a dimensão do direito ao trabalho no empoderamento dos usuários do caps vida ativa anápolis
DESCRIPTION
Artigo escrito em 2012 a respeito de uma experiência de extensão e publicado no livro eletronico: Estudos Do Congresso Marxismo e Realismo de organização da Profa. Lorena FreitasTRANSCRIPT
-
A DIMENSO DO DIREITO AO TRABALHO NO EMPODERAMENTO DOS USURIOS
DO SISTEMA DE ATENDIMENTO SADE MENTAL: UMA EXPERINCIA DE
EDUCAO POPULAR NO CAPS VIDATIVA ANPOLIS/GO.
Mesa Temtica 3: Direito, trabalho e emancipao.
Ana Laura Silva Vilela1
Carla Miranda2
Marla Castro3
Resumo: Diante do marco da Reforma de Psiquitrica instituda pela Lei 10.216/01 e da Poltica
Nacional de Sade Mental e Economia Solidria, este texto prope abordar de que maneira o
trabalho e a gerao de renda atravs da Economia Solidria contribuem para a emancipao dos
portadores de sofrimento psquico, apresentando o processo de formao de um grupo de Economia
Solidria no CAPS Vidativa (Anpolis/GO), experincia acompanhada pelo Projeto Educao
Popular e Direitos Humanos, atividade de extenso desenvolvida pelo Ncleo de Estudos para a Paz
e Direitos Humanos (NEP) da Universidade de Braslia em 2011.
Palavras-Chave: direitos humanos; sade mental; economia solidria; empoderamento; reforma
psiquitrica.
Abstract: Considering the Psychiatric Reform introduced by Law 10.216/01 and the National
Mental Health Policy and Solidarity Economy, this paper intends to approach how the work and
income generation through the Solidarity Economy contribute to the empowerment of people with
psychological distress, presenting the process of a forming group of Solidarity Economy in CAPS
Vidativa (Anpolis / GO), an experience that was assisted by Project Popular Education and Human
Rights, university extension initiative conducted by the Center for the Study of Peace and Human
Rights (NEP) of University of Braslia in 2011.
Key-words: human rights; mental healthy; solidarity economy; empowerment; psychiatric reform.
1. INTRODUO
O presente trabalho pretende discutir a relao entre trabalho e empoderamento por parte
dos portadores de sofrimento psquico atravs da Economia Solidria. A discusso acerca dessa
temtica ser feita a partir de uma experincia de Educao Popular realizada em 2011 junto aos
usurios/as do Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) Vidativa localizado em Anpolis- Gois,
1 Mestranda em Cincias Jurdicas rea de Concentrao em Direitos Humanos, pelo PPCJ/UFPB. Correio
Eletrnico: [email protected] 2 Mestre em Cincias Jurdicas rea de Concentrao em Direitos Humanos, pelo PPGCJ/UFPB. Correio eletrnico:
[email protected] 3 Mestranda em Sade Coletiva pela Universidade Federal de Gois. Correio Eletrnico: [email protected]
-
2
atividade de extenso universitria desenvolvida no mbito do Projeto Educao Popular e Direitos
Humanos: Capacitao de atores sociais no Distrito Federal e Estado de Gois. Este projeto de
extenso foi proposto e executado pelo Ncleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos (NEP) da
Universidade de Braslia com financiamento da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e tinha por
objetivo a capacitao de sujeitos sociais e a formao de Ncleos de Direitos Humanos em dez
cidades do Distrito Federal e do Estado de Gois.
Antes de se analisar a j mencionada experincia de extenso, torna-se necessrio indicar os
fundamentos tericos que subsidiaram a ao, quais sejam: Educao Popular, Empoderamento,
Direitos Humanos e Economia Solidria.
A Educao Popular e a Economia Solidria pressupem a interao dos saberes,
construindo um conhecimento novo com vistas transformao dos sujeitos envolvidos na ao,
quer sejam educadoras/es quer sejam educandos/as, por isto a importncia da sistematizao
(reflexo rigorosa) e divulgao das prticas que constroem esse saber novo4.
Em seguida, apresenta-se o contexto da Sade Mental no Brasil, bem como da Poltica
Nacional de Sade Mental e Economia Solidria e a articulao destas com os direitos humanos,
tendo em vista que a efetivao da cidadania consiste na principal reivindicao que agrega os
diferentes sujeitos (trabalhadores/as e usurios dos servios de sade mental) nas lutas pela
transformao do modelo de assistncia de Sade Mental5.
Por fim, cuida-se de abordar a experincia de gestao/formao de um grupo de economia
solidria, identificando os sujeitos envolvidos, intencionalidades/potencialidades, os aspectos
metodolgicos e os resultados iniciais.
2. SUBSDIOS TORICOS DA EXPERINCIA
A crtica e recusa educao bancria lana o desafio de uma prxis educacional
diferenciada que reflita a natureza da pedagogia6. A educao popular tem por objetivo a ampliao
do poder das classes populares e se fundamenta na relao entre iguais no processo educativo. Os
recursos metodolgicos ensejam formas educativas participativas, o incentivo reflexo coletiva da
prtica dos educandos/as, valorizando seu contexto7. A Educao em Direitos Humanos se relaciona
intimamente com os princpios da educao popular, podendo-se afirmar que as diretrizes
4 CRITAS BRASILEIRA. Sistematizao de Experincias de Economia Solidria: Referenciais, etapas e
ferramentas, para o processo de sistematizao, 2012. (cartilha) 5 SILVA, Janana L. P. O direito fundamental singularidade do portador de sofrimento mental:: uma anlise da
Lei 10.216/01 luz do princpio da integridade do Direito. Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de
Ps-graduao em Direito da Universidade de Braslia, 2007, p. 8. 6 FREIRE, Paulo. Educao como prtica da Liberdade. 19 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 61.
7 BRANDO, Carlos Rodrigues. Educao Popular. 2 ed.. Coleo Primeiros Vos, So Paulo: Brasiliense, 1985, p.
72.
-
3
programticas do Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos se orientam pela pedagogia da
educao popular8.
Nesse sentido, o empoderamento buscado pela educao popular, no consiste em ato
unilateral de doao de poder, mas sim em processos coletivos e individuais, o constitudos via
ressignificao e repolitizao do sentido deste termo, cujas aes voltam-se para a mudana
concreta dos fatores sociais e estruturais em que as classes populares encontram-se inseridas 9.
A superao das contradies sociais, das relaes histricas de opresso e emerso do povo
que vai se conscientizando, demanda a mudana urgente e total no processo educativo 10.Destaca-
se a fora instrumental da educao, capaz de criar atravs da reflexo de suas prticas novos
hbitos de participao, combatendo a cultura de passividade11
. A educao possui esta habilidade
somente quando se relaciona ao contexto no qual esta inserida12
, contribuindo para a humanizao e
o empoderamento13
popular:
Uma educao que lhe propiciasse a reflexo sobre seu prprio poder de
refletir sua instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse
poder, na explicitao de suas potencialidades, de que decorreria sua
capacidade de opo. Educao que levasse em considerao os vrios graus
de poder de captao do homem brasileiro no sentido de sua humanizao 14
.
Vale esclarecer a noo freireana de empoderamento, uma vez que poucos estudos analisam
este processo 15
, e a categoria por vezes rechaada por receber uma atribuio de cunho liberal e
no-emancipatria16
. Empoderar-se tem a ver com potencializar criativamente a capacidade das
pessoas17
para intervirem em seu contexto.
8 CARBONARI, Paulo Csar. Educao popular em Direitos Humanos: aproximaes e comentrios ao PNEDH. In:
SILVA, Aida M. Monteiro; TAVARES, Celma (orgs.). Polticas e fundamentos da Educao em Direitos Humanos.
So Paulo: Cortez, 2010. 9 OLIVEIRA, Iolanda. Processos de Empoderamento no contexto da Educao Popular. In: ROSAS, Agostinho da
Silva. MELO NETO, Jos Francisco de.(org) Educao Popular: Enunciados Tericos. Joo Pessoa: Editora
Universitria da UFPB, 2008, p. 189. 10
Idem, p. 88. 11
Idem, p. 94. 12
Idem, p. 88. 13
Empoderamento condio que se relaciona com as macro-estruturas da sociedade, como a dimenso econmica.
Existem atividades e papis, no mundo do trabalho, mais empoderantes e que estimulam a capacidade criativa mais que
outros. Nem todas as pessoas tm a oportunidade de realizar as tarefas segundo as suas potencialidades. Neste sentido:
As pessoas envolvidas em um trabalho criativo e que empodera, em tomadas de decises muito provavelmente se sentem confiantes, ativas, categricas, podem avaliar alternativas e tomar decises complexas. Por outro lado, as
pessoas envolvidas em trabalhos repetitivos, humildes, obedientes, muito provavelmente se sentiro desempoderadas,
passivas, no confiaro nas suas capacidades, no podero exercitar suas capacidades intelectuais e criativas a tal ponto
que ficaro anestesiadas In: OLIVERI, Adele. Empoderamento para a participao atravs do trabalho. In: CANDEIAS, Csar N.B. e outros. Economia Solidria e Autogesto: Ponderaes tericas e achados empricos. Joo
Pessoa: 2010, p. 83. 14
FREIRE, Paulo. Educao como prtica da Liberdade. 19 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 59. 15
OLIVEIRA, Iolanda. Processos de Empoderamento no contexto da Educao Popular. In: ROSAS, Agostinho da
Silva. MELO NETO, Jos Francisco de.(org) Educao Popular: Enunciados Tericos. Joo Pessoa: Editora
Universitria da UFPB, 2008, p. 188. 16
De acordo com Iolanda Oliveira: Diferente da viso processada na empresa o empoderamento nos movimentos sociais passa a ser definido como um mecanismo de autonomia das pessoas, organizaes e/ou comunidades inseridas
em processos coletivos e sociais. A tnica segundo Vasconcelos (2004) ocorre em termos do aumento do poder e da autonomia pessoal e coletiva de indivduos e grupos sociais submetidos a relaes de opresso, discriminao e
-
4
Neste sentido, Maria Vitria Benevides18
lembra que a Educao em Direitos Humanos
possibilita o reconhecimento do/a cidado/ enquanto protagonista, no s de deveres, mas acima
de tudo sujeito criador de direitos. Para isto, os Direitos Humanos devem ser entendidos como
processos, prticas sociais que acontecem nos espaos de luta pela concretizao da dignidade
humana19. Estes processos se justificam pelas necessidades de bens indispensveis para a vida
digna, visto que a realidade social hierarquizada, e a obteno de tais bens se d de modo
desigual20
.
Frente a este contexto de desigualdades, a Economia Solidria um instrumento de
organizao de sujeitos que buscam a efetivao de seus direitos a partir de uma concepo
emancipatria de trabalho. Busca articular trabalhadores e trabalhadoras num processo econmico,
social e poltico fundamentado na valorizao do trabalho autogestionrio, para a construo de
uma sociedade pautada na solidariedade, autogesto, justia social, diversidade de opinies21.
Trata-se processos educativos que anunciam relaes de poder igualitrias e fundamentadas na
cooperao, autogesto e equidade das relaes de gnero, construindo outra sociabilidade, outra
sociedade outra forma de produo da vida22. De acordo com a Critas Brasileira uma das
organizaes que tem a Economia Solidria como um de seus projetos polticos pedaggicos:
Acreditamos que a finalidade da atividade econmica est nas pesoas. Nesse
sentido, os processos produtivos e educativos fundamentam-se na no
exerccio prtico da autogesto, contribuindo para que todos/as as/os
envolvidos/as possam resgatar os sentidos do trabalho, afirmando sua
autonomia enquanto construtores/as de histria e de cultura. Nesta vivncia
da autogesto, visamos superao da diviso entre patro e empregado,
entre um que manda e outro que obedece. Nas ltimas dcadas, vivenciamos
uma enorme diversidade de experincias, espalhadas de norte a sul do Brasil.
So mltiplas prticas, interligadas, que se inspiram nos povos tradicionais,
nas comunidades indgenas e quilombolas, que se organizam em aes
integradas de produo e comercializao, cadeias produtivas, feiras e fundos
solidrios, bancos comunitrios. Trata-se afinal, de uma grande rede, pela
qual se promove uma imensa variedade de experincias que se articulam e se
multiplicam.23
A partir dessa prxis que se props uma interveno em educao popular para contribuir
na consolidao de um grupo de Economia Solidria, formado de usurios/as da rede de
dominao social. OLIVEIRA, Iolanda. Processos de Empoderamento no contexto da Educao Popular. In: ROSAS, Agostinho da Silva. MELO NETO, Jos Francisco de.(org) Educao Popular: Enunciados Tericos. Joo Pessoa:
Editora Universitria da UFPB, 2008, p. 188. 17
CECHIN, Antnio. Empoderamento Popular: uma pedagogia da libertao. Porto Alegre: ESTEF, 2010, p. 21. 18
apud ZENAIDE, Maria de Nazar Tavares. A educao em Direitos Humanos. In: TOSI, Giuseppe (org). Direitos
Humanos: histria teoria e prtica. Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2005, p. 355. 19
FLORES, Joaquin Herrera. A (re)inveno dos direitos humanos. Traduo de Carlos Roberto Diogo Garcia;
Antnio Henrique Graciano Suxberger, Jefferson Aparecido Dias, Florianpolis: Fundao Boiteaux, 2009, p. 25. 20
Idem, p. 35. 21
CRITAS BRASILEIRA. Sistematizao de Experincias de Economia Solidria: Referenciais, etapas e
ferramentas, para o processo de sistematizao, 2012, p. 2. (cartilha) 22
Idem. 23
Idem.
-
5
atendimento em sade mental com vistas ao empoderamento desses sujeitos e concretizao de
direitos humanos, dentre eles o direito ao trabalho.
3. SADE MENTAL E ECONOMIA SOLIDRIA: EM BUSCA DA EFETIVAO DE
DIREITOS
A sade mental est incorporada no sistema internacional de Direitos Humanos atravs da
Carta de Princpios para a Proteo de Pessoas Acometidas de Transtornos Mentais e para a
Melhoria da Assistncia Sade Mental proclamada pela Organizao das Naes Unidas (ONU)
em 1991, que se dedica especialmente defesa das liberdades individuais (direitos polticos,
direitos de personalidade etc.) dos portadores/as de sofrimento psquico24
e pela Declarao de
Caracas (1990) adotada pela Organizao Mundial de Sade (OMS), a qual apresenta diretrizes
sobre um novo perfil de ateno sade mental; de natureza preventiva, participativa, localizada e
descentralizada.
No contexto brasileiro, o debate acerca da sade mental adentra a agenda poltica atravs das
reivindicaes do movimento antimanicomial diante das graves violaes aos direitos humanos,
referentes a terapias degradantes e a recluso em hospitais psiquitricos, que distantes de apresentar
potencial teraputico, tornavam-se verdadeiras prises para os usurios dos servios de sade
mental. Neste sentido, vale ressaltar a situao dos manicmios judicirios e a histria dos
tratamentos psiquitricos, sendo que os primeiros impem ao/ portador/a de sofrimento psquico
medida de segurana que pode possuir carter de pena de priso, por vezes perptua, e de outro lado
as tcnicas de tratamento variam desde o uso de eletrochoques, intervenes cirrgicas, camisas-de-
fora etc25
.
A Declarao de Caracas j demonstrava que o modelo de ateno psiquitrica
convencional no contemplava uma ateno de cunho comunitrio e integral, e, alm disso, o
hospital psiquitrico, enquanto nica modalidade assistencial, ocasionava o isolamento do
paciente de seu meio, tornava-o inapto para o convvio social, criava situaes favorveis para a
violao de direitos humanos e absorvia a maior parte dos recursos financeiros e humanos
destinados pelos pases de sade mental26.
Diante deste cenrio, fez-se necessria a Reforma Psiquitrica no Brasil, instituda atravs da
Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, que trata dos direitos das pessoas portadoras de sofrimentos
psquicos, trazendo novas diretrizes para as polticas de sade mental. Diferente do modelo anterior
24
ANDRADE, Jorge M. P. Eixo 3: Direitos Humanos como desafio tico para cidadania. Sub-Eixo direitos Humanos e
Cidadania. Em: IV Conferncia Nacional de Sade Mental. Braslia, p. 1. 2010. Disponvel em: <
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/dhjorgemarcio.pdf> Acesso em 21 de ago. 2012. 25
CENTRO CULTURAL DA SADE. Reforma Psiquitrica: Reforma Psiquitrica. Em: Memrias da loucura.
Disponvel em: Acesso: 24 de jan.2012. 26
ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE. Declarao de Caracas. Disponvel em: Acesso: 20 de ago. 2012.
-
6
de caracterstica assistencial, onde predominava medidas de hospitalizao/internao que
culminavam na perspectiva manicomial e na excluso social dos/as portadores/as, a proposta
decorrente da Reforma Psiquitrica tem como eixo a contribuio comunitria no tratamento,
buscando a incluso social dos/as portadores/as27
. Estas mudanas devem ser compreendidas no
bojo de um processo social complexo, que envolve a mudana na assistncia de acordo com os
novos pressupostos tcnicos e ticos, a incorporao cultural desses valores e a convalidao
jurdico-legal desta nova ordem28.
Dentre os instrumentos realizadores da reforma destaca-se a ampliao do nmero de
Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) e a reduo de leitos-psiquitricos (idem). Ao inserir o
vis comunitrio no atendimento psicossocial, demonstra-se outra necessidade para as polticas de
sade mental: que a sociedade ressignifique o convvio com os/as portadores/as de sofrimento
psquico, estabelea relaes de alteridade e identifique potencialidades nestes sujeitos, e que os
mesmos no se encontram margem de um projeto de Nao29. Desta forma, a Poltica Nacional
de Sade Mental demanda polticas pblicas intersetoriais, uma vez que a plena efetivao dos
direitos humanos dos/as portadores/as de sofrimento psquico necessita concretizar no s o direito
sade, como tambm direito ao trabalho, renda, cultura, lazer, moradia, transporte etc.
Uma das polticas pblicas intersetoriais relacionadas sade mental a que visa estimular
a gerao de renda para promover a incluso social dos/as portadores/as de sofrimento psquico.
Trata-se da Poltica Nacional de Sade Mental e Economia Solidria, poltica desenvolvida pelo
Ministrio da Sade e da Secretaria Nacional de Economia Solidria do Ministrio do Trabalho que
tem por diretrizes:
incluso social; acesso ao trabalho e renda sob a gide dos direitos
humanos; incremento da autonomia e da emancipao do usurio;
desenvolvimento da cooperao e da solidariedade; fortalecimento do
coletivo; incentivo autogesto e participao democrtica; gerao de
alternativas concretas para melhora de vida; desenvolvimento local;
participao da comunidade; articulao em redes intersetoriais (sade,
trabalho, educao, assistncia social, cultura); formao de redes de
comercializao solidrias; entre outras30
.
A incluso social atravs do trabalho contribui para o empoderamento dos sujeitos
envolvidos nas aes. Entretanto, para a consolidao desta poltica necessria a organizao dos
usurios e a capacitao para a estruturao dos empreendimentos econmicos solidrios, para
questes como gesto, cooperativismo etc. A Poltica Nacional de Sade Mental e Economia
27
CENTRO CULTURAL DA SADE. Reforma Psiquitrica: Reforma Psiquitrica. Em: Memrias da loucura.
Disponvel em: Acesso: 24 de jan.2012. 28
Idem. 29
Idem. 30
SINGER, Paul. Sade Mental e Economia Solidria: Incluso Social pelo Trabalho / Balano da Poltica,
Anlise da Expanso da Rede Brasileira de Sade Mental e Economia Solidria, e Agenda para os prximos
anos. Disponvel em: < portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/polit_mental_econ_soli.pdf> Acesso 21 de ago. 2012.
-
7
Solidria tem se orientado para o financiamento e capacitao de usurios e profissionais da sade
mental de grupos que j tenham se organizado o suficiente para saber em quais atividades atuar e
editais de financiamento para os grupos que j estejam consolidados. A maioria dos grupos de
gerao de renda relacionados sade mental iniciaram vinculados aos CAPS, sendo que alguns
deles optam por permanecerem vinculados s dependncias dos CAPS e desenvolvem produtos e
servios diversos que objetivam a estimular
o desenvolvimento local, os potenciais e as especificidades de seus
trabalhadores e trabalhadoras, como: artesanato, bijuteria, gneros
alimentcios, vesturio, assessrios, marcenaria, serralheria e restaurao de
mveis, arte, cultura, msica, cinema, teatro, e outras, e ainda de prestao de
servios (jardinagem, limpeza, lavagem de carros, assessoria e incubao,
servio de buffet)31
.
Existe uma lacuna, o momento anterior, quando os/as usurios/as tem a clareza do objetivo
de gerar renda, mas no reconhecem entre si de que modo estruturar o grupo, que tipo de trabalho
produzir, em que lugar, de que maneira, por qu, entre outros aspectos. nesse contexto que se
inseriu a proposta das oficinas junto aos/s usurios do CAPS Vidativa/Anpolis interessados em
constituir um grupo de gerao de renda.
Antes de apresentar os aspectos objetivos que levaram interveno junto a este grupo
especfico, vale ressaltar que a Educao Popular demanda uma etapa necessria de reconhecimento
da realidade sobre a qual se pretende intervir. Este reconhecimento material, apresenta elementos
concretos que so lidos a partir da subjetividade dos interlocutores.
A realizao das oficinas de um projeto que pretende abordar Direitos Humanos atravs da
Educao Popular, cujas diretrizes gerais esto especificadas e que os sujeitos da ao ainda sero
selecionados, pressupe que a escolha dos grupos antes de tudo subjetiva, e esta subjetividade se
exterioriza a partir dos protagonistas deste momento do processo, no caso deste projeto, das
monitoras. Desta forma a Sade Mental e Economia Solidria consistem em demandas de
interveno de Direitos Humanos.
4.A EXPERINCIA DA FORMAO DE UM GRUPO DE GERAO DE RENDA NO CAPS
VIDATIVA
O encontro com o referido grupo aconteceu aps tentativas de realizar as oficinas com outro
grupo de usurios de CAPS, neste caso o CAPS I da Cidade de Gois, o que no foi concretizado.
Ainda no momento onde se havia a inteno de trabalhar junto ao CAPS da Cidade de
Gois, a equipe buscou ajuda com a profissional Marla Castro (terapeuta ocupacional) para
compreender um pouco mais sobre as possibilidades de interveno na temtica de Sade Mental,
Gerao de Renda e Direitos Humanos. Este contato se deu atravs das oficinas Juventude e
31
Idem.
-
8
Economia Solidria realizadas pela Casa da Juventude Pe Burnier32
, de cujas atividades
participavam as monitoras do projeto, a terapeuta e dois dos seus pacientes.
O dilogo tornou-se mais freqente e Marla props que o projeto fosse desenvolvido no
CAPS Vidativa localizado em Anpolis, local em que atuava como terapeuta ocupacional e havia
um grupo em processo de amadurecimento da constituio de um grupo de gerao de renda,
motivo pelo qual dois usurios estavam participando do curso na Casa da Juventude. Foi quando se
estabeleceu a parceria com o CAPS Vidativa e a referida profissional veio a compor a equipe
executora das oficinas durante toda a realizao do projeto.
Diante do contexto dos sujeitos, os quais manifestavam o desejo de constituir um grupo de
gerao de renda grupo e a disponibilidade institucional para a construo conjunta com os sujeitos
da comunidade (trabalhadores e usurios), aceitou-se o desafio de empreender uma atividade de
educao popular nesse sentido, mesmo com as limitaes das educadoras com formao jurdica e
pouco conhecimento (apenas sensibilidade) para o debate da Sade Mental e sua relao com os
direitos humanos.
O CAPS Vidativa se localiza em Anpolis33
, cidade do interior do estado de Gois,
atendendo pacientes adultos/as que tenham algum tipo de transtorno mental, grave ou persistente34
.
A equipe profissional formada por enfermeiras, psiclogas, assistente social, terapeuta
ocupacional, tcnicos de enfermagem (idem). Existe uma Associao de usurios, a Associao
dos Usurios dos Servios de Sade Mental de Anpolis (AUSSMA), que se encontra em recente
reestruturao e busca alternativas como a realizao de bazares e outros, para garantir sua
consolidao. Na perspectiva de ampliar parceiros locais, foram realizadas algumas conversas
informais e reunies onde se firmou uma parceria com esta associao e o apoio integral da
coordenao do CAPS.
A expectativa era que o grupo contabilizasse no mximo trinta pessoas, j que o trabalho
com portadores de sofrimento mental exige uma ateno especfica que seria difcil com um nmero
maior de sujeitos. Porm, no desenrolar das atividades, o nmero variou entre quinze e vinte
pessoas que permaneceram por todas as oficinas. A grande parte dos/as usurios que procuraram as
oficinas, participavam do Grupo de Terapia Ocupacional pelo qual a terapeuta Marla35
era
responsvel na instituio, dentre estes/as tambm havia os/as que eram vinculados Associao.
32
A Casa da Juventude (CAJU) uma entidade da sociedade civil que desenvolve projetos de formao para a
juventude. Para maiores informaes sobre o trabalho da casa, ver em www.casadajuventude.org.br 33
O municpio de Anpolis conta com outros dois Centros de Ateno Psicossocial, um para atendimento de
dependentes de lcool e outras drogas (CAPS Viver) e outro para apoio psicossocial da infncia e da adolescncia
(CAPS Crescer). 34
PREFEITURA MUNICIPAL DE ANPOLIS. Secretarias e rgos/Sade: CAPS Vidativa. Disponvel em:
Acesso: 25 de jan. 2012. 35
A terapeuta Marla Castro era profissional vinculada aos quadros do CAPS Vidativa, sua sada coincidiu com o incio
das oficinas do Projeto, mas ela continuou a contribuir com as oficinas e mediar o dilogo com a coordenao do Caps
Vidativa.
-
9
Como o projeto buscava instrumentalizar a constituio de um grupo de gerao de renda que iria
ultrapassar os limites cronolgicos do projeto, houve a preocupao de que algum/a profissional do
CAPS tambm acompanhasse as oficinas para assegurar a continuidade do processo.
Desta forma o grupo era composto por usurios/as participantes do grupo de terapia
ocupacional, alguns/as atuantes na Associao e duas profissionais do CAPS Vidativa, a maior
parte mulheres entre 20 e 35 anos. Havia dificuldade para se deslocarem at o CAPS Vidativa pois
era necessrio dinheiro para o transporte, e alguns/as no possuam condies financeiras para arcar
com mais uma ida ao CAPS, uma vez que j havia os deslocamentos para as atividades teraputicas
habituais.
Os objetivos da ao consistiam no reconhecimento da realidade local atravs da pesquisa
participante36
; capacitao de usurios do CAPS Vidativa para a criao de um grupo de gerao de
renda, utilizando a metodologia da Educao Popular e temticas acerca dos Direitos Humanos;
identificar e potencializar uma rede local de lideranas e parceiros que possibilite a continuidade da
ao; fortalecer a Associao dos Usurios dos Servios de Sade Mental de Anpolis (AUSSMA);
identificar e potencializar a rede local de lideranas e parceiros que possibilite a continuidade da
ao, e; promover capacitao sobre polticas de Direitos Humanos e sade mental, gerao de
renda, economia solidria e cooperativismo, planejamento e elaborao de projetos.
Os usurios do CAPS Vidativa, assim como a grande maioria dos usurios dos servios
pblicos de ateno psicossocial, so economicamente hipossuficientes. Esta situao ainda
realada porque o transtorno mental entendido socialmente como uma incapacidade de trabalho, o
que agrava a situao econmica dessas pessoas, as invibiliza como sujeitos de direitos. fato que
estes usurios tem limitao em alguns aspectos de sua vida social, porm, essa especificidade no
pode ser confundida com a impossibilidade completa de autonomia em outros aspectos de sua vida
e de sua histria.
No grupo de usurios participantes das oficinas, percebeu-se um perfil de sujeitos que havia
internalizado esse olhar social de sua incapacidade (reforada inclusive juridicamente em muitos
casos, visto que muitos deles tem declarada a incapacidade civil) e essa sensao de negao era
traduzida como baixa auto-estima. Estes usurios tinham uma dificuldade de relacionamento
intersubjetivo, alguns possuam transtornos que dificultavam a participao atravs da fala ou da
escrita, alm do fato que alguns/as no eram alfabetizados. Para lidar com esses desafios, buscou-se
a diviso de grupos menores e de ferramentas metodolgicas mais participativas como desenhos
para provocar a manifestao das opinies.
36
Entende-se aqui que a pesquisa participante e a educao popular so processos convergentes, conforme ensina Oscar
Jara Holliday.
-
10
Por outro lado, havia ainda um outro perfil de usurios que no se sentem incapazes, embora
seja assim que a sociedade tambm os veja, mas identificam que lhes falta oportunidade. A
possibilidade de formar um grupo de produo que gere renda, para estas pessoas, forma de
construir a oportunidade que no tiveram, e por isso, muitos deles participavam ativamente dos
espaos de fala nas oficinas do curso, com uma euforia excessiva caracterizada pelos psiclogos
como um quadro clnico de ansiedade. Por isso, o acompanhamento do grupo pelo profissional de
sade era to importante.
Alm do acompanhamento teraputico que era exercido em espaos diferenciados das
oficinas, os profissionais de sade eram participantes das oficinas assim como os usurios. Embora
essa dimenso no estivesse muito clara inicialmente, o fato os provocou a se perceber sujeitos de
direitos no seu espao de trabalho, ou seja, como exercer sua cidadania ativa no contexto da sade
mental. Uma dificuldade encontrada inicialmente foi o dficit de funcionrios no CAPS Vidativa (3
psiclogos para 426 pacientes) mas tambm o fato deles residirem em Goinia, localizada a 50 km
de Anpolis, e por isso estabelecerem poucos vnculos com a comunidade de Anpolis.
O CAPS Vidativa apresenta um contexto local da situao da sade pblica em Anpolis
como a eterna transio de profissionais e um grupo que ainda diante deste contexto, j se
reconhece como um grupo e possui vnculos e pertencimento. Como parte tambm deste grupo
esto os servidores tcnicos e a coordenao do CAPS, exercida por Marta Brando. A
coordenadora dispunha todo apoio institucional para a realizao das oficinas e manifestava vontade
pessoal na consolidao de fato de um grupo de gerao de renda. Foi essa imensa vontade comum
nosso ponto de partida, nosso ponto de entrada na comunidade.
A compreenso dessa subjetividade dos participantes importante para ns porque refora
nossa concepo direitos humanos e a educao popular como metodologia adequada para esta
ao. O curso foi realizado em formato de oficinas (onze) e foi denominado conjuntamente com os
parceiros: Oficinas de Direitos Humanos: sade mental e gerao de renda. A escolha foi para
reforar a idia que oficinas so espaos em que construmos algo, e que ao final, deve apresentar
um produto. A metodologia adotada foi a educao popular libertadora, tendo em vista que as aes
educativas acontecem no dilogo, onde h uma diferena de papis mas no uma relao de
hierarquia entre um ser ativo que ensina e um ser passivo que absorve o conhecimento.
Considerando a perspectiva da construo coletiva, aconteceram dois encontros iniciais
para a construo da parceria e definio de uma equipe mista (entre educadores e educandos). A
constituio dessa equipe mista foi fundamental, e pode-se considerar que foi o primeiro momento
em que os educandos/as comeam a se perceber sujeitos de direitos na medida em que assumem
responsabilidades com o coletivo. Alm disso, compreende-se que o processo organizativo
-
11
extremamente educativo porque nele a teoria e a prtica esto conectados, onde os sujeitos se
identificam como tais, quando constroem juntos a organizao do grupo.
Isso se deu atravs de uma complementaridade de olhares, que neste caso, foi fundamental
para saber quem seria convidado para as oficinas e como fazer esse convite aos outros usurios do
CAPS Vidativa. As educadoras, alm de no conhecer os/as usurios/as do CAPS no possuam
conhecimento tcnico dos tipos de sofrimento psquico destes/as, o que tornava difcil identificar os
limites e habilidades de cada um/a. Apesar de perceber que alguns/as usurios/as estavam em
condies psquicas que exigiam outro tipo de interveno e da dificuldade de relacionamento em
grupo que eles apresentavam, avaliou-se que o convite seria feito para todos os/as usurios/as,
trabalhador/as e familiares.
Os dois jovens usurios que compuseram a equipe mista j tinham uma proposta de
questionrio para conhecer mais sobre a realidade e a percepo da realidade (especialmente o
significado e disponibilidade para o trabalho) dos usurios do CAPS Vidativa. A partir deste
questionrio foi realizada uma pesquisa quali-quantitativa para elaborao do diagnstico local
participativo que na pedagogia freireana chamamos de estudo de realidade37. O questionrio foi
aplicado pelos prprios jovens usurios e pela terapeuta ocupacional juntamente com a divulgao e
mobilizao para as oficinas.A divulgao, foi realizada por cartazes impressos e flyer, e na reunio
da associao que contava com cerca de 30 usurios, mas a mobilizao se deu mesmo na
informalidade, nas conversas e convites individuais.
De forma sinttica, a primeira oficina foi o momento de apresentao do projeto e de
construo do acordo de compromisso, importante para que o/a educando/a j se sinta parte
importante para a realizao da atividade. Mas especialmente, foi o momento de ouvir as falas
significativas e confirmar o estudo de realidade elaborado a partir da aplicao de questionrios,
agora com a fala do usurio participante do curso. A partir das compreenses levantadas pelos
sujeitos das oficinas que se identificaram os temas geradores.
Atravs das falas significativas, constatou-se que o/a usurio/a valoriza o trabalho, como
algo que dignificante por traduzir para o mundo sua utilidade como ser humano, mas tambm este
trabalho visto em uma relao ideal onde este ser nunca coisificado. A partir da identificao
dessa idia como tema gerador, trabalhamos a segunda oficina na perspectiva de ampliao da idia
sobre o trabalho.
Nesse sentido, foi trabalhada a temtica do Direito ao trabalho digno e as alternativas
sociais de efetivao desse direito humano, como por exemplo, as cooperativas e a economia
37
Alguns referenciais terico-metodolgicos chamam esse momento de diagnstico, ou enfatizam a necessria participao da comunidade como sujeitos e no objetos da observao com o diagnstico participativo. Preferimos, no entanto o termo estudo de realidade pela referncia na pedagogia freireana e deixar mais evidente a definio de realidade para Paulo Freire para mim, a realidade so os fatos, os dados, e a percepo que as pessoas tem desses fatos mais os dados.
-
12
solidria. Vale destacar que se partiu da compreenso que os/as usurios/as tem de trabalho (no
abstratamente, mas as atividadades que eles pretendiam realizar) e esse conhecimento confrontado
com outros conceitos e conhecimentos (legislaes protetivas e experincias concretas) para depois,
no momento de debate, construir coletivamente o conceito de direito ao trabalho e que trabalho se
pretende realizar.
Percebeu-se que o grupo pretendia realizar uma compreenso de trabalho diferenciada: o
trabalho cooperado, o qual possui caractersticas especficas (autogesto, valorizao da qualidade
de vida e no do lucro) e, alm disso, os sujeitos reconheceram que vrias experincias nacionais
concretizavam aquilo que se pretendia fazer. Este momento foi decisivo, pois o grupo construiu sua
identidade de grupo de produo solidria a partir do reconhecimento de outras experincias. Aqui
foi possvel visualizar o que objetivavam de fato, e que era realizvel j que outros grupos faziam o
mesmo tipo de trabalho.
As primeiras oficinas demonstraram a ansiedade maior de alguns usurios, que pretendiam
comear imediatamente a produo, mas tinham pouca (ou nenhuma) idia de como se organizar
para isso. No tinham conhecimento terico sobre as polticas pblicas para a sade mental e
direitos humanos, sobre as polticas federais da Secretaria Nacional da Economia Solidria, sobre a
legislao de cooperativas, nem conhecimento prtico com comrcio. Apesar disso, alguns usurios
tinham habilidade na prtica do artesanato.
A partir dessa compreenso e da construo conceitual do encontro anterior, a terceira
oficina trabalhou a identificao dessas potencialidades do grupo, mas principalmente trouxe como
contedo principal os caminhos concretos para a realizao da produo. Para esta reflexo,
buscamos apoio da Incubadora de Empreendimentos Econmicos Solidrios da Universidade
Federal de Gois. Nesta oficina o grupo que havia escolhido fazer artesanato, quando provocado
sobre o que preciso para comear a produo que pretendem? respondeu que preferiam no
responder as perguntas, mas mostrar. O grupo se props a realizar uma oficina para produzir alguns
objetos possveis e que levariam na prxima oficina para que possamos avaliar. Para isso,
identificaram a necessidade de um local e se organizaram para solicitar um espao para a
coordenadora da instituio, a qual cedeu uma sala como tambm disps de alguns materiais do
servio de terapia ocupacional.
Apesar de que as oficinas no se propusessem a coordenar as atividades de produo do
grupo, a iniciativa dos sujeitos foi incentivada pelas educadoras, tendo em vista que a experincia
do fazer mostraria para eles as reais dificuldades, o que poderia diminuir a ansiedade e perceber que
alguns passos anteriores precisam ser dados no processo da realizao de uma experincia exitosa
na Economia Solidria. Alm disso, o protagonismo, inclusive reivindicando da coordenao o
espao fsico que precisavam, mostra que estas pessoas comeavam a se sentir sujeitos de direitos.
-
13
Esta primeira oficina de produo no se realizou porque o grupo no conseguiu realizar
aquilo que imaginavam, e principalmente, porque eles no planejaram todos os passos necessrios.
Um exemplo significativo foi a expectativa de fazer bonecas de bucha vegetal. Uma das usurias
disse que pegaria as buchas no vizinho e as levaria para a oficina, porm, no planejou e esqueceu
que no era perodo de colher este tipo de produto.
Ainda assim, o grupo se reuniu com a psicloga e trabalharam a necessidade de controle
da ansiedade e de planejamento para as aes. Nesse sentido, a quarta oficina ressaltou o processo
pedaggico da tentativa de fazer do grupo e aps avaliar com eles os aprendizados trabalhou com
contedos de planejamento e parcerias. Como alternativa concreta, vislumbrou-se a possibilidade de
parceria com a Critas Brasileira que estava com edital aberto para financiamento de projetos. No
mesmo sentido de provocar que o grupo assumisse responsabilidades, propondo a diviso de
tarefas, entre conversas com possveis parceiros (prefeitura e associao de artesos) e busca de
outros editais abertos.
A dinmica de elaborao do projeto demonstrou um timo potencial pedaggico de
construo de identidade e percepo de objetivos comuns, a tentativa de se elaborar o projeto era
por si um instrumento de aprendizado. A partir dos elementos propostos no edital o grupo iniciou a
reflexo e sistematizao do que pretendia construir, discutindo elementos fundamentais como: o
que produzir; como produzir? o que precisa pra produzir? por que produzir? pra quem vender?
entre outras provocaes. Alm disso, este exerccio tambm colaborou para que duas usurias (que
inclusive so estudantes de pedagogia) assumissem o protagonismo nas atividades que exigem um
pouco mais de desenvolvimento intelectual, como a escrita do projeto.
O projeto no foi encaminhado para o edital da Critas Brasileira porque o prazo no foi
suficiente para a escrita e ainda existiam dvidas quanto entidade parceira que seria juridicamente
responsvel pelo projeto, j que o grupo no tinha CNPJ. Porm, a ltima oficina do curso foi um
planejamento da continuidade dos encontros, o que demonstra que os objetivos do projeto foram
alcanados. O grupo acordou que continuaria se encontrando uma vez por semana, as sextas feiras,
para experimentar a produo de artesanato. Para isso a coordenao do CAPS forneceria alguns
materiais e a psicloga faria o acompanhamento do grupo.
6. CONCLUSO
A meta inicial da ao de extenso junto ao CAPS Vidativa era a consolidao de Ncleo
de Direitos Humanos. A primeira controvrsia se deu ao estabelecer o que se compreenderia por um
ncleo desta natureza. Ocorre que em uma perspectiva emancipatria de direitos humanos, um
lcus referencial para a realizao destes deve ter relao com a necessidade dos sujeitos. No caso
dos portadores de sofrimento psquico em um contexto geral, bem como dos usurios do CAPS, a
-
14
concretizao dos direitos humanos demanda a incluso social, especialmente pela via do trabalho.
Desta forma a concepo diferenciada de trabalho pela qual se pauta a Economia Solidria uma
alternativa bastante pertinente.
A realizao do projeto demonstrou algumas fragilidades tanto acerca da realizao de
aes de extenso de modo pontual, quanto realidade institucional da efetivao da Reforma
Psiquitrica no Brasil. Primeiro, a criao de expectativas nos sujeitos foi sempre uma preocupao
durante a execuo do projeto devido curta durao do mesmo. O contato com a comunidade se
deu por aproximadamente seis meses o que um tempo pequeno para uma contribuio mais
efetiva, especialmente quando se trata da consolidao de um grupo de Economia Solidria. Em
segundo lugar, o contexto institucional do CAPS era peculiar, percebendo-se uma grande
rotatividade de profissionais de sade, o dificultou o fortalecimento do acompanhamento
institucional38
. Outro aspecto desafiador era a prpria metodologia, uma vez que os sujeitos
possuam especificidades por causa da condio de portadores de sofrimento psquico, o que
demandou bastante cuidado no momento das oficinas. Alm disso havia a dificuldade financeira
que os/as usurios possuam em custear o deslocamento, uma vez que j se deslocavam ao menos
uma vez por semana para as atividades teraputicas.
Entretanto, a realizao do projeto consistiu num momento importante para o
fortalecimento do grupo, que pde amadurecer seus objetivos e exercitar sua capacidade de
organizao. Durante a execuo do projeto foi possvel identificar lideranas, potenciais atividades
de produo (artesanato), a articulao de parcerias institucionais (Incubadora de Empreendimentos
Econmicos Solidrios da UFG), como tambm se percebeu a necessidade de fortalecer a
associao de usurios j existente (AUSSMA).Vale destacar que o processo de envolvimento dos
profissionais se deu ao mesmo tempo que os usurios, percebendo-se enquanto sujeitos capazes de
contribuir com a realizao de direitos naquele espao de atendimento sade mental.
Apesar dessas dificuldades, e levando tambm em considerao da limitao temporal
para a realizao das oficinas, o resultado pode ser considerado positivo, o que se visualiza na
continuidade do grupo, que no deixou de se encontrar semanalmente para concretizar seu intento
de construir um empreendimento econmico solidrio.
7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ANDRADE, Jorge M. P. Eixo 3: Direitos Humanos como desafio tico para cidadania. Sub-Eixo
direitos Humanos e Cidadania. Em: IV Conferncia Nacional de Sade Mental. Braslia: 2010.
38
A disposio da cordenao do CAPS em colaborar com processo no era suficiente para sanar o problema, pois a
instituio possua poca dficit de servidores, entrentanto a questo foi minimizada com a nomeao de trs novos
psiclogos que comearam, tambm atravs das oficinas, se integrar ao grupo e assumir essas tarefas de motivao.
-
15
Disponvel em: Acesso em
21/08/12.
CARBONARI, Paulo Csar. Educao popular em Direitos Humanos: aproximaes e comentrios
ao PNEDH. In: SILVA, Aida M. Monteiro; TAVARES, Celma (orgs.). Polticas e fundamentos
da Educao em Direitos Humanos. So Paulo: Cortez, 2010.
CRITAS BRASILEIRA. Sistematizao de Experincias de Economia Solidria:
Referenciais, etapas e ferramentas, para o processo de sistematizao, 2012. (cartilha)
CECHIN, Antnio. Empoderamento Popular: uma pedagogia da libertao. Porto Alegre:
ESTEF, 2010, p. 21.
BRANDO, Carlos Rodrigues. Educao Popular. 2 ed.. Coleo Primeiros Vos, So Paulo:
Brasiliense, 1985.
CENTRO CULTURAL DA SADE. Reforma Psiquitrica: Reforma Psiquitrica. Em: Memrias
da loucura. Disponvel em: Acesso: 24/01/12 s 22:49 h.
FLORES, Joaquin Herrera. A (re)inveno dos direitos humanos. Traduo de Carlos Roberto
Diogo Garcia; Antnio Henrique Graciano Suxberger, Jefferson Aparecido Dias, Florianpolis:
Fundao Boiteaux, 2009.
FREIRE, Paulo. Educao como prtica da Liberdade. 19 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ANPOLIS. Secretarias e rgos/Sade: CAPS Vidativa.
Disponvel em: Acesso:
20 ago. 2012.
OLIVEIRA, Iolanda. Processos de Empoderamento no contexto da Educao Popular. In: ROSAS,
Agostinho da Silva. MELO NETO, Jos Francisco de.(org) Educao Popular: Enunciados
Tericos. Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2008, p. 189.
OLIVERI, Adele. Empoderamento para a participao atravs do trabalho. In: CANDEIAS, Csar
N.B. e outros. Economia Solidria e Autogesto: Ponderaes tericas e achados empricos. Joo
Pessoa: 2010.
ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE. Declarao de Caracas. Disponvel em:
Acesso: 24/01/12 s 22:23 h.
SILVA, Janana L. P. O direito fundamental singularidade do portador de sofrimento
mental:: uma anlise da Lei 10.216/01 luz do princpio da integridade do Direito. Dissertao
de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Direito da Universidade de Braslia,
2007
SINGER, Paul. Sade Mental e Economia Solidria: Incluso Social pelo Trabalho / Balano
da Poltica, Anlise da Expanso da Rede Brasileira de Sade Mental e Economia Solidria, e
Agenda para os prximos anos. Disponvel em: <
portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/polit_mental_econ_soli.pdf> Acesso 24/01/12 s: 15:10 h.
ZENAIDE, Maria de Nazar Tavares. A educao em Direitos Humanos. In: TOSI, Giuseppe (org).
Direitos Humanos: histria teoria e prtica. Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2005,
p. 355.