a desarticulação dos problemas da metafísica kant
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8/14/2019 A desarticulao dos problemas da metafsica Kant
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(Des-)Articulao dos Problemas da Metafsica
(Classificaes, Transformaes e Conseqncias da Teoria
Silogstica de Kant)1.
Daniel Omar Perez
Departamento de Filosofia,
Universidade Estadual do Oeste do Paran,
Campus Toledo-Pr.
Este texto visa reconstruir a interpretao do silogismo,
nas duas grandes etapas do pensamento de Kant, a fim
de mostrar a sua importncia fundamental na
formulao dos problemas necessrios da razo na
Crtica da Razo Pura.
.
Introduo:
Na distino das grandes etapas do pensamento kantiano(pr-crtico/crtico) podemos indicar, como de uso, alguns pontos de
ruptura, que do origem novidade do pensamento crtico em relao
ao racionalismo sustentado nos textos anteriores; mas tambm
podemos elaborar algumas linhas de continuidade, que daro certa
1
Este trabalho forma parte de uma pesquisa mais abrangente sobre a questo daconstituio do Sentido em Kant. Alguns resultados tm sido publicados e outrosainda esto sendo elaborados.
mailto:[email protected]:[email protected] -
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coerncia obra do autor2. Nossa tentativa aqui ser, antes que aderir
ou rejeitar cortes ou genealogias, reconstruir a interpretao do
silogismo em dois textos de Kant, a saber: Die falsche Spitzfindigkeit der
vier syllogistischen Figuren (1762)3 e Kritik der reinen Vernunft (1781-87)4
, utilizando como ponto de passagem a Logik Jsche5 . Esta
reconstruo nos permitir:
1- avaliar as mudanas de um texto para outro na questo
especfica da interpretao do silogismo,
2- apresentar o fio condutor que serve de fundamento para a
efetivao da mudana,3- indicar a conseqncia fundamental com relao teoria
dos problemas em Kant, especialmente os da metafsica.
Neste sentido, procurar-se- reconhecer em que medida os
problemas da metafsica estariam vinculados e veiculados com e por
problemas da linguagem e, em que medida tambm, poderamos
esclarecer a prpria atividade filosfica trabalhando sobre problemas da
linguagem.
O silogismo categrico como juzo estendido:
No ano de 1762 Kant escreve um texto tematizando
especificamente o problema do silogismo. O texto, titulado Acerca dafalsa subtileza das quatro figuras do silogismo, est dividido em seis
2Existe um texto da minha autora que trabalha, em alguma medida, certos aspectosdesta questo a partir dos problemas de significao. Ver Perez,D (1998b).3 Ser usada a trad. de Alberto Reis Kant, I. (1983) .4 Ser usada a trad. de M. Pinto dos Santos e A. Fradique Morujo Kant, I. (1994).5 Ser utilizada a traduo castelhana de A.Garcia Moreno e J.Ruvira LgicaBsAs: Ed.Tor, e a traduo da Srie Estudos Alemes da Biblioteca Tempo Universitrio.
* pertinente anunciar que em alguns momentos do nosso texto discutiremos edistanciar-nos-emos das tradues citadas em favor de uma melhor explicitao do
problema. O texto em alemo utilizado o das Kant Werke; Darmstadt:Wissenschaftliche Buchgesellschaft, e o da Akademie. Nas citaes do texto kantiano seutilizar a paginao do original.
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pargrafos. Por ordem de exposio cada pargrafo tratar: 1- o
conceito do silogismo; 2- as regras dos silogismos; 3- a distino,
introduzida por Kant, segundo as regras anteriormente formuladas,
entre silogismos puros e mistos; 4- o desenvolvimento da distino,
figura por figura; 5- a concluso lgica especfica segundo os
resultados da anlise; e finalmente, na ltima considerao, as
conseqncias metafsicas que a pesquisa apresenta.
No texto pr-crtico o conceito de silogismo definido por Kant
a partir da anlise do juzo. Segundo a estrutura proposicional S-P Kant
afirma que: julgar comparar algo como uma caracterstica ( Merkmal)com uma coisa6. Onde a coisa o sujeito S, a caracterstica o
predicado P e a relao de comparao expressa pela cpula ou
marca, sinal, signo de unio, reunio, relao (Verbindungszeichen)
ser (sein). Assim, na proposio S P predicamos afirmativamente P
de S. Com a introduo do sinal da negao S P predicamos
negativamente P de S. Deste modo, dado um predicado qualquer
possvel de afirma-lo ou nega-lo em relao a uma coisa. Esta relao
deve ser imediata j que nela que se funda o ato de comparao do
juzo.
Na extenso desta operao surge o silogismo propriamente
dito. A introduo de uma caracterstica mediata (ein mittelbares
Merkmal), isto a caracterstica de uma caracterstica da coisa7, nos
permite completar o juzo em um raciocnio. Deste modo, a definioreal (Realerklrung) de silogismo dada por Kant nos seguintes termos:
Todo juzo estabelecido atravs de uma caracterstica mediata um
silogismo; ou em outras palavras, um silogismo a comparao de uma
caracterstica com uma coisa por meio de uma caracterstica
intermediria8.
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Op.cit.A3.7 Ver op.cit A48 Op.cit.A5.
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Assim, no silogismo, somos levados do predicado,
caracterstica imediata ou intermediria, ao predicado do predicado, ou
caracterstica mediata. Onde S-P-p seriam os elementos envolvidos na
operao. Sendo que para conhecer claramente a relao entre S e p
sirvo-me do terminus mediumP. No exemplo de Kant a alma humana
um esprito se usa o termo mdio racional, formulando-se a operao
do seguinte modo:
Tudo o que Racional Esprito,
a Alma do homem RacionalLogo, a Alma do homem Esprito.
TUDO R------E
A------RLOGO, A-----E
Onde se Esprito uma caracterstica de Racional
Racional uma caracterstica da Alma,
ento, Esprito tambm uma caracterstica da Alma.
No caso dos silogismos negativos se procede do mesmo modo
com a introduo do sinal de negao. Seja o caso de demonstrar a
proposio A durao de Deus no mensurvel atravs de tempo
algum, entre o sujeito Deuse a caracterstica mediata no-mensurvel
pelo tempo, introduz-se a caracterstica imediata imutvel.
Sendo:
Nada do que imutvel temporalmente mensurvel
Deus imutvel,
logo, Deus no-mensurvel.
Deste modo enunciada a regra universal de todos os
silogismos afirmativos e negativos, a saber:
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A caracterstica de uma
caracterstica a caracterstica da
prpria coisa.
O que contradiz a caracterstica de
uma coisa, contradiz a prpria
coisa9.
De acordo com Kant, estas regras servem de fundamento
quilo que os lgicos da sua poca consideraram o fundamento
supremo de todos os silogismos positivos e negativos:
O que afirmado universalmente
de um conceito, igualmenteafirmado para todo o que contido
nele.
O que negado universalmente
em relao a um conceito, -oigualmente, em relao ao que
compreendido nele10.
A prova deste princpio estaria dada pelo procedimento de
abstrao. O que pertence ou no pertence a um conceito obtido por
meio da abstrao. A abstrao est ligada diretamente aos princpios
de identidade e de contradio que esto na base de todas estas
operaes. Assim, a identidade entre S e p se verifica ou rejeita com a
introduo do termo intermedirio P, temos a um silogismo puro.
Escreve Kant: Quando um silogismo contm, apenas, trs proposies
inter-relacionadas segundo as regras que expusemos, chamo-lhe
silogismo puro (ratiocinium purum)...11. o caso dos exemplos
anteriores. Na interpretao de Kant, para demonstrar que a almahumana um esprito, devemos obter, por abstrao, do sujeito A, a
caracterstica imediata C, e desta a caracterstica mediata B. atravs
da identidade entre um elemento e outro que se conforma a operao
silogstica.
Assim:
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Op.cit.A8.10 Op.cit.A8.11 Op.cit.A10.
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C (contm) B
A (contm) C
logo,A (contm) B
A regra deste tipo de silogismos da primeira figura seria
expressa nos seguintes termos: uma caracterstica B de uma
caracterstica C de uma coisa A a caracterstica dessa mesma coisa12.
Mas se o silogismo s possvel atravs da ligao de mais de trs
juzos, chamar-lhe-ei -diz Kant- silogismo misto (ratiocinium
hybridum)13
. Em cada caso necessria a introduo de uma ou maisinferncias que explicitem aquilo que est implicitamente colocado na
proposio anterior. Os exemplos de Kant ilustram esta distino.
Vemos o caso da segunda figura silogstica que expressa na
regra: o que contradiz caracterstica de uma caracterstica, contradiz
prpria coisa. Esta proposio verdadeira -escreve Kant- porque
aquilo que contradito por uma caracterstica contradiz igualmente
essa caracterstica, mas o que contradiz uma caracterstica est em
conflito com a prpria coisa e, consequentemente, o que contradito
pela caracterstica de uma coisa est em conflito com a prpria coisa.
Torna-se claro que apenas porque posso converter simplesmente a
maior enquanto proposio negativa que posso deduzir a concluso
atravs da menor14. O processo de converso dos termos da premissa
maior, na introduo de uma quarta proposio, permite explicitaradequadamente o raciocnio, mas este deixa de ser puro. Assim, temos
entre a premissa maior (nenhum esprito divisvel) e a concluso
(nenhuma matria esprito), duas proposies, a saber, a converso
lgica da maior e o termo mdio.
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Op.cit.A14.13 Op.cit.A10/11.14 Op.cit.A14. O destaque nosso.
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Nenhum esprito divisvel
nada do que divisvel esprito
Toda matria divisvel;
logo, nenhuma matria esprito
Nenhum E contm D
nenhum D contm E
Todo M contm D
nenhum M contm E
Na terceira figura, (que funciona sob a seguinte regra o que
compatvel ou incompatvel com uma coisa tambm compatvel ou
incompatvel com algumas coisas que esto contidas numa outra
caracterstica da coisa) tambm se introduz, por outro modo de
converso, uma quarta proposio. Esta proposio -escreve Kantreferindo-se regra do silogismo- s verdadeira porque posso
transpor, por converso (per conversionem logicam) o juzo no qual dito
que uma outra caracterstica convm coisa; o que o torna conforme
regra de todos os silogismos15.
Exemplo:
Todos os homens so pecadores
Todos os homens so racionais
alguns racionais so homens
logo alguns racionais so
pecadores
Todo H contm P
Todo H contm R
alguns R contm H
alguns R contm P
No segundo e terceiro caso de silogismo as trs ltimasproposies conformam a figura do silogismo puro. Onde a maior
contm o predicado da concluso. Mas isto d-se s com a introduo
de uma nova operao. Assim a segunda proposio fica como a maior.
Nos casos da quarta figura, tratada por Kant, afirma-se que j
no possvel dar uma regra que subsuma essa operao. A forma de
tirar concluses nesta figura to contrria natureza, e funda-se num
15 Op.cit. A16.
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nmero to elevado de dedues intermdias, que devem ser pensadas
como proposies intercaladas, que a regra universal que eu poderia
extrair seria muito obscura e incompreensvel16. Neste tipo de
operaes possvel utilizar converses ou contraposies para
explicitar a cadeia de inferncias que conduz da premissa maior
concluso.Note-se no exemplo:
Nenhum homem estpido sbio;
nenhum sbio estpido.
Alguns sbios so piedosos;alguns piedosos so sbios.
Alguns piedosos no so estpidos.
Nenhum E contm S
nenhum S contm E
Alguns S contm PAlguns P contm S
Alguns P contm no E.
Na segunda e na quarta proposio so introduzidas as
inferncias que permitem explicitar a passagem de uma sentena
outra at chegar concluso.
Com isto tudo, Kant quer mostrar que com a excepo do
silogismo categrico (ou da primeira figura), todos os outros raciocnios
introduzem concluses intermedirias para completar o conceito.
Portanto, no so propriamente silogismos. Mas de modo algum
significa que sejam falsos. A importncia desta distino, e aqui est o
objetivo da tarefa kantiana neste texto, funda-se na tentativa de
explicitar os passos em funo da clareza das concluses segundoregras lgicas. A meta (der Zweck) da lgica, no confundir, mas
resolver (aufzulsen), expr alguma coisa, no de uma forma velada,
mas com evidncia (augenscheinlich). por isso que essas quatro
espcies de raciocnios (Schluarten) devem ser simples, sem misturas e
sem inferncias auxiliares, feitas de uma forma escondida; se no for
assim no lhe devemos dar o direito de aparecer numa exposio lgica
16 Op.cit.A17.
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como sendo as frmulas da apresentao mais clara de um raciocnio17
. o trabalho de esclarecimento da sintaxe lgica o que est em jogo,
sua caracterizao e seu limite.
O privilegio de Kant para a primeira figura baseia-se na
afirmao que diz: um conceito claro (deutlicher Begriff) s possvel
atravs do juzo, e um conceito completo (vollstndiger), s possvel
atravs de um silogismo (Vernunftschlu)18. Na extenso do processo de
abstrao passamos, em uma ordem de continuidade, do juzo para o
silogismo. Deste modo, para que um conceito seja claro, necessrio
que eu reconhea (erkenne)19
, claramente, alguma coisa comocaracterstica de alguma coisa, o que um juzo20. E mais adiante Kant
explicita: o juzo no o conceito claro em si mesmo, mas a operao
(Handlung)21 pela qual ele se torna verdadeiro; pois a representao
que surge da prpria coisa depois desta representao, que clara22.
Se prolongarmos esta Handlung -operao- no silogismo chegaremos
completude do conceito. de destacar como Kant hierarquiza a
operao como aceso verdade. Uma operao baseada na sintaxe
lgica fundamento de verdade de uma proposio.
Entre clareza e completude, entre juzo e raciocnio, h uma
relao de continuidade sustentada no mesmo fundamento; ... temos
necessidade da mesma faculdade da alma (Grundkraft der Seele) para
os conceitos claros e para os conceitos completos (visto que ,
exatamente, a mesma faculdade que reconhece, imediatamente,qualquer coisa como caracterstica de uma coisa que serve tambm
para representar de novo, nesta caracterstica, uma outra caracterstica
17 Op.cit.A23.18 Op.cit.A29.19 Existe uma diferena importante em Kant entre os termos erkennene einsehenquegeralmente so traduzidos por reconhecersem qualquer advertncia.20 Op.cit.A29.21
O termo Handlungpode ser traduzido por ao, mas na nossa lngua podemos deixaresta segunda acepo para nos referir a aes prticas.22 Op.cit.A29.
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e para assim pensar a coisa atravs de uma caracterstica afastada),
assim, salta tambm aos olhos, que o entendimento (Verstand) e a razo
(Vernunft), isto a capacidade de conhecer claramente (das Vermgen,
deutlich zu erkennen) e a de efetuar silogismos (und dasjenige,
Vernunftschlsse zu machen), no so, quanto ao seu fundamento,
faculdades diferentes (keine verschiedene Grundfhigkeiten sein)23.
nesse fundamento que se sustenta a unidade da distino lgica ou
conhecimento, que Kant no diferencia, neste texto, seno apenas com
relao s representaes sensveis. Distinguir logicamente,
reconhecer (Logisch unterscheiden heit erkennen) que uma coisa A no B, o que sempre um juzo negativo; distinguir fisicamente (physisch
unterscheiden) ser levado (getrieben werden) por representaes
diferentes a cometer aes (Handlungen)24. Isto colocado por Kant
para diferenciar um tipo de procedimento racional de um tipo no
racional, como poderia ser o exemplo da conduta dos animais, onde
tambm poderamos isolar um conjunto de representaes e operaes.
Sem ter, por isto, uma elaborao conceitual.
Mas o que de destacar, e neste ponto Kant apenas consegue
enunciar a questo, o problema daquilo que torna possvel o juzo.
Trata-se da indagao da fora (Kraft) ou capacidade (Fhigkeit) que
no outra coisa que a faculdade (Vermgen) do sentido interno (des
innern Sinnes) para constituir (zumachen) suas prprias representaes
em objetos de pensamento25
. O que aqui est em jogo a relao entrea distino fsica e a distino lgica. Trata-se de procurar a operao
que permite passar das representaes sensveis s representaes
lgicas, das sensaes ao pensamento.
Por um lado, Kant desenvolve toda uma teoria do silogismo
baseado no princpio de identidade e de no-contradio. Toda e
23
Op.cit.A30-1.24 Op.cit.A32.25 Op.cit.A33.O destaque meu.
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qualquer proposio deve ser considerada analtica, para que, a partir
da anlise do conceito, possamos decidir sobre a sua relao com o
predicado ou com o predicado do predicado. A distino lgica baseada
no procedimento da abstrao funda-se na anlise de conceitos. No
entanto, Kant afirma explicitamente, como temos j citado, que aquilo
que torna possvel o juzo a operao de provocar (zu machem)
representaes lgicas a partir de representaes de caracter sensvel.
Aqui surge um primeiro conflito no texto kantiano. Se a
conexo entre os termos de um silogismo deve ser explcita ou
implicitamente analtica, quer dizer, as premissas e concluses devemser proposies analticas (e isto est sustentado pelo princpio que diz:
todos os juzos ou so idnticos ou so contraditrios), ento Kant no
precisaria de fazer referncia efetividade das coisas. No teria porque
se incomodar em procurar a capacidade que torna possvel o juzo em
relao com representaes sensveis. Se o simples esclarecimento
analtico do conceito na forma do juzo e do raciocnio for suficiente,
ento as trs pginas nas quais Kant fala sobre a conduta de um boi
perante sua cavalaria, a relao entre o assado e o cachorro, seria
pura literatura, no sentido pejorativo das palavras, pertenceria a esse
barroquismo kantiano que tantas vezes foi julgado como artificial por
alguns comentadores ingleses. A questo que estas afirmaes sobre a
distino lgica e a distino fsica no parecem ser ornamentais,
localizam-se na Considerao Final (Schlussbetrachtung), no momentoem que Kant deve mostrar para que que serve tudo esse trabalho, que
no a mera ginstica dos eruditos (Athletik der Gelehrten). Mas, por
outro lado, se no mero ornamento, para que introduzir esse
problema? ... logo aps de uma quase apologia da analiticidade dos
conceitos. A estrutura da argumentao do texto parece se quebrar,
justo no momento decisivo, no momento em que Kant deveria ser
consequentemente leibniziano.
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Parece surgir um mal-estar em Kant na hora de aceitar
incondicionalmente a tese de que todas so representaes do mesmo
tipo, s que algumas so confusas. Se ele tivesse optado por essa
proposta nada teramos a dizer acerca da sua concluso, a no ser que
ele apreendeu e at melhorou os ensinamentos do mestre. Mas no.
Parece estar anunciando outra coisa, algo que no foi suficientemente
elaborado.
Se Kant fosse mais um racionalista, e especificamente um
leibniziano, no teria qualquer motivo para se perguntar pela fora
(Kraft) que permite constituir (zu machen) as representaes em objetosdo pensamento. A resposta clara para qualquer leibniziano. No
podemos afirmar apressadamente que Kant j tenha diferenciado
sensibilidade e entendimento ao modo crtico, mas tambm no est
aderindo teoria leibniziana de representaes claras e representaes
confusas. Ele as denomina representaes fsicas e nada tem a ver
com qualquer conceitualizao confusa.
Sem rodeios enunciaremos nossa proposio. Existe uma
estreita relao entre: 1- a tentativa do esclarecimento analtico dos
silogismos; 2- a questo de marcar essa relao entre representaes
fsicas e o pensamento; e 3-a mudana da concepo do silogismo
elaborada na Crtica da Razo Pura. Esta mudana est direcionada por
aquele mal-estar que irrompe no texto.
Kant est nos indicando o alcance e o limite da formulao eresoluo de problemas atravs da anlise conceitual. Uma anlise que
desenvolvida segundo operaes sintticas, a saber: quando tenho um
juzo, formulo um conceito claro; quando tenho um silogismo, formulo um
conceito completo. Este seria um modo de estender o meu conhecimento
da coisa, quer dizer, uma espcie de predicao obtida por anlise.
Onde, na medida em que seja confirmada, segundo uma coerncia
sinttica, podemos dizer que obtemos uma concluso verdadeira, que
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alcanamos a verdade. Mas, no momento de reafirmar essa convico
analtica, Kant chama a ateno para a relao entre o pensamento e a
sensibilidade, as representaes lgicas e as representaes fsicas, as
palavras e as coisas. a que est marcado o limite, a que a
interpretao deveria entrar em crise.
Aqum de constituir o trabalho aqui apresentado em uma
ginstica de eruditos (Athletik der Geleherten), e antes de passar a
concluses pressurosas, tentaremos a prometida reconstruo do texto
crtico, onde trata-se dos silogismos, e, logo de alguns rodeios
necessrios, que esclarecero alguns pontos, abordaremos o problemade forma radical (ou quase). Nesse momento de nossa tarefa o confronto
com a tese de Nussbaum26 permitir, sob outra perspectiva, elucidar o
sentido da mudana da concepo lgica para, deste modo, aprofundar
naquele mal-estar que fico em aberto na nossa leitura do texto
anterior.
Da operao silogstica teoria das idias
No Uso lgico da razo, na Crtica da razo pura, Kant
distingue entre aquilo que conhecido imediatamente (unmittelbar
erkannt) e o que s deduzido (was nur geschlossen wird). Conhece-se
imediatamente (wird unmittelbar erkannt) que h trs ngulos numafigura limitada por trs linhas retas; mas s deduzido (ist nur
geschlossen) que estes ngulos so iguais a dois retos(A303/B359).
Temos, assim, procedimentos diretos e indiretos, inferncias e
raciocnios.
Em funo disto, e para definir ainda mais acuradamente os
termos, podemos dizer que: Em todo raciocnio (Schlusse) h uma
26 Nussbaum,Ch (1992).
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proposio que serve de princpio (Grunde) e outra, a concluso
(Folgerung) que dela extrada e, por fim, a deduo (Schlufolge) (a
conseqncia), pela qual a verdade da ltima est indissoluvelmente
ligada verdade da primeira(A303/B360). Assim sendo, as inferncias
podem ser imediatas ou mediatas. As primeiras denominam-se
inferncias do entendimento (Verstandsschlu), onde o juzo inferido j
se encontra no primeiro, de tal modo que dele pode ser extrado sem
intermdio de uma terceira representao.... Por exemplo, da
proposio : todos os homens so mortais, possvel inferir
imediatamente que alguns homens so mortais, nada do que imortal um homem; mas no que todos os sbios so mortais. Para
deduzir esta ltima concluso daquele princpio ser necessria a
interveno de um juzo intermedirio que possibilite a passagem
adequadamente. a introduo do juzo intermedirio entre o princpio
e a concluso o que define o conceito do silogismo, ou inferncia da
razo. Sendo esta a definio, a regra que funda a operao silogstica
ser a seguinte:
1- (maior) concebo uma regra pelo entendimento.
2- (menor) subsumo um conhecimento na condio dessa
regra mediante a faculdade de julgar.
3- (conclusio) determino o conhecimento pelo predicado da
regra pela razo.
O exemplo:
Todos os Homens so Mortais
os Sbios so Homens
logo, os Sbios so Mortais
Todo H------M
S------H
logo, S------M
Na concluso do silogismo, restringimos um predicado a
determinado objeto, aps t-lo pensado na premissa maior em toda a
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sua extenso, sob certa condio. Mas o que realmente importante
destacar nesta nova formulao o conceito de regra. sob a
extenso da regra universal que subsumo um conhecimento
particular para chegar concluso. J no se trataria da analiticidade
de um conceito e de um processo de abstrao que captaria a
identidade entre o Sujeito e o predicado. a afirmao da maior tida
como verdadeira, que assegura a verdade da concluso, entanto que
aplicao de uma regra universal ao caso particular. Que todos os
homens sejam mortais aqui uma regra e no apenas uma relao de
identidade entre mortal e homem. Por outra palavras, necessrio queseja mortal para que seja homem.
Se lembrarmos o texto pr-crtico, observaremos que a regra
ltima, ou princpio de todos os silogismos, estava enunciada em
termos de caracterstica, enquanto que agora aparece em termos de
regra. A passagem se daria da anlise do conceito para a aplicao da
regra. Um esquema das duas concepes apresenta-se na Lgica
Jsche, que do 41 a 93 ambas desenvolvem-se sem aparente soluo
de continuidade. Por exemplo, no 57 o princpio geral de todos os
raciocnios expresso nos seguintes termos: Aquilo que est sob a
condio de uma regra (Was unter der Bedingung einer Regel steht,),
est tambm sob a prpria regra (das steht auch unter der Regel selbst).
Assim, o raciocnio estabelece uma regra geral e uma subsuno
condio da regra. Donde se deduz que a concluso no est contida apriorino singular, mas no geral, e que necessria sob certa condio.
Em funo disto, a regra definida como uma assero submetida a
uma condio geral. E mais adiante se afirma que o conhecimento a
subsuno27. O procedimento de subsumir sob torna-se
conhecimento. Mas no 63 enuncia-se a seguinte regra: Aquilo que
convm caracterstica de uma coisa (Was dem Merkmale einer Sache
27Logik Jsche sec. 58
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zukommt), convm tambm coisa mesma (das kommt auch der Sache
selbst zu); e o que contradiz caracterstica de uma coisa(und was dem
Merkmale einer Sache widerspricht) contradiz tambm a coisa mesma
( das widerspricht auch der Sache selbst). Sendo assim, teramos,
aparentemente, duas regras contrapostas para os silogismos. Uma a
partir da subsumso, outra a partir da abstrao. Nesse sentido
orienta-se o pensamento de Nussbaum.
Segundo o nosso comentador, a longa carreira de Kant teria
comeado como filsofo racionalista, mais precisamente aderindo
escola de Leibniz e Wolff, e finalizado como o criador da filosofia crtica.Esta afirmao no dita, apenas, para repetir o que aparentemente
todo o mundo sabe, mas para destacar os dois pontos que definem as
mudanas na filosofia da lgica de nosso autor; tpico este que no
teria sido to documentado nas pesquisas histricas quanto o que
aconteceu no mbito da metafsica, teoria do conhecimento, filosofia da
cincia e matemtica. Deste modo, afirma-se que Kant teria comeado
por sustentar uma concepo da lgica que s pode ser consistente em
relao com a concepo leibniziana, de que toda proposio categrica
verdadeira analtica, para, mais tarde, passar a uma lgica crtica que
tem relao com a filosofia crtica como uma totalidade. Mas, de acordo
com nosso comentador, esta passagem no teria transcendido
inteiramente seus origens pr-crticos28. Com efeito, na etapa pr-
crtica teria se dado um privilegio do silogismo categrico a partir deuma determinada concepo da lgica, enquanto na etapa crtica
propor-se-ia uma equivalncia e coordenao entre os trs tipos de
figuras silogsticas em questo. Segundo Nussbaum, a mudana de
concepo lgica, elaborada por Kant, no teria conseguido dar conta
da tentativa crtica de j no privilegiar a figura categrica29. Isto ,
teramos o mesmo privilegio do silogismo categrico sob duas
28 Nussbaum,Ch (1992) p. 280.29 Nussbaum,Ch (1992) p. 293.
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concepes da lgica. E Nussbaum d elementos para sustentar essa
afirmao dizendo, que se compararmos a operao da inferncia
silogstica na CRP com a dos textos pr-crticos observaremos as
diferenas fundamentais entre ambas as concepes, mas logo
poderamos conferir sua deficincia em relao ao privilegio do
categrico. Na CRP Kant tenta reconhecer trs tipos de silogismo como
coordenados e igualmente importantes (categricos, hipotticos e
disjuntivos). No texto pr-crtico observa-se o silogismo categrico como
central. Na CRP a formulao do princpio est baseado na regra como
conceito central, no texto pr-crtico na caracterstica. Em ambos oscasos estaria sendo afirmada uma relao de conteno.
Mas o problema seria saber como deve ser interpretada essa
conteno. Que significa conter? isso o que est em jogo na
formulao das duas regras. Nussbaum cita Russell para dizer que
tradicionalmente houve uma diferena de opinio em relao natureza
desta conteno. Quando enunciamos um silogismo estamos dizendo
que se a classe dos humanos parte da classe dos mortais, e se a
classe dos gregos parte da classe dos humanos, ento a classe dos
gregos parte da classe dos mortais? Ou estamos dizendo que se o
conceito mortal parte do conceito humano, e se o conceito humano
parte do conceito grego, ento o conceito mortal deve ser parte do
conceito grego30. Em cada caso a incluso varia de significao. A
etapa pr-crtica seria intensional e a crtica seria extensional e nomeio dessa distino encontrar-se-ia a Lgica Jsche. ai que
Nussbaum afirma: Descobrimos neste ltimo trabalho uma mistura
inconsistente das concepes, crtica e pr-crtica, um estado de fatos
que no em si mesmo surpreendente, dado o fato que estas leituras se
estendem por toda a carreira de ensino de Kant. Mas isto pode, ao
menos em parte, dar conta da reputao de incerto (unreliability) que
30 Nussbaum,Ch (1992) pp 281-2.
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este trabalho tem adquirido entre os estudiosos de Kant31. Finalmente
esta colocada a controvrsia. Ou no s o texto da lgica
inconsistente, mas tambm a tentativa de no privilegiar o silogismo
categrico na crtica pouco slida e, portanto, s teramos
inconsistncias, insolvncias e ambigidades em Kant; ou possvel dar
uma leitura diferente, que mesmo encontrando rupturas e
continuidades, possa dar conta de algum tipo de coernciaao labor de
Kant. No que pretendamos restaurar Kant, trata-se simplesmente
de arriscar uma abordagem que nos permitir no s achar um Kant
preocupado com tecnicismos lgicos, mas tambm, e sobre tudo, comquestes de sentido e significao que permitam dilucidar os problemas
da metafsica. Aproximar-nos-emos leitura do texto da Lgica para
verificar a inconsistncia de Kant e, logo, trataremos da insuficincia
de sua empresa, segundo Nussbaum.
A estrutura do silogismo
Abordemos o texto da lgica na sua estrutura. Como temos
dito, entre os pargrafos 41 e 93 Kant trata dos raciocnios (von den
Schlssen). Comea com uma definio geral, do mesmo modo que na
crtica, diferenciando as inferncias mediatas das imediatas. Os
raciocnios imediatos pertencem ao entendimento e denominam-setambm Verstandesschlsse. Os raciocnios mediatos (e aqui introduz
uma distino a mais) so ou da razo ou da faculdade de julgar
(Urteilskraft)32. Do pargrafo 44 a 55 so desenvolvidos os raciocnios
imediatos. Do pargrafo 81 a 93 trata dos raciocnios do juzo. Os
raciocnios da Razo, que so os que esto aqui em questo, so
tematizados entre os pargrafos 56 e 80, e ai onde vamos a nos deter.
31 Nussbaum,Ch (1992) pp 281-2.32 Ver Logik Jschesec.43.
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No 56 formula-se o conceito do silogismo, no 57 o princpio
geral baseado na regra e na condio da regra. Assim, uma regra
geral denominada premissa maior, a proposio que subsume um
conhecimento (o sujeito da concluso ou termo menor) e a condio (o
termo mdio) a premissa menor, e a proposio que afirma o nega, do
conhecimento subsumido, o predicado da regra, a concluso. As
premissas constituem a matria e a concluso a forma do
silogismo33. Uma vez apresentado o procedimento geral do raciocnio da
razo podemos abordar as suas distintas figuras. A relao que a
premissa maior representa, como regra, entre um conhecimento e a suacondio, constitui as diversas espcies de inferncias da razo. por
isso que, de acordo a como seja efetuada essa relao, pode haver trs
espcies de raciocnios, a saber: categricos, hipotticos e disjuntivos
(CRP A 304/ B 361). A diviso dos raciocnios racionais baseia-se na
relao entre o sujeito e o predicado da premissa maior. Escreve Kant:
Todas as regras (juzos) exprimem a unidade objetiva da conscincia da
diversidade do conhecer, contm, portanto, uma condio sob a qual
pertence um conhecimento, em unio de outro, a uma conscincia
nica. Concebem-se trs condies desta unidade: 1- como sujeito da
inerncia, 2- como razo da dependncia de um conhecer com relao a
outro, 3- como unio das partes em um todo. Kant esclarece que os
raciocnios no podem ser divididos, como os juzos34, em relao sua
quantidade, porque toda maior uma regra e, porm, universal; emrelao sua qualidade, porque seu enunciado afirma ou nega
indistintamente; em relao sua modalidade porque a concluso
deve ser sempre necessria. Por esta razo, o princpio de diviso est
baseado na relao. Assim apresentado por Kant o fundamento da
diviso dos silogismos em categricos, hipotticos e disjuntivos. O
sentido da interpretao do silogismo deve ser dada a partir da extenso
33 Ver Logik Jschesec.59.34Logik Jschesec. 60.
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da regra em qualquer das suas trs possveis formas. Kant muda seu
privilegio pela caractersticaem favor da relaodos elementos da regra.
Deste modo, a regra do categrico deve ser interpretada sob o princpio
da subsuno da condio da regra. Desenvolvamos cada caso.
O silogismo dito categrico quando sua premissa maior, na
forma de regra, pensada sob a condio de sujeito da inerncia das
caractersticas. Assim, no 62 so enunciados seus conceitos
fundamentais, a saber:
1) o predicado na concluso; cujo conceito se chama termo
maior (terminus maior), porque ele tem uma esfera maior35
do que osujeito;
2) o sujeito (na concluso), cujo conceito se chama termo
menor (terminus minor);
3) uma caracterstica intermediria (nota intermdia), que se
chama termo mdio (terminus medius), porque por meio dele que um
conhecimento subsumido na condio da regra.
Se levarmos em conta a extenso da esfera do conceito do
predicado da concluso, ento a interpretao, neste caso, deve ser
extensional. Comparemos ambas as interpretaes.
No caso da intensionalidade a
interpretao era:
S P P
No caso da extensionalidade a
interpretao :
P P S
Onde:
S era o sujeito da concluso e da premissa menor, P o predicado da
35 O destaque no parfrase
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premissa menor e o sujeito da premissa menor, e P o predicado da
premissa maior e da concluso
No h contradio ou inconsistncia, mas aprofundamento
na interpretao do silogismo. Para diferenciar ambas as interpretaes
podemos utilizar a sugesto de Nussbaum, a partir da concepo de
Russell, de intensionalidade e extensionalidade, e nem por isso achar
qualquer inconsistent mixture. E ainda, dando um passo a mais,
podemos tambm desenvolver, a partir daqui, a explicao da prpria
teoria das idias na CRP.
O tratamento dos raciocnios na Logiktem asindicaes suficientes para, junto com aquele texto de 1762 e a CRP,
poder realizar um trabalho esclarecedor sobre a origem lgica das Ideias
da Razo. O texto de Nussbaum limita-se a tomar nota do enunciado da
regra sem atender ao estatuto da mesma. Agora, o que convm
caracterstica de uma coisa tambm convm coisa ....sob a condio
da regra . Kant explica na observao do 57 que a inferncia da
razo toma como premissa uma regra universal e uma subsuno
condio da regra. Devemos levar em conta a concepo da regra
introduzida na nova interpretao. Assim, os componentes do silogismo
so:1- uma regrauniversal ou premissa maior.; 2- uma proposio que
subsume um conhecimento na condio da regraou premissa menor.;
3- uma proposio que afirma ou nega do conhecimento subsumido o
predicado da regra ou concluso. (Destaque-se o termo regra naformulao).
deste modo que Kant define Regra, a saber: como uma
assero sob uma condio universal. destacando o papel da regra,
no raciocnio, que ele consegue incluir as duas outras inferncias
(hipotticas e disjuntivas) como sendo operaes da razo.
O caso das inferncias hipotticas da razo o mais polmico.
nesse ponto que Nussbaum apoia sua afirmao de que Kant, mesmo
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com a nova interpretao, estaria privilegiando o silogismo categrico.
No 75 Kant diz que: uma inferncia hipottica uma inferncia que
tem por maior uma proposio hipottica; at aqui estaria se marcando
o caracter da inferncia a partir da relao dos componentes na
premissa maior, mas nas observaes declara que: 1- as inferncias
hipotticas da razo no tm, pois, terminus medium, mas nelas a
conseqncia de uma proposio a partir de outra apenas indicada.
Com efeito, na maior delas indica-se a conseqncia de duas
proposies uma da outra, das quais a primeira uma premissa, a
segunda uma concluso. A minor uma transformao da condioproblemtica em uma proposio categrica. 2- a partir do fato de que a
inferncia hipottica s consiste de duas proposies, sem ter um termo
mdio, pode-se perceber: que ela no seria (sei) propriamente uma
inferncia da razo, mas antes to-somente uma inferncia
imediata a ser demonstrada segundo a matria ou a forma a partir
de um antecedente e um conseqente. (...) Toda inferncia da razo
deve ser uma prova. Ora, a inferncia hipottica traz consigo apenas o
fundamento da prova. Conseqentemente fica claro a partir daqui
tambm que no poderia ser uma inferncia da razo (da er kein
Vernunftschlu sein knne)36. Aqui no temos outra sada a no ser
aplicar o princpio do terceiro excludo. Ou no uma inferncia da
razo, e ento Nussbaum tem razo em considerar o texto como
inconsistente, e at poderamos dizer auto-contraditrio; ou umainferncia da razo, e ento devemos considerar a ltima citao como
uma comparao entre o silogismo categrico e o hipottico a modo de
esclarecimento, sem por isso restar importncia ao estatuto da regra
enquanto princpio de todas as inferncias da razo. Isto , mesmo
tendo duas proposies a inferncia continua a ser da razo por estar
fundada em uma premissa maior enquanto regra, e a partir da qual
36 O destaque meu.
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podemos operar por modus ponensou modus tollens. A rigor, se for o
caso, no teramos nem mesmo duas, mas uma proposio. Outro
detalhe a levar em conta o cuidado de Kant em redigir esses
enunciados usando sei ou sein knne. Detalhe que nem todas as
tradues conservam, passando assim de uma proposio que
poderamos colocar entre aspas como uma relao de comparao, para
uma sentena afirmativa sobre o carter da operao lgica37.
De modo anlogo acontece com as inferncias disjuntivas,
onde a premissa maior uma proposio disjuntiva da qual se infere,
segundo modus ponensou tollens, a verdade de um membro a partir dafalsidade dos outros ou vice-versa. No nos deteremos na explicao
tcnica.
Alm destes tipos de inferncias da razo, tambm temos os
falsos silogismos ou inferncias mistas e os dilemas ou inferncias
hipottico-disjuntivas. As inferncias mistas seriam casos impuros do
silogismo categrico, e os dilemas uma combinao de hiptese e
disjuno. A apresentao do quadro completo das inferncias da razo,
desenvolvido na Lgica, permite-nos aprofundar na compreenso da
mudana de interpretao, saber qual a dimenso da nova formulao
e em que sentido est orientada. Com estes elementos podemos
ingressar no texto crtico.
Da silogstica metafsica
Do mesmo modo que as formas lgicas do nosso
conhecimento (no entendimento) podem conter a origem dos nossos
37 A traduo da Logikda Editora Biblioteca, Tempo Universitrio 93, da Srie EstudosAlemes, tem, entre outras, essa dificuldade. Citamos os dois textos do pargrafo 75
destacando a conjugao do verbo ser: ...pode-se perceber que ela no propriamente uma inferncia da razo...; da er eigentlich kein Vernunftschlusei,... .
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conceitos puros a priori, -procedimento este, que o prprio Kant se
encarrega de mostrar-nos na Analtica Transcendental da primeira
crtica, deduzindo as categorias da tbua dos juzos-, assim tambm, a
forma dos raciocnios contm a origem dos nossos conceitos da razo
(CRP A 321/ B 378). A operao pode ser formulada da seguinte
maneira: na concluso do silogismo, restringimos um predicado a
determinado objeto, aps t-lo pensado na premissa maior em toda a
sua extenso, sob certa condio. Esta quantidade completa da
extenso, com referncia tal condio, chama-se universalidade, que,
na sntese das intuies, corresponde totalidade das condies. til, neste ponto, lembrar a diferena da concepo do
silogismo em relao ao texto de 1762. A distino entre intensional e
extensional no (como j demonstrei) uma indicao meramente
tcnica, o segundo caso no um procedimento de simples anlise,
seno que se refere a uma composio da extenso mediante uma
regra. E essa composio da extenso a que est em jogo na Idia.
Assim sendo, o conceito transcendental da razo (idia)
definido como o conceito da totalidade das condies relativamente a
um condicionado dado (Erscheinung). Como, porm, s o
incondicionado possibilita a totalidade das condies e, reciprocamente,
a totalidade das condies sempre em si mesma incondicionada, um
conceito puro da razo (idia) pode ser definido como o conceito do
incondicionado, na medida em que contm um fundamento da sntesedo condicionado (CRPA 322/ B 379). Trata-se de uma composio da
extenso como fundamento da sntese atravs de uma regra como
premissa do silogismo.
Uma vez apresentado o procedimento geral do raciocnio da
razo podemos abordar as suas distintas figuras. Cada raciocnio, ou
seja, cada espcie de relao tenta procurar um conceito puro da razo
diferente:
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1) um incondicionado da sntese categrica em um sujeito;
2) um incondicionado da sntese hipottica dos membros de
uma srie;
3) um incondicionado da sntese disjuntiva das partes em um
sistema;
(sntese predicativa, conjuntiva e disjuntiva respectivamente).
Assim sendo, para encontrar tal conceito, cada raciocnio
progride para o incondicionado por meio de pro-silogismos. Quer dizer:
1) para um sujeito que j no predicado;
2) para uma pressuposio que j nada pressupe; e,3) para um agregado de elementos ao qual j nada mais
exigido.
Do mesmo modo que no caso das categorias (para o
entendimento), preciso compreender isto como uma operao da
razo, uma operao lgico-discursiva. Cada operao no ,
meramente, um tecnicismo lgico, uma operao de composio de
uma srie de elementos. Cada relao uma relao de composio
ininterrupta at o absoluto, mas s idealmente, s no mbito lgico do
discurso. A este respeito, Kant nos diz: ...a razo, no seu uso lgico,
procura a condio geral do seu juzo (da concluso) e, deste modo, o
raciocnio no tambm mais que um juzo obtido, subsumindo a sua
condio em uma regra geral (a premissa maior). Ora, como esta regra,
por sua vez, est sujeita mesma tentativa da razo e assim (medianteum pro-silogismo) se tem de procurar a condio da condio, at onde
for possvel, bem se v que o prprio princpio da razo em geral (no seu
uso lgico) encontrar para o conhecimento do condicionado, o
incondicionado pelo qual se lhe completa a unidade. Esta mxima lgica
s pode converter-se em princpio da razo pura, se admitirmos que,
dado o condicionado, tambm dada (isto , contida no objeto e na sua
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ligao) toda a srie das condies subordinadas, srie que , portanto,
incondicionada (CRPA 307/B 364).
A regra de funcionamento lgico passa a ser princpio
transcendental, e assim, a gerar os problemas necessrios da razo,
enquanto este seja tomado subjetivamente. Quer dizer, por outras
palavras, que deve ser compreendido como um requerimento de
sistematicidade (uma petio: a de seguir avanando), mas, fora disto,
no possvel fazer qualquer uso emprico, objetivo, desse princpio que
seja considerado legtimo. Nesse caso estaramos atuando de modo
transcendente. O proceder da razo por raciocnios no depende daexperincia, apenas do seu prprio funcionamento, no entanto, tambm
no constitutiva daquela, apenas tem uma funo regulativa.
De acordo com o procedimento da razo, qualquer srie cujo
expoente dado, pode se prolongar indefinidamente. Isto , o mesmo
ato da razo conduz ratiocinatio polysyllogistica, que uma srie de
raciocnios, que pode ser prosseguida indefinidamente, quer pelo lado
das condies (per prosyllogismus), quer pelo lado do condicionado (per
episyllogismus) (CRP A 311/ B 387). Pelo primeiro ato gerada a
sntese regressiva, pelo segundo a sntese progressiva. A primeira diz
respeito s condies, a segunda, respeito ao condicionado. Esta ltima
sntese, gera problemas arbitrrios38. Ou seja, problemas sobre as
conseqncias do condicionado, e potencialmente aberta; enquanto a
primeira, gera problemas necessrios da razo pura sobre a condiodo dado. So problemas necessrios enquanto que carecemos de
princpios para a compreenso integral do que dado no fenmeno, e
no de conseqncias que podem ser prolongadas indefinidamente
(CRP A 411/ B 438). Com efeito, no caso da progresso teramos,
virtualmente, a possibilidade de incorporar sempre mais um elemento
38 A diferena entre problemas arbitrrios e necessrios tratada em Loparic,Z. (1982)Cap VII.
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srie, no obstante, no caso da regresso deveramos poder estabelecer
um princpio, ou primeiro termo.
Estes conceitos puros da razo (idias, ou primeiros termos
das snteses regressivas), aos quais chegamos pelo pensamento e s so
concebidos por ele, so necessrios, na medida em que nos prescrevem
a tarefa de fazer progredir, tanto quanto possvel, a unidade do
entendimento at o incondicionado (CRP A 323/ B 380). De fato, a
diversidade das regras e a unidade dos princpios uma exigncia da
razo para levar o entendimento ao completo acordo com sigo mesmo
(CRPA 305/ B 362).Neste sentido, a razo relaciona-se apenas com o uso do
entendimento, na medida em que lhe prescreve a orientao (die
Richtung) para uma certa unidade de todos os seus atos com respeito a
cada objeto ( CRP A 326/ B 383) a partir de operaes lgico-
discursivas. Um princpio de unidade tal, no prescreve aos objetos
nenhuma lei constitutiva e no contm o fundamento da possibilidade
de os conhecer e de os determinar como tais (empiricamente),
simplesmente, uma lei subjetiva, de carter heurstico, isto , no-
algortmico, que permite a sistematizao do nosso conhecimento. A
razo no contm o fundamento constitutivo da experincia dita
possvel (CRP A 306/ B 362), seno que funciona discursivamente,
contornando, atravs de uma sintaxe e uma semntica prprias, sua
esfera de influncias. apenas e nada menos que no interior destequadro onde a razo (esse lado discursivo do nosso aparelho cognitivo)
opera e formula problemas. assim ento, como as idias servem ao
entendimento s de cnone, que lhes permite estender o seu uso ao
mximo e torn-lo homogneo; por meio delas o entendimento no
conhece, mas ganha sistematicidade (CRPA 329/ B 386).
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Algumas concluses prvias
Como vemos, a teoria dos problemas necessrios da razo
est baseada na interpretao extensional do silogismo. Lembremos
mais uma vez o texto pr-crtico de 1762 tratado na primeira parte
deste trabalho. Ali Kant compreende a dificuldade de relacionar o que
possvel de se dizer em um raciocnio logicamente correto com o que
realmente acontece na experincia. Na tentativa de cuidar
adequadamente do problema, ele diferencia entre silogismos puros e
mistos, acreditando que mais uma regra sinttica acabaria com asconseqncias indevidas dos raciocnios na ampliao do
conhecimento. Mas, como observamos, no era por esse lado que ele
conseguiria desenvolver a fundo o problema. O que deveria mudar era
justamente a prpria interpretao do silogismo e passar da abstrao
subsuno. Se Kant continuasse a ver o silogismo na sua
interpretao intensional (tal como no texto de 1762) jamais haveria
conseguido formular sistematicamente os problemas da razo e teria
ficado no domnio da mera iluso. No teria conseguido diferenciar os
operadores do discurso mstico ( la Swedenborg), como o faz nos
Sonhos de um Visionrio.., e do discurso metafsico ( la Leibniz). Teria
ficado no nvel do questionamento, e ento sim, qui, poderamos
afirmar que a elaborao kantiana seria mais uma figura da repetio
metafsica ou apenas um discurso contra a metafsica.Kant assume de fato a metafsica como uma operao que
produz uma regio de problemas que independem da particularidade da
obra de um escritor. A metafsica, enquanto regio de problemas
necessrios da razo, vai alm de uma mera disciplina universitria e
dos manuais de Wolff e Baumgarten. Surge pelo prprio funcionamento
dos nossos dispositivos de conhecimento, de nossas operaes
discursivas e da nossa linguagem. Kant mostra como na modernidade
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esse tipo de problemas se apresenta naturalmente na medida em que
tentemos nos colocar problemas de ordem cognitiva. Por isso, a
metafsica enquanto problema ela mesma, no pode ser resolvida nem
com a elaborao de mais um tratado, elaborando uma questo
especfica, nem com a rejeio direta. Acreditar que se acaba com a
metafsica por que simplesmente no se fala mais dela to
questionvel como acreditar na resoluo dogmtica de seus problemas.
Ambas as alternativas fundamentam-se dicotomicamente na
interpretao da metafsica como mera disciplina. Esta interpretao
desconsidera a necessariedade da sua emergncia caindo assim emuma verdadeira iluso. O que est em jogo no texto kantiano que a
questo da metafsica propriamente dita no apenas um ato da
vontade, mais uma deciso a ser tomada do tipo fazer ou no fazer
metafsica, seno que so as prprias operaes da razo, os prprios
mecanismos da nossa discursividade, que articulam e desarticulam
essa classe de discursos.
As operaes da iluso
Uma vez estabelecido o carter "necessrio e natural" dos
problemas da metafsica, segundo o prprio funcionamento do aparelho
cognitivo, possvel agora obter uma avaliao mais precisa daoperao que est no fundo do modo tradicional de tratar estes
problemas, e detectar, desta maneira, o erro do dogmatismo metafsico.
Erro, este, tambm gerado a partir do prprio funcionamento do
aparelho cognitivo. Sendo assim, tornar-se- indispensvel voltar a
considerar o funcionamento da razo com vistas a avaliar o erro
criticamente, e no mais simplesmente rejeitar o dogmatismo como
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acontece no ceticismo. Por tal motivo acompanharei a reflexo kantiana
sobre o erro da razo.
Os sentidos no erram -diz Kant-, no podem errar porque
no julgam. Kant define o erro do juzo em relao ao objeto. S se erra
julgando. Deste modo, temos um tipo de erro que surge da aparncia
transcendental (der transzendentale Schein), ...na nossa razo
(considerada subjetivamente como faculdade humana de conhecimento)
h regras fundamentais e mximas relativas ao seu uso, que possuem
por completo o aspecto de princpios objetivos, pelo qual sucede que, a
necessidade subjetiva de uma certa ligao dos nossos conceitos, emfavor do entendimento, passa por uma necessidade objetiva da
determinao das coisas em si. Iluso esta, que inevitvel... (CRPA
297/ B 353). Trata-se de uma iluso natural e inevitvel que toma
princpios subjetivos por objetivos, nisso consiste a aparncia
transcendental. Aquela necessidade de unidade e ordem do
entendimento, efetuado por um procedimento da razo, que permite
sistematizar os fenmenos que o prprio entendimento determinou na
experincia, acaba se tornando determinao dos objetos. A idia do
incondicionado concebida como setivesse a mesma realidade objetiva
que o condicionado.
A realidade transcendental(subjetiva, no emprica) das idias
da razo, funda-se, como temos explicado, em que, por um raciocnio
necessrio, por um silogismo, somos levados a tais idias. Mas quandoinferimos mais alguma outra coisa que uma mera idia e lhe
outorgamos realidade objetiva, ento estamos operando com raciocnios
dialticos. Assim sendo, do mesmo modo que o anterior, temos trs
espcies de raciocnios dialticos, a saber:
a) o primeiro assenta-se no conceito transcendental de sujeito,
do qual infiro a unidade absoluta deste sujeito;
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b) o segundo assenta-se no conceito transcendental da
totalidade absoluta da srie de condies de um fenmeno dado em
geral; e
c) o terceiro na totalidade das condies necessrias para
pensar objetos em geral.
A primeira contm a unidade absoluta do sujeito pensante, a
segunda contm o conjunto de todos os fenmenos e a terceira a
unidade absoluta da condio de todos os objetos do pensamento em
geral. Deste modo, o sujeito pensante objeto da psicologia, o conjunto
de todos os fenmenos objeto da cosmologia, e a condio de todas ascoisas, o ente de todos os entes, objeto da teologia (CRP A 334/ B
391). Cada idia, tomada objetivamente, fornece o objeto (alma,
mundo, Deus) da metafsica especial. Isto permite que os metafsicos
misturem as idias com os conceitos e confondam a unidade sinttica
incondicionada com a sntese do condicionado. A razo, diz Kant, parte
de princpios, cujo uso inevitvel no decorrer da experincia e ao
mesmo tempo, suficientemente garantidos por esta. Ajudada por estes
princpios eleva-se cada vez mais alto (como de resto lho consente a
natureza) para condies mais remotas. Porm, logo se apercebe de que,
desta maneira, a sua tarefa h de ficar sempre inacabada, porque as
questes nunca se esgotam; v-se obrigada, por conseguinte, a refugiar-
se em princpios, que ultrapassam todo o uso possvel da experincia...
Este o erro semntico fundamental que possibilita o saltometafsico.Esta indistino de objetos (sensveis e ideais) a origem da iluso de
pod-los conhecer com os mesmos princpios. Continuemos ainda mais
com a citao: os princpios de que se serve (a razo), uma vez que
ultrapassam os limites de toda experincia, j no reconhecem nesta
qualquer pedra de toque. O campo de batalha (Kampfplatz) destas
disputas infindveis chama-se Metafsica (CRPA VII-VIII).
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Com efeito, a metafsica, constitui uma regio de problemas
da razo, e at a mais importante. Mas, tal como o dogmatismo a
desenvolvia, s conseguia entrar em contradies e obscuridades e criar
um verdadeiro Kampfplatz (campo de batalha). Esta tentativa de
perfazer a srie de todas as condies at chegar sua unidade
completa leva alm da experincia. Isto, diz Kant existe como
disposio natural (metaphysica naturalis), pois a razo humana,
impelida por exigncias prprias, (...), prossegue irresistivelmente para
esses problemas que no podem ser solucionados pelo uso emprico da
razo nem por princpios extrados da experincia (CRP B 21). Aindicao essencial. Os problemas metafsicos, mesmo sendo
originados pelas exigncias prprias do desenvolvimento cognitivo, no
so possveis de serem solucionados cognitivamente no mbito da
experincia. Surgem do cognitivo, mas no pertencem ao mbito do
cognitivo. A metafsica desta maneira, e s desta maneira,
compreendida como disposio natural, quer dizer: metafsica enquanto
regio de problemas surgidos do prprio funcionamento da razo,
originados a partir do funcionamento sinttico e semntico da nossa
discursividade.
Uma vez alcanada esta definioe no interior desse esquema
de operaes cabe, depois, decidir sobre a validade da formulao e
resoluo de tais problemas. Ou seja, dada a definio daquilo que se
interpreta como uma operao metafsica, estamos em condies de umposicionamento (dogmtico ou crtico) frente desta questo.
Os trs problemas (sobre a alma, o mundo e Deus) se
originam naturalmente, como se explicou, na procura da extenso do
nosso conhecimento emprico sobre as aparncias ou aparecimentos
(Erscheinung), de acordo com as trs relaes lgicas bsicas nas quais
podemos tentar essa ampliao, a saber: a relao sujeto-predicado
(raciocnio categrico), a relao antecedente-consequente (raciocnio
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hipottico), a relao parte-agregado (raciocnio disjuntivo) (CRPB 379).
por isso que a naturalidade da disposio metafsica estaria tanto
na base do dogmatismo como na da crtica. O que est em jogo, e pelo
qual se estabelece a diferena entre ambas as tendncias, no
rejeitar a disposio, mas sim denunciar os falsos problemas criados a
partir dela. O conceito de naturalidade dos problemas metafsicos no
visa naturalizar e, portanto neutralizar o significado da metafsica,
como se se procurasse uma justificativa diante a qual resignar-se.
Muito pelo contrrio, o conceito de naturalidade permite assumir o
problema da metafsica como problema. Isto , pesquisando o modonatural em que as operaes da nossa discursividade so feitas. Essa
operao dita metafsica torna-se problema e no adianta nem um
gesto da indiferena nem uma declarao de guerra, a operao
continua a estar a, no texto, no discurso, e por isso que o
posicionamento crtico no um trabalho sobre livros ou autores,
um trabalho no texto sobre a desarticulao da operao.
Neste sentido, coincidindo com Greier (1993)39 entre outros
comentadores, possvel observar que a Dialtica Transcendental uma
crtica s trs disciplinas da metafsica especial. Tambm em Torretti
(1980) podemos ler uma interpretao semelhante. Ele diz que, em
Kant, o entendimento constri a experincia incorporando seus objetos
em uma rede de relaes, assim, cada objeto fica condicionado pelos
outros que tambm so condicionados. Entretanto, a razo procuraencontrar o incondicionado para cada srie de condies, representado
em uma idia que no pode corresponder a nenhum objeto emprico. No
entanto, a iluso transcendental, consiste em tomar essas idias como
representaes de objetos efetivamente existentes. Essa iluso
possibilita a tentativa da metafsica especial de pretender conhecer os
39 Greier,G. (1993) Em Lebrun, G.(1970) o problema demonstrar em que sentido setrata de uma crtica metafsica especial.
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objetos supra-sensveis40, produz o salto metafsico do sensvel para o
supra-sensvel. Nesse salto tudo sucede como se do mesmo modo que
apresentado o sensvel tambm apresentado o supra-sensvel, mas
nesta relao de oposio sensvel/supra-sensvel o segundo termo,
hierarquicamente superior, determina o primeiro. O faz ser enquanto
tal. (Todo criado deve ter uma causa: o seu criador; ento: porque
existe o Criador que existe o criado). justamente esta operao a que
Kant desorganiza no texto crtico. E no somente ali, lembremos
tambm, por exemplo, no texto pr-crtico de 176341 o questionamento
da prova ontolgica. Em ambos os casos se procura uma desarticulaoda operao que ordena o texto. O que est em jogo o estatuto do
predicado, se que ainda podemos utilizar esse termo para nos referir
ao elemento P da proposio relacionado com S atravs da cpula.
As operaes da eutansia.
Mas, para complicar ainda mais as coisas, no segundo
raciocnio apresenta-se um novo fenmeno, trata-se da antittica. Esta
antittica caracterizada por Kant como um escndalo da filosofia,
como a eutansia da razo (CRPA 407/ B 434). A razo, aqui, entra
em conflito consigo mesma. Neste caso a razo no produz
propriamente, conceito algum, apenas liberta o conceito doentendimento das limitaes inevitveis da experincia possvel, e tenta
alarg-lo para alm dos limites do emprico (CRPA 409/ B 435). Isto
acontece de acordo com o mesmo princpio que j explicamos, mas,
desta vez, aplicado s categorias do entendimento. A razo, para um
condicionado dado, exige a absoluta totalidade da parte das condies,
fazendo da sntese emprica uma integridade absoluta, e progredindo
40Torretti,R. (1980). Ver especialmente pag. 524.41 Kant,I. (1763).
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essa sntese at ao incondicionado (que nunca atingido na
experincia, mas apenas na idia). A razo exige-o em virtude do
seguinte princpio: se dado o condicionado, igualmente dada toda a
soma das condies, e, por conseguinte, tambm o absolutamente
incondicionado, mediante o qual era possvel aquele condicionado (CRPA
411/ B 438). As idiascosmolgicasocupam-se da totalidade da sntese
regressiva e procedem in antecedentia e por isso que tambm so
problemas necessrios da razo (CRPA 411/ B438). Essa regresso, do
condicionado para a condio, esse alargamento para o transcendental,
acontece com aquelas categorias que permitem gerar a srie regressiva,a saber: quantidade, realidade, causalidade e necessidade.
H, ento, quatro idias cosmolgicas:
1) a partir da sntese regressiva da quantidade surge a idia
baseada na integridade absoluta da composio do total dado de todos
os fenmenos,
2) a partir da sntese regressiva da realidade surge a idia
baseada na integridade absoluta da diviso de um todo dado no
fenmeno,
3) a partir da sntese regressiva da causalidade surge a idia
baseada na integridade absoluta da gnese de um fenmeno em geral,
4) a partir da sntese regressiva da necessidade surge a idia
baseada na integridade absoluta da dependncia da existncia do
mutvel no fenmeno.A idia de integridade absoluta reside na razo
independentemente da possibilidade ou impossibilidade de lhe ligar
conceitos empricos adequados (CRPA 417/ B 444) na experincia. Esta
tambm uma operao que depende somente do funcionamento da
razo, isto , depende apenas de nossa discursividade e sem qualquer
necessidade de se ligar com fenmenos da experincia de um modo
direto. Muito pelo contrrio, essa a sua impossibilidade. O
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procedimento o seguinte: dados os fenmenos a razo exige a
integridade absoluta das condies da sua possibilidade, na medida em
que estas constituem uma srie e, portanto, exige uma sntese
absolutamente completa (CRPA 415-6/ B443). A operao da razo
prope-se estender a srie at a sua completude absoluta achando o
incondicionado. O incondicionado procurado pela razo pode conceber-
se de duas maneiras: ou como consistindo na srie total, neste caso a
regresso infinita; ou o incondicionado absoluto uma parte da srie
a que os restantes membros esto subordinados. No primeiro caso a
srie virtualmente infinita, no segundo h um primeiro termo, que:1) em relao ao tempo se chama incio do mundo, em relao
ao espao, limite do mundo;
2) em relao s partes de um todo dado em seus limites,
simples;
3) em relao s causas, espontaneidade absoluta (liberdade);
4) em relao existncia de coisas mutveis, necessidade
natural absoluta (CRPA 417/ B 445).
Sobre cada um destes casos, de problemas de cosmologia
clssica, a razo entra em conflito consigo mesma. Um jogo de
argumentaes contrapostas surge a partir do prprio funcionamento
da razo. Podem se fornecer, deste modo, provas negativas do incio ou
no do mundo, da simplicidade ou no da matria, da questo da
afirmao ou no liberdade, ou mesmo, da existncia ou no de Deus. Todas elas tero apenas o valor da contra-argumentao. Embora
nenhuma se possa afirmar em si mesma.
Muitas dessas demonstraes foram tratadas, em maior ou
menor medida, como casos particulares, nos trabalhos pr-crticos. O
resultado desses ensaios manifestou o surgimento do problema
semntico na formulao de tais questes42. Mas, s o tratamento
42 Ver Perez,D. (1997-8).
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crtico vai retomar essa problemtica a partir da sua prpria raiz. Quer
dizer, a partir da operao que as torna possveis e, assim, dar, de
algum modo, uma resposta. Deste modo, temos que as duas primeiras
antinomias, ditas matemticas, podem ser consideradas, ambas as
suas partes, como falsas, desde que seja impossvel lhes reportar algum
objeto que constate efetivamente aquilo que afirmam; por outro lado, as
duas seguintes antinomias, ditas dinmicas, podem ser consideradas,
ambas as partes, como verdadeiras, desde que sejam reportadas a
campos semnticos diferentes, por um lado terico e, por outro lado,
prtico.
Algumas consideraes finais
Com efeito, o problema da razo aqui exposto reside em que
ao estar alm da experincia no temos um fundamento a partir do qual
possamos afirmar com certeza alguma coisa acerca de tais questes.
Diz Kant: Como, porm, at agora todas as tentativas para dar
resposta a essas interrogaes naturais, como seja, por exemplo, se o
mundo tem um comeo ou existe desde a eternidade, etc..., sempre
depararam com contradies inevitveis, no podemos dar-nos por
satisfeitos com a simples disposio natural da razo pura para a
metafsica (...); pelo contrrio, tem que ser possvel, no que se lhe refere,atingir uma certeza: a do conhecimento ou ignorncia dos objetos, por
outras palavras, uma deciso quanto aos objetos das suas
interrogaes ou quanto capacidade ou incapacidade da razo para
formular juzos que se lhes vinculem; conseqentemente, para estender
com confiana a nossa razo ou para lhe pr limites seguros e
determinados (CRP B 22). Assim sendo, de um lado temos uma
disposio natural, uma naturalidade para os problemas necessrios
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da razo, produto da operatividade, do prprio funcionamento, do
aparelho cognitivo; e do outro lado, a iluso inevitvel, como o resultado
de outra operao, que surge quando tentamos responder a tais
problemas. Isto coloca a razo como aparelho problematizante, mas
tambm como limitado na sua capacidade de (problematizar)
funcionamento de acordo com determinados requisitos, do contrrio a
problematizao da razo deixa de ser tal para tornar-se resposta
dogmtica.
A metafsica dogmtica esquece (o carter finito da nossa
razo43
) qualquer restrio, pretendendo alcanar com o conhecimentoainda aquilo que inatingvel na experincia. Com efeito, as prprias
restries do nosso conhecimento permitem observar que as iluses
transcendentais no so o produto de um simples erro tcnico ou de
medio que poderia ser solucionado com um ajuste de observao na
experincia. Isto , a pergunta pela origem do Universo ou a diviso da
matria no poderia ser respondida objetivamente apenas com o
melhoramento do nosso instrumental de pesquisa. Neste sentido, a
metafsica (como disciplina cognitiva) tambm no adiantaria a resposta
que deveria ser confirmada ou refutada pelo procedimento cientfico.
Quer dizer, a metafsica tambm no um acervo de hipteses a testar.
Kant, na sua empresa crtica, nos mostra que o modo de
abordagem dos problemas necessrios da razo por parte da metafsica
tradicional carece da certeza da cincia. Embora queira imit-la, sconsegue, de fato, confundir seu objeto, o modo de conhecimento e os
seus limites44. Pareceria haver sido pelos xitos alcanados pela razo
na matemtica que os metafsicos acharam-se estimulados nessa
tentativa de imitar a cincia e ir alm da experincia. A confiana
desmesurada da razo em si mesma teria dado o impulso para o salto
43 Kant utiliza o conceito de razo em dois sentidos, um amplo, indicando a totalidade
do nosso aparelho cognitivo, outro estreito, designando a razo propriamente dita.Neste caso utilizo o termo na sua primeira significao.44 Porleg. 265.
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metafsico. Uma interpretao errada da matemtica por parte dos
metafsicos somada ao uso irrestrito da lgica formal poderia ter
oferecido a iluso de rigor na argumentao dogmtica45. assim como,
a metafsica, no seu af de conhecer objetivamente os seus objetos,
afirma suas proposies sem nenhuma base real. Tal como explicamos
anteriormente, no tratamento dos textos pr-crticos, esse procedimento
foi questionado em cada caso. Agora, o labor crtico, consiste em
compreender o problema na sua totalidade. E unicamente deste modo
que a iluso da razomostrar o infundado da formulao dogmtica.
Na Dialtica Transcendental, especialmente, mas tambmmuitos outros textos, se coloca em questo o sentido da enunciao
atravs de seu modo de operar. No se ataca esta ou aquela resposta,
seno que se aponta para a operao que possibilita essa ou qualquer
resposta. assim como aquele modo de abordagem dos problemas de
acordo com a metafsica tradicional, questionado por Kant, gera a sua
imagem oposta, como em um espelho. Isto , a confiana dogmtica
gera a revolta ctica, e assim como dois estados da razo do inicio
sua histria. Para desvelar isso preciso voltar ao ponto de partida46.
Abstract: In this paper I reconstruct the interpretation of
the syllogism, in the two great stages of the thought of
Kant, in order to show its importance in the formulation of
45 Essa interpretao pode se lr nos Progressos da Metafsica.... Especificamente emAK. XX pag 262.46 Os manuscritos de Os Progressos da Metafsica desde Leibniz e Wolff so uma
tentativa de tratar tematicamente aqueles problemas. A leitura desses textos nospermite colocar o problema da metafsica e da sua histria em termos decididamentefilosficos e no apenas historiogrficos.
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the necessary problems of the reason in the Critic of the
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