a conciliação no novo código de processo...
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
KAREN MAGALHÃES DA SILVA
A Conciliação no Novo Código de Processo Civil
Brasília - DF 2015
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KAREN MAGALHÃES DA SILVA
A Conciliação no Novo Código de Processo Civil
Monografia apresentada como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
Orientador: Professor Doutor Vallisney de Souza Oliveira
Brasília - DF 2015
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KAREN MAGALHÃES DA SILVA
A Conciliação no Novo Código de Processo Civil
Monografia apresentada como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
Orientador: Professor Doutor Vallisney de Souza Oliveira
Aprovado pelos membros da banca examinadora em ___/___/2015, com menção
____.
Banca Examinadora:
___________________________
Orientador: Professor Doutor Vallisney de Souza Oliveira
___________________________
Integrante: Professora Doutora Daniela Marques de Moraes
___________________________
Integrante: Professor Mestre Guilherme Pereira Dolabella Bicalho
___________________________
Suplente: Professora Doutora Inez Lopes Matos Carneiro de Farias
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, fonte de vida e libertação, que me
ensinou a ter fé em um mundo mais justo e mais fraterno.
A todos da minha família que, de alguma forma, incentivaram-me na
constante busca pelo conhecimento. Em especial aos meus pais, Lurdemilo e
Abadia, e às minhas irmãs, Denise e Késsia, os quais me apresentaram a
simplicidade e o gosto por esta incessante caminhada. Cumpre ressaltar minha
gratidão por terem me ensinado os valores sem os quais jamais teria me
tornado a pessoa que me orgulho de ser, mais humana e sensível às
necessidades alheias.
Ao Rafael, meu namorado, pessoa que adentrou em minha vida desde
as primeiras semanas de aula na Universidade de Brasília, com sua trajetória
repleta de brilhantismo e surpreendentes conquistas. Em pouco tempo, tornou-
se minha fonte de inspiração diária e perene, permanecendo sempre presente
ao me fazer crescer em níveis pessoal e profissional. A ele, o meu muito
obrigada, embora saiba que jamais conseguirei expressar toda a minha imensa
gratidão.
Ao meu orientador, Professor Doutor Vallisney Oliveira, por aceitar meu
projeto monográfico, sua orientação segura e competente, assim como pelo
testemunho de seriedade acadêmica, qualidades que me permitiram
concretizar este estudo. Agradeço também pela compreensão aos meus
limites, auxiliando-me com sabedoria na elaboração deste trabalho.
Às integrantes de minha banca de defesa de monografia, Professora
Dra. Inez Lopes e Professora Dra. Daniela de Moraes, minha gratulação pela
disponibilidade cordial para me auxiliar na confecção deste estudo
monográfico.
Meus sinceros agradecimentos!
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RESUMO
Esta investigação trata do modelo de conciliação previsto no Novo
Código de Processo Civil e suas potencialidades para lidar com a problemática
de ausência de acesso efetivo à Justiça e excessiva judicialização dos litígios
de uma sociedade de massas. O problema de pesquisa é se e em que medida
a conciliação representa um instrumento adequado para superar os obstáculos
ao acesso à justiça no contexto brasileiro. A hipótese é positiva no sentido que
a prática conciliatória representa, no geral, um aprimoramento no sistema
judicial brasileiro. Ademais, este trabalho tem como objetivo servir de contributo
ao debate mais largo acerca do acesso à justiça em função das expectativas
sociais de efetivação dos direitos fundamentais. Sendo assim, o primeiro
capítulo trata do movimento de acesso à justiça e sua relação com a crise do
Poder Judiciário brasileiro. No segundo capítulo, a instituição jurídica da
conciliação será tratada em seus aspectos culturais, legislativos e sociais,
notadamente no âmbito do processo civil. No terceiro capítulo, será perquirida
a previsão legal do conteúdo da conciliação no novo Código de Processo Civil.
Enfim, verifica-se em termos positivos a hipótese inicial na medida que a via
conciliatória apresenta-se como instrumento adequado para superar os
obstáculos ao acesso efetivo à justiça.
Palavras-Chave: Conciliação. Acesso à Justiça. Novo Código de Processo Civil. PoderJudiciário.
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ABSTRACT
This investigation deals with the conciliation model propose in the new
Brazilian Civil Procedure Code and its potentials to deal with the problematic of
the lack of effective access to Justice and the excessive judicialization of
conflicts in the mass society. The question of this research is if and in what
measure conciliation represents an adequate instrument to overcome the
obstacles to access to Justice in Brazilian context. The hypothesis is positive in
the sense that the conciliatory practice represents, in general, animprovement
in the judicial system. Therefore, this work has as objective to contribute to the
broad debate about access to Justice in function of the social expectations in
terms of concretization of fundamental rights. Then, the first chapter deals with
the access to justice movement and its relationship with the Brazilian Judiciary
crises. In the second chapter, the juridical institution of conciliation will be
addressed in its cultural, legal, and social aspects, notably in the civil procedure
sphere. In the third chapter, it will be investigate the legal prevision of the
conciliation content in the new Civil Procedure Code. In the end, it is verified in
positive terms the initial hypothesis in the sense that the conciliatory way is an
adequate instrument to overcome the obstacles to an effective access to
justice.
Key-words: Conciliation. Access to Justice.The New Brazilian Civil Procedure Code.JudiciaryBranch.
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SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................... 8
1. Acesso à Justiça e a Crise do Poder Judiciário …..........................................11 1.1. O Movimento de Acesso à Justiça ..………………………………..… 11 1.2. O Acesso à Justiça na Constituição Federal de 1988 ……………... 15 1.3. A Crise do Poder Judiciário ………………………………...…………. 17
2. A Experiência da Conciliação no Brasil ........................................................... 23 2.1. Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos e o Acesso à
Justiça .............................................................................................. 23 2.2. A Conciliação no Código de Processo Civil de 1973……………….. 26 2.3. Movimento pela Conciliação …………………………………….……. 27 2.4. Cultura da Conciliação ……………………………………………….... 31
3. A Conciliação no Novo Código de Processo Civil (NCPC) ............................. 35 3.1. A Conciliação pelo Prisma do Acesso à Justiça ………………..….. 37 3.2. Os Principios Informadores da Conciliação …………………………. 38 3.3. A Institucionalização da Conciliação ……………………………….... 39 3.4. A Conciliação com a Fazenda Pública ………………………………. 43 3.5. Conciliação nas Ações de Família ................................................... 46 3.6. A Audiência de Conciliação ............................................................. 47 3.7. Considerações Críticas ao NCPC ................................................... 50
Conclusão ………………………………………………………………………....... 53 Referências Bibliográficas ............................................................................... 56
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INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 representou um marco na construção do
Estado de Direito brasileiro na medida em que atribuiu um novo papel
institucional para o Judiciário, isto é, forneceu as condições normativas para a
afirmação política do Estado-Juiz em contexto brasileiro, rompendo com a
situação de subserviência em relação ao Poder Executivo historicamente
observada.
Em parte, esse êxito pode ser explicado pela positivação de uma plêiade
de direitos fundamentais os quais devem ser garantidos institucionalmente por
uma série de remédios processuais também previstos no texto constitucional.
Portanto, em última medida, o Judiciário passa a ter o dever de concretização
desses direitos.
Acontece que a realidade brasileira é marcada por forte desigualdade
econômica e social juntamente com uma deficiência sistêmica nas prestações
estatais, ao passo que a Constituição Federal é pródiga em positivar os mais
diversos direitos sociais, econômicos e culturais, sem necessariamente se
atentar para os custos sociais e econômicos atrelados. Nesse sentido, a
carência material se confronta com a promessa civilizatória, o que resulta em
uma expressiva demanda por acesso ao Judiciário e à Justiça.
Após mais de um quartel de século da promulgação do texto
constitucional, a sociedade brasileira experimenta uma explosão de
litigiosidade, a qual pode ser dimensionada na ordem de centenas de milhões
de processos contabilizados no sistema judicial pátrio. Visto isso, a literatura
jurídica sugere uma “crise do Poder Judiciário”, tendo em vista que o Estado
brasileiro desenvolve sua função judicial muito aquém das expectativas sociais
do seu destinatário, a população.
Diante dessa situação, muitas respostas têm sido esboçadas por
juristas, políticos e gestores públicos para corrigir as disfuncionalidades e
distorções constatadas no desempenho institucional do Poder judicante. Em
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termos gerais, essas respostas são sumarizadas como “ondas de acesso à
Justiça”.
Na presente pesquisa, o enfoque remanescerá nas recentes mudanças
legislativas promovidas no direito objetivo e nas práticas das instituições
jurídicas, notadamente o modelo de conciliação previsto no Novo Código de
Processo Civil (NCPC) e suas potencialidades para lidar com os referidos
problemas de ausência de acesso à Justiça e excessiva judicialização dos
litígios de uma sociedade de massas.
Sendo assim, o problema desta investigação pode ser posto nos
seguintes termos: se e em que medida a conciliação, tal como proposta no
NCPC, representa um instrumento adequado para superar os obstáculos ao
acesso à Justiça no contexto brasileiro?
De maneira auxiliar, também serão trabalhadas indagações secundárias,
a saber:
(i) Há uma crise do Poder Judiciário no Brasil decorrente da falta de
efetividade do acesso a uma ordem jurídica justa?
(ii) A experiência brasileira com a conciliação até a promulgação do
NCPC tem sido positiva em termos de acesso à Justiça?
(iii) Quais são os limites e possibilidades do modelo de conciliação
proposto pelo legislador no NCPC?
(iv) Há elementos fático-normativos para se aferir uma potencial
diferença em termos de eficiência nas práticas conciliatórias entre o CPC/73 e
o NCPC?
Na qualidade de hipótese, considera-se que o empenho conciliatório
esboçado na mudança legislativa em conjunto com as esperadas alterações
nas práticas institucionais e na cultura jurídica nacional representam, no geral,
um aprimoramento no sistema judicial brasileiro.
Ademais, objetiva-se com a presente pesquisa servir de contributo a um
importante debate acerca do acesso à Justiça em função das expectativas
sociais de efetivação dos direitos fundamentais. Essa discussão notabiliza-se
com o advento do NCPC o qual será aqui enfocado.
Enfim, torna-se imperativo traçar um roteiro de desenvolvimento deste
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esforço investigativo. Nesse sentido, o itinerário será dividido em três capítulos
de modo a abarcar a problemática proposta.
No primeiro capítulo, a questão em debate será a crise do Poder
Judiciário e possíveis falências ao modelo de justiça brasileiro. Para isso, será
abordado o acesso à Justiça como fenômeno jurídico global, perpassando o
conceito, os planos de estudo, os obstáculos e as ondas de acesso à Justiça.
Em seguida, o acesso à Justiça será detalhado à luz da Constituição Federal
de 1988 (CF/88), de modo a reconhecê-lo como direito fundamental. Enfim, a
seção se encerrará com a verificação do primeiro problema secundário, isto é,
será traçado um breve diagnóstico qualitativo e quantitativo do atual panorama
do Poder Judiciário.
No segundo capítulo, a instituição jurídica da conciliação será tratada em
seus aspectos culturais, legislativos e sociais. Em suma, será exposta a
mudança teórico-legal de seu conceito e práticas institucionais correlatas ao
longo das últimas décadas, notadamente no âmbito do juízo cível, nada
obstante não se desconheça sua recepção em outras searas jurídicas.
No terceiro capítulo, será investigada a previsão legal do conteúdo da
conciliação no bojo do Novo Código de Processo Civil. Com isso, pretende-se
explicitar os limites e as potencialidades desse instituto jurídico nas práticas
sócio-jurídicas a partir do referido diploma legal. Nesse sentido, busca-se
verificar sua adequação com as exigências do Estado Democrático de Direito
em termos de acesso à justiça.
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1. ACESSO À JUSTIÇA E A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO
1.1. O Movimento de Acesso à Justiça
Na qualidade de movimento sócio-cultural, o acesso à Justiça comporta
diferentes sentidos de acordo com o contexto espacial e temporal em que se
insere. A despeito disso, torna-se imperativo buscar elementos que viabilizem a
formação de um conceito mais ou menos preciso, de modo que seja
operacional, mas não inflacionado a ponto de ser excessivamente arbitrário e
manipulável.
Diante da dificuldade de definição, Mauro Cappelletti e Bryant Garth
tomam como ponto de partida as duas finalidades básicas do termo “acesso à
Justiça” em um sistema jurídico, quais sejam, o sistema deve ser igualmente
acessível a todos, bem como produzir resultados justos nos âmbitos individual
e social (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 8).
Na linguagem do Direito, o acesso efetivo à Justiça se coloca como uma
norma de direito fundamental nas modernas sociedades, logo contém seu
conteúdo de obrigatoriedade e exigibilidade. Conforme Wilson Alves de Souza,
o termo transcende seu sentido literal, porquanto também significa o direito ao
devido processo, “vale dizer, direito às garantias processuais, julgamento
equitativo (justo), em tempo razoável e eficaz” (SOUZA, 2011, p. 26).
Nessa esteira, Ada Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio
Carlos Cintra interpretam a expressão como o acesso à ordem jurídica justa, o
que pressupõe a efetividade do processo ao eliminar (ou, pelo menos,
amenizar) o conflito social e realizar a justiça em concreto (CINTRA;
GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 39).
Visto isso, importa nessa seção instrumentalizar teoricamente a
presente pesquisa por intermédio de uma revisão de literatura em três eixos: (i)
os possíveis planos de estudos do fenômeno; (ii) os obstáculos à efetividade
desse direito; e (iii) as soluções práticas para esses problemas, as quais se
popularizaram como as ondas do movimento de acesso à Justiça.
Paulo Cesar Santos Bezerra identificou quatro perspectivas possíveis
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para se abordar o fenômeno social em tela, a saber: a leiga; a técnico-jurídica;
a sociológica; e a filosófica (BEZERRA, 2001, pp. 123-150).
Sendo assim, a visão do leigo é precipuamente pejorativa e
demasiadamente estreita, uma vez que se correlaciona à negação de direitos
aos menos favorecidos, dado que a tutela jurisdicional não os alcança. Tendo
em vista que “A visão leiga mira a mera oportunidade de estar perante o Juiz”
(Ibid., p. 125) e os obstáculos a serem transpostos, o sentimento associado a
essa perspectiva é a frustração do litigante, pois não há sequer um acesso
formal ao sistema processual.
Do ponto de vista técnico-jurídico, conforme já colocado, o acesso à
Justiça é um direito fundamental, por conseguinte recebe tratamento legal e
proteção constitucional. Nesse ponto, Cintra, Grinover e Dinamarco sustentam
a seguinte configuração ao acesso à Justiça:
O acesso à Justiça é, pois, a idéia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade jurisdição), depois (b) garante-se a todas elas (no cível e no criminal) a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa (princípio do contraditório), podendo exigir dele a (d) efetividade de uma participação em diálogo -, tudo isso com vistas a preparar uma solução que seja justa, seja capaz de eliminar todo resíduo de insatisfação. (grifo no original) (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit., p. 39).
A visão sociológica acerca do fenômeno jurídico em tela está
intimamente ligada com as expectativas sociais pela implementação de uma
perspectiva particular de justiça de uma comunidade constitucionalmente
constituída. Assim, “A contribuição sociológica está em investigar sistemática e
empiricamente os obstáculos ao acesso à justiça por parte dos populares, com
vista a propor as soluções que melhor possa superá-los” (BEZERRA, op. cit., p.
144).
Por fim, há a abordagem filosófica a qual se resume na busca de
condições de possibilidade e horizontes de sentido (aporias) para fins de
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orientar a ação social.
Filosoficamente, pois, havemos de raciocinar com acesso à justiça ideal, embora o ideal seja o efetivo, pelo que a busca da efetividade não pode se restringir a elaboração e aplicação de mecanismo que viabilizem formalmente o acesso à justiça e sim, por formulações de cunho filosóficos e sociológicos, além, é claro, de medidas politicamente corretas, para consecução de tal destino. E esse destino deve ser construído pela coletividade dos indivíduos. Para alívio das classes mais pobres, devem cooperar, em concordância com o Estado, as iniciativas dos indivíduos e dos entes coletivos, com espírito de justiça e também de educação para o social (Ibid., p. 149).
Em movimento contínuo, torna-se conveniente abordar os obstáculos à
efetividade do Acesso à Justiça. Nada obstante seja datada, a pesquisa em
nível global coordenada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth se notabilizou por
lançar luzes aos obstáculos a serem transpostos. Segundo os autores, a
problemática se centra em três eixos: as custas judiciais, a possibilidade das
partes e os interesses difusos. Nesse sentido, a busca se centra na busca pela
igualdade de armas como ponto utópico, tendo em vista que as diferenças
entre as partes sempre existirão. Contudo, “A questão é saber até onde
avançar na direção do objetivo utópico e a que custo” (CAPPELLETTI; GARTH,
op. cit., p. 15).
A conclusão desses juristas é no sentido de que o sistema de justiça
produz os maiores obstáculos nas pequenas causas e para os autores
individuais, sobretudo os pobres. Igualmente, esse mesmo sistema produz as
vantagens mais latentes para os litigantes organizacionais os quais se utilizam
da máquina judiciaria para mobilizar seus interesses de maneira habitual. A
resultante é a dificuldade de se afirmar os direitos típicos de um Estado Social
(Ibid., p. 28).
De maneira sintética, Mauro Cappelletti assim descreve a problemática
em que se insere o movimento de acesso à Justiça:
Os problemas principais do movimento reformador tem sido os seguintes: a) o obstáculo econômico, pelo qual muitas pessoas não estão
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em condições de ter acesso às cortes de justiça por causa de sua pobreza, aonde seus direitos correm o risco de serem puramente aparentes; b) o obstáculo organizador, através do qual certos direitos ou interesses “coletivos” ou “difusos” não são tutelados de maneira eficaz se não se operar uma radical transformação de regras e instituições tradicionais de direito processual, transformações essas que possam ter uma coordenação, uma organização” daqueles direitos ou interesses; c) finalmente, obstáculo propriamente processual, através do qual certos tipos tradicionais de procedimento são inadequados aos seus deveres de tutela (CAPPELLETTI, 1991, p. 148).
Daniela Marques de Moraes assim descreve o citado conjunto de
problemas com atenção ao contexto brasileiro a partir da Constituição Federal
de 1988:
advento da Constituição Federal, contudo, além de apresentar um catálogo de direitos e garantias fundamentais ampliado, acabou por publicizar as desigualdades jurídico-sociais e, também, a perpetuação de uma cultura jurídica legalista. A maior parte das legislaç es infraconstitucionais e o pr prio Poder Judiciário não estavam em conformidade com os preceitos constitucionais democráticos, pois foram erigidos sob outras perspectivas ist ricas e jurídicas. refle o inevitável foi o descompasso entre o direito e a realidade social, evidenciando-se o fosso e istente entre eles, bem como a prolação de decis es judiciais que reproduziam o repert rio legislativo desafinado com os novos direitos, agravando-se as desigualdades e gerando incredibilidade na instituição judicial. A insatisfação com o direito e com a justiça, principalmente ap s o início da democratização do stado, resultou no movimento de acesso à justiça que clamava pela identificação e superação dos obstáculos adversos ao e ercício das práticas jurisdicionais (MORAES, 2014, pp. 178-179).
Também foram Cappelletti e Garth quem identificaram três posições
básicas de solução para os obstáculos supracitados a partir de 1965 nos
países ocidentais. Essas soluções foram alcunhadas de ondas do movimento
de acesso à Justiça.
A primeira onda se refere ao custo econômico e se resume na
assistência judiciaria para os pobres. Como reflexo dessa movimentação,
percebe-se que “ s pobres estão obtendo assistência judiciária em número
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cada vez maior, não apenas para causas de família ou defesa criminal, mas
também para reivindicar seus direitos novos” ( CAPPELLETTI; GARTH, 1988,
p. 47). Por sua vez, os limites são claros: a escassez de advogados em número
suficiente para auxiliar aqueles que não podem pagar por seus serviços, o que
exige vultosas dotações orçamentárias; e a relação de custo-benefício para as
pequenas causas, uma vez que o serviço judiciário remanesce
demasiadamente caro para as pequenas causas em face das grandes
organizações.
A segunda onda se refere aos interesses difusos. Nesse sentido, uma
verdadeira revolução foi promovida no âmbito do processo civil, de modo a
contemplar as ações coletivas. Assim, o devido processo legal se coletiviza
para fins de assegurar a realização dos direitos difusos.
A terceira onda corresponde a um novo enfoque de acesso à Justiça,
possuindo um alcance mais amplo ao conglobar as soluç es anteriores. “ sse
enfoque, em suma, não receia inovações radicais e compreensivas, que vão
muito além da esfera da representação judicial (Ibid., p. 73). Pretende-se a
construção de instituições efetivas para enfrentar os diversos fatores e
barreiras ao acesso à Justiça.
Nessa mesma direção, José Geraldo de Sousa Júnior assim descreve
os níveis de acesso à Justiça de modo a advogar por uma concepção alargada
desse conceito jurídico: “ nível restrito do acesso à justiça, portanto, se
reafirma no sistema judicial. O nível mais amplo do mesmo conceito se
fortalece em espaços de sociabilidades que se localizam fora ou na fronteira do
sistema de justiça” (SOUSA JUNIOR, 2008, p. 7).
1.2. O Acesso à Justiça na Constituição Federal da 1988
Grinover, Cintra e Dinamarco reconhecem no direito processual
constitucional o local de estudo do relacionamento entre Constituição e
Processo, uma vez que este para além de ser instrumento técnico, adquire
forte apelo ético à comunidade política que se constitui. Nesse sentido, o direito
processual constitucional se divide em duas vertentes: a tutela constitucional
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dos princípios fundamentais da organização judiciaria e do processo; e a
jurisdição constitucional. Por sua vez, a tutela constitucional do processo
apresenta dupla configuração, a saber, o acesso à Justiça e o devido processo
legal (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit., pp. 84-86).
No ordenamento jurídico brasileiro, o acesso à Justiça é uma norma de
direito fundamental com assento constitucional o qual prevê a acessibilidade
igualitária à ordem jurídica justa, assim como a produção de resultados
materialmente justos.
Luiz Guilherme Marinoni bem sintetiza o acesso à Justiça nos seguintes
termos:
Esse direito nada mais é do que manifestação do direito à tutela jurisdicional efetiva, insculpido no art. 5o, XXXV, da CF. O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, além de dar ao cidadão o direito à técnica processual adequada à tutela do direito material, igualmente confere a todos o direito de pedir ao Poder Judiciário a tutela dos seus direitos (MARINONI, 2008, p. 461).
Igualmente, conforme Robert Ale y, “ significado das normas de
direitos fundamentais para o sistema jurídico é o resultado da soma de dois
fatores: da sua fundamentalidade formal e da sua fundamentalidade
substancial” (ALEXY, 2008, p. 520). Do ponto de vista formal, a
fundamentalidade decorre do posicionamento de primazia no ordenamento
jurídico, o que implica na vinculação direta de todos os Poderes do Estado. No
âmbito substancial, as normas apresentam sua fundamentalidade na medida
em que representam tomadas de decisões sobre a estrutura normativa básica
do Estado e da sociedade.
Portanto, não é à toa que a ordem constitucional garante ao acesso à
Justiça sua fundamentalidade formal, tendo em vista a supremacia
constitucional perante as demais normas. Por outro lado, é inegável a
importância desse direito fundamental para o Estado Democrático de Direito
brasileiro. Nesse sentido, vejam-se as palavras de André Ramos Tavares:
Esse princípio é um dos pilares sobre os quais se ergue o Estado de Direito, pois de nada adiantariam leis regularmente
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votadas pelos representantes populares se, em sua aplicação, fossem elas desrespeitadas, sem que qualquer órgão estivesse legitimado a exercer o controle de sua observância. O próprio enunciado da legalidade, portanto, como já observado, requer que haja a apreciação de lesão ou ameaça a direito pelo órgão competente (TAVARES, 2012, pp. 64-65).
Do mesmo modo, Marinoni considera que esse direito fundamental além
de viabilizar a tutela dos demais direitos, também é imprescindível para uma
organização jurídica justa e democrática. “Não á democracia em um stado
incapaz de garantir o acesso à justiça. Sem a observância desse direito um
stado não tem a mínima possibilidade de assegurar a democracia”
(MARINONI, op. cit., p. 462).
1.3. A Crise do Poder Judiciário
Nesta seção torna-se necessário investigar a afirmação corrente na
literatura jurídica pátria, notadamente na moderna processualística, no sentido
de que o Estado-Juiz brasileiro passa por uma crise quantitativa e qualitativa,
caso considerado diversos critérios de avaliação, tais quais causas estruturais,
conjunturais, processuais e culturais.
Sendo assim, cumpre examinar quatro eixos relacionados com a crise:
(i) indícios factuais da existência da propalada crise; (ii) levantamento de
tentativas de explicações referentes às causas desse fenômeno; (iii)
concepções em torno da função que deve exercer o Poder Judiciário e
respectivos enfoques dados à crise; e (iv) fundamentos para apontar a
conciliação como possibilidade de combate ao estado de falência do sistema
processual.
Antes desse itinerário, torna-se cabível tecer breves considerações
acerca do panorama em que se insere o presente contexto. Segundo
Boaventura de Sousa Santos, a crise do Judiciário é corolário da crise do
Estado Moderno, precisamente pela ausência do cumprimento das chamadas
promessas da modernidade, vertidas na linguagem jurídica como direitos, por
exemplo: saúde, educação, emprego, moradia, alimentação, segurança, entre
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outros (SANTOS, 1997, passim).
Logo, a crise do Estado Social e seus desdobramentos na legitimidade e
no financiamento também são sentidos no âmbito do Poder judicante. A crise
de financiamento decorre da escassez de recursos para a implantação de
políticas públicas para fins de promoção de direitos. “Deste ponto de vista, a
crise é decorrente sobretudo da falta de condições materiais, subsumidas no
controle orçamentário, na falta de juízes, no preparo insuficiente dos
operadores, etc” (BARBOSA, 2006, p. 25).
Além da falta de consenso a respeito das funções do Poder Judiciário no Estado atual, recentes trabalhos referem-se também a uma certa “crise de legitimidade” do Poder Judiciário, estampada em vários fatores, tais como, o seu caráter antidemocrático” quando se tem em conta a forma de investidura em seus cargos; a má formação dos operadores jurídicos, decorrente de um processo de seleção autoritário, formal e essencialmente legalista; a ausência de controle externo sobre o agir do Poder Judiciário, as possibilidades e limites de criação do direito por parte dos cursos jurídicos (Ibid., p. 29).
Com esteira nos ensinamentos da já citada processualista Ada Pellegrini
Grinover, Marco Aurélio Buzzi arrola diversos fatores que constatam a
propalada situação crítica que alcança a todos os países que adotam sistemas
jurisdicionais com as características que predominam nas ordens jurídicas
ocidentais:
a) o distanciamento entre o Poder Judiciário e o cidadão; b) o excesso de processos, que abarrotam o Judiciário; c) a morosidade e os altos custos dos processos; d) a burocracia e a complexidade dos procedimentos que
deveriam oferecer ao indivíduo a almejada justiça; e) a mentalidade de um contingente de juízes pouco
compromissados com a missão da instituição a qual pertencem e que fazem menos do que poderiam;
f) a ignorância das partes acerca dos procedimentos e rotinas judiciais;
g) a deficiência, ou inexistência, concernente ao funcionamento dos serviços de defensoria pública ou assistência judiciaria gratuita (BUZZI, 2014, pp. 469-470).
Por sua vez, Vallisney Oliveira aponta indícios para e plicar a “e plosão
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de causas no Judiciário”:
Alguns fatores relacionados com o aumento assustador das causas nas Cortes Brasileiras, dentre tantos, podem aqui ser arrolados: o aumento da população ativa e consumidora de bens; a infância perdida e os caminhos tortuosos da criminalidade em todas as camadas sociais; o crescente número de jovens e a necessidade de sua inserção no mercado de trabalho; a extensão da concentração urbana, da favela, da miséria e o insuficiente amparo à família; o crescimento do número de pessoas com conhecimento de seus direitos e dos modos de obtê-los, inclusive pela maciça atuação da mídia que, com facilidade, chega a quase todos os lares; a divulgação pela imprensa das mazelas éticas dos governantes, como a corrupção e o peculato, incentivadores da cultura da impunidade; o anseio pela população por terra, casa, escola, lazer e por outros bens, essenciais ou supérfluos. Esse minúsculo retrato da sociedade contemporânea facilita a ebulição social, econômica e política e amplia a cultura do litígio. Também contribui para o Judiciário tornar-se um veículo concorrido de realização de direitos e de necessidades do povo e, como mediador de conflitos variados, a esperança para muitos que antes tinham grandes dificuldades nas postulações judiciais de pretendidos direitos, inclusive contra o Estado assistencialista e provedor (OLIVEIRA, 2008, p. 54).
Igualmente, José Renato Nalini identifica como causa da crise do Poder
Judiciário a perda da identidade do juiz, isto é, o magistrado e a sociedade não
sabem exatamente qual é a missão institucional e como conduzir-se diante dos
paradoxos hodiernos. Nesses termos, desenvolve seu raciocínio em causas
organizacionais, conjunturais, processuais e culturais (NALINI, 2006, pp. 8-23).
A causa estrutural se daria na multiplicidade de tribunais brasileiros,
nada obstante a Justiça seja una, sendo todos autônomos, sem hierarquia,
coordenação e planejamento. Do mesmo modo, na prática se constata a
existência de quatro instâncias judiciais a serem enfrentadas por alguém que
pretende ter sua controvérsia definitivamente apreciada pela Justiça. A
complexidade do sistema recursal e da máquina judiciária também integram a
problemática aqui tratada.
Conjunturalmente, têm-se dificuldades de ordem orçamentário-financeira
que afligem a Justiça e suas funções essenciais. Do ponto de vista interno,
nota-se a ausência de eficiência na gestão dos recursos disponíveis,
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conquanto externamente há fatores de índole tecnocrática que interferem na
fruição do direito de acesso à Justiça e não são alcançados pelas análises
jurídicas.
Segundo Nalini, a credibilidade do Judiciário encontra-se denegrida na
medida em que não consegue processar e julgar o que lhe é demandado em
tempo razoável. Assim, “As demandas se eternizam no Judiciário. O processo
não resolve, senão institucionaliza o conflito, até seu natural e espontâneo
e aurimento” (Ibid., p. 14).
Em última medida, também se pode reputar o quadro de crise como
legatário da cultura jurídica local. Por óbvio, as vicissitudes do ensino jurídico
brasileira apresentam forte impacto no desempenho institucional do Estado-
Juiz. Aqui, identifica-se uma cultura legalista que tende a judicializar os
conflitos sociais minimamente relevantes.
A cultura formal e conservadora do juiz brasileiro, transmitida através das gerações com fidelidade ao modelo coimbrão de um direito onipotente quanto à regulação de todas as facetas da vida e de uma justiça inerte, agindo apenas quando provocada, explica a dificuldade em aceitar um projeto consistente de modernização institucional (Ibid., p. 17).
No conjunto das variadas críticas oferecidas por José Nalini, ressalta-se
a dificuldade em lidar com o futuro e a resistência interna de convívio com
praxes democráticas. Em suma, “Ingressa-se, assim, num perverso círculo
vicioso. O Judiciário detém o monopólio de sua transformação. Mas o Judiciário
não quer transformar-se” (Ibid., p. 18).
Por sua vez, Claudia Maria Barbosa argumenta que há três concepções
distintas de função judicial o que implica em diferentes prioridades para fins de
solução da crise do Poder judicante. Estes pontos de vista sobre o mesmo
fenômeno são denominados pela pesquisadora como modelo sociológico,
liberal e administrativo (BARBOSA, op. cit., p. 27).
Na concepção sociológica, enfoca-se na democratização do Judiciário e
na realização de justiça social. Afirma-se “a impossibilidade de o Poder
Judiciário, da forma como está pensado e estruturado, atuar de forma a
garantir direitos sociais consagrados nas diferentes Constituições e minorar as
21
escandalosas diferenças sociais e istentes” (Ibid., p. 25). Combate-se, assim, o
insulamento do Poder judicante no Estado liberal e pugna-se por sua atuação
política, tendo em conta a responsabilidade do juiz em efetivar os direitos
constitucionalmente garantidos.
Tal visão confronta com a concepção liberal a qual acredita que a
função do juiz ainda é a aplicação correta da lei e enfoca-se em uma solução
de melhoria das condições materiais do exercício da judicatura. Embora
admitam que a estrutura judicial é cara, ineficiente e morosa, não questionam
os postulados liberais.
Um terceiro enfoque, mais recente, concebe a crise do Poder Judiciário como a crise da Administração da Justiça. Neste caso, a tensão decorre também da incapacidade de o Poder Judiciário responder rápida, eficaz e precisamente as demandas que lhe são submetidas. Contudo, o Judiciário neste caso é visto não como um Poder de Estado, mas como serviço público que deve estar disponível à população de forma abundante e a um preço acessível. Embora os elementos que traduzem a crise sejam os mesmos já apontados, neste caso, a disfunção ocorre porque a Justiça, encarada como serviço, não está sendo capaz de cumprir com eficácia e rapidez a função de interpretar as leis de uma maneira previsível e eficiente (Ibid., p. 26).
Por fim, verificado/a uma situação crítica no seio do Poder Judiciário,
torna-se necessário argumentar acerca das vias conciliativas e seu papel na
superação da propalada crise. Para a multicitada Ada Grinover, os
fundamentos dos meios consensuais de resolução de controvérsias são o
funcional, o social e o político, sendo que esses são coexistentes e
complementares (GRINOVER, 2008, pp. 22-27).
De acordo com a processualista, o fundamento funcional está ligado à
noção de eficiência, uma vez que se intenta racionalizar a distribuição da
justiça de modo a melhorar seu desempenho e funcionalidade. Em âmbito
social, o fundamento das vias conciliativas reside na pacificação social na
medida em que foca na lide sociológica, assim se enfrenta o problema de
relacionamento que está na base da litigiosidade. Enfim, o fundamento político
se pauta na participação popular nas vias conciliatórias à luz da democracia
participativa. Em síntese, o Povo intervém no processo decisório e controla o
22
exercício do poder.
Ante essas razões, desponta como producente avaliar a experiência
brasileira com a conciliação em termos de acesso à Justiça, o que qualifica a
via conciliatória como alternativa possível à crise do Poder Judiciário.
23
2. A EXPERIÊNCIA DA CONCILIAÇÃO NO BRASIL
2.1. Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos e o Acesso à Justiça
Mauro Cappelletti insere o desenvolvimento e crescimento dos métodos
alternativos (substituível por “consensual” ou “adequado”, segundo a literatura
jurídica mais moderna) de resolução de controvérsias na quadra do movimento
político-filosófico do Acesso à Justiça. No específico, verifica-se pertinência
temática em relação aos obstáculos de ordem processual e construção de
instituições que atuem pela criação de uma ordem jurídica mais justa. Ou seja,
segundo o italiano, fala-se na terceira onda renovatória.
A filosofia do acesso à Justiça reflete exatamente essa resposta, isto é, a tentativa de adicionar uma dimensão "social" ao Estado de Direito, de passar do Rechtsstaat ao Sozialer Rechtsstaat, consoante proclamam as mais avançadas Constituições europeias, inclusive a francesa a alemã e, mais recentemente, a espanhola; na verdade, consoante proclamam também declarações de direitos transnacionais, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, interpretada pela Corte Europeia de Estrasburgo. Assim, o movimento de acesso à Justiça e sua terceira onda, que enfatiza a importância dos métodos alternativos de solução de litígios, reflete o núcleo mesmo dessa filosofia política; a filosofia para a qual também os pobres fazem jus a representação e informação, também os grupos, classes, categorias não organizados devem ter acesso a remédios eficazes; enfim, uma filosofia que aceita remédios e procedimentos alternativos, na medida em que tais alternativas possam ajudar a tornar a Justiça equitativa e mais acessível. (CAPPELLETTI, 2014, p. 418).
Em suma, fazendo uso das palavras de Nancy Andrigui e Sidnei Beneti:
“A obtenção da conciliação no processo é a consagração do juiz como
pacificador social, relegando a segundo plano a função de mero aplicador da
Lei” (ANDRIGUI; BENETI, 1996, p. 43).
Propriamente em termos de taxonomia, costuma-se classificar o
tratamento jurídico da conflituosidade social de acordo com os agentes que
solucionam a controvérsia. Ou seja, há a composição heterocompositiva
24
(terceiro) e a autocompositiva (as próprias partes). Da mesma maneira, os
métodos de resolução de conflitos podem ser agrupados conforme o grau de
consensualidade observável ao longo do processo. Nesse sentido, a utilidade
da classificação tem relação com a metodologia de análise, por exemplo, a
arbitragem se apresenta como heterocompositiva e consensual.
Pode-se dividir a autocomposição em três vertentes: a direta, a
autotutela e a assistida (COSTA, 2003, passim). Como se sabe, a jurisdição em
si - método heterocompositivo por excelência – pressupõe o monopólio estatal
da força e surge em reação à autotutela praticada de maneira generalizada.
Assim, observa-se um limitadíssimo espaço para a este método, caso se pense
em litígios juridicamente relevantes, nada obstante esta seja observada em
determinadas práticas sociais.
De qualquer forma, a diferença entre autocomposição direta e a
assistida está na intervenção de um terceiro imparcial que atue como avaliador
ou facilitador da resolução da controvérsia. Isso porque na forma direta não há
a presença dessa terceira figura no processo resolutivo (Ibid., p. 11).
À luz da autonomia das partes litigantes, é impossível catalogar a
quantidade de meios consensuais para a resolução de uma controvérsia,
inclusive hoje no Brasil começa-se a avançar a disciplina do “Design de
sistemas de disputas” (Cf. FALECK, 2009, pp. 7-21), o qual tem por “finalidade
dar às partes o controle do processo de resolução de disputas, com
procedimentos mais facilitadores e garantindo maior autonomia possível aos
envolvidos” (SILVA, 2013, p. 141).
Nessa seara, torna-se conveniente abordar de maneira panorâmica os
três métodos autocompositivos e consensuais mais citados na literatura jurídica
brasileira: negociação, mediação e conciliação. Objetiva-se, precipuamente,
apontar a identidade e as diferenças entre eles.
A negociação confunde-se com a autocomposição direta, pois as partes
buscam, sem a intermediação de terceiros, à/a solução de um impasse com
posterior cumprimento voluntário do acordo. Importa também dizer que nesse
método há dois níveis de preocupação com a satisfação, percepção e controle
das partes: a justiça do processo (procedimento) e a justiça do resultado
25
(substância) (GABBAY, 2011, pp. 222-223).
De outra banda, a doutrina muito discute a conceituação e as diferenças
entre a mediação e a conciliação. Conforme nos coloca Alexandre Araújo
Costa, tem-se o seguinte quadro:
Conciliação e mediação são dois termos que sempre são utilizados nas teorias que tratam dos métodos de enfrentamento de conflitos que aqui chamamos de autocomposição mediada. A palavra mediação acentua o fato de que a autocomposição não é direta, mas que existe um terceiro que fica “no meio” das partes conflitantes e que atua de forma imparcial. A palavra conciliação acentua o objetivo típico desse terceiro, que busca promover o diálogo e o consenso. Assim, para o senso comum, não pareceria estranha a idéia de que o mediador tem como objetivo promover a conciliação, havendo mesmo muitos autores tanto brasileiros como estrangeiros que tratam esses termos como sinônimos. Porém, na tentativa de acentuar as diferenças existentes entre as várias possibilidades de autocomposição mediada, são vários os autores que buscam diferenciar conciliação de mediação, ligando significados diversos a esses termos (COSTA, op. cit., p. 175).
Assim, notam-se mais comuns dois critérios de diferenciação entre os
institutos: o modo de atuação do terceiro imparcial e o tipo de conflito envolvido
(Ibid., loc. cit.). No primeiro critério, o mediador se presta somente a facilitar a
negociação, ao passo que o conciliador permanece focado na resolução da lide
jurídica, inclusive podendo fornecer soluções, embora não haja obrigatoriedade
para as partes. No segundo critério, a mediação deve ser utilizada em conflitos
mais amplos ou multidimensionais, conquanto a conciliação esteja ligada a
conflitos mais restritos. De maneira geral, pode-se dizer que a mediação se
centra no conflito, enquanto a conciliação assenta o foco no acordo.
Sendo assim, a mediação consiste em um processo autocompositivo e
consensual de resolução de controvérsia em que as partes litigantes escolhem
um terceiro (pessoa ou grupo) neutro e desinteressado em relação ao conflito
para ajudar na obtenção de um acordo.
Por sua vez, um conceito possível de conciliação é apresentado por
Érica Barbosa e Silva:
26
Por tudo isso, o instituto da conciliação deve ser definido como meio de resolução de conflitos, cuja composição é triangular pela atuação de um terceiro, neutro e imparcial, que investiga os interesses e necessidades das partes, pela facilitação da comunicação entre elas com vistas à compreensão do conflito e pela aplicação de técnicas relacionadas à sua adequada transformação, com orientação facilitativa e sem objetivar o acordo, enfocando a relação intersubjetiva, quando necessário, sendo mais afeta aos conflitos unidimensionais (SILVA, op. cit., p. 186).
Igualmente, é feliz a referida autora na medida em que, ao destacar as
vantagens e desvantagens dos métodos consensuais, introduz a noção de
adequação como chave analítica para a definição de qual método se valer para
cada situação conflitiva.
Por fim, é preciso mencionar que não existe meio ideal de resolução de conflitos, pois cada qual tem características próprias e todos apresentam vantagens e desvantagens. Assim, um conjunto de meios fortalece o sistema de Justiça, principalmente porque permite adequar o meio de resolução às características do próprio conflito, considerando as diversas facetas dos métodos e interesses das partes [...] Dessa forma, a adequação de cada meio deve ser feita de acordo com as ponderações das vantagens e desvantagens diante do caso concreto. É claro que, reconhecendo a complexidade das relações e a pluralidade de conflitos, quanto maior o número de meios de resolução de conflitos, tanto maior a possibilidade de encontrar um que melhor se ajuste aos objetivos e necessidades das partes envolvidas. Nesse ínterim, o Estado, ao fornecer um sistema de Justiça com diversos meios de resolução de conflitos, deve buscar a pacificação das partes com justiça, mas considerando a satisfação das partes e não apenas o cumprimento do Direito (Ibid., p. 148).
2.2. A Conciliação no Código de Processo Civil de 1973
Nesta parte do trabalho, serão feitos breves comentários sobre o antigo
Código de Processo Civil com o intuito de possibilitar a construção de paralelos
entre eles/ele e o NCPC, apontando eventuais avanços ou retrocessos do
legislador.
Na disposição original do antigo Código de Processo Civil, a conciliação
se mostrava de forma tímida, porquanto topicamente o esforço conciliatório se
27
localizava apenas na Audiência de Instrução e Julgamento. Mais: tratava-se de
acessório no caso do litígio versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado
e nas causas relativas à família (art. 447, caput e parágrafo único, CPC).
Assim, antes de iniciar a instrução, o juiz tentaria conciliar as partes, caso fosse
bem sucedido, mandaria tomar a transação por termo. A partir daí, o termo de
conciliação teria valor de sentença (art. 449, CPC).
Com o advento das reformas processuais operadas pelas Leis 8.952/94
e 9.245/95, a conciliação ganhou um pouco de espaço nas práticas judiciais. A
primeira lei colocava como dever do juiz tentar, a qualquer tempo, conciliar as
partes, o que evitava a concentração do empenho conciliatório na Audiência de
Instrução e Julgamento. Ademais, previu-se uma audiência preliminar no caso
de julgamento conforme o estado do processo na qual haveria outro momento
de tentativa de conciliação, caso o direito fosse transigível (art. 331, CPC). Não
logrando êxito na audiência, o magistrado deveria promover o saneamento do
processo.
A segunda lei firmou a posição de destaque da conciliação no
procedimento sumário, o que incluía uma audiência somente para tentar
conciliar as partes e permitia-se a resposta do réu apenas nesse momento para
fins de evitar o escalonamento da espiral do conflito. Percebe-se um tratamento
fragmentário do sistema processual relativamente aos chamados processos de
pequenas causas, o que repercutiu no acesso efetivo à Justiça.
Nos anos 2000, a Lei 11.232/05 previu a sentença homologatória ou de
transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo, na qualidade de título
executivo judicial. Visava-se à garantia de uma mínima segurança jurídica no
que toca ao cumprimento dos acordos judiciais. Por outro lado, nota-se o
Judiciário na dianteira (ou de forma mais crítica: apropriando-se) da
implantação dos métodos alternativos de solução de controvérsias.
2.3. Movimento pela Conciliação
O Movimento pela Conciliação pode ser visto à luz de um contexto maior
do Poder Judiciário brasileiro no momento primevo do século XXI, tal como
28
descrito no capítulo anterior. A explosão da judicialização de conflitos
demandou soluções criativas por parte do Poder Público, dentre as quais pode
ser destacado o referido movimento.
Marco Aurélio Buzzi identifica no dia 16 de novembro de 2005 o embrião
do movimento na medida em que se teve o I Encontro Nacional de
Coordenadores de Juizados Especiais – Estaduais e Federais, sob a direção
do ora presidente do STF e do CNJ, Min. Nelson Jobim, e supervisão do então
Secretário-Geral do CNJ, Flávio Dino (BUZZI, 2011, p. 48).
De todo modo, no dia 20 de junho de 2006, foi instalado o Conselho
Gestor do Movimento pela Conciliação composto por destacados juristas em
conjunto com a Comissão Executiva do projeto. Em movimento contínuo, no
dia 23 de agosto de 2006, sob orientação da Ministra Ellen Gracie, então
presidente do STF e do CNJ, deu-se lançamento oficial ao Programa
“Movimento pela Conciliação”, procedendo-se à exposição das metas e das
estratégias a serem seguidas na fase de implementação.
Após a primeira etapa do empreendimento, com respectiva formatação e
aprovação do projeto, deliberou-se pela realização do Dia Nacional da
Conciliação na data de 8 de dezembro de 2006. Em razão do sucesso do
mutirão inicial, observou-se a necessidade da extensão temporal e
proporcional do evento, logo a partir de 2007 o dia se transformaria na Semana
Nacional da Conciliação, atualmente em sua nona edição.
Desde sua origem o programa Movimento pela Conciliação oferece atendimento tanto pra a resolução de conflitos em sede processual ou pré-processual, em unidades centralizadas ou descentralizadas, sempre dotados de mediadores e conciliadores devidamente capacitados, valendo destacar que o seu maior alvo, sem dúvida, são as questões que ainda não alcançaram a fase judicial. Em algumas instalações, constata-se, ainda, o oferecimento de outros serviços direcionados ao exercício da cidadania – traço típico das Casas de Justiça e Cidadania, assim como o fornecimento e a elaboração de título de eleitor, registros de nascimento, carteiras de identidade etc (Ibid., p. 57).
Assim, tem-se a concretização de mudanças legislativas para consolidar
e dar segurança jurídica ao processo descrito. Observa-se alterações pontuais
29
no antigo Código de Processo Civil, a Res. CNJ 125/10 e o próprio novo NCPC
como produtos resultantes do Movimento pela Conciliação. Aliás, espera-se,
ainda, a efetividade social da recente Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015,
denominada Lei da Mediação. Nesse sentido, torna-se conveniente que a
seção ulterior se ocupe dessa construção legislativa.
Por fim, convém reproduzir breves palavras de Andréa Maciel Pachá
sobre o futuro do Movimento da Conciliação:
O Movimento da Conciliação é um caminho sem volta. Resultado de diversos fatores essenciais ao seu sucesso, conta esse Projeto com a participação de magistrados, servidores, membros do Ministérios Público e da Defensoria, advogados e sociedade, que entenderam que uma política dessa envergadura só se sustenta porque agrega diversos interesses na construção de uma pauta comum da pacificação social (PACHÁ, 2011, p. 91).
Ademais, um dos pontos cruciais do Movimento Pela Conciliação se deu
com publicação da Resolução CNJ n. 125/10, a qual dispõe sobre a Política
Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no
âmbito do Poder Judiciário.
Na esteira do discurso de posse na presidência do Min. Cezar Peluso,
cria-se tal política pelas mãos do Conselho Nacional de Justiça, dado que é
uma de suas atribuições institucionais a edição de resoluções para auxiliar
suas atividades administrativas e financeiras (art. 103-B, CF/88). Sendo assim,
o Ministro aposentado Peluso é categórico ao descrever a necessidade da
política pública a qual a Res. CNJ 125/10 vem a inaugurar:
Os mecanismos de conciliação e mediação precisam ser integrados ao trabalho diário dos magistrados, como canais alternativos de exercício da função jurisdicional, concebida nos seus mais latos e elevados termos. Não podem ser encarados como ferramentas estranhas à atividade jurisdicional e, muito menos, como atividade profissional subalterna.
Os magistrados devem entender que conciliar é tarefa tão ou mais essencial e nobre que dirigir processos ou expedir sentenças. É imperioso que o Judiciário coloque à disposição da sociedade outros modos de resolução de disputas além do meio tradicional de produção de sentenças, por vezes lento e custoso dos pontos de vista material e psicológico, e, quase
30
sempre, de resultados nulos no plano das lides sociológicas subjacentes às lides processuais.
Para agentes sociais que legitimamente anseiam por soluções rápidas, justas e profundas do ângulo de suas raízes pré-jurídicas e da dinâmica da sociedade, parece extremamente frutífero tentar resolver os conflitos de modo pacífico, mediante consensos que nasçam do diálogo e das disposições dos próprios interessados, sujeitos e senhores das disputas.
Com base nessa visão do problema, o CNJ aprovou, em 29.11.2010, a Res. 125, que criou as bases da implantação de uma “Política Nacional de Conciliação” (PELUSO, 2011, pp. 17-18).
Segundo Kazuo Watanabe, o objetivo primordial da referida política
pública é “a solução mais adequada dos conflitos de interesses, pela
participação decisiva de ambas as partes na busca do resultado que satisfaça
seus interesses, o que se preservará o relacionamento delas, propiciando a
justiça coe istencial” (WATANABE, 2011, p. 4).
Ademais, o processualista supra define como conteúdo mínimo dessa
política pública os seguintes estabelecimentos: (i) implementação da mediação
e da conciliação por todos os tribunais do Brasil; (ii) formação de mediadores e
conciliadores; (iii) princípios éticos no exercício da função; (iv) remuneração e
profissionalização do corpo de mediadores e conciliadores; (v) geração da
cultura da pacificação; e (vi) controle judicial dos serviços extrajudiciais de
mediação/conciliação (Ibid., p).
Daí se depreende que a política pública de tratamento adequado de conflitos centra-se no acesso à Justiça qualificado ou “acesso à ordem jurídica justa”, conforme ensina o Professor Kazuo Watanabe, que é possível através das condução efetiva do processo pelo juiz (gerenciamento do processo e da gestão cartorária) e da utilização de modelo de unidade judiciária (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania), responsável não só pelo trabalho com os métodos consensuais de solução de conflitos [..] mas também por serviços de cidadania e orientação jurídica, que conduzem à pacificação social, com o abrandamento da morosidade social, a diminuição do número de processo e de seus custos, como conseqüências reflexas [...] Assim, cabe ao Poder Judiciário organizar não apenas os serviços processuais, como também os serviços de solução de conflitos através de métodos alternativos à solução adjudicada por meio da sentença (hoje, conciliação e mediação) e os serviços que
31
atendam os cidadãos de modo mais abrangente, como a solução de simples problemas jurídicos, a orientação jurídica, a assistência social e a obtenção de documentos essenciais da cidadania (LUCHIARI, 2001, pp. 230-231).
Por fim, podem-se sumarizar os aspectos mais significativos da Res.
CNJ 125/10. No pensamento de Kazuo Watanabe, seis pontos são dignos de
nota: (i) a atualização do conceito de acesso à Justiça; (ii) mecanismos
resolutivos adequados às naturezas e peculiaridades do direito subjetivo; (iii)
orientação e informação das vias consensuais em detrimento da adjudicação;
(iv) boa qualidade do serviço judicial, garantido pela formação dos mediadores
e conciliadores; (v) disseminação da cultura da pacificação; e (vi) obrigação
aos Tribunais de institucionalizar a política pública de tratamento adequado dos
conflitos de interesses no âmbito do Judiciário (WATANABE, op. cit., p. 9).
2.4. Cultura da Conciliação
Tendo em vista que o Direito não deixa de ser um aparato cultural
desenvolvido pelas sociedades para lidar com seus conflitos de interesses, o
avanço da experiência conciliatória no Brasil exige também mudanças
paradigmáticas nos escopos gerais e específicos, isto é, as culturas social e
jurídica no contexto brasileiro.
Para além da crise do Poder Judiciário sobre a qual o capítulo anterior
se ocupou, acerta Napoleão Maia Nunes Filho ao anotar um déficit de
legitimidade nas práticas jurídicas contemporâneas em decorrência do
exaurimento do legalismo.
Essa postura judicial parece fundar-se na pré-compreensão de que as leis escritas são a única forma – ou a forma definitiva – de prevenir, administrar e resolver os conflitos que a sociedade sempre produz, por isso as proposições lógicas (ou pré-estabelecidas) das leis escritas carregam em si uma espécie de pretensão – augusta pretensão – ao monopólio das soluções possíveis dos casos controvertidos, quando na verdade existe, diante do agente solucionador das controvérsias, uma/um leque vasto de alternativas e de definições adequadas, entre as quais ele (o agente julgador ou solucionador das questões) encontrará aquela que é a legítima.
32
A legitimidade – e não a legalidade – passaria a ser, portanto, no contexto das reflexões jurídicas, a estrela guia da decisão (NUNES FILHO, 2014, p. 207).
Igualmente, Marco Aurélio Buzzi argumenta pela mudança de
mentalidade no tratamento das políticas alusivas aos conflitos que podem ser
solucionadas por intermédio dos métodos alternativos de solução de
controvérsia em detrimento da metodologia tradicional. Fala-se, portanto, em
uma disseminação de uma cultura da pacificação social por meio do emprego
da conciliação e outros instrumentos consensuais. Tal propagação deve-se dar
em primeiro estágio na própria comunidade jurídica entre seus diversos
operadores do direito para seguidamente adentrar o imaginário social como
artefato de adequação social (BUZZI, 2014, pp. 498-499).
Nessa mesma direção, Reynaldo Soares da Fonseca advoga pela
referida mudança paradigmática à luz do princípio jurídico da fraternidade e do
constitucionalismo fraternal. Assim, umas das formas de vivência da
fraternidade na realidade jurídica seria pela via conciliatória na resolução dos
conflitos intersubjetivos de interesses.
Com efeito, deseja-se uma mudança de paradigma. É preciso lutar por uma cultura da conciliação, como a primeira e melhor técnica para a solução das controvérsias. Tal luta é indiscutivelmente a concretização do terceiro princípio da tríade francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) (FONSECA, 2014, p. 82).
Por sua vez, Érica Barbosa e Silva fundamenta no escopo social da
jurisdição a viabilidade da construção de uma cultura de paz. Nesse ponto, a
jurista verifica em três pilares esse desenvolvimento cultural pleiteado, a saber,
a sociedade, a escola e as políticas públicas de justiça.
Para que os meios consensuais sejam adotados em um sistema de Justiça integrado e eficiente, é imprescindível uma significativa mudança de postura da sociedade, das políticas públicas de Justiça e dos operadores do direito. A despeito da extensão do caminho a percorrer, os primeiros passos já estão dados e certamente uma cultura mais voltada à pacificação haverá de instalar-se (SILVA, op. cit., p. 56).
33
No âmbito social, Érica Silva elenca como exemplos exitosos de
concretização da cultura de paz social: a figura do ombudsman no meio
empresarial norte-americana e a mediação comunitária. Por outro lado, ela
também aponta para os perigos de uma ampliação da resolução de conflitos
ligados a entidades criminosas, formando verdadeiro poder paralelo ao Estado,
como possibilidade danosa e inversa ao proposto pela cultura da pacificação
social.
A sociedade precisa resgatar sua responsabilidade na resolução de conflitos. Não se trata apenas de o Estado aparelhar o sistema de Justiça e oferecer meios ágeis para a solução dos conflitos judicializados, porquanto a sociedade pode contribuir – e muito – para uma mudança paradigmática: deixar a Justiça estatal como última ratio e adotar meios para solucionar os conflitos, de forma consensual e interna às instituições (Ibid., p. 60).
Levando em consideração que “políticas públicas são programa e aç es
tomadas com a finalidade de atingir os objetivos do Estado (Ibid., p. 63)”, a
autora também conclama ao desenvolvimento de políticas públicas de Justiça.
Isso porque os conflitos de interesses existentes devem ser tratados de
maneira adequada, sendo que a adequação se coloca na relação entre o meio
adotado e o confronto posto.
Nesse sentido, o Movimento pela Conciliação, aqui já tratado em
pormenores, representa a principal bandeira de uma política pública estatal
voltada para o tratamento adequado de conflitos intersubjetivos juridicamente
relevantes.
Por fim, deve-se observar o pilar referente à educação universitária no
qual se observa um ensino ainda marcadamente manualesco e voltado ao
litígio. Via de regra, o egresso do ensino jurídico não está minimamente
capacidade para lidar com conflitos sociais para além das formalidades
processuais, o que dificulta, de plano, a consolidação de uma cultura da
conciliação.
É indispensável desenvolver processos educativos que façam
34
a sociedade compreender em que consistem os meios consensuais, não só no direito, mas em diversas áreas do conhecimento, levando os estudantes a avaliar corretamente essas novas ferramentas que ajudarão a construir um novo paradigma de Justiça. Ademais, o ensino de meios alternativos e consensuais enriquece a grade curricular de qualquer curso, pois oferece novas visões do conflito. Os meios de resolução de conflitos não estão confinados a temas exclusivamente jurídicos, mas se abrem à interdisciplinariedade pela diversidade dos conhecimentos que integram seus conteúdos (Ibid., p. 75).
35
3. A CONCILIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
No presente momento, torna-se cabível abordar as principais inovações
trazidas pelo NCPC. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente o movimento de
acesso à justiça em que se insere o novel diploma processual. De plano,
percebe-se um novo momento dos métodos alternativos de soluções de
controvérsias no contexto brasileiro.
O Código de Processo Civil de 1973 vigorará por 42 anos, logo
demonstra a necessidade de novos remédios e perspectivas para fins de
combater a crise do Poder Judiciário brasileiro e seus corolários, embora se
reconheça os esforços institucionais do legislador nas chamadas reformas
processuais que se sucederam a partir da década de 1990.
Por iniciativa do ex-presidente da República e do Senado Federal José
Sarney, formou-se uma comissão de eminentes processualistas, presidida pelo
então Ministro do Superior Tribunal de Justiça (ora Ministro do STF) e professor
titular da UERJ Luiz Fux e com relatoria da professora da PUC/SP Tereza
Arruda Alvim Wambier, com a finalidade de elaboração de um anteprojeto de
Código de Processo Civil, a ser examinado, discutido e votado no Congresso
Nacional.
No dia 8 de junho de 2010, a Comissão apresentou em Brasília-DF a
resultante de seu trabalho com expressiva exposição de motivos. A Conciliação
foi assim apresentada pela Comissão:
Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz. Como regra, deve realizar-se audiência em que, ainda antes de ser apresentada contestação, se tentará fazer com que autor e réu cheguem a acordo. Dessa audiência, poderão participar conciliador e mediador e o réu deve comparecer, sob pena de se qualificar sua ausência injustificada como ato atentatório à dignidade da Justiça. Não se chegando a acordo, terá início o prazo para a contestação (BRASIL, 2015, p. 20).
36
Após a observância do devido processo legislativo, com discussões e
opções políticas realizadas nos âmbitos do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados, veio a lume a Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, o NCPC,
após sanção presidencial e respectivos vetos pontuais.
Em termos topográficos, dividiu-se o código em duas partes: geral e
especial. A parte geral se configura em seis livros, quais sejam, (i) das normas
processuais civis; (ii) da função jurisdicional; (iii) dos sujeitos do processo; (iv)
dos atos processuais; (v) da tutela provisória; e (iv) da formação, da suspensão
e da extinção do processo.
Por sua vez, a parte especial se pauta no binômio cognição-execução
clássico na processualística moderna, isto é, são três livros: (i) do processo de
conhecimento e do cumprimento de sentença; (ii) do processo de execução; e
(iii) dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões dos
tribunais. Por fim, há um livro complementar para dispor sobre as disposições
finais e transitórias.
No mais a mais, torna-se necessário expor o expediente a ser
desenvolvido. A título de exemplificação da extensão do empreendimento,
aponta-se que o termo “conciliação” figura 37 (trinta e sete) vezes ao longo do
texto do NCPC, ao passo que no CPC/73 a expressão consta apenas em 10
(dez) ocasiões.
Em primeiro lugar, será abordada a conciliação como corolário do
acesso à justiça, tal como positivada no NCPC, ou seja, de que maneira as
influências e discussões travadas nas searas dos capítulos anteriores se
colocam na concretude do texto legislativo em tela. Em seguida, haverá o
tratamento investigativo dos princípios informadores do modelo de conciliação
preconizado no NCPC.
Movimento contínuo: a institucionalização da via conciliatória será
abordada em duas vertentes, os agentes (corpo de conciliadores) e as
instituições (centros judiciais e câmaras privadas de conciliação). Depois, serão
desenvolvidas duas temáticas eleitas pelo legislador para serem topicamente
tratadas, quais sejam, instrumentos consensuais em relação à Fazenda Pública
37
e às ações de família.
Por fim, faz-se imperativa uma perquirição vertical acerca da audiência
de conciliação e seus desdobramentos processuais, com marco inicial no
instrumento da petição inicial. De fato, colocando-se o empenho conciliatório
como primeira via de resolução das controvérsias jurídicas na sociedade
brasileira hodierna.
Embora não se vão fazer maiores comentários acerca da fase executiva
do processo, registra-se que o instrumento de transação referendado pelo
conciliador credenciado por tribunal possui status de título executivo
extrajudicial (art. 784, IV, NCPC).
3.1. A Conciliação pelo Prisma do Acesso à Justiça
Percebe-se já na exposição de motivos do anteprojeto do NCPC a
preocupação da comissão de juristas na efetividade do acesso à justiça na
medida em que se pretende um processo justo e célere. Portanto, pode-se
argumentar que a legislação processual apresenta uma instrumentalidade em
relação à fruição empírica dos direitos fundamentais por seus destinatários, o
Povo globalmente considerado.
Nesse sentido, o artigo 3º do NCPC reproduz o disposto no art. 5º,
XXXV, da CF/88, no sentido da inafastabilidade da apreciação jurisdicional.
Positiva-se em mais um diploma legal de grande relevância social o conteúdo
do direito fundamental de acesso à justiça.
Interessa também o comando normativo do §2º do referido artigo
endereçado ao Estado, a saber, a busca, na medida do possível, em incorporar
o elemento consensual na solução dos conflitos de interesse. A
consensualidade se traduz na disposição ao diálogo para encontrar uma
solução adequada para o problema a partir de processos de resolução de
disputas construtivos.
Diante disso, pode-se afirmar que há patente necessidade de novos modelos que permitam que as partes possam, por intermédio de um procedimento participativo, resolver suas
38
disputas construtivamente ao fortalecer relações sociais, identificar interesses subjacentes ao conflito, promover relacionamentos cooperativos, explorar estratégias que venham a prevenir ou resolver futuras controvérsias, e educar as partes para uma melhor compreensão recíproca (AZEVEDO, 2009, pp. 30-31).
A expressão do relacionamento intrínseco entre conciliação e acesso à
justiça torna-se explícito no §3º do mesmo art. 3º, in verbis: “A conciliação, a
mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser
estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” Nesses termos,
demanda-se um esforço de toda a comunidade jurídica em prol da
consensualidade no tratamento dos conflitos intersubjetivos.
Aqui também se nota a adoção legal de uma estratégia flexível para
enfrentar a demanda por serviços judiciários, tal como observável na realidade
norte-americana. Segundo llen Gracie, “A idéia foi denominada multi-door
court-house, ou tribunal de múltiplas portas, porque oferecia aos litigantes
diferenciadas ‘saídas’ para a solução das disputas pendentes” (NORTHFLEET,
1994, p. 323).
3.2. Os Princípios Informadores da Conciliação
Por sua vez, o art. 166 do NCPC disp e o seguinte: “A conciliação e a
mediação são informadas pelos princípios da independência, da
imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade,
da informalidade e da decisão informada.” Portanto, o legislador ac ou por bem
formular uma principiologia para a conciliação e a mediação, deixando ao
encargo de posteriores esforços doutrinários e jurisprudenciais a fixação do
sentido e do alcance dos princípios elencados.
Neste momento, não se vê a conveniência no presente estudo
monográfico de esmiuçar os possíveis debates sobre essa plêiade de
princípios, uma vez que não há pretensões exaustivas, muito mesmo pela
novidade que o NCPC representa, assim como em razão da necessidade do
decurso temporal para o desenvolvimento dos institutos jurídicos.
39
De plano, deve-se assentar a qualidade de corolário desse conjunto de
princípios em relação ao devido processo legal em respectivas dimensões
processual e subjetiva. Conforme Vallisney Oliveira, pode-se esboçar o
seguinte quadro:
Diga-se desde logo que o princípio do devido processo decorre da noção de justiça na mais pura expressão da palavra. Trata-se de um axioma que informa inúmeros outros princípios dele decorrentes, em sintonia com a garantia democrática cidadã. Constitui o sustentáculo dos direitos e garantias individuais e coletivas, porque sua incidência encontra aptidão para proteger o cidadão e a pessoa de um modo geral contra danos ou riscos de danos, especialmente vindos do próprio poder (OLIVEIRA, 2002, p. 300).
Complementarmente, na linha do que defendido por Reynaldo Soares
da Fonseca e Rafael Fonseca, tem-se que da terceira onda renovatória do
acesso à Justiça pode-se extrair a conclusão de que a conciliação, na
qualidade de instituição jurídica, representa um corolário concretizar do
princípio do devido processo legal (2013, p. 21).
O legislador certamente optou por discriminá-los e explicar seu sentido, para que todos quantos operem esses métodos tenham ciência dos exatos limites de sua atividade. A busca de acordos entre as partes, a qualquer custo, pode significar um caso a menos nas estatísticas, mas certamente não significará a satisfação das partes e, via de consequência, o sistema perderá legitimidade social. Conforme a disciplina normativa, tanto a mediação quanto a conciliação devem observar os princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. Acertadamente, o dispositivo se inspira em orientação prevista no Anexo III da Resolução 125/2010 do CNJ, que dispõe sobre o Código de Ética de Mediadores (WAMBIER et al., 2015, p. 313).
3.3. A Institucionalização da Conciliação
Conforme já posto, a institucionalização da Conciliação será abordada
em duas perspectivas, os agentes e os órgãos. Estes podem ser divididos em
40
Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Câmaras Privadas de
Conciliação e Mediação. Por sua vez, o corpo de conciliadores pode ser
compreendido a partir da definição legal de conciliador, nos termos do §2º do
artigo 165 do NCPC.
Segundo esse dispositivo legal, “ s tribunais criarão centros judiciários
de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e
audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas
destinados a au iliar, orientar e estimular a autocomposição.” Portanto, esses
centros possuem duas funções precípuas: a realização de sessões e
audiências de conciliação e mediação, assim como a capacitação de
profissionais para a autocomposição por intermédio de programas.
Esse dispositivo do NCPC é claramente inspirado no art. 7o da Resolução 125/2010 do CNJ, que já vem sendo aplicado pelos Tribunais [...] Trata-se de iniciativa que apresenta resultado altamente satisfatório, conforme amplamente noticiado pelo próprio CNJ. A disciplina da matéria no NCPC por certo imprimirá novo ritmo à difusão desses métodos de solução de conflitos, com amplas vantagens para a sociedade e para o próprio Poder Judiciário (WAMBIER et alii, 2015, pp. 310-311).
De qualquer forma, o §1º do art. 165 do NCPC remete a cada tribunal
definir a composição e a organização desses centros, embora deva também se
atentar à função normativa e respectivas resoluções do Conselho Nacional de
Justiça. Desse modo se respeita a autonomia administrativa incumbida a todas
as cortes judiciais.
De outro lado, as Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação derivam
da abertura dada pelo NCPC às formas de conciliação e mediação
extrajudiciais. Assim, vale citar que as disposições constantes na Seção
relativa aos Conciliadores e Mediadores Judiciais “não e cluem outras formas
de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou
realizadas por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser
regulamentadas por lei específica”, conforme preconiza o caput do art. 175 do
NCPC.
41
Sendo assim, o parágrafo único deste artigo confirma que nada obstante
apresente natureza de direito privado, aplica-se, no que couber, a
normatividade legal referente aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos
às ditas câmaras.
Também é importante ressaltar que a diretriz de escolha entre os
diversos centros judiciários e câmaras privadas é a livre autonomia das partes,
uma vez que o art. 168 do NCPC assim disp e: “As partes podem escol er, de
comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação e
de mediação,” o que inclusive se estende às regras procedimentais.
Tendo em vista o interesse público relativamente à administração da
Justiça, há no art. 167 do NCPC a previsão de um cadastro nacional e outras
bases cadastrais para tomar conhecimento das instituições legalmente
habilitadas para atuar na qualidade de câmaras privadas de conciliação. A
coordenação do sistema de conciliação será guiada pelo fornecimento de
dados relevantes colhidos e classificados sistematicamente pelos tribunais
competentes, de maneira a publicar a avaliação das câmaras privadas para fins
estatísticos e para conhecimento da população.
Por fim, visando à cooperação necessária entre os centros e câmaras de
conciliação para a prestação das funções estatais do Estado-Juiz, o legislador
estabelece que as câmaras devam suportar um percentual de audiências não
remuneradas determinado pelos tribunais nos processos em que a gratuidade
de justiça tenha sido deferida. Isso porque tal percentual deve funcionar como
contrapartida paga pelas câmaras em relação ao seu credenciamento nos
cadastros supracitados.
Igualmente, convém destacar os artigos 7o e 8o da Res. CNJ 125 nos
quais se estabelecem os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania (NOGUEIRA, 2011, passim) e os Núcleos Permanentes de Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos (NOGUEIRA, 2011a, passim). Por
conseguinte, o caminho a ser trilhado não é inédito, na verdade o NCPC vem a
consolidar os esforços de institucionalidade da conciliação, colocando os
centros e câmaras privadas em patamar legal, o que pressupõe opções e
procedimentos democráticos próprios de um Estado Democrático de Direito.
42
Em outra perspectiva, tem-se que a institucionalização da conciliação
perpassa necessariamente pela formação de um conjunto de agentes
engajados nas práticas conciliatórias. Igualmente, a existência de um corpo
interdisciplinar e ativo de conciliadores possui relação direta com a
consolidação da cultura da conciliação/pacificação mencionada em capítulo
passado.
De plano, convém destacar que o legislador se pautou na doutrina mais
moderna, como também já tratada no capítulo último, para cristalizar a
definição de conciliador no §2º do art. 165 do NCPC, in verbis: “ conciliador,
que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior
entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a
utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as
partes conciliem.”
Do mesmo modo, não importa para a atribuição da qualidade de
conciliador a natureza pública ou privada da instituição a que esse se vincula
para exercer sua profissão, isto é, centro judiciário ou câmara privada.
Contudo, há diferenças do ponto de vista remuneratório e do estatuto jurídico
aplicável ao agente. Também se coloca o conciliador judicial no rol dos
auxiliares da Justiça, a serem regulados por normas de organização judiciária
(art. 149, NCPC).
O art. 167, §6º, do NCPC autoriza os tribunais a criarem um cargo
próprio de conciliadores judiciais no âmbito de seu quadro de pessoal. Caso a
opção seja feita nesse sentido, a norma exige que o ingresso se dê por
concurso de provas e títulos, à luz do art. 37º, II, do texto constitucional.
Ressalvada essa hipótese, o artigo 169, caput, NCPC, preconiza que o
conciliador deve ser remunerado de acordo com tabela fixa, a ser expedida
pela corte judicial respectiva. Enfim, também se permite o trabalho voluntário
na qualidade de conciliador, desde que obedecida a legislação pertinente e a
regulamentação do tribunal (art. 169, §1º, NCPC).
Importante inovação legislativa é a previsão de um cadastro nacional e
de outros cadastros a serem implementados por cada tribunal para inscrever
conciliadores, mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação.
43
Como já adiantado, é o artigo 167 que regulamenta a obrigação da
manutenção de um registro de profissionais habilitados a promover as vias
conciliatórias, com indicação de sua área profissional.
Demais disso, com vistas a garantir os princípios da independência e da
imparcialidade, o legislador também previu impedimentos, quarentena e
sanções aos conciliadores e mediadores dos artigos 170 a 172 do NCPC, os
quais devem ser apurados em processo administrativo, nos termos do devido
processo legal.
3.4. A Conciliação com a Fazenda Pública
O NCPC adentra tormentosa discussão sobre as potencialidades da via
conciliatória em relação à Fazenda Pública. Por muito tempo, o dogma da
supremacia do interesse público consistiu em óbice ao debate em tela. Luciane
Moessa de Souza aponta os três principais eixos argumentativos contra a
aplicação de métodos consensuais de resolução de conflitos à Administração
Pública, quais sejam, o princípio da legalidade, a desigualdade nas relações de
poder e a suposta indisponibilidade do interesse público (2014, pp. 198-200).
Contudo, as reformas do Estado operadas na década de 1990 passaram
a exigir a infiltração dos princípios da eficiência e da economicidade no âmbito
das decisões fulcrais do Estado Gerencial, incluso o Poder judicante. Por
óbvio, isso também muda a forma do ente estatal resolver seus conflitos de
interesse. Ademais, a concretização dos direitos fundamentais toma espaço
primordial nas funções estatais, de modo que há um movimento de
densificação normativo-concretista do que seria o interesse público na
realidade brasileira.
Importa dizer que a consensualidade administrativa se coloca em
definitivo como categoria jurídica diretiva do comportamento estatal e seus
agentes públicos. Sendo assim, torna-se imperativo fazer algumas definições a
respeito dessa instituição jurídica.
Para Juliana Bonacorsi de Palma, a consensualidade administrativa em
sentido amplíssimo representa “qualquer forma de ingerência privada na
44
Administração Pública, ainda que não vinculante. Essa definição bastante
alargada contempla todos os mecanismos que viabilizam o diálogo entre
Administração Pública e administrados” (PALMA, 2014, p. 148).
“ m sentido amplo, a consensualidade administrativa corresponde a
qualquer acordo de vontades envolvendo a Administração Pública” (Ibid., p.
152)., conquanto “ m sentido estrito, a consensualidade corresponde a
qualquer forma de acordo de vontades envolvendo a Administração Pública no
âmbito administrativo” (Ibid., loc. Cit).
Por fim, “ m sentido restritíssimo, a consensualidade corresponde à
concertação administrativa, i.e., à negociação da prerrogativa imperativa que a
Administração Pública detém para impor unilateralmente suas decisões
administrativas” (Ibid.,p. 153).
Certo é que não há por parte do legislador uma opção política na forma
de interpretação autêntica por um desses sentidos de consensualidade
administrativa no NCPC. Cabe, portanto, à comunidade de intérpretes definir
em dinâmica intersubjetiva o que se pode extrair do relacionamento entre a
consensualidade e a Fazenda Pública. Ademais, a taxonomia serve como
termômetro da capilaridade das vias conciliatórias no escopo das situações
conflitivas vivenciadas pelo Estado em sentido lato.
Nada obstante haja essa esfera de discricionariedade administrativa,
também é certo de que há fundamentos constitucionais e infraconstitucionais
para a adoção progressiva de métodos consensuais de resolução de conflitos
na esfera pública. “Trata-se de norma pragmática que deverá ser
implementada por leis pr prias de cada ente federado.” (BU N , 2015, p. 155)
Por tais razões, entendo – e defendi tal posicionamento em minha Tese de Doutoramento – que o Poder Público deve necessariamente disponibilizar métodos de resolução consensual de conflitos para as situações em que estiver litigando com particulares – não sendo, todavia, os particulares, por evidente, obrigados a tomar parte nestes processos consensuais, podendo optar, se assim entenderem mais apropriado, pelo processo contencioso tradicional. Da mesma forma, nos conflitos que envolvem entes públicos entre si, a solução consensual deve ser buscada até que se tenha sucesso, por decorrência lógica do princípio da eficiência (SOUZA, op. cit., pp. 191-192).
45
Visto esse quadro, o legislador previu no art. 174 do NCPC a criação de
câmaras de mediação e conciliação por todos os entes federados, com
atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito
administrativo. Trata-se de um estímulo legal para o aprimoramento e
preservação do que se verifica nas práticas administrativas de alguns entes da
Federação.
A título de exemplo, convém dispor brevemente sobre a experiência com
as Câmaras de Conciliação no âmbito da União:
A Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF foi criada em 27 de setembro de 2007 e instituída pelo Ato Regimental n.° 05, de 27 de setembro de 2007, sendo unidade da Consultoria-Geral da União-CGU, que é órgão de direção superior integrante da estrutura da Advocacia-Geral da União-AGU. A CCAF foi criada com a intenção de prevenir e reduzir o número de litígios judiciais que envolviam a União, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas federais, mas, posteriormente, o seu objeto foi ampliado e hoje, com sucesso, resolve controvérsias entre entes da Administração Pública Federal e entre estes e a Administração Pública dos Estados, Distrito Federal e Municípios [...] A CCAF além de tentar evitar a judicialização de novas demandas também encerra processos já judicializados, reduzindo sobremaneira o tempo na solução desses conflitos. A Câmara de Conciliação deverá ser, portanto, um elo entre a vontade dos que buscam o acordo antes de qualquer disputa, e o futuro da institucionalização das boas práticas de composição, que virá muito mais célere do que se imagina (Advocacia-Geral da União, 2012, pp. 7-8).
O inciso I do art. 174 do NCPC prevê a utilização das câmaras de
mediação e conciliação para fins de dirimir conflitos envolvendo órgãos e
entidades da administração pública. Trata-se do fenômeno da litigância
intragovernamental (Cf. GODOY, 2013) em que as diversas vontades
corporativas da complexa máquina estatal divergem e provocam conflitos de
interesses do Estado com o próprio Estado. Não há dúvidas de que essa
proposta só vem a fortalecer a unidade governamental, que é pressuposto do
presidencialismo brasileiro. Conforme Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, a
46
conciliação desses conflitos no escopo governamental pode ser assim
justificada:
O combate à litigância intragovernamental e a defesa desse presidencialismo de articulação institucional aqui imaginado depende que se entenda que deva ser objeto de conciliação e arbitramento toda matéria que tenha repercussão econômica e financeira para o Governo, e que seja objeto de divergência entre setores deste último. Deve-se justificadamente comprovar que a composição resulte em eficiência para a Administração, pelo menos no que se refere à judicialização do problema (Ibid., p. 336).
No inciso II do mesmo artigo, autorizam-se os agentes da Administração
Pública avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos. Nesse
ponto, há um avanço em termos de consensualidade administrativa, embora
não se possa afirmar que daí se extraia um direito subjetivo à via conciliatória
passível de exercício pelo particular. De qualquer modo, o legislador acaba por
demover as objeções supracitadas aos princípios da legalidade e da
indisponibilidade do interesse público.
Por fim, o inciso III desse dispositivo também é autorizativo no sentido
de permitir a celebração de termo de ajustamento de conduta, quando
possível. Nesses termos, insere-se um componente extrajudicial na efetivação
de direitos difusos e coletivos. Logo, aumenta-se o comprometimento do
Estado com os direitos fundamentais. Em última medida, busca-se uma
expansão do âmbito de incidência do Direito Administrativo Sancionador (Cf.
OSÓRIO, 2011) nas relações jurídicas entre o estatal e o privado.
3.5. A Conciliação nas Ações de Família
Em relação às ações de cunho familiar, o legislador reconheceu a
importância da consensualidade nesse tipo de relação sócio-jurídica. Isso
porque se fala em processos construtivos (DEUTSCH, 2004, passim).
Conquanto em processos destrutivos há a tendência da expansão do conflito
ao longo da relação processual, o processo construtivo se marca fortalecimento
da relação social pré-existente.
47
Nesses termos, o art. 694, caput, NCPC, dispõe que “Nas aç es de
família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da
controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas
de con ecimento para a mediação e conciliação“.
Logo, o processo judicial se abre para a interdisciplinariedade em um
esforço de humildade para fins de reconhecer que os instrumentos processuais
não representam sempre os métodos mais adequados para a resolução dos
conflitos existenciais que ocorrem no seio das famílias. Noutras palavras, há
um desejo genuíno para a composição efetiva da lide sociológica manifesta no
caso em tela.
Ademais, outro elemento importante é a neutralização do
constrangimento temporal ao Judiciário, uma vez que o parágrafo único do
referido artigo possibilita ao juiz determinar a suspensão do processo, a
requerimento das partes, enquanto os litigantes se submetem a mediação
extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.
Igualmente, na seara do tempo do processo, o artigo 696 do NCPC
prevê que “A Audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas
sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem
prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito”. De
novo, o constrangimento do non liquet é suavizado para que a resolução do
conflito de interesses seja efetiva no plano social, ou seja, promova-se o
acesso a uma ordem jurídica justa.
Ainda no artigo 696, in fine, em conjunto com art. 695, caput, ambos do
NCPC, percebe-se uma preocupação em não retroceder, isto é, a possibilidade
de se lançar mão das tutelas de urgência. Aqui, a dificuldade dos juízes será
equacionar no caso concreto a inspiração da consensualidade e o perigo do
perecimento do direito, de modo a resolver a controvérsia em definitivo e de
maneira mais célere.
3.6. A Audiência de Conciliação
48
Em relação à audiência de conciliação e mediação, observa-se uma
mudança paradigmática cujos resultados práticos devem ser observados no
decorrer da vigência do NCPC. Em primeiro lugar, tem-se que a referida
audiência torna-se regra no procedimento comum, somente podendo ser
excepcionada na hipótese de ambas as partes assim explicitamente optarem
ou quando não se admitir a autocomposição, conforme o §4º do art. 334.
Ademais, caso haja litisconsórcio, todos os litisconsortes devem manifestar
desinteresse pela solução consensual, nos termos do §6º do referido artigo.
Nesses termos, quando a petição inicial não for indeferida na forma do
art. 330 do NCPC e não se tratar de indeferimento liminar do pedido,
o caput do art. 334 do Código supra preconiza o seguinte “o juiz designará
audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30
(trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de
antecedência”. Assim, os prazos legalmente assegurados concretizam o
princípio da decisão informada.
A nova regra, porém, já vem recebendo críticas da doutrina, pois, embora estipule um prazo mínimo para a designação da data, não prevê prazo máximo, o que poderá acarretar a demora na realização da audiência e o prolongamento do prazo para apresentação da contestação (WAMBIER et alii, 2015, p. 569).
Ainda em relação ao componente temporal, o legislador prevê que a
pauta das audiências respeitará intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre
uma sessão e outra. Além disso, a audiência poderá conter mais de um sessão
destinada aos mecanismo autocompositivos, desde que não interfira na
duração razoável do processo, logo não podendo exceder a 2 (dois) meses da
data de realização da primeira sessão (art. 334, §§2º e 12, NCPC).
Relativamente ao elemento espacial, o princípio da informalidade permite
que “A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio
eletrônico, nos termos da lei”, à luz do §7º do dispositivo em comento. No
entanto, o comparecimento é mandatório e sua injustificação é considerada ato
atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por
49
cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, nos termos do
§8º do art. 334 do NCPC. Aliás, como o bem a ser tutelado é a administração
da Justiça, a reversão desse preceito cominatório deve ser feita em favor do
erário que sustenta a Justiça a qual tramita a ação, ou seja, União ou Estado-
membro.
Enfim, Cassio Scarpinella Bueno assim sistematiza a referida audiência
de conciliação:
Diferença substancial do novo CPC (seguindo os passos do Anteprojeto) é a de estabelecer a citação do réu para, em regra e se a hipótese não for de rejeição liminar da petição inicial, participar de audiência de conciliação ou mediação (caput). A conjunção empregada na nomenclatura é relevante dada a distinção que os §§2o e 3o do art. 165 fazem sobre a conciliação e a mediação, respectivamente. A audiência, da qual participará necessariamente conciliador ou mediador (§1o), só não será realizada se ambas as partes manifestarem-se em sentido contrário ou se o direito material em litígio não comportar nenhuma modalidade de autocomposição (§§4o a 6o). Tamanha a importância a realização da audiência que o não comparecimento injustificado de uma das partes é sancionado como ato atentatório à dignidade da justiça (§8o). (BUENO, 2015, p. 251).
No tocante aos agentes envolvidos na conciliação, além das próprias
partes, tem-se a necessidade da participação do conciliador qualificado, exceto
caso não haja corpo de conciliadores no foro competente. De qualquer forma, o
§9º do artigo em tela exige que as partes estejam acompanhados por seus
advogados ou defensores públicos, de modo a garantir a lisura jurídica e o
atendimento aos princípios informadores da conciliação. Convém, ainda,
comentar que “A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de
seu advogado”, segundo o §3º do artigo 334 do diploma legal supra.
Demais disso, “A parte poderá constituir representante, por meio de
procuração específica, com poderes para negociar e transigir”, conforme o §10
do art. 334 do NCPC e com base na autonomia da vontade das partes.
Enfim, caso a audiência seja exitosa, o §11 do dispositivo supracitado
prevê que “A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por
sentença”. Daí que se e trairá sua força de título e ecutivo para fins de
50
segurança jurídica, caso haja o descumprimento do acordo por uma das partes
transigentes.
Na hipótese de não haver consensualidade na audiência de conciliação,
somente deste termo a quo que correrá o prazo para apresentação da
contestação pelo réu, ou seja, não haverá prejuízos ao direito de defesa na
espécie. Noutras palavras, há aqui um forte estímulo para o fortalecimento da
cultura do diálogo.
Por fim, mantém-se a mesma disposição do Código de Processo Civil
anterior, ao se prever também na Audiência de Instrução e Julgamento o
seguinte: “Instalada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes,
independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução
consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem”. Logo, o empen o
conciliatório não deve arrefecer apenas pela negativa das partes em um
primeiro momento, isto é, a audiência de conciliação.
3.7. Considerações Críticas ao NCPC
À luz da pretensão de cientificidade adotada neste estudo monográfico,
cumprem-se assinalar algumas considerações críticas ao NCPC, ainda que em
momento de vacatio legis, notadamente no tocante às prognoses possíveis
relacionadas aos impactos sociais que esse relevante diploma promoverá.
Em primeiro lugar, coloca-se a questão do preparo da sociedade para a
recepção desse diploma normativo, especialmente em relação aos meios
alternativos de solução de controvérsias. Conforme já abordado no capítulo
anterior, a cultura jurídica brasileira é marcada por notas legalistas e
formalistas, o que gera um óbice prima facie ao desenvolvimento das
potencialidades sociais do NCPC.
A relação da sociedade com o Judiciário e a autocompreensão dos
agentes do sistema judicial é, em última medida, determinada pela maturidade
cívica de um Povo. Nesse sentido, ressalte-se que o aprendizado sobre a
cidadania emana precipuamente da própria experiência dessa comunidade
política em face dos dilemas e opções existenciais que lhe são peculiares.
51
Noutras palavras, só se aprende a ser cidadão no exercício heurístico da
cidadania.
Logo, o sucesso do modelo de conciliação proposto pelo NCPC está
intimamente ligado à consolidação da cultura da pacificação. Isso porque se
demandaria dos agentes e instituições jurídicas uma revolução de mentalidade
em detrimento do que se tem apresentado até então na experiência histórica
da conciliação.
Ademais, olhar a via conciliatório sob o prisma do acesso efetivo à Justiça
exige um apego à produção de resultados materialmente justos, assim como
um enfoque não só à entrada aos meios formais de resolução de conflitos, mas
também à saída.
Nesse sentido, vê-se com preocupação uma ênfase nos aspectos
quantitativos referentes à conciliação, tais como economia ao erário e número
de feitos findos, ao invés da realização da justiça no caso concreto, isto é, a
efetividade do processo na concepção das partes em litígio. Em última medida,
fala-se da legitimidade social do Poder Judiciário na qualidade de instituição
democrática.
Outra fonte de preocupações é o entrelaçamento de diplomas e
dispositivos normativos no presente momento histórico. Isso porque além do
NCPC, foram promulgadas a Lei da Mediação já referida e a reforma da Lei de
Arbitragem (Lei 9.307/96). Em um primeiro momento, não se verifica
incompatibilidades materiais entre os textos legais, tendo em vista a
convergência de propósitos dos agentes públicos em um efetivo acesso à
ordem jurídica justa e combate à crise do Poder Judiciário. No entanto, é
possível que os destinatários das normas assimilem os diferentes diplomas de
maneira diversa, o que eventualmente poderá gerar impactos negativos ao
sistema de Justiça como um todo.
Igualmente, colocam-se em questão os benefícios e malefícios oriundos
de uma possível privatização da conciliação e mediação. Fala-se de uma
proliferação de Câmaras privadas de meios alternativos de solução de
controvérsias sem a qualidade de decisões esperada pela sociedade. Nada
obstante haja essa preocupação, ressalte-se que o NCPC prevê um cadastro
52
nacional de câmaras e conciliadores, de modo a aferir uma qualidade mínima
nos procedimentos e agentes envolvidos na conciliação extrajudicial.
Contudo, a experiência de delegação de outros serviços públicos do
Estado para agentes privados no bojo dos processos de desestatização geram
dúvidas sobre a efetividade da fiscalização proposta. De qualquer forma,
pensa-se ser a solução legal a mais democrática, uma vez que impede certo
paternalismo do Poder Judiciário no tocante às soluções de controvérsias e
desloca poder à sociedade no sentido de que ela tome as rédeas do
Movimento pela Conciliação em um sentido mais amplo.
Por fim, embora essas notas críticas possam ser feitas, deposita-se
esperança cívica na instrumentalização da via conciliatória em prol do acesso
efetivo à justiça, principalmente em função das legítimas expectativas do Povo
soberano referentes à realização dos direitos fundamentais
constitucionalmente previstos.
53
CONCLUSÃO
Em movimento conclusivo, foi possível constatar no contexto brasileiro
de que forma a conciliação no específico e os métodos alternativos de solução
de controvérsias no geral se inserem na terceira onda renovatória de acesso à
justiça. Nesse sentido, desenhou-se um conceito de acesso efetivo à justiça
com base na literatura constitucional-processualista e positivado na
Constituição Federal de 1988 na qualidade de eixo central em relação ao qual
convergem os princípios e garantias constitucionais de índole processual.
Nesses termos, tendo como enfoque as recentes mudanças legislativas
e seus efeitos nas práticas institucionais, culturais e sociais, abordou-se o
instituto da conciliação previsto na Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, o
novo Código de Processo Civil. Além disso, perquiriram-se as potencialidades
da via conciliatória para lidar com os obstáculos ao acesso efetivo à ordem
jurídica justa, notadamente a excessiva judicialização dos litígios emanados da
própria vida em sociedade.
Por conseguinte, observou-se a existência de uma crise do Poder
judicante no cenário brasileiro, caso se adote como referencial o conteúdo do
direito fundamental do acesso à justiça. Isso porque em decorrência das
razões analisadas no primeiro capítulo deste estudo monográfico, não há
condições institucionais e culturais para que tal princípio obtenha níveis
satisfatórios de efetividade.
Por outro lado, no segundo capítulo, a experiência brasileira com os
métodos consensuais de resolução de controvérsias, sobretudo a conciliação,
pode ser avaliada de forma positiva. Repise-se que não represente, por si só,
uma solução suficiente para a situação de crise a qual se insere o Judiciário,
uma vez que esta se apresenta complexa e em múltiplos níveis. No entanto,
pode-se afirmar categoricamente que a conciliação judicial e extrajudicial é um
componente trivial na implementação de uma política pública de matriz
judiciária para o tratamento dos conflitos intersubjetivos emergentes da
sociedade brasileira.
Em relação aos limites e possibilidades do modelo de conciliação
54
proposto pelo Poder Legislativo no NCPC, torna-se cabível tecer breves
comentários. No tocante aos limites, observa-se a ausência de inovações no
bojo do Codex, talvez até pela esperança de estabilização de situações
jurídicas atribuída ao diploma legal. É dizer: não se observou um
experimentalismo para a solução ativa dos obstáculos de acesso efetivo à
justiça, mas tão somente dar status legal para um conjunto de práticas já
observadas no desenvolvimento do Movimento pela Conciliação.
Por sua vez, as potencialidades são diversas e devidamente apontadas
no interior deste trabalho, podendo-se apontar como denominador comum o
desejo social que se refletiu no âmbito legislativo da consolidação da cultura da
conciliação/pacificação. Assim, a instrumentalidade do processo se volta para a
consensualidade.
Em apanhado geral, pode-se destacar as seguintes alterações. A uma, a
audiência prévia direcionada à conciliação se mostra em importante
mecanismo para desestimular a litigiosidade, uma vez que a preparação da
defesa técnica costuma acirrar os ânimos dos litigantes, como é típico de um
modelo de processo adversarial.
A duas, a institucionalização da conciliação nas perspectivas de órgãos
e agentes públicos mostra-se relevante para a consolidação e o avanço do
Movimento pela Conciliação, porquanto pereniza as melhores práticas já
verificadas pontualmente em alguns tribunais e os esforços por eficiência
oriundos do Conselho Nacional de Justiça. Em síntese, a profissionalismo dos
conciliadores irá acolher uma crescente oferta de bacharéis do Direito e
estimular a colocação da cultura da conciliação no seio da práxis e do ensino
da área jurídica.
A três, a previsão expressa dos meios conciliatórios aos conflitos que
envolvem a Fazenda Pública no NCPC e na recente Lei da Mediação
supracitada também é um grande avanço para o enfrentamento do enorme
acervo passivo de processos enfrentados pela Justiça brasileira, tendo em vista
que é justamente o Poder Público o maior litigante em termos quantitativos.
A quatro, a preocupação expressa do Poder Legislativo em positivar a
conciliação como corolário do acesso à justiça se traduz na formação de um
55
consistente arcabouço teórico-normativo para incorporar ao ordenamento
jurídico e gerar impactos sociais referentes à política pública de tratamento
adequado dos conflitos, o que demanda não só iniciativas judiciarias, mas
também contribuições dos Poderes executivo e legiferante.
Igualmente, confirma-se a hipótese em termos positivos no sentido de
que a conciliação, tal como proposta no NCPC, represente um instrumento
constitucionalmente adequado para superar os obstáculos ao acesso à justiça
no cenário brasileiro. No entanto, a gradiente dessa compatibilidade só será
aferida no decorrer da vigência temporal do NCPC. De qualquer forma, na
qualidade de estudo monográfico, fizeram-se observações pertinentes do ponto
de vista comparativo para se apontar avanços do NCPC com referência à
legislação processual ora vigente.
Por fim, considera-se alcançado o objetivo precípuo desta pesquisa na
medida em que se procurou com o devido fôlego acadêmico debater o advento
do NCPC e seus impactos no acesso à justiça em função das expectativas
sociais de efetivação dos direitos fundamentais, como é típico em um Povo que
se constitui em Estado Democrático de Direito.
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