a construÇÃo histÓrica e cultural do gÊnero …
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A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CULTURAL DO GÊNERO FEMININO E A
VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DA MULHER.
Júlia de Arruda Rodrigues1
Este artigo abordará o tema da discriminação da mulher no mercado de trabalho, cuja
discussão é de extrema relevância, tendo em vista que a sociedade parece descrente e o Poder
Público inerte quanto à dicotomia que existe entre a imprescindibilidade da força de trabalho
da mulher e sua real valorização, cultural e historicamente. Nesse norte, esta produção
buscará responder a seguinte problemática: a valorização social do trabalho da mulher
corresponde ao valor social de seu trabalho? Para tanto, terá como objetivo geral analisar a
construção histórica e cultural do gênero feminino no mercado de trabalho, bem como suas
manifestações e repercussões, nesse e em outros âmbitos e, especificamente: compreender
como o gênero feminino foi construído no mercado laboral; entender de que formas esse
processo influencia a valorização do trabalho da mulher; e identificar os principais
desenrolamentos sociais da discriminação da mulher trabalhadora. Com o fim de cumprir tais
objetivos, será realizada uma pesquisa teórica de cunho bibliográfico e documental, através do
método histórico, com consulta à literatura existente sobre o tema – especialmente os
ensinamentos de Nunes e Freitas (2011), Antunes (1999) e Probst (2003) - e análise de dados
obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além de outros órgãos
com pesquisas sobre o tema.
Palavras-chave: Gênero. Mulher. Mercado de trabalho. Valor social do trabalho. Valorização.
1 INTRODUÇÃO
Nesse trabalho será abordado o tema da discriminação da mulher no mercado de
trabalho e a discrepância havida entre a importância de sua força trabalho e a valorização que
lhe é dada pela sociedade, sob o viés do estudo do gênero enquanto construção histórica e
cultural, dos papeis sociais e das relações de poder, partindo do contexto geral para o da seara
do trabalho. A discussão desse assunto é de suma importância, uma vez que a desigualdade
entre os gêneros no mercado de trabalho ainda é comumente desacreditada pela sociedade e,
sendo assim, conta com a posição quase inerte do Poder Público.
Ao tratar desse tema, buscaremos responder à seguinte problemática: a valorização
social do trabalho da mulher corresponde ao valor social de seu trabalho? Assim, teremos
como objetivo geral analisar a construção histórica e cultural do gênero feminino no mercado
laboral, suas manifestações e repercussões, nesse e em outros âmbitos e, como objetivos
específicos: compreender como o gênero feminino foi construído no mercado de trabalho;
1 Advogada e Consultora Jurídica. Bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
entender de que formas esse processo influencia a valorização do labor da mulher; e
identificar os principais desenrolamentos sociais da discriminação da mulher trabalhadora.
Para cumprir as metas elencadas e responder à problemática levantada, realizaremos
uma pesquisa teórica, de caráter bibliográfico e documental, com consulta às principais
doutrinas que perpassam o tema e análise de dados obtidos especialmente junto ao Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que sejam pertinentes à discussão, utilizando-se
o método histórico.
2 A CONSTRUÇÃO DO GÊNERO FEMININO NO MERCADO DE TRABALHO.
Nas últimas décadas foi possível observar o fenômeno de inserção da mulher no
mercado de trabalho, que certamente é causa e efeito de uma gama de outras conquistas
femininas, não só na esfera dos direitos civis e trabalhistas, mas também de sua emancipação
em relação ao domínio masculino dentro da família, do casamento e da sociedade como um
todo. Entretanto, não se pode afirmar que este processo foi esgotado, tendo em vista que as
desigualdades entre homens e mulheres têm se reproduzido e aprofundado, a despeito da luta
dessas cidadãs por seu espaço na sociedade.
Na seara laboral não é diferente, pois se força de trabalho das mulheres é cada vez
mais expressiva, não há dúvidas de que também o é a divisão sexual do trabalho, na qual a
mulher permanece em posição desvantajosa quando comparada à situação. A explicação para
este fato se encontra em aspectos bem mais amplos, como a construção histórica dos gêneros,
os papeis sociais que lhes são atribuídos e as relações de poder estabelecidas entre os sexos,
pontos dos quais é imperioso que parta o estudo da situação das mulheres no mercado de
trabalho.
O conceito de gênero foi elaborado e sofreu várias reformas no decorrer da história,
mas para compreender sua acepção atual, remetemo-nos à célebre frase de Simone de
Beauvoir (1967, p. 9):
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico,
psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da
sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.
Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um
Outro.
Importa observar também os ensinamentos Ricardo Antunes (2006, p. 109):
E como afirma Liliana Segnini, “a categoria analítica ‘gênero’ possibilita
a busca dos significados das representações tanto do feminino quanto do
masculino, inserindo-as nos seus contextos sociais e históricos. A análise
das relações de gênero também implica a análise das relações de poder”; é
nesse sentido, acrescenta Liliana Segnini, citando Joan Scott, “que essa
relação permite a apreensão de duas dimensões, a saber: - o gênero como
elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças
perceptíveis entre os sexos; - o gênero como forma básica de representar
relações de poder em que as representações dominantes são
apresentadas como naturais e inquestionáveis” (Segnini, 1998). (grifos
nossos)
Dessas leituras, podemos extrair que o gênero não é fruto da natureza, e sim uma
construção social e histórica que atribui papeis a homens e mulheres com base nas diferenças
entre os sexos biológicos, redundando na naturalização das discriminações contra o gênero
feminino, em virtude de serem tomadas como decorrência inevitável das diferenças entre os
sexos. Em outras palavras, existem relações de poder entre homens e mulheres, nas quais
estas são tidas como inferiores, vez que seu gênero é construído a partir daquele que é
dominante: o masculino.
Tendo em vista que a divisão sexual do trabalho tem origem e se aprofunda nessas
relações de poder, podemos afirmar que a inserção da mulher no mercado de trabalho não
decorreu especialmente da diminuição das desigualdades entre os gêneros nem da conquista
de direitos (antes, deu-lhes impulso), mas sim de fatos históricos e de um novo sistema
econômico que exigiu a participação das mulheres nesse meio, não para conferir-lhes direitos,
mas para substituir a mão-de-obra perdida em razão da I e II Guerra Mundial e atender às
necessidades do Capitalismo.
Nessa linha, Probst (2003, p. 2) explica que a entrada das mulheres nesse espaço
iniciou-se “com as I e II Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945, respectivamente),
quando os homens iam para as frentes de batalha e as mulheres passavam a assumir [...] a
posição dos homens no mercado de trabalho”, e que “No século XIX, com a consolidação do
sistema capitalista [...] desenvolvimento tecnológico e o intenso crescimento da maquinaria,
boa parte da mão-de-obra feminina foi transferida para as fábricas”.
Contudo, o Capitalismo não deve ser compreendido como um sistema incentivador da
igualdade entre os gêneros por promover a entrada das mulheres no mercado laboral, e sim
como propagador dessas diferenças e explorador dessa mão-de-obra que, além de ser mais
barata, continha características socialmente construídas que eram extremamente desejadas por
esse modelo de produção, como expõe Jordão Horta Nunes (2011, p. 70):
A capacidade técnica e as caracetrísticas do self valorizadas nessas
ocupações praticamente coincidem com os atributos da feminilidade
(womanhood) construída e mantida nas relações sociais de gênero
tradicionais: docilidade, submissão, fidelidade e maior tolerância em relação
a trabalhos monótonos e repetitivos.
Notamos que a construção do gênero feminino dentro do mercado de trabalho ocorreu
da mesma forma que no âmbito familiar e social, atribuindo-lhes funções coincidentes com os
estereótipos do que é ser mulher, com o acréscimo da exploração pelo Capital. Essa evolução
histórica, social e cultural do gênero feminino na seara do trabalho gera efeitos devastadores,
não só para as mulheres enquanto indivíduos, mas no coletivo dessas pessoas: a segregação
ocupacional que inferioriza o trabalho da mulher e as relega às funções tidas como
condizentes com seus papeis sociais (de mãe, cuidadora, responsável pela organização
doméstica etc.); a manutenção das desigualdades das condições de trabalho entre os gêneros;
e a invisibilização dessa realidade. Sobre isso, vejamos as seguintes considerações:
De acordo com o sistema de “divisão do trabalho social decorrente das
relações entre os sexos”, atribui-se a esfera produtiva e as funções de maior
valor social aos homens e a esfera reprodutiva e doméstica às mulheres.
Além disto, o princípio de divisão sexual do trabalho parte da ideia de
separação entre trabalhos de homens e de mulheres e da ideia de
hierarquização, na qual trabalho deles vale mais que o delas. Esse
sistema levou a uma invisibilização social e não reconhecimento do
trabalho das mulheres. Contudo, mesmo o crescimento da participação
feminina no mercado de trabalho remunerado desde meados dos anos 1970 e
o maior acesso das mulheres a profissões de prestígio não significaram a
conquista da igualdade de gênero. As desigualdades persistem no alto
índice de desemprego, na menor formalização do emprego, nas
diferenças salariais, na segregação ocupacional e nas barreiras à
ascensão profissional para mulheres (COSTA et al., 2008; BRUSCHINI,
207; CAPPELLIN, 2004 apud TOSTA, 2011, p. 58 e 59). (grifos nossos)
A inserção das mulheres no mercado de trabalho se deu de forma precária, ou seja,
com ausência de proteção social, piores condições de trabalho, insegurança e incerteza da
continuidade do pacto laboral, entre outros aspectos, e a evolução feminina nesse âmbito
ainda está submetida às mesmas construções de gênero e relações de poder que dão ensejo a
essa precarização. Todavia, não há dúvidas de que o aspecto mais grave a ser considerado é a
invisibilização das desigualdades entre homens e mulheres que trabalham.
A naturalização das relações de poder entre os gêneros - em que o masculino é
dominante e o feminino dominado/inferiorizado - gera e reproduz essas desigualdades, que
são exercidas “com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou
mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 2009). O que não é percebido, ou é visto com
naturalidade, não é objeto de preocupação ou esforço social com fins de transformação.
Antes, é ignorado, bem aceito, ou, ainda, sistematicamente negado enquanto verdade. Quando
esses fatores são aliados à falsa impressão de que as mulheres já conquistaram a igualdade
entre os gêneros pelo fato de poderem estudar, votar e trabalhar fora de casa (os mínimos dos
direitos sempre garantidos aos humanos do sexo masculino), os efeitos são indeléveis e em
larga escala, atingindo não só mulheres, mas toda a sociedade.
É comum que ao se falar em igualdade entre os gêneros (inclusive no mercado de
trabalho) exista uma reação geral calcada na ideia de que as mulheres estão em busca de se
igualarem aos homens como se não possuíssem diferenças biológicas. Na verdade, essa fala
tão corriqueira apenas evidencia o poder simbólico na aceitação das discriminações sociais
como decorrência natural das diferenças entre os sexos biológicos, através de discursos que
expõem o ser masculino como mais forte, competitivo, inteligente e dotado das capacidades
necessárias para ocupar os postos de trabalho mais “importantes”, e o ser feminino como
fisicamente frágil, sociável, dócil, e menos capaz, a não ser para as funções que sejam
adequadas a essas características e que correspondam aos seus papeis socialmente atribuídos.
Na medida em que cresce o acesso das mulheres ao estudo, ao mercado laboral e a
melhores postos de trabalho, bem como a sua participação na economia e na chefia dos lares,
crescem também as profundas desigualdades em relação à situação dos homens, com a
desvalorização e precarização do trabalho exercido pela mão-de-obra feminina, amplamente
apoiada pelas relações de poder entre os gêneros e sua negação como realidade.
Com vistas a expor essa situação, realizamos um estudo com suporte de gráficos
construídos a partir de dados estatísticos obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), que expõem as principais diferenças entre o trabalho de homens e
mulheres no Brasil, perpassando os aspectos da segregação ocupacional, formalização do
vínculo de emprego, jornada de trabalho e rendimento, além de outros que evidenciam o valor
social do trabalho da mulher e as consequências dessa discriminação.
3 O VALOR CONFERIDO AO TRABALHO DA MULHER, SUA DISCRIMINAÇÃO
NO MERCADO LABORAL E REPERCUSSÕES.
Ao discutir a precarização do trabalho da mulher, o primeiro aspecto a ser analisado
diz respeito à segregação ocupacional, isto é, a divisão do trabalho de acordo com o sexo nos
grupamentos de atividade (Indústria, Construção, Comércio, Serviços Prestados para
Empresas, Administração Pública, Serviços Domésticos e Outros Serviços), conforme o
gráfico abaixo que revela a distribuição do trabalho e a evolução da participação dos sexos em
cada grupamento, entre 2003 e 2011:
64,60
94,30
61,80
62,70
38,00
5,30
62,00
64,00
93,90
57,50
58,00
35,90
5,20
58,40
35,40
5,70
38,20
37,30
62,10
94,70
38,00
36,00
6,10
42,60
42,00
64,10
94,80
41,60
Indústria
Construção
Comércio
Serviços para empresas
Administração Pública
Serviços domésticos
Outros serviços
Homens (2003)
Homens (2011)
Mulheres (2003)
Mulheres (2011)
Gráfico 1: Distribuição da população ocupada por grupamentos de atividade, segundo o sexo (%), entre 2003 e
2011 (IBGE, 2012).
Em um primeiro momento, salta aos olhos que no decorrer dos anos a participação das
mulheres nos grupamentos de trabalho cresceu, todavia vagarosamente, tendo em vista o
grande lapso temporal abrangido pelas estatísticas. Entretanto, merece destaque o fator de que
os homens predominam em quase todos os postos de trabalho, especialmente naqueles que
costumam fornecer as melhores condições e remuneração. De fato, essa realidade só não se
aplica à Administração Pública - cujo acesso depende mais de concursos públicos que de
valoração do trabalho segundo o gênero - e aos Serviços Domésticos, que historicamente têm
sido desenvolvidos por mulheres em virtude de sua associação aos papeis de maternidade,
cuidado e “donas” do lar.
Os dados demonstram, dessa forma, que as mulheres ocupam em menor número os
postos de trabalho mais valorizados (logo conferidos aos homens em larga escala), com
destaque para a Construção (apenas 6,10% em 2011), e em maior número aqueles em que as
condições do trabalho são mais precárias, destacando-se os Serviços Domésticos (94,8% em
2011), grupamento de trabalho que sequer possui a mesma proteção legal de direitos
trabalhistas e previdenciários que os demais.
Além disso, os dados relativos à formalização do vínculo demonstram que, apesar de
ter havido evolução para homens e mulheres nesse aspecto, as últimas se encontram em clara
desvantagem, como se extrai do seguinte gráfico:
66,70
24,00
38,20
59,40
26,30
44,80
46,10
74,10
35,30
47,00
65,50
28,50
51,60
53,20
49,70
49,80
42,20
61,90
37,60
34,70
38,70
53,50
62,70
52,20
71,20
40,20
36,60
44,20
Indústria
Construção
Comércio
Serviços para empresas
Administração Pública
Serviços domésticos
Outros serviços
Homens (2003)
Homens (2011)
Mulheres (2003)
Mulheres (2011)
Gráfico 2: Proporção de pessoas ocupadas com carteira de trabalho assinada, por grupamentos de atividade,
segundo o sexo (%), entre 2003 e 2011 (IBGE, 2012).
Um olhar descontextualizado poderia indicar o contrário, ou seja, que as mulheres
tendem a obter formalização de seus vínculos com maior frequência que os homens, mas tal
conclusão não resiste a uma avaliação mais apurada quando se observa em quais grupamentos
o percentual de mulheres com carteira de trabalho assinada foi maior que o dos homens: a
Construção, um seguimento ocupado por 93,9% de homens, não sendo representativo das
condições gerais da mulher no mercado de trabalho; Comércio e Serviços para Empresas, nos
quais a desigualdade de proporção entre homens e mulheres existe, mas não é tão grande
quanto nos demais grupamentos, e tende ao equilíbrio; e Administração Pública, que é
ocupada principalmente por mulheres (64,1%), de forma que a quantidade maior de
formalização do vínculo para essas reflete apenas sua proporção numérica no grupamento, e
não uma real vantagem em relação aos homens.
Por outro lado, é importante frisar que nos Serviços Domésticos, que são exercidos por
apenas 5,2% de homens, estes ainda representam a maioria dos que têm o vínculo
formalizado, mesmo em um âmbito de trabalho tipicamente exercidos por mulheres, ou seja,
em um grupamento de atividades que é desvalorizado justamente por ser exercido
principalmente por mulheres, estas são ainda mais discriminadas que os homens nos mesmos
trabalhos, quando se compara o reconhecimento formal de seu trabalho.
Noutro norte, vejamos as estatísticas sobre a divisão da jornada de trabalho:
43,9 43,7
46,1
43,1
39,6
45,3
46,4
43,4 43,5
45,2
42,1
38,9
44,1
45,4
39,9
38,6
41,2
39,2
35,7
38,5
40,6
40,5 40,5
42
39,4
36,5 37,4
40,5
Homens(2003)
Homens(2011)
Mulheres(2003)
Mulheres(2011)
Gráfico 3: Número médio de horas semanais habitualmente trabalhadas por grupamentos de atividade, segundo o
sexo e diferença entre homens e mulheres, entre 2003 e 2011 (IBGE, 2012).
Observamos que a jornada de trabalho das mulheres costuma ser inferior à dos
homens, embora se observe o declínio na carga-horária desses e aumento na das mulheres,
mostrando uma tendência ao equilíbrio. Contudo, há que se ter o cuidado de não interpretar as
diferenças de jornada como um benefício dado às mulheres, vez que na esfera familiar o
cuidado da casa, dos filhos e do cônjuge ou companheiro ainda permanece concentrado na
figura da mulher (especialmente a casada), como se extrai do seguinte gráfico:
3,7
40,1
32,6
32,7
96,3
59,9
67,4
67,3
Cônjuge
Filho
Outro parente
OutroHomens
Mulheres
Gráfico 4: Proporção (%) de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuida de afazeres domésticos por sexo e
condição na família em 2005 (SOARES; SABÓIA, 2007).
Outra desvantagem se dá pelo fato de que, comparativamente, mulheres dedicam mais
horas aos afazeres domésticos que os homens, conforme o gráfico abaixo:
10,9
8,6
9,6
9
31,1
14,9
19,6
19,2
Cônjuge
Filho
Outro parente
Outro Homens
Mulheres
Gráfico 5: Número médio de horas gastas semanalmente em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais
de idade por sexo e condição na família em 2005 (SOARES; SABÓIA, 2007).
Logo, o aumento da carga horária para as mulheres, desacompanhada da repartição de
tarefas no âmbito familiar, na verdade expõe a tendência à acentuação das diferenças entre os
gêneros, sobrecarregando cada vez mais a mulher trabalhadora, com repercussões diretas em
seu aproveitamento no trabalho, tempo para atualização acadêmica e profissional, sua saúde,
longevidade e qualidade de vida, entre outros aspectos.
Por fim, há que ser analisado o último fator de precarização do trabalho feminino, qual
seja a desproporção entre o rendimento médio obtido por homens e mulheres, representado
pelo gráfico seguinte, que mostra a razão percentual entre o rendimento médio das mulheres e
dos homens, segundo o mesmo grau de escolaridade:
64
61
61
63
60
65
56
66
62
60
66
60
68
68
60
83
59
67
65
59
65
70
107
64
69
65
45
69
Indústria
Construção
Comércio
Serviços para empresas
Administração Pública
Serviços domésticos
Outros serviços
Nível Superior (2003)
Nível Superior (2011)
11 anos ou mais deestudo (2003)
11 anos ou mais deestudo (2011)
Gráfico 6: Razão (%) do rendimento médio real habitual das mulheres ocupadas em relação à população
masculina ocupada com 11 anos ou mais de estudo e com nível superior, por grupamentos de atividades entre
2003 e 2011 (IBGE, 2012).
Pelo exposto, nota-se que as mulheres possuem rendimento médio bastante inferior ao
dos homens em todos os grupamentos de atividade (aproximadamente 70% do rendimento
masculino), independentemente do grau de escolaridade analisado. Isso se dá inclusive nas
atividades tipicamente exercidas por mulheres, como é o caso dos Serviços Domésticos, em
que os homens recebem entre 32 e 55% a mais, evidenciando que esse tipo de trabalho, já
bastante desvalorizado em virtude de sua distribuição sexual, é ainda mais discriminado
quando exercido por mulheres, cujo esforço teria menos valor, vez que, de acordo com os
estereótipos de gênero, não estariam desempenhando um trabalho profissionalizado, mas mera
extensão dos papeis que lhes são socialmente atribuídos.
De outro lado, o fato de mulheres com 11 ou mais anos de estudo ganharem 7% a mais
que os homens no grupamento da Construção merece destaque apenas por ser um dado obtido
em um posto ocupado por apenas 6,1% de mulheres e, portanto, não representa efetivas
melhorias na situação das mulheres no mercado de trabalho.
Ao lado da absorção do trabalho feminino de forma precarizada, existe o gradativo
aumento das mulheres trabalhadoras como principais responsáveis nos seus domicílios,
conforme o gráfico a seguir:
21
16
15,7
15,4
12,7
13
9,8
10,6
9,7
8,7
54,5
59
56,3
59,2
59,5
11,2
15,2
17,4
15,8
19,1
25,6
23,8
25,3
26,7
28,1
2002
2003
2004
2005
2006
5 ou mais
De 03 a menos de 5
De 1 a menos que 3
Menos que 1
Principais Responsáveis
Gráfico 7: Evolução das participações das mulheres ocupadas entre os principais responsáveis nos seus
domicílios, e da sua distribuição segundo as classes de salário mínimo2, para o total das seis regiões
metropolitanas3, nos meses de agosto de 2002 a 2006 (em %) (IBGE, 2006).
Em 2002 as mulheres representavam apenas 25,6% da população feminina ocupada
principal responsável no domicílio, e em 2006 passaram a compor 28,1% desse índice, com
tendência de crescimento. Por outro lado, quando considerada a distribuição dessas mulheres
conforme a sua remuneração e as classes do salário mínimo, vemos que no decorrer dos anos
aconteceu um fenômeno de aumento do número de mulheres recebendo menos que um salário
mínimo até menos que três, e decréscimo das que recebem de três a mais salários mínimos:
Se tais dados por si sós já não fossem alarmantes, dentre as mulheres ocupadas
principais responsáveis no domicílio, mais que a metade é composta de mulheres sem cônjuge
e com filhos, como demonstra o gráfico seguinte:
2 As classes do salário mínimo vão de “menos de 1 salário mínimo” até “5 salários mínimos ou mais”.
3 Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
33,4
30,2
33,1
10,4
24,3
35,6
24,4
47,9
49
46,1
58,7
50
43,1
50,6
10,7
13,1
12,9
23,2
17,7
16,8
17,5
Recife
Salvador
Belo Horizonte
Rio de Janeiro
São Paulo
Porto Alegre
Total
Só
Sem cônjuge ecom filhos
Com cônjuge
Gráfico 8: Participação das trabalhadoras principais responsáveis nos domicílios, segundo o tipo de família, por
região metropolitana – agosto de 2006 (em %) (IBGE, 2006).
A conjunção dessas estatísticas permite perceber que o aumento de mulheres que
recebem menos que um salário mínimo (19,1% em 2006) ou de um até menos que três
(59,5%) provoca sérias defasagens nessas famílias (especialmente nas crianças e
adolescentes), não só de cunho econômico, mas em todos os direitos básicos que lhes são
negados em razão do baixo poder aquisitivo: escola, saúde, saneamento básico, lazer,
vestuário etc.
Em suma, os dados estatísticos avaliados demonstram que a participação das mulheres
no mercado de trabalho e a importância de seu trabalho nos âmbitos social e doméstico tem
apenas aumentado, contudo, a discriminação da mulher e a precarização de seu trabalho
também continuam sendo gritantes, especialmente através da desvalorização do trabalho
feminino, mesmo quando em pé de igualdade com os homens nos aspectos das tarefas
realizadas e do grau de instrução.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o surgimento do sistema econômico capitalista e do advento das grandes
Guerras Mundiais vem crescendo a atuação da mulher no mercado laboral e a importância de
sua força de trabalho. Contudo, esse fenômeno não pode ser compreendido como o
esgotamento das desigualdades entre os gêneros, tendo em vista que ocorre sob a direta
influência da construção histórica, social e cultural dos gêneros, dos papeis socialmente
atribuídos às mulheres e das relações de poder que situam o ser masculino como mais forte,
competitivo, inteligente e dotado das capacidades necessárias para ocupar os postos de
trabalho mais “importantes”, e o ser feminino como fisicamente frágil, sociável, dócil, e
menos capaz.
Podemos afirmar, assim, com base nos estudos e dados levantados, que a inserção das
mulheres no mercado de trabalho se deu, e continua ocorrendo, de forma precária,
especialmente através dos mecanismos de segregação ocupacional, informalização do
trabalho, aumento da carga horária, manutenção da disparidade na distribuição dos afazeres
domésticos e desigualdade na remuneração pelos mesmos serviços e grau de escolaridade,
fatores que contribuem para manter e reproduzir as desigualdades entre os gêneros e as
relações de poder que lhes dão suporte.
Outro fator a ser destacado é a invisibilização dessa realidade, em virtude da
naturalização das relações de poder entre os gêneros e desigualdades sofridas pelas mulheres
no mercado de trabalho, como se fossem consequência natural das diferenças entre os sexos
biológicos, a qual contribui para que essa situação não seja reconhecida como um problema
real e, menos ainda, que se façam esforços contundentes para transformá-la. Esse fenômeno,
sem sombra de dúvidas, tem gravíssimas repercussões não só para as mulheres, mas para toda
a sociedade, pois legitima e reproduz tais descriminações, inferiorizando a coletividade de
mulheres e submetendo as trabalhadoras enquanto indivíduas a condições precárias de
trabalho, refletindo não só nos mais variados aspectos de suas vidas pessoais e profissionais,
mas em toda a sociedade, inclusive quando se considera a unidade familiar.
Logo, podemos considerar que os dados históricos e estatísticos avaliados nesse
trabalho revelam que o valor social do trabalho da mulher vem aumentando cada vez mais
conforme adentra o mercado laboral e nele ganha espaço, contudo esse processo ainda ocorre
que forma desigual e inferiorizada, como decorrência do ciclo cruel em que a construção
social do gênero feminino, os papeis sociais que lhes são atribuídos e as relações de poder
influenciam negativamente a situação da mulher na seara trabalhista, e nela se reproduzem e
aprofundam, evidenciando a desvalorização da força de trabalho feminina.
HISTORICAL AND CULTURAL CONSTRUCTION OF FEMALE GENDER AND
THE VALORIZATION OF WOMEN'S WORK.
This article will address the issue of discrimination against women in the labor market, whose
discussion is of extreme relevance, given that society seems incredulous and the Public Power
inert regarding to the dichotomy that exists between the indispensability of women’s
workforce and its real valorization, culturally and historically. In this sense, this production
will seek to answer the following problem: the social valorization of women's work
corresponds to the social value of their work? In order to do so, it will have as general
objective analyzing the historical and cultural construction of female gender in the labor
market, as well as its manifestations and consequences, in this and other areas, and
specifically: comprehending how the female gender was built on the labor market;
understanding in what ways this process influences the valorization of women's work, and
identifying the main social consequences of discrimination against women workers. With the
purpose of accomplishing such goals, will be conducted a theoretical research with
bibliographical and documental nature, through the historical method, with consultation to the
existing literature on the topic - especially the teachings of Nunes and Freitas (2011), Antunes
(1999) and Probst (2003) - and analysis of data obtained from the Brazilian Institute of
Geography and Statistics (IBGE), beyond other agencies with research on the matter.
Keywords: Gender. Woman. Labor market. Social value of labor. Valorization.
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