trazem para que possamos desvendar
algumas possíveis intencionalidades presentes nos discursos.
Dentre as inúmeras etapas que desta pesquisa, talvez essa tenha sido a mais exaustiva,
tanto na escola como na realização da escolha da técnica de análise. Contudo, com o intuído de
alcançar o objetivo dessa pesquisa – analisar as concepções que embasam o conceito de
diversidade, solidariedade e equidade apresentados no documento oficial da Base Nacional
37
Comum Curricular (BNCC) e para saber se os mesmos estão em concordância com os
elementos fundantes do Currículo Crítico Comunicativo – a partir desse procedimento
sistemático e objetivo para descrever e dar sentido ao conteúdo das mensagens, bem como, um
olhar multifacetado sobre a totalidade do corpus e por entendermos o caráter polissêmico dos
dados obtidos no documento da BNCC, a escolha pela a Análise de Conteúdo preconizada por
Bardin (1979), se deu por tratar de uma técnica de investigação com a finalidade de realizar a
descrição objetiva, sistemática e quantitativa no conteúdo manifesto nas comunicações.
Nessa pesquisa, é do conceito de diversidade, presente no documento da BNCC
especificamente no texto que apresenta, trata e direciona a educação básica das escolas de todo
sistema de ensino brasileiro e que, do nosso ponto de vista, tal proposta de organização
curricular pode ser compreendida como sendo um “transporte de significações de um emissor
para um receptor” e a análise de conteúdo dá conta de um aprofundamento e abrangência do
que queremos compreender com a análise pretendida. (BARDIN, 1977, p. 32).
Compreender a partir dos discursos da diversidade apresentados no documento da
BNCC, é fundamental para avançar na concepção que fundamenta a construção de escola
inclusiva, pautando-se no rigor cientifico e discussões mais consolidadas teoricamente,
evitando a superficialidade nas análises utilizando um “[...] conjunto de técnicas de análise das
comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens.” deduzindo e inferindo a partir dos índices e indicadores elencados para a análise
do conteúdo (BARDIN, 1977, p. 38).
Conforme destacado por Thompson (2011), a análise deve ser realizada de maneira
aprofundada e sistemática. Optamos pela Análise de Conteúdo como técnica de análise, por
tratar-se de um método rigoroso como meio de uma compreensão mais ampla dos
conhecimentos a serem adquiridos e que Richardson (2011) define, como “[...] um conjunto de
instrumentos metodológicos cada dia mais aperfeiçoados que se aplicam a discursos diversos.”
e tem como fundamento segundo o mesmo autor, “[...] compreender melhor um discurso, de
aprofundar suas características (gramaticais, fonológicas, cognitivas, ideológicas, etc.) e extrair
os momentos mais importantes.” (RICHARDSON, 2011, p. 223-224).
Segundo Bardin (1977, p. 95), existem, quanto a organização da Análise de Conteúdo,
diferentes fases a serem descritas, como por exemplo o “[...] inquérito sociológico ou a
experimentação.” que podem ser organizados em torno de três polos cronológicos: pré-análise
– é neste momento que acontece a exploração de material, ou seja dos documentos a serem
submetidos a análise que, aqui nessa pesquisa, foi a leitura flutuante da BNCC em sua
totalidade, mais pormenorizadamente na parte que trata da educação básica. Nesse momento, o
38
material é devidamente organizado de forma operacional e sistêmica. Essa organização
compreende outras quatro etapas: o contato com o material bruto; a demarcação do que será
analisado nos documentos; a formulação das hipóteses e objetivos do texto; a referenciação dos
índices e elaboração dos indicadores.
Alguns aspectos devem ser considerados nesta fase de tratamento do material destinado
à Análise de Conteúdo e dizem respeito a “[...] regras precisas que quando consideradas
permitirão atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão.” (BARDIN, 1977, p.
95), regras que dizem respeito a exaustividade; representatividade; homogeneidade;
exclusividade. Em outras palavras, é preciso esgotar o texto em sua totalidade, de modo que
este seja fielmente representado, mas, levando em consideração um único princípio de
classificação como meio de evitar ambiguidades na amostra que, deve ser conduzida por um
único princípio de organização de categoria.
Tratar o material é codifica-lo. A codificação corresponde a uma transformação – efectuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta
que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do
conteúdo, ou da sua expressão [...] (BARDIN, 1977, p. 103, grifo do autor).
A síntese das duas primeiras fases da HP culmina na terceira e última fase, então a
articulação dos resultados da análise sócio-histórica e da análise formal ou discursiva leva à
“[...] construção criativa de possíveis resultados.” (THOMPSON, 2011, p. 375). Essa fase
implica um movimento novo de pensamento, uma construção criativa por meio da qual se
oferece uma interpretação do que é dito ou representado pela forma simbólica sob a análise.
A partir dos discursos analisados, foram lançadas outras interpretações sobre como vêm
sendo abordadas as temáticas aqui levantadas. Ou, como Thompson (2011, p. 375) diz: “[...] é
preciso propor, estabelecer, elucidar as conexões existentes entre, de um lado a cultura, a
ideologia e comunicação de massa e de um lado, e a analise prática dessas diferentes formas
simbólicas do outro.”, que certamente interferem no cotidiano escolar e na construção
curricular. Mas, para seja, adequadamente, compreendido os conflitos e tensões do campo
curricular, bem como, das instituições responsáveis pela comunicação de massa é preciso
abandonar uma visão simplista dessas organizações responsáveis pelos meios de comunicação
e na vida social e política na atualidade. Para Thompson (2011, p. 128), “[...] as atividades dos
estado e governos, de suas organizações e funcionários, tem lugar dentro de uma arena que é,
até certo ponto, constituída pelas instituições e mecanismos da comunicação de massa.”
39
Thompson (2011, p. 31) ao explicar as comunicações de massa chama a atenção para o
aspecto ardiloso e característica “enganadora” desses mecanismos, bem como de um olhar mais
atento, sob pena de considera-los meramente desinteressados e livres de,
[...]inculcação da ideologia dominante; ao contrário, esses meios são parcialmente
constitutivos do próprio fórum em que as atividades políticas acontecem nas
sociedades modernas, o fórum dentro do qual e, até certo ponto, com respeito ao qual
os indivíduos agem e reagem ao exercer o poder e ao responder ao exercício de poder
de outros.
Na técnica da análise de conteúdo o movimento é bastante semelhante, pois
compreende tanto aspectos quantitativos como qualitativos de modo que os dados são reunidos
por intermédio do tratamento estatístico das unidades de contextos com possibilidade de uma
nova interpretação. Isso provoca a possibilidade de identificar mensagens que se encontra num
“segundo plano”, e alcançar através de “[...] significantes ou significados (manipulados), outros
significados de natureza psicológica, sociológica, política, histórica, etc.” (BARDIN, 1977, p.
41).
Esse espaço de luta recebe também interferência do modo como concebemos o conceito
de ideologia que por sua vez interfere na construção da análise dos dados. Aqui nos ombreamos
à Thompson (2011, p. 31) no que tange a concepção desse entendimento e que segundo ele é
uma “concepção crítica da ideologia”. Sendo assim, ideologia no sentido que propomos e
discutimos aqui, mesmo não descartando a negatividade que o conceito de ideologia carrega,
que são heranças conceituais e teóricas, mas, para além disso, considera também que este deve
ser analisado considerando os contextos sócio-históricos aos quais o objeto de análise está
inserido.
Na visão de Thompson (2011, p. 19), é possível definir, diante das ambiguidades
teóricas e conceituais que o conceito de ideologia propõe, vê-la como fator determinante de
luta, e aqui nesta pesquisa entendemos também que ideologia tem:
[...] uma característica criativa e constitutiva da vida social que é sustentada e
reproduzida, contestada e transformada, através de ações e intenções, as quais incluem
a troca continua de formas simbólicas.
O currículo escolar também é atravessado a todo momento pelo conceito de ideologia
e cultura, o que nos impulsiona a buscar como o próprio autor pontua, “[...] revisar ou recolocar,
criticar ou refazer estes conceitos e teorias à luz dos desenvolvimentos que estão acontecendo
em nosso meio.” (THOMPSON, 2011, p. 10) e ao contexto histórico ao qual estamos imersos.
40
Nesse contexto, o corpus de análise dessa pesquisa está estruturado a partir da obra de
Dona Ferrada que apresenta o conceito de Currículo Crítico Comunicativo. Para a análise,
também foram utilizados artigos acadêmicos publicados a partir da ressonância da referida obra
e que, conforme critérios pré-estabelecidos, foram considerados publicações do campo da
Educação, considerados também como formas simbólicas significativas, pois estão “[...]
inseridas em processos e contextos sócio-históricos específicos dentro dos quais e por meio dos
quais elas são produzidas, transmitidas e recebidas.” (THOMPSON, 2011, p. 192) e como tal
são percebidas e assimiladas pelos sujeitos no cotidiano das sociedades.
1.2.1 MÉTODO DE ANÁLISE DE CONTEÚDO: UMA FERRAMENTE PARA INTERPRETAR O JÁ
INTERPRETADO
Não posso estar no mundo de luvas nas mãos
‘constatando’ apenas, a acomodação em mim é apenas caminho para a inserção que implica ‘decisão’,
‘escolha’, ‘intervenção’ na realidade.
(FREIRE, 2007).
Esta pesquisa se ampara nos estudos sobre currículo e educação popular. Currículo é
aqui definido como a intenção educativa e como importante instrumento das instituições de
ensino e das escolas. No plano de ação curricular estão as normas, as regras, as formas de
avaliação a serem desenvolvidas pelas escolas. É ele também que define as atividades que
resultam das intencionalidades por parte dos professores, tratando das atividades que não
aparecem implícitas, como resultados ocultos ou subprodutos determinantes dos currículos.
É o currículo que estrutura a grade das matérias, os horários, define as atividades
escolares e as ações das professoras (es). É ele também que determina, que impõe e prescreve
a sequência dos conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas. Silva (1996) define currículo como
ambivalente, pois, hora se mostra estático, hora em movimento e, dependendo do contexto em
que esteja inserido pode ser local privilegiado de encontro entre o saber e o poder.
Ao descrever essa concepção de currículo, queremos deixar claro que não temos a
pretensão meramente de uma investigação técnica, mas de refletir os contextos sociais mais
amplos em que a organização curricular como meios de produção, reprodução, disseminação e
de inculcação estão inseridos. Deste modo é possível dizer que, tanto produção, circulação e
recepção das formas simbólicas
[...] são processos que acontecem dentro de contextos ou campos historicamente
específicos e socialmente estruturados. A produção de objetos e expressões
41
significativas – desde falas quotidianas até obras de arte – é uma produção tornada
possível pelas regras e recursos disponíveis ao produtor, e é uma produção orientada
em direção à circulação e recepção antecipada dos objetos e expressões dentro de um
campo social (THOMPSON, 2011, p. 368).
Por fim, a terceira fase da HP, recomenda a interpretação/reinterpretação das formas
simbólicas mesmo considerando que por mais,
[...] rigorosos e sistemáticos que os métodos da análise formal ou discursiva possam
ser, eles não podem abolir a necessidade de uma construção criativa do significado,
isto é, de uma explicação interpretativa do que está representado ou do que é dito [...].
É esse aspecto referencial que procuramos compreender no processo de interpretação
(THOMPSON, 2011, p. 375).
Nesse momento da terceira fase da HP, Thompson (2011) orienta a levar em
consideração as duas fases anteriores. Tanto análise sócio-histórica como a análise formal ou
discursiva ajudarão na produção de uma nova interpretação, porém, é preciso levar em conta
que essa nova interpretação não depende só das fases anteriores para produção de sentido, mas,
também de outros aspectos, como uma boa argumentação, sustentando a reinterpretação do
pesquisador, já que, segundo Thompson (2011), as formas simbólicas já são de uma maneira
ou de outra pré-interpretadas.
Ao considerar essa premissa e objetivando chegar a uma reinterpretação plausível e
aceitável, do mesmo modo que na coleta de dados, nesse momento é preciso que essa análise
seja validada. Para Campos (2004, p. 614), existe ainda outro aspecto a ser considerado, as
[...] teorias pessoais do pesquisador podem vir acompanhadas de ideias pré-
concebidas ou cristalizadas sobre o fenômeno, desta forma se faz necessário o
ajuizamento desta análise [...] e que, embora existam [...] diversas formas de se
realizar essa validação, por exemplo, na triangulação de teorias, na qual se analisa os
dados tomando por base várias teorias [...] uma forma de encontrar validade intrínseca,
perpassa necessariamente a compreensão de que, o [...] exercício de compreensão e
discussão dos dados ou resultados é um processo que possa ser feito conjuntamente com os outros passos da análise, ou seja, à medida que são feitos, os idos e vindos ao
material, ao corpo teórico norteador, referencial pessoal do pesquisador e suas
inferências.
Desse modo, elencamos para compreender e discutir os dados, um corpo teórico capaz
de dar conta das discussões, reflexões e reinterpretações da organização curricular, bem como
da concepção de educação popular, escola inclusiva, igualdade de direitos, etc. como
contribuição para desvelar os sentido e significado atribuído ao conceito diversidade. Nessa
pesquisa, essa fase da HP refere-se a quarta e última parte da dissertação. O objetivo dessa parte
é interpretar os discursos da diversidade que são apresentados pela Base Nacional Comum
42
Curricular. Tal interpretação é sustentada pelo contexto sócio- histórico de produção,
reprodução e distribuição em que o documento da BNCC se insere. Dentre os instrumentos
utilizados pela pesquisadora nessa investigação, a validação à análise decorrida foi uma dessas
diversas formas que poderiam ser utilizadas. A exemplo, “[...]na triangulação de teorias, na qual
se analisa os dados tomando por base várias teorias e tenta-se encontrar validade intrínseca pelo
embasamento de cada uma delas.” É comum que tal validação seja realizada por, “[...] juízes e
pelos pares.” (CAMPOS, 2004, p. 614).
Nessa direção, dentre os principais autores com quem analisaremos as categorias
elencadas estão Habermas, Mead, Dona Ferrada, Freire, Candau, Albert et al, Arroyo e outros.
43
2 CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO
Es de responsabilidade de quienes nos encontramos
cercamos a uma Teoría Crítica de la Educación ir más allá
de uma teoria de la denuncia y de constestación, tenemos que
atrevernos a construir propuestas orientadoras para
encaminhar la acción educativa por um rumbo distinto.
Propuestas que nos permitan delucidar y abrir espacios em los cuales construir y reconstruir prácticas de valores como
la solidariedade, el respeito a los derechos humanos, la
igualdad de oportunidades, la lucha contra todo tipo de
discriminaciones, la participacioón real, etc.
(FERRADA, 2006)
Conforme observações lançadas na introdução dessa dissertação, nessa nova
configuração social, a qual nos encontramos imersos, denominada de sociedade globalizada, da
informação, informacional e/ou do conhecimento, são demandadas das ciências humanas e
sociais um aprofundamento teórico acerca da organização curricular, bem como, das maneiras
de se conceber os processos de ensino e aprendizagem. Esse modelo de aprendizagem é
requerido, pois aqui, partimos do princípio de que vivemos em um momento em que pensamos
muito mais, acerca das decisões a serem tomadas.
Isso se deve, principalmente, pelo fato de que com o exponencial aumento das
tecnologias, devemos considerar diversas possibilidades antes da tomada de decisões, a
exemplo o diálogo pautado em ações mais comunicativas, baseadas no consenso e não
fundamentado na coerção, fato esse que não acontecia anteriormente, nas décadas de 1970 e
1980, por exemplo.
Outra questão relevante para a reflexão pretendida, refere-se à discussão sobre as escolas
e currículo escolar com o mesmo olhar ingênuo como se fossem “[...] os grandes motores da
democracia.” (APPLE, 2006, p. 104.). Para Apple (2006) que não nega que haja uma parcela
de verdade nessa afirmação, alerta para o fato de que as escolas e currículo fazem parte de um
conjunto de instituições que através de seus mecanismos de controle social contribuem e até
produzem as desigualdades sociais. Para o mesmo autor, dois fatores merecem atenção e devem
ser levados em consideração para desvelarmos o modo como as desigualdades são produzidas
ou reforçadas.
O primeiro consiste em ver as escolas como parte de um conjunto de relações de outras
instituições – políticas, econômicas e culturais – basicamente desiguais. As escolas existem por
meio de suas relações com outras instituições de maior poder, instituições que são combinadas
de maneira a gerar desigualdades estruturais de poder e acesso a recursos.
44
Em segundo lugar, essas desigualdades são reforçadas e produzidas pelas escolas, por
meio de suas atividades curriculares, pedagógicas e avaliativas no seu dia-a-dia de sala de aula,
as “[...] escolas desempenham um papel significativo na preservação, senão na geração, dessas
desigualdades [...]” (APPLE, 2006, p. 104, grifo nosso).
Assim, à educação e escola são demandados processos distintos dos que ocorrem hoje.
De acordo com Marigo (2015, p. 39) isso acontece porque nessa nova formulação social, desde
as décadas finais do século XX, requer uma modificação de como o conhecimento é concebido,
pois este deixa de ser pertencente a um modelo inquestionável, dando lugar a processos
modificados de ensino aprendizagem.
São requeridos também, formas de tornar a escola, e aqui considerada ainda como uma
das principais instituições educativas oficiais contemporâneas, espaço de inclusão em seu
sentido latu do termo. Também potencializar nesse espaço e fora dele, relações de respeito entre
pessoas e os diferentes grupos sociais.
Partindo do pressuposto da escola como as principais instituições educativas e, mesmo
compreendendo a complexidade apresentada no que se refere a educação, escola e organização
curricular, bem como com a organização destes por serem ainda formulações orientadas por
teorias da sociedade industrial, será também na escola são também estudos que permitem novas
possibilidades de avançar para uma concepção de organização curricular a partir de novas
orientações críticas. Nessa linha de raciocínio que Dona Ferrada (2001) aponta tais orientações
para desenvolver o Currículo Crítico Comunicativo.
O conceito de Currículo Crítico Comunicativo está fundamentado teoricamente em
autores das teorias críticas de educação. Estes teóricos pensam para além da denúncia e da
contestação dos conflitos e desafios enfrentados pela educação e escola. É preciso segundo
Ferrada (2001, p. 9), refletir a construção de propostas educativas e curriculares capazes de
construir e reconstruir espaços com práticas de valores como respeito aos direitos humanos,
solidariedade, igualdade de oportunidade, a luta contra todo tipo de discriminação e a
participação real na sociedade. A autora apresenta uma proposta orientadora capaz de
encaminhar e direcionar a ação educativa por outro caminho, um caminho distinto da realidade
escolar que está posta para a sociedade na atualidade.
Nessa premissa, aqui nessa seção, pretende-se descrever tal proposta de organização
curricular pautada em tais práticas de valores, bem como uma concepção crítico comunicativa
de educação, a diversidade de racionalidades no currículo que tenha como objetivo central,
melhorar a convivência entre diferentes grupos possuidores de distintos interesses ideológicos,
direcionar e orientar as ações sociais para ações mais comunicativas e dialógicas.
45
2.1 CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO: PRINCÍPIOS, EVOLUÇÃO, CONCEPÇÕES
“[...] sólo se es humano cuando se reconece al outro como legítimo outro, a través de la biologia del amor.”
(MATURANA, 1992)
Inicia-se essa abordagem apresentando alguns dos autores das teorias críticas de
educação, que segundo Ferrada (2001), pensam para além da denúncia e da contestação dos
conflitos e desafios enfrentados pela educação e escola, como possibilidade de auxiliar na
construção de alternativas para a educação escolar a qual meninas e meninos estão submetidos.
Cabe pensar na possibilidade de evitar a produção de desigualdade ao mesmo tempo em que
considere a diversidade cultural como componente central dos debates e disputas nessa nova
configuração social – sociedade informacional ou globalizada.
Sendo assim, as contribuições de Donatila Ferrada Torres com a obra Currículo Crítico
Comunicativo serão desenvolvidas no decorrer dos próximos segmentos desse capitulo. A
autora desenvolve em sua obra, a configuração de uma Teoria Crítica Comunicativa de
Educação e que segundo ela, se realiza, basicamente, sobre a confluência de três correntes
teóricas que considera, e aqui nós incluímos, essenciais para desenvolver este capítulo.
Entre essas correntes – a Teoria da Ação Comunicativa (TAC) de Jürgen Habermas, que
abarca a teoria da sociedade; a Teoria da resistência com autores como Henry Giroux, Michael
Apple, Ramon Flecha no campo da sociologia da educação que apresenta também o conceito
de “aprendizagem dialógica” que emana da ação e reflexão coletivas, isto é, sujeitos partilham
diferentes conhecimentos que são embasados pela intervenção humana quando necessária.
Completando esse aporte, a Teoria Freireana com raízes na antropologia social de Paulo Freire
(TORRES, 2001, p. 9-10).
Como consequência dessa diversidade teórica, a proposta curricular oferecida apresenta
subsídios que permitam melhorar os acordos em grupos de interesses ideológicos distintos;
orientar a ação social baseada em ações mais comunicativas que sejam capazes de garantir que
os acordos alcançados dessa relação sejam sempre mediados por uma linguagem racional que
seja isenta de coerção; e realizar proporções suscetíveis de crítica por um grupo social que
participa e legitima em última instancia a produção, reprodução e a reconstrução do
conhecimento (FERRADA, 2001, p. 9, tradução nossa).
Nesse sentido, acreditamos que o avanço na construção de uma proposta curricular, e
refletir as questões que permeiam esta pesquisa – quais as possiblidades de construção de uma
escola inclusiva, que considere a diversidade, solidariedade e equidade sob a perspectiva de um
46
currículo crítico comunicativo a partir das diretrizes e conteúdos da Base Nacional Comum
Curricular – será possível a medida que avançarmos em análise e reflexão crítica de tais
elementos.
Dentre esses, também é preciso considerar a pluridimensionalidade dos diversos
contextos, “europeus, latino-americanos” e aqui inclui, nessa configuração, o contexto social
brasileiro para se pensar desde os contextos experienciais, que contribuem com a construção de
um conhecimento que considere nossas próprias realidades locais e para Ferrada (2001, p. 9,
tradução nossa) “[...] isto significa pensar localmente sem desvincular-se no universal.”,
permitindo elucidar e potencializar a construção e a reconstrução de práticas de valores como
solidariedade, respeito as diferenças humanas, a igualdade de oportunidades, a luta contra todo
tipo de discriminação e a participação real na sociedade.
Desse modo, os subsídios que as diversas teorias trazem, estão organizados em quatro
tópicos. Em um primeiro momento apresentamos a obra de Dona Ferrada que apresenta o
conceito de Currículo Crítico Comunicativo bem como dos elementos fundantes dessa proposta
curricular. No momento seguinte apresenta-se a TAC de Habermas que permite estabelecer
uma relação com o currículo, no que se refere às ações sociais e a racionalidade que as
subjazem.
A Teoria Freiriana vem no terceiro tópico, com ele refletimos acerca do conceito de
diálogo e da intersubjetividade como elemento chave para pensar a aproximação entre a
intenção com a realidade curricular brasileira. Henry Giroux e Michael Apple no quarto tópico
desse capítulo nos ajudam a fundamentar as discussões acerca do papel do professor como
intelectual transformador nesse contexto educativo e curricular. Ramon Flecha para pensar uma
escola que potencialize a transformação e possa criar espaços de e para a libertação dos
oprimidos.
De maneira prática, tais autores apresentam os principais aspectos teóricos que
configuram uma Teoria Critica Comunicativa de Educação, conforme demostrado na figura
abaixo:
Figura 2 - Teoria Critica Comunicativa de Educação
47
Fonte: Ferrada (2001, p. 18).
3.1.1 Princípios do Currículo Crítico Comunicativo
Em contraposição ao modelo de propostas curriculares tradicionais que conservam seu
caráter autoritário e patriarcal desde a sociedade industrial, Ferrada (2001) apresenta o
Currículo Crítico Comunicativo. A autora se debruça sobre as questões curriculares para
desenvolver orientações críticas de currículo inspiradas nas ciências sociais atuais. Para a
autora, tal proposta curricular é pensada para a sociedade informacional do século XXI muito
mais dialógica e comunicativa, pois, a partir do Currículo Crítico Comunicativo, concede-se
considerável valor às decisões da comunidade a qual a escola está inserida, respeitando
principalmente a diversidade dos sujeitos, bem como, a diversidade de contextos com a
participação destes em diversos âmbitos decisórios, justificando seu posicionamento
fundamental nessa obra: a luta pela igualdade e equidade baseadas em práticas de solidariedade.
Superar as desigualdades sociais perpassa, necessariamente a elaboração de projetos que
levem em conta que o princípio da solidariedade como essencial. A solidariedade aqui
compreendida como elemento fundante do currículo na perspectiva crítico comunicativa, é
pensada para além de projetos desconectados da realidade local a qual a escola está inserida.
Esse princípio é contrário ao individualismo, logo, projetos educativos que tem como objetivos
48
a transformação igualitária na educação deve incorporar a prática da solidariedade no cotidiano
das escolas.
Como Albert et al (2008, p. 184), entendemos que solidariedade vai além de apenas
“textos e jogos solidários” que discutem a problemática sem uma efetiva relação desta com a
realidade local, quando na verdade é preciso levar os alunos e as alunas a refletirem acerca das
causas reais do problema que os afeta e que afeta a grande maioria de pessoas, não só nas
escolas, mas na comunidade como um todo, só assim é possível uma transformação da realidade
desse aluno e da comunidade.
Nessa direção, e pensando aqui no currículo, entendemos que não há solidariedade em
uma proposta de organização curricular que prioriza o comum, bem como escola e que tem
como referência de indivíduo o igual, demostrando que estão totalmente despreparados para
enfrentar os conflitos gerados pela pluralidade cultural na atual sociedade. Do mesmo modo
que uma educação pautada no comum não é solidária com as diferenças que coexistem no
espaço escolar. Impede que o sujeito seja capaz de criar seu próprio futuro baseado em suas
reais necessidades em detrimento de uma educação igual para todos.
Nessa premissa, ao professor cabe refletir sua própria prática. Se partimos da máxima
de que não podemos dar o que não temos, pois bem, é nesse sentido que entendemos que é
preciso que o professor e professora e toda comunidade escolar entenda que se a solidariedade
não está na escola, também não estará na sociedade e todo comunidade é penalizada.
Como Albert et al (2008, p. 184), compreendemos a solidariedade como princípio
fundamental que deve ser empreendida para a realização de projetos educativos que desejam
promover a emancipação e a transformação do sujeito e do meio em que este vive. Para que
isso aconteça a solidariedade não deve apenas ser apreendida nas escolas, mas sim
constantemente e diariamente praticada no interior de seu espaço escolar, tornando-se parte
constituinte desse espaço e da vida de seus atores.
Por meio desses argumentos, queremos dizer de maneira pontual, que a “[...]
transformação igualitária de educação.” só se efetiva se a educação for de fato solidária com
todos e todas estudantes, que não leve em consideração as diferenças desses alunos,
independentemente de quais sejam, isso porque só é possível praticar ensino solidário se não
somos solidários em nossa prática social com os demais membros da comunidade (ALBERT et
al. 2008, p. 184-185).
De acordo com Ferrada (2001) o currículo, a partir de uma concepção crítica de
educação, como acontece com o Currículo Crítico Comunicativo, também é instituído como
construção social que emana da multiplicidade de interações de pessoas que fazem parte da
49
comunidade educativa contextualizada histórica e socialmente. Desse modo, esse currículo está
sujeito tanto a relações de imposição, quanto ao diálogo, de maneira que os processos de
seleção, transmissão e evolução do conhecimento educativo emanado dessa proposta curricular
podem promover uma importante gama de mecanismos direcionados a produção das
transformações necessárias, que conduzem a sociedade e contam com a participação ativa de
seus membros, numa clara intencionalidade de participação igualitária.
Visto de outra forma, o currículo, agrega em si um aspecto emancipatório, mas também
outro conservador, o que determina um ou outro é a maneira em que nos encontramos e nos
posicionamos subjetivamente, ou intersubjetivamente na sociedade, nos tornando responsáveis
por desenvolver o potencial transformador e emancipador do currículo. Nesse cenário a
intersubjetividade, tanto da pessoa, como da sociedade ao qual a escola, bem como, currículo
estão inseridos, acaba influenciando no tipo de sociedade se quer construir, a partir das
interações formativas que são desenvolvidas socialmente.
Nessa direção e a partir da afirmação de que as pessoas são dotadas de ação e reflexão,
portanto, capaz de atuar, transformar e modificar o meio em que vive, Ferrada (2001) apresenta
alguns aspectos a se considerar com relação a esse processo. Primeiro é entender e desmascarar
a crença de que a pessoa é um ser passivo, incapaz de mudanças no meio social. Aspectos esses
influenciados por concepções conservadoras que tentam justificar a impossibilidade de
mudanças na sociedade. Em segundo, não é possível conceder a pessoa protagonismo, tanto na
formação dela mesma, como da sociedade em que esta vive, exigindo construir uma visão dela
mesma e da sociedade diferente da visão tradicionalista de educação e currículo,
potencializando a construção de um currículo para a transformação social e pessoal mediados
pela linguagem, tanto como ser biológico como psico-social.
Desse modo, Ferrada (2001) busca contribuição de diferentes áreas do conhecimento,
bem como de autores que encaminham as reflexões para a compreensão de que o diálogo e a
comunicação vem sendo requisitados em diferentes setores da sociedade bem como em
diferentes relações sociais e também por considerando que toda e qualquer tentativa séria de
organização curricular deve levar em conta tanto conceito de pessoa como de sociedade.
A autora busca fundamentar tal discussão baseada em algumas contribuições teóricas
para se pensar os aspectos formativos capazes de favorecer um Currículo Crítico comunicativo.
Dentre eles a biologia do conhecimento de Maturana e Varela; o interacionismo simbólico de
Mead; e Habermas com a teoria da ação comunicativa (FERRADA, 2001).
50
2.1.1 REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DA PESSOA PARA TRANSFORMAR A SOCIEDADE
O processo de formação da pessoa acontece desde abordagens biológicas do
conhecimento de acordo com Ferrada (2001). Ao citar Maturana e Varela, a autora dialoga com
tais abordagens, enfatizando o fato de que as interações entre as pessoas são mediadas pela
linguagem, característica fundamental da pessoa intersubjetiva, tanto como ser biológico como
ser psico-social. Colocado de outra forma, primeiramente vemos a pessoa como ser biológico
e posteriormente como ser psico-social e capaz de relacionar-se com os demais seres
desenvolvendo o domínio linguístico, por conseguinte a linguagem e a autoconsciência.
Nas palavras de Maturana e Varela quando citados na obra de Dona Ferrada, (2001), é
a partir dessa característica da pessoa é possível que
O próprio domínio linguístico torna-se parte do meio das interações sociais possíveis.
Mas só acontece a reflexão linguística, quando há linguagem, os organismos emergem
e os participantes de um domínio linguístico começam a operar em um domínio
semântico. E também só acontece quando, o domínio semântico passa a ser parte do
meio quando eles operam sobre eles e mantem sua adaptação. Isso acontece com os
seres humanos: existimos em nossa operação na língua e preservamos nossa adaptação
no domínio dos significados que isso cria: fazemos descrições das descrições que
fazemos...e somos observadores e existimos no domínio semântico que nossa
operação linguística cria (MATURANA; VARELA, apud FERRADA, 2001 p. 56,
tradução nossa).
Deixaremos claro aqui, amparados por Ferrada (2001, p. 56) que, apenas a linguagem
não é capaz de conhecer e reconstruir o mundo que compartilhamos e, reconhecermos como
nosso e dos outros, mas, por meio dela nos pode ser apresentado, ferramentas capazes de
promover tal processo de reconhecimento e reconstrução do “eu” refletindo sobre si mesmo de
modo que, essa reflexão não se dê distanciada da linguagem.
Nessa mesma direção, para Maturana (1990) para além dessa reflexão é preciso que este
procedimento se dê como fenômeno, não podendo de modo algum se dar fora da linguagem.
Para o autor esse movimento não pode se dar fora da linguagem,
[...] porque sem a linguagem não existe um espaço operacional que permita distinguir
o de dentro e o de fora, que permita a operação reflexiva. Então, é a partir da
linguagem que o “eu” surge. Mas ao mesmo tempo, ao aperar a partir da linguagem
as mudanças fisiológicas se alteram e alteram também o fluxo em linguagem.... De
modo que nosso estar em uma linguagem, nosso conversar, tem consequências em
nossa fisiologia e o que passa em nossa fisiologia tem consequências em nossa
conversa (MATURANA, 1990 apud FERRADA, 2001, p. 56, tradução nossa).
51
Em Maturana (1990), seguindo essa mesma linha de raciocínio, é a partir desse processo
dinâmico da linguagem que as transformações acontecem, desde a fisiologia do “eu”,
ampliando esse horizonte de transformações a partir de interações consensuais, ou seja, esse
sujeito a partir da linguagem é dotado de capacidade de regular-se a si mesmo e o encontro com
os outros através de relações de amor e emoções.
Já para Mead (1973) que se localiza também no capo da psicologia, traz contribuições
importantes que apoiam as bases teóricas do currículo crítico comunicativo. A análise dos
aspectos psico-sociais das pessoas, traz os elementos da intersubjetividade que são
desenvolvidas por ele. Ao descrever essa concepção intersubjetiva de pessoa ele à apresenta
como produto da socialização que embora, aconteça, também a partir da linguagem, é da
linguagem gestual a que ele faz referência, que se dá a partir da transformação da linguagem
gestual para a linguagem simbólica, ou conforme Ferrada (2001) apresenta no início desse
tópico, o interacionismo simbólico de Mead.
Mas o que vem a ser linguagem gestual? Para Mead (1973), embora essa intenção de
comunicação se dê em forma de gestos, estes devem ser válidos para ambas as partes, ou seja,
a linguagem simbólica da qual trata Mead, dever ser significativa para todos os participantes da
comunicação. Isso ocorre quando um simples gesto é transformado em símbolo e acaba por ter
o mesmo significado para todas as pessoas nas relações interpessoais que tanto ouvintes ou
falantes compartilham na intenção comunicativa de linguagem. Mas como acontece a passagem
de linguagem gestual para linguagem simbólica? Do ponto de vista de Ferrada (2001), esse
processo se dá à medida que acontece a transformação
[...] do gesto em símbolo, [...] surgem as normas acordadas socialmente, onde os
membros de uma comunidade, ao outorgar os mesmos significados as situações ou
objetos, acabam por regular suas ações mediante normas que se validam em interação
na interação (FERRADA, 2001, p. 58).
Diante disso, Ferrada (2001) remetendo-se à construção social da pessoa, apresenta o
ponto de vista de Mead com relação a esse processo. Nessa perspectiva tal processo se dá a
partir nas interações sociais, nas interações simbólicas. É preciso destacar que sem estas não
existe a linguagem e sem a linguagem não podem existir significados comuns. Por sua vez, os
significados comuns culminam nos acordos que regulam uma comunidade social. Para Mead
(1973) a construção social da pessoa não se dá ao nascer, ele tem que se fazer pessoa, em suas
palavras esse processo não está, mas se trata de algo que está em desenvolvimento e,
52
[...] não está presente inicialmente, no seu nascimento, mas surge dos processos da
experiência e da atividade social, isto é, desenvolve-se no individuo como resultado
de suas relações com esse processo como um todo e com os outros indivíduos que se
encontram dentro desse processo social completo. A organização e unificação de um
grupo social é idêntica à organização e unificação de cada uma das pessoas que
surgem dentro do processo social em que determinado grupo está ou está realizando
algo (MEAD, 1973 apud TORRES, 1993, p. 58-59, tradução nossa).
Mas, para o pleno desenvolvimento da pessoa são demandadas duas etapas a se
considerar. Marigo (2015, p. 92) esclarece bem do que se trata esses dois movimentos para se
pensar a partir do “interacionismo simbólico” de Mead a construção social da pessoa. Segundo
ela, tendo como ponto de partida para explicar as duas etapas está o conceito de “self” de Mead
que inclui simultaneamente o “eu” e o “mim”, onde primeiramente que “[...] cada pessoa se
constitui em sujeito e em objeto de reflexão de si mesma, pois também considera a própria
imagem que é oferecida pelo outro.” de modo que “[...] a formação humana se dá em continua
interação social mediada pela linguagem, seja em experiências concretas , seja em pensamentos
e atitudes resultantes dos processos de desenvolvimento social.” (MARIGO, 2015, p. 92).
Em resumo, o interacionismo simbólico de Mead, demonstra que os significados das
pessoas ou objetos é produzido a partir das interações sociais e que nesse contexto a linguagem
e essencial. Existe também nesse argumento o ato social que de acordo com Mead, pode tanto
ser demonstração de uma ideia como de emoções e que serve de estímulos para os outros
indivíduos que participam do ato social. Nesse sentido, Mead (1973, p. 87) afirma que o gesto
“[...] provoca reações nos outros e estas reações, por sua vez, se convertem em estímulos para
readaptação para que o ato social em si possa ser efetuado.” Nas palavras do autor,
O processo social relaciona reações de um indivíduo com gestos de outra, enquanto
as significações destes é responsabilidade do surgimento e existência de novos objetos
na situação social. A reação do organismo do gesto do outro, em qualquer ato social
dado é uma significação deste gesto, e também, um sentido, pois se refere a um ato
social (MEAD, 1973, p. 87, tradução nossa).
Desse modo, Ferrada (2001) explica que para Mead a pessoa, considerada como
processo social, é atravessada por essas duas fases: o “eu” consciente e “mim” como criação
social. De maneira pontual seria então, o “eu” ao qual se refere Mead é um apanhado de atitudes
dos outros que o “eu” assume para si, fazendo com que as atitudes dos outros, determine a
organização do “mim” e, por conseguinte o “eu” (FERRADA, 2001, p. 59).
Utilizando-se desse argumento, Rodrigues (2010, p. 45), destaca uma das principais
contribuições de Mead para essa investigação, o conceito de pessoa como uma construção social
53
que se dá a partir das experiências que tem com os demais indivíduos de modo que, é impossível
conceber uma pessoa distanciada da interação social com os demais.
Para Ferrada (2001), esse processo de interação social (centro da criação de
significados) entre as pessoas é de grande relevância tanto para a aprendizagem do sujeito como
para sua própria construção (pessoa no mundo) quanto para a constituição de pessoa aprendiz.
Isso, porque a partir do entendimento do “eu” e do “mim”, socialmente produzidos, desenvolve-
se a “[...] criatividade e a responsabilidade consciente de forma equilibrada nos conduzindo a
alcançar as mudanças sociais que desejamos, queremos e que emana de uma postura crítica.”
frente aos desafios enfrentados pelo coletivo social. (FERRADA, 2001, p. 62, tradução nossa).
Nessa linha de raciocínio, Ferrada (2001) alerta para o fato de que somente isso não
basta e que é preciso avançar para além dessa concepção de que apenas estes elementos dão
conta de alcançar a transformação social. A autora explica que será preciso somar novos
elementos que mostrem como a intersubjetividade está presente na construção da pessoa em
seus diversos estágios do desenvolvimento, apresentando mecanismos capazes de mostrar que
a pessoa é possuidora de capacidade crítica e reflexiva própria, e capacidade de desenvolver
ações em conjunto com os demais sujeitos sociais. Dessa forma o indivíduo poderá localizar
tais elementos que desenvolva a capacidade de compreender sua responsabilidade sobre suas
ações.
Em busca desses novos elementos, a teoria da Ação Comunicativa de Habermas (2001)
criada na década de 1980, mostra novas perspectivas e abre espaço para as teorias da sociologia,
argumentando em favor de possibilidades capazes de transformações a partir do estudo e
entendimento abordando conceitos como mundo da vida e sistemas apresentados pelo autor em
sua teoria da Ação Comunicativa que busca essencialmente universalizar os direitos humanos
e que embora ambicionado desde a contemporaneidade, precariamente conquistada.
Ao avançar para além da ideia de Mead, Habermas apresenta alguns elementos capazes
de responder ao questionamento lançado anteriormente. Em sua teoria, ele explica que as
subjetividades se configuram como produtos de um processo de interiorização das relações
sociais que acontecem no mundo externo, decorrendo da intersubjetividade. Nesse sentido ele
expõe a ideia de que apenas o sujeito possuidor de linguagem e ação pode avançar criticamente
em suas responsabilidades consigo mesmo e com suas ações (FERRADA, 2001).
Embora Habermas apresente em sua teoria quatro tipos de ações, dentre elas a ação
teleológica (uma pessoa traça uma meta e busca atingi-la), a ação normativa (são normas
baseadas em acordos em as partes), a ação dramatúrgica (adota-se uma postura, uma imagem
com intencionalidade de ser vista, percebida) e ação comunicativa que apresenta uma
54
racionalidade característica que a diferencia das demais a qual nos debruçaremos com mais
afinco para propósito deste capítulo. Na ação comunicativa as interações sociais são
fundamentadas na interação e no consenso visando atingir um objetivo comum aos atores
sociais (RODRIGUES, 2004 apud HABERMAS, 2010, p. 40).
Habermas (2010) por sua vez, entende que o processo de ensino e aprendizagem se dá
numa relação de ação e comunicação entre os indivíduos. Ele define a teoria da ação
comunicativa para contrapor a reprodução do poder e das desigualdades considerando a
existência de ações dialógicas guiadas pelo entendimento e a libertação dos sujeitos oprimidos.
Para Ferrada (2001) que traz a teoria da ação comunicativa de Habermas para pensar a
construção de um currículo crítico comunicativo, tal afirmação diz muito a respeito da pessoa
como crítica e reflexiva capaz de intervir em sua formação e autoformação.
Desse modo, a partir das teorias apresentadas por Ferrada (2001) no qual procedeu-se a
análise, tanto de Maturana e Varela; de Mead e Habermas, nos fazem refletir que a formação
das pessoas emerge de mecanismos de regulação que as constituem como unidades: um centro
regulador que é construído em si mesmo e outro intersubjetivo que regula sua linguagem e sua
ação.
A pessoa, a partir do centro regulador se constrói a si mesma (centro autopoiético),
constrói em si como totalidade orgânica do próprio mecanismo regulador, que o torna humano
na interação com o entorno emotivo e amoroso, e mediatizado pela influência da linguagem. E,
a partir do seu centro intersubjetivo regula sua linguagem e ação (centro intersubjetivo) dotado
de atitudes críticas que emanam das interações que mantem com pessoas de referência que o
dotam de responsabilidade em seus atos e no uso da linguagem que por sua vez determina a
conexão entre um e outro centro regulador (FERRADA, 2001).
A dualidade do mecanismo regulador com o qual a pessoa conta como unidade,
evidencia sua intersubjetividade e autopoiese como ser social e como ser orgânico, dotado de
iniciativa e criatividade em suas próprias mudanças no interior de uma comunidade de
comunicação. Levando a concluir que é agente em si mesma, capaz de empreender sua
transformação e uma transformação que emerge da necessidade do coletivo ao qual pertence.
Assim o modo como as pessoas são reguladas bem como sua constituição estão demostrados
no quadro abaixo conforme Ferrada (2001) apresenta em sua obra.
Figura 3 – A intersubjetividade e a construção da pessoa.
55
Fonte: Ferrada (2001, p. 69).
Todas essas abordagens teóricas são direcionadas para refletir acerca da pessoa, mas,
pessoa capaz da manutenção, renovação e transformação da sociedade em que vive e identifica
os principais aspectos que favorecem a construção de um Currículo Crítico Comunicativo. Isso
porque a construção de um currículo crítico comunicativo, bem como os processos de ensino e
aprendizagem que emanam desse mecanismo, se dá e deve mesmo se dar, baseados no
entendimento e do consenso que devem estar presentes nas interações sociais entre os sujeitos.
Retomando o questionamento lançado no início deste segmento e justificando todo
desenvolvimento do mesmo – desmascarar a crença de que a pessoa é um ser passivo incapaz
de mudança no meio social – crenças motivadas por concepções conservadoras de educação,
escola e currículo. Para responder, Ferrada (2001) afirma a partir das contribuições teóricas
lançadas aqui que:
Não é certo, portanto, que a pessoa humana seja naturalmente passivo e incapaz de se
comprometer nas mudanças no meio social, muito pelo contrário, é um ser orgânico e
socialmente dotado de iniciativa e protagonismo, tanto em sua própria construção
como pessoa, como em relação a sociedade de que faz parte. Logo, é admissível
56
pensar em um Currículo Crítico Comunicativo que aponte para uma transformação
social congruente com os planejamentos de uma Teoria Crítica ativa e atual
(FERRADA, 2001, p. 70, tradução nossa).
Isso porque, compreendemos que a constituição curricular tradicional potencializa
processos excludentes, uma vez que trata todos os alunos que chegam a escola igualmente, sem
considerar sua real situação social, econômica e cultural. Pois bem sabemos que a escola de
modo algum é capaz de oferecer uma “escola igual para todos”, o que não nos impede de
acreditarmos em uma escola para o “povo”, um povo que já chega à escola marginalizado e
fragilizado por uma sociedade capitalista, excludente e classista (NIDELCOFF, 1978, p. 9-20).
2.1.1.2 QUE TIPO DE SOCIEDADE QUEREMOS CONSTRUIR?
A sociedade na perspectiva habermasiana é entendida como mundo da vida e a
intrínseca relação da pessoa com o meio social em que vive (mundo da vida) na construção de
si mesma. Na teoria da Ação Comunicativa apresentada por Habermas (1990), o conceito de
mundo da vida é local privilegiado, pois, é onde tanto conhecimentos tácitos como as
experiências podem produzir comunicação entre as pessoas, como meio de alcançar o
entendimento nas interações sociais.
Conforme apresentado por Habermas (2001), para além da compreensão do conceito de
mundo da vida, é preciso refletir a forma como esse sistema social é mantido, é preciso que haja
busca constante de fundamentos epistemológicos capazes de manter, renovar e transformar a
cultura, a sociedade e a personalidade, entendendo estes como os elementos estruturantes do
mundo da vida, que estão em constante interação com o sistema, identificando os aspectos
centrais e os conteúdos culturais que fazem parte de cada um desses processos, buscando
subsídios para explicar os fenômenos das crises das sociedades modernas (FERRADA, 2001,
p. 70, tradução nossa).
Partimos do princípio de que, não se pode esquecer que a modernidade tanto cria a
diferença, como exclusão e a marginalização. Mas as instituições modernas e aqui incluímos a
escola e o currículo, ao mesmo tempo que são produtoras de exclusão, são também capazes de
oferecer diversas possibilidades de emancipação, bem como criar mecanismos de eliminação
ao invés da realização do eu apenas produzido no individualismo (GIDDENS, 1994 apud
FERRADA, 2001, p. 70).
Desse modo, os mecanismos que emergem da sociedade moderna que tanto promove
realização como opressão do “eu”, são essenciais para pensar um currículo que seja
57
fundamentado para a transformação social do sujeito bem como do meio em que vive,
transformando a realidade das escolas e a vida de toda comunidade educativa.
Ferrada (2001), no entanto, para melhor explicar como se dão tais mecanismos, parte da
análise baseada na dualidade da sociedade, ou seja, da teoria da ação comunicativa de Habermas
e da teoria de auto realização do “eu” de Gilddens. Nessa linha de compreensão, a visão de
sociedade conceituada tanto como mundo da vida de um determinado grupo social, como um
sistema que se regula em si mesmo, como resultado, uma forma mais clara de se entender os
diversos mecanismos de opressão, exclusão e marginalização que operam na sociedade
moderna e, que emanam das ações resultantes das interações entre indivíduo e sociedade, e
assim buscar mecanismos para explicar também as crises que os envolve (FERRADA, 2001, p.
70-71).
Na concepção de Giddens (1994) no que diz respeito a teoria da restruturação, os agentes
e as estruturas são passíveis de dicotomia de modo que o efeito das estruturas sobre os agentes
é o de se posicionar segundo em certos contextos, deixando brechas que condicionam sua
movimentação em tais estruturas. Significa dizer que, esses agentes de modo quando agem de
maneira reflexiva, acabam regulando os espaços universais, seja para manter como estão, seja
para alterá-los (MARIGO, 2015 p. 25).
Na mesma direção, com as possibilidades de mudanças apresentadas pelo sujeito
cognoscível que tem como característica a ação reflexiva apresentada por Giddens, Marigo
(2015 apud FLECHA; GÓMEZ ; PUIGVERT, 2001), apresenta também os desafios da
sociedade da informação, que operam em modo capitalista produtor de desigualdades em seu
modelo de produção. A autora esclarece que não é o que se produz, mas como se produz essa
mercadoria. Como consequência, ocorre diversas desigualdades que são produzidas pelo que
ela chama de “capitalismo informacional” – entre interatuantes e interatuados, significa que as
hierarquias continuam presentes nesse modelo social, que distingue-se entre os que acessam,
seleciona e processa e que elabora; as desigualdades permanecem entre os trabalhadores em
rede e os desconectados; entre explorados e excluídos, nesse caso, grande parte destes ainda
não despertam o interesse do mercado potencial, estão às margens das intenções de serem
incluídos ao mercado informacional (MARIGO, 2015, p. 2.6).
Nesse contexto o papel da educação na sociedade informacional tanto pode incluir como
excluir. Nesse viés de raciocínio e considerando que todos têm possibilidade de acessar e
processar a informação, o que é exigido então da educação por meio de um currículo na
perspectiva crítica comunicativa, é promover a aquisição de conhecimento e habilidades
suficientes para que o sujeito se desenvolva criticamente, dizer isso é dizer que ele seja capaz
58
de ler criticamente os conteúdos com autonomia e com capacidade de tomar decisões baseadas
em atitudes reflexivas. Pois, estas são atividades indispensáveis para que esse sujeito conduza
sua vida social, cultural de maneira coletiva.
Mas, esta não é uma preocupação recente. Já em 1902 John Dewey como um dos
primeiros teóricos progressistas das teorias curriculares, apontava a necessidade de incorporar
nos processos de ensino e aprendizagem as questões culturais, bem como “[...] apontava a
importância de o planejamento curricular considerar os interesses e experiências sociais das
crianças e jovens.” (HIDALGO, 2008, p. 28).
Assim, especificamente a respeito da crise social instaurada na sociedade moderna, cabe
também a educação auxiliar na resolução de tais conflitos e oferecer estabilidade educacional
ao sistema social vigente. Hidalgo (2008, p. 50) que discute as principais causas das
desigualdades sociais nessa sociedade permeada por contradições, acredita que as
desigualdades poder ser consequências de “[...] acesso às informações e ao conhecimento entre
pessoas e grupos sociais.” A autora ainda afirma a existência de uma “uma crise na cidade”,
que tem como consequência uma “crise educativa” e diversos problemas sociais como, por
exemplo, “[...] a exclusão social, a violência, a fragmentação territorial, o desemprego a
poluição, a solidão e o individualismo [...], cada vez mais presentes na sociedade.” (HIDALGO,
2008, p. 50).
Como vemos, são diversos os conflitos e impactos sofridos principalmente por
comunidades periféricas urbanas, provocados pelo acesso à informação, ou melhor, pela
impossibilidade de muitos em acessar essa informação, potencializando e provocando diversas
crises no interior da comunidade. Mas antes de explicar como se dão as crises, será prudente
expor o funcionamento da sociedade em sua totalidade, só assim será possível, então, prosseguir
com a compreensão acerca das crises sociais.
Partimos da compreensão que, pensar a sociedade como mundo da vida e que esta é
simbolicamente estruturada, significa entender como a sociedade se constitui como
comunidades em comunicação e compreendida a partir de um aparato cultural problematizado
como fundamento comum de que compartilham os sujeitos que interagem socialmente. A partir
desses elementos – cultura, sociedade e personalidade – a ação comunicativa desempenha
distintas funções, desde o entendimento, a coordenação e socialização, estas juntas, visam, para
a reprodução simbólica do mundo da vida: reprodução cultural, integração e socialização
(FERRADA, 2001, p. 71-72). Para a mesma autora, tais elementos do mundo da vida,
59
[...] constituem quadros complexos de significado que são incorporados em distintas
bases, mas interligados entre si. O conhecimento cultural é materializado em formas
simbólicas, em objetos de uso e tecnologia em palavras e teorias, materializadas em
ordens institucionais, em normas legais ou em estruturas de práticas e usos
normativamente regulamentados (livros e documentos), não menos que em ações
humanas (FERRADA, 2001, p. 71-72, tradução nossa).
Nesse aspecto, como Ferrada (2001), entendemos que o fato de tais elementos serem
incorporadas em distintos fundamentos, não significa que sejam delimitados, ou seja, não
podem ser entendidos como sistemas em si, isso porque são implexos por uma linguagem
cotidiana comum, que possibilita a referência permanente da totalidade do mundo da vida que
compartilham. Nas palavras de Habermas (1990), sobre os componentes do mundo da vida –
cultura, sociedade e personalidade,
[...] não devem ser entendidos como sistemas que constituem ambientes um para o
outro; antes de se entrelaçarem um com o outro pelo meio comum que representa a
linguagem comum...Nem os sistemas de ação que, em grande medida, se
especializaram nas funções de reprodução cultural (escola) ou integração social
(direita) ou de socialização (família) Operam de uma maneira totalmente separada.
Através do código comum que representa o idioma comum, eles cumprem as funções
de cada um dos outros, mantendo assim uma referência à totalidade do mundo da vida.
(HABERMAS, 1990 apud FERRADA 2001, p. 71, tradução nossa).
Como consequência dessa interação, segundo Habermas (1990) a:
[...] sociedade permanece em ordens institucionais em normas legais ou em estruturas
de práticas e usos normativamente regulamentados. E finalmente, as estruturas de
personalidade literalmente incorporadas no substrato que são organismos humanos.”
(HABERMAS, 1990, p.101, tradução nossa).
A razão de ser das novas teorias sociológicas contemporâneas é de buscar
possibilidades de transformação social da atual sociedade, através do entendimento de
conceitos como sistema e mundo da vida, proposto pela teoria da ação comunicativa de
Habermas e do conceito de estrutura social e agência humana compreendido a partir da teoria
da estruturação de humana de Giddens e suas relações e inter-relações como meio de ajuizar
mecanismos de superação das desigualdades sociais.
Assumimos o conceito de desigualdade a partir das contribuições de Pitano (2016, p.
41) ao afirmar que tudo que a desigualdade (e não a diferença) provoca nos seres humanos é
injusto. O autor parte do ponto de vista de que somos seres ontologicamente iguais, semelhantes
uns aos outros, e iguais quando “fazedores de cultura”, portanto, é justo quando questionamos
as desigualdades que explora e oprime uns em detrimento das atitudes de outros de uma
sociedade desigual.
60
Mas, em meio a essa mesma sociedade desigual, Marigo (2015), explica que tanto essa
sociedade, como a educação, podem motivar relações de solidariedade entre os sujeitos, a partir
do mundo da vida e por meio da agencia humana, possibilitando a produção de transformações
sistêmicas e/ou estruturais, guiadas pelas ações políticas e pedagógicas. O que nos resta,
portanto é, desenvolver ambientes baseados na comunicação, avançando para além da
denúncia, espaços capazes de potencializar relações de respeito que promovam mecanismos
que respondam as demandas educativas para eliminar exclusão social.
A partir desse entendimento, podemos ser capazes de encontrar mecanismos de
superação dos desafios e relações conflituosas, impostos por nossa existência. Nessa direção e
considerando que a inteligência humana faz parte da constituição do conhecimento produzido
pelas ciências tanto humanas como naturais, ela está também articulada aos processos
educativos, culturais e principalmente os processos de escolarização. (MARIGO, 2015, p. 23).
2.2 TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA (TAC) DE JÜRGEN HABERMAS E A TEORIA DA AÇÃO
DIALÓGICA DE FREIRE PARA PENSAR UM CURRÍCULO CRÍTICO COMUNICATIVO
Qualquer ato de fala, através do qual um falante se entende
com um outro sobre algo, localiza a expressão lingüística em
três referências com o mundo: em referência com o falante,
com o ouvinte e com o mundo. (HABERMAS, 1990b, p. 95).
A teoria da ação dialógica de Freire e da ação comunicativa de Habermas resgatam e
ampliam um modelo de aprendizagens desenvolvidos na e pela escola. Mas, para que isso
aconteça é preciso, além de resgatar os modelos de conhecimentos baseados no diálogo e na
comunicação, é preciso também considerar que os conteúdos não são neutros não podendo deste
modo existir a dicotomia entre “[...] leitura do mundo/leitura da palavra, leitura do texto/leitura
do contexto” (FREIRE, 2005 apud MARIGO, 2015, p, 123).
Tendo como base a teoria do agir comunicativo de Habermas, os processos de ensino e
aprendizagem devem conservar a partir das interações, seu aspecto dialógico, deve ir para além
das relações hierárquicas, deve alcançar as ciências modernas e conhecimento que esta mesma
ciência produz e propõe, fundamentando-o na racionalidade comunicativa que emerge do
diálogo igualitário entre as pessoas (HABERMAS, 2001).
Para Marigo (2015), para concretização da racionalidade comunicativa tanto o
conhecimento produzido cientificamente como aquele que parte das experiências vivenciadas
devem ser considerados válidos. Cabe, portanto, à educação, à escola e currículo resgatar a
61
natureza dialógica da aprendizagem humana, no intuito de buscar a garantia de igualdade de
direitos para todos (MARIGO, 2015).
A Teoria da Ação Comunicativa do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas é
importante alicerce para se pensar a possibilidade de um currículo escolar baseado na interação
entre os sujeitos a partir de relações respeitosas, sujeitos que segundo o autor, são capazes de
linguagem e ação, ou seja, através do desenvolvimento da racionalidade comunicativa, pode-se
superar a racionalidade técnica, oferecendo condições ao sujeito de emancipação da dominação
técnica, que o torna preso a um sistema, sem condições mínimas de ação e reflexão,
potencializando assim uma possível transformação da educação das práticas educativas e
curriculares.
Entretanto, pensar em transformação significa envolver todos os agentes educativos nas
tomadas de decisões que afetam a escola. Mas, apenas se esse encontro for pautado em ações
mais humanas mais autônomas, e que nenhum desses sujeitos tentem ser dominantes e
repressores. Só assim será possível apontar um caminho possível como meio de superação
consensual de conflitos, onde o conceito de racionalidade comunicativa é contrário às reduções
cognitivo-instrumentais da razão.
Ao defender o Currículo Crítico Comunicativo, Ferrada (2001) partilha das afirmações
de Habermas e de Freire quando ela esclarece que esse conceito de currículo parte do princípio
de que a proposta curricular que representa a sistematização teórica dentro do esforço coletivo,
se realiza pela recuperação de espaços de liberdade, participação e da tomada de consciência.
A autora afirma que tal proposta tem como alvo, a construção de uma sociedade mais solidária
e equitativa e de relações respeitosas em seu interior. Nesse espaço coletivo, a construção deve
ser coletiva, pois este é local privilegiado de interação e diálogo e, de acordo com Carvalho
(2005, p. 57) pode e deve mesmo,
[...] permite que cada agente social o compreenda enquanto sujeito comunicante, e
que a sua formação acontece mediante o encontro com as diferentes vertentes que a
realidade oferece. [...] A finalidade da construção coletiva é a tomada de consciência
de que a verdadeira cidadania passa pelo engajamento na luta para a construção da
identidade do sujeito e da nova realidade social.
Em linhas análogas, Habermas (2012, p. 43) indica um processo educativo a partir do
diálogo, no qual as ações humanas sejam mais autônomas, mais lúcidas e menos dominadoras
e repressoras, pois, a:
62
[...]racionalidade comunicativa em maior medida, por sua vez amplia no interior de
uma comunidade de comunicação o espaço de ação estratégica para a coordenação
não coativa de ações e a superação consensual de conflitos de ação [...]
Assim, o conceito de racionalidade comunicativa é contrário às reduções cognitivo-
instrumentais da razão nas diversas relações, sejam elas na escola e fora dela.
Uma outra questão a se considerar em uma proposta curricular voltada para o
entendimento é que resgata seu aspecto pluridimensional de contextos, significa que uma
análise e reflexão crítica segundo Ferrada (2001) deve ser realizada, desde os muitos contextos
de experiências e que contribuem para o resgate do conhecimento de nossas realidades
sociais e culturais locais (micro), sem deixar de considerar o contexto universal (macro),
ampliando o potencial dialógico e comunicativo.
Mas, isso só é possível porque o Currículo Crítico Comunicativo é herdeiro de
concepções de análises que recuperam a diversidade de contextos, concedendo particular valor
a comunidade local onde se localiza a escola, considerando seus costumes e hábitos,
proporcionando e fundamentando a participação da comunidade e escola em diversos âmbitos
referentes as decisões alusivas ao currículo. A partir desse contexto, a escolha dos conteúdos
“[...] tem que ver com: que conteúdos ensinar, a quem, a favor de quê, de quem, contra quê,
contra quem, como ensinar. Tem que ver com quem decide sobre que conteúdos ensinar.”
(FREIRE, 2005, p. 45).
Seguindo o pensamento de Freire (2005), o diálogo permite e amplia o entendimento de
uma realidade especifica, enquanto se considera nessa relação de diálogo distintas significações
e conhecimentos sobre uma dada realidade. Tal afirmação se apoia e se explica nas ciências
sociais e educativas, permitindo que os princípios da aprendizagem dialógica possam orientar
a reflexão e a prática em diferentes contextos de exclusão, sejam eles sociais e/ou educativos.
Nessa perspectiva, é que entendemos que o diálogo verdadeiro, é capaz de promover o
conhecimento significativo.
De modo que ao currículo cabe incorporar e não negar as experiências históricas, nem
silenciar as vozes pelas quais os estudantes dão sentido ao mundo, tão pouco calar os
significados que atribuem a realidade na qual estão inseridos cotidianamente. Já que a escola é
um território de luta, segundo Freire (2005), o currículo torna-se um campo de disputa de poder,
do mesmo modo que a pedagogia crítica deve ser a política cultural que traga um currículo
“ressignificado humanizante”, capaz de promover da emancipação dos sujeitos (FREIRE, 2005,
p. 45).
63
Ferrada (2001) afirma, amparada nas TAC de Habermas, que todos os processos
educativos devem promover uma racionalidade comunicativa. Para a autora:
[...]promover a mudança de racionalidade comunicativa está fortemente relacionada
com as formas com que os diferentes integrantes da comunidade escolar utilizam seus
distintos conhecimentos em prol de um bem comum amparados em práticas solidárias
e respeitosas (FERRADA, 2001, p. 12, tradução nossa).
As reflexões para se pensar a emancipação do sujeito a partir de uma escola e currículo
que sejam distanciadas do conceito de diálogo, seria algo ingênuo de se pensar, pois, conforme
afirma Ferrada (2001), a escola que não dialoga, corre o risco de se extinguir, o que torna o
diálogo indispensável nas relações entre escola, sujeito e comunidade, sobre o que e quando
ensinar, com esse diálogo se espera promover relações que promovam a transformação real.
Sendo as escolas e as instituições educativas ambientes de disseminação da cultura, do
saber, do conhecimento e que dissemina-se tanto ideologias de supremacia, como de ideologias5
de projeto de sociedade emancipada, precisamos reivindicar um currículo escolar que amplie
as capacidades humanas de respeito, dignidade, com base em conhecimento significativo, para
que as pessoas possam intervir na sua autoformação e transformarem as condições ideológicas
e materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento da cultura popular e da
democracia, ampliando a autonomia intelectual, cultural e emancipatória.
O diálogo deve estar fundamentado no respeito mútuo, comprometido com a
transformação de uma sociedade injusta e a emancipação do sujeito através da superação da
consciência ingênua que incapacita os sujeitos a desvelarem as relações que se desenvolvem no
interior da escola e que interfere em sua formação e transformação.
Para que a educação de desenvolva numa perspectiva dialógica, o diálogo se torna um
dos elementos essenciais para a se pensar um currículo que considere a diversidade dos sujeitos
envolvidos nessa dinâmica. Freire (1987) nos explica que o diálogo é um fenômeno humano,
que é constituído pela ação e reflexão, numa interação contínua em busca da transformação do
5 Não tentaremos aqui explorar os diversos conceitos e concepções atribuídos ao termo “ideologia”, mas por hora
cabe compreender a ambiguidade do termo especialmente no cenário político e social. Mas de acordo com Thompson (2011) que utiliza e considera algumas das fases principais na história da ideologia para repensar uma
concepção crítica de ideologia à qual nos inserimos. Para o autor que desenvolve uma formulação alternativa do
conceito de ideologia e que diz respeito ao atual contexto sócio histórico, ele distingue em dois tipos gerais de
concepções de ideologia. [...] “concepções neutras de ideologia”, que são aquelas que tentam caracterizar
fenômenos como ideologia, ou ideológicos, sem implicar que esses fenômenos sejam, necessariamente,
enganadores e ilusórios, ou ligados com os interesses de algum grupo em particular. [...] concepções críticas de
ideologias, que são aquelas que possuem um sentido negativo, crítico ou pejorativo. Diferentemente das
concepções neutras, as concepções críticas implicam que o fenômeno caracterizado como ideologia – ou como
ideológico – é enganador, ilusório ou parcial; [...] (THOMPSON, 2011, p. 72-73).
64
mundo, ressaltando que a palavra na reflexão, sem a ação se torna verbalismo, nas palavras do
autor, “blablablá”, identificando outro aspecto a se considerar, para ele a palavra somente na
ação se torna ativismo e acaba impossibilitando o diálogo verdadeiro.
No entanto, o “diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo”, para
pronunciá-lo, de modo que é possível conceber homens e mulheres como seres inconclusos em
processo de constante construção e reconstrução de suas histórias de vida, não num mundo já
dado, determinado, porém como tempo de possibilidades, e isso só é possível através da práxis
(prática), que propicia o diálogo (FREIRE, 1987, p. 45).
Do mesmo modo que o Currículo Crítico Comunicativo propõe um processo educativo
a partir da perspectiva do diálogo, para Freire (2006, p. 65), as relações de mundo só acontecem
a partir da comunicação, ou seja, “[...] o mundo social e humano, não existiria como tal se não
fosse um mundo de comunicabilidade fora do qual é impossível dar-se o conhecimento
humano.”, e acredita que para se chegar a esse conhecimento não é possível se dar alheio à
comunicação pois, para ele, “[...] não é no silêncio que os homens se fazem, mas nas palavras,
no trabalho, na ação-reflexão.” (FREIRE, 2003, p. 92).
Significa dizer que o conhecimento materializado no planejamento curricular sempre
emerge de intencionalidades particulares e de relações de poder de diferentes grupos ou pessoas.
É sempre resultado de acordos de diversas práticas, em diferentes contextos históricos. Resulta
sempre de processos e contextos sejam eles social, econômico e cultural, bem como de disputas
por intenções, que tantos desejos desperta em grupos e pessoas com diferentes propósitos
(ARROYO, 2011).
Mas a quem interessa que um conhecimento considerado legítimo, deve ser ensinado,
transmitido e aprendido (ou não) nas escolas? Quem determina o que é conhecimento legítimo
(universal) ou não? Quais conhecimentos recebem o direito de estarem presentes no currículo
escolar? Quais são os saberes e experiências que devemos proporcionar para meninos e meninas
em nossas escolas? O que acontece quando um conhecimento (a cultura do outro) é deixado de
fora do currículo e das salas de aula? Qual o porquê de tantas reformas curriculares?
Devemos reconhecer que não se trata de obter respostas a esses questionamentos, mas
provocar reflexão acerca da problemática da construção curricular baseada em ação dialógica e
na ação comunicativa, promovendo a aproximação das diversas práticas que se realizam na
escola, e fora dela. Isso poderá oportunizar a esses sujeitos refletir sobre o currículo macro, para
um currículo micro, aquele que guia a prática do professor em sala de aula. Cabe ressaltar que
acreditamos que a construção curricular é “[...] resultados de disputas culturais, de embates e
conflitos em torno dos conhecimentos, das habilidades e valores que se consideram ser dignos
65
de serem transmitidos e aprendidos.” no ambiente escolar e fora dele (CANEN; MOREIRA,
2001, p.7).
Mas para que aconteça uma efetiva transformação das relações dos sujeitos, para uma
sociedade mais digna e justa, está, necessariamente, imbricado na forma como pensamos o
conhecimento e as formas desiguais de educação. É preciso revelar as condições desiguais que
a escola e o conhecimento são oferecidos a meninos e meninas. Desvelar as desigualdades e as
formas de preconceito que estão na sociedade, na escola, bem como, no currículo, porque tudo
isso é preciso para avançar na identificação de ferramentas de luta e resistência às formas
desiguais de educar.
Tanto Freire com Habermas compartilham do mesmo horizonte utópico de educação,
Habermas como teórico da sociedade, envolvido com as questões sociológicas e filosóficas do
seu tempo e Freire sempre envolvido com questões relacionadas as contradições sociais,
demostrando uma clara diferenciação do contexto da ação/reflexão de ambos no curso da
investigação de ambos (PITANO, 2016, p. 15-16).
Mesmo que a dedicação de Habermas estivesse voltada às questões do capitalismo e as
de Freire as questões da libertação dos povos colonizados6, nunca se pode considerar as teorias
de ambos como reducionistas e revestidas de relativismo, isso porque, embora exista claramente
uma dicotomia entre as distintas teorias determinada pelo tempo histórico de suas vidas, não
inviabiliza a nossa discussão aqui – ação comunicativa e o diálogo para penar o currículo
escolar na perspectiva crítico comunicativo – dizemos isso apoiados na concepção ideal de
educação, democracia, liberdade e justiça social que ambos os teóricos desenvolveram ao longo
de suas vidas (PITANO, 2016)
Dizemos isso amparado em Pitano (2016), pois entendemos como ele, que tanto
Habermas como Freire exercem, ainda hoje, uma forte influência nos campos da atividade
humana ao qual também inserimos esta investigação – sociologia, política e educação – de
modo, que pensar a educação e incluímos a construção curricular, distanciado desses campos
pode enfraquecer a problemática a que se propõe, sob pena de transformá-la em “puro idealismo
acadêmico”. Nesse sentido, Ferrada (2001) indica que é de nossa responsabilidade enquanto
pesquisadores e pesquisadoras nos valermos de uma Teoria Crítica de Educação como
6 Entendemos nesse trabalho investigativo o processo de colonização, do mesmo modo que Jaffe (2001)
compreende. Segundo ele se trata do “processo de desapropriação através da conquista e a superxploração da
opressão e da inanição cultural realizado pelos colonizadores capitalistas e companhias estrangeiras” (JAFEE 2001
apud PITANO, 2016, p. 15).
66
possibilidade de ir para além da “denúncia e contestação [...]” (FERRADA, 2001, p. 9, tradução
nossa).
2.3 TEORIA DA RESISTÊNCIA: RESISTIR E LUTAR POR UMA ESCOLA PARA O POVO
O colonialismo invisível te mutila sem disfarce: te proíbe de
dizer, te proíbe de fazer, te proíbe de ser. O colonialismo
invisível, por sua vez, te convence de que a servidão é um
destino, e a impotência sua natureza: te convence que não se
pode dizer, não se pode fazer, não pode ser. (Galeano, ano)
Freire ao apresentar a obra de Henry Giroux (2008) – Os professores como intelectuais
transformadores – afirma que não é possível, tampouco viável, escrever ou conversar sobre os
contextos ou os temas ou ensiná-los, de maneira isolada, sem levar em conta as forças culturais,
sociais e políticas que os moldam. Para o autor, é preciso promover reflexão crítica de modo a
questionar a ideia simplista de que as escolas são propulsoras de uma ordem democrática e
igualitária e, ir além.
Ao partir de uma interpretação crítica da realidade, é possível afirmar que as escolas
podem, também, desenvolver mecanismos de produção e reprodução de desigualdades, de
dominação e opressão. Hidalgo (2008, p. 49) reconhece também a escola como uma das
principais instâncias sociais responsáveis por desenvolver tais elementos como meio de “[...]
desenvolver a consciência de que as identidades culturais.”, uma vez que nesse cenário social
globalizado, sofre com a “perda do referencial” como nação, sucumbindo-se a
“universalização” e “compartilhamento crescente das ideias, estéticas similares, emoções
próximas”, atribuindo a escola o papel de produtora de uma identidade cultural, sob pena de
promover processos de exclusão social.
Essa interpretação é necessária, pois, pode produzir a possibilidade de confronto e luta
para uma reforma verdadeiramente democrática das escolas brasileiras, que demandam a
presença de dois importantes elementos: primeiro, as escolas como esferas públicas e
democráticas e segundo os professores como intelectuais transformadores (GIROUX, 2008, p.
30).
Nessa linha de raciocínio, entendemos que, na atualidade, o discurso difundido em todo
âmbito brasileiro é de que todos têm direito a educação e escola pública de qualidade. É um
momento atravessado pelo amadurecimento político dos sujeitos que, atualmente frequentam a
escola. Partimos do princípio de que é de responsabilidade da sociedade, mais especificamente,
67
do poder público promover formação cultural e formativa para todas as brasileiras e brasileiros,
bem como sua permanência na escola básica (LIBÂNEO, 1991, 34).
Não se trata de um problema atual, conquistar uma escola possível para todos,
principalmente para trabalhados rurais e moradores das periferias urbanas, ainda que seja
amplamente divulgado pelos profissionais da educação que entendem que a escola como está
instituída não é capaz de evitar a exclusão e fracasso escolar, já que poucos são os que
conseguem permanecer na escola por 3 a 4 anos. Será possível aprender nesse curto espaço de
tempo? Certamente que não. É possível uma escola nesse pais para os filhos do povo?
(ARROYO, 1991, p. 34).
Sim é possível. Mas para isso, é preciso muito mais do que, simplesmente inserir esse
sujeito na escola sob o discurso de serem escolas inclusivas, democráticas, escola do povo,
formação humana, etc., discursos quase sempre distanciados da realidade dessas escolas e das
pessoas e que não garantem a verdadeira educação inclusiva e popular.
Pitano (2016) narra alguns fatos que comprovam a afirmação acima. Para o autor,
enquanto ideologia, o capitalismo também pensa projetos de formação humana, mas um modelo
próprio de ser humano. O autor corrobora com esta afirmação com outros exemplos de projetos
que foram desenvolvidos ao longo da história e que também pensavam a formação humana
como o socialismo e o nazismo por exemplo, cada um com o pé fincado em uma ideologia em
particular, mas, propunham “[...] projetos de formação humana, para uma concepção de mundo
que julgavam ser a correta.” (PITANO, 2016, p. 43).
Entretanto, como vimos a partir das contribuições de Pitano (2016), tais projetos são
desenvolvidos sob um discurso veladamente por ideias de liberdade e inclusão. Nas palavras
do autor cada projeto carrega em si uma visão de sociedade particular e obviamente,
[...] o faz sob uma ótica própria, de tal forma que os coloca, disfarçadamente, a serviço
do fim maior, o lucro, resultado do processo produtivo do sistema. O indivíduo livre,
igualitário e fraterno é, na verdade aprisionado na teia densa e pouco visível que o
mantem competindo por mais capacidade de consumo e oportunidades de vida,
capazes de proporcionar a elevação dessa capacidade (PITANO, 2016, p. 43).
Assim, fica claro que a inclusão dentro de um sistema capitalista significa que à
educação oficial cabe formar o indivíduo para ser “incluído” no sistema e que, para o bom
funcionamento desse sistema, a exclusão não oferece vantagens, devendo ser evitada sob pena
de fragilizar o sistema, bem como o consumo, nas palavras de Pitano (2016), a exclusão a ser
evitada a todo custo é com relação ao mercado, pois, “[...] é preciso evitar a revolta, a violência
68
de qualquer natureza (que não a estatal) e promover ao consumo o maior número de indivíduos-
clientes, chamados nesse sistema de cidadãos.” (PITANO, 2016, p.43, grifo do autor).
É preciso ir além desses discursos e projetos que engendram uma concepção, sempre
contrárias a uma educação para a transformação. Compreender que o processo de
democratização da sociedade, perpassa a escolarização em todos os seus aspectos. Sem a
escolarização, considerada como elemento essencial nesse processo, não é possível promover
o desenvolvimento das diversas capacidades intelectuais, bem como o domínio dos
conhecimentos necessários para que o sujeito seja capaz de interferir criticamente e
positivamente através de suas ações e reflexões. Desse modo, para que a democratização se
efetive na sociedade, é necessária uma “[...] educação de qualidade, capaz de promover a
construção dessa sociedade democrática.” (ARROYO, 1991, p. 34-35).
Em uma sociedade democrática, qualidade da educação tem a ver com qualidade social,
diminuição da exclusão escolar, democratização do acesso ao conhecimento, etc., Porém, é
sabido que esse processo está longe de se concretizar, considerando que a escola se encontra
distanciada de uma prática de justiça social.
É bem verdade que a escola não inventa, tampouco cria tais conflitos, eles estão
presentes na sociedade e, certamente, estarão presentes no cotidiano escolar. O que a escola
pode, eventualmente é acentuá-los ou eliminá-los, o que a escola não pode, é negá-los, pois eles
estão na sociedade e certamente acabam rompendo-se na escola (CUNHA, 2009).
A esse respeito, Moacir Gadotti ao escrever o prefácio da obra de Paulo Freire, Educação
e Mudança (GADOTTI, 1983, p. 13), contribui com a afirmação acima, pois assegura que não
é possível:
[...] esperar que uma escola seja ‘comunitária’ numa sociedade de classes. Não
podemos esquecer que a escola também faz parte da sociedade. Ela não é uma ilha de
pureza no interior da qual as contradições e os antagonismos de classe não penetram.
Há, portanto, segundo Freire (1983) a necessidade de se instaurar uma relação respeitosa
e de diálogo verdadeiro no interior dessas escolas e em seu entorno, com o propósito
fundamental de efetivamente superar as diversas formas de desigualdades de classes e das
várias formas de preconceito que existem na sociedade e escola.
Sem a intenção de desvalorizar todo esforço em tornar democrático o ensino, bem como
a escola, do mesmo modo que é possível perceber as tentativas de estender essa escola a maioria
das pessoas, é que Beisiegel (2005, p. 116) alerta para uma “[...] crise instaurada no ensino
público e que leva grande parte dos críticos radicais que estudam a situação do ensino, a não
69
aceitar a expressão democratização do ensino.” Segundo o mesmo autor, mesmo que exista a
“[...] extensão da escola às massas populares desfavorecidas, essa escola não teria sofrido
alterações significativas em suas atribuições na reprodução das desigualdades sociais.”
Não é possível ignorar as capciosas intenções neoliberais de fazer-nos acreditar numa
democratização verdadeira do ensino de tal forma que, Giroux (2005), considera que é preciso
elucidar, ou seja, escancarar mesmo a verdade de nossas escolas e comunidade e, como se dá
todo processo educativo e formativo.
Apesar de muitas forças contrárias segundo Apple e Beane (2001), só será possível
transformar a realidade das escolas públicas se houver projetos e iniciativas de escolas que
trabalham pela crítica, pela emancipação do homem, resistindo aos diversos ataques.
Nesse sentido, não é prudente relegar a diversidade dos sujeitos históricos, possuidores
de culturas, dotados de valores e conhecimentos diversos que compõem o cotidiano escolar.
Sendo assim, é preciso considerar na organização do currículo tanto as experiências sociais
como culturais dos diversos sujeitos que convivem em permanente interação social, sendo
urgente “[...] torná-los visíveis e reconhecê-los sujeitos críveis.” (ARROYO, 2011, p.148).
Cabe ao professor libertar-se das amarras conceituais “[...] transformando-se em um
intelectual transformador.”, promovendo a “libertação da memória”, o que em linhas gerais,
significa dizer que a esse professor compete a tarefa de tornar evidente as relações de opressão
e sofrimento daqueles que por muito tempo estiveram quiçá, ainda estão, sob o julgo de relações
desiguais em uma sociedade também desigual (APPLE, 2006, p, 30).
Mas, dentre outras atitudes atribuídas ao professor como intelectual transformador, cabe
de acordo com Carvalho (2005, p. 15), “[...] entender o processo escolar e descobrir o motivo
que o desqualifica, bem como planejar e colocar em prática o projeto educativo que permite
compreender como a realidade é e como pode ser transformada.”
Nessa perspectiva, Candau (2012) esclarece que não se trata de um processo isolado, é
preciso ainda potencializar aprendizagens, visando construir conhecimentos que incorporem os
processos de crescimento tanto pessoal como social que considere as especificidades da
comunidade local sem esquecer é claro do universal. Ainda segundo a autora, é preciso
direcionar nosso olhar para a formação do professor no sentido de potencializar as
“aprendizagens significativas”7.
7 Segundo Candau (2012, p. 59) para que sejam aprendizagens significativas o conhecimento escolar não pode ser
um “dado” inquestionável e “neutro”, a partir do qual os professores/as configuram o ensino. “Trata-se de uma
construção permeada por relações sociais e culturais, processos complexos de transposição/recontextualização
didática e dinâmicas que ter de ser ressignificadas continuamente”.
70
Nesse contexto e no que diz respeito à formação desse professor, Giroux (2006) considera
que eles devem ter capacidade crítica e reflexiva para encontrar maneiras e alternativas a fim
de reorganização do cotidiano escolar, tendo em vista as esferas temporais, espaciais assim
como a criação de ideologias que permitam a construção de estruturas necessárias para a escrita,
pesquisa e trabalho na produção de currículos e repartição do poder.
Em última análise, os professores precisam desenvolver um discurso e conjunto de
suposições que lhes permita atuarem mais especificamente como intelectuais
transformadores. Enquanto intelectuais, combinarão reflexão e ação no interesse de
fortalecerem os estudantes com as habilidades e conhecimento necessários para abordarem as injustiças e de serem atuantes críticos comprometidos com o
desenvolvimento de um mundo livre da opressão e exploração. Intelectuais deste tipo
não estão meramente preocupados com a promoção de realizações individuais ou
progresso dos alunos nas carreiras, e sim com a autorização dos alunos para que
possam interpretar o mundo criticamente e mudá-lo quando necessário (GIROUX,
2006, p. 31).
No espaço dos processos de ensino e aprendizagem, como “intelectual transformador”
a esse professor cabe, portanto, propor como chama Candau (2012, p. 51) “modelo de educação
multicultural” para o dia a dia das salas de aula, que devem levar em consideração diversas
dimensões, que juntas irão potencializar grandes mudanças no sistema educacional atual que é
“[...] discriminador, hierarquizador, autoritário e de negação do ‘outro’ da nossa sociedade.”,
transformando-se em uma educação voltada principalmente para a edificação de bases
concretas de uma “sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade
com políticas de identidades”.
Cada vez mais, é possível perceber que, ao invés de ensinar os jovens apenas a lerem
criticamente o mundo, a ênfase fica em como esses podem dominar as ferramentas de uma
leitura crítica. Assim, nos perguntamos: como é possível tornar a escolarização significativa de
modo a torná-la crítica e emancipadora? Como meio de avançar nesse questionamento, é
preciso então entender os limites e possibilidades das escolas a partir de uma nova linguagem.
Pois partimos do princípio de que vivemos em uma sociedade sob a égide de uma linguagem
de escolarização limitada e mecanizada que decorrem de processos de escolarização precários
como vimos.
Por conseguinte, essa característica da linguagem impede que todos, especialmente os
professores, sejam capazes de atingir uma leitura crítica de mundo e de escolarização,
impedindo que sejam desveladas as relações, por exemplo, de ideologia de sua própria
linguagem cotidiana e como consequência, por um lado, serviria para desmitificar os fracassos
71
da escolarização e por outro pensar em novos mecanismos e experiências escolares com vistas
à emancipação dos sujeitos.
Sem a intenção de nos aprofundarmos na questão do fracasso escolar, é preciso ter
cautela ao utilizar tal conceito sob pena de desresponsabilizar os responsáveis, seja se valendo
do discurso da mídia, seja do conceito atribuído pela literatura especializada. Por hora basta
explicar que,
[...] os fenômenos designados sob a denominação de ‘fracasso escolar’ são mesmo
reais. Mas não existe um objeto ‘fracasso escolar’, analisável como tal. Existem, é
claro, alunos que não conseguem acompanhar o ensino que lhes é dispensado, que não
adquirem os saberes que supostamente deveriam adquirir, que não constroem certas
competências, que não são orientados para a habilitação que desejariam, alunos que
naufragam e reagem com condutas de retração, desordem, agressão. É o conjunto
desses fenômenos, observáveis, comprovados, que a opinião da mídia e os docentes agrupam sob o nome de ‘fracasso escolar’ (CHARLOT, 1996 apud RODRIGUES,
2010, p. 9).
Esse é o cenário de fracasso escolar que muitas vezes é atribuído exclusivamente ao
professor, desresponsabilizando o Estado de suas responsabilidades enquanto “democracia
representativa” na construção de escolas para o povo. Escolas estas vistas, sobretudo, pela ótica
do mercado, e da competição por esse mercado, os alunos como clientes e os professores como
prestadores de serviço, como bem descreve Coelho (2012, p. 63), quando ele aponta que a
escola como instituição esvaziada do seu “sentido cultural e formativo”, voltada
principalmente, quiçá, reduzida somente a uma lógica de mercado.
A escola se transformou em mercado educacional sendo ajustada por uma concorrência e
competição desenfreada, como efeito, caminhamos a passos largos para que o Estado seja
eximido ou desresponsabilizado da educação e escola.
Dentre os efeitos produzidos a partir de escola e educação no viés da lógica de mercado,
Coelho (2012) destaca a redução do saber a experiências; dados e informações ordenadas e
sistematizadas deságua no primado e prevalência dos chamados conteúdos, das competências,
do aprender a fazer, da prática, do treino da mente; os alunos reduzidos a sujeitos de mente
vazia, a ser preenchida com os saberes que aos poucos ele vai recebendo e acolhendo, e dos
quais se apropria; alunos sendo transformados em consumidor de saber acabado e partilhado
pelos professores (COELHO, 2012).
Nesse contexto, resta aos alunos o inevitável: a perda de sentido enquanto pessoa na sua,
“[...] condição de estudante, alguém que se dedica e sente prazer no trabalho com o sentido da
linguagem e das coisas.” (COELHO, 2012, p.63). Enquanto isso, no mundo capitalista
neoliberal,
72
[...] o saber, os livros, os cursos e a formação são reduzidos a mercadorias, a capital
humano; o que deve ser dito ou silenciado, a verdade, a mentira, a imagem das instituições, a honra e a dignidade das pessoas são submetidas a lógica da competição,
do comercio de bens e serviços. Não escapam, pois, à esfera dos negócios. Não há
distinção clara e precisa entre, de um lado, o público, o direito, a cultura, a educação,
a saúde, e de outro, o privado, os interesses, os negócios, o dinheiro e o poder.
(COELHO, 2012, p. 63).
Concluindo, como meio de opor-se a esse tipo de educação, que tem como principal
objetivo educativo, educar para o mercado e para o consumo, Pitano (2016) apresenta
argumentos amparado em Freire, de uma educação popular que opera a partir de um ponto de
vista crítico, como mecanismo de luta a um sistema considerado impiedoso e cruel. Do mesmo
modo, esse mesmo autor não crê,
[...] na capacidade de acolhimento de uma organização social, articulada sobre os pilares da concorrência, que classifica e hierarquiza ao mesmo tempo em que prega a
liberdade e igualdade entre as gentes. Uma educação que aposta na formação crítica
dos sujeitos como caminho de estruturação de resistência à massificação do consumo
em meio ao qual sucumbe o indivíduo ideal (e concreto) do capitalismo (PITANO,
2016, p. 43-44).
Também não aceita o reformismo, entendido como postura de natureza conservadora,
face aos problemas sociais vivenciados, na atualidade. Não postula em seu projeto libertador,
obter concessões, quaisquer que sejam do funcionalismo sistêmico, acostumados a se
autorreconstruir de acordo com as necessidades percebidas na história. Corajosamente, ratifica
a utopia transformadora “[...] das relações de propriedade e da criação de um sistema justo de
apropriação e distribuição da riqueza social” (MCLAREN, 2001, p. 96).
Diante do exposto, entendendo a nova configuração social, nos perguntamos ou pelo
menos deveríamos nos perguntar, e aqui incluímos nesse leque de sujeitos, autoridades,
professoras (ex), gestoras (ex), pais, mães, estudantes e principalmente os membros da
comunidade que dependem da escola: que tipo de escola queremos? Que tipo de sociedade
esperamos formar a partir da educação que estamos oferecendo aos estudantes? Que tipo de
prática educativa estamos desenvolvendo nas escolas? É possível, a partir de um currículo,
colaborar com uma transformação social? Há possiblidades de construção de uma escola
inclusiva, no sentido latu do termo, a partir das diretrizes e conteúdos emanados da Base
Nacional Comum Curricular?
2.4 GIRO DIALÓGICO E O CURRÍCULO: DO INDIVIDUAL AO COLETIVO
73
Nas últimas duas décadas do século XX diversas foram as mudanças ocorridas em nossa
sociedade após a Revolução Industrial. Muitas foram as transformações, tanto no campo
socioeconômico e político quanto no campo da cultura, da ciência e da tecnologia. Muitos foram
os movimentos sociais, como os do leste europeu, no final dos anos 80, culminando com a
queda do Muro de Berlim. Além disso, as transformações advindas da revolução tecnológica
provocaram o surgimento da era da informação.
O fenômeno social da globalização; entre outros aspectos que desencadearam uma forte
tendência dialógica que invadiu diversos espaços sociais. No cerne dessa transição de modelo
social está a necessidade de diálogo e comunicação para resolução de conflitos nos grupos
sociais (ALBERT et al, 2016, p. 28).
É possível observar a mudança de autoridade de sociedade patriarcal que dá lugar às
relações dialógicas, observando, por exemplo, o acesso das mulheres ao mercado de trabalho e
a participação mais ativa dos filhos nas decisões familiares. Em outros âmbitos da vida
cotidiana as relações também tendem a serem mais dialógicas, mesmo que o sistema tente
refrear esse movimento. Deste modo, para se chegar ao consenso e encontrar soluções, é preciso
ter claro que as “[...] pessoas precisam cada vez mais se comunicar e dialogar para tomar
decisões em relação ao presente e ao futuro cheio de novas opções que são produtos de novos
valores, normas sociais e intercâmbios culturais" (ALBERT et al., 2016, p. 28).
Portanto, com o aumento de possibilidades, a novidade dessas últimas décadas do século
XX, é a dinâmica da reorganização da produção em diferentes lugares em forma de redes, tendo
como núcleo central de organização a tecnologia da informação e comunicação, do mesmo
modo que “não é mais aceito, tanto pelos sujeitos como pelos grupos, a repressão e submissão
a uma ordem social formal e hegemônica, sobre a qual eles não possam opinar e/ou interferir.”
(MELLO; BRAGA; GABASSA, 2012, p. 20).
Desse modo, existe uma transição do modelo de desenvolvimento informacional que
vai tomando distância do modelo industrial que assinalava o modo de produção capitalista em
vigor desde as últimas décadas do século XX, localizando assim a sociedade da informação.
Esse modelo de sociedade recebe, ainda, outras denominações de acordo com alguns autores8:
“sociedade em rede”, “sociedade pós-industrial” e “sociedade do risco”. Tais autores
compartilham da ideia de que este é um momento marcado dentre outras características, a
globalização e o multiculturalismo, e estes últimos como importantes aspectos promotores das
diversas mudanças dessa transição (MARIGO, 2015, p. 24-25).
8 “Sociedade em rede” (CASTELLS, 2011); “sociedade pós-industrial” (TOURAINE, 1998); “sociedade do
risco” (BECK, 2012) apud (MARIGO, 2015).
74
Nesse cenário, resta tanto aos sujeitos, como aos grupos dessa nova formação social,
buscar maneiras possíveis de direcionar as relações sociais através do consenso e para o
entendimento mutuo, livre de repressão e que tem como característica central a linguagem9.
Esses não são fatores isolados e ocorrem por todos os espaços sociais e como dito
anteriormente, “não tem volta”. Para que fosse possível a retomada das interações baseadas na
relação de poder, o que não é, seria então necessário que se restaurasse as relações de autoridade
desde nossas casas e da sociedade como um todo. Como então enquadrar os filhos desse novo
modelo social em um modelo escolar patriarcal? A resposta é bem simples: “impossível”, “[...]
o passado não vai mais voltar.” (ALBERT, et al, 2008, p. 27).
Como resultado dessa tentativa de restaurar ou de manter os mesmos e antigos padrões
de convivência baseados na autoridade e poder, os conflitos e disputas podem surgir, isso
porque de acordo com Albert et al (2008) a única maneira de recuperar a “ordem” é através de
relações baseadas no diálogo.
A ordem não vai voltar por meio de imposição autoritária, sem argumentos além da
força para recuperar a convivência e o sentido reside no poder dos argumentos que
ocorrem em relações dialógicas. Na atualidade, somos mais capazes de oferecer
argumentos porque, ao possuir mais opções em muitas esferas (pessoal, profissional, social, etc.), pensamos mais sobre todos os aspectos de nossa vida, com o objetivo de
tomar decisões (ALBERT et al., 2008 p. 179).
No campo da educação escolar, nas interações institucionais, tentar restabelecer, ou
mesmo manter as relações hierarquizadas e de autoridade como era praticada anteriormente na
escola pelo professor, por exemplo, é tarefa irrealizável. Do mesmo modo, toda dinâmica de
sala de aula é alterada significativamente, baseada agora no consenso e diálogo tanto nos
processos de ensino e aprendizagem, como na formulação das normas que regem a convivência
de professores e alunos, colaborando ou não com a criação de sentido, dependendo da
motivação que lhe é oferecida, a que o sentido tem conexão com a dinâmicas que acontecem
no cotidiano da escola. Nesse aspecto Albert et al. (2008, p. 180) afirma que, o sentido passar
a existir quando o sujeito atribui valor ao objeto estudado, mas
[...] depende à cultura escolar, que continua se correspondendo a cultura
hegemônica, ocidental e de classe média-alta. Sendo assim, a organização das
escolas e das salas, o currículo e o professorado e a linguagem correspondem à
cultura de um numero minoritário de famílias. Como resultado, muitos meninos e
meninas de classe médias e baixas, de família não acadêmicas, em situação de
pobreza e marginalidade, de minorias étnicas e de outras culturas e línguas
diferentes da majoritária não se identificam com a cultura escolar.
9 De acordo com Habermas (1987a) a finalidade da linguagem é se chegar por meio da comunicação a um
mesmo entendimento.
75
Em substituição a esses velhos padrões que orientavam nossas vidas na sociedade
industrial, apresentamos o “giro dialógico”, que descreve a crescente centralidade do diálogo
nas relações em todos os âmbitos: desde a política internacional a sala de nossa casa, incidindo
sobre trabalho, também sobre a escola, a família, nas relações intimas e instituições como
bancos, hospitais e administração política e social. O “giro dialógico é elemento do contexto
social e cultural na atualidade, sendo esse elemento percebido e sentido por todos, em diferentes
canais, e está na base das alterações da escola e na criação de sentido” (ALBERT et al, 2008,
p. 27-28).
Na mesma direção, em linhas gerais é possível dizer que a criação de sentido tem
intrínseca relação com o currículo escolar se considerarmos que um currículo atribui valor a
certos conhecimentos e outros não. Nessa dimensão, Silva (2015), aponta que quando da
nomeação de alguns conteúdos e outros não, essa prática evidencia que a seleção pode ser
assinalada por uma intervenção e manutenção de relações de poder, como consequência
favorece direta ou indiretamente as fronteiras funcionais desse poder. Afinal, é possível
questionar: por que alguns conteúdos são deixados de fora? Quais os critérios para que um tipo
de conhecimento seja considerado válido para ser parte do currículo e outros não? Por que esses
conhecimentos e não outros? Por que esse conhecimento é considerado importante e não
outros?
Essas questões demonstram que, embora muitos sejam os fatores que levam a perda de
sentido na escolarização de meninos e meninas, segundo os escritos de Albert et al. (2008) isso
acontece principalmente pelo uso do poder e não do diálogo na instrução e na formulação
educacional. Nas palavras dos autores esse fator leva à “processos de burocratização e
tecnificação da escola” e como consequência favorecendo à
[...] distribuição desigual do poder na educação, encapsulando o mundo da educação
escolar nas escolas e impedindo uma comunicação fluida dos profissionais da
educação com a sociedade civil. A burocracia e a tecnificação desumanizaram o que
ocorre na escola, distanciando as famílias dos currículos, das programações etc., e
individualizaram assim suas vozes” (ALBERT, 2008, p. 181).
Nessa direção, criação de sentido tem a ver com a interação dos participantes dos
processos educativos e sua relação com o mundo da vida e os conteúdos escolares. Em outras
palavras, modelos de aprendizagens tradicionais pautados em currículos fechados,
padronizados colocam barreiras a aprendizagem mais dialógica e ao entendimento. Nessa
direção, só é possível atribuir sentido as aprendizagens dos meninos e meninas quando a “leitura
76
da palavra for sinônimo da leitura da realidade” conforme afirma Freire Freire (2005),, não
podendo haver separação entre escola e vida cotidiana quando a escolarização tem como
propósitos essenciais, a criação de sentido.
Em Albert et al. (2008, p. 181), encontramos a definição de encapsulamento de
conhecimento escolar que nos ajuda a pensar sobre a dicotomia entre escola e vida cotidiana,
para os autores uma maneira para se acabar com o
[...]encapsulamento do conhecimento é formar os e as estudantes para abordar
criticamente os conteúdos escolares e a própria maneira como aprendem tais conteúdos,
explicitando assim o currículo oculto.
É nessa arena de conflitos que o planeta é ameaçado constantemente, tanto por riscos
sociais, políticos, econômicos e individuais, o que torna urgente pensar mecanismos para
incorporar à sociedade da informação o convívio entre diversos sujeitos como parte integrante
da mesma sociedade. Como Marigo (2015, p. 23), acreditamos que embora se trate de diversos
desafios apresentados pela sociedade informacional, “globalização e o multiculturalismo”,
ainda assim é possível perceber diversas possibilidades de diálogo com vistas a liberdade e
igualdade de direitos entre os sujeitos, e novas formas de viver socialmente com respeito mútuo
apoiando-se na comunicação e tolerância entre os sujeitos (MARIGO, 2015, p. 23).
Somos chamados a todo o momento a refletir toda atividade social e individual.
Considerando que quanto à atividade social na sociedade industrial, as decisões eram pautadas
em costumes e tradições, por outro lado, na sociedade informacional são exigidos dos sujeitos
novas posturas e novas abordagens para se compreender os conflitos atuais, mais
especificamente os gerados pela interação humana com a estrutura social.
Essa dualidade faz referência a perspectiva sociológica sistêmica, que por sua vez
entende a sociedade e sua estrutura a partir de leis determinadas e de sistemas que são impostos
para as pessoas, desconsiderando sua ação. A proposta então é buscar compreensão dessa
dualidade para se pensar a teoria da ação comunicativa. Esses são fatores que merecem atenção,
pois, desencadeiam diversas mudanças que precisam ser compreendidas quando, acreditamos
que a escolarização dos sujeitos tem objetivos sociais, promovendo a aproximação de diversos
sujeitos ou grupos que interagem e convivem, modificando assim seu modo de pensar, de sentir
e agir (MARIGO, 2015, p. 24-25).
A tendência dialógica da sociedade implica na postura humana de buscar mais diálogos
nas relações, possibilitando maior democratização do conhecimento e dos elementos
informacionais. Quanto a isso Albert et.al. (2008, p. 31) ilustram essa questão
77
O aumento da reflexão associada ao aumento das opções não é negativo se sabemos
gerir o sentimento de risco que as ocasiões produzem. Converter esse processo em intersubjetivo é uma das melhores formas de reduzir os riscos e a desorientação, pois
ao considerar os distintos pontos de vista que nos oferecem outras pessoas, podemos
decidir com mais argumentos e mais livremente qual é a melhor opção para cada um.
Em busca da melhor opção de aprendizagem dos sujeitos, diversos estudos apontam que
os processos de escolarização também oferecem amplo debate nessa configuração social. Isso
porque, no cerne dos processos de escolarização cresce a preocupação com a produção do
conhecimento. Mais especificamente, com que tipo de conhecimento é demandado dos
indivíduos em uma economia moderna de um mundo capitalista que está mais preocupado com
o que o sujeito pode oferecer a esse mercado de posse desse conhecimento.
Neste contexto, a educação também sofre transformações, bem como o conhecimento
acadêmico se levarmos em consideração que nenhum especialista domina todo conhecimento
cultural e social. Nessa direção, também é preciso analisar as relações intersubjetivas pois,
podem possibilitar maior conhecimento e coerência teórica das produções acadêmicas se
levarmos em conta que “[...] na atual sociedade da informação é através do diálogo com as
pessoas ‘não especialistas’ que é possível o desenvolvimento de teorias mais inclusivas e
cientificas.” incluindo nessa produção atores sociais na realização de suas pesquisas por
exemplo, evitando o que os autores chamam de, “vazio metodológico” (ALBERT, 2008, p. 31-
32). Para tanto é preciso considerar que:
Estes não são apenas informantes, mas interpretam sua própria realidade a partir de seus próprios mundos da vida; por isso para conseguir uma maior uma maior
compreensão da realidade social e desenvolver teorias que possam servir de base para
propostas de ação mais eficazes, investigadores e investigadoras precisam trabalhar
de forma colaborativa com os agentes sociais envolvidos nas realidades sociais
estudadas (ALBERT, 2008, p. 31-32).
As relações institucionais, mesmo ainda fortemente burocratizadas, têm sentido uma
certa pressão desse movimento humano que buscam mais diálogo e mais oportunidades de
transformações dessas instituições, pois Albert et al. (2008 et al, p. 33), asseveram que os
sistemas se mantêm fechados e burocratizados, dessa forma “colonizando a vida cotidiana das
pessoas”, contudo quando esses se encontram burocratizados, e nós, sujeitos ativos,
reclamamos o estabelecimento de um diálogo aberto com as instituições, evidenciando que
devemos estar presentes nas decisões que afetam nossas vidas.
78
Partindo desse entendimento, essa constante interação que a globalização promove entre
estes sujeitos ou grupos que passam então, a conviver num dado espaço, é potencializado,
também, pelos diversos movimentos sociais que buscam dentre outras coisas, uma convivência
pacífica entre razão instrumental e as diferentes identidades culturais, bem como entre das
tecnologias e economias com a diversidade cultural.
Entretanto, mesmo que as tomadas de decisão sempre estejam nas mãos dos
especialistas e são tomadas de maneira unilateral e as bases da educação escolarizada
permaneçam, ainda, fortemente arraigadas em seus fundamentos tradicionais, em contrapartida
existem esforços de diversos grupos sociais e de pessoas que buscam dentro outros aspectos,
melhoria de vida e de suas relações, favorecendo elementos para que a verdadeira
transformação aconteça.
79
3 CURRÍCULO: INSTRUMENTO IDEOLÓGICO CONTROLADOR OU
EMANCIPATÓRIO?
Não posso aceitar uma sociedade na qual uma em
cada cinco crianças nasce na pobreza, condição que
piora a cada dia. Também não posso aceitar como
legítima uma definição de educação na qual nossa
tarefa e preparar os alunos para “funcionarem”
facilmente nos “negócios” de tal sociedade. Um país
não é uma empresa. A escola não é parte dessa
empresa, e sua função não é produzir incessantemente
o “capital humano” necessário para administrá-la.
(APPLE, 2006)
Com a intenção de melhor posicionar metodologicamente o presente estudo,
inicia-se neste capítulo a análise do contexto histórico de produção e comunicação da
temática dos discursos sobre a diversidade, solidariedade e equidade que são apresentados
no documento da BNCC que, complementa a primeira fase da HP que já vem sendo
desenvolvida ao longo dessa investigação. Esta fase é reservada à análise sócio-histórica,
conforme a proposta metodológica. Ainda que, de forma modesta, sem a pretensão de
esgotar o tema, nesta fase, enquanto procedimento de pesquisa, realiza-se uma revisão da
literatura sobre as temáticas propostas, garantindo estabelecer uma relação entre o objeto
a ser investigado e o conhecimento acadêmico organizado e possível, a disposição dessa
pesquisadora.
Subjacente aos argumentos, no que concerne o conceito de currículo, foi possível
afirmar que sua história data de mais de um século e de acordo com Moreira e Candau
(2008, p. 11), se “[...] constitui significativo instrumento utilizado por diferentes
sociedades.”, acompanhado por diversas mudanças, se modificando constantemente ao
longo desse período, mudanças essas, relacionadas aos “[...] processos de conservação,
transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados.” Influenciado
e fundamentado por distintas perspectivas teóricas e culturais que pensam como “[...]
socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis.” (MOREIRA;
CANDAU, 2008, p. 11).
Para compreender o modelo curricular na atualidade é preciso considerar todas
essas questões acima mencionadas, pois existe um longo percurso na construção
curricular, desde o contexto histórico, passando pelo texto escrito à sala de aula.
80
Moreira e Candau (2008) ressalta que não é possível perder de vista que, os
discursos curriculares são assinalados por uma forte “[...] influência do pensamento pós-
moderno”. Existe uma linha muito tênue entre o pós-modernismo e o neoliberalismo, este
último tem como projeto de sociedade o desmonte do estado de bem estar social, marcado
por “[...] privatizações, pela diminuição do papel do Estado em atividades sociais e
econômicas e pela crescente redução de políticas de proteção social, com consequências
negativas já exaustivamente denunciadas.” (MOREIRA; CANDAU 2008, p. 9-10).
E no que concerne à educação, especificamente e aqui incluímos o currículo,
“[...] o pós-modernismo é tido como incapaz de fornecer as bases para o tratamento das
deliberações políticas e morais [...]” (MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 9-10). É preciso
avançar nas concepções que fundamentam a organização curricular.
Contudo, ao passo que deixamos de ver o currículo com o mesmo olhar inocente
de antes, conseguimos perceber que este se distancia de seu caráter meramente técnico e
assume uma postura mais crítica, à medida que vai incorporando questões “sociológicas,
políticas e epistemológicas” nas discussões (MOREIRA; TADEU, 2013, p.13-14). Não
se trata de afirmar que as questões relacionadas ao “como” deixem de ser importantes
nesse processo, mas que estas não podem se dar distanciadas das questões concernentes
ao “por que” das diversas formas de se organizar o conhecimento (MOREIRA; SILVA,
2011). Em contribuição a esse pensamento, a partir da análise realizada por Apple e Silva
(2015, p. 46) pontua que “[...] a questão não é saber qual conhecimento é verdadeiro, mas
qual conhecimento é considerado verdadeiro.”
Nessa direção, focalizamos, no presente estudo, o diálogo do currículo,
marcadamente atravessado pelo pós-modernismo, com a construção curricular na
perspectiva crítica comunicativa. Parto do pressuposto de que a construção de uma escola
inclusiva perpassa, necessariamente, refletir a construção como meio de mobilizar ações
para romper com um modelo curricular classista e excludente. Assim, em busca de
contribuir com as discussões acerca da construção curricular, destacamos a importância
de compreender essas relações e suas implicações para a educação, escola e formação
humana.
Descrevo, inicialmente as dimensões epistemológicas do currículo e alguns dos
seus diversos significados, seguido de uma contextualização histórica breve, seguida da
análise dos discursos. Nessa direção, do mesmo modo que Moreira e Candau (2008, p.
11), partimos da premissa de que:
81
[...] toda e qualquer iniciativa na escola e no currículo deve integrar um projeto
emancipatório voltado para a construção de uma intersubjetividade livre, para
a eliminação dos contextos de dominação introduzidos nas estruturas de
comunicação.
Um projeto de escola emancipada, inclusiva é fundamentado a partir dos “[...]
fundamentos práticos de uma educação popular comprometida com o combate da
barbárie social em seus múltiplos espaços, preferencialmente, agindo em todos.”
(PITANO, 2016, 35-36).
Nessa direção, surgem algumas inquietações: é possível romper com políticas
curriculares neoliberais que tanto cerceiam e excluem tanto pessoas como culturas do
convívio social digno e igualitário? É possível a construção de uma escola inclusiva, no
sentido latu do termo, a partir das diretrizes e conteúdos emanados da Base Nacional
Comum Curricular, na perspectiva critico comunicativa? Considerando a forma como
está estruturado o documento da BNCC, que tipo de sociedade é possível construir?
3.1 DIMENSÕES EPISTEMOLÓGICAS DO CURRÍCULO
A consciência humana deve ser, pois, considerada
tanto no seu aspecto teórico-predicativo, na forma do
conhecimento explícito, justificado, racional e teórico, como também no seu aspecto
antepredicativo, totalmente intuitivo. A consciência é
constituída da unidade de duas formas que se
interpenetram e influenciam reciprocamente, porque,
na sua unidade, elas se baseiam na práxis objetiva e
na apropriação pratico-espiritual do mundo. A recusa
e subestimação da primeira forma conduzem ao
irracionalismo e às mais variadas espécies de
‘pensamento vegetativo’; a recusa e subestimação da
segunda forma conduzem ao racionalismo, ao
positivismo e ao cientificismo, os quais, em sua
unilateralidade, determinam o irracionalismo como complemento necessário. (KOSIK, 1976).
Com o propósito, nesse primeiro tópico, de refletir sobre as questões
epistemológicas do currículo no tocante à organização, por compreender, do nosso ponto
de vista, que de diferentes projetos de construção curricular emanam diferentes projetos
de organização social, dependendo das intencionalidades de diversos grupos ou pessoas
que se envolvem nessa dinâmica. Mas afinal, o que é currículo?
Nossa discussão começa pelo entendimento acerca do termo currículo. Segundo o
dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, currículo/curriculum significa a “[...] descrição
do conjunto de conteúdo ou matérias de um curso escolar ou universitário.” (AURÉLIO,
82
ano, p.). Mas, com o passar do tempo o currículo vai sendo entendido de várias maneiras
e assume diversas definições, dependendo do contexto ao qual esteja inserido e dos
formuladores. Os tipos e formatos vão desde currículo formal e informal, currículo oficial,
real e oficial, currículo oculto, grade curricular, etc.
Etimologicamente a palavra curriculum, encontra sua origem no latim. Segundo
o dicionário Latino Português, curriculum pode ser definido como corrida, carreira, lugar
onde se corre ou ainda, como espaço da vida e carreira da vida (TORRINHA, 1937). A
partir da expressão latina já é possível perceber que, desde o princípio, esteve atrelado ao
currículo a intenção em determinar um lugar reservado, limitado.
A primeira menção ao currículo se deu há mais de um século e desde então tem
sido amplamente modificado e tem servido de guia desde então à definição de currículo
no cotidiano escolar, definindo desde “[...] guias curriculares propostos pelas redes de
ensino àquilo que acontece em sala de aula, currículo tem significado entre outros, a grade
curricular com disciplinas/atividades e carga horárias [...]” (LOPES; MACEDO, 2011, p.
19).
Tais conceitos e definições foram surgindo e sendo modificados a medida que
diferentes fatores foram influenciando seu campo. As transformações foram ocorrendo
também e sobretudo à medida que os conceitos de escola e sociedade foram sendo
influenciados pela questão da qualidade medida pela eficiência e eficácia. Para Hamilton
(1989, p. 10), já no século XVI o termo curriculum tinha aparecido com referência ao
ensino superior designando “disciplina” e “ordem” no campo educacional. No século XX
o currículo, já demostrava estreita relação com “[...] noções de controle, padronização,
eficiência e administração educacional e social”. A expressão latina ganha destaque como
“ordem como sequencia” e “ordem como estrutura.” (HAMILTON, 1989, p.10).
Sacristán (2000) que continua no mesmo viés de pensamento, esclarece que,
embora parta da palavra currere como definição de currículo, entende estar associado
com a carreira do sujeito, caminho que busca trilhar. São definições que nos dão uma
pista de que a escolaridade sempre esteve relacionada a uma longa caminhada e que o
currículo seria então o que dá significado (ou não) a essa escolaridade através dos
conteúdos definidos como conteúdos válidos para a vida escolar desse sujeito.
Ainda em referência ao currículo, Goodson (1995, p. 117) propõe que na prática
se trata uma direção ou um percurso,
83
[...] aparente ou oficial de estudos, caracteristicamente constituído em nossa
era por uma série de documentos que cobrem variados assuntos e diversos
níveis, junto com a formulação de tudo – ‘metas e objetivos’, conjuntos e
roteiros – que, por assim dizer, constitui as normas, regulamentos e princípios
que orientam o que deve ser lecionado
Diante de tatas ambiguidades conceituais, Moreira e Candau (2008, p. 11-15),
afirmando a falta de conformidade nas diversas assertivas sobre o conceito de currículo,
diz que é importante ter clareza dos impactos dessas divergências e o que este fato reflete
realmente. A complexidade conceitual do currículo apresentada por Moreira (2008), está
relacionada com diversos conceitos que podem significar desde “construção cultural,
histórica e socialmente determinada.” até o conceito de “uma pratica condicionadora do
mesmo e de sua teorização”.
Moreira e Candau (2008, p. 12-13) resgata algumas definições que tem intrínseca
relação com o currículo, dentre elas, “conhecimento escolar e experiências de
aprendizagem”, definindo currículo como “conhecimento tratado pedagógica e
didaticamente pela escola e aprendido pelo aluno”, sendo esta definição, a que mais se
destaca nesse emaranhado de significados. Uma segunda definição segundo o mesmo
autor, se inicia a partir das diferentes “[...] visões de educação e de pedagogia que
começam a se delinear a partir do século XVIII [...], nesta definição existe uma ênfase
tanto [...] nas mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais [...]” (MOREIRA;
CANDAU 2008, p. 12-13).
Emanam de diferentes abordagens distintos questionamentos, no caso do currículo
não é diferente. Quando se pensa o currículo na perspectiva do conhecimento, busca-se
entender o que deve um currículo conter. Feito isso, a dúvida é como organizar tais
conteúdos. Mas, se partimos da premissa que o currículo, está relacionado as mudanças
diversas então, os desafios deslocam-se para saber como selecionar as experiências de
aprendizagens que serão ofertadas aos alunos, bem como organizá-las de modo que tenha
sentido e significado e que tenham relação com os diferentes interesses (MOREIRA,
2008, p. 12-13).
Nesta perspectiva, debatidos constantemente pelas teorias pedagógicas, os estudos
curriculares fazem parte dos problemas mais frequentes nesse campo, com uma estreita
relação com mecanismos de poder e controle das minorias, os excluídos socialmente, os
diferentes, se considerarmos currículo como sendo “[...] as experiências escolares que se
desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para
84
a construção das identidades de nossos/as estudantes.” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p.
18), ou seja, como referência à todas as atividades escolares, associado ao conjunto de
esforços pedagógicos com fins educativos.
Mas esta não é uma via de mão única para o currículo, ele tem recebido ao longo
dos tempos diversas definições. Muitas delas, embora geralmente passe desapercebido,
influenciam no cotidiano escolar, mas que nem sempre fazem parte dos documentos
oficiais. Embora não pretendamos discutir profundamente, é preciso esclarecer que existe
uma outra maneira de conceber o currículo, quase que imperceptível e que certamente
está lá e influenciando todas os processos de ensino aprendizagem.
Embora pouco comentado e/ou até discutido pela comunidade escolar ele está lá,
o currículo oculto, mas esse processo demanda um olhar mais cuidadoso pois, envolve,
costumes e valores transmitidos de maneira subliminar no interior da sala de aula e fora
dela, ou seja, nas diversas relações que se estabelecem no interior de toda a escola, pela
interação tanto social, como pelos hábitos e costumes do cotidiano escolar.
Também é possível dizer que compõem o universo do currículo oculto todos
aqueles rituais da escola. McLaren (1991, p. 35-36) acredita que a escola é produtora e
reprodutora do capitalismo a partir também de certos “rituais” que, geralmente não são
vistos, mas, certamente estão lá, os rituais, práticas, relações de hierarquia, regras,
procedimentos, as formas como se organizam e desorganizam o espaço e o tempo da
escola e dos alunos e como estes são organizados em formato de grupos ou de turmas.
Buscamos desvelar as diversas relações que se estabelecem no interior do
currículo, pois do mesmo modo que McLaren (2001), nosso comprometimento é com
uma escola e um currículo crítico, capazes de potencializar que meninos e meninas sejam
capazes de participação efetiva e também democrática dentro de uma sociedade classista,
em um mundo globalizado e capitalista.
Nas palavras do mesmo autor, e que tem como interesse direcionar seu trabalho
com foco em políticas curriculares claras e práticas, encontrar maneiras para “[...] a
educação pode desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento de novas formas
de trabalho não-alienado por meio do desmantelamento das relações sociais capitalistas
[...], e esse movimento perpassam o encorajamento dos estudantes a desenvolverem uma
reflexão crítica de modo que sejam capazes de [...] pensarem em tal possibilidade por
meio da criação do que tenho chamado de ‘pedagogia revolucionária.”. (MACLAREN,
2000, p.179).
85
Nessa direção em meio ao exame das bases conceituais do currículo escolar e seu
processo de construção, entendermos que essa construção não acontece distanciada das
relações de poder, disputas e interesses de diversos grupos hegemônicos, pois como
Macedo (2002, p. 132) observa, nesse movimento podemos “[...] compreender que os
limites com os quais se trabalha não são dados ou fixos, mas produtos de ações
conflitantes e interessadas dos homens na História.”
Entretanto, no tocante a problemática como forma de avançar nas discussões
acerca de uma escola emancipada e transformadora esse processo não se dará e não pode
mesmo se dar alheio as questões históricas, contextuais e conceituais do currículo.
Dizemos isso porque entendemos que esse processo se dá mediante as formas pelas quais,
[...] as escolas são usadas para propósitos hegemônicos está no ensino de valores culturais e econômicos e de propensões supostamente “compartilhadas
por todos” e que, ao mesmo tempo, “garantem” que apenas um número
determinado de alunos seja selecionado para níveis mais altos de educação por
causa da sua ‘capacidade’[...] (APPLE, 2006, p. 61).
Mas quem, ou o que mede essa capacidade do aluno? É preciso entender que no
contexto educacional o currículo não pode ser considerado um objeto neutro e inocente
de transmissão desinteressada do conhecimento que é oferecido (prescrito) socialmente,
a muito tempo abandona seu caráter apenas técnico, assumindo uma nova postura,
inevitavelmente convivendo claramente em um campo de relações de poder.
A construção curricular, deriva sempre de uma tradição de escolha seletiva,
resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento
legitimo e que, a sistematização do conhecimento no currículo é “[...] produto de tensões,
conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam
um povo.” (APPLE, 1992 apud MOREIRA; SILVA, 2011, p. 71).
Queremos argumentar que, uma análise crítica permitirá de entender de que forma
o currículo vem sendo organizado ao longo dos anos e quais projetos de sociedade tem
embasado, como possível caminho para oferecer possibilidade de construção de uma
escola efetivamente inclusiva para todos os meninos e meninas que adentram os seus
portões em busca de respeito a suas subjetividades culturais, sociais e econômicas e que
independentemente de quais sejam, a escola e educação seja para todos.
Insistimos então, abordando questões particulares a respeito do planejamento
curricular, com ênfase na construção e reconstrução do currículo ao longo do tempo e a
implementação no Brasil, a partir de duas dimensões de currículo. De um lado – Currículo
86
Crítico Comunicativo – que busca uma ação educativa voltada para a formação humana,
capaz de criar e abrir espaços de construção e reconstrução de práticas de valor como
solidariedade, respeito a diversidade humana, a igualdade de oportunidade e espaços de
luta contra todo e qualquer tipo de discriminação.
De outro – Base Nacional Comum Curricular – que constituída e implementada
para selecionar as áreas bases do conhecimento, de caráter normativo. Determina o
[...] conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os
alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação
Básica [...] assegura aprendizagens e pleno desenvolvimento independente dos
contextos em que os sujeitos se encontram, e ainda com garantia de um [...]
grande avanço para a educação brasileira [...] por se tratar de um documento [...] plural, contemporâneo, e estabelece com clareza o conjunto de
aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos os estudantes, crianças,
jovens e adultos, têm direito (BRASIL, 2017, p. 7, grifo nosso).
Essa análise tem como ponto de partida os dilemas enfrentados pela educação e
escola e as relações que se estabelecem no interior dessas, no que se refere a
sistematização do conhecimento a partir do currículo. Muitas vezes, um currículo imposto
e carregado de um tradicionalismo hegemônico e principalmente nas formas desiguais da
distribuição do conhecimento, impedindo qualquer forma de romper tais mecanismos de
subversão social. Do mesmo modo Goodson (2008) apresenta as questões que dever ser
consideradas nesse processo que culmina em um currículo prescritivo. Para o mesmo
autor,
[...] o interesse dos grupos dominantes estão imbricados em uma parceria
histórica poderosa que estrutura essencialmente o currículo e efetivamente
subverte qualquer tentativa de inovações ou reformas. As prescrições fornecem
‘regras do jogo’ bem claras para a escolarização, e os financiamentos e
recursos estão atrelados a essas regras (GOODSON, 2008, p. 247).
Como se o conhecimento fosse algo a se distribuir ou como um produto a ser
negociado entre grupos e pessoas que ditam quais conhecimentos são importantes e quem
é importante o suficiente para recebê-los, já que, veem a educação como um processo de
“[...] interiorização das condições de legitimidade do sistema que explora o trabalho como
mercadoria, para induzi-los a sua aceitação passiva [...]” (MÉSZÁROS, 1930, p. 17). Mas
é a partir dessas mesmas pessoas e grupos, que podem se dar as lutas como meio de
garantir mecanismos potencializadores de uma escola capaz de garantir que todos tenham
direito ao conhecimento historicamente construído, capazes de emancipação social e a
extinção das desigualdades, discriminação e preconceitos em todos os seus aspectos.
87
Os estudos curriculares são parte dos problemas enfrentados e severamente
debatidos pelas teorias pedagógicas, as quais pensam também a intervenção no campo
curricular no que afeta a sua construção. Seja como um agrupamento de conteúdos
sistematicamente organizados, seja como como um conjunto de todas as experiências que
alunos e alunas vivenciam na escola (GIMENO; PEREZ, 1989). Nesse aspecto,
assumimos como premissa básica que toda proposta de organização curricular envolve
três situações distintas, mas que se interpenetram mutualmente em sua elaboração – o
contexto, um processo, bem como um propósito.
Algumas justificativas podem ser evocadas para explicar tal ponto de vista. Não é
possível desvincular a pedagogia das suas relações com a política, como também é
teoricamente incorreto (MCLAREN, 1997), do mesmo modo que investigar o currículo
e seus aspectos históricos é, também buscar entendimento do conhecimento escolar tendo
como porto de partida o “[...] que é distribuído para aqueles que frequentam as instituições
educacionais, e se possível, seus efeitos.” (KLIEBARD, ano apud MACEDO 2002, p.
139).
Mas esta não é uma preocupação recente. Já em 1902 John Dewey como um dos
primeiros teóricos progressistas das teorias curriculares, apontava a necessidade de
incorporar nos processos de ensino e aprendizagem as questões culturais, bem como “[...]
apontava a importância de o planejamento curricular considerar os interesses e
experiências das crianças e jovens.” (HIDALGO, 2008, p. 28).
Ainda que estejamos avançando na análise curricular bem como “[...] começando
a enxergar mais claramente coisas que antes eram obscuras [...], será preciso desvelar o
que ainda está implícito na construção curricular, como meio de romper com os diversos
modos de exclusão escolar.” (APPLE, 2006, p. 37).
Nesse sentido, o que se espera é ir além do desvelamento das questões
curriculares, é preciso também desenvolver uma análise e compreensão mais profunda e
detalhada, avançando na concepção que fundamenta o currículo como elemento capaz de
fornecer “[...] uma visão mais exata do campo do currículo no Brasil." (MOREIRA;
CANDAU, 2003, p.172), desviando-se de "[...] análises que, embora reconhecendo a
existência de interações e resistências, dão importância secundária à esfera cultural no
processo de formação de um campo de estudos." (MOREIRA; CANDAU, 2003, p. 182).
Isso significa que, se o currículo desconsiderar a diversidade, a multiplicidade, a
diferenças presentes no âmbito escolar, poderá dificultar a possibilidade de se trabalhar
os campos disciplinares do conhecimento e do saber, articulados com as questões do
88
cotidiano do aluno e a questão da pluralidade invisibilizadas e silenciadas pela escola.
Nessa direção, Candau (2003) afirma que as escolas também têm sido chamadas a reagir
a partir chegada dessa pluralidade de culturas, se posicionando contrária à uma cultura
única, do mesmo modo que não há possibilidade de valorização de um currículo
monocultural.
Mas, embora a cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, sejam
construídas fundamentalmente a partir da “[...] matriz político-social e epistemológica da
modernidade, que prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como
elementos constitutivos do universal.” (CANDAU, 2011, p. 241), não impede que sejam
escolas invadidas por diferentes grupos sociais e culturais, que antes eram afastados do
espaço escolar, que lutam e resistem para que o conhecimento no currículo seja
significativo à aprendizagem.
Assim, especificamente a respeito da crise social instaurada na sociedade
moderna, cabe também a educação auxiliar na resolução de tais conflitos e oferecer
estabilidade educacional ao sistema social vigente. Hidalgo (2008, p. 50) que discute as
principais causas das desigualdades sociais nessa sociedade permeada por contradições,
acredita que as desigualdades podem ser consequências de “[...] acesso às informações e
ao conhecimento entre pessoas e grupos sociais.” Ainda, na definição de Hidalgo (2008),
permanece a existência de uma “uma crise na cidade”, que tem como consequência uma
“crise na educativa” e diversos problemas sociais como por exemplo, “[...] a exclusão
social, a violência, a fragmentação territorial, o desemprego a poluição, a solidão e o
individualismo[...], cada vez mais presentes na sociedade.” (HIDALGO, 2008, p. 50).
É sabido que a escola na forma como está pensada é incapaz de oferecer uma
escola igual para todos. Aqui partimos do princípio de que não somos todos iguais. E se
não somos iguais, como pode um currículo padronizado, homogêneo, etc., dar garantias
de aprendizagens essenciais e indispensáveis para todos como descrito na BNCC? Como
é possível que um currículo dê conta do que realmente é essencial e indispensável para
cada um sem considerá-los em sua diferença?
Como vimos, o currículo ao longo dos anos, tem sido apresentado de diversas
formas, demonstrando uma imensa pluralidade de definições, que estão atreladas a
diferentes valores, tempo histórico, intensões e concepções de educação e escola. Tais
mudanças ocorrem, à medida que mudam também os interesses em justificar um certo
tipo de educação, um certo tipo de conhecimento e um certo tipo de organização social a
89
ser aceito como válido para todos os meninos e meninas, desconsiderando os contextos
sociais em que estes estejam inseridos.
É bastante recorrente que professores e demais profissionais da educação, em
geral, ainda utilizem diferentes terminologias para o termo currículo. Vale lembrar que
não é relevante aqui a definição que se atribui ao currículo e sim como é possível
problematizar a partir dele, desvelando as relações que se estabelecem em seu interior.
Relações de poder e cultura, sociedade e escola, sujeito e cultura e ensino e a
aprendizagem, e que estão associadas historicamente na construção curricular.
E quando não contestamos e nem expomos as relações historicamente construídas
no interior da organização curricular, corremos o risco de trazer (e trazemos) para o
presente uma falsa ideia de que o currículo escolar está isento das relações de poder que
se estabelecem nesse espaço e que continua produzindo uma imensa desigualdade nos
processos de ensino e aprendizagem das escolas, acompanhado do discurso de que sempre
as mudanças se dão pela melhoria do ensino, discurso este questionável.
Não estamos dizendo que o ensino não é importante, mas, que existem outras
questões a se considerar, pois partimos do princípio de que não se trata só de conteúdo,
mas também, conforme Carvalho (2005, p. 52-56), à “[...] educação de qualidade
sociocultural é aquela que tem um projeto político-pedagógico comprometido com a
realidade, visando formar o cidadão consciente de suas responsabilidades e seus
direitos.”, bem como ser local privilegiado onde se “inter-relacionam as diferentes
culturas”, conforme preconizado por Carvalho (2005, p. 52-56), de maneira que o ensino
dos conteúdos esteja associado a uma leitura crítica da realidade que desvele a razão dos
inúmeros problemas sociais (CARVALHO, 2005). A escolha do conteúdo programático
é de natureza política, pois “[...] tem que ver com: que conteúdos ensinar, a quem, a favor
de quê, de quem, contra quê, contra quem, como ensinar. Tem que ver com quem decide
sobre que conteúdos ensinar.” (FREIRE, 2005, p. 45).
É nesse sentido que acreditamos que a educação, escola e currículo voltados para
emancipação e respeito do ser humano, sujeito histórico e cultural, não pode e não deve
ser apenas local de transmissão de conteúdos onde professores depositam o que foi
prescrito pelas políticas curriculares. Deve, segundo Freire (1996, p. 49-51), ensinar a
“pensar certo”, que embora as vezes seja “exigente, difícil, às vezes penosa”, é uma
postura que devemos assumir quando o que queremos é que essas alunas e alunos sejam
capazes de “[...] intervir no mundo, de comparar, de ajuizar, de decidir, de romper, de
escolher, capazes de grandes ações [...]” (FREIRE, 1996, p. 49-51).
90
Me ombreando à Moreira (2008) e apreciando todas as contribuições dos
especialistas, há algo a se considerar em todas as teorias críticas de educação, para pensar
a construção curricular na perspectiva crítico comunicativa, não é possível perder de vista
a “[...] preservação, na teorização e na prática curricular, da visão de futuro da utopia.”
(MOREIRA, 2008, p.19). Não uma utopia a partir de uma visão restrita, de um “sistema
social e político imaginário perfeito”, mas sim e na qual nos inserimos, uma utopia na
perspectiva de uma abordagem que sublinha as
[...] funções simbólicas das construções utópicas [...], que não sejam
concebidas a partir de projetos concretos de ação, mas sim a partir
possibilidades e valores de [...] um tempo e lugar imaginário, no qual conflitos
e contradições sociais podem se confrontar, solucionar, anular, neutralizar ou
transformar. (MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 20-21).
Diante das constatações, pensamos seguir nesse caminho em busca de não nos
eximirmos da nossa tarefa enquanto pesquisadores sociais, refletir os problemas
essenciais das últimas décadas, que vem emergindo e agravando-se apressadamente na
sociedade, “[...] problemas de degradação ambiental, de crescimento populacional e de
aumento das desigualdades entre o centro e a periferia.” (SANTOS, 1999 apud
MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 22).
É preciso reconhecer que se trata de um momento de extrema delicadeza, marcado
pela naturalização das desigualdades e que diversas formas de preconceito são aceitas,
ou, o que é ainda pior, não percebidas e que caminhamos para a naturalização de
processos excludentes e preconceituosos. Estamos naturalizando as classes de oprimidos
e opressores. Somos seduzidos por um modelo de sociedade globalizada e capitalista que
prioriza a individualidade e a disputa de quem chega na frente. Uma sociedade produtora
de relações desrespeitosas com quem é considerado diferente.
A despeito das crises instauradas na sociedade desde a modernidade até os dias
atuais Santos (1995) explica que estes localizam-se “[...] na raiz das nossas instituições e
das nossas práticas, modos profundamente arraigados de estruturação e de ação sociais,
considerados para alguns como fonte de contradições, incoerências, injustiças [...]” não
sendo possível que a construção curricular apenas pense em sistematizar o conhecimento
ou criar novos, é urgente que nesse conhecimento seja passível de reconhecimento pelos
sujeitos. (SANTOS, 1999 apud MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 23-24). As criações de
novos modelos não podem estar distanciadas das questões acima mencionadas, devem
91
reacender os “sentimentos e as paixões como força mobilizadora de transformação
social”. Pois segundo Santos (1995, p. 287),
De nada valerá inventar alternativas de realização pessoal e coletiva, se elas
não são apropriáveis por aqueles a quem se destinam. Se o novo paradigma
aspira a um conhecimento complexo, permeável a outros conhecimentos, local
e articulável em rede com outros conhecimentos locais, a subjetividade que lhe
faz jus deve ter características similares ou compatíveis.
Assim no tópico seguinte, apresentaremos o movimento histórico curricular que
compreende também arcabouço da análise sócio-histórica do currículo em movimento e
suas mudanças. Procedemos dessa maneira pois, entendemos que, embora a organização
curricular no Brasil fundamente-se em princípios de desenvolvimento, democracia e
cidadania e com respeito a pluralidade cultural, na prática tais concepções encontram
barreiras para se efetivarem na sociedade como um todo. Que barreiras são essas?
3.2 O MOVIMENTO HISTÓRICO CURRICULAR NO BRASIL E SUAS MUDANÇAS
Nas sociedades modernas, a escola representa a
instituição que mais cresce e se expande em todas as
áreas da vida social. Na escola, as crianças e
adolescentes passam o tempo mais produtivo e
criativo de suas vidas. Geralmente, entram com
esperança, criatividade, fantasia, vontade de aprender
e, na maioria dos casos, saem desiludidos, lesados,
empobrecidos. Saem “afortunados” possuidores de
habilidades, competências e conhecimentos que, na
maioria das vezes, não têm relação com as suas vidas
e com a sociedade na qual devem viver e trabalhar.
(FICHTNER, 2017)
Os estudos curriculares têm sua abertura nos Estados Unidos se intensificando
com as demandas oriundas da industrialização, posteriormente com a intensificação e
massificação da escolarização, claramente para atender os interesses do capital. Começam
assim, as discussões sobre o que ensinar, e com o objetivo de qualificar a grande massa a
partir de procedimentos e métodos para clara obtenção de resultados que possam ser
previamente mensurados conforme descrito por Silva (2015, p. 15) que, [...] buscam
justificar por que ‘esses conhecimento’ e não aqueles’ devem ser selecionados”.
Na mesma direção, Lopes e Macedo (2011), denominam esse período como sendo
o início dos estudos curriculares. Para as autoras, embora o termo currículo tenha sido
92
mencionado em 1633 pela primeira vez, é com as demandas oriundas da industrialização
americana nos anos 1900 e com o movimento da Escola Nova no Brasil, por volta de
1920, que se iniciam as discussões sobre o que ensinar. Esse movimento passa a exigir
das escolas novos encargos e responsabilidades como medida para a resolução de
problemas sociais que foram se intensificando com o advento das transformações
econômicas que ocorreram na sociedade.
Embora não seja o foco central nesse estudo, é pertinente para as análises que aqui
se pretende compreender a concepção de currículo e sua relação com o mercado de
trabalho para compreendermos o movimento curricular atual como forma de
apresentarmos uma proposta curricular contundente com as demandas sociais, culturais e
econômicas na atualidade no Brasil. Tarefa difícil, pois conforme indicado por Lopes e
Macedo (2006) sem a intenção de desconsiderar
[...] importância dessa produção relacionada com as concepções culturais de
currículo, parte expressiva do campo, ressalte-se o entendimento de que a
concepção de currículo tem sua origem e seu desenvolvimento associados à
escolarização. É associada à constituição de um espaço institucionalizado, com
realidade social e material e cultura específica e com poder privilegiado na
socialização do saber e na formação das identidades das gerações mais novas,
que se constitui historicamente a concepção de currículo (LOPES; MACEDO,
2006, p. 13).
Na contramão dessa afirmação, e em “[...] detrimento dos trabalhos de
natureza mais administrativa e das prescrições curriculares.” (MACEDO, 2006, 34) tem
destaque a partir da década de 1980, as teorias críticas10. Entre as principais questões
debatidas por diferentes concepções está o conhecimento, tipo de ser humano desejável
que esse conhecimento produz e o tipo de sociedade que decorre dessa organização e que
segundo Moreira e Silva (2011, p. 7), o currículo corresponde nesse contexto, tanto à “[...]
questão do conhecimento, quanto uma questão de identidade.”
É preciso refletir acerca da distribuição do conhecimento e sua relação com a
economia, considerando que nas construções curriculares predominam tensões e
conflitos, pairando sempre em torno dessas construções a ideia de que uma certa ideologia
tem a capacidade de conceder privilégios determinando classes sociais (explorado;
10 (Moreira, 1990, 1998; Silva, 1999), caracterizada tanto pelas produções de Freire e Saviani quanto pela
influência de autores ligados à Nova Sociologia da Educação e ao pensamento crítico americano (Apple e
Giroux) (LOPES; MACEDO, 2006, p. 34).
93
explorador) em uma sociedade de classes, como consequência favorecendo certos grupos
ou pessoas em detrimento de outras.
Sobre esses contextos, carece de estar atento para essa dualidade nos processos de
construção do conteúdo oficial para o currículo escolar. O desvelamento desse processo
perpassa analisar de forma minuciosa o conteúdo oficial da construção curricular.
Compreender que existem essas “[...] relações sociais dentro da sala de aula e as maneiras
pelas quais conceituamos atualmente esses aspectos, enquanto expressões culturais de
determinados grupos em determinadas instituições e em determinadas épocas.” (APPLE,
2001, p. 4).
Diante dos argumentos, é possível constatar que não se trata de uma questão atual
as possibilidades formativas da organização curricular voltadas para economia, fazendo
com que os fatores econômicos dos estudos curriculares cresçam, juntamente, com a
expansão dos sistemas de ensino. Fato que explica o porquê das escolas, ainda na
atualidade, manterem-se encharcadas por uma necessidade de “[...] capacitação dos
sujeitos que ansiava construir amplamente desde sua gênese.” (PITANO, 2016, p. 26).
Sem a ousadia de abarcar todo o conteúdo, iremos contextualizar brevemente,
dialogando com alguns destes teóricos das teorias críticas do campo curricular e com os
documentos oficiais, realizar um resgate histórico das políticas curriculares. Desse modo,
seguiremos apresentando neste tópico a trajetória da organização curricular ao longo do
tempo até os dias atuais que culmina da organização da BNCC no final do ano de 2017.
Assim, como meio de realizar esse breve resgate histórico e para melhor
compreensão dos discursos apresentados nos documentos oficiais atuais curriculares –
BNCC – sobre o conceito de diversidade, solidariedade e equidade, elencamos para
compor o contexto sócio-histórico sobre o campo do currículo, a Constituição de 1988,
Declaração Mundial sobre Educação para todos (Jomtien – 1990), a Lei de Diretrizes e
Base da Educação Nacional (Lei nº 9394/96), Plano Decenal de Educação para Todos
(1993 – 2003), Parâmetros Curriculares Nacionais. Ainda dialogam com os documentos,
Silva, Moreira, McLaren, Hidalgo, dentre outros que oportunamente contribuíram.
Partimos do pressuposto de que o currículo é espaço amplo de conhecimento
localizado no tempo e espaço, trespassado pelas relações de poder e organizado
sistematicamente pelas políticas educacionais. O papel do currículo é essencial para a
escola como meio de contribuição através das interações dos sujeitos sociais. O currículo
é atravessado por todas as distintas áreas do conhecimento humano e é peça chave na
formação humana. É o currículo que serve de estrutura das políticas educacionais, sendo
94
no espaço curricular que ocorrem os processos de elaboração e implementação das
políticas educacionais brasileiras.
A palavra de ordem quando o assunto e currículo, é “eficiência”, e segundo Silva
(2000 apud HIDALGO, 2008, p. 27) se dá com a expansão dos sistemas de ensino que
passam a ser concebidas como empresas, tem seu marco inicial nas décadas de 1990
desenvolvendo estudos e documentos sobre currículo com uma vertente explicitamente
economicistas.
O contexto histórico da década de 1990, serve como referência significativa para
o campo curricular pois, é nele que nascem os principais documentos, diretrizes, leis,
documentos para educação brasileira, que desde sua organização já demostravam como
meta, atender o mercado econômico, as interações sociais e culturais da sociedade da
época como consequência da forte ampliação do mercado financeiro.
Isso porque já em 1918 com a influência marcante de Bobbit e Taylor a escola e
currículo passam a operar como um modelo de organização necessitando essas
instituições “funcionar de acordo com os princípios da administração científica”
(HIDALGO, 2008, p. 27) que acabam por sua vez determinando certos padrões a
educação. Assim, mais tarde ainda de acordo com a autora, o modelo de Ralph Tyler em
1949, acaba influenciando fortemente o campo também no Brasil, ao estabelecer
princípios curriculares, decide que estes se darão a mediante a “[...] ideia de organização
e desenvolvimento”, que influencia o espaço curricular como puramente técnico.
Neste contexto, Silva (2000 apud HIDALGO, 2008, p. 28) lembra que na década
de 1960, alterações se dão nesse mesmo espaço e são motivados pelos diversos
movimentos sociais e culturais que se intensificam, bem como das teorias críticas do
campo curricular. Nesse período acontecem mudanças marcantes no bojo das teorias
tradicionais e o modo como são instituídas nas bases das teorias tradicionais. Nas palavras
de Hidalgo (2008) ao descrever esse processo, esclarece que os aspectos meramente
[...] técnicos da elaboração e organização do currículo, sem questionamento
político do papel da educação na sociedade, dão lugar de destaque às [...]
preocupações com as desigualdades sociais e o papel do currículo na manutenção e ampliação dessas. (HIDALGO, 2008, p. 28).
Alguns teóricos do campo curricular, descrevem que esse movimento foi marcado
por intensas transformações, dentre elas a expansão do mercado financeiro e das
descentralizações, alterando a lógica do funcionamento social, deslocando as funções do
95
estado para a sociedade, causando um imenso retrocesso social, enquanto o capital
avançava em suas conquistas.
Nesse contexto político-social brasileiro, Jaehn (2011), descreve esse momento
como crítico e complexo pois,
[...] o país passa, nesse período, por um processo de abertura política e de
redemocratização, que inclui o fim da ditadura militar e o nascimento de uma
democracia frágil, que produz mudanças em doses homeopáticas e a partir da
pressão popular, que é articulada pelos movimentos sociais (JAEHN, 2011, p.
95).
Embora os movimentos sociais continuem em constante pressão, paralelamente
existe uma força contrária que de acordo com Peroni (2003, 46) esse processo se dá à
medida que o país busca “ser conduzido as fileiras do Primeiro Mundo”, mas para isso
era preciso ajustar-se “as exigências recomendadas do receituário neoliberal”. Esse
momento também é marcado por um processo de realinhamento, assinalado como
“momento-chave da história e da mudança educacional”, como consequência a
reestruturação dos padrões curriculares, deslocando para uma “padronização e
centralização.” (GOODSON, 2008, p. 24).
Nesse contexto, a Declaração dos Direitos Humanos em seu artigo 26º (FUNDO
DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, 1948) já alvitrava que "toda pessoa tem
direito à educação". A Declaração Mundial sobre Educação para Todos
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
CULTURA, 1998, p. 2) é um documento historicamente importante, pois, explica que
apesar de passados mais de quarenta anos o cenário da educação era desolador, segundo
o documento, “[...] apesar dos esforços realizados por países do mundo inteiro para
assegurar o direito à educação para todos, persistem as seguintes realidades.”
mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são
meninas, não têm acesso ao ensino primário:
mais de 960 milhões de adultos - dois terços dos quais mulheres - são
analfabetos, e o analfabetismo funcional e um problema significativo em todos os países industrializados ou em desenvolvimento:
mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento
impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a
qualidade de vida e ajudá-los aperceber e a adaptar-se às mudanças sociais e
culturais:
e mais de 100 milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem
concluir o ciclo básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguem
adquirir conhecimentos e habilidades essenciais (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 1998,
p. 2).
96
Embora o texto acima trate da educação em âmbito mundial, demonstra a
realidade educacional encarada, inclusive pelo Brasil. Nesse sentido, contudo sem
esquecer que todos os outros documentos são sempre reintegrações, tomamos a
Declaração Mundial para Educação para Todos (Carta de Jomtien, 1998) como basilar
pela sua exponencial influência em todos os países signatários do documento, inclusive
do Brasil. A partir desse período, há uma forte influência nas políticas educacionais
brasileiras, que foram se intensificando a partir da referida década. Época marcante, pois
se intensificam também, os discursos acerca do conhecimento e o tipo de educação que
são ofertados aos sujeitos.
Existe no mesmo período, uma preocupação com o conhecimento sobretudo, com
os processos de ensino e aprendizagem considerarem tanto conhecimento tácito como
conhecimento científico como meio de suprir, por meio da educação tanto “[...]
necessidades universais e interesses comuns.” (BRASIL, 1993, p. 37). Para isso foi
pensado então que a educação deveria ser capaz de desenvolver “[...] habilidades básicas
de aprendizagem, para que os trabalhadores pudessem satisfazer a demanda imposta pela
acumulação flexível.” (PERONI, 2003, p. 101).
Diante do exposto e citando o Plano Decenal de Educação para Todos – 1993-
2003 – momento em que o Brasil tinha como Presidente da República, Itamar Franco pelo
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o documento se designa como
retorno “[...] às determinações constitucionais e legais, às legítimas demandas sociais ao
sistema educativo, ao Compromisso Nacional firmado na Semana Nacional de Educação
para Todos.” (BRASIL,1993, p. 37).
O referido plano apresenta dentre outros objetivos gerais de Desenvolvimento da
Educação Básica, a responsabilidade de “satisfazer as necessidades básicas de
aprendizagem das crianças, jovens e adultos”, prover dentre outras coisas, “competências
fundamentais” para que a esse sujeito seja dado o direito de participação ativa na “vida
econômica, social, política e cultural do País”, mas a ênfase fica mesmo a cargo das
“necessidades do mundo do trabalho” (BRASIL, 1993, p. 37, grifo nosso).
Mas as necessidades de que trata o Plano Decenal, vão de encontro ao
estabelecimento de “[...] padrões de aprendizagem a serem alcançados nos vários ciclos,
etapas e/ou séries da educação básica [...], e que de acordo com o exposto no documento,
esse processo será capaz de garantir, [...] oportunidades a todos de aquisição de conteúdos
e competências básicas.” (BRASIL, 1993, p. 37).
97
Como garantia desse método, ao sujeito aprendente fica o “domínio cognitivo”
que inclui:
[...] habilidades de comunicação e expressão oral e escrita, de cálculo e
raciocínio lógico [...] capazes de incitar a [...] criatividade, a capacidade
decisória, habilidade na identificação e solução de problemas e, em especial,
de saber como aprender [...], a este sujeito também fica garantido ‘domínio da
sociabilidade’ que se dá pelo ampliação de [...] atitudes responsáveis, de autodeterminação, de senso de respeito ao próximo e de domínio ético nas
relações interpessoais e grupais. (BRASIL, 1993, p. 37).
Mas como obter “domínio cognitivo” e todas as habilidades acima mencionadas,
com uma educação que satisfaça apenas “as necessidades básicas de aprendizagem das
crianças, jovens e adultos”? Transformando escolas e instituições educativas em
ambientes de disseminação da cultura, do saber, do conhecimento e que se dissemina
tanto ideologias de supremacia, como de ideologias 11 de projeto de sociedade
emancipada.
Precisamos reivindicar um currículo escolar que amplie as capacidades humanas
de respeito, dignidade, com base em conhecimento significativo, para que as pessoas
possam intervir na sua autoformação e transformarem as condições ideológicas e
materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento da cultura popular e
da democracia, ampliando a autonomia intelectual, cultural e emancipatória.
Só se fortalece a cultura popular e a democracia respeitando à diversidade, e que
as interações sociais sejam baseadas em solidariedade e equidade. No Plano Decenal
poucos são os excertos que trazem tais conceitos. São poucas as citações encontradas no
documento. Embora o documento ao descrever suas metas, afirma que só será possível o
cumprimento destas se, considerado o “respeito pela diversidade cultural” (BRASIL,
1993, p. 123). Ainda assim, garante que as diversas “reformas educacionais das últimas
décadas não levaram em conta a diversidade cultural” (BRASIL, 1993, p. 27), e que ao
11 Não tentaremos aqui explorar os diversos conceitos e concepções atribuídos ao termo “ideologia”, mas
por hora cabe compreender a ambiguidade do termo especialmente no cenário político e social. Mas de
acordo com Thompson (2011) que utiliza e considera algumas das fases principais na história da ideologia para repensar uma concepção crítica de ideologia à qual nos inserimos. Para o autor que desenvolve uma
formulação alternativa do conceito de ideologia e que diz respeito ao atual contexto sócio-histórico, ele
distingue em dois tipos gerais de concepções de ideologia. [...] “concepções neutras de ideologia”, que são
aquelas que tentam caracterizar fenômenos como ideologia, ou ideológicos, sem implicar que esses
fenômenos sejam, necessariamente, enganadores e ilusórios, ou ligados com os interesses de algum grupo
em particular. [...] concepções críticas de ideologias, que são aquelas que possuem um sentido negativo,
crítico ou pejorativo. Diferentemente das concepções neutras, as concepções críticas implicam que o
fenômeno caracterizado como ideologia – ou como ideológico – é enganador, ilusório ou parcial; [...]
(THOMPSON, 2011, p. 72-73).
98
Ministério da Educação e Cultura (MEC) caberia então alvitrar e nomear [...]
complementações curriculares [...], para cada sistema de ensino e escolas, respeitando a
pluralidade cultural e as diversidades locais (BRASIL, 1993, p. 45).
Nessa direção, ao MEC cabe, [...] contribuir para que sua interação e convivência
na sociedade sejam produtivas e marcadas pelos valores de solidariedade, liberdade,
cooperação e respeito” e garantir que em todos os processos o princípio da equidade.
(BRASIL. 1993, p. 62). A partir dessa observação, ainda no contexto de desenvolvimento
educacional descrito pelo Plano Decenal, busca-se maneiras de desafiar a
[...] alienação dos programas escolares [...], que só será possível se desenvolver
novas maneiras de relacionamentos e novos processos para a dinâmica social
capazes de “formar o cidadão para o pluralismo, para o senso de tolerância, de
solidariedade e de solução pacífica de conflitos. (BRASIL, 1993, p. 21, grifo
nosso).
Entre os conflitos e obstáculos citado pelo Plano decenal está o fato de que o “[...]
sistema educacional vem mostrando incapacidade de associar o acesso, a permanência
com qualidade e equidade para uma clientela afetada por profundas desigualdades
sociais.” e como estratégia de resolução de conflitos e superação dos obstáculos dentre
tantas outras possibilidades, “universalizar, com equidade, as oportunidades” (BRASIL,
1993, p. 36-33, grifo nosso).
Há neste cenário um alinhamento das políticas educacionais brasileiras com os
modelos internacionais, visto que, direta ou indiretamente estes passam a interferir nos
processos que envolvem a política nacional brasileira. A partir da LDB, passa a se
estreitar cada vez o mundo do trabalho com a educação, quando existe uma clara
associação do “mundo do trabalho e a pratica social” (BRASIL, 2013, p. 207).
Merece atenção esse fato pois, como Peroni (2003, p. 50), que ao declarar o ensino
e educação como “direito público e subjetivo” (Art.5), e responsabilizar o Estado do não
cumprimento desta, ao mesmo tempo que existe uma “política social sem direitos sociais”
é algo contraditório. Reparem que as políticas sociais são contempladas, todavia tais
políticas se deslembram das necessidades da sociedade e passam a atender apenas as
demandas oriundas do capital. Fortalecendo assim a implementação e estruturação do
capital neoliberal, ou seja, e o estabelecimento do “[...] estado máximo para o capital e
mínimo para as políticas sociais.” (PERONI, 2003, p. 51).
O cenário que configura as políticas sociais na sociedade brasileira é desolador,
ao passo que vemos políticas sociais implementadas a partir de ideais democráticos que
99
não saem do papel, tampouco avançam para além dos discursos. A grande maioria nesse
modelo de sociedade terá [...], paixões e interesses comuns: as formas do governo trarão
necessariamente consigo comunicação e concerto e nada poderá reprimir o desejo de
sacrificar o partido mais fraco ou o indivíduo que não se puder defender.” (HAMILTON,
2003, p. 63). Ainda de acordo com Hamilton (2003) os efeitos dessa prática são o
“espetáculo da dissenção e da desordem”, para ele esse fato ocorre porque se trata de um
modelo de governo que é “incompatível com a segurança pessoal e com a conservação
dos direitos de propriedade, e porque os Estados assim governados têm geralmente tido
existência tão curta e morrido morte violenta” (HAMILTON, 2003, p.63-64).
Como possibilidade de superação desse modelo de sociedade baseada no
individualismo, é possível pensar a transformação modificando a dinâmica social, por
outros rumos, e que seja fundamentada em princípios de “modo de vida democráticos”
reais (BEANE, 1990). Mas as interações sociais pautadas em um “modo de vida
democrático”, está atrelada a certas condições que se dão por intermédio da educação,
escola, conhecimento, etc., e que, segundo Apple e Beane (2001, p. 16-17), dentre elas é
possível citar:
O livre fluxo das ideias, independentemente de sua popularidade, que permite
as pessoas estarem tão bem informadas quanto possível; fé na capacidade
individual e coletivas de as pessoas criarem condições de resolver problemas;
o uso da reflexão e da análise crítica para avaliar ideias, problemas e políticas;
preocupação com o bem estar dos outros e com “o bem comum”; preocupação
com a dignidade e os direitos dos indivíduos e das minorias; a compreensão de
que a democracia não é tanto um “ideal” a ser buscado, como um conjunto de
valores “idealizados” que devemos viver e que devem regular nossa vida
enquanto povo; a organização de instituições sociais para promover e ampliar
o modo de vida democrático (APPLE; BEANE, 2001, p. 17)
Esse modelo de sociedade pautada em um ideal de vida democrático, conforme
descrito pelos autores acima citados, nos remete ao fato de que, o Estado assume o
“compromisso democrático” com a sociedade, que se dá a partir da promulgação da LDB
nº 9394/1996. Desse modo, visa “Estabelecer, [...] competências e diretrizes [...] que
nortearão os currículos e seus mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.”
(BRASIL, 1996, não paginado, grifo nosso). Nessa premissa, os engendramentos das
políticas educacionais desde a Declaração do documento do Jomtien desembocam nos
PCNs como meio de atender as necessidades educativas, para tanto é preciso que,
O Plano Decenal de Educação, em consonância com o que estabelece a
Constituição de 1988, afirma a necessidade e a obrigação de o Estado elaborar
100
parâmetros claros no campo curricular capazes de orientar as ações educativas
do ensino obrigatório, de forma a adequá-lo aos ideais democráticos e à busca
da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras (BRASIL, 1997, p.
14, grifo nosso).
De acordo com LDBEN, art. 28 (Lei Federal n. 9.394, 1996), nesse momento há então
uma
[...] ampliação das responsabilidades do poder público para com a educação de
todos [...], quando garante então um processo educativo que “assegure a
todos.”, uma “[...] formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores. (BRASIL,1996, p. 14).
Assegurar uma “formação comum” talvez não seja suficiente para evitar que os
diversos tipos de desigualdades sociais continuem excluindo meninos e meninas das
escolas brasileiras. A ênfase da construção curricular sempre foi e continua ancorada no
comum, mesmo que muitos estudos, pesquisas e projetos venham apresentando a
necessidade de aceitar que a pluralidade de diferenças se faz cada vez mais presente em
nossa sociedade e, por conseguinte na escola.
Em decorrências dos embates e lutas que buscam garantir que as diferentes
culturais possam, a partir dos currículos escolares, ser contempladas, muitos autores12 de
diferentes perspectivas têm se debruçado sobre o tema da cultura, da diversidade cultural,
do multiculturalismo, igualdade de diferenças, inclusão/exclusão, uma vez que eles
defendem a necessidade de pensar que o currículo deve apresentar em sua elaboração as
diferentes expressões culturais.
Embora se perceba uma evidente contradição na lógica escolar, na qual a situação
de exclusão social é vivida e/ou presenciada por grande parte da população, observa-se
que não há implementação de mecanismos que possam orientar novos caminhos visando
promover a verdadeira inclusão dos “diferentes” que a cada dia chegam à escola e são
massacrados por políticas públicas excludentes. Nesse sentido, a imensa contradição na
lógica escolar assenta-se no fato de que, “[...] os alunos são desiguais em capacidades de
aprender, mas organizar um currículo único, igual, tendo como parâmetros os alunos tidos
como mais capazes é incongruente.” (ARROYO, 2007, p. 30).
12 Dentre eles é possível citar Moreira e Candau (2008), Sacristán (2001), Moreira e Silva (2011), Silva
(1995), Mclaren (1997) Pérez Gómez (2001), dentre outros que discutem as tensões produzidas pelo
“universalismo” e o “relativismo” no processo de produção de conteúdo. Para Jean Claude Forquín (2000)
é preciso questionar o que é conhecimento válido para o currículo, o autor ainda nos chama a atenção para
conhecimentos “públicos” e sua importância.
101
Mesmo que a exigência de uma base nacional comum não seja privilégio somente
da LDB, ela “[...] reforça a necessidade de se propiciar a todos a formação básica comum,
o que pressupõe a formulação de um conjunto de diretrizes capaz de nortear os currículos
e seus conteúdos mínimos.” (BRASIL, 1997, p. 14), do mesmo modo que “devem ter
uma base nacional comum, a ser complementada “[...], por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela.” (BRASIL, 1997, não paginado, grifo nosso).
Finalmente e diante dessas condições complexas que dizemos, que compete
privativamente à União legislar sobre: “[...] diretrizes e bases da educação nacional; onde
[...] serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais.”(BRASIL. 1996, p. 35). Mas afinal de contas, como é possível ofertar
“conteúdos mínimos”, para crianças, jovens e adultos e ao mesmo tempo “assegurar
formação básica” e “respeitar aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais”
(BRASIL, 1996 apud BRASIL. 1997, p. 14), parece-nos tarefa difícil.
Trata-se de uma afirmação bastante contraditória, mesmo que façamos parte de
uma sociedade tem como realidade, uma escola e educação imersas no tradicionalismo
educacional, acreditamos que não é possível “renunciar aos privilégios de uma
democracia”, capazes de “manter a liberdade e a dignidade humana em nossa vida social”
(APPLE; BEANE, 2001, p. 16).
Ideais democráticos podem ser percebidos de diversas formas na sociedade,
porém, é preciso sobretudo, levar em consideração que quando currículo e escola deixam
de considerar a cultura bem como o “caráter histórico, ético, político das ações humanas
e sociais”, como consequência a escola e o “[...] próprio currículo acaba contribuindo com
a reprodução das desigualdades e das injustiças sociais.” (SILVA, 2011 apud GIROUX,
1997, p. 55).
É preciso ter clareza de que a cultura por si só não provoca desigualdades e
injustiças sociais. Neste contexto, Coelho (2012) nos auxilia ao explicar que a diversidade
cultural não potencializa desigualdades sociais, mas as desigualdades são consequências
de como lidamos com as diferentes culturas que estão presentes na sociedade. Ele acredita
o currículo ao dialogar com as diferenças culturais potencializa as aprendizagens, isso
porque a medida que a heterogeneidade do grupo aumenta, proporciona diferentes
saberes, potencializando diferentes aprendizagens.
Mas nessa sociedade contraditória, a
102
[...] escolas democráticas encontram tempos difíceis [...], os sinais estão por
todos os lados, numa ponta escolas que são convocadas [...] a educar todas as
crianças e, simultaneamente são acusadas pelas disparidades sociais e
econômicas que severamente reduzem suas chances de sucesso. (APPLE;
BEANE, 2001, p. 12.
Na outra ponta, “[...] a tomada de decisão local e glorificada pela retórica política
[...], e tudo isso acontecendo concomitantemente com propostas para [...] implementar
programas nacionais de ensino, um currículo nacional e provas nacionais.” (APPLE;
BEANE, 2001, p. 12).
De qualquer maneira, muitos anos se passaram e a discussão da implementação
de uma base nacional comum sempre esteve acompanhada de posicionamentos contrários
e favoráveis, sem nunca ter sido totalmente “esquecido pelas políticas curriculares.
Agora, argumenta-se que a referida base é exigida pela Lei de Diretrizes e Bases, datada
de 1996, ou mesmo que a Constituição de 1988, em seu artigo 210, já a prescrevia1.”
(MACEDO; FRANGELLA, 2016, p. 13).
Como se vê, diante de todos os argumentos expostos ao longo desse tópico, o
“Plano Nacional de Educação seria, assim, a última legislação a mencionar a
obrigatoriedade de uma Base Nacional Comum para os currículos.” (MACEDO;
FRANGELLA, 2016, p. 13). Mas, embora a exigência de uma Base Nacional Comum
estivesse contida nos documentos desde LDB 9394/96, não nega que muito ainda era
preciso discutir antes de sua homologação que ocorreu no final do ano de 2017, até porque
a homologação do documento carrega consigo “[...] a marca de um debate inconcluso no
campo do currículo.” (MACEDO; FRANGELLA, 2016, p. 13).
Alguns fatos elucidam a afirmação acima, dentre eles o posicionamento contrário
das conselheiras do Conselho Nacional de Educação (CNE), a respeito da “urgência” em
aprovar e homologar o documento da BNCC. Nas palavras das conselheiras, Márcia
Angela da Silva Aguiar, Aurina Oliveira Santana, Malvina Tania Tuttman, que fizeram
parte do processo de aprovação da BNCC, esta última como presidenta da Comissão
Bicameral (Portaria CNE/CP nº 11/201) da Base Nacional Comum, entendem que este
documento fere,
[...] o princípio conceitual de Educação Básica [...] quando o documento [...]
excluir a etapa do Ensino Médio e minimizar a modalidade EJA, e a
especificidade da educação no campo. Ainda de acordo com as conselheiras, o
documento rompe também com [...] o princípio de valorização das
experiências extraescolares; afronta o princípio da gestão democrática das
103
escolas públicas [...], do mesmo modo que [...] atenta contra a organicidade da
Educação Básica necessária à existência de um Sistema Nacional de Educação
(BRASIL. 2016b, não paginado.).
Processo marcado por contradições, pois, segundo descrito no documento oficial
da BNCC, todo processo seu deu sob a égide de “[...] especialistas de cada área do
conhecimento, com a valiosa participação crítica e propositiva de profissionais de ensino
e da sociedade civil.” (BRASIL, 2017, p. 5) de um lado, e de outro, o parecer emitido
pelo CNE que destaca alguns aspectos relacionados aos procedimentos adotados durante
a elaboração. Segundo as afirmativas do parecer, durante o processo que culmina na
homologação da BNCC, o MEC “[...] privilegia especialistas e subalterniza o diálogo
com as comunidades educacionais e escolares, em um modelo centralizador de tomada
de decisões.” (BRASIL, 2016b, não paginado).
Mas segundo Ferrada (2001), e onde nos incluímos como pesquisadoras, em
defesa de uma proposta de construção curricular na perspectiva crítico comunicativa, esse
processo não pode ser pautado, apenas na organização sistemática dos conteúdos, não
temos a intenção de “[...] negar o aporte do campo do conhecimento [...], o que
significaria, [...] um retrocesso em nossa busca por melhorar as condições atuais de
opressão [...]” (FERRADA, 2001, p. 105, tradução nossa). Mas pensamos o currículo
como uma construção social que,
[...] surge das múltiplas e diversas interações sociais das pessoas que fazem
parte da comunidade educativa contextualizada histórica e socialmente, e que
estão sujeitos tanto a relações de imposição como de diálogo, local onde os
processos tanto de seleção, transmissão como de evolução do conhecimento
educativo do qual fazem parte podem se constituir como instancia significativa
para produzir as transformações necessárias capazes de conduzir a sociedade
construída com a participação igualitária de todas as pessoas que a compõem
(FERRADA, 2001, p. 54, tradução nossa).
De uma forma ou de outra, a homologação da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) é um fato, e se dá fundamentada no discurso de que “[...] o Brasil inicia uma
nova era na educação brasileira e se alinha aos melhores e mais qualificados sistemas
educacionais do mundo.” Assegurando que esta já era “prevista na Constituição de 1988,
na LDB de 1996 e no Plano Nacional de Educação de 2014.”, fica ainda garantido que a
BNCC “é um documento plural, contemporâneo”, e serve como guia para estabelecer
“com clareza o conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos”
necessitam (BRASIL, 2017, p. 5).
104
Ainda de acordo com o documento, será possível o “acolhimento, reconhecimento
e desenvolvimento pleno de todos os estudantes, com respeito às diferenças e
enfrentamento à discriminação e ao preconceito.” Isso tudo pensado para “[...] reafirmar
o compromisso de todos com a redução das desigualdades educacionais no Brasil e a
promoção da equidade e da qualidade das aprendizagens dos estudantes brasileiros.”
(BRASIL, 2017, p. 5).
O enfrentamento de situações de desigualdades educacionais no país de fato, se
dará mediante uma educação e aprendizagens de qualidade, conforme aponta o
documento da BNCC. Mas alcançar esse modelo de educação e aprendizagens perpassa
certamente a compreensão que só será possível se equidade, solidariedade e respeito a
diversidade em todos os seus aspectos, fizerem parte das interações sociais, bem como na
educação e escola. “O Currículo Crítico Comunicativo surge então como um argumento
esperançoso diante da busca de um currículo que visa o respeito das diversidades,
mantendo como eixo principal a luta pela igualdade e a equidade baseadas em práticas de
solidariedade” (FERRADA, 2001, p. 10, tradução nossa).
3.3 FUNDAMENTOS POLÍTICOS E EPISTEMOLÓGICOS DA BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR: PROJETO DE SOCIEDADE? QUAL?
Partimos do princípio de que, ao controlar e diferenciar os conteúdos escolares
curriculares, fica fácil controlar as pessoas e as classes sociais e sociedade como um todo.
Isso porque, já “[...] nos anos de 1990, o currículo está implicado em estratégias de
governo e produção dos sujeitos e é produtivo de sentidos, numa prática criativa marcada
por poder.” (SILVA, 1990 apud MACEDO; FRANGELLA, 2016, p. 13), processo
marcado pela necessidade em restaurar a ordem e evitar o declínio da classe média e a
ameaça dos imigrantes e outros povos.
Mas é preciso considerar que se trata de um movimento duplo a construção
curricular, que se move tanto em direção ao progresso como ao fracasso de uma nação, o
que determina uma e outra força é o modelo de sociedade e de ser humano ideal que os
formuladores dessas propostas curriculares acreditam ou têm como propósito. De maneira
prática seria então, de um lado “lugar de uma divisão social do saber que produz a
manutenção de um status quo” herança de um modelo capitalista, e na outra ponta a
educação capaz de promover a “democratização do saber, em todos os sentidos, para as
classes populares.” (JAEHN, 2011, p. 47).
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Dada as circunstancias, buscamos um sentido “[...] por detrás do discurso
aparente, geralmente simbólico e polissêmico pois partimos da premissa que lá nos
discursos do documento da BNCC “[...] esconde-se um sentido que convém desvendar.”
(BARDIN, 1977, p. 16), mesmo considerando que a reforma curricular brasileira não é
uma questão recente.
Como vimos ao longo desse capítulo, esse projeto de educação e escola vem sendo
implementado desde as décadas de 1990 e sempre acompanhando esse movimento,
tensões, conflitos e disputas. Isso porque são distintas forças envolvidas nesse processo,
cada uma delas com um ideal de sociedade, de pessoa, de educação, de escola e de
formação humana. Isso porque o currículo, “[...] tem uma história, vinculada a formas
específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação.” (MOREIRA;
SILVA, 2011, p. 14).
Dentre as forças contrárias que se manifestam na reforma curricular, existe
claramente um viés do produtivista, desde sua gênese até as décadas atuais e que, segundo
Saviani (2004), tanto a LDB como, as normas que a regem, fortemente marcadas por uma
concepção produtivista. Com isso o autor não quer dizer que essa concepção voltada a
produção e ao mercado capital, não estivesse presente antes desse período, a afirmação
do autor é de que, essas forças se intensificam a partir da década acima mencionada,
sempre ancorada em um discurso de organizar e adequar a educação e escola para uma
nova dinâmica social, ou seja, a era globalizada.
Sem dúvida que estamos avançando na análise curricular pois, estamos:
[...] começando a enxergar mais claramente coisas que antes eram obscuras [...], mas ainda será preciso desvelar o que ainda está implícito na construção
curricular, como meio de romper com os diversos modos de exclusão escolar,
isso porque dissemina-se a ideia de que a construção e reconstrução curricular
são como como a tábua de salvação de todos os males sociais. (APPLE, 2006,
p. 37).
Mas o que se espera é ir além do desvelamento dessas questões curriculares, é
preciso desenvolver uma análise e compreensão mais profunda e detalhada, avançando
na concepção que fundamenta a construção curricular, deixando de vê-lo com o mesmo
olhar inocente de antes. Para Moreira e Silva, não se trata apenas de “[...] reconhecer que
o currículo está atravessado por relações de poder [...], é preciso avançar e [...] identificar
essas relações.” (MOREIRA; SILVA, 2011, p. 36).
Como meio de avançar no desvelamento de tais relações implícitas no currículo,
seguimos com a análise do documento da BNCC, especificamente a respeito dos
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conceitos da diversidade, solidariedade e equidade que compõem o texto referente à
Educação Básica – elementos fundamentais da concepção da proposta curricular na
perspectiva crítico comunicativa – compreende a segunda fase da HP – análise formal –
incluídas aqui nas formas simbólicas que circundam os campos sociais. Esse momento é
reservado para a análise “[...] das formas simbólicas, com suas características estruturais,
seus padrões e nas relações.” (THOMPSON, 2011, p. 369)
Para Thompson (2011), esse momento da análise diz respeito à “[...] um
empreendimento perfeitamente legítimo, na verdade, indispensável; ele é possível pela
própria constituição do campo objetivo.” (THOMPSON, 2011, p. 369). E considerando
aqui que são múltiplos os modos que de acordo com Thompson (2011) para se concretizar
a análise formal, fica a cargo dos objetos e as características específicas essa definição,
de modo que elencamos para a análise formal mais adequada para análise dos discursos
coletados, a técnica da Análise de Conteúdo, conforme preconizado por Bardin (1977) já
descrito anteriormente nessa pesquisa.
Entretanto, como meio de evitar a restrição de novos conteúdos que possam surgir
no decorrer da análise formal, que podem por algum motivo não se encaixarem nas
categorias antecipadamente escolhidas, optamos pela análise formal “não apriorística”,
por entendermos que esse tipo de análise emerge totalmente do contexto o qual a
investigação se insere, mormente é preciso lembrar que nesse tipo de análise existe a
possibilidade de “[...] idas e vindas ao material analisado bem como nas teorias
embasadoras, além de não perder de vista os objetivos da pesquisa.” (CAMPOS, 2004, p.
614).
É interessante compreender que não existe um modelo pronto e facilitado de
análise de conteúdo, queremos dizer como Campos (2004) que,
[...] não existem fórmulas mágicas que possam orientar o pesquisador na
categorização, e que nem é aconselhável o estabelecimento de passos
norteadores. Em geral, o pesquisador segue seu próprio caminho baseado nos
seus conhecimentos teóricos, norteado pela sua competência, sensibilidade,
intuição e experiência. (CAMPOS, 2004, p. 614).
Como pesquisadora, busca-se desenvolver uma investigação como meio de
contribuir com as pesquisas já realizadas sem a pretensão de esgotar o tema investigado.
Nesse sentido e entendendo que analisar as formas com que os conceitos da diversidade,
solidariedade e equidade são descritos e fundamentados no documento da BNCC se dá
em momento histórico bastante oportuno pois, em todos os espaços as pessoas têm
107
questionado o futuro da nação, motivados pela instabilidade tanto política, social e
cultural a qual a sociedade atravessa. Entre as questões mais frequentes que motivam as
inquietações vindas dos conflitos sociais estão, saúde, moradia, trabalho, educação e a
escola, etc.
Oportuno também, pois o momento em que acontece essa investigação o currículo
está entre as questões mais debatidas no cenário educacional atual, considerado aqui como
alavanca que move todas as demais áreas mencionadas acima e tem uma estreita relação
com processos pedagógicos precários, por conseguinte um crescente aumento da exclusão
escolar de meninos e meninas.
Dourado (2007) entende que alguns fatores intra/extraescolares contribuem para
acentuar essa realidade, quando não recebe a devida atenção, colocando em risco uma
possibilidade de educação de qualidade social. Sem finalidade de aprofundamento,
qualidade é caracterizada pelas
[...] condições de vida dos alunos e de suas famílias, ao seu contexto social,
cultural e econômico e à própria escola [...], bem como outros fatores também que podem ser chamados para compor esse quadro, são eles os [...] professores,
diretores, projeto pedagógico, recursos, instalações, estrutura organizacional,
ambiente escolar e relações intersubjetivas no cotidiano escolar. (DOURADO,
2007, p. 921).
Isso significa que, se o currículo desconsiderar a diversidade, a multiplicidade, a
diferenças presentes no âmbito escolar, ao prescrever seus conteúdos, poderá dificultar a
possibilidade de se trabalhar os campos disciplinares do conhecimento e do saber,
articulados com as questões do cotidiano do aluno, invisibilizando e silenciando a
pluralidade dos sujeitos. Equidade, solidariedade e respeito às diferenças humanas:
construindo uma escola e sociedade mais solidária e equitativa.
3.3.1 EQUIDADE, SOLIDARIEDADE E RESPEITO ÀS DIFERENÇAS HUMANAS:
CONSTRUINDO UMA ESCOLA E SOCIEDADE MAIS SOLIDÁRIA E EQUITATIVA
Para Ferrada (2001), o respeito à diversidade, a luta constante pela igualdade e
equidade, fundamentadas em práticas de solidariedade, são valores basilares que quando
incorporadas às ações educativas, podem transformar a escola. Nesse sentido, o currículo
incorpora tais ações como meio de possibilitar, a partir das práticas educativas da escola,
a abertura de espaços de liberdade, participação e libertação da consciência humana.
108
No âmbito da diversidade cultural é possível encontrar distintas concepções para
justificar as relações sociais e as desigualdades. Tais concepções, vão desde a crença de
que as crianças, buscam se relacionar com seus pares tendo como base sua própria etnia.
Esta afirmação é proveniente da sociometria – ferramenta de análise – que analisa a
interação entre os grupos, que entende também, que à medida que as idades avançam,
modificam-se interações sociais de acordo com os fenômenos sociais que vão
acontecendo ao seu redor, a exemplo, quando este se percebe minoria frente a maioria
(FERRADA, 2001, p. 81-82), pode desencadear nessa criança ou grupo a desvalorização
cultural e étnica.
Todavia, os resultados destas pesquisas vão na contramão do que os professores
realmente acreditam a respeito da preferência étnica das salas de aula, que na verdade
uma ou outra vez que os alunos escolhem as amizades baseados em sua etnia
(DENSCOMBE; COLS, 1995 apud FERRADA, 2001) não podendo tomar como uma
característica intrínseca das interações de meninos e meninas em sala de aula.
Com esta evidencia, demonstra-se que, muitas vezes, recorremos a técnicas e
resultados científico para justificar ou naturalizar que alguns fatos sociais passam a existir
como naturais, ou seja, que os filhos de um grupo étnico só são atraídos pelos pares,
grande equívoco, quando na verdade, procuram amizade independente de raça e cultura.
Segundo Ferrada (2001), esses conceitos de raça e cultura dão uma ideia de como a
realidade é socialmente construída e baseada em concepções que não refletem realmente
como os fatos acontecem no cotidiano escolar.
Sem a intenção de delongar tal discussão, parto da ideia de que muitos documentos
naturalizem discursos que vão sendo adensados no cotidiano escolar. A própria ideia de
que as crianças escolhem seus grupos os pares, talvez porque a própria prática e os
diversos discurso reforce e fortaleça na criança esse comportamento. Em diversos trechos
do documento da BNCC, a criança desde cedo expressam ideias simples, no entanto, “[...]
bem definidas, de sua vida familiar, seus grupos e seus espaços de convivência.”
(BRASIL, 2017, p. 352).
Em outro momento do documento, esse discurso é reafirmado. “No cotidiano, por
exemplo, desenham familiares, identificam relações de parentesco, reconhecem a si
mesmos em fotos (classificando-as como antigas ou recentes) [...] (BRASIL, 2017, p.
352). Nessa mesma linha de raciocínio, ainda afirma que são [...] procedimentos são
fundamentais para que compreendam a si mesmos e àqueles que estão em seu entorno,
suas histórias de vida e as diferenças dos grupos sociais com os quais se relacionam [...]
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(BRASIL, 2017, p. 353), os alunos precisam no decorrer do Ensino Fundamental, “[...]
compreender as interações multiescalares existentes entre sua vida familiar, seus grupos
e espaços de convivência e as interações espaciais mais complexas.” (BRASIL, 2017 p.
360, grifo nosso).
Nos levando a crer que exista a necessidade de enquadrar as diversas culturas,
modos de vida, da linguagem, etc., em caixas. Podemos denominá-las de caixas de
étnicas, de gênero, religiosas, de orientação sexual, questões de classe, dentre outras
características que compõem a sociedade brasileira, que assumem diversos modos de
expressão e se manifestam com maior força e rigor na atualidade, dificultando a
convivência em uma sociedade mais igualitária e justa para todos e principalmente acabar
com as caixas.
Não negamos que é bastante emblemático tratar das questões relacionadas à
diversidade nas escolas. Em termos habermasiano, por exemplo, esta maneira de ver
como a diversidade se dá, é componente do “mundo da vida e faz parte de uma teoria
popular firmemente encravada em nossas sociedades”, não só inseridos em nossa
sociedade, bem como em distintas teorias (FERRADA, 2001, 82-83, tradução nossa).
Não se trata de algo novo a questões ligadas a diversidade cultural e dos embates
produzidos por ela. Desde a antropologia existe a prática de categorizar as pessoas em
grupos, caixas, categorias raciais, como se isso fosse algo inseparável a natureza humana,
conforme aponta uma assertiva de Marks (1997, p. 1045), quando afirma que
[...] as raças representam categorias naturais das pessoas, uma espécie de lotes
que para maior comodidade são indicadas por um código de cores: negro,
branco, amarelo e outros. Desde o nascimento, cada um de nós se integra a
uma ou outra categoria como propriedade constitutiva e imediata
(MARKS,1997 apud FERRADA, 2001, p. 83)
Segundo Ferrada (2001), as categorias que são definidas pela história e pela
sociedade como construções humanas, são muito mais importantes que qualquer
categoria formada a partir de uma realidade biológica que estão presentes na raça humana.
No entanto, essa compreensão deve considerar que a diversidade genética e a diversidade
“racial” não têm relação com a denominação da raça aplicada às populações humanas,
mas fato é que acabam influenciando a forma com que estas são definidas (FERRADA,
2001).
É preciso criar espaços de convivência humana com justiça social e cultural para
uma educação emancipada e transformadora na perspectiva critica comunicativa. Diante
110
dessa necessidade, Marigo (2015) destaca importância da escolarização dos sujeitos com
objetivos sociais, pois ela acredita, que independentemente do local do mundo que
estejam, estes sujeitos são afetados e influenciados pelos contextos sociais em que vivem,
refletindo também na maneira em que diferentes pessoas e grupos interagem e convivem,
sendo preciso articular razão instrumental e as identidades culturais, bem como das
tecnologias com a diversidade cultural.
Do ponto de vista dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica
(BRASIL,1997, p. 16), a diversidade, a inclusão e a pluralidade cultural, são temáticas
tratadas como:
[...] questões de classe, gênero, raça, etnia, geração, constituídas por categorias
que se entrelaçam na vida social, mulheres, afrodescendentes, indígenas, pessoas com deficiência, populações do campo [...], e ainda as que dizem
respeito à [...] diversas orientações sexuais, sujeitos albergados, em situação
de rua, em privação de liberdade de todos que compõem a diversidade que é a
sociedade brasileira [...].
Esta mesma sociedade, segundo consta no documento da BNCC, o Brasil é
[...] caracterizado pela autonomia dos entes federados, acentuada diversidade
cultural e profundas desigualdades sociais [...], o que exige que, [...]os
sistemas e redes de ensino devem construir currículos [...], a partir dos quais a
possibilidade de organizar, propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas
identidades linguísticas, étnicas e culturais. (BRASIL, 2017, p. 15 ).
E destaca que cabe, além dos sistemas de ensino, também,
[...] às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência,
incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas
contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global,
preferencialmente de forma transversal e integradora (BRASIL, 2017, p. 20).
Mas apenas “considerar” as identidades linguísticas, étnicas e culturais seria
suficiente para transformar a escola? Lembrando que, o conceito de diversidade numa
perspectiva crítica comunicativa de educação, compreende muito mais, visa construir
postulados teóricos básicos para desenvolver uma teoria crítico comunicativa de educação
(FERRADA, 2001, p. 12). Para tanto, e baseando nossas argumentações nos breves
antecedentes históricos e sociais antes apresentados, é preciso compreender que, a “[...]
raça não corresponde às características biológicas, genéticas, antropológicas ou
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moleculares, mas como uma construção social, e como tal, também adquire uma categoria
ideológica.” (FERRADA, 2001, p. 85, tradução nossa).
Sem a crença ingênua de acreditar que somente o fato de saber que raça não tem
identidade biológica, fará com que as desigualdades, o racismo e a discriminação em
todos os seus piores aspectos desapareçam, é pontual elucidar essas situações que se dão
no âmbito dos processos educativos e das políticas públicas educacionais que direcionam
o ensino. Possibilitando, avançarmos rumo à uma teoria crítica de currículo. Teoria que
não admite ações de discriminação racial como se fosse algo naturalmente biológico.
Entendemos como Ferrada (2001, p. 85, tradução nossa) que, “[...] devemos criar
condições para fazer com que aqueles que pertencem “naturalmente a uma raça.”, não
continuem acreditando serem superiores por “natureza” biológica, ou sentimento de
inferioridade por “natureza” que, definitivamente não só será um absurdo, mas também,
o desconhecimento da verdade humana. Devemos sim, construir uma educação como
meio de modificar as condições de discriminação cultural que são fruto das criações
simbólicas e sociais.
No entanto, só se modifica e transforma tais condições de discriminação,
realizando uma “transformação igualitária da educação” (ALBERT et al 2008, p. 184).
Deste modo, todo projeto educativo que tem como objetivo a transformação igualitária e
superação das desigualdades sociais, não fará isso desconectado de práticas solidárias,
mas sim “[...] a solidariedade deve ser um de seus elementos fundamentais.” (ALBERT
et al 2008, p. 184.). Mas a solidariedade não tem sido uma constante na sociedade e em
nossas escolas, nas palavras dos autores antes mencionadas, “[...] a solidariedade perdeu
seu sentido.” e em muitas escolas é possível perceber que a solidariedade é trabalhada de
modo “descontextualizado.” (ALBERT et al 2016, p. 184).
Isso significa que a abordagem adotada para tal é realizada apenas de maneira
pontual e não incorporadas aos processos de ensino e aprendizagem de modo que faça
parte das práticas do cotidiano escolar de meninos e meninas. Uma prática solidária, não
admite apenas, “demonstrar atitudes de cuidado e solidariedade na interação com crianças
e adultos (BRASIL, 2017, p. 43). Isso seria o mesmo que promover, “campanhas a favor
de países pobres, trabalhos com textos e jogos solidárias”. Isso não significa dizer que, a
solidariedade está sendo colocada em prática, tampouco seria suficiente para questionar
minimamente o individualismo nas interações sociais (ALBERT et al., 2008, p. 184).
112
Solidariedade na educação, tem muito a ver também com aprendizagens elevadas
e da melhor qualidade13, a “[...] todos os e as estudantes, independentemente de quais
sejam suas diferenças” (ALBERT et al., 2008, p. 185). Isso porque, ser solidário não se
trata apenas de que todos tenham “oportunidade de frequentar a escola, mas que todos e
todas consigam os melhores resultados”, para tanto, será preciso “trabalhar com todos os
agentes da comunidade na busca de propostas que sirvam para aumentar o nível
acadêmico de todo o alunado”, quando o que se espera é, “aumentar a qualidade das
aprendizagens” (ALBERT et al., 2008, p.186).
E que, “ problematizar preconceitos e estereótipos relacionados ao universo das
lutas e demais práticas corporais, propondo alternativas para superá-los, com base na
solidariedade, na justiça, na equidade e no respeito” (BRASIL, 2017, p. 233), bem como,
“analisar e compreender o movimento de populações e mercadorias no tempo e no espaço
e seus significados históricos, levando em conta o respeito e a solidariedade com as
diferentes populações” fique apenas à nível de denúncia e contestação das desigualdades
sociais (BRASIL, 2017, p. 400).
Avançar nessa concepção, à nível de sala de aula e nas práticas do cotidiano
escolar seria,
[...] a inclusão de todos os meninos e meninas é uma medida solidária que aumenta aprendizagens e melhora a convivência do grupo-classe. No ambiente
onde existem crianças de, [...] diferentes culturas, que falam diferente línguas,
de diferentes entornos sociais e econômicos, com diferentes tipos de família,
de gêneros diferentes e com diferentes níveis de rendimento etc. [...], e todos
estes empenhados na dinâmica da sala de aula para, [...] resolver uma atividade,
não só aumentam quantitativa, mas, qualitativamente as aprendizagens [...]
(ALBERT et al., 2008, p. 186).
De posse desses argumentos, partimos do princípio de que todas e todos, tem o
mesmo direito de participar das atividades na escola, como também ter o máximo de
aprendizagens em sala de aula, baseando-se em interações solidárias, melhorando as
13 Considerando que o tema da qualidade na educação tenha sido abordado de vários ângulos, e existe
diversas variáveis tanto intra com extraescolares que interferem na compreensão acerca da concepção de
qualidade capazes de interferir nos processos educativos, mas neste trabalho entendemos qualidade na
educação pelo “ângulo da adequação de melhores estratégias para alcançar velhos objetivos instrucionais
ou em função de um currículo em mudança, está [...] ligado a vida das pessoas, ao seu bem viver. [...]
Qualidade e quantidade são conceitos complementares já que qualidade para poucos é privilégio, não é
qualidade. Por isso, a qualidade da educação precisa ser encarada de forma sistêmica. A educação só pode melhorar no seu conjunto. [...] é um conceito dinâmico, que deve se adaptar a um mundo que experimenta
profundas transformações. Trata-se de um conceito político que, apesar de elementos comuns, se altera,
dependendo do contexto (GADOTTI, 2013, p. 01).
113
relações na escola e fora dela. Não é o mesmo que propostas educativas “[...] centradas
na diferença em detrimento da igualdade.”, pois não seria capaz de abarcar todas as
pessoas, e não evitaria a exclusão, mas sim, propostas centradas em “objetivos
igualitários” vindos de distintos campos sociais (político, econômico, educacional, etc.)
(ALBERT et al, 2008, p. 188).
Com o objetivo de promover a “[...] redução das desigualdades educacionais no
Brasil e a promoção da equidade e da qualidade das aprendizagens dos estudantes
brasileiros [...] através das instituições de ensino.” (BRASIL, 2017, p. 5), a
implementação da BNCC começa a se delinear a partir de determinações do Ministério
da Educação (MEC), e motivadas pelas deliberações a propósito do Plano Nacional de
Educação (PLANO Nacional de Educação, 2014-2024), que já definia em uma de suas
metas desde então, a elaboração de uma “base” nacional para a educação.
Mas o fato de já estar definida como meta do PNE e também prevista na Lei de
Diretrizes e Bases para Educação Nacional (LDBEN, 1996), não faz com que seja
excluído desse processo um intenso debate sobre as direções da educação nacional, bem
como os sentidos e significado que carrega, adotando “medidas imediatistas,
desvinculadas de um planejamento pautado em marcos de referência e nos diagnósticos”
A esse respeito, Cury (2008), ao descrever a análise do conceito da educação
básica, traz algumas contribuições. Para ele, educação básica já “é um conceito, é um
conceito novo, é um direito e também uma forma de organização da educação nacional”
e tem a ver com jeito com que os conceitos carregam ideias soltas. Para Rego (2006, p.
184 apud CURY, 2008, p. 184), “[...] a abstração é fonte fundamental de sua força, porque
permite que os conteúdos de determinados princípios gerais possam ganhar redefinições
inesperadas.” Seguindo nessa mesma linha de raciocínio, do mesmo modo, “base”, para
ele,
[...]corresponde um termo, vê-se que, etimologicamente, “base”, donde
procede a expressão “básica”, confirma esta acepção de conceito e etapas
conjugadas sob um só todo. “Base” provém do grego básis, eós e corresponde,
ao mesmo tempo, a um substantivo: pedestal, fundação, e a um verbo: andar,
pôr em marcha, avançar (CURY 2008 apud BRASIL, 2016b, não paginado).
E no cerne dessa questão, reside uma nova maneira de compreender como se dá
organização da educação no país, inclusive e sobretudo, uma nova maneira de organizar
o conhecimento escolar. A quem cabe a decisão de determinar o que deve ou não ser
ensinado nas salas de aulas para meninos e meninas? Ao Estado somente?
114
Resposta complexa, pois a questão do conhecimento, bem como, qual seria o mais
válido, está entre as principais questões do campo curricular. Sem mais delongas a esse
respeito, mas buscando contribuir com os temas que se seguem, Macedo e Frangella
(2016, p.) concordam com tal complexidade quando, afirmam que não existe uma
resposta apenas e que são “[...] raros os currículos que não salientam a importância dos
conhecimentos socialmente acumulados [...]”. Assim,
[...]se a pergunta sobre o conhecimento mais válido para ser ensinado não foi
abandonada, a resposta tornou-se muito mais complexa. Depois de décadas de
pensamento crítico no campo do currículo, entende-se que qualquer base
comum curricular se torna, pelo menos, o resultado de uma seleção que atende,
sempre, a determinados interesses (MACEDO; FRANGELLA, 2016, p. 14).
Obviamente, que é preciso considerar nesse contexto os diversos interesses bem
como, distintas concepções políticas e partidárias que operam a favor de um tipo de
sociedade e de pessoa humana. De maneira pontual, sem se estender na temática, tais
concepções definem tendências em diferentes aspectos. O que estamos dizendo é que,
desde o princípio das discussões de uma implantação da base comum, incidiram de muitas
influencias políticas e partidárias tanto de grupos hegemonicamente organizados como
de pessoas.
Deste modo, as organizações políticas partidárias contraditórias, bem como as
diversas mudanças no decorrer do processo, provêm e conjecturam na proposta curricular
implementada e homologada recentemente, produzindo tanto discursos contra, como
favoráveis de um modelo centralizador de currículos e ao mesmo tempo a respeito dos
campos do conhecimento a serem implantados nesses currículos.
De uma maneira ou de outra, existe uma realidade que precisa ser considerada.
Mesmo que, a cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, sejam
construídas fundamentalmente a partir da “matriz político-social e epistemológica da
modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como
elementos constitutivos do universal” não impede que sejam escolas invadidas por
diferentes grupos sociais e culturais, que antes eram afastados do espaço escolar, que
lutam e resistem como sujeitos de direitos que são (CANDAU, 2011, p. 241).
A escola na forma como está pensada seria então, incapaz de oferecer uma escola
igual para todos. Aqui partimos do princípio de que não somos todos iguais. E se não
somos iguais, como pode um currículo padronizado, homogêneo, etc., dar garantias de
aprendizagens essenciais e indispensáveis para todos como descrito na BNCC? Como é
115
possível que um currículo de conta do que realmente é essencial e indispensável para cada
um sem considera-los em sua diferença?
Mas esse mesmo sujeito que busca seus direitos na diferença, “[...] gosta de ser
homem, de ser gente, [...] esse sujeito reconhece que sua estada no mundo não se trata de
um fato predeterminado tampouco preestabelecido e percebe que o seu destino não é um
dado, mas algo que precisa ser feito [...], e se reconhece como responsável por sua própria
história no mundo com o mundo.” (FREIRE, 1996, p. 58).
No entanto, Candau (2003) afirma que a escola tem sido chamada a reagir a partir
chegada dessa pluralidade de culturas, bem como considera que não é mais possível
defender uma cultura única, tampouco a possibilidade de valorização de um currículo
monocultural. A autora ainda enfatiza que a luta pela igualdade não pode e não deve
invisibilizar as diferenças, que está no cerne das funções a promoção da igualdade de
direito, principalmente porque vivemos em uma sociedade onde as desigualdades social,
cultural e econômica sempre se fizeram presentes em todos os espaços sociais.
Promover igualdade de direitos na educação tem sido uma constante nas agendas
políticas nacionais, mas ainda, a realidade da educação no país bastante precária. Em
recente, pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep) que tem como objetivo “monitorar, avaliar e elaborar as políticas
públicas educacionais brasileiras, discorre quanto aos números divulgados pelo Inep a
começar pelo número de escolas que o Brasil possui. Em toda sua extensão são 184,1 mil
escolas, dois terços (112,9 mil) destas escolas são de responsabilidade dos municípios
(informação verbal). 14
Estes dados foram divulgados também em entrevista concedida ao correio
brasiliense, para divulgação dos dados do censo escolar da educação básica do ano de
2018. Maria Inês (presidente do Inep), Maria Helena de Castro, (ministra da Educação),
Rossieli Soares (secretário da educação básica) e Carlos Moreno, diretor de estatísticas
do Inep, anunciam que as escolas particulares atingiram 21,7%, 116 mil instituições
oferecem ensino fundamental. Já o ensino médio é ofertado em 28,5 mil instituições.
Destas são 7,9 milhões de alunos matriculados. Os alunos que realizam atividades em
tempo integral, somam os 7,9%, (2016, eram 6,4%). Já no ensino fundamental,
14 Coletiva de imprensa com a divulgação dos dados do Censo Escolar da Educação Básica. Maria Inês,
presidente do Inep, Maria Helena de Castro, ministra da Educação em exercício, Rossieli Soares,
secretário da educação básica e Carlos Moreno, diretor de estatísticas do Inep (2018).
116
[...]48,6 milhões de matriculados, a taxa de alunos em período integral é de
13,9%. O MEC, no entanto, comemorou o aumento das matrículas em escola
de tempo integral em escolas públicas de todo o país e atribuiu esse aumento à
Política de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Só neste
ano, segundo a ministra em exercício, foram liberados R$ 406 milhões para
apoiar estados na implementação dessas unidades. (INEP, 2018)..
Ao ser questionada, sobre a queda nos números dos matriculados nas instituições
escolares, Maria Helena de Castro, explica que, "o ensino médio vem sendo o grande
gargalo da educação brasileira. Iniciamos o século 21 e o problema permanece. O que
esse dado está mostrando é algo extremamente preocupante" (INEP, 2018).De fato, é
minimamente preocupante, entre os problemas apontados pela ministra é que merece
atenção é, “o alto índice de jovens inativos, ou seja, aqueles que não trabalham nem
estudam. E continua: "Chama a atenção pela quantidade. Por isso que o MEC colocou
na sua prioridade de agenda a reforma do ensino médio, uma série de ações e a base
curricular."
É bastante preocupante e incongruente. Entre consensos e dissensos, é possível
relacionar que ao mesmo tempo que há uma indicação do MEC colocando em sua agenda
como prioridade, tratar dos problemas relacionados ao ensino médio, existe também,
importante necessidade de “ situar, que a nova proposta curricular (BNCC) não cumpriu
com as exigências legais ao excluir uma das etapas da Educação Básica: o Ensino Médio”.
E questionam: “A BNCC sendo direcionada a Educação Básica não deveria contemplar
o Ensino Médio, como definido nos dispositivos legais?” (BRASIL, 2016b, não
paginado).
Ainda de acordo com o parecer emitido pelas conselheiras Aurina Oliveira
Santana, Malvina Tuttman e Márcia Angela Aguiar, em pedido de vistas ao CNE
documento que trata da homologação “apressada” da BNCC, esclarecem quanto ao não
cumprimento das “exigências legais”.
A Constituição de 1988 para o Ensino Fundamental, e foi ampliada para o
Ensino Médio com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), a partir
da Lei 13.005/2014, em consonância com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996 – LDB, que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 2016b, não paginado).
Mas este não é o único problema que os números do senso mostram. “Muitos
alunos estão na escola, mas na idade escolar errada. Segundo os dados do INEP, isso
ocorre tanto pela reprovação quanto pela alta taxa de abandono escolar (informação
117
verbal)15. Ainda de acordo com o senso, nos anos iniciais, é possível ver menores taxas
dessa distorção, abrangendo os estados de Minas Gerais (69,1%), Mato Grosso (61,7%)
e São Paulo (56,6%)16 (informação verbal, grifo nosso).
De posse de tais informações, um modo de avançar para além da elaboração de
índices, podemos como meio de uma redefinição do problema a ser enfrentado, buscar a
partir de uma reflexão crítica, entender conceitos como por exemplo, evasão escolar ou
exclusão da escola, dentre outros que oportunamente serão discutidos. Por hora é preciso,
entender: será que se trata apenas de diferenças meramente conceituais?
Para Arroyo (2001), é certo que, quando refletimos tais problemas como “evasão”,
responsabilizamos totalmente os alunos e alunas pelo fracasso escolar. Demostrando que
esse aluno simplesmente abriu mão de “uma grande oportunidade que lhe foi oferecida”.
Para Baldelot e Establet (1976), a questão do fracasso escolar muitas vezes é explicado
por vias de “inúmeras patologias”, coisas que na realidade não existem (FERRADA,
2001, p. 13).
Como consequência desses e de outros equívocos ligados ao fracasso escolar,
podemos isentar o Estado de suas obrigações sociais e culturais perante a sociedade e
especificamente a esse aluno, aproximando-se de modelos pós-modernistas. Quando na
verdade a questão é de exclusão da escola. Recolocar o problema dessa forma
responsabiliza o Estado que além de exclui-lo da escola, nega-lhe outros direitos
(ARROYO, 2001).
Dentre esses direitos que devem ser garantidos ao alunos e alunas, está o respeito
a diversidades. Como (SANTOS, 1999, p. 44) acreditamos que todos trazemos conosco
desde nossa gênese “o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e
temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza”. Mas quem
são esses diferentes, que diversidade é essa?
Segundo Candau (2012, p. 23), talvez os diferentes sejam todos aqueles que “[...]
por suas características sociais e/ou étnicas, por serem considerados ‘portadores de
necessidades especiais´, por não se adequarem em uma sociedade cada vez mais marcada
por uma competitividade [...]”, concorremos, muitas vezes, com uma lógica de mercado
15 Informação fornecida por Maria Inês, presidente do Inep, Maria Helena de Castro, ministra da Educação em exercício, Rossieli Soares, secretário da educação básica e Carlos Moreno, diretor de estatísticas do Inep ao Correio brasiliense. 16 TAMBÉM
118
e de consumo, e acabamos considerando os “diferentes” como os “perdedores”, os mais
“fracos”.
Mas será que os respeito a diversidade de diferenças em todos os seus aspectos é
levada em conta nos conteúdos emanados da BNCC? Partimos da premissa que, é preciso
voltar os olhares para efeitos tanto negativos como positivos, resultantes da complexa
diversidade cultural. Os efeitos marcam tanto a sociedade atual quanto currículo e estão
presentes nos diversos espaços culturais, decorrentes dos debates de raça, etnia, cultura,
sexualidade, gênero, classe social, religião, idade, necessidades especiais ou de outros
confrontos sociais (MOREIRA; CANDAU, 2008).
Conforme preconizado no documento da BNCC, dentre as competências, é
preciso,
Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações
próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da
cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência
crítica e responsabilidade (BRASIL, 2017, p. 9, grifo nosso).
E continua:
Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as
dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos,
com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos
sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza (BRASIL, 2017, p. 10).
Evidenciamos em alguns trechos do documento da BNCC que não se trata apenas
de “valorizar”, “apreciar”, a diversidade, apenas isso não garante avançar em direção ao
respeito à diversidade enquanto gente. Como meio de avançar na concepção que
fundamenta uma escola inclusiva no sentido latu do termo, competiria, portanto,
[...] a elaboração de diretrizes para que as Secretarias de Educação, em
conjunto com as instituições educativas e escolas e as representações sociais,
implementassem as atuais Diretrizes sem o risco de um estreitamento
curricular [...], de qualquer maneira, não seria nenhuma novidade (BRASIL. 2016b, não paginado).
Desse modo, estaria apenas então, “[...] atendendo o que também está previsto no
PNE [...], no tocante às [...] diversidades regionais, estaduais e locais, além da necessária
119
articulação entre direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Processo que
não se efetiva na prática, segundo as conselheiras do CNE, Aurina Oliveira Santana,
Malvina Tuttman e Márcia Angela Aguiar (BRASIL, 2016b, não paginado).
São diretrizes do PNE, expressas no Art. 2 dessa Lei:
Art. 2º, PNE- I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do
atendimento escolar; III - superação das desigualdades educacionais, com
ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de
discriminação; IV - melhoria da qualidade da educação; V - formação para o
trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se
fundamenta a sociedade; VI - promoção do princípio da gestão democrática
da educação pública; VII - promoção humanística, científica, cultural e
tecnológica do País; VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos
públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que
assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade
e equidade; IX - valorização dos (as) profissionais da educação; X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à
sustentabilidade socioambiental. (BRASIL, 2014, não paginado).
Entendemos que o engessamento curricular da BNCC caracteriza uma negação do
próprio PNE quando nega a possibilidade de avanço na educação no pais, limitando a
aprendizagem e encarcerando o conhecimento. No âmbito da Educação Infantil no
contexto da Educação Básica, segundo consta n BNCC, o que é preciso para “[...]
potencializar as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças [...], perpassa
potencializar o [...] diálogo e o compartilhamento de responsabilidades entre a instituição
de Educação Infantil e a família são essenciais.” Além disso, a instituição precisa
conhecer e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a riqueza/diversidade
cultural das famílias e da comunidade (BRASIL, 2016a, p. 34-35).
Quanto ao fato de compartilhar responsabilidades, para Hidalgo (2008, p. 127), o
fato de os governos defenderem uma reforma do Estado que, sob o argumento de
transferência e divisão de responsabilidades para a promoção do fortalecimento da
sociedade civil, acaba promovendo um processo de desobrigação do Estado para com o
financiamento das políticas. Esse modelo de reforma, idêntica às defendidas por
governos que investiram na criação de mecanismos de mercado para a regulação das
políticas públicas. O que significa então instituir a redução do papel do Estado como
apenas “agente de defesa da propriedade privada” (HIDALGO, 2008, p. 127).
Embora, o CNE no ano de 2010, promulgue novas DCN, ampliando e organizando
o conceito de contextualização como “a inclusão, a valorização das diferenças e o
atendimento à pluralidade e à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias
manifestações de cada comunidade” (BRASIL, 2016a, p. 11).
120
Mas embora, as experiências e atividades se realizem no âmbito de um currículo
sistematizado, é preciso levar em consideração sobre a necessidade de se ter um currículo
livre das amarras, da rigidez e da intransigência, alçando uma determinada flexibilização
no planejamento tendo em vista a possibilidade de inovações e mudanças que poderão
surgir no decorrer de sua implementação.
Tais mudanças e inovações estão presentes no bojo da sociedade, que apresenta
uma ampla diversidade de costumes e tradições, relacionados as diversas formas de vestir,
de falar, de se expressar, modos de agir e religiões e que fazem parte do cotidiano de um
povo. Dividem espaço com a insistência em se tornar tanto currículo como escola
movimentos estáticos. Mas como paralisar o que é puro movimento? O currículo pode
até ser movimentado por intenções oficiais de transmissão de uma única cultura como
sendo uma cultura oficial, mas certamente nunca o resultado será o esperado, isso porque
essa transmissão sempre se dará em um espaço dinâmico de significação de puro
movimento. (MOREIRA; SILVA, 2011).
Pois bem, é na complexidade do processo educativo, atravessado pelas incertezas
pedagógicas e sociais, que compreendemos que o currículo não pode ser considerado fora
de interação dialógica entre escola e vida, devendo assim contemplar o desenvolvimento
humano, o conhecimento e a cultura dos sujeitos.
E as contradições não cessam, pois, conforme apresentado no documento da Base
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016a, não paginado) a respeito da igualdade,
diversidade e equidade, segundo afirmativa do documento, o Brasil é um “[...] país
caracterizado pela autonomia dos entes federados, acentuada diversidade cultural e
profundas desigualdades sociais.”, afirma que cabe a todas instituições educativas,
“construir currículos”, bem como “[...] elaborar propostas pedagógicas que considerem
as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas
identidades linguísticas, étnicas e culturais.” (BRASIL, 2016a, p. 20).
Porém, determina que uma base curricular como norma obrigatória à educação
pública. Isso significa que compreender que a concepção de respeito, igualdade,
diversidade e equidade tem caráter normativo e que se estende a todo Território Nacional,
portanto é preciso refletir criticamente se a lei de fato possibilita construir autonomia no
ambiente escolar.
Entendemos que a assunção dos pressupostos, de que à escola cabe a elaboração
e desenvolvimento dessas propostas, é dizer que esta tem autonomia para tanto. Quando
na verdade existem diversos aspectos a se considerar, já que mesmo com que garantias
121
acerca da inclusão da diversidade a escola e seus currículos não foram capazes de
efetivamente transformar a realidade de meninas e meninos pertencentes as classes
trabalhadoras e marginalizados bem como de incluí-los, oferecendo-lhes uma verdadeira
educação emancipadora.
Isso porque surge nesse horizonte, a todo tempo propostas com clara
intencionalidade de planejar cientificamente as atividades pedagógicas e controlá-las de
modo a evitar uma certa conduta do aluno que possa fazer com que esse desvie-se de
padrões culturais e condutas pré-definidas (MOREIRA; SILVA, 2011), motivadas em
decorrência das disputas tanto teóricas como de poder, contrariando o estado democrático
de direito, dando origem a novas medidas que são impostas a educação e a escola.
Para a construção dessa reflexão, podemos observar certos documentos oficiais
como por exemplo a reforma do ensino médio, e as alterações na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) em seu artigo 61, discorre a respeito das mudanças que chegam por
meio de medida provisória. A palavra de ordem é “falência do ensino”, a justificativa:
“um salto de qualidade para o ensino médio”. As mudanças vão desde a disciplinas que
deixam de ser obrigatórias à contratação de “professores de notório saber”.
Assim, presenciamos as idas e vindas das políticas educacionais, sempre
acompanhadas de diferentes discursos políticos, sociais ou culturais, que às vezes se
manifestam de forma implícita ou explicitamente no cenário atual político. Por isso,
entendemos como Freire (1983) que a “educação é ato político”, do mesmo modo Arroyo
(2011, p. 13) nos diz que “[...] currículo não é apenas território em disputa teóricas”, mas
também disputas por direitos, tanto políticos, sociais ou culturais. É nesse cenário de
disputas no chão da escola que podemos e devemos mesmo criar ambiente de resistência
e luta.
Em meio à essas disputas e confrontos políticos temos sempre que acreditar num
horizonte de possibilidades para uma escola pública de qualidade. É bem verdade que
numerosos debates em torno da qualidade do ensino vêm ocorrendo na educação bem
como no campo do currículo na atualidade. Entre as questões centrais desses debates estão
a seleção e a organização do conhecimento e a qualidade do ensino, medida não pela ótica
da eficiência e eficácia do ensino, e sim qualidade que leve em conta as possibilidades de
desenvolvimento pleno do indivíduo com participação ativa na sociedade.
122
Tendo em mente certas questões, podemos citar apenas a nível de exemplificar, o
Programa Escola sem Partido17, como parte de iniciativas que visam unificar, padronizar
o conhecimento e as práticas educativas. Programas como esse atravessa, escola,
educação e currículo, com clara intencionalidade de impor um pensamento único para
escola, educandos e educadores. E pode representar um imenso retrocesso nas conquistas
de nossos direitos sociais, principalmente à educação, colocando em risco nossa o que já
conquistamos rumo a democracia, pois afeta diretamente a construção efetiva da
igualdade de direitos. A escola sem partido caracteriza o sujeito, seja ele educando ou
educador.
Para Frigotto (2016, p. 2), se trata de uma visão totalmente equivocada de escola.
É uma escola de partido absoluto, intolerante, “[...] ameaça os fundamentos da liberdade
e da democracia liberal [...]”, um partido que claramente “[...] dissemina o ódio, a
intolerância e, no limite, conduz à eliminação do diferente. Igualmente para Freire (1999),
a educação nunca é neutra, da mesma forma que não existe neutralidade em nenhuma
ação humana. Nosso posicionamento sempre está a favor ou contra uma ideologia, seja
ela burguesa ou proletária.
Freire (1983) afirma que a “educação é ato político”, do mesmo modo Arroyo
(2011) nos diz que “currículo não é apenas território em disputa teóricas”.Disputas entre
professores e alunos. Disputas também sobre o que ensinar e como ensinar. Existe
também disputas a respeito do currículo e seus conteúdos e principalmente, conteúdos
periféricos, que um currículo único certamente não contempla. Como não tratar de
questões políticas, socioculturais e econômicas na escola? Onde deverão ser abordados
tais assuntos senão na escola?
No contexto dessa mesma sociedade conflitante, para Hidalgo (2008, p. 49) o
espaço privilegiado pra tratar de tais questões é na escola, pois, a escola é uma das
principais instancias sociais responsáveis por “[...] desenvolver a consciência de que as
17 Os arautos e mentores da “Escola Sem Partido” avançam num território que historicamente desembocou na insanidade da intolerância e eliminação de seres humanos sob o nazismo, o fascismo e similares. Uma proposta que é absurda e letal pelo que manifesta e pelo que esconde2. O que os projetos que circulam no Congresso Nacional, em Câmaras Estaduais Municipais, em alguns casos como Alagoas, já aprovados, cuja matriz é a “Escola Sem Partido” liquidam a função docente no que é mais profundo – além do ato de ensinar, a tarefa de educar. Na expressão de Paulo Freire, não por acaso execrado pelos autores e seguidores da “Escola Sem partido” - educar é ajudar aos jovens e aos adultos a “lerem o mundo”. Um dos argumentos basilares da “Escola Sem Partido” é a tese da “Liberdade de Ensinar”. O que se elimina e combate é justamente a liberdade de educar. O que era implícito desde a revolução burguesa, instruir sim, ainda que de forma diferenciada, mas educar não, agora é proclamado como programa de ação. (FRIGOTTO, 2016).
123
identidades culturais”, uma vez que nesse cenário social globalizado, sofre com a “perda
do referencial.” como nação, sucumbindo-se a “universalização” e “compartilhamento
crescente das idéias, estéticas similares, emoções próximas”, atribuindo a escola o papel
de produtora de uma identidade cultural, sob pena de promover processos de exclusão
social.
Mas podemos apreender nesse ambiente de inquietações, que embora os ataques
gerais a educação seja uma constante, é preciso, contudo, manter viva a vitalidade e a
força dos sujeitos que frequentam a escola, bem como: “[...] manter viva a longa tradição
da reforma educacional democrática que desempenhou o papel importantíssimo de fazer
de muitas escolas lugares cheios de vitalidade e força para aqueles que a frequentam.”
(APPLE; BEANE, 2001, p. 11).
Assim, a escola e currículo são locais privilegiados de aprendizagens e experiências
ricas e múltiplas. Estas instancias alinhadas, precisam garantir a liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento livre, a arte e o saber. Também
devem garantir pluralismo de ideias e de percepções pedagógicas e a liberdade de
pensamento e de expressão.
Nesse viés, surge no horizonte de possibilidades o Currículo Crítico Comunicativo
que propõe fundamentar e desenvolver a educação em situação de diversidade social e
cultural. Por ora é importante salientar a necessita de refletir com base em um referencial
teórico metodológico, capaz de elucidar, interpretar e reinterpretar os elementos
propositivos acerca do Currículo Crítico Comunicativo como possibilidade de
transformação e emancipação dos sujeitos. O currículo é entendido aqui como parte de
“[...] fenômenos que são, de algum modo, e até certo ponto, já compreendidos pelas
pessoas que fazem parte do mundo sócio-históricos; estamos procurando em poucas
palavras, reinterpretar um domínio pré-interpretado.” (THOMPSON, 2011, p. 33).
Nessa mesma direção, podemos colocar em debate a forma com que são
construídos os currículos. Não é possível apenas vê-los como “forças progressistas” e que
grande parte dos educadores e da população acreditam ser, em que buscam sempre
“ajudar as pessoas”, do mesmo modo que as escolas por meio de seus currículos podem
sim estar operando em favor de “alguns grupos e servindo como barreira a outros”,
produzindo a exclusão social, gerando desigualdades (APPLE, 2006, p. 104).
Levando em consideração sobre a interferência metodológica nos resultados da
análise de um modo geral. A busca por uma metodologia específica para lidar com a
análise e interpretação dos elementos propositivos do Currículo Crítico Comunicativo,
124
possibilitou a identificação da metodologia da Hermenêutica de Profundidade (HP). Tal
metodologia propicia uma re-interpretação do já dito acerca da escola e currículo,
considerado aqui neste estudo um instrumento de “comunicação de massa” que exigem
uma interpretação apropriada e minuciosa conforme preconizado por Thompson (2011).
Essa direção, para se pensar em propostas educativas coerentes e cientificas de acordo
com a sociedade atual, devemos perpetrar uma análise geral das mudanças sociais que se
produziram nas últimas décadas, seguido de uma reflexão crítica sobre suas
consequências para tal proposta.
Para Moreira e Candau (2008) essa escola baseada no comum está totalmente
despreparada para enfrentar os conflitos gerados pela diversidade e para articular o
comum com o plural, a igualdade com a diferença, mesmo estando inserida em uma
sociedade tão plural. Embora haja inúmeras abordagens voltadas a compreensão do
multiculturalismo, ainda se faz necessário o aprofundamento acerca do tema devido a
grande ambiguidade apresentada, entre elas a afirmação de determinada diferença, um
processo de assimilação de determinados grupos da sociedade hegemônica e ainda pode
ser entendido como promoção de diálogo entre diferentes grupos socioculturais
(MOREIRA; CANDAU, 2003).
Independente da direção assumida, entendemos aqui que essa multiplicidade
presente na escola, não deve distanciar-se do trabalho coletivo. Tendo em vista que
trabalhar coletivamente pode potencializar e favorecer os processos educativos onde
professores e alunos sejam reconhecidos nas suas próprias diferenças, criando espaços de
diálogo na construção curricular levando em consideração a igualdade na diferença.
Para tano, Candau (2003) enfatiza que a luta pela igualdade não pode e não deve
invisibilizar as diferenças, e está no cerne das funções a promoção da igualdade de direito,
principalmente porque vivemos em uma sociedade onde as desigualdades social, cultural
e econômica sempre se fizeram presentes. Assim, cabe a escola a partir do currículo,
promover a construção plena da igualdade por meio das práticas educacionais que
considerem o respeito à diversidade cultural como uma de suas metas.
Nesse viés de raciocínio, propor a diversidade cultural no currículo não significa
abrir mão da sistematização, organização e planejamento. É exatamente nessa direção que
defendemos aqui nossa proposta de pesquisa com vistas a um currículo dialógico. O
planejamento é essencialmente importante tanto para currículo, como para a escola. As
atividades que acontecem no espaço escolar são principalmente planejadas e monitoradas
125
por ela. Desse modo, o currículo não pode ser pensado aleatoriamente a esse
planejamento.
Porém, é preciso levar em consideração que uma vez analisada a questão
sociocultural da sociedade, devemos avançar em busca de encaminhar as atividades
escolares rumo à uma efetiva relação de solidariedade, respeito a diversidade e igualdade
que existe no centro dos grupos de pessoas presentes nessa dinâmica, de acordo com a
realidade cultural da escola, incorporando os conteúdos culturais no currículo escolar
(FERRADA, 2001).
Nesse sentido, baseados nas argumentações da mesma autora, é preciso estar
ciente de que nesse movimento, há o envolvimento dos professores, professoras os e as
estudantes, que é determinante, tanto para a manutenção como para a superação das
demonstrações de discriminação nas interações sociais, de onde também, derivam alguns
dos conteúdos culturais, que devem ser incorporados ao currículo e que tem a ver com as
questões de gênero, as diversas etnias das diversas populações humanas, as classes
sociais, etc., pois ao analisarmos o ambiente escolar concreto, real, estas dimensões das
interações sociais estarão lá.
Tais representações de acordo com alguns estudos 18 , demonstram que se
observarmos as atividades escolares no interior da escola quanto as relações de gênero,
as meninas geralmente, aparecem socialmente subordinadas à meninos, tendendo a ser
dissimuladas e manipuladas, em vez de dóceis ou passivas. Por outro lado, outros
estudos19 mostram que o favoritismo que os professores apresentam para as crianças é
acompanhado por uma sensibilização em relação aos métodos interativos que os meninos
usam para atrair a atenção e promover o colóquio, se observamos “ as diferenças que
apresentam os jogos das meninas, particularmente os musicais, que são essencialmente
cooperativos, regulados por regras, rituais, mas nunca hierárquicos nem competitivos,
como é o caso dos jogos do meninos (FERRADA, 2001, p. 88-89, tradução nossa).
No que diz respeito a etnia, o conflito surge muitas vezes como resposta de
meninos e meninas às atitudes dos professores com relação aos grupos minoritários, isto
se trata apenas de uma pequena parcela do que pode acontecer se não se considera a
questão cultural da escola. Imaginemos as consequências se somamos a isso, um currículo
totalmente homogeneizador.
18 (DRAPER, 1995, p. 89) 19 (FRENCH; FRENCH, 1995, p. 127)
126
Em contrapartida, quando se considera a igualdade de direitos e o respeito as
diferenças, como eleito, promover importantes atitudes igualitárias e Superadoras de
conflitos e das diversas situações de exclusão de pessoas e de povos na modernidade
(FERRADA, 2001). Dizemos com isso que incorporar os conteúdos culturais tanto locais
como universais no currículo e no cotidiano da escola é essencial, porém, isso deve
acontecer dentro de uma perspectiva de participação desde a tomada de decisão até a
seleção dos conteúdos.
Uma resposta contundente como meio de mediar ações baseadas na igualdade
educativa com respeito à diversidade de acordo com Ferrada (2001, 91-92) acontece à
medida que nos apropriamos dos conceitos da TAC de Habermas que se dará a partir do
ato da fala e de acordos mediados pelo entendimento que pode produzir distintos efeitos,
dependendo da intenção empenhada nessa situação, ou seja, a pretensão de validade ou
pretensão de poder.
Se encaminhadas por pretensão de validade, estará baseada na ação comunicativa
como meio de negociação que envolve todos os membros do grupo. Se, guiada por
pretensão de poder, o processo se dará mediante imposição arbitrária, sem que todos a
pessoas a serem afetadas pela decisão participem, apontando para uma clara atitude de
imposição autoritária, totalmente contrária a democratização na tomada de decisões
(FERRADA, 2001, p. 93).
Nessa linha de argumentação, um currículo homogeneizador que trata a todos
como iguais, semelhantes, está dirigido por pretensão de poder, desenvolvendo a
atividade educativa sob a égide da imposição de conteúdos previamente decididos por
uns poucos sem que haja a participação do grupo social, oferecendo restritas
possibilidades da representação cultural desse grupo que, “[...] privilegia especialistas e
subalterniza o diálogo com as comunidades educacionais e escolares, em um modelo
centralizador de tomada de decisões.” (BRASIL, 2016b, não paginado).
Nessa direção, a opção de construção da BNCC “adotou uma metodologia
verticalizada” (Parecer-Portaria CNE/CP nº 11/2017), mesmo que segundo se denomina
de participativa e que se deu em regime de colaboração. Segundo conta no documento da
BNCC,
Legitimada pelo pacto interfederativo, nos termos da Lei nº 13.005/ 2014, que
promulgou o PNE, a BNCC depende do adequado funcionamento do regime
de colaboração para alcançar seus objetivos. Sua formulação, sob coordenação do MEC, contou com a participação dos Estados do Distrito Federal e dos
Municípios, depois de ampla consulta à comunidade educacional e à
127
sociedade, conforme consta da apresentação do presente documento.
(BRASIL, 2016a, não paginado).
Em consideração a essa afirmativa, as conselheiras Aurina Oliveira Santana,
Malvina Tuttman e Márcia Angela Aguiar (Parecer-Portaria CNE/CP nº 11/2017),
explicam que é “preciso conhecer o que nos revelam os dados e os microdados para a
elaboração de um verdadeiro diagnóstico da educação”. Mas se trata apenas de revelar os
dados, ainda é preciso, [...] ainda, refletir sobre o que está sendo realizado, o que é
desejável e necessário para as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos do nosso
país” (Parecer-Portaria CNE/CP nº 11/2017).
Ainda sobre a metodologia adotada na elaboração da BNCC, [...] não é incomum
a adoção de medidas imediatistas, desvinculadas de um planejamento pautado em marcos
de referência e nos diagnósticos [...]” (BRASIL, 2016a, não paginado), o
desenvolvimento de todo projeto de elaboração se deu mediante atitudes que privilegia
um conjunto de conteúdos e objetivos sem o fundamental suporte de uma referência que
deixe claro o projeto de nação e educação desejadas. Usuários desse modelo acreditam
que cartilhas, guias como “receitas”, a serem reproduzidos nas escolas, serão “remédio”
infalível para os “males” da educação. Surgem, então, propostas que desconsideram o
grande potencial de nossas comunidades educacionais e escolares.
Na contramão desse modelo centralizador de currículo, está um currículo
construído e encaminhado por pretensão de validade. Ferrada (2001) defende que desse
modo o currículo deve estar suscetível a críticas mediante a argumentação, como meio de
alcançar acordos entre todas as pessoas participantes na tomada de decisões. O que faz
que esse currículo represente de forma muito mais real dos verdadeiros desejos e
necessidades de todos.
Nesse aspecto, contrapõe o que propõe a BNCC que preconiza a validade
normativa de caráter universal. Em síntese, o Currículo Critico Comunicativo, deve
operar fundamentado em contextos de atos de fala baseados na pretensão de validade,
direcionando as atividades com visibilidade de uma educação participativa e mais
igualitária. No entanto, esse modo de ver o currículo demanda a compreensão de maneira
a diagnosticar ou encurtar o fosso existente no que se refere à proximidade e o encontro
que há entre intenção e o que conta realmente como realidade no instante que se
operacionalização do currículo. (FERRADA, 2001, p. 93-94).
128
E é justamente em busca não só no avanço da construção da qualidade da educação,
bem como de seus educandos e educandas que lutamos em prol da autonomia da escola,
dos educadores e educandos, respeitando a educação laica, critica, libertadora e pluralista
e de espaços de resistência construídos nessa mesma escola, como meio de garantir que
que a diversidade seja vista como algo a ser incorporado aos processos de ensino e
aprendizagem e não como problema a ser resolvido, sobretudo considerando a tradição
curricular e da nova implementação da BNCC.
Nessa perspectiva, a defesa de um currículo na perspectiva crítico comunicativo –
currículo Crítico Comunicativo – nunca foi tão necessário, a partir da afirmação de que é
preciso compreender o meio, a si mesmo e ao outro reinterpretando conceitos pré-
concebidos e continuar buscando respostas.
Para que serve esse Documento a BNCC? Para quem ela é pensada? A partir de
qual concepção de diversidade ela está estruturada? Há conversa com Documentos
anteriores? Em que se espera avançar com este documento? Mas existem outras questões
exponencialmente urgentes que precisam de reflexão quando o que almejamos é uma
sociedade justa e igualitária, são elas: o que se percebe por formação humana, para além
de uma dimensão cognitiva? Qual o projeto de sociedade que a BNCC fundamenta? A
proposta articula, como definido no PNE, os objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento ou se restringe a aprendizagem? (Parecer-Portaria CNE/CP nº 11/2017).
Fica nítido como a BNCC – homologada em 2017 – que continua alavancando
diversos questionamentos carecendo ainda de debates acerca do conhecimento e da
educação. Questiona-se principalmente a educação brasileira, e uma forma de conceber o
conhecimento, o currículo como apenas um amontoado de conteúdos, a partir do qual
como ferramenta de domínio, capaz de sufocar qualquer possibilidade de superação das
desigualdades sociais e culturais. Embora garanta autonomia aos “entes federados” e aos
“sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e
as características dos alunos.” (BRASIL, 2016a, p. 16), esta ferramenta tolhe o direito do
professor e dos estudantes de desenvolverem os processos de ensino e aprendizagem a
partir da multiculturalidade presente nesse ambiente.
Consideramos em Gadotti (1994, p. 22) que esse questionamento perpassa a
educação em todos os seus aspectos, “uma pedagogia conteudista de cunho
funcionalista.”, capazes de desenvolver elementos de dominação e subordinação que
impedem que os agentes educativos e alunos trabalhem coletivamente em prol da
129
educação que tem como abertura a multiculturalidade, principalmente por seu caráter
homogeneizador e hierárquico.
Entendemos e desenvolvemos nesse trabalho, a defesa de que o currículo na
perspectiva do igual, similar, carece de análise. É preciso entender que não se trata de um
processo isolado o da construção curricular, necessita acontecer à muitas mãos. Embora,
inicialmente se dê a partir das diretrizes nacionais, deve ser deliberado nas escolas,
contando com a participação de diversos agentes educativos e suas histórias de vida. As
concepções, saberes, conteúdos e as metodologias devem levar em conta todo contexto
ao qual está inserido. É preciso solidificar saberes, desenvolvendo, verdadeiramente, o
conhecimento a partir da realidade, conforme preconizado nos aparelhos legais bem como
nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) que versam sobre a Educação Básica
brasileira. Todavia, o protagonismo dos alunos, alunas, professores e professoras e de
todos os demais profissionais da educação deve ser garantido.
Nessa direção podemos afirmar que as escolas e as instituições educativas são
ambientes de disseminação da cultura, do saber, do conhecimento, tanto de ideologias de
supremacia, quanto de ideologias de projeto de sociedade emancipada, precisamos
reivindicar um currículo escolar que amplie as capacidades humanas de respeito,
dignidade, com base em conhecimento significativo, para que as pessoas possam intervir
na sua autoformação a fim de transformarem as condições ideológicas e materiais de
dominação em práticas que promovam o fortalecimento da cultura popular e da
democracia, ampliando a autonomia intelectual, cultural e emancipatória.
Esse posicionamento não constitui uma negação do currículo organizado e
sistematizado conforme já mencionado ao longo desse trabalho, ao contrário, uma
abordagem curricular crítica comunicativa em contexto de diversidade tanto de ações
sociais como de racionalidades. Sempre aberto a participação, abrindo espaços onde a
ação comunicativa seja presente no desenvolvimento de práticas educativas livres de
imposição, baseada na tolerância, solidariedade, no respeito a diversidade em todos os
seus aspectos (FERRADA, 2001).
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aqui chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. [...]do inacabamento. Da [...] inconclusão
[...]. Onde há vida, há inacabamento. (FREIRE,
1997).
Este trabalho buscou analisar as concepções que embasam o conceito de
diversidade, solidariedade e equidade apresentados no documento oficial da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) e para saber se os mesmos estão em concordância
com os elementos fundantes do Currículo Crítico Comunicativo. Todavia, responder ao
objetivo da pesquisa, solicitou o desdobramento deste. Assim foram analisados quais são
os elementos fundantes que embasam o currículo escolar na perspectiva crítico
comunicativa, bem como buscou-se compreender o conceito de currículo, seu movimento
histórico no cenário brasileiro, refletindo as principais mudanças ocorridas e os projetos
de sociedade que as políticas educacionais embasam.
A investigação realizada sobre as propostas de construção curricular, nos permitem
entender que a BNCC é atravessada a todo tempo pelo discurso de ter sido desenvolvida
a muitas mãos e contado com o envolvimento pleno da sociedade. Discurso caracterizado,
inclusive pelo compromisso com a melhoria da educação brasileira, com foco no
desenvolvimento pleno de todos os estudantes. Assume o compromisso de criar
mecanismos de enfrentamento de processos discriminatórios e do preconceito, a partir do
respeito às diferenças e a diversidade cultural.
Em contrapartida, há evidencias de uma escola fragilizada por processos
excludentes e de discriminação e uma “crise instaurada no ensino público e, que mesmo
que exista extensão da escola às massas populares desfavorecidas, essa escola não teria
sofrido alterações significativas em suas atribuições na reprodução das desigualdades
sociais.” (BEISIEGEL, 2005, p. 116).
Assim, temos de um lado, o Currículo Comunicativo Crítico como projeto político
de pessoa, de formação humana, que propõe construir uma sociedade verdadeiramente
democrática, em que as interações sociais sejam balizadas em relações de respeito às
subjetividades humanas, abandonando a ideia de que currículo é apenas conteúdo. E de
outro, a indicação de um currículo ideológico, fortemente marcado pela forma conteudista
de organização do conhecimento, que “estabelece o conjunto de aprendizagens
obrigatórias para todas as instituições escolares” (BRASIL, 2017). Ao mesmo tempo,
processo marcado pela “[...] incompletude e limitações e, portanto, a necessidade de
131
ampliar o diálogo democrático para assegurar a qualidade social da educação básica em
nosso país (SANTANA; TUTTMAN; AGUIAR, 2017, p. 11).
Com esses pressupostos, assumimos o compromisso de responder à questão central
dessa investigação – quais as possiblidades de construção de uma escola inclusiva, que
considere a diversidade, solidariedade e equidade sob a perspectiva de um currículo
crítico comunicativo a partir das diretrizes e conteúdos da Base Nacional Comum
Curricular? – com importante alicerce teórico, como meio de validação da análise
procedida por esta pesquisadora. Deste modo, por intermédio da realização dessa
pesquisa e com base nos dados coletados, retomamos de maneira concisa, além da questão
de pesquisa, o objeto investigado e seus objetivos.
Tornou-se possível perceber partir das investigações concretizadas, evidencias de
que os estudos do campo curricular têm um longo percurso nas políticas educacionais
brasileiras, marcado por conflitos e disputas em seus diversos aspectos, principalmente
por disputas de poder que foram produzindo ao longo do tempo. E que essas mudanças
se deram motivadas, principalmente pelos interesses particulares de grupos ou pessoas,
formuladores dessas políticas.
A sistematização desse estudo e posterior investigação, aconteceu em meio a esse
movimento de mudanças das políticas educacionais brasileiras, evidenciando que foi um
longo e movimentado processo que culminou na homologação da BNCC. Assumimos
nessa pesquisa, a existência de um forte viés da mercantilização da educação e das
instituições de ensino de todo país, e que vêm despertando grande interesse do mercado
financeiro tanto internacional como do mercado interno brasileiro.
Embora não se trate um fato novo, a relação intrínseca da educação e o capital e,
sem a intenção de desvalorizar todo esforço em tornar democrático o ensino, bem como
a escola e as tentativas de estender essa escola a maioria das pessoas, explicitamos as
capciosas intenções neoliberais de fazer-nos acreditar numa democratização verdadeira
do ensino, quando na verdade vivemos no país, um desmonte de diversas políticas
públicas educacionais. Como efeito, um imenso fosso entre o direito à educação pública
de qualidade e a realização efetiva desta, que a cada dia toma mais distância de um projeto
de sociedade mais igualitária e justa.
Indicamos que todas as instituições educativas são ambientes de disseminação da
cultura, do saber, do conhecimento, tanto de ideologias de hegemonia, quanto de
ideologias de projeto de sociedade emancipada. Essa última, vislumbrando e
reivindicando um currículo escolar que amplie as capacidades humanas de respeito,
132
dignidade, com base em conhecimento significativo, para que as pessoas possam intervir
na sua autoformação, a fim de transformarem as condições ideológicas e materiais de
dominação, em práticas que promovam o fortalecimento da cultura popular e da
democracia, ampliando a autonomia intelectual, cultural e emancipatória.
Nesse sentido, identificamos com base nessa investigação que, a partir da proposta
do Currículo Crítico Comunicativo, há a possibilidade de resgate do humano, tanto na
educação como nas distintas interações sociais. Isso porque, se propõe a desenvolver a
educação livre de atitudes de coerção, baseadas no consenso e entendimento. Que para
Habermas (2004, p. 107), a comunicação só é possível, baseada na comunicação isenta
de restrições que podem impossibilitar o entendimento, de modo que todos possam ter a
mesma oportunidade de falar sobre o assunto debatido pelo grupo. Do mesmo modo que,
para Freire (2006, p. 65) as relações de mundo só acontecem a partir da comunicação, de
modo que, “[...] o mundo social e humano, não existiria como tal se não fosse um mundo
de comunicabilidade fora do qual é impossível dar-se o conhecimento humano.”
Portanto, considerando essa dimensão da comunicação, o Currículo Crítico
Comunicativo, assume o desafio de mobilizar ações que considerem a multiplicidade
cultural presente na escola, sem distanciar-se do trabalho coletivo, potencializando e
favorecendo processos educativos onde, professores e alunos sejam reconhecidos nas
suas próprias diferenças, criando espaços de diálogo na construção curricular e, levando
em consideração a diversidade cultural e a igualdade na diferença.
No que tange à diversidade, esta questão, garantida na construção de um currículo
na perspectiva crítico comunicativa, contribui como fator determinante nos processos de
ensino e aprendizagem, pois entendemos, nessa investigação, que quanto maior a
heterogeneidade do grupo, maior a possibilidade de interação e resolução de conflitos na
sala de aula aumentando a aprendizagem.
Com base nesse trabalho e compreendendo o empenho que deve haver para a
transformação da escola, a partir de um currículo na perspectiva crítico comunicativa,
existem diversos aspectos a se considerar já que, mesmo com garantias nas políticas
públicas educacionais acerca da inclusão da diversidade, a escola bem como seus
currículos não foram capazes de, efetivamente, transformar a realidade de meninas e
meninos pertencentes as classes trabalhadoras e marginalizados, bem como de incluí-los
efetivamente na dinâmica escolar e social, oferecendo-lhes uma verdadeira educação
emancipadora, quiçá quando esse currículo deixa de oferecer essas garantias concretas e
reais.
133
Dentre esses aspectos, estão, a questão de concepção de sociedade, de pessoa e de
um certo tipo de formação humana, no processo de organização curricular. Evidencia-se
assim, diversos elementos de mudança na sociedade que é caracterizada como sociedade
informacional, globalizada ou ainda, sociedade do conhecimento. Nesse contexto não é
admitido mais considerar somente os aspectos do conhecimento sistematizado, mas
também, os elementos culturais. Isso porque, um currículo único, para ser implementado
por todas as escolas, sem levar em conta a realidade local a qual essa escola está inserida,
é rebatido, em consideração a flexibilização do currículo, que se baseia na argumentação
de uma vinculação cultural e social que são requeridos na atualidade.
Consideramos nesse trabalho, baseados nos estudos sociológicos, que nas
sociedades atuais as interações sociais tanto políticas como pessoais do dia a dia das
pessoas, estão cada dia mais dialógicas. Os valores dialógicos estão cada vez mais
presentes nessas interações que, tem intrínseca relação com as transformações ocorridas,
desempenhando um maior papel nas sociedades pós-modernas do que nas sociedades
industriais. Isso, se consideramos que a própria educação tem que ser atendida num
constante movimento dialógico onde, a criança aprende também em constante interação
com o meio e com o mundo, apropriando-se da cultura que a cerca. Em outras palavras,
a criança idealiza o mundo numa constante interação com a cultura e com os outros
indivíduos.
Além disso, o significado de pessoa se dá a partir das interações sociais, ou seja, a
partir de processos sociais que, são essenciais para os processos de aprendizagem desse
sujeito, bem como para sua construção como sujeito no mundo em que vive. Desse modo,
a construção da pessoa não se trata de um fato inato, mas sim, vai acontecendo a partir
das interações sociais desse sujeito, ou seja, surge a partir das suas experiências e do
contato social com os demais membros dessa sociedade e com o todo.
Quanto ao processo de formação humana, observamos nessa investigação que,
formação humana pode ser compreendida de diversas formas. Isso porque muitas são as
concepções de formação humana presente nos diversos espaços sociais, determinadas
pelo tipo de sociedade que tais políticas esperam desenvolver. Além disso, é preciso
considerar que no contexto educacional as diversas concepções políticas e partidárias
operam, favorecendo um determinado modelo de sociedade e de formação humana. Tais
intenções acabam definindo tendências tanto sociais como culturais, descontextualizados
da realidade de meninos e meninas, sem possibilidades para a implementação de um
currículo capaz de promover na educação e escola uma efetiva transformação nos
134
processos de ensino e aprendizagem com respeito a imensa pluralidade cultural presente
na escola.
O currículo nessa perspectiva deve se constituir como elo que une a cultura e a
[...] sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura
herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e
aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições. (SACRISTÁN,
1999, p. 61).
É no espaço escolar denominado de democrático que podem, e devem mesmo se
dar movimentos de luta e de enfrentamento. Quando do currículo caracterizado como um
campo de disputa de poder, uma pedagogia crítica, deve ser a política cultural que
potencialize, ressignifique e humanize esse currículo para que seja capaz de ser
propiciador da emancipação dos sujeitos, a partir de uma educação mais ampla e
equitativa, criando espaços de convivência humana com justiça social e cultural.
Assim, advogamos em busca não só no avanço da construção da qualidade da
educação. É preciso manter constante luta em prol da autonomia da escola, dos
educadores e educandos, respeitando a educação laica, crítica, libertadora e pluralista e
de espaços de resistência construídos nessa mesma escola. Só assim, será possível garantir
que a diversidade seja vista como algo a ser incorporado aos processos de ensino e
aprendizagem e não como problema a ser resolvido, sobretudo considerando a tradição
curricular e da nova implementação da BNCC homologada recentemente.
Mencionamos alguns pontos de convergência com relação ao conceito de
solidariedade no tocante a sua concepção, entre as proposições da BNCC e do Currículo
Crítico Comunicativo. De um lado solidariedade como algo pontual, desarticulado das
interações do cotidiano escolar e de outro, como elemento fundamental para superar as
desigualdades sociais e atitudes como o individualismo que são motivadas principalmente
por disputas de poder. A solidariedade só se concretiza, à medida que todos os agentes
educativos se mobilizam para promover o sucesso escolar de todos e todas, pois, partimos
do princípio que a aprendizagem melhora a medida que a interação do grupo aumenta por
mais que esse grupo apresente heterogeneidade marcante.
Isso revela que a escola na sociedade informacional não admite mais ver a
diversidade como problema e sim garantir o acolhimento e respeito da igualdade na
diferença. Significa dizer que a escola deve estar pautada por valores igualitários e não
apenas reconhecer como revela essa investigação, a diferença. Ao trazemos essa análise
136
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143
APÊNDICE
Considerando que elegemos para esta pesquisa a análise de conteúdo a partir da análise temática,
descrevemos abaixo os excertos acerca do conceito de diversidade, solidariedade e equidade.
Tabela 1 – achados da pesquisa sobre diversidade no documento oficial da BNCC/2017.
DIVERSIDADE
UNIDADES TEMÁTICAS PAGINA DESCRIÇÃO
COMPETÊNCIAS GERAIS DA
BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR
09 Valorizar a diversidade de
saberes e vivências culturais e
apropriar-se de conhecimentos e
experiências que lhe possibilitem
entender as relações próprias do
mundo do trabalho e fazer
escolhas alinhadas ao exercício
da cidadania e ao seu projeto de
vida, com liberdade, autonomia,
consciência crítica e
responsabilidade.
COMPETÊNCIAS GERAIS DA
BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR
10 Conhecer-se, apreciar-se e cuidar
de sua saúde física e emocional,
compreendendo-se na
diversidade humana e
reconhecendo suas emoções e as
dos outros, com autocrítica e
capacidade para lidar com elas.
COMPETÊNCIAS GERAIS DA
BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR
10 Exercitar a empatia, o diálogo, a
resolução de conflitos e a
cooperação, fazendo-se respeitar
e promovendo o respeito ao outro
e aos direitos humanos, com
acolhimento e valorização da
diversidade de indivíduos e de
grupos sociais, seus saberes,
identidades, culturas e
potencialidades, sem
preconceitos de qualquer
natureza.
OS MARCOS LEGAIS QUE
EMBASAM A BNCC
11 Em 2010, o CNE promulgou
novas DCN, ampliando e
organizando o conceito de
contextualização como “a
inclusão, a valorização das
diferenças e o atendimento à
pluralidade e à diversidade
cultural resgatando e respeitando
144
as várias manifestações de cada
comunidade”, conforme destaca
o Parecer CNE/CEB nº 7/20106.
O PACTO INTERFEDERATIVO E A
IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC
20 Base Nacional Comum
Curricular: igualdade,
diversidade e equidade
No Brasil, um país caracterizado
pela autonomia dos entes
federados, acentuada diversidade
cultural e profundas
desigualdades sociais, os
sistemas e redes de ensino devem
construir currículos, e as escolas
precisam elaborar propostas
pedagógicas que considerem as
necessidades, as possibilidades e
os interesses dos estudantes,
assim como suas identidades
linguísticas, étnicas e culturais.
BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR E CURRÍCULOS
20 Por fim, cabe aos sistemas e
redes de ensino, assim como às
escolas, em suas respectivas
esferas de autonomia e
competência, incorporar aos
currículos e às propostas
pedagógicas a abordagem de
temas contemporâneos que
afetam a vida humana em escala
local, regional e global,
preferencialmente de forma
transversal e integradora. Entre
esses temas, destacam-se:
direitos da criança e do
adolescente (Lei nº
8.069/199016), educação para o
trânsito (Lei nº 9.503/199717),
educação ambiental (Lei nº
9.795/1999, Parecer CNE/CP nº
14/2012 e Resolução CNE/CP nº
2/201218), educação alimentar e
nutricional (Lei nº
11.947/200919), processo de
envelhecimento, respeito e
valorização do idoso (Lei nº
10.741/200320), educação em
direitos humanos (Decreto nº
7.037/2009, Parecer CNE/CP nº
8/2012 e Resolução CNE/CP nº
1/201221), educação das
145
relações étnico-raciais e ensino
de história e cultura afro-
brasileira, africana e indígena
(Leis nº 10.639/2003 e
11.645/2008, Parecer CNE/CP nº
3/2004 e Resolução CNE/CP nº
1/200422), bem como saúde,
vida familiar e social, educação
para o consumo, educação
financeira e fiscal, trabalho,
ciência e tecnologia e diversidade
cultural (Parecer CNE/CEB nº
11/2010 e Resolução CNE/CEB
nº 7/201023). Na BNCC, essas
temáticas são contempladas em
habilidades dos componentes
curriculares, cabendo aos
sistemas de ensino e escolas, de
acordo com suas especificidades,
tratá-las de forma
contextualizada.
Grade que determina conteúdos para
EDUCAÇÃO BÁSICA/CIÊNCIAS
29 Corpo humano
Respeito à diversidade
/Comparar características físicas
entre os colegas, reconhecendo a
diversidade e a importância da
valorização, do acolhimento e do
respeito às diferenças.
A EDUCAÇÃO INFANTIL NO
CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
BÁSICA
34/35 Nessa direção, e para
potencializar as aprendizagens e
o desenvolvimento das crianças,
a prática do diálogo e o
compartilhamento de
responsabilidades entre a
instituição de Educação Infantil e
a família são essenciais. Além
disso, a instituição precisa
conhecer e trabalhar com as
culturas plurais, dialogando com
a riqueza/diversidade cultural das
famílias e da comunidade.
OS CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS/
Espaços, tempos, quantidades, relações
e transformações
40/41 Demonstram também
curiosidade sobre o mundo físico
(seu próprio corpo, os fenômenos
atmosféricos, os animais, as
plantas, as transformações da
natureza, os diferentes tipos de
materiais e as possibilidades de
sua manipulação etc.) e o mundo
146
sociocultural (as relações de
parentesco e sociais entre as
pessoas que conhece; como
vivem e em que trabalham essas
pessoas; quais suas tradições e
seus costumes; a diversidade
entre elas etc.).
SÍNTESE DAS APRENDIZAGENS/
O eu, o outro e o nós
52 Atuar em grupo e demonstrar
interesse em construir novas
relações, respeitando a
diversidade e solidarizando-se
com os outros.
O ENSINO FUNDAMENTAL NO
CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
BÁSICA
59/60 Em todas as etapas de
escolarização, mas de modo
especial entre os estudantes dessa
fase do Ensino Fundamental,
esses fatores frequentemente
dificultam a convivência
cotidiana e a aprendizagem,
conduzindo ao desinteresse e à
alienação e, não raro, à
agressividade e ao fracasso
escolar. Atenta a culturas
distintas, não uniformes nem
contínuas dos estudantes dessa
etapa, é necessário que a escola
dialogue com a diversidade de
formação e vivências para
enfrentar com sucesso os
desafios de seus propósitos
educativos. A compreensão dos
estudantes como sujeitos com
histórias e saberes construídos
nas interações com outras
pessoas, tanto do entorno social
mais próximo quanto do universo
da cultura midiática e digital,
fortalece o potencial da escola
como espaço formador e
orientador para a cidadania
consciente, crítica e participativa.
O ENSINO FUNDAMENTAL NO
CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
BÁSICA
63 Desenvolver o senso estético
para reconhecer, fruir e respeitar
as diversas manifestações
artísticas e culturais, das locais às
mundiais, inclusive aquelas
pertencentes ao patrimônio
cultural da humanidade, bem
como participar de práticas
diversificadas, individuais e
147
coletivas, da produção artístico-
cultural, com respeito à
diversidade de saberes,
identidades e culturas.
O ENSINO FUNDAMENTAL NO
CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
BÁSICA
68 Da mesma maneira, imbricada à
questão dos multiletramentos,
essa proposta considera, como
uma de suas premissas, a
diversidade cultural. Sem aderir a
um raciocínio classificatório
reducionista, que desconsidera as
hibridizações, apropriações e
mesclas, é importante
contemplar o cânone, o marginal,
o culto, o popular, a cultura de
massa, a cultura das mídias, a
cultura digital, as culturas
infantis e juvenis, de forma a
garantir uma ampliação de
repertório e uma interação e trato
com o diferente.
68 Da mesma maneira, imbricada à
questão dos multiletramentos,
essa proposta considera, como
uma de suas premissas, a
diversidade cultural. Sem aderir a
um raciocínio classificatório
reducionista, que desconsidera as
hibridizações, apropriações e
mesclas, é importante
contemplar o cânone, o marginal,
o culto, o popular, a cultura de
massa, a cultura das mídias, a
cultura digital, as culturas
infantis e juvenis, de forma a
garantir uma ampliação de
repertório e uma interação e trato
com o diferente.
68 Ainda em relação à diversidade
cultural, cabe dizer que se estima
que mais de 250 línguas são
faladas no país – indígenas, de
imigração, de sinais, crioulas e
afro-brasileiras, além do
português e de suas variedades.
Esse patrimônio cultural e
linguístico é desconhecido por
grande parte da população
brasileira.
148
68 Assim, é relevante no espaço
escolar conhecer e valorizar as
realidades nacionais e
internacionais da diversidade
linguística e analisar diferentes
situações e atitudes humanas
implicadas nos usos linguísticos,
como o preconceito linguístico.
Por outro lado, existem muitas
línguas ameaçadas de extinção
no país e no mundo, o que nos
chama a atenção para a
correlação entre repertórios
culturais e linguísticos, pois o
desaparecimento de uma língua
impacta significativamente a
cultura.
A demanda cognitiva das atividades de
leitura deve aumentar
progressivamente desde os anos
iniciais do Ensino Fundamental até o
Ensino Médio. Esta complexidade se
expressa pela articulação:
73 Da diversidade dos gêneros
textuais escolhidos e das práticas
consideradas em cada campo;
73 Da consideração da diversidade
cultural, de maneira a abranger
produções e formas de expressão
diversas, a literatura infantil e
juvenil, o cânone, o culto, o
popular, a cultura de massa, a
cultura das mídias, as culturas
juvenis etc., de forma a garantir
ampliação de repertório, além de
interação e trato com o diferente.
73/74 Por conta dessa natureza
repertorial, é possível tratar de
gêneros do discurso sugeridos em
outros anos que não os indicados.
Embora preveja certa progressão,
a indicação no ano visa antes
garantir uma distribuição
adequada em termos de
diversidades. Assim, se fizer
mais sentido que um gênero
mencionado e/ou habilidades a
ele relacionadas no 9º ano sejam
trabalhados no 8º, isso não
configura um problema, desde
que ao final do nível a
149
diversidade indicada tenha sido
contemplada.
76 Aqui, também, a escrita de um
texto argumentativo no 7º ano,
em função da mobilização frente
ao tema ou de outras
circunstâncias, pode envolver
análise e uso de diferentes tipos
de argumentos e movimentos
argumentativos, que podem estar
previstos para o 9º ano. Da
mesma forma, o manuseio de
uma ferramenta ou a produção de
um tipo de vídeo proposto para
uma apresentação oral no 9º ano
pode se dar no 6º ou 7º anos, em
função de um interesse que possa
ter mobilizado os alunos para
tanto. Nesse sentido, o manuseio
de diferentes ferramentas – de
edição de texto, de vídeo, áudio
etc. – requerido pela situação e
proposto ao longo dos diferentes
anos pode se dar a qualquer
momento, mas é preciso garantir
a diversidade sugerida ao longo
dos anos.
CAMPO ARTÍSTICO-LITERÁRIO 94 Campo de atuação relativo à
participação em situações de
leitura, fruição e produção de
textos literários e artísticos,
representativos da diversidade
cultural e linguística, que
favoreçam experiências estéticas.
Alguns gêneros deste campo:
lendas, mitos, fábulas, contos,
crônicas, canção, poemas,
poemas visuais, cordéis,
quadrinhos, tirinhas, charge/
cartum, dentre outros.
CAMPO ARTÍSTICO
LITERÁRIO/DAS HABILIDADES
95 Reconhecer que os textos
literários fazem parte do mundo
do imaginário e apresentam uma
dimensão lúdica, de
encantamento, valorizando-os,
em sua diversidade cultural,
como patrimônio artístico da
humanidade.
150
CAMPO ARTÍSTICO-LITERÁRIO: 154 O que está em jogo neste campo
é possibilitar às crianças,
adolescentes e jovens dos Anos
Finais do Ensino Fundamental o
contato com as manifestações
artísticas e produções culturais
em geral, e com a arte literária em
especial, e oferecer as condições
para que eles possam
compreendê-las e frui-las de
maneira significativa e,
gradativamente, crítica. Trata-se,
assim, de ampliar e diversificar
as práticas relativas à leitura, à
compreensão, à fruição e ao
compartilhamento das
manifestações artístico-literárias,
representativas da diversidade
cultural, linguística e semiótica,
por meio:
...da experimentação da arte e da
literatura como expedientes que
permitem (re )conhecer
diferentes maneiras de ser,
pensar, (re)agir, sentir e, pelo
confronto com o que é diverso,
desenvolver uma atitude de
valorização e de respeito pela
diversidade;
HABILIDADES 155
Aqui também a diversidade deve
orientar a
organização/progressão
curricular: diferentes gêneros,
estilos, autores e autoras –
contemporâneos, de outras
épocas, regionais, nacionais,
portugueses, africanos e de
outros países – devem ser
contemplados; o cânone, a
literatura universal, a literatura
juvenil, a tradição oral, o
multissemiótico, a cultura digital
e as culturas juvenis, dentre
outras diversidades, devem ser
consideradas, ainda que deva
haver um privilégio do
letramento da letra.
A MÚSICA 155 A ampliação e a produção dos
conhecimentos musicais passam
pela percepção, experimentação,
151
reprodução, manipulação e
criação de materiais sonoros
diversos, dos mais próximos aos
mais distantes da cultura musical
dos alunos. Esse processo lhes
possibilita vivenciar a música
inter-relacionada à diversidade e
desenvolver saberes musicais
fundamentais para sua inserção e
participação crítica e ativa na
sociedade.
O TEATRO 195 Para tanto, é preciso reconhecer a
diversidade de saberes,
experiências e práticas artísticas
como modos legítimos de pensar,
de experienciar e de fruir a Arte,
o que coloca em evidência o
caráter social e político dessas
práticas.
TEATRO/AINDA SOBRE AS
HABILIDADES
201 Descobrir teatralidades na vida
cotidiana, identificando
elementos teatrais (variadas
entonações de voz, diferentes
fisicalidades, diversidade de
personagens e narrativas etc.).
EDUCAÇÃO FÍSICA 217 Em Ginásticas, a organização dos
objetos de conhecimento se dá
com base na diversidade dessas
práticas e nas suas
características. Em Esportes, a
abordagem recai sobre a sua
tipologia (modelo de
classificação), enquanto Práticas
corporais de aventura se estrutura
nas vertentes urbana e na
natureza.
HABILIDADES/EDUCAÇÃO
FÍSICA
235 Experimentar, fruir e recriar
danças de salão, valorizando a
diversidade cultural e
respeitando a tradição dessas
culturas.
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE
LÍNGUA INGLESA PARA O
ENSINO FUNDAMENTAL
244 Elaborar repertórios linguístico-
discursivos da língua inglesa,
usados em diferentes países e por
grupos sociais distintos dentro de
um mesmo país, de modo a
reconhecer a diversidade
linguística como direito e
valorizar os usos heterogêneos,
híbridos e multimodais
152
emergentes nas sociedades
contemporâneas.
EIXO DIMENSÃO
INTERCULTURAL/6º
248 Reflexão sobre aspectos relativos
à interação entre culturas (dos
alunos e aquelas relacionadas a
demais falantes de língua
inglesa), de modo a favorecer o
convívio, o respeito, a superação
de conflitos e a valorização da
diversidade entre os povos.
EIXO DIMENSÃO
INTERCULTURAL/7º
252 Reflexão sobre aspectos relativos
à interação entre culturas (dos
alunos e aquelas relacionadas a
demais falantes de língua
inglesa), de modo a favorecer o
convívio, o respeito, a superação
de conflitos e a valorização da
diversidade entre os povos.
EIXO DIMENSÃO
INTERCULTURAL/8º
256 Reflexão sobre aspectos relativos
à interação entre culturas (dos
alunos e aquelas relacionadas a
demais falantes de língua
inglesa), de modo a favorecer o
convívio, o respeito, a superação
de conflitos e a valorização da
diversidade entre os povos.
Das habilidades 257 Construir repertório cultural por
meio do contato com
manifestações artístico-culturais
vinculadas à língua inglesa (artes
plásticas e visuais, literatura,
música, cinema, dança,
festividades, entre outros),
valorizando a diversidade entre
culturas.
EIXO DIMENSÃO
INTERCULTURAL/9º
260 Reflexão sobre aspectos relativos
à interação entre culturas (dos
alunos e aquelas relacionadas a
demais falantes de língua
inglesa), de modo a favorecer o
convívio, o respeito, a superação
de conflitos e a valorização da
diversidade entre os povos.
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE
MATEMÁTICA PARA O ENSINO
FUNDAMENTAL
265 Desenvolver e/ou discutir
projetos que abordem, sobretudo,
questões de urgência social, com
base em princípios éticos,
democráticos, sustentáveis e
solidários, valorizando a
153
diversidade de opiniões de
indivíduos e de grupos sociais,
sem preconceitos de qualquer
natureza.
A ÁREA DE CIÊNCIAS DA
NATUREZA
319 Em outras palavras, apreender
ciência não é a finalidade última
do letramento, mas, sim, o
desenvolvimento da capacidade
de atuação no e sobre o mundo,
importante ao exercício pleno da
cidadania. Nessa perspectiva, a
área de Ciências da Natureza, por
meio de um olhar articulado de
diversos campos do saber,
precisa assegurar aos alunos do
Ensino Fundamental o acesso à
diversidade de conhecimentos
científicos produzidos ao longo
da história, bem como a
aproximação gradativa aos
principais processos, práticas e
procedimentos da investigação
científica.
AINDA NA ÁREA DE CIÊNCIAS
DA NATUREZA
320 Ao contrário, pressupõe
organizar as situações de
aprendizagem partindo de
questões que sejam desafiadoras
e, reconhecendo a diversidade
cultural, estimulem o interesse e
a curiosidade científica dos
alunos e possibilitem definir
problemas, levantar, analisar e
representar resultados;
comunicar conclusões e propor
intervenções.
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE
CIÊNCIAS DA NATUREZA PARA O
ENSINO FUNDAMENTAL
322 5. Construir argumentos com
base em dados, evidências e
informações confiáveis e
negociar e defender ideias e
pontos de vista que promovam a
consciência socioambiental e o
respeito a si próprio e ao outro,
acolhendo e valorizando a
diversidade de indivíduos e de
grupos sociais, sem preconceitos
de qualquer natureza.
6. Utilizar diferentes linguagens
e tecnologias digitais de
informação e comunicação para
154
se comunicar, acessar e
disseminar informações,
produzir conhecimentos e
resolver problemas das Ciências
da Natureza de forma crítica,
significativa, reflexiva e ética.
7. Conhecer, apreciar e cuidar de
si, do seu corpo e bem-estar,
compreendendo-se na
diversidade humana, fazendo-se
respeitar e respeitando o outro,
recorrendo aos conhecimentos
das Ciências da Natureza e às
suas tecnologias.
CIÊNCIAS 323 Ao estudar Ciências, as pessoas
aprendem a respeito de si
mesmas, da diversidade e dos
processos de evolução e
manutenção da vida, do mundo
material – com os seus recursos
naturais, suas transformações e
fontes de energia –, do nosso
planeta no Sistema Solar e no
Universo e da aplicação dos
conhecimentos científicos nas
várias esferas da vida humana.
Essas aprendizagens, entre
outras, possibilitam que os
alunos compreendam, expliquem
e intervenham no mundo em que
vivem.
AINDA CIÊNCIAS 324 A unidade temática Vida e
evolução propõe o estudo de
questões relacionadas aos seres
vivos (incluindo os seres
humanos), suas características e
necessidades, e a vida como
fenômeno natural e social, os
elementos essenciais à sua
manutenção e à compreensão dos
processos evolutivos que geram a
diversidade de formas de vida no
planeta. Estudam-se
características dos ecossistemas
destacando-se as interações dos
seres vivos com outros seres
vivos e com os fatores não vivos
do ambiente, com destaque para
as interações que os seres
155
humanos estabelecem entre si e
com os demais seres vivos e
elementos não vivos do
ambiente. Abordam-se, ainda, a
importância da preservação da
biodiversidade e como ela se
distribui nos principais
ecossistemas brasileiros.
AINDA CIÊNCIAS
325 Nos anos iniciais, pretende-se
que, em continuidade às
abordagens na Educação Infantil,
as crianças ampliem os seus
conhecimentos e apreço pelo seu
corpo, identifiquem os cuidados
necessários para a manutenção da
saúde e integridade do organismo
e desenvolvam atitudes de
respeito e acolhimento pelas
diferenças individuais, tanto no
que diz respeito à diversidade
étnico-cultural quanto em relação
à inclusão de alunos da educação
especial.
Continua CIÊNCIAS.... 327
De forma similar, a compreensão
do que seja sustentabilidade
pressupõe que os alunos, além de
entenderem a importância da
biodiversidade para a
manutenção dos ecossistemas e
do equilíbrio dinâmico
socioambiental, sejam capazes
de avaliar hábitos de consumo
que envolvam recursos naturais e
artificiais e identifiquem relações
dos processos atmosféricos,
geológicos, celestes e sociais
com as condições necessárias
para a manutenção da vida no
planeta.
CIÊNCIAS – 1º ANO/OBJETOS DO
CONHECIMENTO
330 Respeito à diversidade
DAS HABILIDADES 331
Comparar características físicas
entre os colegas, reconhecendo a
diversidade e a importância da
valorização, do acolhimento e do
respeito às diferenças.
CIÊNCIAS – 7º ANO/OBJETOS DO
CONHECIMENTO
344 Diversidade de ecossistemas
156
HABILIDADES 9º ano 349 Associar os gametas à
transmissão das características
hereditárias, estabelecendo
relações entre ancestrais e
descendentes.
Discutir as ideias de Mendel
sobre hereditariedade (fatores
hereditários, segregação,
gametas, fecundação),
considerando-as para resolver
problemas envolvendo a
transmissão de características
hereditárias em diferentes
organismos.
Comparar as ideias
evolucionistas de Lamarck e
Darwin apresentadas em textos
científicos e históricos,
identificando semelhanças e
diferenças entre essas ideias e sua
importância para explicar a
diversidade biológica.
Discutir a evolução e a
diversidade das espécies com
base na atuação da seleção
natural sobre as variantes de uma
mesma espécie, resultantes de
processo reprodutivo.
Justificar a importância das
unidades de conservação para a
preservação da biodiversidade e
do patrimônio nacional,
considerando os diferentes tipos
de unidades (parques, reservas e
florestas nacionais), as
populações humanas e as
atividades a eles relacionados.
Propor iniciativas individuais e
coletivas para a solução de
problemas ambientais da cidade
ou da comunidade, com base na
análise de ações de consumo
consciente e de sustentabilidade
bem-sucedidas.
A ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS 351 e 352 A área de Ciências Humanas
contribui para que os alunos
desenvolvam a cognição in situ,
ou seja, sem prescindir da
contextualização marcada pelas
noções de tempo e espaço,
157
conceitos fundamentais da área.
Cognição e contexto são, assim,
categorias elaboradas
conjuntamente, em meio a
circunstâncias históricas
específicas, nas quais a
diversidade humana deve ganhar
especial destaque, com vistas ao
acolhimento da diferença. O
raciocínio espaço-temporal
baseia-se na ideia de que o ser
humano produz o espaço em que
vive, apropriando-se dele em
determinada circunstância
histórica. A capacidade de
identificação dessa circunstância
impõe-se como condição para
que o ser humano compreenda,
interprete e avalie os significados
das ações realizadas no passado
ou no presente, o que o torna
responsável tanto pelo saber
produzido quanto pelo controle
dos fenômenos naturais e
históricos dos quais é agente.
As Ciências Humanas devem,
assim, estimular uma formação
ética, elemento fundamental para
a formação das novas gerações,
auxiliando os alunos a construir
um sentido de responsabilidade
para valorizar: os direitos
humanos; o respeito ao ambiente
e à própria coletividade; o
fortalecimento de valores sociais,
tais como a solidariedade, a
participação e o protagonismo
voltados para o bem comum; e,
sobretudo, a preocupação com as
desigualdades sociais. Cabe,
ainda, às Ciências Humanas
cultivar a formação de alunos
intelectualmente autônomos,
com capacidade de articular
categorias de pensamento
histórico e geográfico em face de
seu próprio tempo, percebendo as
experiências humanas e
refletindo sobre elas, com base na
diversidade de pontos de vista.
158
Os conhecimentos específicos na
área de Ciências Humanas
exigem clareza na definição de
um conjunto de objetos de
conhecimento que favoreçam o
desenvolvimento de habilidades
e que aprimorem a capacidade de
os alunos pensarem diferentes
culturas e sociedades, em seus
tempos históricos, territórios e
paisagens (compreendendo
melhor o Brasil, sua diversidade
regional e territorial). E também
que os levem a refletir sobre sua
inserção singular e responsável
na história da sua família,
comunidade, nação e mundo.
A ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS 354
Progressivamente, ao longo do
Ensino Fundamental – Anos
Finais, o ensino favorece uma
ampliação das perspectivas e,
portanto, de variáveis, tanto do
ponto de vista espacial quanto
temporal. Isso permite aos alunos
identificar, comparar e conhecer
o mundo, os espaços e as
paisagens com mais detalhes,
complexidade e espírito crítico,
criando condições adequadas
para o conhecimento de outros
lugares, sociedades e
temporalidades históricas. Nessa
fase, as noções de temporalidade,
espacialidade e diversidade são
abordadas em uma perspectiva
mais complexa, que deve levar
em conta a perspectiva dos
direitos humanos.
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE
CIÊNCIAS HUMANAS PARA O
ENSINO FUNDAMENTAL
355 4. Interpretar e expressar
sentimentos, crenças e dúvidas
com relação a si mesmo, aos
outros e às diferentes culturas,
com base nos instrumentos de
investigação das Ciências
Humanas, promovendo o
acolhimento e a valorização da
diversidade de indivíduos e de
grupos sociais, seus saberes,
identidades, culturas e
potencialidades, sem
159
preconceitos de qualquer
natureza.
GEOGRAFIA- QUADRO 1 –
DESCRIÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO
RACIOCÍNIO GEOGRÁFICO
358 Ao utilizar corretamente os
conceitos geográficos,
mobilizando o pensamento
espacial e aplicando
procedimentos de pesquisa e
análise das informações
geográficas, os alunos podem
reconhecer: a desigualdade dos
usos dos recursos naturais pela
população mundial; o impacto da
distribuição territorial em
disputas geopolíticas; e a
desigualdade socioeconômica da
população mundial em diferentes
contextos urbanos e rurais. Desse
modo, a aprendizagem da
Geografia favorece o
reconhecimento da diversidade
étnico-racial e das diferenças dos
grupos sociais, com base em
princípios éticos (respeito à
diversidade e combate ao
preconceito e à violência de
qualquer natureza). Ela também
estimula a capacidade de
empregar o raciocínio geográfico
para pensar e resolver problemas
gerados na vida cotidiana,
condição fundamental para o
desenvolvimento das
competências gerais previstas na
BNCC.
GEOGRAFIA – 4º ANO/OBJETOS
DO CONHECIMENTO
374 Território e diversidade cultural
Processos migratórios no Brasil
Instâncias do poder público e
canais de participação social
HABILIDADES GEOGRAFIA 7º
ANO
385 Analisar a distribuição territorial
da população brasileira,
considerando a diversidade
étnico-cultural (indígena,
africana, europeia e asiática),
assim como aspectos de renda,
sexo e idade nas regiões
brasileiras.
GEOGRAFIA – 8º ANO/OBJETOS
DO CONHECIMENTO
386 Distribuição da população
mundial e deslocamentos
populacionais. Diversidade e
160
dinâmica da população mundial e
local
HABILIDADES-8º ANO 387 Relacionar fatos e situações
representativas da história das
famílias do Município em que se
localiza a escola, considerando a
diversidade e os fluxos
migratórios da população
mundial.
HISTÓRIA 398 Nesse contexto, um dos
importantes objetivos de História
no Ensino Fundamental é
estimular a autonomia de
pensamento e a capacidade de
reconhecer que os indivíduos
agem de acordo com a época e o
lugar nos quais vivem, de forma
a preservar ou transformar seus
hábitos e condutas. A percepção
de que existe uma grande
diversidade de sujeitos e histórias
estimula o pensamento crítico, a
autonomia e a formação para a
cidadania.
E CONTINUA... 399 Todas essas considerações de
ordem teórica devem considerar
a experiência dos alunos e
professores, tendo em vista a
realidade social e o universo da
comunidade escolar, bem como
seus referenciais históricos,
sociais e culturais. Ao promover
a diversidade de análises e
proposições, espera-se que os
alunos construam as próprias
interpretações, de forma
fundamentada e rigorosa.
Convém destacar as temáticas
voltadas para a diversidade
cultural e para as múltiplas
configurações identitárias,
destacando-se as abordagens
relacionadas à história dos povos
indígenas originários e africanos.
Ressalta-se, também, na
formação da sociedade brasileira,
a presença de diferentes povos e
culturas, suas contradições
sociais e culturais e suas
161
articulações com outros povos e
sociedades.
E CONTINUA... 401 Essa análise se amplia no 5º ano,
cuja ênfase está em pensar a
diversidade dos povos e culturas
e suas formas de organização. A
noção de cidadania, com direitos
e deveres, e o reconhecimento da
diversidade das sociedades
pressupõem uma educação que
estimule o convívio e o respeito
entre os povos.
HISTÓRIA – 1º ANO/OBJETO DE
CONHECIMENTO
404 A escola e a diversidade do grupo
social envolvido
HISTÓRIA – 5º ANO/OBJETO DE
CONHECIMENTO
412 O que forma um povo: do
nomadismo aos primeiros povos
sedentarizados. As formas de
organização social e política: a
noção de Estado (O papel das
religiões e da cultura para a
formação dos povos antigos
Cidadania, diversidade cultural e
respeito às diferenças sociais,
culturais e históricas.
HISTÓRIA HABILIDADES 7º ANO 421 Identificar a distribuição
territorial da população brasileira
em diferentes épocas,
considerando a diversidade
étnico-racial e étnico-cultural
(indígena, africana, europeia e
asiática).
HISTÓRIA HABILIDADES 8º ANO 424 Identificar, comparar e analisar a
diversidade política, social e
regional nas rebeliões e nos
movimentos contestatórios ao
poder centralizado.
HISTÓRIA HABILIDADES 9º ANO
427 Identificar as transformações
ocorridas no debate sobre as
questões da diversidade no Brasil
durante o século XX e
compreender o significado das
mudanças de abordagem em
relação ao tema.
A ÁREA DE ENSINO RELIGIOSO Ao longo da história da educação
brasileira, o Ensino Religioso
assumiu diferentes perspectivas
teórico-metodológicas,
geralmente de viés confessional
ou interconfessional. A partir da
162
década de 1980, as
transformações socioculturais
que provocaram mudanças
paradigmáticas no campo
educacional também impactaram
no Ensino Religioso. Em função
dos promulgados ideais de
democracia, inclusão social e
educação integral, vários setores
da sociedade civil passaram a
reivindicar a abordagem do
conhecimento religioso e o
reconhecimento da diversidade
religiosa no âmbito dos
currículos escolares. A
Constituição Federal de 1988
(artigo 210) e a LDB nº
9.394/1996 (artigo 33, alterado
pela Lei nº 9.475/1997)
estabeleceram os princípios e os
fundamentos que devem
alicerçar epistemologias e
pedagogias do Ensino Religioso,
cuja função educacional,
enquanto parte integrante da
formação básica do cidadão, é
assegurar o respeito à diversidade
cultural religiosa, sem
proselitismos. Mais tarde, a
Resolução CNE/CEB nº 04/2010
e a Resolução CNE/CEB nº
07/2010 reconheceram o Ensino
Religioso como uma das cinco
áreas de conhecimento do Ensino
Fundamental de 09 (nove)
anos51.
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE
ENSINO RELIGIOSO PARA O
ENSINO FUNDAMENTAL
435 4.Conviver com a diversidade de
crenças, pensamentos,
convicções, modos de ser e viver.
HABILIDADES ENSINO
RELIGIOSO – 1º ANO
440 Valorizar a diversidade de
formas de vida.
HABILIDADES ENSINO
RELIGIOSO 6º ANO
451 Reconhecer e valorizar a
diversidade de textos religiosos
escritos (textos do Budismo,
Cristianismo, Espiritismo,
Hinduísmo, Islamismo,
Judaísmo, entre outros).
163
Tabela 2 – achados da pesquisa sobre solidariedade no documento oficial da BNCC/2017.
CAMPO DE EXPERIÊNCIAS “O EU, O OUTRO E O NÓS” - Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)
Demonstrar atitudes de cuidado e solidariedade na interação com crianças e adultos.
EDUCAÇÃO FÍSICA – 6º E 7º ANOS/ HABILIDADES
Problematizar preconceitos e estereótipos relacionados ao universo das lutas e demais práticas corporais, propondo alternativas para superá-los, com base na solidariedade, na justiça, na equidade e no respeito.
CIÊNCIAS NO ENSINO FUNDAMENTAL – ANOS FINAIS: UNIDADES TEMÁTICAS, OBJETOS DE CONHECIMENTO E HABILIDADES
Nos anos finais do Ensino Fundamental, a exploração das vivências, saberes, interesses e curiosidades dos alunos sobre o mundo natural e material continua sendo fundamental. Todavia, ao longo desse percurso, percebem-se uma ampliação progressiva da capacidade de abstração e da autonomia de ação e de pensamento, em especial nos últimos anos, e o aumento do interesse dos alunos pela vida social e pela busca de uma identidade própria. Essas características possibilitam a eles, em sua formação científica, explorar aspectos mais complexos das relações consigo mesmos, com os outros, com a natureza, com as tecnologias e com o ambiente; ter consciência dos valores éticos e políticos envolvidos nessas relações; e, cada vez mais, atuar socialmente com respeito, responsabilidade, solidariedade, cooperação e repúdio à discriminação.
A ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS
As Ciências Humanas devem, assim, estimular uma formação ética elemento fundamental para a formação das novas gerações, auxiliando os alunos a construir
164
um sentido de responsabilidade para valorizar: os direitos humanos; o respeito ao ambiente e à própria coletividade; o fortalecimento de valores sociais, tais como a solidariedade, a participação e o protagonismo voltados para o bem comum; e, sobretudo, a preocupação com as desigualdades sociais. Cabe, ainda, às Ciências Humanas cultivar a formação de alunos intelectualmente autônomos, com capacidade de articular categorias de pensamento histórico e geográfico em face de seu próprio tempo, percebendo as experiências humanas e refletindo sobre elas, com base na diversidade de pontos de vista.
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE HISTÓRIA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL
Analisar e compreender o movimento de populações e mercadorias no tempo e no espaço e seus significados históricos, levando em conta o respeito e a solidariedade com as diferentes populações.
165
Tabela 3 – achados da pesquisa sobre equidade no documento oficial da BNCC/2017.
APRESENTAÇÃO A BNCC expressa o
compromisso do Estado
Brasileiro com a promoção de
uma educação integral voltada ao
acolhimento, reconhecimento e
desenvolvimento pleno de todos
os estudantes, com respeito às
diferenças e enfrentamento à
discriminação e ao preconceito.
Assim, para cada uma das redes
de ensino e das instituições
escolares, este será um
documento valioso tanto para
adequar ou construir seus
currículos como para reafirmar o
compromisso de todos com a
redução das desigualdades
educacionais no Brasil e a
promoção da equidade e da
qualidade das aprendizagens dos
estudantes brasileiros.
O pacto interfederativo e a
implementação da BNCC – Base
Nacional Comum Curricular:
igualdade, diversidade e equidade
Diante desse quadro, as decisões
curriculares e didático-
pedagógicas das Secretarias de
Educação, o planejamento do
trabalho anual das instituições
escolares e as rotinas e os eventos
do cotidiano escolar devem levar
em consideração a necessidade
de superação dessas
desigualdades. Para isso, os
sistemas e redes de ensino e as
instituições escolares devem se
planejar com um claro foco na
equidade, que pressupõe
reconhecer que as necessidades
dos estudantes são diferentes.
...continua De forma particular, um
planejamento com foco na
equidade também exige um claro
compromisso de reverter a
situação de exclusão histórica
que marginaliza grupos – como
os povos indígenas originários e
as populações das comunidades
166
remanescentes de quilombos e
demais afrodescendentes – e as
pessoas que não puderam estudar
ou completar sua escolaridade na
idade própria. Igualmente, requer
o compromisso com os alunos
com deficiência, reconhecendo a
necessidade de práticas
pedagógicas inclusivas e de
diferenciação curricular,
conforme estabelecido na Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Lei nº
13.146/2015)14.
EDUCAÇÃO FÍSICA – 6º E 7º ANOS Problematizar preconceitos e
estereótipos relacionados ao
universo das lutas e demais
práticas corporais, propondo
alternativas para superá-los, com
base na solidariedade, na justiça,
na equidade e no respeito.