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A DIDÁTICA E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA/NA
REALIDADE E NA FORMAÇÃO INICIAL NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Beleni Saléte Grando,
Faculdade de Educação Física/UFMT
Este texto traz uma prática pedagógica na qual busco evidenciar a didática como campo
relevante da formação profissional no ensino superior, especialmente na formação de
professores de Educação Física. Busco em diálogo com autores, refletir sobre alguns
aspectos relevantes da relação entre o conhecimento científico e a leitura crítica da
realidade na qual os acadêmicos que são inseridos na Universidade devem atuar como
profissionais, num futuro próximo. A perspectiva interdisciplinar, seja a partir da
disciplina, seja a partir do tema a ser problematizado, é viabilizada pela proposta
didática que considera a afetividade e as experiências escolares de cada aluno para
organização da prática pedagógica, que no caso, se limita a um semestre, no início de
um curso de licenciatura, numa cidade do interior. A problemática do texto é a sala de
aula como prática social na qual a didática específica se constitui como uma
possibilidade qualificada de acesso ao pensamento científico e a superação dos limites
de formação dos alunos oriundos de uma cultura escolarizada alienante, portanto, pouco
eficiente para a leitura e a escrita científica. Estes são aspectos a serem considerados no
processo de aprendizagem e, por isso mesmo, no processo de “aprender-ensinar” na
universidade pública. A realidade analisada parte do cotidiano vivido que nos produz
como professora, esta é o ponto de partida a ser superado pela capacidade de acessar o
pensamento crítico na prática social vivenciada na sala de aula e a partir dela superar os
limites entre a nossa própria formação e a formação do nosso aluno.
Palavras-chave: Produção do Conhecimento; Formação Inicial; Educação Física.
A DIDÁTICA E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA/NA
REALIDADE E NA FORMAÇÃO INICIAL NA EDUCAÇÃO FÍSICA
GRANDO, Beleni Saléte
Faculdade de Educação Física/UFMT
Introdução
Trata-se da análise da prática pedagógica cujo objetivo é problematizar como
promover aprendizagens significativas para a apropriação dos conhecimentos
necessários ao exercício profissional no campo da Educação Física e do Esporte,
considerando a diversidade de sujeitos com os quais constituímos nossa sala de aula
como ambiente “de relação e comunicação intencional” capaz de ampliar e
complexificar suas capacidades de aprendizagem.
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Referindo-se aos processos de “aprender e ensinar, ensinar e aprender”, que para
Libâneo (2012) é o papel ou a natureza da didática. Para tanto, neste, dialogo com este
teórico e com outros a fim de evidenciar o papel da didática nos processos de formação
inicial de profissionais da educação. Como afirma o autor, a educação é uma prática
social, materializada numa atuação efetiva na formação e desenvolvimento de seres
humanos, em condições socioculturais e institucionais concretas, implicando práticas e
procedimentos peculiares, visando mudanças qualitativas na aprendizagem escolar e na
personalidade dos alunos (2012, p. 38).
Assim, neste texto evidencio o processo de ensino e aprendizagem como prática
social na qual o próprio docente é sujeito do processo e, portanto, ao problematiza-la
pode melhor compreender-se aprendendo a ensinar. Segundo Libâneo (2012), na
tradição da teoria histórico-cultural, os estudiosos evidenciam que a “mediação
didática” é uma forma de “ativação do processo de aprendizagem”, ou ainda: “o caráter
científico do ensino é dado pela condução do processo de ensino com base no
conhecimento das leis que governam o processo de conhecimento” (2012, p. 40).
Os procedimentos de ensino e aprendizagem se pautam na prática pedagógica
desenvolvida durante seis semestres consecutivos, no curso de licenciatura em
Educação Física, na disciplina que tinha por orientação a “metodologia de pesquisa” a
ser ensinada a alunos do primeiro semestre, nos cursos de licenciaturas, numa
universidade pública do interior, no Centro-Oeste brasileiro. O projeto pedagógico da
disciplina visava problematizar a realidade a ser compreendida a partir da produção do
conhecimento científico que sustenta a formação inicial em Educação Física,
especialmente considerando que o aluno leva consigo a cultura dominante sobre o corpo
e o esporte idealizados como produtos no mercado capitalista, ao chegar à universidade
em busca de uma formação profissional.
O desafio era “ensinar” as normas científicas para a elaboração dos trabalhos
acadêmicos, à alunos recém chegados do Ensino Médio, com isso, o trabalho vai sendo
estruturado desde o primeiro dia de aula até o fechamento do semestre, a fim dos alunos
serem inseridos ao campo científico da Educação Física e das Ciências do Esporte de
forma crítica e criativa, para compreenderem a relação entre o conhecimento, a
realidade e a prática profissional.
Parte-se do pressuposto que há uma diferença entre o ensino dos conteúdos
curriculares na formação básica e os conteúdos curriculares que formam profissionais
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da educação no ensino superior. Ou seja, compreende-se que os conteúdos, pautados nas
ementas de cada disciplina, devem ser articulados aos objetivos da formação inicial dos
futuros professores que estarão assumindo a educação de crianças, jovens e adultos, nos
mais diferentes contextos educativos, e também, a elaboração e desenvolvimento de
projetos de pesquisa e de extensão, que possam subsidiar e implementar políticas
públicas para a educação, o esporte e o lazer da sociedade atual.
Com isso, não nos limitamos ao ensino de procedimentos metodológicos para
elaboração de projeto ou uso de técnicas de coleta de dados, elaboração textual ou de
normas da Associação de Normas Técnicas (ABNT), ao contrário, consideramos o
limite dos alunos e o tempo pedagógico de um semestre, para construir formas de
pensar, resolver problemas teórico-metodológicos e compreender as possibilidades de
estudo e de intervenção profissional na profissão que escolheram, e neste processo,
ensinar as normas e técnicas necessárias ao processo de aprender.
Parafraseando Libâneo (2012), a instituição escolar se situa num tempo-espaço
cujos condicionantes externos implicam ações que atendam tanto aos objetivos da
sociedade e da instituição quanto os da aprendizagem do aluno. Com isso, a prática
pedagógica desta análise foi sendo construída de forma dialética, portanto, em
permanente conflito com a realidade da sala de aula e os limites da minha própria
formação, e, neste sentido, foi ampliada pelo confronto permanente com a realidade
social contraditória na qual nos constituímos como cidadãos e profissionais da educação
em Mato Grosso e no Brasil.
A superação dos conflitos resulta do permanente do diálogo com a literatura,
exigência da sala de aula, e a confiança de que é no conflito com a prática social
vivenciada com os alunos que a cada semestre, os desafios vão tecendo possibilidades
de superação de problemas didáticos como os apresentados por alunos que ainda não
dominavam a leitura e escrita (o uso fluente da língua: ortografia, concordância, clareza
das ideias), ou a expressão do pensamento com a escrita correta da língua portuguesa.
Trata-se, portanto, de compreender no cotidiano da sala de aula, as dimensões da
vida cotidiana e do conhecimento, pois como se refere Torriglia (2008) ao trazer Heller
(1991, p.19), a vida cotidiana pode ser compreendida como um “[...] conjunto de
atividades que caracterizam a reprodução dos homens particulares, ao mesmo tempo a
reprodução social” ou como uma totalidade social a partir de Lukács (1990), como
“complexos de complexos” no qual o “cotidiano escolar”, para a autora, “se caracteriza
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por favorecer a reprodução dos singulares e da genericidade”. Ou seja, para Torriglia
(2008) a reprodução que aparenta o cotidiano “[...] não significa mera adaptação, ao
contrário, ela é necessária para conservar os elementos e nexos da produção da vida, e
para superar e ampliar os limites que tendem a “aprisionar” as potencialidades das
capacidades próprias de uma formação humana plena de sentido. (2008, p.30).
No ensino superior, espera-se formar profissionais da educação, da saúde, do
saneamento, do urbanismo, da assistência social, da tecnologia e da ciência, entre outras
prioridades, a fim de que como sociedade, possamos superar os problemas sociais
diversos para o viver melhor. Assim, concordando com Torriglia (2008, p.27), “[...] o
conhecimento não é simplesmente um espaço entre a pergunta e a resposta: o
conhecimento é a captura do movimento no real, é a unidade da teoria e da prática na
busca da transformação, de novas sínteses no plano do pensamento e na realidade
histórica”.
A produção de sentidos da sala de aula
Após conhecer cada aluno e aluna e os seus interesses e motivações para acessar
a universidade, estabelecemos os primeiros conflitos ao constatarmos que nem sempre o
que esperamos de um curso é o que ele pode nos oferecer. Conhecer a proposta da
disciplina é o ponto de partida para firmarmos o compromisso de transformarmos o
espaço da sala de aula numa prática social que dê sentido a nossa humanidade.
Ao evidenciar a responsabilidade política de criar condições para que aprendam
os conteúdos e objetivos previstos no currículo, encaminho o primeiro trabalho
individual que parte do interesse de cada um/uma, sem qualquer questionamento sobre
as contradições do que pode ser a referência do campo científico que trazem. Em sala,
levo as possibilidades de acesso a artigos científicos sobre os mais diversos subtemas da
Educação Física e do Esporte. Os estudantes podem acessar virtualmente os sites
recomendados e outros disponíveis ou já conhecidos, outorgando uma maior
possibilidade de aprofundamento sobre a diferença do conhecimento científico e das
informações disponíveis na Internet.
Os livros são apresentados, diferenciados, conhecidos em sala de aula e podem a
partir deles escolher também artigos de coletâneas, capítulos, ou textos específicos de
periódicos da área; outra estratégia é a visita orientada à Biblioteca e ao laboratório de
informática, a fim de que cada estudante escolha com critérios um artigo de seu
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interesse temático. A diversidade de possibilidades levam para a sala textos que relatam
pesquisas, extensão, projetos (políticas públicas), experiências das mais diversas
intervenções profissionais da Educação Física (no país das diferenças o acesso ao
conhecimento não necessariamente se dá a partir das bibliotecas das IES).
O processo de aprendizagem é desencadeado quando os alunos sentem-se
reconhecidos nos seus interesses e trazem o primeiro texto lido para a sala. Vão sendo
orientados para esta apresentação que não se limitam à mera exposição, mas no diálogo
com o conhecimento científico, a partir de questões sobre a percepção que tiveram das
leituras: os textos foram fáceis de compreender, perceberam se os autores escreviam
sobre pesquisa, sobre experiências práticas, se questionavam alguma prática social ou a
própria Educação Física e o Esporte, entre outras possibilidades que ocorrem no
diálogo.
Os alunos participam ativamente da aula no estranhamento do que seria a
pesquisa científica e o que seria um relato de experiência, sendo conduzidos conduzidos
à compreensão de que o campo de conhecimento da Educação Física se constitui a partir
de áreas de conhecimento que se destingem nas Ciências Humanas e Sociais, e nas
Ciências Biológicas e da Saúde. O conhecimento científico vai sendo construído pela
complexidade dos temas e de seus aprofundamentos teóricos mediados pelos textos que
tratam dos diversos objetos de investigação e intervenção com os quais se ocupam os
profissionais, e na compreensão de como estes conhecimentos contribuem para novas
práticas pedagógicas.
Ou seja, compreende-se que:
O processo de apropriação ocorre em contextos de práticas sociais,
culturais e institucionais, dada a natureza social das funções sociais
superiores. Desse modo, o ensino acontece em meio a práticas
correntes no entorno social e nas próprias situações de aprendizagem [...] de aula, dada a configuração dos ambientes sociais de
aprendizagem. [...] supõe o contexto de “vivência” do aluno, ou seja,
os contextos socioculturais e institucionais. Não se trata, pois, de um processo que surge e termina na aprendizagem individual do aluno.
(LIBÂNEO, 2012, p.44).
É a partir do texto de interesse de cada aluno/a, que novas possibilidades de
compreensão coletiva sobre o campo de conhecimento da Educação Física e Ciência do
Esporte são criadas. Com isso, após este processo de problematização e produção de
novos sentidos para a Educação Física, pode-se compreendê-la como prática social
inserida na realidade sócio histórica e cultural na qual nós, professores e alunos,
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pesquisadores ou profissionais, técnicos, jogadores ou torcedores do esporte, estamos
inseridos, e, a partir disso, passamos à fase da organização das informações e
socialização dos textos.
Antes de apresentar os textos individualmente, os resumos escritos pelos alunos
são avaliados quanto aos objetivos e linguagem utilizada, pois devem comunicar as
ideias do autor (ou autores), alguns usam o resumo pronto dos próprios autores que
estão nos artigos, e isso também é válido no processo, pois serve para mostrar o que é
plágio, e a partir disso aprendem melhor como o estudante pode se apropriar das ideias
dos autores respeitando o processo de conhecimento historicamente produzido, de
forma eticamente coerente e acadêmica.
Isso significa que saberes e práticas correntes no entorno escolar não devem ser reproduzidas [...], mas reorganizadas e articuladas as
funções específicas da instituição escolar. São referências para a
abordagem dos conteúdos, no sentido de que o papel da escola é integrar os conceitos científicos com os conceitos cotidianos trazidos
de casa e do meio social. (LIBÂNEO, 2012, p.45).
Valorizamos os erros para aprender e a aula flui com facilidade, pois os alunos
são respeitados como sujeitos e assim aprendemos juntos a organizar os “saberes”
trazidos das leituras e interpretações socializadas em sala. Ou seja, “[...] as atividades de
uma disciplina na sala de aulas orientadas para a formação de processos mentais por
meio dos conteúdos científicos precisam estar articuladas com as formas de
conhecimentos cotidiano vivenciadas pelos alunos”. (LIBÂNEO, 2012, p. 44).
Na orientação de como elaborar o resumo é pontuado o processo de produção do
conhecimento, considerando para quem se escreve. O resumo deverá conter
“introdução, desenvolvimento e conclusão”, mas a técnica não é o princípio orientador
da produção de texto e sim o conhecimento que faz sentido, que auxilia a compreensão
de que é preciso escrever bem para ser compreendido pelo leitor, mas para se escrever
bem, precisamos ler bem.
Com isso ampliam suas possibilidades de sujeitos históricos. Ampliar “o
conhecimento pessoal cotidiano para leis gerais e conceitos abstratos dos conteúdos”
(HEDEGAARD, 2005, p. 70 Apud LIBÂNEO, 2012, p. 45), mais do que superar
limites técnicos do processo de ler e escrever, precisam complexificar a capacidade de
leitura abstrata da realidade concreta por práticas sociais.
Importante afirmar que como os estudantes, jovens ou adultos brasileiros que
não têm a prática da leitura, a aprendizagem e a afetividade são parte relevante do
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processo de cognição. A relação afetiva se estabelece no reconhecimento de que é o
estudante que aprende e não o conteúdo é o principal foco do processo, no qual o
professor assume o papel de mediador para garantir as condições para que estes se
apropriem do processo e assim, consigam maior autonomia cognitiva.
Seguindo o processo de análise da prática pedagógica – ou apresentando a
didática efetivada na prática social –, após finalizados os resumos individuais, antes de
serem apresentados em sala, passamos a construir juntos as “palavras-chave” dos textos,
no quadro. Esta tarefa é um exercício de organização temática dos textos lidos e os
termos construídos compõem sentidos e significados que articulam os conteúdos
trazidos para a sala pelos alunos, a partir das leituras. Assim, ensaiam formas de
organizar os trabalhos científicos ao mesmo tempo em que se tencionam as questões
sobre os objetos de estudos dos autores, os sujeitos, os tipos de pesquisa ou de relatos de
experiências. Estes termos iniciais vão sendo compreendidos no processo e são os
conflitos cognitivos gerados nele que contribuem para a formação necessária ao ensaio
do projeto de pesquisa a ser elaborado coletivamente.
Organizados por “temas”, os alunos se agrupam para apresentarem aos colegas
do grupo os seus resumos. Ao ler evidenciam os problemas da escrita, a clareza ou não
dos objetivos, da metodologia e do conteúdo de cada artigo lido. As questões que
surgem para a compreensão do artigo lido, pelos colegas, orientam a reescrita dos
resumos, qualifica a produção de texto. Os alunos que trazem informações mais
generalizadas e de senso comum, acabam sendo motivados a novas leituras para trazer
maior contribuição ao grupo e facilitar, com mais conteúdo, elaborar o resumo que
estará compondo o “trabalho” do grupo. Geralmente solicitam sugestão sobre onde
acessar textos mais completos, e os próprios colegas que já aprenderam a diferenciar os
tipos de conteúdos disponíveis para o conhecimento, ensinam buscar artigos científicos.
Nesta dinâmica a ambiência de produção de conhecimentos é garantida na
construção de conceitos que superam a mera leitura ou cumprimento de tarefa, pois se
deparam com o problema sobre o que é conhecimento científico, ou como este
conhecimento traz contribuições que ampliam a leitura sobre os temas de interesse.
Enfim, o “[...] trabalho educativo é um trabalho prático, entendendo ‘prático’ no sentido
de envolver uma ação intencional, pensada, dirigida a objetivos”. (LIBÂNEO, 2012, p.
56). Trata-se de considerar no processo o permanente conflito cognitivo impostos pelos
próprios limites, ou melhor, pelas experiências acumuladas de cada participante, pois
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quando há confiança que todos são capazes de aprender e de ensinar, o suporte afetivo
garante que todos, de fato, podem aprender.
Os grupos passam a preparar a apresentação: criam um título para o grupo, que
revele o conteúdo dos textos reunidos, organizam os mesmos, com capa, nome dos
organizadores, e depois, no corpo do trabalho, reúnem os resumos com o título e
autor/es de cada texto, alguns fazem sumário, organizam as referências no final do
trabalho, enfim, trazem possibilidades de superar as orientações iniciais e já antecipam
as condições de compreensão do uso das normas técnicas para os trabalhos científicos.
Na apresentação dos resumos, são ricos os debates sobre os tipos de produção
acadêmica e os alunos com mais dificuldades, neste processo têm garantido a orientação
individual, pois em grupo a prática pedagógica possibilita melhor visibilidade das
individualidades para a atenção diferenciada do professor.
Neste momento a prática social viabilizada na sala de aula possibilita a
aprendizagem dos sentidos do uso das normas da ABNT – o conteúdo – ao mesmo
tempo em que supera a mera reprodução deste, mesmo quando se trata de aprender o
uso técnico de normas pré-definidas. Aprende-se neste processo a superar limites e a dar
sentido à produzir conhecimento em oposição a mera reprodução de ideias já
consolidadas – o que significa ampliar a própria prática da Educação Física quando
ensina as habilidades motoras ou técnicas corporais específicas nos esportes.
Libâneo (2012) referindo-se aos requisitos da formação de professores evidencia
que cabe o professor conhecer os alunos para analisar os conteúdos e organizar o plano
de ensino. Este procedimento leva em consideração a produção de autonomia intelectual
dos alunos e nisso, alguns superam o solicitado e trazem, além dos resumos reunidos no
um trabalho com o título, nome dos organizadores, os textos/resumos e seus respectivos
autores, um texto de apresentação da “obra” (trabalho). Neste sentido, a compreensão
do que é uma “coletânea”, título obra, autores, organizadores, etc., que vão ter que
aprender já tem sentido e significado.
O conteúdo de ensino específico é garantido pelo procedimento didático
adequado a realidade sociocultural dos alunos. Quando escrevem, organizam e depois
apresentam o texto, compreendem como se faz e porque se faz necessário as técnicas
padronizadas para apresentar as referências bibliográficas, e, após a construção de
sentidos e significados, ocorre a aula sistematizada ministrada com os recursos visuais
do conteúdo específico das normas da ABNT. É a partir da construção do “boneco da
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obra” feito nos grupos, que os alunos dão sentido e significa ao conteúdo
compreendendo o processo histórico da produção técnica e avançam na compreensão
mais complexa dos processos de produção de conhecimento.
Compreendem-se as normas/técnicas como produção humana, histórica e social,
e com isso, ampliam-se as possibilidades de compreender o processo histórico da
produção e reprodução das técnicas e regras no campo da Educação Física. Segundo
Torriglia (2008, p.35), Lukács (1978, p. 111), afirma que “a estrutura elementar” dos
nexos entre a teoria e a prática, “apresenta-se muito antes na prática, é ai aplicada muito
antes de ser compreendida e formulada adequadamente pela teoria”.
Pelo acesso a uma nova forma de compreender a realidade, de pensar e conhecer
na Universidade busca-se garantir o papel da disciplina na formação dos cidadãos serem
formados e inseridos depois como profissionais com nível superior. Com a
compreensão de como se produz o conhecimento sobre as práticas corporais (objeto de
investigação e intervenção da Educação Física), são introduzidos ao mundo acadêmico e
à realidade do trabalho. Conhecer é superar a limitação inicial do senso comum,
acessam níveis superiores do pensamento, compreendendo o conhecimento científico
como parte da realidade, pois contribui e interfere na vida cotidiana da sociedade,
inclusive como conteúdo de ensino nos mais diferentes níveis de aprofundamento
teórico-metodológico, podendo transformar a realidade social.
[...] Em outras palavras, os limites da vida cotidiana se ampliam, os conhecimentos “explodem” as regras mínimas e peculiares que
sustentavam momentos anteriores. Esses conhecimentos, juntamente
com o pensamento intuitivo, a forma pragmática de enfrentar os
acontecimentos, as generalizações, entre outros aspectos, surgem da articulação e relação com as objetivações superiores. (TORRIGLIA,
2008, p.38).
No entanto, não seria uma única disciplina capaz de provocar tamanha mudança
na forma de apropriação da realidade, na forma de pensamento tão complexo, mas não
há como nos eximir - independente da disciplina ministrada -, de assumir nosso papel na
formação do pensamento crítico, locos privilegiado da Universidade, especialmente na
formação inicial dos futuros gestores/trabalhadores da sociedade.
Para Libâneo (2012), entre os requisitos da formação de professores:
[...] estão as convicções ético-políticas, implicando tanto o papel educativo do professor no sentido de orientar o ensino dos conteúdos
para a formação da personalidade quanto a ajuda efetiva aos
estudantes para que aprendam a colocar-se frente à realidade, a apropriar-se do momento histórico de modo a pensar historicamente
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essa realidade e reagir a ela, numa direção emancipadora. (2012, p.
57).
O trabalho disciplinar também não pode ser limitador, pois há necessariamente a
demanda de que cada professor ao elaborar o projeto pedagógico da disciplina que é
responsável a planeje numa perspectiva interdisciplinar e, se possível, que extrapole o
tempo e espaço da disciplina para concretizar práticas pedagógicas entre as disciplinas.
Assim, coube também neste planejamento pedagógico promover parcerias com outros
colegas e disciplinas. Este trabalho depende do conhecimento do Projeto Pedagógico do
Curso, assim como da compreensão das ementas e objetivos das disciplinas que no
currículo compõem o período de formação dos alunos que estarão conosco no semestre.
Nesta proposta didática, o trabalho interdisciplinar foi articulado com as disciplinas:
Produção de Texto e Leitura; Sociologia e História da Educação Física.
As avaliações processuais são orientadas para superação dos limites individuais
e contribuem para motivação dos alunos, que não raras vezes, passaram quatro horas,
após o almoço, em sala de aula, lendo, discutindo, escrevendo. Avaliação significa
compreender o processo de pensamento do aluno e quais são os elementos que faltam
ser apropriados para superar os erros apresentados no processo de aprendizagem. Neste
ponto relevante da prática pedagógica, compreendida como prática social, o diálogo
com os demais docentes do semestre é relevante desde que não sirva para consolidar
pré-conceitos, mas para relativizar formas de ver e ouvir o aluno em sua
individualidade. Com isso, com estes procedimentos didáticos pode-se evidenciar, não
sem exceção, que os alunos se esforçam para superar os próprios limites quando se
percebem no processo de aprendizagem, na organização e proposições de novas ideias.
Com diferentes temas o caminho foi indicando um tema de interesse comum
sobre o campo da Educação Física, para cada turma. Ora chegamos a um tema
transversal evidenciado nos textos, ora questionamos a partir dos estudos a realidade
local (contradições evidenciadas pelo conhecimento científico), ora questionamos um
fato em evidencia nos meios sociais. O tema escolhido pela turma os levava a
compreender o processo de produção do conhecimento e aprender como elaborar de um
projeto de pesquisa. No caso, o projeto coletivo era a metodologia para compreender o
processo de problematização, planejamento (elaboração do projeto), e exercício de
apropriação da realidade para responder ao problema levantado. Foram temas: “Jogos
Escolares”, “Circuito Nacional de Vôlei de Praia do Banco do Brasil”, “Academias da
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cidade”, “Espaços de Lazer Urbano”, “Perfil do Professor de Educação Física”, entre
outros.
A cada semestre elegemos um tema que se transformava no “projeto de
pesquisa”. A problematização se dá pela necessidade de superar as formas de percepção
que temos da realidade e do campo de conhecimento que estamos buscando nos
constituir como profissionais. Nos coube construir na ambiência organizada para
aprender e ensinar, intencionalmente, um ambiente de “formação intelectual e moral dos
alunos” (LIBÂNEO, 2012) superando os limites da percepção utilitária da realidade
social.
Objetivando superarmos a habitual e conservadora visão do mundo e da
Educação Física e do Esporte, como possibilidade de ler a vida cotidiana, que nos
aventuramos a problematizar o evento esportivo regional realizado na cidade. Para
alguns, um desafio difícil, pois se beneficiavam dele como “atletas” (camuflando a
identidade universitária), mas foi inclusive pautando este desafio que elaboramos
coletivamente o “projeto de pesquisa” em sala de aula, com o objetivo de
compreendermos para além da aparência e das nossas percepções habituais. Pautamo-
nos na literatura e no uso de estratégias metodológicas que dessem conta de levantar
dados da realidade para melhor qualificar nossa leitura sobre ela, sem julgamento de
valores às pessoas.
A fundamentação com leituras específicas, da disciplina (metodologia científica,
normas da ABNT) e estudos interdisciplinares tiveram apoio das disciplinas, História da
Educação Física e da Sociologia, cursadas pelos alunos no semestre. Isso deu
sustentação à compreensão do esporte como expressão da sociedade capitalista, da
formação dos professores que organizam os eventos escolares, do papel do histórico dos
sujeitos, do papel social e político do professor de Educação Física na escola, e das
consequências de nossas atitudes no cotidiano da aula e nos espaços do esporte na
sociedade. Como destaca Libâneo (2012), é relevante o:
[...] respeito ao conhecimento das práticas socioculturais e institucionais em que os alunos estão envolvidos e as formas como
atuam na motivação e aprendizagem dos alunos. Não basta obter o
conhecimento teórico e os meios pedagógico-didáticos para melhorar e potencializar a aprendizagem dos alunos, é preciso considerar os
contextos concretos em que se dá a formação [...]. (2012, p. 57).
O salto qualitativo nesta prática social permite a superação dos diferentes
aspectos que constituem a cotidianidade (saberes pragmáticos, linguagem, juízos
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intuitivos, aceitação das normas e do mundo, entre outros) que fazem parte da formação.
Esta superação não é linear, mas, enquanto mais se ampliam as possibilidades de
conhecer, mais os seres humanos aspiram a um para-si, a uma noção de coletivo social
que afirma uma individualidade no social e para o social. (TORRIGLIA, 2008, p.37).
Os dados organizados, discutidos e analisados em sala de aula, são
sistematizados em grupos como relatórios de pesquisa, orientados nas normas
científicas apreendidas nas aulas expositivas e dialogadas, com os exercícios e revisões
para aprendizagens significativas com a colaboração de todos, com formulações e
hipóteses que são construídas e derrubadas no processo de aprender coletivo. Como
consequência deste processo, os alunos se sentem empoderados e participam de eventos,
como ocorreu com um grupo que participou no segundo semestre com o trabalho da
disciplina num evento regional organizado pela entidade científica da Educação Física
(Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte). A repercussão do trabalho superou o
acesso ao processo de produção do conhecimento e uso das normas da ABNT, para
leva-los a novas possibilidades e aprendizagens com autores, pesquisadores e alunos das
IES do Centro Oeste.
Considerações finais
Constatamos que a dinâmica da sala de aula contribui qualitativamente para a
leitura crítica da realidade: “A saída da cotidianidade é um processo constante e, cada
vez que se efetiva, os sujeitos singulares se enriquecem, e se eles se enriquecem, -
crescem em extensão e em qualidades cada vez mais complexas de compreensão -,
também a vida cotidiana se amplia e cresce. [...]” (TORRIGLIA, 2008, p.38).
Foi determinante a postura interdisciplinar para a apropriação de conhecimentos
significativos que contribuem para a formação crítica do profissional da educação. A
pesquisa como proposição metodológica tem sentido quando construída em processo
permanente com os alunos, reconhecendo seus saberes e formas de conhecer. É numa
relação afetuosa com o conhecimento que o conflito necessário para aprender pode ser
potencializado e possibilitar uma didática pautada na produção do conhecimento
coletivo, como se deu na elaboração do relatório dos projetos; a superação de limites
individuais de cada aluno para escrever com coerência e consistência, sem medo de
expor-se nos grupos menores organizados pela professora foi evidenciado, também
pelos demais professores com os conteúdos de suas disciplinas.
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Assim, como evidencia Torriglia (2008, p.43): “O cotidiano escolar é uma
espécie de bumerang, que desenvolve elementos e aspectos de uma mesma realidade,
mas não são autocompreensivas em sua dimensão empírica”. Na apresentação dos
relatórios, reconhecemos o processo e evidenciamos a qualificação dos alunos ao se
apropriarem de todo o processo de produção do conhecimento. E ao refletirmos sobre a
prática neste trabalho, superamos a nossa própria compreensão dela.
Referências
LIBÂNEO, J. C. Ensinar e aprender/“aprender-ensinar”: o lugar da teoria e da prática
em Didática e em Currículo. In.: LIBÂNEO, J. C.; ALVES, N. (orgs.). Temas de
Pedagogia: diálogos entre didática e currículo. São Paulo: Ed. Cortez, 2012, p.33-60.
TORRIGLIA, P. L. Algumas reflexões sobre as dimensões do conhecimento. In.:
CARVALHO, D. C. de; GRANDO, B. S.; BITTAR, M. (orgs.). Currículo, diversidade
e formação. Florianópolis, SC : Ed. da UFSC, 2008, p.23-44.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100228