a crença no arrebatamento da igreja: seus...
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS DA RELIGIO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO
A crena no arrebatamento da Igreja: seus
desenvolvimentos e transformaes imagticas
ANDRA DOS REIS SEBASTIO
So Bernardo do Campo, janeiro de 2010
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS DA RELIGIO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO
A crena no arrebatamento da Igreja: seus
desenvolvimentos e transformaes imagticas
por
ANDRA DOS REIS SEBASTIO
Orientador: Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira
Dissertao apresentada em cumprimento s exigncias do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio, para obteno do grau de Mestre.
So Bernardo do Campo, janeiro de 2010
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A dissertao de mestrado sob o ttulo A crena no arrebatamento da
Igreja: seus desenvolvimentos e transformaes imagticas, elaborada
por Andra Dos Reis Sebastio foi apresentada e aprovada em 03 de
Maro de 2010, perante banca examinadora composta por Paulo Augusto
de Souza Nogueira (Presidente/UMESP), Etienne Alfred Higuet
(Titular/UMESP) e Jos Adriano Filho (Titular/ UNIFIL).
________________________________________
Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
________________________________________
Prof. Dr. Jung Mo Sung
Coordenador do Programa de Ps-Graduao
Programa: Ps-Graduao em Cincias da Religio
rea de Concentrao: Literatura e Religio no Mundo Bblico
Linha de Pesquisa: Estudos histricos-literrios do Mundo Bblico.
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aos meus pais,
Antonio Sebastio (in memoriam) e Eunice B. dos Reis Sebastio
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AGRADECIMENTOS
Meus sinceros e cordiais agradecimentos:
A Deus, pela vida, sade, incio e trmino deste curso.
querida me, Eunice, pelas oraes e compreenso pelas decises que tomo.
famlia: Paulo, Regiane, Gizele, Karine, Danielle e Gian, pelo incentivo.
amicssima Claudia dos Santos Rezende, que to solicitamente me emprestou
o espao e o silncio de seu lar para que eu pudesse estudar.
querida amiga Giane que, mesmo distncia, incentivou-me nesta empreitada.
Aos colegas de curso de um modo geral, em especial Ana Pinheiro dos Santos,
Santa ngela Cabrera, Fernando Cndido da Silva, ngela Maringoli, por
compartilharem conhecimentos e indicarem caminhos.
A todos os professores, por nos conduzirem pelos caminhos do conhecimento.
Ao meu orientador Paulo Augusto de Souza Nogueira, pelo incentivo inicial e
pela pacincia ao longo do caminho.
E, por fim, s agncias fomentadoras IEPG e CAPES, sem as quais muito
provavelmente esta dissertao no teria se realizado.
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Mas a nossa cidade est nos cus, de onde tambm esperamos
ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que
transfigurar o nosso corpo humilhado conformando-o ao seu
corpo glorioso, pela fora que lhe d poder de submeter a si
todas as coisas.
(Filipenses 3,20-21)
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SEBASTIO, Andra dos Reis. A crena no arrebatamento da Igreja: seus desenvolvimentos e transformaes imagticas . So Bernardo do Campo: Universidade Metodista de So Paulo, 2010.
SINOPSE
A crena no arrebatamento da Igreja faz parte de um sistema escatolgico
fundamentalista que costuma ser chamado de dispensacionalismo pr-milenista. Seu
surgimento se d a partir do sculo XIX, pelo ensino de John Nelson Darby, um
pregador evanglico britnico, fundador dos Irmos de Plymouth. Seu ensino aguarda a
vinda de Cristo em duas etapas: uma, em secreto para a Igreja, h de lev-la ao Cu e
poup-la dos sete anos de tribulao que se seguiro; e outra, num aparecimento
glorioso, ao final dos sete anos h de instaurar o reino milenial sobre a terra. O ensino
de Darby foi popularizado nas notas de rodap da Bblia de Referncia Scofield,
publicada em 1909 por Cyrus I. Scofield, e ainda hoje se configura na crena
escatolgica da maioria das igrejas evanglicas fundamentalistas, tanto nos EUA quanto
no Brasil. Em 2002 foi produzido o filme: Deixados para Trs que retrata esta crena
bem como sua atualizao para pocas recentes. Contudo, um estudo mais aprofundado
desta crena expe seu carter de construto doutrinrio, em que textos bblicos de
perspectivas diferentes, do Antigo e do Novo Testamento, so unidos para formar um
quadro escatolgico em vias de se cumprir.
Palavras-chave: arrebatamento, dispensacionalismo, pr-milenismo, fundamentalista,
Darby, Scofield, Deixados para Trs.
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SEBASTIO, Andra dos Reis. A crena no arrebatamento da Igreja: seus desenvolvimentos e transformaes imagt icas. So Bernardo do Campo: Universidade Metodista de So Paulo, 2010.
ABSTRACT
The belief in the rapture of the church is part of a fundamentalist eschatological
system that is often called premillennial dispensationalism. Its appearance is noted to
start in the XIX century through the teachings of Jonh Nelson Darby, a british
evangelical preacher founder of the Plymouth Brethren. His teaching incompass the
coming of Christ in two steps. One in secret for the church, taking it to heaven and
saving it from seven years of tribulation that will follow, the second, a glorious return at
the end of seven years for establishment the millennial kingdom on earth, the teaching
of Darby were popularized in the footnotes of the Scofield Reference Bible published in
1909 by Cyrus I. Scofield, and it is still set in the eschatological beliefs of the majority
of the evangelical fundamentalist churches, both in the EUA and Brazil. In 2002, the
film was produced: Left Behind for portraying this belief as well as its update to recent
times. However, further study of this belief exposes its doctrinal construct character in
which biblical texts from different perspectives of the old and New Testaments are
united to form an eschatological framework about to be fulfilled.
Keywords: rapture, dispensationalism, premillennial, fundamentalist, Darby, Scofield
Left Behind.
Formatado: Ingls (E.U.A.)
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SUMRIO
INTRODUO........................................................................................ 12
CAPTULO I
1. O que o arrebatamento?.......................................................................... 15
1.1. Insero do arrebatamento nas doutrinas escatolgicas bblicas........................ 15
2. Arrebatamento e milnio................................................................ ........... 16
2.1. Pr-milenismo ..................................................................................... 16
2.2. Ps -milenismo..................................................................................... 19
2.3. Amilenismo ................................ ........................................................ 20
3. Dispensacionalismo................................................................................. 20
3.1. A hermenutica das Setenta Semanas de Daniel ................................ ........... 22
4. A crena no arrebatamento segundo o dispensacionalismo ................................ 25
4.1. Os textos em que se apoia....................................................................... 26
5. Quais as principais implicaes da crena..................................................... 27
CAPTULO II
2. O surgimento da doutrina do arrebatamento da Igreja....................................... 30
2.1. Origens nos EUA ................................................................................. 30
2.2. Fundamentalismo e dispensacionismo nos EUA ................................ ........... 32
2.3. A Bblia de Referncias Scofield ................................ .............................. 35
2.4. No Brasil ............................................................................................ 37
2.4.1. Livros americanos de impacto no Brasil................................ ................... 37
2.4.2. Resenha dos livros acima citados ........................................................... 37
2.4.3. Autores brasileiros importantes na escatologia................................ ........... 38
2.4.4. Formas de divulgao da doutrina no Brasil.............................................. 39
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CAPTULO III
3. Anlise do filme Deixados para trs ........................................................... 48
3.1. Por que a anlise de um filme?................................ ................................. 48
3.2. Resumo do enredo ................................ ................................................ 50
3.3. Anlise temtica do filme Deixados para trs.............................................. 56
3.3.1. O filme: fico com status de verdade..................................................... 56
3.4. A hermenutica bblica do arrebatamento segundo o filme.............................. 59
3.5. Contedo ideolgico: suas ambiguidades e implicaes ................................. 65
3.5.1. A centralidade de Israel ....................................................................... 64
3.6. A crtica ao capitalismo na fico ............................................................. 67
3.7. A imagem negativa a respeito dos rabes.................................................... 70
3.8. Fuses em texto-imagem: a consolidao de uma crena ................................ 73
3.8.1. Dinmica texto-imagem e suas consequncias para a significao da vida ........ 74
3.8.2. O uso de signos como produtores e sustentadores de ideologias ..................... 75
CAPTULO IV
4. Anlise e crtica de textos fundantes ............................................................ 76
4.1. Exegese de 1 Tessalonicenses 4,13-18 ....................................................... 76
4.1.1. Crtica textual................................ .................................................... 76
4.1.2. Delimitao................................................................ ...................... 77
4.1.3. Contexto maior.................................................................................. 79
4.1.4. Traduo formal ................................ ................................................ 79
Concluso da exegese.................................................................................. 98
4.2. Exegese de Apocalipse 20,1-6 ................................ ................................. 99
4.2.1. Traduo formal ................................ .............................................. 100
4.2.2. Anlise do contedo ................................................................ ......... 101
4.2.3. Delimitao da percope..................................................................... 102
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4.2.4. Contexto anterior ................................................................ ............. 102
4.2.5. Contexto posterior ............................................................................ 103
4.2.6. Anlise exegtica................................................................ ............. 103
4.2.7. Diviso da percope ................................ .......................................... 104
4.3. Crtica exegtica do arrebatamento: convergncias e divergncias interpretativas
entre as duas passagens................................ .............................................. 107
CONCLUSO ....................................................................................... 110
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 112
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INTRODUO
A doutrina do arrebatamento coletivo faz parte do contedo escatolgico
bblico particularmente a partir do corpus paulino. um assunto que encontramos
principalmente em 1 Tessalonicenses 4,17 e 1 Corntios 15,51-52, embora haja
percopes nos Sintic os, tais como Mt 24,40-41 e Lc 17,34-36, que so usadas para
corroborar a mesma crena. Ao longo da histria crist, o arrebatamento no teve
grande destaque, j que foi interpretado apenas como um apndice da segunda
vinda de Cristo. Contudo, a partir do desenvolvimento do dispensacionalismo e de
sua ligao com o fundamentalismo, por volta do sculo XIX, o tema do
arrebatamento ganha importncia, medida que visto como um marco final na
histria da Igreja, que ser seguido pela grande tribulao e pela implantao do
reino milenar de Cristo. Embora nem todo fundamentalista seja dispensacionalista,
uma parte quantitativa considervel pode ser assim definida. Esse movimento
evanglico, com sua viso escatolgica bblica caracterstica, tem produzido
literaturas e filmes divulgando seu modo de crer. Por isso, uma de nossas tarefas
ser a anlise de um filme que aborda esta interpretao. Tal filme uma obra de
fico baseado numa srie de best-sellers de mesmo nome: Left Behind (Deixados
para trs) e que teve ampla aceitao nos meios de semelhante f. Aqui delineamos
nosso objetivo de entender como o tema do arrebatamento da Igreja considerado
no mundo evanglico, e para isso ser necessrio confrontar formas de leitura
especialmente sugeridas pelo filme que, criando uma teologia escatolgica de longo
alcance, determina a interpretao de textos particulares, entre eles, o texto
fundante de 1Ts 4,13-18. A construo da doutrina, portanto, se configura numa
montagem de textos bblicos de escatologias diferentes, cujas divergncias e
dissonncias so preteridas em prol de um nico e principal contedo escatolgico.
Um dos pontos interessantes na elaborao escatolgica que abordaremos
que assuntos como o arrebatamento so costumeiramente ligados a interpretaes
do livro do Apocalipse, embora no sejam necessariamente encontrados ali. Da
mesma forma, o milnio frequentemente ligado a escritos paulinos, sem que
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Paulo, no entanto, tenha-o mencionado. Dessa forma, nota-se uma forte elaborao
escatolgica atravs da juno e imbricao de percopes bblico-escatolgicas.
Atualmente, conquanto se considere que o pensamento ps-moderno tenha
atingido todas as esferas da vida, muito ainda se recorre Bblia como fonte de
revelao de acontecimentos futuros. Convm, portanto, voltar a ela sempre novos
olhares e atualiz- los de acordo com o desenvolvimento histrico, mesmo porque as
apropriaes feitas at agora influenciaram e ainda influenciam a leitura e o
comportamento das comunidades de f, como tambm interagem na histria e na
cultura.
O primeiro captulo desta dissertao definir o que o arrebatamento da
Igreja propriamente dito, segundo a corrente dispensacionalista, bem como sua
insero nas correntes escatolgicas em que porventura figure. Nesse mesmo
captulo elencaremos os principais textos ou versculos em que se apoia a crena,
ou mesmo que fazem parte da construo da mesma. Por fim, esboaremos as
principais implicaes da crena, tanto do ponto de vista de seus adeptos quanto de
seus opositores.
O segundo captulo privilegiar a crena moderna no arrebatamento como
uma construo doutrinria de origem no eixo Inglaterra-EUA, embora sua
principal divulgao se deva aos EUA. Em seguida, abordaremos o
fundamentalismo e o dispensacionalismo nos EUA pelos principais livros
divulgadores do tema, em especial os que tiveram impacto no Brasil. Por fim,
exporemos as principais formas de divulgao da crena escatolgica no Brasil.
No terceiro captulo apresentaremos uma anlise do filme Left Behind
(Deixados para trs), o qual, com sua nfase na verossimilhana, d a uma
montagem doutrinal um aspecto de realidade objetiva. O uso de recursos
imagticos, bem como as fuses entre texto bblico e imagem flmica consolidam de
certa forma o carter de constructo que a crena promove. Finalmente, exporemos
algumas ambiguidades da crena retratada no filme, bem como as principais
implicaes dessa hermenutica.
O quarto captulo tem como contedo a exegese da principal passagem
bblica em que o tema do arrebatamento da Igreja se apoia: 1Ts 4,13-18. Optamos
por fazer tambm uma conexo como o livro de Apocalipse, especificamente com o
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captulo 20,1-6, por ser este um texto importantssimo para a elaborao da
escatologia dispensacionalista, e levantamos, a princpio, a suspeita de que h uma
irreconcilivel compreenso de temas escatolgicos entre Paulo e Joo. Assim,
esperamos compreender melhor, entre outras coisas, o desenvolvimento e o status
que a crena no arrebatamento da Igreja alcanou atualmente.
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CAPTULO I
1. O que o arrebatamento?
O arrebatamento (secreto ou coletivo) da Igreja uma doutrina crist evanglica
que promove a crena de que a Igreja ser arrebatada (raptada) por Cristo para estar
com ele nos Cus, antes do milnio, com base em textos como 1Ts 4,13-18 e 1Cor
15,51-52, entre outros. H trs correntes interpretativas desta crena: 1) Jesus arrebatar
a Igreja antes da Grande Tribulao; 2) Jesus arrebatar a Igreja na metade da Grande
Tribulao; 3) Jesus arrebatar a Igreja aps a Grande Tribulao. No entanto, a crena
no arrebatamento no esttica nem tampouco inconteste no meio cristo.
1.1. Insero do arrebatamento nas doutrinas escatolgicas bblicas
Os ensinos sobre o arrebatamento1 esto ntima e inseparavelmente ligados ao
assunto da chamada segunda vinda de Cristo2. Ao longo da histria da Igreja e da
interpretao bblica, a segunda vinda de Cristo corroborada por passagens bblicas
neotestamentrias como Mt 24,30; 25,19-31; 26,64; Jo 14,3; At 1,11; 3,20-21; Fl 3,20;
1Ts 4,15-16; 2Ts 1,7-10; Tt 2,13; Hb 9,28 etc. Para falar de uma segunda3 vinda de
Cristo, o grego do NT usa basicamente trs termos principais:
I. Apocalypsis (desvendamento, revelao): indica a remoo do que obstrui a
viso de Cristo: 1Cor 1,7; 2Ts 1,7; 1Pd 1,7-13; 4,13.
II. Epiphaneia (aparecimento, manifestao): sair a partir de um substrato oculto
com as ricas benos da salvao: 2Ts 2,8; 1Tm 6,14; 2Tm 4,1-8; Tt 2,13.
1 Arrebatamento usado no sentido de arrebatamento coletivo ou, como preferem alguns, arrebatamento
secreto , com base em textos como 1Ts 4,13 e 1Cor 15,58. 2 Embora, para a corrente dispensacionalista, sejam eventos distintos. 3 Na Bblia no existe o termo segunda vinda; ele surge na histria da interpretao para designar o
retorno do Messias (Jesus).
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III. Parousia (presena): vinda que precede a presena ou que resulta na presena:
Mt 24,3; 27,37; 1Cor 15,23; 1Ts 2,19; 3,13; 4,15; 5,23; 2Ts 2,1-9; Tg 5,7-8;
2Pd1,16; 3,4-12; 1Jo 2,28.
Assim, a segunda vinda, referida em vrias passagens e em contextos diferentes
tem dado, no decorrer dos sculos, lugar a diversas interpretaes e crenas.
Ao assunto da segunda vinda soma-se costumeiramente nos tratados de teologia
sistemtica o milenismo e suas correntes, nas quais tambm se insere o arrebatamento.
2. Arrebatamento e milnio
O milenismo ou milenarismo dividido em correntes interpretativas sempre
tendo como referncia a segunda vinda. So trs as correntes milenaristas conhecidas:
a pr-milenista;
a ps-milenista;
a amilenista.
2.1. Pr-milenismo
O pr-milenismo assumiu distintas formas com o passar do tempo. Irineu, por
exemplo, nos primeiros sculos da Igreja crist acreditava que o mundo duraria seis mil
anos, conforme os seis dias da criao. Ao fim desse perodo, os sofrimentos e
perseguies aos fiis aumentariam culminando no aparecimento do Anticristo, com
toda sorte de iniquidade que, aps ser completada, seria ofuscada com o aparecimento
glorioso de Cristo triunfando sobre todos os inimigos. Tal aparecimento seria
acompanhado da ressurreio fsica dos santos e o estabelecimento dos mil anos do
reino de Deus na Terra, correspondendo ao stimo dia da criao, ou seja, ao dia de
repouso. Neste tempo, ento, Jerusalm seria reedificada, a terra frutificaria com
abundncia e prevaleceriam a paz e a justia. Quando os mil anos chegassem ao fim,
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sobreviria o juzo final e apareceria uma nova criao, na qual os remidos viveriam
eternamente na presena de Deus.
Nos sculos subsequentes interpretao patrstica, a ideia acima sofreu
algumas alteraes que confirmaram algumas ideias e especificaram acontecimentos
considerados claramente escatolgicos. O desenvolvimento do tema levou-o a este
enredo fundamental: o advento de Cristo est prximo e visvel, pessoal e glorioso. Ser
precedido por tais eventos: a evangelizao de todas as naes, a converso de Israel e
seu estabelecimento na Terra Santa, a grande apostasia, a grande tribulao e a
revelao do homem do pecado (Anticristo). A Igreja, portanto, passar pela grande
tribulao (no caso do pr-milenarismo antigo). Ao grandioso evento da segunda vinda
somam-se outros que se impe sobre a Igreja, Israel e o mundo. Os fiis que j
morreram sero ressuscitados, e os que vivem sero transformados (arrebatados), e
juntos sero transladados para encontrar -se com o Senhor em sua vinda. O Anticristo e
seus aliados sero mortos. Os gentios se convertero a Deus em grande nmero e
participaram do reino terreno de Cristo, onde haver justia e paz, como profetizaram os
profetas no Primeiro Testamento. Aps esse perodo de mil anos, os mortos restantes
ressurgiro para que se siga o juzo final e a subsequente criao de novos cus e nova
terra.
No segundo quartel do sculo 19 surgiu uma nova forma de pr-milenismo
muito atrelado ao chamado dispensacionalismo4 seguido na Inglaterra e na Amrica. Os
novos conceitos foram popularizados principalmente pela Bblia de Scofield e se
disseminaram amplamente. Essa nova concepo premilenista apresenta uma filosofia
da histria da redeno prpria, na qual Israel desempenha o papel principal, e Igreja
cabe um papel de interldio. A Bblia dividida em livro do Reino e livro da Igreja. Ao
descrever o procedimento de Deus para com o homem na histria da redeno, elabora
uma sequncia de alianas e dispensaes (sete no total). Dependendo do programa
escatolgico deduzido desta concepo, possvel encontrar ideias de que haver duas
segundas vindas, duas ou trs (ou at quatro) ressurreies5 e tambm trs juzos, e a
existncia de dois povos de Deus (segundo alguns, separados eternamente, Israel
habitando na terra e a Igreja no Cu). A escatologia elaborada por essa concepo a
seguinte: a volta de Cristo iminente, podendo ocorrer a qualquer momento, pois no
4 Segundo nota da Bblia Scofield, dispensao um perodo de tempo durante o qual o homem provado
quanto obedincia a alguma revelao especfica da vontade de Deus. 5 Cf. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemtica. So Paulo: Editora Cultura Crist, 2007, p.654.
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h eventos preditos que devam preced-la (j que a evangelizao s naes
fracassar6). Todavia, sua vinda consistir em dois eventos distintos, separados um do
outro por um perodo de sete anos. Assim, primeiramente ocorrer a parousia, quando
Cristo aparecer nos ares para encontrar seus santos. Todos os fiis falecidos
ressurgiro, e os que estiverem vivos sero transformados e arrebatados nos ares para
celebrar as bodas do Cordeiro, e estaro para sempre com o Senhor. Enquanto Cristo e
sua Igreja (e com ela o Esprito Santo) estiverem ausentes da terra, haver um perodo
de sete anos (ou mais) dividido em dois pares, em que sucedero vrias coisas: o
Evangelho do Reino ser pregado pelos crentes judeus remanescentes, e resultaro
muitas converses. O Senhor retomar suas relaes com Israel. Na segunda metade
desse perodo de sete anos, haver uma tribulao sem precedentes; o Anticristo ser
revelado e parte da ira de Deus ser derramada sobre a humanidade. No fim dos sete
anos dar-se- a vinda do Senhor (segunda etapa, no para seus santos, mas com eles
para julgar as naes, Mt 25,35). Os fiis que morreram durante a grande tribulao
sero res suscitados7 (segunda ressurreio para os fiis); o Anticristo ser destrudo e
Satans ser preso por mil anos, quando ento ser estabelecido o reino milenar, um
reino concretamente visvel, terrestre e material, reino dos judeus, teocrtico e de
realeza davdica. O trono de Cristo ser estabelecido em Jerusalm, no Monte Sio, que
voltar a ser o local central de culto. Aps o milnio, Satans ser solto por um breve
lapso de tempo; ocorre a guerra entre Gog e Magog contra Jerusalm, porm esta vence
porque um fogo advindo do cu devorar seus inimigos. Aps esse curto perodo de
tempo, os mpios ressuscitaro para comparecer ao juzo perante o Trono Branco,
conforme Apocalipse 20,11-15. E ento haver novos cus e nova terra.
Essa uma viso geral da elaborao pr-milenarista; contudo, no de forma
alguma unvoca mesmo entre os que a professam. Conquanto ela procure abarcar todos
os temas e textos bblicos a respeito do fim dos tempos numa nica doutrina, no
consegue, entretanto, alcanar suficiente coeso e coerncia, de maneira que h
inmeras opinies, indefinies e incertezas entre os pr-milenistas.
Essa interpretao tem sido a mais influente na escatologia crist evanglica.
6 Neste ponto h divergncias: alguns crem que, para que haja o arrebatamento, antes necessrio haver a
reconstruo do templo judaico. 7 Aqui h uma juno com o livro de Apocalipse 20,5-6, que no entanto diverge do mesmo, j que o
Apocalipse fala apenas em duas ressurreies.
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Tempo atual Segunda vinda nos ares
Sete anos (3/5 + 3/5)
literal
Segunda vinda terrena
Milnio
2.2. Ps-milenismo
Afirma que o retorno de Cristo ser depois do milnio, o qual se espera para
durante (era crist) ou no fim da dispensao do Evangelho. Existem, ento, duas
formas tericas de interpretao ps -milenista: uma espera a realizao do milnio por
influncia sobrenatural do Esprito Santo, e a outra, por um processo natural de
evoluo.
Uma forma mais antiga de ps-milenarismo ocorreu entre alguns telogos
reformados da Holanda, que esperavam o milnio para as proximidades do fim do
mundo, imediatamente antes da segunda vinda de Cristo. Predominava entre eles a ideia
de que o Evangelho se propagaria gradativamente pelo mundo todo, tornando-se assim
muito mais eficiente e rico de bnos espirituais. Nesse tempo os judeus tambm
compartilhariam das bnos do Evangelho. Posteriormente, alguns telogos
reafirmaram esta viso dizendo que o milnio ser um perodo dos ltimos dias da
Igreja militante, quando, sob a influncia especial do Esprito Santo, o esprit o dos
mrtires reaparecer, a verdadeira religio ser grandemente revigorada e revivida, os
membros da Igreja de Cristo tomaro tal conscincia de seu poder em Cristo que
triunfaro sobre os poderes do mal de maneira jamais concebida. A idade de ouro da
Igreja ser ento seguida por um breve perodo de apostasia, um terrvel conflito entre
as foras do bem e as do mal, e pela ocorrncia simultnea do advento de Cristo, da
ressurreio geral e do juzo final.
Uma forma bem recente de ps-milenismo de um tipo bastante influenciado
por ideias modernistas8. Visto que o homem moderno pouco receptivo a ideias e
esperanas milenistas do passado, e pouco afeito dependncia de Deus, ele no espera
que uma nova era seja introduzida pela pregao do Evangelho juntamente com a obra
do Esprito Santo, muito menos como resultado de mudanas cataclsmicas. Antes,
8 Modernista aqui, refere-se ao pensamento atrelado ao cientificismo que permeou o Sc. XIX, o qual unido s descobertas da Cincia contestava dogmas e crenas religiosas tradicionais.
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acredita que o milnio vir pela evoluo que o prprio homem iniciar adotando uma
poltica construtiva de melhorar o mundo. Assim, o interesse no milnio est atrelado ao
desejo de uma ordem social em que se valorize a liberdade, a honra, a fraternidade
humana, a solidariedade e a justia social. Creem alguns que esta nova ordem
responsabilidade do homem pela f que Deus opera por seu intermdio. Dessa maneira,
o curso da histria progride por meio de lutas e evolues nas quais o homem empenha
habilidade e operosidade (empenho). Segue-se tambm que as molstias devero ser
curadas ou evitadas, os males sociais devero ser remediados pela educao e pela
legislao, as desgraas internacionais devero ser impedidas pelo estabelecimento de
novos padres e novos mtodos de tratamento, e nunca por uma aniquilao repentina.
Tempo Atual Milenismo
Apostasia Conflito bem X mal
Segunda vinda ressurreio geral
juzo final
Obs.: o ps -milenarismo no espera pelo arrebatamento como evento distinto.
2.3. Amilenismo
O amilenismo, na verdade, a negao de um milnio concreto e terreno. Antes
afirma que este simblico e diz respeito era da Igreja. Assim, aps a presente
dispensao seguir-se- imediatamente o Reino de Deus em sua forma consumada e
eterna, uma vez que o Reino de Cristo eterno e no temporal (cf. Is 9,7; Dn 7,14; Lc
1,33; Hb 1,8; 12,28; 2Pd 1,11; Ap 11,15); e ao se entrar no reino futuro entra-se num
estado eterno de vida e salvao (cf. Mt 21,22; 18,8-9; Mc 10,25-26). Portanto, aqui
tambm inexiste a crena no arrebatamento da igreja.
Tempo atual = milnio Segunda vinda; ressurreio geral; juzo final
3. O dispensacionalismo
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O dispensacionalismo o sistema doutrinrio que d as bases para a doutrina do
arrebatamento. Embora faa parte de uma corrente teolgica considerada ortodoxa por
aqueles que a seguem, recente em sua forma hegemnica. Os dispensacionalistas
costumam entender que tal sistema incorre num mtodo de interpretao das Escrituras:
em sua essncia, a convico de que as Escrituras devem ser interpretadas literalmente.
Deixam claro que as passagens metafricas no devem em princpio ser entendidas
literalmente, mas que, se o significado simples faz sentido, no se deve procurar
outro9; o que costumam chamar de literalismo coerente. Entretanto, isso muitas vezes
significa que a profecia interpretada de modo muito literal e, muitas vezes, com doses
considerveis de detalhes. Um exemplo patente o termo Israel, que sempre
compreendido como uma referncia a Israel como nao ou etnia, no como a Igreja.
Assim, as profecias do AT que ainda no se cumpriram no podem necessariamente
cumprir-se na Igreja crist, uma vez que esta e Israel so entidades distintas. bom
considerar que o uso do termo dispensacionalismo como sistema interpretativo bblico
no novo. Berkhof10, por exemplo, fala da teoria das trs dispensaes encontrada em
Irineu, a qual falava em trs alianas, sendo a primeira, a lei escrita no corao, a
segunda, a lei como mandamento externo dado no Sinai, e a terceira, a lei restabelecida
no corao pela operao do Esprito Santo; assim, portanto, cada aliana regia uma
dispensao. Outrossim, outros pais da Igreja tambm usaram algum tipo de sistema
dispensacional como recurso interpretativo, embora sejam considerados elementares (ou
no desenvolvidos) pelos prprios dispensacionalistas modernos. Esses, como no caso
de Darby e Scofield11 , propagam a existncia de sete dispensaes, sendo elas: a da
inocncia, a da conscincia (ou responsabilidade moral), a da promessa, a da lei, a da
graa e a do reino, sendo que dispensao um perodo de tempo durante o qual o
homem provado quanto obedincia a alguma revelao especfica da vontade de
Deus12. Segundo Frank E. Gaebelein13 se o homem tivesse preenchido todas as
condies necessrias na primeira dispensao, as outras seriam desnecessrias; porm,
o homem falhou e continuou a falhar a cada chance dada nas demais dispensaces, o
que demonstra o fracasso humano e a misericrdia divina.
9 ERICKSON, Millard J. Introduo teologia sistemtica. So Paulo: Vida Nova, 1997. 10 BERKHOF, Louis. Teologia sistemtica. So Paulo: Editora Cultura Crist, 2007, p. 270. 11 Bblia de Referncias Scofield . So Paulo: Sociedade Bblica do Brasil, 1986, p. 4. 12 GAEBELEIN, Frank E. In Exploring the Bible, p. 95, apud BERKHOF, Louis. Teologia Sistemtica. So
Paulo: Editora Cultura Crist, 2007 p. 269. 13 Apud BERKHOF, Louis. Teologia Sistemtica. So Paulo: Editora Cultura Crist, 2007. p.269.
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22
Em relao doutrina do arrebatamento coletivo, importante a teoria das
dispensaes para compreender a nfase dada na distino entre Israel e Igreja. Alguns
sustentam que Deus fez uma aliana incondicional com Israel, e suas promessas a este
no dependem do cumprimento de exigncias; antes, como povo especial, Israel
receber sua beno de uma forma ou de outra no fim de tudo. Israel como etnia, nao
e unidade poltica, jamais dever, portanto, ser confundido com a Igreja; por isso, no se
deve entender que as promessas feitas a Israel aplicam-se Igreja sendo nela cumpridas.
Compreendem que Deus interrompeu o tratamento especial dispensado a Israel quando
este rejeitou o Messias (Jesus), mas o retomar em algum ponto no futuro, quando Israel
mudar de atitude. Assim, as profecias no cumpridas acerca de Israel sero cumpridas
na prpria nao, e no na Igreja. Inclusive cr-se que a Igreja sequer mencionada nas
profecias do AT. A Igreja seria um parntese dentro do plano geral de Deus em seu
relacionamento com Israel. O milnio tem, portanto, um significado todo especial para
os dispensacionalistas, j que nesse perodo que Deus retomar seu relacionamento
com Israel; as profecias no cumpridas o sero nesse perodo, quando a Igreja j no
estar presente na terra, pois j ter sido arrebatada para os cus com Cristo, antes da
grande tribulao. Por isso, existe nessa crena a separao categrica entre o
arrebatamento e a segunda vinda de Cristo, como eventos distintos e cronologicamente
separados: o arrebatamento para a Igreja, e a segunda vinda principalmente para
Israel e tambm para aqueles que ficarem na grande tribulao (e se converterem). Esse
ponto de vista justifica o motivo de Israel passar pela grande tribulao: por causa de
sua rejeio ao Messias. Nesse aspecto, a grande tribulao um tempo de preparao
para a restaurao e a converso de Israel (cf. Dt 4,29-30; Jr 30,3-11; Zc 12,10), embora
seja considerado o Dia do Senhor, o dia da ira de Deus. Tambm por isso, somente aps
se conscientizarem desse fato que Israel adentrar o milnio, que ter um carter
completamente judaico. Quanto durao da tribulao, acreditam que ser de sete
anos, com um acirramento dos flagelos na metade do perodo. Tal durao baseada na
interpretao do livro de Daniel 9,24-27 e tambm em passagens do Apocalipse.
3.1. A hermenutica das Setenta Semanas de Daniel
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23
O conceito de grande tribulao e sua durao um assunto importante para o
ensino escatolgico dispensacionalista e retirado do livro de Dn 8,13, em conexo
com o tema das Setenta Semanas (9,24-27), uma tradio apocalptica antiga que parece
inclusive ter influenciado a expectativa apocalptica de Jesus, conforme encontramos
nos sinticos (cf. Mt 24,15). A Bblia Scofield14 possui em sua nota explicativa um
breve resumo do ensino escatolgico baseado em Dn 9,24-27.
A passagem proftica sobre as Setenta Semanas de Daniel usada como um
quadro cronolgico do estabelecimento do reino messinico sobre a terra, e tem
fornecido juntamente a base cronolgica dos eventos do fim. importante levar em
considerao que, para a leitura fundamentalista, o livro de Daniel datado da poca do
cativeiro babilnico (586 aEC), mencionado em 2Cr 36,17-21, e conforme Jr 25,11, em
que tal cativeiro deveria durar setenta anos. Daniel teria sido levado para a Babilnia no
incio do cativeiro e, quando da profecia do captulo 9, j estaria idoso. Dessa forma,
teria profetizado15 cerca de 500 anos antes da vida do Messias (Jesus).
A partir do v. 24 sublinha-se o endereamento da profecia ao povo de Daniel (ou
seja, o povo de Israel) e a sua cidade santa (Jerusalm) que tero o tempo de Setenta
Semanas, um tempo aps o qual cessar iam16 a transgresso, os pecados, a iniquidade e
para trazer a justia eterna, para selar a viso e a profecia, para ungir o Santo dos
Santos.
O perodo de Setenta Semanas (~y[ib.vi ~y[ibuv') em hebraico significa sete setenta (da direita para a esquerda). Na passagem, tal perodo
dividido em trs perodos menores: primeiro sete semanas; depois, 62 semanas e,
finalmente, uma semana. Assim, temos: 7 + 62 + 1= 70 semanas.
Segundo Scofield17, as Setenta Semanas da profecia so semanas de anos18, uma
importante medida de tempo sabtico do calendrio judeu. E foi a transgresso da
14 Bblia de Referncias Scofield . So Paulo: Sociedade Bblica do Brasil, 1986, p. 863-864. 15 A leitura fundamentalista no considera os aspectos de profecia ex eventum , nem a pseudepigrafia,
caractersticas comuns nos escritos apocalpticos dos dois sculos anteriores Era Crist, poca em que a escola liberal histrico-crtica costuma datar o livro de Daniel.
16 A ideia de cessar a transgresso, o pecado e a iniquidade dificilmente interpretada de outra maneira que no no horizonte do sacrifcio expiatrio de Cristo.
17 Bblia de Referncias Scofield . So Paulo: Sociedade Bblica do Brasil, 1986, p. 864. 18 Na verdade o tema das semanas de anos encontrado em outros escritos apocalpticos, por exemplo, o
livro de Enoque; segundo P. Grelot, tem a ver com as especulaes com os nmeros sete e dez, uma vez que setenta anos a transformao de dez periodos sabticos de sete anos em dez perodos jubilares de 49 anos. Ver GRELOT, P. O Livro de Daniel. So Paulo: Paulus, 1995.
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24
guarda do ano sabtico inteiro que trouxe o juzo do cativeiro babilnico e determinou
sua durao em setenta anos (cf. Lv 25,1-22; 26,33-35; 2Cr 36,19-21; Dn 9,2). A
passagem de Gn 29,26-28 usada para reforar a ideia de que semana indica sete
anos. Portanto, Setenta Semanas equivale a 490 anos. E esses 490 anos profticos tm
cada um 360 dias, uma vez que os meses so de 30 dias (cf. uso no livro de Gnesis)19.
Conforme McClain20, o incio do perodo total de Setenta Semanas fixado no
v.25: desde a sada da ordem para restaurar e para edificar a Jerusalm, e o fim do
perodo ser marcado pela apresentao do Messias, o Prncipe de Israel. Deve-se levar
em conta que dois prncipes diferentes so mencionados: o primeiro se chama Messias,
o prncipe (v. 25), e o segundo descrito como prncipe que h de vir (v. 26). Ento,
por essa leitura, o incio refere-se ao decreto dado a Neemias para restaurar e para
edificar Jerusalm e seus muros, cuja data 445 aEC (cf. Ne 2,1), e a partir desta data as
primeiras 69 semanas (o mesmo que 483 anos) chegam at o Prncipe Ungido que,
conforme acreditam, refere-se a Jesus, o Messias que ser morto. Ento, novamente o
santurio e a cidade sero destrudos pelo povo do outro prncipe (que h de vir), o
que se refere ao povo romano e seu imperador, que em 70 EC destruiu Jerusalm.
Portanto, esses dois acontecimentos so postos imediatamente antes da septuagsima
semana. Essa ltima semana, que conforme a contagem refere-se aos ltimos sete anos,
o tempo em que ocorre uma aliana da nao de Israel com o prncipe vindouro. Tal
aliana dura apenas metade da semana, e a violao do tratado faz cessar o sacrifcio
judaico e precipita sobre o povo de Israel um tempo de ira e desolao, que durar at o
fim da semana (v. 27). Portanto, assim como os acontecimentos relacionados a essa
ltima semana no ocorreram ainda, e uma vez que Cristo cita estes acontecimentos
relacionando-os a sua segunda vinda (Mt 24,6.15), esta ltima semana aguardada para
o futuro. E o intervalo que fica entre a sexagsima nona at a septuagsima semana
considerado o perodo da Igreja, uma lacuna proftica que ocorre devido rejeio do
povo de Israel ao Messias (Jesus) e sua aceitao pelos gentios. Quando o perodo da
Igreja acabar, ento a ltima semana ter incio para selar o cumprimento da profecia.
Essa interpretao, que atribui a ltima semana ao fim dos tempos, comeou com os
pais da Igreja. Scofield lembra que Irineu, por exemplo, coloca o aparecimento do
19 MCCLAIN, Alva J. A profecia das Setenta Semanas de Daniel . So Paulo: Imprensa Batista Regular do
Brasil, 1976, p. 18, procurar comprovar os trinta dias pela passagem sobre o dilvio de Gn 7,11. 20 Ibid. p. 21.
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25
Anticristo nesta ltima semana, afirmando que a tirania do Anticristo durar exatamente
meia semana21 (trs anos e seis meses).
Portanto, partindo de Dn 9,24-27 possvel perceber de onde provm a base
para a sustentao do perodo de grande tribulao pelo qual passar o povo de Israel, e
do qual a Igreja estar livre (pelo arrebatamento) de acordo com o dispensacionalismo.
4. A crena no arrebatamento segundo o dispensacionalismo
O arrebatamento coletivo ou secreto abordado nesta dissertao o translado ou
rapto dos fiis cristos aos cus para junto de Cristo antes da tribulao e do milnio,
por isso denominada pr-milenista dispensacionista e pr-tribulacionista. uma
interpretao bblica bastante popular, especialmente nos crculos evanglicos
tradicionais, conservadores, pentecostais e independentes; portanto, em termos de
abrangncia numrica a que prevalece. divulgada principalmente em literaturas,
filmes e sites.
Como vimos, a caracterstica principal para que um sistema doutrinrio seja
considerado pr-milenista o anncio de um reino terrestre de Cristo que ser
estabelecido antes de sua vinda. Entretanto, importante nessa interpretao levar em
conta que o evento arrebatamento distinto da segunda vinda de Cristo. E embora a
ideia de milnio provenha principalmente de Apocalipse 20 (em que descrito o reino
milenar de Cristo, quando haver perfeita paz, retido e justia entre os homens), no AT
profetas como Isaas (11,6,7; 65,25) profetizaram acerca de um perodo de reinado
messinico sobre a terra, o que sugere que esta crena crist possui resqucios de uma
tradio antiga. A maioria dos dispensacionalistas (mas no todos) acredita que tal reino
ser literalmente de mil anos. Nesse perodo Cristo estar presente fisicamente sobre a
terra. A instaurao do reino ser de modo dramtico e cataclsmico, conforme Mt
24,12, e com fenmenos csmicos, perseguio e grande sofrimento, aps o esfriamento
da f de muitos e a grande tribulao, que h de ressaltar os efeitos do milnio que o
21 Esta meia semana aparece como tempo, dois tempos e metade dum tempo (Dn 7,25; Ap 12,14),
quarenta e dois meses (Ap 11,2; 13,5) ou 1260 dias (Ap 12,6), tempo frequentemente identificado com a tribulao.
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26
suceder. Entretanto, como o dispensacionalismo no unvoco, como j dissemos, em
relao grande tribulao, h quem creia que a Igreja ser arrebatada antes; outros, que
ela passar pela metade do perodo da tribulao; e h ainda os que creem que a Igreja
ser arrebatada no fim da tribulao. Contudo, a nfase desta dissertao recai sobre o
arrebatamento pr-milenista, pr-tribulacionista e dispensacionalista, como j
mencionado, no qual a Igreja poupada da grande tribulao.
Dessa maneira, a interpretao feita sobre Apocalipse 20 literal e coerente22,
segundo alegam. Entendem que as duas ressurreies dessa passagem so do mesmo
tipo, mesmo porque o verbo usado o mesmo (e;zhsan, viveram), e atingem dois
grupos diferentes no intervalo de mil anos, sendo que os participantes da primeira
ressurreio no passaro pela segunda, uma vez que por esta s o restante dos mortos
que no reviveram (antes do milnio) passaro.
Esta interpretao pr-milenista refora bastante a ideia de que a grande
tribulao tempo de dificuldades e convulses sem precedentes, incluindo distrbios
csmicos, perseguies e grande sofrimento, preceder o milnio, conforme os sermes
profticos dos evangelhos sinticos e tambm segundo entendem no prprio
Apocalipse23.
4.1. Os textos em que se apoia
Vimos que o modo fundamentalista de interpretar a bblia bastante literalista e
d muita importncia s Escrituras como livro histrico e proftico. A veracidade da
Bblia a veracidade da histria e de tal modo assim que todo o discurso dessa
corrente est fatalmente caracterizado pelo antigo costume de apoiar cada fala com
quantas citaes bblicas forem possveis. Com o rapto coletivo no diferente.
Conquanto o termo a`rpa,zw (rapto) usado nesse sentido seja encontrado
apenas em 1Ts 4,13-182 4, os defensores de tal doutrina citam 26 textos bblicos para
22 H certa insistncia quanto a uma hermenutica literal e coerente por parte dos dispensacionalistas. Ver
ICE, Thomas. Entendendo o dispensacionalismo. Porto Alegre: Actual Edies, 2004, p. 23-24; A verdade sobre o arrebatamento. Porto Alegre: Actual Edies, 2001, p. 21-22.
23 Segundo GROMACHI, Robert, apud ICE, Thomas. A verdade sobre o arrebatamento (p. 61), a ausncia da Igreja em Ap 4-19 indicao de que ela no estar presente na tribulao.
24 O fato de um termo estar ausente na Bblia no significa que a realidade por ele apontada no esteja l;
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27
apoiar tal ensino. So eles: Mt 24,40-41; Lc 17,34-36; Jo 14,1-3; Rm 8,19; 1Cor 1,7-8;
15,51-53; 16,22; Fl 3,20-21; 4,5; Cl 3,4; 1Ts 1,10; 2,19; 4,13-18; 5,9; 5,23; 2Ts 2,1;
1Tm 6,14; 2Tm 4,1.8; Tt 2,13; Hb 9,28; Tg 5,7-9; 1Pd 1,7.13; 5,4; 1Jo 2,28-3,2; Jd 21;
Ap 2,25; 3,1025.
5. Quais as principais implicaes da crena
Podemos abordar este tema sob dois pontos de vista: o dos seguidores da
doutrina e o dos que no a seguem.
Segundo os defensores do arrebatamento como doutrina bblica, tal crena
pretende promover basicamente trs atitudes comportamentais na vida dos cristos:
1) A santidade crist: uma vez que o arrebatamento iminente e imprevisto, os
cristos devem buscar a santidade e a pureza para poder fazer parte dele.
2) O evangelismo: cada dia visto como uma oportunidade para ganhar almas.
Ice cita a seguinte frase de Tim Lahaye2 6:
Surge uma igreja evangelstica constituda de crentes ganhadores de almas,
pois quando cremos que Cristo pode aparecer a qualquer momento,
procuramos falar sobre Ele com nossos amigos, para que estes no fiquem
para trs quando Ele vier.
Afirma ainda que milhares de pessoas chegaram f em Cristo como resultado
de esforo evangelstico motivado pela profecia bblica, e tambm de livros como A
agonia do grande planeta Terra, de Hal Lindsey.
3) A prtica de misses: os adeptos dessa corrente acreditam que a iminncia do
arrebatamento desenvolve e incentiva a viso missionria. Em citao a Timothy
entretanto, muitas das referncias citadas possuem interpretao duvidosa e at forada.
25 Esta lista foi baseada no livro de ICE, Thomas. A verdade sobre o arrebatamento. Porto Alegre: Actual Edies, 2001, p. 48.
26 LAHAYE, Tim. No Fear of the Storm , p. 18.
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28
Weber27, Ice28 relata que a crena no arrebatamento tem sido um grande incentivo para
as misses nos ltimos 150 anos.
Por outro lado, as implicaes da crena no arrebatamento coletivo, segundo
seus opositores, so muitas e bastante negativas. O dispensacionalismo pr-milenista
considerado uma posio interpretativa e tambm um guia de conduta religiosa; por
isso, sua representao, mesmo que em termos de fico, tem chamado bastante a
ateno de acadmicos, sejam eles analistas religiosos, sociais, culturais e mesmo
polticos.
A srie de fico Left Behind tem sido, nos ltimos anos, a representao
por excelncia dessa crena. Seu contedo itera as interpretaes anteriores, bem como
atualiza seu mapeamento na sociedade moderna, e tem sido divulgado por todo o
mundo. Sua leitura bblica apela para ameaas de terrorismo, Armagedon nuclear,
suspeitas nacionalista de organizaes internacionais, comrcio nacionalista, unificao
da moeda e diferenciao religiosa.
Como a leitura pr-milenista dispensacionalista enfatiza os textos bblicos que
mencionam profeticamente dramas csmicos como catstrofes, guerras, fome e
destruio sobre a Terra, tanto a srie quanto os adeptos dessa crena so acusados de
promover e disseminar o medo para, por seu intermdio, buscar atingir objetivos
proselitistas. Sua cosmoviso fatalista e determinista com relao ao fim dos tempos
est baseada na ideia de que a Bblia a histria escrita antecipadamente; isso faz com
que todas as catstrofes, guerras, fome e destruio sejam vistas como necessrias ao
cumprimento de profecias. Semelhante viso demonstra uma postura cnica em relao
ao sofrimento humano. Seus adeptos frequentemente acham intil lutar contra as
guerras, a fome, a desigualdade, ou mesmo apoiar quem o faa. Tal atitude ignora os
milhares de inocentes envolvidos, e por isso tem sido vista como egosta e calcada numa
f individualista, corporativa e etnocentrista, onde a maior preocupao reside no
indivduo e seus entes queridos em detrimento dos demais. So, muito frequentemente,
apegados a ideologias conservadoras. Tambm sua forma de polarizar o mundo entre
sagrado x secular, salvo x condenado, crente x incrdulo, tem promovido grandemente o
preconceito em relao ao diferente. Expe uma postura histrica dualista, moralista e
27 TIMOTHY, P. Weber. Living in the Shadow of the Second Coming: American Premillennialism, 1875-
1982. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1983, p.81. 28 ICE, Thomas. A verdade sobre o arrebatamento. Porto Alegre: Actual Edies, 2001, p.75.
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29
sectria. Talvez a maior preocupao dos opositores dessa corrente doutrinria
relacione-se ao campo poltico. Afinal, seu franco apoio nao de Israel e oposio a
palestinos e rabes tem influenciado grandemente o preconceito contra tais povos. E
como a divulgao dessa doutrina, bem como seu seguimento, provm e campeia nos
EUA, ela tem servido no s para apoiar e incentivar as guerras no Oriente Mdio,
como tambm para figur-las como necessrias. Isso decorre da importante posio dos
EUA no cenrio internacional. Naturalmente, como esse tipo de crena bastante
popular nos EUA e tambm tem sido exportada para o mundo, da mesma forma sua
cosmoviso e conduta religiosa tem influenciado seus adeptos em outros pases.
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30
CAPTULO II
2. O surgimento da doutrina do arrebatamento da Igreja
2.1. Origens nos EUA
O arrebatamento pregado, crido e atribudo aos moldes paulinos (nas cartas de 1
Tessalonisenses e 1 Corntios) esteve presente na agenda escatolgica da maior parte da
Igreja crist, principalmente nos ltimos sculos (XIX e XX). Nas alas
fundamentalistas, sob influncias advindas das inquietaes e questionamentos sobre as
proximidades do ano 2000, favoreceram-se as crenas escatolgicas e um constante
reforo de doutrinas das quais o arrebatamento um exemplo. Portanto, no por acaso,
recentemente a srie de livros Left Behind (Deixados para trs), de Tim LaHaye e Jerry
B. Jenkins, que narra os ltimos dias na Terra aps o arrebatamento da Igreja de Cristo,
pretensamente baseada nos eventos descritos no Apocalipse de Joo, vieram a tornar-se
best-sellers2 9. Deixados para trs tornou-se uma das sries de fico (crist) mais lidas
no mundo. A srie de livros, que teve incio em 1995, vendeu mais de 70 milhes de
exemplares e foi publicada em 34 idiomas. Trs filmes tambm foram produzidos sobre
a srie, como tambm jogos digitais e outros produtos. Sucesso de vendas3 0, a srie
tambm alvo de pesadas crticas, tanto da parte de cristos quanto de cticos. A histria
rene fico crist, ao e suspense, com lances de alta tecnologia. O tema principal o
final dos tempos.
Para esta dissertao, interessante notar como so feitas as interpretaes e
leituras das principais passagens das Escrituras relacionadas escatologia. A srie, por
exemplo, inicia-se com o arrebatamento da Igreja, seguido pela ascenso do Anticristo,
Tribulao etc. Assim, como afirmam os autores, procura seguir a ordem de
acontecimento do Apocalipse de Joo, embora neste livro inexista a ideia de
29 Os livros da srie chegaram a figurar nas listas de best- sellers do New York Times. 30 O faturamento da srie j ultrapassou a casa dos 300 milhes de dlares.
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31
arrebatamento coletivo; so feitos, portanto, arranjos interpretativos e ordenados, de
forma que os acontecimentos obedeam a uma lgica sequencial e bblica.
Esta suposta lgica sequencial, quando analisada a fundo, expe as
irreconciliveis escatologias paulina e joanina, o que para leituras superficiais parece
no levantar grandes problemas.
De qualquer forma, o impacto da srie e do filme fez com que surgissem vrias
discusses e questionamentos ao porqu da bem-sucedida empreitada editorial e
cinematogrfic a. Para alguns, o gnero literrio se assemelha ao de outros escritores
americanos que escrevem sobre espionagem militar, horror, fantasia, fico cientfica
etc., e que tm vendido centenas de milhares de exemplares. Portanto, a srie seria mais
uma que no ramo de entretenimento ficcional seduz pelo ritmo, ao e suspense. Para
outros, em vez disso, o sucesso provm da forma como trata da interpretao bblica
literalista: um pr-milenarismo dispensacional, pr-tribulacionista e fundamentalista
conformado crena sobre o fim dos tempos que predominou nos ltimos tempos nos
EUA e, por que no dizer, em grande parte do continente americano. Argumentam
inclusive que na Europa, onde o dispensacionalismo no ganhou fora, a srie tambm
no teve muito xito. Na verdade, como os prprios autores reconhecem, embora seja
fico, a srie foi escrita para refletir a vida e a crena de milhares de cristos
(fundamentalistas). A realizao do filme e as tcnicas cinematogrficas usadas
acabaram, ao que parece, por tornar uma antiga crena mais verossmil do que nunca.
No interesse desta dissertao, contudo, a doutrina do arrebatamento no pode
ser analisada em separado, visto estar atrelada a ensinos escatolgicos extrados da
Bblia que, ao longo da histria, tiveram e tm vrias interpretaes e enfoques. Um dos
caminhos a seguir, para que entendamos a origem da crena no arrebatamento da Igreja
nos moldes descritos acima, analisar o fundamentalismo surgido nos Estados Unidos a
partir do sculo XIX.
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32
2.2. Fundamentalismo e dispensacionalismo nos EUA
Deve-se, antes de mais nada, salientar que fundamentalismo aqui significa
aquela reao ou contra-ofensiva ao modernismo e ao liberalismo31 que fizeram parte do
protestantismo no incio do sculo XIX. O fundamentalismo surgiu ento com o intuito
de renovar o protestantismo. Esse esclarecimento importante na medida em que a
palavra fundamentalismo tem obtido nos ltimos tempos muitos significados, como por
exemplo, todo tipo de opinio conservadora, seja poltica ou religiosa, ou pessoas que
defendem uma posio com entusiasmo e veemncia. No entanto, o fundamentalismo
no que tange interpretao bblica principalmente aquele que se ope aos mtodos
histricos -crticos como ferramentas para se fazer teologia a partir de textos bblicos.
Tal reao pode ser localizada entre 1909 e 1915, com a publicao nos Estados
Unidos de uma srie de textos, numa revista com edio superior a trs milhes de
exemplares, sob o ttulo The Fundamentals a Testimonium to the Truth (Os
fundamentos um testemunho em favor da verdade). Os fundamentos eram, portanto,
contedos de f, verdades absolutas e intocveis que deveriam ficar imunes cincia e
relativizao da verdade bblica por meio do mtodo histrico-crtico. Os temas
principais eram a inspirao verbal e literal, a divindade e o nascimento virginal de
Jesus, seu sacrifcio expiatrio e vicrio, sua ressurreio corporal, a segunda vinda de
Cristo Terra com sinais apocalpticos, ou o retorno para um reino milenar e
intermedirio etc. O movimento se espalhou para outros pases e continentes
combatendo ideias pluralistas positivistas, relativistas, historicistas e antiautoritaristas,
caractersticas da modernidade.
Para se entender como a crena no arrebatamento tomou fora a partir da reao
fundamentalista, preciso levar em conta ensinos como o do dispensacionalismo, que se
popularizou tambm a partir do sculo XIX.
31 Tanto o pensamento modernista como o liberal comearam a vigorar nas universidades e faculdades de
teologia dos EUA por influncia alem. O modernismo submetia a Bblia critica histrica radical questionando antigos dogmas bblicos a partir de novos descobrimentos das cincias. O liberalismo teolgico acreditava, entre outras coisas, que haveria progresso da sociedade humana atravs da cincia at instaurar -se o Reino de Deus na Terra, portanto, no por meio de interveno divina. Ver NOGUEIRA, Paulo A. de Souza. Leitura bblica fundamentalista no Brasil. In: Revista Caminhando 10, v. 7, 2002, p. 31-49.
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33
O dispensacionalismo um sistema teolgico ou, pode-se dizer, um mtodo de
interpretar a Bblia atribudo a John Nelson Darby (1800-1882), participante e lder do
movimento dos Irmos Livres de Plymouth3 2, movimento este que surgiu na Irlanda e
Inglaterra no incio do sculo XIX. A partir de Darby e, posteriormente, por meio da
Biblia de Referncias Scofield e de Conferncias Bblicas de Vero (como as de
Niagara, Northfield e Winona) o dispensacionalismo foi largamente disseminado.
Pode-se definir o dispensacionalismo como um sistema teolgico segundo o qual
a segunda vinda de Jesus Cristo ser um acontecimento no mundo fsico, e envolver o
arrebatamento da Igreja antes de um perodo de sete anos de tribulao, aps o qual
ocorrer a batalha do Armagedon e o estabelecimento do reino de Deus na Terra. Ele
apresenta duas distines bsicas: 1) uma interpretao consistentemente literal das
Escrituras, em particular da profecia bblica; 2) a distino entre Israel e a Igreja no
programa de Deus. A teologia dispensacionalista acredita que h dois povos distintos de
Deus: Israel e a Igreja. Acreditam que a salvao foi sempre pela f (em Deus no Antigo
Testamento; especificamente em Deus Filho no Novo Testamento). Afirmam, ainda,
que a Igreja no substituiu Israel no programa de Deus, e que as promessas do Antigo
Testamento a Israel no foram transferidas para a Igreja. Creem que as promessas feitas
por Deus a Israel no Antigo Testamento sero cumpridas no perodo de mil anos de que
fala Ap 20. Creem, ainda, que Deus, da mesma forma como concentra sua ateno na
Igreja nesta era, novamente, no futuro, concentrar sua ateno em Israel (Rm 9-11).
Os dispensacionalistas entendem que a Bblia est organizada em sete
dispensaes: Inocncia (Gn 1,13,7), Conscincia (Gn 3,88,22), Governo Humano
(Gn 9,111,32), Promessa (Gn 12,1 Ex 19,25), Lei (Ex 20,1 At 2,4), Graa (At 2,4
Ap 20,3) e Reino Milenar (Ap 20,420,6). Estas dispensaes no so caminhos para a
salvao, e sim maneiras pelas quais Deus interage com o homem num determinado
perodo de tempo. O dispensacionalismo como sistema resulta em uma interpretao
pr-milenar da segunda vinda de Cristo, e geralmente de uma interpretao pr-
tribulacional do arrebatamento. A palavra dispensao deriva de um termo latino que
significa administrao ou gerncia, e se refere, portanto, ao mtodo divino de lidar com
a humanidade e de administrar a verdade em diferentes perodos de tempo.
32 O movimento tinha como objetivo voltar aos princpios bblicos e defendia ideias como a completa rejeio do clericarismo, o sacerdcio universal dos santos, liberdade para partir o po sem a presena de um sacerdote devidamente diplomado para oficiar a Ceia do Senhor, igrejas autnomas com liderana local composta por presbteros (liderana plural) etc.
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34
Assim, pelo fato de surgimento e ascenso do dispensacionalismo ter em
ocorrido de forma paralela ao movimento fundamentalista, aquele passou a ser
virtualmente, em muitos casos, a teologia oficial do fundamentalismo. Na verdade, o
que ocorreu foi que, aps Darby ter desenvolvido o pensamento dos Irmos de
Plymouth e com ele a interpretao dispensacionalista, outros escritores, entre eles
Cyrus Ingerson Scofield, contriburam para disseminar tal interpretao. bastante
provvel que a popularizao mais eficaz do dispensacionalismo tenha emanado da
Bblia de Referncias Scofield, j que os leigos contavam com poucas bblias de
referncias no incio do sculo XX. Contudo, os institutos bblicos (muitos tornaram-se
faculdades posteriormente) tambm tiveram sua participao na divulgao do
dispensacionalismo. Conforme Millard33 , muitas congregaes fundamentalistas que
anteriormente foram parte de grandes denominaes, recebiam seus ministros, direta ou
indiretamente, dos seminrios daquelas denominaes; entretanto, quando apareceram
indicaes de desvios doutrinrios (influncias modernistas e liberalistas) nestes
seminrios, as igrejas comearam a receber seus ministros dos institutos bblicos. E
estes eram, quase sem exceo, dispensacionalistas. Alguns institutos bblicos
evoluiram para faculdades bblicas e depois para faculdades crists de filosofia e letras;
por exemplo, o Instituto Bblico de Providence veio a ser a Faculdade Bblica de
Providence-Barrington, e depois a Universidade de Barrington. O Instituto Bblico de
Los Angeles veio a ser a Faculdade Biola, mas tambm deu origem ao Seminrio
Teolgico Talbot. O Seminrio de Dallas3 4 passou por um processo semelhante, e seu
principal fundador, Lewis Sperry Chafer35, teve um grande peso na disseminao do
dispensacionalismo. Dessa forma, os estudantes para o ministrio no tinham de
escolher entre uma educao de seminrio e uma educao teolgica totalmente
evanglica. Alguns obtinham sua educao pr-graduada num instituto bblico, e depois
iam para um seminrio dispensacionalista tal como Dallas, Talbot, Grace ou Batista
Conservador do Oeste.
importante considerar, portanto, que, o dispensacionalismo surgiu em meio ao
desenvolvimento da alta crtica e suas pressuposies racionalistas que anulavam os
33 MILLARD, J. Erickson. Opes contemporneas na escatologia: um estudo do milnio. So Paulo:
Edies Vida Nova, 1991. 34 O seminrio de Dallas tornou-se o centro do dispensacionalismo at os dias de hoje, e muitos de seus
professores so conhecidos por literaturas divulgadas em vrias lnguas; entre eles: Merrill Unger, Dwight Pentecost, Norman Geisler, Hal Lindsey e Charles Swindoll.
35 Lewis Sperry Chafer (1871-1952), professor presbiteriano e discpulo de Scofield, publicou uma obra dispensacionalista sistematizada em oito volumes.
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35
eventos sobrenaturais da Bblia. Disso decorre que o dispensacionalismo acabou por
enfatizar uma interpretao literalista da Bblia a tal ponto que no-literal tornou-se
sinnimo de liberal. A compreenso da poca pode ser assim resumida:
fundamentalismo implica em dispensacionalismo, e dispensacionalismo implica em
ortodoxia; portanto, para se fazer a interpretao correta da Bblia preciso abraar os
mtodos dispensacionalistas. Uma literatura que veio a ser til para tanto foi a
publicao da Bblia de Referncias Scofield, que mencionarei a seguir.
A doutrina do arrebatamento da Igreja, como j foi dito, no est dissociada de
um contexto maior (a escatologia), a qual foi e assunto importantssimo para a leitura
fundamentalista-dispensacionalista da Bblia. em tal leitura que o arrebatamento
levado em conta, j que no ps -milenarismo e no amilenarismo ele no tem tanta
importncia. O arrebatamento secreto, como alguns preferem dizer, na verdade o
prximo evento iminente a ter lugar na crena pr-milenarista; portanto, bastante
enfatizado nesse meio. Sua origem adveio principalmente da distino feita por Darby
entre o plano de Deus para Israel e o plano de Deus para a Igreja: afinal, se Deus deve
cumprir literalmente suas antigas promessas a Israel, a Igreja tem de ser removida antes
disso, para dar condies a que os dois planos se integrem na plena realizao do reino
milenar. nessa lgica que o arrebatamento da Igreja antes da tribulao (pr-
tribulacionismo) tanto polmico quanto enfatizado.
2.3. A Bblia de Referncias Scofield
Essa Bblia foi publicada com anotaes no rodap de suas pginas feitas por
Cyrus Ingerson Scofield, que sentiu a necessidade de esclarecer passagens difceis de
entender. Scofield nasceu em Michigan, em 1843, converteu-se em 1879 e foi ordenado
pastor em 1883. Era advogado e no possua formao teolgica; contudo, foi
discipulado por James Hall Brookes3 6, considerado pai do dispensacionalismo
americano. Aps anos (cerca de 30) de dedicao criao de notas explicativas da
Bblia, e contando com a ajuda de vrios pastores convidados, publicou em 1909 a
Bblia de Referncia Scofield. Tal fato contribuiu grandemente para a propagao do
36 James Hall Brookes escreveu o livro Maranatha, onde fazia uso da perspectiva dispensacionalista da
profecia, nos idos de 1870.
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36
ensino dispensacionalista que, por parte de Scofield, veio da assimilao dos ensinos de
John Newton Darby37. A Bblia Scofield que usou a verso do texto ingls de King
James, reeditada em 1917 e revisada em 1967, e da lngua inglesa foi traduzida para
outras lnguas. Em espanhol, foi publicada em 1960, a partir da verso revisada de
Casiodoro de Reina (1569); em portugus, especificamente no Brasil, foi editada em
1983 a partir de verso de Joo Ferreira de Almeida, e chegou quarta edio em
19933 8. Devido a sua praticidade, tornou-se bastante popular no sculo XX, inclusive no
meio pentecostal, que provavelmente tambm o maior divulgador da corrente
escatolgica dispensacionalista atualmente. Os ensinos da Bblia de Referncia Scofield
so bastante criticados atualmente por correntes escatolgicas que dela divergem, por
exemplo, a corrente reformada, embora tenha surgido em seu mbito; por outro lado,
so fortemente divulgados por seus adeptos. Assim, afora a controversa interpretao
dispensacionalista da Bblia Scofield, esta refora crenas fundamentalistas crists como
a infalibilidade das Escrituras, a divindade, humanidade e ressurreio de Cristo e o
juzo final, alm de pressupor a unidade intrnseca das Escrituras como revelao da
histria gradual e contnua da redeno humana e a inspirao divina como fonte ltima
de harmonia revelacional; enfim, v Cristo como centro da Escritura. Crenas estas que
atraem muitos fundamentalistas.
Outras literaturas podem ser citadas como divulgadoras do dispensacionalismo.
Primeiramente nos EUA, os livros Maranatha (1870) de James Hall Brookes; Jesus is
Coming (1878) de William E. Blackstone39 , e A agonia do grande planeta Terra (1970),
de Hal Lindsey. Estes dois se tornaram best-sellers em suas pocas e foram traduzidos
em diversas lnguas.
37 Darby foi um destacado aluno do pastor presbiteriano Edward Irwing (1792-1834). Quando de sua morte,
deixou vasta obra escrita, constituda de 40 volumes (quatro exclusivamente sobre profecias). A partir dessa obra o sistema dispensacionalista difundiu- se no mundo de fala inglesa.
38 Em 2009, uma nova edio foi feita no Brasil. 39 Blackstone (1841-1935), um protestante de confisso metodista, foi um magnata americano do ramo
imobilirio. Em 1878, participou da Conferncia de Niagara, cujo tema era o retorno dos judeus Palestina, na qual decidiu tornar-se um engajado restauracionista motivado pela viso dispensacionalista. Na Conferncia Sionista de 1918, realizada em Filadlfia, Blackstone foi aclamado como o Pai do Sionismo.
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37
2.4. No Brasil
2.4.1. Livros americanos de impacto no Brasil
O Brasil sempre sofreu influncia norte-americana direta nas doutrinas crists
protestant es e evanglicas fundamentalistas. Em termos de literatura, tanto a Bblia de
Referncia Scofield quanto os dois ltimos livros mencionados tiveram ampla aceitao
no Brasil.
O livro A agonia do grande planeta Terra foi, nas dcadas de 70 e subsequentes,
muito lido no Brasil; suas especulaes escatolgicas sobre o fim dos tempos, imbudas
de interpretaes pr-milenaristas, dispensacionalistas e patriticas (comuns aos
americanos) levou a milhares seu ponto de vista. Outros livros de cunho escatolgico
que tiveram bastante repercusso no Brasil foram os do autor Wim Malgo, fundador da
Obra Missionria Chamada da Meia-Noite; entre livros e livretos encontra-se O
arrebatamento: o que e quando acontecer, O controle total: 666, O Apocalipse de
Jesus Cristo etc.
2.4.2. Resenha dos livros citados acima
O livro A agonia do grande planeta Terra, de Hal Lindsey, explora o profundo
desejo humano de conhecer o futuro. Entre inmeros profetas e profecias modernas, o
livro se diz a voz autntica, pois estaria baseada nos profetas e profecias bblicas, as
quais tm dado testemunho atravs do tempo de serem verdadeiras. Escrito nos tempos
da Guerra Fria, o autor interpreta os livros profticos bblicos principalmente luz da
realidade poltica e econmica da poca. A Rssia, por exemplo, Gog, o inimigo que
vem do Norte em Ezequiel 38. O livro acabou por ficar desatualizado, uma vez que o
cenrio mundial mudou completamente e suas profecias no se cumpriram a contento.
O arrebatamento: o que e quando acontecer, de Wim Malgo, na verdade
um livreto vendido na atualidade que procura esclarecer questes ligadas ao
arrebatamento, uma vez que um assunto misterioso, tratado em poucos trechos da
Bblia.
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38
O controle total: 666, de Wim Malgo, procura mostrar de maneira
compreensvel o estgio avanado em que o mundo se encontra em relao era
anticrist sem perceb-lo. Ao mesmo tempo, a Igreja de Jesus seriamente exortada a se
preparar para o momento do arrebatamento. Alm disso, Wim Malgo no somente se
refere ao nmero da besta, 666 que aparece com frequncia sempre maior, mas
tambm esclarece o seu significado. Trata-se de um nmero do homem, e todos os que
adorarem a besta aceitaro esse sinal. Seis o nmero do homem, que foi criado no
sexto dia. O sete o nmero da perfeio divina. O nmero seis, um aps o outro, fala
de esforo e trabalho para atingir a perfeio, enquanto o sete mostra descanso divino. O
nmero 666, ento, expressa a desesperada tentativa do diabo de ser como Jesus Cristo.
O Apocalipse de Jesus Cristo, tambm de Wim Malgo, um comentrio que
incentiva o cristo a esperar pela vinda de Cristo.
Essas literaturas descritas acima tm a semelhana de serem de fcil e rpida
leitura, o que naturalmente atrai os leitores.
2.4.3. Autores brasileiros importantes na escatologia
Como vimos, os livros de autores nacionais que versam sobre escatologia sofrem
de dependncia doutrinria de livros norte-americanos; os que no so declaradamente
dispensacionalistas apresentam apenas os possveis pontos de vista escatolgicos
existentes. Em 1921, por exemplo, houve a publicao do livro Maranata, de Alfredo
Borges Teixeira (pastor presbiteriano), que defende a posio pr-milenarista. De
qualquer forma, os poucos que existiram eram em nmero extremamente reduzido, em
sua maioria tradues de obras americanas ou estrangeiras. Hoje encontramos livros de
cunho escatolgico mais facilmente. Podemos citar como exemplo o livro de
escatologia de Russell Shedd que apenas explica a doutrina escatolgica; embora o
autor seja pr-milenista, no defende categoricamente sua posio. Talvez as literaturas
escatolgicas nacionais que maior impacto tm alcanado nos ltimos tempos sejam as
da vertente pentecostal, como por exemplo O plano divino atravs dos sculos, de Nels
Lawrence Olson, publicado pela CPAD, extremamente dispensacionalista; na verdade
foi escrito por um americano em misso h muitos anos no Brasil, e que por isso
publicou em portugus. Este livro j est na 25 edio e j teve mais de 100 mil cpias
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39
vendidas. Como este livro, outros publicados pela CPAD seguem a mesma influncia
norte-americana e so muito lidos no meio pentecostal.
2.4.4. Formas de divulgao da doutrina no Brasil
Assim como nos Estados Unidos, no Brasil tambm divulgaes escatolgicas
foram e so feitas por meio de instituies para-eclesisticas, cursos, palestras, panfletos
e atualmente pela internet. Cada denominao promove palestras e cursos pautados em
sua viso escatolgica e usa literaturas afins.
Uma instituio que podemos considerar importante na divulgao de literatura
e palestras escatolgicas de cunho dispensacionalista a j mencionada Obra
Missionria Chamada da Meia-Noite, fundada por Wim Malgo (1922-1992) em 195540,
nos EUA, com estes objetivos: chamar as pessoas para Cristo, proclamar a segunda
vinda de Cristo, preparar a Igreja para sua vinda, defender a f e advertir contra falsas
doutrinas. Esta misso mantida por ofertas voluntrias e no possui fins lucrativos.
Antes do advento da internet, seu objetivo era alcanado principalmente com a
divulgao de livros publicados no Brasil. Atualmente ela promove cursos e palestras
amplamente divulgados em seu site. Juntamente com a Chamada da Meia-Noite existe a
Associao Beth-Shalom para Estudo Bblico em Israel, com o objetivo de despertar e
fomentar entre os cristos o amor pelo Estado de Israel e pelos judeus; tambm promove
congressos sobre a palavra proftica em Jerusalm e viagens com a inteno de levar o
maior nmero possvel de peregrinos cristos a Israel, onde mantm a Casa de Hspedes
Beth-Shalom (no monte Carmelo, em Haifa).
Um exemplo recente das palestras promovidas pela Obra Missionria Chamada
da Meia-Noite o ciclo realizado na Igreja Irmos Menonitas nos anos de 2004, 2005 e
20064 1, todas de vis escatolgico. A Igreja cedeu o local e a Obra forneceu os
palestrantes e o material a ser usado.
Contudo, atualmente o site da Obra sem dvida o maior divulgador de suas
doutrinas, palestras, cursos e literaturas. Em seu contedo fica bastante patente a
doutrina dispensacionalista; alis, no que diz respeito ao interesse por Israel, sua
40 Contudo, somente em 1970 a organizao foi legalmente instituda. 41 Ver uma amostra dos boletins informativos, no final do captulo.
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40
diferenciao da Igreja explicitamente apontada e enfatizada. Numa leitura
escatolgica da Histria, a nao israelita considerada o relgio do mundo, marcador
principal dos fatos apocalpticos finais. Uma srie de nove livretos, intitulados A
verdade sobre42, uma literatura de fcil acesso e leitura, divulga o ensino aqui abordado,
entre vrios outros.
Outros meios que podem ser considerados de divulgao so as revistas de
estudos bblicos, revistas de escolas bblicas dominicais e tambm os folhetos
evangelsticos distribudos em lugares pblicos43 . Tais meios eram possivelmente os
principais antes do advento da internet.
42 A verdade sobre: Os sinais dos tempos, Armagedom e o Oriente Mdio, O Anticristo e seu reino, A
tribulao, O arrebatamento, O cu e a eternidade, O milnio, Jerusalm na profecia bblica , O templo dos ltimos dias. Todos da Actual Edies e vendidos pelo site chamada.com.br.
43 Este folheto tem sido distribudo ao longo de 2009.
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41
Folheto usado para evangelizao com aluso ao arrebatamento.
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42
Boletim informativo enviado por mala direta para divulgao de palestra promovida pela Obra
Missionria Chamada da Meia-Noite. Na programao, o tema das 7 dispensaes.
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43
Revista Chamada da Meia-Noite 11, Ano 35, Novembro de 2004. No destaque , duas matrias baseadas em Apocalipse 13,16-18.
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44
Revista Lies Bblicas Juvens e Adultos 4.Trimestre/2006 Ttulo: As verdades centrais da f crist
CPAD (Casa Publicadora das Assembleias de Deus)
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45
Capa da revista usada em escolas bblicas dominicais usadas na Igreja O Brasil para Cristo em 2001, com o tema do arrebatamento. A seguir, pgina da mesma revista.
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46
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47
Folheto evangelstico com oito pginas, distribudo em 2009, na estao S do Metr (So Paulo). Descreve a histria do mundo atravs da Bblia e o arrebatamento da igreja previsto para 21/05/2011.
Esta caracterstica de datar o arrebatamento est restrita comunidade que o distribuiu.
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48
CAPTULO III
3. Anlise do filme Deixados para trs
3.1. Por que a anlise de um filme?44
Qual prstimo poderia ter para a histria o folclore?. a pergunta que inicia a
reflexo de Ferro. Ele lembra que, no incio do sc. XX, o animatgrafo45 era
considerado pelas pessoas supostamente cultas uma mquina de embrutecimento e de
dissoluo, um passatempo de iletrados. Assim o filme, comparado aos documentos
escritos que provinham do ponto de vista daqueles considerados a classe dominante da
sociedade, era de nenhum valor como documento ou material histrico. Mesmo porque
imagens flmicas, pretensamente representaes da realidade, so escolhveis,
modificveis, transformveis, fruto de montagem intencional. Com o passar do tempo, a
histria se transforma, com as exigncias de um novo esprito cientfico desembocando
numa nova histria4 6 tambm influenciada por outras cincias humanas. Porm, ainda
para essa Nova Histria cabe a pergunta: que prstimo um filme pode ter, uma vez que
representao do real e manipulao de imagens? Ferro aponta para a prtica da
censura, que possibilitou constatar que as imagens podem tambm ameaar interesses
dominantes. Um filme pode funcionar como testemunha; pode, em seu lapsos,
desestruturar construes antigas de instituies e grupos que foram forjadas ao longo
dos anos. Por outro lado, um filme pode reforar e promover vises de mundo
particulares. A antiga ideia de que um gesto corresponde a uma frase, e um olhar a um
44 Esta reflexo est baseada no texto de FERRO, Marc, O filme, uma contra-anlise da sociedade?, in Histria: novos objetos, dir. Jacques Le Goff e Pierre Nora, 3 ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988, p. 202-204.
45 O mesmo que cinematgrafo, um invento do fim do sc. XIX que consta de equipamento de fotografia e de projeo capaz de colher, em rpida sequncia, uma srie de instantneos de objetos que se movem e de projet- los numa sucesso igualmente rpida e intermitente, de modo a produzir a iluso de cenas em movimento.
46 Os Annales aparecem em 1929; sua terceira gerao chamada Nova Histria, e considera toda atividade humana como histria.
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49
longo discurso, chega a ser insuportvel, uma vez que assim sendo, as imagens
constituiriam a matria de uma histria diferente da Histria, principalmente do ponto
de vista dominante; isto o que para Ferro significa uma contra-anlise da sociedade.
Por isso, ele postula que as imagens no apenas como ilustrao, confirmao ou
desmentido de um outro saber ou da tradio escrita, antes apelando at outros saberes,
afim de melhor capt- las podem ser consideradas fontes histricas. A associao de
um filme ao mundo que o produz, seja ele imagem da realidade ou no, documento ou
mesmo fico, intriga autntica ou pura inveno, histria; sendo assim, seu postulado
: o que no aconteceu, as crenas, as intenes, o imaginrio do homem, to histria
quanto a Histria.
Nessa forma de abordagem do filme, pode-se dispensar o ponto de vista
semiolgico, ou esttico, de histria do cinema ou obra de arte, j que tem seu valor por
aquilo que testemunha pode ser visto como um produto, uma imagem-objeto cujas
significaes no so unicamente cinematogrficas. Neste caso, a anlise no incide
necessariamente sobre a obra em sua totalidade, podendo apoiar-se em extratos, planos,
temas etc. conforme a necessidade. Tambm a crtica no se limitaria ao filme, mas o
integraria no mundo que o rodeia e com ele se comunica. A anlise simultnea no filme
(narrativa, cenrio, escrita, relaes do filme com o que no filme, autor, produo,
pblico, crtica, regimes, crenas) pode compreender melhor no s a obra, mas tambm
a realidade que ela figura, uma vez que tal realidade no se comunica diretamente.
Outrossim, Ferro questiona:
So os prprios escritores plenamente senhores das palavras, ou da lngua?
Por que haveriam ento os homens da cmera de serem senhores das imagens
que produzem, posto que filmam involuntariamente muitos aspectos da
realidade?
Para ele, portanto, esse trao evidente nas imagens atuais:
O que patente para os documentos, para os filmes de atualidades, no
menos verdadeiro para a fico. Demais, a parte inesperada, involuntria,
pode tambm ser grande nesse caso. Esses lapsos de um criador, de uma
ideologia, de uma sociedade constituem reveladores importante. Podem
ocorrer em todos os nveis do filme, como na sua relao com a sociedade.
Seus pontos de ajustamento, os das concordncias e discordncias com a
ideologia, ajudam a descobrir o latente por trs do aparente, o no-visvel
atravs do visvel. Existe a matria para uma outra histria, que no pretende
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50
certamente constituir um belo conjunto ordenado e racional, como a Histria,
contribuiria antes para a purificar ou para a destruir.
Com essa reflexo em mente, empreenderemos a anlise do filme Left Behind
(Deixados para trs), porque tambm ele efetivar a consolidao da crena no
arrebatamento como uma construo doutrinria. medida que mtodos e cincias nos
favoream, delas faremos uso, tendo, contudo, o referencial terico de Film Flusser47,
como apoio, nas reflexes sobre texto e imagem.
3.2. Resumo do enredo
O filme inicia com imagens da cidade de Jerusalm atual, com seus principais
smbolos religiosos: igrejas crists, a mesquita de Omar, o muro das lamentaes e
tambm o comrcio; logo em seguida, mostra uma nuvem de helicpteros e avies de
guerra, vrios tanques de guerra, advindos das fronteiras leste, norte e oeste de Israel.
Na sequncia, a cena muda para um reprter, no centro de uma plantao de trigo,
iniciando uma reportagem com um cientista Israelense, Dr. Chaim Rosenzweig, que
comea a falar sobre a paz que ele pretende alcanar com sua descoberta.
Subitamente, surgem os avies e comeam um amplo bombardeio. Eles fogem
atnitos para um abrigo. L so informados de que se trata de um ataque macio contra
Israel, sem se saber de onde parte; afinal, Israel tem muitos inimigos. Os avies
israelitas no conseguem decolar por falha no sistema de ignio. No radar, eles
observam que os avies dos inimigos comeam a explodir no ar e caem, sem que Israel
esteja fazendo nada; eles no entendem e acham que o sistema de radar est com
defeito. O reprter Buck William pega sua filmadora e sai do abrigo para filmar e
mostrar o que esta acontecendo: avies explodindo e caindo sem nenhuma explicao.
De repente, surge um homem velho, de barba e bigodes brancos, cabelo longos e
despenteados; sua aparncia supostamente semelhante dos antigos profetas bblicos.
47 Vilm Flusser (1920-1991) foi um filsofo Tcheco, naturalizado brasileiro, autodidata, que atuou por cerca de 20 anos como professor de filosofia, jornalista, conferencista e escritor. Escreveu e ministrou nas reas da Teoria da Comunicao. Seus trabalhos se concentram no pensamento de Heidegger, sendo marcados pelo existencialismo e pela fenomenologia.
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Num ar de mistrio, fala ao reprter: A guerra continuar at o fim e alguns firmaro
um pacto de sete anos.
O cenrio muda para Chicago. Aparece uma famlia americana, o pai (Rayford
Steele), piloto de avio, sua esposa Irene, mulher religiosa e atenciosa, e dois filhos, um
menino de 12 anos e Chloe, uma jovem de temperamento rebelde.
Em Nova York, Buck recebe um telefonema e sai ao encontro de seu amigo
Dirk, que est muito nervoso por descobrir os planos secretos dos banqueiros Cothran e
Stonagal. Ele diz desesperadamente que o mundo est em perigo, dos ataques, da
frmula do Dr. Rosenzweig, que as moedas dlar, libra e iene vo se transformar em
uma moeda nica, que o Dr. Rosenzweig vai ser enganado por Cothran e Stonagal (os
banqueiros). Buck pede para ele se acalmar e explicar o que est acontecendo, mas Dirk
continua falando sobre dez demarcaes de terra e informa ao amigo que ir juntar mais
provas. Tira de dentro de seu relgio de pulso uma espcie de mini CD novamente, e diz
a Buck que ali est tudo que havia no computa