a dimensão do direito ao trabalho no empoderamento dos usuários do caps vida ativa anápolis

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A DIMENSÃO DO DIREITO AO TRABALHO NO EMPODERAMENTO DOS USUÁRIOS DO SISTEMA DE ATENDIMENTO À SAÚDE MENTAL: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO POPULAR NO CAPS VIDATIVA ANÁPOLIS/GO. Mesa Temática 3: Direito, trabalho e emancipação. Ana Laura Silva Vilela 1 Carla Miranda 2 Marla Castro 3 Resumo: Diante do marco da Reforma de Psiquiátrica instituída pela Lei 10.216/01 e da Política Nacional de Saúde Mental e Economia Solidária, este texto propõe abordar de que maneira o trabalho e a geração de renda através da Economia Solidária contribuem para a emancipação dos portadores de sofrimento psíquico, apresentando o processo de formação de um grupo de Economia Solidária no CAPS Vidativa (Anápolis/GO), experiência acompanhada pelo Projeto Educação Popular e Direitos Humanos, atividade de extensão desenvolvida pelo Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos (NEP) da Universidade de Brasília em 2011. Palavras-Chave: direitos humanos; saúde mental; economia solidária; empoderamento; reforma psiquiátrica. Abstract: Considering the Psychiatric Reform introduced by Law 10.216/01 and the National Mental Health Policy and Solidarity Economy, this paper intends to approach how the work and income generation through the Solidarity Economy contribute to the empowerment of people with psychological distress, presenting the process of a forming group of Solidarity Economy in CAPS Vidativa (Anápolis / GO), an experience that was assisted by Project Popular Education and Human Rights, university extension initiative conducted by the Center for the Study of Peace and Human Rights (NEP) of University of Brasília in 2011. Key-words: human rights; mental healthy; solidarity economy; empowerment; psychiatric reform. 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho pretende discutir a relação entre trabalho e empoderamento por parte dos portadores de sofrimento psíquico através da Economia Solidária. A discussão acerca dessa temática será feita a partir de uma experiência de Educação Popular realizada em 2011 junto aos usuários/as do Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) Vidativa localizado em Anápolis- Goiás, 1 Mestranda em Ciências Jurídicas Área de Concentração em Direitos Humanos, pelo PPCJ/UFPB. Correio Eletrônico: [email protected] 2 Mestre em Ciências Jurídicas Área de Concentração em Direitos Humanos, pelo PPGCJ/UFPB. Correio eletrônico: [email protected] 3 Mestranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Goiás. Correio Eletrônico: [email protected]

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Artigo escrito em 2012 a respeito de uma experiência de extensão e publicado no livro eletronico: Estudos Do Congresso Marxismo e Realismo de organização da Profa. Lorena Freitas

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  • A DIMENSO DO DIREITO AO TRABALHO NO EMPODERAMENTO DOS USURIOS

    DO SISTEMA DE ATENDIMENTO SADE MENTAL: UMA EXPERINCIA DE

    EDUCAO POPULAR NO CAPS VIDATIVA ANPOLIS/GO.

    Mesa Temtica 3: Direito, trabalho e emancipao.

    Ana Laura Silva Vilela1

    Carla Miranda2

    Marla Castro3

    Resumo: Diante do marco da Reforma de Psiquitrica instituda pela Lei 10.216/01 e da Poltica

    Nacional de Sade Mental e Economia Solidria, este texto prope abordar de que maneira o

    trabalho e a gerao de renda atravs da Economia Solidria contribuem para a emancipao dos

    portadores de sofrimento psquico, apresentando o processo de formao de um grupo de Economia

    Solidria no CAPS Vidativa (Anpolis/GO), experincia acompanhada pelo Projeto Educao

    Popular e Direitos Humanos, atividade de extenso desenvolvida pelo Ncleo de Estudos para a Paz

    e Direitos Humanos (NEP) da Universidade de Braslia em 2011.

    Palavras-Chave: direitos humanos; sade mental; economia solidria; empoderamento; reforma

    psiquitrica.

    Abstract: Considering the Psychiatric Reform introduced by Law 10.216/01 and the National

    Mental Health Policy and Solidarity Economy, this paper intends to approach how the work and

    income generation through the Solidarity Economy contribute to the empowerment of people with

    psychological distress, presenting the process of a forming group of Solidarity Economy in CAPS

    Vidativa (Anpolis / GO), an experience that was assisted by Project Popular Education and Human

    Rights, university extension initiative conducted by the Center for the Study of Peace and Human

    Rights (NEP) of University of Braslia in 2011.

    Key-words: human rights; mental healthy; solidarity economy; empowerment; psychiatric reform.

    1. INTRODUO

    O presente trabalho pretende discutir a relao entre trabalho e empoderamento por parte

    dos portadores de sofrimento psquico atravs da Economia Solidria. A discusso acerca dessa

    temtica ser feita a partir de uma experincia de Educao Popular realizada em 2011 junto aos

    usurios/as do Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) Vidativa localizado em Anpolis- Gois,

    1 Mestranda em Cincias Jurdicas rea de Concentrao em Direitos Humanos, pelo PPCJ/UFPB. Correio

    Eletrnico: [email protected] 2 Mestre em Cincias Jurdicas rea de Concentrao em Direitos Humanos, pelo PPGCJ/UFPB. Correio eletrnico:

    [email protected] 3 Mestranda em Sade Coletiva pela Universidade Federal de Gois. Correio Eletrnico: [email protected]

  • 2

    atividade de extenso universitria desenvolvida no mbito do Projeto Educao Popular e Direitos

    Humanos: Capacitao de atores sociais no Distrito Federal e Estado de Gois. Este projeto de

    extenso foi proposto e executado pelo Ncleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos (NEP) da

    Universidade de Braslia com financiamento da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e tinha por

    objetivo a capacitao de sujeitos sociais e a formao de Ncleos de Direitos Humanos em dez

    cidades do Distrito Federal e do Estado de Gois.

    Antes de se analisar a j mencionada experincia de extenso, torna-se necessrio indicar os

    fundamentos tericos que subsidiaram a ao, quais sejam: Educao Popular, Empoderamento,

    Direitos Humanos e Economia Solidria.

    A Educao Popular e a Economia Solidria pressupem a interao dos saberes,

    construindo um conhecimento novo com vistas transformao dos sujeitos envolvidos na ao,

    quer sejam educadoras/es quer sejam educandos/as, por isto a importncia da sistematizao

    (reflexo rigorosa) e divulgao das prticas que constroem esse saber novo4.

    Em seguida, apresenta-se o contexto da Sade Mental no Brasil, bem como da Poltica

    Nacional de Sade Mental e Economia Solidria e a articulao destas com os direitos humanos,

    tendo em vista que a efetivao da cidadania consiste na principal reivindicao que agrega os

    diferentes sujeitos (trabalhadores/as e usurios dos servios de sade mental) nas lutas pela

    transformao do modelo de assistncia de Sade Mental5.

    Por fim, cuida-se de abordar a experincia de gestao/formao de um grupo de economia

    solidria, identificando os sujeitos envolvidos, intencionalidades/potencialidades, os aspectos

    metodolgicos e os resultados iniciais.

    2. SUBSDIOS TORICOS DA EXPERINCIA

    A crtica e recusa educao bancria lana o desafio de uma prxis educacional

    diferenciada que reflita a natureza da pedagogia6. A educao popular tem por objetivo a ampliao

    do poder das classes populares e se fundamenta na relao entre iguais no processo educativo. Os

    recursos metodolgicos ensejam formas educativas participativas, o incentivo reflexo coletiva da

    prtica dos educandos/as, valorizando seu contexto7. A Educao em Direitos Humanos se relaciona

    intimamente com os princpios da educao popular, podendo-se afirmar que as diretrizes

    4 CRITAS BRASILEIRA. Sistematizao de Experincias de Economia Solidria: Referenciais, etapas e

    ferramentas, para o processo de sistematizao, 2012. (cartilha) 5 SILVA, Janana L. P. O direito fundamental singularidade do portador de sofrimento mental:: uma anlise da

    Lei 10.216/01 luz do princpio da integridade do Direito. Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de

    Ps-graduao em Direito da Universidade de Braslia, 2007, p. 8. 6 FREIRE, Paulo. Educao como prtica da Liberdade. 19 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 61.

    7 BRANDO, Carlos Rodrigues. Educao Popular. 2 ed.. Coleo Primeiros Vos, So Paulo: Brasiliense, 1985, p.

    72.

  • 3

    programticas do Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos se orientam pela pedagogia da

    educao popular8.

    Nesse sentido, o empoderamento buscado pela educao popular, no consiste em ato

    unilateral de doao de poder, mas sim em processos coletivos e individuais, o constitudos via

    ressignificao e repolitizao do sentido deste termo, cujas aes voltam-se para a mudana

    concreta dos fatores sociais e estruturais em que as classes populares encontram-se inseridas 9.

    A superao das contradies sociais, das relaes histricas de opresso e emerso do povo

    que vai se conscientizando, demanda a mudana urgente e total no processo educativo 10.Destaca-

    se a fora instrumental da educao, capaz de criar atravs da reflexo de suas prticas novos

    hbitos de participao, combatendo a cultura de passividade11

    . A educao possui esta habilidade

    somente quando se relaciona ao contexto no qual esta inserida12

    , contribuindo para a humanizao e

    o empoderamento13

    popular:

    Uma educao que lhe propiciasse a reflexo sobre seu prprio poder de

    refletir sua instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse

    poder, na explicitao de suas potencialidades, de que decorreria sua

    capacidade de opo. Educao que levasse em considerao os vrios graus

    de poder de captao do homem brasileiro no sentido de sua humanizao 14

    .

    Vale esclarecer a noo freireana de empoderamento, uma vez que poucos estudos analisam

    este processo 15

    , e a categoria por vezes rechaada por receber uma atribuio de cunho liberal e

    no-emancipatria16

    . Empoderar-se tem a ver com potencializar criativamente a capacidade das

    pessoas17

    para intervirem em seu contexto.

    8 CARBONARI, Paulo Csar. Educao popular em Direitos Humanos: aproximaes e comentrios ao PNEDH. In:

    SILVA, Aida M. Monteiro; TAVARES, Celma (orgs.). Polticas e fundamentos da Educao em Direitos Humanos.

    So Paulo: Cortez, 2010. 9 OLIVEIRA, Iolanda. Processos de Empoderamento no contexto da Educao Popular. In: ROSAS, Agostinho da

    Silva. MELO NETO, Jos Francisco de.(org) Educao Popular: Enunciados Tericos. Joo Pessoa: Editora

    Universitria da UFPB, 2008, p. 189. 10

    Idem, p. 88. 11

    Idem, p. 94. 12

    Idem, p. 88. 13

    Empoderamento condio que se relaciona com as macro-estruturas da sociedade, como a dimenso econmica.

    Existem atividades e papis, no mundo do trabalho, mais empoderantes e que estimulam a capacidade criativa mais que

    outros. Nem todas as pessoas tm a oportunidade de realizar as tarefas segundo as suas potencialidades. Neste sentido:

    As pessoas envolvidas em um trabalho criativo e que empodera, em tomadas de decises muito provavelmente se sentem confiantes, ativas, categricas, podem avaliar alternativas e tomar decises complexas. Por outro lado, as

    pessoas envolvidas em trabalhos repetitivos, humildes, obedientes, muito provavelmente se sentiro desempoderadas,

    passivas, no confiaro nas suas capacidades, no podero exercitar suas capacidades intelectuais e criativas a tal ponto

    que ficaro anestesiadas In: OLIVERI, Adele. Empoderamento para a participao atravs do trabalho. In: CANDEIAS, Csar N.B. e outros. Economia Solidria e Autogesto: Ponderaes tericas e achados empricos. Joo

    Pessoa: 2010, p. 83. 14

    FREIRE, Paulo. Educao como prtica da Liberdade. 19 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 59. 15

    OLIVEIRA, Iolanda. Processos de Empoderamento no contexto da Educao Popular. In: ROSAS, Agostinho da

    Silva. MELO NETO, Jos Francisco de.(org) Educao Popular: Enunciados Tericos. Joo Pessoa: Editora

    Universitria da UFPB, 2008, p. 188. 16

    De acordo com Iolanda Oliveira: Diferente da viso processada na empresa o empoderamento nos movimentos sociais passa a ser definido como um mecanismo de autonomia das pessoas, organizaes e/ou comunidades inseridas

    em processos coletivos e sociais. A tnica segundo Vasconcelos (2004) ocorre em termos do aumento do poder e da autonomia pessoal e coletiva de indivduos e grupos sociais submetidos a relaes de opresso, discriminao e

  • 4

    Neste sentido, Maria Vitria Benevides18

    lembra que a Educao em Direitos Humanos

    possibilita o reconhecimento do/a cidado/ enquanto protagonista, no s de deveres, mas acima

    de tudo sujeito criador de direitos. Para isto, os Direitos Humanos devem ser entendidos como

    processos, prticas sociais que acontecem nos espaos de luta pela concretizao da dignidade

    humana19. Estes processos se justificam pelas necessidades de bens indispensveis para a vida

    digna, visto que a realidade social hierarquizada, e a obteno de tais bens se d de modo

    desigual20

    .

    Frente a este contexto de desigualdades, a Economia Solidria um instrumento de

    organizao de sujeitos que buscam a efetivao de seus direitos a partir de uma concepo

    emancipatria de trabalho. Busca articular trabalhadores e trabalhadoras num processo econmico,

    social e poltico fundamentado na valorizao do trabalho autogestionrio, para a construo de

    uma sociedade pautada na solidariedade, autogesto, justia social, diversidade de opinies21.

    Trata-se processos educativos que anunciam relaes de poder igualitrias e fundamentadas na

    cooperao, autogesto e equidade das relaes de gnero, construindo outra sociabilidade, outra

    sociedade outra forma de produo da vida22. De acordo com a Critas Brasileira uma das

    organizaes que tem a Economia Solidria como um de seus projetos polticos pedaggicos:

    Acreditamos que a finalidade da atividade econmica est nas pesoas. Nesse

    sentido, os processos produtivos e educativos fundamentam-se na no

    exerccio prtico da autogesto, contribuindo para que todos/as as/os

    envolvidos/as possam resgatar os sentidos do trabalho, afirmando sua

    autonomia enquanto construtores/as de histria e de cultura. Nesta vivncia

    da autogesto, visamos superao da diviso entre patro e empregado,

    entre um que manda e outro que obedece. Nas ltimas dcadas, vivenciamos

    uma enorme diversidade de experincias, espalhadas de norte a sul do Brasil.

    So mltiplas prticas, interligadas, que se inspiram nos povos tradicionais,

    nas comunidades indgenas e quilombolas, que se organizam em aes

    integradas de produo e comercializao, cadeias produtivas, feiras e fundos

    solidrios, bancos comunitrios. Trata-se afinal, de uma grande rede, pela

    qual se promove uma imensa variedade de experincias que se articulam e se

    multiplicam.23

    A partir dessa prxis que se props uma interveno em educao popular para contribuir

    na consolidao de um grupo de Economia Solidria, formado de usurios/as da rede de

    dominao social. OLIVEIRA, Iolanda. Processos de Empoderamento no contexto da Educao Popular. In: ROSAS, Agostinho da Silva. MELO NETO, Jos Francisco de.(org) Educao Popular: Enunciados Tericos. Joo Pessoa:

    Editora Universitria da UFPB, 2008, p. 188. 17

    CECHIN, Antnio. Empoderamento Popular: uma pedagogia da libertao. Porto Alegre: ESTEF, 2010, p. 21. 18

    apud ZENAIDE, Maria de Nazar Tavares. A educao em Direitos Humanos. In: TOSI, Giuseppe (org). Direitos

    Humanos: histria teoria e prtica. Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2005, p. 355. 19

    FLORES, Joaquin Herrera. A (re)inveno dos direitos humanos. Traduo de Carlos Roberto Diogo Garcia;

    Antnio Henrique Graciano Suxberger, Jefferson Aparecido Dias, Florianpolis: Fundao Boiteaux, 2009, p. 25. 20

    Idem, p. 35. 21

    CRITAS BRASILEIRA. Sistematizao de Experincias de Economia Solidria: Referenciais, etapas e

    ferramentas, para o processo de sistematizao, 2012, p. 2. (cartilha) 22

    Idem. 23

    Idem.

  • 5

    atendimento em sade mental com vistas ao empoderamento desses sujeitos e concretizao de

    direitos humanos, dentre eles o direito ao trabalho.

    3. SADE MENTAL E ECONOMIA SOLIDRIA: EM BUSCA DA EFETIVAO DE

    DIREITOS

    A sade mental est incorporada no sistema internacional de Direitos Humanos atravs da

    Carta de Princpios para a Proteo de Pessoas Acometidas de Transtornos Mentais e para a

    Melhoria da Assistncia Sade Mental proclamada pela Organizao das Naes Unidas (ONU)

    em 1991, que se dedica especialmente defesa das liberdades individuais (direitos polticos,

    direitos de personalidade etc.) dos portadores/as de sofrimento psquico24

    e pela Declarao de

    Caracas (1990) adotada pela Organizao Mundial de Sade (OMS), a qual apresenta diretrizes

    sobre um novo perfil de ateno sade mental; de natureza preventiva, participativa, localizada e

    descentralizada.

    No contexto brasileiro, o debate acerca da sade mental adentra a agenda poltica atravs das

    reivindicaes do movimento antimanicomial diante das graves violaes aos direitos humanos,

    referentes a terapias degradantes e a recluso em hospitais psiquitricos, que distantes de apresentar

    potencial teraputico, tornavam-se verdadeiras prises para os usurios dos servios de sade

    mental. Neste sentido, vale ressaltar a situao dos manicmios judicirios e a histria dos

    tratamentos psiquitricos, sendo que os primeiros impem ao/ portador/a de sofrimento psquico

    medida de segurana que pode possuir carter de pena de priso, por vezes perptua, e de outro lado

    as tcnicas de tratamento variam desde o uso de eletrochoques, intervenes cirrgicas, camisas-de-

    fora etc25

    .

    A Declarao de Caracas j demonstrava que o modelo de ateno psiquitrica

    convencional no contemplava uma ateno de cunho comunitrio e integral, e, alm disso, o

    hospital psiquitrico, enquanto nica modalidade assistencial, ocasionava o isolamento do

    paciente de seu meio, tornava-o inapto para o convvio social, criava situaes favorveis para a

    violao de direitos humanos e absorvia a maior parte dos recursos financeiros e humanos

    destinados pelos pases de sade mental26.

    Diante deste cenrio, fez-se necessria a Reforma Psiquitrica no Brasil, instituda atravs da

    Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, que trata dos direitos das pessoas portadoras de sofrimentos

    psquicos, trazendo novas diretrizes para as polticas de sade mental. Diferente do modelo anterior

    24

    ANDRADE, Jorge M. P. Eixo 3: Direitos Humanos como desafio tico para cidadania. Sub-Eixo direitos Humanos e

    Cidadania. Em: IV Conferncia Nacional de Sade Mental. Braslia, p. 1. 2010. Disponvel em: <

    http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/dhjorgemarcio.pdf> Acesso em 21 de ago. 2012. 25

    CENTRO CULTURAL DA SADE. Reforma Psiquitrica: Reforma Psiquitrica. Em: Memrias da loucura.

    Disponvel em: Acesso: 24 de jan.2012. 26

    ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE. Declarao de Caracas. Disponvel em: Acesso: 20 de ago. 2012.

  • 6

    de caracterstica assistencial, onde predominava medidas de hospitalizao/internao que

    culminavam na perspectiva manicomial e na excluso social dos/as portadores/as, a proposta

    decorrente da Reforma Psiquitrica tem como eixo a contribuio comunitria no tratamento,

    buscando a incluso social dos/as portadores/as27

    . Estas mudanas devem ser compreendidas no

    bojo de um processo social complexo, que envolve a mudana na assistncia de acordo com os

    novos pressupostos tcnicos e ticos, a incorporao cultural desses valores e a convalidao

    jurdico-legal desta nova ordem28.

    Dentre os instrumentos realizadores da reforma destaca-se a ampliao do nmero de

    Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) e a reduo de leitos-psiquitricos (idem). Ao inserir o

    vis comunitrio no atendimento psicossocial, demonstra-se outra necessidade para as polticas de

    sade mental: que a sociedade ressignifique o convvio com os/as portadores/as de sofrimento

    psquico, estabelea relaes de alteridade e identifique potencialidades nestes sujeitos, e que os

    mesmos no se encontram margem de um projeto de Nao29. Desta forma, a Poltica Nacional

    de Sade Mental demanda polticas pblicas intersetoriais, uma vez que a plena efetivao dos

    direitos humanos dos/as portadores/as de sofrimento psquico necessita concretizar no s o direito

    sade, como tambm direito ao trabalho, renda, cultura, lazer, moradia, transporte etc.

    Uma das polticas pblicas intersetoriais relacionadas sade mental a que visa estimular

    a gerao de renda para promover a incluso social dos/as portadores/as de sofrimento psquico.

    Trata-se da Poltica Nacional de Sade Mental e Economia Solidria, poltica desenvolvida pelo

    Ministrio da Sade e da Secretaria Nacional de Economia Solidria do Ministrio do Trabalho que

    tem por diretrizes:

    incluso social; acesso ao trabalho e renda sob a gide dos direitos

    humanos; incremento da autonomia e da emancipao do usurio;

    desenvolvimento da cooperao e da solidariedade; fortalecimento do

    coletivo; incentivo autogesto e participao democrtica; gerao de

    alternativas concretas para melhora de vida; desenvolvimento local;

    participao da comunidade; articulao em redes intersetoriais (sade,

    trabalho, educao, assistncia social, cultura); formao de redes de

    comercializao solidrias; entre outras30

    .

    A incluso social atravs do trabalho contribui para o empoderamento dos sujeitos

    envolvidos nas aes. Entretanto, para a consolidao desta poltica necessria a organizao dos

    usurios e a capacitao para a estruturao dos empreendimentos econmicos solidrios, para

    questes como gesto, cooperativismo etc. A Poltica Nacional de Sade Mental e Economia

    27

    CENTRO CULTURAL DA SADE. Reforma Psiquitrica: Reforma Psiquitrica. Em: Memrias da loucura.

    Disponvel em: Acesso: 24 de jan.2012. 28

    Idem. 29

    Idem. 30

    SINGER, Paul. Sade Mental e Economia Solidria: Incluso Social pelo Trabalho / Balano da Poltica,

    Anlise da Expanso da Rede Brasileira de Sade Mental e Economia Solidria, e Agenda para os prximos

    anos. Disponvel em: < portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/polit_mental_econ_soli.pdf> Acesso 21 de ago. 2012.

  • 7

    Solidria tem se orientado para o financiamento e capacitao de usurios e profissionais da sade

    mental de grupos que j tenham se organizado o suficiente para saber em quais atividades atuar e

    editais de financiamento para os grupos que j estejam consolidados. A maioria dos grupos de

    gerao de renda relacionados sade mental iniciaram vinculados aos CAPS, sendo que alguns

    deles optam por permanecerem vinculados s dependncias dos CAPS e desenvolvem produtos e

    servios diversos que objetivam a estimular

    o desenvolvimento local, os potenciais e as especificidades de seus

    trabalhadores e trabalhadoras, como: artesanato, bijuteria, gneros

    alimentcios, vesturio, assessrios, marcenaria, serralheria e restaurao de

    mveis, arte, cultura, msica, cinema, teatro, e outras, e ainda de prestao de

    servios (jardinagem, limpeza, lavagem de carros, assessoria e incubao,

    servio de buffet)31

    .

    Existe uma lacuna, o momento anterior, quando os/as usurios/as tem a clareza do objetivo

    de gerar renda, mas no reconhecem entre si de que modo estruturar o grupo, que tipo de trabalho

    produzir, em que lugar, de que maneira, por qu, entre outros aspectos. nesse contexto que se

    inseriu a proposta das oficinas junto aos/s usurios do CAPS Vidativa/Anpolis interessados em

    constituir um grupo de gerao de renda.

    Antes de apresentar os aspectos objetivos que levaram interveno junto a este grupo

    especfico, vale ressaltar que a Educao Popular demanda uma etapa necessria de reconhecimento

    da realidade sobre a qual se pretende intervir. Este reconhecimento material, apresenta elementos

    concretos que so lidos a partir da subjetividade dos interlocutores.

    A realizao das oficinas de um projeto que pretende abordar Direitos Humanos atravs da

    Educao Popular, cujas diretrizes gerais esto especificadas e que os sujeitos da ao ainda sero

    selecionados, pressupe que a escolha dos grupos antes de tudo subjetiva, e esta subjetividade se

    exterioriza a partir dos protagonistas deste momento do processo, no caso deste projeto, das

    monitoras. Desta forma a Sade Mental e Economia Solidria consistem em demandas de

    interveno de Direitos Humanos.

    4.A EXPERINCIA DA FORMAO DE UM GRUPO DE GERAO DE RENDA NO CAPS

    VIDATIVA

    O encontro com o referido grupo aconteceu aps tentativas de realizar as oficinas com outro

    grupo de usurios de CAPS, neste caso o CAPS I da Cidade de Gois, o que no foi concretizado.

    Ainda no momento onde se havia a inteno de trabalhar junto ao CAPS da Cidade de

    Gois, a equipe buscou ajuda com a profissional Marla Castro (terapeuta ocupacional) para

    compreender um pouco mais sobre as possibilidades de interveno na temtica de Sade Mental,

    Gerao de Renda e Direitos Humanos. Este contato se deu atravs das oficinas Juventude e

    31

    Idem.

  • 8

    Economia Solidria realizadas pela Casa da Juventude Pe Burnier32

    , de cujas atividades

    participavam as monitoras do projeto, a terapeuta e dois dos seus pacientes.

    O dilogo tornou-se mais freqente e Marla props que o projeto fosse desenvolvido no

    CAPS Vidativa localizado em Anpolis, local em que atuava como terapeuta ocupacional e havia

    um grupo em processo de amadurecimento da constituio de um grupo de gerao de renda,

    motivo pelo qual dois usurios estavam participando do curso na Casa da Juventude. Foi quando se

    estabeleceu a parceria com o CAPS Vidativa e a referida profissional veio a compor a equipe

    executora das oficinas durante toda a realizao do projeto.

    Diante do contexto dos sujeitos, os quais manifestavam o desejo de constituir um grupo de

    gerao de renda grupo e a disponibilidade institucional para a construo conjunta com os sujeitos

    da comunidade (trabalhadores e usurios), aceitou-se o desafio de empreender uma atividade de

    educao popular nesse sentido, mesmo com as limitaes das educadoras com formao jurdica e

    pouco conhecimento (apenas sensibilidade) para o debate da Sade Mental e sua relao com os

    direitos humanos.

    O CAPS Vidativa se localiza em Anpolis33

    , cidade do interior do estado de Gois,

    atendendo pacientes adultos/as que tenham algum tipo de transtorno mental, grave ou persistente34

    .

    A equipe profissional formada por enfermeiras, psiclogas, assistente social, terapeuta

    ocupacional, tcnicos de enfermagem (idem). Existe uma Associao de usurios, a Associao

    dos Usurios dos Servios de Sade Mental de Anpolis (AUSSMA), que se encontra em recente

    reestruturao e busca alternativas como a realizao de bazares e outros, para garantir sua

    consolidao. Na perspectiva de ampliar parceiros locais, foram realizadas algumas conversas

    informais e reunies onde se firmou uma parceria com esta associao e o apoio integral da

    coordenao do CAPS.

    A expectativa era que o grupo contabilizasse no mximo trinta pessoas, j que o trabalho

    com portadores de sofrimento mental exige uma ateno especfica que seria difcil com um nmero

    maior de sujeitos. Porm, no desenrolar das atividades, o nmero variou entre quinze e vinte

    pessoas que permaneceram por todas as oficinas. A grande parte dos/as usurios que procuraram as

    oficinas, participavam do Grupo de Terapia Ocupacional pelo qual a terapeuta Marla35

    era

    responsvel na instituio, dentre estes/as tambm havia os/as que eram vinculados Associao.

    32

    A Casa da Juventude (CAJU) uma entidade da sociedade civil que desenvolve projetos de formao para a

    juventude. Para maiores informaes sobre o trabalho da casa, ver em www.casadajuventude.org.br 33

    O municpio de Anpolis conta com outros dois Centros de Ateno Psicossocial, um para atendimento de

    dependentes de lcool e outras drogas (CAPS Viver) e outro para apoio psicossocial da infncia e da adolescncia

    (CAPS Crescer). 34

    PREFEITURA MUNICIPAL DE ANPOLIS. Secretarias e rgos/Sade: CAPS Vidativa. Disponvel em:

    Acesso: 25 de jan. 2012. 35

    A terapeuta Marla Castro era profissional vinculada aos quadros do CAPS Vidativa, sua sada coincidiu com o incio

    das oficinas do Projeto, mas ela continuou a contribuir com as oficinas e mediar o dilogo com a coordenao do Caps

    Vidativa.

  • 9

    Como o projeto buscava instrumentalizar a constituio de um grupo de gerao de renda que iria

    ultrapassar os limites cronolgicos do projeto, houve a preocupao de que algum/a profissional do

    CAPS tambm acompanhasse as oficinas para assegurar a continuidade do processo.

    Desta forma o grupo era composto por usurios/as participantes do grupo de terapia

    ocupacional, alguns/as atuantes na Associao e duas profissionais do CAPS Vidativa, a maior

    parte mulheres entre 20 e 35 anos. Havia dificuldade para se deslocarem at o CAPS Vidativa pois

    era necessrio dinheiro para o transporte, e alguns/as no possuam condies financeiras para arcar

    com mais uma ida ao CAPS, uma vez que j havia os deslocamentos para as atividades teraputicas

    habituais.

    Os objetivos da ao consistiam no reconhecimento da realidade local atravs da pesquisa

    participante36

    ; capacitao de usurios do CAPS Vidativa para a criao de um grupo de gerao de

    renda, utilizando a metodologia da Educao Popular e temticas acerca dos Direitos Humanos;

    identificar e potencializar uma rede local de lideranas e parceiros que possibilite a continuidade da

    ao; fortalecer a Associao dos Usurios dos Servios de Sade Mental de Anpolis (AUSSMA);

    identificar e potencializar a rede local de lideranas e parceiros que possibilite a continuidade da

    ao, e; promover capacitao sobre polticas de Direitos Humanos e sade mental, gerao de

    renda, economia solidria e cooperativismo, planejamento e elaborao de projetos.

    Os usurios do CAPS Vidativa, assim como a grande maioria dos usurios dos servios

    pblicos de ateno psicossocial, so economicamente hipossuficientes. Esta situao ainda

    realada porque o transtorno mental entendido socialmente como uma incapacidade de trabalho, o

    que agrava a situao econmica dessas pessoas, as invibiliza como sujeitos de direitos. fato que

    estes usurios tem limitao em alguns aspectos de sua vida social, porm, essa especificidade no

    pode ser confundida com a impossibilidade completa de autonomia em outros aspectos de sua vida

    e de sua histria.

    No grupo de usurios participantes das oficinas, percebeu-se um perfil de sujeitos que havia

    internalizado esse olhar social de sua incapacidade (reforada inclusive juridicamente em muitos

    casos, visto que muitos deles tem declarada a incapacidade civil) e essa sensao de negao era

    traduzida como baixa auto-estima. Estes usurios tinham uma dificuldade de relacionamento

    intersubjetivo, alguns possuam transtornos que dificultavam a participao atravs da fala ou da

    escrita, alm do fato que alguns/as no eram alfabetizados. Para lidar com esses desafios, buscou-se

    a diviso de grupos menores e de ferramentas metodolgicas mais participativas como desenhos

    para provocar a manifestao das opinies.

    36

    Entende-se aqui que a pesquisa participante e a educao popular so processos convergentes, conforme ensina Oscar

    Jara Holliday.

  • 10

    Por outro lado, havia ainda um outro perfil de usurios que no se sentem incapazes, embora

    seja assim que a sociedade tambm os veja, mas identificam que lhes falta oportunidade. A

    possibilidade de formar um grupo de produo que gere renda, para estas pessoas, forma de

    construir a oportunidade que no tiveram, e por isso, muitos deles participavam ativamente dos

    espaos de fala nas oficinas do curso, com uma euforia excessiva caracterizada pelos psiclogos

    como um quadro clnico de ansiedade. Por isso, o acompanhamento do grupo pelo profissional de

    sade era to importante.

    Alm do acompanhamento teraputico que era exercido em espaos diferenciados das

    oficinas, os profissionais de sade eram participantes das oficinas assim como os usurios. Embora

    essa dimenso no estivesse muito clara inicialmente, o fato os provocou a se perceber sujeitos de

    direitos no seu espao de trabalho, ou seja, como exercer sua cidadania ativa no contexto da sade

    mental. Uma dificuldade encontrada inicialmente foi o dficit de funcionrios no CAPS Vidativa (3

    psiclogos para 426 pacientes) mas tambm o fato deles residirem em Goinia, localizada a 50 km

    de Anpolis, e por isso estabelecerem poucos vnculos com a comunidade de Anpolis.

    O CAPS Vidativa apresenta um contexto local da situao da sade pblica em Anpolis

    como a eterna transio de profissionais e um grupo que ainda diante deste contexto, j se

    reconhece como um grupo e possui vnculos e pertencimento. Como parte tambm deste grupo

    esto os servidores tcnicos e a coordenao do CAPS, exercida por Marta Brando. A

    coordenadora dispunha todo apoio institucional para a realizao das oficinas e manifestava vontade

    pessoal na consolidao de fato de um grupo de gerao de renda. Foi essa imensa vontade comum

    nosso ponto de partida, nosso ponto de entrada na comunidade.

    A compreenso dessa subjetividade dos participantes importante para ns porque refora

    nossa concepo direitos humanos e a educao popular como metodologia adequada para esta

    ao. O curso foi realizado em formato de oficinas (onze) e foi denominado conjuntamente com os

    parceiros: Oficinas de Direitos Humanos: sade mental e gerao de renda. A escolha foi para

    reforar a idia que oficinas so espaos em que construmos algo, e que ao final, deve apresentar

    um produto. A metodologia adotada foi a educao popular libertadora, tendo em vista que as aes

    educativas acontecem no dilogo, onde h uma diferena de papis mas no uma relao de

    hierarquia entre um ser ativo que ensina e um ser passivo que absorve o conhecimento.

    Considerando a perspectiva da construo coletiva, aconteceram dois encontros iniciais

    para a construo da parceria e definio de uma equipe mista (entre educadores e educandos). A

    constituio dessa equipe mista foi fundamental, e pode-se considerar que foi o primeiro momento

    em que os educandos/as comeam a se perceber sujeitos de direitos na medida em que assumem

    responsabilidades com o coletivo. Alm disso, compreende-se que o processo organizativo

  • 11

    extremamente educativo porque nele a teoria e a prtica esto conectados, onde os sujeitos se

    identificam como tais, quando constroem juntos a organizao do grupo.

    Isso se deu atravs de uma complementaridade de olhares, que neste caso, foi fundamental

    para saber quem seria convidado para as oficinas e como fazer esse convite aos outros usurios do

    CAPS Vidativa. As educadoras, alm de no conhecer os/as usurios/as do CAPS no possuam

    conhecimento tcnico dos tipos de sofrimento psquico destes/as, o que tornava difcil identificar os

    limites e habilidades de cada um/a. Apesar de perceber que alguns/as usurios/as estavam em

    condies psquicas que exigiam outro tipo de interveno e da dificuldade de relacionamento em

    grupo que eles apresentavam, avaliou-se que o convite seria feito para todos os/as usurios/as,

    trabalhador/as e familiares.

    Os dois jovens usurios que compuseram a equipe mista j tinham uma proposta de

    questionrio para conhecer mais sobre a realidade e a percepo da realidade (especialmente o

    significado e disponibilidade para o trabalho) dos usurios do CAPS Vidativa. A partir deste

    questionrio foi realizada uma pesquisa quali-quantitativa para elaborao do diagnstico local

    participativo que na pedagogia freireana chamamos de estudo de realidade37. O questionrio foi

    aplicado pelos prprios jovens usurios e pela terapeuta ocupacional juntamente com a divulgao e

    mobilizao para as oficinas.A divulgao, foi realizada por cartazes impressos e flyer, e na reunio

    da associao que contava com cerca de 30 usurios, mas a mobilizao se deu mesmo na

    informalidade, nas conversas e convites individuais.

    De forma sinttica, a primeira oficina foi o momento de apresentao do projeto e de

    construo do acordo de compromisso, importante para que o/a educando/a j se sinta parte

    importante para a realizao da atividade. Mas especialmente, foi o momento de ouvir as falas

    significativas e confirmar o estudo de realidade elaborado a partir da aplicao de questionrios,

    agora com a fala do usurio participante do curso. A partir das compreenses levantadas pelos

    sujeitos das oficinas que se identificaram os temas geradores.

    Atravs das falas significativas, constatou-se que o/a usurio/a valoriza o trabalho, como

    algo que dignificante por traduzir para o mundo sua utilidade como ser humano, mas tambm este

    trabalho visto em uma relao ideal onde este ser nunca coisificado. A partir da identificao

    dessa idia como tema gerador, trabalhamos a segunda oficina na perspectiva de ampliao da idia

    sobre o trabalho.

    Nesse sentido, foi trabalhada a temtica do Direito ao trabalho digno e as alternativas

    sociais de efetivao desse direito humano, como por exemplo, as cooperativas e a economia

    37

    Alguns referenciais terico-metodolgicos chamam esse momento de diagnstico, ou enfatizam a necessria participao da comunidade como sujeitos e no objetos da observao com o diagnstico participativo. Preferimos, no entanto o termo estudo de realidade pela referncia na pedagogia freireana e deixar mais evidente a definio de realidade para Paulo Freire para mim, a realidade so os fatos, os dados, e a percepo que as pessoas tem desses fatos mais os dados.

  • 12

    solidria. Vale destacar que se partiu da compreenso que os/as usurios/as tem de trabalho (no

    abstratamente, mas as atividadades que eles pretendiam realizar) e esse conhecimento confrontado

    com outros conceitos e conhecimentos (legislaes protetivas e experincias concretas) para depois,

    no momento de debate, construir coletivamente o conceito de direito ao trabalho e que trabalho se

    pretende realizar.

    Percebeu-se que o grupo pretendia realizar uma compreenso de trabalho diferenciada: o

    trabalho cooperado, o qual possui caractersticas especficas (autogesto, valorizao da qualidade

    de vida e no do lucro) e, alm disso, os sujeitos reconheceram que vrias experincias nacionais

    concretizavam aquilo que se pretendia fazer. Este momento foi decisivo, pois o grupo construiu sua

    identidade de grupo de produo solidria a partir do reconhecimento de outras experincias. Aqui

    foi possvel visualizar o que objetivavam de fato, e que era realizvel j que outros grupos faziam o

    mesmo tipo de trabalho.

    As primeiras oficinas demonstraram a ansiedade maior de alguns usurios, que pretendiam

    comear imediatamente a produo, mas tinham pouca (ou nenhuma) idia de como se organizar

    para isso. No tinham conhecimento terico sobre as polticas pblicas para a sade mental e

    direitos humanos, sobre as polticas federais da Secretaria Nacional da Economia Solidria, sobre a

    legislao de cooperativas, nem conhecimento prtico com comrcio. Apesar disso, alguns usurios

    tinham habilidade na prtica do artesanato.

    A partir dessa compreenso e da construo conceitual do encontro anterior, a terceira

    oficina trabalhou a identificao dessas potencialidades do grupo, mas principalmente trouxe como

    contedo principal os caminhos concretos para a realizao da produo. Para esta reflexo,

    buscamos apoio da Incubadora de Empreendimentos Econmicos Solidrios da Universidade

    Federal de Gois. Nesta oficina o grupo que havia escolhido fazer artesanato, quando provocado

    sobre o que preciso para comear a produo que pretendem? respondeu que preferiam no

    responder as perguntas, mas mostrar. O grupo se props a realizar uma oficina para produzir alguns

    objetos possveis e que levariam na prxima oficina para que possamos avaliar. Para isso,

    identificaram a necessidade de um local e se organizaram para solicitar um espao para a

    coordenadora da instituio, a qual cedeu uma sala como tambm disps de alguns materiais do

    servio de terapia ocupacional.

    Apesar de que as oficinas no se propusessem a coordenar as atividades de produo do

    grupo, a iniciativa dos sujeitos foi incentivada pelas educadoras, tendo em vista que a experincia

    do fazer mostraria para eles as reais dificuldades, o que poderia diminuir a ansiedade e perceber que

    alguns passos anteriores precisam ser dados no processo da realizao de uma experincia exitosa

    na Economia Solidria. Alm disso, o protagonismo, inclusive reivindicando da coordenao o

    espao fsico que precisavam, mostra que estas pessoas comeavam a se sentir sujeitos de direitos.

  • 13

    Esta primeira oficina de produo no se realizou porque o grupo no conseguiu realizar

    aquilo que imaginavam, e principalmente, porque eles no planejaram todos os passos necessrios.

    Um exemplo significativo foi a expectativa de fazer bonecas de bucha vegetal. Uma das usurias

    disse que pegaria as buchas no vizinho e as levaria para a oficina, porm, no planejou e esqueceu

    que no era perodo de colher este tipo de produto.

    Ainda assim, o grupo se reuniu com a psicloga e trabalharam a necessidade de controle

    da ansiedade e de planejamento para as aes. Nesse sentido, a quarta oficina ressaltou o processo

    pedaggico da tentativa de fazer do grupo e aps avaliar com eles os aprendizados trabalhou com

    contedos de planejamento e parcerias. Como alternativa concreta, vislumbrou-se a possibilidade de

    parceria com a Critas Brasileira que estava com edital aberto para financiamento de projetos. No

    mesmo sentido de provocar que o grupo assumisse responsabilidades, propondo a diviso de

    tarefas, entre conversas com possveis parceiros (prefeitura e associao de artesos) e busca de

    outros editais abertos.

    A dinmica de elaborao do projeto demonstrou um timo potencial pedaggico de

    construo de identidade e percepo de objetivos comuns, a tentativa de se elaborar o projeto era

    por si um instrumento de aprendizado. A partir dos elementos propostos no edital o grupo iniciou a

    reflexo e sistematizao do que pretendia construir, discutindo elementos fundamentais como: o

    que produzir; como produzir? o que precisa pra produzir? por que produzir? pra quem vender?

    entre outras provocaes. Alm disso, este exerccio tambm colaborou para que duas usurias (que

    inclusive so estudantes de pedagogia) assumissem o protagonismo nas atividades que exigem um

    pouco mais de desenvolvimento intelectual, como a escrita do projeto.

    O projeto no foi encaminhado para o edital da Critas Brasileira porque o prazo no foi

    suficiente para a escrita e ainda existiam dvidas quanto entidade parceira que seria juridicamente

    responsvel pelo projeto, j que o grupo no tinha CNPJ. Porm, a ltima oficina do curso foi um

    planejamento da continuidade dos encontros, o que demonstra que os objetivos do projeto foram

    alcanados. O grupo acordou que continuaria se encontrando uma vez por semana, as sextas feiras,

    para experimentar a produo de artesanato. Para isso a coordenao do CAPS forneceria alguns

    materiais e a psicloga faria o acompanhamento do grupo.

    6. CONCLUSO

    A meta inicial da ao de extenso junto ao CAPS Vidativa era a consolidao de Ncleo

    de Direitos Humanos. A primeira controvrsia se deu ao estabelecer o que se compreenderia por um

    ncleo desta natureza. Ocorre que em uma perspectiva emancipatria de direitos humanos, um

    lcus referencial para a realizao destes deve ter relao com a necessidade dos sujeitos. No caso

    dos portadores de sofrimento psquico em um contexto geral, bem como dos usurios do CAPS, a

  • 14

    concretizao dos direitos humanos demanda a incluso social, especialmente pela via do trabalho.

    Desta forma a concepo diferenciada de trabalho pela qual se pauta a Economia Solidria uma

    alternativa bastante pertinente.

    A realizao do projeto demonstrou algumas fragilidades tanto acerca da realizao de

    aes de extenso de modo pontual, quanto realidade institucional da efetivao da Reforma

    Psiquitrica no Brasil. Primeiro, a criao de expectativas nos sujeitos foi sempre uma preocupao

    durante a execuo do projeto devido curta durao do mesmo. O contato com a comunidade se

    deu por aproximadamente seis meses o que um tempo pequeno para uma contribuio mais

    efetiva, especialmente quando se trata da consolidao de um grupo de Economia Solidria. Em

    segundo lugar, o contexto institucional do CAPS era peculiar, percebendo-se uma grande

    rotatividade de profissionais de sade, o dificultou o fortalecimento do acompanhamento

    institucional38

    . Outro aspecto desafiador era a prpria metodologia, uma vez que os sujeitos

    possuam especificidades por causa da condio de portadores de sofrimento psquico, o que

    demandou bastante cuidado no momento das oficinas. Alm disso havia a dificuldade financeira

    que os/as usurios possuam em custear o deslocamento, uma vez que j se deslocavam ao menos

    uma vez por semana para as atividades teraputicas.

    Entretanto, a realizao do projeto consistiu num momento importante para o

    fortalecimento do grupo, que pde amadurecer seus objetivos e exercitar sua capacidade de

    organizao. Durante a execuo do projeto foi possvel identificar lideranas, potenciais atividades

    de produo (artesanato), a articulao de parcerias institucionais (Incubadora de Empreendimentos

    Econmicos Solidrios da UFG), como tambm se percebeu a necessidade de fortalecer a

    associao de usurios j existente (AUSSMA).Vale destacar que o processo de envolvimento dos

    profissionais se deu ao mesmo tempo que os usurios, percebendo-se enquanto sujeitos capazes de

    contribuir com a realizao de direitos naquele espao de atendimento sade mental.

    Apesar dessas dificuldades, e levando tambm em considerao da limitao temporal

    para a realizao das oficinas, o resultado pode ser considerado positivo, o que se visualiza na

    continuidade do grupo, que no deixou de se encontrar semanalmente para concretizar seu intento

    de construir um empreendimento econmico solidrio.

    7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    direitos Humanos e Cidadania. Em: IV Conferncia Nacional de Sade Mental. Braslia: 2010.

    38

    A disposio da cordenao do CAPS em colaborar com processo no era suficiente para sanar o problema, pois a

    instituio possua poca dficit de servidores, entrentanto a questo foi minimizada com a nomeao de trs novos

    psiclogos que comearam, tambm atravs das oficinas, se integrar ao grupo e assumir essas tarefas de motivao.

  • 15

    Disponvel em: Acesso em

    21/08/12.

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