a doma do elefante - alejandro jodorowsky

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A Doma do Elefante Alejandro Jodorowsky Tradução: Jimmy Jacques Na Antiga China, o Ego (ou seja, um Eu pessoal dividido em quatro partes competidoras que não conseguiu a unidade com o Eu superior) era chamado de Elefante Perfumado. Um paquiderme tão cheiroso poderia somente pertencer a governantes e monges iluminados. O restante possuía um elefante malcheiroso. O elefante perfumado é progressivo, o malcheiroso é regressivo. Este último se deprecia, padece de toda classe de enfermidades, não consegue se concentrar, não deixa de se criticar, se odeia. E projeta este ódio sobre os outros. Às vezes, ocultando seu fedor, finge ser adulto, se torna cada vez mais poderoso, cada vez mais famoso, tem cada vez mais empregados, mais dinheiro, maior êxito social, envenena cada vez mais o mundo com suas indústrias, parece se sentir cada vez melhor... Mas, em seu interior, não suporta seu fedor. O Eu essencial coletivo, seguindo uma tradição milenar, tem inventado piadas sobre elefantes. Seguem três: 1. É fácil acusar alguém de mentiroso, mas como estar certo? Por exemplo, se você me envia uma carta assegurando-me que ela está vazia e eu decido abri-la e dentro encontro um elefante, diga-me: quem está mentindo, você ou eu? 2. Um famoso explorador foi capturado por uma tribo de selvagens que o condena a ser esmagado por um elefante. É amarrado e preso a ao chão. Se aproxima um enorme elefante branco que ergue sua gigantesca pata sobre o pobre explorador. Neste exato momento, o olhar do paquiderme e o olhar do homem esse cruzam. O explorador segura uma exclamação de alegria. Recorda: “Há dez anos, aos pés de Kilmanjaro, socorri um elefante branco ferido por uma flecha. A fera se aproximou agonizante. Extraí a flecha, limpei a ferida durante vários dias e finalmente salvei sua vida. Que maravilhosa coincidência encontrá-lo agora! Os elefantes tem uma memória prodigiosa: este bom animal, agradecido, vai salvar minha vida. Meu Deus! Que resgate inesperado!”. Então o elefante branco

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A Doma Do Elefante - Alejandro Jodorowsky

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A Doma do ElefanteAlejandro Jodorowsky

Traduo: Jimmy Jacques

Na Antiga China, o Ego (ou seja, um Eu pessoal dividido em quatro partes competidoras que no conseguiu a unidade com o Eu superior) era chamado de Elefante Perfumado. Um paquiderme to cheiroso poderia somente pertencer a governantes e monges iluminados. O restante possua um elefante malcheiroso.

O elefante perfumado progressivo, o malcheiroso regressivo. Este ltimo se deprecia, padece de toda classe de enfermidades, no consegue se concentrar, no deixa de se criticar, se odeia. E projeta este dio sobre os outros. s vezes, ocultando seu fedor, finge ser adulto, se torna cada vez mais poderoso, cada vez mais famoso, tem cada vez mais empregados, mais dinheiro, maior xito social, envenena cada vez mais o mundo com suas indstrias, parece se sentir cada vez melhor... Mas, em seu interior, no suporta seu fedor.

O Eu essencial coletivo, seguindo uma tradio milenar, tem inventado piadas sobre elefantes. Seguem trs:

1. fcil acusar algum de mentiroso, mas como estar certo? Por exemplo, se voc me envia uma carta assegurando-me que ela est vazia e eu decido abri-la e dentro encontro um elefante, diga-me: quem est mentindo, voc ou eu?

2. Um famoso explorador foi capturado por uma tribo de selvagens que o condena a ser esmagado por um elefante. amarrado e preso a ao cho. Se aproxima um enorme elefante branco que ergue sua gigantesca pata sobre o pobre explorador. Neste exato momento, o olhar do paquiderme e o olhar do homem esse cruzam. O explorador segura uma exclamao de alegria.

Recorda: H dez anos, aos ps de Kilmanjaro, socorri um elefante branco ferido por uma flecha. A fera se aproximou agonizante. Extra a flecha, limpei a ferida durante vrios dias e finalmente salvei sua vida. Que maravilhosa coincidncia encontr-lo agora! Os elefantes tem uma memria prodigiosa: este bom animal, agradecido, vai salvar minha vida. Meu Deus! Que resgate inesperado!. Ento o elefante branco levanta a pata, a abaixa e esmaga a cabea. No era o mesmo elefante branco!

3. Um diretor de circo, durante uma apresentao numa pequena cidade, oferece um enorme prmio ao espectador que faa seu elefante uivar. No entanto ningum consegue faz-lo, com exceo de um ano que desce ao picadeiro e diz muito confiante:__ Eu sei como fazer isso!O deixa sozinho com o elefante e aps cinco minutos se ouve berros horrorosos. O ano cobra seu dinheiro e se vai sem olhar para trs. Tempos depois o circo volta a pequena cidade e desta vez o diretor propem um prmio dez vezes mais alto por uma proeza ainda mais difcil: fazer com que o elefante fale diante do pblico. Como era de se imaginar ningum se atreve a aceitar o desafio. Ento o ano desce mais uma vez ao picadeiro, olha desdenhoso a todos e pede que o elefante se abaixe. Logo se aproxima do animal e murmura algo em seu ouvido. O elefante grita com um imenso pavor:__ No, por favor! Nunca mais!O pblico, entusiasmado, aplaude o ano, exceto o diretor de circo que se aproxima pasmo:__ Como possvel? O que disse?__ Bem, responde tranquilamente o ano - somente perguntei Quer que eu volte a fazer o que te fiz da ltima vez?De certa maneira, no primeiro chiste, quem afirma haver encontrado um elefante no envelope est dizendo a verdade. Uma grande porcentagem de gurus, sob uma disposio aparentemente santa e humilde para os assuntos espirituais ocultam egos monumentais. Muitos empresrios, polticos e celebridades, apesar de se declararem publicamente defensores de causas que protegem os necessitados, abrigam um pestilento elefante em seu envelope.

No segundo chiste, poderamos argumentar que o elefante branco na verdade o mesmo que o do passado, no entanto agora que no necessita de mais nada do explorador, mostra sua verdadeira personalidade. Assim o ego malcheiroso: enquanto est pedindo dependente, se mostra humilde e agradecido, mas, no fundo, odeia a quem lhe d porque se sente humilhado. Quando chega seu momento de poder, abusa, outorga importncia a si mesmo, se gaba de sua ingratido chamando-a astcia, considera a ajuda que lhe foi prestada como esmola, uma afronta que deve ser vingada. As pessoas que no desenvolveram seu Eu superior nem seu Eu essencial no so confiveis. Em seu interior h inumerveis mesclas de egos lutando para obter o controle. Assim que um deles consegue, logo destronado por outro ego. Assim como o elefante branco de hoje, amanh pode agir de forma completamente diferente. No h continuidade em suas aes.

No terceiro chiste assistimos a uma doma misteriosa: o ano domina, por meio do terror, o elefante... O pequeno homem, se quiser dar uma interpretao profunda ao pequeno conto, representa a vontade do Eu superior, ao servio do Eu essencial, atuando com autoridade sobre o Eu pessoal. H alguns anos, quando filmava Tusk na ndia, sobre a vida de um elefante em cativeiro, assisti a uma cena penosa. Um paquiderme havia destroado, por acidente ou raiva, um cenrio. Seu cornaca (domador), um homem pequeno e muito magro, como uma autoridade cruel que me enjoou, utilizando seu gancho de ao comeou a golpear o animal at este ficar ensanguentado. A besta, enorme, em vez de esmag-lo, se encolhia, berrava, urinava e defecava como uma criana. Quis impedir que seguisse o castigo, mas o oficial encarregado da equipe me deteve. No se meta. Este homem sabe o que faz. Ele vai parar quando estiver seguro que o elefante o compreendeu. Se no fizer assim, na prxima vez o animal no destruir um cenrio, mas comear a matar pessoas. Neste momento senti meu Eu pessoal como um elefante indisciplinado e me dei conta de quo indulgente havia sido: tolerava suas contradies, suas ambies desmedidas, seus mltiplos temores. Soube que dali em diante, para alcanar uma perfeita unidade em meus atos, devia comportar-me como este cornaca, rechaando com severa vontade tudo aquilo que me distanciava de minha verdade essencial.

Passei vrios meses trabalhando no reduto de uma manada de paquidermes. Vendo a maneira como os cornacas os domavam, aprendi muitas coisas teis para educar meus egos agressivos.

Em primeiro lugar, para possuir um elefante preciso captur-lo. O mesmo se sucede com o Eu pessoal: para trabalhar sobre ele tem que se dedicar a ca-lo, porque se comporta como um animal esquivo, se defende, mente, luta para no mudar, e se tratam de dom-lo, cr que perdeu sua identidade e escapa a todo intento de transformao... Para capturar um elefante os hindus cavam um grande buraco no solo, em seguida colocam folhas de rvores e fmeas prximas armadilha. Atrado pelo sexo e alimento, o elefante selvagem capturado.

No Arcano XX (O Julgamento) do Tar, vemos um personagem central emergindo de uma fossa. Para chegar a Conscincia teve de submergir das profundidades da terra. H de entrar em sua natureza essencial... Se queremos progredir, primeiro devemos convencer nosso ego intelectual: Chega de iluses mentais! Vem! Funde-se em teu corpo, sente sua matria!. Para isso, as enfermidades so uma excelente ajuda. Por exemplo, alguns diretores famosos de cinema eram caolhos. Quando tinham dois olhos funcionando, experimentavam certa dificuldade para se concentrar. Sem cessar, mltiplas coisas lhe chamavam a ateno. Ao perder um olho, puderam centrar-se em somente uma nica coisa como jamais haviam feito, porque j no contavam mais com a facilidade de outrora... Um elefante selvagem possu muitas fmeas, devora uma rvore inteira por dia, mas quando cai no buraco se v privado de alimentos e companhia.

Para comear a domar nossos egos devemos nos retirar para meditar, esvaziar a mente, o corao, o sexo e modificar nossos hbitos fsicos. Quer dizer, abstinncia sexual, variar as horas de sono (se antes dormamos muito, agora durma pouco ou vice-versa), comer outro tipo de alimentos (se comamos carne viramos vegetarianos, se ramos vegetarianos, comear a comer carne), desfazer-se de objetos inteis no local em que vivemos, deixar de ler, de ver televiso ou de escutar msica e programas de rdio, de falar por telefone, de consumir drogas. Como o elefante que caiu na armadilha, isolar-se entre paredes vazias. No devemos dizer Farei isso durante tantas horas ou por tantos dias. O elefante h de permanecer no buraco o tempo que for necessrio.

Quando o elefante est exausto o tiram da armadilha, o amarram com uma grossa corda a pata traseira esquerda a uma rvore robusta e fazem o mesmo com a pata dianteira direita: assim, amarrado em diagonal entre duas rvores, o elefante se encontra esticado. A caminhada, os passeios, as buscas foram suspensas. J no pode escolher. Esta situao, ao lhe despertar uma raiva tremenda, lhe proporciona novas foras. Move a nica coisa capaz de se mover, sua trompa, girando-a como uma hlice. Se colocarem um galho ao seu alcance, em lugar de devor-la, arremessa longe com uma violncia impressionante. Se o deixarem solto seria capaz de matar centenas de pessoas.

Certos indivduos parecem muito gentis, mas, no fundo, levam dentro de si um mar de raiva no expressada. So cleras que carregam desde sua infncia, produto de abusos, proibies arbitrrias, ausncias ou falta de ateno e de carinho. As vezes a fria secreta to grande que o faz engordar, outros emagrecem, as vezes o faz torcer a coluna vertebral, se enchem de eczemas, ou chegam a perder seus dentes: so as mordidas, gritos, socos ou pontaps que no atreveram a dar... Para domar o Eu pessoal devemos nos permitir, assim como elefante atado pelas patas duas rvores, expressar nossa raiva. Uma destas rvores a famlia materna; a outra, a famlia paterna. A clera que carregamos interiormente comea quando ainda somos um feto no ventre de uma me neurtica, e se acentua ao entrar em contato com as duas rvores genealgicas que se uniram quando nascemos. Esta clera se estende at os nossos prprios irmos, pais, tios, avs ou bisavs; at a sociedade ou a histria; e continua mais alm: alcana a totalidade do universo; at Deus, monstro cruel, vingador, assassino. Quando a criana sofre, acumula uma raiva csmica... Tem que ficar de frente a um muro e gritar, chorar, golpear com violncia, insultar a quem nos venha a mente, esvaziar-nos de tanta indignao. Isto nos far perceber que prendamos em nosso corao um elefante cheio de raiva. Alguns, que no trataram de domar seus egos, atropelam pedestres com seus automveis com a desculpa de que haviam bebido, ou bem, ainda que sejam professores de filosofia, estrangulam sua mulher ou se suicidam se jogando pela janela. Muito creem estar bem porque se sentem satisfeitos. Mas apenas lhes acontece uma penria e o elefante louco os domina. As raivas acumuladas, pouco a pouco, vo convertendo-se em dio a vida e em autodestruio.

O elefante amarrado expressa sua clera precisamente porque as cordas o impedem de atuar. Quando se empreende a doma do Eu pessoal, aprendemos a aceitar os sentimentos violentos ou negativos sem nenhuma vergonha, para logo poder express-la. O que , . Por exemplo, poderamos cavar um buraco na terra e derramar sobre ele vociferando nossos insultos e queixas. Logo, voltar a encher o buraco deixando assim, metaforicamente, enterrada nossa raiva.

Uma vez que o elefante, sem comer nem dormir, tenha expressado sua raiva, se entristece. Parece decidido a morrer. J nada o ata ao mundo, perdeu suas motivaes anteriores. Antes podia, sem problemas, passear por toda a selva com liberdade. Agora consciente de que essa mesma liberdade o conduziu para sua captura. Na verdade, o destino dos elefantes livres na ndia serem liquidados por caadores de marfim. Somente conseguem sobreviver em cativeiro... Ns, os humanos, tampouco somos livres. No podemos ser selvagens. Devemos nos entregar ao cativeiro social e cultural. No cessamos de dar a ns mesmos, como razo de viver, nosso prprio rancor... Sabendo que impossvel essa liberdade ideal, por ela nos sacrificamos, por ela suportamos a vida, por ela sofremos. Acreditamos que esse peso doloroso nossa identidade. Levamos no envelope um elefante malcheiroso disfarado sob todo tipo de perfumes. Mas quando expressamos nosso furor, quando dizemos a ns mesmos Chega, este dio no sou eu!, Quando deixamos de beber, de fumar, de nos drogar ou de ir de aventura sexual em aventura sexual, nos agoniza uma tristeza completa. Camos no que chamado de depresso. Sentimos falta do rancor, do desprezo, da agresso contra ns mesmos. Queremos lutar contra algo, a jaula social se apresenta como liberdade e a liberdade interior se apresenta como uma armadilha.

Amarrado s rvores, o elefante insiste em no comer nem beber. Ningum consegue o obrigar a se alimentar. uma espera dramtica. O animal deve escolher: ou morre ou decide a viver aceitando um amo. Se opta pelo segundo, se acalma e docilmente deixa que se aproxime um primeiro homem, aquele que durante toda sua vida ser seu cornaca. Em seguida chegam mais outros dois: o cozinheiro que preparar sua comida e o ajudante que o banhar todos os dias. Um paquiderme, massa imponente, poderia ser comparado ao elemento Terra. Enquanto que os seus trs amos-servos: um trabalha com o Fogo, dado que prepara bola de cereal cozido; o outro trabalha com a gua (o elefante necessita beber 300 litros dirios, alm disso se o impedem de se banhar, morre de tristeza); e o terceiro, o cornaca que educa sua mente, representa o Ar. So os quatro elementos da Alquimia. A esse corpo que aceitou a domesticao, se aproximam trs aliados para propor-lhe um novo alimento, uma nova Conscincia e uma nova forma de amar.

Do mesmo modo ns, para sair da armadilha pessoal, temos que nos entregar a uma espcie de agonia: Vivo atado a relaes inteis que devoram meu tempo e minha energia, e que me envelhecem, diminuem, destroem. Trabalho no que no gosto, sepultei meus sonhos. Devo cortar os ns, enfrentar meu medo da solido, perder tudo o que est soterrando meu Eu essencial, respirar livremente, sem obrigar-me a desejar aquilo que no desejo. Aceitar meu corpo como um aliado sbio, reaprender a sentir, comer alimentos saudveis, me despojar dos pensamentos negativos, expulsar de minha mente o Juiz implacvel, deixar de ser meu pior inimigo, converter meu corao em um canal que recebe e transmite o amor universal, lutar contra meus desejos de posse, sendo um e todos ao mesmo tempo, designarei como Mestre meu Deus Interior.

Quando o elefante aceita seus trs amos-servos e colabora com a manada de paquidermes trabalhadores, colocam em sua pata traseira direita uma corrente em forma de pulseira. Para ele, este anel se converte em um smbolo de que est prisioneiro. Enquanto o leva, jamais intentar escapar, Mas se por qualquer circunstncia seja por ter sido tirado ou perdido, de imediato fugir para o bosque. Tolerando a pulseira, o elefante faz um juramento de fidelidade. Aceita a disciplina.

Assim ns, comeada a Grande Obra, ainda que passem os anos continuaremos sendo fiis a nosso trabalho. A primeira fase da disciplina consiste no abandono da agresso, rejeitando as ideias influenciadas pelo orgulho ou ceticismo, no ferindo o corpo, os sentimentos, a criatividade nem o esprito dos demais. Com benevolncia para com os outros e para ns mesmos, evitaremos as imposies cruis, reconciliando o rigor com a doura, consagrando-nos ao que benfico para o mundo. Com alegria, nos contentaremos com o que realmente nosso e com o que realmente somos. Mais valiosa que mil grandes mentiras, nos far uma nfima verdade. Deixando de falar de fracasso, diremos: Este intento falhou, seguiremos tentando. No h problemas, somente dificuldades. Nada me acontecer por debilidade, governarei minha vida.

Quando o elefante aceita a pulseira em sua pata, troca seus berros selvagens por um novo idioma que consiste em somente duas palavras: Mot! (Avana!) e Hara! (Para!). O elefante se converte em excelente trabalhador. Quando lhe ordenam avanar ou retroceder assim o faz transportando todo o tipo de cargas. Transformou-se num ser til para a comunidade.

Ns podemos aprender a dizer Sim! E a dizer No! Somos capazes de vencer a inrcia e dar-nos ordem de avanar em direo a nossa realizao ou tambm de rechaar o que nos seja nocivo. Vivo somente para seduzir: Hara! Devo deixar de ser superficial: Mot! Experimento uma grande tentao por algo que pode me destruir: Hara! Hara, isto no sou eu! Mot, isto sou eu!

A comida que lhe oferece o cozinheiro foi preparada com grande dedicao, pensando nas necessidades energticas do elefante. Ns, alm de nos habituarmos com comidas saudveis, devemos alimentar nossos sentidos, nossa criatividade, nosso mundo emocional. Assim, deixamos de ser pessoas que se engancham na primeira isca seja na amizade, no amor ou no trabalho que aparece. Devido ao medo de perder, sem confiana nelas mesmas, carentes de disciplina, estas pessoas no desenvolvem capacidade de escolha e aceitam, por exemplo, alimentos contaminados ou nocivos. So, no fundo, crianas cegas, incapazes de verem a si mesmos e, portanto, de ver os outros. Se formarem um casal, esta relao vai de crise em crise, tornando-se por fim uma guerra contnua... As elefantas domadas ajudam o novo macho a integrar-se na manada. Ns devemos nos relacionar intimamente somente com pessoas que alcanaram nosso nvel de conscincia. A quem ainda no se submeteu a autodisciplina, podemos oferecer ajuda, mas sem firmar contatos amistosos ou sexuais. Os terapeutas que se tornam amigos de seus pacientes ou que dormem com eles cometem um erro lamentvel. As elefantas ajudam o novo companheiro, mas no se acasalam com ele. Impedem o paquiderme selvagem de atuar como macho antes de estar completamente domado. Somente poder materializar seus desejos quando a doma estiver concluda. Ento lhe concedido uma fmea. Satisfeito, com alegria infinita, o elefante, ao alvorecer, se dirige ao trabalho. Avana arrastando uma corrente de sete metros que foi acrescida a sua pulseira. Com o cornaca em sua nuca, se converteu em construtor.

Assim deve acontecer conosco: levantamo-nos alegres para continuar o trabalho. Trabalhar no que se gosta parece uma festa. Desenvolvemos a criatividade positiva com profundo prazer. Ao contrrio, gastar nosso tempo em festas destrutivas nos angustia. Trabalhando com disciplina, samos do cheiro ruim e entramos na fragrncia.

Os trs amos-servos do elefante nunca o deixam sozinho. Levantam-se com ele, trabalham com ele, o alimentam, o banham, dormem junto a ele... Nosso intelecto vazio de conceitos inteis-, nossa emoo livre de todos os rancores e nossa libido purificada de desejos autnticos nos inunda o corpo com energia, com a fluidez de um limpo e transparente.

O elefante suporta suas rudes tarefas, pois tem um tempo igual de horas de repouso em que o levam ao rio, o submergem na gua, coam seu corpo, que contrariamente ao que se pode pensar tem uma pele muito sensvel. Seu maior prazer, alm de possuir as fmeas, ser raspado por seus trs amos-servos. Com prazer, chafurda na gua, oferecendo todo o seu corpo. Logo, retorna ao trabalho carregado de alegria.

Quando entramos na via inicitica, devemos tambm nos dar tempo para satisfazer nosso Eu pessoal: comer o que gosta, ver filmes estpidos, mas divertidos, assistir a uma partida de futebol, uma luta de boxe, um concerto, ir a uma boate, ver revistas erticas, quadrinhos... enfim, brincar. Existem pessoas que exercem tal severidade sobre elas mesmas que ao longo do tempo arrunam seu trabalho espiritual. Sua neurose acaba superando as dos que chafurdam na mediocridade. Devemos tratar nosso Eu pessoal como se fosse uma criana, ou seja, no pode faz-lo estudar o dia inteiro, tem de conceder recreios. Um carnaval necessrio de tempos em tempos. Depois dos momentos de liberdade catica que nos oferecemos, podemos nos entregar a mais frrea das disciplinas...

O elefante j parece completamente domesticado. Trabalha como antes, mas, de repente, num orifcio em sua testa comea a escorrer uma substncia grossa, untuosa e de intenso aroma. o almscar. Isto indica que o animal est no cio. Seus servos o deixam tranquilo sem for-lo o trabalhar, porque se o fizerem ele no os obedeceria e se insistirem pode chegar a mat-los. O cio, desejo sagrado a servio da reproduo, no admite amos.

H momentos criativos ou teraputicos em que devemos deixar que a natureza se expresse atravs de ns. Sua ao mais rpida que o mental ou o emocional, como o estalar de um raio. Em transe, nos entregamos a aquilo que nos reclama, sem duvidar. O mais leve titubeio romperia o encanto e a autenticidade. Teremos conseguido alcanar a certeza.Perguntam a Ramakrishna: - Cr em Deus?O Mestre responde: - No.Surpreendidos, exclamam:- Como possvel que um grande mstico como voc diga que no cr em Deus?- No creio em Deus, o conheo.Quando um elefante est em repouso, no apoia sua trompa sobre a terra, mas sim a introduz em sua boca. Tambm, antes de comer qualquer coisa, sopra com fora sobre o alimento. Se protege assim de que algum inseto, por exemplo uma formiga, possa penetrar em sua trompa, chegar ao crebro e enlouquec-lo. Com sabedoria natural, elimina qualquer perigo possvel antes que se produza. Sabe prevenir.

Os possveis perigos que percebemos em um contrato que devemos firmar acabar um dia ou outro por nos afetar. Onde h um ponto dbil, aquilo que nos rodeia por muito forte que seja, termina por desmoronar-se junto com ele. Um grupo social nunca se define pelo mais sbio, mas sim pelo mais torpe. Roland Topor disse uma vez: Um grama de caviar em um quilo de excremento no muda nada. Um grama de excremento em um quilo de caviar o arruna completamente.

Quando agimos ou nos relacionamos, deveramos proceder como o elefante. Antes de nos comprometer, devemos eliminar as formigas, quer dizer, estabelecer contratos claros, nunca para sempre, mas sim por um prazo limitado que permita renov-los discutindo seus termos a luz das mudanas que trazem o tempo. Devemos estar alertas: uma linguagem pode ser interpretada por distintos pontos de vista.Um homem envia a seguinte mensagem a um hotel mexicano: Reserve para o dia tal uma sute, com vistas para o mar, duas almofadas de plumas, uma grande cama, um bom frigobar, etc, etc, etc.Dias mais tarde chega ao Mxico. Em sua sute, com vistas para o mar, encontra um agradvel frigobar, duas almofadas de plumas e dentro da grande cama, trs prostitutas nuas.Chama a recepo por telefone.- Que significa isso? Nunca pedi tal coisa!- Mas senhor, so os seus etc, etc etc.Se os termos no so claros, o dia em que nos encontrarmos com um advogado defensor sofreremos as consequncias. Estes seres se ajeitam para sempre terem razo. Mal cometem um erro, fazem o quanto podem para demonstrar que fomos ns quem cometeu a falha e no eles. Nunca reconhecem o dano que causam.Um jovem pai entra na habitao da parturiente. Abraa sua mulher com emoo. Em seguida se inclina sobre o bero e se d conta de que o beb totalmente negro.Retrocede horrorizado e sua esposa se declara, antes que tenha tempo de dizer algo:- V o que acontece por cauda de sua mania de fazer amor no escuro?Colocar a culpa em outro uma atitude a que recorrem com frequncia aqueles que no trabalham para domar seus egos. Diariamente buscam saber quem o responsvel pelo que lhes acontece, sem se darem conta de que so o cmplice principal, para no dizer o nico artificie do problema.- Como furou este pneu?- Oh, de um jeito bem tonto! Ao passar por uma garrafa de whisky.- No me diga que no viu a garrafa!- Sim eu digo, o homem a levava no bolso.Mentem a si mesmos. Causam danos as pessoas que a rodeiam e se negam a reconhecer. No assumem as responsabilidades de seus prprios atos e o justificam com complacncia. Provocam estragos e logo do mil desculpas. Abandonam no mundo uma criatura que buscar saber por toda sua vida quem seu pai, e se permitem argumentar Sou inocente! Fiz esse filho, mas o larguei quando era pequeno. impossvel que se recorde. Que dano posso ter feito a ele, se no me conhece?.

Quando deixamos de colocar a culpa nos outros, nos encontramos com ns mesmos. Um grande passo adiante reconhecer que somos responsveis pelo que nos acontece. No entanto, os advogados defensores so incapazes de aceitar seus erros to imediatamente como o faz este monge zen:Chega ao monastrio, sem ser esperado, um personagem muito importante. hora da refeio. pedido ao cozinheiro que improvise algo. Este vai a horta, arranca algumas alfaces, uns rabanetes, umas cenouras e, com o que tem ao seu alcance na cozinha, prepara rapidamente uma deliciosa salada. O visitante comea a comer e logo encontra em seu prato uma cabea de cobra. Chama o cozinheiro e mostrando com asco, diz:- O que isso?O cozinheiro, com um gesto rpido, pega a cabea de cobra, a mete em sua boca, a engole, faz uma reverncia e se vai.Um verdadeiro iniciado, quando comete um erro sabe aceit-lo. Aprendeu a engolir a cobra.

O elefante, com suas patas macias como almofadas, caminha sem fazer rudo. Ainda que o caminho seja acidentado, avana com equilbrio, nunca se inclina de um lado para o outro. Como sua pele e suas patas so to sensveis e seu peso to grande, o animal se v obrigado a vigiar seus passos. Nunca apoia a planta de suas patas em uma pedra que pode rolar, nem sobre um espinho. Tem plena conscincia de seus movimentos.

Algumas pessoas so de uma lentido doente... Tropeam com muita frequncia, pegam uma torrada para passar manteiga e deixam cair muitos pedaos, se deixam cair sobre a cadeira como se fossem pesos mortos. Tambm, ao nos cumprimentar nos torturam a mo ou falam no celular em lugares pblicos gritando como se estivessem sozinhas. Se vo ao metr no se privam de nos dar cotoveladas ou se levam uma mochila nas costas golpeiam sem se dar conta do resto dos viajantes. Ou manipulam objetos com uma violncia mal contida. Sen no Rykyu, o grande mestre de ch da histria do Japo, resume em uns poucos poemas o essencial de sua sagrada cerimnia (servir uma xcara de ch), onde d uma importncia capital a maneira de receber e comunicar com sensibilidade e conscincia:

Sente que manipula o levecomo se fosse pesado e o pesadocomo se fosse leve.

Quando depositar um objetofaa com a mesma delicadezacom qual despe sua amada.

No olhe o carvo da fogueiracom os olhos, mas sim com o corao.

Respeita o carvoe logorespeita suas cinzas.Quando, graas ao trabalho, se desenvolve e chega a ser o mais forte de todos, nosso elefante merece chefiar a manada. Se converte em cabea do grupo. Quando avana, vai na frente de todos. Por lei, os outros machos devem ir atrs. Se um deles, num intento de rebelio, se adiantar, ele, como sua autoridade de chefe, enfiar sua presa em sua coluna vertebral e o mataria... Se outro macho o desafiasse abertamente colocando-se frente a ele, o eliminaria sem nenhuma piedade. No permite que faltem com respeito o tratando de igual para igual. Mas se por qualquer motivo uma fmea se pe a sua frente a empurra com amabilidade em direo a manada que o segue: entre dois sexos no existe a competio...

Muitas vezes gerado entre irmos um esprito de contenda. Se um deles o preferido pelos pais, o ignorado, ao no ser o centro, deseja ocupar o espao do outro e viver sua vida. O que tem nunca o satisfaz. No sabe quem . Necessita de constante companhia. Tem medo de se encontrar consigo mesmo porque se sente vazio.Um pedestre se enfurece ao ser sujo de barro por um carro. Corre pela calada e, no primeiro semforo vermelho, alcana o motorista e diz:-Senhor, voc um grosso! Se fosse uma pessoa como Deus manda, teria parado para se desculpar, haveria comprovado o prejuzo que me causou, logo me levaria de carro at sua casa e me convidaria para tomar um vinho do Porto para me recuperar. Por ltimo no me deixaria ir sem me dar ao menos duzentos euros por causa dos danos e prejuzos.-Voc est sonhando? Por acaso j viu alguma vez um motorista se comportar desse jeito com voc?- No, comigo no. Mas ontem, com minha irm, sim!Deveramos saber se, apesar de no haver recebido de nossos pais o que deveramos ter recebido, temos alcanado um alto nvel de conscincia devido algumas destas trs razes: porque lemos, estudamos e meditamos e de volta a ler uma e mil vezes mais... Porque misteriosamente nos iluminamos de repente, sem esforo, como se tivesse recebido um presente divino... Ou porque uma pessoa compassiva decidiu nos ajudar... No primeiro caso o do estudo, devemos nosso progresso s geraes precedentes que tiveram como misso deixar por escrito suas tcnicas ou teorias... No segundo, devemos entender que no somos os nicos que tiveram a sorte de receber o dom, existem outros que qui tenham desperto em nvel at mais profundo... No terceiro, aquele que nos indica como chegar a ser como somos nosso Mestre para toda a vida... Se no somos capazes de agradecer a quem nos ajudou a encontrar, nosso tesouro nada vale, e existe demasiado escritores espirituais que descrevem conhecimentos experincias de outros sem jamais nome-los. Os elefantes perfumados nos perguntam Porque trata de ocupar com o que ainda no merece, se o seu prazer atual o de seguir um guia superior? Quando alcanar a meta, ento seguiro a ti. Mas se quer que te sigam como seguem a mim, no quer ser voc mesmo, quer ser eu, o que lamentvel: viver fingindo conhecer o que somente leu ou que lhe tenham dito, sem t-lo experimentado jamais.

Quando passa o tempo, o grande elefante, se dando conta de que a velhice o debilitou, permite que o jovem mais forte da manada se coloque diante dele. Em total paz, se produz uma simples troca de poder, sem luta, sem competio prvia. As fmeas e os elefantes mais fracos seguem de forma natural o novo guia. O ancio, atrs do grupo, vai retrocedendo pouco a pouco at que morre com dignidade, sem que ningum o veja.

provvel que vimos de famlias na qual os pais, de maneira talvez inconsciente, sentem cimes de suas filhas ou filhos. De forma conflitiva tiveram gravado em sua psique infantil Para que ns te amemos, tem que triunfar. Mas se conseguir o que nunca conseguimos, nos perder: deixaremos de te amar ou morreremos.

Um clebre pinto chileno, assistindo a uma exposio de pinturas de seu filho, cuspiu em seus quadros. O rapaz teve xito, mas tempos depois se suicidou. Ao entrar na puberdade, uma moa comeou a se vestir com roupas que a tornavam mais atraente. Sua me a imitou. Quando sua filha a apresentou ao seu noivo, a senhora fez tudo o que pode para seduzi-lo, at conseguir transform-lo em seu amante...

Temos de ser conscientes de que nascemos em uma sociedade que consumidora e competidora, que nos impulsiona a viver nos comparando. O iniciado aceita o Mestre sem se comparar com ele, sem competir com ele. Em lugar de querer assassin-lo, abre seu corao e o absorve. O que representa este Mestre? Ramakrishna disse: Se jogamos um pedao de chumbo em um recipiente que contm mercrio, se dissolve com rapidez. Da mesma maneira a alma superior perde sua existncia limitada quando submerge no oceano de Brahma. Brahma no somente o Deus exterior, tambm o Deus interior.Era uma vez uma boneca de sal que queria medir a profundidade do oceano.Chegou as orlas de imensa extenso de gua e a contemplou. At este momento continuava sendo a mesma boneca de sal, conservando sua prpria superioridade. Mas apenas colocou um p no oceano, comeou a desaparecer. Estava perdida. Rapidamente foi impossvel distingui-la. Todas as partculas de sal que a compunham haviam se dissolvido na gua do mar. O sal de que era feita provinha do mesmo oceano: agora havia retornado para unir-se de novo a ele.