a ciência da música

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Pesquisa FAPESP - Ed. 89

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Page 1: A Ciência da Música
Page 2: A Ciência da Música

.,....---------------------------~----~----~- ~~--~---~~~

25 anos de tradição em.Pós-Graduação stricto sensu

A Universidade Metodista de São Paulo completa 25 anos de tradição emprogramas de Pós-Graduação stricto sensu.Ao programa pioneiro implantado - Comunicação Social - somam-se as áreas deAdministração, Ciências da Religião, Educação, Odontologia e Psicologiada Saúde, todos reconhecidos e consagrados pela formação de pesquisadorese produção do conhecimento.Ambiente moderno, com salas de aula, laboratório de informática, auditório, alémdas instalações da Catédra UNESCOde Comunicação para o Desenvolvimento Regional.Conte com a tradição e a excelência da Metodista.

• Administraçãomestrado (novo projeto em tramitação)

• Ciências da Religiãomestrado/doutorado

• Comunicação Socialmestrado/doutorado

• Educaçãomestrado

• Odontologiamestrado JIl Universidadee~~~?u~ista

Desde 1938

• Psicologia da Saúdemestrado7doutorado

[email protected]·www.metodista.br . Tel.: (11) 4366 5549

Page 3: A Ciência da Música

•Pesql!!!i8 Ciência e Tecnologia no Brasil

www.revlstapesqulsa.tapesp.br

SEÇÕES

CARTAS 5

OPINIÃO 6Fernando Peregrino

CARTA DO EDITOR 7

MEMÓRIA 8Há 40 anos começava, na prática,o programa espacial brasileiro

ESTRATÉGIASO resgate dos tesouros saqueados 10

Colapso na ciência venezuelana 10Ervas na berlinda 10Colômbia contra a mosca de mandioca 11Ciência na web 12Defesa de patentes na arena da saúde 12Velha doença, novo esforço 12Linha direta com pesquisadores europeus 13Tecnologia em debate na Câmara 13Paraná pronto para o biodiesel 13Governo renova contrato com o CGEE 13Porto Digital em expansão 14

----.__ L---'\ArPrêmio para Hamburger 14Ensinandoa plantar caju 14Fapemig suspendeconcessãode bolsas 14A conexão Maranhão-Ucrânia 15Revista resgata Adolpho Lutz 15FAPs serão parceiras do Pronex 15

REPORTAGENS

CAPAInstituto virtual de música e ciênciapesquisa formas experimentaisde compor e tocar 80

POLÍTICA CIENTÍFICAE TECNOLÓGICA

I

INOVAÇÃO

Impostos pagos por empresassuperam valor dosinvestimentos públicos 16

CONSÓRCIOS SETORIAISUniversidade e empresasinvestem para fortalecerexportações 20

MEIO AMBIENTEProjeto visa a legalizar loteamentosclandestinos sem comprometera qualidade da água 22

DIVULGAÇÃOFAPESP avalia impactode seus programas ecria agência de notícias 26

CIÊNCIA

FISIOLOGIA

Por que os esportistas têm maisresistência contra infecções etumores que os sedentários ... 32

MEDICINACélulas-tronco são usadasexperimentalmente contradoenças auto-imunese lesões no cérebro 38

IMUNOLOGIAAvançam as pesquisasde uma vacina para tratar micosetípica da América Latina ..... 40

BIOQUÍMICABolsa armazena cálcio e permiteao parasita causador da maláriase reproduzir facilmente ..... 43

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 3

Page 4: A Ciência da Música

____________ ....::P:........;e::....:s::..quisa Ciência e Tecnologia no Brasil'APESP

SEÇÕES

LABORATÓRIOUm artifício para contar elétrons 28Os mais antigos homens modernos 28Osbenefícios da poeira no ar 28Estratégia contra a tuberculose 29As estrelas de brilho variável 29

O aço unido ao diamante 29O alerta da balança 30Febre maculosa volta a preocupar 30Mercúrio contamina indios em Rondônia 30O sofrimento de parar de fumar 31Ossode boi para implantes 31

SCIELO NOTíCIAS 58

LINHA DE PRODUÇÃOConcha inspira novo material 60Uma liga metálica muito estranha 60Avança na Europa a telemedicina 60Alarme contra agentes tóxicos 61Vedação impede perdas nos dutos 61Plantas controladas 61Vacina comercial contra carrapato 62

Volta às origens na construção 62Negócios em busca de capital de risco 62Projetos brasileiros recebem prêmio 62Aparelho alerta sobre riscos de raios 63Patentes 63

RESENHA 94Entre Passos e Rastros, de Berta Waldman

LANÇAMENTOS 95

CLASSIFICADOS 96

ARTE FINAL 98Claudius

4 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

REPORTAGENS

ECOLOGIABiólogos do Rio avaliamo grau de destruiçãode 17 restingas 44

BOTÃNICAIngleses encontram amostrasde palmeiras enviadasdo Pará há 155 anos 48

AGRONOMIA

Modelo brasileiro de classificaçãode climas qualificacem regiões produtorasde vinho de 30 países 50

COSMOLOGIAAstrofísicos descrevem evoluçãode jatos de gases com 10 anos-luzde comprimento 54

TECNOLOGIA

QUÍMICA

Resíduos de laboratórios sãoreaproveitados em outraslinhas de pesquisa apósserem reciclados 64

BIOMATERIALCurativo de hidrogel diminuidor de queimaduras, evitaressecamento da pelee combate bactérias 68

ENGENHARIA METALÚRGICANova metodologia desenvolvidapelo IPT analisa equipamentode petroquímicas 70

ENGENHARIA ELÉTRICAEmpresa desenvolve sistemaspara mapeamento aéreoe rastreamento de cargas .... 72

BIOINFORMÁTICAAnálise das alterações emnucleotídeos é tema do primeirosoftware comercial da Scylla .. 76

FARMÁCIAM icroesferas biodegradáveise implantes oculareseliminam as injeções 78

,

HUMANIDADES

ENTREVISTA

José Arthur Giannottifala sobre a monopolizaçãoda tecnociência 86

ARTES PLÁSTICAS

Pesquisa produz catálogo das obrasde Iberê Camargo 91

Capa e ilustração: Hélio de Almeida

Page 5: A Ciência da Música

Coração restaurado

Foi com alegria que li o artigopublicado na revista Pesquisa FA-PESP "Coração Restaurado" (ediçãon? 88). Os resultados apresentadosdemonstram a viabilidade da terapiapor meio de células-tronco prove-nientes da medula óssea de adultos.Eles dão esperança para pessoas por-tadoras de doenças como as distro-fias musculares progressivas (DMPs),caracterizadas pela degeneração pro-gressiva e irreversível da musculaturaesquelética. Gostaria de transmitirminha satisfação e das pessoas liga-das ao Centro de Terapia Gênica daAADM (Associação de Apoio a Dis-trofia Muscular) em Ribeirão Preto.

GREGO RIO GUIMARÃES

Iaboticabal, SP

Epiderme sensível

Não entendemos a razão da pu-blicação da reportagem "À Flor daPele" (edição nv 88), que versa sobre"cremes de beleza e estímulos de re-giões cerebrais em mulheres com epi-derme sensível': Não vemos nenhumarazão para uma revista que apresentaos trabalhos de um órgão oficial pu-blicar resultados de pesquisas de la-boratórios privados e, principalmen-te, não acreditamos ser esse tipo depesquisa que a FAPESP financia noEstado, cujos problemas dermatoló-gicos são a hanseníase, a leishmanio-se cutâneo-mucosa e outras enfermi-dades que incidem em povos depaíses pobres.

VIDAL HADDAD JÚNIOR

Departamento de Dermatologiae Radioterapia da Faculdade

de Medicina de Botucatu/UnespBotucatu, SP

Nota da Redação: Pesquisa FAPESPnão apresenta apenas os trabalhos deum órgão oficial. Publica também re-sultados de bons projetos de pesquisacientífica e tecnológica desenvolvidos

[email protected]

em todo o Brasil e, eventualmente, noexterior. A revista abre sempre espaçopara resultados de projetos de inovaçãotecnológica - uma modalidade de pro-jeto feito essencialmente na empresa.

Portões de Veneza

A matéria sobre Veneza ("ParaNão Submergir': edição nv 87) dá aentender que o megaprojeto de insta-lar portões móveis nas três entradasda laguna é a única alternativa paraevitar o fenômeno das acque alte, quecom cada vez maior freqüência teminundado a Piazza San Marco e mes-mo as partes mais altas da cidade. Naverdade, o projeto não só é muitocontrovertido como tem sido contes-tado por várias entidades. A aliançapropõe um projeto "verde" que pre-tende restaurar alguns dos processosnaturais da laguna. Em vez dos por-tões, a alternativa propõe, entre ou-tras medidas, reduzir a profundidadedos canais que fecham a laguna e re-fazer parcialmente a morfologia dalaguna, a um custo muitíssimo me-nor que o necessário para os diquesmóveis. Aliás, o megaprojeto terá ele-vados custos de manutenção, ao c;on-trário do projeto alternativo.

LUIS ENRIQUE SÁNCHEZ

Escola Politécnica da USP

Idosos

Venho parabenizá-los pela exce-lente matéria intitulada "Retratos doEntardecer" (edição nv 87), em quedestaca os idosos. Verifiquei o cui-dado no levantamento de dados, fa-tos e sugestões. Fiquei feliz quandofoi mencionada a creche para idoso,projeto que apresentei em 2001, eque no início de 2003 passou a ser leina cidade do Rio de Janeiro. Tenholutado pelos idosos, uma luta árdua,mas gratificante.

JORGE MAURO (VEREADOR)

Rio de Janeiro, RJ

Correções

O nome do autor de O Ateu Vir-tuoso: Materialismo eMoral em Diderot(edição nv 88) é Paulo lonas de LimaPiva e não Paulo lonas de Lima Paiva.

O nome correto do químico daUniversidade Federal de Pernam-buco (UFPE), que também realizatrabalhos com biologia molecular, eassina o livro Watson & Crick, parteda coleção Imortais da Ciência, é Ri-cardo Ferreira e não Ricardo Pereira,como foi publicado na edição 87.

Em "Inimigos Valiosos" (na edi-ção 87), os dados sobre a intensidadeda infestação da broca na cana-de-açúcar estão errados. As perdas em1% da plantação correspondem de20 a 30 quilos de açúcar por hectaredependendo da variedade de cana, enão 212 quilos por 85 toneladas (ou2,4 quilos por tonelada). A infestaçãoem 10% da plantação equivale à per-da de 200 a 300 quilos de açúcar porhectare e não 2.125 quilos.

Porto Velho é capital de Rondô-nia e não do Acre, como publicadona página 33 da edição nO87.

Na reportagem "Dureza Extra noAr" (edição nv 85), dois pesquisa-dores constaram como pertencentesaos quadros do Departamento deEngenharia de Sistema Eletrônicosda Poli-USP' Na realidade, GiuseppeAntônio Cirino trabalha na Ele-troPPAr Indústria Eletrônica e Luísda Silva Zambom é professor da Fa-culdade de Tecnologia de São Paulodo Centro Estadual de Educação Tec-nológica Paula Souza, em São Paulo.

Cartas para esta revista devem ser enviadas parao e-rnail [email protected], pelo fax (Ll) 3838-4181ou para a Rua Pio Xl, 1.500, São Paulo, SP,CEP 05468-901. As cartas poderão serresumidas por motivo de espaço e clareza.

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 5

Page 6: A Ciência da Música

OPINIÃO

FERNANDO PEREGRINO

Um pacto federativo pela ciência

Devemos ter cooperação entre todas as regiões do país

"Mais de 60%de nossa

produção científicae tecnológicase concentra

no eixodo Sudeste"

Não há como negar que o Brasil é um país desi-gual. Não apenas do ponto de vista da concen-tração de renda, que o põe na vergonhosa po-

siçãode antepenúltimo lugar no ranking das nações, emtermos de Índice de Gini, segundo relatório da ONU,como também em desigualdades regionais. Assim o ca-pitalismo se desenvolveu em nosso território. Concen-trando o seu desenvolvimento na re-gião Sudeste em detrimento de estadosde regiões como o Nordeste, Norte eCentro-Oeste. Com nosso complexocientífico e tecnológico, ainda que me-ritórios esforçose importantes conquis-tas tenham sido realizadas contra tal, ofenômeno aconteceu do mesmo mo-do. Sem aprofundar as razões políticasde tal concentração e desequilíbrio,vale a pena discutir um pouco essa as-simetria. Fato é que mais de 60% denossa produção científica e tecnológi-ca se concentra no eixo do Sudeste.

O Fórum dos Secretários de Ciên-cia e Tecnologiatem se debruçado comprioridade sobre essa questão. Emprimeiro lugar, por estar em condi-ção privilegiada de representar umespelho da federação. Em segundo lu-.gar, porque se trata de um tema polí-tico, ainda que não partidário, mas político no senti-do pleno da palavra. Em terceiro lugar, porqueentende que a ciência e a tecnologia brasileiras são ins-trumentos poderosos para reequilibrar o desenvolvi-mento econômico e social, já que todos reconhecemque essas duas ferramentas se constituem na alavancado progresso desse milênio. Ou seja, não há como de-senvolver o país sem um maior equilíbrio regional.Não há como desenvolver essas regiões sem essas ala-vancas. Alguns ainda acreditam que o superdesenvol-vimento do eixo sudeste "transbordaria" para as de-mais regiões. Ledo engano. Ou mesmo, dizem que acompetição por recursos é a solução natural para resol-ver essas desigualdades. Errado também. Vale lembrarum programa desenvolvido nos EUA,na década de 80,pela National Science Foundation (NSF) ao constatarque apenas três centros de excelênciacontratavam qua-

6 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

se 80% dos recursos daquela agência de fomento. Asdemais entidades ficavamno limbo e no círculo vicioso.Não eram "excelentes" porque não tinham recursos,não tinham recursos porque não eram "excelentes".ANSF então resolveu alocar volumosos recursos e distri-buí-los pelos estados que estavam nessa situação. Oresultado é que a competição hoje é bem maior que

antes, e não mais entre desiguais, masentre semelhantes.

O fórum também reconhece queao invés da exacerbada competiçãodevemos ter a ilimitada cooperaçãoentre todas as regiões.Não há a menorpossibilidade de essas regiões menosdesenvolvidas alcançarem um pata-mar superior de desenvolvimento cien-tífico sem o fortalecimento da sólidabase criada em São Paulo e no Rio deJaneiro, para ficar apenas em dois es-tados que tiveram a oportunidade dese desenvolverem. Por isso, o fórum,reunido no Recife e em Porto Alegreeste ano, propôs um pacto federativopela ciência e tecnologia, pacto esseno qual a cooperação substitua acompetição predatória, e onde a fede-ração seja efetivamente respeitada. Opapel dos secretários, portanto, cresce

de importância, porque o componente político de seuspapéis ficou destacado nessa discussão. As FAP's tam-bém se beneficiarão porque deverão ter maior respaldopara suas ações locais e ajudarão a tornar viável o pac-to. Foi com alegria e confiança que tal política encon-trou no Ministério da Ciência e Tecnologia o apoiodecisivo, em especial de seu titular, o ministro RobertoAmaral, que desde cedo prestigiou o fórum e suas de-cisões como a de construção do Plano de Ação Integra-do com os estados, articulando a política nacional deciência e tecnologia com as políticas estaduais. Bonsventos soprem para esse pacto federativo!

FERNANDOPEREGRINOé Secretário de Estado de Ciência,Tecnologia e Inovação do Rio de Janeiro epresidente do Fórum Nacional dos Secretários de C&T

Page 7: A Ciência da Música

PesquisaFAPESP

CARlOS VOGTPRESIDENTE

PAULO EDUARDD DE ABREU MACHADOVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIORADILSON AVANSI DE ABREU, ALAIN FLORENT STEM PFER,

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT,

H E RM:NENR

~~~~~,VJAOSSCÉOJ~~~~~OD~~~Cci~fDNET~'RRU DA,MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR,

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO,RICARDO RENZO BRENTANI, VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVOFRANCISCO ROMEU LANOI

DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLEROIRETORAQUINI$TRATIVO

JOSÉ FERNANDO PEREZOIRETORCIENTiFICO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIALLUIZ HENRIQUE lDPE5 DOS SANTOS (COOROENADORCIENTiflCO),EDGAR DUTRA ZANDTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA

COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J.DE CAMARGO ENGLERJ JOSÉ FERNANDO PEREZ,

LUIZ EUGÊNIO ARAUJO DE MORAES MELLO,PAULA MONTERO, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEFENELDSON MARCOLIN

EDITORA S~NIORMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTEHÉLIO DE ALMEIDA

EDITORESCARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA>, CLAUDIA IZIQUE <POliTlCAC&Tl

MARCOS DE OllVEIRAUECNOLOGlAl, HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-UNEl

REPÔRTER ESPECIALMARCOS PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTESDINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFE DE ARTETÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÃQJOSÉ ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORESANDRE MUGGIATI (ON·UNO, CARLDS HAAG, CLAUDIUS,

FRANCISCO BICUDO, GIL PINHEIRO,

L1L1ANE J~~~JE~Zl,R~~~tI~Rt:L~~~R~~N_SILVA,REINALDO JOSÉ LOPES, RENATA SARAIVA,

SIRIO J. B. CANÇADO, TANIA MARQUES,TERESA NAVARRO, THIAGO ROMERO (aNlIlD,

TIAGO MARCONI, YURI VASCONCELOS

ASSINATURASTELETARGET

TEL. (li I 3038-1434 - FAX: (lII 303B-1418e-mail: fapespêteletarqet.com.br

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ALTO DA LAPA - sÀO PAULO - SPTEL. (1113838-4000 - FAX: (li I 3838-41B1

http://[email protected]

NÚMEROS ATRASADOSTEL. ni: 3038-1438

Osartigos assinados não refletemnecessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIALOE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO OE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CltNCIA TECNOLOGIAE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

GOVERNO 00 ESTADO DE SÃO PAULO

CARTA DO EDITOR

Reconhecimento gratificante

Pivetta e Fioravanti: prêmios

Pesquisa FAPESP foi reconhecidaem dose dupla, no mês de junho,no Prêmio de Reportagem sobre

a Biodiversidade da Mata Atlântica Bra-sil 2003, promovido pela Aliança para aConservação da Mata Atlântica, insti-tuição formada pela Conservation Inter-national e SOS Mata Atlântica.Nosso editor de Ciência, CarlosFioravanti, conquistou o segun-do lugar na premiação e nossorepórter especial, Marcos Pivet-ta, recebeu menção honrosa.Os dois prêmios encheram dealegria toda a equipe que pro-duz esta revista, sempre comimensa dedicação, rigor indis-cutível na apuração e exposiçãodos dados das reportagens e altograu de profissionalismo. Na-tural, o reconhecimento exter-no a nossos méritos só não sensibilizaos corações muito empedernidos.

Permito-me aqui algumas palavrassobre os bravos jornalistas premiados,cuja contribuição é decisiva para a qua-lidade que Pesquisa FAPESP exibe a cadamês. Fioravanti, um discretíssimo pau-lista de Itu, de 42 anos, rigoroso até omais absoluto perfeccionismo e, ao mes-mo tempo, capaz tanto de uma entregaapaixonada a cada reportagem de sualavra quanto de uma generosa paciênciacom cada texto alheio que, como editor,tantas vezes precisa burilar, é sem dúvi-da um dos melhores profissionais bra-sileiros hoje em atuação no jornalismocientífico, ao qual vem se dedicandodesde 1989. O trabalho que lhe valeuesse prêmio foi uma reportagem sobreo comportamento dos macacos muri-quis, capa da edição de abril - uma be-líssima capa, aliás, concebida por nossodiretor de arte, Hélio de Almeida, sobreuma imagem impressionante de um des-ses macacos captada por nosso fotógra-fo Miguel Boyayan. Quanto a Pivetta,paulista de 34 anos, dono de tempera-mento exuberante, barulhento, semprepronto a tiradas de agudo senso de hu-mor e refinada ironia, é senhor de umtalento de igual medida - ou desmedi-da - para as variadas lides jornalísticas

e, especialmente, para a escrita jornalís-tica. Seu trabalho que mereceu mençãohonrosa foi uma reportagem sobre no-vas formas de conservação e multipli-cação do pau-brasil.

Cumprida, com prazer, a tarefa departilhar com nossos leitores essa vitó-

ria, sobra espaço apenas para destacarrapidamente a reportagem de capa des-ta edição, de Pivetta, aliás, que mostra apartir da página 80 como ciência e tec-nologia podem se entrelaçar à músicapara expandir as fronteiras dessa arte, aponto de justificar em São Paulo a for-mação de um instituto virtual de pes-quisa nesse campo. Destaque tambémpara a reportagem, de autoria de Fiora-vanti, que revela novos dados sobre aquímica por trás do par exercícios/bem-estar. A atividade física como algo im-portante para o organismo humano éalgo conhecido há muito tempo. A re-portagem que começa na página 32, noentanto, vai além do óbvio ao mostraros reais mecanismos que deixam os es-portistas em condições mais confortáveispara enfrentar infecções causadas porvírus e bactérias.

Por fim, duas outras notícias impor-tantes. Em Política, mostramos comoos impostos pagos por empresas inova-doras já são maiores do que os inves-timentos aplicados na pesquisa (página16). E, em Tecnologia, apresentamos umcurativo de hidrogel que alivia a dor dequeimaduras e combate bactérias (pá-gina 68). Boa leitura.

MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAÇÃO

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 7

Page 8: A Ciência da Música

Barreiras rompidasHá 40 anos começava,na prática, o programaespacial brasileiro

NELDSON MARCOLIN

O momento era depura excitação.Desde outubro de

1957, quando os soviéticosmandaram o primeiro satéliteartificial ao espaço, seantecipando aosnorte-americanos em quatromeses, o mundo acompanhavaa então recente corridaespacial com encantamento.A possibilidade de alcançar econhecer novos mundos forada Terra contagiou a todose deu início a uma era dedesenvolvimento científico etecnológico sem precedentes.Para não ficar à margemdesses avanços, o governobrasileiro criou em 1961 umacomissão para estudar esugerir uma política depesquisas espaciais. Umadúzia de pessoas, todasoriundas dos quadros daAeronáutica, começou atrabalhar no Centro TécnicoAeroespacial (CTA). Em 1963,engenheiros do InstitutoTecnológico de Aeronáutica(ITA) se uniram a essespioneiros e passaram a

8 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

A Barreira do Inferno (acima),em 1965, e o primeiro foguete lançado,o Nike-Apache, no mesmo ano

T

procurar um lugar noNordeste brasileiro, próximoà linha do Equador, quepudesse servir como umcampo de lançamentode foguetes suborbitais depequeno e médio porte. Aescolha recaiu sobre um sítiode 5 mil metros quadradosdistante 18 quilômetrosde Natal, no Rio Grandedo Norte, chamado pelospescadores de Barreirado Inferno - no local há umafalésia vermelha que brilhacom intensidade ao nascer dosol e, do mar, dá a impressãode estar em chamas. O sítioescolhido é perto do Equador,o que economiza combustível,a localização é em uma praia,que garante segurançano momento do ponto deimpacto dos vários estágiosdos foguetes e, por fim,o clima é estável, com regimede chuvas bem definido. Foilá que começou, na prática,a pesquisa espacial brasileira.Em 15 de dezembro de 1965,com o Centro de Lançamentode Barreira do Inferno

Page 9: A Ciência da Música

Lançamento do Sonda 11em 1996: famíliade foguetes brasileiros

parcialmente montado, o fogueteNike-Apache, da Nasa, a agênciaespacial norte-americana, foidisparado e rastreado com sucesso- o objetivo era fazer medições nascamadas inferiores da ionosfera.Desde então, a Barreira do Infernoteve um grande número delançamentos e pôde construire testar foguetes brasileiros. Maistarde, quando se pensou em projetosmais audaciosos, o centro ficoupequeno. Foi quando surgiu oCampo de Lançamento de Alcântara,no Maranhão, localizado numa áreamuito maior e que permite economiade combustível de 25% em relação aCabo Canaveral, nos Estados Unidos,quando coloca satélites em órbitaequatorial. "Mas a Barreira doInferno nunca deixou de lançarfoguetes': afirma Adauto Motta,chefe do Centro Regional doInstituto Nacional de PesquisasEspaciais (Inpe) no Nordeste. Mottaescreveu o livro Esboço Histórico daPesquisa Espacial no Brasil (EditoraFoco) e foi por seis anos chefe deoperações em Barreira do Inferno.Hoje, o local é usado para testar

;: foguetes com fins militares e des:'! pesquisa, com carga útil do Inpe.

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 9

Page 10: A Ciência da Música

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

~

o resgate dos tesouros saqueadosArqueólogos de vários paí-ses participam de um esfor-ço internacional para criarum catálogo dos objetossaqueados do Museu Na-cional de Arqueologia, emBagdá (Nature, 24 de abril).A esperança é que o inven-tário das imagens e as des-crições detalhadas das pe-ças, reunidas em uma basede dados, consigam ajudarno resgate ao tesouro pilha-do. O museu, invadido nos

primeiros dias da ocupaçãonorte-americana da capitaliraquiana, tinha um acervode cerca de 180 mil peças,entre placas cuneiformes,estátuas, cerâmicas e joalhe-rias, algumas com até 7 milanos de idade. Os esforçosde catalogação estão a car-go de universidades e insti-tuições dos Estados Unidos,da Grã-Bretanha, Alema-nha, França e do Japão.McGuire Gibson, arqueó-

logo do Instituto Orientalda Universidade de Chi-cago, supervisiona o traba-lho. Desde janeiro, Gibsonapelava ao Pentágono paraproteger o museu, que -até os Estados Unidos hojereconhecem - só foi pilha-do por descaso das forçasde ocupação. Outro obje-tivo dos americanos é mo-nitorar cientistas iraquianosque ajudaram a desenvolverarmas biológicas e impedir

que vendam seu conheci-mento no exterior, comoaconteceu após o fim daUnião Soviética. Emboraacredite que essa tendên-cia não seja importante, Da-vid Franz, ex-inspetor dearmas da ONU no país, per-gunta: "Será que podemosencorajar esses cientistasa ficar no país e ajudar aconstruir uma indústria debiotecnologia para o bemdos iraquianos?" •

• Colapso na ciênciavenezuelana

Pesquisadores da Venezueladenunciam mais um efeitoperverso do conflito políticono país: programas científi-cos entraram em colapso.De acordo com carta publi-cada na revista Nature (no421), uma sucessão de per-calços levou à interrupcãode pesquisas. Há problemascom pagamento de salários,contenção de financiamen-tos à pesquisa, escassez dematerial, como gás, eletrici-dade e nitrogênio líquido, eaté falta de acesso à Internet.Uma greve apoiada por es-tudantes e cientistas sacra-mentou o colapso. Os sig-

10 . JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

natários da carta, publica-da em nome da Associação dePesquisadores do InstitutoVenezuelano de PesquisasCientíficas, pedem ajuda in-ternacional para pressionaras autoridades a restabele-

cer linhas de financiamentoe respaldar denúncias sobreo risco iminente de desastresambientais. Pedem tambémpaciência, até que a contur-bada Venezuela consiga vol-tar à normalidade. •

• Ervas naberlinda

A venda de suplementos deervas aumentou significati-vamente na última década -e o negócio já movimentaUS$ 4,2 bilhões só nos Es-tados Unidos. Uma pesquisarealizada pela universidadebritânica de Exeter estimaque 30% dos norte-america-nos, 20% dos habitantes doReino Unido e 70% dos ale-mães usam tais suplementos,informou o Financial Timesde 23 de maio. É certo quealgumas dessas fórmulasproduzem benefícios. Mascrescem os problemas desaúde relacionados ao usoindevido. O governo da Aus-

Page 11: A Ciência da Música

trália, por exemplo, suspen-deu a licença da maior em-presa local de remédios àbase de ervas. Tudo porqueum popular remédio contraenjôo provocava alucinaçõesnos consumidores. Na Irlan-da, detectou-se a presença depoderosos esteróides numprosaico creme para a pelerecomendado para o trata-mento de eczemas. O maisgrave dos casos, no entanto,foi registrado na Bélgica,onde 105 pessoas morrerame outras 18 desenvolveramcâncer depois que a erva aris-tolóquia foi receitada equi-vocadamente num tratamen-to para um problema de pele.Talvez o risco mais amploseja a interação desses suple-mentos com medicamentosalopáticos. Remédios inofen-sivos à base de ervas podemse tornar até fatais quandotomados em associação comdrogas convencionais. A erva-de-São- João, popularmenteusada para combater quadrosdepressivos, prejudica o efei-to dos inibidores de protease,a família de remédios quemultiplicou a sobrevida dosdoentes de Aids. "Avisamosaos nossos consumidores pa-ra consultar médicos", diz IimKinsinger, da fabricante dechá Celestial Seasonings. NosEstados Unidos, cresce ummovimento em defesa de

uma regulamentação maissevera do setor. Kinsinger dizque uma regulamentaçãomais dura poderia até au-mentar a credibilidade dosprodutos, ao distinguir os fa-bricantes sérios e os irres-ponsáveis. Isso não garanti-ria, contudo, segurança total."Nenhum medicamento deervas é completamente isen-to de riscos", diz EdzardErnst, da Universidade deExeter. "Certamente preci-samos de mais controle so-bre a qualidade, mas acabarcom os complementos seriaum exagero:' •

• Colômbia contra amosca de mandioca

Cientistas colombianos de-senvolveram uma inéditavariedade de mandioca queresiste a um tipo de moscabranca, praga que compro-mete uma coleção de pro-dutos agrícolas. As pesquisasforam lideradas pelo CentroInternacional de AgriculturaTropical (CIAT) em parceriacom a Corporação Colom-biana de Investigação Agro-pecuária (Corpoica), com

apoio do Mi-nistério

da Agricultura e Desenvolvi-mento Rural da Colômbia eo Ministério de Assuntos Ex-teriores e Comércio da NovaZelândia. A nova mandio-ca é um híbrido resistente auma mosca branca conheci-da como Aleurotrachelus so-cialis bondar. Para os produ-tores, a variedade despontacomo uma alternativa va-liosa. Além de ter produtivi-dade elevada, de 33 tonela-das por hectares, dispensa ouso de pesticidas. A moscabranca é uma praga de múl-tiplas faces: além da mandio-ca, também afeta as planta-ções de batata, batata-doce,tomate, berinjela, pimentão,feijão, entre outras 50 espé-cie. Estão catalogados nostrópicos 43 tipos dessas mos-cas. Algumas são, ao mesmotempo, pragas e vetores deoutras enfermidades. As con-clusões das pesquisas são umavanço importante para aagricultura e resultado deum esforço global envolven-do cientistas de 30 países,iniciado em 1997, para com-bater o inseto. A Colômbiacoordena o projeto, quetambém conta com o apoiode laboratórios na Austrá-lia, Alemanha, Nova Zelân-dia, Reino Unido e EstadosUnidos, além de cinco cen-tros internacionais de pes-quisa. •

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Page 12: A Ciência da Música

Ciência na webEnvie sua sugestão de site científico para

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12 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

vadas entre 1975 e 1999, ape-nas 16 (ou só 1%) foram cria-das para combater as doen-ças tropicais e a tuberculose- que respondem por 11,4%das afecções globais", •

• Defesa de patentesna arena da saúde

o governo norte-americanosofreu uma saraivada de crí-ticas ao usar a OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS)como fórum para defenderinteresses comerciais. Enti-dades como os Médicos semFronteira e Oxfam protesta-ram contra a iniciativa nor-te-americana de submeter auma assembléia da OMSuma proposta de defesa daspatentes de produtos farma-cêuticos (Financial Times, 23de maio). A discussão é an-tiga. Os Estados Unidos ale-gam que é preciso incenti-var sua indústria - e issosignifica respeitar patentese preservar o direito de pro-priedade intelectual - paragarantir o desenvolvimentode tratamentos inovadores.Sustentam que 40% do au-mento da expectativa de vidano planeta, entre 1986 e 2000,deve-se ao advento de novasdrogas, vacinas e métodos dediagnóstico. Já um docu-mento assinado por dez or-ganizações não-governa-mentais acusa os EstadosUnidos de "professar uma fécega no sistema de proprie-dade intelectual" e lembra"que, das 1.393 drogas apro-

• Velha doença,novo esforço

Acaba de nascer uma funda-ção para desenvolver métodosde diagnóstico de tuberculo-se simples e baratos. A Find(Foundation for InnovationNew Diagnostics) foi criadapela Bill and Melinda GatesFoundation e o TDR (Pro-gramme for Research andTraining in Tropical Diseases).A nova entidade divide opi-niões. Teme-se uma dispersãonos esforços para combater atuberculose. De acordo comreportagem no site da TheScientist, esperava-se que aGates Foundation ampliasseo apoio ao TDI (TuberculosisDiagnostics Initiative), umconsagrado programa ao qualjá havia doado US$ 10 mi-lhões - mas envolve governosde vários países. Mas a fun-dação dos Gates exige inde-pendência nos controles ci-entífico e administrativo deseus projetos. Teme interfe-rências políticas em entida-des associadas a governos. •

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Madri, em junho de 2002.Os chefes de Estado e de go-verno das duas regiões con-cordaram que pesquisa ci-entífica e desenvolvimentotecnológico são elementosessenciais para a inserçãodos países no mundo glo-balizado. A iniciativa vaitambém acelerar o desen-volvimento da Sociedadeda Informação na AméricaLatina, que contará comuma infra-estrutura de co-municações de dados avan-çada. Isso vai abrir espaçopara uma colaboração maiorem projetos avançados depesquisa internacional. Oprojeto durará até abril de2006, quando então a Coope-ração das Redes Avançadasda América Latina (Clara)assumirá a manutenção darede de pesquisa latino-americana e a sua conexãocontínua com a Géant. •

• ESTRATÉGIAS BRASIL

linha direta com pesquisadores europeusUm canal de alta velocidadepermitirá que os pesqui-sadores dos países latino-americanos conversem entresi e com colegas da Europa,por meio de conexão com arede de pesquisa pan-euro-péia Géant - sem a interme-diação dos Estados Unidos.A Comissão Européia fir-mou contrato de € 12,5milhões com a Dante (Deli-very of Advanced Techno-logy to Europe) para a cria-ção da infra-estrutura deum programa chamado Ali-ce (América Latina conec-tada com a Europa). A Co-missão financiará 80% doprojeto e sócios latino-ame-ricanos, 20%. A Alice inicia-rá sua operação em janeirode 2004. No Brasil, sua im-plantação e administraçãocaberá à Rede Nacional dePesquisa (RNP), do Minis-tério da Ciência e Tecnolo-

gia. "Pela primeira vez, ospaíses latino-americanos te-rão conexões de Internetde alta velocidade necessá-rias para uma efetiva cola-boração de pesquisa", dizErkki Liikanen, comissário

missão de Ciência e Tecnolo-gia da Câmara entre 1999 e2000. O conselho é formadopor 12 deputados federais dediferentes partidos e asses-sorado por cientistas envolvi-dos nos assuntos em debate.Duas áreas são prioritárias:biotecnologia e telecomu-nicações. •

• Paraná prontopara o biodiesel

O Centro de Referência emBiocombustíveis (Cerbio), doInstituto de Tecnologia doParaná (Tecpar), está prontopara iniciar a produção do

• Tecnologia emdebate na Câmara

Voltou a funcionar, no dia16 de junho, o Conselho deAltos Estudos e Avaliação Tec-nológica (Ceat), órgão vin-culado à Câmara dos De-putados, que vai debater aviabilidade e o risco de tec-nologias - e propor leis eações governamentais rela-cionadas aos temas discuti-dos. "Vamos aproximar aciência e a tecnologia dos ci-dadãos que representamos",diz o presidente do Ceat,deputado Luiz Piauhylino(PSDB-PE), que dirigiu a Co-

europeu para Empresas epara a Sociedade da Infor-mação. O programa Alicefoi idealizado na última reu-nião de cúpula dos paíseseuropeus, da América Lati-na e do Caribe, realizada em

biodiesel, como são chamadosos ésteres de óleos vegetais quepodem ser usados em mo-tores a diesel, em forma puraou misturados ao derivado depetróleo. Segundo José Do-mingos Fontana, diretor téc-nico do Tecpar, já existem em-presas em São Paulo, MinasGerais e no Mato Grosso habi-litadas a produzir o combus-tível a partir do uso da soja.Uma delas, a Ecomat-MT,está abastecendo o Cerbio comum combustível testado emônibus de Curitiba. Vem doexterior 17% do diesel que oBrasil consome. O uso do bio-diesel, além de reduzir a po-

luição, tornaria o país menosdependente da importação .•

• Governo renovacontrato com CGEE

O governo federal, por meiodo Ministério da Ciência eTecnologia, assinou um ter-mo aditivo de contrato como Centro de Gestão e Estu-dos Estratégicos (CGEE) queprevê repasse de R$ 3 mi-lhões para a realização de se-minários e eventos. O termoé parte do contrato assinadoentre o ministério e o CGEE,em 2002, com duração decinco anos. •

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Porto Digital em expansãoo Porto Digital, pólo detecnologia instalado emimóveis recuperados nocentro histórico do Re-cife, inicia nova fase decrescimento. Cerca de R$350 mil serão gastos emações estratégicas, entre asquais uma pesquisa com550 empresas e parceirosnacionais e estrangeiros,para avaliar os resultadosde três anos do projeto.

• Prêmio paraHamburger

Ernst Wolfgang Hamburger,professor-titular do Institutode Física da Universidade deSão Paulo (USP) e diretor daEstação Ciência, recebeu oPrêmio Latino-Americanode Popularização da Ciênciae da Tecnologia. O prêmiofoi outorgado pela Rede dePopularização da Ciência naAmérica Latina e Caribe, aRed-Pop. «Essa menção temum sabor especial para mim':disse Hamburger. «A inscri-ção foi feita de maneira se-creta pelos funcionários daEstação Ciência, que quise-ram prestar uma homena-gem nesse momento da mi-nha vida:' No dia 8 de junho,

Em 2003, o Porto Digitalvai receber investimentosde R$ 9,6 milhões - R$ 5milhões do governo dePernambuco e R$ 4,6 mi-lhões da iniciativa priva-da. Já operam no pólo 56empresas, e outras seisestão em fase de instala-ção. A meta é reunir, atéo final do ano, 17 novasempresas, duas delasinternacionais. •

Ernst Hamburger comple-tou 70 anos e, por força dalei, vai se aposentar. •

• Ensinando aplantar caju

A Empresa Brasileira de Pes-quisa Agropecuária (Embra-pa) vai ajudar agricultoresde Guiné- Bissau a produzircaju de melhor qualidade.Um plano de cooperação en-tre o Brasil e o país africa-no criou um intercâmbio detécnicos e de material genéti-co. Também está prevista acriação de pequenas fábricasde processamento de casta-nha-de-caju, com tecnologiadesenvolvida pela Embrapa,para transformar a culturanum negócio sustentável. O

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cultivo de caju está em expan-são em Guiné-Bissau. Nas úl-timas duas décadas, a áreacultivada saltou de 3 mil hec-tares para 100 mil hectares.A produção alcança 100 miltoneladas e se espalha por70% das propriedades. Masos agricultores ainda usamtécnicas que a Embrapa nãorecomenda - como a semea-dura direta e o espaçamentosem uniformidade, o que fa-cilita a eclosão de pragas. •

• Fapemig suspendeconcessão de bolsas

O Conse.lho Curador daFundação de Amparo à Pes-quisa de Minas Gerais (Fa-pemig) suspendeu a con-cessão de bolsas neste ano.Também foi decidido quequalquer modalidade de bol-

sa protocolada pela fun-dação, a partir de 10 de abril,não será sequer analisada,tampouco serão aceitos no-vos pedidos para 2003, exce-ção feita às bolsas vinculadasa projetos de pesquisa já fi-nanciados. José Geraldo deFreitas Drumond, presiden-te da Fapemig, garantiu queessas medidas extremas sãotransitórias e fazem parte deuma série de ações adotadaspela instituição para diminuiro impacto do corte de repas-se orçamentário sobre linhasde financiamento e compro-missos já assumidos. A Fape-mig também anunciou quenão haverá chamada para ospedidos de auxílio de Bolsasde Iniciação Científica e Tec-nológica (Bic-Balcão) quenão sejam vinculados a pro-jetos da instituição. •

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A conexãoMaranhão-Ucrâniao Brasil e a Ucrânia vãocriar uma empresa binacio-nal para administrar o lan-çamento de foguetes ucra-nianos Cyclone 4 a partir daBase de Alcântara, no Ma-ranhão. "Eles têm a tecno-logia e estão, ao contrárioda maioria dos países doPrimeiro Mundo, dispostosa transferir conhecimento':diz o ministro RobertoAmaral, da Ciência e Tec-nologia, que no início dejunho reuniu-se com o pre-sidente ucraniano, LeonidKutchma. Os dois paísestambém devem celebrarconvênios nas áreas de bio-tecnologia, tecnologia dainformação e de materiais,com intercâmbio de cientis-tas e funcionários de cadagoverno. A cooperação cien-tífica entre Brasil e Ucrâniateve início em janeiro de2002, com a assinatura doacordo sobre Usos Pacíficosdo Espaço Exterior. A Ucrâ-nia já ratificou o acordo e,no Brasil, ele ainda tramitano Congresso Nacional. Tam-bém em 2002 foi assinadoum memorando entre aAgência Espacial Brasileirae a Agência Espacial Nacio-nal da Ucrânia - que já pre-via o uso de Alcântara comobase de partida do veículolançador de satélites ucra-niano. O passo seguinte foipavimentar o caminho paraa criação da infra-estruturade lançamento do Cyclone4. A Ucrânia já fez mais de200 lançamentos com oCyclone 3. A série 4, quevirá para o Brasil, será maismoderna e aperfeiçoada. •

• Revista resgataAdolpho Lutz

A trajetória de um dos maisimportantes cientistas bra-sileiros é resgatada na últimaedição da revista História,Ciências, Saúde - Mangui-nhos. Adolpho Lutz (1885-1940), um dos fundadoresda medicina tropical, é lem-brado como um crítico àmiopia dos políticos emassuntos de saúde pública eprotagonista de ácidos deba-tes acadêmicos. Sua biogra-fia pode ser narrada em trêstempos. Na década de 1880,despontou como um prolí-fico pesquisador sobre a ori-gem de doenças como a le-pra e a tuberculose. A fasefoi rica em viagens e expe-riências pelo Brasil e o res-tante do mundo, que culmi-nou com uma temporadanum hospital de tratamentode hanseníase no Havaí. Nasegunda etapa, à frente doInstituto Bacteriológico deSão Paulo, liderou um gru-po de especialistas em me-dicina tropical no combate aepidemias, como a febre ti-fóide e a febre amarela, queconvulsionaram as nascentesmetrópoles brasileiras. Na ter-ceira fase, já aos 50 anos, mu-dou-se para o Rio de Janeiroe voltou a dedicar-se à pesqui-sa no Instituto Oswaldo Cruz,em Manguinhos, onde perma-neceu até sua morte. Numade suas histórias lendárias,recorreu a uma estratégia dealto risco para provar que afebre amarela era transmitidapor mosquitos - e não pelo arou pelo contato com doentes,como alguns pesquisadoresimaginavam. Submeteu seiscobaias humanas a mosqui-tos infectados - entre as quaisele próprio, que se deixou pi-car várias vezes. Três pessoasadoeceram e as outras trêspermaneceram sãs - incluin-

do Lutz. Numa etapa se-guinte, o cientista obrigou trêsimigrantes italianos a fica-rem reclusos, num quarto semmosquitos, mas repleto de rou-pas usadas por vítimas da fe-bre amarela. Como nenhumficou doente, Lutz comprovousua teoria. •

• FAPs serãoparceiras do Pronex

O governo federal liberouuma parcela de R$ 44,9 mi-lhões para o Ministério deCiência e Tecnologia (MCT).Ao todo, o MCT teve R$ 220milhões contingenciados - e,como medida de economia,foi obrigado até a reorga-nizar-se, cortando 10% doscargos de direção. Os recur-sos liberados permitirão queo MCT inicie várias ações,entre elas o Programa deApoio a Núcleos de Excelên-cia (Pronex) 2003, que, nesteano, será implementado emparceria com as Fundaçõesde Amparo à Pesquisa dosestados (FAPs). "Isso vai per-mitir que os estados parti-cipem das definições e dofinanciamento da políticacientífica e tecnológica dopaís", diz José Fernando Pe-rez, diretor científico da FA-PESP. O dinheiro tambémserá usado na expansão doprograma de bolsas do Con-selho Nacional de Desenvol-vimento Científico e 'Iecno-lógico (CNPq). •

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zados. "Esse relacionamento é umavia de mão dupla, no qual tanto osriscos quanto os ganhos são dividi-dos entre as partes", comenta Bagna-to. "E ainda aprendemos a trabalharno ritmo das empresas, que preci-sam de agilidade em seus lançamen-tos, para evitar que um competidorsaia na frente", completa. Ele vaimais longe: estima que as empresas li-gadas ao CePOF,em São Carlos, este-jam também contribuindo para re-duzir em US$ 1 milhão por ano osgastos nacionais com a importaçãode produtos nas áreas de óptica e fo-tônica. Um exemplo disso é a OptoEletrônica. A empresa desenvolveuum instrumento de tecnologia delaser de diodo, para tratamento detumores e da degeneração macularrelacionada à idade, uma das maisfreqüentes causas da cegueira em ido-sos. Seu preço de mercado é US$ 10mil. O equivalente importado sai porUS$ 30 mil. A empresa já está fechan-do acordo para comercializá -10 naEuropa. O equipamento foi desenvol-vido em conjunto com o CePOF,e como apoio de pesquisadores da Faculdadede Medicina da USP e da Escola Pau-lista de Medicina, da Universidade Fe-deral de São Paulo (Unifesp).

APto Eletrônica contoucom o apoio do Programade Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas(PIPE), da FAPESP.Os

recursos totalizaram R$ 117,3milhões eUS$ 115,8 mil. A empresa tem, atual-mente, receita de R$ 50 milhões e 460empregados. Teveorigem na FundaçãoParque de Alta Tecnologia (ParqTec),em 1985, e, nos últimos anos, expandiusuas atividades até formar um conglo-merado do qual fazemparte a Opto Sul,no Rio Grande do Sul; a Opto USA,nosEstados Unidos; a Opto LA, no Méxi-co; e a Artech, com sede em São Carlos,que é líder no mercado brasileiro notratamento de lentes para a obtençãode efeito anti-reflexo em óculos. "Omercado de lentes anti-reflexivas temenorme potencial no Brasil", observaIarbas Castro, presidente do grupo,que tem apenas dois concorrentes nomercado internacional: uma empresanorte-americana e uma japonesa, que,recentemente, transferiu a produçãopara a China para reduzir custos e man-

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Alinhador alaser, da empresaOpto Eletrônica

ter-se competitiva em relação ao produ-to brasileiro.

Em Campinas, a parceria com oCePOF foi estratégica para consolidar omercado para empresas como a Kom-lux, que produz o Blanket Lux, umamanta tecida com fibras ópticas para otratamento da icterícia fisiológica que,a cada ano, afeta 5% dos bebês recém-nascidos no país. A manta, que foi ma-téria de capa da edição 44 da RevistaPesquisa FAPESP, publicada em julhode 1999,aguarda certificação da Agên-era Nacional de Vigilância Sanitária,será comercializada por cerca de R$ 2,9mil, contra os US$ 3,5 mil do similarimportado. "Companhias latino-ame-ricanas e européias, do Oriente Médioe do Leste Europeu já manifestaraminteresse no Blanket Lux", conta Cíce-ro Lívio Omnega Filho, diretor-presi-dente da Komlux. O desenvolvimentoda manta contou com o apoio da FA-PESP,também no âmbito do PIPE, comrecursos totais de R$ 169,2 mil e US$125,2 mil, e deu origem a duas paten-tes. A capacidade de inovação dasempresas ligadas ao centro têm sidoum fator fundamental para ampliarsua competitividade no país e no ex-terior. "Tanto em óptica como em fo-tônica, há vários temas suficientemen-

-,

te originais para a pesquisa científicacom grande potencial de mercado", dizHugo Fragnito, do Instituto de FísicaGleb Wataghin, da Unicamp, e coorde-nador do CePOF, em Campinas.

Intercâmbio tecnológico - A associa-ção com o CePOF também favorece ointercâmbio tecnológico entre empre-sas parceiras. Um dos maiores clientesda Opto, de São Carlos, na linha de re-fletores para odontologia é a Gnatus,de Ribeirão Preto, fabricante de equi-pamentos odontológicos, a terceirano mercado mundial, exportando paraquatro continentes. Com 27 anos deatuação, a companhia, que faturouR$ 70 milhões em 2002 - cerca deR$ 30 milhões em vendas externas -,começou a se aproximar dos institutosde pesquisa em meados da década de90, visando a certificar seus produtospara adequá-los às exigências interna-cionais. Na época, o valor da moedabrasileira era quase igual ao do dólarnorte-americano, e eficiência era con-dição sine qua non para manter a po-sição de mercado. Hoje, a Gnatus temtodos os certificados internacional-mente reconhecidos e atinge altíssi-mos índices de produtividade com460 empregados.

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Manta com fibraóptica, da I<omlux,deu origem a duas patentes

"As parcerias vêm se intensificando etendem a crescer", afirma Gilberto No-melini, diretor superintendente da em-presa. "Ainda em 2003, deveremos en-trar no segmento de laser", revela ele.

Em2001, uma aliança entre aGnatus, o CePOF e a MMOptics, pequena empresade São Carlos, com 20 fun-cionários, resultou na pa-

tente de duas fibras rígidas de alto de-sempenho para fotopolimerizadorescom tecnologia LED (luz emitida pordiodo), utilizados para ativar resinasodontológicas, endurecendo-as. "O fo-topolimerizador Optlight LD, que de-rivou da pesquisa, é reconhecidocomo o melhor aparelho da categoria ejá está sendo exportado para vários paí-ses", conta Nomelini. A MM Optics foicriada em 1998 por um grupo de enge-nheiros, com o objetivo de produziros primeiros microscópios brasileirospara fins educacionais, concorrendo comos chineses. "Lançamos um produto fi-nal mais robusto e preciso, com preçofinal 35% menor que o importado",lembra Fernando Mendonça Ribeiro,um dos fundadores da companhia, queno ano passado comemorou a marcade R$ 1 milhão em faturamento. Em

1999, a empresa voltou-se para o de-senvolvimento de lasers para fins médi-cos e odontológicos, por solicitação doInstituto de Física da USP, em São Car-los, que tentava atender a demanda daFaculdade de Odontologia da USP, emSão Paulo. O produto, batizado deTwin Laser, já está na segunda versão, ecusta R$ 3,6 mil, contra R$ 15 mil dosimilar importado. Pode 'ser usadotambém em dermatologia e acupuntu-ra, entre outras aplicações. Em 2001, aMM Optics desenvolveu, junto com oCePO F, o Hospital Sírio- Libanês, deSão Paulo, e a Faculdade de Odonto-logia da USP, o Mucolaser, um laser debaixa potência para o tratamento demucosites, infecção que afeta pacientescom câncer e sob tratamento de quimio-terapia e radioterapia. O equipamentocusta R$ 7 mil. E, em 2003, a empresalançou o Bright LEC que, utilizando fi-bras desenvolvidas em parceria com oCePOF e Gnatus, conjuga em um sóaparelho técnicas de polimerização eclareamento dental. Custa R$ 3,8 mil,pouco mais de um quarto do valor dossimilares importados. A qualidade ecompetitividade do produto conquis-taram o mercado externo: 7% do fatu-ramento da MM Optics foi provenien-te de vendas externas.

Em Campinas, as em-presas vinculadas ao Ce-POF também estão deolho no mercado externo.A Padtec, única no Hemis-fério Sul que produz siste-ma de comunicação comtecnologia WDM, que am-plia a capacidade de trans-missão das redes de fibraóptica, pretende, nesteano, atingir US$ 3 milhõescom exportações. "Além daAmérica Latina, estam oscomeçando a fazer negó-cios com a Índia", diz JorgeSalomão Pereira, diretorde tecnologia. A empresadesrnembrou-se da Fun-dação CPqD - braço depesquisa do sistema Tele-brás -, seu principal acio-nista, em meados de 2001.Seis meses depois, o BancoPactual comprou 22,5%de suas ações. Atualmente,é líder do segmento nomercado brasileiro, forne-

ce para as principais operadoras de te-lecomunicações do país, registrou fa-turamento de US$ 5 milhões, em 2002,sendo que 10% desse valor foi paraos cofres estaduais e 12%, para os fe-derais. E ainda multiplicou o quadrofuncional de dez para 60 funcionáriosem dois anos. "Nosso salário médio éde US$ 900", revela Pereira.

"Nunca perdemos ninguém porsalário", garante José Ripper, presiden-te da Asga. A empresa, com 30 funcio-nários, também teve origem no CPqDe, atualmente, é parceira do CePOF. AAsga foi a primeira empresa a desen-volver no país um multiplexador ópti-co - equipamento para operadorasde telecomunicações que transformasinais elétricos luminosos nas redesde fibras ópticas. A Asga conta comR$ 299,8 mil e US$ 153 mil do PIPE. Játem filiais na Argentina e no México,além de representantes na Ásia e regis-trou receita de US$ 30 milhões em2002. Neste ano, para compensar o re-cuo de investimentos do setor, a estra-tégia da empresa é ampliar os negó-cios externos. "Sempre fizemos ciênciabásica, e vamos continuar fazendo,mas sem perder de vista o compromis-so de produzir riqueza para o país",conclui Bagnato. •

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I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CONSÓRCIOS SETORIAIS

Parceria ebons negóciosUniversidades e empresasinvestem em inovação parafortalecer exportações

SantaGertrudes,município pau-lista com pouco mais de 16mil habitantes, é o maior póloprodutor de pisos cerâmicosdas Américas. Ali,40 empresas

produzem anualmente 200 milhões demetros quadrados de revestimentos ce-râmicos, 40% da produção nacional. Asexportações ainda representam 10%das vendas, mas crescem a cada ano, di-rigidas aos mercados norte-america-no, Mercosul, América Latina e Euro-pa, principalmente. Mas o produto deSanta Gertrudes ainda tem baixo valoragregado: o preço no exterior varia deUS$ 2 a US$ 3 o metro quadrado, umterço do valor de mercado dos similaresitaliano e espanhol. Para consolidar osnegócios externos e melhorar a quali-dade e competitividade do produto, oCentro Cerâmico Brasileiro (CCB), la-boratórios vinculados às universidadesde São Paulo (USP), Federal de SãoCarlos (UFSCar) e Estadual Paulista(Unesp) e um grupo de 20 empresas lo-cais formaram, com o apoio da FA-PESP,o Consórcio Setorial da IndústriaCerâmica de Revestimento no Estadode São Paulo. ''A competitividade não émais preço, mas inovação", afirma JoséOctávio Armani Paschoal,presidente doCCB, coordenador do consórcio e pes-quisador do Instituto de PesquisasEner-géticas e Nucleares (Ipen).

Essaparceria para o desenvolvimentodo setor de revestimento cerâmico foi aprimeira firmada no âmbito do pro-

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grama Consórcios Setoriais para a Ino-vação Tecnológica (ConSITec), lançadopela FAPESPem 2000, para estimular acolaboração entre grupos de pesquisaligados a instituições de pesquisa eempresas de um mesmo setor pararesolver problemas tecnológicos deinteresse comum. Outro consórciocom formato semelhante, reunindouma universidade privada e três la-boratórios farmacêuticos, já foi for-malizado. O objetivo é investigar e va-lidar novos fitomedicamentos a partirde plantas da biodiversidade brasileira.

Novos materiais - No caso dos revesti-mentos, as pesquisas estão sendo de-senvolvidas nos laboratórios do Cen-tro de Inovação Tecnológico deCerâmica, inaugurado no ano pas-sado. Numa das linhas de investi-gação, por exemplo, os pesquisa-dores estudam a utilização denovos materiais para o porcela-nato, uma cerâmica consideradatop de linha, já que por seu baixoteor de absorção de água, entre0% a 0,5%, tem menor porosidadee maior resistência. Os resultadosdessa pesquisa são estratégicos: o teorde absorção de água do produto da in-dústria de Santa Gertrudes está entre6% e 10%."Jáestamos caminhando para3%, que é a média da Europa", diz Pas-choal. Os pesquisadores também estãodesenvolvendo esmaltes de alto de-sempenho e resistentes a desgastes para

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aplicações em piso de grande tráfego -como, por exemplo, o de supermerca-dos - e esmaltes bactericidas para usohospitalar. "Com isso, estamos visan-do novos nichos de mercado", explicaPaschoal.

p(APESPapoiará o con-sórcio, por um períodode três anos, com re-cursos para a im-plantação e moder-

nização de laboratórios e pormeio de bolsas-auxílio solicitadas

individualmente pelos pesquisado-res participantes. As empresas par-

ceiras contribuem com, no mínimo,R$ 50 mil anuais para a manutençãodo consórcio, dependendo do seu ta-manho e forma de participação. Pas-choal explica que algumas empresasestão em estágio que qualifica de "pré-competitivo': ou seja, para aperfeiçoaros produtos, necessitam de conheci-mentos de interesse geral que nãointerferem nas estratégias de mercadodo conjunto do setor. Outras empre-sas têm um foco "mais competitivo':como ele diz, demandando informa-ções específicaspara inovação do pro-

duto e consolidação de mercado. Paraessas empresas, o Centro desenvolve,por exemplo, projetos de design, sem-pre protegidos por termo de confiabili-dade. "Isso garante que as informaçõesnão chegarão ao concorrente", conta ocoordenador do consórcio.

A expectativa é que as pesquisasconsolidem o mercado externo,

agreguem valor ao produto eelevem o preço do metro qua-drado vendido no exterior.A inovação trará, ainda, ou-tras vantagens: aumentaráa renda do pólo cerâmicoe o número de empregosna região. "Queremos serum case de sucesso': con-

clui Paschoal.O núcleo de bio-

tecnologia da Uni-versidade de Ribei-rão Preto (Unaerp)consorciou-secom três labora-tórios de produ-tos farmacêuticose, com o apoio da

FAPESP, para de-senvolver novos fi-

I

tomedicamentos com ativos de plan-tas brasileiras. "Não se trata de fazeruso do conhecimento tradicional, masde incorporar conhecimento tecnoló-gico aos ativos da biodiversidade", res-salva Suzelei de Castro França, diretorado consórcio e coordenadora do Nú-cleo de Biotecnologia e do Pós-gradua-ção em Biotecnologia da Unaerp.

As pesquisas, iniciadas há seis me-ses, pretendem validar seis novos fito-medicamentos para uso humano, doispara cada uma das empresas parceiras."Não são produtos concorrentes, já quetêm ações terapêuticas distintas", obser-va a diretora. Os produtos foram sele-cionados após uma cuidadosa pesquisamercadológica, que constatou não ha-ver similares no mercado nacional.

Os laboratórios consorciados - Lu-ciomed e Unifarma, de São Paulo, e aAmazonervas, do Amazonas - são demédio e pequeno porte, que, nesseprojeto, contam com a infra-estruturade pesquisa e o conhecimento desen-volvido na universidade para imple-mentar novos produtos. ''A nossa par-ticipação é para validar a eficácia esegurança do uso do fitomedicamen-to, de acordo com a legislação daAgência Nacional de Vigilância Sanitá-ria (Anvisa), com atenção especial nocontrole de qualidade química, paraconfigurar cada ativo da planta. Feitoisso, as empresas implementam o pro-cesso de produção", explica. A associa-ção entre os parceiros se faz por meiode convênio de cooperação tecnológi-ca e científica, que prevê a divisão debenefícios no caso de depósito de pa-tentes ou royalties.

Suzelei aposta no sucesso do em-preendimento. "O mercado brasileirode fitoterápicos cresce a uma taxa de15% a 20% ao ano e já registra fatura-mento de US$ 1 bilhão", ela diz, com-parando com o faturamento mundialde US$ 15bilhões. " Trata-se, sem dúvi-da, de uma participação significativa,apesar de a nossa biodiversidade sersubexplorada", sublinha.

As investigações, por ora, se res-tringem à pesquisa sobre novos fito-fármacos para uso humano. "Mas tam-bém vamos desenvolver produtos parauso animal", adianta Suzelei.A expecta-tiva é que a validação dos produtos es-teja concluída em dois ou três anos,quando os fitoterápicos estarão pron-tos para os testes clínicos. •

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• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

MEIO AMBIENTE

ParadoxosocialProjeto busca legalizar loteamentosem áreas de mananciais semcomprometer a qualidade da água

TERESA NAVARRO

Vila Joaninha,em Oiadema: esgoto

a céu abertodeságua na bacia

da represa Billings

Acasassurgem desordenada-mente em lotes irregulares

onde as fossas se confun-dem com poços. Algumascasas nem fossa têm: o

esgoto percorre as ruas, cortando valasaté chegar à região mais baixa e alcan-çar uma das várias nascentes da baciada represa Billings, fornecedora de águapara cerca de 1,5 milhão de pessoas dosmunicípios de Diadema, São Bernardodo Campo e Santo André. Esse é o ce-nário do Sítio Joaninha, em Diadema,onde vivem 240 famílias. A degradação

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ambiental da área é idêntica a de vá-rios outros loteamentos irregulares, queocupam entre 15% e 20% das áreas emtorno dos mananciais da Billings e darepresa de Guarapiranga, ao sul da re-gião metropolitana de São Paulo.

De acordo com a legislação, paragarantir a preservação dos mananciaise a qualidade da água, esses loteamen-tos não poderiam existir. Tanto que asprefeituras estão proibidas de dotá-losde infra-estrutura básica - como águaencanada, luz e esgoto - sob pena de se-rem incluídas como réus nas ações civis

públicas e serem condenadas à repara-ção do dano. A única solução legal seriadesalojar 1,2 milhão de pessoas que vi-vem hoje nas áreas de mananciais naGrande São Paulo.

Mas é possível, dentro da legislação,buscar outras alternativas que permitamelaborar padrões para regularizar os 10-teamentos e, ao mesmo tempo, reduziros danos ambientais. E esse é o desafiodo projeto Reparação de Danos e Ajus-tamento de Conduta em Matéria Urba-nística, proposto pelo Ministério Pú-blico, que está sendo executado pela

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determina a lei. Mas esta é uma deci-são muito difícil de ser tomada por umjuiz porque simplesmente essas pesso-as não teriam para onde ir', ele conta. Aproteção aos mananciais no Estado deSão Paulo é determinada basicamentepor três leis: uma federal e duas estadu-ais. Em geral elas restringem a ocupa-ção do solo em regiões próximas às ba-cias fornecedoras de água à populaçãoe adotam critérios de adensamento,dividindo a área por categorias que vãodesde as totalmente impróprias paraocupação (mais próxima à bacia) até

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo(FAU), da Universidade de São Paulo(USP), e que integra o Programa Políti-cas Públicas da FAPESP.''Aquestão deveser vista do ponto de vista social, nãoapenas ambiental. As ocupações acon-teceram porque a demanda por mora-dia sempre foi maior que a capacidadedo governo de ofertar casas populares",justifica a coordenadora do projeto, Ma-ria Lucia Refinetti Martins, da FAU.

Nó legal - A ocupação dos mananciaisresulta, diariamente, numa enxurrada

de processos na Promotoria de Justiçade Habitação e Urbanismo da capital.Sãoações civispúblicas movidas por de-núncia de vizinhos da região, por soli-citação das prefeituras ou a pedido dospróprios moradores que querem regu-larizar a sua situação. Para seguir rigo-rosamente a lei, a promotoria teria quepedir à Justiça a expulsão dos infratores.E durante muito tempo foi exatamen-te isso que o promotor José Carlos deFreitas fez. "Processávamos o lotea-dor, o município e o Estado, e pedíamosa remoção dos moradores, conforme

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Regularizaçãodos lotesdependerá decompromissodos moradores

aquelas onde é permitida a ocupaçãoem terrenos com no mínimo 500 me-tros quadrados.

"O objetivo da legislação é garantira qualidade da água", explica Freitas. "Eé dentro desse espírito da lei que vamostrabalhar para regularizar os loteamen-tos, desde que haja compromisso de to-dos os envolvidos para re-parar os danos causadosao meio ambiente, o que épossível por meio da assi-natura de um termo deajustamento de conduta':afirma. Foi para subsidiaros termos desses acordosque o Ministério Públicoprocurou a FAU. "Nossameta é definir o que deveser feito no loteamentopara garantir o cumpri-mento do espírito da lei eresolver esse nó entre a questão arnbi-ental e social", completa Maria Lucia.

Sítio Joaninha - Nessa perspectiva, aprimeira providência foi fazer um le-vantamento dos processos existentes naspromotorias de Diadema, Santo Andrée selecionar para estudo de caso quatroloteamentos localizados nas sub-baciasda Guarapiranga e da Billings: SítioJoaninha (Diadema), Parque Andreen-se (Santo André), Jardim São Fran-cisco (Embu) e Parque dos Químicos(São Bernardo do Campo). O SítioIoaninha foi escolhido por ser um dosloteamentos mais problemáticos. Eleocupa uma área com mais de 200 milmetros quadrados, situada ao lado deum aterro sanitário, hoje desativado,

mas que, até a década de 80, recebiatodo o lixo de São Paulo. Uma agravan-te: os terrenos comprados pelos mo-radores não pertenciam à pessoa queos vendeu, o que dificulta a concessãode propriedade por usucapião. Ali, exis-tem casas em situação de risco de desa-bamento, instalações elétricas clandes-

tinas e não há tratamentode esgoto nem água en-canada.

A população do SítioIoaninha pressiona a pre-feitura de Diadema pararegularizar a posse da terrae implantar infra-estru-tura básica e ficaria satis-feita se contasse com for-necimento de água e luz."Nem esgoto eles pedem':afirma Soma Sumiko Ka-razawa Nagai, arquiteta-

chefe da Divisão de Planejamento In-tegrado da prefeitura de Diadema. Aprefeitura está negociando com o Mi-nistério Público as condições para regu-larizar o loteamento, já que a intençãoé reduzir a remoção ao menor númerode famílias possível. "Primeiro precisa-mos definir com precisão a área que po-derá ser ocupada", ressalva Sonia. Oprojeto, apoiado pela FAPESP, já iden-tificou algumas alternativas técnicasque podem garantir a qualidade daágua sem a necessidade de retirar as fa-mílias. O primeiro passo é o tratamen-to do esgoto, que pode ser feito no lo-cal, na área mais baixa do loteamentopróximo à bacia do córrego. Maria Lu-.cia acredita que essa é uma "solução in-~eressante" porque, além de jogar a água

já tratada na bacia, também evita que asmoradias sejam instaladas muito pró-ximas ao córrego, já que o espaço seriaocupado pela estação de tratamento. "Aidéia é criar um cinturão de proteção",ela explica. A prefeitura estuda aindauma outra possibilidade, a do bombea-mento do esgoto até a Estação de Trata-mento de São Caetano. ''As obras já fo-ram iniciadas na região de Eldorado,próxima ao Sítio Ioaninha, e poderiamser estendidas para o loteamento. Masisso ainda não está definido", afirmaSonia Nagai. A necessidade de obras deinfra-estrutura inclui ainda a reserva deuma área para o plantio de árvores, dre-nagem e melhoria das condições dasruas, sem que isso signifique asfaltartudo. Maria Lucia explica que é precisodeixar trechos de terra e a calçada comgrama para absorção da água da chuva.As más condições das ruas da região nãose constitui no problema mais grave,mas isolam os moradores. Os Correios,por exemplo, não entram no loteamento:as cartas são deixadas em uma floricul-tura na parte mais baixa da região.

jY(reocupação da prefeiturade Diadema e do Ministé-rio Público em dar posseda área aos moradores seexplica: na maior parte

das vezes, a ocupação de áreas de ma-nanciais é involuntária. "Eu fiquei sa-bendo o que era uma área de manan-cial quando fui pedir a ligação da luzpara a minha casa e me falaram quenão podiam ligar. Não tinha nem idéiado que era isso", afirma Raimunda doVale Ferreira, vice-presidente da Asso-

Prefeituras e estados poderão, embreve, contar com auxílio de novas téc-nicas na negociação de conflitos emáreas de ocupação de mananciais. Aspropostas estão sendo desenvolvidasno projeto Negowat, financiado pelaComissão Européia, Centro de Coope-ração Internacional em Pesquisa Agro-nômica para o Desenvolvimento (Ci-rad), da França, que também conta como apoio da FAPESP, na modalidade co-nhecida como Auxílio à Vinda de Pes-quisadores Visitantes.

A arte de negociarO projeto, desenvolvido inicialmente

na França, oferece ferramentas que per-mitem simular o resultado de cada de-cisão tomada e trabalhar com o jogo depapéis, fazendo com que cada grupo vi-vencie as razões do outro. "Utilizamosbasicamente dois softwares, o de mode-lagem multiagente e o jogo de papéis,que nos permitem fazer uma análise am-biental, integrando o conhecimento dasdiversas áreas que atuam no projeto", dizYara Maria Chagas de Carvalho, coor-denadora do grupo brasileiro do Nego-

wat. A modelagem multiagente é umanova forma de representação compu-tacional, desenvolvida nos últimos 15anos, e que utiliza linguagem orientadaa objetos. Essa técnica, freqüentem enteutilizada na indústria, controle de tráfe-go aéreo, análise de trânsito urbano, en-tre outros, tem sido utilizada em centrosde pesquisa para a gestão de recursosnaturais. A modelagem é refeita até queas partes concordem com a forma co-mo estão sendo retratados, e só entãotem início o jogo de papéis.

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Ligaçõesclandestinas de luz

traçam teia sobreárea onde residem

240 famílias

ciação de Moradia e Preservação Am-biental de Vila Ioaninha. A luz, queno caso de Raimunda chegou depoisde longa peregrinação, é hoje privilé-gio de meia dúzia de famílias. As de-mais utilizam ligações clandestinasque formam verdadeiras teias de ara-nha sobre suas moradias.

mento, mas ainda não há nenhum casopronto para demolição. ''A prefeituraterá que intensificar a fiscalização e osmoradores devem comprometer-se emdenunciar o vizinho que faz uma no-va obra. Já o Ministério Público poderáautuar a prefeitura e o Estado,em casodeomissão, e adotar medidas para ir atrásdo patrimônio dos infratores:' Mas nadadisso vai funcionar se as decisões naJustiça forem demoradas, ressalva.

Enquanto isso não acontece, as pla-cas de" Vende-se" espalham-se pelo Sí-tio Ioaninha. •

já fez o cadastramento das famílias einicia o levantamento das edificaçõesexistentesnos terrenos para impedir no-vas construções. Mas, apesar das visitasconstantes dos fiscais, outras obras es-tão em andamento. O fiscalda prefeitu-ra Fausto Veronese afirma que, quandohá construção nova, a prefeitura noti-fica o proprietário e manda paralisar aobra, mas muitos continuam. "Nessescasos nós entramos com processo pe-dindo a demolição da construção", dizVeronese. Segundo ele, algumas dessasações já estão em fase final de julga-

Ação de fiscais - Melhorar as condiçõesde vida dessas pessoas tem seus riscos:os lotes - hoje procurados pelo baixopreço - vão tornar-se mais atrativosquando houver água e luz. A prefeitura

O trabalho é desenvolvido juntocom os integrantes do Comitê da Baciado Alto Tietê, formado por represen-tantes do Estado, das prefeituras e dasociedade civil,na proporção de um ter-ço cada um. O projeto também deveráse estender para as sub-bacias Guara-piranga e Cabeceiras do Alto Tietê. Aintenção é capacitar os integrantes docomitê e facilitar as negociações entreeles,já que a administração da água en-volve vários municípios, cada um comnecessidades e interesses diferentes,além de as características da populaçãoque ocupa as áreas de manancias serembastantes distintas: "Temos moradores

de baixa renda atraídos pelo preço daterra, agricultores e até indústrias ins-taladas antes da legislação de proteçãoaos mananciais", diz Yara.

As soluções encontradas para cadauma das áreas em estudo certamenteserão distintas umas das outras. ''Amo-delagem é participativa e não pode-ria ser diferente em uma realidade tãocomplexa como a brasileira, onde opadrão de ocupação do solo pareceum mosaico: com agricultura, casas eindústria", diz a pesquisadora france-sa Raphaele Ducrot, coordenadora doNegowat. Projeto idêntico está sendodesenvolvido na Bolívia.

Yara Carvalho acredita que em umano será possível ter um diagnósticopreciso da realidade das áreas de ma-nanciais nas duas sub-bacias escolhidase um modelo com condições de fazersimulações. ''A partir daí podemos veros efeitos das várias decisões que po-dem ser tomadas. Ao mesmo tempovamos usar o jogo de papéis, onde umdos participantes nas discussões fará opapel de dono da indústria, por exem-plo, e a partir daí será analisado o cus-to de transferir a empresa para outrolugar:' Com isso, ela explica, pretende-se trazer a pesquisa para o diálogo dire-to com a comunidade.

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..•.

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I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

DIVU LGAÇÃO

Impulso àcultura científica

~

APESP está lançando umprojeto de avaliação dos re-sultados de suas políticasde fomento à pesquisa euma agência de notícias

para ampliar o alcance da divulgaçãocientífica. "As duas iniciativas, aparen-temente isoladas, se articulam concei-tualmente e filosoficamente no que serefere ao papel institucional", explicaCarlos Vogt, presidente da Fundação.

Para Vogt, a cultura científica dese-nha uma espiral que se movimenta emquatro quadrantes. Seu ponto de parti-da é a produção e difusão da ciência en-tre os pares, função que envolve pes-quisadores e o aparelho institucional defomento e produção do conhecimento;se amplia para o ensino da ciência eformação de cientistas,envolvendocien-tistas, professores e estudantes, desde oensino fundamental até a pós-gradua-ção; avança na direção do ensino paraa ciência, que tem como atores desdeprofessores e diretores de museus atéjovens estudantes, e completa um CÍr-culo com a divulgação científica, quan-do o conhecimento produzido reverbe-

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ra para a sociedade como um todo, an-tes de reiniciar o ciclo,cada vezmais es-tendido. "O autoconhecimento da ins-tituição, por meio da avaliação de seusprogramas, e a agência de notícias con-tribuem para a dinâmica dessa espiral",justifica Vogt.

O projeto de avaliação dos resul-tados das políticas de fomento da FA-PESP deverá abranger um período dedez anos. Está dividido em quatrosubprojetos. No primeiro, já em cur-so, está sendo feito um inventário doparque de equipamentos de médio egrande portes financiados pela Fun-dação em seus diversos programas es-peciais, de inovação tecnológica e au-xílios à pesquisa, levando em contasua condição de uso e ambiente aoqual está agregado. Esses dados serãolevantados nos processos de prestaçãode contas - que estão sendo digitali-zados - e por meio de questionárioseletrônicos que serão encaminhadosaos pesquisadores e grupos benefi-ciados. As informações serão reunidasnum banco de dados acessível pelainternet a qualquer pesquisador. O

projeto estará concluído em mea-dos do segundo semestre. "A idéia éformar um diagnóstico para política deconcessão de novos equipamentos': ex-plica Vogt.

O segundo subprojeto vai traçar operfil da demanda por financiamentosda FAPESP,desde 1992, buscando da-dos tanto sobre os pesquisadores quetiveram projetos aprovados como dosque tiveram propostas rejeitadas. "Pou-co sabemos sobre eles': afirma Vogt.Namesma perspectiva, o terceiro subpro-jeto vai rastrear a trajetória científica eprofissional dos pesquisadores que, nosúltimos dez anos, contaram com algu-ma forma de auxílio da FAPESP."Essesdados vão auxiliar a instituição a co-nhecer o seu papel no processo de for-mação de cientistas", afirma Vogt. E,finalmente, o quarto subprojeto vaiavaliar os reflexos do apoio da institui-ção às empresas que integram os pro-gramas Inovação Tecnológica em Pe-quenas Empresas (PIPE) e Parceriapara a Inovação Tecnológica (PITE) ecriar indicadores de desempenho. Osdois programas contam, respectiva-

Fundação avalia impactode seus programase cria agência de notícias

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ENSINO PARAA CIÊNCIA

ENSINO DA CIÊNCIAE FORMAÇÃO

DE CIENTISTAS

mente, com 185 e 58 projetos aprova-dos, em em diferentes fases de desen-volvimento. Os dados sobre os dois pro-gramas serão coleta dos no Centro deProcessamento de Dados da Fundaçãoe por meio de questionário enviado aoscoordenadores dos grupos de pesquisa,de forma a estabelecer critérios que per-mitam a comparação entre os distintosempreendimentos.

O projeto é coordenado tecnica-mente pelo assessor especial da pre-sidência, Iocimar Archângelo, que foiresponsável pelo vestibular da Uni-versidade Estadual de Campinas (Uni-camp) e pela implementação do ExameNacional do Ensino Médio (Enem), doMinistério da Educação (MEC). O pes-quisador responsável é Geraldo di Gio-vanni, da Faculdade de Economia daUnicamp. Os subprojetos serão coor-denados por Helena Maria Cunha doCarmo Antunes, da Escola de Enge-nharia de São Carlos, da Universidadede São Paulo (EESC-USP), e EugêniaMaria Reginato Charnet, do Institutode Matemática, Estatística e Computa-ção Científica, da Unicamp.

LINHA DO ESPAÇO

DIVU LAGAÇÃODA CIENCIA

LINHA DO TEMPO

PRODUÇÃOE DIFUSÃOCIENTíFICA

cia", diz Vogt. "Ela surge como uma ne-cessidade natural, pois é importantetentar entender corno a ciência se faz,mas é mais importante ainda compreen-der como a ciência se desenvolve e evo-lui. A agência de notícias pode ser algonovo para a FAPESP do ponto de vistada novidade pontual, mas não do pon-to de vista da cultura da Fundação, quesempre esteve voltada para esse tipo depreocupação."

A agência se articula com outrasiniciativas da Fundação na área de di-vulgação científica, como a revista Pes-quisa FAPESP, sua edição eletrônica(www.revistapesquisa.fapesp.br) e osite da Fundação (www.fapesp.br).

Trabalhando de forma articulada, asinformações geradas por cada um dosprodutos podem ser aproveitadas pelosoutros. Entretanto, a agência conta comuma equipe própria, coordenada pelojornalista Heitor Shimizu. Os primei-ros boletins foram enviados para cercade 15 mil pessoas, mas já na primeira se-mana esse mailing cresceu significativa-mente, em razão principalmente das so-licitações feitas diretamente ao site. •

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No aI de junho, a FA-PE estreou uma agên-cia e notícias de ciênciae te nologia, a AgênciaFAPESP, que conta com

um site (www.agencia.fapesp.br) e bo-letins diários distribuídos por e-mail aum público amplo e diversificado, for-mado por pesquisadores, dirigentes deórgãos de fomento, universidades einstitutos de pesquisa do país, políticos,jornalistas e outros interessados emciência e tecnologia.

A Agência FAPESP está integrada àgerência de comunicação, dirigida pelajornalista Maria da Graça Mascarenhas.Não é uma agência produtora de notí-cias apenas relacionadas à Fundação, masde abrangência muito maior. Ela pro-duz notícias, entrevistas e reportagensespeciais sobre assuntos relacionados àpolítica científica e tecnológica e à di-vulgação de resultados de pesquisas de-senvolvidas no Brasil e no exterior. Aassinatura dos boletins da agência é gra-tuita e pode ser feita pelo próprio site.

"O principal papel da Agência FA-PESP é o de difundir a cultura da ciên-

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• CIÊNCIA

LABORATÓRIO MUNDO

Um artifício para contar elétronso físico Alex Rimberg, daRice University, nos EstadosUnidos, e dois de seus alu-nos de pós-graduação con-seguiram tornar os elétrons- partículas que giram aoredor do núcleo atômico -um pouco menos abstratos:conseguiram realizar pelaprimeira vez uma conta-gem de elétrons individuaisem tempo real, valendo-sede um aparelho nanoscó-pico que se vê ao lado, feitacom um microscópio ele-trônico. Medindo cerca de1 milionésimo de metro decomprimento, o aparelhofoi construído sobre umfilme ultrafino de um ma-terial supercondutor, o ar-

• Os mais antigoshomens modernos

Agora, parece que foi mesmona África que a espécie hu-mana tal qual a conhecemossurgiu - e dali se espalhoupara o restante do mundo.Foi no leste do continenteafricano, precisamente em

. Herto, no deserto de Awash,porção central da Etiópia,que uma equipe de pesqui-sadores norte-americanos eetíopes descobriu os fósseismais antigos do homem mo-derno (Hama sapiens). Sãotrês crânios - dois de adultose um de uma criança de apro-ximadamente 7 anos - e maisalguns dentes de outros seteindivíduos, encontrados emmeio a ossos de hipopótamose antílopes e ferramentas depedra. Com cerca de 160 mil

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seneto de gálio. Um campoelétrico em forma de anelcorre em volta das pontas decinco fios de ouro, criandouma ilha central onde cercade 80 elétrons são isoladosdos demais na estrutura. Va-lendo-se de temperaturasultrafrias, os pesquisadoresconseguem reduzir a mo-vimentação dos elétrons econtar, individualmente,suas entradas e saídas do cir-cuito (Nature, 22 de maio).O resultado beneficia es-pecialmente a pesquisa decomputadores quânticos,projeta dos com base na es-tranha propriedade dos elé-trons de estar em vários lu-gares ao mesmo tempo. •

anos, segundo a datação comargônio, os crânios adultosguardam semelhanças com ohomem moderno: face maisachatada e caixa craniana emforma de globo. Mas traçosmais primitivos, como osolhos mais afastados um dooutro, levaram os pesquisa-dores a classificar os crânios -descritos em dois artigos naNature de 12 de junho -como sendo de Homo sapiensida/tu, uma subespécie do H.sapiens. Analisadas em con-junto, essas características co-locam esses hominídeos nasraizes da árvore evolutivahumana e são um reforço àsevidências genéticas de que ohomem moderno surgiu naÁfrica - ainda não se sabe seem apenas uma ou mais re-giões - e depois migrou paraos outros continentes, o opos-

to do que prevêem as teoriasque sugerem que as primeirascaracterísticas do H. sapiensapareceram quase ao mesmotempo em diferentes pontosdo planeta. •

global do planeta, é maior doque se pensava (New Scientist,4 de junho). Imaginava-se atépouco tempo atrás que os ae-rossóis reduzissem em umquarto o efeito estufa, quandona verdade podem diminuirem até três quartos, baixan-do o aumento de temperatu-ra em até 1,80 C, de acordocom as conclusões apresenta-das no final de maio em Ber-lim, na Alemanha, com a par-ticipação de representantesda Painel Intergovernamen-tal de Mudanças Climáticas(IPCC). A má notícia é que as

• Os benefíciosda poeira no ar

O impacto dos aerossóis - aspartículas microscópicas origi-nadas, por exemplo, por quei-madas, erupções de vulcõesou queima de combustíveisfósseis - sobre o aumento doefeito estufa, o aquecimento

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partículas permanecem no arpor cerca de uma semana, en-quanto os gases responsáveispelo aumento do efeito estu-fa circulam pela atmosferapor até 100 anos antes dese desfazerem. Além disso,a emissão de aerossóis ten-de a cair, enquanto a dosgases, aumentar. Conclu-são: o benefício dos ae-rossóis é passageiro e oaumento do efeito estufadeve prosseguir. •

• Estratégia contraa tuberculose

Duas mulheres africanas es-tão por trás de uma desco-berta que pode salvar milhõesde vidas no mundo inteiro.As sul-africanas Valerie Miz-rahi, da Universidade de Wit-watersrand, em Iohannesbur-go, na África do Sul, e HelenaBoshoff, do Instituto Nacio-nal de Saúde dos EstadosUnidos (INS), mais o norte-americano Clifton Barry, tam-bém do INS, descobriram umaproteína que está associada àcapacidade de o Mycobacte-rium tubercu/osis desenvol-ver mutações e tornar-se maisresistente às drogas - esse é oprincipal problema no com-bate à tuberculose, causadapor essa bactéria. Em um ar-tigo na revista Cell, os pesqui-sadores descrevem uma pro-teína conhecida como DnaE2 .

.À primeira vista, ela é bas-tante parecida com um tipode polimerase que copia oDNA, mas na verdade nãopassa de uma reproduçãodefeituosa do DNA. Este é operigo: são os defeitos na ma-triz que permitem a forma-ção de bactérias ligeiramentemodificadas que, quanto maisresistem às drogas, mais seproliferam. Eliminadas as pro-teínas, camundongos inocu-lados com o M. tuberculosisvoltavam a responder aos me-

Centaurus A: brilho das estrelas varia 1.500 vezes

dicamentos, além de morre-rem em menor quantidadeque os animais do grupo coma proteína atuante. A DnaE2tornou-se um alvo para re-duzir a taxa de resistência adrogas gerada por mutaçõesbacterianas. •

astro físicos alemães, chilenose australianos descobriu maisde mil estrelas vermelhas va-riáveis na galáxia elíptica Cen-taurus A (NGC 5128). Acre-dita-se que a oscilação nobrilho seja causada pela pul-sação da estrela, que altera suatemperatura e o tamanho des-ses objetos celestes - cerca de0,3% das estrelas visíveis sãoclassificadas como variáveis.Há exemplares cujo brilhovaria 1.500 vezes entre o má-ximo (magnitude 2, como adas 50 estrelas mais brilhan-tes no céu) e o mínimo (ma-

gnitude 10, visível somentepor meio de telescópios) emum período de 332 dias. Al-gumas das estrelas verme-lhas muito luminosas recém-descobertas confirmam aexistência de uma popula-ção de estrelas de idade in-termediária no halo dessagaláxia. Essa verificaçãoajuda a entender como asgaláxias elípticas gigantes

se formam. •

• O aço unidoao diamante

o químico Ivan Buijnsters, daUniversidade de Nijmegen,na Holanda, conseguiu juntara dureza do diamante com aresistência do aço em umaúnica peça, aplicando umacamada adesiva entre a super-fície de aço e o revestimentode diamante. Buijnsters jáproduzia esse revestimento apartir da diluição de meta-no em hidrogênio. Por meiodessa técnica, os átomos decarbono presentes no meta-no desprendem-se formandouma fina camada de diaman-te que adere a diversas su-perfícies. O problema é que,aplicado ao aço, o carbonopenetra no metal e produzgrafite em vez de diamante.Buijnsters pôs-se então aprocurar um terceiro mate-rial capaz de grudar no aço edeter a passagem dos átomosde carbono. No início, o silí-cio parecia um bom candida-to, mas falhou por deixar osátomos passarem. Já o nitre-to de cromo produziu boascamadas de diamante em vá-rios tipos de aço, mas de máqualidade no aço inoxidável.O campeão foi o boro, que sesaiu bem em todas as varie-dades do metal, além de per-mitir uma expansão adequa-da da superfície externa doaço durante a aplicação dodiamante a 6000 C. •

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• As estrelas debrilho variável

No primeiro censo de estrelasde brilho variável do grupo lo-cal de galáxias, do qual a Via-Láctea faz parte, uma equipeinternacional formada por

Resistência ampliada: camada adesiva entre diamante e aço

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Em conseqüência do des-mame precoce e da dieta ricaem alimentos industrializa-dos, gorduras e açúcares, ascrianças de Florianópolistornaram-se mais taludi-nhas do que a média nacio-nal. Pesquisadores da Uni-versidade Federal de SantaCatarina (UFSC) verifica-ram que 6,8% das crianças

• Febre maculosavolta a preocupar

Apenas em 2000, na região deCampinas, a nordeste do Es-tado de São Paulo, houve oitocasos notificados de febre ma-culosa. Provocada pela bacté-ria Rickettsia rickettsii, chegaao homem por meio do car-rapato-estrela ou carrapato-de-cavalo (Amblyomma cajen-nensei, que vive em eqüinos,gado, roedores silvestres, coe-lhos e cães. Um levantamen-to publicado nos Cadernosde Saúde Pública avalia a in-cidência de febre maculosadesde 1985, quando houveapenas três casos nessa re-gião. Desde então, acumulam-se 47 casos confirmados, com23 mortes, e ocorreu uma am-pliação da área de transmis-

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o alerta da balançada capital catarinense estãocom sobrepeso - peso aci-ma do normal para a altu-ra. É uma taxa maior que amédia nacional (4,9%), deacordo com o estudo pu-blicado na Revista de Nu-trição e apoiado na avalia-ção de 3.806 crianças comaté 6 anos, o equivalente a10% da atual população da

são: ao menos cinco municí-pios se apresentam como no-vas áreas de infecção. Segun-do a coordenadora do estudo,Virgília Castor de Lima, daSuperintendência de Con-trole de Erídemias (Sucen), hácasos relatados também noRio de Janeiro, no EspíritoSanto e na Bahia. "É possívelque exista transmissão aindanão detectada em outros es-tados", diz ela. Rara e de diag-

cidade nessa faixa de ida-de. "Se a tendência persis-tir, teremos uma geração deadultos obesos, com a saú-de comprometida pela as-sociação com doenças crô-nicas não-transrnissíveis,como diabetes e hiperten-são", diz Arlete Tittoni Cor-so, a coordenadora do es-tudo. "Temos de atuar nas

nóstico difícil, mas com umaletalidade de 20%, a febremaculosa p~eocupa tambémpor se tratar de "uma doençaemergente, pouco conhecidados profissionais de saúde, oque causa atraso no diagnós-tico", ressalta a pesquisadora.O Ministério da Saúde tor-nou a febre maculosa doençade notificação compulsória eprepara um manual sobre aenfermidade. •

Perigo próximo: cãescom carrapatos

unidades de saúde, orien-tando as gestantes sobrecomo alimentar os bebêsdurante e após o desmame,e em creches, acompanhan-do o crescimento das crian-ças." Estima-se que no Bra-sil existam cerca de 3milhões de crianças de até10 anos com sobrepeso.Em 1989, eram 1 milhão .•

• Mercúrio contaminaíndios em Rondônia

Nem só à região do garimpose restringem os danos arn-bientais e de saúde provo-cados pela extração do ouro.Pesquisadores do InstitutoEvandro Chagas (IEC), em Be-lém, no Pará, e da Universi-dade Federal do Rio de Janei-ro avaliaram 910 índios daetnia pacaá-nova, habitantesda região de Guarajá-mirim-no noroeste de Rondônia,próximo à Bolívia e distantedezenas de quilômetros dosgarimpos do rio Madeira. Apartir da análise das taxas demercúrio encontradas nocabelo, a equipe de ElisabethSantos, do IEC, viu que osíndios apresentavam níveissuperiores ao limite tolerado

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ciente entre as fumantes: 62%das mulheres deixaram o ci-garro, enquanto só 43% doshomens pararam de fumar.Nove meses mais tarde, po-rém, metade das pessoas quehaviam largado o fumo voltoua consumir cigarros. [aquelineatribui a recaída à depressão,no caso dos homens. Já entreas mulheres a retomada dohábito de fumar ocorreu porcausa da ansiedade latente,observada mesmo entre asque não retomaram o vício -depois de usar o Zyban, as ex-fumantes trocaram o cigarropela comida e ganharam, emmédia, 8 quilos. •

Impacto: resíduos do garimpo atingem peixes e ribeirinhos

pela Organização Mundial daSaúde, que é de 6 microgra-mas por grama de cabelo -em média, os níveis dos pa-caás-novas eram de 6,9 mi-crogramas/grama, segundo es-tudo publicado nos Cadernosde Saúde Pública. Utilizadopara separar da areia o ouro,o mercúrio sobe como vaporpara a atmosfera e contaminao solo e os peixes dos rios. Omais grave é que as concen-trações estavam mais elevadasjustamente nos indivíduosmais suscetíveis aos efeitos da-nosos desse metal: as mulhe-res em idade reprodutiva e ascrianças, que podem apresen-tar enfraquecimento dos mús-culos, perda da visão e atédanos cerebrais. A taxa demercúrio chegou a 10,4 mi-crogramas/grama no cabelode 75% das crianças e atingiu10,9 microgramas/grama emtrês de cada quatro índias. •

• O sofrimento deparar de fumar

Quem já tentou largar o ci-garro sabe que não é fácil.Nem mesmo quando os efei-tos danosos do tabaco já semanifestam e as chancesde sobreviver dependem doabandono do vício. Para com-preender os motivos que di-

ficultam deixar o fumo, pes-quisadores do Instituto doCoração (Incor) da Univer-sidade de São Paulo acom-panharam por um ano 60homens e 40 mulheres queprecisavam parar de fumar -mais da metade havia sofri-do infarto, 30% tinha hiper-tensão grave e todos já havi-am tentando sem sucessolargar esse hábito ao menosuma vez. Ao avaliar o perfildos participantes, a cardiolo-gista Iaqueline Issa, do Am-bulatório de Tabagismo do In-cor, constatou que 67% dasmulheres fumantes apresen-tavam depressão, que atingia38% dos homens - são índi-ces muito superiores aos dorestante da população. Agorafica mais fácil entender porque algumas pessoas têm di-ficuldade maior para deixar ocigarro. "Esses indivíduos pa-recem mais vulneráveis à açãoda nicotina, que gera depen-dência química e psíquicapor aliviar a tensão e melho-rar o estado emocional", ex-plica Iaqueline. "Esse estudoajuda a combater o estigmade que o fumante não temdeterminação", diz ela. Emseguida, -a equipe do Incortratou os fumantes por trêsmeses com o antidepressivobupropiona, o Zyban. Logoapós esse período, o medica-mento mostrou-se mais efi-

Dilema: entre a ansiedade e o risco de obesidade

• OSSO de boipara implantes

Uma equipe da Universida-de Federal de Santa Catarina(UFSC) avança na pesquisa deparafusos feitos a partir deosso bovino, que podem serusados em implantes médicose odontológicos. Depois deFábio Rojas Mora, em 2000,ter desenvolvido os parafusosde osso bovino, Daniela Águi-da Bento demonstrou que es-ses dispositivos apresentamuma resistência mecânicaigualou até mesmo superioraos equivalentes feitos de ti-tânio. Ela implantou os pa-rafusos dos dois tipos emgrupos distintos de coelhos,retirou os fêmures após 17dias e os submeteu a ensaiosmecânicos e a exames de to-mografia computadorizada.O fêmur com o implante deosso resistiu a uma maior car-ga do que o que recebeu im-plante de titânio. Além disso,os fêmures se quebraram emlocais diferentes: nos pontosem que estava o parafuso deosso ou, no outro caso, umpouco mais distante, umaindicação de que o parafusode osso distribui as cargas demodo mais uniforme. •

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o exercíciofísico moderadoampliaa respostaa vacinas

As análises de sangue retirado tantode animais de laboratório quanto deesportistas profissionais indicam quemodalidades esportivas distintas, comonatação ou corrida, determinam respos-tas diferentes do sistema imunológico.Dependendo da intensidade e dosmúsculos acionados, pode haver maiorou menor mobilizaçãode células do sangueou de substâncias cha-madas citocinas, quepromovem a ação in-tegrada do sistemaimune. As conclusõesabrem a possibilidadede indicar os exercíciosmais apropriados paradoenças específicas, al-go feito até agora combase apenas na intui-ção, sem evidências ex-perimentais. A equipe da USP concluiu,por exemplo, que a natação ajuda a con-ter a artrite reumatóide, um tipo de in-flamação crônica e incurável que se de-senvolve nas articulações, com dores edeformidades progressivas. Estima-seque no Brasil existam cerca de 2 mi-lhões de brasileiros com artrite reuma-tóide, mais comum em mulheres, so-bretudo após os 50 anos. Com a cautelatípica dos pesquisadores, Rosa alerta,porém, que as conclusões emergiramde experimentos com ratos e ainda écedo para se pensar em aplicações ime-diatas em seres humanos.

Suplementos - Mas há uma vertentedessa pesquisa cujos resultados já po-dem ser adotados. A equipe da USPexaminou os suplementos energéticosà base de aminoácidos (as unidades dasproteínas) vendidos em lojas muitasvezes vizinhas das academias de ginás-tica - e a conclusão é que nem semprefazem tudo o que se imagina que fa-zem. Para desgosto de quem sonha emganhar rapidamente o corpo de um Ar-nold Schwarzenegger, a má notícia éque os aminoácidos em geral não au-mentam a massa muscular - o supostoefeito anabolizante. Em compensação,ao menos um deles, a glutamina, atuade fato como uma fonte extra de ener-gia para as células de proliferação rápi-da - tanto as do sistema imune como asda parede do intestino - durante oexercício físico. Desse modo, a glutami-na satisfaz as necessidades imediatas do

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orgamsmo, em um processo que se es-gota com o fim do exercício, sem quereste nada para tornar os braços ou aspernas mais apresentáveis.

Rosa começou a estudar o papel daglutarnina nas alterações da respostaimune de atletas profissionais - maissujeitos a estresse físico e a infecções que

os indivíduos sedentá-rios - em 1996. Tinhaacabado de chegar deum pós-doutoramen-to no laboratório deEric Newsholme, emOxford, Inglaterra -foi Newsholme o des-cobridor de que a glu-tamina é a principalfonte de energia paraas células do sistemaimunológico. Rosa de-talhou esse processo e

comprovou que a ação da glutamina écomplementar à da principal moléculaprovedora de energia do organismo, aglicose, ainda que ambas percorram ca-minhos bioquímicos diferentes, con-forme noticiado num artigo publicadoem maio de 2002 na revista Nutrition."Com essa adaptação metabólica': diz opesquisador, "as células ganham versa-tilidade e produzem energia a partir deuma matéria-prima abundante, a glu-tamina, enquanto empregam a glicosena síntese de proteínas essenciais aoprocesso de duplicação celular."

Essenão é o único meio- peloqual o sistema imune ajudao organismo a produzirenergia mais rapidamente.

, Há apenas dois anos, BentePedersen, da Universidade de Cope-nhague, na Dinamarca, descobriu que ainterleucina-6 - uma proteína que ati-va as células do sistema imunológico emresposta a inflamações - ajuda a con-verter as reservas de glicose armazena-das no fígado em glicose pronta paraser queimada pelas células. Esse traba-lho estabeleceu outra função estratégi-ca para o sistema imunológico - con-junto de 2 trilhões de células brancasagrupadas sob o nome genérico deleucócitos. Dispersos na corrente san-güínea e nos tecidos, os leucócitosequivalem a 2% do peso corporal- sepudessem ser reunidos, corresponde-riam, em massa, ao fígado ou ao cére-bro. Eram vistos apenas como faxinei-

ros do organismo, aptos tão-somentea destruírem vírus, bactérias e célulasvelhas ou doentes, até o trabalho dePedersen vir à tona e atrair outroscientistas. "Devem existir outras pro-teínas do sistema imune que regulem aprodução de energia", acredita Rosa. Àfrente de um dos únicos centros bra-sileiros de pesquisa sobre exercício eimunidade, o pesquisador da USP tomafôlego para seguir pela trilha aberta pelapesquisadora dinamarquesa, dispostoa avaliar a importância desses mecanis-mos em seres humanos.

Ganhos de imunidade - Quem faz gi-nástica, nada, corre ou pedala pelo me-nos três vezes por semana - numa in-tensidade equivalente a 60 ou 70% dacapacidade máxima de consumo deoxigênio, de acordo com a clássica defi-nição de atividade física moderada -tem acesso mais rápido que os amigosdo sofá a essas vias alternativas de ener-gia. Mas quem inveja o vigor agoracomprovado dos esportistas tem umconsolo: bastam dez minutos de subidana escada para usufruir de um benefí-cio da atividade física já comprovado einiciar o recrutamento de leucócitos.

Meia hora depois do início do exer-cício, o sangue que corre pelo corpocontém um número de células brancasduas ou até quatro vezes maior que onormal- a proporção depende da in-tensidade do exercício, fazendo jus aoesforço de quem não pensa duas vezesantes de subir na esteira ou na bicicleta.Mas de onde vieram esses leucócitosque caem na circulação? Eles foram li-berados mais intensamente pela medu-la óssea, onde são produzidos, e retira-dos das profundezas de órgãos comopulmão, fígado e baço. Só dois diasdepois, em média, é que essas célulassaem das artérias e veias e se espalhampelos músculos e por outros tecidos docorpo - é quando começam a limpar ocorpo de vírus, bactérias, toxinas oumesmo células doentes, cumprindoassim sua missão mais conhecida.

Com o trabalho desse grupo estáprovado também que o esforço físicomoderado amplia a resposta a vacinas.Num experimento feito no ICB comratos sedentários, a vacina usada contraa tuberculose, a BGC (sigla de BacillusCalmette-Guerin), aumentou em 69%a quantidade de um tipo de anticorpochamado imunoglobulina do tipo G

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Entre uma passada e outraA atividade física acionauma série de órgãose de processosbioquímicos que acelerama produção de energiade que o corpo necessita

Durante o exercício, as pernas setornam o principal centro produtorde energia. A movimentaçãofaz as células muscularesproduzirem glutaminaem maior quantidade.Em seguida,a glutamina é liberadapara a corrente sangüínea.

2As glândulassupra-renais liberamcortisol, que tambémcai na circulação.

3Nos vasos sangüíneos, o cortisolajuda a aumentar a quantidade delinfócitos, que capturam a glutaminae a utilizam como fonte de energia.

4No fígado, o cortisol ea glutamina induzem à produção deglicose, que cai na circulação e vai abasteceras células musculares. A alanina, outroaminoácido liberado pelas células musculares,ajuda a transformar glicogênio em glicose.

5o exercício ativa a hipófise,que age com o hipotálamoe libera o hormônioadrenocorticotrófico (ACTH).OACTH chega às supra-renaise estimula a produção de maiscortisol, que vai reforçar aprodução de energia no fígadoe de matérias-primas para aglutamina nas células musculares.

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(IgG), ao passo que os ratos treinadosganharam quase o dobro (135%) des-ses anticorpos. A atividade física podeainda recuperar as perdas do sistemaimune causadas pela desnutrição,como indica um trabalho cujas conclu-sões detalhadas devem sair em breve narevista Clinical Nutrition.

Explorando essas vertentes, os doispós-doutores, oito doutorandos, doismestrandos e oito estagiários da equipede Rosa - todos nadam, correm ou pe-dalam, embora o coordenador do labo-ratório negue que a afinidade pelo es-porte seja uma exigência curricular -dão sustentação científica ao lugar-co-mum de que a atividade física faz bem.Mas a busca de explicações para os ga-nhos de imunidade exige o fôlego deuma maratona. Em março de 2001,Reury Frank Pereira Bacurau, um dosalunos de Rosa, concluiu seu doutora-mento mostrando a ação do esforço fí-sicocontra o tumor de Walker,que atacaórgãos vitais, como o pulmão, o fígadoe o intestino. Normalmente o exercíciomoderado faz bem ao organismo, e osintensos tendem a ser prejudiciais, porconsumirem energia em excesso, masBacurau conseguiu demonstrar que, nocaso do câncer, tanto um quanto outrotipo podem ser benéficos. Ficou no ar,porém, a dúvida sobre como o organis-mo seria beneficiado.

Só agora, dois anos depois, épossível explicar os resultadosde modo mais consistente. Aatividade física parece atuarcomo um marcador de tempo

- os ratos do experimento iam para aesteira sempre às 8 horas da manhã,cinco vezespor semana. A corrida fun-cionaria assim como a melatonina, ohormônio produzido pela glândula hi-pófise, na base do cérebro. Por ser libe-rada em maior quantidade à noite, amelatonina diminui a temperatura docorpo e induz ao sono. Desse modo,atua como um regulador do relógio bio-lógico, regido pela alternância entreclaro e escuro. A regularidade com queé liberada - tal qual o exercício feito nomesmo horário - determina o padrãode funcionamento de outros processosdo organismo, como a digestão, o rit-mo cardíaco e a respiração.

O crescimento de um tumor, emqualquer parte do corpo, desregula aprodução de melatonina e desorganiza

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Esteira reduza desordemcausada pelostumores noorganismo

o ritmo em que o or-ganismo costumavafuncionar - é parte dabagunça orgânica co-nhecida como caque-xia. "Quando começaa caquexia, o organis-mo se perde, mas oexercício pode substi-tuir parcialmente opico noturno de me-latonina", diz Rosa. "Oorganismo parece trocar o sinal da me-latonina pelo exercício,recuperando aomenos em parte a organização ante-rior." Durante o exercício, há uma in-tensa comunicação entre os sistemasnervoso, hormonal e imune, que sãomobilizados de modo a gerar energiao mais rapidamente possível (veja ilus-tração na página anterior). Os experi-mentos realizados no laboratório doICB reforçaram a idéia de que as horasde esteira a que os ratos se submeterampodem ter restabelecido as conexõesperdidas com o avanço do tumor.

Alívio à artrite - Poucoa pouco, fortaleceu-sea hipótese de que dife-rentes exercícios po-dem ajudar a resolverdoenças distintas. Parareduzir as dores nasarticulações causadaspela artrite reumatói-de, por exemplo, agorase sabe que uma ativi-dade eficaz é a nata-

ção, conforme mostrou Francisco Na-varro, outro aluno de Rosa, em umtrabalho com ratas - esse problema émais comum em fêmeas.Em compara-ção com os animais que ficaram longeda água, observou-se uma diminuiçãode até 40% nos sintomas da artrite reu-matóide, medidos por meio de marca-dores de dor, como a prostraglandina,nas ratas que nadaram uma hora pordia, cinco vezespor semana.

Está também mais claro por que oexercício faz bem para o coração. Emtermos gerais, é porque estimula a pro-

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dução das chamadas citocinas pré-in-flamatórias - a exemplo do fator de ne-crose tumoral alfa - em um processoque conduz à recuperação do coraçãode ratos infartados, de acordo com osresultados preliminares de um estudo aser apresentado este mês em Copenha-gue no Congresso Internacional déImunologia do Exercício.

No encontro científico da capital daDinamarca, Rosa vai submeter-se à sa-batina de outros especialistas tambémcom os resultados mais recentes sobredesnutrição e atividade física. Sabe-sehá pelo menos 30 anos que a falta decomida reduz a produção de células dosistema imune - como, de resto, afetatodo o organismo. No entanto, como aequipe do ICB demonstrou, exercíciosmoderados revertem essa perda e au-mentam a produção de citocinas e aproliferação de linfócitos, um tipo deleucócito, em um processo intermedia-do pela glutamina.

Produzido principalmente pelas cé-lulas dos músculos, esse aminoácido

também reequilibra os dois tipos derespostas imunes: a celular, acionadano combate a tumores e infecções, e ahumoral, promovida pelos anticorpose adotada contra parasitas e em reaçõesalérgicas. Além das novidades sobre osprocessos que ocorrem no interior dosleucócitos, os pesquisadores descobri-ram um fenômeno que chamaram deParadoxo do Corredor Africano: ratos

o PROJETO

Influência do Exercício Imunesobre a Resposta Imunológicade Ratos Desnutridos

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORLUIS FERNANDO BICUDO PEREIRACOSTAROSA- Instituto de CiênciasBiomédicas da USP

INVESTIMENTOR$ 383.047,25

Esforço recompensado: meiahora após o início do exercíciohá até quatro vezes maiscélulas brancas no sangue

desnutridos correm mais que os bemnutridos. "Pode ser que corram maispor terem metade do peso que os bemnutridos ou por conseguirem armaze-nar mais energia, já que passam 23 ho-ras descansando e uma hora em ativi-dade", diz Rosa. "Na hora de usaremenergia, têm mais reserva que os do ou-tro grupo."

A equipe da USP reforça os resulta-dos acompanhando atletas profissio-nais, como Rodrigo Tadei e EdmundoCaetano, dois expoentes do triatlon na-cional que participam das pesquisas hácinco anos. O estudo, que mostrou aimportância da glutamina para respos-ta imune de atletas como fonte extra deenergia, por exemplo, foi feito com 12triatletas que nadaram 1,5 quilômetro,pedalaram 40 quilômetros e correramoutros 10,além de 24 maratonistas quefizeram um percurso de 30 quilôme-tros em duas horas - um mês antes dacompetição, esticaram o braço para aprimeira retirada de sangue, cuja análi-se fundamentaria o estudo.

O próprio Rosa deu o sangue pelaciência, literalmente. Foi em janeiro doano passado, quando ele subiu na bici-cleta, seu aluno de doutorado ReinaldoBassit subiu em outra, e os dois parti-ram pedalando rumo a Uberaba, noTriângulo Mineiro, a 500 quilômetrosde São Paulo. Paravam a cada 12horas,após terem percorrido 250 quilôme-tros, e doavam um pouco de sanguepara a equipe de apoio, que os seguiaem uma perua. "Pretendíamos fazer os1.000 quilômetros de ida e volta, masfizemos apenas 700 porque na volta co-meçou a chover e a ventar forte, pertode Ribeirão Preto, e tivemos de desis-tir", diz o pesquisador-esportista, quefoi remador durante 18 anos. Trocou obarco e o remo por uma bicicleta decorrida e ainda acorda todo dia às 4h30da manhã para pedalar de 80 a 120quilômetros. Chega ao laboratório às 8e, sempre que consegue se liberar doscompromissos familiares, termina odia correndo 12 a 15 quilômetros navolta para casa. É ele, por sinal, o cor-redor que aparece na ilustração e onadador acima. •

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• CIÊNCIA

MEDICINA

As células de mil facesEquipes brasileiras usam terapia celularpara tratar experimentalmentedoenças auto-imunes e lesões no cérebro

NoBrasil, não são apenas os porta-dores de problemas cardíacos quedesfrutam os benefícios - aindaem fase experimental- das célu-las-tronco adultas, alvo de inten-

so interesse porque são capazes de se diferenciardas células de alguns tecidos do corpo, como osdo coração e do cérebro. Após os experimentospioneiros de Alberto Marmont, do Hospital SanMartino, em Gênova, Itália, e de Alan Tyndall,da Basiléia, Suíça, o uso desse tipo de células-tronco ganha outra aplicação: no tratamento daschamadas doenças auto-imunes, quando o sis-tema imunológico ataca tecidos e órgãos sau-dáveis do próprio organismo.

Desde 1996, quando Marmont e Tyndall anun-ciaram as conclusões de seus testes com sereshumanos, os experimentos com células-troncoespalharam-se por centros europeus, norte-americanos e brasileiros. Na Faculdade de Me-dicina de Ribeirão Preto da U~iversidade de SãoPaulo (USP), Júlio César Voltarelli concluiu novetransplantes de células-tronco para tratar doençasauto-imunes, realizados em colaboração com mé-dicos de dois hospitais paulistanos, o AlbertEinstein e o Sírio Libanês, e um de Belo Hori-zonte, o Socor. De acordo com um artigo a serpublicado em breve na Bane Marraw Transplan-tation, quatro pacientes eram portadores delúpus eritematoso sistêmico, uma inflamaçãograve que atinge a pele, as articulações e causadanos progressivos nos rins. Três outros sofriamde esclerose múltipla, em que as células de de-fesa destroem a bainha de mielina, uma capa queprotege os neurônios (células nervosas), e leva àincapacidade física progressiva. Outro pacienteapresentava esclerose sistêmica, uma doença queprovoca a perda de elasticidade da pele e de ór-gãos internos e mata por insuficiência respirató-

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ria. Além de esclerose sistêmica, o nono pacien-te tinha lúpus.

Em um trabalho vinculado ao Centro de Te-rapia Celular, um dos Centros de Pesquisa, Ino-vação e Difusão (Cepids) apoiados pela FAPESP,Voltarelli deu aos pacientes uma quimioterapia àbase de medicamentos chamados imunossupres-sores, que eliminam as células do sistema imune.Ao mesmo tempo, aplicou doses de um hormô-nio que estimula as células-tronco a migrarem damedula óssea - onde se concentram - para o san-gue, que foi filtrado para separar as células-troncodas demais. Após uma dose mais alta de imunos-supressores, o pesquisador repôs as células-troncode volta ao sangue dos pacientes. Voltarelli acre-dita que as células-tronco substituam as célulassangüíneas é assim ajudem a restaurar o sistemaimunológico debilitado pela quimioterapia. Dasnove pessoas tratadas, três morreram - um fatoque os médicos atribuem a complicações geradaspela quimioterapia e à gravidade da doença quejá apresentavam. As outras seis melhoraram, em-bora permaneçam sob acompanhamento médico.Cinco delas não precisaram mais de medicamen-tos que inibem o sistema imune e apenas uma re-cebeu mais uma dose de imunossupressores. "Aospoucos, estamos avançando': diz Voltarelli, queintegra a equipe que prepara os primeiros estu-dos em outros dois problemas de saúde humana,a artrite reumatóide e o diabetes.

Neurônios lesados - Numa outra série de experi-mentos, Rosalia Mendez Otero e Gabriel de Frei-tas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), e Maria Lucia Mendonça, do HospitalPró-Cardíaco, conseguiram reduzir - por en-quanto apenas em ratos - os danos decorrentesda morte de parte do cérebro por falta de oxigê-nio e nutrientes. Conhecido como acidente vas-

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cular cerebral isquêmico (AVC)ouisquemia cerebral, esseproblemapode levar à imobilidade debraços e pernas e até mesmoà perda da fala. Privados desangue, os neurônios mor-rem e liberam glutamato,uma substância químicaque realiza a comunicaçãoentre as células nervosas.Em concentrações eleva-das, porém, o glutamatotorna-se tóxico e mata ascélulasvizinhas,ampliandoo estrago. Rosalia observouque, ao injetar células-tron-co no sangue de ratos comisquemia cerebral, essascélu-las se dirigem para a região le-sada, onde se instalam e permi-tem a recuperação de neurôniosao redor da área morta - ao queparece,por liberarem substânciasquí-micas que contrabalançam a ação doglutamato. Caso pesquisas futuras con-firmem esse resultado, o uso de células-tronco pode se tornar uma forma eficazde impedir, ou ao menos diminuir, osefeitos secundários, que só aparecemalguns dias após a isquemia cerebral.Os medicamentos disponíveisatualmen-te dissolvem o coágulo que bloqueia ofluxo de sangue, mas só reduzem os da-nos se tomados nas três primeiras ho-ras após a isquemia. O que se pretendecom as células-tronco é ampliar o pe-ríodo em que ainda é possível reduziros danos gerados pela falta de irriga-ção do cérebro. •

0.'

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• CIÊNCIA

IMUNOLOGIA

Amicoseda erra

Avançam as pesquisas de umavacina e de genes-alvo para combaterfungo típico da América do Sul

~

ós quase 20 anos de trabalho, pes-quisadores da Universidade Fe-deral de São Paulo (Unifesp) che-garam a uma potencial vacinacontra o fungo Paracoccidioides

brasiliensis, causador de uma micose típica daAmérica Latina, a paracoccidioidomicose, queinfecta 10 milhões de indivíduos (80% delesno Brasil). Testes em camundongos e comamostras de sangue de seres humanos revela-ram que uma mistura de fragmentos de umaproteína extraída do próprio fungo gera umaresposta imunológica em 75% dos casos, mui-to próximo do nível desejável para uma vaci-na. Com novos testes, que devem levar algunsanos, essavacina deve se tornar uma alternati-va efetivapara prevenir a doença e aumentar aeficiência dos tratamentos usuais - à base demedicamentos do tipo sulfa ou fungicidas -,que podem se prolongar por até cinco anos.

Outra vertente de trabalho que pode resul-tar em novas formas de combate à doença é oestudo do genoma do P. brasiliensis. De modoindependente, mas complementar, dois gru-pos - um da Faculdade de Ciências Farmacêu-ticas de Ribeirão Preto da Universidade de SãoPaulo (USP) e outro formado por pesquisa-dores da região Centro-Oeste - seqüenciaram11 mil genes do fungo. Encontraram 40 genes

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que representam futuros alvos para medica-mentos por serem essenciais à sobrevivênciado parasita no organismo humano: estão li-gados à agressividade do fungo, à sua capaci-dade de aderir às células do organismo hos-pedeiro (por exemplo, as dos pulmões) ou àtransformação do micélio, filamentos multi-celulares que contaminam os seres vivos, emlevedura, células que se espalham pelo corpo.

Essamicose causa feridas na pele, lesões naboca e pode contaminar os pulmões e se in-filtrar nos ossos, nas articulações e no sistemanervoso central.Alastra-se,sobretudo, entre tra-balhadores rurais de áreas de ocupação recen-te, como os estados de Rondônia, do Tocantins,Pará, Mato Grosso e Acre.É uma provável con-seqüência do desmatamento e do preparo dosolo para o plantio, que aumenta o número departículas do fungo em suspensão no ar.

Os pesquisadores da Unifesp, extraíram dopróprio fungo os ingredientes do que, em expe-rimentos com camundongos e sangue huma-no, mostrou-se uma possível vacina contra aparacoccidioidomicose. A equipe de Travassoscoordenados por Luiz Rodolpho Travassosve-rificou que pequenos fragmentos de umaproteína (peptídeos) da superfície do fungo,a glicoproteína 43 ou gp43, são capazes de es-timular a resposta do sistema de defesa de ro-

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sis e viu que havia uma proteção efetiva contraa infecção: os pulmões não sofriam danos e ofungo não se disseminava pelo organismo. "OPIO é a nossa grande estrela", diz Travassos.

Ainda faltava saber se o PIO - ou outrospeptídeos da gp43 - funcionaria no homemcomo uma chave que se encaixa em uma espé-cie de fechadura química, a molécula MHC declasse 11(sigla em inglês para complexo prin-cipal de histocompatibilidade). Formado porduas proteínas acopladas, esse complexo reco-nhece moléculas estranhas ao organismo edispara o alarme do sistema de defesa. A fimde gerar a proteção desejada em populaçõesgeneticamente distintas, o PIO teria de ser oque os pesquisadores chamam de antígenopromíscuo - promíscuo, aqui, significa se ligarao maior número possível dos cerca de 300 ti-pos de moléculas de MHC de classe 11identi-ficados do ser humano.

Para verificar se isso ocorria, Travassos tra-balhou com pesquisadores da Faculdade deMedicina da USP e um programa de compu-tador que analisou a compatibilidade entre asestruturas do PIO e as de 25 dos 300 tipos deMHC classe 11.Deu certo: o PIO se encaixavacom alta afinidade em 22 dos 25 tipos deMHC de classe 11 analisados - outros quatrofragmentos da gp43 mostraram potencial si-

Trama intricada: o micélio do P. brasiliensis, umadas formas pela qual o fungo infecta o ser humano

edores contra o P. brasiliensis, um bom indi-cativo do que pode ocorrer no organismo hu-mano.

Rosana Puccia, ainda como aluna de dou-torado de Travassos, havia descoberto em1986 que a gp43 acionava o sistema imunoló-gico humano contra o fungo - funcionavacomo um antígeno, como dizem os pesquisa-dores. A molécula inteira, além de estimular aproliferação de linfócitos T, um tipo de célulade defesa, disparava a produção de anticorpos,o que não é eficaz no caso dessa micose. Surgiuentão a idéia de buscar um trecho da gp43 quegerasse apenas o efeito benéfico: a produçãodos linfócitos T.

PIO, a estrela - Tempos depois, os pesquisa-dores verificaram que uma pequena parte dagp43 também despertava a resposta imune -era um segmento composto por apenas 15aminoácidos (os blocos formadores das pro-teínas) conhecido pela sigla PIO. Em testescom três linhagens de camundongos, o PIOestimulou a proliferação de linfócitos T contrao fungo em todos os animais. Após imunizaros roedores com o peptídeo, Carlos Taborda,também aluno de doutorado de Travassos, in-jetou na traquéia dos animais uma suspensãocontendo uma forma agressiva do P. brasilien-

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milar. Pode parecerpouco, mas esses 25 sãoos complexos de histo-compatibilidade apre-sentados por 90% dapopulação caucasóide,a maior divisão étnicada espécie humana, queinclui os povos nativosda Europa, norte daÁfrica, sudoeste daÁsia, inclusive a Índia,com característicascomo cor da pele, quevaria de clara a morena,e cabelos, de lisos a on-dulados e crespos.

Faltava saber comoas cinco moléculas iden-tificadas se comporta-riam em contato comcélulas do sistema dedefesa humano. Desta vez, foi Leo KeiIwai, da USP,quem testou os peptídeosem amostras de sangue retiradas de 29pessoas que já haviam recebido trata-mento contra infecção pelo P. brasilien-sis e ainda apresentavam reação imu-nológica contra o fungo. Surgiu umquadro complexo: embora ainda fosseo antígeno mais eficaz, o PIO acionoulinfócitos T específicos para o antígenoem cerca de metade das amostras exa-minadas - uma taxa de sucesso aquémda exigida para a produção de uma va-cina com um único peptídeo.

A boa notícia é que os outros peptí-deos funcionaram quando o PIO falhou.De acordo com os resultados mais re-centes, os cinco antígenos misturadosexibem um desempenho de 75%. "Essenível já é eticamente adequado para sepensar em uma vacina", diz Travas-

Ciclo de vida: o fungo se proliferano organismo como levedura

sos. Mesmo assim, ainda é necessáriosuperar outras etapas antes de obteruma vacina viável para os primeirostestes em seres humanos. A primeiradelas é produzir os peptídeos em quan-tidade e com grau de pureza elevados,além de descobrir qual a formulaçãomais eficiente para imunização.

Outros alvos - Em paralelo, a equipe deGustavo Goldman, da USP de RibeirãoPreto, seqüenciou quase 5 mil genesdo P. brasiliensis. Ao mesmo tempo, arede regional do Genoma Centro-Oeste,consórcio formado por 13 instituiçõesde Goiás, Mato Grosso, Mato Grossodo Sul e do Distrito Federal, decifrouquase 6 mil genes e na edição de feve-reiro da Yeast publicou uma relação de18genes mais ativos do fungo. Segundoa coordenadora desse grupo, Maria Su-

eli Soares Felipe, daUnB, descontados ospossíveis genes repeti-dos, a equipe paulista ea do Centro-Oeste ma-pearam quase todo o ge-noma do fungo, estima-do em até 15 mil genes.

Goldman comparouas seqüências do P. bra-siliensis com 60 genesassociados à capacidadede provocar doença -ou patogenicidade - doCandida albicans, fungocausador da candidíase,uma micose comum queorigina feridas esbran-quiçadas na boca e man-chas avermelhadas napele. Resultado: o P. bra-siliensis apresenta 26 ge-

nes semelhantes aos do C. albicans,como atesta um artigo publicado naEukaryotic Cell de fevereiro. "Esses sãopossíveis alvos a serem combatidos."

A equipe do Centro-Oeste conse-guiu alterar geneticamente levedurasdo P.brasiliensis, acrescentando um geneao seu material genético por meio deuma técnica chamada eletroporação,que abre poros na parede celular dofungo e permite a entrada do materialgenético estrangeiro - procedimentoessencial para desativar genes. O gru-po chegou à transformação genética decinco a dez fungos por micrograma deDNA e trabalha para aumentar esserendimento, de modo a facilitar os ex-perimentos. "O que já conseguimos éum bom começo", diz Maria Sueli. "Éum sinal de que é possível alterar ge-neticamente o fungo." •

Biologia Moleculare lmunobiologia de ComponentesExocelulares Purificados deParacoccidioides brasiliensis

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORLUIZ RODOLPHO TRAVASSOS -Unifesp

INVESTIMENTOR$ 284.832,98 (FAPESP)

INVESTIMENTOR$1.430.000,00 (MCT/CNPq)

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OS PROJETOS

Caracterização Molecularde Genes Envolvidos no Processode Patogenicidade e Virulênciado Paracoccidioides brasiliensis

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORGUSTAVO H ENRIQUE GOLDMAN -USP

INVESTIMENTOR$ 554.380,00 (FAPESP)

Genoma Funcional e Diferencialdo Paracoccidioides brasiliensis

MODALIDADERede Genoma Centro-Oeste

COORDENADORAMARIA SUELI SOARES FELIPE -

IB/UnB

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• CIÊNCIA

BIOQUÍMICA

Proteção vitalBolsa com cálcio permiteao causador da malária viver nointerior das células sangüíneas

Havia anosintrigava acapacidadede o parasi-ta causador

da malária, o protozoá-rio Plasmodium falciparum,viver em um ambiente inós-pito: o interior das hemá-cias, as células vermelhas dosangue, onde há 10 mil ve-zes menos cálcio do que onecessário para sua sobre-vivência. A equipe de CéliaGarcia, do Instituto de Bio-ciências da Universidadede São Paulo (USP), des-vendou como se dá essafaçanha: no momento emque o parasita penetra nahemácia, parte da mem-brana da célula sangüíneadobra-se e, como uma luvaque recobre a mão, formauma bolsa ao redor do protozoário.

Está aí o segredo da sobrevivência doPlasmodium. A equipe da USP descobriuque o parasita cria um ambiente rico emcálcio ao seu redor, no interior da bolsaque o envolve, chamada vacúolo para-sitóforo. Desse modo, consegue sobre-viver dentro da hemácia e usar o cálcioem seu favor, para se reproduzir. Umaproteína da parede dessa bolsa, a enzi-ma Ca++ ATPase, exerce um papel es-sencial nesse processo, por captar cálciodo interior da hemácias. "Pouco a pou-co estamos desvendando as estratégiasde sobrevivência que permitem ao pa-rasita se dar tão bem nas células emque se hospeda': afirma Célia.

Comentada no editorial da mesmaedição do [ournal of Cell Biology em quefoi publicada, a descoberta revela pos-

.Problema antigo: campanha de combate ao Anopheles no Ceará em 1940

síveis alvos para combater a malária,.doença transmitida pelos mosquitos dogênero Anopheles, que só no Brasil oca-siona cerca de 600 mil novos casos porano. Acredita-se que seja possível de-senvolver medicamentos que bloqueiem

o PROJETO

Biologia Celular e Moleculardo Plasmodium

MOOALIOADEProjeto temático

COORDENADORACÉLIA REGINA DA SILVA GARCIA -IB/USP

INVESTIMENTOR$ 440.152,46

o fornecimento de cálcio e, assim, atra-palhem a reprodução do Plasmodium .

Em um estudo publicado em 2000na Nature Cell Biology, Célia apresen-tou outra peculiaridade da procriaçãodo protozoário. Nas hemácias, os para-sitas se reproduzem em ciclos de 24 ho-ras até explodirem as células vermelhase caírem aos bilhões na corrente san-güínea - é quando surge a febre de até400 Celsius. Assim, escapam das defe-sas do organismo e infectam outras he-mácias. O Plasmodium sincroniza suareprodução usando um dos principaishormônios reguladores do ritmo bioló-gico dos mamíferos, a melatonina, libe-rada a cada 24 horas. Agora, por deta-lhar essas ligações, o trabalho da equipeda USP foi descrito na seção de notí-cias da Nature de 10 de maio. •

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FRANCISCO BICUDO

}(

xpedição terminou com um sabor de melan-colia. Durante cinco meses, 20 biólogos per-

correram 1.600 quilômetros do litoral bra-sileiro, do sul do Rio de Janeiro ao sul daBahia. Quase palmo a palmo, examinaram

plantas e animais que vivem em meio à restinga, umavegetação baixa e úmida que cresce sobre a areia, entre omar e a montanha. Encontraram 12 espécies de animaisque habitam exclusivamente esse ambiente, como a pe-rereca Xenohyla truncata, de 3 centímetros de compri-mento, que se esconde no interior das bromélias. Mas, àmedida que prosseguiam, enfrentando os brejos e achuva contínua, os pesquisadores sentiam que a satisfa-ção pelas descobertas se transformava em desalento, aoconstatarem o desaparecimento gradual desse ambien-te. Condomínios de luxo e favelas avançam sobre as res-tingas, também usadas como depósito ilegal de lixo efonte clandestina de areia para a construção civil. Ondeainda é paradisíaca, a restinga sofre com o turismo de-sordenado e abertura de estacionamentos e trilhas.

Coordenada por quatro professores da Universidadedo Estado do Rio de Janeiro (Uerj) - Monique Van Sluys,Carlos Frederico Duarte da Rocha, Helena de GodoyBergallo e Maria Alice Alves -, a equipe que cuidou desselevantamento avaliou cada uma das atividades humanasque ameaçam as dez restingas inicialmente analisadas -cinco delas no chamado corredor de biodiversidade daSerra do Mar (as de Grumari, Maricá, Massambaba, Iu-

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rubatiba e Grussaí), quatro no corredorcentral da Mata Atlântica (Setiba, Guriri,Prado e Trancoso) e urna no extremosul do Espírito Santo (Praia das Neves).Cada ação humana - da construção deestradas à abertura de trilhas de acessoàs praias - recebeu uma nota, de zero adois, de acordo com o impacto sobre oambiente. A soma dos pontos resultounum primeiro diagnóstico preciso dascondições de conservação das restingasdessa faixa do litoral brasileiro. "A restin-ga com pior nível de conservação é a doPrado, na Bahia, com 20 pontos': revelaRocha. Em situação igualmente críticaencontram-se duas restingas do Rio, asde Grumari e Grussaí, ambas com 15pontos, seguidas de perto pelas de Setiba,no Espírito Santo, e Massambaba, tam-bém no Rio, com 12 pontos cada uma.''Agora enxergamos de modo mais con-creto a dimensão dos estragos': diz LuizPaulo de Souza Pinto, diretor do Cen-tro de Conservação da Biodiversidade daConservation International do Brasil,um dos parceiros da UERJ no projeto.

Embora a área de restinga tenha en-colhido 500 hectares entre 1995 e 2000

apenas nos estados do Rio de Janeiro edo Espírito Santo, de acordo com umestudo da organização não-governa-mental SOS Mata Atlântica, ainda hátrechos em bom estado de conservação.Hoje, o levantamento abarca 17 .restin-gas, das quais sete bem preservadas, trêsem estágio intermediário e sete bastantedegradadas (veja mapa na pág. 47). "EmTrancoso, na Bahia, restou apenas o tre-cho junto à Barra do Rio do Frade", co-menta Rocha. "O resto já foi destruí do:'Apenas por se encontrarem relativamen-te isoladas das cidades e dos turistas éque algumas áreas ainda escapam do queparece ser o destino desse conjunto dematas à beira-mar, chamado de porta deentrada da Mata Atlântica. Esse é justa-mente um dos problemas. Souza Pintolembra que as restingas praticamentedesaparecem diante da Mata Atlântica,uma vegetação mais exuberante à qualestão associadas - e igualmente devas-tada desde que os colonizadores euro-peus aportaram suas caravelas. Aindahoje as restingas são muito pouco estu-dadas, embora se espraiem por uma fai-xa de cerca de 5 mil quilômetros ao

longo da costa brasileira, o trecho maisocupado do território, com cerca de 87habitantes por quilômetro quadrado -cinco vezes a média nacional.

Formada pelo acúmulo de areia eoutros sedimentos nas regiões planas deonde o mar recuou nos últimos 5 milanos, a restinga exibe feições diferentes.Sobre solo arenoso, pobre em nutrientese com salinidade elevada, cresce apenasuma vegetação rasteira, constituída ba-sicamente por gramíneas - esse é o tre-cho mais exposto à ação humana e a demais difícil recomposição, justamentepor causa do solo. À medida que se afas-ta das praias, surgem arbustos e moitascom 2 a 5 metros de altura, com trepa-deiras, bromélias e cactos. Só mais adi-ante, de 1 a 2 quilômetros do mar, é queaparecem árvores de médio e grandeporte, que podem atingir até 20 metrosde altura, como a figueira-vermelha, oipê-amarelo, a quaresmeira ou o mana-cá-da-serra e o guapuruvu. "Essa mu-dança na estrutura da restinga já eraconhecida", diz Monique. "Os estudossobre a fauna de vertebrados nas restin-gas é que ficavam em segundo plano:'

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Essa lacuna foi em parte esclarecidacom esselevantamento. Ao longo da ex-pedição, realizada entre novembro de1999 e março de 2000, a equipe cario-ca catalogou 147 espécies de animaisque vivem nas restingas. Predominamas aves (96 espécies), seguidas pelos an-fíbios (28 espécies), pequenos mamífe-ros (12) e os répteis (11).

Animais exclusivos - O inventário dadiversidadebiológica revelou 12espéciesexclusivasdessa região - por essa razãochamados endêmicos -, descritos pelaequipe da UERJ no livro A Biodiversi-dade nos Grandes Remanescentes Flores-tais do Estado do Rio de Janeiro e nasRestingas da Mata Atlântica, lançado emjunho pela editora RiMa. É o caso daXenohyla trunca ta, uma perereca de até3 centímetros de comprimento e pou-co mais de 4 gramas, que apresenta umcomportamento incomum entre os an-fíbios: alimenta-se de pequenos frutos,além de insetos, como é habitual entreessesanimais, e assim atua na propaga-ção das plantas, ao espalhar as semen-tes na restinga de Maricá, onde foi en-

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contrada. Já nas restingas da costa doRio de Janeiro,desde Marambaia até Ca-bo Frio, vive um lagarto com pequenastarjas marrons e laranja nas costas - éo Liolaemus lutzae, também chamadode lagartixa-da-areia. Abundante .até adécada de 70, essa espécie corre hojerisco de extinção, à medida que seu há-bitat se esvai com a ocupação huma-

.na. Em algumas áreas,como Prainha, nomunicípio do Rio, Barra Nova, em Sa-quarema, e Praia dos Anjos, em Arraialdo Cabo, norte do Estado, já não se vêmais o pequeno réptil. Com até 7 cen-tímetros sem a cauda, é uma das presaspreferidas de corujas e gaviões, mas àsvezes consegue escapar com um artifí-cio peculiar: quando perseguido, o la-garto solta a cauda - o movimento quefaz sobre a areia depois de desligar-sedocorpo atrai a atenção dos predadores,que desse modo nem sempre perce-bem o animal fugindo.

Entre as aves, a única espécie endê-mica de restinga é o formigueiro-do-li-toral (Formicivora littoralis), registradaapenas em uma das áreas estudadas noEstado do Rio - e ameaçada de extin-

ção devido à degradação acelerada deseu hábitat. Outra espécie que vive nasrestingas, cuja sobrevivência tambémestá em jogo, é o sabiá-da-praia (Mi-mus gilvus). Em latim, mimus quer di-zer imitador - a capacidade de repro-duzir cantos de outros pássaros é umadas características marcantes dessa ave,que atinge quase 25 centímetros. Comcauda longa e plumagem cinza-claronas costas e branca nas sobrancelhas,lembra as espécies da família dos sabi-ás, como o sabiá-laranjeira.

Endemismo concentrado - Nas restin-gas, as espécies endêmicas se concen-tram em duas regiões - evidentemente,as que se encontram em melhor esta-do de conservação, ainda pouco visi-tadas pelos turistas e construtores decondomínios. A primeira consiste detrechos isolados ao longo de 500 qui-lômetros, desde Linhares e Guriri, nonorte do Espírito Santo, até Prado eTrancoso, no sul da Bahia. É ali que seencontra, por exemplo, o Cnemidopho-rus nativo, um lagarto com duas listraslaterais brancas e uma dorsal de cor

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BAHIA

Entre o mar e a montanhao estado de conservação de 17 restingasentre o Rio de Janeiro e a Bahia

Hábitat reduzido: o sabiá-da-praia eo lagarto Cnemidophorus littoraliscontam cada vez menos com áreaspreservadas, como a restinga deJurubatiba (à esquerda)

salmão sobre o corpo verde-oliva. Des-crita num artigo na revista científicaHerpetologica, essa espécie de até 6 cen-tímetros de comprimento exibe umacaracterística rara entre os répteis: éformada apenas por fêmeas, que se re-produzem por um processo conhecidocomo parte nogênese - o óvulo se de-senvolve em um ser adulto sem a ne-cessidade de fertilização por um es-permatozóide. Ao sul, o endemismo éalto nas restingas de Maricá e Iuruba-tiba, no Rio. Só ali vive outro pequenolagarto, semelhante ao C. nativo, o Cne-midophorus littoralis, apresentado narevista Copeia. "A concentração de es-pécies endêmicas nessas regiões", dizRocha, "deve-se provavelmente às va-riações ocorridas nos últimos 10 milanos no nível do oceano, que promo-veram o isolamento de populações de

ancestrais, que assim divergiram gene-ticamente e passaram a constituir es-pécies diferenciadas."

Mas, afinal, as restingas desaparece-rão? Se depender dos pesquisadores doRio, não. No livro em que detalham asdescobertas da expedição, eles mostramo que poderia ser feitopara ao menos re-duzir o impacto humano. As ações con-sideradas prioritárias: aumentar a ex-tensão das áreas já protegidas por lei erealizar levantamentos mais abrangentesdas espéciesde plantas e animais encon-trados nas restingas, além de desenvol-ver programas de educação ambientalnas regiões litorâneas. Os pesquisadorespropõem ainda a transformação de áreascom o ambiente mais degradado - comoa restinga de Grussaí, no norte do Rio,de Praia das Neves, no município dePresidente Kennedy, Espírito Santo, ede Trancoso, na Bahia - em unidades deproteção integral, nas quais são permi-tidas apenas a realizaçãode pesquisas ci-entíficas, atividades educacionais e derecreação. "Em Grussaí, ainda há umaimportante área remanescente em bomestado, que, embora pequena, deveria

D

ser preservada", recomenda Rocha. "Oentorno está muito degradado porcausa da ocupação irregular do solo."Segundo ele, outra relíquia que deve-ria ser preservada é a restinga de Praiadas Neves, que apresenta uma rara ri-queza e diversidade de espécies, embo-ra ainda não exista na região nenhumaárea de conservação.

O diagnóstico sobre o estado deconservação das restingas confirma arelação entre o grau de destruição deum ambiente e a ausência de políticaspúblicas.Naschamadas unidades de pro-teção integral, como o Parque Nacionalda Restinga de Jurubatiba, que inclui amais preservada entre as restingas estu-dadas, a ação predatória do homem ébastante reduzida. Sem proteção nemfiscalização,porém, o impacto humanotende a eliminar a vegetação natural ereduzir as chances de sobrevivênciados animais que ali vivem. Mesmo oclima das cidades pode mudar sem asdunas e a vegetação litorânea, que aju-dam a regular a temperatura. "O ritmode destruição é muito acelerado", la-menta Monique. •

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• CIÊNCIA

Leopoldinia major

BOTÂNICA

As palmeirasesquecidasIngleses encontram amostrasde palmeiras que o co-autorda teoria da evoluçãoenviou do Pará há 155 anos

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Euterpe catinga

Talvez por extremo apego ao estilobritânico, o naturalista inglês AlfredRussel Wallace viveu de modo dis-creto - tão discreto que seu legadoainda hoje vem à tona, 90 anos após

sua morte. Nove amostras de seis espécies de pal-meiras do Pará que Wallace enviou em 1848 aoRoyal Botanic Gardens, em Kew, Inglaterra, per-IVaneceram esquecidas em sacos plásticos até se-rem descobertas e analisadas, mais de 150 anosdepois, pela equipe de Sandra Knapp, do NaturalHistory Museum, de Londres, e por William Ba-ker, do próprio Royal Botanic Gardens.

O material resgatado evidencia o interesse deWallace pela botânica e testemunha sua primeiraexpedição científica, feita à Floresta Amazônica.Durante quatro anos, de 1848 a 1852, ele percor-reu os rios Negro e Uaupés ao lado de outro na-turalista inglês, Henry Walter Bates. Nos anos se-guintes, Wallace entrou pelas matas da Indonésia,atento a exemplares raros de aves, borboletas,besouros, mamíferos e peixes. Os empoeiradosfragmentos de palmeiras são das poucas plantascoletadas nessas viagens pelas florestas tropicais.

Dos sacos saíram caules de palmeiras (esti-pes) de quase 1 metro de comprimento, longasfolhas dobradas, conjuntos de flores (inflores-cências), as estruturas em forma de tubos queenvolvem as inflorescências jovens (brácteas) ouapenas as hastes espinhosas da folhas (pecíolos)de espécies de uso comum, como o açaizeiro (Eu-

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Leopoldinia piassaba

terpe oleracea) ou a macaúva (Acroco-mia aculeata), ambas de frutos comes-tíveis. Por estarem incompletas, essasamostras "não seriam adequadas para adescrição de uma nova espécie", na ava-liação de Sandra Knapp, uma das auto-ras de um artigo que descreve as novepeças, publicado na revista Palms eassinado também por Baker e LynnSanders, do Natural History Museum."Wallace não estava necessariamenteprocurando por raridades, mas interes-sado no modo pelo qual os habitantesdas comunidades locais usavam as pal-meiras", reitera Baker.

Como os próprios botânicos ingle-ses reconhecem, Wallace enviou as pal-meiras - junto com uma carta datadade 20 de agosto de 1848, ainda no iní-cio da viagem - a William Iackson Ho-oker, então diretor do Royal BotanicGardens, para serem expostas comoamostra da exuberância da vegetaçãodos trópicos. Era também um gesto deretribuição: Hooker havia escrito umacarta apresentando Wallace e Bates noBrasil, com o propósito de abrir portaspara os dois pesquisadores jovens, semcurrículo e com pouco dinheiro.

O inesperado legado - agora emcaixas - repõe ao menos em parte o

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Mauritia carana

material coletado por Wallace, quasetodo perdido no naufrágio do Helen,no qual embarcou no dia 12 de julho de1848. No livro Peixes do Rio Negro, or-ganizado por Monica de Toledo- PizaRagazzo (Edusp, 2002), com 212 dese-nhos feitos por Wallace, Sandra Knappdescreve o que aconteceu na viagem devolta à Inglaterra: "Após três semanasde jornada pelo Atlântico, um incêndioirrompeu a bordo. Wallace foi até suacabine, pegou uma pequena caixa demetal contendo desenhos de palmeirase peixes, algumas camisas e cadernos deanotações, antes de se dirigir ao botesalva-vidas. O restante de suas coleções- na realidade, seu caminho para setornar um membro da comunidadecientífica - estava no porão e foi per-dido para sempre':

Carta a Oarwin - De volta à Inglaterra,Wallace escreveu alguns artigos sobrepeixes e insetos, além de dois livros,com base nos desenhos que salvou donaufrágio: o Travels on the Amazon andRio Negro (Viagens pelos Rios Amazonase Negro, lançado no Brasil em 1979pela editora Itatiaia) e o Palm Treesof theAmazon, uma das mais raras obras sobrea Amazônia, com apenas 250 cópias,

que ele próprio pagou. Nesse livro, onaturalista identifica 14 espécies novasde palmeiras e nomeia 12. Quatro dosnomes que propôs - os das palmeirasdos desenhos desta página - ainda sãousados, em reconhecimento ao seu tra-balho pioneiro. As amostras encontra-das no Royal Botanic Gardens refor-çam o que os desenhos e as descriçõesdo livro indicavam: Wallace via as plan-tas sempre ligadas aos usos que as po-pulações locais lhes davam. É o caso dapiaçaba (Leopoldinia piassaba), cujas fi-bras eram usadas desde aquela épocapara fazer vassouras.

Wallace pouco parava em Londres -uma vez, alegou que preferia as incerte-zas das florestas aos perigos dos debatescientíficos. Mas, com seus desenhos ecoletas, elaborou uma visão própria so-bre a origem das espécies e tornou-seco-autor da teoria da evolução, atribuídaquase sempre apenas a seu conterrâ-neo Charles Darwin. Após publicar olivro Origem das Espécies,Darwin viu-seacuado por severas críticas de outroscientistas. Uma das poucas cartas deconsolo que recebeu garantia que o Ori-gem seria tão importante para a ciênciaquanto o Principia, de Isaac Newton,foi para a física. Era de Wallace. •

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.CIÊNCIA

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seca moderada, com temperaturas di-urnas oscilando entre o quente e otemperado, e noites frescas, o clima deRioja é quase igual ao de Montélimar(Vale do Rhône, na França) e Anadia(Barraida, Portugal). E os vinhedosbrasileiros? Bento Gonçalves ficou nomesmo grupo de P'ohang e Suwon,duas zonas da Coréia do Sul, país deainda menos tradição que o Brasil nomundo de Baco. As três áreas são defi-nidas como úmidas, com dias entre oquente e o temperado, e noites tempe-radas. A outra região nacional estuda-da revelou-se um caso à parte. Comsua viticultura tropical, numa área deseca moderada e calor perene, Petroli-na, na divisa da Bahia com Pernambu-co, no Vale do São Francisco, formousozinha um grupo climático de apenasum membro.

Para que servem essas com-parações? O clima das dife-rentes regiões vitícolas, si-tuadas em sua maioria emzonas temperadas ou medi-

terrâneas, é responsável em grande me-dida pela diversidade de castas cultiva-das e influencia algumas característicasdo vinho, como a qualidade, o estilo (seserá, por exemplo, branco, tinto, espu-mante, fortificado, mais ou menos en-corpado) e a tipicidade (conjunto depredicados associados à região em que

foi produzido). "Por isso, precisamossempre aperfeiçoar as formas de com-preensão dos fatores meteorológicos sequisermos fazer um bom zoneamentodas áreas produtoras", diz Tonietto. Élógico que, além das variáveis atmosfé-ricas, outros fatores ditam as caracterís-ticas de um vinhedo e de um vinho,como a composição do solo em quecrescem as videiras, a variedade de uvaplantada, a competência e a tradição doviticultor. Mas o clima é o principal fa-tor limitante para a expansão do culti-

Casta Syrah: adaptada aoclima quente do sul da Françae ao Nordeste brasileiro

vo da Vitis vinifera, a espécie de uvaideal para se elaborar vinho.

Pelo menos 7 mil anos plantandovinhas e fazendo vinhos ensinou ao ho-mem algumas lições sobre o clima. Emlinhas gerais, áreas quentes são maispropícias para a produção de vinhosencorpados, densos, com altos teoresde álcool. Tintos potentes e fortificadosno estilo do vinho do Porto costumamnascer em vinhedos onde não falta solno período de maturação da uva. A vo-cação das regiões frias gira em torno detintos leves e brancos aromáticos, oudos espumantes. Entre esses dois extre-mos, há uma infinidade de climas in-termediários, muitas vezes difíceis deserem percebidos ou mesmo diferen-ciados, que podem favorecer a produçãodos mais variados estilos de bebida.

Desde a primeira metade do séculopassado, os modelos de classificação cli-mática são um instrumento útil para en-contrar mais rapidamente a vocação, ouas vocações, das zonas produtoras semdepender apenas do empirismo dos vi-ticultores, o velho método de tentativae erro. Para chegar à nova metodologia,batizada de Sistema de ClassificaçãoClimática Multicri tério (CCM) Geovi-

Um selo para o Vale dos Vinhedos'Na terra da cachaça e do cafezi-

nho, coube ao vinho do coração daSerra Gaúcha a honraria de ser o pri-meiro produto brasileiro a receberdo Instituto Nacional de Proprieda-de Industrial (Inpi) o direito de os-tentar um símbolo que atesta suaorigem geográfica. Esse reconheci-mento é o primeiro passo legal paraa construção de uma identidade quecaracterize os produtos de uma re-gião. Em 22 de novembro passado,depois de um processo que se pro-longou por oito anos e contou comassessoria técnica da Embrapa Uvae Vinho e da Universidade de Ca-xias do Sul, a Associação dos Produ-tores de Vinhos Finos do Vale dos

.Vinhedos (Aprovale), que con-grega 24 vinícolas, obteve, emcaráter definitivo, o sinal verdepara envolver o gargalo de suasgarrafas com um selo. Nele,está escrito Indicação de Pro-cedência Vale dos Vinhedos.

Isso quer dizer que o vi-nho abrigado em garrafascom essa distinção é um fer-mentado de variedades deuvas da espécie Vitis vini-fera plantadas numa áreadelimitada e controlada:o Vale dos Vinhedos,com 81,23 quilôme-tros quadrados, quese espraia por Bento

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Origem certificada:atestado daprocedência do vinho

Gonçalves, Garibaldi e Mon-te Belo do Sul. Para obter talreconhecimento, os produ-tores da Aprovale firmaramuma parceria com institui-ções de pesquisa do RioGrande do Sul em busca deum objetivo central: ca-racterizar nos mínimosdetalhes a geografia dovale, a região da SerraGaúcha de mais tradi-ção na produção devinhos finos no Bra-sil, cuja topografia,solo e clima foramestudados de for-ma minuciosa.

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Bordeaux, a mecado vinho: poucas chuvase noites frescas

zonas tropicais. Nessas áreas de baixalatitude, impulsionada pelo calor ao lon-go de todo o ano, a videira acelera o seuciclo de desenvolvimento e chega a darmais de uma safra a cada 12 meses. Pe-trolina, por exemplo, tem cinco colheitasa cada dois anos. Para os mais ortodo-xos, esse ciclo maluco da vinha em terrasquentes é um empecilho para a forma-ção de vinhedos de qualidade e sinônimode vinho ruim. Agora vem a novidadeconstatada pelo CCM Geovitícola: doponto de vista do vinhedo, Petrolina nãoapresenta uma classe de clima ao longodo ano, como a maioria das regiões pro-dutoras de vinho, mas, sim, três. E o maisinteressante é que os viticultores podemtirar proveito disso e, assim, obter umproduto de melhor qualidade.

Explica-se. Nesse ponto do Vale doSão Francisco, o primeiro tipo de climaocorre de janeiro a março, quando fazcalor de dia e de noite, mas chove umpouco. Nessa época, não é recomendávelcolher a uva, pois chuva na época dacolheita leva a vinhos diluídos, aguados.O segundo clima, quente de dia e denoite e sem chuvas, é bom para a colhei-ta e compreende os meses de abril, maio,outubro, novembro e dezembro. Por fim,o terceiro clima de Petrolina é vistocomo o melhor a viticultura. De julho asetembro, faz calor de dia, chove poucoe - algo raro no Nordeste - há um cer-to friozinho noturno, o que é bom paraa fixação da cor e o desenvolvimentode aromas no vinho. "Para colhermossempre numa época adequada, vamoscontrolar o ciclo de crescimento de nos-sos vinhedos em Petrolina e evitar aocorrência da pior safra, que cai no ve-rão", afirma Adriano Miolo, enólogo deuma das melhores casas nacionais pro-dutoras de vinhos, a Vinícola Miolo, doRio Grande do Sul. Sua idéia é, numano, realizar duas colheitas (uma em ju-lho e outra em dezembro) e, no ano se-guinte, ter apenas uma única safra, emsetembro. "O trabalho do Jorge Toniet-to jogou por terra o tabu de que a viti-cultura só é viável nos climas mais tem-perados, entre os paralelos 30 e 50 noHemisfério Norte e 20 e 40 no Hemis-fério Sul", afirma Miolo. Em tempo: Pe-trolina está no paralelo 9. •

tícola, Tonietto não precisou reinventara roda. Seu mérito foi aparar algumasarestas de duas equações conhecidas nomundo da viticultura, formuladas porpesquisadores franceses e normalmenteusadas de forma isolada, o índice de secade Charles Riou e a equação heliotérmi-ca de Pierre Huglin. A essas duas fórmu-las juntou ainda um terceiro índice, ode frio noturno, criado por ele próprio.Voilà: estava pronto o CCM Geovitícola.

O primeiro índice, de seca, faz umbalanço da quantidade de água dispo-nível para a videira durante as fases decrescimento e maturação da planta, pe-ríodo que compreende os seis mesesque antecedem a colheita anual. Nos vi-nhedos do Hemisfério Sul, essa fase vaiem geral de outubro a março. Nas par-reiras acima da linha do Equador, co.meça em abril e se estende até setembro.O segundo índice, a equação heliotérrni-ca, quantifica os efeitos do calor e dosol sobre a vinha nos mesmos seis me-ses usados para o cálculo da fórmulaanterior. Por fIm, a terceira equação dáuma idéia do grau de frescor das noitesno decorrer do último mês de matura-ção das videiras (em geral, março noHemisfério Sul e setembro no Norte).Em números, o frio noturno nada maisé do que a média das temperaturas mí-nimas registradas no mês da colheita.Como a mínima ocorre depois de o solter se posto, o índice recebeu o nome defrio noturno. "A introdução desse últi-mo parâmetro no sistema melhorou aavaliação do potencial qualitativo das

regiões vitícolas', explica Tonietto. Defato, a ocorrência de noites amenas nofinal do processo de amadurecimentoda videira, em pleno verão, aporta maiscor e riqueza de aromas ao vinho.

Osistema do pesquisadorda Embrapa passou pelaprimeira prova de fogoainda em solo francês,onde a viticultura é as-

sunto de Estado. Antes de ser emprega-do no megaestudo internacional dascem regiões, o CCM Geovitícola foiusado para analisar o clima de 18 áreasprodutoras de vinhos do sul da Françaque cultivavam a casta Syrah, uma uvabem adaptada a zonas mais quentes. Osresultados animaram todos. A metodo-logia conseguira delinear com precisãoo clima dessas regiões e - detalhe im-portante - obteve sucesso em esta-belecer relações entre as condiçõesmeteorológicas dos vinhedos e as ca-racterísticas básicas dos vinhos quebrotavam dessas parcelas de terra. "OCCM é atualmente a melhor metodo-logia para caracterizar o clima de umagrande região, como a Serra Gaúcha,ou de pequenas áreas, como uma encos-ta nos arredores de Bento Gonçalves':opina, sem falsa modéstia, Alain Car-bonneau, da Ensam. "Ao integrar três ín-dices' ele se tornou a base de um zo-neamento vitícola,"

Esse sistema de classificação climá-tica já é de grande valia para o desen-volvimento da viticultura, sobretudo em

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• CIÊNCIA

COSMOLOGIA

p •I, r .r ocosmicesAstrofísicos descrevem evoluçãode jatos de gases com10 anos-luz de comprimento

FRANCISCO BICUDO

imagem que aparece na tela do computador lembra omovimento de um cometa - um enorme rastro brilhan-te e colorido, que parece rasgar o céu. Mas param aí assemelhanças entre essas nuvens de gelo e poeira que via-jam ao redor do Sol e os jatos supersônicos astro físicos -nuvens de gases ejetadas violentamente por estrelas emformação e por núcleos de galáxias distantes e muito bri-lhantes chamadas quasares. Os jatos liberados pelas pro-toestrelas - estrelas em formação - viajam a uma velo-cidade próxima dos 400 quilômetros por segundo, oequivalente a dezenas de vezes a velocidade do som nomeio interestelar, e podem atingir um comprimento deaté dez anos-luz (um ano-luz corresponde a 9,5 trilhõesde quilômetros). Já os jatos extragalácticos se movem avelocidades próximas à da luz (300 mil quilômetros porsegundo) e se estendem por milhões de anos-luz, o equi-valente a dezenas de vezes o diâmetro de nossa galáxia, aVia-Láctea. "Os jatos carregam as impressões digitais deembriões de estrelas", afirma Elisabete de Gouveia DaIPino, uma das coordenadoras de uma equipe do Institu-to de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas daUniversidade de São Paulo (IAG/USP), que há dez anosvem estudando a origem, o comportamento e as peculia-ridades desses objetos celestes. "À medida que desvenda-mos seus enigmas, conseguimos entender melhor como

A nebulosa de Órione o trecho mais interno

do HH-34 (em vermelho):embrião de estrelas

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e Óribninternoettto):

êstrelas

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Após lançar osjatos, a estrelarecém-nascidaretoma seucrescimento

as estrelas se formam." E, lembre-se, dafusão de elementos químicos no inte-rior das estrelas é que surgiu a matéria-prima de todo ser vivo. Portanto, inves-tigar os jatos e as estrelas significa buscarnossas origens mais remotas.

O grupo da USP, coordenado porElisa-bete e por JorgeHorvath, vem obtendoresultados pioneiros noestudo dos fenôme-nos astro físicos de altaenergia, que incluem omecanismo de explo-sões de supernovas,estrelas de nêutrons esurtos de raios gama.No ano passado, os pes-quisadores pau listassurpreenderam euro-peus e norte-america-nos que atuam na mesma área aoconcluírem a primeira simulação hi-drodinâmica em computador de umjato gigante protoestelar bastante estu-dado, o HH-34, localizado ao sul da ne-bulosa de Órion, a cerca de 1.600 anos-luz da Terra. O universo recriado nocomputador revelou: o HH-34 é daque-le tipo de jatão imenso, com cerca de10 anos-luz de ponta a ponta.

o gigante ainda maior - Desse modo,confirmaram-se os resultados obtidosalguns anos antes por outro grupo depesquisa. Entre 1994 e 1997, os astrô-nomos Iohn Bally, David Devine, BoReipurth eSteve Heathcote, dos Esta-dos Unidos, observaram uma cadeia depequenos nós de gás brilhantes e ali-nhados com o jato HH-34, na épocaainda visto como pequeno. Acreditava-se que esses nódulos eram independen-tes, mas os físicos mostraram que eleseram na verdade ejetados pela mesmaprotoestrela, formando o que pareciaser um jato gigante. "Nossas simulaçõesnuméricas reproduziram de modobastante fiel as observações e não dei-xaram dúvida de que se trata de fatode uma única estrutura, um megajato",comenta Elisabete, uma das autoras doartigo com os resultados detalhados,publicado em julho de 2002 no Astro-physical Journal. Esse jato gigante, deformato sinuoso, já havia causado umareviravolta nos estudos de formação deestrelas. De acordo com o que se co-nhecia, os jatos de protoestrelas pare-ciam ter menos de um décimo do

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tamanho do HH-34, mesmo quandoele aparecia sozinho e isolado dosnódulos hoje vistos como parte de seucorpo.

Apoiado pela FAPESP, esse trabalhorepresenta um olhar apurado sobre osjatos astrofísicos, a partir do HH -34.

Agora se sabe que emsua estrutura existemnódulos que os pesqui-sadores atribuem aofato de a estrela emformação liberar gásde modo intermitente,não contínuo. O estu-do detalha a evoluçãodo jato desde os mo-mentos iniciais de suaformação até sua ex-pulsão e sua interaçãocom o gás do meio in-

terestelar, durante seus 10 mil anos devida. Beneficiado por esse detalhamen-to, o HH-34 se tornou uma referên-cia científica do comportamento dejatos astrofísicos.

O grupo da USP concentra-se noestudo dos jatos de protoestrelas poruma razão básica: esse tipo de jato ébastante comum em regiões vizinhasde formações de estrelas, dentro denossa própria galáxia. São portantomais facilmente observáveis que osegundo grupo de jatos, os extraga-lácticos, ejetados por quasares - nú-cleos de galáxias distantes com bu-racos negros com cerca de 100 milhõesde vezes a massa do Sol. Apesar dasdiferenças de origens, tamanho evelocidade, os jatos extragalácticosapresentam formas e comportamen-to muito semelhantes aos dos jatosdas protoestrelas", diz a pesquisado-ra. "As informações obtidas no estudodos protoestrelares ajudam muito na

compreensão dos fenômenos que ocor-rem naqueles produzidos em regiõesextragalácticas remotas."

A história de vida deles não é lámuito distinta. No caso das protoestre-Ias, a nuvem de gases primordiais -como hidrogênio, hélio e oxigênio -condensa sob ação de sua gravidade efaz surgir um caroço central, que vai darorigem à estrela, rodeado por um discode gás, que gira com rotação cada vezmais rápida. Quando a rotação atingeum limite de velocidade, a ponto deimpedir que a condensação continue, aestrela ejeta violentamente nuvens degás pelo eixo de rotação. Assim se for-ma o jato e, ao mesmo tempo, diminuia velocidade de rotação tanto da nuvemquanto da estrela. Em conseqüência, acondensação da protoestrela continua,resultando em uma estrela madura co-mo o Sol.

as o percurso do jatoque deixou a estrelanem sempre é tran-qüilo. Se colide comoutras nuvens de ga-

ses, o jato forma ondas de impacto su-persônico conhecidas como bows-hocks, interage com o meio interestelare deposita naquela região parte do ma-terial que carregou da estrela - um es-petáculo de brilho e cores. Nesse mo-mento, os jatos atuam como abelhasque transportam sementes de estrelas epolinizam regiões distantes do pontoem que foram gerados. Segundo a pes-quisadora, o jato pode induzir o nasci-mento de uma estrela quando colidecom uma nuvem com massa suficientepara implodir - ou, na linguagem téc-nica, entrar em colapso gravitacional.Jatos maiores podem até mesmo des-truir a nuvem gigante que os hospeda."É possível que aconteça assim, masnão há evidências observacionais dire-tas': acautela-se a pesquisadora.

Foi a própria Elisabete, em 1993,quando fazia o pós-doutoramento naUniversidade de Harvard, nos EstadosUnidos, quem desenvolveu uma dastécnicas empregadas na simulaçãocomputacional de jatos astrofísicos,em parceria com o físico suíço WillyBenz, na época pesquisador visitantede Harvard. Até então, os cálculos sebaseavam na integração numérica dasequações hidrodinâmicas do jato, como domínio computacional - espaço

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virtual que simula o espaço real- dividido em uma rede de pon-tos fixos. Essa nova técnica, cha-mada SPH (Smoothed Particle Hy-drodynamics ou Hidrodinâmicade Partículas Suavizadas), subs-tituiu a rede por partículas mo-vendo-se com o fluido. Essa mu-dança tornou as simulações maisrápidas e viáveis em computado-res mais modestos, como os quea pesquisadora teve de voltar ausar após retomar ao Brasil, na-quele mesmo ano.

A recriação do universo - A rea-lidade virtual consegue repro-duzir com fidelidade cada vezmaior o que acontece no univer-so. No computador, o gás do meiointerestelar é representado poruma caixa em forma de paralele-pípedo, preenchida com gás. Nabase, há um orifício, por onde ojato da protoestrela é injetado. Ládentro, o jato é acelerado super-sonicamente, forma os nódulos de gásque se movem em velocidade supersô-nica e interage com o gás do meio inte-restel ar. Obtidos em conjunto comAlex Raga, da Universidade Autônomado México; Elena Masciadri, do Insti-tuto de Astronomia Max Plank, em

Heidelberg, Alemanha; e Adriano Cer-queira, da Universidade Estadual deSanta Cruz, na Bahia, os resultados sãoem seguida comparados com as obser-vações astronômicas, sobretudo as ob-tidas do telescópio europeu ESO, quefica em La Silla, no Chile, e pelo teles-

;;\~ COplO espacial Hubble, as duas

fontes habituais de informaçõesdo grupo.

À medida que consolida o co-nhecimento sobre os jatos astro-físicos, a equipe mergulha nodisco de gás que forma os jatos,em busca de pormenores dos fe-nômenos que se passam nas re-giões mais próximas da estrelaem formação. Os resultados a queos pesquisadores chegam surgemem um momento em que fervi-lham novas informações sobre opróprio universo. Os astro físicostrabalham intensamente sobre afarta matéria-prima captada pelosatélite norte-americano Wilkin-son Microwave Anisotropy Pro-be (WMAP), que em fevereiro,no primeiro lote de resultados,deu ao universo uma idade de13,7 bilhões de anos, um destinocerto - expandir-se para sempre- e limites hoje estimados em 15bilhões de anos-luz. "Depois de

centenas de anos em que as observa-ções com telescópios só conseguiamalcançar o quintal da nossa galáxia, es-tamos enxergando cada vez mais lon-ge", destaca a pesquisadora. "A astro-nomia saiu da adolescência e chegouà maturidade." •

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oBiblioteca deRevistas Científicasdisponível na Internetwww.scielo.org

Notícias• PNEUMOLOGIA

Sem preferência por sexoo artigo Câncer de Pul-

mão: Comparação entre osSexos, de Cesar Uehara,Ilka Lopes Santoro e Ser-gio Iarnnik, que acaba deser publicado no SciELO,propõe uma análise com-parativa de diversos estu-dos clínicos sobre câncerde pulmão entre os sexosfeminino e masculino. Deacordo com dados do Ins-tituto Nacional do Cân-cer, o Brasil registrava, em 1999, 19.600 casos anuais dadoença, com um índice de mortalidade de 12.750 pes-soas a cada ano. Diferentes fatores de prognóstico naanálise de estudos clínicos de câncer de pulmão foram ava-liados. Os pacientes do sexo feminino, por exemplo, apre-sentaram níveis de tabagismo menor que os do masculi-no. O estudo revelou ainda que, em média, 45% dospacientes apresentaram-se com doença disseminada nomomento do diagnóstico. Entretanto, apesar de não se-rem constatadas diferenças significantes entre os dois se-xos para a presença de sintomas no momento do diag-nóstico, os pesquisadores da Universidade Federal de SãoPaulo alertam que "a incidência do câncer de pulmão émaior para pacientes na quinta, sexta e sétima décadade vida, e do sexo masculino; porém esta predominânciamasculina tem diminuído, esperando-se que nos próxi-mos anos, principalmente nos países desenvolvidos, a re-lação homem/mulher se iguale".

JORNAL DE PNEUMOLOGIA - VOL. 26 - o 6 - SÃo PAULO -

NOV./DEZ. 2000

www.seielo.br/se ie 10. ph P ?se ri pt=sei_arttext&p id =S01 02-35862000000600003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• ENFERMAGEM

Trabalho infantilA defesa da criança e do jovem e a garantia de seus di-

reitos individuais como cidadãos são assuntos tratadosem O Trabalho na Vida dos Adolescentes: Alguns FatoresDetermtnantes para o Trabalho Precoce,de Beatriz RosanaGonçalves Oliveira, do Curso de Enfermagem da Univer-

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sidade Estadual do Oeste do Paraná, e Maria Lúcia doCarmo Cruz Robazzi, da Escola de Enfermagem de Ri-beirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP)."Os determinantes encontrados para o trabalho precoceforam: pobreza, desigualdade social, concentração derenda, demanda de mercado, oferta educacional, quali-dade do ensino, constituição familiar, determinações dosistema de produção e necessidade de ganhar a vida porconta própria'; dizem. O estudo, que se amparou em da-dos coletados sobre nove adolescentes do sexo masculi-no, de um programa de formação para o trabalho nomunicípio de Cascavel (PR) enfoca ainda quem são ostrabalhadores, qual é o trabalho, o estudo e o lazer e oque está por traás do trabalho do adolescente. "Se con-siderarmos a alteração da legislação referente à idademínima de 16 anos, para a inserção no mercado de tra-balho, 70% dos adolescentes analisados encontram-se le-galmente trabalhando, enquanto 30% estão abaixo do li-mite permitido por lei'; diz o estudo. As entrevistasforam realizadas e gravadas após o consentimento indi-vidual dos jovens e de seus responsáveis legais. O estudofoi submetido ao Comitê de Ética de Pesquisa com Se-res Humanos da EERP/USP.

REVISTA LATINO-AMERICANA DE ENFERMAGEM - VOL. 9 -N° 3 - MAIO 2001

www.seielo.br/sei elo. ph p?seript=sei_arttext&p id=Sü 104-11692001000300013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• MiDlA

Poder ignoradoUm dos destaques da revista Lua Nova, novo título in-

cluído no SciELO, o artigo Os Meios de Comunicação e aPrática Política,do professor do Departamento de CiênciaPolítica da Universidade de Brasília Luis Felipe Miguel,analisa a presença dos meios de comunicação de massa napolítica contemporânea. "O prodigioso desenvolvimentodos meios de comunicação, ao longo do século 20, modi-ficou todo o ambiente político'; escreve Miguel, citando orádio, cinema e, especialmente, a televisão. "Ela revolucio-nou nossa percepção do mundo, em especial do mundosocial, e, dentro dele, da atividade política." Apesar da in-fluência da mídia na política, Miguel ressalta a pouca im-portância dada pelos estudiosos. "Walter Lippmann la-mentava o fato de que 'a ciência política é ensinada nasfaculdades como se os jornais não existissem'. Oitenta anosdepois, é possível dizer que a ciência política já reconhecea existência do jornal, bem como do rádio, da televisão e

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até da Internet. Mas em geral não vê neles maior impor-tância': diz. Miguel ressalta, entretanto, que a influênciada mídia sobre a política não implica a dominação dasegunda pela primeira. "Os efeitos da mídia são varia-dos, de acordo com as situações específicas em que seinserem, e sofrem a ação de contra tendências e resistên-cias. Há um processo permanentemente tensionado deembate entre as lógicas do campo midiático e do cam-po político, que necessita ser observado em detalhe edentro de sua complexidade. Decretar que a política 'securvou' à mídia é tão estéril quanto negar a influênciadesta sobre a primeira."

LUA NOVA - N° 55/56 - 2002

www.scielo.br/scielo .php?scri ptesclarttextêpi d=S01 02-64452002000200007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• EDUCAÇÃO

Em busca da alfabetizaçãoContribuir pa-

ra uma melhorcompreensão dosaspectos que en-volvem a alfabeti-zação das criançasde classes popula-res em nosso país,orientando políti-cas e mecanismos para implementar reformas pedagó-gicas, foi o objetivo de Sandra Maria Sawaya, da Facul-dade de Psicologia e Educação da Universidade de SãoPaulo, em Ribeirão Preto, cujo trabalho pode ser conferi-do no artigo Alfabetização e FracassoEscolar:Problemati-zando Alguns Pressupostos da Concepção Construtivista.A questão do fracasso escolar das crianças de baixa ren-da é explicado pela interpretação de teses, como a teo-ria construtivista de Emília Ferreiro e Ana Teberosky,que vêm norteando as políticas públicas de alfabeti-zação no Brasil desde a década de 1980. Segundo SandraMaria, o grande problema em questão é que a escola, aose abrir às classes populares, não se reforrnulou paraatender uma demanda diferente da que estava acostu-mada a receber. Atualmente, exige que todos os alunospercorram o caminho da mesma forma e ao mesmotempo, desprezando seus diferentes níveis de conheci-mento. "Não há marginalidade cultural no sentido denão participação na cultura escrita, pois numa socieda-de letrada as práticas de escrita se impõem de diferen-tes maneiras nas formas de existência social, definindorelações sociais. As relações das crianças de camadaspopulares com o texto escrito só podem ser compreen-didas em toda sua complexidade dentro do contexto eda diversidade das formas culturais da sua produção",concluiu a pesquisadora.

EDUCAÇÃO E PESQUISA - VOL. 26 N° 1 - JAN./JUN. 2000

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022000000100005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• SAÚDE PÚBLICA

Consciência coletivaO modelo de educação sanitária formulado na ampla

campanha de regeneração física, intelectual e moral aque se lançou o Instituto de Hygiene de São Paulo, emcooperação com a Junta Internacional de Saúde da Fun-dação Rockefeller, durante a chamada "era da higiene" noinício do século passado, quando "os médicos-higienistaspaulistas procuraram intervir sobre os corpos e as men-tes das crianças", é analisado no artigo "Educação Escolare Higienização da Infância", de Heloísa Helena PimentaRocha, da Faculdade de Educação da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp). O objetivo é divulgar no-vos modos de viver e se comportar, baseados nos princí-pios fundamentais de higiene. A pesquisadora utilizoucomo referência a tese de doutoramento O Saneamentopela Educação, apresentada por Antonio de Almeida [u-nior à Faculdade de Medicina e Cirurgia, em 1922, paramostrar os princípios que orientaram a educação sanitá-ria como instrumento de higienização da população,contribuindo para a formação de uma consciência cole-tiva amparada nos rituais da saúde. "Educação e saúde fi-guraram como elementos indissociáveis na configuraçãode um programa de moralização, que tinha, como umdos seus mais importantes pilares, a higienização da po-pulação': diz Heloísa Helena.

CADERNOS CEDES - VOL. 23 - N° 59 - ABR. 2003

www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S01 01-32622003000100004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• FíSICA

Velocidade caseiraQue-tal medir a velocidade do som no ar em sua pró-

pria casa? Essa é a proposta do artigo Velocidade do Somno Ar: um Experimento Caseiro com Microcomputador eBalde D'água, de Wilton Pereira da Silva e cinco colegasdo Departamento de Física da Universidade Federal deCampina Grande, na Paraíba. Trata-se de uma experiên-cia para a determinação da velocidade por meio de ummicrocomputador para a geração de áudio. "A idéia é aliaruma das formas clássicas de determinação da velocidadedo som no ar, que é a detecção de ressonâncias em umtubo, com um programa de computador que dispensa autilização de um conjunto de diapasões e de todos os equi-pamentos eletrônicos': escreveram. "Como conseqüênciadesse propósito, supõe-se que o interessado possa realizaro experimento em sua casa sem, contudo, renunciar aonecessário rigor em seus resultados:' O artigo traz os pro-cedimentos da experiência, testada por vários alunos parareforçar a viabilidade da proposta apresentada.

REVISTA BRAS. DE ENSINO DE FíSICA - VOL. 25 - N° 1 - 2003

www.scielo.br/sc ielo. ph p?scri pt=sci_arttext&pid=S01 02-47442003000100009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 59

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ITECNOLOGIA

das de argila e um tipo depolímero chamado poliele-trólito. O nácar natural de-ve muito de sua força e fle-xibilidade à sua estruturainterna, que se assemelha auma parede de tijolos for-mados de carbonato de cál-cio. Camadas de proteínas deespessura nanométrica (commilionésimos de milímetro)fazem as vezes de argamas-sa. No nácar artificial, as pla-que tas de uma argila decarga negativa fazem o pa-pel dos tijolos, enquanto asfibras de um polieletrólitopositivamente carregado ser-vem de argamassa. As cargasopostas garantem a atraçãodos componentes, manten-do a estrutura compacta. •

• LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

Nem só de beleza vive a ma-drepérola. Também conhe-cida como nácar, a substân-cia formada no interior daconcha dos moluscos reú-ne outras características in-dustrialmente interessantes,como resistência e flexibi-lidade. Se pudesse ser mol-dada, daria, sem dúvida,ótimo material para a con-fecção de componentes deaeronaves, ossos artificiais eoutros artefatos. Nada maisnatural, portanto, que o pes-quisador Nicholas Kotov,quedesenvolveu uma espécie denácar artificial, mantendoinclusive o aspecto irides-cente da substância original,tenha recebido um prêmioda Fundação Nacional de

• Uma liga metálicamuito estranha

Uma incrível combinação detitânio, nióbio, tântalo, zir-cônio e oxigênio, que desafiaqualquer teoria conhecidasobre ligas metálicas, estácausando furor no mundo daengenharia de materiais. De-senvolvida pela Toyota, no Ja-pão, e já apelidada de "metal-goma" - pela capacidade quetem de ser dobrada quase emângulo reto e retomar à for-ma original -, a novidade ésaudada como o primeiro re-bento de uma nova geraçãode superligas. Outras pro-priedades interessantes: um fiode metal-goma pode ser es-ticado para até o dobro dotamanho original sem se rom-per, e a liga é capaz de con-

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Concha inspira novo material

Nácar reúne resistência e flexibilidade

Ciência dos Estados Unidos.Na edição do dia 25 de maioda revista Nature MateriaIs,Kotov e seus colaboradores,da Universidade do Estadode Oklahoma e da Digital

Instruments- Veeco, publi-caram um artigo descreven-do o novo material comodotado de consistência se-melhante à do nácar e com-posto de camadas alterna-

servar todas as suas caracte-rísticas em uma faixa de tem-peratura que vai de 2000 C a- 2000 C. Usado até o momen-to apenas para fabricar arma-ções inquebráveis de óculos,o material está no mercadohá pouco mais de um ano,mas até agora seus descobri-

dores não publicaram nemsequer uma linha contando oque ele é ou como funciona.E não por uma questão desigilo industrial. É que elespróprios não sabem do quese trata. Segundo os pesquisa-dores, o comportamento dosátomos do material é anor-

mal demais para ser expli-cado em detalhes. A equipequer decifrar o novo materi-al antes de submeter o fenô-meno aos olhos do mundo .•

• Avança na Europaa telemedicina

Graças aos recursos de te-lemedicina disponibilizadospela Agência Espacial Euro-péia (ESA), pacientes em di-versos pontos da Europa jápodem consultar-se com seusmédicos a milhares de quilô-metros de distância. Um sim-pósio realizado em Frescati, naItália, nos dias 23 e 24 de maio,serviu para fazer um balan-ço das atividades da agência,que, por meio da implanta-ção de tecnologia avançada,como vídeo de alta resolução

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o.•

te-lasro-

di-já

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da,ção

têm usado um microchip quedetermina eletricamente se acélula está saudável mediantea detecção de mudanças naresistência elétrica da mem-brana celular, milissegundosapós ser exposta a um agen-te tóxico. Eles descobriramque, depois que uma célula éexposta a uma toxina, sua re-sistência elétrica experimentaum rápido pico antes de cairdramaticamente. •

• Vedação impedeperdas nos dutos

Os criadores de um sistema devedação de dutos que elimi-nou o desperdício de aque-cimento e refrigeração nosdomicílios e pequenos esta-belecimentos norte-america-nos querem estender os be-nefícios de sua invenção aosgrandes edifícios e instala-ções comerciais. Nos anos de1990, Mark Modera, pesqui-sador do Laboratório Nacio-nal de Berkeley, na Califórnia,percebeu que 20% de toda aventilação e aquecimento ge-rados pelos sistemas de ar-condicionado das residênciassofria perdas por causa de va-zamentos nos dutos. Criou,então, um sistema que con-siste em injetar, via aerossol,um líquido vedante que vai fe-chando buracos, rachadurase outras falhas nos dutos.Agora, Duo Wang, outro ci-entista do Laboratório Berke-ley, apresentou sua tecnologiade vedação para grandes ins-talações. Apelidado Masis, osistema, desenvolvido com aajuda de Modera e apoio doDepartamento de Energia dosEUA, tem duas versões. Naprimeira, vem com um com-pressor de ar e um carrinhoequipado com injetor, líqui-do vedante, bomba e painelde controle. Na segunda, osinjetores são alimentados poruma estação central. •

mento de Produção Vege-tal, e Ulisses Antuniassi,do Departamento de En-genharia Rural, a embar-cação é dotada de sistemaseletrônicos para contro-le e monitoramento dasaplicações. Inicialmente,os pesquisadores desen-volveram uma série detecnologias, adaptadas aum aerobarco importa-do comprado pela Com-panhia Energética do Es-tado de São Paulo (Cesp).Para reduzir os custos, jáque a importação de umaembarcação desse tipofica em torno de R$ 500mil, os pesquisadores pro-jetaram e construíram ummodelo totalmente bra-sileiro, por cerca de R$ 250mil, com financiamentodaAES Tietê, empresa pri-vada que gerencia hidre-létricas. "Todo o traba-lho está sendo feito comacompanhamento do Ins-tituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos RecursosNaturais Renováveis (Iba-ma)", diz Antuniassi. •

Plantas controladas

Aerobarco aplica herbicida em reservatório

Aguapés e outras espéciesde plantas aquáticas lem-bram um tapete verdecom pontos coloridos,quando floridos, enfei-tando extensas porçõesde rios e reservatórios deágua. Só que essa belezaaparente causa sérios pro-blemas às usinas hidrelé-tricas, com perdas de até10% do potencial de ge-ração de energia elétricado país. Com o objetivode gerar tecnologia parao manejo dessas plantas,alguns projetos de pes-quisa estão em desenvol-vimento na Faculdadede Ciências Agronômi-cas da Universidade Es-tadual Paulista (Unesp),de Botucatu, incluindométodos biológicos, quí-micos e mecânicos. Umdesses projetos resultouna construção de um ae-robarco, com tecnologianacional, para aplicaçãode herbicidas aquáticos.Desenvolvida pelos enge-nheiros agrônomos Edi-valdo Velini, do Departa-

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e transmissão de dados viasatélite, tornou a medicina adistância uma prática rotinei-ra em território europeu. Des-de 1996, a ESAjá bancou maisde 20 projetos de telemedici-na, um deles intercontinental,que levou o serviço a regiõesremotas do Canadá. Hoje, vá-rios serviços de teleconsulta,incluindo acompanhamentopsiquiátrico, estão disponíveisna rede. Esses avanços, porém,não devem ser encarados co-mo simples ofertas de como-didade. Com o aumento dapopulação idosa na Europa,serviços como a monitoraçãoremota tendem a tornar-se,cada vez mais, uma questãode vida ou morte. •

• Alarme contraagentes tóxicos

Experimentos realizados naUniversidade da Califórnia,em Berkeley, EUA, permitemconhecer os sinais elétricosque definem a morte celular,abrindo as portas para a cri-ação de um chip que poderáser usado como alarme dian-te de um ataque bioquímicoou para provar a toxicidadede substâncias em tecidoshumanos. Os pesquisadores

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A tecnologia da vacinasintética para o controle decarrapatos em bovinos serátransferida para o labora-tório mineiro Hertape, ven-cedor de licitação públicarealizada pela Fundação deAmparo à Pesquisa do Es-tado de Minas Gerais (Fa-pemig). As pesquisas quelevaram à descoberta davacina, prevista para ser Ian-çada comercialmente até ofinal de 2005, foram coor-denadas pelo professor Joa-quim Hernán Patarroyo,do Departamento de Ve-terinária no Instituto deBiotecnologia Aplicada àAgropecuária (Bioagro), daUniversidade Federal deViçosa (UFV). Os estudosforam desenvolvidos nainstituição mineira, em co-operação com o Instituto

Vacina comercial contra carrapato

de Inmunologia del Hos-pital de San Iuan de Dios,em Bogotá, Colômbia, ecom o apoio financeiro daFapemig. É a primeira va-cina sintética da AméricaLatina contra o carrapato(Boophilus microplus), que,segundo cálculos do Mi-

Testesfinais davacinarealizadosem Minas

nistério da Agricultura,causa prejuízo anual deum US$ 1 bilhão à pecuá-ria brasileira. A pesquisainiciada em 1993 baseou-se no estudo de uma pro-teína retirada do abdômendo inseto. Ela tem 80% deeficiência. •

• Volta às origensna construção

Uma antiga técnica de cons-trução que utiliza tijolos de ter-ra crua está sendo recuperadapelo Programa de Tecnologiapara Habitação (Habitare),da Financiadora de Estudos eProjetos (Finep), para ser re-passada a comunidades ca-rentes. Para aprimorar a tec-nologia, o projeto investiuna caracterização de tijolosde terra prensada e na otimi-zação do processo de produ-ção. Quantidades adequadas deterra e de cimento, usado paraestabilizar os tijolos, são al-gumas das preocupações dostrabalhos realizados em par-ceria com a instituição france-sa Ecole Nationale de TravauxPublics de l'Etat e a italiana

Politécnico di Torino. Alémdo baixo custo, o processo deprodução do tijolo de terracrua consome menos energiae produz menos rejeitos, jáque não necessita de queima,como os de argila. Outra van-tagem em relação aos produ-tos convencionais, em geralfabricados de forma centra-lizada, é que o tijolo de terracrua pode ser produzido pe-

los próprios moradores, nolocal em que serão ergui dasas construções. •

• Negócios em buscade capital de risco

De olho em boas oportuni-dades, 40 representantes defundos de capital de risco co-nheceram os planos de negó-cio de dez empresas de tecno-

logia, escolhidas entre 250 ins-critas para participar do 8°Venture Forum Brasil, reali-zado no Rio de Janeiro e or-ganizado pela Financiadorade Estudos e Projetos (Finep).Uma das empresas, a Coner,do Maranhão, apresentou umdispositivo batizado de Poupa-luz que, instalado nos sistemasde iluminação com lâmpadasfluorescentes, proporcionaeconomia de até 40% no con-sumo de energia elétrica e pro-longa em até cinco vezes a vidaútil desses equipamentos. •

• Projetos brasileirosrecebem prêmio

Os "Empreendedores do NovoBrasil" de 2003 foram apre-sentados pelo Instituto Empre-ender Endeavor na 6" Confe-rência Internacional Endeavore Anprotec (Associação Nacio-nal de Entidades Promotorasde Empreendimentos de Tec-nologias Avançadas), realiza-da em junho, em Campinas.São dez empresas escolhi-das entre 369 projetos de ne-gócios inscritos. Elas foramanalisadas por critérios comohistória do empresário e donegócio, pioneirismo e ino-vação. São elas, DentalCorp,Dotz, Fly Logística, Monkey,S&V Consultoria, de São Pau-lo, IBDD e Lan Designers, doRio de Janeiro, Planejar e TopService, do Rio Grande do Sul,e Angelus, do Paraná. Mais da

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metade dos projetos recebi-dos é do Sudeste, com 61%. Aregião Sul enviou 13,3%, se-guida do Nordeste (13,6%),Centro-Oeste (10%) e Norte(2,2%). •

• Aparelho alertasobre riscos de raios

Quando um raio matou doisadolescentes no Parque Villa-Lobos, em São Paulo, em ja-neiro de 2001, o Grupo de Ele-tricidade Atmosférica (Elat),do Instituto Nacional de Pes-quisas Espaciais (Inpe), de SãoJosé dos Campos, estava co-meçando a trabalhar no desen-volvimento de um aparelhopara funcionar como um alar-me contra tempestades. "Esseacidente motivou-nos aindamais e, ao mesmo tempo, aempresa gaúcha Hindelet, per-cebendo o potencial interessecomercial, resolveu investirno desenvolvimento do pro-jeto", relata o coordenador doElat, Osmar Pinto [unior. Odetector de raios, capaz deoperar em uma área de 50 qui-lômetros, já está à venda. Pos-sui duas partes: um móduloexterno, com uma antena quemede o campo elétrico, e ou-tro interno, que processa asinformações e transforma-asem sinais de alerta lumino-sos e sonoros.

PatentesInovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento

de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: [email protected]

M icrodispositivos descartáveis para exames de sangue

• Microlaboratórios deanálises químicas

Processo desenvolvido noInstituto de Química daUniversidade de São Paulo(USP) visa à obtenção deestruturas que funcionamcomo microlaboratórios.Por processo xerográficoou de impressão a laser éobtido um filme poliméri-co com o toner impressodelineando o relevo da es-trutura. Um outro filme éprensado ou laminado so-bre a camada de toner, oque gera cavidades e canaisque podem ser preenchi-dos com fluidos. Devido aobaixo custo da matéria-prima e de fabricação, essasestruturas podem ser úteisna confecção de dispositi-vos microfabricados des-cartáveis para análises desangue, de água, de álcoolcombustível e de vinhos.

Título: Processo de Micro-fabricação Utilizando Tonercomo Material EstruturalInventor: Claudimir Luciodo LagoTitularidade: USPIFAPESP

• Nova técnica deobtenção de enzimas

Processo mais econômicode obtenção de enzimas, apartir de leveduras secas depanificação, para serem uti-lizadas em métodos ana-líticos. A técnica usada pa-ra obter enzimas demandamuitas etapas de purifica-ção e, por isso, fica muitocara. Já o método desenvol-vido na Faculdade de Ciên-cias Farmácêuticas da Uni-versidade Estadual Paulista(Unesp) de Araraquara tra-balha com preparação par-cialmente purificada, quepode ser aplicada em en-saios de glicerol e etanol emvinho tinto e em mosto fer-mentado de caldo de cana.O grupo pretende continuarestudos os de purificaçõesdessas enzirnas nas prepara-ções semipurificadas, alémde tentar mudar o métodoenzimático para produzirleituras no comprimentode onda visível em vez deleituras no ultravioleta.

Título: I<it Econômicode Aplicação na Rotina

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Industrial para Ensaiosde Glicerol, Malato e EtanolInventores: EdwillAparecida de Luca Gattás,Cecília Laluce,Claudia Regina CançadoSgorlon TininisTitularidade: UnesplFAPESP

• Substâncias comatividade antitumoral

Uma família de compostoscom propriedades antitu-morais, derivados de subs-tâncias existentes na própo-lis brasileira, foi sintetizadapela equipe do professorJosé Agustin Quincoces Su-árez na Universidade Ban-deirante de São Paulo (Uni-ban). Dois desses compostosmostraram eficácia em cé-lulas tumorais humanas emtestes in vitro. Esses estudosforam realizados por JoãoErnesto de Carvalho na Di-visão de Toxicologia e Far-macologia da Universida-de Estadual de Campinas(Unicamp). A próxima eta-pa prevê a realização de tes-tes in vivo.

Título: PropriedadesAntitumorais da 1,5-Bis(4-hidroxi-3-methoxi-feniIJ-penta-l,4-dien-3-onae Seus DerivadosInventores: José AgustinQuincocesSuárez, JoãoErnesto de Carvalho,Heloiza Brunhari, MarcusKordien, I<laus Peseke,Luciana Kohne Márcia AntônioTitularidade: UnibanlFAPESP

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Amostra de cobreoxidado, no alto, que,

após tratamento,retoma propriedades

metálicas originais

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TECNOLO-GIA

QUÍMICA

A força datransformaçãoResíduos de laboratóriossão reaprove itados em outrosexperimentos após reciclagem

DINORAH ERENO

Pelo menos oito cidades donorte fluminense sentiramna prática, no início de abrildeste ano, os efeitos do des-caso de uma indústria com

seus resíduos. Durante vários dias, cer-ca de 600 mil pessoas ficaram sem águapotável porque o rio Paraíba do Sul,que abastece essas cidades, foi contami-nado pelo derramamento de produtosquímicos do reservatório de uma in-dústria de papel instalada em Catagua-ses, Minas Gerais, na divisa com o Riode Janeiro. A espuma tóxica deixou emseu rastro toneladas de peixes mortos ecolocou em alerta entidades ligadas àsaúde pública e ao meio ambiente. Aci-dentes como esse não aconteceriam sefossem tomados os devidos cuidados ea indústria tivesse adotado princípios emetodologias como aquelas utilizadascom sucesso há seis anos pelo Centrode Energia Nuclear na Agricultura(Cena), da Universidade de São Paulo(USP), em Piracicaba.

A constatação de que era necessárioestabelecer padrões para descarte e re-ciclagem dos produtos químicos utili-zados para experimentos foi o ponto departida para o desenvolvimento, em1997, de um programa de gerencia-

mento de resíduos químicos e águasservidas naquela unidade.

Os resultados já podem ser traduzi-dos em ganhos ambientais e econômi-cos. Somente no ano passado, cerca de400 mil litros de resíduos químicos,contendo materiais perigosos, foramreciclados. Entre as substâncias que fa-zem parte desse montante estão chum-bo, prata, mercúrio, cobre, zinco, selê-nio, bromo, amônia, sulfetos, metanol,acetona e cromo. Várias delas são reuti-lizadas nas linhas de pesquisa desenvol-vidas no instituto. Segundo os cálculosdo engenheiro químico José AlbertinoBendassolli, coordenador do Laborató-rio de Isótopos Estáveis e do programade gerenciamento de resíduos químicosdo Cena, a economia mensal com oreaproveitamento desses produtos seaproxima de R$ 5 mil. "Por ano, sãoR$ 60 mil, mas, se considerarmos oprograma de gerenciamento de água eenergia elétrica, poderemos chegar auma economia anual de R$ 200 mil. Es-ses exemplos bem-sucedidos podem sertransferidos para outras instituições depesquisa e ensino", diz Bendassolli.

Apenas no sistema de produção deágua desmineralizada adotado peloCena, a economia anual com gasto de

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água e energia elétrica pode totalizarR$ 140mil. Pelo processo de destilaçãoconvencional - o mais empregado emlaboratórios de ensino e pesquisa nopaís -, para cada litro produzido sãoconsumidos de 15 a 20 litros de águatratada no sistema de refrigeração, sen-do que a maioria é descartada após oprocesso. Pelos cálculos do coordena-dor do programa, como o Cena conso-me cerca de 60 mil litros de água desti-lada por mês, o desperdício mensalseria da ordem de 900 metros cúbicos,o que representa cerca de 10,8 milhõesde litros por ano. E a energia gasta paraproduzir 1 litro de água destilada giraem torno de 0,7 quilowatt, represen-tando 42 mil quilowatts por mês.

Filtros e areia - Com o aporte de re-cursos da FAPESPem 2001, por meiodo Programa de Infra-Estrutura V, oinstituto dimensionou e construiu umacentral de produção de água que utilizabasicamente gravidade e pressão. Poresseprocesso, a água desmineralizada éobtida por troca iônica (resinas troca-doras de cargas positivas e negativas).O líquido da rede de abastecimento pú-blico de Piracicaba, do Serviço Munici-pal de Água e Esgoto (Semae), passainicialmente por um filtro de carvãoativado e grãos de areia de vários tama-nhos e, na seqüência, em grandes colu-nas de acrílico transparente, contendoresinas, responsáveis pela retenção decátions (cálcio, magnésio, potássio, só-dio e alguns metais pesados) e ânions(cloretos, sulfatos, nitratos, carbonatos,entre outros). Em seguida, a água passapor um sistema de desinfecção por luzultravioleta e por filtros de polipropile-no com ranhuras de 5 mícrons. "Oresultado é que hoje temos 50% dasnossas unidades utilizando essa água",conta Bendassolli. Como alguns ficamdistantes da central de produção, ondeela é retirada pelos técnicos em galões,o coordenador do programa acreditaque é possível melhorar a distribuição,tornando-a mais eficiente com encana-mentos específicos.

O trabalho de gerenciamento de re-síduos químicos do Cena começou em1997,no Laboratório de Isótopos Está-veis, local onde se produz a maiorquantidade de rejeitos do instituto. Olaboratório é responsável por toda aprodução nacional de compostos enri-quecidos nos isótopos pesados de ni-

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Equipamento usado para processamento de cobre. Com aadição de hidrogênio a 4500 C, retira-se oxigênio do metal

trogênio e enxofre, portanto sem radio-atividade, usados principalmente napesquisa agronômica como traçadores,na avaliação do ciclo de nitrogênio e deenxofre no sistema solo-planta.

Como nos últimos anos houve umaumento do consumo desses compos-tos, a produção precisou ser ampliada,gerando um maior volume de etluentesquímicos e a necessidade de adotar umprograma de gerenciamento dos resí-duos. O Cena integra, com a Esalq, ocampus da USP em Piracicaba. São 37pesquisadores docentes, cerca de 100funcionários e 150 alunos de pós-gra-duação que trabalham em 19 laborató-rios de pesquisa.

Bendassolli recorda o início do pro-grama, quando a primeira tarefa jádava idéia do que aguardava a equipeenvolvida. Em um depósito aberto, semnenhum tipo de organização, encon-

o PROJETO

travam-se 5 toneladas de resíduos, pre-cariamente acondicionados e em gran-de parte sem nenhum tipo de rotulagem.O primeiro passo foi classificar o quedava para identificar. "No total, cerca de2,1 toneladas do material foram incine-radas, porque não foram segregadas nafonte geradora", conta. A incineraçãofoi feita pela Basf, em Guaratinguetá,com acompanhamento da Companhiade Tecnologia de Saneamento Ambien-tal (Cetesb).

Banco de dados - O depósito originalfoi então remodelado, dentro de crité-rios rígidos de armazenamento de ma-terial, e os resíduos divididos em 11classes. Bendassolli lembra que, comoesse ambiente é um entreposto provi-sório, o material descartado deve ficarno máximo 120 dias no local. Depois,precisa ser recuperado ou incinerado.Um banco de dados informatizado, de-senvolvido pelo Laboratório de Infor-mática do Cena, fornece dados detalha-dos, quantitativos e qualitativos, dosresíduos estocados e gerados nas linhasde pesquisa e ensino da instituição,além de informações técnicas sobremais de 200 compostos químicos peri-gosos. A equipe também produziu umvídeo com os resultados do programade gerenciamento, apresentado aosgrupos que visitam a instituição.

Um resultado importante mostradoaos visitantes é a reciclagem de váriosresíduos aquosos contendo produtos

Tratamento de Resíduos Químicos

MODALIDADEPrograma de Infra-Estrutura V

COORDENADORJOSÉ ALBERTINO BENDASSOLLI -

Centro de Energia Nuclear naAgricultura/USP

INVESTIMENTOR$ 497.960,00 e US$ 22.940,00

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perigosos, como cianeto, amô-nia, sulfeto, bromo e outros.Eles são reciclados e reaprovei-tados em outras linhas de pes-quisa do Cena, enquanto ossólidos, como as lâmpadas fluo-rescentes, são enviados parauma empresa que faz a recicla-gem do mercúrio. Os resíduosde prata, por exemplo, são recu-perados e utilizados como óxi-do de prata em outros processosanalíticos. "Esse material é umreagente caro que usamos, porexemplo, na determinação deenxofre em plantas", conta Ben-dassolli. Já o cromo é utilizadocomo dicromato de potássio emvários processos analíticos.

Sem oxigênio - O cobre metáli-co, usado para retirar o excessode oxigênio de amostras desolo, sedimentos e plantas antesde passarem pelo espectrômetrode massas, é reciclado em suaforma original. Ao reter o ex-cesso de oxigênio das amostras,o cobre fica oxidado e perdesua função, além de ser tóxi-co. Para retomar ao cobre metá-lico, ele passa por um processoconhecido como óxido-redu-ção, que consiste em empregaro hidrogênio a 4500 C para re-tirar o oxigênio. A reciclagem do cobreproveniente de três equipamentos doCena representa economia anual na im-portação dessa matéria-prima da or-dem de US$ 12 mil.

Embora muitos desses processos se-jam convencionais, nem sempre são'empregados pelas universidades e mes-mo pelas indústrias. "As empresas pro-duzem uma grande quantidade de re-síduos, mas em menor variedade. Já auniversidade produz menor quantida-de, mas a diversidade é muito maior.Nosso objetivo é que os processos de-senvolvidos aqui possam ser transferi-dos", diz o coordenador do programa.Na sua avaliação, uma maneira de pas-sar adiante esse conhecimento é pormeio do curso de graduação de GestãoAmbiental da Esalq, que tem como fi-nalidade formar o administrador do am-biente. Bendassolli é responsável poruma disciplina - que consta da gradecurricular de 2005, quando os alunosda primeira turma desse novo curso

Colunas de acrílico usadas para produzir águadesmineralizada pelo processo de troca iônica

estiverem no último ano - que abordaa questão de segurança e do tratamen-to de resíduos químicos em laboratóri-os. Outra forma de repasse é receberalunos de colégios e faculdades nos la-boratórios do Cena.

Programa no shopping - Uma dessasvisitas já rendeu frutos. Dois alunosque trabalham em uma indústria de Pi-racicaba perceberam que alguns proce-dimentos adotados pela empresa pode-riam ser modificados e colocaram emprática técnicas aprendidas no Cena.Bendassolli também considera impor-tante apresentar à comunidade o traba-lho da universidade. Por isso, no iníciode junho, Glauco Tavares, Gleison deSouza e Felipe Rufino Nolasco, partici-pantes da equipe, apresentaram o pro-grama de resíduos em um shopping dePiracicaba, como parte de atividades li-gadas à Semana do Meio Ambiente.

Daqui a um mês, o Cena vai encer-rar sua participação no Infra-Estrutura

V. Esse programa foi lançadopela FAPESP em 1999, dandocontinuidade ao Programa deInfra-Estrutura criado em 1995com o objetivo de recuperar emodernizar laboratórios e de-mais instalações de pesquisa dasinstituições paulistas, que se en-contravam bastante deteriora-dos, inviabilizando, inclusive, aatividade de pesquisa. O Infra Vfoi dividido em dois grandes mó-dulos: o de tratamento de resí-duos químicos e o de centros deinformações, incluindo biblio-tecas, museus e arquivos.

Participam do módulo deresíduos químicos dez laborató-rios da USP, três da Universida-de Estadual Paulista (Unesp),um da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp), um daUniversidade Federal de SãoCarlos (UFSCar) e um da Uni-versidade de Ribeirão Preto(Unaerp), além do Centro deControle de Zoonoses da Prefei-tura Municipal de São Paulo, doInstituto de Pesquisas Energéti-cas e Nucleares (Ipen) e do Cen-tro de Pesquisa Pecuária Su-deste da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária (Em-brapa), que receberam no totalR$ 4,2 milhões.

Segundo Bendassolli, para que oprograma do Cena continue serão ne-cessários cerca de R$ 60 mil anuaispara material de consumo, manutençãodos equipamentos e desenvolvimentode novos métodos, além de contrata-ção de pessoal técnico (funcionáriosexclusivos para o programa). "Como apesquisa é dinâmica, com experimen-tos diversos, temos sempre que pensarem novas metodologias de tratamen-to para os outros compostos que sur-gem", relata o coordenador do progra-ma. Esse valor representa uma parcelapequena perto do que já foi investidoaté aqui, cerca de R$ 1 milhão, entreverba da FAPESP, do Programa deApoio a Núcleos de Excelência (Pro-nex), mantido pelo Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tec-no lógico (CNPq), USP e do próprioCena. Não teria sentido, como dizBendassolli, depois de tanto esforçoe dos resultados apresentados, aban-donar o que foi feito. •

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 67

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ITECNOLOGIA

BIOMATERIAL

Alívio paraqueimaduras

Curativo de hidrogel diminuia dor; evita o ressecamentoda pele e combate bactérias

YURI VASCONCELOS

Otratamento de queimadu-ras deverá ter, em breve,um novo aliado. A novi-dade surgiu no Institutode Química da Universi-

dade de São Paulo (IQ-USP), onde pes-quisadores desenvolveram um curativode hidrogel reforçado com fibras de po-lipropileno, um material plástico, idealpara o tratamento de queimados. Hi-drogéis são materiais poliméricos, comconsistência similar à de uma gelatina,que retêm água em sua estrutura. Os cu-rativos feitos com esse biomaterial, tam-bém chamados de membranas, não sãonovidade no mercado, mas sua fragili-dade mecânica impede o uso de formageneralizada pelos hospitais porque serompem com facilidade durante o ma-nuseio. Os médicos também reclamamque o curativo ainda é muito pequeno,não cobrindo áreas grandes do corpo.Com o reforço de polipropileno desen-volvido na USP, os curativos poderão serfabricados em qualquer dimensão e não

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apenas no tamanho padrão de 8 por 15centímetros. O aprimoramento do pro-duto coube ao químico Luiz HenfiqueCatalani e sua equipe. Eles utilizaram ohidrogel criado pelo pesquisador polo-nês Ianus Rosiak, cuja tecnologia foitransferida no início dos anos de 1990para o Instituto de Pesquisas Energéti-cas e Nucleares (Ipen).

Os curativos de hidrogel são forma-dos por água (92% de sua massa) e po-límeros (os 8% restantes), sendo que opolivinilpirrolidona (PVP) é seu princi-pal componente. A maior vantagem emrelação aos curativos tradicionais, feitosde gaze, é que ele reduz a dor provocadapela queimadura. "Essa sensação ocor-re por causa da exposição das termi-nações nervosas dos ferimentos. Aomanter a área queimada úmida, a dordiminui em mais de 90% e proporcio-na um grande alívio para os pacientes",afirma Catalani. Outra vantagem do hi-drogel é que ele acelera o processo decicatrização, pois mantém a queimadu-

ra sempre hidratada. Além disso, porser impermeável a microrganismos - arede da membrana é da ordem de 5 a7 nanômetros (a milionésima parte domilímetro) -, ele evita a infecção porbactérias. Ao mesmo tempo, a ferida émantida arejada, porque o curativo épermeável ao oxigênio.

Sanduíche de gel- Para desenvolver umamembrana reforçada e maior, Catalanitestou vários materiais até encontrar afibra de polipropileno. "Mas ela tinhaum problema: era hidrofóbica, incom-patível com o meio aquoso. A soluçãofoi fazer um copolímero (junção mole-cular de dois polímeros) com um ma-terial hidrófilo, que absorve a água. Oproduto resultante passou, então, a sercompatível com o hidrogel. A partir daí,fizemos uma montagem com duas ca-madas externas de PVP e uma interna depolipropileno', explica Catalani. Testesapontaram que o novo curativo é oitovezes mais resistente que o original.

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o resultado obtido no IQ-USP setransformou em uma patente deposita-da no Instituto Nacional de Proprieda-de Industrial (INPI) com o financia-mento do Núcleo de Patenteamento eLicenciamento de Tecnologia (Nuplitec)da FAPESP. Agora, Catalani está ne-gociando com a indústria farmacêuticaBiolab-Sanus a produção comercial damembrana reforçada. O laboratório éparceiro do Ipen no desenvolvimento docurativo de hidrogel sem reforço. Vintemil protótipos dessa membrana estãosendo testados, desde março deste ano,por 20 hospitais no Brasil. "Depen-dendo dos resultados, a Biolab-Sanusdará início à produção comercial, masnão há data definida", afirma o enge-nheiro químico Ademar Lugão, pesqui-sador do Ipen responsável por trazer atecnologia dos curativos de hidrogelpara o Brasil.

O desenvolvimento do curativo re-forçado não foi a única contribuiçãodo professor Catalani e sua equipe para

o tratamento de queimaduras. Eles tam-bém criaram uma maneira mais baratae acessível de produzir as membranas.Pelo sistema convencional, empre-gado pelo Ipen, a solução poliméricaem estado líquido precisa ser exposta à'radiação de alta energia - feixe de elé-trons ou radiação gama - para adqui-rir a consistência de gel. Esse método é

o PROJETO

Curativo Formado porPolivinilpirrolidona Reforçadopor Fibras de PolipropilenoEnxertado com Monômero Acrílico

MODALIDADEPrograma de Apoio à PropriedadeIntelectual (PAPO

COORDENADORLUIZ HENRIQUE CATALANI - IQ-USP

INVESTIMENTOR$ 6.000,00

Produção de hidrogel,em laboratório, comradiação ultravioleta

altamente eficaz, porque promove a re-ticulação (formação de reações cruza-das entre as cadeias poliméricas quetransformam a solução aquosa em gel) eesterilização do curativo simultanea-mente, mas tem um problema: são pou-cas as empresas e instituições que pos-suem os equipamentos necessários parafazê-lo. "Diante dessa limitação, decidi-mos criar outro sistema de produçãosem radiação de alta energia': explica Ca-talani. "Descobrimos, então, que era pos-sível produzir os curativos de hidrogelcom radiação ultravioleta (UV) a partirdo PVP, um fato inédito na produçãode hidrogéis para uso biomédico."

Simples e barato - Logo que foi des-coberto, o processo demorava algumashoras, o que o tornava inviável comer-cialmente. A técnica foi aprimorada e otempo de processamento reduzido, emescala laboratorial, para menos de 30minutos. "Ainda é bem mais do que otempo da radiação de alta energia, queé instantânea, mas ela tem inúmerasvantagens. É mais barata, simples eacessível." Com ela, os empresários in-teressados em fabricar as membranaspoderão fazer todo o processo em suasinstalações, o que não é possível no ou-tro sistema, porque a irradiação de altaenergia é necessariamente terceirizada.Catalani espera nos próximos mesesdepositar a patente do curativo por ra-diação UV no INPI para, então, nego-ciar a produção comercial.

Catalani e sua equipe também desen-volveram outra tecnologia para produ-ção de hidrogéis, a partir de uma reaçãode oxirredução, A grande diferença entreos curativos formados por esse processoe os tradicionais é que eles não têm umformato predefinido. A membrana mol-da-se à área aplicada e é ideal para re-giões do corpo como mão e dedos. Elafunciona colocando-se o PVP no corposem ter sofrido irradiação na área atingi-da. Em seguida, uma substância é asper-gida sobre o produto, provocando a oxir-redução e transformando-o em gel. "Atéonde eu saiba, esse hidrogel é inédito nomundo:' Ele está sendo finalizado e aguar-da os resultados dos testes de toxicida-de feitos pelo Instituto Adolfo Lutz. •

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 69

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ITECNOLOGIA

ENGENHARIA METALÚRGICA

Por dentro dos tubosNova metodologiapara analisarequipamentos depetroq uímicas

Umsério problema das in-dústrias petroquímicas éo desgaste sofrido pelos

. tubos de aço usados naprodução de etileno, ma-

téria-prima empregada na fabricação depolímeros como polietileno e polipropi-leno, usados, por exemplo, na confecçãode embalagens e peças para a indústriaautomobilística. Produzidos a partir deuma família de aços refratários (resis-tentes ao calor), esses tubos sofrem des-gastes com a ação das altas temperatu-ras e dos gases utilizados na síntese dospolímeros. Assim, a qualidade dos tu-bos é fator fundamental para evitar a

constante troca das tubulações e a pa-ralisação da produção. Foi para com-preender com precisão esses desgastesque uma equipe do Instituto de Pesqui-sas Tecnológicas do Estado de São Pau-lo (IPT) decidiu desenvolver uma novametodologia de ensaios capaz de ava-liar o comportamento de ligas metálicasresistentes ao calor sob as condições daprodução dos polímeros.

O ambiente onde esses tubos em for-ma de serpentina funcionam é no inte-rior de fornos de pirólise (decomposiçãopelo calor sem a presença de oxigênio).Na produção de etileno, a superfície ex-terna dos tubos atinge temperaturas de

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Para compreender a relevância dosensaios e dos resultados desse projeto, épreciso antes conhecer os dois fenôme-nos que atingem os tubos. Segundo Boc-calini, a fluência é uma deformaçãocausada por dois tipos de esforços: apressão provocada pelo gás que circuladentro do tubo e a tensão longitudinalexercida pelo peso da peça. Essas tubu-lações costumam ter em torno de 10metros de comprimento e de 5 a 20 cen-tímetros de diâmetro. Quando subme-tidos às altas temperaturas, elas podemsofrer deformações de até 10 centímetrosno comprimento. A carburação, por suavez, ocorre quando átomos de carbonopresentes na nafta e no etileno penetramnas paredes dos tubos. "Ela é danosaporque afeta a integridade das tubu-lações, tornando-as frágeis e sujeitas atrincas. Os tubos perdem, assim, a ca-pacidade de deformar-se, e tornam-sesuscetíveis à ocorrência de fratura catas-trófica (quebra da peça)", explica Boc-calini. Quando isso acontece, o materialtem de ser reparado ou trocado, acarre-tando sérios prejuízos à empresa.

Para realizar os ensaios que permi-tissem avaliar o comportamento das li-gas - compostas por ferro, cromo, níquele uma pequena adição de carbono de0,8% - quando submetidas à carbura-ção, os pesquisadores fabricaram umaatmosfera sintética com metano e hidro-gênio no interior de um forno contendocorpos-de-prova cilíndricos de 10 milí-metros de diâmetro por 70 milímetrosde comprimento. A temperatura dentrofoi mantida em até 1.150 graus centí-grados e cada ensaio (foram 25 no total)durou cerca de 100 horas. Depois queos pequenos cilindros saíam do forno,eram medidos para identificação da va-riação de massa. Em seguida, eram sub-metidos a uma análise microestruturalpor meio de vários instrumentos.

Nessas análises, foram removidas ca-madas de metal para saber até onde e emque quantidade os átomos de carbonopenetraram na liga. "Em alguns casos,5% da massa do tubo era formada porcarbono, que chegou a difundir-se 5 mi-límetros no corpo de prova", conta oengenheiro metalurgista do IPT Mar-celo Moreira, responsável pelos ensaios.Como resultado, percebeu-se que o teorde carbono cresceu de 0,8% para 5%.Com isso, a Engemasa passa a fabricarprodutos com melhor capacidade deuso nas indústrias petroquímicas. •

até 1.150 graus centígrados. O resultadoé o aparecimento de dois fenômenos,chamados de fluência e de carburação. 'No primeiro ocorrem deformações re-sultantes das tensões provocadas peloaquecimento. No outro há uma acen-tuada degradação causada pela difusãode átomos de carbono no interior datubulação. De uma forma geral, os tu-bos são projetados para uma vida útilde 100 mil horas (cerca de 11 anos), mas,devido à carburação, esse período re-duz-se em até 50%. Hoje, para garantira vida útil original, os fabricantes au-mentam a espessura das paredes dessaspeças, encarecendo o produto.

Os pesquisadores contaram comapoio da FAPESP, que financiou o pro-jeto dentro do Programa Parceria paraInovação Tecnológica (PITE). A empre-sa parceira é a Engemasa, fabricante de

Dentro do forno: ensaios comcorpos-de-prova para testaração do carbono no metal

tubos de aço refratário em São Carlos(SP). Ela, porém, não foi a primeira in-dústria envolvida no projeto. Quandofoi concebido, em 1997, a parceria se deucom a Aços Villares, que tinha uma fá-brica desses tubos. Enquanto o projetoera avaliado pela Fundação, a emprêsaencerrou as atividades dessa unidade.Os pesquisadores do IPT, então, ofere-ceram o projeto à Fundinox, uma divi-são da Sulzer Brasil. A empresa aceitoue a pesquisa foi iniciada em maio de2000. Pouco tempo depois, a Fundinoxfoi comprada por um grande fabrican-te alemão, que não demonstrou inte-resse pelo trabalho.

Mudança na parcerla- "Como o proje-to já estava em andamento, a FAPESPconcordou que ele prosseguisse sem aparceria de uma empresa, até que bate-mos na porta da Engemasa", conta Má-rio Boccalini, pesquisador da Divisãode Metalurgia do IPT. O trabalho foiencerrado em abril deste ano e os re-sultados demonstram, em detalhes, asleis gerais sobre os dois fenômenos queafetam os tubos. "Fizemos um avançometodológico inédito no Brasil. Con-seguimos reproduzir com fidelidadeas condições físico-químicas que acon-tecem nos fornos e, a partir daí, pude-mos entender melhor a carburação e afluência", afirma a física Zehbour Pa-nossian, coordenadora do projeto doPITE e chefe do Agrupamento de Cor-rosão e Proteção do IPT.

o PROJETO

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 71

Desenvolvimento de Metodologiade Ensaios de Ligas Resistentesà Carburação e àCarburação Catastrófica

MODALIDADEParceria para Inovação Tecnológica(PITE)

COORDENADORAZEHBOUR PANOSSIAN - IPT

INVESTIMENTOR$ 171.750,00 (empresa),R$ 27.146,00 e US$ 51.623,07(FAPESP)

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acompanhamento e controle decargas. "Nossa receita, de R$ 19 mi-lhões em 2002, deve aumentar paraR$ 30 milhões em 2003", prevê Ro-gério Ferraz de Camargo, diretorgeral da companhia.

Umaprojeção dessaordem nem passariapela cabeça de Ca-margo nos idos de1984, quando ele, en-

genheiro recém-formado pelo Ins-tituto Tecnológico de Aeronáutica(ITA), resolveu montar a empresa,que, com o nome de Databus En-genharia, dedicava-se a projetos deengenharia nas áreas de eletrônicae telecomunicações. A companhia,então, faturava o equivalente a al-gumas dezenas de milhares de reaispor ano com poucos funcionários.No final da década de 80, Camargoafastou-se dos negócios para fazerum curso de doutorado em robóti-ca no Laboratório de Automação ede Análise de Sistemas (LAAS), emToulouse, na França. "Voltei para oBrasil em 1991, com idéia de me de-dicar à pesquisa acadêmica': lem-bra. Ele, que já lecionara no ITA, retor-nou aos quadros do instituto, no qual éprofessor até hoje, em regime parcial.

Camargo reativou a empresa em1994 e, dois anos depois, vislumbrouuma oportunidade no mercado de tele-visão do país. Agora com o nome deDatabus Sankay, a companhia passou aproduzir equipamentos receptores desinais de TV via satélite. ''Abrimos, en-tão, em 1999, uma filial em Manaus,para aproveitar os incentivos fiscais daZona Franca", conta Camargo. No finalde 2000, já com o nome de Orbisat, o em-preendimento tinha 40 empregados efaturava R$ 5 milhões. Mas, para conti-nuar crescendo, ele sabia que precisavade tecnologia. "Nos últimos anos, 20%do faturamento da Orbisat é reinvesti-do em pesquisa e desenvolvimento."

Fora o empenho em montar umaempresa inovadora, uma coincidênciafez a Orbisat tomar uma decisão arro-jada. No início de 2001, João RobertoMoreira Neto, que também havia seformado em engenharia pelo ITA e fi-nalizado o doutorado no Centro dePesquisa Aeroespacial Alemão (DLR),em 1987, fixando-se na Alemanha,confidenciou um dilema a Camargo,

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Monitoração de cargas: protótipo doterminal que será instalado nos caminhões

amigo desde os tempos de colégio: ti-nha vontade de retomar ao Brasil, masnão via muitas possibilidades de apli-car, aqui, os conhecimentos que acu-mulara lá. Camargo propôs-lhe socie-dade na Orbisat. Moreira aceitou eassumiu a responsabilidade de criar oradar cartográfico e a divisão de- sen-soriamento remoto da empresa, queatualmente tem 30 empregados de umtotal de cem, sendo que oito são douto-'res e sete possuem mestra do.

Moreira, hoje diretor gerente daOrbisat, trouxe consigo os pressupos-

o PROJETO

tos que orientariam o projeto doradar, batizado de OrbiSAR-1: osistema para o segmento de car-tografia e a tecnologia InSAR (in-terferometric synthetic apertureradar, ou radar interferométricode abertura sintética). Esses ra-dares, que transmitem ondas e re-gistram-nas imediatamente apóso impacto na Terra, operam sobqualquer condição atmosférica ede luz. Substituem as fotogra-fias aéreas tradicionalmente uti-lizadas na produção de mapas,com enormes benefícios de custo,tempo e precisão. "Com eles, épossível realizar em pouco maisde seis meses um trabalho queconsumiria dez anos, com a foto-grametria", compara.

O objetivo de Moreira desde oinício do projeto é que o radar cap-turasse imagens em duas freqüên-cias simultâneas, para fornecertanto a altura das árvores ou deedifícios quanto do solo coberto porvegetação, construções, etc. Outrasvantagens, segundo Rogério, são avelocidade na entrega dos produ-tos finais para os clientes e uma

melhor resolução: 25 por 25 centíme-tros, contra 50 por 50 das outras em-presas. O segredo para chegar a essesnúmeros está no projeto dos circui-tos analógicos e digitais do sistema eno software para o processamento dasimagens.

Depois que todas as metas estabe-lecidas por Moreira se concretizaram, aOrbisat solicitou financiamento ao Ban-co Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES), em julho de2001, com o apoio da Sociedade paraPromoção da Excelência do SoftwareBrasileiro (Softex). E a liberação desseempréstimo de R$ 4,5 milhões precisouser realizada rapidamente devido a umsucesso imprevisto. Em novembro, aempresa, em consórcio com a alemãInfoterra, venceu a licitação interna-cional do projeto Cartosur II, do go-verno venezuelano, financiado pelo Ban-co Mundial. A intenção era capturar eprocessar imagens digitais de radar co-brindo cerca de 253 mil quilômetrosquadrados de território entre os esta-dos de Bolívar e Delta Amacuro, nasregiões centrais e noroeste da Vene-zuela. A Orbisat, com tecnologia supe-rior e um preço 30% mais baixo que o

Desenvolvimento de Terminalde Usuário para Transmissãoe Recepção de Voze Dados Via Satélite

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPEl

COORDENADORJOEL MUNIZ BEZERRA - Orbisat

INVESTIMENTOR$ 190.600,00 e US$ 57.025,00

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do competidor, levou o contrato de € 6milhões, cabendo-lhe a parte de € 3,5milhões. Mas o problema é que o sis-tema não estava pronto. Então, a Orbi-sat contratou 16 engenheiros para ga-rantir a conclusão do radar em tempohábil e investiu R$ 1,5 milhão de recur-sos próprios na execução do projeto.

Com um avião arrendado de umaempresa parceira, a Digimapas, queadaptou a nave às necessidades do trans-porte do radar, a Orbisat deu conta dacaptura de imagens entre janeiro e abrildeste ano, em 650 horas de vôo. ''Afase de processamento, que resultarána entrega de 518 mapas de alta quali-dade com escala de 1:50.000, será con-cluída até agosto", adianta Moreira. Osoftware InSAR desenvolvido pela Or-bisat proporciona a inclusão, nos ma-pas, de curva de nível e diversos ou-tros elementos de cobertura terrestre,como tipos de floresta, fluxos e corposd' água, estradas, etc.

A empresa agora trabalha no desen-volvimento do radar LightSAR. "Comomuitas aplicações não exigem resolução

de 25 centímetros, pretendemos lançaruma versão simplificada do OrbiSAR-l,para baixar ainda mais o custo dos ser-viços e, com isso, ampliar o mercadopotencial", revela ele. ''A Amazônia bra-sileira, por exemplo, ainda não foi ma-peada dessa forma, e no futuro o sistemapoderá ser usado até por prefeituras,para controle de expansão predial emáreas urbanas e para efeito de arrecada-ção de impostos", observa Camargo.

Logística e sequrança- O recente lan-çamento do módulo receptor de GPStambém amplia o horizonte de atuaçãoda Orbisat. O dispositivo, que pode sercomercializado isoladamente, integra-rá um sistema de comunicação e segu-rança para transportadoras de carga.Ele será lançado no segundo semestredeste ano e vai operar com a norte-americana GlobalStar, empresa que pos-sui uma constelação de satélites decomunicação e oferece serviços de te-lefonia e de dados para todo o planeta."Esse produto nos dará vantagem depreço de cerca de 50% em relação aos

similares que estão em comercializa-ção', anima-se Camargo.

Outro diferencial do sistema de mo-nitoração de cargas será a transmissãode voz e dados e o acesso à Internet pormeio de um modem capaz de operar,também, nas freqüências de telefonia ce-lular. "O equipamento terá um peque-no teclado acoplado e a menor antena domercado, o que o torna mais interessan-te em aplicações nas quais a segurançaseja o objetivo principal'; explica Camar-go. O desenvolvimento do terminal deusuário que será instalado, por exemplo,na cabine do caminhão, contou com oapoio da FAPESP por meio do Programade Inovação Tecnológica em PequenasEmpresas (PIPE), num projeto iniciadoem 1999. Todos os circuitos eletrônicosdo sistema foram desenvolvidos pela Or-bisat, com coordenação geral do pes-quisador Ioel Muniz Bezerra. ''A frotade caminhões brasileira tem mais de10 milhões de veículos'; diz Bezerra. "Da-qui a algum tempo, o uso de sistemas demonitoramento remoto será uma exi-gência das seguradoras:' •

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Diferença genômica

• TECNOLOGIA

Análise das alteraçõesem nucleotídeosé tema do primeirosoftware comercialda Scylla

MARCOS DE OLIVEIRA

BIOINFORMÁTICA

Depoisde receber umimpulso de desen-volvimento com osprojetos genomasque se espalharam

pelo mundo e pelo Brasil, a bioinfor-mática começa a se destacar como umaimportante área para a geração de ino-vação tecnológica. Um desses frutosoriginários da pesquisa genômica é umsoftware produzido pela empresa Scylla,de Campinas, para o Instituto de Psiquia-tria da Universidade de São Paulo (USP).É um sistema para identificar diferençasgenéticas, chamadas de polimorfismo,nas seqüências de bases químicas for-madoras dos genes, as famosas adeni-na, citosina, timina e guanina, também

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conhecidas como nucleotídeos. Uma se-qüência ou apenas uma letra diferen-ciada - indicadora de uma dessas subs-tâncias em determinado gene - podelevar, por exemplo, a uma predisposiçãopara doenças mentais.

O software, chamado de Sistema deIdentificação de Polimorfismos (SIP),vai servir para que os pesquisadores daUSP possam identificar com mais faci-lidade essas diferenças e compará-Iascom a condição física da pessoa anali-sada, relacionando o polimorfismo àdoença.

"O SIP é uma ferramenta para veri-ficar os polimorfismos de nucleotídeosúnicos, ou SNPs, existentes no DNA. Agrande maioria das pessoas tem sem-

pre uma seqüência, como, por exemplo,ATTGCATG. Se acharmos no mesmogene, mas em outra pessoa, a seqüênciaATTGCTTG, portanto com uma trocado A pelo T, verifica-se primeiro se háalgum erro no processo de obtenção dosdados e, se persistir a diferença, compa-ra-se com a condição médica da pes-soa", explica o professor João Meidanis,do Departamento de Teoria da Com-putação do Instituto de Computaçãoda Universidade Estadual de Campinas(Unicamp) e fundador da Scylla. Comosócios na empresa estão dois ex-alunosde Meidanis, Alexandre Corrêa Barbosae Zanoni Dias. Eles formaram a Scyllaem 2002 depois de um longo períodocomo participantes da área de bioinfor-

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mática dos projetos genomas das bac-térias Xyllela fastidiosa e Xanthomonascitri e da cana-de-açúcar, dos quais Mei-danis foi um dos coordenadores.

Banco mundial - Somente no GenomaHumano são conhecidos mais de 4 mi-lhões de SNPs. Eles são identificadoscomo tal se estiverem presentes em 10/0da população. O conhecimento sobreeles está registrado em bancos mundi-ais de polimorfismos, aos quais, com aajuda do software, a equipe coordenadapelo professor Emmanuel Dias Neto, doLaboratório de Neurociências do Insti-tuto de Psiquiatria do Hospital das Clí-nicas da USP, vai acessar para identifi-car e classificar os SNPs.

"Essas informações serão úteis, porexemplo, para analisarmos um grupode 500 pessoas, sendo 250 com esqui-zofrenia e 250 como grupo de controlesem a doença. Assim, verificamos as di-ferenças nas bases e as relacionamoscom uma enfermidade", explica DiasNeto. "Buscamos também polimorfis-mos que possam significar resistência amedicamentos. Os SNPs podem serresponsáveis pela ineficácia de determi-nadas drogas em algumas pessoas."

A síntese de uma proteína alterada,causada por um determinado SNP, podeinfluenciar as ligações químicas que fa-zem o medicamento ser eficiente. "Exis-tem indivíduos que respondem ao lítio(substância usada contra a depressão) e

outros não. Queremos entender e ca-racterizar os genes ligados a essas res-postas clínicas': diz Dias Neto. Assim, osoftware desenvolvido pela Scylla po-derá também servir a outros centros depesquisa, laboratórios e para a indús-tria farmacêutica.

Clientes em rede - De forma prática, osoftware possui um servidor que per-mite a participação de vários clientes.Eles podem, assim, rodar o programaem rede local ou não, em ambiente Li-nux ou Windows. O SIP é o primeiroproduto comercial da Scylla, empresaque recebeu investimentos financeirosda Votorantim Ventures, braço para ca-pital de risco do Grupo Votorantim. •

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 77

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ITECNOLOGIA

FARMÁCIA

Mais confortoe eficiênciaM icroesferas biodegradáveis eimplantes oculares eliminamas injeções em vários tratamentos

LILIANE NOGUEIRA

Oavanço tecnológico naprodução de medica-mentos segue necessa-riamente a procura porsoluções menos agres-

sivas e mais eficazes de absorção dasdrogas pelo organismo. Nos países de-senvolvidos, a indústria farmacêuticainveste fortunas na busca de qualidadeterapêutica e para proporcionar maisconforto aos pacientes. No Brasil, ape-sar de os investimentos nesse setor se-rem pequenos, surgem exemplos decompetência e de domínio tecnológi-co, com resultados semelhantes aos dosgrandes laboratórios multinacionais. Éo caso de uma patente depositada emabril deste ano no Instituto Nacional dePropriedade Industrial (INPI) pela Uni-versidade Federal de Minas Gerais(UFMG), que registra a técnica de en-capsulamento de insulina em micro-esferas (compostas de polímeros) bio-degradáveis. Assim, o medicamentopoderá ser administrado na forma deaerossol, como as bombinhas usadas poraqueles que têm asma, uma maneiramais agradável de substituir as injeçõessubcutâneas aplicadas todos os dias pe-los diabéticos do tipo 1.

O encapsulamento de insulina é umprocesso desenvolvido pela equipe doprofessor Armando da Silva Cunha [ú-nior, do laboratório de Farmacotécnicae Tecnologia Farmacêutica da Faculda-

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de de Farmácia da UFMG, em Belo Ho-rizonte. A utilização de polímeros bio-degradáveis no preparo de novos me-dicamentos também é usada por ele naárea oftalmológica. "Desenvolvemosimplantes, na forma de bastão para serinstalado na parte posterior do olho, quelibera drogas por alguns meses, enquan-to o material polimérico se degrada noorganismo", explica Cunha [únior, Porenquanto, as pesquisas com o implanteoftálmico estão concentradas nos me-dicamentos destinados ao tratamentodas uveítes. Originalmente, a doença éuma inflamação do trato uveal, compos-to pela íris, corpo ciliar e coróide (mem-tirana situada na frente da retina), maso termo tem sido empregado tambémpara inflamações em estruturas adjacen-tes, como a retina e o nervo óptico.

As uveítes podem ser causadas portraumas cirúrgicos ou acidentais, pormicrorganismos externos, ou surgiremde forma secundária associadas a do-enças como a tuberculose, a toxoplas-mose e outras. O primeiro passo é tra-tá-Ia com os colírios convencionais àbase de corticóide. Entretanto, na maio-ria das vezes, essa prática não gera re-sultados, tornando-se necessário a uti-lização do medicamento por via oral ouinjeções intra-oculares. Além de dolo-rido, o tratamento quase nunca dá bonsresultados e é causa de cegueira emgrande proporção.

Interesses na inovação - Cunha [úniorestá entusiasmado com a repercussãoque esse implante oftalmológico pode-rá ter entre as indústrias farmacêuticasbrasileiras. "Já fizemos alguns contatoscom laboratórios nacionais interessa-dos em desenvolver o produto", revela.Mas o mesmo não acontece com as mi-croesferas de insulina. "O problema éque não há empresa no país que se in-teresse em transformar essa inovaçãoem produto", diz o professor. A pesqui-sa desenvolvida por ele foi realizada cominsulina cedida pela Biobras - únicafábrica desse medicamento no Brasil,localizada em Montes Claros, no nor-te de Minas Gerais -, que produz ohormônio.

Os testes foram feitos em ratos ecamundongos diabéticos, que respon-deram bem ao tratamento com a insu-lina encapsulada. O próximo passo se-ria a realização dos ensaios clínicos emhumanos, mas não houve tempo sufi-ciente. Em fevereiro de 2002, a Biobrasfoi vendida para o laboratório farma-cêutico Novo Nordisk, da Dinamarca,e a pesquisa da UFMG foi interrompi-da. "Acreditamos que, com a venda daempresa brasileira, as perspectivasmercadológicas desapareceram. No mo-mento, não há, no Brasil, nenhum in-teresse na insulina encapsulada, mesmoporque não temos mais uma empresagenuinamente nacional que produza o

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hormônio e queira desenvolver aquium novo método terapêutico. Conhe-cendo o mercado como eu conheço,não tenho esperanças", desabafa o pes-quisador.

E ele fala com conhecimento de cau-sa. No período entre a graduação naFaculdade de Farmácia da UFMG, em1986, e a pós-graduação (mestrado edoutorado) na França, na Universida-de Paris XI, de 1993 a 1997, Cunha Iú-nior trabalhou com a insulina em suaforma tradicional, na Biobras. Foi nes-sa época que ele começou a se interes-sar por novas formas farmacêuticas,tema de sua dissertação de mestrado eda tese de doutorado. Em 1997, ele re-cebeu da Association de Pharmacie Ga-lénique lndustrielle, ou Associação deFarmácia Galênica lndustrial- galêni-ca significa farmacotécnica ou mani-pulação farmacêutica - e da Associa-tion de Recherches Scientifiques PaulNeumann, ou Associação de PesquisasCientíficas Paul Neumann, fundadordo antigo laboratório Hoechst, vincu-lada atualmente à empresa Aventis, oprêmio de melhor tese em tecnologiafarmacêutica desenvolvida na França,naquele ano.

O fato é que a insulina em aerossolcertamente chegará por aqui, ainda queimportada. Ao mesmo tempo em quea pesquisa se desenvolvia na Faculdadede Farmácia da UFMG, dois pequenos

laboratórios norte-americanos de altatecnologia, o lnhale Therapeutics of SanCarlos e o Aradigm Corporation, am-bos na Califórnia, associados aos gi-gantes pfizer e Aventis, investiam empesquisa semelhante, que, com algu-mas diferenças no processo tecnoló-gico, também resultou nos produtosbase para o aerossol. A diferença é quelá o novo formato de insulina está

. prestes a entrar no mercado.

Doses menores - Mesmo desiludidocom a atual impossibilidade de a insu-lina em aerossol com tecnologia brasi-leira chegar ao mercado, Cunha não sefurta de apontar as vantagens dessanova forma farmacêutica. Ele garanteque o microencapsulamento da insuli-na proporciona a proteção necessáriapara a estabilidade do hormônio e fa-cilita a absorção pelo organismo. Alémdisso, há mais conforto na aplicação ena eficiência do tratamento."O alvéolopulmonar é extremamente fino e per-meável, transformando-se em uma bar-reira muito mais fácil de transpor doque o tecido subcutâneo. As doses po-derão ser menores que as utilizadas

Microesferas:insulina envoltaporpolímerosbiodegradáveisem imagensde microscopiaeletrônica

pela via subcutânea e o efeito, mais sa-tisfatório", afirma o pesquisador.

Os polímeros usados nas pesqui-sas, conhecidos como PLGA, são deri-vados dos ácidos glicólico e lático - amesma matéria-prima usada na con-fecção de fios biodegradáveis para su-tura. No trabalho que resultou no im-plante foi necessário um outro tipo detecnologia adicional. "Em conjuntocom o Departamento de EngenhariaMecânica da UFMG, nós projetamose construímos um protótipo de umequipamento para a compressão dopó contendo droga e polímero, que éentão moldado em formato de bastão,com 4 milímetros de comprimento por1 milímetro de diâmetro, que serve debase para um implante intra-ocular",explica o pesquisador. O implante é fei-to em uma pequena cirurgia, quandoo bastão biodegradável é colocado naparte posterior do olho. "Agora, minhasesperanças estão concentradas na linhaoftalmológica."

Por enquanto, os implantes estãosendo testados em coelhos, que apre-sentam urna estrutura ocular semelhan-te à humana, inclusive no tamanho.Esses estudos são realizados em conjun-to com a Faculdade de Ciências Médi-cas da Universidade de São Paulo (USP),em Ribeirão Preto. O próximo passo éelaborar também uma patente dessenovo método terapêutico. •

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diz o pesquisador Silvio Ferraz, da Uni-versidade Estadual de Campinas (Uni-camp) e da Pontifícia Universidade Ca-tólica de São Paulo (PUC-SP), principalarticulador do instituto virtual. "Comisso, vamos dar peso, prestígio e um nor-te comum a essas linhas de pesquisas,respeitando, logicamente, as individua-lidades de cada uma delas", comentaJosé Fernando Perez, diretor científico daFAPESP. Inicialmente, quatro grandesvertentes de trabalho serão estimuladas:o estudo da acústica de salas de concer-to; a análise de obras com o auxílio decomputador; a promoção de composi-ções e performances que se utilizem,em tempo real, do micro ou de outrosequipamentos como se fossem instru-mentos musicais; e uso de técnicas deinteligência computacional no estudoda cognição e da criatividade musical.À medida que o instituto virtual ganhecorpo, outros temas poderão se incor-porar à sua pauta.

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.Nrimeiraatividade promovi-da pelo instituto, que con-tará em breve com um sitepara integrar seus mem-bros e respectivos proje-

tos, será o evento Ircarn-Brasil, entre 8e 14 de agosto, em São Paulo. Durantesete dias, dez pesquisadores do centrofrancês darão palestras e concertos eparticiparão de reuniões científicascom seus colegas brasileiros. Com exce-ção da palestra do dia 8, que será noInstituto das Artes da Unicarnp, duran-te o 9° Simpósio Brasileiro de Com-putação Musical, as demais serão rea-lizadas no Instituto Itaú Cultural, nacapital paulista, que cedeu suas instala-ções para o evento. Sempre à noite, asapresentações musicais serão no Teatroda Aliança Francesa e Teatro CulturaArtística, em datas ainda não confirma-das. Embora tenham sido concebidasespecialmente para os pesquisadores daárea, as atividades do workshop tambémserão abertas ao público em geral, me-diante prévia inscrição no Itaú Cultu-ral. "Queremos aumentar o intercâmbiocom instituições internacionais que sãoreferência na pesquisa em música e ciên-cia': comenta Ferraz. Eventos nos mol-des do Ircam-Brasil, que conta aindacom o apoio do consulado francês emSão Paulo e do Centro Franco-Brasilei-ro de Documentação Técnica e Cientí-fica (Cendotec), deverão se repetir nos

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o PROJETO

Laboratório deInterfaces Gestuais

MODALIDADEPrograma jovem pesquisador

COORDENADORJÔNATAS MANZOLLI - Nics/Unicamp

INVESTIMENTOR$ 44.176,01

próximos anos, trazendo ao país, porexemplo, pesquisadores do Centro deNova Música e Tecnologias em Áudio,de Berkeley (EUA), e o Grupo de Músi-ca Experimental de Marselha (Gmem).

O Brasil não tem muita tradiçãoem fomentar pesquisas que juntamarte e ciência, duas formas distintas,mas não incompatíveis de conhecimen-to, de sentir e interpretar o mundo.Mas isso não significa que o institutovirtual de música e tecnologia parte dozero em sua missão de estreitar asamarras entre esses dois campos. Partejustamente de projetos que já existem ese mostram instigantes. E o que já exis-te, somente em São Paulo, é um peque-no guarda-chuva de idéias capaz dedar abrigo ao cruzamento da pesquisae criação musicais com áreas tão dis-tintas, como ciências da computação,física, biologia e matemática, para nãomencionar os flertes com outras disci-plinas do terreno das artes, corno dan-ça e teatro.

Com 20 anos de existência quase si-lenciosa para quem não transita nouniverso da música e tecnologia, o Nú-cleo Interdisciplinar de ComunicaçãoSonora (Nics) da Unicamp faz muitobarulho em uma de suas vertentes depesquisa: a criação de dispositivos - in-terfaces, no jargão da área - que reali-zem a transferência de um modelo abs-trato (pode ser o movimento na dança,modelos matemáticos ou do códigogenético) para o agente sonoro, em ge-ral um instrumento musical digitalou o computador. Falando assim, tudoparece complicado, fora do tom. Umexemplo ajuda a entender o tipo de tra-balho feito pelo núcleo, composto porcerca de 30 pessoas, entre professores ealunos, tanto da música como de outrasáreas (matemática, ciências da compu-tação e engenharia).

O PROJETO

Projeto e Simulação Acústicade Ambientes para Escuta Musical

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORFERNANDO IAZZETTA - ECAlUSP

INVESTIMENTOR$ 123.205,00

Na primeira imagem usada para ilus-trar esta reportagem, dá para ver umabailarina dançando de traje escuro, ilu-minada por um spot de luz à sua di-reita e envolvida por grafismos verme-lhos que parecem sair de seu corpo,num belo efeito visual criado pelo fotó-grafo a partir de um conjunto de luzespreso à roupa da artista. Há ainda, aofundo, um teclado. Acredite: essa bai-larina, Andréia Yonashiro, está "tocan-do" o instrumento com os seus movi-mentos, com cada trajetória descritapor sua coreografia. Não, não se tratade ilusão de ótica, ficção científica ouassombração. A resposta a esse falso mis-tério está na superfície escura tocada pe-los pés de Andréia, que quase não apa-rece na foto: um tapete especial de ummetro quadrado, que está conectado aosintetizador.

O tapete é dotado de 12 sensores pie-zo-elétricos, que, quando pressiona-dos pelos deslocamentos da bailarina,registram pequenas variações de po-tencial elétrico. Com o auxílio de umconversor analógico-digital, essas alter-nâncias elétricas, medidas em micro-volts, são transformadas em eventosdo protocolo Midi (Music InstrumentDigital Interface), uma espécie de lin-guagem musical que se utiliza de umatabela de números para representar asalturas das notas musicais (dó, ré, mi,fá, sol, lá, si...) e sua intensidade. "Essesnúmeros podem acionar qualquer ins-trumento eletrônico compatível com oprotocolo Midi, como um teclado': ex-plica o músico e matemático IónatasManzolli, coordenador do núcleo, quedesenvolveu o tapete no âmbito do pro-grama Jovem Pesquisador, financiadopela FAPESP. Além do piso que fazmúsica, a equipe do Nics criou luvas esapatilhas de dança que também fun-cionam como interfaces sonoras. Em-

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bora de caráter experimental, todos es-ses dispositivos já foram usados em es-petáculos artísticos concebidos pelospesquisadores e apresentados em even-tos no Brasile exterior.

Luthier digital - O Nics também de-senvolveu uma série de ferramentascomputacionais que podem ser usadaspara produzir eventos sonoros simplesou complexos - desde que seu usuáriosejahabilidoso e aprenda a usá-los cor-retamente. O Rabisco, por exemplo, éum programa que gera música a partirde traços feitos de forma livre numatelaem branco. "Somos uma espécie deluthier digital", afirma Adolfo Maia Jr.,professor do departamento de Mate-mática Aplicada da Unicamp e coor-denador associado do Nics. Curioso pa-radoxo entre o passado e o futuro, poisa luteria é a delicada e antiga arte dafabricação manual de instrumentos decorda com caixa de ressonância, comoviolinos, celos ou violões. Um proje-to inusitado da equipe de Manzolli eMaia Jr., tocado em parceira com o Ins-tituto de Neuroinformática da Poli-técnica de Zurique, Suíça, é uma espé-ciede instalação sonora que utiliza umrobô no controle de um instrumentomusical digital.

Trabalhando numa linha de estudodiferente do Nics, FIo Menezes, do Ins-tituto de Artes da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp), é mais um pes-quisador que vai engrossar as fileirasdoinstituto virtual de música e ciência.Esse compositor paulistano se dedica aexplorar as possibilidades da chamadamúsica eletroacústica, uma vertente ex-perimental criada no final do anos 40na Europa (França e Alemanha), cujamaior referência histórica é o alemãoKarlheinz Stockhausen. Não confundir,por favor, a paixão e o objeto de traba-lho de Menezes, que toca piano desdeos 5 anos de idade, com a música ele-trônica, aquele som de bate-estaca queembala festas intermináveis de boa par-te da juventude. O artista que abraça amúsica eletroacústica, às vezes chama-da de música concreta ou acusmática,compõe obras que são uma elaboradamontagem de sons modificados pelosmodernos recursos da computação. Amaior parte dos sons é pré-gravada e seorigina de instrumentos musicais ou dequalquer outra fonte de áudio, comouma porta que bate, o soar de uma bu-

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o PROJETO

Aplicação da Idéia Filosóficade Ritornelo no Desenhode Interfaces Digitais para a Criaçãoe Tratamento de Áudio em TempoReal em Improvisações Livres

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORSILVIO FERRAZ - PUC/SP

INVESTIMENTOR$ 47.949,68

zina. Os mais maldosos diriam que amúsica eletroacústica é mais eletroacús-tica do que música, mas tal estranha-mento se deve ao caráter vanguardistado movimento. "Muitos colegas meus,músicos inclusive, me vêem como o cien-tista maluco da música', comenta Me-nezes, em tom de brincadeira.

Umdos traços mais mar-c~n~es d~s obras eletroa-cústicas e a extrema preo-cupação com a forma dedifusão espacial das mú-

sicas diante da platéia num teatro oucasa de concerto. Um bom som esté-reo, com as tradicionais duas saídas deáudio, não basta. Músicos como o pes-quisador da Unesp, que estudou naAlemanha, Itália, Suíça e França (Ir-cam), querem, no mínimo, a quadrifo-nia, a possibilidade de espalhar sua mú-sica num palco dotado de quatro saídasindependentes de áudio. O ideal é até .mais do que isso. Para eles, o movimen-to do som pelos alto-falantes, o trajetode suas colagens sonoras pelas caixasacústicas, é parte indissociável de suasobras. Tanto que Menezes aguarda, comansiedade, a chegada de sua "orques-tra de alto-falantes" para construir o seu"teatro sonoro", este último um termoemprestado do Renascimento Italiano.Projeto financiado pela FAPESP, o Puts(PANaroma/Unesp: Teatro Sonoro) seráuma "orquestra" composta, inicialmen-te, por 12 alto-falantes de altíssima qua-lidade e quatro subwoofers, um tipo de

Montagens sonoras da músicaeletroacústica são concebidas para

serem excutadas por umaorquestra de alto-falantes

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caixa dedicada a reproduzir exclusiva-mente sons graves. "Com esse equipa-mento, que pode ser transportado paraos locais de apresentação, poderemosfazer concertos eletroacústicos de óti-ma qualidade sonora", afirma Menezes.

um software, com tecnologia nacional,para a realização de análises da dis-persão de sons em pequenos auditó-rios, locais com até 100 assentos naplatéia. Em princípio, a idéia é desen-volver um aplicativo para lugares dedimensões modestas e, num segundomomento, adaptá-lo para uso em am-bientes mais amplos. "Hoje, existemprodutos importados que fazem isso,mas podem custar até US$ 40 mil", dizIazzetta, que, no projeto, conta com acolaboração de pesquisadores dasáreas de matemática, arquitetura eengenharia civil. "Nossa meta é criarum programa de arquitetura aber-to, que poderá ser copiado por qual-quer pessoa."

Simulação acústica - Por falar emqualidade sonora, o estudo da acústicade salas de concerto, um dos alicer-ces do nascente instituto virtual demúsica e ciência, já é alvo de um pro-jeto temático desde o ano passado. Co-ordenada por Fernando Iazzetta, do de-partamento de música da Escola deComunicações e Artes da Universidadede São Paulo (ECA/USP), a iniciativatem como objetivo final desenvolver

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Como funciona esse tipo de aplica-tivo? O software roda num laptop dota-do de microfones especiais que captamsons, de freqüências previamente co-nhecidas, que foram emitidos no ambi-ente cuja acústica se deseja estudar. Emseguida, o programa compara a fre-qüência registrada na sala de concertocom a original do som e, dessa forma,fornece um parecer sobre o local. Essa éuma explicação esquemática. O proce-dimento, obviamente, não é tão sim-ples assim. Na verdade, o software nãose limitará a registrar e dar um veredic-to sobre as propriedades de propagaçãosonora de salas de concerto. Num am-biente virtual, ele funcionará tambémcomo um simulador da acústica de

qualquer lugar que se deseje estudar,desde que seja abastecido com as di-mensões e outras características físicasdo local. "Dessa forma, poderemos fazeralterações virtuais na planta dessa salade concerto e antever quais seriam asimplicações sobre a sua acústica", expli-ca Iazzetta. "O software pode ser uminstrumento útil para propormos repa-ros nos locais de apresentação:'

Vampiros de som - Antes de iniciar otemático sobre acústica, Iazzetta parti-cipou do programa Jovem Pesquisadorcom seu colega Silvio Ferraz, o articu-lado r do instituto virtual de música eciência. Na ocasião, ambos tentaramentender como a tecnologia interfere

o PROJETO

PUTS - PANaromalUnesp-Teatro Sonoro

MODALIDADELinha regular de auxílioà pesquisa

COORDENADORFLO MENEZES - Institutode Artes/Unesp

INVE':TlMENTOR$ 150.679,63

no processo de criação e explorar no-vas formas de compor e tocar. No iní-cio de suas carreiras como músicos,Iazzetta estudou percussão e Ferraz,trompa. Mas hoje ambos freqüente-mente se definem como tocadores delaptops. Isso porque atualmente os com-putadores os acompanham em quasetodas as suas performances, nas quaisutilizam muito material pré-gravado eprocessado pelos micros. "Tenho hojemuito interesse no desenvolvimentode softwares que compõem sozinhos,em programas que picotam o som",afirma Ferraz, que, no passado, chegoua atuar como músico de estilo maisclássico em orquestra dos estados deSão Paulo, Bahia e Paraná. "Somos vam-piros de sons, para usar uma expressãode meu colega Rogério Moraes Costa(da ECA/USP)."

Além de ser um músico adepto deperformances embaladas pelo som decomputadores, Ferraz, a quem caberáem grande parte o trabalho de fazer aequipe do instituto virtual tocar, jun-ta e afinada, os projetos dessa inicia-tiva interdisciplinar, desenvolve tam-bém um lado de pesquisador maisconceitual, teórico. Lançando mão dosensinamentos de áreas como a semió-tica (o estudo dos signos) e a cognição,gosta de discutir o que é música paraas pessoas. "Muita gente associa a idéiade música à existência de uma batida ede uma melodia", afirma ele. "Mas hácantos indígenas que não têm esses ele-mentos. Por que ao ler um poema, al-gumas pessoas o acham musical e ou-tras, não? O que transforma uma sopade sons em música?" Essas e muitas ou-tras indagações e buscas serão a pauta,a partitura, que irá reger a atuação doinstituto. •

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• HUMANIDADES

ENTREVISTA: JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI

Jogando na margemPara filósofo, Brasil deve evitartrombar com o atual complexode monopolização da tecnociência

LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS, MARlLUCE MOURA E NELDSON MARCOLIN

Provocador,polêmico, o pro-fessor José Arthur Giannot-ti, 73 anos, pode ser visto demuitas maneiras diferentes.Como ele mesmo observa,

há quem o considere um traidor do pen-samento marxista. Ou melhor, das po-sições e práticas da esquerda nacional,embora tenha sido cassado da Univer-sidade de São Paulo (USP) pela ditaduramilitar, em 1969, exatamente por suasvisões críticas e prática de esquerda. Desua parte, Giannotti, em cuja linguagempode-se flagrar claramente a influênciadas análises fundamentais de Marx so-bre o capitalismo, em paralelo ao diá-logo que está sempre estabelecendo comvários outros pensadores, como Witt-genstein, para interpretar a crise con-temporânea da razão, prefere se definircomo "o último dos marxistas" - dei-xando escapar aí um laivo da divertidaironia com que costuma pontuar suaspalavras.

O que quer que se pense do profes-sor Giannotti, concorde-se ou não comsuas análises, obrigatório, no entanto, éconsiderar que suas contribuições teó-ricas no campo da filosofia, suas inter-venções públicas, na condição de in-telectual engajado, sobre a política noBrasil,e sua prática concreta como pro-fessor e pesquisador, fazem dele perso-nagem dos mais importantes nas tenta-tivas de elaboração de um pensamento

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crítico consistente que dê suporte aopaís para transcender sua pobreza, seusubdesenvolvimento. E tem sido assimdesde os anos 60,estivesseele onde querque fosse: na Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP), noCentro Brasileiro de Análise e Planeja-mento (Cebrap), do qual, junto com oex-presidente Femando Henrique Car-doso, foi um dos fundadores, e que di-rigiu por 11anos, ou na USP,para onderetomou após a anistia de 1979 e daqual é hoje professor emérito.

Para cumprir a tarefa que se impôsde pensar sobre o problema da racio-nalidade no mundo contemporâneo, o'professor Giannotti há algum tempoafiou os instrumentos para explorar umde seus aspectos centrais, que é o cam-po da ciência e tecnologia. Recentemen-te, publicou dois artigos na Folha de S.Paulo, "Feiticeiros do Saber" e "Fetichena Razão" (Caderno Mais, dias 25 demaior e 15 de junho), que desde o tí-tulo avisam sobre sua vocação polêmi-ca. Foram esses artigos o pretexto maisimediato para que fôssemos entrevis-tar o professor Giannotti na bela casado Morumbi, onde mora há 30 anos.Depois de uma conversa fascinante,entrecortada por muitos risos, da qualpublicamos a seguir os principais tre-chos, saímos com a convicção de que,oscilando entre olhares preocupadose outros mais otimistas, o professor

Giannotti cultiva uma certeza: a de queo Brasil tem chances, sim, de tornar-seum grande país, se se esquivar de trom-bar com o poderoso complexo de mo-nopolização da tecnociência que exis-te hoje no mundo e souber jogar, muitobem, pela margem. Como é isso? Elemesmo explica.

• Queríamos entrevtstá-lo para a revis-ta desde que o senhor lançou, em 2000,Uma Certa Herança Marxista. Mas na-quele momento cobríamos quase que sóprojetos com apoio da FAPESP, o quenão era o caso.- Teria sido bom. Houve um silêncioquase absoluto em tomo daquele tra-balho. Penso que porque, mesmo man-tendo as posições marxistas dialéticas,oensaio era uma desmontagem do mar-xismo fechado. E depois, tenho impres-são de que essas são coisas políticas: namedida em que eu tinha ido para ocentro junto com o Femando HenriqueCardoso ou coisa assim, fui por muitotempo considerado traidor. Até o mo-mento em que o Lula também se apro-ximou da mesma posição, e agora estoujunto com ele no mesmo campo deconcentração.

• No livro, o senhor dizia, com outras pa-lavras, claro, que se o processo de desen-volvimento capitalista depende essencial-mente do desenvolvimento tecnológico,

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então fica posto em questão o conceito dovalor-trabalho e fica posta em dúvida aidéia de esgotamento e superação do ca-pitalismo, tal como Marx os concebia noterceirovolume d'O Capital.- Ele falavadisso já no primeiro volu-me. Vejabem, a noção do valor-traba-lho encontra uma medida no temposocialmente necessário para a produçãode mercadorias. Mas esse tempo é umtempo de relógio e, portanto, depende,para ser uma boa medida, da produti-vidade do trabalho. Ora, para você che-gar a essa medida, precisa ter processospelos quais todas as áreas que traba-lham no sistema possam se aproveitar,pelo menos em tese, da mesma tecno-logiaou de um mesmo mix de tecnolo-gias.Mas quando você tem uma situa-ção em que uma parte do sistema seapropria não só da tecnologia, mas dacapacidade de desenvolvê-Ia, mudou osistema. Ou seja, o sistema capitalista -e isso é banal, porque é sabido desdeAdam Smith e Ricardo - depende es-sencialmente do desenvolvimento tec-nológico. O processo de exploraçãoestá ligado à invenção e construção dosnovos produtos. Se você tem um pro-cessoque perturba o mercado, se nesseprocesso de desenvolvimento tecnoló-gico, você cria pontos estratégicos quesão pontos de poder no campo da ciên-cia, então a teoria do valor-trabalho foipara as cucuias, não é? O que sobra éa sociologia da relação entre trabalha-dores e o capital, que, a meu ver, é mui-to forte ainda. É uma relação de podermuito particular, em que se tem umcontrole do trabalho alheio, anônimo,feito pelas regras do mercado. Mas, doponto de vista econômico, a teoria dovalor-trabalho, a meu ver, é peça demuseu.

• Em "Feiticeiros do Saber'; sentimos alicertosecosdo primeiro capítulo d'A Ideo-logia Alemã, de Marx e Engels, emboracomo ironia. Porque logo no subtítulo doartigo o senhor diz que "ospesquisadoresdeponta, nos dias de hoje, (...) de manhãsão pesquisadores; de tarde dirigem umapequena empresa de biologia molecu-lar'; o que lembra a afirmação de que asociedade comunista "torna possível queeu faça hoje uma coisa e amanhã ou-tra, que cace de manhã, pesque de tarde,crie gado à tardinha, critique depois daceia..." Era brincar com essa idéia queo senhor queria?

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- É, eu não sou um sujeito que fala sé-rio, nunca digo as coisas sem algumaoutra coisa por trás. É uma brincadeiraem relação ao Marx, obviamente, mastambém, estou mostrando, de um lado,as enormes vantagens que existem nes-sa junção do trabalho intelectual com otrabalho efetivo de transformação datecnologia e social, e de outro, a perdaque isso traz para alguns. Afinal de con-tas eu não serei empresário, acho queLuiz Henrique [professor de filosofia queparticipa da conversa como entrevista-dor] não será empresário, e nós somosrealmente uma espécie em extinção, Es-ses pesquisadores isolados, que vivemnas suas cabanas no Morumbi e assimpor diante, estão desaparecendo.

• A contrapartida é que, socialmente fa-lando, essajunção pesquisador/empresá-rio pode ser boa.- Eu não estou negando isso, não. Nãoestou dando uma de mandarim, con-trário à cultura de massas. Eu não tenhonada com a Escola de Frankfurt. Pelocontrário. Penso que a sociedade demassas tem defeitos, alienações abso-lutamente terríveis, mas tem virtudesinauditas. Inauditas! Tanto no campo dacultura, como, por exemplo, no campoda saúde. Não vamos esquecer que aspessoas estão vivendo mais, têm maiorassistência mesmo nos países mais po-bres, sofrem menos. Não sou entusias-ta do capitalismo, gostaria que ele fossediferente, mas prefiro o capitalismo àbrutalidade das sociedades agrárias.

• Quando o senhor junta aspalavras fei-ticeiros e saber, qual a intenção?- Outra brincadeira. Se fala muito nofetiche da mercadoria, tá certo? Eu nãoia falar "fetichismo do saber" porque fi-caria muito ...

• Pedante ...- Não só pedante. É bom lembrar quefetiche é uma corruptela de feitiço, en-tão vamos falar a linguagem normal.Acontece que, desde a tradição clássica,o sábio é aquele que se contrapõe aofeiticeiro, a ciência é aquilo que se con-trapõe ao mito, o cientista é aquele quese contrapõe ao xamã. Mas a ciênciapode também se tornar um fetiche. Eisso é uma das coisas mais terríveis dasociedade de massas: o fato de desapa-recerem os bons ginásios, a boa educa-ção fundamental, de as pessoas apren-

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derem de orelhada, usarem os conceitossem ter noção das técnicas de aplicaçãodesses conceitos.

• Ou seja, apreende-se o saber do mesmomodo como se consomem mercadorias.- Até pior, seria mais como um tóxicomesmo, porque no consumo de merca-dorias pelo menos você digere, alimen-ta seu corpo. Todo mundo é capaz defalar sobre o espaço-tempo quando vaiver o filme de Kubrick, e obviamenteisso é uma espécie de faz-de-conta. Sede um lado eu vou a uma livraria e te-nho um monte de bons livros para lere de bons discos para ouvir, por outrotenho também uma quantidade fasci-nante de porcarias, uma estrebaria deAlgias. Tudo é muito ambíguo e não hárazão para ficarmos de dedo em ristedizendo: "Olhal, esse mundo capitalis-ta é isso e aquilo"! É mesmo ruim, mastambém trouxe coisas positivas.

• É de alienação que estamos falando.Não caberia então um trabalho críticode superação dessa alienação? O que osenhor pensa disso, politicamente?- Podemos retomar certas teses mar-xistas, mas não podemos retomar a dia-lética hegeliana, isto é, uma dialética dasuperação das contradições, desde que agente entenda realmente o que seja umacontradição e entenda que uma unifi-cação dos contraditórios só pode serfeita no nível do discurso. Essa é umasentença básica de Hegel- que a con-tradição se resolve no nível do discurso.Hegel podia dizer: bom, ela se resolveno espírito do mundo, porque o mun-do é discurso. Como nós não acredita-mos mais nisso, temos que pensar emconviver com a contradição, como dizo nosso outro dialético de pernas tor-tas, que é o Wittgenstein. Ora, convivercom a contradição é tentar explorar es-sas partes, digamos, mais criativas, maisvitais, mais móveis e, portanto, maisangustiantes, e deixar de lado essa par-te mais morta, mais repetitiva, da vidacotidiana. Acho que desaparece a idéiade que nós podemos ser uma espécie dedemiurgos do mundo.

• Em seus artigos no Mais, além da crí-tica de uma situação, há uma certa la-mentação pela fetichização da ciência.- O exemplo do que eu estou que-rendo dizer já está no próprio Comte.De um lado, temos uma das melhores

análises de como funciona o métodocientífico, que termina no quê? Na in-venção de uma nova ciência, a sociolo-gia, cuja tarefa seria regenerar todo oconhecimento científico. Na hora emque o comtismo vem com essa idéia deregeneração, com a idéia de uma políti-ca científica e se prostra diante das ima-gens de Clotilde de Veau, aí, obviamen-te, o mesmo movimento que levou aaprofundar o conhecimento científi-co termina numa alienação, numa re-ligião, no fetiche da ciência. Em outraspalavras, eu diria o seguinte: é muitodifícil separar os dois processos. Tenhoimpressão de que a alienação da ciên-cia é cotidiana.

• No primeiro artigo, o senhor trata deuma certa monopolização, da enormevantagem econômica e política obtidapor quem, além de saber desenvolver tec-nologias, dispõe de uma máquina podero-sapara tornar o mais curto possível oper-curso da descoberta científica ao produto.Reconhece-se aí os Estados Unidos.- Não apenas, há aí também algumascorporações importantes, e não só dosEstados Unidos. Não estou negandoque em uma série de pequenos núcleosse estejam inventando coisas e conse-guindo patentes, isso seria uma estupi-dez. Mas quando consideramos o fun-cionamento global do sistema, importaa grande corpo ração.

• Nesse processo, que lugar efetivamen-te resta para um país na periferia docapitalismo?- Bom, eu preciso de um elo aqui. Es-sas grandes corpo rações, como sabe-mos, são basicamente transnacionais,mas isso não significa que elas se tor-nem independentes do Estado ou que oEstado seja inteiramente massacradopor elas. Ao contrário, a dialética do Es-tado e das grandes corpo rações se alte-rou. Por quê? Porque há uma espécie dedivisão do trabalho: o Estado faz ciên-cia pura, cuida da formação dos pes-quisadores ou mesmo assegura, não omercado no sentido antigo, mas pontosestratégicos no mercado. A guerra re-cente do Golfo é um exemplo precisonesse sentido. Não se ocupa o Iraque daforma tradicional, mas eles estão lá, de-finindo como o petróleo vai ser explo-rado ou não, e daqui a pouco teremosdesenvolvimento científico a partir daí.É inevitável: novas formas de produzir

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petróleo, de exploração de minerais,etc. Essas corpo rações têm planosde 20 anos. Temos, portanto, umadivisão de trabalho muito particularentre o Estado e a corpo ração: eleperde soberania, mas pode ganhareficácia e controlar a vida cotidianade uma maneira inconcebível 30anos atrás. Basta lembrar o retroces-so dos direitos humanos nos Esta-dos Unidos. E isso é feito pelo Esta-do. É o Estado que massacra osdireitos humanos. A idéia de botargente enjaulada em Guantánamo éalgo que lembra o totalitarismo.

• Mas, insisto, que lugar sobra paraum país periférico?- Jogar na margem. Não vejo outrapossibilidade. A idéia de que tenha-mos alguma possibilidade de nosconfrontar com esse complexo é es-tapafúrdia, então só podemos jogarna margem. Mas aí é preciso evitarum perigo muito grande. Outro dia,numa conferência, ouvi um colega queapresentou o sistema geral de desenvol-vimento do capitalismo moderno, e eraum círculo de tal forma fechado, quenão tínhamos jeito, íamos para o infer-no. Na conferência seguinte, do Barrosde Castro, do Rio, ele disse: "Temos saí-da. Há mercadorias, como os aviões daEmbraer, sobre as quais, além do valoragregado, podemos obter certos prêmi-os, por causa de certas vantagens demercado ..:' Em outras palavras, o queele estava dizendo é algo novo: em vezde propor uma política industrial, siste-mática ou sistêmica, como queria a Ce-pal, Comissão Econômica para a Amé-rica Latina, vamos para uma política deproduto. Conforme nossa inventivida-de, poderemos ganhar mais ou menos -é essa a nossa questão. Aliás me desespe-ro quando vejo essas pessoas que ficamdizendo: "Não tenho nada a fazer", co-mo se o mundo fosse um sistema lapla-ciano. Há coisas a fazer, e se não fizermosas conseqüências serão muito graves. Vi-mos a derrocada da Argentina, estamosvendo a coisa pavorosa que é a África.Mais ainda: sabemos também que nemtodo mundo é farinha do mesmo saco,como pensávamos. Bush ou Clinton,para nós, faz uma enorme diferença.

• Se fizermos as coisas certas, não pode-remos abandonar a margem? O senhornão vê essapossibilidade?

- A de nós sermos um grande país?Isso será provavelmente a longo prazoe aí estaremos todos mortos, como di-zia Keynes. Mas há um grande proble-ma nessa situação. Hoje, por exemplo,todo mundo fala da China. A questãoé como se tornar um grande país comdemocracia. Alguns falam: "Ah, nós es-tamos criando uma sociedade de con-sumo, em que todo mundo está atrásda última marca de liquidificador, issoé uma monstruosidade!" É. Só que,como é que você impede isso dentro deuma democracia? As pessoas queremconsumir. Eu não estou dizendo que agente deva ter escolas de consumo. Masserá que não podemos também come-çar um processo de diversificação maiscriador na educação?

• O que o senhor chama de diversifica-ção da educação?- Aqui em São Paulo, nos últimosanos, uma boa parte da elite tem saídode alguns colégios muito peculiares.Será que não podemos ampliar a expe-riência desses colégios para obter umbom ensino médio público, com pro-fessores melhores, equipamentos me-lhores? Isso é possível, desde que a es-cola pública incorpore algo que hojevem sendo muito denegrido, que é osistema do mérito. É preciso lembrarque uma coisa é a democracia política,outra coisa são instituições baseadas

no mérito, onde há carreira, há se-leções, etc.

• A experiência dos colégios de apli-cação ligados às universidades públi-cas não se deram um pouco por aí?Não eram um espaço de experimen-tação pedagógica que pudesse ser re-passada para a rede pública?- Sim, e sou favorável, hoje, à re-criação e à multiplicação desses co-légios universitários para realizarpolíticas de ação afirmativa em re-lação aos negros e pobres, criandocondições para que eles possam com-petir neste mundo .

• No segundo artigo no Mais, a sen-sação que fica é que o senhor, final-mente, resolveu, em sua crítica aomarxismo, tratar do pessoal da Esco-la de Frankfurt.- Que não são marxistas ... Bem.Em primeiro lugar, qual foi o mo-vimento dos frankfurtianos? Dizer

que o momento da revolução passou eque o capitalismo agora não tem nadamais a ver com as leis econômicas, queas leis econômicas foram de tal formasubvertidas que não dá para tirar delasuma crítica das relações econômicas nocapitalismo. Mas quando digo que aquestão hoje é de monopólio da in-venção tecnológica, estou introduzin-do uma noção econômica, que é a noçãodo monopólio. Portanto, a diferença écrucial. Em segundo lugar, os frankfur-tianos disseram: "Bom, se não é atra-vés de uma crítica da economia, vamosfazer uma crítica da cultura, ok"? Fize-ram. E essa crítica da cultura foi feitana base de uma teoria do conceito, nocaso de Adorno e Horkheimer, ou deuma teoria dos sistemas lingüísticos,no caso de Habermas. Só que a teoria doconceito de Adorno, a meu ver, é mui-to fraca! Por exemplo: a noção de es-clarecimento, que é a tradução de Er-klarung, eu a entendo quando se refereao movimento iluminista, porque aí elaé descritiva. Mas quando você diz queErklârung é iluminação e ilustração,razão não alienada, penso que isso nadamais é do que redefinir arbitrariamen-te a razão do seu aspecto dinâmico. Edepois, é só pegar exemplos para dizer"isto é movimento da razão" ou "istonão é movimento da razão", "isto aquiestá criando uma dialética da anti-ra-zão". Muito cômodo, não é?

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 89

Page 90: A Ciência da Música

• o senhor tocou, no artigo, tambémna questão da separação entre razãoobjetiva e razão subjetiva.- Porque na crítica desse pessoaltodo torna-se fundamental separaruma razão técnica de uma outra ra-zão substantiva. Desculpe, eu nuncavi razão técnica! Até conheço razãotécnica no trabalho, na base do,bom, eu tenho tal objetivo e, então,eu faço uma análise racional dosmeios. Mas você já viu algum pro-cesso social em que se tenha os finspredeterminados e os meios que agente analisa racionalmente? Nãovejo. Você vê em algum trabalho ci-entífico esse processo, em que vocêtem uma hipótese e depois vai ra-cionalizar os meios? Nunca vi, por-que isso é pura fantasia. E é mesmoum problema muito sério, porqueesse pessoal sempre pensa o conceitocomo se ele não precisasse de umaalteridade opaca para poder fun-cionar - um conjunto de objetos epráticas implicada na técnica de apli-cação do conceito.

• O senhor levanta mais um problemaquando diz que é preciso reconhecer quehá uma crise, cujas raízes se encontramno modo de produção das ciências con-temporâneas ligado às novas formas dasociabilidade capitalista.- Estou inclusive voltando a uma po-sição mais marxista, dizendo: olha, aquestão não é de dualidade da razão, aquestão é a maneira pela qual o capita-lismo está se apropriando desse com-plexo absolutamente extraordinário,que ele mesmo criou, de ciência e tec-nologia. Então o problema é como va~mos democratizar esse complexo. Co-mo fazer com que a ciência volte a serfeita em benefício da humanidade, oque hoje não acontece. Basta pensar, porexemplo, que a pesquisa de doenças tro-picais tem um desenvolvimento muitoinferior a das doenças que afetam ospaíses ricos.

• E há algo a serfeito no âmbito dos pró-prios pesquisadores, das agências, detodo esse sistema de produção de ciênciae tecnologia?- Acho que é óbvio que há. Olha,quando temos centralização e esclerose,só há um remédio, que é o liberal: mul-tiplicar os pontos de poder. Hoje a uni-versidade é cada vez mais monolítica,

90 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

portanto, é preciso desfazer seu caráterpétreo. A universidade hoje está muitoengraçada, querendo formar um siste-ma autônomo, quando ela não o émais, quando as fundações a furaramde todos os lados. E, de outro lado, te-mos também as agências de fomento,que são hoje não só locais de financia-mento à pesquisa, mas de indução depesquisa. Afinal de contas, o Progra-ma Genoma não foi uma brincadeira.Não só induziu-se pesquisa, mas secriou uma rede de laboratórios, criou-se um ritmo novo na produção da ci-ência e da tecnologia no Brasil. Issopode ser feito.

• Insistindo ainda na democratização ...- Vou dar um exemplo do que signi-fica democratização: hoje são os bancoscentrais que estabelecem as políticasde câmbio e cuidam da moeda e cadavez mais eles tentam ser autônomos.Autônomo em relação a quê? Se for eledependente do sistema político comoeste está, então é melhor que seja au-tônomo, porque senão não teremosmoeda. Mas seria muito bom que ti-véssemos um controle democrático doBanco Central, em que houvesse umaforma de obrigá-Io a prestar contas auma série de instituições. Então, vejabem como a ideologia política contem-porânea funciona: ou você junta tudono Estado, e ele fica inteiramente con-

trolador, ou você simplesmente queruma espécie de liberalismo que iso-la as instituições sem que elas sejamirrigadas por outros sistemas. Souinteiramente favorável à autonomiacontrolada do Banco Central.

• Traduzindo isso para a ciência, oque nós devíamos ter?- Devíamos ter um sistema em queas universidades tenham um con-trole externo. Controle da socieda-de, representada por sindicatos detrabalhadores, sindicatos patronais,estudantes ... não vejo aí problemanenhum. Além disso, um sistema emque as fundações universitárias se-jam transparentes.

• A julgar por seus artigos recentes, osenhor tem se debruçado sobre ques-tões do conhecimento, da tecnociênciae da arte. Como se reúnem todas essaspartes?- No fundo, todos esses temas

com que eu estou trabalhando são as-pectos do mesmo problema, que é o daracionalidade. Estou pensando como éque você julga. O que é o juízo estéti-co, moral ou científico. E estou muitomais interessado em tratar da questãoda crise da razão que é mostrar como,a despeito de a razão funcionar, temnecessidade de zonas cinzentas, deindefinição. Isso, aliás, é a vantagemdo conhecimento científico, da arte ouda moral, e não o contrário. A moralque seja absolutamente determinantenão está levando em conta a experiên-cia moral contemporânea, em que seconvive com sistemas morais diferen-tes, com pessoas que acreditam e se-guem normas diferentes. E quando sedecidiu que temos um conflito eterno,isso não é verdade, porque no caso daética médica, por exemplo, as coisas seresolvem de uma maneira muito inte-ressante: pessoas com éticas diversas esem estabelecerem um consenso de-finido, cedem daqui e dali, e a coisa seresolve. Isto é, na hora em que vocêinstitucionaliza a diferença, pode con-tinuar a ter instituições racionalizantes,sem que seja necessário apelar a umarazão monolítica, uma razão iluminis-ta. Estou querendo mostrar que é pos-sível a razão conviver com a sua sombra.Mais ainda: estou querendo mostrarque a razão necessita dessas sombraspara poder se desenvolver. •

Page 91: A Ciência da Música

• HUMANIDADES

ARTE

Iberê Camargo revisitadoPerto dos dezanos de mortedo pintor; pesquisaproduz umcatálogo dasobras do artista

Umaempreitada científi-ca está ajudando a Fun-dação Iberê Camargo, dePorto Alegre, a produzirum documento definiti-

vo sobre as obras e documentos do pin-tor gaúcho existentes em sua sede. Oitopesquisadores trabalham há três anosna classificação e catalogação dos maisde 3 mil desenhos, 217 óleos e 354 gra-vuras existentes na instituição. O estu-do tem o apoio da Petrobras, do ItaúCultural, da Fundação de Apoio à Pes-quisa do Estado do Rio Grande do Sul- que financia duas bolsas de iniciaçãocientífica -, do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnoló-gico (CNPq) e Universidade Federal doRio Grande do Sul (UFRGS).

O trabalho resultará no lançamen-to, em 2005, do catálogo raisonné deIberê. A edição, que se dividirá em três

RENATA SARAIVA

volumes (para pinturas, gravuras e de-senhos), será lançada juntamente com ainauguração do Museu Iberê Camargo,uma obra arrojada de mais de 8 mil me-tros quadrados, feita às margens do rioGuaíba, com projeto de Álvaro Siza. Odesenho foi premiado na última Bienalde Arquitetura em Veneza.

"O catálogo contribuirá para a pro-teção contra falsificações de obras deIberê'; diz Mônica Zielinsky, coordena-dora dos trabalhos para o raisonné."Temos consciência de que as obras dafundação são apenas uma parte do le-gado do artista, que deve estar em tornode 7 mil trabalhos. Mas é difícil encon-trar quadros que estão dispersos pelopaís, em mãos de tantos colecionado-res particulares e instituições públicas eprivadas", comenta.

A catalogação será finalizada primei-ramente no acervo da fundação. Atual-

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Page 92: A Ciência da Música

Catalogaçãodeverá ajudar aevitar as muitasfalsificações

mente, realiza-seuma mostra retrospec-tiva do pintor, intitulada Iberê Camargo:Diante da Pintura. São cerca de cem tra-balhos, entre pinturas, desenhos e gra-vuras, escolhidos e organizados pelo crí-tico de arte e curador Paulo VenâncioFilho. Estão expostos atualmente na Pi-nacoteca do Estado de São Paulo (até 20de julho) e seguem depois para o Rio deJaneiro (PaçoImperial), Recife(MAMA)e Salvador (MAM). Naexposição podem ser vis-tos também os croquis euma maquete que dão boanoção de como será oprédio projetado por Ál-varo Siza. Por coincidên-cia, o catálogo, o museu ea retrospectiva acontecemperto do ano em que IberêCamargo completaria 90anos. Nascido em 1914, opintor morreu de câncer em 1994.

"O trabalho de catalogação se mos-trou bem mais extenso do que imagi-namos num primeiro momento': contaMônica Zielinsky. "Há dificuldades,pois, além de ser um trabalho inicial-mente elaborado em fichas, manual-mente, tudo depois é registrado em umbanco de dados", diz. "É necessário fa-zer identificações de obras que trazempoucos dados. Assim, contamos muitocom a memória de pessoas que convi-veram com Iberê, como dona Maria,sua esposa, e Eduardo Haesbaert, quefoi seu impressor (de gravuras) e hoje éresponsável pelo acervo."

Embora essas duas fontesvivas tenham muitas in-formações sobre a obra dopintor gaúcho, o nível dedetalhamento para a catalo-

gação, classificaçãoe identificação é ex-tremamente grande, o que exigeenormeesforço de pesquisa. Além do nomeatribuído à obra e à técnica emprega-da, cada ficha contém a data de produ-ção, a descrição, o local de assinatura,uma transcrição do que Iberê eventual-mente escreveu em seu verso,o valor es-timado pelo próprio pintor, uma pará-bola (nas obras para as quais o artistacriou um código) e uma inscrição (porexemplo, quando ele dedicou o traba-lho a um amigo).

''Anotamos também as condiçõesem que a obra se encontra no mo-mento da catalogação, de forma que

92 . JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

se possa acompanhar o que acontece-rá com ela no decorrer do tempo equando for emprestada para uma ex-posição", observa Mônica. No estágioem que o trabalho se encontra, apenasos desenhos e a correspondência dopintor (que era um grande frasista eadorava escrever para amigos e fami-liares) ainda passarão pelo processo.

De acordo com a coordenadora doestudo, os pesquisadorestiveram diversas surpre-sas. "Descobrimos coisasdesconhecidas do públi-co e de alguns críticos,como figurinos e cenáriosde teatro. Também pintu-ras em cerâmica, tapeça-rias e até um trabalho fei-to em casca de bananeiraforam encontrados." Issosem falar em algumas

curiosidades, como notas de sapataria emuitos documentos e cartas. A catalo-gação feita pela equipe não só permitiráa identificação das obras de Iberê - evi-tando falsificações - como contribuirápara o trabalho de pesquisadores dearte e até mesmo de biógrafos.

Enquanto isso não é possível, o pú-blico em geral pode ter uma boa idéiadas principais fases da carreira do pin-tor na mostra Iberê Camargo: Diante daPintura. Divididas em salas,as obras se-guem uma cronologia, mas não de for-ma linear. Para deixar isso claro, PauloVenâncio Filho optou por colocar nocomeço do espaço expositivo obras doinício e do fim da carreira do pintor. Se-parados apenas por uma meia parede,trabalhos figurativos dos anos 40, comoa paisagem do Rio chamada Lapa e Au-to-Retrato, estão no mesmo ambienteque Solidão, última tela pintada porIberê no ano de sua morte.

Nas demais salas,pode-se ver a evo-lução pictórica de Iberê Camargo. Em-bora não tenha se vinculado a um mo-vimento artístico específico,ele marcoua história da arte brasileira com um ex-pressionismo gestual muito próprio,em que a explosão das tintas e pincela-das sobre a tela retratam uma inquietu-de pessoal bastante intensa. "Sua marcaé a pesquisa pictórica, que nunca aban-donou. Iberê, nascido no interior doRio Grande do Sul, sempre teve cons-ciência da importância da pintura nacultura ocidental. Indo morar no Riode Janeiro e estudando na Europa, sem-

pre se colocou diante do desafio de serum grande pintor. Ele não pertenceu aum movimento, mas não foi um pintoralienado, principalmente em relação aosassuntos artísticos. Lutava, por exem-plo, pelo aperfeiçoamento das técnicasde pintura", diz Venâncio.

No percurso pictórico apresentadopela exposição, podem-se encontrardois elementos tão presentes na obra deIberê Camargo quanto foram as ban-deirinhas na de Alfredo Volpi: os carre-téis e os ciclistas."São símbolos de suasreminiscências da infância, muito im-portantes para Iberê", comenta Venân-cio. Uma surpresa para quem acompa-nha a trajetória da mostra é o trabalhodesenvolvido por Iberê no que diz res-peito às cores. Solidão, que poderia ex-pressar uma relação dolorida com amorte - o pintor já sofria em conse-qüência do câncer -, apresenta um pa-leta expansiva, até mesmo vibrante, to-talmente diferente do perfil sombrio devárias telas anteriores.

Inquieto - A sombra desses óleos sobretela - presente, por exemplo, nos inú-meros quadros que têm os carretéiscomo tema - tem chamado a atençãoda mídia. Mas o que sepercebe é que elanão obrigatoriamente se refere à rela-ção de Iberê com o fim ou o desco-nhecido. ''Analisando o conjunto desua obra, percebemos que durante todaa vida ele foi um homem muito inquie-to. Sua pintura traduz isso",diz Mônica.Para dar qualidade ainda maior ao tra-balho de catalogação da obra de Iberê,a equipe coordenada por Mônica reali-za também trabalhos de reflexão, com oobjetivo de produzir textos e conferên-cias sobre a contribuição do artistapara a história da arte e da cultura na-cionais. Aspesquisas têm base na meto-dologia de Michael Baxandall, um es-tudioso proveniente da história socialda arte, que usa como método de tra-balho a teoria analítica.

"O trabalho consiste em promoverum entrecruzamento de documentos eobras para que se chegue a conclusõessobre a repercussão da obra de Iberê nopanorama artístico e histórico do país':explica a pesquisadora. Para Mônica, ostrês volumes resultantes da pesquisa sãoapenas os primeiros de um trabalho decatalogação que pode ser continuadosempre que se descobrir novas obrasdo artista. •

Page 93: A Ciência da Música

Fantasmagoria IV (acima)e No Vento e na Terra I: pintorcada vez mais se preocupavacom a idéia da morte

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Page 94: A Ciência da Música

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Os escritores no telhadoEstudo discute as marcas do judaísmo na nossa literatura

MÁRCIa SELIGMANN-SILVA

Exílio, cruzamento defronteiras, silêncios,escritura fragmenta-

da, interpretação infinita,nome de Deus: eis algunstemas que surgem inusita-damente entrelaçados no li-vro de Berta Waldman. Seutema justifica o ineditismo- entre nós - da sua abor-dagem: a questão dos ras-tros e marcas judaicas na literatura brasileira. Nãoapenas temas e abordagens são surpreendentes, tam-bém os deslocamentos e aproximações geográficasdo tipo "Paris, Texas": Xingu no Bom Retiro, Ucrâ-nia no Rio de Janeiro, Israel em Porto Alegre.

As três primeiras partes do livro Entre Passos eRastros são dedicadas a autores específicos: ClariceLispector, Samuel Rawet e Moacyr Scliar. Na dedica-da a Clarice, Berta - sem confinar a obra de Clariceao "gueto" - nos revela, no universo temático e nasestratégias lingüísticas da autora, elementos judai-cos que a bibliografia especializada teve até agora di-ficuldades em delinear. A relação tensa de Claricecom suas origens judaicas não representa de modoalgum um apagamento do passado. Para Berta, "ain-da que à revelia", o texto de Clarice "está concernidoa essa tradição [judaica] que se desenvolve a partirde um silêncio, de uma ausência': A relação de Cla-rice com esse passado se dá por meio de um saberinconsciente. Citando Hanna Arendt, Berta enfatizaque as tradições recalcadas são as que mais nosguiam e pesam. Só sentimos falta de um estudo so-bre o terrível humor - kafkiano - de Clarice.

Nos demais itens e subitens, a autora analisaainda os romances de Roney Cytrynowicz, SamuelReibscheid, Bernardo Ajzenberg, Jacó Guinsburg eos poemas de Lucia Aizim e de Moacir Amâncio. Oúltimo capítulo contém um estudo sobre as prosti-tutas estrangeiras emigradas como personagens daliteratura brasileira, com destaque para três obras,de Hilário Tácito, M. Scliar e Valêncio Xavier, queenfocaram esse tema.

Uma das melhores surpresas do livro é a apre-sentação e análise dos poemas de L. Aizim. Seuspoemas Súbito Além, Pastoril e Gênese podem sercontados entre os melhores publicados nos últi-

94 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP89

mos anos. Aqui a questão da"desterritorialização" e "reter-ritorialização" atinge camadasprofundas e complexas dateoria e história da literatura.

Este estudo de Berta -marcado por uma bela escri-tura - vincula-se tanto àspesquisas mais recentes sobreimigração na produção lite-rária brasileira como, maisespecificamente, a um mo-vimento interno aos estudos

judaicos, dentro do qual já vieram a público obrasimportantes de autores como Nelson Vieira e Regi-na Igel. Vale notar que a tendência à abordagem in-tercultural desses trabalhos - com base sobretudonos Estudos Culturais - também tem caracterizadoas pesquisas de muitos Departamentos de LetrasModernas entre nós. Trata-se de um filão recém-descoberto que permite uma contribuição originalpara os pesquisadores que atuam na "periferia" emtermos institucionais.

Berta procura trabalhar com uma concepçãodinâmica, não hipostasiada, de "cultura": um verda-deiro desafio para qualquer estudo que nasce dentrode uma disciplina que está tradicionalmente calca-da na noção do caráter "próprio" de uma cultura (nocaso, a cultura judaica), como ocorre em todos osestudos do gênero, como na "gerrnanística" na "es-panística", etc.

Uma conclusão que podemos tirar deste insti-gante livro de Berta Waldman - que afirma com ra-zão que "o vazio é a marca geral de nossa existência"e não é atributo exclusivo da tradição "judaica" - éque, como autores do porte de um E. Lévinas, G.Deleuze (falando da literatura de Kafka como "lite-ratura menor" exemplar) e J. Derrida já nos mostra-ram, existe uma "exernplaridade" na situação dias-pó rica do judaísmo, na sua tradição de calcamentocultural, de identidade "mata-borrão" (para falarmoscom J. Guinsburg ao se referir ao ídiche), que per-mite expandir esse modelo para nossa situação pós-tradicional ocidental.

Entre Passos e RastrosBerta Waldman

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Page 95: A Ciência da Música

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Imoginório e viajantes

no Brasil do século XIX:cultura e cotidiano,

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nossa história. Desde a figura do "judeu errante", passandopela divulgação dos espúrios Protocolos dos Sábios de Sião(a falsificação czarista da dominação mundial pelosjudeus) e terminando com a política do Estado Novo.

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