a cultura do excesso e o livro digital

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A CULTURA DO EXCESSO E O LIVRO DIGITAL por Leonardo Arroniz (aluno do curso de Comunicação Social) Trabalho entregue ao Prof. Paulo Pires, na disciplina Livros e Novas Mídias, em Produção Editorial.

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Artigo para a matéria Livro e Novas Mídias no curso de Comunicação Social da UFRJ.

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A CULTURA DO EXCESSO E O LIVRO DIGITAL

por Leonardo Arroniz

(aluno do curso de Comunicao Social)

Trabalho entregue aoProf. Paulo Pires,na disciplina Livros e Novas Mdias,em Produo Editorial.

UFRJ/ Escola de Comunicao2 semestre / 2012Introduo

O presente ensaio tem como pano de fundo a famosa, ou infame, cultura da convergncia. Esse conceito, desenvolvido pelo americano Henry Jenkins, buscou designar a tendncia pela qual as tecnologias de informao e comunicao esto passando de se aglutinarem e hibridizarem. Esse fato relaciona-se intrinsicamente ao avano tecnolgico da internet at a incipiente Web 3.0, onde o contedo internutico no mais se limita a contemplar o espao exclusivo da tela do computador, mas busca reformular-se para alcanar uma rede ainda mais dispersa, onde a internet pode ser acessada a qualquer hora, qualquer lugar e por diversos dispositivos. Os intermedirios so eliminados. Dentro desse contexto, novas mdias vm surgindo e se estruturando especificamente para satisfazer essa nova propenso miditica, sobretudo no incio dessa segunda dcada do sculo XXI. Smartphones, Tablets, Ipods, GPSs, dispositivos que no apenas englobam em si funcionalidades diversas como vdeos, msica, fotos, internet, tambm promovem a interatividade entre seus usurios ao mesmo tempo em que estes tm a liberdade de acesso fora de suas casas, sem se manter presos a cadeiras em frente s telas de seus computadores. Contudo, como ocorre com frequncia aps a descoberta de uma nova tendncia ou competncia tecnolgica, diversos produtos so criados antes mesmo que se consolide o suposto movimento. Cientistas e engenheiros anunciam um novo software, ou uma nova possiblidade de constituio da rede, s vezes, simplesmente uma nova pesquisa e, de repente, diversas predies, tanto messinicas quanto apocalpticas, passam a adornar as revistas e jornais, e, tambm, os departamentos de marketing de diversas empresas globais. O principal equvoco, ou, ao menos, impulso precoce de algumas dessas produtoras se deslumbrar com a sofisticao tecnolgica, isto , com as possibilidades dessas novas mdias mais do que, de fato, com as vantagens que elas proporcionam. O encanto pela inovao racionalizada (produzida cientificamente) leva uma irracionalidade de produo, onde o objetivo parece ser explorar todas as permutaes e combinaes de criao possveis, ao invs de focar os investimentos em produtos menos elaborados e mais eficientes.

Pego dentro desse turbilho encontra-se a ferramenta conhecida como e-book (eletronic book), popularizada, atualmente, pelos avanos no apenas das tecnologias, mas dos investimentos de empresas e industrias nesse setor. Reduzindo-o sua definio mais bsica, esse termo se refere a utilizao do livro digital em contraponto ao exemplar fsico. Diversas vantagens podem ser inferidas com essa nova tendncia, assim como considerveis empecilhos no somente de ordem tcnica e funcional, mas, principalmente, questes culturais e sociais dos consumidores. De qualquer forma, parte seus prs e contras mais bvios, esse novo produto tornou-se to refm do fascnio at mesmo fetiche pela cultura da convergncia quanto seus outros parentes digitais. A diferena, no entanto, que seu objetivo, sua caracterstica fundamental difere, por exemplo, de um smartphone ou um tablet. At que ponto a convergncia miditica pode incrementar a experincia da leitura sem se render ao exagero, ao simples impulso do querer mais? No ser essa onda de mdias convergentes prejudicial ao prprio consumidor que se ver bombardeado por informaes desviando-o do assunto central? Este ensaio, portanto, busca analisar alguns casos para se problematizar a ideia de que quanto mais melhor, alm de evidenciar que novas tecnologias no implicam, necessariamente, em uma obrigatoriedade de se explorar a total potencialidade de um produto. Como mencionam Lucia Santaella e Renata Lemos em Redes Sociais Digitais: a cognio conectiva do Twitter: o que tentamos evitar a oscilao, comum quando se lida com as tecnologias, entre a excitao do hype, de um lado, e a melancolia da nostalgia, do outro.

Anlise

O termo e-book, embora tenha se tornado publicamente conhecido e utilizado, sobretudo a partir de meados da primeira dcada do sculo XXI, muitas vezes no mantm um significado claro e objetivo quanto ao objeto a que se refere. Antes, portanto, preciso compreender que diferentes acepes desse conceito podem resultar em um entendimento diverso do assunto tratado. De modo geral, possvel dividir esse termo em trs possiblidades interpretativas, que podem tanto se excluir quanto se completarem para formar um corpo singular editorial. A primeira opo entender o e-book como uma simples transposio do livro fsico para seu equivalente digital. Contudo, partindo somente desse princpio, a polmica e ateno revolvendo esse assunto no seriam convincentes, ou, ao menos, relevantes, pois a anos formatos textuais so utilizados no meio digital. Em 1949, por exemplo, a professora ngela Ruiz, de Galcia, Espanha, coordenou a produo de uma enciclopdia eletrnica, buscando diminuir a quantidade de livros que seus alunos carregavam para a escola. Ou em 1971, que Michael S. Hart digitalizou a Declarao de Independncia dos Estados Unidos em um computador, o que, mais tarde, resultou no Project Gutenberg, visando fazer o mesmo com outro textos. A segunda forma de perceber o termo e-book seria referido ao formato de viabilizao dos documentos textuais eletrnicos pdf, txt, doc, ePub etc. Esse tipo de percepo implica, primeiramente, nas possiblidades de diagramao, e interatividade com o arquivo, assim como sua compatibilidade com os dispositivos que podem codifica-lo. Da mesma forma, ao considerar essa interpretao, leva-se em conta, portanto, mais que uma simples digitalizao, mas um formato de editorao especfico com suas prprias intenes de publicao e que compete seus prprios direitos. A terceira definio, enfim, julga o e-book quanto ao dispositivo de leitura, portanto, o e-reader. Nesse sentido, h um englobamento das duas caractersticas anteriores, mas apenas de forma subjetiva, pois ao considerar essa percepo do termo, o que de fato est em foco a concretizao do livro digital em um exemplar fsico. Ou seja, uma ferramenta idealizada especificamente para se promover a leitura adequada de um texto eletrnico, portanto, uma possvel rival altura do livro fsico com a vantagem de que, em um nico dispositivo diversas obras podem ser alocadas.O e-book, portanto, pode ser tratado como qualquer uma dessas ideais, ou todas juntas tambm. No presente trabalho o termo ser compreendido quanto s suas possiblidades de diagramao, editorao e publicao eletrnicas, isto , sua competncia criativa e construtiva que o difere do livro fsico. Em relao ao universo da convergncia, esta capacidade de hibridizao de funcionalidades distintas que o faz um dos atrativos da cultura da interatividade digital, com obras pensadas e concebidas para novos formatos de leitura. Um desses exemplos o livro Alice no Pas das Maravilhas, de Lewis Carrol, que ganhou diversas verses para tablets. Em uma delas, alm da leitura convencional (com um layout de livro antigo e clssico), possvel interagir com as imagens da tela, chacoalhando o iPad para fazer objetos carem, personagens mexerem, artefatos surgirem. Em uma verso digital de Joo e Maria, embutido ao livro esto minijogos e gravaes sonoras que completam e dinamizam a narrativa. Esses tipos de e-books realmente exploram a capacidade de interatividade da ferramenta de publicao digital, contudo, importante compreender o pblico a que se destinam estas obras. Tratando-se de uma audincia infantil, esse tipo de artifcio mais que agradvel e atrativo, inclusive benfico, pois aproxima a criana da leitura. Em relao s novas possibilidades conferidas pelo e-book, os livros infanto-juvenis, categoricamente, so os que mais fizeram avanos e encontraram seu nicho dentro desse ambiente tecnolgico multimdia. O excesso, nesses casos, passa despercebido, uma vez que sua presena , na realidade, desejada. Um detalhe, no entanto, que vale ressaltar que, em sua vasta maioria, esses livros infantis no possuem um dos aspectos mais problemticos dos e-books: o hyperlink. Uma das principais, e primeiras, caractersticas quanto o aspecto multifacetado dos livros digitais o uso deste artifcio. Amplamente utilizado j em inmeras pginas da Web 2.0, o hyperlink passou a adornar os pargrafos das obras literrias em formato eletrnico com o objetivo de aprimorar a experincia de leitura. Contudo, muitas vezes, devido abordagem a ele dada, mais parece desviar o leitor do enredo da histria do que torna-lo mais envolvido. Ao cercear a informao dentro de seu formato, livros como Alice no Pas das Maravilhas e Joo e Maria utilizam-se da diversidade de funcionalidades do livro digital sem permitir que se caia numa disperso exagerada. Todos os elementos interativos compem a experincia da leitura, sem que ela se torne esgarada pela saturao de informaes distantes do assunto principal. Um dos melhores exemplos para ilustrar a disperso causada pelos inmeros links a crescente onda de revistas disponibilizadas para o padro eletrnico; no verses online, mas exemplares com sua devida periodicidade, s que, ao invs de vendidos em formato impresso, disponibilizados virtualmente para plataformas de leitura. As reportagens, nesses casos, ficam repletas de hyperlinks que se ligam a outras tantas notcias que, ao final de tudo, se misturam incontrolavelmente, e apenas um leitor realmente atento se torna capaz de relacion-las todas. Contudo, o que comumente ocorre a divagao de informaes e o distanciamento da questo central veiculada. Essa interatividade, quando bem dosada, entretanto, pode ser extremamente benfica para a experincia de leitura. Uma das caractersticas interessantes dos e-readers a possibilidade de se ler o significado de uma palavra desconhecida ou saber pequenos detalhes sobre uma localidade mencionada no texto com um simples toque. Dessa forma, no h uma interrupo brusca nem prejudicial leitura, ao contrrio, evita-se a incompreenso e aprimora-se o envolvimento com o enredo. Contudo, nesse sentido que o excesso enxugado, elegendo apenas as funcionalidades relevantes para a estruturao e manuteno do corpo da obra; h, obviamente, um projeto editorial bem definido e menos extasiado com a novidade da convergncia. Um caso que reflete esse cuidado a obra O Livro depois do Livro, de Giselle Beiguelman, que, por acaso, fala da transio vivenciada atualmente entre o exemplar fsico para o seu contraponto digital. Nessa publicao (que teve uma verso especificamente eletrnica e outra impressa), os links que a habitam no prejudicam a leitura, pois, condizente com o carter acadmico da obra, a acumulao de informao e conhecimento se faz adequada a abordagem editorial dessa publicao. Por tratar de muitos exemplos de instalaes, exposies e outras obras, o livro de Beiguelman encontra, na nova mdia, a possibilidade de torna-las visveis a seus leitores. O entendimento dos assuntos se torna muito mais prtico e prazeroso, sem incorrer no comum enfado das explicaes tericas. Essa alternativa de utilizar vdeos e imagens , talvez, um dos encantos mais notrios dos editores de verses literrias digitais. De fato, h uma vantagem de logstica e economia no uso de imagens em livros digitais e no fsicos, tanto pelo custo quanto pelas possiblidades de melhor visualizao como a utilizao do zoom. Entretanto, o que se discute no presente ensaio a utilizao desse artifcios como elementos extratextuais, ou seja, postos exclusivamente para aprimorar o processo de leitura virtual. Nesse sentido, ento, a aplicao de recursos audiovisuais no um coringa dos e-books; nem sempre sua aplicao relevante ou mesmo agradvel. Por exemplo, a publicao The Sonnets by William Shakespeare, pela Touch Press, uma coletnea dos sonetos de Shakespeare, mas com um adendo, cada um desses sonetos recitado por diferentes atores renomados. primeira vista, esse recurso parece mais que um atrativo; parece de fato auxiliar no entendimento dos poemas e permitir se envolver ainda mais. Contudo, conforme se avana a leitura, os vdeos e recitaes parecem cair para um segundo plano, ou, ao contrrio, ofuscam por completo as palavras escritas. Ou seja, h um ntido conflito de abordagens que, originalmente, buscavam se completar, mas que, ao final das contas, se apresentam como corpos independentes e distantes entre si. Os vdeos que perduram um pouco mais como um componente extratextual so os comentrios de professores e estudioso sobre o autor ingls e seus sonetos. Nessa linha de pensamento, existe uma segunda obra, tambm sobre Shakespeare, publicada pela SourceBooks: Discover the Shakesperience, Neste livro interativo, trs peas esto presentes: Otelo, Hamlet e Romeu & Julieta; entretanto, alm do corpo textual em si, as histrias vm acompanhadas de glossrios, trechos de udio e vdeo de suas encenaes mais famosas, fotografias e artigos. importante destacar que esses livros digitais foram desenvolvidos com acompanhamento de estudiosos do dramaturgo e visavam enriquecer e facilitar a experincia de estudantes no-iniciados na obra do autor ingls. Embora o aparente bombardeio de informao, esse enfoque no foi despropositado, pois levava um publico especfico em mente. Caso o objetivo fosse vender para curiosos leigos, interessados na literatura shakespeariana mais que nas curiosidades a seu respeito, os extras do livro talvez no passassem de floreios inteis. Ademais, poderiam se tornar um incmodo, pois a leitura dessas peas seria contaminada pela, ento, impertinncia das informaes que, mesmo no caso em que so bem-vindas, alteram percepo do texto.

O excesso no reside somente dentro das publicaes, mas na prpria lgica de mercantilizao das obras. Conjuntos de obras so vendidas como em atacados: todos os livros de Jane Austen; a coletnea completa de Hemingway; dezenas de contos de Machado de Assis etc. Uma vez eliminado o volume fsico, a noo de quantidade se perde, ou mais, parece transcender como se o acmulo fosse positivo. Mas, ao invs, pode se tornar desanimador, quando se notam incontveis exemplares que jamais sero lidos. Alm disso, a percepo de espao nulo uma iluso, pois rapidamente se nota a memria do dispositivo lotada pela presena de um peso intil que antes poderia ser evitado. Sem contar o dinheiro gasto pelo simples impulso. De qualquer forma, alguns podem destacar que basta ignorar o que for indesejvel, como se a simples vontade fosse suficiente para apagar os excessos. Mas a mera presena dos links, vdeos, imagens, curiosidades e resenhas j impele a curiosidade do leitor de investiga-los, e, tambm, tentar usufru-los. O fato , uma vez viabilizadas essas funcionalidades, a experincia da leitura no se mantm mais a mesma. Ela ganha novas propriedades que podem tanto levar a uma desqualificao do teor original da obra como, tambm, a um engrandecimento do contedo nela presente. Por isso, importante se levar sempre em conta o perfil e os gostos do pblico alvo, pois tanto o excesso quanto o minimalismo podem ser o atrativo de cada publicao. A exemplo deste ltimo, temos um novo hbito editorial: a compilao de textos diversos, de um ou mais autores, delimitados sob um tema pr-selecionado. Por exemplo, Magia, Cincia e Religio Bronislaw Malinowsky, uma reunio de ensaios e at mesmo trechos de alguns dos livros do antroplogo discutindo, exclusivamente, diferentes formas culturais de se lidar com o surreal, o divino e o cientfico. Produes como essa no apenas evitam ao mximo contedo deslocado, como atingem com mais preciso seus pblicos leitores. Alm disso, ao dividir grandes produes em pequenas obras, h, ainda, maior comercializao e, consequentemente, lucro. Enfim, preciso levar em considerao que a maximizao da funcionalidade no atrativa para todos os consumidores e provoca maior complexificao da produo. O e-book, , provavelmente, uma alternativa vivel futura saturao do livro fsico, mas somente aps amadurecer suas abordagens e, sobretudo, encontrar um equilbrio entre o sensacionalismo da cultura da convergncia e o real aprimoramento de um modo de leitura consolidado j sculos. Concluso:O e-book, de fato, traz uma nova fase de relao com o livro e a cadeia produtiva editorial e grfica. Temos a questo da portabilidade, diminuindo no s o acmulo fsico de exemplares nas casas e bibliotecas, liberando quantidades incrveis de espao, como no prprio transporte, sobretudo para aqueles que se consideram leitores compulsivos. H tambm a conscincia ecolgica, no apenas pela reduo do consumo de papel, mas tambm pela diminuio da emisso de poluentes, da construo de fbricas e da produo futura de lixo. Outro ponto, ainda, o barateamento do custo dos livros, assim, uma maior acessibilidade, alm da possibilidade de auto-publicao, contornando a atitude (ou falta de atitude) das editoras de no investir no conceito de bibliodiversidade a diversidade cultural no universo literrio. Como possvel notar, as vantagens acarretadas pelo desenvolvimento do e-book so inmeras, assim como suas novidades. Contudo, sua disseminao no depende unicamente de questes prticas, mas sobretudo qualidades subjetivas e culturais. Os livros digitais so mais que uma nova forma de publicao editorial, mas tambm uma nova forma de interao com a leitura; no s significam novos meios, mas novas possibilidades artsticas e disponibilizao da informao. Ao longo do ensaio foram elucidadas algumas formas de diversificao da leitura, da escrita, da disposio e implementao de contedos num texto digital. Como foi possvel notar, essa gama de possibilidades cresce exponencialmente, mas, ao contrrio do que se percebe, no necessariamente esse aumento de funcionalidades acarreta em um melhoramento do produto final. O que se deve levar em considerao, sobretudo, no a obra em si, mas tudo com o que a ela se relaciona: como pblico alvo, tema da escrita, meios e mdias em que ser publicada e divulgada. O livro digital, portanto, no necessita ser, obrigatoriamente, mais um instrumento da convergncia miditica. Se couber no projeto editorial, basta ser uma simples transposio do fsico para o digital, sem necessidade de vdeo, trilha sonora, comentrio do autor, curiosidades extras... Tudo depende do objetivo que se deseja alcanar com aquilo, no da pluralidade da ferramenta em si. Como dito anteriormente, outras vantagens j justificam o investimento no e-book quanto uma alternativa ao exemplar analgico; a experincia de leitura nem sempre uma delas.