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A Constituição das Fronteiras Marítimas Brasileiras: do “Mar Territorial” à “Amazônia Azul” Andrea Ribeiro Mendes 2006

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A Constituição das Fronteiras Marítimas Brasileiras: do “Mar Territorial” à “Amazônia

Azul”

Andrea Ribeiro Mendes

2006

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i

Andrea Ribeiro Mendes

A CONSTITUIÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS BRASILEIRAS: DO “MAR TERRITORIAL” À “AMAZÔNIA AZUL”

Dissertação de Mestrado apresentada à

Escola Nacional de Ciências Estatísticas,

para obtenção do Título de Mestre em

Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais.

Área de Concentração: População,

Sociedade e Território. Teoria e Pesquisa

Interdisciplinar.

Orientador: Prof. Dr. Eli Alves Penha

Rio de Janeiro (RJ)

2006

iv

AGRADECIMENTOS

A Deus e à Deusa sobre todas as coisas

Essa pesquisa foi iniciada no curso de Graduação da UERJ e se

desenvolve através desta dissertação de Mestrado, sem dúvida nenhuma, graças

ao apoio do Professor Doutor Eli Alves Penha, mais do que orientador, um grande

amigo capaz de conciliar as críticas necessárias com as palavras de incentivo,

sem as quais teria sido muito difícil prosseguir.

Ao Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal, pela colaboração

inestimável através de sua entrevista extremamente esclarecedora e pela cessão

do livro “Amazônia Azul”, antes mesmo de sua impressão oficial. Ao Comandante

Alexandre Tagore Medeiros de Albuquerque, pelo esclarecimento de diversas

dúvidas e pela doação do livro contendo a Convenção das Nações Unidas sobre o

Direito do Mar, em sua versão para a língua portuguesa. Ao senhor Jairo

Marcondes de Souza, da PETROBRÁS, pelas prestimosas informações.

Aos conhecimentos provenientes das aulas e orientações de todos os

professores do Mestrado da ENCE, em especial, Nelson Senra, Maria Salet

Novellino, Neide Patarra e Lavínia Pessanha, verdadeiros “facilitadores” do

conhecimento.

Aos inesquecíveis professores da graduação, da UERJ, que

acompanharam a evolução da pesquisa, em especial o Professor Alexandre Mello,

João Baptista, Miguel Ângelo Ribeiro, Susana Pacheco, Hindenburgo Francisco

Pires e Aureanice de Mello Correa.

Ao Sr. Cleiton, bibliotecário da Bibliex, por sua paciência e competência.

Agradeço ao apoio das amigas do magistério, Maria de Lourdes Tertuleano

e Vera Alvarenga e à equipe de trabalho do CEDERJ, Edmée Nunes Salgado e

Stella Alves Rocha, todas igualmente compreensivas quanto aos distanciamentos.

Às funcionárias da ENCE, Sueli, Fernanda e Marilene, cuja desenvoltura

nas questões burocráticas foram essenciais ao longo e no final do curso. À amiga

de todas as horas Marina Rocha.

vi

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a Maurício, Arthur, Fernanda e Guilherme.

À perseverança dos apaixonados pelo Brasil e pelo mar.

A meu pai, meu tio e ao meu sogro (in memorian).

x

Resumo

A Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, reunida na

Jamaica em 1982, determinou aos países com interesses em suas áreas

costeiras e marinhas o reconhecimento e a apresentação dos recursos nelas

contidos. Além disso, estipulou um ordenamento jurídico à questão dos limites

marítimos, contados a partir da costa. No caso brasileiro, o Mar Territorial

passou a ter 12 milhas, representando área de soberania absoluta do Estado; a

Zona Contígua, soberania parcial, e a Zona Econômica Exclusiva -ZEE- (188

milhas, incluindo a zona contígua). A Convenção também admitiu que a

Plataforma Continental jurídica possa estender-se além das 200 milhas da

ZEE, aumentando a propriedade econômica brasileira em até 350 milhas

marítimas e proporcionando ao país uma área equivalente a cerca de 50% de

seu valor territorial. A essas áreas somadas, incluindo a ZEE e a Plataforma

Continental, a Marinha do Brasil denomina de “Amazônia Azul”.

O enfoque desta pesquisa está exatamente sobre os aspectos

relacionados ao aproveitamento social, econômico e político dos limites

marítimos brasileiros, no período atual, enfatizando a sua relevância para a

consolidação da soberania nacional, assim como para a geopolítica brasileira

do Atlântico Sul.

A análise considerará o levantamento sobre os recursos bióticos e

abióticos disponíveis, apresentado pelos órgãos coordenadores de projetos

investigativos do Brasil, como o LEPLAC (Plano de Levantamento da

Plataforma Continental Brasileira) e o REVIZEE (Programa de Avaliação do

Potencial Sustentável dos Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva).

Assim, objetiva-se compreender como a sociedade e Governo beneficiam-se

de seus consolidados espaços geográficos, assim como poderão efetivar as

suas reivindicações, relacionadas à ampliação das águas territoriais

Palavras-chaves: geopolítica, mar territorial, limites marítimos, soberania.

vii

SUMÁRIO

Lista de Tabelas viii

Lista de Figuras viii

Resumo x

Abstract xi

Índice xii

Introdução 01

I – Geografia Marinha e Direito do Mar 10

III – O “Domínio do Mar”: Conflitos e Distensões no Estabelecimento dos

Limites Marítimos

39

IV – A Geografia Costeira Brasileira e a Constituição do Mar Territorial no

Brasil

76

V – Levantamento dos Recursos do Espaço Marítimo Brasileiro 112

Considerações Finais

Bibliografia Citada

Anexos

144

152

10

CAPÍTULO 1- GEOGRAFIA MARINHA E DIREITO DO MAR

Neste capítulo pretendemos descrever a porção da superfície terrestre

coberta pelos oceanos e mares, incluindo o relevo submarino, a fim de

caracterizar o espaço oceânico e seus limites fisiográficos. Tal descrição se faz

necessária, uma vez que, sob o ponto de vista científico, as propriedades dos

oceanos e da água do mar determinam o uso e a apropriação desses espaços

pelo homem. À Geografia, então, interessa o estudo dos oceanos, seja nos seus

aspectos físicos, através da Biologia, Climatologia, Química, Geologia, além da

Oceanografia, seja nos seus aspectos sociais, na qual o espaço oceânico é

estudado sob o prisma de sua inter-relação com os processos econômicos e

políticos mundiais.

Sob esse ponto de vista, podemos considerar que o elemento marinho pode

ter uma função negativa – como obstáculo ao mesmo tempo político e militar, o

que implicou na separação dos povos desde os tempos primitivos – e positiva,

como fonte de riquezas e como meio de circulação, permitindo uma maior

integração entre as sociedades.

Quanto a essa temática, o uso político do meio marinho, será feita uma

discussão mais precisa na segunda parte desse capítulo, onde pretendemos

apresentar a evolução das questões inerentes ao Direito Marítimo, em uma

análise que abrange desde as primeiras reivindicações até as conferências

internacionais realizadas sobre o tema. A apreensão dos espaços marinhos como

estratégicos, visando objetivos econômicos e de controle por parte da sociedade,

sob a perspectiva de sua potencialidade, é pauta de análise da Geopolítica - “(...)

a política aplicada aos espaços geográficos” (MEIRA MATTOS, 1977: 84),

ferramenta imprescindível para essa pesquisa. Por Geopolítica podemos ainda

entender “(...) o reconhecimento (...) da potencialidade política e social do espaço,

ou seja, a do saber sobre as relações entre espaço e poder.” (BECKER, 1988:

100); a concepção dos aspectos sociais ocorridos no espaço, considerando, sem

39

CAPÍTULO 2 – O “DOMÍNIO DO MAR”: CONFLITOS E DISTENSÕES NO ESTABELECIMENTO DOS LIMITES MARÍTIMOS

Em função das características do elemento marinho pode-se deduzir a sua

fluidez, ou seja, a facilidade com que os limites nele estabelecidos são

modificados, com capacidade de se “dilatar” e “encolher”, acarretando várias

conseqüências de natureza política. Utilizando a perspectiva histórica, “o mar não

pertencia a ninguém”, ou res nullius, tal como ficou consagrada essa expressão

pelo direito marítimo internacional e que, entretanto, cairia em desuso quando as

civilizações da Antiguidade passaram a proclamar soberania sobre o espaço

marítimo tal como o faziam em terra.

Mais recentemente, essas formas de apropriação foram denominadas por

Mitchell (2000), como “territorialização do espaço oceânico”, conceito subentendido

na “Proclamação de Truman” de 28 de setembro de 1945, provocando profundas

mudanças na maneira como o Direito do Mar vinha se constituindo desde então,

apoiado no princípio da liberdade de navegação. O motivo alegado pelos Estados

Unidos – a descoberta de depósitos de petróleo e gás natural na plataforma

continental norte-americana, traduziu um novo entendimento do espaço oceânico,

por exibi-lo como palco de atividades exploratórias, potencializadas pela tecnologia

em desenvolvimento e, cenário de conflitos relativos às premissas de “domínio”

marítimo, por parte dos teóricos geopolíticos anglo-saxões. Essa realidade garante

a percepção do mar como um prolongamento do continente, posto que as ações lá

ocorridas são reflexos das surgidas em terra.

Considerando estas temáticas, pretendemos neste capítulo discutir alguns

dos fatores determinantes ao estabelecimento das jurisdições marítimas face ao

processo histórico de expansão das fronteiras no mar, consubstanciado no

conceito de “Mar Territorial”. Em seguida, apresentar as Convenções realizadas

acerca da delimitação das zonas marítimas, enfatizando as diferenças entre o Mar

Territorial e a ZEE (Zona Econômica Exclusiva), fundamentadas pela III

76

CAPÍTULO 3 – A GEOGRAFIA COSTEIRA BRASILEIRA E A CONSTITUIÇÃO DO MAR TERRITORIAL NO BRASIL Este capítulo descreve o litoral brasileiro, interrelacionando os fatores

fundamentais determinantes da morfologia litorânea às reivindicações de expansão

jurídica dos limites marítimos, além de considerar suas características sob o ponto

de vista geopolítico. Segue-se a apresentação de um histórico sobre a formação

dos limites marítimos nacionais, em especial do Mar Territorial, apreciando o que

anteriormente foi abordado sobre a constituição do Direito Marítimo.

3.1 – Características Fisiográficas do Litoral Brasileiro

Com uma superfície de 8 547 403,5 km2, o Brasil ocupa quase a metade da

superfície da América do Sul, limitando-se ao Norte com a Venezuela, Guiana,

Suriname, Guiana Francesa e Caribe; a Leste com o Atlântico Sul; a Oeste, com a

Argentina, Paraguai, Bolívia e Peru e Oceano Atlântico; ao Sul, com o Uruguai; a

Oeste, com a Argentina, Paraguai, Bolívia e Peru e, a Noroeste, com a Colômbia,

sendo seu litoral leste. A costa brasileira se estende pelo Oceano Atlântico,

cobrindo 7.367 Km2, banhado pelo Atlântico. Possui várias ilhas oceânicas,

destacando-se as de Fernando de Noronha, Abrolhos e Trindade. O País tem

fronteiras comuns com todas as nações da América do Sul, à exceção do Chile e

do Equador e desenha-se como um losango achatado ao norte, nas latitudes

equatoriais, que se projeta para o estreito do Atlântico - pelo saliente do Nordeste -

e para os maciços andinos - pela floresta Amazônica. Pelo fato de seus pontos

extremos (N - S e L - O) serem eqüidistantes entre si, o território brasileiro possui

formato compacto. É cortado por duas grandes bacias hidrográficas, a do

Amazonas e a do Rio da Prata, e por uma de médio porte, a bacia do São

Francisco, além de outras; o país detém o privilégio de escoar – no momento em

que o recurso se torna mais escasso - 12% da água doce do planeta, dos quais

80% são da bacia Amazônica (CNIO, 1999).

112

Capítulo 4 – Levantamento dos Recursos do Espaço Marítimo Brasileiro

A promulgação da Lei 8617/93 no Brasil, como vimos no capítulo anterior,

foi uma das conseqüências da III Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito

do Mar (CNUDM) e através dela foram estabelecidos os limites marítimos

descritos anteriormente. Além da instituição de um Mar Territorial abrangendo uma

faixa de doze milhas marítimas e a inovação representada pela ZEE, a III

Convenção trouxe outras implicações para o Brasil. A criação do Projeto LEPLAC

- Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira - responsável pela

concepção do conceito “Amazônia Azul”, divulgado por setores da Marinha

brasileira e cuja conseqüência direta para o Brasil é a incorporação, a sua

jurisdição, de extensas áreas oceânicas alem dos limites das duzentas milhas

(VIDIGAL, 2005), através do levantamento de informações acerca do limite

externo da plataforma; a instituição da Política Marítima Nacional (PMN),

objetivando o desenvolvimento das atividades marítimas brasileiras; o IV Plano

Setorial para os Recursos do Mar (PSRM), tratando das atividades de pesquisa e

prospecção dos recursos marítimos no país, complementando planos anteriores, e

o Programa REVIZEE (Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na

Zona Econômica Exclusiva), conseqüência do IV PSRM são as principais delas. A

Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), criada em 1974 e

regulamentada em 2001, tem por finalidade coordenar os assuntos relacionados à

consecução da Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM), que, por sua

vez, objetiva o desenvolvimento de atividades voltadas à utilização, exploração e

aproveitamento dos recursos vivos, minerais e energéticos do Mar Territorial, da

Zona Econômica Exclusiva e da Plataforma Continental. Este capítulo irá

descrever sucintamente o Projeto LEPLAC e o REVIZEE, além de apresentar em

sua última parte do capítulo, as riquezas contidas no mar brasileiro, incluindo o

transporte nele desenvolvido.

144

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da constituição dos limites marítimos esteve presente em vários

estudos embasados por diferentes abordagens teóricas. As sucessivas

modificações ocorridas acerca das leis que regulamentam o estabelecimento dos

limites marítimos e os diretos dos Estados sobre cada um desses direitos,

estiveram na pauta do Direito Privado e posteriormente do Direito Público,

comandando as relações econômicas e também políticas entre as nações. A

Geografia encarregou-se de analisar a localização e a posição dos Estados e

esteve a serviço da elaboração de estratégias que corroboraram o seu poderio

naval. A História encarregou-se de mostrar a evolução dos limites marinhos

traçados ao longo dos tempos.

A idéia de liberdade no mar esteve antagônica à idéia de soberania das

nações, sobretudo sob o ponto de vista daquelas que sentiam sua influência

ameaçada pela hegemonia dos Estados Marítimos, prenhes de poderio naval, e

aptos a explorar os litorais alheios. Inicialmente apoiados pelo não

reconhecimento de uma ordem jurídica nos oceanos, os países do mundo viram-

se cooptados por uma nova ordem, ditada não só pelas relações comerciais mas

também pela demanda gerada pelos Estados que moldavam-se à necessidade de

incorporar parte do mar ao seu território. Assim, à medida que novas

reivindicações por parte das nações surgiram, novas abordagens foram integradas

à visão anterior do mar como um espaço sem-lei. Em face da imperiosa

necessidade de suprir a demanda de matérias-primas, encontradas em graus

variáveis de esgotamento nos continentes, criaram-se leis a fim de racionalizar os

diferentes usos dos mares. A recente realidade resulta perfeitamente da crescente

dependência sobre os recursos do mar e a urgência de incorporar espaços

estratégicos. Tal atitude careceu e ainda carece bastante de apoio técnico-

científico e o resultado das novas incorporações servem de estudo à Geopolítica.

Ao analisar a evolução desse quadro, como o procuramos fazer no capítulo

“Geografia Marinha e Direito do Mar”, observamos a realização de acordos que

institucionalizam os limites e que concerniram, temporariamente, um caráter

152

BIBLIOGRAFIA CITADA

ALBUQUERQUE, Alexandre T. M. de. O Brasil e os Novos Espaços Marítimos. In:

Revista da Marinha Brasileira. v. 114, n. 4/6. Rio de Janeiro, 1994.

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. A

Navegação Interior e sua Interface com o Setor de Recursos Hídricos. Brasília, 2005.

BECKER, Bertha K. O Uso Político do Território: questões a partir de uma visão do

terceiro mundo. In: Abordagens Políticas da Espacialidade. Rio de Janeiro, UFRJ, 1983.

_______. A Geografia e o Resgate da Geopolítica. In: Revista Brasileira de Geografia.

ano 50. IBGE, 1988.

BACKHEUSER, Everardo. Curso de Geopolítica Geral e do Brasil. Rio de Janeiro,

Bibliex,1952

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 1978

BUSTANI, José M.. A Pesquisa Científica Marinha de Genebra a Caracas: Uma

Ciência sob Suspeita – IV Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco do Ministério

das Relações Exteriores. Brasília, 1981.

CABRAL, Milton. As Novas Fronteiras do Mar. Senado Federal, Brasília, 1981.

CAIXETA-FILHO, J. V. & GARMEIRO, A. H. (organizadores). Transporte e Logística

em Sistemas Agroindustriais. Atlas, São Paulo, 2001.

CÂMARA, João Batista D. & SANTOS, Thereza C. C. (organizadores). GEO Brasil:

Perspectivas do Meio Ambiente no Brasil. Edições IBAMA, Brasília, 2002.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da constituição dos limites marítimos esteve presente em vários

estudos embasados por diferentes abordagens teóricas. As sucessivas

modificações ocorridas acerca das leis que regulamentam o estabelecimento dos

limites marítimos e os diretos dos Estados sobre cada um desses direitos,

estiveram na pauta do Direito Privado e posteriormente do Direito Público,

comandando as relações econômicas e também políticas entre as nações. A

Geografia encarregou-se de analisar a localização e a posição dos Estados e

esteve a serviço da elaboração de estratégias que corroboraram o seu poderio

naval. A História encarregou-se de mostrar a evolução dos limites marinhos

traçados ao longo dos tempos.

A idéia de liberdade no mar esteve antagônica à idéia de soberania das

nações, sobretudo sob o ponto de vista daquelas que sentiam sua influência

ameaçada pela hegemonia dos Estados Marítimos, prenhes de poderio naval, e

aptos a explorar os litorais alheios. Inicialmente apoiados pelo não

reconhecimento de uma ordem jurídica nos oceanos, os países do mundo viram-

se cooptados por uma nova ordem, ditada não só pelas relações comerciais mas

também pela demanda gerada pelos Estados que moldavam-se à necessidade de

incorporar parte do mar ao seu território. Assim, à medida que novas

reivindicações por parte das nações surgiram, novas abordagens foram integradas

à visão anterior do mar como um espaço sem-lei. Em face da imperiosa

necessidade de suprir a demanda de matérias-primas, encontradas em graus

variáveis de esgotamento nos continentes, criaram-se leis a fim de racionalizar os

diferentes usos dos mares. A recente realidade resulta perfeitamente da crescente

dependência sobre os recursos do mar e a urgência de incorporar espaços

estratégicos. Tal atitude careceu e ainda carece bastante de apoio técnico-

científico e o resultado das novas incorporações servem de estudo à Geopolítica.

Ao analisar a evolução desse quadro, como o procuramos fazer no capítulo

“Geografia Marinha e Direito do Mar”, observamos a realização de acordos que

institucionalizam os limites e que concerniram, temporariamente, um caráter

ANEXO I

Presidência da República Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 8.617, DE 4 DE JANEIRO DE 1993.

Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

CAPÍTULO I

Do Mar Territorial

Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.

Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recortes profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar territorial.

Art. 2º A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.

Art. 3º É reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o direito de passagem inocente no mar territorial brasileiro.

§ 1º A passagem será considerada inocente desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser contínua e rápida.

§ 2º A passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear, mas apenas na medida em que tais procedimentos constituam

ANEXO III DECLARAÇÃO FEITA PELO GOVERNO BRASILEIRO AO ASSINAR A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR EM MONTEGO-BAY, JAMAICA, EM 10 DE DEZEMBRO DE 1982

i. A assinatura em nome do Brasil é ad referundum da ratificação da Convenção de conformidade com os procedimentos constitucionais brasileiros, que incluem a aprovação pelo Congresso Nacional.

ii. O Governo brasileiro entende que o regime aplicado na prática nas

áreas marítimas adjacentes às costas do Brasil é compatível com as disposições da Convenção.

iii. O Governo brasileiro entende que as disposições do artigo 301, que

proíbe “qualquer ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de qualquer outro modo incompatível com os princípios de direito internacional contidos na Carta das Nações Unidas” se aplicam, em particular as áreas marítimas sob a soberania ou a jurisdição do Estado costeiro.

iv. O Governo brasileiro entende que as disposições da Convenção não

autorizam outros Estados a realizar na zona econômica exclusiva exercícios ou manobras militares, em particular as que impliquem o uso de armas ou explosivos, sem consentimento do Estado costeiro.

v. O Governo brasileiro entende que, de acordo com as disposições da

Convenção, o Estado costeiro tem, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, o direito exclusivo de construir e de autorizar e regulamentar a construção, operação e uso de todos os tipos de instalações e estruturas, sem exceção, qualquer que seja sua natureza ou finalidade.

vi. O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental,

alem da distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, até o limite exterior da sua margem continental, tal como definido no artigo 76.

Reproduzido de “O Brasil e o Novo Direito do Mar” (Ver referência).

ANEXO I

Presidência da República Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 8.617, DE 4 DE JANEIRO DE 1993.

Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

CAPÍTULO I

Do Mar Territorial

Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.

Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recortes profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar territorial.

Art. 2º A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.

Art. 3º É reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o direito de passagem inocente no mar territorial brasileiro.

§ 1º A passagem será considerada inocente desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser contínua e rápida.

§ 2º A passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear, mas apenas na medida em que tais procedimentos constituam

incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim prestar auxílio a pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave.

§ 3º Os navios estrangeiros no mar territorial brasileiro estarão sujeitos aos regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro.

CAPÍTULO II

Da Zona Contígua

Art. 4º A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Art. 5º Na zona contígua, o Brasil poderá tomar as medidas de fiscalização necessárias para:

I - evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários, no seu território, ou no seu mar territorial;

II - reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território ou no seu mar territorial.

CAPÍTULO III

Da Zona Econômica Exclusiva

Art. 6º A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Art. 7º Na zona econômica exclusiva, o Brasil tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos.

Art. 8º Na zona econômica exclusiva, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marítimo, bem

como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas.

Parágrafo único. A investigação científica marinha na zona econômica exclusiva só poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que regula a matéria.

Art. 9º A realização por outros Estados, na zona econômica exclusiva, de exercícios ou manobras militares, em particular as que impliquem o uso de armas ou explosivas, somente poderá ocorrer com o consentimento do Governo brasileiro.

Art. 10. É reconhecido a todos os Estados o gozo, na zona econômica exclusiva, das liberdades de navegação e sobrevôo, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de navios e aeronaves.

CAPÍTULO IV

Da Plataforma Continental

Art. 11. A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

Parágrafo único. O limite exterior da plataforma continental será fixado de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 76 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982.

Art. 12. O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental, para efeitos de exploração dos recursos naturais.

Parágrafo único. Os recursos naturais a que se refere o caput são os recursos minerais e outros não-vivos do leito do mar e subsolo, bem como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, àquelas que no período de captura estão imóveis no leito do mar

ou no seu subsolo, ou que só podem mover-se em constante contato físico com esse leito ou subsolo.

Art. 13. Na plataforma continental, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, bem como a construção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas.

§ 1º A investigação científica marinha, na plataforma continental, só poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que regula a matéria.

§ 2º O Governo brasileiro tem o direito exclusivo de autorizar e regulamentar as perfurações na plataforma continental, quaisquer que sejam os seus fins.

Art. 14. É reconhecido a todos os Estados o direito de colocar cabos e dutos na plataforma continental.

§ 1º O traçado da linha para a colocação de tais cabos e dutos na plataforma continental dependerá do consentimento do Governo brasileiro.

§ 2º O Governo brasileiro poderá estabelecer condições para a colocação dos cabos e dutos que penetrem seu território ou seu mar territorial.

Art. 15. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 16. Revogam-se o Decreto-Lei nº 1.098, de 25 de março de 1970, e as demais disposições em contrário.

Brasília, 4 de janeiro de 1993.

incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim prestar auxílio a pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave.

§ 3º Os navios estrangeiros no mar territorial brasileiro estarão sujeitos aos regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro.

CAPÍTULO II

Da Zona Contígua

Art. 4º A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Art. 5º Na zona contígua, o Brasil poderá tomar as medidas de fiscalização necessárias para:

I - evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários, no seu território, ou no seu mar territorial;

II - reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território ou no seu mar territorial.

CAPÍTULO III

Da Zona Econômica Exclusiva

Art. 6º A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Art. 7º Na zona econômica exclusiva, o Brasil tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos.

Art. 8º Na zona econômica exclusiva, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marítimo, bem

como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas.

Parágrafo único. A investigação científica marinha na zona econômica exclusiva só poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que regula a matéria.

Art. 9º A realização por outros Estados, na zona econômica exclusiva, de exercícios ou manobras militares, em particular as que impliquem o uso de armas ou explosivas, somente poderá ocorrer com o consentimento do Governo brasileiro.

Art. 10. É reconhecido a todos os Estados o gozo, na zona econômica exclusiva, das liberdades de navegação e sobrevôo, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de navios e aeronaves.

CAPÍTULO IV

Da Plataforma Continental

Art. 11. A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

Parágrafo único. O limite exterior da plataforma continental será fixado de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 76 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982.

Art. 12. O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental, para efeitos de exploração dos recursos naturais.

Parágrafo único. Os recursos naturais a que se refere o caput são os recursos minerais e outros não-vivos do leito do mar e subsolo, bem como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, àquelas que no período de captura estão imóveis no leito do mar

ou no seu subsolo, ou que só podem mover-se em constante contato físico com esse leito ou subsolo.

Art. 13. Na plataforma continental, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, bem como a construção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas.

§ 1º A investigação científica marinha, na plataforma continental, só poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que regula a matéria.

§ 2º O Governo brasileiro tem o direito exclusivo de autorizar e regulamentar as perfurações na plataforma continental, quaisquer que sejam os seus fins.

Art. 14. É reconhecido a todos os Estados o direito de colocar cabos e dutos na plataforma continental.

§ 1º O traçado da linha para a colocação de tais cabos e dutos na plataforma continental dependerá do consentimento do Governo brasileiro.

§ 2º O Governo brasileiro poderá estabelecer condições para a colocação dos cabos e dutos que penetrem seu território ou seu mar territorial.

Art. 15. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 16. Revogam-se o Decreto-Lei nº 1.098, de 25 de março de 1970, e as demais disposições em contrário.

Brasília, 4 de janeiro de 1993.

145

consensual ao feito. No entanto, como procuramos esclarecer, as diferenças entre

as nações, ao contrário do ambicionado pelas Convenções, não parecem diminuir

e sim adquirir novas faces, sobretudo no contexto da projeção de novos limites, tal

como agora, quando ocorre a possibilidade de expansão do limite relacionado à

plataforma econômica em todas as nações e à criação, no Brasil, da Amazônia

Azul.

Para entender as atribulações geradas em torno da instituição e do

exercício das delimitações jurídicas foi preciso considerar a especificidade do meio

marinho, a cujas características intrínsecas estão diretamente relacionadas. Tal

fator, mais concreto por ser físico, está associado ao fato do mar ser um sistema

único, subdividido em vários subsistemas, e, como assinalamos, ter suas linhas e

marcos físicos sem visibilidade aparente. Isso tornou difícil a tarefa de encontrar

uma legislação aplicada à utilização dos recursos que respeite estes subsistemas,

ou seja, que fique restrita a um espaço marinho local ou regional e que, ao mesmo

tempo atenda às necessidades do Estados costeiros envolvidos. Justifica-se,

assim, o tempo de elaboração da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito

do Mar (CNUDM), vigente atualmente: em torno de dez anos – período entre 1973

a 1982. Dessa maneira, itens tão diversos, cuja pretensão de abarcar temas

controversos, como por exemplo - a gestão integrada dos ambientes costeiro e

oceânico, o fomento de projetos e atividades capazes de assegurar a

disponibilidade dos recursos, ou ainda, a atualização da legislação dos Estados -

inevitavelmente produziram polêmica e provocaram a impressão, nem sempre

falsa, de exercício inconciliável.

Tornou-se evidente que ao país cuja tecnologia dedicada às ciências

marinhas é desenvolvida interessa não apenas a defesa e a exploração dos seus

próprios recursos, mas também a possibilidade de explorar os recursos contidos

em mares pertencentes a outras nações. Ao contrário, aos países cuja tecnologia

é incipiente, a simples possibilidade de explorar seus recursos já representa um

grande desafio e, no caso brasileiro, soma-se a essa preocupação, outra

relacionada ao policiamento e defesa da sua extensa costa, dependentes de

efetivos que a guarneçam, além de outras soluções apontadas como a

146

monitoração por satélites ou o efetivo aéreo. Esse abismo é que definiu a

diferença entre o Estado capaz de explorar os recursos marítimos além de sua

fronteira e aquele que tenciona somente promover o inventário sobre os mares

adjacentes a sua costa, capaz de garantir seus direitos frente à Convenção. O

Brasil tem auxiliado, munido do conhecimento posto em prática com o seu próprio

LEPLAC (Levantamento da Plataforma Continental), o arrolamento de países

como a Namíbia, Angola e Moçambique, países notadamente defasados em seu

desenvolvimento científico e tecnológico.

Assim, as leis são universais, comuns a todos, mas o domínio tecnológico,

não. Os recursos destinados pelos governos ao ensino e pesquisa não são os

mesmos nos diversos países do mundo. E este parece ser na atualidade o

primeiro obstáculo à constituição de uma ordem oceânica mundial, ou que

contemple todos os países. O mar terá nos dias de hoje seu valor estratégico

regulado pelo ritmo desigual de exploração e pelas diferenças entre as nações,

apesar dos esforços das Convenções de que tal fato não se concretize. Por outro

lado, os países periféricos têm no Direito Marítimo Internacional, meios de garantir

o controle efetivo de seus espaços marinhos, considerando-se a legislação strictu

sensu. Na intodução dessa pesquisa, vimos a intenção exposta na CNUDM

(Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), de que os países

periféricos tivessem mais representatividade, através da solicitação de controle

desses espaços para fins políticos, econômicos e de navegação, atrelando essas

reivindicações ao estatuto jurídico definido na Convenção.

No entanto, foi possível comprovar o problema, igualmente exposto na

introdução desse trabalho, representado pelos vários dispositivos criados a fim de

manobrar algumas situações através da análise da negociação das questões

propostas na Convenção. Exemplificamos artifícios como a negociação das

soluções em “blocos”, ou seja, o agrupamento na apresentação de temas ao invés

de itens isolados, o que obrigou a resolução de situações polêmicas, em que os

interesses dos países subdesenvolvidos conflitavam com os dos países centrais.

Outra manobra, porém desvantajosa para os países periféricos, diz respeito à

adoção do consenso em detrimento do voto democrático nas resoluções. Tornou-

147

se perceptível, pela leitura do capítulo “O “Domínio do Mar”: Conflitos e Distensões

no Estabelecimento dos Limites Marítimos”, a condução dos então denominados

países do Terceiro Mundo, que se utilizaram da estratégia de prolongar ao

máximo o tempo da resolução dos temas, a fim de atrair os países ainda indecisos

para a causa referente ao prolongamento do Mar Territorial. Outra evidência de

artifícios é a utilização - e supressão – de termos jurídicos na elaboração dos

artigos, fato que permite o surgimento de dúbias interpretações: a lei nº 8.617/93,

que dispõe sobre a ZEE (Zona Econômica Exclusiva), cita a expressão

“consentimento prévio” à investigação científica marinha por outros Estados,

quando deveria citar “consentimento prévio e por escrito” do governo brasileiro.

Em relação à realização de manobras e exercícios militares por outros Estados, a

mesma lei define que poderá ocorrer com o consentimento do governo brasileiro,

eliminando os termos “prévio” e “expresso”. Por fim, porém não menos importante,

a própria criação da Zona Econômica Exclusiva é apontada por vários autores

como uma solução engenhosa para a diminuição do Mar Territorial, ou seja, uma

espécie de compensação à decisão de revogar o limite das duzentas milhas onde

a soberania era total. Esses exemplos corroboram a nossa conjetura de utilização

de meandros para a consecução dos pontos mais polêmicos abordados pelas

Convenções sobre o Direito Marítimo e nos alertam para a provável repetição do

fato nas próximas negociações.

Mas também foi possível perceber o quão difícil é a imposição das

soberanias dos “mais fracos”, quando incapazes de cumprir as exigências

impostas nos acordos internacionais. Ao mesmo tempo em que pudemos entender

como ponto positivo da Convenção a possibilidade dos países periféricos

desenvolverem estudos sobre os recursos minerais contidos em seu sub-solo

marinho, os vemos de “mãos atadas”, desprovidos de conhecimento tecnológico

para a execução adequada desta tarefa. Neste exato momento, em que o Brasil

termina de apresentar a proposta de ampliação de sua plataforma continental,

após uma longa trajetória de investigação científica, caracterizada pela criação de

instituições e do envolvimento de diversos setores da sociedade, já sofre oposição

dos Estados Unidos da América, que questionam a precisão de seus dados sobre

148

a espessura de sedimentos em um ponto específico de nossa margem continental.

Apoiados em modernos e sensíveis aparelhos tornam-se capazes de pôr em

dúvida a caracterização feita por outros Estados e, conseqüentemente, por em

xeque as suas soberanias.

A explotação das riquezas contidas nas águas adjacentes à costa de um

Estado é indispensável à manutenção da sua hegemonia. Como vimos no capítulo

“O Domínio do Mar: Conflitos e Distensões no Estabelecimento dos Limites

Marítimos”, a própria CNDUM (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do

Mar) estabelece que, em alguns casos como na plataforma econômica, por

exemplo, o aproveitamento dos recursos estará associado ao inventário de toda

área envolvida. No caso brasileiro, surgiram protestos sobre a incapacidade da

Marinha e de outros órgãos envolvidos no patrulhamento e na segurança da área

sob sua jurisdição, permitindo que outros Estados explorem inadvertidamente

nossas riquezas. Isso se deveu, mais uma vez, ao caráter da Convenção de

Montego Bay: se por um lado, apresenta o que muitos estudiosos consideram

“pontos positivos”, existem aqueles “dúbios” ou mesmo negativos. Vejamos:

dentre os positivos, podemos citar não só o mérito da complexa delimitação

marítima - o Mar Territorial em doze milhas marítimas, a zona contígua em vinte e

quatro milhas marítimas (na realidade, doze milhas), a ZEE com duzentas milhas

(na realidade, 188 milhas) e uma plataforma continental de duzentas milhas (que

pode se estender até as trezentas e cinqüenta milhas marítimas). Não poderíamos

esquecer das situações dos Estados Arquipelágicos, estreitos ou sem costa,

também contemplados. Dentre os pontos “dúbios”, a Convenção criou espaço

para questões polêmicas, como a que estabeleceu a cooperação internacional

entre os países, no tocante à transferência de tecnologia marinha e a

determinação da Área (fundo do mar internacional) como res communnis

(patrimônio comum da Humanidade). Nesse caso, foi possível classificá-lo como

“dúbio”, pois parece certa a polêmica em torno de um espaço que não pertence a

ninguém, mas é passível de ser explorado por “todos”. Teríamos espaço aberto às

potências marítimas à exploração de nódulos polimetálicos existentes nessa

porção do oceano: uma “nova” riqueza, para “velhos” exploradores.

149

A CNUDM permitiu que as tomadas de decisão pelo método “de consenso”,

ao invés do voto democrático, trouxessem à tona a hegemonia dos países

centrais, fragilizando a defesa dos interesses dos países periféricos, como vimos

anteriormente. Ao permitir, na ZEE, a cessão, pelo Estado costeiro de suas quotas

de exploração e explotação de riquezas, invadiu a sua soberania, sob o ponto de

vista econômico. Da mesma forma, ao permitir a ICM (investigação científica

marinha) por outros Estados na ZEE e na plataforma continental dos Estados

Costeiros, ainda que mediante o consentimento dos mesmos, tornou possível a

criação de um desequilíbrio. Pela simples análise do exposto concluímos que a

solução dos problemas relacionados ao Direito Marítimo ainda não ficou

assegurada pela Convenção vigente. E a situação tende a se agravar com o

estabelecimento dos novos limites.

Para o nosso país, algumas diretrizes puderam ser apontadas: além da

urgência óbvia em pesquisa, a criação de uma consciência marítima nacional, ou

seja, a divulgação de uma política social e econômica baseada na conscientização

nacional sobre a utilização dos recursos naturais. A exemplo do que aconteceu na

década de setenta no Brasil, quando se inicia uma mobilização em diferentes

setores da sociedade, através de uma “onda ufanista”, o governo tende a

reproduzir alguns aspectos. Os projetos mais atuais neste sentido agem em

parceria com Instituições de pesquisa e ensino, universidades, comunidades

locais de pescadores, dentre outros, a fim de atender as necessidades locais. O

surgimento de novos atores sociais à medida que novas áreas ricas em recursos

vão sendo reconhecidas, mostram uma realidade que será impossível de ignorar.

A questão econômica pressiona mais sensivelmente, embora Meira Mattos (1977)

tenha alertado para o engano da valorização econômica dos mares como maior

trunfo estratégico. Fundamentados nesse autor pudemos deduzir a importância de

entender nossos “estímulos marítimos” e conectá-los aos estímulos continentais.

A multidisciplinaridade do tema envolvendo a definição dos limites do mar,

componente valorizado por essa pesquisa, implicou em um número maior de

contribuições a fim de auxiliar a compreensão dos oceanos como fonte de

recursos vitais, deixando de ser somente área de jurisdição nacional. De fato,

150

decorre daí o cerne da conscientização da população brasileira, a fim de

humanizar esse espaço, ao qual se atribui a geração de empregos e de renda

nacional. Surgiu a necessidade de desenvolver pesquisas de caráter local e

regional, que já aparecem nas universidades, para a compreensão desse novo

quadro. Pareceu apropriada a associação do exercício e da garantia da soberania

nacional com a criação de políticas de aproveitamento de recursos, tendo como

produto final o benefício da sociedade brasileira. A questão que tem como

essência a consciência estratégica dos oceanos, como deflagradora de vocações

marítimas, é essencial para a efetivação de uma política nacional no mar e para a

consecução de uma visão de aproximação entre o valor contido nos oceanos e as

decisões tomadas pelo Estado. Os resultados dos projetos que foram

apresentados nessa pesquisa, assim como as análises sob a perspectiva do

Direito, da Economia, dos estrategistas ligados à Defesa nacional, do

Ambientalismo, da Biologia, da Geofísica, da Oceanografia e da Geografia fizeram

parte de um todo, constituído para dar molde às decisões relacionadas à política

marítima nacional.

Assim, na prática, os estudos investigativos produzidos no Brasil, estão

voltados, hoje, para o embasamento da proposta de solicitação de distensão da

Plataforma Econômica. A criação e divulgação da expressão “Amazônia Azul”,

pela Marinha do Brasil, traduz a grandeza do projeto, e alude a riqueza e a

imensidão da região. A incorporação de uma área somada de aproximadamente

quatro milhões e meio de quilômetros quadrados1 (a Zona Econômica Exclusiva e

a Plataforma) representa ônus e bônus, sem dúvida, pois a despeito da retomada

de valorização estratégica, como já citado, é necessária a criação de efetivos que

assegurem a defesa do patrimônio adquirido e forte investimento no setor

tecnológico de pesquisa marinha. A criação de sistemas operacionais de

monitoramento oceânico, in situ ou apoiados em tecnologia de sensoriamento

remoto é uma realidade em andamento no Brasil. São alguns deles: Programa

Global Ocean Observing; System - GOOS-Brasil, o Programa Nacional de Bóias

1 A área tem exatos 4 451 766 km2.

151

(PNBóia), além da participação de cientistas brasileiros no Programa Global Sea-

Level Observing System (GLOSS) e o Projeto PIRATA (Pilot Research Array over

the Tropical Atlantic) (MINISTÈRIO DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA). A

execução desses projetos demanda evidentemente recursos financeiros elevados

e, dada a sua relevância, como assegurou o Ministro chefe do Gabinete de

Segurança Institucional, Jorge Armando Felix, em palestra proferida no “Encontro

de Estudos”, realizado em 2005 pelo Gabinete de Segurança Institucional, e que

consta nas referências desta pesquisa, faz-se urgente a existência de

patrulhamento, através de navios. Gera-se, assim a necessidade de estruturação

da Marinha brasileira. A criação do Poder Naval nacional está associada a uma

Esquadra “(...) com capacidade de mobilidade, flexibilidade, versatilidade e

permanência”. Tais ações contrastam com eventuais reduções no orçamento

nacional dedicado ao Ministério da Defesa (REVISTA ISTO É, 15/01/2005).

Além disso, para assegurar a eficiência das atividades já desenvolvidas,

como o transporte de cargas e a pesca, é mister a reformulação de algumas

políticas econômicas e da legislação interna que as regula. Assim como outros

caminhos envolvidos diretamente com o aproveitamento dos recursos, como a

integração dos ambientes costeiro e oceânico, e o pensamento, de fato, do

Oceano Atlântico como a principal via de comunicação exterior, essencial ao

desenvolvimento brasileiro. Nesse sentido a realização de manobras militares

controlada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no

Arquipélago de Cabo Verde, em junho de 2006, põe sob ameaça a posição

estratégica brasileira, uma vez que para Pesce (2006: 33), “(...) qualquer ameaça

militar clássica que possa surgir teria origem extracontinental”, e tendo em vista a

projeção do litoral do Brasil em direção à África, cuja instabilidade política a

submete aos interesses das grandes potências e ameaça a defesa das rotas do

Atlântico Sul, assim como o próprio território brasileiro, acarretando conseqüências

evidentes sobre a constituição da “Amazônia Azul”.

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145

consensual ao feito. No entanto, como procuramos esclarecer, as diferenças entre

as nações, ao contrário do ambicionado pelas Convenções, não parecem diminuir

e sim adquirir novas faces, sobretudo no contexto da projeção de novos limites, tal

como agora, quando ocorre a possibilidade de expansão do limite relacionado à

plataforma econômica em todas as nações e à criação, no Brasil, da Amazônia

Azul.

Para entender as atribulações geradas em torno da instituição e do

exercício das delimitações jurídicas foi preciso considerar a especificidade do meio

marinho, a cujas características intrínsecas estão diretamente relacionadas. Tal

fator, mais concreto por ser físico, está associado ao fato do mar ser um sistema

único, subdividido em vários subsistemas, e, como assinalamos, ter suas linhas e

marcos físicos sem visibilidade aparente. Isso tornou difícil a tarefa de encontrar

uma legislação aplicada à utilização dos recursos que respeite estes subsistemas,

ou seja, que fique restrita a um espaço marinho local ou regional e que, ao mesmo

tempo atenda às necessidades do Estados costeiros envolvidos. Justifica-se,

assim, o tempo de elaboração da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito

do Mar (CNUDM), vigente atualmente: em torno de dez anos – período entre 1973

a 1982. Dessa maneira, itens tão diversos, cuja pretensão de abarcar temas

controversos, como por exemplo - a gestão integrada dos ambientes costeiro e

oceânico, o fomento de projetos e atividades capazes de assegurar a

disponibilidade dos recursos, ou ainda, a atualização da legislação dos Estados -

inevitavelmente produziram polêmica e provocaram a impressão, nem sempre

falsa, de exercício inconciliável.

Tornou-se evidente que ao país cuja tecnologia dedicada às ciências

marinhas é desenvolvida interessa não apenas a defesa e a exploração dos seus

próprios recursos, mas também a possibilidade de explorar os recursos contidos

em mares pertencentes a outras nações. Ao contrário, aos países cuja tecnologia

é incipiente, a simples possibilidade de explorar seus recursos já representa um

grande desafio e, no caso brasileiro, soma-se a essa preocupação, outra

relacionada ao policiamento e defesa da sua extensa costa, dependentes de

efetivos que a guarneçam, além de outras soluções apontadas como a

146

monitoração por satélites ou o efetivo aéreo. Esse abismo é que definiu a

diferença entre o Estado capaz de explorar os recursos marítimos além de sua

fronteira e aquele que tenciona somente promover o inventário sobre os mares

adjacentes a sua costa, capaz de garantir seus direitos frente à Convenção. O

Brasil tem auxiliado, munido do conhecimento posto em prática com o seu próprio

LEPLAC (Levantamento da Plataforma Continental), o arrolamento de países

como a Namíbia, Angola e Moçambique, países notadamente defasados em seu

desenvolvimento científico e tecnológico.

Assim, as leis são universais, comuns a todos, mas o domínio tecnológico,

não. Os recursos destinados pelos governos ao ensino e pesquisa não são os

mesmos nos diversos países do mundo. E este parece ser na atualidade o

primeiro obstáculo à constituição de uma ordem oceânica mundial, ou que

contemple todos os países. O mar terá nos dias de hoje seu valor estratégico

regulado pelo ritmo desigual de exploração e pelas diferenças entre as nações,

apesar dos esforços das Convenções de que tal fato não se concretize. Por outro

lado, os países periféricos têm no Direito Marítimo Internacional, meios de garantir

o controle efetivo de seus espaços marinhos, considerando-se a legislação strictu

sensu. Na intodução dessa pesquisa, vimos a intenção exposta na CNUDM

(Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), de que os países

periféricos tivessem mais representatividade, através da solicitação de controle

desses espaços para fins políticos, econômicos e de navegação, atrelando essas

reivindicações ao estatuto jurídico definido na Convenção.

No entanto, foi possível comprovar o problema, igualmente exposto na

introdução desse trabalho, representado pelos vários dispositivos criados a fim de

manobrar algumas situações através da análise da negociação das questões

propostas na Convenção. Exemplificamos artifícios como a negociação das

soluções em “blocos”, ou seja, o agrupamento na apresentação de temas ao invés

de itens isolados, o que obrigou a resolução de situações polêmicas, em que os

interesses dos países subdesenvolvidos conflitavam com os dos países centrais.

Outra manobra, porém desvantajosa para os países periféricos, diz respeito à

adoção do consenso em detrimento do voto democrático nas resoluções. Tornou-

147

se perceptível, pela leitura do capítulo “O “Domínio do Mar”: Conflitos e Distensões

no Estabelecimento dos Limites Marítimos”, a condução dos então denominados

países do Terceiro Mundo, que se utilizaram da estratégia de prolongar ao

máximo o tempo da resolução dos temas, a fim de atrair os países ainda indecisos

para a causa referente ao prolongamento do Mar Territorial. Outra evidência de

artifícios é a utilização - e supressão – de termos jurídicos na elaboração dos

artigos, fato que permite o surgimento de dúbias interpretações: a lei nº 8.617/93,

que dispõe sobre a ZEE (Zona Econômica Exclusiva), cita a expressão

“consentimento prévio” à investigação científica marinha por outros Estados,

quando deveria citar “consentimento prévio e por escrito” do governo brasileiro.

Em relação à realização de manobras e exercícios militares por outros Estados, a

mesma lei define que poderá ocorrer com o consentimento do governo brasileiro,

eliminando os termos “prévio” e “expresso”. Por fim, porém não menos importante,

a própria criação da Zona Econômica Exclusiva é apontada por vários autores

como uma solução engenhosa para a diminuição do Mar Territorial, ou seja, uma

espécie de compensação à decisão de revogar o limite das duzentas milhas onde

a soberania era total. Esses exemplos corroboram a nossa conjetura de utilização

de meandros para a consecução dos pontos mais polêmicos abordados pelas

Convenções sobre o Direito Marítimo e nos alertam para a provável repetição do

fato nas próximas negociações.

Mas também foi possível perceber o quão difícil é a imposição das

soberanias dos “mais fracos”, quando incapazes de cumprir as exigências

impostas nos acordos internacionais. Ao mesmo tempo em que pudemos entender

como ponto positivo da Convenção a possibilidade dos países periféricos

desenvolverem estudos sobre os recursos minerais contidos em seu sub-solo

marinho, os vemos de “mãos atadas”, desprovidos de conhecimento tecnológico

para a execução adequada desta tarefa. Neste exato momento, em que o Brasil

termina de apresentar a proposta de ampliação de sua plataforma continental,

após uma longa trajetória de investigação científica, caracterizada pela criação de

instituições e do envolvimento de diversos setores da sociedade, já sofre oposição

dos Estados Unidos da América, que questionam a precisão de seus dados sobre

148

a espessura de sedimentos em um ponto específico de nossa margem continental.

Apoiados em modernos e sensíveis aparelhos tornam-se capazes de pôr em

dúvida a caracterização feita por outros Estados e, conseqüentemente, por em

xeque as suas soberanias.

A explotação das riquezas contidas nas águas adjacentes à costa de um

Estado é indispensável à manutenção da sua hegemonia. Como vimos no capítulo

“O Domínio do Mar: Conflitos e Distensões no Estabelecimento dos Limites

Marítimos”, a própria CNDUM (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do

Mar) estabelece que, em alguns casos como na plataforma econômica, por

exemplo, o aproveitamento dos recursos estará associado ao inventário de toda

área envolvida. No caso brasileiro, surgiram protestos sobre a incapacidade da

Marinha e de outros órgãos envolvidos no patrulhamento e na segurança da área

sob sua jurisdição, permitindo que outros Estados explorem inadvertidamente

nossas riquezas. Isso se deveu, mais uma vez, ao caráter da Convenção de

Montego Bay: se por um lado, apresenta o que muitos estudiosos consideram

“pontos positivos”, existem aqueles “dúbios” ou mesmo negativos. Vejamos:

dentre os positivos, podemos citar não só o mérito da complexa delimitação

marítima - o Mar Territorial em doze milhas marítimas, a zona contígua em vinte e

quatro milhas marítimas (na realidade, doze milhas), a ZEE com duzentas milhas

(na realidade, 188 milhas) e uma plataforma continental de duzentas milhas (que

pode se estender até as trezentas e cinqüenta milhas marítimas). Não poderíamos

esquecer das situações dos Estados Arquipelágicos, estreitos ou sem costa,

também contemplados. Dentre os pontos “dúbios”, a Convenção criou espaço

para questões polêmicas, como a que estabeleceu a cooperação internacional

entre os países, no tocante à transferência de tecnologia marinha e a

determinação da Área (fundo do mar internacional) como res communnis

(patrimônio comum da Humanidade). Nesse caso, foi possível classificá-lo como

“dúbio”, pois parece certa a polêmica em torno de um espaço que não pertence a

ninguém, mas é passível de ser explorado por “todos”. Teríamos espaço aberto às

potências marítimas à exploração de nódulos polimetálicos existentes nessa

porção do oceano: uma “nova” riqueza, para “velhos” exploradores.

149

A CNUDM permitiu que as tomadas de decisão pelo método “de consenso”,

ao invés do voto democrático, trouxessem à tona a hegemonia dos países

centrais, fragilizando a defesa dos interesses dos países periféricos, como vimos

anteriormente. Ao permitir, na ZEE, a cessão, pelo Estado costeiro de suas quotas

de exploração e explotação de riquezas, invadiu a sua soberania, sob o ponto de

vista econômico. Da mesma forma, ao permitir a ICM (investigação científica

marinha) por outros Estados na ZEE e na plataforma continental dos Estados

Costeiros, ainda que mediante o consentimento dos mesmos, tornou possível a

criação de um desequilíbrio. Pela simples análise do exposto concluímos que a

solução dos problemas relacionados ao Direito Marítimo ainda não ficou

assegurada pela Convenção vigente. E a situação tende a se agravar com o

estabelecimento dos novos limites.

Para o nosso país, algumas diretrizes puderam ser apontadas: além da

urgência óbvia em pesquisa, a criação de uma consciência marítima nacional, ou

seja, a divulgação de uma política social e econômica baseada na conscientização

nacional sobre a utilização dos recursos naturais. A exemplo do que aconteceu na

década de setenta no Brasil, quando se inicia uma mobilização em diferentes

setores da sociedade, através de uma “onda ufanista”, o governo tende a

reproduzir alguns aspectos. Os projetos mais atuais neste sentido agem em

parceria com Instituições de pesquisa e ensino, universidades, comunidades

locais de pescadores, dentre outros, a fim de atender as necessidades locais. O

surgimento de novos atores sociais à medida que novas áreas ricas em recursos

vão sendo reconhecidas, mostram uma realidade que será impossível de ignorar.

A questão econômica pressiona mais sensivelmente, embora Meira Mattos (1977)

tenha alertado para o engano da valorização econômica dos mares como maior

trunfo estratégico. Fundamentados nesse autor pudemos deduzir a importância de

entender nossos “estímulos marítimos” e conectá-los aos estímulos continentais.

A multidisciplinaridade do tema envolvendo a definição dos limites do mar,

componente valorizado por essa pesquisa, implicou em um número maior de

contribuições a fim de auxiliar a compreensão dos oceanos como fonte de

recursos vitais, deixando de ser somente área de jurisdição nacional. De fato,

150

decorre daí o cerne da conscientização da população brasileira, a fim de

humanizar esse espaço, ao qual se atribui a geração de empregos e de renda

nacional. Surgiu a necessidade de desenvolver pesquisas de caráter local e

regional, que já aparecem nas universidades, para a compreensão desse novo

quadro. Pareceu apropriada a associação do exercício e da garantia da soberania

nacional com a criação de políticas de aproveitamento de recursos, tendo como

produto final o benefício da sociedade brasileira. A questão que tem como

essência a consciência estratégica dos oceanos, como deflagradora de vocações

marítimas, é essencial para a efetivação de uma política nacional no mar e para a

consecução de uma visão de aproximação entre o valor contido nos oceanos e as

decisões tomadas pelo Estado. Os resultados dos projetos que foram

apresentados nessa pesquisa, assim como as análises sob a perspectiva do

Direito, da Economia, dos estrategistas ligados à Defesa nacional, do

Ambientalismo, da Biologia, da Geofísica, da Oceanografia e da Geografia fizeram

parte de um todo, constituído para dar molde às decisões relacionadas à política

marítima nacional.

Assim, na prática, os estudos investigativos produzidos no Brasil, estão

voltados, hoje, para o embasamento da proposta de solicitação de distensão da

Plataforma Econômica. A criação e divulgação da expressão “Amazônia Azul”,

pela Marinha do Brasil, traduz a grandeza do projeto, e alude a riqueza e a

imensidão da região. A incorporação de uma área somada de aproximadamente

quatro milhões e meio de quilômetros quadrados1 (a Zona Econômica Exclusiva e

a Plataforma) representa ônus e bônus, sem dúvida, pois a despeito da retomada

de valorização estratégica, como já citado, é necessária a criação de efetivos que

assegurem a defesa do patrimônio adquirido e forte investimento no setor

tecnológico de pesquisa marinha. A criação de sistemas operacionais de

monitoramento oceânico, in situ ou apoiados em tecnologia de sensoriamento

remoto é uma realidade em andamento no Brasil. São alguns deles: Programa

Global Ocean Observing; System - GOOS-Brasil, o Programa Nacional de Bóias

1 A área tem exatos 4 451 766 km2.

151

(PNBóia), além da participação de cientistas brasileiros no Programa Global Sea-

Level Observing System (GLOSS) e o Projeto PIRATA (Pilot Research Array over

the Tropical Atlantic) (MINISTÈRIO DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA). A

execução desses projetos demanda evidentemente recursos financeiros elevados

e, dada a sua relevância, como assegurou o Ministro chefe do Gabinete de

Segurança Institucional, Jorge Armando Felix, em palestra proferida no “Encontro

de Estudos”, realizado em 2005 pelo Gabinete de Segurança Institucional, e que

consta nas referências desta pesquisa, faz-se urgente a existência de

patrulhamento, através de navios. Gera-se, assim a necessidade de estruturação

da Marinha brasileira. A criação do Poder Naval nacional está associada a uma

Esquadra “(...) com capacidade de mobilidade, flexibilidade, versatilidade e

permanência”. Tais ações contrastam com eventuais reduções no orçamento

nacional dedicado ao Ministério da Defesa (REVISTA ISTO É, 15/01/2005).

Além disso, para assegurar a eficiência das atividades já desenvolvidas,

como o transporte de cargas e a pesca, é mister a reformulação de algumas

políticas econômicas e da legislação interna que as regula. Assim como outros

caminhos envolvidos diretamente com o aproveitamento dos recursos, como a

integração dos ambientes costeiro e oceânico, e o pensamento, de fato, do

Oceano Atlântico como a principal via de comunicação exterior, essencial ao

desenvolvimento brasileiro. Nesse sentido a realização de manobras militares

controlada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no

Arquipélago de Cabo Verde, em junho de 2006, põe sob ameaça a posição

estratégica brasileira, uma vez que para Pesce (2006: 33), “(...) qualquer ameaça

militar clássica que possa surgir teria origem extracontinental”, e tendo em vista a

projeção do litoral do Brasil em direção à África, cuja instabilidade política a

submete aos interesses das grandes potências e ameaça a defesa das rotas do

Atlântico Sul, assim como o próprio território brasileiro, acarretando conseqüências

evidentes sobre a constituição da “Amazônia Azul”.

113

4.1- Os Programas Investigativos

A Declaração Brasileira no Ato de Assinatura da Convenção, subscrita pelo

Governo brasileiro em 1982, contém os compromissos assumidos pelo Brasil, tais

como a elaboração de cartas marítimas e listas de coordenadas geográficas com

a indicação das linhas de base do Mar Territorial e demarcação dos espaços

marítimos brasileiros; a adoção de medidas necessárias à melhor gestão dos

recursos vivos (REVIZEE) e de recursos minerais (o programa REMPLAC) e a

conclusão de trabalhos de levantamento, com vistas ao estabelecimento efetivo do

limite exterior da plataforma continental (programa LEPLAC). Para cumprir tais

tarefas, o Brasil tem a necessidade de promover investigação cientifica marinha

(ICM) nos espaços. Sobre esse fato, todos os Estados independentemente da sua

situação geográfica, e as organizações internacionais competentes têm o direito

de realizar ICM que, segundo a CNUDM (artigo 240), deve ter exclusivamente fins

pacíficos. O estímulo à pesquisa com fins de conhecer, inventariar, avaliar o

potencial, o aproveitamento sustentável, a gestão e ordenamento do uso dos

recursos vivos e não-vivos existentes nas áreas marítimas sob jurisdição e de

interesse nacional, no Brasil, é uma estratégia implementada pela Política

Nacional para os Recursos do Mar (PNRM), em decreto aprovado em fevereiro de

20051 (em anexo). De maneira geral, os Estados costeiros têm no seu Mar

Territorial o direito exclusivo de regulamentar, autorizar e realizar ICM, que, por

sua vez, depende de autorização expressa desse mesmo Estado e nas condições

por ele estabelecidas. No entanto, o direito de regulamentação na ZEE e na

plataforma continental2 estará de conformidade com as disposições pertinentes da

1 As diretrizes gerais para a Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) foram baixadas pelo Presidente da República em 1980. Desde então, com a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), em novembro de 1994, uma atualização das suas diretrizes foi realizada 2 Para Mattos (1996: 137), um dos aspectos negativos da Convenção de Montego Bay diz respeito a esse item, em particular. A admissão da investigação marinha por outros Estados e Organizações na ZEE e na plataforma continental dos Estados Costeiros, pode, na prática, gerar “desequilíbrio político estratégico”. Sobre esse tópico voltaremos a tratar nas “considerações finais” dessa pesquisa.

114

CNDUM, contando também, a exemplo do Mar Territorial, com o consentimento do

Estado costeiro. Nessas condições, ao Estado solicitante caberá fornecer ao

Estado costeiro uma descrição completa da natureza e dos objetivos da pesquisa

a ser iniciada, e esse, por sua vez, deverá fornecer uma resposta num prazo

máximo de seis meses. É possível, em contrapartida, que as pesquisas

autorizadas sejam suspensas a pedido do Estado costeiro na ZEE ou na

plataforma continental, caso as condições iniciais não estejam vigorando e, como

já citado, nesse sentido, as embarcações estrangeiras de pesquisa costumam

contar com especialistas do próprio Estado costeiro, objetivando a fiscalização das

normas estabelecidas (VIDIGAL, 2005: 27).

Sobre a questão da transferência de tecnologia, os Estados, devem

cooperar na promoção do desenvolvimento e a transferência da ciência e da

tecnologia marinhas3. Segundo Goffredo, (2005: 41), a questão da transferência

de tecnologia foi exigência do Brasil na III Conferência da ONU e, por esse motivo,

essa parte seria denominada de Cláusula Brasil, sendo bastante contestada pelos

países desenvolvidos, relutantes em transferir sua tecnologia.

Os Estados, directamente ou por intermédio das organizações internacionais componentes, devem cooperar, na medida das suas capacidades, para promover activamente o desenvolvimento e a transferência da ciência e da tecnologia marinhas segundo modalidades e condições eqüitativas e razoáveis. Os Estados devem promover o desenvolvimento da capacidade científica e tecnológica marinha dos Estados que necessitem e solicitem assistência técnica neste domínio, particularmente os Estados em desenvolvimento, incluindo os Estados sem litoral e aqueles em situação geográfica desfavorecida, no que se refere à exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos marinhos, à protecção e preservação do meio marinho, à investigação científica marinha e outras actividades no meio marinho compatíveis com a presente Convenção, tendo em vista acelerar o desenvolvimento econômico e social dos Estados em desenvolvimento. (CNDUM, Parte XIV, secção 1, artigo 266).

3 Um exemplo de cooperação regional pode ser dado pela Cooperação Atlântico Sul Ocidental Superior (Asos), responsável pela coordenação das atividades de pesquisas oceanográficas brasileiras, uruguaias e argentinas, em todos os ramos da pesquisa oceânica. Além disso, o Brasil mantém acordos bilaterais que visam ao intercâmbio de cientistas para desenvolvimento de projetos conjuntos, com países como a Alemanha, a Argentina, a Índia e a França.

115

O histórico da pesquisa oceanográfica no Brasil demonstra que a criação da

CIRM4, fato comentado no capítulo anterior, foi fundamental na evolução das

pesquisas na área de ICM. Da mesma maneira, o foi também para a elaboração

das pesquisas sobre os recursos da Zona Econômica Exclusiva, com a execução

e sistematização de levantamentos sobre recursos vivos (REVIZEE).

Posteriormente, a partir de 1990, as atribuições de pesquisa passaram à CNPq e

a implementação do REVIZEE passou para o Ministério do Meio Ambiente (CNIO,

1998). A CIRM passou também a gerenciar o Programa Antártico Brasileiro

(PROANTAR), cujas diretrizes são fornecidas pela Política Nacional para Assuntos

Antárticos (POLANTAR), e que objetiva a realização de pesquisas científicas no

continente antártico5 (VIDIGAL, 2005). Além disso, há o PROMAR – Programa de

Mentalidade Marítima, cuja realização tem como objetivo a criação de ações

planejadas ações planejadas, como por exemplo, o acesso às instituições de

ensino, palestras em universidades, instituições de pesquisa, dentre outros, a fim

de estimular a consciência sobre os valores marítimos na população brasileira.

Podemos citar a recente divulgação do livro “Amazônia Azul”, sobre o tema, nas

escolas de ensino fundamental, como uma das atividades relacionadas ao

programa.

4 A CIRM, coordenada pelo Ministério da Marinha, inclui representantes de doze ministérios: Defesa, Meio Ambiente, Educação, Transportes, Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia, Indústria e Comércio, Interior, Minas e Energia, Planejamento, Orçamento e Gestão, Turismo, e Agricultura, Pecuária e Turismo, e também, a Casa Civil da Presidência da República e a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca. No âmbito da CIRM, foram editadas as normas do PNGC, estabelecido o Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro – GI-GERCO, e planejada uma revisão periódica do PNGC por um grupo legalmente estabelecido, denominado COGERCO. A CIRM é, de fato, o facilitador do processo de gerenciamento da zona costeira no Brasil, tendo proporcionado, desenvolvido e patrocinado inúmeros programas, normas e políticas costeiras e oceânicas. A coordenação das ações federais é conduzida pelo GI-GERCO, com o apoio legal da Câmara Técnica Permanente para o Gerenciamento Costeiro (no CONAMA), tendo a CIRM como facilitador. 5 As operações antárticas realizadas pelo Brasil, ocorreram a partir de uma estratégia de desenvolvimento científico. Exceto pelas dificuldades iniciais criadas pela Argentina, a presença brasileira na Antártida fez valer uma tendência pró-internacionalização do continente, sem manifestar pelo menos explicitamente, interesses de soberania. No entanto, o Brasil demonstrou a possibilidade de mudar suas posições diplomáticas caso seja necessário, em função da posição estratégica da Antártida na costa do Atlântico. (PENHA, 1998).

116

A PNRM engloba hoje o Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM) e

o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC). O PNRM se desdobra em

outros programas, além do REVIZEE, como o Programa Train-Sea-Coast,

destinado a capacitar recursos humanos que atuam nas áreas costeiras e

oceânicas; o Programa Mentalidade Marítima, cujo principal objetivo é estimular o

desenvolvimento de uma mentalidade marítima na população brasileira; o

Programa Arquipélago6, coordenando pesquisas científicas na região do

arquipélago de São Pedro e São Paulo e o Programa GOOS, desenvolvendo um

sistema global de observação dos oceanos. No que diz respeito ao Programa

Arquipélago, a existência de sulfetos polimetálicos na área próxima à Cordilheira

Meso-Oceânica, onde ocorrem atividades termais, justifica o interesse de

detenção do direito de exploração do fundo marino dessa área, inserida na Zona

Econômica Exclusiva.

Em relação ao Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, a finalidade é

estabelecer normas gerais visando à gestão ambiental da zona costeira.

Finalmente, em decorrência da PNRM, a CIRM também coordena o Plano de

Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC).

4.1.1 - O Programa REVIZEE (Avaliação do Potencial dos Recursos Vivos na ZEE)

Este programa tem como proposta o levantamento dos potenciais

sustentáveis de captura dos recursos vivos na ZEE (Zona Econômica Exclusiva),

visando assegurar medidas apropriadas de conservação e gerenciamento para

evitar ameaças de extinção das espécies com possíveis capturas em excesso. Ou

seja, inventaria os recursos e as características ambientais de suas ocorrências,

determinando suas biomassas e estabelecendo potenciais de captura. Uma vez

6 Programa da CIRM cujo objetivo estratégico é criar condições para que o Arquipélago (Penedos) de São Pedro e São Paulo gere uma ZEE de 200 milhas de largura, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Glossário de termos técnicos e siglas de programas, projetos e instituições - nacionais e internacionais - referentes ao programa REVIZEE).

117

que o Programa se destina a determinar a capacidade de pesca nacional, sua

existência é de suma importância para que se possa dimensionar a frota

pesqueira, de forma a não ceder a outras nações o direito de pesca na ZEE

(CNIO, 1998). O REVIZEE é uma conseqüência do IV Plano Setorial para os

Recursos do Mar7, da CIRM, com base na ratificação, pelo Brasil, da Convenção

da ONU/82 e da Lei nº 8617/93, como visto anteriormente (Mattos, 1996). Nos

estudos estão incluídas as variações das condições ambientais que provocam

oscilações espaciais e sazonais na distribuição das espécies e, por isso, o

programa anuncia, como estratégia básica, o envolvimento da comunidade

científica, especializada em pesquisa oceanográfica e pesqueira, e o

aproveitamento da capacidade das Universidades e Instituições de pesquisa

voltada para o mar. Esse fato confere um caráter amplo e complexo ao Programa,

a ponto de subdividi-lo em quatro grandes regiões, conforme as características

oceanográficas e biológicas: I - Costa Norte – onde há pesca de camarão

abrangendo da foz do rio Oiapoque à foz do rio Parnaíba; II - Costa Nordeste – da

foz do rio Parnaíba a Salvador (BA), incluindo Fernando de Noronha, Atol das

Rocas e o arquipélago de São Pedro e São Paulo; nessa área, há recursos

pesqueiros não volumosos, embora de qualidade, por causa da pouca largura da

plataforma continental; III - Costa Central – de Salvador ao Cabo de São Tomé,

incluindo as ilhas de Trindade e Martins Vaz. Nessa porção são pescados lagostas

e camarões; IV - Costa Sul – do Cabo de São Tomé ao Chuí; nesta região há

extrema abundância de peixes (atuns, sardinhas, camarões, anchova, etc).

O setor pesqueiro conta com os parques industriais instalados no Rio de

Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em cada uma dessas

regiões, a responsabilidade de coordenação e execução é das Universidades e

Instituições de pesquisas marinhas locais, além da participação do Setor

7 O IV Plano (1994 - 98) trata das atividades de pesquisa e prospecção dos recursos marítimos do país, complementando Planos anteriores (I, II, III), com base na ratificação, pelo Brasil, da Convenção da ONU/82. O Ministério da Ciência e da Tecnologia, divulgou em 15/09/2005, a resolução CIRM nº 5, onde considera as ações a serem empreendidas, previstas no VI Plano Setorial Para Os Recursos Do Mar (VI PSRM). Nela, aprova a criação do Comitê Executivo para o Levantamento e Avaliação do Potencial Biotecnológico da Biodiversidade Marinha (BIOMAR).

118

pesqueiro regional. Este setor deverá beneficiar-se com um aproveitamento

industrial, além da formação de uma frota pesqueira oceânica, destinada ao

aproveitamento dos recursos da ZEE, como parte de um dos objetivos do

Programa.

4.1.2 O Projeto LEPLAC

Este projeto, instituído no Brasil também como conseqüência da III

Conferência, é um auxílio à tarefa assumida pelo Brasil de delimitar os limites

exteriores da sua plataforma continental (jurídica) externa. A Comissão de Limites

da Plataforma Continental, da ONU, concedeu um prazo de até dez anos,

contados a partir da data de entrada em vigor, para delimitar a plataforma. O

objetivo é fixar os limites exteriores da plataforma para além das trezentas e

cinqüenta milhas marítimas, além portanto, das 200 milhas da ZEE,

proporcionando à tarefa uma grande importância político-estratégica para o Brasil

(MATTOS, 1996).

Uma série de levantamentos, sob coordenação da CIRM foi iniciada a partir

de 1987. Os dados coletados (cerca de 230 000km de perfis geofísicos) ao longo

da toda a extensão da margem continental brasileira são os que poderão levar a

jurisdição além das duzentas milhas, o que significa, como já visto, a expansão do

direito exclusivo de exploração por parte do Brasil. A PETROBRÁS participa do

projeto visto que esses levantamentos podem indicar as áreas potencialmente

produtoras de petróleo. Com a conclusão do LEPLAC, a Proposta Brasileira de

Limites da Plataforma Continental foi protocolada, no dia 17 de maio de 2004, na

Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) na sede das Nações

Unidas, em Nova Iorque, de acordo com o artigo 76 e com o Anexo II, artigo 4, da

CNDUM. Nesta Proposta, o Brasil incorpora 911 847 km2 ao seu território,

totalizando 4 451 766 km2 de Plataforma Continental Jurídica Brasileira, uma área

equivalente a 52% de sua extensão terrestre, considerada a “Amazônia Azul”,

como já referido. Segundo Vidigal (2005), em setembro desse mesmo ano, uma

119

comissão formada por sete peritos de nacionalidades diferentes (argentino,

australiano, chinês, croata, nigeriano, coreano e mexicano) passou a analisar a

proposta. Uma nova fase iniciou-se em abril de 2005 e espera-se um resultado em

breve, com as recomendações da CLPC, que, por sua vez, caso seja aceitas pelo

Governo, permitirão o estabelecimento oficial dos limites exteriores da plataforma

continental. Esse autor ainda afirma, ser possível que o pleito abrangente,

realizado pelo Brasil, não seja aceito plenamente, mas tomando por base a

proposta consistente encaminhada à Comissão, assegura como certo o país

incorporar a sua jurisdição uma extensa área oceânica além das duzentas milhas,

a qual, somada à área de zona econômica exclusiva, lhe permitirá exercer

jurisdição em relação aos recursos naturais de imensa área marítima. (Ver figura

4.1)

120

Figura 4.1- Novos Limites Marítimos para o Brasil

Fonte: www.mar.mil.br

A realização do LEPLAC e a apresentação da proposta à Comissão, são

apontadas como acontecimentos que repercutiram no sentido de despertar a

consciência de outros Estados costeiros, para o estabelecimento dos limites

exteriores de suas respectivas plataformas continentais. Vidigal (2005: 30) atenta

121

para a necessidade de se considerar, no entanto, que nem todos os Estados

costeiros possuem plenas condições técnicas de realizar um levantamento, cuja

execução exige conhecimentos específicos, sobretudo na área das geociências.

Menciona que alguns deles solicitaram a ajuda do Brasil e que, nesse contexto, o

LEPLAC da Namíbia já vem sendo executado e que estão sendo feitos

entendimentos no sentido de “(...) cooperar com Moçambique e com Angola, no

estabelecimento dos limites exteriores de suas respectivas plataformas

continentais”.

Como vimos, além do LEPLAC, outro trabalho de suma importância

desenvolvido pela Marinha foi o Programa Arquipélago São Pedro e São Paulo que estabeleceu uma estação científica permanente no Arquipélago8, onde são

realizados diversos trabalhos e pesquisas. O objetivo desse projeto é ratificar a

posse do território, em torno do qual foram delimitadas as linhas de doze milhas

de mar territorial, além das 188 milhas de ZEE, totalizado duzentas milhas, e que

acrescentaram ao território marítimo do Brasil uma área equivalente ao Estado da

Bahia. Tendo em vista os números apresentados acima, a Marinha propôs

denominar esta imensa área marítima de Amazônia Azul, com o objetivo de

mostrar à sociedade e aos formuladores de políticas que o Brasil tem no mar uma

imensa área, tão ou mais rica e vulnerável que a Amazônia Verde, que necessita

de projetos e projeções que a legitime e proteja.

4.1.3 O PROJETO REMPLAC Criado em 3 de dezembro de 1997, o REMPLAC (Programa de Avaliação

da Potencialidade Mineral da Plataforma Continental), esse programa tem como

objetivos efetuar o levantamento básico, sistemático, geológico-geofísico da

plataforma continental; detalhar, em escala apropriada, sítios de interesse

8O Arquipélago é formado por um grupo de pequenas ilhas rochosas, localizadas a cerca de 1100 km do litoral do Rio Grande do Norte, abrangendo uma área em torno de 17 000m2. A sua indiscutível importância estratégica pode ser justificada pelo fato de estar localizado na rota de peixes de comportamento migratório, com alto valor econômico, como, por exemplo, o Albacora lage, espécie de atum (Gonçalves, 2002)

122

geoeconômico; e efetuar a análise e a avaliação dos depósitos minerais. Segundo Vidigal (2005), ganhou, a partir de meados de 2005, um grande impulso com a

elevada prioridade a ele atribuída pela Secretaria de Geologia, Mineração e

Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Diretoria

de Geologia e Recursos Minerais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Para

este autor, o REMPLAC deverá dar continuidade aos esforços desenvolvidos pelo

Programa de Reconhecimento Global da Margem Continental Brasileira – Remac9

- encerrado em 1978, pelas operações Geofísica do Mar (Geomar) desenvolvidas

pela Diretoria de Hidrografia e Navegação e pelas diversas iniciativas do

Programa de Geologia e Geofísica Marinha.

4.2 Os Recursos Econômicos de Interesse estratégico (Navegação, Petróleo e Pesca)

Merecem um estudo por parte dos órgãos do Governo, por representarem

uma significativa parcela da economia nacional, os seguintes recursos marítimos:

petróleo, recursos minerais, pesca, aqüicultura, marinha mercante, os portos,

construção naval, ecossistemas costeiros, turismo marítimo, poluição marinha em

águas nacionais e desenvolvimento sustentável sob o ponto de vista econômico.

Algumas considerações serão descritas e apresentadas abaixo em relação a

pontos considerados mais relevantes.

4.2.1 O Petróleo

O petróleo é uma mistura natural de hidrocarbonetos, originária da matéria

orgânica depositada com sedimentos que preenchem as bacias sedimentares. À

medida que novas camadas são depositadas, os sedimentos mais antigos vão 9 O Projeto REMAC promoveu o mapeamento geológico de toda a margem continental brasileira, coletando informações sobre a estrutura geológica rasa e profunda; a distribuição de sedimentos e rochas da superfície; a topografia submarina: e a localização de áreas com potencial para exploração petrolífera. Concluído em 1978, esse projeto ainda é a mais extensiva e integrada pesquisa geológica marinha já realizada no Brasil (por e-mail CPRM).

123

ficando em profundidade cada vez maiores, onde a atuação da pressão e da

temperatura são preponderantes para converter a matéria orgânica em

hidrocarbonetos. Quanto maior a espessura sedimentar, maior a probabilidade da

formação de acúmulo de petróleo, o que ocorre em vários pontos da margem

continental brasileira, fazendo com que a dimensão e o volume dos campos de

petróleo aí encontrados sejam muito maiores que os dos campos encontrados nas

áreas continentais. Como assinalado no capítulo I, as margens continentais

correspondem à transição entre a crosta continental e a oceânica. Nestas regiões

podem ser encontrados espessos pacotes sedimentares, e como o petróleo é

gerado e acumulado nestas rochas, seu potencial petrolífero é bem grande.

As áreas sedimentares emersas no continente brasileiro correspondem a

bacias paleozóicas (mais antigas que 250 milhões de anos), cujos sedimentos

foram depositados em ambientes marinhos rasos ou continentais, e as bacias

sedimentares muito antigas (proterozóicas) com idades superiores a 650 milhões

de anos e de grande extensão No entanto é importante esclarecer que a

existência de acumulações de petróleo depende das características e do arranjo

de certos tipos de rochas sedimentares no subsolo. Basicamente, é preciso que

existam rochas geradoras, que contenham a matéria-prima que se transforma em

petróleo, e rochas-reservatório, ou seja, aquelas que possuem espaços vazios,

chamados poros, capazes de armazenar o petróleo. A ausência de qualquer um

destes elementos impossibilita a existência de uma acumulação petrolífera. Logo,

a existência de uma bacia sedimentar não garante, por si só, a presença de

jazidas de petróleo (MOURA, 1994).

4.2.1.1 A Exploração de Petróleo na Margem Continental Brasileira

A partir do final dos anos 60, a PETROBRÁS estendeu a exploração à

margem continental brasileira, descobrindo petróleo na continuação marinha da

bacia de Sergipe e a exploração na plataforma continental tornou-se

economicamente viável depois dos choques do petróleo de 1973 e 1979. Logo

124

após a perfuração de alguns poços exploratórios na plataforma, jazidas

petrolíferas foram encontradas nas bacias submarinas em especial na bacia de

Campos, situada na margem sudeste brasileira e da qual trataremos um pouco

mais adiante.

Entre 1993 e 2003 o aumento de consumo de petróleo no Brasil foi de

34,19% e o aumento da produção tem tido uma taxa média anual de 9,5%. Tais

dados, a princípio, tranqüilizam. No entanto, sabemos que o recurso não é

inesgotável. Em 2005, no Brasil, o Ministério de Minas e Energia (MME) trabalhou

com reserva-produção de dezoito anos, como meta para uma taxa de crescimento

de 4,5%, com reservas provadas10 de petróleo de 10,5 bilhões de barris (dado do

MME). Caso a taxa de crescimento ultrapasse o valor estimado, cai a reserva-

produção. Nesse sentido enfatiza-se a importância das pesquisas e a prospecção,

no sentido de ampliar o conhecimento do potencial petrolífero do território

brasileiro. Encontrar mais petróleo e gás (este último tem a vantagem de ser mais

econômico e mais ecológico, embora também esgotável, além de pode ajudar a

reduzir a demanda pelo petróleo) tem sido a incumbência da Agência Nacional do

Petróleo11 e da Petrobrás. A ANP exerce um papel regulador em relação aos

investimentos nas áreas relacionadas à indústria petrolífera (exploração,

produção, refino, transporte e comercialização) e a ampliação da prospecção tem

acontecido através de leilões de blocos oferecidos pela Agência12.

A tecnologia de perfuração em profundidade é a grande preocupação, uma

vez que do total dos blocos oceânicos explorados, 63% encontram-se em

profundidades superiores a mil metros. A PETROBRÁS é detentora dos recordes 10 Reserva provadas são reservas de petróleo e gás natural que, com base na análise de dados geológicos e de engenharia, se estima recuperara comercialmente de reservatórios descobertos e avaliados, com elevado grau de certeza, e cuja estimativa considere as condições econômicas vigentes, os métodos operacionais usualmente viáveis e os regulamentos instituídos pelas legislações petrolíferas e tributária brasileira. (VIDIGAL, 2005: 79) 11 Uma nova mudança no cenário da indústria do petróleo ocorreu com a lei 9.478, promulgada em 1997, que decretou a quebra do monopólio da PETROBRÁS referente à exploração, produção, transporte, refino e importação de petróleo e derivados e a criação da ANP e do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). (CNIO, 1998) Desta forma, ANP substituiu a PETROBRÁS nas responsabilidades de ser o órgão executor do gerenciamento do petróleo no país. 12 A partir de 1988 os blocos sob concessão (mar e terra) foram arrematados sendo que à PETROBRÁS foram concedidas 115 áreas de exploração (op.cit).

125

mundiais de completação13 em poços de em lâmina d`água profundas, com poços

produtores situados em lâminas d`água pouco maiores que 1 700 metros e poços

exploratórios em profundidades maiores que dois mil metros. Daí, a produção

desses campos necessita de conhecimento das condições ambientais e de

estabilidade do subsolo marinho, em que se assentarão todos os equipamentos de

extração de petróleo. Condições de mar, força e direção das ondas e correntes

também devem ser precisamente conhecidas, bem como a circulação submarina,

envolvendo assim um complexo conjunto de pesquisas.

No Brasil as áreas em terra produtoras de petróleo localizam-se nos

estados do Amazonas, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia e

Espírito Santo e no mar, a produção é proveniente dos estados do Ceará, Rio

Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São

Paulo e Paraná14. As bacias exploratórias no mar15 são em número de onze: Foz

do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar, Sergipe-Alagoas,

Camamu e Almada, Jequitinhonha, Espírito Santo, Campos, Santos e Pelotas.

Juntas somam uma área de 169 283 28 km2 enquanto que os 126 blocos

exploratórios em terra somam uma área bem menor, de cerca de 21 543 40 km2.

(VIDIGAL, 2005). A Bacia de Campos, considerada a principal província petrolífera

do país (op.cit), ocupa uma área de 115 000 km 2 (estende-se do Espírito Santo -

próximo a Vitória - até Cabo Frio, no litoral norte do Estado do Rio de Janeiro) e

profundidades que atingem até 3400 metros, com produção de 1,3 milhão de

barris/dia de petróleo.

Dados da ANP mais recentes, elaborados em fins de 2003, revelam que por

ano no Brasil, o petróleo é responsável pelo recolhimento de cinqüenta e sete

bilhões de reais em impostos diretos. Tais dados nos permitem inferir o êxito da

exploração e da produção do petróleo e do gás no nosso país. Ao estado do Rio

13 Determinação do menor espaço métrico que contém um dado espaço (Dicionário Houaiss). 14 O Paraná também produz óleo de xisto, que é um óleo semelhante ao petróleo. Este óleo é extraído de uma rocha denominada informalmente de “xisto pirobetuminoso”, mas que na realidade é uma rocha sedimentar chamada folhelho betuminoso, ou seja, um folhelho com altíssimo teor de matéria orgânica. 15 Segundo Vidigal (2005), 87% do petróleo brasileiro vem do mar.

126

de Janeiro, maior produtor nacional de petróleo e de gás, juntamente com os seus

municípios, no ano de 2002, coube 99,2% do total de royalties16 distribuído às

Unidades da Federação. Outra inferência dos dados é a diminuição da

dependência externa brasileira de petróleo e derivados – relação entre a

importação líquida e o consumo aparente de petróleo e derivados – que estava

perto de cinqüenta por cento em 1993 e que caiu para apenas 9,4% em 2002.

Destas observações, é possível deduzir a necessidade de conhecimento do

potencial petrolífero do território brasileiro e da necessidade de investimento na

área de tecnologia, na formação de mão-de-obra capacitada e dos investimentos

de alto risco em áreas pouco exploradas.

Conforme apresentado no decorrer desta pesquisa, a espessura sedimentar

existente na extremidade da Zona Econômica Exclusiva mais afastada do território

emerso, obtida através por meio de levantamentos sísmicos é o critério

estabelecido pela ONU para determinar a jurisdição dos direitos de soberania na

exploração e no aproveitamento dos recursos naturais do leito marinho e do

subsolo ao longo de seu extenso território submerso. O investimento contínuo se

faz necessário na obtenção do conhecimento que permitirá as decisões sobre a

utilização dos recursos existentes nas margens continentais. Com relação

especificamente à delimitação da plataforma continental brasileira, uma das

conseqüências imediatas no campo da indústria do petróleo será a licitação dos

blocos da Agência Nacional de Petróleo, que se encontram no momento restritos

às duzentas milhas, e que poderão estender-se até o limite exterior da plataforma

(MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2001)

16 Royalties são compensações financeiras pagas pelos concessionários cujos contratos estão na etapa da produção de petróleo ou gás natural, incluindo-se também os contratos que estão na fase de exploração realizando testes de longa duração, distribuídas entre Estados, municípios, Ministério da Ciência e Tecnologia e Comando da Marinha, nos termos da Lei nº 9.478/97 (Lei do petróleo) e do decreto nº 2705/98.

127

4.2.2 A Pesca

Para melhor entendimento dos dados divulgados nesta pesquisa convém

atentar para a definição do termo: será considerado pesca todo ato com objetivo

de retirar, colher, apanhar, extrair ou capturar quaisquer recursos pesqueiros17 em

ambientes aquáticos, podendo ser exercida em caráter científico,

econômico/comercial, amadorístico ou de subsistência (CNIO, 1998). A pesca

marítima, desta forma, será definida como aquela realizada nas áreas descritas

acima, acrescidas das baías, enseadas, angras, braços de mar ou áreas de

manguezais, diferenciando tal classificação das chamadas águas doces (rios,

ribeirões, lagos, lagoas, açudes etc.), definidas como continentais.

Segundo palestra proferida pelo ministro da Secretaria Especial de

Aqüicultura e Pesca, José Fritch, por ocasião da XI Conferência das Nações

Unidas para o comércio e o desenvolvimento (UNCTAD)18, a pesca no mundo

gera riqueza em torno de cinqüenta bilhões de dólares ao ano, “enquanto o Brasil

produz apenas US$ 6,6 bilhões”. Desta forma, a posição do país no ranking

mundial de pescados, apresentada na conferência, de 27º lugar, é considerada

inferior em função da extensão de sua costa e do fato de possuir doze por cento

de toda a água doce do planeta, além de uma Zona Econômica Exclusiva de 4,5

milhões de quilômetros quadrados. Tal fato pode ser atribuído, segundo o

programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos da Zona

Econômica Exclusiva – REVIZEE, descrito anteriormente, e ainda sem

informações conclusivas, às características das águas, típicas das regiões

tropicais e subtropicais, dominadas por salinidade e temperaturas elevadas, com

baixa concentração de nutrientes. A potencialidade quantitativa e qualitativa dos

17 são todas as formas vivas que tenham na água o seu normal ou mais freqüente meio de vida. Em sua maior parte não apresentam qualquer valor intrínseco mas ocupam posições importantes na cadeia alimentar. Esse fato será reconsiderado no final da exposição sobre pesca. 18 A décima primeira sessão da Conferência das nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), ocorrida no Brasil, em São Paulo, em 2004, tem como um dos objetivos, “assegurar ganhos de desenvolvimento a partir do comércio internacional e das negociações do comércio”.

128

recursos pesqueiros marítimos brasileiros é determinada pelas características

físicas, oceanográficas e climáticas, definidas nos capítulos II e III deste trabalho,

com destaque para a plataforma continental, na maior parte do litoral, bastante

estreita; as correntes marítimas de características físico-químicas distintas; e o

extenso litoral, constituído de condições ambientais diferenciadas, influenciadas

grandemente por essas correntes.

As regiões com melhor produtividade, localizadas ao sul de Cabo Frio,

sofrem a influência da ressurgência e da Corrente das Malvinas19. A partir dessa

explicação, pode-se concluir que a ZEE não possui estoques pesqueiros

significativos. Outra observação decorrida das características naturais das águas

brasileiras aponta para o desenvolvimento da pesca industrial nas regiões sudeste

e sul, em função da maior concentração dos recursos pesqueiros e a maior

produtividade aí encontrados20. No norte e nordeste do Brasil a pesca mais

representativa é a artesanal e o contingente de pescadores ainda exerce um

importante papel no ambiente da pesca nacional (VIDIGAL, 2005: 92).

Nesse ponto faz-se necessária uma breve elucidação sobre as diferentes

categorias da pesca extrativa marítima no Brasil, que podem ser divididas em

pesca de subsistência, exclusivamente para obtenção de alimento, sem finalidade

comercial; pesca artesanal, com objetivo comercial, mas sem vínculo empregatício

com a indústria de processamento ou comercialização do pescado, constituindo a

maior parte da frota pesqueira nacional e com a participação de até sessenta por

cento no total das capturas; pesca industrial costeira, feita por embarcações mais

autônomas, capazes de operar em áreas distantes; e a pesca industrial oceânica,

incipiente no Brasil, com embarcações aptas a operar em toda ZEE, até em outros

países, sendo quase todas arrendadas de países estrangeiros.

A captura dos principais recursos em volume ou valor da produção, com

destaque para lagosta, piramutaba, sardinha, atuns e afins, camarões e espécies 19 A corrente das Malvinas é originária de uma ramificação da corrente Circumpolar Antártica, que flui em torno da Antártica e pode ser visualizada na “figura 1.4”, no capítulo 1 dessa pesquisa. 20Além da questão física a concentração dos recursos pesqueiros dá-se também pela política de incentivos desenvolvida na década de sessenta, pela SUDEPE – Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SCHIAVONE, 1996).

129

demersais ou e fundo (corvina, pescadinha, pescada etc.) é em que se concentra

o segmento da pesca industrial costeira no país. Já na pesca extrativa marítima,

as principais espécies exploradas comercialmente são o camarão rosa e a

piramutaba, no litoral norte; a lagosta no Nordeste; a sardinha, os camarões e os

peixes demersais do Sudeste/Sul, os atuns e afins ao longo do litoral brasileiro

(CNIO, 1998). Os principais recursos pesqueiros explotados nas diferentes regiões

da costa são apontados e relacionados aos diferentes tipos de pesca

A pesca empresarial concentra suas capturas nas

piramutabas e camarões da Região Norte, nos pargos, lagostas e camarões nordestinos, nos peixes de pedra dos parcéis de Abrolhos e do Mar Novo, nas sardinhas, atuns, cações e peixes demersais e camarões do Sudeste e Sul brasileiros.

Já a pesca artesanal explora uma grande quantidade de espécies, das quais destacam-se as sardinhas, tainhas, bagres, gurijubas, filhotes, pescadas, corvinas, cações, serras, camarões, caranguejos e moluscos como mexilhões, sururus e lulas.

É no Sudeste e no Sul que estão concentradas as empresas pesqueiras do país. Enquanto no Norte as capturas industriais atingem 13,7% do total da produção e no Nordeste atingem 10%, nas regiões Sul e Sudeste as empresas pesqueiras são responsáveis por 71,8% e 87, 7% das capturas respectivamente, o que aponta para uma concentração espacial do capital no setor pesqueiro no sudeste e no Sul do país (SCHIAVONE, 1996: 17).

Segundo a Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos, é fato que

todos os recursos pesqueiros nacionais encontram-se muito próximos ou já em

seus limites de sustentabilidade. Daí, a necessidade da geração de

conhecimentos técnico-científicos a fim de propiciar técnicas e métodos

adequados ao desenvolvimento da pesca. No entanto, há um consenso entre os

autores pesquisados no que diz respeito ao levantamento de dados sobre a pesca

nacional: a fragilidade das estatísticas brasileiras, em função da falta de

abrangência e pela descontinuidade das pesquisas e dos programas voltados ao

setor, em função de seguidas e frágeis medidas de ordenamento referente às

130

ações de controle e fiscalização (CNIO, 1998; VIDIGAL, 2005)21. SCHIAVONE,

1996, refere-se também ao fato de que muitas das estatísticas não abrangem

todos os lugares de pesca; e também às distorções relacionadas a cada

classificação de pesca. Ainda assim, o quadro da produção marítima da pesca

marítima brasileira é considerado delicado, seja pela queda, seja pela estagnação

dos últimos anos.

4.2.3 Aqüicultura

Em relação à aqüicultura, produção de recursos hidrobiológicos pela

atividade humana também chamada de maricultura, esse setor tem crescido em

média, 27,5% ao ano, nos últimos cinco anos (tabela 4.1), enquanto a mundial

evoluiu sete por cento no mesmo período (VIDIGAL, 2005: 94). No entanto o

potencial representado por essa atividade no Brasil é pouco explorado e poderia

representar uma resposta aos problemas enfrentados pelo país, como a criação

de empregos e geração de renda, e utilização racional de seus recursos

ecológicos (CNIO, 1998). A aproximação do limite máximo de sustentabilidade por

parte de quase todos os recursos pesqueiros, em especial os costeiros, mais

vulneráveis a uma pesca mais intensiva sugere não só a maricultura como

também a pesca oceânica como atividades extremamente relevantes.

21 Atribui-se à fonte geradora de dados ou a um possível vício estatístico na sistemática de coleta de dados, efetuada até 1989 pelo IBGE, na qual teria havido uma possível duplicação de dados de produção de algumas espécies, como a sardinha.

131

TABELA 4.1: Produção Total e Participação Relativa da Pesca Extrativa e da Aqüicultura em Águas Marinhas e Continentais (1997- 2003)

PESCA EXTRATIVA Aqüicultura ANO Marinha Continental Total(t) % Marinha Continental Total(t) %

Total(t)

1997 465714,0 178871,0 644585,0 88,0 10180,0 77493,5 87673,5 12,0 732258,5 1998 432599,0 174190,0 606789,0 85,4 15349,0 88565,5 103914,5 14,6 710703,5 1999 418470,0 185471,5 603941,5 81,1 26513,5 114142,5 140656,0 18,9 744597,5 2000 467687,0 199159,0 666846,0 79,1 38374,5 138156,0 176530,5 20,9 843376,5 2001 509946,0 220431,5 730377,5 77,7 52846,5 156532,0 209378,5 22,3 939756,0 2002 516166,5 239415,5 755582,0 75,0 71114,0 180173,0 251287,0 25,0 1006869,0 2003 484592,5 227551,0 712143,5 71,9 101003,0 177125,5 278128,5 28,1 990272,0

Fonte: IBAMA

4.2.4 Transporte Marítimo

Considerado o meio mais econômico de levar grandes cargas a longas

distâncias, perpassando por rotas variadas, esse transporte é responsável pela

condução de mais de noventa por cento da tonelagem das trocas com o exterior

ou ainda, responsável por 11,72% do movimento de carga registrado, refletindo a

demanda provocada pelo crescimento do comércio internacional no Brasil

(FADDA, 1999). Tal demanda, no entanto, não foi acompanhada pelo investimento

no setor, que seria traduzido pela criação de um “sistema de cadeia de

transporte”, ou transporte multimodal, onde, em síntese, um complexo formado

pelos modais ferroviário, rodoviário e aquaviário estariam integrados, escoando as

mercadorias. Com opinião mais reticente, Contel (2001: 358), julga que o

transporte aquaviário, apesar de econômico e da “(...) capacidade de carga,

necessita da pré-existência de “hidrovias”22 e não permite velocidade altas em

seus deslocamentos”.

22Neste ponto cumpre assinalar que, a Agência Nacional de Águas, do Ministério do Meio Ambiente, aponta as diferenças encontradas na terminologia que envolve “aquavia”, “hidrovia”, “via navegável”, “caminho marítimo” ou “caminho fluvial”. Isto porque, apesar de serem considerados sinônimos, há um destaque para o que se define como hidrovia. Essa última está associada às vias navegáveis interiores que foram balizadas e sinalizadas para uma determinada embarcação, isto é, aquelas que oferecem boas condições de segurança às embarcações, suas cargas e passageiros ou tripulantes e que dispõem de cartas de navegação.

132

Segundo Vidigal (2005: 63), a falta de planejamento é algo antiga, pois “(...)

há mais de uma década alguns brasileiros já tinham diagnosticado tal crise.” Essa

afirmativa se confirma na obra de Travassos “Projeção Continental do Brasil”, de

1935.

Finalmente, e essa é a característica essencial, a quase obrigatoriedade de lançar-se mão de todos os meio de transporte, evitando-se justapô-los uns aos outros. Essa conclusão e impõe em face da variedade morfológica do espaço geográfico, das longas distâncias e da ínfima densidade de população interior.(op.cit: 173)

Vidigal (2005: 63 - 4) cita a importância do transporte marítimo como fator

de segurança nacional, uma vez que “(...) nos momentos de crise e conflito, o mar

é o grande palco onde muitas das ações se desenvolvem.” E continua, justificando

que “(...) todos os setores nacionais, políticos, estratégicos ou econômicos são

atingidos”. Tal assertiva é perfeitamente justificável face os números supracitados

do volume de mercadorias e bens transportados pelo mar, representados pelo

mapa das principais rotas de comércio brasileiro, em 1992 (ver figura 4.2).

133

Figura 4.2 – Representação das Principais Rotas de Comércio Brasileiro com Média Diária de Navios por Rota (1992)

Fonte: VIDIGAL, 1993

Segundo Penha (1998: 145-46), a demanda crescente representada pelo

comércio externo impeliu o governo brasileiro, na década de 1990, à

implementação de corredores de exportação, integrando portos e o sistema viário

geral ao fluxo de mercadorias, começando pelo “(...) produtor, passa pelos meios

de transporte terrestres, e atinge o binômio porto-navio, prosseguindo de forma

inversa, no destino, até o consumidor”. O transporte interno de mercadorias no Brasil favorece o meio rodoviário (55,91%), ferroviário (20,57%) e hidroviário (19,44%), ficando o restante para outros sistemas como o dutoviário e o aeroviário.

(...) As diferenças de custo entre os portos brasileiros e estrangeiros se deve a uma série de razões como o excesso de regulamentações, o corporativismo dos sindicatos e a indolência do empresariado, todos acomodados à burocracia do Estado. Estes problemas têm contribuído para dificultar o crescimento do comércio marítimo, principalmente no que concerne à navegação fluvial e à cabotagem onde, por força dos custos portuários, a competição com o caminhão é totalmente desvantajosa para o navio. (op. cit. : 145-47).

134

Assim, para a efetivação do transporte modal, uma das tarefas a ser

cumprida é a criação da viabilização das comunicações estabelecidas pelas vias

fluviais, com a rede de seus formadores (ver figuras 4.3 e 4.4).

Figura 4.3- Principais Bacias Hidrográficas

Fonte: Ministério dos Transportes

135

Figura 4.4 – Principais Hidrovias

Fonte: Ministério dos Transportes

As vias fluviais do interior ligam o Brasil com outros países da América do

Sul, e além disso, em muitas áreas da bacia do Amazonas, essas vias são o

principal meio de transporte.

136

O sistema de movimento aquaviário23, fundamental na era pré-técnica do território brasileiro (1500-1870), é composto basicamente por três subsistemas: a navegação interior (ou hidroviária), a navegação de cabotagem e a navegação de longo curso (ou navegação marítima). (...) Com relação ao subsistema de movimento de cabotagem, que até o período técnico do território brasileiro (1870-1950) cumpria também a função essencial de transporte “longitudinal” de passageiros (já que a urbanização era essencialmente litorânea nessa época), a cabotagem vem conhecendo, desde a década de 1950, outros tipos de atribuições (...) Já com relação à navegação interior (que diz respeito à movimentação de embarcações pelas diferentes bacias hidrográficas do território brasileiro), (...) constitui parte essencial da via regional nos estados do Rio Grande do Sul e na Bacia Amazônica (Santos & Silveira, 2001: 359)

Mário Travassos, em 1931, em sua obra “Projeção Continental do Brasil”,

ao dissertar sobre o privilegiado papel geoestratégico da Argentina no continente e

no Atlântico Sul, em função da Bacia do Prata, e da necessidade do Brasil

responder à tal ameaça, atribui ao litoral atlântico, ao “Brasil Platino” e ao “Brasil

Amazônico”, a “(...) expressão mesma da influência continental do Brasil”.

Segundo esse autor, a hegemonia continental poderia ser obtida, ao se conjugar

os transportes marítimos, terrestres e aéreos, a fim de integrar o país, valorizando-

se, assim, o espaço geográfico.

Nossa influência se faz sentir em ambos os compartimentos das bacias Amazônica e Platina: as abertas andinas como que ligam a bacia amazônica ao litoral do Pacífico; a faixa litorânea de nosso território e o nosso litoral rematam todas as nossas possibilidades na vertente atlântica. Sobre essa base, levando em conta os interesses internos como os continentais é que deveríamos traçar nossa política de comunicações, que, para responder a todas as necessidades, quaisquer que fossem as circunstâncias em jogo (...), se deveria valer de todos os meios de transportes e conjugadamente. (...) somente sob o domínio da pluralidade dos transportes poderá o Brasil exprimir toda a força de sua imensa projeção coordenadora no cenário da política e economia continental, tal como incontestavelmente lhe compete. (Travassos, 1947: 152, 3).

Face ao que descrevemos, o sistema de movimento aquaviário

(navegação interior) foi fundamental nos primeiros séculos da formação territorial 23 (grifos dos autores)

137

brasileira (1500-1870). Hodiernamente, além da navegação interior é notória a

relevância do comércio internacional para o Brasil, e ambos estão relacionados ao

litoral de vasta extensão, e às grandes bacias hidrográficas descritas, com sua

rede, apontada como a mais extensa do Globo, com 55 457km2 .

Vidigal (2005), enfatiza a importância estratégica de uma “(...) significativa

frota mercante” necessária em momentos como a guerra entre argentinos e

britânicos pelo arquipélago das Malvinas, em 1982 e a Guerra do Golfo, em 1990-

91, onde os navios mercantes foram intensamente utilizados “(...) como frota de

apoio para os navios de guerra em operação bem como para a manutenção do

fluxo logístico necessário às operações”.

A partir do fim dos anos sessenta – 1967 - com a implantação de uma

política voltada para a Marinha Mercante, houve um aumento da frota e da

participação da bandeira brasileira nos fretes de longo curso e de cabotagem,

além do emprego direto e indireto de pessoas;

No seu auge, a indústria naval chegou a ter quase meio milhão de pessoas, direta ou indiretamente empregadas (40000 postos diretos de trabalho, gerando cada um mais 5 postos indiretos). Foi gerada no país uma infra-estrutura industrial na cadeia produtiva da indústria naval, contribuindo para a melhoria de sua competitividade (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2002: 2).

Tal situação se prolongou até 1990, quando um processo de

desregulamentação da marinha mercante foi intensificado, resultando na

decadência da indústria de construção naval e a redução da participação da

bandeira brasileira nos tráfegos internacionais. Desaparecido o modelo introduzido

na década de sessenta, repleto de medidas protecionistas, estaleiros e empresas

erguidos entraram em processo de liquidação e essa crise ainda repercute nos

dias atuais. No entanto, um possível renascimento é apontado, relacionado à

indústria naval, centro operativo do transporte marítimo, concentrada basicamente

no estado do Rio de Janeiro (sessenta e quatro por cento dos estaleiros

brasileiros):

138

Nos últimos anos, vive um processo gradual de renascimento. No auge da operacionalidade da construção naval, a capacidade produtiva nacional atingiu 1 400 000 toneladas de porte bruto, em 1979, recorde até hoje, o que resultou, na época, em cerca de trinta e nove mil empregos diretos e 31 000 indiretos na indústria naval propriamente dita, e mais de 140 000 diretos. (VIDIGAL, 2005: 66).

Tal visão é comprovada pelo relatório proveniente do Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2002: 4)

Hoje, a indústria de construção naval, com o que resta da infra-estrutura em sua cadeia produtiva, criada nos áureos tempos desse segmento, vem tentando reerguer-se através de nichos de mercado que começam a aparecer, e procurando recuperar a competitividade para uma maior participação no mercado internacional, levantando sempre a bandeira de ser um setor de alto benefício socioeconômico, pela excelente relação investimento / postos de trabalho.

4.2.5 Os Portos

Os portos e terminais são elementos de um complexo necessário ao

movimento de mercadorias e ao escoamento das mesmas, por meio das vias de

acesso aos vários modais de transporte, rodoviário, ferroviário ou hidroviário, fato

comentado no capítulo III dessa pesquisa.

Além da necessidade de integração, os portos devem estar adaptados ao

tipo de carga que irão receber, e, por esse motivo, os terminais são criados com

equipamentos e técnicas operacionais específicos, com a utilização de

contêineres, como por exemplo, a fim de facilitar o transporte da carga e

assegurar a sua integridade até a entrega ao distribuidor final. Outros dois pontos

são apontados pela CNIO (1998: 162) como frágeis no Brasil, além da

modernização dos portos: os elevados custos portuários, decorridos das altas

tarifas operacionais e “(...) a ineficiência de todos os órgãos envolvidos no

processo de movimentação de carga (Receita Federal, Vigilância Sanitária,

Estiva...)”. Esse último fato é responsável pela atracação de um navio por vários

139

dias, de maneira geral, nos portos brasileiros, aumentando em muito o valor do

transporte.

No entanto, o número de portos no Brasil é considerado expressivo por

Vidigal (2005: 69) que relaciona este fato “(...) à potencialidade da Amazônia

Azul”. Há quarenta e quatro portos em operação (ver figura 4.1) sendo que

dezesseis deles destacam-se por sua capacidade operacional, ainda que em

níveis baixos comparadamente aos grandes portos internacionais e os motivos

disto, apontados pelo autor, corroboram os que vimos: “(...) precário

aproveitamento das redes de vias aquaviárias, ferroviárias e rodoviárias que ligam

as regiões produtoras de mercadorias a esses portos até a sua não adequação às

modernas regras técnicas portuárias” (op. cit.).

Como já citamos, a inexistência de uma política de integração de

transportes é apontada como a principal causa da ineficiência do transporte

aquaviário no Brasil, embora esse modelo seja considerado o mais barato e cujos

reflexos tornam-se menos sentidos sobre o custo das mercadorias. Assim, é

preciso acelerar o processo de modernização dos portos, transformando-os em

consideráveis embarcadores e desembarcadores de carga, é também investir no

setor de infra-estrutura de apoio ao transporte marítimo, como as estradas de ferro

e de rodagem e as hidrovias.

140

Figura 4.5 Localização dos Portos Brasileiros

Fonte: Ministério dos Transportes

4.2.6 Recursos Minerais e Os Nódulos Polimetálicos

De maneira geral, o sal extraído das águas dos oceanos é um recurso

mineral e fonte sustentável de elementos economicamente importantes, como por

exemplo, Cloro (Cl), Sódio (Na), Magnésio (Mg), Potássio, Bromo (Br) e Estrôncio.

141

No entanto, até o presente, os únicos elementos comercialmente extraídos da

água do mar em grande escala são o sódio, cloro, magnésio e bromo. Segundo

artigo publicado em Revista Brasileira de Geofísica no ano 2000, embora a água

do mar seja rica em elementos de valor econômico, a maior parte dos recursos

minerais encontrados nos oceanos estão relacionados a ambientes geológicos

específicos, e, portanto, à interação entre a água do mar e outros agentes, tais

como aporte sedimentar de rios, atividade biológica e magmatismo24. Assim, um

conjunto de fatores leva à formação de jazidas minerais, o que permite que os

depósitos minerais marinhos sejam encontrados em diferentes ambientes

geológicos, desde as margens continentais até cordilheiras mesoceânicas

(Gabinete de Segurança Institucional, 2005).

Segundo Vidigal (2005), no que diz respeito aos recursos minerais, o Brasil

conta com a existência da maior parte deles no continente, à exceção de

hidrocarbonetos, alguns evaporitos e areias. Tal fato inibe, portanto as iniciativas

de exploração no meio marinho, da maneira como ocorreu inicialmente com a

exploração de petróleo.

De acordo com a CNIO (1998), dentre os sedimentos potencialmente

aproveitáveis existentes nos fundos dos oceanos, os nódulos de manganês ou

nódulos polimetálicos25 são os mais notáveis. Presentes na Área (solo e o subsolo

marinhos situados além da jurisdição nacional e que, pela Convenção, é

patrimônio comum da humanidade res communis – ver capítulo II), o interesse por

esse recurso cresce também à medida que cresce o aprimoramento tecnológico e

por esse motivo, estratégico, é necessário resguardar o direito de exploração,

ainda que essa não esteja sendo exercida no presente momento, assim como

enfatizar o estudo sobre as informações geológicas. A CPRM (Serviço Geológico

do Brasil, ou Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais) é o responsável pelo

Programa Geologia do Brasil, do Governo Federal, incubido de realizar 24 Conjunto de processos associados ao desenvolvimento e movimentação do magma no interior da Terra (Suguio, 1998: 486). 25 Não são apenas ricos em manganês: contém também cobre, silício, cobalto e níquel. Acham-se amplamente distribuídos em sedimentos marinhos, principalmente em grandes profundidades (Suguio, 1998: 553).

142

mapeamentos geológicos e geoquímicos, bem como o conhecimento da geologia

marinha. O Programa REMPLAC, anteriormente citado está encarregado de

efetivar estudos sobre os recursos minerais da margem continental brasileira. As

pesquisas irão possibilitar a identificação de recursos minerais, onde a plataforma

marinha brasileira é propícia a ocorrências de vários tipos de minerais tais como

fosforita, granulados, crostas cobaltíferas, sulfato de polimetálicos (rochas que

podem conter vários metais como zinco, ouro, cobre etc).

Uma vez que citamos algumas das riquezas cabe relacionar a questão da

vigilância e defesa das águas jurisdicionais brasileiras. A Política de Defesa

Nacional (PDN), aprovada em Decreto, em 2005, é voltada para a defesa externa,

onde a Amazônia Brasileira e o Atlântico Sul são apontados como áreas

prioritárias, tendo em vista a sua importância estratégia e econômica. Vidigal

(2005) menciona que a PDN aponta para a necessidade do Brasil dispor de meios

para o exercício da vigilância, controle e defesa das águas, através do aumento da

presença militar no Atlântico Sul, em função da detenção, por parte do país, de

grande biodiversidade e de grandes reservas de recursos naturais.

Assim, o papel das Forças Armadas é essencial para a preservação da

soberania, apesar de sua vulnerabilidade proporcionada pelos seguintes fatores

apontados pelo autor:

(...) a nossa dependência ao tráfego marítimo no comércio internacional; a extensão da nossa Zona Econômica Exclusiva e de nossa Plataforma Continental; a importância para o país do petróleo e gás extraídos da plataforma; e a concentração de nossa população e das principais indústrias do país na faixa costeira, ao alcance, portanto, de ataques provenientes do mar.(op.cit, 2005:

O Poder Naval, então, é apontado como necessário à capacidade de

barganha do Estado, para que seus interesses não sofram coerções. O tráfego

marítimo deve ser protegido, assim como as águas jurisdicionais e, para isso,

decorre a necessidade da presença de navios velozes e com alta capacidade e

permanência no mar, aliados a helicópteros e aviões, em associação com a Força

Aérea, além de um controle eficiente do tráfego marítimo, apoiado por moderna

143

tecnologia. No entanto, o investimento em pesquisas científicas, assim como nas

aquisições de equipamentos, capaz de dar respaldo a essa infra-estrutura não se

faz suficiente, provocando insatisfação inclusive da comunidade marítima

internacional quando, por exemplo, o Brasil não se faz capaz de reprimir

eficazmente o assalto a navios atracados ou fundeados nas águas próximas.

Algumas medidas devem ser imediatamente adotadas a fim de permitir que

todo o esforço associado às pesquisas de levantamento de riquezas, descritas ao

longo dessa pesquisa, não sejam inúteis.

77

Antes de prosseguirmos com a abordagem fisiográfica, torna-se necessário

abordar as acepções existentes sobre os termos utilizados nesta parte da

pesquisa, considerando-se as pequenas diferenças entre os mesmos. As

designações de “litoral, costa, faixa costeira, faixa litoral, orla costeira, zona

costeira, zona litoral, área / região costeira” são várias e utilizadas por especialistas

de diferentes áreas para referir porções do território de dimensões variáveis, na

interface entre a Terra e o Oceano. Há muitas definições associadas àqueles

termos, capazes de considerar a complexidade do tema, no entanto, o

estabelecimento dos limites físicos é uma questão bastante controversa. Para

Moraes (1999: 28):

A precisa delimitação do que seria a “zona costeira” de um país é tema que suscita polêmicas internacionais. Quando a perspectiva se afasta do formalismo das definições abstratas, do tipo “zona de interação dos meios terrestres, marinhos e atmosféricos”, vê-se que a questão não permite uma só resposta pois tal tema remete a uma variedade de situações que deveriam ser contempladas numa boa definição.

Como exemplo dessa controvérsia podemos comentar a proposta feita pelo

Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional

de Portugal, que se utiliza do “European Code of Conduct for Coastal Zones”1,

onde litoral pode ser definido como um termo geral que descreve porções do

território influenciadas direta e indiretamente pela proximidade do mar. A Zona

costeira, é apontada como a porção de território influenciada direta e

indiretamente em termos biofísicos pelo mar (ondas, marés, ventos, biota ou

salinidade), mas que já apresenta largura fixa, atingindo em direção ao oceano até

o limite da plataforma continental e, em direção oposta, para o lado do continente, 1 O “Código de Conduta Europeu para Zonas Litorais” é uma iniciativa do EUCC (União Européia para Conservação do Litoral), que lançou a idéia em 1993. Foi apresentada em Conferência no início do ano de 2006 sob o título “Bases para a Estratégia de Gestão Integrada da Zona Costeira Nacional”.

78

podendo atingir quilômetros. E aí nesse ponto que difere com algumas definições

adotadas pelo Brasil, como veremos mais adiante, que consideram o limite em

direção ao oceano até a Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Quanto à orla costeira,

o estudo do código europeu determina como a porção do território onde o mar

exerce diretamente a sua ação, auxiliado pela erosão eólica, e que tipicamente se

estende, em direção ao continente, por centenas de metros e, em direção ao mar,

até à batimétrica dos 30 metros. Por linha de costa, pode-se entender a fronteira

entre a terra e o mar; evidenciada através da intercessão do nível médio do mar

com a zona terrestre.

Há ainda outras definições sobre o litoral, como a utilizada pela Comissão

Nacional Independente dos Oceanos (CNIO, 1999: 192), no Brasil: “(...) zona que

une a terra e o mar, vivendo ativamente as regressões e as transgressões

marinhas ao longo da história da Terra.” Em relação ao litoral brasileiro, esse é

dotado de número razoável de áreas abrigadas e profundas, o que favorece a

existência de portos economicamente competitivos. E, assim como os sistemas

terrestres adjacentes são afetados pela ação do mar, o ambiente marinho recebe a

influência continental, fato que ocorre de maneira variável: proporcionalmente à

extensão das bacias hidrográficas (coletoras de sedimentos e de resíduos

poluentes das áreas interiores) e também em consonância com as condições

oceanográficas e climatológicas (que regulam a influência dos oceanos sobre a

massa continental). A partir dessa acepção, é possível, portanto, entender por

zona costeira, todas as áreas contidas nas bacias hidrográficas que a afetam e,

além disso, a extensão marinha até a quebra da plataforma continental ou até o

limite da ZEE (CNIO, 1999), diferencial quando outras definições são comparadas.

Quanto à largura e à profundidade média dessa primeira – a plataforma continental

- ou seja, o terreno da crosta continental que avança para o mar, possui média de

noventa quilômetros de extensão e duzentos metros, respectivamente (SOUSA,

2004).

A complexidade que assinalamos no início do capítulo referente à definição

da Zona Costeira pode ser determinada em função da diversidade das atividades

79

que nela são exercidas e pela suscetibilidade dos seus ecossistemas, constituindo-

se numa interface física e de transição funcional entre o ambiente terrestre e o

marinho. Por fim, o Glossário de Termos Técnicos e Siglas de Programas, Projetos

e Instituições (nacionais e internacionais) referente ao programa REVIZEE

(Avaliação do Potencial Sustentável dos Recursos na Zona Econômica Exclusiva)

propõe essa definição de zona costeira:

É o espaço de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos ambientais, que abrange uma faixa marítima e uma faixa terrestre. A faixa marítima engloba as áreas compreendidas entre o litoral e as linhas de base retas, a partir de onde se mede o mar territorial (isto é, as águas das baías e enseadas, dos portos e dos estuários), e todo o mar territorial, de 12 milhas de largura. A faixa terrestre é a área do continente formada pelos municípios que sofrem influência direta dos fenômenos costeiro-marinhos, definidos de acordo com critérios estabelecidos no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC.

Moraes (1999: 28), atenta para o aspecto natural da Zona Costeira “(...) nem

sempre evidente como unidade natural, que circunscreva em todas as áreas

litorâneas um espaço padrão naturalmente singularizado”.

A Zona Costeira brasileira abriga um mosaico de ecossistemas. Ao longo do

litoral alternam-se mangues, restingas, campos de dunas e falésias, baías e

estuários, recifes e corais, praias e costões, planícies, intermarés e outros

ambientes. Um agrupado de formas decorrente da complexidade de processos

morfogenéticos, em que as interações de atividades destrutivas e construtivas das

águas oceânicas ao longo da faixa litorânea se confrontam com as influências das

águas continentais, também construtoras e destruidoras de formas e depósitos,

assim como também das atividades eólicas que igualmente exercem importante

papel de remobilização dos sedimentos marinhos. Em decorrência dessa dinâmica,

um conjunto de macrocompartimentos2 surge, resultando no processo de formação

da costa brasileira. A energia das ondas, a intensidade e a recorrência das

2 Dependendo da escala de mapeamento a dimensão dos compartimentos varia, podendo abranger desde segmentos de uma praia a grandes células de circulação costeira (Muehe, 1998: 280).

80

tempestades comandam a dinâmica dos processos de erosão e acumulação na

interface continente, oceano e fundo marinho. A Plataforma Continental geográfica

é bastante extensa no Brasil, apresentando seu término localizado de sessenta e

cinco a setenta e cinco metros de profundidade (SOUZA, 2005). No que diz

respeito à geomorfologia e fisiografia dos oceanos, a América do Sul possui duas

margens oceânicas. De um lado, na chamada margem passiva, do lado do

Atlântico, devido à inexistência de terremotos, tem-se uma configuração em que os

sedimentos jogados pelos rios através de milhões de anos formaram significativa

acumulação de sedimentos3. Do outro lado, está localizada a margem continental

denominada margem pacífica, situada no oceano Pacífico, porém, é

paradoxalmente ativa por estar associada a terremotos intensos, caracterizando

assim, uma geomorfologia profunda, com 8.500 m de profundidade.

Segundo Muehe (1998: 280), “(...) a configuração de um litoral representa o

resultado de longa interação entre processos tectônicos, geomorfológicos,

climáticos e oceanográficos”. A identificação de compartimentos, com

características morfológicas e de processos atuantes, mais ou menos

homogêneos, é importante para o entendimento das informações obtidas e

processadas através dos estudos multidisciplinares, a fim de uma melhor

integração, necessária à análise do tema. Uma dessas descrições é encontrada no

“Macrodiagnóstico da Zona Costeira do Brasil na escala da União”, feita pelo

Ministério do Meio Ambiente. Nesse estudo, as características são arranjadas em

grupos divididos por: componentes dos ecossistemas (bióticos ou abióticos,

incluindo o solo, a água, as plantas e os animais); funções (expressando as

interações entre os componentes); e os atributos (como a diversidade das

espécies e a diversidade cultural).

Muehe (1998), denomina como uma das divisões mais aceitas do litoral

brasileiro, a baseada nos estudos de Silveira (1964), e que será utilizada nessa

3 A definição de margem passiva foi abordada no capítulo anterior.

81

pesquisa, tendo como base o aspecto das regiões geográficas4, identificando cinco

grandes compartimentos – Norte, Nordeste, Leste ou Oriental, Sudeste e Sul,

seguindo critérios de homogeneidade de ecossistemas, do substrato e das

condições oceanográficas (figura 3.1). Tal divisão é apresentada pela Comissão

Nacional Independente sobre os Oceanos (CNIO), no Relatório que consta nas

referências bibliográficas desta pesquisa. Os compartimentos ainda são

subdivididos em macrocompartimentos e já foram submetidos a atualizações

desde a publicação original. Eis a divisão:

4 Segundo esse autor, a divisão geográfica regional não coincide exatamente com a adotada oficialmente (Muehe, 1998: 281).

82

Figura 3.1 Macrocompartimentos Costeiros

Fonte: Muehe, 1998

3.1.1 Região Norte (do extremo norte do Amapá até o Golfão Maranhense)

Caracterizada por uma Plataforma Continental larga, em grande parte

recoberta por sedimentos lamosos, influenciada pela descarga do rio Amazonas

(com significativo aporte de água doce) e de material em suspensão de origem

terrestre depositado sobre a plataforma, resultando na alta produtividade de

83

espécies de fundo nas costas do Amapá e do Pará. O litoral do Amapá é retilíneo,

enquanto a nordeste do Pará e a noroeste do Maranhão a costa apresenta-se

profundamente recortada (figura 3.3). Destacam-se, ainda, na área costeira, os

Golfões Marajoara e Maranhense, representando complexos estuarinos5 bastante

dinâmicos, sendo o caminho natural de uma descarga sólida.

Figura 3.2 Configuração do Litoral Norte

Fonte: Muehe, 1998

A largura da Plataforma Continental varia de oitenta metros, ao largo do

Amapá, a 160 milhas, na foz do Amazonas, reduzindo-se para apenas quarenta

milhas, a partir da baía do Tubarão. Neste ponto, cumpre ressaltar que a

Plataforma Continental Jurídica tem, no mínimo, duzentas milhas, podendo

estender-se dependendo de critérios constantes da CNDUM (Convenção das

Nações Unidas sobre o Direito do Mar), além desse limite6.

Na Plataforma Continental, entre o estuário do Rio Pará e a fronteira com a

Guiana Francesa, o material despejado – água, soluções – e a expansão de

5Corpo aquoso litorâneo de circulação mais ou menos restrita, porém ainda ligada a um oceano aberto (open ocean) (SUGUIO, 1998: 317). 6 Sobre esse item, voltaremos a tratar no capítulo II dessa pesquisa – “Critérios para a Definição da Plataforma Continental”.

84

energia – marés, correntes, ondas, ventos – são enormes. Tal fato gera diversos

processos oceanográficos que influenciam na distribuição dos recursos vivos da

região. Nesse local, as características de fundo e a produtividade da Plataforma

Continental interna favorecem as operações de pesca com arrasto (SCHIAVONE,

2001). A região é, também, altamente influenciada pela Corrente Norte do Brasil ou

Corrente das Guianas (ver figura 1.4), que transporta as águas da plataforma

externa e do talude na direção noroeste. Muehe (1998: 284), menciona ondas

geradas pelos ventos que “(...) em vez de estimular a erosão, trazem sedimentos

finos da plataforma em direção à costa (...)”. Além disso, a influência de fluxo das

correntes de maré, “(...) dirigidas no sentido perpendicular à linha de costa, é

percebida nos baixos cursos fluviais (...), (...) onde a penetração gera o efeito da

pororoca, como ocorre nos estuários dos rios Araguari e Flechal (...)”, atuando

sobre a navegação costeira, cuja dependência em relação às fases da maré é bem

forte.

3.1.2 Litoral Nordeste (da Baía de São Marcos até a Baía de todos os Santos)

A Plataforma Continental deste trecho é caracterizada pelo reduzido aporte

de sedimentos terrígenos devido à incipiente drenagem hidrográfica que a

acomete. Possui uma largura média entre vinte e trinta milhas, sendo constituída

por fundos irregulares, com formações de algas calcárias. Uma característica

notável da costa, especialmente entre Natal e Aracaju, é a barreira de recifes. O

ambiente oceanográfico é dominado pela Corrente Sul-equatorial, que se bifurca

ao encontrar a massa continental, nas correntes Norte do Brasil, rumo às Guianas,

e do Brasil, na direção sul. Do ponto de vista biológico, a região é oligotrófica7,

apresentando baixas densidades de fito e zooplâncton.

7 Ambiente em que há pouca quantidade de compostos de elementos nutritivos de plantas e animais. Especialmente usado para corpos d'água em que há pequeno suprimento de nutrientes e daí uma pequena produção orgânica (ODUM, 1983).

85

Neste macrocompartimento é possível perceber a influência dos sedimentos

na expansão da plataforma de maneira mais intensa

A plataforma continental interna, como a própria plataforma continental, é estreita e rasa. Sua largura até a isóbata de 50 metros é da ordem de 70 quilômetros, não muito distante da quebra da plataforma, que ocorre a uma distância da ordem de 80 km, em profundidades de apenas 70 a 80 metros. O recobrimento da plataforma continental interna é predominantemente de areias, e a presença desse estoque, que transborda sobre o litoral, formando os extensos campos de dunas denominados Lençóis Maranhenses e de outros, de menor expressão, deve, apenas em parte, estar associado ao aporte de sedimentos fluviais. A estes deve-se somar o resultado do selecionamento dos sedimentos oriundos da retrogradação dos depósitos sedimentares do Barreiras e concomitante alargamento da plataforma continental (Muehe, 1998: 293, 4).

No litoral nordeste, Muehe (1998), faz referência ao macrocompartimento

Costa dos Tabuleiros Centro, que se estende do Porto de Pedras à foz do Rio São

Francisco e cuja plataforma interna tem largura que se confunde com a largura da

própria plataforma continental (figura 3.3). Outro dado diz respeito ao litoral de

Pernambuco, livre de deltas, em função do aporte pequeno de sedimentos fluviais,

traduzindo que a principal fonte de sedimentos, na formação das praias, cordões

litorâneos e pontais, é a própria plataforma continental interna.

86

Figura 3.3 Configuração do Litoral Nordeste

Fonte: Muehe, 1998

3.1.3 Costa Leste ou Oriental (de Salvador a Cabo Frio)

Nessa área (figura 3.4) o aporte fluvial é significativo, com presença de

planícies costeiras em forma de delta, tais como as planícies dos rios

87

Jequitinhonha e Caravelas, na Bahia, Doce, no Espírito Santo, e Paraíba do Sul,

no Rio de Janeiro.

A expansão da Plataforma Continental, na direção leste, formada pelos

bancos submarinos das cadeias Vitória-Trindade e de Abrolhos, provoca um

desvio da Corrente do Brasil e uma perturbação da estratificação vertical, trazendo

água de profundidade à superfície. O enriquecimento das águas devido ao aporte

de nutrientes vai permitir a existência de recursos pesqueiros relativamente

abundantes nessa região. A região de Cabo Frio representa um dos mais

significativos limites nos aspectos de: processos oceanográficos (clima de ventos,

ondas, correntes horizontais e verticais); geológicos (limite entre as bacias de

Campos e de Santos) e biológicos. Por esse motivo, a região é uma das mais

interessantes sob o ponto de vista de produtividade dos ecossistemas8.

8 Há uma anterior referência a essa região no capítulo “O Domínio do Mar: conflitos e Distensões...” na abordagem sobre a plataforma continental e seus recursos.

88

Figura 3.4 Configuração do Litoral Oriental

Fonte: Muehe, 1998

3.1.4 Litoral do Sudeste (de Cabo Frio ao Cabo de Santa Marta)

A principal característica desta área é a proximidade da encosta da Serra do

Mar, que, em muitos pontos, chega diretamente ao mar. A partir de Cabo Frio,

observa-se a regularização do fluxo da Corrente do Brasil, descrita no Capítulo

“Geografia Marinha e Direito do Mar”, e a mudança de sua direção para sudoeste,

89

pela alteração da linha de costa e pelo alargamento da Plataforma Continental.

Neste ponto, o aporte de água doce, nutrientes e poluentes, devido às descargas

das baías de Guanabara e Sepetiba, representa um impacto significativo sobre a

Plataforma Continental, enquanto essas baías ou estuários desempenham uma

importante função no ciclo biológico de espécies marinhas. De São Vicente até a

Ponta do Vigia, em santa Catarina, a linha de costa se apresenta retilínea, com

longos arcos de praias à frente de planícies costeiras e estuários com grande

produtividade, como os de Santos, Cananéia, Paranaguá, Guaratuba e São

Francisco do Sul.

Figura 3.5 Configuração do Litoral Sudeste

Fonte: Muehe, 1998.

90

3.1.5 Litoral Sul (do Cabo de Santa Marta ao Chuí)

Caracterizado por uma linha de costa retilínea, monótona, à frente de

sucessões de cordões litorâneos, em muitos pontos recoberto por campos de

dunas e inúmeras lagunas, com destaque para a Lagoa dos Patos e Mirim. Ao sul,

um ramo costeiro da Corrente das Malvinas vai alcançar a zona eufótica sobre a

Plataforma Continental. A disponibilidade de nutrientes, derivada dessa água e do

aporte de águas de origem continental, contribui para o enriquecimento da região,

favorecendo a ocorrência de importantes recursos pesqueiros.

91

Figura 3.6 Configuração do Litoral Sul

Fonte: Muehe, 1998

Após a descrição do litoral brasileiro, observando suas características

específicas, passamos a relacioná-las a muitas das questões que permitem as

solicitações voltadas à ampliação jurídica de seus limites, relacionadas à

plataforma continental brasileira. Em função de outras peculiaridades físicas,

determinou-se a instalação de portos e a navegação de cabotagem (marítima de

porto a porto), cuja discussão será aprofundada no capítulo IV dessa pesquisa. Em

função desses fatos são delineadas as análises geopolíticas do Brasil, uma vez

entenderemos como são estabelecidas condicionantes capazes de determinar as

92

diretrizes estratégicas e a possibilidade da instalação de um Poder Marítimo

nacional no Atlântico Sul.

3.2 – Geopolítica Sul-Atlântica e a Constituição do Mar Territorial no Brasil

Alfred Thayer Mahan, em “O Poder Marítimo e a Sua Influência na História”,

considerou que a posição geográfica, a configuração física (incluindo produção

natural e clima), a extensão do território, a população, o caráter do povo, o caráter

do governo, transparecido pelas instituições nacionais, são as condições que

afetam o Poder marítimo das nações (CNIO, 1999). Flores (1972) e Oliveira

(1989), adaptam e aplicam tais condicionantes em função da realidade brasileira.

Assim, o fator “posição” é explicado pela face leste do país, representada por uma

faixa litorânea articulada através do mar às Américas, à Europa, à África, Ásia e à

Oceania, além dos países da costa ocidental da América do Sul. A “configuração

física”, anteriormente detalhada no início deste capítulo, reza a favor de um litoral e

de bacias hidrográficas privilegiadas sob o ponto de vista do potencial de

escoamento de produção, face à necessidade gerada pelo aumento da mesma no

Brasil. A observação desses fatores induz à conclusão de que o Brasil tem, em

relação às nações marítimas, um lugar privilegiado: (...) posição geográfica e estratégica voltada para o Atlântico, eqüidistante dos centros mundiais de decisão; projetado como ponte para a África Austral, ligado ao resto do mundo por transporte marítimo, dotado de portos de águas profundas; extenso litoral povoado na costa sudeste e nas cidades mais importantes do Sul e do Nordeste; inserção entre os grandes produtores mundiais, evidenciando a necessidade de aumentar a capacidade de comunicação pelo mar; clima favorável. Quanto à questão da mentalidade marítima, pode-se afirmar que ela existe no Brasil, ainda que de forma difusa e mal informada em certos aspectos. (CNIO, 1999: 352)

A respeito do oceano Atlântico, como rota indispensável ao comércio

exterior, Meira Mattos, em sua obra “A Geopolítica e as Projeções do Poder” de

93

1977, ressalta o seu papel para o Brasil, denominando de “(...) a articulação do

território” (figura 3.X):

Considerando-se a projeção da nossa costa atlântica abrangendo, ao sul, a Antártica, e ao norte o Caribe, a ilha da Madeira e Gibraltar, defrontamos vis à vis com vinte novas repúblicas instaladas na costa Atlântica da África, criadas a partir do final da segunda Guerra Mundial, todas vindo de status coloniais. Além dos países africanos, o Atlântico nos garante comunicação fácil, já tradicional, com o Uruguai, Argentina e uma ponta do território chileno, na entrada do Estreito de Magalhães. (...) o Atlântico nos assegura uma articulação direta com cerca de 50 países, a terça parte dos membros da ONU. E uma articulação indireta com o resto do planeta. Esta é uma visão renovada do panorama geopolítico que gravita em torno do Atlântico Sul (...). (op.cit.: 88).

Os aspectos geopolíticos9 relacionados à fronteira marítima brasileira

também são relacionados por Meira Mattos, em sua obra “Geopolítica e Teoria de

Fronteiras”, de 1990. Segundo esse autor, nossa fronteira apresenta, quando se

considera a posição, dois segmentos: o segmento Norte-Sudoeste – do cabo de

São Roque ao Arroio Chuí e o segmento Este Oeste – do cabo de São Roque ao

rio Oiapoque. O primeiro segmento, associado ao Atlântico Sul, estaria vinculado

“(...) à estratégia do Atlântico Meridional.” Assim, sob o ponto de vista estratégico,

ou seja, o fator geográfico de integração, o Atlântico Sul estaria limitado ao norte

pelo estreito do Atlântico, “(...) a linha imaginária Natal-Dakar”, denominada “ponte

estratégica do Atlântico Sul” pelo Presidente Roosevelt, durante a 2ª Guerra

Mundial (Meira Mattos, 1990: 69).

Diante do saliente nordestino, está o estreito do Atlântico, vis-à-vis ao saliente senegalês, estendendo-se a rota Natal-Dacar em apenas 3 500 km, menor do que a distância em linha reta do Rio a Cruzeiro do Sul, no Acre, ou a Boa Vista, no Território de Roraima (op.cit., 1977: 90)

9 Por aspectos geopolíticos, entendemos os estímulos oriundos da extensão geográfica, do povoamento, da economia, da posição geodésica e da posição face à comunicação com o mundo exterior” (op.cit.: 67).

94

Quanto ao segmento Norte-Sudoeste, neles estão localizados os principais

portos, tais como Santos, Rio de Janeiro, Paranaguá, concentrando os interesses

econômicos exteriores em direção à América do Norte, Europa Ocidental, Oriente

Médio e Extremo Oriente, além de permitir a ligação com os países vizinhos

Uruguai, Argentina e Paraguai, pelo rio da Prata. Em sentido oposto, esse mesmo

segmento está em frente à costa ocidental do continente africano (figura 3.7 e 3.8).

Nesse ponto, tendo em vista os dias atuais, Pesce (2006:33), membro do Centro

Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES) e do U.S. Naval Institute, esclarece a

importância da hegemonia no Atlântico Sul:

O litoral brasileiro também se projeta como uma cunha, de leste para oeste, em direção à África, onde os problemas causados pela instabilidade política e econômica e por violentas guerras étnicas e tribais somam-se aos provocados por doenças como a Aids e pela fome e miséria endêmicas, resultando em altíssimos níveis de mortalidade e na redução da população. Tudo isso contribui para tornar aquele continente extremamente vulnerável aos interesses econômicos e militares das grandes potências. A possibilidade de instalação, por alguma potência alienígena, de bases aéreas e navais na áfrica Ocidental – de onde o litoral e o território brasileiros, assim como as rotas marítimas do Atlântico, pudessem ser ameaçados – constitui um risco para o Brasil.

Segundo Meira Mattos (1990: 69), o segmento Norte-Sudoeste é aquele que

permite a comunicação com todos os países do mundo, caracterizado pela

natureza física do seu litoral “(...) com suas baías, cabos e promontórios,

facilitando a articulação do mar com a terra”. As ligações com o Noroeste e Norte

da África, Europa Ocidental, canal do Panamá, Caribe e América do Norte tornam-

se mais próximas através dos portos localizados no segmento Este-Oeste, em

Fortaleza, Itaqui (junto a São Luiz) e Belém.

95

Figura 3.7 A Projeção Geo-Estratégica do Brasil

Fonte: Mattos, 1990

96

Figura 3.8 O Estreito do Atlântico e a Rota do Cabo

Fonte: Mattos, 1977

As questões relacionadas à maritimidade e à continentalidade são, segundo

Meira Mattos, as maiores influenciadoras sobre o meio geográfico e, por isso, em

sua opinião, os países deveriam aprender a valorizar suas principais

características a fim de valorizar seu território. O Brasil, em especial, combina

influências “(...) a maior costa atlântica entre todos os atlânticos e a maior fronteira

terrestre entre todos os países americanos (...)” (op.cit., 1977: 105), necessitando,

por isso, explorar ambas potencialidades que possui. No entanto, mais uma vez

pode-se considerar o fato de terem existido, ao longo da história, algumas

condições que afetaram as políticas direcionadas ao desenvolvimento da

maritimidade brasileira. Em contrapartida à relevância do papel das bacias

hidrográficas na interiorização - e expansão - do território, Meira Mattos (1977),

observa que, comparativamente, em relação às fronteiras marítimas, a

preocupação era de, sobretudo, protegê-las e não ampliá-las. Os movimentos de

defesa ocorreram em conseqüência das sucessivas tentativas de invasão, tais

como a invasão francesa do Rio de Janeiro, Villegaignon; a invasão francesa no

97

Maranhão, em 1612; as tentativas de ocupação da foz do rio Amazonas, pelos

ingleses, de 1613 a 1637; dentre outras. Ou seja, a disposição de proteção das

fronteiras marítimas preponderou sobre a disposição de alargamento. “Sobre a

fronteira marítima há uma velha tendência de prolongá-la sobre o mar para fins de

proteção do território.” (MEIRA MATOS, 1990 :70).

A colonização de um vasto espaço continental, possivelmente teria

encoberto o potencial marítimo, uma vez que a concentração nas buscas das

riquezas (vegetais e minerais) e a necessidade de fixação na terra a fim de

protegê-la dos invasores se constituíam em ameaças. Por esse motivo, o mar

esteve relegado, encoberto pelo continente que se vislumbrava.

Apesar de ocupar posição proeminente e ter seu núcleo geo-histórico assentado em torno do Atlântico Sul, o Brasil não se constituiu em um Estado marítimo, nem sequer desenvolveu uma política sistemática para integrar o oceano na política nacional brasileira, pelo menos até a década de 70. Uma das razões foi a disposição de um imenso espaço continental aberto à colonização de tal forma, que as políticas nacionais não incluíram o mar como elemento primordial ao desenvolvimento da nação. Em conseqüência disso, não se atribuiu uma importância relevante ao desenvolvimento do poder naval, o que fez com que o Brasil se subordinasse às políticas navais das grandes potências, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, quando o país caiu sob forte dependência e tutela estratégica da marinha norte-americana. (PENHA, 1998)

Parte desse desapego ao desenvolvimento de uma política marítima pode

ser percebida através dos fundamentos da Geopolítica brasileira do início do

século XX, cujo conteúdo é voltado para uma valorização da nação em relação a

sua posição continental e não marítima, sobretudo nos trabalhos de Mário

Travassos, contidos na obra “Projeção Continental do Brasil”, citada

anteriormente. Nela, Travassos, descreve uma articulação dos transportes

marítimos, terrestres e aéreos, objetivando valorizar “(...) sua posição geopolítica

no contexto continental“. A questão da continentalidade em Travassos é apoiada

pela maritimidade e não ao contrário "(...) o conceito geopolítico predominante

98

será o de uma estratégia continentalista apoiada pela maritimidade que margina a

área" (Meira Mattos, 1977: 81).

O fato decisivo, quando se olha para o conjunto do território brasileiro, engastado na massa continental sul-americana, reside nas notáveis possibilidades viatórias, já em franca manifestação prática, que se traduzem, quer na força de atração do Amazonas, quer na capacidade coordenadora do litoral atlântico em relação a ambas essas altas manifestações de potencial econômico e político que o Brasil tem em suas mãos. (...) Nossa influência se faz sentir em ambos os compartimentos das bacias amazônica e platina; as abertas andinas como que ligam a bacia amazônica ao litoral do Pacífico; a faixa litorânea de nosso território e o nosso litoral rematam todas essas nossas possibilidades na vertente atlântica. Sobre essa base, levando em conta os interesses internos como os continentais, é que deveríamos traçar nossa política de comunicações (...) (...) que se deveria valer de todos os meios de transportes e conjugadamente. (Travassos, 1937: 144 – 152)

Este panorama, que expressa a pouca desenvoltura nas questões de

expansionismo das fronteiras marítimas, refletiu-se, como não poderia deixar de

ser, também no aspecto jurídico dos limites marítimos brasileiros, embora não

somente no Brasil. As bacias hidrográficas brasileiras têm expressivo papel nos

dias atuais, assim como, tiveram no período de colonização e expansão do

território, com conseqüências diretas sobre a constituição do Direito Marítimo

brasileiro. Sobre a influência das hidrovias, a despeito do seu imenso potencial, só

foram utilizados como componentes de uma política de transporte no período

colonial e durante o Império brasileiros, de maneira oposta ao que ocorre com

países como os E.U.A., por exemplo. Segundo dados fornecidos pela Agência

Nacional de Águas, a participação representa 13, 86% de carga transportada,

valores que incluem tanto a navegação de cabotagem, quanto a navegação

interior, realizada nas redes fluviais. O relatório aponta como causa da baixa

utilização, o baixo orçamento destinado às tentativas de expansão e criação de

transportes modais.

No tocante às bacias, estas serviram e ainda o fazem, como palco das

relações comerciais internas e com os países da América do Sul, comprovadas

pelo volume da navegação aí estabelecida, embora Caixeta Filho (2001),

99

considere que a principal razão contribuinte para que o Brasil não venha a ter um

desenvolvido complexo hidroviário reside no fato de que os rios brasileiros não

teriam estabelecido ligações com centros comerciais importantes, com a criação

de complexos modais de transporte, integrados. Tamanha relevância atribuída ao

comércio explica o fato de ter sido o “Código Comercial Marítimo10”, criado em

1850, o regulador das atividades marítimas até a revolução no ano de 1930,

quando o intervencionismo estatal atinge novas proporções, reformulando a

legislação, e, assim, também atingindo diversos setores da economia (SALGUES,

2003).

No caso brasileiro, o Código Comercial Marítimo foi regulamentador, acrescido de jurisprudência, de toda navegação marítima, fluvial e lacustre. Além da extensão territorial litorânea, o Brasil possui três grandes bacias hidrográficas onde a navegação é intensa principalmente nas relações com os países da América do Sul. O Direito Marítimo brasileiro esteve, portanto vinculado ao comércio internacional, tendo sido este sua principal influência. (LIMA, 1997: 13)

Segundo Castro Jr. (2000), o fato de ter o Código Comercial como

intérprete, traduz uma visão meramente econômica, regida por leis do direito

privado, das relações estabelecidas, no mar. À medida que o fator político

alcança proporções, ou seja, cresce o interesse do Estado e sua intervenção,

exemplificada pelo desenvolvimento da Marinha Mercante, o Direito Marítimo vai

sendo ampliado, passando a sofrer influência do Direito Público, e assim,

alcançando um conteúdo mais abrangente daquele contido nos códigos de

comércio formulados nos primeiros momentos. No Brasil, passam a ser

observadas as leis do Direito do Mar, em consonância com as Convenções

internacionais. Ao proceder dessa maneira, o Estado universaliza nossa fronteira

10 o Código Comercial, promulgado pela Lei n. 556, de 25 de junho de 1850, passou a regulamentar na sua Parte Segunda, o comércio marítimo, parte esta que foi mantida pelo Código Civil de 2002, no seu art. 2.045, embora a maior parte da legislação marítima brasileira esteja esparsa em diversas leis. O Código Comercial Brasileiro de 1850 (CCB) mantido pelo Código Civil de 2002, regulamenta parte substancial do Direito Marítimo nos arts. 457 a 796, através de dez títulos.

100

marítima, adequando-a as novas realidades, tornando-a aberta ao intercâmbio

com todas as partes do globo (Meira Mattos, 1977).

O que se vê é a potencialidade do movimento interno brasileiro

retratado pelo movimento intenso de mercadorias pelas vias marítimas e a

necessidade de criar um “corredor” interno, tendo em vista a utilização de suas

bacias. Assim, o Brasil, por suas dimensões continentais e fronteiras terrestres

consideráveis, possui fortes interesses marítimos, contando com rotas

estratégicas, com vasto mar patrimonial – duzentas milhas marítimas de largura –

e litoral igualmente significativo. Além disso, a complexa rede fluvial descrita,

contando com as bacias de importante movimento internacional – a Amazônica e a

do Prata – obrigam uma “dupla” performance por parte da sua Marinha, ou seja,

que essa seja capaz de atuar em “(...) águas profundas, assim como em águas

costeiras e fluviais”. (PESCE, 2006: 35). Essas características, intrínsecas ao

território brasileiro, serão fundamentais para a evolução histórica de seus limites

marítimos, como veremos a seguir.

Até 1970, apenas alguns países latino-americanos, afro-asiáticos e

somente um desenvolvido (Islândia), haviam estabelecido além das doze milhas o

seu direito de soberania. Os países latino-americanos que realizavam suas

reivindicações o faziam aludindo sempre ao pioneirismo dos E.U.A., baseando-se

na Doutrina Truman, ainda que de forma equivocada, uma vez que “(...) a Doutrina

Truman refere-se apenas à plataforma continental e tem por objetivo enfatizar a

preservação do caráter de alto-mar das águas sobrejacentes” (CASTRO, 1989:

11). Desta maneira, podemos constatar o caráter precursor da América Latina em

relação ao processo de ampliação das jurisdições marítimas nacionais, evocando

assim a noção de soberania.

Através da observação do quadro comparativo a seguir, é possível

compreender o “efeito dominó” característico do processo de ampliação das

jurisdições marítimas na América Latina:

101

Tabela 3.1: Ano de Implementação do Mar Territorial em Países Latino-Americanos

Fonte: Castro, 1989. Organizado por: Mendes, 2002

Embora a Argentina tenha declarado formalmente a soberania nacional

sobre o mar que se estende sob a sua ampla plataforma continental em 1946,

Chile e Peru foram os primeiros a fixar em duzentas milhas a extensão das águas

adjacentes as suas costas (1947), seguidos por Costa Rica (1948) e Honduras

(1951), Chile e Peru, acompanhados pelo Equador, adotaram a Declaração de

Santiago sobre a zona marítima, pela qual os três proclamaram sua “(...) soberania

e jurisdição exclusiva sobre o mar até a distância mínima de 200 milhas” (op.

cit.:.12). A Nicarágua aderiu em 1965 e em 1966 a Argentina redefiniu em 200

milhas de largura a sua soberania. A esses oito países latino-americanos

somaram-se o Panamá, em 1967 e o Uruguai, em 1969. Em todos os demais

países, as faixas de mar reivindicadas a fim de compor o mar territorial, e de zona

contígua ou de pesca não passavam de doze milhas, até o início de 1970.

Com relação aos países em desenvolvimento, o limite estreito de suas

jurisdições marítimas, segundo alguns autores, pode estar relacionado as suas

heranças provenientes do período colonial, em sua maior parte, ou seja, ao

período de submissão imposto pelos países colonizadores. Os chamados países

País Ano

Argentina 1946

Chile 1947

Peru 1947

Costa Rica 1948

El Salvador 1950

Honduras 1951

Brasil 1960

102

jovens não tinham ainda tomado consciência plena nem da importância,

principalmente econômica, dos mares adjacentes a seus litorais, nem do fato de

que seus interesses próprios no assunto eram diversos dos países

industrializados, muito mais preocupados com a “(...) liberdade de ação das suas

esquadras militares, para seus navios mercantes, suas frotas pesqueiras e suas

expedições científicas” (CASTRO, 1989: 13). Analisando sob este ângulo,

procura-se entender porque os países latino-americanos, influenciados pelos

seus ideais de independência, foram aqueles que tomaram a iniciativa de

reivindicar unilateralmente seus direitos sobre faixas extensas das águas que

banham seus litorais. Além destes, o único país afro-asiático que adotou um Mar

Territorial de duzentas milhas antes de 1970 foi Guiné-Conacri, recém-

independente e tomada por decisivas opiniões anticolonialistas.

Desta maneira, até o início da década de 70 a grande maioria dos Estados

se recusava a reconhecer qualquer forma de soberania ou jurisdição do Estado

Costeiro nas águas situadas além de doze milhas de seu litoral. E para a maioria

desses Estados (principalmente para as tradicionais potências marítimas) não

existia nem mesmo a obrigação de reconhecer mares territoriais acima de três

milhas.

3.2.1 A Constituição do Mar Territorial no Brasil

Desde pelo menos metade do século XIX, o Governo havia fixado o limite

de três milhas para a largura do seu Mar Territorial.11 Em 19 de outubro de 1938,

pelo Decreto nº 794, o Brasil estabeleceu um regime de direitos exclusivos de

pesca até a distância de doze milhas. Em 8 de novembro de 1950, aludindo à

proclamação norte-americana de 1945, o Governo brasileiro integrou a

plataforma submarina ao território nacional. Apesar disto, até 1966 a distância de

três milhas marítimas atribuída ao limite do Mar Territorial foi mantida. Através de

11 Circular nº 92, de 31 de agosto de 1850, do Ministério da Guerra, Decreto nº 5793 de 11 de junho de 1940.

103

um novo Decreto, em 18 de novembro de 1966, o Brasil acrescentou três milhas

estabelecendo assim uma faixa adicional, até a distância de doze milhas do

litoral, com as características de Zona Contígua e de Zona de direito de pesca

exclusivos (CASTRO, 1989).

A Constituição de 24 de janeiro de 1967, apesar de não definir a extensão,

incluiu o Mar Territorial e a Plataforma Continental entre os “Bens da União”12. O

Regime das “seis milhas mais seis milhas” foi finalmente substituído em 25 de abril

de 1969, por um decreto que transformou em Mar Territorial a totalidade da faixa

de doze milhas marítimas, legislação que não chegou a completar um ano de

vigência, como veremos a seguir. O ano de 1967 vai marcar o início do processo

de reformulação do Direito do Mar, na Assembléia Geral das Nações Unidas, como

visto no capítulo “O Domínio do Mar: Conflitos e Distensões...”, e no Brasil a

repercussão é a criação da Comissão Interministerial sobre a Exploração e

Utilização dos Fundos dos Mares e Oceanos (CIEFMAR). Posteriormente, em

1970, é instituída a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM),

fruto da recomendação da formação de um Grupo de Trabalho para estabelecer as

bases de uma Política Nacional sobre os Recursos do Mar (PNRM), formulada

pela Assembléia Geral (CNIO, 1998: 28).

No dia 25 de março de 1970, ao estender unilateralmente de doze para

duzentas milhas marítimas a distância do Mar Territorial, o Governo optou pela

mais radical das medidas à sua disposição visando proteger os interesses do país

no mar adjacente às suas costas. (MATTOS, 1996). O Decreto-lei nº 1098 foi

adotado e constituía-se em uma decisão “(...) internacionalmente contestável,

ainda que justificável” (CASTRO, 1989: 17), uma vez que representava os

interesses nacionais legítimos. Agindo desta forma, o Governo brasileiro seguia o

que pode se chamar de uma tendência comum à América Latina de então, e

compreensível, porque não havia uma norma de direito internacional que fixasse

a largura máxima do Mar Territorial, impedindo assim tal ato. Até essa data -

12 A constituição de 1988 define como “Bens da União” o Mar Territorial e os recursos naturais de Plataforma Continental e da Zona Econômica Exclusiva.

104

março de 1970 - o Brasil foi extremamente cauteloso no que se referia ao direito

do Mar (BUSTANI, 1971). Isto fica evidente na leitura da Exposição de motivos,

de 9 de março de 1970, onde os próprios ministros da Marinha e das Relações

Exteriores, ao submeterem ao Presidente da República o projeto de decreto-lei de

ampliação para duzentas milhas, ressaltaram sua “(...) clara convicção de que o

Brasil deve modificar de modo decisivo sua orientação (...) o conservadorismo e o

tradicionalismo histórico devem ceder lugar à dinâmica das necessidades sociais,

políticas e econômicas de seu povo.”13

3.2.1.1 O Decreto-Lei Nº 1 098 e suas Repercussões

Em 25 de março de 1970, o Governo determinou que “(...) o Mar Territorial

do Brasil abrange uma faixa de 200 milhas marítimas de largura, medidas a partir

da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro” (Decreto-Lei nº

1.098 de 25 de março de 1970, artigo 1º, em anexo).

O Brasil, ao contrário de alguns outros países latino-americanos, que

evitaram usar o termo “Mar Territorial” em seus textos legais, demonstrou de

modo claro através de sua legislação, que sua reivindicação era referente a um

Mar Territorial propriamente dito em toda a extensão das duzentas milhas.

Segundo Castro (1989), a expressão é utilizada onze vezes ao longo do texto do

Decreto. Concretiza-se, assim, o direito de liberdade de navegação na faixa entre

doze e duzentas milhas marítimas de distância da costa e a “(...) soberania do

Brasil estendida no espaço aéreo acima do Mar Territorial, bem como ao leito e

subsolo deste mar”, expressos no artigo 2º. Ainda segundo este autor, a

assinatura do Decreto é o resultado de alguns fatores e não apenas de um único

fator político, diplomático, jurídico ou de segurança.

No início de 1970 é forte a consciência política de que o Estado deveria

assumir o mais rapidamente o controle da área marítima além das doze milhas a

fim de proteger os interesses brasileiros econômicos e de segurança. Como 13 Exposição de motivos DNU/56 50272, de 9 de março de 1970.

105

justificativa, são citados os seguintes pontos: em primeiro lugar, o problema de

ordem econômica, apresentado pela necessidade de defesa do potencial

biológico marinho brasileiro; em segundo, ênfase ao aspecto político da questão,

pela adoção de uma solução coincidente como a que tende a prevalecer em toda

a América Latina, o que permitiria a formação de uma frente única latino-

americana nos foros internacionais; e, finalmente, a questão de segurança que

seria beneficiada com o reconhecimento jurídico da soberania nacional

necessário como respaldo à nação em eventuais abordagens estrangeiras. Para

Meira Mattos (1977: 90), as razões que fizeram com que o governo brasileiro

ampliasse seus limites, têm motivação econômica:

Foram estas as razões que levaram o governo brasileiro, após um longo período de aproximações com o problema, ter se decidido, em 1970, adotar o mar territorial de 200 milhas, com o que incorporou ao patrimônio de nossa soberania uma área do Atlântico equivalente a 3 milhões de quilômetros quadrados.

Um exemplo relacionado à questão econômica decorre do episódio ocorrido

nas águas brasileiras, em fins do ano de 1962, conhecido como “a Guerra da

Lagosta”. A interpretação de uma norma jurídica (o artigo 2 da Plataforma

Continental de 1958) em vigor na época, que declarava que “(...) os Estados

costeiros exercem direitos soberanos sobre a plataforma continental para efeitos

de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais14”, provocou um grave

incidente diplomático entre o Brasil e a França. A lagosta, segundo os franceses,

não poderia ser considerada recurso natural da plataforma continental, uma vez

que, para movimentar-se, nadaria na massa líquida. Contrariamente, o Brasil

defendia a tese de que a lagosta, não usaria a massa líquida e, sim, o solo

marinho, onde o deslocamento ocorreria por saltos e, portanto, deveria ser

considerada como um recurso natural da plataforma continental. Após a retenção 14 Como vimos, a definição de recursos naturais compreende não só os minerais e outros não-vivos do solo e do subsolo marinhos, mas também os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, aquelas que, no período da captura, estão imóveis nessa mesma região ou só podem mover-se em constante contato físico com ela. Sobre esse item em particular, que define os organismos vivos pela sua mobilidade, se baseou a argumentação da Guerra da Lagosta.

106

de barcos de pesca franceses por navios de guerra brasileiros, no Nordeste, a

França deslocou navios de guerra para a região. A guerra não ocorreu, mas, para

Vidigal (2005: 24) “(...) a discussão sobre o meio de locomoção da lagosta

contribuiu para o estabelecimento das disposições da futura Convenção, que viria

a entrar em vigor em 1994”.

Por fim, há um motivo bastante forte associado à política interna brasileira,

apontado por alguns autores como o principal, no que se refere à ampliação

prevista no decreto-lei. Ainda que a possibilidade de um ataque naval sobre o

litoral brasileiro soasse quase impossível nesta época, havia um interesse real em

impedir que atividades relacionadas à espionagem por parte de navios

estrangeiros pudessem ocorrer. Além disso, a ameaça de instalação de ogivas

militares nas áreas próximas às costas brasileiras, ou ainda, a probabilidade de

que as atividades de guerrilha que se processavam no território nacional

pudessem vir a ter apoio de potências estrangeiras, recebendo-o através do mar.

Internamente, o decreto-lei nº 1098 teve resposta amplamente positiva. Uma

verdadeira “onda ufanista” foi criada a partir da medida expansionista. Lembremo-

nos, portanto, da criação da Transamazônica, do tricampeonato mundial de futebol

e de lemas como: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Ninguém segura este país”, dentre

outros (CASTRO, 1989).

Previsivelmente, as repercussões externas eram de apoio, principalmente

dos países latino-americanos. De forma contrária, porém não menos previsível,

países como Bélgica, Estados Unidos, França, Japão, Alemanha e União

Soviética manifestaram seu protesto. Desta forma, a expansão territorial

representada pelas duzentas milhas será uma referência a partir desta data pelos

anos que se seguem até a III Convenção (1982), quando o objetivo será limitar a

soberania territorial às doze milhas marítimas:

107

A concepção brasileira de soberania territorial plena sobre toda a faixa de duzentas milhas marítimas, limitada apenas pelo reconhecimento do direito de passagem inocente, e a denominação de “mar territorial” dada a essa extensa área no Decreto-lei nº 1098 são dificilmente conciliáveis com as disposições da futura Convenção, que limitam a soberania territorial a uma faixa de doze milhas e estabelecem, até o limite de duzentas milhas, um regime sui generis, distinto do de mar territorial e do de alto-mar, no qual uma ampla gama de direitos do estado costeiro é reconhecida sem prejuízo dos direitos de navegação de outros Estados (Castro, 1989: 68).

Segundo Castro, com a assinatura da Convenção sobre o Direito do Mar,

o governo brasileiro cede às pressões geradas pelas grandes potências, uma vez

que o projeto é, em geral, omisso e dúbio, principalmente quando se refere aos

usos militares da área entre doze e duzentas milhas. Isto porque nele não há

reconhecimento, mas também não uma negativa, do direito de outros Estados

utilizarem a área para fins militares. Também não reconhece, assim como não

nega, o direito do Estado Costeiro de proteger a segurança desta área. Assim,

como descrito no capítulo “O Domínio do Mar: Conflitos e Distensões...” desta

pesquisa, a Terceira Conferência, culmina com a assinatura, em Montego Bay, na

Jamaica, a 10 de Dezembro de 1982, sendo ratificada pelo Brasil em 22 de

Dezembro de 1988, revogando-se assim, o Decreto-lei nº 1098. Esta lei encontra-

se em vigor ainda nos dias de hoje e o limite do Mar Territorial brasileiro é fixado

em doze milhas marítimas, medidas a partir da linha de base aplicável. A

soberania do Estado costeiro estende-se ao espaço aéreo sobrejacente, bem

como ao seu leito e subsolo, como podemos observar através de um trecho da

Lei nº 8.617/93 (em anexo):

O Mar Territorial brasileiro (arts. 1º a 3º) compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura (extensão), a partir da linha de baixa-mar do litoral (continental e insular) brasileiro, indicadas nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas pelo Brasil. O método das linhas de base retas, para o traçado da linha de base, será o adotado nos locais em que a costa apresentar recortes profundos e reentrâncias, ou em que existir uma franja de ilhas ao longo da costa ou sua proximidade imediata.

108

Fica determinada a passagem inocente (ou seja, inofensiva) para todos os

navios, de todos os Estados, desde que não seja prejudicial à paz, à ordem ou à

segurança do país, devendo ser contínua e rápida. A passagem inocente

considera o “parar” e o “fundear” desde que isto ocorra decorrendo de um

incidente comum de navegação, ou seja imposto por motivo de força maior ou

por dificuldade grave, ou ainda, tenha por fim prestar auxílio a pessoas, a navios

ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave. Também fica determinado que,

no Mar Territorial brasileiro, todos os navios estrangeiros estão submetidos aos

regulamentos estabelecidos pelo governo brasileiro. Desta forma, todos os

detalhes relacionados à segurança da navegação, conservação dos recursos

vivos do mar, pesca, preservação do meio ambiente do Estado, investigação

marinha, dentre outros, ficam sujeitos ao governo. Além do Mar Territorial são

estabelecidos o limite e a legislação para as outras zonas marítimas - Zona

Contígua, Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental (MATTOS, 1996).

Como visto no final do capítulo “Geografia Marinha e o Direito do Mar” a

elaboração de uma política marítima legítima engloba fatores diversos e,

especificamente no caso do Brasil, são inúmeros esses fatores:

(...) econômicos (recursos minerais e biológicos, fontes energéticas); estratégicos (segurança nacional e regional aliada à conjuntura de negociações globais); científicos (conhecimento aprofundado do mar e do relevo submarino, assim como de seus recursos); ecológicos proteção do ambiente marinho); tecnológicos (ilhas artificiais, oleodutos, batiscafos, cabos submarinos de fibras óticas, sensoriamento por satélites); axiológicos (metas de paz, justiça, eqüidade, desenvolvimento); e geográficos (cerca de 8.500 km de linha real litorânea e um certo número de ilhas) (CNIO, 1998: 27).

Em função do grande número de interesses e de suas diversidades, e uma

vez terminada a Convenção, o Governo brasileiro subscreveu-a em dezembro de

1982, baseando-se no artigo 312 da Convenção. Dentre outros itens declarou

exercer direitos de soberania na plataforma continental, “(...) além da distância de

duzentas milhas das linhas de base, até o bordo exterior da plataforma

109

continental, como definido no artigo 76”. Tal subscrição deixa claros os interesses

do país e pode ser interpretada como uma manobra de adaptação à Conferência,

em função das “brechas” que a CNDUM permite. A promulgação de leis por parte

do Estado ocorre como tentativa de adaptação das leis internas às leis “externas”

e assim ocorre com a promulgação da lei nº 8617/93, onde o Brasil compatibiliza

seus limites com a Convenção da ONU, onde tanto a Convenção quanto a lei

falam em exercício de direitos de soberania sobre a plataforma, para exploração

e aproveitamento de seus recursos naturais (assim como na ZEE). Entretanto, no

Mar Territorial, como visto, há a plena soberania. Desta forma, a Lei citada

substitui o Mar Territorial de duzentas milhas por um de doze milhas, dentre

outras medidas.

O Brasil terá ainda, outras decorrências fundamentais, as quais será

dedicada a próxima seção desta pesquisa, tais como: o Projeto LEPLAC (Plano

de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira); a Política Marítima

Nacional (PMN); IV Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM) e o

Programa REVIZEE15.

A importância jurídica, política e estratégica desses documentos advém da natureza mesma dos temas tratados. Podem ser citados, inter alia, os seguintes: Mar Territorial; zona contígua; zona econômica exclusiva; plataforma continental; atividades marítimas; pesquisa; recursos naturais; paz e segurança; meio ambiente marinho; pesca e produção pesqueira; investigação científica marinha; passagem inocente e livre navegação; medidas de fiscalização; construção de ilhas artificiais exercícios e manobras militares; e exercício de direitos soberanos e de soberania (Mattos, 1996: 105).

Sobre a relevância destas repercussões este autor, as divide em aspectos

positivos e negativos. Como positivos, define aqueles que são apresentados no

preâmbulo da Convenção: segurança, autodeterminação, não intervenção,

cooperação, responsabilidade por danos e respeito à soberania (op.cit.: 136).

Vemos que as iniciativas de pesquisa são abordadas e apontadas como 15 Antes mesmo de ter entrado em vigor (em 16 de novembro de 1993), as adoções relacionadas já haviam sido criadas (MATTOS, 1996: 109).

110

iniciativas tomadas pelo próprio Estado. Além desse fato “positivo”, aponta a

criação da ZEE de duzentas milhas (188 milhas, na realidade); a Plataforma

Continental de duzentas milhas (que, como assinalado, poderá ir até as trezentas

e cinqüenta milhas)16; a dilatação das liberdades do alto-mar, a garantia dos

interesses dos estados sem litoral; a Área (fundo do mar internacional) como

patrimônio comum da Humanidade; a normatização sobre os Estados

arquipelágicos e estreitos; e por fim, o estabelecimento de normas específicas

sobre a pesquisa científica marinha, conservação do meio ambiente marinho e

solução pacífica de controvérsias.

No entanto, os aspectos negativos também aparecem, quando as decisões

são tomadas pelo consenso e não pelo voto democrático, traduzindo assim, a

hegemonia dos países centrais em detrimento dos interesses dos países

periféricos. A possibilidade de cessão de cotas de exploração e explotação de

riquezas na ZEE ocasionam pressões internacionais por parte do G-7 (Estados

Unidos, Canadá, Japão, Reino Unido, França, Alemanha e Itália); investigações

científicas marinhas por parte de outros Estados também são permitidas, na ZEE

e na Plataforma Continental, ainda que para isso necessitem da autorização dos

Estados costeiros; a noção que envolve “patrimônio comum da Humanidade” na

Área também sofreu prejuízo e, por fim, o autor discute uma “certa timidez de

posições” por parte da Convenção, em relação a medidas de segurança e

soluções pacíficas, cuja adoção além de não obrigatória, muitas vezes é

impossibilitada, arrastando-se por período em que ocorrem discussões no

Conselho de Segurança da ONU.

Para complementar, a CNIO entende que a integração da ZEE ocorrerá de

forma gradual e lenta mas que a tese das duzentas milhas do Mar Territorial

16 A Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos, considera também como vantagens a ampliação da plataforma continental e o aumento do espaço marítimo do país em conseqüência de regras aplicáveis às ilhas oceânicas brasileiras e, nesse sentido, salienta a inauguração da Estação Científica do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, a 500 metros da costa do Rio Grande do Sul, como ações relacionadas ao asseguramento dos direitos frente a CNDUM (CNIO, 1998: 33).

111

manteve na Convenção de 1982 certa “continuidade e coerência”. Além disso, o

Tratado teria dado ao Brasil alguns benefícios:

Ampliação da plataforma continental brasileira; aumento do espaço marítimo do país em conseqüência de regras aplicáveis às ilhas oceânicas brasileiras; participação, com os benefícios daí conseqüentes, no mecanismo operacional de exploração e explotação dos fundos oceânicos; inserção num sistema global do regime de todos os espaços oceânicos; e incorporação do país ao mecanismo de solução de controvérsias internacionais (CNIO, 1998: 32)

Cumpre assinalar os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro frente

à Conferência, tais como a elaboração de cartas marítimas e listas de

coordenadas geográficas com a indicação das linhas de base do Mar Territorial e

demarcação dos espaços marítimos brasileiros; a adequação da legislação

brasileira (vista na delimitação marítima); a adoção de medidas necessárias a

melhor gestão dos recursos vivos (REVIZEE) e de recursos minerais (Programa

REMPLAC17 –Programa de Avaliação da Potencialidade Mineral da Plataforma

Continental Jurídica Brasileira) e a conclusão de trabalhos de levantamento, com

vistas ao estabelecimento efetivo do limite exterior da plataforma continental

(programa LEPLAC) (op.cit.: 32).

As decorrências fundamentais citadas e que são apontadas como positivas,

assim como os compromissos assumidos pelo Brasil servem à análise do

próximo capítulo, por representarem a sua evolução na solicitação de seus

direitos.

17 Criado pela CIRM, em dezembro de 1997, para dar continuidade aos levantamentos efetuados até então nos cerca de 4,2 milhões de km2 de plataforma continental jurídica. Essa ação é necessária em face do nível de conhecimento adquirido desta região ser insuficiente para uma avaliação mais precisa dos recursos naturais não vivos e dos processos geológicos atuantes, dificultando o estabelecimento de políticas governamentais relativas à utilização de seus recursos.

40

Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), de 1982, além

da plataforma continental, visto que depende desse limite, em particular, a

ampliação da ZEE. Nesse ponto, caberá a demonstração de algumas das

possíveis manobras encontradas pelos Estados presentes na Conferência, a fim

de adaptar as leis do Direito Marítimo aos seus interesses. Por fim, analisar o

conceito jurídico de soberania, as abordagens conceituais de Território e relacioná-

los às delimitações do espaço marítimo.

2.1 – A Fronteira Marítima em Expansão e a Declaração Truman

O princípio da liberdade dos mares será endossado no século XVIII, com o

desenvolvimento das colônias no século anterior (XVII):

Com o desenvolvimento das colônias, a partir do século XVII, a tendência foi a de defender a filosofia da liberdade de uso do mar para fins estratégicos de mobilidade militar, de garantia de transporte de mercadorias, da pesca em áreas distantes e do lançamento de materiais poluentes (MUEHE, 2000:149).

As mudanças significativas ocorridas em âmbito econômico, político e social

no fim do século XVIII trazem também a necessidade de distinção entre o Direito

Público e o Privado, incluindo a área de Direito Marítimo1, uma vez que o século

XIX apresentará um ritmo econômico, influenciado pela evolução da indústria, pelo

volume de produção, assim como pela extensão e variedade de comércio, bem

mais complexo do que os séculos anteriores. Esse panorama geral foi igualmente

importante para as modificações ocorridas em todas as relações internacionais.

Novos princípios de Direito Internacional Público surgiram no Congresso de Viena

(1814/1815), estabelecendo-se, assim, uma nova ordem política na Europa. A

Santa Aliança, com sua política intervencionista, e a libertação das colônias

1 Sobre esse assunto ver o capítulo “A Geografia Marítima Brasileira e a Constituição do Mar Territorial no Brasil”, em que a questão da distinção entre direito público e privado é mais bem tratada.

41

espanholas e portuguesas na América, levaram o presidente dos Estados Unidos

da América, James Monroe, a estabelecer, a partir de 2 de dezembro de 1823, a

“Doutrina Monroe” - A América para os americanos – que introduziu uma

declaração política, nunca votada ou transformada em lei, tornando-se o eixo da

política externa americana por décadas. Afirmava que os Estados Unidos não

tinham nenhum interesse sobre colônias de países europeus na América, porém

se os europeus buscassem aumentar os seus domínios na América, esta atitude

colocaria em risco a paz e a segurança do próprio país. Com essa medida

objetivava-se, assim, a não recolonização dos recém-independentes países

americanos (COSTA, 1990).

Os Estados Unidos, ao fim da sua guerra civil (1886), surgem como uma

grande potência imperialista2, necessitada em exportar e cujos fins expansionistas

conferiam desenvolvimento a estratégias objetivando a dominação do mar e do

poder marítimo. Esse último passa a ser visto sob um novo ponto, não mais restrito

ao poder naval ou ao comércio marítimo, mas ligado à possibilidade de ter um

poder realmente nesta área, como afirmava Alfred Thayer Mahan, oficial da

marinha norte-americana e professor da “Naval War College at Newport”. Nesse,

contexto, cria-se a preocupação com o Direito Internacional (op.cit Costa, 1990).

A teoria do Poder Marítimo é desenvolvida por Mahan, considerado por

alguns autores o precursor da geopolítica associada ao poder naval e cujas idéias

acerca da expansão marítima são notórias. Mahan observou que a expansão

política, econômica e cultural constituía a base da grandeza nacional, assim como

um comércio exterior intenso estaria relacionado à acumulação de riquezas e sua

manutenção dependente de uma forte marinha mercante (TOSTA, 1984 e COSTA,

1992):

2 Os Estados Unidos, ao término de sua Guerra Civil, “(...) necessitavam exportar seus capitais excedentes e produtos manufaturados além de importar matéria-prima essencial ao aumento da sua atividade industrial, que se desenvolvia rapidamente onde o capital bancário era especialmente aplicado, e sendo que a Marinha americana só superava a inglesa.” (LIMA, 1997: 48).

42

Concebe os oceanos e mares como um vasto espaço social e político com características próprias que os distinguem dos espaços terrestres, mas articulados a estes pelos portos e vias de comunicação interiores. (...) As articulações com os continentes, até o advento das estradas terrestres, dependiam quase que exclusivamente das vias navegáveis interiores (rios, canais, etc.) (...). (...) Como estratégica básica, aconselha, o país deverá, como medida preliminar, guarnecer suas costas, dedicando atenção especial aos portos e vias fluviais de penetração. (ALFRED MAHAN apud COSTA 1992: 71, 73)

Segundo Souza (2003), a conhecida obra do contra-almirante Mahan, “The

Influence Of Sea Power Upon History”, escrita em 1890, pregava, basicamente,

que uma nação marítima cuja proposição é de um grande futuro, deve dominar os

oceanos de forma a exercer influência global. Desta forma, o autor analisa o que

julga ser a influência da obra de Mahan, através das conquistas norte-americanas:

Essa obra teve, como conseqüências imediatas,a conquista do controle do Caribecom a vitória dos Estados Unidos da América (EUA) na Guerra Hispano americana de 1898, a construção do canal do Panamá e a expansão do poder naval norte-americano para o Pacífico (op.cit.: 4).

Para Lima (1997: 48), no entanto, a abordagem de Mahan não estava restrita

apenas ao poder naval ou ao comércio marítimo, mas também conclamava toda a

população de um país a envolver-se nas atividades marítimas, “(...) decorrendo daí

as possibilidades concretas de constituição de poder de fato nessa área.”3 (Apud in

Costa, 1990: 82). Assim, tendo em vista o envolvimento de todos, a dominação do

mar e do poder marítimo estariam resumidas aos seguintes elementos: produção e

troca dos produtos; navegação (possibilitando a troca); e as colônias, que

forneceriam apoio marítimo necessário à consolidação do domínio sobre os mares.

3 É interessante notar que a idéia conclamada por Mahan, ou seja, o envolvimento da população de um país nas atividades marítimas, aparece como a base de um projeto ligado à estratégia de fortalecimento do poder marítimo, o PROMAR, Programa de Mentalidade Marítima, desenvolvido pela CIRM – Comissão Interministerial para os Recursos Marítimos – que considera importante uma conscientização marítima por parte da população brasileira. Tal programa, iniciado em 1997, tem por finalidade “(...) estimular, por meio de ações planejadas, objetivas e continuadas o desenvolvimento de uma mentalidade marítima na população brasileira, consentânea com os interesses nacionais” (VIDIGAL, 2005: 29)

43

Desta forma, a política mundial entre o final do século XIX até a primeira

Guerra Mundial caracterizava-se como uma nova etapa de domínio, um novo tipo

de imperialismo capitalista, não mais simplesmente colonial, mas mundial em um

contexto em que as grandes potências estruturavam uma “nova ordem”. Acordos e

tratados foram estabelecidos com a necessidade de uma nova divisão do mundo

colonial, influenciando também a eclosão da 1ª Guerra Mundial, considerada uma

guerra “típica imperialista” (COSTA, 1990). O domínio da navegação mundial era

disputado pela Alemanha e a Inglaterra, essa última aliada aos Estados Unidos. Ao

fim da Primeira Guerra Mundial, tendo sido derrotada a Alemanha, as relações no

Direito Internacional e as regulamentações sobre o uso do mar fizeram surgir

vários acordos, influenciados pela ascensão estadunidense crescente e a “(...) sua

influência no continente latino-americano, no Atlântico e no Pacífico” (LIMA, 1997:

58).

Entre 1939 e 1945, não surgiram novos tratados inerentes ao Direito

Marítimo, mas é assinada a Carta do Atlântico, dando origem à Organização das

Nações Unidas – ONU - que objetivava a manutenção da paz e da segurança no

mundo. A Segunda Guerra Mundial consolidou a hegemonia econômica dos

Estados Unidos da América sobre o mundo capitalista e, em 1947, o presidente

Truman, dos Estados Unidos, estabelece a “Doutrina Truman”, sob a égide da

Guerra Fria, para a defesa de seu território e de seus aliados contra a ameaça

comunista, representada pela URSS. Atribui-se a este governo a formulação do

princípio criador das zonas econômicas de duzentas milhas marítimas, “(...) uma

vez que reconhece que a plataforma continental podia ser considerada uma

extensão da massa terrestre da Nação costeira a ela pertencente.” (CABRAL,

1980: 43-7). Esse reconhecimento revela a pretensão norte-americana de obter

direitos de soberania sobre os recursos minerais ao largo da costa, acompanhada

da reivindicação de reserva de pesca além das três milhas, até então limite

reconhecido e apoiado pelos Estados Unidos. Desta forma, a Declaração estaria

calcada em dois pontos: o primeiro, de natureza econômica, declara que os

recursos naturais da plataforma continental pertenciam aos E.U.A.; e o segundo,

44

por razões de segurança, imporia uma estreita vigilância sobre as atividades nas

costas daquele país, que representava um dos mais fortes aliados das chamadas

potências marítimas. Após a Declaração, ao passar a optar por um reconhecimento

mais amplo em relação às zonas contíguas, altera, assim, o equilíbrio sobre a

situação jurídica das águas territoriais mundiais de até então (GOLD, 1976). A

partir desse momento, fica expressa a estratégia geopolítica norte-americana de

defesa e segurança, apoiada pelo grande poder marítimo desse país. Uma vez que

prega a ampliação dos limites de jurisdição marítimos, a repercussão dessa

medida será fundamental para o restabelecimento dos direitos dos Estados

costeiros, no pós-Guerra. Quebra-se, assim, de maneira formal, ou seja, calcada

em pleitos jurídicos, e mais de três séculos depois, o princípio do Mare Liberum

(CABRAL, 1980: 43-7.).

Como dito, a proclamação da soberania do governo norte-americano sobre

os recursos naturais existentes na plataforma continental, marcaria o processo de

transformação das regras tradicionais do Direito do Mar, uma vez que explicitava

que “(...) as terras submersas, contíguas ao território terrestre e cobertas por não

mais que 100 braças (200 metros) de água, são consideradas Plataforma

Continental” (op.cit: 46). Ainda que a largura do Mar Territorial permanecesse

fixada em três milhas, a Plataforma Continental era considerada prolongamento da

massa terrestre do Estado Ribeirinho, sendo, portanto, a ele pertencente, assim

como os recursos nela contidos. A velada capacidade tecnológica de explorar

petróleo e outros minerais de águas rasas iria provocar uma espécie de efeito

dominó, por desencadear uma conscientização do potencial econômico dos mares.

É o início de uma nova forma de ver o mar, embasada no seu potencial

econômico.

A partir desse momento, em relação ao Direito marítimo, vários acordos

internacionais foram feitos, caracterizados por ficarem circunscritos aos países-

45

sede, com pouca repercussão por envolverem um número limitado de nações4.

Façamos agora uma correlação entre soberania e Território a fim de esclarecer a

relevância do limite “Mar Territorial”, os conflitos observados na delimitação desse

espaço em especial e as proposições de prolongamento da plataforma continental,

como extensão da massa terrestre.

A controvérsia relacionada à questão de fixação deste limite está

relacionada ao fato de estar associado à expressão máxima da soberania de um

Estado sobre o mar adjacente. É essa questão que suscitará os principais

questionamentos, o que se justifica, uma vez que quanto maior a largura desse

limite, maior a propriedade do Estado Costeiro e menor a influência dos outros

Estados. O Mar Territorial guarda as características jurídicas do Território. É o

limite do Estado no mar que mais se aproxima do continente, portanto é

compreensível o interesse das nações conscienciosas ou apenas especuladoras

de suas riquezas marítimas, ou, ainda, cautelosas em relação a sua segurança. A

área adjacente à costa marítima, através de sucessivas reivindicações, tratados e

convenções, é considerada parte integrante do Território, estando, portanto, sujeita

a sua soberania.

O conceito de Território é apropriado tanto pela Geografia quanto pelo Direito,

e sua etimologia é relacionada por alguns autores não à terra mas sim, ao verbo

latino terreo, territo, ou seja, intimidar. Assim, explica-se a associação da soberania

do Estado com a palavra Território, uma vez que o primeiro, por muitas vezes,

exerceu o seu poder cogitando a possibilidade de utilizar a força militar sob suas

ordens (RAFFESTIN, 1993). Intimidar e impor-se através de coerção, seja ao seu

próprio povo, seja aos Estados vizinhos, seria quase inerente à figura do Estado,

em expansão ou não. O Território é a expressão do poder de fato do Estado,

constituindo-se um elemento essencial do mesmo, uma vez que não há Estado

4Podemos exemplificá-los: Antuérpia, em 1921, sobre questões relacionadas a navios; Londres, em 1922; Gotemburgo, em 1923, sobre seguro obrigatório para passageiros; Gênova, em 1925 e Amsterdã, em 1927; além de Antuérpia, em 1930, para ratificação das convenções internacionais de Bruxelas; Oslo, em 1933 e Paris, em 1937(LIMA, 1997: 59).

46

sem poder soberano, e a soberania é inerente à força necessária à sua

autoconservação (BONAVIDES, 1978).

Desta forma, é possível entender como o conceito de Território é o elo entre a

Geografia e o Direito-político, e encontra na perspectiva geográfica e nas ciências

jurídicas eixos comuns, uma vez que estas últimas determinam a área de

jurisdição de uma autoridade (PENHA, 1998). A análise do binômio Território-

Estado é feita nas ciências jurídicas:

O território ao lado do elemento humano e do poder soberano integra a própria essência do Estado. Sem território, portanto, o Estado sucumbe. A base física, contudo, é um elemento contingente, não essencial do Estado. A sociedade política pode existir, ainda que temporariamente, sem ele. A base física está para o Estado como a água para o ser aquático. Aquela não faz parte da essência deste, o qual, porém, despojado daquele elemento vital, sucumbe ao cabo de algum tempo (BONAVIDES, 1978).

Assim, o Território surge essencialmente como um instrumento de exercício

do poder, atrelado ao(s) dominador (es) e ao(s) dominado (s). A organização deste

poder sugere a questão de soberania e esta, por sua vez, está associada à figura

do Estado (CHÂTELET, 1997). Becker (1983: 6-8) descreve este último como “(...)

uma entidade jurídica, administrativa e política cuja existência física é definida pelo

território”; esse, por sua vez, segundo a autora, é “(...) a expressão concreta das

unidades políticas no espaço”; “(...) espaço próprio a um Estado; área onde exerce

a sua soberania, e implica em uma noção de limite, pois que o seu desenho é

conseqüência da relação de poder entre os Estados”. Segundo Moraes (1997), a

arte de governar esteve em muitos momentos relacionada à capacidade de

produzir e ordenar o espaço. Além disso, Território pode ser definido como

resultado das práticas sociais e, ao mesmo tempo, a base destas mesmas

práticas. A sua origem é atrelada ao poder econômico e a sua aplicação obedece

ao poder político. Portanto, a sua manutenção implica em um equilíbrio dos atores

sociais (op.cit).

47

Na concepção de Santos (1996), o Estado é basicamente formado pelo

Território, pelo povo e pela soberania. E essa última é a reguladora das relações

entre diferentes Territórios nacionais, organizada de comum acordo entre os

mesmos. É pela imposição da sua soberania que os Estados tentam acordar e

uma boa forma de exemplificar essa preocupação é dada pelo fato de que a

palavra soberania está presente na maior parte das reivindicações sobre o Direito

Marítimo, elaboradas pelo Estado brasileiro frente a outras nações do mundo. A

definição dos limites no mar e o direito de domínio por parte dos países adjacentes

representam uma questão inerente à soberania dos mesmos e, uma vez que o

acesso e o domínio possuem cada vez mais um valor estratégico a quase todos os

Estados, justifica-se a freqüência com que tem sido objeto de conflitos mundiais.

Através da relação do Estado com seus recursos naturais será expressa a sua

hegemonia. No caso específico das “águas”, os poderes do Estado variam de

acordo com a sua localização, como vimos anteriormente. Sendo assim, águas

situadas no interior da linha da costa (rios, bacias hidrográficas e demais) sofrem o

mesmo domínio da terra firme (a mesma jurisdição), mas no caso das águas

situadas fora da orla costeira, a soberania terá intensidade diferente (COELHO,

1998).

A limitação da soberania de um país será objeto de inúmeras discussões e a

sua representação será dada no espaço, como vimos. Segundo Guerra (1994), o

poder nacional pode ser definido como o instrumento de ação utilizado pelo Estado

a fim de atingir seus objetivos. Este pensamento reforça a idéia de que o poder de

uma nação é a expressão da sua soberania. Quando transferimos a questão

relacionada à abrangência do poder nacional segundo as áreas marítimas, vemos

que a soberania, em sua totalidade, ou seja, soberania e não “direitos de

soberania”, só será aplicada à área representada pelo Mar Territorial, daí a

extrema relevância deste limite. A diferença encontrada nessa terminologia poderá

ser explicada por alguns exemplos práticos, como veremos a seguir.

Assim, após o esclarecimento sobre o conceito “Mar Territorial”, passamos a

descrever o processo de instalação das divisões marítimas tendo em vista as

48

principais Convenções, cujas repercussões modelaram o quadro atual das

relações internacionais.

2.2 – As Convenções do Direito do Mar e os Novos Espaços Marítimos

A primeira “grande” Conferência a ter como proposta a codificação das

regras sobre as águas territoriais teve lugar em Haia, em 1930, e foi denominada

Conferência de Codificação de Haia. Tal proposta traduzia uma tentativa de acordo

sobre a aplicação dos princípios da liberdade dos mares e da soberania territorial,

aparentemente opostos, mas compreensivelmente complementares, visto que é

possível a sua coexistência tal com formulada nos dias de hoje. Nesta conferência,

38 países reuniram-se e, ainda que alguns parâmetros tenham sido definidos em

relação ao limite do Mar Territorial, o principal saldo de Haia teria sido “(...) ter

suscitado interesse na obra de codificação”, sem resultados práticos efetivos

(RANGEL, 1970: 61).

Para Mello (1972), esta convocação da Liga das Nações teve como um dos

objetivos principais elaborar um código universal referente à extensão do Mar

Territorial. Aliás, a própria adoção do termo “Mar Territorial” surge nesta

Conferência, a partir da declaração das diferentes acepções do termo “águas

territoriais”. Tal adoção, em contraposição ao simples “águas” se justifica pela “(...)

vantagem de ordem científica (...)”, e pelo fato de que “(...) adotá-lo no projeto

significa dele excluir o estado das águas internas (...)” (RANGEL, 1970: 24).

Também em Haia, surge a noção de Zona Contígua (de doze milhas), distinguindo-

se da noção do Mar Territorial (de três milhas), porém o acordo sobre a extensão

desse último não será obtido ainda dessa vez

(...) Na conferência para codificação do Direito Internacional do século XX, que tinha, entre outros fins, fazer uma convenção sobre o Mar Territorial, reunida em Haia, em 1930, sob os auspícios da Liga das Nações, há uma tendência à criação da zona contígua para reprimir o contrabando, o que já demonstrava a insuficiência da largura de três milhas. (Mello, 1972: 122)

49

No período que se segue, a Liga transfere a tarefa de ordenar as leis de

águas territoriais para a Comissão de Direito Internacional (CDI) das Nações

Unidas, que, por sua vez, em 1951, rotula como urgentes as exigências legais do

Mar Territorial, dando origem à Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o

Direito do Mar (CNUDM). Segundo Cabral (1980), essa conferência, ocorrida em

Genebra entre 24 de fevereiro e 27 de abril de 1958, contou com a presença de 86

Estados, dos quais 79 eram membros da Organização das Nações Unidas (ONU)5.

Como peculiaridade dessa reunião, além do crescimento do número de

participantes (número esse que se repetirá na conferência que a sucedeu - a

Segunda), observamos que a maioria das nações tinha uma orientação de Estado

Costeiro, e não marítimo, não obstante o número de potências marítimas ainda

suficiente para protestar, caso fossem formuladas legislações ameaçadoras aos

seus objetivos. Por essa razão, crê-se no “ressurgimento do estado costeiro”,

preconizado pela Doutrina Truman, que pôde ser percebido através das

reivindicações feitas, relacionadas às águas interiores, ao Mar Territorial, às zonas

funcionais, à plataforma continental, e ao Alto-Mar (GOLD, 1976: 8; 61). Pela

natureza das solicitações percebe-se a preocupação central e a sua origem,

atrelada aos interesses inerentes aos Estados Costeiros.

A Primeira Conferência concluiu algumas considerações sobre o Mar

Territorial e a Zona Contígua; sobre o Alto Mar; sobre a pesca e conservação dos

recursos vivos aí contidos; e sobre a Plataforma Continental. Porém não conseguiu

fixar a largura do Mar Territorial e nem da Zona Contígua e assim, dada a

relevância desse item, uma nova, a Segunda Conferência das Nações Unidas

sobre o Direito do Mar, reuniu-se, também em Genebra, a 16 de março de 1960,

para examinar tanto a questão da largura do Mar Territorial quanto a dos limites de

pesca.

5 A Organização das nações Unidas – ONU, substituta da Liga das Nações, objetivava principalmente a manutenção da paz e surgiu através da Carta das Nações Unidas, tendo sido assinada em São Francisco – Estados Unidos – em 26 de junho de 1945 (LIMA, 1997: 64)

50

A Conferência de 1958 no entanto não conseguiu fixar a largura do Mar Territorial nem mesmo a zona contígua, o que não impediu que as convenções entrassem em vigor.(...) (...) Embora superada pelos avanços tecnológicos que permitiram ao homem explorar o meio marinho a profundidades além dos 200 metros, a Convenção de 1958 continuou a ter importância relevante, sendo que algumas de suas determinações foram acolhidas bem mais tarde, além de ter servido de base à sentença da Corte Internacional de Justiça no Caso da Plataforma Continental do Mar do Norte de 1969 que se referia principalmente ao limite da plataforma continental.(Lima, 1997: 67)

Sobre a II Conferência, em Genebra, a impossibilidade de acordo se prende

aos aspectos econômicos, sobretudo relacionados à pesca. Nesta ocasião os

Estados Costeiros reivindicaram um Mar Territorial mais largo “(...) a fim de

colocarem tais áreas sob seu direito exclusivo, enquanto que outros estados

preferem que tais áreas sejam definidas como Alto-Mar para poderem ter liberdade

de pesca” (MELLO, 1972: 121). Novamente o conflito liberdade X soberania é

traduzido pelas contraditórias reivindicações, formuladas por países marítimos e

costeiros. Em função da natureza complexa das questões, mais uma vez, não

houve êxito, e além disso, gerou-se a possibilidade de criação das medidas

unilaterais. Somente uma terceira conferência resultará em acordos.

La segunda conferencia, realizada en 1960, concluyó en un rotundo fracaso, dejando a criterio de los Estados el fijar la anchura del mar territorial y las zonas de pesca, debido a la presión de las grandes potencias marítimas. (LEMUS, 1991: cap. VIII).

O processo de reformulação do Direito do Mar teve início na 25ª

Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1967, a partir da proposta do

Embaixador de Malta6, Arvid Pardo. Foi aprovada e consistiu na consideração de

exclusão do leito do mar e do fundo do oceano “além dos limites da atual

jurisdição nacional” da apropriação; também previa o estabelecimento de um

órgão internacional para regular, supervisionar e controlar todas as atividades no

fundo do oceano além desses limites, ressaltando a possibilidade de apropriação

6 País (arquipélago) europeu situado a sul da Sicília, no centro do Mediterrâneo.

51

dos leitos marinhos por parte dos Estados tecnologicamente avançados. O

conceito de "patrimônio comum da humanidade" volta-se aos recursos minerais,

incluindo hidrocarbonetos. Em 1970, a Assembléia Geral das Nações Unidas

adotou a Declaração de Princípios na qual afirma que o leito dos oceanos e seu

subsolo situado além das jurisdições nacionais, assim como seus recursos

minerais, constituem-se patrimônio comum da humanidade (GOLD, 1976: 15).

(...) Pardo (...) pronunciou longo e hoje histórico discurso abordando os últimos e importantes avanços verificados, bem como estudos ainda mais revolucionários, relativos à exploração dos mares, principalmente dos fundos dos oceanos de onde, ao que tudo indicava, seria possível a extração de quantidades imensas de minérios, além da extração de petróleo e gás natural dos sub-solos marinhos (Lima, 1997: 68).

Após um trabalho preliminar que durou três anos (1967 – 1970), passou-se do

enfoque relativamente restrito da questão do fundo do mar para o campo mais

amplo de preparativos e, no final de 1970, a Assembléia inicia os preparativos para

“(...) um dos processos de negociação internacional mais longos de todos os

tempos” (CASTRO, 1989: 37). Ao fim das duas conferências, um dos resultados

definidos foi o fim do limite de três milhas. Outro importante ponto foi o fato de que

a questão de jurisdição do Estado Costeiro tornava-se cada vez mais complexa.

Até então, a argumentação de amplos Mares Territoriais contra reduzidos Mares

Territoriais traduzia soberania contra liberdade, como vimos. No entanto, em

Genebra, as nações que defendiam um mar reduzido baseavam-se na

necessidade de um livre comércio costeiro e de uma eficiente exploração dos

recursos marítimos, enfatizando o problema que os Estados Costeiros teriam de

enfrentar quando realizassem o policiamento de suas extensas áreas litorâneas

(GOLD, 1976). Sem dúvida, uma antevisão do grande obstáculo encontrado pelo

Brasil, na atualidade, quando propõe a expansão de seus limites marítimos, como

iremos discutir no capítulo “Levantamento dos Recursos do Espaço Marítimo

Brasileiro”.

52

O não-entendimento nas Convenções anteriores relativas aos assuntos do

mar sinalizou a necessidade de um novo ordenamento e, em função deste fato, foi

realizada, em 1973, mais uma Conferência sobre o Direito do Mar.

2.3 - A Convenção de Montego-Bay e os Novos Espaços Marítimos

A III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, continha

objetivos consideravelmente ambiciosos: além de dar continuidade ao regime para

a Área Internacional do Fundo do Mar (ou simplesmente “a Área”), a Conferência

também deveria “(...) tratar da definição dos limites e do regime jurídico de todos

os diferentes espaços marinhos e da regulamentação dos mais variados tipos de

atividade no mar” (Castro, 1989: 37). Entre 1971 e 1973 uma Comissão foi instaurada para tratar da utilização pacífica dos mares e oceanos situados além da jurisdição nacional; além disso, a Comissão dos Fundos Marinhos passou a atuar como órgão preparatório para a III Conferência e dela surgiu uma lista de temas a serem debatidos na futura Conferência, dentre eles a "solução de controvérsias"7 (SÓRIA apud RANGEL, 2004).

Um detalhe específico incidiu sobre essa conferência: ao contrário das outras

duas anteriores, ou ainda, de todas as reuniões de codificações, nenhum órgão

jurídico ficou encarregado de elaborar um projeto de Convenção. Procedendo

assim, a intenção da Assembléia Geral era de privilegiar os critérios políticos-

econômicos, em detrimento dos jurídicos, e a justificativa era de que até então,

todas as codificações relacionadas ao Direito Marítimo Internacional atendiam aos

interesses e às práticas comerciais das grandes potências marítimas e, desta vez,

os países em desenvolvimento deveriam ter seus interesses considerados,

externando o conflito Soberania – dos países subdesenvolvidos – e Liberdade –

dos Estados Marítimos (LIMA, 1997: 70).

7 A questão das controvérsias remete essencialmente a problemas eventuais ocorridos na Área (Zona dos Fundos Marinhos).

53

E o princípio da inter-relação e do tratamento conjunto de todos os problemas do mar transformou-se em regra básica das negociações e beneficiou, até o fim do processo, os países costeiros e em desenvolvimento. (Castro, 1989: 36).

Logo, nesta Convenção alguns dos interesses dos países latino-americanos

que já haviam ampliado suas jurisdições marítimas em decisões unilaterais8,

incluindo o Brasil, foram atendidos. É certo também que a tarefa de elaborar uma

proposta que abrangesse todos os temas e questões relativas ao direito do mar,

atribuição inicial da Conferência, mostrou-se uma atividade árdua e prolongada,

como não poderia deixar de ser, paralisando os trabalhos por dois anos – de 1971

a 1972. Nesse período, grande apoio à tese das duzentas milhas foi incorporado

tendo como base, obviamente, os países primordialmente de terceiro mundo. Os

defensores originais das duzentas milhas de soberania, perceberam o valor da

estratégia de ganhar tempo durante os processos de negociações, a fim de que os

potenciais aliados pudessem ser atraídos de forma definitiva para a tese de

ampliação da área de soberania ou jurisdição do Estado costeiro (CASTRO, 1989).

É pertinente que se diga que no período inicial de formação da Conferência,

além dos Estados latino-americanos (alguns), os países que haviam ampliado suas

jurisdições eram alguns países afro-asiáticos, proclamando direitos além das doze

milhas. Considerados potenciais defensores dessa causa eram determinados

países do mundo desenvolvido cujos interesses marítimos se concentravam nas

áreas mais próximas aos seus litorais, como é o caso da Islândia, Noruega,

Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Excetuando esses casos, todos os outros

países optavam por manter regimes de até doze milhas, fossem os Estados

marítimos, grandes potências irredutíveis sobre seus direitos no mar, ou a maior

parte dos países do terceiro mundo, ainda, pouco conscientes do valor geopolítico

e econômico do mar adjacente à costa. Somando-se a esses, os países sem 8 Segundo Torres & Ferreira, 2005, os Estados são soberanos para estabelecer o limite exterior de sua plataforma continental, sendo responsáveis pelas conseqüências proporcionadas por medidas unilaterais. Em contrapartida, os limites das águas jurisdicionais brasileiras, consagrados em tratados multilaterais, garantem direitos econômicos

54

litoral, cuja proposta de ampliação não os favoreceria diretamente. Para completar

o panorama, havia ainda o fato de que mesmo dentre os países que já haviam

ampliado suas jurisdições, alguns mantinham posições intermediárias, consistindo

na ampliação dos direitos econômicos na faixa até duzentas milhas, porém sem

afetar totalmente algumas liberdades no alto-mar, na área além das doze milhas

(CASTRO, 1989).

Tamanha diversidade de arranjos permite entender o porquê da

necessidade de se aguardar o tempo necessário para que todos os países

indecisos e possíveis aliados resolvessem suas posições, terminando por optar

pela ampliação da soberania dos Estados Costeiros, como desejavam os

defensores das duzentas milhas. E para que esse tempo fosse criado, os países

que já haviam ampliado suas jurisdições se valeram de estratagemas, o que

assegurou, para contrariedade das grandes potências, um atraso nas negociações.

Uma dessas estratégias, consideradas na introdução apresentada nessa pesquisa,

consistia em tornar único um bloco de decisões e não permitir que os itens

abordados fossem tratados separadamente. Assim, para a negociação da

liberdade de navegação requisitada pelas potências, seria necessário negociar

aspectos de interesse dos países do terceiro mundo (op. cit). A adoção do princípio

do consenso pode estar associada à morosidade com que os trabalhos evoluíram.

A busca pela homogeneidade visava tornar as medidas válidas de fato, para que

não caíssem em desuso. No entanto, segundo Lima (1997), na prática, não haveria

nenhuma resolução obtida por meio de uma votação majoritária de países em

desenvolvimento, sem que houvesse apoio dos países industrializados.

Desse período, que se estendeu até 1975, diversas reuniões marcaram a

Conferência, incluindo uma realizada em 1974 pelos Estados sem litoral e outros

em desvantagens geográficas. Devido ao teor polêmico, a segunda sessão da

Convenção, em Genebra, tentou organizar o debate, sem que houvesse, porém , a

adoção de nenhuma regulamentação efetiva. O Governo Reagan, nos E.U.A.,

declarou sua contrariedade em relação ao texto que vinha sendo posto em

55

negociação pela Convenção. No entanto, os países do “terceiro mundo” decidiram

pela votação das medidas, ao invés da discussão pelo consenso (LIMA, 1997: 72).

Devido ao ritmo dos trabalhos ficou fácil constatar-se que não haveria a assinatura de uma Convenção em curto espaço de tempo. Dessa forma, outras dez sessões ocorreram, em duas etapas, com o deslocamento das delegações de Nova Iorque para Genebra e muitos gastos financeiros suportados pela ONU e pelos países participantes (Lima, 1997: 71).

Sucessivas reuniões em Cabo Verde, 1981, no Rio de Janeiro e em Lisboa,

em 1982, culminaram com a codificação do Direito Internacional das Nações

Unidas, tendo em Montego-Bay, capital da Jamaica, a etapa “mais importante”

desta terceira Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (op.cit).

Marcada principalmente pelas motivações políticas e econômicas que sempre

estiveram presentes em todas as fases de negociação anteriores, desde o início da

década de 50, como já mencionado. Essa Convenção também teve como ponto

alto, segundo Muehe (2000), a possibilidade dos países em desenvolvimento, em

especial os do leste da África, participarem da exploração dos recursos minerais

do subsolo marinho. Foi assinada por 119 delegações em 10 de novembro de

1982, passando a vigorar somente um ano depois. O Brasil ratificou a Convenção

em 22 de dezembro de 1988 e a definição de seus limites, de acordo com esta

nova Convenção, ocorreu em 4 de janeiro de 1993.

Especificamente sobre a determinação do limite do Mar Territorial, surgiram

duas correntes divergentes: uma formada pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha,

Japão, República Federal da Alemanha, Bélgica e União Soviética, favoráveis a

um Mar Territorial de doze milhas e com reconhecimento de alguns direitos como

pesca além deste limite; a outra corrente contava com a presença do Brasil e era

favorável ao estabelecimento de duzentas milhas para o Mar Territorial. Mas a

maioria dos participantes, com uma opinião intermediária, passou a estabelecer o

que Castro (1989: 40), considera como um dos maiores marcos da Convenção de

82, a Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Este autor julga esta última “(...) um

conceito inovador, que veio a se transformar em elemento central de todo o

56

processo recente de negociação sobre o Direito do mar”. No entanto, o que

realmente está por detrás desta Convenção é a diminuição do limite do Mar

Territorial e uma espécie de compensação com a criação da ZEE, pelo fato de ter

havido uma diminuição no limite de duzentas milhas, determinado em medidas de

caráter unilateral.

Tratava-se, em síntese, de reconhecer ao Estado costeiro o direito a manter um Mar Territorial até o limite de doze milhas e de estabelecer, entre este limite e o das duzentas milhas, uma zona na qual exerceria direitos de soberania e jurisdição exclusiva sobre os recursos vivos e não-vivos do mar, sem prejuízo da liberdade de navegação de que iriam continuar a gozar, nessa área, os outros Estados (op. cit: 40).

Segundo Lima (1997), a Zona Econômica Exclusiva, compreendendo o

limite do Mar Territorial estabelecido em doze milhas, era uma manifestação

intermediária e teve aceitação geral dos participantes, tornando-se consenso e

prevalecendo até hoje. Para Castro (1989), de maneira geral, a normação vigente

relativa ao Mar Territorial e às outras zonas marítimas sofreram nenhuma ou

insignificantes alterações.

2.3.1 O Mar Territorial e a Zona Econômica Exclusiva

Segundo Sória apud Rangel (2004), até a efetiva assinatura da Convenção

de Montego-Bay, teriam se realizado árduas nove sessões, ocorridas entre 1974 e

1982, onde se buscava um consenso entre os Estados em relação a um sistema

para a solução de controvérsias no mar, por fim, consagrada na Convenção em

sua parte XV, sob o tema “Solução de Controvérsias”. Também definiu, de forma

precisa, os espaços marítimos, como unidades espaciais de jurisdição dos Estados

costeiros, e como conseqüência, nos dias atuais, mesmo os países não signatários

da Convenção adotam e respeitam os conceitos relacionados às definições e ao

meio ambiente. São estes os espaços consagrados:

57

a. Mar Territorial;

b. Zona Contígua;

c. Plataforma Continental;

d. Águas Interiores;

e. Alto-Mar;

f. Fundos Marinhos.

Em comum, as três primeiras áreas possuem como delimitação a linha de

baixa-mar ao longo da costa, que, no entanto, pode ser substituída por linhas de

base retas9, ligando pontos salientes de um litoral recortado ou precedido de ilhas

e, no caso de países cuja largura da margem continental ultrapassa o limite de

duzentas milhas marítimas, medidas a partir da linha de base, “(...) situação

freqüentemente encontrada em margens continentais passivas10, como a do Brasil,

e que, por esta razão, pretendam reivindicar a ampliação da sua soberania para

além dessa distância” (MUEHE, 2000: 154).

Desta forma, o Mar Territorial recebe a seguinte definição: parte de mar

paralela à costa podendo estender-se até doze milhas náuticas, onde o Estado

costeiro detém, com ressalva do direito de trânsito inocente11 dos navios, poderes

similares aos que exerce em seu território terrestre, sendo este verdadeira parte do

território do Estado que margina, estando sujeito a sua soberania. Esta, por sua

9As linhas de base são utilizadas como origem do mar territorial de 12 milhas marítimas (m.m.), da zona contígua de 24 m.m., da zona econômica exclusiva de 200 milhas e, em alguns casos, da própria plataforma continental jurídica. Podem ser normais ou retas. Quando normais, elas acompanham a linha de baixa-mar, conforme indicada nas cartas náuticas produzidas pela Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) do Ministério da Marinha. Nos locais onde a linha de costa apresenta recortes profundos ou uma franja de ilhas na sua proximidade imediata, é permitido o uso das linhas de base retas, mediante a união de pontos apropriados, que, no caso do litoral brasileiro, constam do Decreto nº 1.290, de 21 de outubro de 1994. 10Também chamada Costa do tipo Atlântico, ocorre quando as direções estruturais das rochas são perpendiculares à linha costeira, ao contrário do tipo Pacífico, onde são paralelas. É composta normalmente por: plataforma continental ampla, talude e sopé continentais (SUGUIO, 1998). 11 Por passagem inocente considera-se o “parar” e o “fundear” desde que isto ocorra decorrendo de um incidente comum de navegação, ou seja imposto por motivo de força maior ou por dificuldade grave, ou ainda, tenha por fim prestar auxílio a pessoas, a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave. Também fica determinado que esta passagem inocente (ou seja, inofensiva) será considerada para todos os navios, de todos os Estados, desde que não seja prejudicial à paz, à ordem ou à segurança do país, devendo ser contínua e rápida (MATTOS, 1996).

58

vez, estende-se, além do Mar Territorial, ao espaço aéreo sobrejacente e também

ao seu leito e subsolo (ALBUQUERQUE, 1994). Segundo Lima (1997), tal visão

classifica o Mar Territorial como um bem público interno, ou seja, sob domínio do

Estado12.

Como visto, o estabelecimento do Mar Territorial, como não poderia deixar

de ser, confunde-se com o histórico do Direito Marítimo. No entanto, a jurisdição

imposta a este limite está bem clara e se diferencia sensivelmente das jurisdições

impostas aos demais limites. Sória (2004) cita Alberico Gentili, jurista

internacionalista precursor de Grotius, e considera a existência do Mar Territorial,

numa acepção mais moderna do termo, como parte constitutiva do território do

Estado, do mesmo modo que o território terrestre. “Território marinho”, “zona

marinha adjacente à costa”, na qual o Estado projeta totalmente seu imperium et

iurisdictio, ou modernamente, sua soberania. Sória, considera que é

importantíssima, no direito contemporâneo do mar, a distinção entre soberania e

jurisdição; a única que permite distinguir entre a plena competência e a

qualificação; entre o mar territorial e o que atualmente denominamos mar

patrimonial ou zona econômica.

Propomos no próximo capítulo “A Geografia Marítima Brasileira e a

Constituição do Mar Territorial no Brasil” uma análise da evolução do Mar

Territorial no país, relacionando-o ao contexto político e econômico no qual será

transcorrido, além de um breve estudo da história de sua instituição na América

Latina. 12 A Constituição Federal relaciona os bens que pertencem à União, no art. 20: ‘‘I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II; V - os recursos naturais de plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios’’.

59

Segundo a divisão jurídica adotada pela Convenção das Nações Unidas do

Direito do Mar (CNUDM), os espaços marítimos são divididos em blocos, e

classificados como adjacentes aos territórios (Mar Territorial e Águas Territoriais)

ou afastadas dos territórios (Alto Mar e Mar Livre). Com relação ao alto-mar,

atualmente verifica-se na Convenção, em seu artigo 86, que são “(...) todas as

partes do mar não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou nas

águas interiores de um Estado, nem águas arquipelágicas de um arquipélago”.

Segundo Mello (2001), há várias teorias relacionadas ao Alto-Mar, elaboradas no

sentido de impedir que as reivindicações de soberania invocadas pelos Estados

fossem aplicadas a esse espaço, evitando-se assim que estivesse sob vigência de

qualquer regulamentação jurídica.

Segue-se a apresentação dos demais limites marítimos adotados também

pelo governo brasileiro, em 1993, e ainda vigentes na atualidade (figuras 2.1, 2.2 e

2.3).

60

Figura 2.1 - Legislação Vigente de Acordo com a Convenção das Nações Unidas – Lei nº 8617/93.

Observação: 1 milha marítima = 1852 metros Fonte: Lima, 1997

61

Figura 2.2 - Limite dos Espaços Marítimos na CNUDM

Fonte: Pimentel e Antunes, 2003.

Figura 2.3 - Perfil Esquemático das Áreas Definidas na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar

Fonte: Marinha do Brasil , 2005

A Zona Contígua é a área contígua ao Mar Territorial, podendo

compreender a faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas,

62

a partir da mesma linha de base que mede a extensão do Mar Territorial, onde o

Estado pode tomar medidas de fiscalização aduaneira, de imigração e sanitárias

para evitar e reprimir as infrações a leis e regulamentos.

Em relação à Plataforma Continental de um Estado Costeiro, a Convenção

de 1982, estabelece sua abrangência no leito e no subsolo das zonas marinhas

que se estendem além do seu Mar Territorial, por todo o seu prolongamento

natural até o limite externo da margem continental ou até a distância de duzentas

milhas marítimas, medidas a partir das linhas de base utilizadas para medir o Mar

Territorial, sempre que o limite externo da margem continental for inferior a essa

distância. Por esse motivo, em função de seu limite máximo ser estabelecido pela

borda exterior da margem continental, essa borda pode ser determinada

ultrapassando o limite das trezentas e cinqüentas milhas, a partir das linhas de

base que servem para medir a largura do Mar Territorial, de acordo com os

critérios da Convenção (MUEHE, 2000).

(...) a plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância. (CNUDM, art. 76).

Portanto, a delimitação da Plataforma Continental pelo Estado Costeiro

exigirá, como requisito preliminar, que o mesmo determine o limite externo de sua

margem continental, segundo critérios específicos. Esses critérios são

referenciados ao chamado “pé do talude continental”, ponto mais próximo ao fim

da inclinação da crosta terrestre, quando a mesma passa de continental a

oceânica (ver figura 1.1, no capítulo “Geografia Marinha e Direito do Mar”, página

15). A extensão da Plataforma Continental desse limite, contudo, sofre algumas

restrições. São elas as trezentas e cinqüenta milhas de extensão a partir das linhas

63

de base ou cem milhas de distância a partir da isóbata13 de dois mil e quinhentos

metros, utilizando-se da profundidade do fundo marinho. O Estado pode optar pelo

que mais lhe convier, o que significa que a Plataforma Continental poderá, até

mesmo, avançar além de trezentas e cinqüenta milhas marítimas, fato que servirá

de base à discussão sobre a “Amazônia Azul brasileira” na conclusão dessa

pesquisa.

Sobre a importância econômica da Plataforma, Odum (1983: 376) relaciona:

“(...) as grandes áreas pesqueiras comerciais do mundo estão quase na sua

totalidade localizadas sobre ou próximas à plataforma continental, principalmente

em regiões de ressurgências14 de águas frias”. Ou seja, o afloramento de águas

marinhas profundas, e, em grande parte, frias, devido ao deslocamento de águas

superficiais para o largo e a compensação desta corrente por uma outra, de água

profunda, em direção à costa. A massa d’água que ruma em direção à costa traz

baixas temperaturas e altas concentrações de nutrientes. Desta forma, ao atingir a

zona eufótica, haverá aumento da atividade biológica, traduzida por alta produção

pesqueira. Excelente exemplo deste fenômeno ocorre em Cabo Frio, no Rio de

Janeiro, com caráter sazonal, mais freqüentemente no verão.

Com relação à definição de plataforma continental, Vidigal (2005: 55),

aborda a consagrada pelo parágrafo 1º do artigo 76 da CNUDM, diferenciando-a

em Plataforma Continental Jurídica e Plataforma Continental Geomorfológica:

13 Isóbata é uma linha imaginária, ou linha em um mapa, que une os pontos da mesma profundidade em um mar ou oceano. 14 Ressurgência ocorre quando os ventos afastam consistentemente as águas superficiais dos taludes costeiros escarpados, trazendo à superfície águas frias ricas em nutriente que acumulam nas profundezas, criando ecossistemas riquíssimos (op. cit.: 376)

64

A plataforma continental é uma área adjacente ao continente, que se estende da linha de costa até a borda do talude15, a cerca de 200m de profundidade. Ela tem inclinação suave e largura variável. Nessa área, há grande atividade erosiva e deposição de sedimentos, que variam do cascalho biodetrítico à lama, oriundos principalmente do continente. A Plataforma Continental Jurídica, distingue-se desta, pois, por definição, envolve plataforma continental, talude continental e parte da elevação continental. Sua abrangência depende dos critérios estabelecidos pela Convenção.

Da mesma forma, Souza (1999), esclarece que a plataforma continental

jurídica (PCJ), como define o nome, tem um enfoque jurídico e pouco tem a ver

com o conceito fisiográfico ou geomorfológico de plataforma continental (PCG),

tendo sido, assim como os outros espaços oceânicos, confundida e erroneamente

utilizada:

(...) a PCG é uma área plana, com relevo muito suave e gradiente sempre inferior a 1:1000. Mundialmente, está limitada a profundidades menores que -460m, com predominância de profundidades inferiores a -185m, razão pela qual comumente se utiliza a isóbata de 200 m como o limite da PCG. A sua largura varia de poucas milhas a mais de 200 milhas marítimas. Sua borda externa – ou "quebra da plataforma" – é marcada quando o gradiente passa, bruscamente, de menos de 1:1000 para maior do que 1:40. (op.cit: 80).

Pela definição jurídica de plataforma continental, a PCJ de um Estado

costeiro pode englobar as feições fisiográficas conhecidas como plataforma, talude

e elevações continentais16, e, em algumas circunstâncias, inclusive regiões da

planície abissal. O conceito de PCJ não se aplica à massa líquida sobrejacente ao

leito do mar, mas apenas ao leito e ao subsolo desse mar.

Os critérios para a determinação da Plataforma Continental, relacionados à

margem continental, são enunciados pela CNUDM, nos termos do parágrafo

terceiro de seu artigo 76:

15 Talude continental é a escarpa do relevo submarino que mergulha do limite (quebra) da PCG para os fundos ou abismos oceânicos (planície abissal). Para maiores detalhes consultar o capítulo “Geografia Marinha e Direito do Mar” desta pesquisa. 16 Elevação continental é a região do relevo submarino relativamente plana e de pequena declividade que une o talude continental à planície abissal, que corresponde aos chamados fundos ou abismos oceânicos (SUGUIO, 1998).

65

A margem continental compreende o prolongamento submerso da massa terrestre do Estado costeiro e é constituída pelo leito e subsolo da plataforma continental, pelo talude e pela elevação continental. Não compreende nem os grandes fundos oceânicos, com as suas cristas oceânicas, nem o seu subsolo.

Souza, (1999: 81) assinala que “(...) a definição jurídica de plataforma

continental (PCJ) é um tanto complexa e possibilita distintas interpretações de seu

enunciado. Nessa definição (CNDUM, artigo 76), o termo Margem Continental é

empregado no sentido fisiográfico ou geomorfológico” o autor aponta a

complexidade na definição jurídica, o que acaba possibilitando diferentes

interpretações do seu enunciado.

A determinação do limite exterior da Plataforma Continental Jurídica de um

Estado costeiro é obtida pela utilização integrada dos critérios de delimitação da

margem continental jurídica (MCJ) – conceito implicitamente embutido no

parágrafo 4º do artigo 76 da CNUDM – com os critérios de restrição da máxima

extensão da PCJ (CNUDM, art. 76). Nos termos desse parágrafo, o Estado

Costeiro deve estabelecer o bordo exterior da MCJ, quando a margem continental

geomorfológica (MCG) se estender além das duzentas milhas marítimas, por

intermédio de uma linha unindo pontos nos quais “(...) i) a espessura das rochas

sedimentares seja pelo menos 1% da distância mais curta entre esse ponto e o pé

do talude continental” ou ii) uma linha unindo “...pontos fixos situados a não mais

de 60 milhas marítimas do pé do talude continental”.

66

Figura 2.4 Critérios para Delimitação

Fonte: Sousa, 1999.

Este autor sinaliza para o fato de que o pé do talude continental é a feição

de referência dos dois critérios de determinação da MCJ e que, ainda de acordo

com o parágrafo 4º, esta feição é definida como: “(...) Salvo prova em contrário, o

pé do talude é o ponto de variação máxima do gradiente na sua base”.

Após a determinação do bordo exterior da Margem Continental Jurídica, em

função de qualquer dos critérios citados (ver figura 2.4), o parágrafo quinto do

artigo 76 estabelece que:

67

Os pontos fixos que constituem a linha dos limites exteriores da plataforma continental no leito do mar, (...), devem estar situados a uma distância que não exceda 350 milhas marítimas da linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial ou a uma distância que não exceda 100 milhas marítimas da isóbata de 2500 metros (linha que une profundidades de 2500 metros).

Desta forma, o limite da PCJ além das duzentas milhas marítimas será

traçado “(...) unindo, mediante linhas retas, que não excedam 60 milhas marítimas,

pontos fixos definidos por coordenadas de latitude e longitude” e “(...) Os limites da

plataforma continental estabelecidos pelo Estado costeiro com base nessas

recomendações serão definitivos e obrigatórios.” (CNUDM, artigo 76), devendo o

Estado Costeiro (...) depositar junto ao Secretário Geral das Nações Unidas mapas e informações pertinentes, incluindo dados geodésicos, que descrevam permanentemente os limites exteriores da sua plataforma continental. O Secretário Geral deve dar a esses documentos a devida publicidade. (CNUDM, artigo 76, parágrafo 9).

Nos casos em que a Plataforma Continental de um Estado Costeiro assumir

uma extensão de até duzentas milhas marítimas (m.m.), o conceito de Zona

Econômica Exclusiva (ZEE) é mais abrangente e, implicitamente, engloba o

conceito de PCJ. Tal fato servirá de base aos projetos de expansão consistentes

na “Amazônia Azul”, abordados no capítulo “Levantamento dos Recursos do

Espaço Marítimo Brasileiro”, nesta pesquisa. Na PCJ, segundo a CNUDM, o

Estado Costeiro exerce direitos de soberania para fins de exploração e

aproveitamento dos seus recursos naturais e esses direitos são exclusivos, ou

seja, “(...) se o Estado costeiro não explora a plataforma continental ou não

aproveita os recursos naturais da mesma, ninguém pode empreender estas

atividades sem o expresso consentimento desse Estado” (CNUDM, artigo 77).

Quando o Estado tiver intenção de estabelecer o limite exterior da

plataforma continental além das duzentas milhas, nos termos em que a mesma é

definida no artigo 76 da CNUDM, deverá apresentar à Comissão de Limites da

Plataforma Continental, das Nações Unidas, em até dez anos após a entrada em

68

vigor da Convenção no Estado em questão, as características de tal limite,

juntamente com informações científicas e técnicas de apoio (ALBUQUERQUE,

1994). No caso brasileiro, como será apresentado no capítulo “A Geografia

Marítima Brasileira e a Constituição do Mar Territorial no Brasil” desta pesquisa, o

governo, através da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM),

tem no LEPLAC (Plano de Levantamento da Plataforma Continental) o instrumento

para proceder na expansão da delimitação dos limites da plataforma, fator de

extrema importância estratégica, “(...) uma vez que com o estabelecimento da

dimensão da plataforma “jurídica” brasileira, jogará a fronteira leste do Brasil para

300 milhas náuticas da linha da costa, fato de extrema importância geopolítica para

o Atlântico Sul” (MORAES, 1997: 7).

A Zona Econômica Exclusiva (ZEE) ainda que não seja uma zona

submetida à jurisdição territorial, uma vez que se trata de uma jurisdição funcional

(MUEHE, 2000), será uma inovação da III Convenção, como já dissemos. Os

direitos nela se restringem ao aproveitamento de seus recursos naturais vivos ou

não, sem haver prejuízo da liberdade de navegação por parte de outros Estados.

Todos os Estados Costeiros têm direito de jurisdição nesta área que engloba uma

faixa cuja extensão vai das doze às duzentas milhas marítimas, a partir das linhas

de base que medem a largura do Mar Territorial (CASTRO, 1989). Abrange,

portanto, a Zona Contígua e tem, na realidade, 188 milhas marítimas, uma vez que

se inicia no Mar Territorial. Na ZEE o Brasil tem direitos de soberania, e não

exatamente soberania, visando exploração, aproveitamento de recursos,

conservação e gestão de recursos naturais, vivos ou não17, das águas

sobrejacentes ao leito do mar e seu subsolo, e outras atividades, objetivando a

exploração e o aproveitamento da zona para fins econômicos .

Na ZEE, o Estado costeiro tem jurisdição para regulamentar a investigação

científica marinha e “(...) tem o direito exclusivo de construir e de autorizar e

17 Por recursos naturais entendem-se os minerais e outros não-vivos do solo e do subsolo marinhos, e também os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, aquelas que, no período da captura, estão imóveis nessa mesma região ou só podem mover-se em constante contato físico com ela (MUEHE, 2000).

69

regulamentar a construção, operação e utilização de: a) ilhas artificiais; b)

instalações e estruturas (...)” (CNUDM, artigo 60, parágrafo 1) com finalidades

econômicas e/ou para fins de investigação científica. Qualquer investigação

científica na ZEE brasileira – por instituições nacionais e/ou internacionais –

somente poderá ser realizada com o consentimento do Governo brasileiro.

Vidigal (2005: 35), aponta que, no exercício de sua jurisdição, os Estados

costeiros, têm o direito de regulamentar, autorizar e realizar investigação científica

marinha (ICM) na sua Zona Econômica Exclusiva e na sua plataforma continental,

salientando que em ambos os casos é necessário consentimento do Estado

Costeiro. Assim, a investigação científica poderá ser iniciada por “(...) uma

organização internacional competente”, num prazo antecedido por informações,

“(...) previstas em tais casos”. As organizações ou Estados competentes, com

propostas de investigação devem fornecer “(...) uma descrição completa da

natureza e dos objetivos do projeto”. Por sua vez, os Estados Costeiros têm o

direito de exigir a suspensão da investigação, em sua Zona Econômica Exclusiva

ou em sua Plataforma Continental, caso a mesma não esteja em acordo com a

proposta inicial feita ao Estado Costeiro, ou se não forem atendidas as demais

condições previstas no artigo 249 da Convenção.

Os Estados e as organizações internacionais competentes, quando realizem investigação científica marinha na ZEE ou na plataforma continental de um Estado costeiro devem cumprir as seguintes condições: (...) garantir ao Estado costeiro (...) o direito de participar ou estar representado no projeto de investigação científica marinha; (...) fornecer (...) relatórios preliminares (...); (...) comprometer-se a dar acesso ao Estado costeiro a todos os dados e amostras resultantes do projeto de investigação; (...) salvo acordo em contrário, retirar as instalações ou o equipamento de investigação científica uma vez terminada a investigação. (CNDUM, artigo 249).

Nesse sentido, e com o intuito de fiscalizar as atividades de ICM, os

Estados costeiros, entre eles o Brasil, costumam fazer embarcar especialistas nos

navios de pesquisa estrangeiros (VIDIGAL, 2005: 27).

70

A Convenção garante ao Estado costeiro “(...) direitos de soberania para fins

de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais,

vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu

subsolo (...)” (CNUDM, artigo 56). Com o objetivo de promover a utilização ótima

dos recursos vivos da ZEE, o Estado costeiro fixará as capturas permissíveis

desses recursos, “(...) tendo em vista os melhores dados científicos de que

disponha (...), (...) o Estado costeiro e as organizações competentes sub-regionais,

regionais ou mundiais, cooperarão, conforme o caso, para tal fim” (CNDUM, artigo

61). O artigo 246 prevê que os Estados costeiros devem dar o seu consentimento

a outros Estados ou organizações internacionais competentes para que executem

projetos de investigação científica marinha na sua Zona Econômica e na sua

Plataforma, exclusivamente com fins pacíficos e com o propósito de aumentar o

conhecimento científico do meio marinho, em benefício de toda humanidade. Tal

dever não se repete no Mar Territorial, onde os Estados costeiros têm o direito

exclusivo (e não dever) de regulamentar, autorizar e realizar a investigação. As

condições em que essa investigação poderá vir a ser realizada serão

estabelecidas pelo Estado costeiro, ao passo que na ZEE e na Plataforma, estão

em conformidade com as disposições pertinentes da Convenção (CNDUM, artigos

245 e 246). A imposição no caso dessas últimas áreas (ZEE e Plataforma) será

muito mais percebida naqueles Estados onde a capacidade de investigação e

exploração seja menor (em função da tecnologia pouco desenvolvida) e pode nos

levar a considerar possíveis intervenções na política econômica do Estado costeiro

a ser investigado, assim como, ingerências nos levantamentos dos dados sobre

seus recursos, tendo como conseqüência, a ameaça da sua soberania.

“Quando o Estado costeiro não tiver capacidade para efetuar a totalidade da

captura permissível deve dar a outros Estados acesso ao excedente desta captura,

mediante acordos ou outros ajustes entre as partes (...)” (CNUDM, artigo 62). Ou

seja, a partir das análises conclusivas fornecidas pelos inventários dos recursos é

feita uma projeção de quanto é possível se capturar e, a partir daí, o Estado em

questão avalia a sua própria capacidade de captação. Caso essa capacidade

71

esteja abaixo do limite estipulado, as concessões deveram ser feitas. Decorre

desse fato a necessidade de investimento em tecnologia de exploração dos

recursos marítimos, e, nos Estados onde tais investimentos são ínfimos, a

submissão econômica e tecnológica.

É prevista, ainda, a transferência de tecnologia marinha entre os Estados,

“(...) diretamente ou por intermédio das organizações internacionais competentes”,

“(...) segundo modalidades e condições eqüitativas e razoáveis”, e “(...) na base do

benefício mútuo”, ou seja, “(...) mediante acordos bilaterais e multilaterais”

(CNDUM, artigo 242). Uma vez que tais acordos são francamente baseados em

aspectos econômicos, empiricamente, leva-se à discussão a possibilidade de

haver condições de igualdade entre os Estados, tendo em vista a natureza desta III

Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, enfática no sentido de

privilegiar as relações comerciais em pé de igualdade entre os países.

Enfim, após verificarmos comparativamente a aplicação de “soberania” e

“direitos de soberania” no Mar Territorial e na Zona Econômica Exclusiva, o que

nos permitirá entender porque o conceito de Território se aplica perfeitamente ao

Mar Territorial, podemos sintetizar a discussão sob o aspecto do Direito Marítimo

Contemporâneo, novamente através de Sória (2004:4), ao citar Alberico Gentili,:

“(...) vê no mar territorial a soberania e jurisdição do Estado ribeirinho, enquanto

que além do mar territorial há somente a jurisdição, como na caça dos piratas, do

direito de revista nos barcos mercantis por parte dos navios de guerra”. Tal

observação parece ser perfeitamente aplicável nos dias de hoje, a fim de

esclarecer a diferença entre soberania e jurisdição; termos amplamente utilizados

nesta pesquisa. O primeiro, como citado anteriormente, define plena competência

e o segundo qualificação sujeita a critérios; entre o Mar Territorial, onde a

soberania é garantida, independentemente da capacidade de captação de

recursos apresentada pelos Estados, e a Zona Econômica Exclusiva, onde há

diversos itens a serem julgados, dependentes de avaliações, para que os direitos

sejam concedidos ao Estado.

72

Vejamos agora a determinação nas chamadas “Águas Interiores”, “Alto-Mar”

e Fundos Marinhos. Nas “Águas Interiores” ou “Águas Marítimas Interiores” de um

Estado Costeiro a soberania é plenamente exercida, sendo limitada às “águas

interiores às linhas de base retas (origem da medição do Mar Territorial), as águas

dos rios, lagos, lagoas e canais do território nacional”. Assim, no caso particular

brasileiro, e apenas como três breves exemplos, as águas do rio Amazonas, do rio

São Francisco e da lagoa dos Patos são consideradas águas interiores (VIDIGAL,

2005).

O Alto Mar é o espaço marítimo caracterizado por compreender todas as

partes do mar não incluídas na Zona Econômica Exclusiva, no Mar Territorial ou

nas águas interiores de um Estado, nem nas águas arquipelágicas18 de um Estado

arquipélago. Foi reafirmado o princípio da liberdade de navegação para os navios

de todos os Estados, tenham ou não litoral, sendo inaceitável, nos termos da

Convenção, que este ou aquele Estado pretenda submeter qualquer parte do Alto-

Mar à sua soberania. Há ainda a legislação específica para o regime das ilhas: O

Mar Territorial, a Zona Contígua, a Zona Econômica Exclusiva e a Plataforma

Continental de uma ilha serão determinados de conformidade com as disposições

da Convenção, aplicáveis a outras formações terrestres.

18São as águas encerradas pelas linhas de base arquipelágicas; segundo a Convenção, um Estado arquipélago é constituído inteiramente por um ou vários arquipélagos. Um exemplo típico, e maior do mundo, é o Estado arquipélago da Indonésia, composto por 17 508 ilhas, seis mil das quais inabitadas, situado na região equatorial, entre o oceano Índico e o oceano Pacífico. As águas arquipelágicas são delimitadas pelas linhas de base arquipelágicas, a partir das quais deve ser medido o Mar Territorial de um Estado arquipélago (VIDIGAL, 2005)

73

Nos Fundos Marinhos (ou ÁREA) foram estabelecidos regimes jurídicos

distintos, assim como para o Alto-Mar, situados além das jurisdições nacionais.

Enquanto que para o Alto-Mar foi estipulado o regime de liberdade, uma mudança

fundamental ocorreu com relação aos Fundos Marinhos. Estes, embora situados

além das áreas de jurisdição nacional, não mais são livres, pois foram

considerados patrimônio comum da humanidade, ou seja, res communis19.

Existindo, inclusive, uma Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos, em

pleno funcionamento no Tribunal Internacional sobre Direito do Mar, instituída com

a Convenção em seu Anexo VI, responsável por dirimir quaisquer lides ocorridas

neste local (LIMA, 1997: 75).

Por fim, com a aprovação da Convenção em 1982, foram criados três órgãos

para vigiar seu cumprimento, encontrando-se em pleno funcionamento, são eles: a

Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos, sediada em Kingston, Jamaica;

o Tribunal Internacional sobre Direito do Mar, sediado em Hamburgo, Alemanha; e

a Comissão dos Limites da Plataforma Continental, que está instalada na Sede das

Nações Unidas em Nova Iorque.

Ocorre ainda uma outra particularidade na III Conferência, inerente ao que

podemos entender como uma das medidas controversas, relacionada à Área e que

repercute até os dias atuais. No período em que entrava em vigor, novembro de

1994, Canadá, Estados Unidos da América (EUA), Federação Russa, França,

Holanda, Itália, Japão, Noruega, Reino Unido e Suécia não haviam ratificado a

Convenção, possivelmente em função das disposições da Parte XI da Convenção,

a qual trata da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais da Área. A

fim de que as imposições por parte desses países pudessem ser solucionadas, foi

implementado, em 1996, o Acordo de Implementação da Parte XI da Convenção.

19 Esta teoria afirma que o alto-mar seria de propriedade da sociedade internacional, isto é, seria de propriedade de todos os Estados. Atualmente a concepção de res communis é explicada da seguinte forma: o alto-mar é um condomínio, uma vez que os proprietários em condomínio têm direito de polícia em relação uns com os outros. Em outras palavras, poderia afirmar-se que as coisas comuns a todos não poderiam pertencer a um em particular. (SÓRIA, 2004).

74

O advento desse acordo permitiu que, à exceção dos EUA, todos os demais países industrializados ratificassem a Convenção. Não obstante o reconhecido peso político dos EUA, podemos afirmar que a Convenção atingiu o patamar do reconhecimento internacional, tornando-se, sem dúvida, importante instrumento, no contexto da utilização pacífica dos oceanos. Ademais, o Governo norte-americano tem dado sinais recentes no sentido de que talvez venha a ratificá-la em breve. (VIDIGAL, 2005: 19).

Por fim, sobre os aspectos gerais dessa Terceira Conferência, há ainda

algumas peculiaridades que nos exemplificam como alguns dispositivos são

capazes de permitir leituras ambíguas do Direito Marítimo instituído, com

interpretações adaptáveis a determinadas situações. Trata-se do problema

sugerido na introdução dessa pesquisa, acerca da utilização de manobras durante

a elaboração das leis e que inclui outros exemplos já citados. Assim, no caso

específico do Mar Territorial, alguns países, dentre eles o Brasil, insistiram em

incluir na III Conferência um dispositivo que condicionaria a passagem de navios

de guerra ao recebimento de notificação prévia e à concessão de autorização. No

entanto, as outras áreas (Plataforma Continental, Zona Contígua e Zona

Econômica Exclusiva) têm em suas jurisdições “brechas” ou “falhas” que permitem,

em função de “manobras políticas” ou “jogo de interesses”, a apropriação dos

recursos naturais por parte de outros Estados. Isso pode ser claramente

exemplificado: a lei brasileira nº 8.617/93, ao dispor sobre a ZEE (Zona Econômica

Exclusiva), cita a expressão “consentimento prévio” à investigação científica

marinha por outros Estados, quando deveria citar “consentimento prévio e por

escrito” do governo brasileiro. Outro exemplo: ainda na ZEE, em relação à

realização de manobras e exercícios militares por outros Estados, a mesma lei

define que poderá ocorrer com o consentimento do governo brasileiro, eliminando

os termos “prévio” e “expresso”. Estes pequenos mas importantes detalhes

exemplificam a fragilidade com que a jurisdição aborda tópicos de extrema

relevância e de caráter fundamental à manutenção da soberania nacional.

Uma vez que os limites marítimos estejam definidos em acordo com a

CNDUM (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), caberá ao

75

Governo dos Estados provar a eficácia da gestão de seus próprios recursos, sem a

ameaça de desperdício, ou que o levantamento sobre os mesmos será completo.

Como cada área conta com uma jurisdição, essa diferença que será acompanhada

de responsabilidades já que o poder do Estado será questionado, em função da

sua capacidade de administrar, explorar e pesquisar os seus recursos. Para cada

limite, um poder e um compromisso:

Se, de um lado, a explotação dos recursos minerais do solo e subsolo de toda a plataforma continental jurídica é garantida aos Estados costeiros, tal não ocorre com recursos vivos que, mesmo na ZEE, estão sujeitos à explotação por outros países no caso de os estoques, de determinadas espécies, serem comprovadamente superiores à capacidade de explotação pelo Estado costeiro (MUEHE, 2000: 157).

Como já é possível deduzir, quanto maior o investimento em pesquisas

científicas ligadas às ciências marinhas, e nos órgãos responsáveis pelo

patrulhamento destes recursos, maior será o domínio do Estado sobre suas

reservas, e, assim, concluímos as dificuldades pelas quais países periféricos terão

em se impor.

Uma vez que verificamos como a soberania é exercida, em função das

jurisdições, passamos agora a analisar a constituição dos limites marítimos no

Brasil.

11

exarcebação, as questões diretamente relacionadas ao Território, como espaço1 e

posição geográfica.

1.1 – Características Fisiográficas do Espaço Marítimo: os Oceanos e Mares

O espaço oceânico mundial abrange uma superfície de 361 milhões de

quilômetros quadrados ou 71% da superfície terrestre2 (ANDRADE, 1975:106). O

hemisfério Norte é constituído por 60,7% de mar e o hemisfério Sul é constituído

por 80,9%. A profundidade média dos oceanos é de aproximadamente 3 733

metros, sendo o ponto mais profundo a 11 022 metros. Contém a cadeia oceânica

mais comprida do mundo, cuja extensão aproximada é de sessenta e quatro mil

quilômetros, com largura média superior a dois mil quilômetros. Dá a volta ao

globo terrestre: estende-se do Oceano Ártico ao Atlântico, passando pelo Índico e

pelo Pacífico e sobre ela pode-se dizer que é quatro vezes mais extensa que os

Andes, as Montanhas Rochosas e o Himalaia juntos (CNIO, 1999: 164). Este

espaço oceânico, segundo divisão estabelecida por Gross (1995), subdivide-se

como apresentado a seguir:

1 Espaço: característica física de um território; posição: variável segundo os processos históricos 2 Todos os continentes e ilhas juntos formam uma superfície de 149 000 000 km2

12

Tabela 1: OS PRINCIPAIS OCEANOS Tamanhos aproximados das três bacias hidrográficas oceânicas

Área (milhões de km2 ) Oceano Pacífico 180

Oceano Atlântico 107 Oceano Índico 74

Profundidade Média (metros) Oceano Pacífico 3940 Oceano Atlântico 3310 Oceano Índico 3840

Fonte: Gross, M.G., 1995.

Com relação à definição dos limites, o Oceano Pacífico tem a leste o

continente americano e a oeste o continente asiático e a Oceania. Ao norte, este

oceano liga-se com o Ártico pelo estreito de Bering e é cercado por um cinturão de

ilhas chamadas Aleutas. Ao sul, o Pacífico encontra, na altura do paralelo

sessenta graus, as gélidas terras antárticas.

O Oceano Atlântico limita-se a leste com os continentes europeu e africano,

e a oeste com a América. Ao norte, limita-se com o Círculo Polar Ártico. De forma

triangular, o Oceano Índico limita-se ao norte com o subcontinente indiano, a

noroeste com a Península Arábica, a Cornucópia Africana (Somália e Etiópia) e

Golfo Pérsico. E a nordeste limita-se com o sudeste asiático e arquipélago

indonésio. A leste com a Austrália, a oeste com o continente africano e ao sul, a

Antártida.

Em relação aos mares, De Martonne (1968), os define como bacias

oceânicas de dimensões limitadas e mais ou menos isoladas. Há várias

classificações e dentre elas, destaca-se a que os divide em mares abertos ou

costeiros, mares interiores ou continentais e mares fechados.

Desta forma, os mares abertos ou costeiros são definidos por Suguio (1998:

493), como “Região oceânica além da plataforma continental (...)”, situam-se ao

longo dos litorais, comunicam-se largamente como os oceanos e apresentam

algumas variedades, entre as quais, os mares-mancha, os mares-golfo e os mares

13

formados por grinaldas insulares. Os primeiros têm a forma de verdadeiros

corredores entre duas ilhas ou entre uma ilha e um continente, como, por

exemplo, o mar da Mancha e o mar de Kara, ambos na Eurásia. Os segundos

lembram o contorno de grandes golfos tais como o de Biscaia, na Europa, e o do

México na América. Os últimos apresentam suas áreas limitadas por um cordão

de ilhas oceânicas; é o caso dos de Berning, do Japão, da China, no Extremo

Oriente, e o das Antilhas na América.

Os mares interiores, “(...) em grande parte circundado (s) por continente ou

de águas rasas (...)” (SUGUIO, 1998: 493),conforme a profundidade e a largura

dos estreitos que os ligam aos oceanos, recebem grande influência dos

continentes, o que provoca sérias diferenças quanto à salinidade e à temperatura,

ao contrário dos mares abertos, cujas salinidades são constantes Assim, quando

estão localizados em climas quentes onde há intensa evaporação, como o

Vermelho, são excessivamente salgados, ao passo que, se situados em zonas de

clima frio onde a evaporação é pouco intensa, como o Báltico, tornam-se quase

doces. Ainda se nota, nos mesmos, a insignificância das marés e, às vezes, até a

variação de nível, de acordo com as estações do ano.

Os mares fechados são verdadeiros lagos. Só recebem tal nome devido à

grande extensão que possuem, como o Cáspio e o de Aral, ou em conseqüência

do excesso de salinidade como o mar Morto. Nota-se que eles vão perdendo cada

vez mais os caracteres oceânicos. A separação total da massa oceânica traz

como conseqüência a variação sazonal de nível e a salinidade torna-se exagerada

se há evaporação, como no mar Morto, ou quase nula, se ao lado de uma fraca

evaporação desembocam no mar grandes rios, como acontece com o Cáspio, que

recebe o Volga, e o Aral que recebe o Syr Daria e o Amu Daria.

Com relação ao fundo do mar, a única diferença importante que se observa

entre o relevo das terras firmes e o submarino é acarretada pelo fato de que este

último se encontra sob a hidrosfera. Nas terras firmes sentem-se os efeitos

destruidores dos agentes de erosão (vento, chuva, geleira, água corrente, etc.)

promovendo o desgaste do modelado geomorfológico, enquanto no submarino, há

uma maior tendência para a uniformidade, em função da acumulação de

14

sedimentos. Mas, tanto num como noutro, aparecem as mesmas saliências e as

mesmas reentrâncias com perfis muito semelhantes, variando apenas quanto à

nomenclatura. As cordilheiras, os planaltos, as planícies, os vales e os cumes tão

comuns no relevo continental, correspondem às cristas, aos platôs, aos bancos,

às fossas e às covas existentes sob a camada líquida. A partir dessas informações

são eliminadas as considerações anteriores, vigentes até a década de sessenta,

que julgavam os fundos dos mares, planos inclinados no sentido do afastamento

das costas (VIDIGAL, 2005).

1.1.1- O Mapeamento dos Fundos Oceânicos e o Relevo Submarino

Como mencionado, as características do relevo continental e submarino

são semelhantes, embora neste último, devido à predominância do trabalho de

modelagem da água, haja uma maior suavidade nos contornos. Segundo Vidigal

(2005), a topografia submarina só começou a ser conhecida a partir do final do

século XIX, com as pesquisas oceanográficas do HMS Challenger. Após o término

da Segunda Guerra, tornou-se sistemático o mapeamento do fundo marinho,

devido ao uso de ecobatímetros3 e de métodos de posicionamento mais precisos.

A partir desse mapeamento, foram definidas três províncias fisiográficas principais:

as margens continentais, as bacias do fundo oceânico e a cordilheira

mesoceânica. A margem continental representa a transição entre os continentes e

as bacias oceânicas e ocupa 20% da área total dos oceanos.

3 Aparelhos que emitem um sinal sonoro em direção ao solo marinho. Este sinal é refletido pelo solo e capitado novamente pelo aparelho. A fração de tempo que o som leva entre o momento de sua emissão e o da recepção vai determinar a profundidade entre a superfície da água e o leito do canal (www.defesanet.com.br).

15

De um modo geral, o relevo submarino pode ser dividido em dois aspectos

diferentes: a plataforma continental e a zona (ou planície) abissal. Dá-se o nome

de plataforma continental ao fundo raso do mar, em declive suave, desde a linha

de permanente emersão até a costa de duzentos metros de profundidade 4. Trata-

se de uma espécie de suporte sobre o qual assenta o continente; é uma área

adjacente a este último, que se estende da linha de costa até a borda do talude.

Ela tem inclinação suave e largura variável. Nessa área, há grande atividade

erosiva e deposição de sedimentos, que variam do cascalho biodetrítico à lama,

oriundos principalmente do continente. Sua largura apresenta-se maior à medida

que as costas próximas se apresentem baixas e planas. No litoral norte-ocidental

da Europa essa plataforma aparece tão larga que, caso ocorresse um movimento

negativo de cem metros do nível do Atlântico, o mar Báltico transformar-se-ia

numa série de lagos e o Arquipélago Britânico passaria a ser uma península. Ao

norte da Sibéria ela alcança de trezentos a 640 quilômetros de extensão.

As questões que envolvem os critérios de definição da plataforma

continental sofrem inúmeras variações acompanhando os estudos sobre os seus

potenciais econômicos, suscitando as propostas apresentadas ao longo das

convenções. As nações tencionam adaptar esses critérios às presumíveis fontes

de recursos existentes em seus mares adjacentes, utilizando-se de informações

geológicas e geofísicas recolhidas de seus inventários que, desta forma, tornam-

se essenciais a sua delimitação.

Desta maneira e, como já assinalado, sobre a plataforma continental se

acumulam os depósitos sedimentares chamados terrígenos, arrastados das terras

firmes e ricas de matéria orgânica, onde predominam as areias, os cascalhos e as

lamas. É zona própria ao desenvolvimento de extraordinária fauna de bentos e

plânctons e por isso mesmo proporcionam rendosas pescarias. A Geografia

Econômica analisa a profunda interação entre os povos que se dedicam à

atividade pesqueiras e os litorais de plataformas largas por eles habitados.

4 A plataforma Continental pode ser dividida em: externa – “Porção externa da plataforma continental (continental shelf), que normalmente inicia-se com cerca de 30 metros de profundidade chegando até a 100/200 metros (... )” e plataforma interna – “Porção interna da plataforma continental , que se inicia ao nível da maré baixa (low tide) e estende-se até cerca de 30 metros de profundidade (...).” (SUGUIO, 1998:611-12)

16

Quando termina o pedestal dos continentes, as profundidades despencam

através de um plano quase vertical chamado talude continental, até atingir cotas

batimétricas de três mil metros. Essa escarpa marca o verdadeiro limite das terras

emersas, pois a plataforma marginal recebendo as mais variadas influências das

costas próximas, é como se fosse um prolongamento submarino dos continentes.

O talude continental possui aspecto de um “degrau” e corresponde a uma faixa

relativamente estreita, cuja profundidade varia bruscamente de duzentos a mil e

quinhentos metros, aproximadamente. A porção mais rasa do talude, em geral a

duzentos metros de profundidade, é denominada quebra da plataforma

continental. Essa região é freqüentemente entrecortada por canais, por onde

passam as correntes carregadas de sedimentos oriundos do continente e da

plataforma continental, os quais serão depositados nas áreas mais profundas

(VIDIGAL, 2005).

FIGURA 1.1: FISIOGRAFIA DO FUNDO DO MAR

Fonte: Projeto REMAC

A região dos fundos oceânicos médios que se apresenta em seguida

corresponde aos fundos marinhos entre três mil e seis mil metros de profundidade.

O declive torna-se novamente fraco e suave, interrompido ocasionalmente por

17

saliências que formam lombadas, cristas, bancos, agulhas etc. Os depósitos

pelágicos que aí se encontram caracterizam-se pela abundância de detritos,

calcário e silicosos, provenientes de organismos vivos, havendo também vastas

áreas cobertas de argilas vermelhas resultantes da decomposição de sedimentos

vulcânicos. A elevação continental localiza-se entre o talude continental e as

bacias oceânicas (planícies abissais). Sua profundidade característica é de mil e

quinhentos a três mil e quinhentos metros, e é formada pela acumulação de

sedimentos vindos do continente e da plataforma continental, que escoam pelos

canais existentes no talude continental.

As bacias do fundo oceânico são áreas relativamente planas, situadas entre

as margens continentais e as cristas oceânicas, em profundidades entre três mil e

seis mil metros. Ou ainda: “Porção deprimida de forma mais ou menos circular,

situada entre as cadeias submarinas, apresentando espessuras variáveis de

sedimentos acumulados”. Tais sedimentos são abundantes e muito finos. Sua

ocorrência é de 14, 19 e 12 bacias oceânicas distribuídas respectivamente pelos

oceanos Pacífico, Atlântico e Índico (SUGUIO, 1998: 78).

As profundidades superiores a seis mil metros formam as regiões abissais

muito extensas sob os oceanos e raras ou inexistentes sob os mares. Tais fundos

apresentam-se como atapetados por um depósito muito uniforme de argilas

vermelhas e povoados por uma fauna dotada de características peculiares

adaptadas ao meio escuro, frio e sob alta pressão, proveniente do peso das águas

oceânicas. As fossas submarinas são seus pontos mais profundos. A mais

profunda é a fossa das Marianas, no Pacífico, com 11 034 m de profundidade (DE

MARTONNE, 1968).

Em relação ao relevo oceânico, a sua principal característica é a presença

das cordilheiras meso-oceânicas, cuja origem vulcânica, é resultado dos

movimentos geológicos que separaram o imenso continente denominado

18

Pangea5. As cordilheiras oceânicas são cadeias montanhosas que rodeiam o

globo (...) o maior sistema montanhoso da Terra, que se estende por 80 mil quilômetros, com mais de 1 500 km de largura , em alguns locais. Geralmente se elevam em torno de três quilômetros sobre o assoalho submarino adjacente” (PENHA, M. 1998: 72).

A cordilheira mesoceânica, também conhecida como dorsal mesoceânica, é

um sistema de cordilheiras que ocupa cerca de 33% da superfície dos oceanos,

com uma extensão aproximada de sessenta e quatro mil quilômetros e em

profundidades médias de dois mil e quinhentos metros. É quatro vezes mais

extensa que os Andes, as Montanhas Rochosas e o Himalaia juntos (CMIO,

1999). O relevo, bastante irregular, permite identificar duas feições distintas: o eixo

e a crista, com largura variando de vinte e cinco a trezentos e vinte quilômetros,

podendo chegar a mil quilômetros.

A crista da Cordilheira Meso-oceânica é caracterizada pela presença de

ilhas e arquipélagos. Nestas ilhas as atividades vulcânicas são permanentes.

Como exemplos citam-se: a Islândia e os Açores, Ascensão e Tristão da Cunha,

no Atlântico; ilhas do Pacífico, parte do arquipélago da Indonésia, ilhas japonesas,

Kurilas e Aleutas.

No Atlântico, o Sistema de cordilheiras se estende de Norte a Sul

(percorrendo toda a sua extensão desse oceano), desde o Ártico passando pela

Islândia, Açores até as Ilhas de Ascensão, Santa Helena, Tristão da Cunha e Ilha

de Bouvet, no Atlântico Sul. A partir daí toma duas direções: a Leste, dirige-se

para o Oceano Índico rumo à África Oriental e ao Golfo Pérsico; e a Sudeste se

junta ao sistema do Pacífico Sul via sul da Austrália e da Nova Zelândia,

margeando o continente antártico. A oeste dirige-se para o Pacífico, ao encontro

da linha de fratura do Pacífico Sul, rumo às Ilhas Galápagos e à costa californiana,

do lado americano, e ao complexo do Japão e sudeste asiático, terminando junto à

região ártica. Segundo Penha M., (1998: 72) “(...) essa cadeia montanhosa é a

5 Pangea: segundo a Teoria de Wegener há cerca de 225 milhões de anos, o planeta Terra era constituído por um único continente – denominado Pangea e um único oceano – denominado Pantalassa ou Tétis. Segundo o autor, o oceano, há cerca de 180 milhões anos iniciou-se, no Pangea, um processo de fratura interna que acabaria por originar os atuais continentes e mares.

19

mais impressionante feição da superfície do planeta que seria vista do espaço,

caso não existissem os oceanos (...).”

Outra forma do relevo oceânico são as depressões oceânicas. Estas se

posicionam, em geral, de forma convexa em relação à bacia oceânica e são

observadas com mais freqüências no Pacífico. São exemplos os arcos das

Aleutas, Japão, Marianas, Peru e Chile, todos eles com uma profundidade

superior oscilando entre três e quatro quilômetros ao assoalho adjacente. Os

arcos das Marianas, por exemplo, chega a mais de onze mil metros da linha do

continente.

1.1.2 - Zonas Oceânicas e Recursos Bióticos

Quanto à distribuição de espécies vivas existentes nos oceanos, existem

polêmicas a este respeito. Um inventário de 1993 concluiu que existiriam 178 mil

espécies, porém outros estudos sugerem que só nos fundos marinhos, até há

pouco tempo considerados desprovidos de vida, existem cerca de dez milhões de

espécies a mais do que nos continentes. Entretanto, esse dado é controverso e

tem sido contestado por inúmeros cientistas (CNIO, 1999: 169).

A base da cadeia alimentar marinha é constituída pelo plâncton. Em termos

gerais a distribuição e a abundância dos plânctons dependem de um conjunto de

variáveis: luz, temperatura e nutrientes existentes na água. A produção de

plâncton é pequena nas regiões tropicais, mas é geralmente mais elevada nas

regiões costeiras tornando-as assim, as áreas mais produtivas de todo o oceano.

Podemos caracterizar a distribuição das espécies segundo o relevo marinho:

na Zona Epipelágica, cuja extensão vai da superfície até uma profundidade de

cerca de cem metros e cujo limite interior marca o limite de penetração da luz

suficiente para a fotossíntese, quase todos os recursos pesqueiros do mundo são

encontrados. Exemplos: caranguejo, coral, golfinho, leão-marinho, água viva,

peixe-espada, tartaruga marinha, barracuda, tubarão-azul, lulas e atuns.

Na Zona Mesopelágica – cuja extensa vai até o limite de penetração da luz,

cerca de mil metros, muitas criaturas que aí vivem, fazem migrações verticais de

20

água. Os alimentos são transportados por estes animais migratórios ou descem

da superfície sob a forma de detritos. É habitada por cerca de quinhentas

espécies como: estrela do mar, lagosta, raia, anêmona, esponja, polvo, baleia-

azul e cachalote. Em contrapartida, a Zona Batipelágica, que se estende a mais

de mil metros de profundidade, é uma área não iluminada, sem fitoplâncton, na

qual, pouco mais de cem espécies adaptaram-se às condições de alta pressão e

baixa temperatura inerentes às águas profundas. As principais fontes de alimento

são os detritos do fundo, resultantes da “chuva” de partículas que cai das

camadas superiores. Como exemplo dessas espécies temos o tamboril, a

enopéia, o peixe-galo, peixe-víbora e peixe-tripé.

Ao nos aproximarmos das Zonas Abissais – situadas além dos dois mil metros

de profundidade, observamos que a vida torna-se cada vez mais rara, à medida

que atingimos até cerca de cem metros do leito do mar, onde diminui

consideravelmente (CNIO, 1999: 171).

Figura 1.2 As Zonas Biológicas Marinhas

Fonte: CMIO, 1999

21

1.1.3 - Fundos Marinhos e os Recursos Minerais

Além dos recursos bióticos, a descoberta de fontes de combustíveis e

minerais deu-se em função dos recentes progressos científicos, que permitiram a

aquisição da capacidade de explorar os oceanos em profundidades cada vez

maiores. No caso das jazidas marítimas, estas se encontram relativamente

próximas à costa. A presença de vulcões submarinos deve ter ajudado na

concentração mineral do Oceano Pacífico, pois os minérios apresentam

proporções altas (acima dos padrões terrestres) de zinco, cobre e prata. Os

principais recursos minerais existentes no subfundo dos oceanos são o petróleo, o

gás natural, os hidratos de gás, os evaporitos, o enxofre e o carvão. No entanto, o

fundo dos mares oferece outras opções. Existem depósitos de nódulos metálicos,

contendo principalmente manganês6, espalhados pelo fundo dos oceanos, que

prometem ser a grande fonte de vários metais no futuro. Os minerais marinhos

com valor econômico podem ser classificados em dois tipos: petróleo, incluindo

tanto o óleo como o gás, e minerais não-hidrocarbonetos e substâncias minerais

em diversas formas:

O petróleo, ao contrário da maioria dos outros minerais extraídos do mar é

de origem orgânica. Sua formação começa com o acúmulo de restos orgânicos de

plantas e animais, depositados com outros sedimentos como areia, depositados

com outros sedimentos como areia, limo e argila carreados dos continentes. Com

o aumento da profundidade, uma parte da matéria orgânica é transformada

através de processos químicos em hidrocarbonetos, incluindo óleo e gás.

Costuma-se datar o início da história do petróleo em 1859, quando as perfurações

conduzidas pelo norte-americano Edwin Drake alcançaram seus primeiros êxitos

na Pensilvânia. Entretanto, apenas em 1946 iniciou-se a exploração intensiva nas

áreas ao largo da costa (LUCENA, 2001).

Os nódulos de Manganês limitam-se, em geral, ao assoalho oceânico

profundo, sendo encontrados em águas de mais de quatrocentos metros de

profundidade. Há exceções como na costa sudeste dos E.U.A. onde existem 6 Sobre esse assunto, voltaremos a falar no capítulo “Levantamento dos Recursos do espaço Marítimo Brasileiro”.

22

nódulos de manganês em águas com profundidade inferior a trezentos metros.

Em geral, são encontrados nos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico, abrangendo

uma área de dez milhões de quilômetros quadrados.

De todos os minerais presentes no leito rochoso sob o assoalho marítimo,

apenas três - carvão, ferro e enxofre - são explorados economicamente. O carvão

e o ferro são obtidos exclusivamente com base em terra firme. O carvão é

explorado nas costas do Canadá, Reino Unido, Chile, Japão, Taiwan e Turquia. O

minério de ferro é produzido nas costas da Finlândia e Canadá. O enxofre é

extraído em forma fundida por meio de sondagens. É explorado apenas na costa

americana do Golfo do México (VETTER, 1976:128-139).

Em relação à distribuição desses minerais pelos oceanos, o Atlântico

concentra metais preciosos, minerais pesados (zircão, ferro e titânio), calcário de

conchas, manganês (Atlântico Sul), fósforo, cálcio, diamantes (sul da África). O

oceano Pacífico, alumínio, metais preciosos, calcário de conchas, fósforo, cálcio,

manganês e minerais pesados. O oceano Índico, próximo à ilha de Madagascar,

concentra alumínio, fósforo, cálcio, manganês, metais pesados, diamante (FOLHA

DE SÃO PAULO, 17/05/1998: 8). Na superfície do fundo marinho, os principais

recursos minerais são os granulados terrígenos ou carbonáticos e os minerais

pesados, que ocorrem preferencialmente nas plataformas continentais. Os

depósitos de fosforitos, muito utilizados pela indústria de fertilizantes e para a

correção de solos, formam-se a profundidades de até mil metros, enquanto os

nódulos e crostas polimetálicas de manganês e ferro ocorrem preferencialmente

nas bacias oceânicas. Os depósitos hidrotermais, ricos em sulfetos de ferro, cobre

e zinco, óxidos e silicatos de ferro e manganês, são encontrados em regiões onde

há atividade vulcânica, como os limites entre placas tectônicas e a cordilheira

mesoceânica

1.1.4 - Correntes Marinhas e o Clima

As influências determinadas pelas correntes e pelo clima conferem ao mar

uma interação com o ambiente global, pois há uma estreita relação entre a

23

atmosfera e os oceanos, já que o comportamento de um influencia o do outro.

Para muitos analistas, o oceano é considerado a força motriz do sistema climático,

em virtude de sua imensa capacidade de armazenagem de calor, cujo ritmo pode

ser assim descrito: armazena energia quando a oferta é abundante, durante o

verão, e libera-a durante a noite ou no inverno.

A inter-relação entre oceanos e clima pode ser observada considerando

três variáveis: o sistema de ventos; o ciclo hidrológico terrestre e as correntes

marítimas. Os ventos são gerados pela variação da pressão atmosférica, que, por

sua vez, tem origem nas diferenças de temperatura. Como a atmosfera e o

oceano estão em contato, os ventos geram, por atrito, na superfície do mar, as

principais correntes superficiais marinhas, embora as causas destas sejam

controversas, como será descrito adiante. Sendo assim, as correntes são

movimentos de translação permanentes ou acidentais de uma parte das águas

marinhas com direção e sentido determinados, perfeitamente integrados à massa

oceânica. O fluxo das correntes deve ter velocidade superior a doze milhas

marítimas por dia, e são os movimentos mais importantes que as águas do mar

apresentam. Elas podem ser comparadas a rios de água salgada, com

temperatura diferente da massa de água oceânica por onde passam (OLIVEIRA,

2001).

As causas destas correntes são controversas. Para alguns autores elas se

originam como resultado do movimento de rotação da Terra. Para outros, elas são

influências do desequilíbrio de corrente das variações de temperatura e densidade

das águas. Ou seja, uma explicação seria a de que circulam em outra velocidade

em função da diferença de temperatura e salinidade, que modificam sua

densidade. Essa diferença de densidade entre as águas que formam as correntes

e as que circundam no oceano faria com que elas tivessem velocidade própria e

seguissem sempre uma direção regular e relativamente precisa. O vento é, basicamente, o principal forçante do campo de correntes oceânicas superficiais. Mudanças em direção, velocidade e extensão das correntes oceânicas são conseqüências diretas de mudanças no campo de vento. Quanto maior a velocidade do vento, maior a força de fricção que atua na superfície do mar. (OLIVEIRA, 2001: 29).

24

O movimento e a direção das correntes depende dos ventos regulares,

destacando-se os alíseos, do movimento de rotação da Terra e do contorno dos

continentes. No Atlântico, por exemplo, em torno do Equador, movimentam-se as

correntes equatoriais, conduzindo águas quentes no sentido inverso da rotação da

Terra (Figura 3).

A parte Equatorial se origina próxima ao Arquipélago de Cabo Verde e

alcança as Antilhas. A Sul Equatorial começa no Golfo da Guiné, atravessa o

Oceano e divide-se em dois eixos ao se defrontar com a costa nordestina do

Brasil: a Corrente Brasileira que se estende para o sul até o Uruguai, e o outro, a

corrente da Guiana que se dirige até o Mar da Antilhas, aonde vai se reunir com a

corrente Norte Equatorial.

A partir do encontro destas duas correntes, tem início a corrente do Golfo: a

Gulf Stream que atravessa o Atlântico com rumo leste/nordeste atingindo as

costas da Noruega e Islândia no Pólo Norte. No sentido oposto a estas correntes

quentes do Atlântico temos, as correntes frias provenientes das regiões polares

que podem se estender até os trópicos. São denominadas de Falkland e Bengala

(Malvinas) ao sul e Labrador ao norte.

No Oceano Pacífico por sua vez, a circulação das águas segue o mesmo

eixo do Equador para os pólos e vice-versa. As mais célebres correntes quentes

são a Kuro-Shio no hemisfério setentrional e a corrente da Austrália no hemisfério

meridional. As frias são Kurila ao norte e a Humboldt ao sul. No Oceano Índico de

configuração e posição geográficas muito diferentes, predominam as correntes de

Monções, caracterizadas pela direção e temperatura dos ventos que lhes dão

origem.

25

Figura 1.3 - Principais Correntes Oceânicas

Fonte: Miguens, 1995

Os oceanos formaram-se gradualmente pela separação da água e gás das

rochas silicáticas. Nos primórdios da era geológica, a água existia sob a forma de

vapor d’água na atmosfera, mas à medida que a Terra esfriou, à cerca de 3,8

bilhões de anos, esse vapor d’água precipitou-se, formando os rios e enchendo

bacias de baixas altitudes que assim possibilitaram a criação dos oceanos. Como

assinalado anteriormente, o oceano tem sido considerado a força motriz do

sistema climático, em razão da sua enorme capacidade de armazenagem de

calor. Além de armazenar energia quando a oferta é abundante, durante o dia ou

no verão, liberando-a no inverno ou à noite, transportam água aquecida do

equador para os pólos e devolvem água fria ao equador por meio das correntes de

superfície e das correntes profundas, em períodos que podem ser de anos,

décadas ou até séculos. Tal movimento representa uma fonte de transferência de

calor tão grande como a da atmosfera e tem profundos impactos sobre o clima,

tanto em âmbito regional quanto global (CNIO, 1999: 168).

Um dos fenômenos mais representativos da relação entre os oceanos e o

clima é que se verifica nas costas da América do Sul banhada pelo Pacífico. Nesta

26

região, em intervalos de dois a sete anos, ocorre um aumento anormal da

temperatura na superfície do mar. Esta ocorrência de águas quentes foi

identificada há mais ou menos cem anos por pescadores peruanos que deram a

este fenômeno, a denominação de El Niño em alusão ao período em que se

iniciava, próximo ao Natal. As águas da Corrente do Peru convergem com as da

Contracorrente Equatorial que, no inverno no Hemisfério Norte, dirigem-se mais

para o Sul, ao largo das costas do Equador. Algumas vezes, El Niño avança em

direção ao Sul mais do que é comum, fazendo com que suas águas quentes

cheguem até 12° de Latitude Sul, influindo prejudicialmente na meteorologia dessa

região, ao produzir precipitações que são até cem vezes maiores que o normal e

ao causar uma grande mortandade entre os peixes que povoam a costa ocidental

da América do Sul (MIGUENS, 1995).

Por motivos ainda não conhecidos, nos anos em que ocorre o El Niño os

ventos alísios ficam mais fracos chegando até, em algumas áreas da faixa tropical,

a inverterem o sentido ao soprarem em direção inversa ao sentido habitual que, no

caso do Pacífico é a Oeste. Com a inversão as águas, não tendo mais

sustentação a Oeste do Pacífico equatorial, movimentam-se em direção a América

do Sul em forma de ondas, elevando a mar no lado leste, em cerca temperatura

do de 8o C. Devido ao aquecimento das águas costeiras da América do Sul, chove

mais no continente provocando freqüentes enchentes. Em contrapartida, a seca

assola a porção sul-ocidental do Pacífico, provocando inúmeros incêndios na

Austrália e Indonésia.

1.1.4.1 - Correntes da Plataforma Continental Brasileira

Segundo Vidigal, 2005, duas correntes fluem ao longo do talude continental

na maior parte da costa brasileira: a Corrente do Brasil (CB) nas partes leste,

sudeste e sul e a Corrente Norte do Brasil (CNB) nas regiões nordeste e norte,

cuja origem é a Corrente Sul Equatorial, quando essa se bifurca ao se aproximar

do Brasil (entre 5° e 10°S). O “Glossário de termos técnicos e siglas de

programas, projetos e instituições” elaborado para o REVIZEE, define a Corrente

27

do Brasil como uma corrente oceânica quente e salina, que se desloca para o sul,

ao longo da costa leste do Brasil. Em direção ao sul, ao longo da costa,e nas

proximidades de 30º S, encontra a Corrente das Falkland/Malvinas e então,

ambas seguem para leste e cruzam o oceano passando à denominação de

“Corrente do Atlântico Sul” (figuras 1.3 e 1.4). A Corrente Norte do Brasil (ou

Corrente das Guianas), que flui ao longo da costa setentrional do país, na altura

da foz do Rio Amazonas, sofre uma descontinuidade e uma parte dela, reforçada

pelas águas do rio, forma a Corrente das Guianas, braço noroeste da Corrente

Norte do Brasil. Na Plataforma Continental do Amazonas, entre o estuário do Rio

Pará e a fronteira com a Guiana Francesa, tanto a quantidade de material

despejado, tais como água e partículas, quanto a de energia, representada pelas

marés, ondas e ventos são significativas. Tal fenômeno tem influência sobre a

distribuição dos recursos vivos da região, permitindo que a plataforma continental

interna se torne recoberta por depósitos lamosos, favorecendo as operações de

pesca com arrasto, fato que será novamente abordado no capítulo IV sobre as

riquezas brasileiras.

28

Figura 1.4 Correntes do Brasil

Fonte: www.unisanta.br

De maneira geral, a importância prática do estudo das correntes marinhas reside

no fato de que nelas se encontram alimentos necessários à vida marinha, pois são

ricas em microorganismos (plâncton) e servem de base para a alimentação dos

peixes. Assim, as correntes constituem lugares favoráveis ao desenvolvimento de

grandes cardumes e, conseqüentemente, à atividade pesqueira. Sobre esses

recursos, denominados bióticos, e também sobre os abióticos, trataremos no

capitulo “Levantamento dos Recursos do Espaço Marítimo Brasileiro”.

Por fim, nas discussões de apropriação jurídica, por exemplo, a questão

envolvendo a largura de uma corrente marinha já serviu de base à reivindicação

de ampliação de limites, tal como ocorreu no Chile e no Peru, em 1947 que

alegaram ser de “(...) 200 milhas a extensão da corrente marítima responsável

pela riqueza ictiológica do mar adjacente à costa ocidental da América do Sul”

29

(Castro, 1989: 12), justificando, assim,a ampliação das suas jurisdições sobre as

águas.

1.2– Evolução do Direito Marítimo Internacional

Após a caracterização dos espaços marítimos, passamos ao processo de

estabelecimento do Direito Marítimo, criado como uma forma de regulamentar a

navegação e a exploração oceânica. Tal narrativa se faz necessária à

compreensão do contexto histórico que engendrou as sucessivas ações efetuadas

pelos Estados a fim de dominar tais espaços, seja através da regulamentação da

navegação ou da exploração dos seus recursos Tencionamos associar a criação

de leis e tratados a uma tentativa de reduzir possíveis embates originados pela

apropriação das áreas supracitadas, e também avaliamos a efetivação prática das

jurisdições, cuidadosamente elaboradas para cada porção especifica dos oceanos

e mares, diferenciados entre si.

Em diversos momentos da história, a série de conflitos deflagrada pela

teoria da liberdade dos mares em contrapartida à restrição do mesmo gerou a

necessidade de regulamentar as atividades neles exercidas tais como: transporte,

pesca, captura e exploração de riquezas. Através de uma legislação reconhecida

pelas diversas sociedades e seus respectivos Estados, de maneira geral, sempre

se objetivou minimizar as diferenças, geográficas e sócio-econômicas, encontradas

entre os mesmos. Associada à urgência de regulamentação das atividades surge a

evolução da oceanografia. Vidigal (2005: 35), menciona o considerável progresso

dessa ciência a partir da Segunda Guerra Mundial “(...) que propiciou o

desenvolvimento de vários equipamentos, aperfeiçoados para a pesquisa

oceanográfica”.

É por esse motivo que as leis ambicionam atuar como “uniformizadoras de

atividades sociais”, “geradoras de obrigações” ou simplesmente,

“regulamentadoras de atos” (LIMA, 1997). O Direito Marítimo, formado por várias

leis, tratados, e regulamentações da navegação sobre o mar, tem por objetivo

agrupar interesses e prevenir possíveis conflitos surgidos das atividades ligadas ao

30

mar ou ainda, segundo Castro Jr. (2002), numa visão generalizadora, podemos

definir Direito Marítimo como o conjunto de normas que regula toda atividade

relacionada com a navegação marítima, lacustre e fluvial, ou seja, que inclui, o

conjunto de regras jurídicas relativas à navegação aquaviária, englobando-se os

transportes marítimos, fluviais e lacustres7.

Diversos autores atribuem ao povo fenício o estímulo para o surgimento de

normas e regulamentação das atividades relacionadas à navegação, uma vez que

habitavam uma estreita faixa de terra entre o mar Mediterrâneo e as montanhas do

Líbano e também utilizavam o comércio marítimo. Porém, é quase unanimidade

dentre os pesquisadores consultados que, num primeiro momento, a

regulamentação sobre essas atividades objetivava apenas à navegação marítima,

não enfocando a exploração de recursos naturais.

Segundo Gold (1976), surge em Rodes, “(...) plena civilização mediterrânea

(...)” e como decorrência de um intenso comércio marítimo, um bem-sucedido

código de direito do mar, o mais completo da antiguidade, influenciando todo o

mundo atual:

É de consenso geral que grande parte do moderno direito marítimo privado internacional, isto é, o direito da marinha mercante, origina-se deste código, uma vez que seus princípios eram aceitos tanto pelos gregos quanto pelos romanos, formando o direito romano a base do moderno direito marítimo (op. cit.: 5)

De acordo com esse mesmo autor, um importante fator desse código é o

reconhecimento do direito de todas as nações ao livre uso do mar para o comércio

legal. No entanto, a realidade política daquela época era que Roma mantinha o

controle virtual do Mediterrâneo e, sendo assim, qualquer código acabava por ser

anulado. Para Lima (1997), as Leis de Rodes foram o mais importante monumento

entre os povos antigos, mas sua existência não teria vigorado posteriormente, pelo

fato de Roma manter o controle, praticando muito ativamente comércio marítimo,

7 Assim, o Direito Marítimo abrange o conjunto de normas que regulam a navegação, o comércio marítimo, os contratos de transportes de mercadorias, e pessoas, por via marítima, fluvial e lacustre, os direitos, deveres e obrigações do armador, dos capitães e demais interessados nos serviços de navegação privada, bem como a situação dos navios a seu serviço (CASTRO JR., 2004).

31

porém sem ocupar-se das regras seguidas pelos navegantes orientais. Com o

colapso do Império Romano até meados do século XV a maior parte do Direito

Marítimo deixou de existir, só sobrevivendo as leis consideradas mais adequadas8.

As exceções ocorriam em algumas áreas: em Jerusalém, em Aquitânia e na

Espanha, por exemplo. Nestas áreas, as transações comerciais exigiam o

estabelecimento de códigos marítimos mutuamente aceitáveis. De uma maneira

geral, no entanto, estes códigos eram pouco significativos e o que predominava

era “(...) o caos nos oceanos então conhecidos pelo homem” (LIMA, 1997: 5).

Por quase dois mil anos as leis marítimas foram esquecidas. Para que

ocorresse uma ressurreição, um fator concorreu: o despertar da Europa, saída da

Idade Média, prestes a recuperar o comércio no Mediterrâneo. É, então, na Idade

Média que se encontra o maior desenvolvimento do comércio marítimo,

estimulando o aparecimento de normas reguladoras sobre o domínio das águas

(op. cit., 1997). Neste período o comércio dos mares esteve monopolizado pela

liga hanseática9 – associações de mercadores (guildas na Itália e hansas na

Alemanha) - o que perdurou durante o século XIII. Neste momento, surgem as

cidades de Veneza, Marselha, Barcelona, Gênova e Valência na disputa pelos

mares. Lima (1997), referencia Amalfi, como a primeira cidade da Idade Média a

desenvolver um comércio marítimo em larga escala e a realizar uma legislação

marítima. Para Rangel (1970), a existência de piratas e sarracenos obrigaria as

cidades italianas a se imporem e, como conseqüência, passarem a cobrar tributos

dos navios que rodeavam seus distritos marítimos. Desta forma, Veneza e

Gênova, necessitavam justificar os poderes que passavam a exercer. Segundo

Mello (1972), é também, e principalmente. nas cidades italianas do Mediterrâneo

que a noção de Mar Territorial ganha lógica. No século XIII alguns Tratados

traziam em seu conteúdo esclarecimentos sobre o mar submetido ao Estado “(...)

que a circunscrição ou o território de uma cidade marítima compreendia também

uma certa extensão do mar” (op.cit.: 54).

8 Havia certas situações em que as transações comerciais exigiam o estabelecimento de códigos mutuamente aceitáveis: Jerusalém, durante as Cruzadas; o comércio costeiro do Atlântico, em 1160, regulado pela rainha Eleonora da Aquitânia e o Livro Negro da Marinha, provavelmente do reinado de Eduardo III, regulando as relações marítimas da Inglaterra. (GOLD, 1976: 5) 9 Associação de cidades mercantis (guildas na Itália e hansas na Alemanha).

32

Além disso, o avanço que ocorria, destinado a estabelecer um domínio dos

oceanos, provocou uma onda de reivindicações: não só as cidades já citadas,

assim como outros Estados seguiam o exemplo: a Noruega, a Dinamarca, a

Suécia e a Inglaterra.

A ascendência comercial de Marselha, Barcelona, Valência, Gênova e Veneza foi imediatamente seguida de reivindicações territoriais de vastas áreas do oceano. Esse novo avanço, destinado a estabelecer o verdadeiro domínio dos oceanos, gerou a seu redor um círculo surpreendentemente moderno. A Veneza medieval reivindica todo o Mar Adriático. A República de Gênova reivindicava não só todo o Mar da Ligúria, como também o Golfo dos Leões. Em outras partes, outros estados seguiam o exemplo: a Dinamarca e a Suécia reclamavam o Mar Báltico; a Noruega, seguida pela Dinamarca, decidiu que partes do Mar do Norte estavam sob a sua soberania, e a Inglaterra estendia amplos cinturões de água em torno das Ilhas Britânicas, que incluíam o Oceano Atlântico, desde o Cabo Norte até o Finisterra. (GOLD, 1976: 6)

Este expansionismo territorial culmina quando, em 1493, o Papa Alexandre

VI dividiu o mundo entre as duas superpotências ibéricas, Espanha e Portugal.

Segundo Gold (1976), a forma como a jurisdição era aplicada pelos Estados era

bastante variável, mas em geral, o objetivo “(...) era excluir os piratas, proibir a

navegação ou impor taxas a navios estrangeiros; proibir ou regular a pesca;

impedir batalhas navais em sua área (...)”.

Assim, após a primeira metade do século XVI outros países emergem como

potências efetivas, tais como a Holanda e a Inglaterra. A primeira é o berço do

mais importante tratado sobre o direito marítimo: Mare Liberum (o Mar Livre),

objetivando estabelecer os direitos e a liberdade do comércio holandês nas Índias

Orientais contra a interferência portuguesa. Na primeira década do século XVII, a

Companhia das Índias Orientais, holandesa, contrata Hugo Grotius, jurista, para

defender uma embarcação que atravessava o Estreito de Malaca contra o

aprisionamento português. Os portugueses se valiam do argumento que o mar, tal

como a terra, estaria sujeito ao domínio exclusivo dos Estados soberanos, e

tinham o apoio da Espanha, Dinamarca, do Império Otomano, além das cidades-

estados Gênova e Veneza. Os holandeses, em contrapartida, argumentavam que

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o mar não pertencia a ninguém, não podendo, portanto, ser objeto de

reivindicações territoriais (CNIO, 1999). Assim, Grotius, no famoso tratado editado

em 1609, apoiava a teoria elisabetana cuja essência era de que os mares

pertenciam a todas as nações e não estavam sujeitos à apropriação unilateral por

uma nação específica10, defendendo a posição holandesa. (...) no século XVI ocorria a polêmica do “Mare Liberum”, obra que foi escrita para defender a liberdade dos mares para a navegação e o comércio, bem como obter a liberdade de pesca nos mares próximos dos Estados. Grotius justifica o princípio da liberdade dos mares, baseando-se na afirmativa de que os portugueses não tinham direito ao domínio sobre o mar das índias, nem por título de ocupação, nem por título de doação pontifícia, nem por título de doação, prescrição ou costume. Foi escrito em Portugal, publicado contra a Espanha e utilizada contra a Grã-bretanha, pelos holandeses. (Lima, 1999: 35)

Os holandeses conseguem obter vitória na disputa jurídica, mas grande

controvérsia foi gerada, e em 1635, John Selden, da Inglaterra, lança a obra Mare

Clausum (O Mar Fechado), em oposição a Grotius, onde replica que os Estados

costeiros tinham o direito de se apropriar de extensas áreas marítimas. Esse

princípio estava em perfeita comunhão com o fato de que o período elisabetano de

descoberta e seu uso do conceito da liberdade dos mares cediam lugar à

preocupação da Inglaterra com relação à idéia de expansionismo, expressa

amplamente no período das descobertas. A colonização de novos territórios, e a

tentativa de limitar a pesca pelos holandeses no Mar Norte, levaram Selden a

defender a apropriação dos mares adjacentes feita pela Inglaterra. “(...) O mar é

comum a todos, mas suscetível de apropriação privada (...)” (LIMA, 1997: 35).

(...) o seu uso do conceito de liberdade dos mares cederam lugar à preocupação de James I com a pesca britânica em oposição ao poder marítimo superior da Holanda. Mas o período das descobertas resultara num acréscimo de novos territórios e a visão de novas oportunidades afastava tudo quanto pudesse interferir nessa espécie de expansionismo – o poder marítimo dos grandes Estados marítimos. (Gold, 1976: 7).

10 “(..) dado que não é possível apanhar o mar, tal como o ar, ele não pode ser submetido à posse de qualquer nação em particular”. Hugo Grotius In: CNIO, 1999: 34....

34

No entanto, posteriormente, esta teoria será vencida pelo Mare Liberum, à

medida que os Estados reconheceram suas diversas vantagens, até ser

geralmente aceita em fins do século XVII, “(...) constituindo a pedra angular da

ordem pública nos oceanos até os nossos dias” (CNIO, 1999: 34). Como vemos,

nesse final do século XVII a questão do domínio dos mares em favor da tese de

Grotius é solucionada por motivo de ordem jurídica e política mas, ao mesmo

tempo em que declinava a polêmica sobre a liberdade dos oceanos, adquiria

consistência a noção de Mar Territorial e evitava-se o equívoco de vinculá-la (a

noção) aos princípios do Mare Clausum (MELLO, 1972: 50).

Na Europa Ocidental, em espaços marítimos relativamente restritos, onde navegadores de diversos países se concentravam, a noção de Mar Territorial encontrou terreno para aparecer e se consolidar (...) fator positivo foi a luta contra os piratas. (Mello, 1972: 50).

Com efeito, para Gold, os séculos XVII e XVIII continham tão fortemente a

necessidade de expansão que a liberdade dos mares beneficiaria a todos, o que

tornaria facilmente aceitável a teoria do Mare Liberum. Tal teoria continua sendo

considerada até os dias de hoje uma das mais convincentes defesas do princípio

da liberdade dos mares e sua utilidade na época foi inquestionável, uma vez que

navegar e conquistar nos séculos XVII e XVIII era obrigatório no mundo em

expansão, transformando o “mar livre” útil a todos (PENHA, 1998). O princípio da

liberdade dos mares traduzia um sentimento geral da época, uma vez que seria

muito mais lucrativa uma política de liberdade universal dos oceanos e, por este

motivo, os Estados poderosos abriam mão daquilo que já não precisavam mais.

Como exemplo, desde o início do século XIX, a Grã-Bretanha11, principal Estado

marítimo, defendeu veementemente a liberdade que antes, mais precisamente no

século XVI, não lhe parecia conveniente. Tal reação foi seguida pela maioria das

nações marítimas, justificando o predomínio do poder marítimo sobre o poder

costeiro durante o século e meio seguinte, quando então veremos ressurgir o

Estado costeiro (COSTA, 1992, MUEHE, 2000).

11 A Grã-Bretanha surge em 1707, a partir da constituição do Reino Unido, Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.

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Com o desenvolvimento das colônias, a partir do século XVII, a tendência foi a de defender a filosofia da liberdade de uso do mar para fins estratégicos de mobilidade militar, de garantia do transporte de mercadorias, da pesca em áreas distantes e do lançamento de materiais poluentes. (Muehe, 2000: 149)

Como fator responsável pelo período de expansão marítima e exploração

colonial, do século XVI, Lima (1997), aponta a acumulação do capital pela

burguesia, como responsável pela organização desse processo de expansão. O

surgimento de leis reguladoras do uso do mar como via de transporte,

fundamentadas pelo mercantilismo em função da exploração colonial, no século

XVII, resultam desse processo de acumulação. As mudanças ocorridas em relação

à organização da vida social nos séculos XVIII e XIX, tendo em vista a ascensão

da burguesia, cujo controle deu-se sobre os meios de produção, os de transporte e

comércio, trazem distinções nas regulamentações no campo do Direito Marítimo. A

influência dessas transformações impressas no panorama social, político e

econômico foram fundamentais também para esse ramo do Direito que, por sua

vez, regulamentava-se ao mesmo tempo pelo Direito Privado, com base no

comércio, e pelo Direito Público, com base nas relações entre os Estados. A

distinção entre o “público” e o “privado” será característica marcante desse novo

padrão jurídico.

Os fatores históricos do final do século XIX desempenharam, sem dúvida, importantíssimo papel para a existência (...) relativamente ao Direito Internacional (Público e Privado), derivado da complexidade e diversidade de relações emergentes entre os Estados. (Lima, 1997: 55)

E ainda:

O panorama social, político e econômico do século XIX foi determinante para as modificações ocorridas no Direito Internacional. Com a divisão, no final do século passado, do Direito Internacional entre Público e Privado, os campos de influência de cada um destes sobre o Direito Marítimo torna-se distinto, porém interdependente. (Op. cit.: 20)

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Em relação ao Mar Territorial, para Mello, (1972), a sua delimitação só

começou a surgir de modo preciso no século XVIII, uma vez que, até então, os

critérios eram os mais variáveis possíveis: alcance da vista, linha mediana, etc.

Em 1703, Cornelius van Bynkersholk, na sua obra “Dissertação sobre o Domínio dos Mares”, estabeleceu que o Estado estenderia seu domínio sobre o mar até onde alcançasse as forças das armas. Em 1782, Ferdinando Galiani, em um livro intitulado “Dos Deveres dos Príncipes Neutros em Relação aos Príncipes Beligerantes e Destes em Relação aos Neutros” levando em consideração a força das armas fixou a largura do Mar Territorial em três milhas. (op.cit. :121-5)

No século XIX a largura é definitivamente consagrada em três milhas de

largura, medida aceita, sem muitas contestações até meados do século XX e

assim, no início desse século foi estabelecida uma zona limitada a três milhas pela

maioria dos Estados da época, inclusive a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a

Alemanha, a França e outras – muitas - potências marítimas. O limite original de

três milhas surgiu da regra do “tiro de canhão”, atribuindo ao Estado costeiro as

áreas marítimas que pudessem estar realmente sob a proteção de baterias

costeiras. Em 1818 o Tratado de Grand, entre EUA e a Inglaterra, foi o primeiro a

adotar o limite de 3 milhas para delimitar a zona de pesca e uma zona de

segurança marítima (MATTOS, 1996).

Um ponto de vista contrário a este, estabelecia que o cinturão costeiro só

estaria sujeito a certos direitos limitados e bem definidos do Estado costeiro.

(GOLD, 1976). Ainda que a maioria das nações tenha aceitado no início do século

XX o limite das três milhas para o Mar Territorial, pouco tempo depois a situação

começa a se modificar, quando muitos Estados costeiros passam a reivindicar

distâncias de até doze milhas. Além disso, alguns exigiam uma jurisdição absoluta

nessas novas áreas, enquanto outros uma jurisdição limitada. Os novos

reivindicadores constituíam uma mistura de Estados costeiros que haviam alterado

sua política marítima em favor da extensão da soberania, e de estados costeiros

que, por não serem exatamente marítimos, contestavam os direitos ilimitados dos

estados marítimos. Essa atitude será um dos motivos pelos quais a Liga das

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nações, convocará a Conferência de Haia, de 1930, como veremos a seguir no

próximo capítulo.

Como vimos até então, durante um significativo período que perdurou até o

século XIX, o Direito Marinho sofreu influência de um ideal de liberdade dos

mares, que não pôde ser sustentado, em função das mudanças nas relações

sociais, como conseqüência das novas técnicas aplicadas ao meio marinho. Tal

fato pode ainda servir de base à dedução lógica de que mesmo nos dias atuais,

muito da legislação poderá sofrer alterações, uma vez que está sujeita às relações

sociais geradas nas mais diversas atividades econômicas surgidas e/ou em

transição, e que, por sua vez, são submetidas às descobertas tecnológicas em

pleno desenvolvimento. Á medida que informações sobre as potencialidades do

meio marinho surgem, novos usos e interesses são relacionados e novas ações

são atribuídas, exigindo um acompanhamento das jurisdições. Segundo Lima,

1997, as regras jurídicas de maneira geral, surgem de costumes e práticas

encontradas no interior de uma sociedade num determinado tempo, porém não

são perenes, justo que a evolução do homem gera novas atividades e novas

formas de exercê-las, provocando constantes adaptações; situação que se aplica

perfeitamente ao Direito do Mar.

Assim, deduzimos ser a política externa fator de extrema influência no

Direito Marítimo e a relacionamos prontamente à política interna dos Estados, uma

vez que ambas são condicionantes entre si. Na análise da política externa de um

Estado estará contida a política interna, e o reflexo será percebido na política

internacional, ou seja, no relacionamento desse mesmo Estado com outras nações.

O que significa dizer que as prerrogativas são criadas tanto internamente quanto

externamente. No primeiro caso, dentro de cada Estado, a resposta a essas

prerrogativas será percebida na política externa e na criação das leis internacionais

e, externamente, quando as prerrogativas de outros Estados serão a base para a

execução das normas, que uma vez formuladas, serão repassadas aos demais

Estados, através das convenções. Trata-se da seguinte análise: um apelo interno,

gerado pela sociedade é intermediado pela diplomacia e assegurado pelas normas

do Direito.

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A afirmação de que “no relacionamento entre nações, o progresso da civilização pode ser visto como um movimento da força para a diplomacia e da diplomacia para a lei” adquire hoje uma formação preliminar, pois o movimento não se detém no direito, mas segue no encalço das instituições. Por outro lado, o movimento recua das instituições para as normas, do direito para a diplomacia e da diplomacia para a força. Por isso, é notória a influência de elementos da política internacional resultante das diversas políticas externas. E tanto quanto a internacional condiciona a política externa, esta condiciona a política interna. (CNIO, 1998: 25).

Por estarem naturalmente ligados, sem divisões facilmente perceptíveis, os

mares aparentam-se indivisíveis e, portanto, as questões a eles relacionadas não

poderiam deixar de ser polêmicas. A começar pelo fato, operacional, de ser

complexo limitar os espaços marítimos, dada a sua contigüidade, é possível

entender a difícil tarefa, atribuída ao Direito Marítimo, de elaborar leis capazes de

suprir os interesses múltiplos de diferentes Estados. Segundo a Convenção das

Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM, 1985: 4): “(...) os problemas do

espaço oceânico são estreitamente relacionados entre si e devem ser

considerados como um todo”. Assim, pode-se compreender a diversidade dos

temas abordados e a dificuldade em esgotar as questões centrais das Convenções

que serão apresentadas no próximo capítulo, onde as modificações inerentes ao

Direito Marítimo serão avaliadas até a sua apresentação atual, configurada através

das Conferências das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

v

À confecção dos gráficos e das tabelas e ao apoio operacional e espiritual,

do meu marido, Maurício Mendes.

Às leituras exaustivas do meu irmão Marcelo Matos, meu “co-orientador”

não - oficial.

À revisão ortográfica de minha irmã Adriana Ribeiro Figueiredo.

Aos amigos eternos, antigos e novos: Cristiane Gomes, pela ajuda com

algumas traduções e Fernanda Pousa, Ana Paula Porto, Bianka Thompson,

Rosângela Ferrano, Sandro Campos, Marli Marins e Dina Queiroz. Além de Vítor

Stuart, Herberth Santos e Alexandre Brandão, do mestrado da ENCE, sempre

prontos a ouvir sobre o andamento da pesquisa e a ajudar no que fosse preciso.

A minha amada mãe, Sueli Ribeiro, pelo estímulo e dedicação, e também

pelo orgulho e pela torcida, “típicos de mãe”.

Ao meu querido filho, Arthur, pela compreensão tão pouco comum e pela

sabedoria de perguntar sobre tudo.

ii

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________

Profº. Drº. Eli Alves Penha (Orientador)

Profº. Drº. André Roberto Martin

Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal

Profª. Drª. Lavínia Davis Rangel Pessanha

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