a dimensão da cultura objetivada em políticas culturais
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Trabalho de clonclusão do curso de especialização em gestão e políticas culturais- ITAÚ CULTURAL/ UNIVERSITAT DE GIRONA-ES 2012.TRANSCRIPT
FELIPE GREGÓRIO CASTELO BRANCO ALVES
A DIMENSÃO DA CULTURA OBJETIVADA EM POLÍTICAS
CULTURAIS
Trabalho apresentado ao Curso de Especialização em
Gestão Cultural da Universidade de Girona, Deptº.
Observatório Itaú Cultural, com apoio da Organização dos
Estados Iberoamericanos (OEI), como requisito parcial à
obtenção do certificado de Especialista em Gestão Cultural.
Orientador: Profº Dr. José Teixeira Coelho Netto.
Profª Dr. Myrla Fonsi.
São Paulo
Agosto, 2012.
SUMÁRIO
A Cultura Subjetiva, Objetiva e Objetivada__________________________ 4
A Complexidade dos Contrários: aproximações, limites e usos para
as Políticas Culturais __________________________________________ 8
A Vida Cultural e a
Gestão da Partcipação_________________________________________11
Conclusão__________________________________________________17
Bibliografia__________________________________________________20
4
EPÍGRAFE
Y así como las objetivaciones del espirítu son valiosas
más allá de los procesos vitales subjetivos que han
passado a formar parte de éstas como sus causas, así
tambíen lo son más allá de los otros procesos que
dependen de ellas como sus consequências.
(Georg Simmel)
Resumo: As dinâmicas culturais contemporâneas apresentam inúmeros
desafios para a gestão da participação nos processos de legitimação e
conquista das políticas culturais. Desta forma, o presente trabalho busca
entender o papel da criação e apropriação da vida cultural nos espaços de
troca e participação social para a inclusão de saberes portadores de sentidos
permeáveis de identificação entre culturas e referenciais culturais que permitam
a imprevisibilidade como dispositivo nas inter-relações culturais para o
estabelecimento de vínculos que despertem as capacidades estéticas como
elementos de pré-disposição simbólicas de atuação no mundo.
Palavras Chave: Dinâmica da cultura contemporânea, arte, participação.
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INTRODUÇÃO
A partir dos conceitos de cultura subjetiva e cultura objetiva encontrados
em Simmel (2008), o presente trabalho busca explorar estas particularidades
existentes nos indivíduos e grupos culturais analisando sua aplicabilidade para
gestão da participação em políticas culturais.
Com isso, busca-se entender a realização de ações culturais formuladas
com a prerrogativa da difusão do acesso aos bens culturais e da proteção e
promoção da diversidade cultural no processo atual das dinâmicas
contemporâneas, a dicotomia para os sistemas complexos de diálogos entre os
contrários (COELHO, 2008), que implica perceber a vida cultural nos espaços
de troca e participação. O que consiste dizer que uma terceira situação será
analisar como possibilidades de participação social e de direito, a construção
de ações nesta dinâmica considerando outro elemento complementar nos
processos culturais que é a cultura objetivada. Aqui entendido como as
políticas culturais.
Neste sentido, rever os conceitos sobre cultura é considerar esta
condição fundamental para o entendimento das aproximações e diferenças
entre os sujeitos em associação (experiências individuais internas e a
percepção externa das coletividades) numa dimensão global das sociedades
atuais. Como também, contraceder ou transgredir a flexibilidade destes para
uma idiossincrasia que viaja por vários trajetos e estudos (BAL, 2002).
Apresentar as possibilidades e os modos de participação dos agentes
que compõem a vida cultural através de uma abordagem comparada por um
possível estudo de caso, como a relação das características sobre o que
compete à convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das
expressões culturais (UNESCO, 2005), mais especificamente, sobre as
expressões culturais como garantias de direito e acesso das conquistas
universais da humanidade; propõe perceber as influências em que se
fundamentam os direitos culturais, e como se relacionam em alguns aspectos
com o consumo cultural, ou as políticas culturais baseadas na demanda sobre
a oferta como a cultura de massa.
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Considerando que a cultura “es el camino desde la unidad cerrada, a
través de la multiplicidad cerrada, hasta la unidad desarrollada” (SIMMEL,
2006, p. 99) entende-se assim a perfeição desta como meta do
desenvolvimento próprio do ser.
Para Mostesquieu, compreende dizer que a cultura é a ampliação da
presença da esfera do ser, capaz de perceber ‘o gosto’ como a medida do
prazer em cada coisa. Observa ainda que “... o gosto natural não é um
conhecimento teórico; é uma aplicação direta e requintada das regras que não
conhecemos bem” (2005, p. 16).
Esta dimensão apresentada de início propõe o entendimento da
percepção de que a condição da cultura (COELHO, 2012) oferece uma
equação entre um sujeito e um objeto não como compreensão das identidades.
Em Simmel (2008), a cultura objetiva é sempre síntese. Porém, esta
síntese não corresponde a uma forma unitária, pois sempre pressupõe a
separação de alguns elementos como pré-disposição para esta perfeição do
‘centro anímico’.
De outro modo,
A cultura é o percurso do sujeito na direção desse objeto e é também o percurso desse sujeito com esse seu objeto. E a cultura é também o que sobra desse percurso do sujeito em direção a seu objeto e que nada mais é do que o percurso do sujeito em direção a si mesmo (COELHO, 2012, p. 2).
A cultura subjetiva como medida para o desenvolvimento individual e a
cultura objetiva como um fato para a expressão destes desenvolvimentos são
os primeiros conceitos coordenados para a identificação da unidade através
dos bens objetivados: o que constitui a criação/ inovação através dos
processos culturais.
Uma primeira constatação até aqui é perceber que na atual existência
das sociedades tecnológicas, o problema está em como incorporar à evolução
da cultura subjetiva os conteúdos culturais objetivados, e isso por meio da
culturalização (ou) da vida cultural das categorias que fazem a mediação entre
a cultura subjetiva e a objetivada com as quais concebemos o mundo.
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Aqui, isto relacionado também ao problema da democratização de
acesso nas políticas culturais fabricadas com finalidades previsíveis. Escolhas
individuais de algumas instituições, grupos e indivíduos que pressupõem a falta
de percepção daqueles que não têm a capacidade de escolher o que de fato
pode ser melhor para si. Onde em seguida estes se transformarão passivos ao
consumo e a participação nos desenvolvimentos sociais, culturais e
tecnológicos.
A ampliação desta perspectiva se encontra também sobre outro viés
sociológico fundamentado e repensado em Marx, na necessidade do trabalho
produtivo nas horas vagas que dissipado nas atividades pesadas da vida,
nutriria outras atividades superiores.
Logo, estas horas jamais seriam gastas em outras coisas senão em
consumir, e aqui este consumo ao qual nos reportamos é entendido como a
atividade cultural destacando que a partir de um modelo que aumenta esta
produtividade, neste caso a efervescência cultural ou a cultura de massa; isto
exigirá uma forma mais refinada, onde a sociedade já não mais consumiria
somente o que se refere à necessidade da vida, mas, dependendo da
superficialidade desta vida, ocorrendo, por isto, uma problemática em que
nenhum objeto do mundo estará a salvo do consumo e da aniquilação através
do consumo (ARENDT, 1958).
Estas categorias, que correspondem aos processos de identificação
entre grupos e indivíduos, permitem o entendimento de que não existe cultura
subjetiva sem a cultura objetiva. Ambas são complementares aos sujeitos pelos
objetos transformados nesta relação interior-exterior. Onde, “la cultura subjetiva
es la meta final dominante, y su medida es la medida del tener parte del
proceso vital anímico en aquellas perfecciones o bienes objetivos” (SIMMEL,
2008, p. 211).
A subjetividade do interpretante assimila as realidades da vida somente
no que conforma sua própria natureza a ser absorvida em sua existência
autônoma. Já a exterioridade objetiva dos sujeitos, por sua vez, será em
contato com outros sujeitos, subjetividades que posteriormente poderão ser
apropriadas como realidades objetivas.
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Este é percurso da cultura objetivada posta diante do sujeito
interpretante para o movimento reverso de subjetivação da cultura objetivada.
Neste sentido, os processos de cultivar para a perfeição não estão
conforme Simmel (2008) em cultivar os estados formais alcançados
simplesmente pela natureza¹. Mas sim em direção a um núcleo originário
interno apontando para as divergências entre técnica (capacidades naturais
previsíveis) e a vontade (desenvolvimento psicológico/ anímico) como pré-
disposição das pessoas se desenvolverem a partir de um estado natural.
Entende-se neste ponto a condição desta equação ao considerar que
não se pode dizer que uma pessoa é ‘cultivada’ se simplesmente incorpora em
sua personalidade um âmbito de valor externo, pois consequentemente este
valor será externo a ele (ª).
Deste modo para Simmel (2008), deve-se abandonar o sentido da
subjetividade, mas não sua espiritualidade para poder consumar-se em seu
cultivo.
Isto corresponde dizer que quando os bens objetivos externos são
interiorizados pelo interpretante permite a elevação de sua própria natureza.
Significa contextualizar, que as perfeições unilaterais externas em
ordenamento com a dimensão global individual permitem igualar as
divergências para a compreensão deste todo com a própria unidade: “a
contraposição entre o todo que exige de seus elementos a unilateralidade das
funções parciais- e a parte que pretende ser ela mesma um todo” (SIMMEL,
2006, p.84).
Visto nestas primeiras imediações no que confere hoje a existência dos
indivíduos e grupos portadores de saberes, produtores de conhecimento, a
principal situação que se apresenta em nível de participação na esfera social
coletiva para a criação da ação cultural pautada nas subjetividades; é perceber
que “expor-se à cultura não basta: algum processo deve criar as condições
para que a cultura objetivada, que existe fora do sujeito, possa tornar-se parte
integrante e ativa desse mesmo sujeito” (COELHO, 2012, p. 6).
O que nos faz questionar sobre a criação e especificidades dos
diferentes espaços de sociabilização da vida cultural que proporcionam ou não
________________________________
¹ Simmel analisa que os estados formais pré-dispostos em condição inicial ao exemplo de um jardineiro ao potencializar o estado natural de uma árvore frutífera, apenas permitiu aquilo que já era seu estado natural (2008, p. 99).
8
a permeabilidade das relações identitárias para o surgimento do apreço pelo
novo e pelo excepcional que reside “na sensibilidade para a diferença que há
na constituição de nosso espírito” (SIMMEL, 2006, p. 48) ao que resulta nas
identidades dos mundos para o encontro das liberdades.
A complexidade dos contrários: Aproximações, limites e usos para as
políticas culturais
Pensar em políticas culturais que possibilitem a realização da
complexidade das diferentes propostas em cultura poderá permitir que se
observe na dinâmica cultural contemporânea os diversos agentes que estão
inseridos ou que respondem a manifestações que são para os indivíduos, as
que são para os grupos culturais e as massas.
Esta questão a meu ver possibilita pensar a gestão da participação na
institucionalidade da cultura, quando tenta responder às exigências e às
demandas específicas da sociedade através de uma política ou programa
cultural que lida tentando equacionar as manifestações individuais e coletivas
em diferentes ações para a arte e para a cultura. Sendo estas, o paradoxo
entre: a arte numa condição de desejo individual e a cultura como aproximação
das necessidades existentes nas coletividades.
Partindo desta situação, uma realidade visível que se encontram os
grupos e indivíduos em situações complexas de criatividade na vida cultural
corresponde ao conflito do percurso a partir da unidade individual através da
multiplicidade desdobrada fora destes para a consideração das particularidades
individuais introduzidas nas unidades coletivas.
Nesse sentido, este paradoxo exige tentar perceber que os discursos
sobre as obras de arte e as obras de cultura conclamam análises diferentes,
em exceções que a arte se faz pela diferença no campo da cultura.
Pois, quando a institucionalidade acaba convertendo a arte em bem
cultural, ela se transforma em modelo a ser seguido representando apenas a
realidade dada, identificando-se com os símbolos que ali estão sendo
expressos apenas como sensibilização para a consciência cidadã. O que é
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mais conveniente em se tratando que a arte parte da subversão de sistemas
fechados.
Pensar em estratégias e ações culturais para as artes, ou numa política
para as artes como resposta aos impasses na dinâmica das relações subjetivas
e objetivadas, pode ser um vetor de análise fundamental ao lidar com as
dimensões individuais e coletivas para o desenvolvimento do gosto estético.
Mas, num certo momento terá que lidar com a dura realidade das
estruturas compartimentadas onde muitas vezes “configuram um programa
impossível de ser cumprido de uma hora para outra, ainda mais se a todas elas
for acrescida a de conhecer as profundidades da alma e do espírito humanos”
(MACHADO, 2010, p.36).
Observa-se neste ponto que os modos reprodutivos da cultura
(necessidade) não oferecem a reflexão e os processos de identificação
libertários que a arte (desejo) transforma em sentidos significantes para que as
pessoas inventem seus próprios fins. Objeto central da ação cultural.
A ideia da cultura como esterco, ou a lâmina do arado, (COELHO, 2008)
deposita o sentido existencial numa relação recíproca de troca entre cada
elemento e sua função. Onde a cultura (num discurso fenomenológico e
imagético: ideia como a força de uma imagem poética), e o instrumento de
arado como análise deste fenômeno ou ação são utilizados e vivenciados pelos
indivíduos antes ao coletivo (ou fundamento social) como potencialidades em
direção à elevação e aprimoramento do ser.
Por outro lado, um exemplo visível quando se tem a equação entre
sujeito-objeto vista apenas através da cultura objetivada que responde a
demandas espontâneas ou específicas corresponde a
A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime- se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer- se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhes apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo está em toda a parte (DEBORD, 2003, p. 19).
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Desta forma, os modos de cultura e as políticas culturais que se
reconhecem nestas finalidades-estarão somente promovendo e expressando
uma cultura da histeria, conforme apresenta Coelho (2010) uma cultura ou
política cultural somente como a do espetáculo, como meio de mobilização das
massas. O que na perspectiva de Simmel (2008), esta condição da cultura
exposta ingenuamente ou arbitrariamente propõe que “El hombre se convierte
ahora en mero portador de la Coercíon con la que esta lógica domina los
desarrollos... Esta es la auténtica tragedia de la cultura” (p. 118).
A operacionalidade ou aplicabilidade deste paradigma como capacidade
de aceitar os valores comuns nas relações individuais e coletivas para a
compreensão das relações sociais entre cultura (s) subjetiva (s) versus culturas
objetivas permeia as condições em que é exposta a cultura objetivada (as
políticas culturais) e vivenciada (manifestações ou instituições culturais) a vida
cultural.
Sendo que, a condição mais significativa que considere a fluidez da cultura
contemporânea é aquela que prevê os diálogos para que as pessoas inventem
seus próprios fins não só pelo contato com as obras de cultura, mas por uma
invenção conjunta de fins e meios buscados nestas ações (COELHO, 2012).
Considerar as nuances que ocorrem nos processos de identificação, onde
para Brandão [ca. 2010] seria perceber as operações alológicas (que se
caracterizam pela inversão); de fato, a diversidade pode ser tomada desta
forma: o diversificado, o variado, o que apresenta variedade. A operação
heterológica (como reversão), exige outro tipo de diversidade, menos
confortadora, na medida em que se expressa como o diferente, ou seja, o que
difere. E a operação antilógica, esta
a primeira vista nossa reação tende a ser de repulsa com relação a essa manifestação da diversidade, mas é nessa esfera que reside o desafio de lidar com a mesma, pois se trata, em resumo, daquilo que não se logra cercar ou, mais exatamente, que recusa envelopamento
(BRANDÃO, [2010], p. 14).
Ou a ideia dos opostos, aquilo que não pode ser arrancado fora do
processo histórico, a complementariedade do positivo com o negativo, “a
cultura e seu contrário” (COELHO, 2008).
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Neste sentido, repensar o conceito sobre diversidade cultural (UNESCO,
2005) para a promoção e proteção das diversidades das expressões culturais
através da vida cultural organizada consiste em perceber que não é isolando,
ou separando, como fez a ciência racional moderna e como faz a instituição
escolar tecnicista com a produção do conhecimento compartimentado ao longo
do séc. XX e, nem como um zoológico que exibe a diversidade de espécies
para turistas, que o estado natural (subjetivo), o dialógico (objetivo) e o
cultivado, poderá este último se tornar autossuficiente e definitivo para as
objetivações do espírito.
Como bem apresenta Simmel (2008) isto significa dizer que “no estamos
cultivados porque podamos o separamos esto o aqüelo” (p. 209).
A Vida Cultural e a Gestão Da Participação
Um dos grandes desafios para as políticas culturais é sem dúvida
permitir uma conjunção estética através de uma perspectiva de direito para
abertura e espaço comum pautado pela própria controvérsia.
Desta forma, “nenhuma identidade pode existir por si só, sem um leque
de opostos, oposições e negativas: os gregos sempre requerem os bárbaros, e
os europeus requerem os africanos, orientais etc” (SAID, 2011, p. 103).
A existência do espaço público e de opinião incide para os processos de
planejamento da gestão da participação cultural um esforço em como
promover, levando em consideração na perspectiva apresentada acima as
escolhas que tornarão as pessoas portadoras daquilo que já identificaram
como complemento ao seu desenvolvimento existencial.
Se, de um lado a gestão cultural participa através de ações que
permitem dar as condições para que as pessoas inventem (num certo sentido)
a vida cultural em todos os âmbitos que possam usufruir; a imediatez com que
isto se dá e como terminam e se desenvolvem (as políticas governamentais ou
a legitimização das políticas de Estado), acaba por inserir as pessoas apenas a
exposição diante àquilo que não responde as exigências internas individuais e
(ou) coletivas por não ter o tempo necessário para que as informações se
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transformem em conhecimento, e com isso, a ressignificação da cultura
objetivada.
A manipulação insensata da cultura como ‘coisa pública’ para o fazer
coletivo como instrumento de acesso é uma promessa ilusória de uma
sociedade transparente na qual todos se comunicam com todos.
O caminho que transcende este limite em que se encontram as políticas
culturais para a gestão da participação perpassa o sentido dualista (oposições
entre os contrários) para uma dualidade (complementariedade justaposta)
entendida com as divergências em conjunto e as transformações internas e
externas coexistindo e interagindo entre si (SAID, 2011).
O desenvolvimento deste sentido em direção da criação das condições
em que fluam as dinâmicas culturais contemporâneas através da
institucionalidade da cultura para a vida cultural feita pelas pessoas, pode ser
verificado na diferenciação em que apresenta Aristóteles sobre o partilhável e o
participável. Sendo que,
o partilhável diz respeito aos bens materiais necessários à sobrevivência individual e coletiva, e o participável concernente ao que não pode ser repartido nem partilhado, mas apenas participado- trata-se do poder (CHAUÍ, 2011. p. 158).
Nesta ideia implícita acima, estabelecida como atributo primeiro ao
participável de classes ou de segmentos culturais em afinidades sociais ou
econômicas, há um retrocesso do saber individual como supervalorização
deste, como algo intransferível que implicará numa conquista do partilhável
para o equilíbrio entre as diversidades.
Sendo assim, estes processos transitórios que se formularam a partir da
existência da relação entre a apropriação sendo para o participável (a
acumulação do poder), e a ideia de copropriedade para o partilhar; pode ser
relativizada como o ponto de partida para o reencontro dos significados
simbólicos que permitirá a emancipação das ações onde “a sociedade separa-
se da política, esta se separa do jurídico que, por sua vez separa-se do saber,
finalmente, separa-se em conhecimentos independentes” (CHAUÍ, 2011, p.
276).
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Surge então, por uma particularidade dos processos de constituição de
uma nova ordem destes conhecimentos independentes, que um novo polo de
identificação cultural seria rever nos processos históricos o que foi ao longo do
tempo mais fácil de partilhar, um bem material ou imaterial?
Outra demanda para esta identificação seria perceber se a cultura do
intangível está para o participável ou para o partilhável? Desde quando, onde
ou como foram considerados os modos culturais um poder? E ao que se
submente ou pressupõe este poder?
Esta antinomia pode ser vista em Goethe, sendo a igualdade uma
subordinação universal, ao passo que a liberdade anseia pelo incondicionado
(SIMMEL, 2006).
Entender em qual valor está à liberdade e porque os valores dos
indivíduos não foram absorvidos pelo caráter social ou vice-versa, permite
entender como pode ser definida e participada as diferenças e as igualdades.
Em associação com Boaventura de Souza Santos, significa tanto
proteger a igualdade dos coletivos quando estes se sentirem inferiorizados,
quanto promover a diferença dos indivíduos sempre que a igualdade pressupor
a discriminação nas relações sociais. Sendo que os sentimentos de
pertencimento são conquistas, participação é desenvolvimento.
Um olhar mais atento quanto ao que declara a Unesco (2005) sobre o
sentido de participação, e o significado conceitual da palavra ‘proteção’, sendo
a adoção de medidas direcionadas à preservação, salvaguarda e valorização; e
a palavra ‘promoção’ expressando o chamado à contínua regeneração das
expressões culturais, originou a princípio na elaboração destas, certo
desconforto entre os países membros que entendiam a proteção no sentido
preservacionista. Mas, ao discorrer sobre os objetivos vê- se que ambas são
inseparáveis.
Encontra- se também o princípio de que o acesso equitativo tem dupla
natureza: visa o acesso à cultura em meio à riqueza e a diversidade das
expressões, bem como o acesso de todas as culturas aos meios apropriados
de expressão e disseminação benéficos.
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A existência deste documento, bem como os processos das conquistas
apresentadas em outras variáveis/ instâncias, conduz a interrogar de que
forma, ou através de quais poderes possa valer tais direitos, sabendo-se que
os mecanismos de controle dos Direitos Culturais são diferentemente
contrários aos demais direitos, pois lidam com os aspectos subjetivos da
dimensão individual e coletiva.
Desta forma, uma primeira objeção a se fazer está na compreensão de
que
É preciso aceitar que a garantia dos direitos coletivos não equivale à soma dos direitos individuais do grupo; ela exige algo mais, já que os grupos são portadores de identidade, um bem comum que funciona como um tipo de copropriedade ou pro indiviso (PEDRO, 2011, p. 46).
O que nos remete a compreender que a constatação destas unidades
subjetivas permitirão certa autonomia e imparcialidade para o desenvolvimento
destes saberes “quando se considera o indivíduo em si em seu todo, ele possui
qualidades muito superiores àquela que introduz na unidade coletiva”
(SIMMEL, 2006, p. 48).
Também que esta percepção adotada por Pedro acima condiz
exatamente com o discurso de que
não se pode invocar as disposições da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais de modo a infringir os direitos humanos e as liberdades fundamentais, tais como descritas na Declaração Universal dos Direitos Humanos ou garantidas pelo direito internacional, ou de modo a limitar o seu escopo (UNESCO, 2005, p. 31).
A complexidade de assimilação e distanciamento sobre as questões
pessoais e coletivas para a exegese da legislação dos Direitos Culturais
perpassa nas relações sobre as finalidades estéticas, culturais e artísticas em
cada tempo- espaço em ambos os casos. Isto se for analisar os impactos das
obras culturais através da disciplina de literatura comparada nos continentes
em que o imperialismo cultural se formou e moldou pensamentos rudimentares
sobre a utilidade da dominação da cultura, a aculturação:
O estudo comparado da literatura poderia fornecer uma perspectiva transnacional, e até transumana, das realizações literárias simbolizando a serenidade sem crise de um reino ideal... Porém os estudos neste contexto e as instituições nacionalistas não foram
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estudadas com a devida seriedade, e é evidente que estes pensadores europeus ao celebrarem a cultura e a humanidade, estavam celebrando sobre tudo ideias e valores de suas próprias culturas nacionais (SAID, 2011, p. 92).
As possibilidades de interpretação das experiências existentes na
dinâmica da vida cultural contemporânea exigem e reivindicam que, a
diversidade cultural não resulta de um consenso, mas da capacidade de
convivência com os opostos criando condições e diálogos abertos (BARROS,
2007).
A partir desta concepção, é preciso entender que as estruturas de
participação na democracia cultural através das tomadas de decisão resultam
quase sempre como diz Martinell (2012) na gestíon de lo opinable. E como
também que
A opinião pública consiste agora, no direito de alguns cidadãos ao ‘uso público da razão’ para exprimir a verdade, que é universal e comum a todos os indivíduos (ainda que nem todos precisem, e por isso mesmo, das luzes racionais de outros), e, sobretudo, para exprimir a vontade geral, superior à vontade singular de cada um e à mera soma de vontades singulares ou vontade de todos (CHAUÍ, 2011, p. 280).
Ao perceber a incapacidade da obtenção de um consenso para a criação
de políticas culturais formuladas através do protagonismo dos diferentes
agentes culturais de forma inter, trans- e multicultural, entende-se o surgimento
do poder representativo do Estado pretendendo oferecer a universalidade da lei
e do direito pelas particularidades das classes (CHAUÍ, 2011).
Porém, as classes são representativas da igualdade e não das
diferenças. E o contrato social só é possível entre as partes se existirem as
liberdades.
Um exemplo interessante relacionado com a simbologia da
representação da figura do líder ou do papel do Estado para a coesão social
através de mecanismos estratégicos e operacionais para a obtenção de
consensos; está em perceber e vivenciar o conhecimento (experimento,
experiência- expressão) dos modos de vida dos povos originários, onde nestas
comunidades
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o poder não se destaca nem se separa, não forma uma instância acima dela (como na política), nem fora dela (como no despotismo). A chefia não é um poder de mando a que a comunidade obedece. O chefe não manda; a comunidade não obedece. A comunidade decide para si mesma, de acordo com suas tradições e necessidades (CHAUÍ, 2001, p. 486).
O pensamento sobre a democratização de acesso aos bens culturais, ou
a democracia cultural como pretende as políticas de descentralização dos
saberes universais que corresponde alguns dos principais pontos sobre o Art.
27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que são: a
participação na vida cultural, a proteção autoral e o acesso as conquistas
científicas e tecnológicas; se não cooperados em função de uma continuidade
de ações implementadas como possibilidade de realização do desenvolvimento
e aplicação destas diretrizes, é bem possível que,
os admiradores sintam o abismo que os separa desses tesouros grandiosos cuja chave está nas mãos das classes dirigentes e que sintam a inutilidade de todo objetivo de fazer obra criativa válida fora dos caminhos balizados por ela (DIBUFFET, 1968 apud GENTIL; POIRRIER; COELHO, 2012, p. 69).
Nestas circunstâncias, vê-se que a significação do ato participativo na
vida cultural oferecida através das políticas culturais como ‘culturas objetivadas’
prepondera sobre a real qualidade do acesso às fontes de informação aos
agentes culturais e as possibilidades de poder interferir como produtores de
conhecimento.
Com isto, preservar e repensar as formas de organização como a
democracia, por exemplo, como causa e origem da diversidade é
imensamente mais importante do que preservar um modo qualquer de
diversidade que só tem sentido nestas mesmas organizações e para os que
participam das relações culturais.
Outra referência é a noção de que as "instituições culturais são
incapazes de se adaptarem ao presente e prever o futuro" (MARTINELL, 2012),
e nesse sentido, entende- se o "abismo" que separa os sujeitos dos objetos
culturais em relação à disparidade entre cultura e institucionalidade, como
também a ideia de que quanto maior grau de civilização, maior a restrição.
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Cabe dizer ainda que, considerar a cosmovisão e as alteridades de cada
sistema social e os modos de vida dos indivíduos, grupos e comunidades
tradicionais é hoje uma alternativa mais que emergencial para o atual modelo
de desenvolvimento excludente que impera no mundo.
Sendo assim, a adaptação destes modelos e visões particulares
considerando as relações culturais que privilegiam as pessoas diferentemente
de ‘públicos’ passariam a agir e demonstrar para as instâncias de
regulamentação, sejam elas públicas, organizações culturais, de liderança
comunitária ou movimentos sociais; critérios de descentralização e setorização
para as políticas culturais como conquistas da gestão da participação na vida
cultural.
CONCLUSÃO
Uma reflexão conclusiva para a problematização e indagação de
soluções e sugestões possíveis redirecionando análises sobre os referenciais
teóricos abordados apresenta a necessidade de se verificar as novas classes
de problemas na atual dinâmica contemporânea para a dialética entre cultura e
gestão cultural como sistemas complexos não estáveis que apresente (cultura)
e represente (políticas culturais) melhor as alteridades complementares nos
espaços de troca e participação como elementos fundamentais para a criação
e recriação da vida cultural.
A criação de propostas e termos possíveis, conceitos novos em
situações novas, como também antigos formatos em novos conteúdos requer a
identificação por novas ciências que fazem pesquisas e não somente
apresentam dados.
Ao questionar sobre a real capacidade de legitimação da dimensão
subjetiva da cultura em vários processos existentes nas dinâmicas de
institucionalização das políticas culturais, se percebe que devido ao sistema
estrutural de continuidade e sustentabilidade destas determinadas políticas e
programas culturais verificarem e se basearem apenas em conteúdos
numéricos relacionados à formação de público, consumo, e difusão do acesso;
a possibilidade desta proposta ser apropriada e consequentemente
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ressignificada na vida cultural dos grupos e indivíduos deverá levar em
consideração o teor exponencial e expansivo nos processos internos
individuais decorrentes dos diálogos culturais. Ou seja, o caminho inverso a
partir da cultura objetivada para a objetivação do interpretante sobre si mesmo.
Onde se identifica que a legitimação de ações culturais engendradas
através da gestão da participação, anunciada no presente trabalho como as
prerrogativas individuais e coletivas para os direitos culturais não oportuniza a
consumação de determinadas políticas e não equacionam a tríade cultura
subjetiva, objetiva e objetivada na medida em que estas prerrogativas, ou estes
direitos passam a não responder mais como necessidades internas.
O processo espiralado emergente e oscilante como paradigma do
desenvolvimento de novos arranjos para a compreensão dos processos
culturais históricos permite a mudança de posicionamentos individuais e
coletivos como afirmação de uma mudança social complexa para o
fortalecimento das incertezas como metodologias de aplicação destes saberes
através de uma ideologia subjacente que considere a prática dos indivíduos
como condição inicial nos processos culturais.
Podendo-se observar que as capacidades individuais viventes
propulsoras de novos movimentos criadores, subentendidas e transformadas
em conquistas anterior aos direitos culturais, adaptadas como garantias
exclusivas e incorporadas ao cotidiano daqueles que se expressam por
liberdade, vai ao encontro das necessidades de entendimento da confluência
das crises para irromper a confiabilidade dentro das zonas de conforto. Visto
que a crise, o paradigma, não está no conflito, mas na passividade e
incapacidade de diálogos construtivos para a diversidade cultural.
A diversidade cultural vista nesta situação conforme apresentada em
meio ao abismo que separam os sujeitos dos objetos de conhecimento
apresenta outras condições para seu entendimento como a pré-existência de
um conflito individual interno: a cultura subjetiva, através de uma unidade
polarizadora já existente, e a objetiva para o desenrolar das capacidades
individuais e coletivas necessárias durante os processos culturais.
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Outra assimilação pré-existente durante estes processos será perceber
para a noção de diversidade os indivíduos como fonte de capital cultural
cujas iniciativas para novos valores tentam responder a novas condições de
vida.
Sugere que, nas relações centrais dentro dos sistemas institucionais
são estes as exceções sobre as finalidades das convenções e acordos
oriundos do ‘participável’.
A diferença entre o partilhar e o participar analisadas sobre a ótica dos
modos de organizar para a criação social e cultural, demonstra alguns
caminhos possíveis quando a condição para a partilha está relacionada à
conquista dos bens culturais intangíveis a partir da complementariedade dos
opostos e dos saberes universais dispostos em conformidade com a ética e a
moral em situação de apoderamento das partes envolvidas.
A subjetividade sobre os processos internos individuais e coletivos
apaziguados pela lógica da partilha dos saberes universais para o
reordenamento destes como ‘ativos’ locais contribui para a dinamização e
fluidez da vida cultural nos contextos em que as interpretações sobre as obras
culturais do espírito são potencializadoras de novos discursos nos fluxos
centrípetos e centrífugos entre o tradicional e o contemporâneo, ao mesmo
tempo em que carregados dos valores universais dominantes.
De modo geral, podemos concluir que a dimensão objetivada da cultura
como condição para a gestão institucionalizada das políticas culturais, é um
discurso e uma ação inoperante para a existência dos atributos de reinvenção
das dinâmicas culturais contemporâneas enquanto ação dos diversos agentes
em apropriação dos espaços de troca para a fluidez das infinitas expressões e
competências.
Assim entende-se que para a fluidez da cultura contemporânea poder
ser nestes modos e moldes um georreferenciamento importante num ciclo
permanente de criação e recriação, a afirmação da cultura subjetiva pelos
indivíduos e grupos como reivindicação criativa para a inclusão dos conteúdos
de intervenção nos mecanismos homogêneos de pactuação será também
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importante principalmente sobre os processos de desenvolvimento culturais e
artísticos para a vida cultural.
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