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A doutrina do Logos na perspectiva patrística: um estudo a partir de João 1.1 ISSN 2316-1639 (online) Teologia e Espiritualidade vol. 4 • n o 08 • Curitiba • Dez/2017 • p. 73-95 73 A DOUTRINA DO LOGOS NA PESPECTIVA PATRÍSTICA: um estudo a partir de João 1.1 The Doctrine of Logos in the Patristic Perspective: a study from John 1.1 Josinéia da Hora de Souza 1 Sandro Pereira 2 RESUMO O presente trabalho aborda a doutrina do Logos na percepção dos pais da Igreja. Este assunto foi muito debatido no início da era Cristã, depois da declaração do Quarto Evangelho de ser Jesus o Logos encarnado, quando afirmou que: “No princípio era o Logos e o Logos estava com Deus e o Logos era Deus”. Essa declaração suscitou em debates que culminou em Concílios, criados para a defesa da fé cristã. Os pais da Igreja foram os proponentes destes debates. Com coragem e ousadia se levantaram contra os hereges para declarar que Jesus era divino, como o Quarto Evangelho já havia declarado. Para elucidar esta questão foi feita uma análise de material bibliográfico sobre o Logos no Filosofia, uma vez que essa concepção do termo era muito difundida pelos filósofos no tempo em que o Evangelho foi escrito; uma análise exegética da perícope do Evangelho no capítulo 01, versículos de 01 a 05, através do método Histórico-Crítico, a fim de entender o que o Evangelista tinha em mente ao fazer esta declaração polêmica; e um passeio pela "Patrística", ou "pais da Igreja" a fim de entender e conhecer suas defesas acerca do assunto. Ficou evidenciado que os pais da Igreja não se acovardaram diante das heresias surgidas, mas, tiveram a coragem de se levantar em defesa da sua fé no Deus- homem. Todos fundamentaram suas defesas nas Escrituras Sagradas tomando como base a declaração joanina. Alguns se utilizaram das concepções filosóficas acerca do Logos, porém, sem que isso se tornasse o fundamento principal. Fica a lição para a Igreja na atualidade de não se dobrar diante das heresias existentes, mas, de se levantar com coragem para declarar ao mundo que a fé no Jesus- Logos, ou seja, no Deus-homem continua atual. 1 Bacharel em Teologia pela Faculdade Cristã de Curitiba. Bacharel em Ciências Contábeis). 2 Mestre em Ciências da Religião pela UMESP. Pós-graduado em Educação à Distância pela Faculdade de Administração, Ciências e Letras (FACEL); Pós-graduado em Pedagogia Social pela FACEL; Professor na Faculdade Cristã de Curitiba.

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    Teologia e Espiritualidade vol. 4 no 08 Curitiba Dez/2017 p. 73-95

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    A DOUTRINA DO LOGOS NA PESPECTIVA PATRSTICA: um estudo a partir de Joo 1.1

    The Doctrine of Logos in the Patristic Perspective: a

    study from John 1.1

    Josinia da Hora de Souza1 Sandro Pereira2

    RESUMO

    O presente trabalho aborda a doutrina do Logos na percepo dos pais da Igreja. Este assunto foi muito debatido no incio da era Crist, depois da declarao do Quarto Evangelho de ser Jesus o Logos encarnado, quando afirmou que: No princpio era o Logos e o Logos estava com Deus e o Logos era Deus. Essa declarao suscitou em debates que culminou em Conclios, criados para a defesa da f crist. Os pais da Igreja foram os proponentes destes debates. Com coragem e ousadia se levantaram contra os hereges para declarar que Jesus era divino, como o Quarto Evangelho j havia declarado. Para elucidar esta questo foi feita uma anlise de material bibliogrfico sobre o Logos no Filosofia, uma vez que essa concepo do termo era muito difundida pelos filsofos no tempo em que o Evangelho foi escrito; uma anlise exegtica da percope do Evangelho no captulo 01, versculos de 01 a 05, atravs do mtodo Histrico-Crtico, a fim de entender o que o Evangelista tinha em mente ao fazer esta declarao polmica; e um passeio pela "Patrstica", ou "pais da Igreja" a fim de entender e conhecer suas defesas acerca do assunto. Ficou evidenciado que os pais da Igreja no se acovardaram diante das heresias surgidas, mas, tiveram a coragem de se levantar em defesa da sua f no Deus-homem. Todos fundamentaram suas defesas nas Escrituras Sagradas tomando como base a declarao joanina. Alguns se utilizaram das concepes filosficas acerca do Logos, porm, sem que isso se tornasse o fundamento principal. Fica a lio para a Igreja na atualidade de no se dobrar diante das heresias existentes, mas, de se levantar com coragem para declarar ao mundo que a f no Jesus-Logos, ou seja, no Deus-homem continua atual.

    1 Bacharel em Teologia pela Faculdade Crist de Curitiba. Bacharel em Cincias Contbeis). 2 Mestre em Cincias da Religio pela UMESP. Ps-graduado em Educao Distncia pela Faculdade de Administrao, Cincias e Letras (FACEL); Ps-graduado em Pedagogia Social pela FACEL; Professor na Faculdade Crist de Curitiba.

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    Palavras-chave: Logos; Pais da Igreja; Evangelho de Joo.

    ABSTRACT The present work deals with the doctrine of the Logos in the perception of the fathers of the Church. This subject was much debated at the beginning of the Christian era, after the declaration of the Fourth Gospel of being Jesus the incarnate Logos, when he stated that: "In the beginning was the Logos and the Logos was with God and the Logos was God." This statement provoked in debates that culminated in Councils, created for the defense of the Christian faith. The fathers of the Church were the proponents of these debates. With courage and boldness they rose up against the heretics to declare that Jesus was divine, as the Fourth Gospel had already declared. To elucidate this question an analysis of bibliographical material on the Logos in Philosophy was made, since this conception of the term was very widespread by the philosophers at the time the Gospel was written; an exegetical analysis of the pericope of the Gospel in chapter 1, verses 01 to 05, through the Historical-Critical method, in order to understand what the Evangelist had in mind in making this controversial statement; and a tour of the "Patristic" or "fathers of the Church" in order to understand and know their defenses on the subject. It was evidenced that the fathers of the Church did not cower in the face of the heresies which had arisen, but they had the courage to rise up in defense of their faith in the God-man. They all grounded their defenses in the Holy Scriptures on the basis of the Johannine statement. Some have used philosophical conceptions about the Logos, but this has not become the main foundation. It is a lesson for the Church today not to bend to existing heresies, but to stand up boldly to declare to the world that faith in Jesus-Logos, that is, in the God-man, remains current. Keywords: Logos; Fathers of the Church; Gospel of John. INTRODUO

    No inicio da era crist nasceu um homem por nome Jesus,

    que tinha como codinome Nazareno. Sua influncia foi to grande que dividiu a histria ao meio. Homem revolucionrio, que convocou pessoas para ensinar acerca do Reino de Deus. Odiado por uns e amado por outros, foi crucificado como malfeitor. Depois da sua morte seus seguidores deram inicio

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    propagao dos seus ensinamentos, culminando no compndio de livros hoje conhecido como Bblia Sagrada.

    Acerca deste homem, foram levantados diversos questionamentos naquela poca e que perduram at hoje. Em relao a sua humanidade, no se tem muitas, ou quase nenhuma dvida, pois, a prpria histria o registra. A grande questo ento se de fato ele era Deus, como foi declarado. Declaraes estas que se encontram nas Escrituras. O texto que deixa isso bem claro o prlogo do Quarto Evangelho, ao declarar que No princpio era o Logos, e o Logos estava em Deus, e o Logos era Deus (Joo 1.1). Esta declarao suscitou muitos debates teolgicos no incio da Igreja Crist que culminou em Conclios, criados para fundamentar este e outros assuntos e combater as heresias que foram surgindo, tendo como defensores os Pais da Igreja.

    Mesmo diante de represlias, os pais da Igreja no se acovardaram em defender a f na divindade de Cristo. Tomando como base o texto joanino e outros textos sagrados foram firmes ao combater os hereges, que se baseavam na Filosofia para contradizer a doutrina joanina do Logos. Homens que deixaram o seu legado na histria secular e crist.

    notria a discusso acerca do Logos ao longo da histria crist. O tema continua atual. Muitos negam a divindade de Cristo, e, mesmo os que acreditam, muitas vezes no tem noo do que afirmam. preciso ter coragem para enfrentar o mundo em suas concepes errneas. O Logos joanino e a defesa dos pais da Igreja acerca dele, deixam uma lio para a Igreja: no se dobrar diante das heresias, mas, declarar com ousadia e coragem que o Deus-homem est vivo e quer salvar a todos. 1. O LOGOS NA FILOSOFIA

    O termo Logos surgiu na antiga filosofia grega, mais

    especificamente com Herclito, consolidando-se no estoicismo. A expresso Logos possui diversos significados na filosofia

    grega antiga. O termo traduzido por palavra, expresso,

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    pensamento, conceito, discurso, fala, verbo, razo, inteligncia (MORA, 2001, p. 1794). Destas expresses surgiram outras, formando vrias combinaes.

    Em relao ao significado de Logos Japiassu e Marcondes (2001, p. 121) afirmam que existem vrios conceitos em inmeras correntes filosficas. Continuam, mencionando que supe-se que em seu sentido etimolgico originrio de "reunir", "recolher", estaria contido o carter de combinao, associao e ordenao do logos, que daria assim sentido s coisas. Fica explcito neste comentrio, uma ideia de Logos como princpio, origem e ordenao das coisas, a fim de serem vistas tais como o so.

    Portanto, na filosofia a ideia de Logos no nica, mas possui significados diferentes que se configuram desde a ideia de razo, enquanto raciocnio, assim como a lei que rege todas as coisas.

    Assim, necessrio iniciar a pesquisa com esse importante filsofo: Herclito de feso, que cunhou este termo, a fim de conhecer suas ideias e pensamentos a respeito do assunto. 1.1 Herclito de feso

    Herclito nasceu em feso. No se tem certeza da data de

    seu nascimento e morte e tambm da sua vida. Isso se deve a escassez de informaes desse perodo. tido convencionalmente que ele era um filsofo do perodo pr-socrtico.

    Suas afirmaes a respeito do Logos suscitam discusses de diversos filsofos, que tecem inmeras interpretaes para o que ele falou a respeito desse assunto.

    Para Herclito, o Logos se configura como uma razo que rege todo o universo, possibilitando que este tenha ordem, justia e destino. Quem procura conhecer e aceitar suas resolues se torna sbio. Essa razo universal tem como princpio e fim de todas as coisas, o fogo (MORA, 2001, p. 1795). Uma explicao mais detalhada sobre esse pensamento dada por Reale e Antiseri, (2007, p. 22) ao discorrer o que seria esse fogo como

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    princpio. Este se encontra em constante movimento, ou seja, no se extingue, alm de trazer tona uma harmonia contnua do cosmos por seu dualismo: queima e cinzas.

    Depois de Herclito surgiram outros filsofos e escolas filosficas que defenderam a ideia de Logos, sendo uma delas, o estoicismo. 1.2 O Estoicismo

    O Estoicismo foi uma das grandes escolas de pensamento

    filosfico no perodo helenista, sendo para muitos a mais famosa desse perodo.

    Os estoicos formulam pela primeira vez de forma sistematizada a concepo filosfica do pantesmo (advinda do platonismo), em que existe uma relao entre cosmos e Deus. Nesta relao, Deus tudo e tudo Deus, pois este Deus-Logos que d forma as coisas move-as e as dispem racionalmente (REALE E ANTISSERI, 2003, p. 283). Apropria-se, tambm, das ideias aristotlicas e heraclianas para formular a concepo do Logos. Neste sentido Aquino (2013, p. 310) comenta que os estoicos se apropriam do Logos como fogo de Herclito, em que material e tem o poder de criar, reagir e penetrar nas coisas, constituindo-se, ento, de natureza material. Alm desse fogo advindo de Herclito, o Logos possui manifestaes no ser humano, constitudas de lgica, fsica e tica, em que so essenciais para o conhecimento filosfico das coisas e, consequentemente, o Logos como o saber. Esse conceito tripartite vai ficar bem definido na concepo do estoicismo de uma forma geral e no apenas para o Logos, pois para eles a filosofia deveria ser dividida nestes trs aspectos.

    Segundo Tillich, (2000, p. 30) o Logos possui trs distines para os estoicos: como lei da natureza em que rege todas as coisas, de onde advm o inicio de tudo; como lei moral e como a capacidade humana de raciocnio ou razo, possibilitando aos seres humanos tornarem-se sbios.

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    Depois de um certo tempo em que os estoicos defenderam sua ideia de Logos, surgiu no perodo da filosofia helnica um judeu que revolucionou a forma de pensar da poca, a respeito desse e de outros assuntos; seu nome Flon de Alexandria. 1.3 Flon de Alexandria

    Existem poucas informaes a respeito da vida pessoal de Flon de Alexandria. Estima-se que viveu entre 20 a.C. e 50 d.C.. Era judeu, de uma famlia que tinha posses. Viveu durante o perodo chamado helenismo, em que a cultura grega predominava. Isso trouxe influncias na forma de pensar e de fazer filosofia.

    Flon tem um grande papel na histria filosfico-judaica por buscar uma fuso entre a filosofia grega e a teologia mosaica, criando a chamada filosofia mosaica.

    As ideias de Flon continham conceitos at ento desconhecidos para a filosofia helnica. Ele utilizou-se do pensamento estoico a respeito do Logos, mas assegurou novo significado, adicionando o conceito de transcendncia. Segue, portanto, tambm, a ideia platnica de Logos, embora no de forma completa. Reale e Antisseri, (1990, p. 32) afirmam que para Flon o Logos tinha o conceito de ideia inteligvel e esta advm das concepes platnicas acerca do mundo. Portanto, embora Flon acreditasse na concepo judaica de criao a partir do nada, aplicou uma nova forma de pensar ao adicionar que essa criao s foi possvel por causa do cosmos inteligvel, onde est estabelecido o mundo das ideias, em que tudo perfeito, diferente do mundo fsico. O Logos, ento, esse mundo ideal das ideias.

    Flon que introduz a distino entre a Palavra interna e a Palavra expressa (lgos endiathets e logos prophoriks). Gonzales (2004, p. 45) comenta acerca da distino entre os termos ao mencionar que a Palavra interna corresponde ao mundo das ideias, enquanto que a Palavra pronunciada corresponde razo, que serve como forma para o mundo material. O autor continua

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    informando que em relao ao carter, esse Logos concebido por Flon diferente do Logos do Quarto Evangelho, pois, o Logos de Flon um ser inferior. Isso nega o relacionamento direto entre o ser divino e o mundo, ideia bem diferente do Quarto Evangelho.

    Essas ideias e conceitos filosficos a respeito do Logos foram de grande influncia para o pensamento cristo no contexto do ambiente em que o Evangelho de Joo foi escrito. Surge ento, a importncia de uma anlise exegtica do texto joanino a fim de obter o conhecimento correto sobre a declarao evanglica de ser Jesus o Logos encarnado. 2. O LOGOS A PARTIR DE JOO: anlise exegtica de

    Joo 1.1-5

    O prlogo do Quarto Evangelho trs em seu incio uma declarao que suscitou diversos debates no incio da era crist: Jesus Cristo como o Logos encarnado. Aqui feita uma anlise dos cinco primeiros versculos do Quarto Evangelho utilizando-se o mtodo exegtico histrico crtico a fim de entender o objetivo do autor ao fazer esta declarao.

    O Evangelho de Joo muito discutido quanto a sua autoria, local e data de redao. Muitos estudiosos se desdobraram para elucidar essas questes no decorrer da histria. Ainda hoje existem discusses a esse respeito.

    Existem vrias teorias acerca da data, mas, nenhuma a define claramente. Carson (2007, p. 82) fala das sugestes surgidas nos ltimos cento e cinquenta anos a esse respeito, e informa que as datas variam de 70 d.C. aos ltimos vinte e cinco anos do sculo II. Embora qualquer data entre 55 e 95 d.C seja possvel aceitar, Carson arrisca a data de 80 d.C.

    Bultmann (2008, p. 438) comenta sobre isso, afirmando que so desconhecidos a data, o local e o autor do Evangelho. Levanta a hiptese de que a data da redao possivelmente seja no primeiro sculo, em decorrncia da existncia de citaes do Evangelho em papiros no segundo sculo.

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    Em relao autoria, Dockery (2001, p. 643) aposta em Joo, pois existem evidncias que apontam ser ele o autor, tais como: citaes de pessoas annimas que aparecem nos Sinticos, recebem nomes nos seus escritos (6.7-8; 12.3; 18.10), conhecimento do autor da geografia e dos costumes judaicos da Palestina alm da auto incluso no crculo dos discpulos mais ntimos que nos Evangelhos Sinticos so identificados como Pedro, Tiago e Joo. Dockery conclui, informando que escritores dos primeiros sculos da igreja, como Tertuliano e Irineu, atribuem a autoria ao apstolo Joo.

    O local em que o Evangelho foi escrito no to discutido quanto a sua data e autor, mas, tambm, tem defensores controversos. Hull (1983, p. 238) comenta que a hiptese mais aceita que o Evangelho foi escrito em feso, uma provncia da sia Menor. Esta hiptese atestada por evidncias internas (trechos no prprio Evangelho) e externas (pais apostlicos). As outras hipteses so Alexandria, por causa da relao entre Flon e a leitura sapiencial e Antioquia, pela conexo com Incio. Hendriksen (2004, p. 47) concorda com Hull na afirmao de que o Evangelho foi escrito em feso. Ele informa que Joo viveu em feso por vrios anos e que a tradio quase unnime ao aceitar esse local para o escrito do Quarto Evangelho.

    Em relao ao propsito e leitores do Quarto Evangelho tambm existem controvrsias. Hendriksen (2004. p. 49ss) tece comentrios a esse respeito, elencando vrias suposies. Alguns afirmam que o Evangelho foi escrito para corrigir os Sinticos, mas, isso inaceitvel, porque no existem conflitos reais entre eles. Outra proposta defende que foi escrito para suprir informaes suplementares que no se encontram nos Sinticos. Isso atestado por declaraes de pais da igreja como Clemente de Alexandria e Eusbio. Para Hendriksen essa hiptese de apenas suplemento aos Sinticos pode ser considerada um objetivo secundrio, mas, no principal, assim como as outras teorias existentes, como a de refutar os erros de Cerinto e o de combater o entendimento equivocado a respeito de Joo Batista.

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    A respeito dos leitores do Evangelho, Hendricksen (2004, p. 55) atesta que em primeira instncia eram cristos, principalmente gentios que viviam em feso e regies vizinhas. Isso evidente nas explicaes que o evangelista d acerca dos costumes e condies judaicas, conforme referncias de 2.6; 4.9; 7.2, dentre outras, bem como explicaes das suas menes de locais da Palestina, conforme 4.5; 5.2; 6.11 dentre outras. Porm, o Evangelho, tambm foi escrito para a Igreja de todas as pocas - cf. 17.20, 21.

    O processo de redao do Quarto Evangelho um enigma que perdura at hoje e que tem vrias suposies. Isso de deve a existncia de inmeras incongruncias, aporias (palavras abruptas) e descontinuidades no texto. O Quarto Evangelho tem algumas similaridades com os Sinticos, mas, muitas diferenas estilsticas. Maggioni e Fabris (2006, p. 259) citam semelhanas como alguns episdios comuns: o testemunho do Batista, a purificao do templo, o milagre dos pes, a caminhada sobre as guas; algumas sentenas do Senhor, geralmente esparsas; e, sobretudo a ampla narrao da Paixo. Maggioni e Fabris (2006, p. 260) continuam, informando que, por outro lado, existem diferenas como a questo literria, teolgica, os relatos e os discursos. Por isso tudo levantada a pergunta se o evangelista conhecia os Sinticos e se utilizou os seus escritos para compor o Quarto Evangelho. Muitos defendem esta hiptese.

    Alm dessa hiptese, existem outras. A que tem mais adeptos acredita que o Evangelho foi redigido em vrias fases e que vrios autores participaram da redao. Essa hiptese aceita por Tui (2000, p. 58-63) que defende a redao pela comunidade joanina.

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    2.1 O Texto Grego 1 , , . 2 . 3 , . 4 , 5 , .3 2.2 Traduo do Texto grego v. 01 No princpio era o Logos, e o Logos estava em Deus e o Logos era Deus v. 02 Ele estava no princpio em Deus v. 03 Todas as coisas vieram a existncia por meio dele, e nenhuma s coisa teria existido sem ele v. 04 Nele estava a vida e a vida era a luz da humanidade v. 05 E a luz brilha na escurido, e a escurido no a venceu. 2.3 Contedo e Teologia

    Muitas discusses foram elaboradas a respeito do ambiente cultural e religioso em que o Evangelho foi escrito. Maggioni e Fabris (2006, p. 263) comentam que o Evangelho de Joo sugere diversas possibilidades. As antteses existentes no Evangelho carne/esprito, coisas celestes/coisas terrenas, de cima/de baixo, assim como os adjetivos verdadeiro oposto a aparente remetem ao platonismo vulgarizado que estava presente no ambiente judaico da poca. A conexo existente entre o Logos joanino e o Logos do judeu Flon, denota o ambiente e pensamento judaicos. Deus apresentado como luz e a insistncia do autor em mostrar o conhecimento como via de salvao lembram os

    3 NESTLE ALAND (2012).

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    escritos hermticos em uma mistura de platonismo, estoicismo e motivos religiosos orientas.

    V-se uma gama de possibilidades para fundamentar o ambiente cultural e religioso em que o Quarto Evangelho estava inserido. No existia apenas um ambiente, mas, ambientes e religies diferentes.

    Maggioni e Fabris (2006, p. 265) informam que os gnsticos, que defendiam o dualismo entre divino e humano, esprito e corpo, tinham dificuldade de aceitar a encarnao do Filho de Deus e concebiam a salvao em termos de conhecimento antes que de f e amor. Joo vai se opor eles mostrando a encarnao do Logos: a histria real de Jesus de Nazar, no um mito. Mostra que o dualismo no csmico, mas, histrico-tico.

    A mensagem tambm para os judeus, que depois da guerra dos anos 70 comearam a exaltar a Tor como a ltima revelao de Deus. Joo vai se opor eles, mostrando que Jesus de Nazar a ltima manifestao de Deus.

    O Evangelho de Joo profundamente teolgico. Possui uma teologia prpria, diferente dos Sinticos. A percope em estudo se encontra na primeira estrofe do prlogo joanino, o hino Cristolgico do Logos.

    O primeiro versculo do Evangelho j declara que o Logos estava no princpio com Deus e era Deus. A mensagem passada por Joo nesta declarao polmica de ser Jesus o Verbo divino teve e tem repercusses at hoje para o Cristianismo. Essa declarao remete ao Gnesis 1.1 quando declara que No princpio criou Deus os cus e a terra. Isso significa que o Logos estava na criao, como deixa bem claro os versculos 3 e 4. O Logos o criador de todas as coisas, o princpio, o arch, to defendido pelos gregos. Isso atestado por Carson (2007, p. 114) que comenta sobre a palavra princpio do prlogo do Evangelho. Carson comenta que, para o Quarto Evangelho, o Logos princpio absoluto da criao.

    Cullmann (2002 p. 345, 346) afirma que embora Joo possa ter se valido de escritos pagos, como o modelo mandeu, e de um

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    hino Sabedoria como afirmam alguns tericos, o termo, embora semelhante, no significa necessariamente semelhana de pensamentos. Quando Joo fala do Logos pensa automaticamente no Jesus encarnado, a revelao definitiva de Deus. Portanto, no o Logos estico abstrato, nem o Logos mitolgico; mas, um Logos que se torna homem, e que, justamente por esta razo, o Logos. Para a concepo no crist, isso inconcebvel. Cullmann prossegue afirmando que essa concepo joanina do Logos essencialmente crist e no universalista. certo que alguns telogos modernos poderiam interpretar como uma revelao crist especial em decorrncia da revelao universal existente na filosofia. Porm, isso falso, pois, o autor do Evangelho, mesmo se apropriando de pensamentos do Antigo Testamento e do helenismo, no quer dizer que os gregos, ao falar desse termo tivessem conhecimento da verdade expressa pelo evangelista. Ao contrrio, o evangelista afirma que os gregos falavam do Logos sem mesmo o conhecer, pois, ignoravam o Logos feito carne (CULLMANN, 2002, p. 346).

    O versculo 03 retrata o relacionamento de Deus com os homens. Isso atestado por Len-Dufour (1996, p. 60) ao comentar que o versculo 1bc-2 trata do Logos em seu lugar junto a Deus e no versculo 03, pela sua relao com o mundo.

    Esses versculos tratam da pessoalidade de Deus junto criao, mais especificamente ao homem. Deus se relaciona com o homem atravs da criao.

    A percope em estudo fala acerca da salvao e da histria da humanidade. Os versculos 4-5 tratam muito bem disso. Maggioni e Fabris (2006, p. 281) comentam que estes versculos trazem tona dois smbolos: vida e luz, pois, a vida dos homens tem origem no Logos. O termo vida possui significado global, mas, sempre se refere a Deus e a Cristo, vida que alcanada atravs de Cristo. No Logos a humanidade encontra a realidade da salvao, pois, Ele a razo da existncia, o significado da histria, o fim almejado.

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    Assim, o Logos que conduz os homens salvao, que d sentido vida. Quem no aceita este Logos, est destinado condenao.

    Aps traar este panorama exegtico acerca do texto em estudo, faz-se necessrio entender a doutrina do Logos na concepo dos pais da igreja, uma vez que, eles foram os responsveis por fundamentar sistematicamente as doutrinas crists, principalmente a doutrina do Logos que foi muito debatida em sua poca. 3. O LOGOS NA PATRSTICA

    O termo Patrstica se refere aos pais da igreja que viveram no incio da era crist e que contriburam para a fundamentao das doutrinas crists. So muitos os pais da igreja, que defenderam a f diante das heresias que foram surgindo. Um dos temas mais questionados e mais discutidos dessa poca foi a respeito da divindade de Cristo. Embora muitos tenham discorrido acerca deste assunto, para este estudo, foram escolhidos Justino de Roma, Tefilo, Irineu, Clemente e Orgenes de Alexandria e Atansio. 3.1 Justino de Roma

    Justino foi o mais importante apologista do sculo II. De

    acordo com Reale e Antiseri (2003, p. 39) Justino nasceu na cidade de Flvia Nepolis, na Palestina. Escreveu duas Apologias e um Dilogo com Trifo. Era seguidor das ideias platnicas, mas, se converteu ao cristianismo em parte por causa do testemunho dos cristos, que diante da morte permaneciam inabalveis.

    A doutrina do Logos a mais importante de Justino. Frazo Junior (2015, p. 27) discorre a esse respeito informando que esta doutrina forma uma espcie de ponte entre a filosofia helnica e o cristianismo. Justino ensina que Cristo a plenitude do Logos, porm, muito antes dele, a humanidade j vivenciava sementes do

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    Logos, pois, essa semente () est presente na razo de cada ser humano. No somente os profetas do Antigo Testamento, mas, tambm os filsofos pagos tinham essa semente prestes a germinar. Justino exemplifica citando alguns filsofos como Herclito, Scrates e Musnico, que, para ele, eram verdadeiros cristos, pois, viveram segundo as normas do Logos, o Verbo Divino.

    Para Justino todo o conhecimento procede do Logos, porm, este no apenas o princpio racional de todo o universo, mas, tambm o Cristo do prlogo joanino. Gonzlez (2004, p. 102) comenta com mais detalhes sobre esta doutrina do Logos e afirma que, diferentemente dos estoicos que acreditavam no Logos seminal como razo universal e que a razo individual participa e age no desenvolvimento das sementes do Logos, Justino defendia que as sementes do Logos no eram naturais nem universais, mas, resultantes da ao direta e individual do Logos seminal. Hgglund (1999, p. 23) concorda com Gonzlez e informa que os apologistas, dos quais Justino fazia parte, se apropriaram do estoicismo para conceberem a ideia do Logos. Hgglund conclui ao afirmar que O termo grego logos significa tanto razo como palavra. 3.2 Tefilo de Antioquia

    So poucas as informaes que existem a respeito da vida de

    Tefilo. Frangiotti (1995, p. 92) informa que ele nasceu na regio dos rios Tigre e Eufrates, na Sria ou Assria. Era de famlia pag e se converteu ao cristianismo atravs da leitura dos profetas. Em relao s suas obras, apenas os trs livros A Autlico conhecido, mas, parece ter escrito mais livros, pois, vrios testemunhos da antiguidade atestam isso, como Eusbio de Cesaria e Jernimo.

    Olson (2001, p. 63, 64) informa que Tefilo escreveu os trs livros para seu amigo pago Autlico no intuito de responder aos comentrios que este fizera contra o cristianismo. Em relao ao Logos, Olson comenta a concepo de Tefilo, declarando que

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    para ele o Logos o agente da criao e que fala atravs dos profetas. O Logos foi gerado de Deus. Todas as coisas foram criadas por meio dele.

    Reale e Antiseri (2003, p. 41) tambm comentam a respeito desta concepo de Logos para Tefilo ao declarar que para ele existem dois Logos: o intimamente ligado a Deus e o proferido por ele. Uma explicao mais detalhada sobre estes dois Logos dada pelo prprio Tefilo (2,22) in Frangiotti (1995, p. 111-112) ao informar que no Jardim do den quem se apresentou para Ado foi o Logos, o Filho de Deus. Ele explica que Filho no no sentido carnal, mas, imanente no corao de Deus. Este Logos era conselheiro de Deus sempre antes de realizar alguma coisa. Quando Deus decidiu realizar tudo o que havia projetado, gerou o Logos proferido, princpio de toda a criao. Porm, tendo proferido este Logos, no se esvaziou dele, pois, como bem as Escrituras j afirmam No princpio era o Verbo e o Verbo estava em Deus, significando que no princpio existia somente Deus e seu Verbo que estava nele. 3.3 Irineu de Lio

    Assim como Tefilo, so poucas as informaes que se tem a respeito da vida de Irineu. Estima-se que nasceu na sia Menor, por volta do ano de 135 d.C. Gonzlez (2004, p. 153) afirma que Irineu mais tarde foi residir em Galia, na cidade de Lio, que tinha nesta localidade um grupo de cristos dentre os quais alguns migraram tambm da sia Menor. No ano de 177 d.C. Irineu substituiu Potino, o bispo de Lio, que morreu martirizado.

    Irineu procurou combater os ensinos herticos que estavam sendo difundidos em sua poca, principalmente o gnosticismo que tinha como principal defensor Marcio.

    O argumento mais importante de Irineu em relao Cristologia, principalmente sobre a doutrina do Logos. Ribeiro (2014, p. 18) comenta sobre essa doutrina afirmando que para Irineu, tudo foi criado pelo Logos, este a fonte de vida, na

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    encarnao tudo volta para ele. O Logos o prprio Deus. Ele distinto de tudo o que gerado e coexiste com o Pai desde toda a eternidade. Estas afirmaes so ratificadas por Hgglund (1999, p. 41) ao mencionar que Irineu acreditava que Cristo estava com Deus na eternidade. Porm, diferente dos Apologistas que sustentavam ser o nascimento do Logos parecido com o da Palavra que procedeu a razo, quando ocorreu a criao, Irineu no fornece explicao mais detalhada de como o Filho procedeu do Pai, mas, apenas enfatiza que sobre isso, ningum pode saber.

    Irineu acreditava que a encarnao do Logos o pice da criao. Isso descrito por Ribeiro (1995, p. 16), ao comentar que para Irineu a encarnao do Logos est intrinsicamente ligada paixo e ressurreio de Jesus, o Cristo de Deus. O objetivo desta encarnao foi mostrar ao ser humano a sua condio, sua natureza. Este acontecimento ocorreu no tempo certo, tempo este em que a humanidade estava preparada para receber este Logos encarnado. 3.4 Clemente de Alexandria

    A vida de Clemente um mistrio. No existem registros sobre o seu nascimento e sobre sua morte, a possvel data fica entre 211 e 216 d.C. Gonzlez (2004, p. 187) comenta que provavelmente Clemente nasceu em Atenas, onde viveu at sua converso. Sobre esta informao Reale e Antiseri (2003, p. 43) acrescentam que Clemente pode ter nascido em Atenas ou Alexandria por volta do ano 150.

    Walker (2006, p. 106) argumenta que da mesma forma que Justino, Clemente era pago, mas, se converteu ao Cristianismo e era um intelectual profissional. Clemente acreditava que a filosofia no se opunha ao Cristianismo, mas, que foi utilizada como preparao para a revelao final do Logos. A f o critrio primordial para a cincia, mas, a filosofia acrescentada f torna-se um instrumento de defesa desta.

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    Em relao a sua teologia, Hgglund (1999, p. 51) relata que a ideia da pedagogia de Deus o seu fundamento. Para que o esprito cado retorne comunho com o divino, faz-se necessria a educao atravs de disciplina e castigo, alm da instruo e admoestao, esta a ideia da Pedagogia de Deus. Hgglund continua, afirmando que para Clemente, atravs do Logos que esta educao realizada. O Logos se revelou definitivamente no cristianismo, mas, atuou de forma preparatria para a vinda de Cristo atravs da Lei dada aos judeus e da filosofia obtida pelos gregos. Tanto a lei, quanto a filosofia participaram deste processo da pedagogia de Deus a fim de preparar os homens para receberem o Logos encarnado que Cristo. Assim, a filosofia e a lei foram ultrapassadas pela chegada de Cristo, o salvador que conduz o homem a f. Isso corroborado por Reale e Antiseri (2003, p. 44) que comentam ser o Logos o fundamento da teologia de Clemente. Este Logos entendido em trs sentidos: a) princpio criador do mundo; b) princpio de toda forma de sabedoria, que inspirou os profetas e os filsofos; c) princpio de salvao (Logos encarnado). evidente que esta ideia de Logos no est distante da ideia defendida por alguns filsofos.

    3.5 Orgenes de Alexandria

    Diferente de outros pais da igreja dos quais quase nada

    existe sobre suas vidas, a biografia de Orgenes bastante conhecida. Ele nasceu em Alexandria entre o ano de 182 e 185 e sua famlia era crist. Sucedeu Clemente na escola alexandrina, quando tinha dezoito anos, mas, depois, fundou a sua prpria escola.

    na obra Dos Princpios fundamentais que Orgenes fala acerca do Logos, alm de outros assuntos. Hgglund (1999, p. 55) informa que para Orgenes Deus criou um mundo espiritual, inteligvel e que este mundo procede de Deus desde a eternidade e Cristo, que o Logos, faz parte deste mundo. Diferente dos apologistas e de Tertuliano que acreditavam que o Logos apareceu

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    no momento da criao, Orgenes acreditava que o Logos eterno e independente, nunca houve tempo em que ele no existisse. Assim, o Filho tem a mesma essncia do Pai e est subordinado a Ele. Foi Orgenes que cunhou o conceito de homoosios (mesma natureza) e subordinao.

    Orgenes tem a mesma concepo de pedagogia divina defendida por Clemente. Walker (2006, p. 112) confirma isso informando que para Orgenes, no mundo inteligvel, os espritos imateriais, criados por Deus, viviam em perfeita harmonia, mas, depois que o mal penetrou nesta esfera, esses seres sofreram a queda, surgindo ento, os homens, os anjos e os demnios. Deus criou o cosmos visvel a fim de ensinar a estes seres a retornarem sua glria original. Neste processo entra a ideia da pedagogia de Deus que culmina na encarnao do Logos. Portanto, para Orgenes, o Logos aproxima-se dos seres humanos decados atravs da mediao da nica criatura racional que no caiu: o ser humano que Jesus. 3.6 Atansio

    A vida de Atansio est entrelaada com o conflito niceno que se deu no ano 325. O seu nascimento datado do ano 295 em Alexandria e sua morte em 02 de maio de 373. Atansio era dicono do bispo Alexandre, da cidade de Alexandria quando se deu o Conclio de Nicia. Este Conclio foi feito a fim de dar fim ao conflito criado pela revelao de um herege por nome rio que era presbtero de uma igreja importante em Alexandria o qual declarava que Cristo no era Deus, mas era uma criatura criada assim como as outras.

    Diante das declaraes de rio que afirmava ser Cristo um ser intermedirio e criado, Atansio comea sua grande defesa com firmeza. Em relao ao Logos, Gonzlez (2004, p. 286) afirma que Atansio acreditava que Deus criou e governa a criao atravs do Verbo, isso evidente na ordenao dessa criao. Diferente do Logos estoico que o mostra como um princpio

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    impessoal, Atansio defende que quem governa o mundo o Logos vivo de Deus, que o prprio Deus.

    Para Atansio a salvao e a criao andam juntas. Hgglund (1999, p. 68) atesta isso e afirma que Atansio acreditava que Cristo realizou a obra salvfica a fim de que o homem retornasse sua condio original. O homem foi condenado por causa do pecado e afastou-se de Deus, portanto, precisa ser salvo. Ento, Hgglund conclui informando o pensamento de Atansio de que a salvao foi conseguida quando o Filho de Deus, o Logos, pessoalmente envolveu-se na humanidade e com isso reconduziu o homem sua semelhana com Deus.

    A grande questo da discusso entre Atansio e os arianos era em relao a uma letra minscula em grego na palavra homoiousios. Para Atansio, o correto era homoousios. Olson comenta a esse respeito e informa que Atansio era bem resistente a ceder suas convices em relao a isso. Olson explica o porqu de Atansio ser resistente ao declarar que

    A diferena entre homoousios e homoiousios a diferena entre a Divindade e a criatura. O primeiro diz que o Filho Deus. O segundo diz que o Filho semelhante a Deus. Se um ser Deus, dizer que semelhante a Deus est totalmente errado. Se um ser apenas semelhante a Deus, declarar que ele Deus seria uma heresia ou at mesmo uma blasfmia. Atansio percebeu isso e resistiu seduo de ceder (OLSON, 2001, p. 86).

    Portanto, Atansio foi muito sbio em resistir s presses dos

    hereges em relao divindade de Cristo. A descrio dessa divindade no poderia de forma alguma ser definida como homoiousios, pois, Cristo no era semelhante a Deus, mas, Deus assim como o Pai e o Esprito Santo.

    Atansio refutava a concepo anterior de que Cristo era subordinado ao Pai. Para ele, o Logos no outro Deus, mas, Deus na mesma essncia que o Pai e o Esprito Santo.

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    Assim, os pais da Igreja se levantaram para a defesa da f diante das heresias surgidas. Embora alguns se utilizaram da Filosofia para fundamentar suas defesas, no se restringiram ela, mas, tiveram como base fundamental as Escrituras Sagradas. Possuam formas diferentes de defender e respaldar suas concepes acerca do Logos, mas, todos acreditavam no Logos declarado por Joo no Quarto Evangelho. CONSIDERAES FINAIS

    Esta pesquisa se debruou em mostrar a doutrina do Logos do ponto de vista dos pais da Igreja. Para isso fez um passeio breve pela Filosofia, mostrando os principais proponentes da defesa dessa doutrina. Seguiu ento rumo ao texto que suscitou as controvrsias acerca do tema: o Quarto Evangelho que declarou de incio ser Jesus o Logos encarnado. Por ltimo e, no menos importante foram mostradas as percepes dos pais da igreja acerca do tema.

    Para a filosofia o termo Logos pode ter vrios significados: desde discurso, razo, princpio, dentre outros. Herclito e a escola filosfica Estoica defenderam seus pontos de vista com base na Filosofia. J o judeu Flon de Alexandria se apropriou de conceitos filosficos e judaicos para conceber seu pensamento acerca do Logos.

    O Quarto Evangelho revoluciona a concepo helnica e judaica no incio da Era Crist ao declarar no prlogo do seu escrito que o Logos no era o que a cultura helnica, nem o judasmo, muito menos o que os povos pagos declaravam. O Logos Jesus Cristo, o Filho de Deus, que se tornou carne, a revelao ltima de Deus, o Deus-homem. Isso suscitou controvrsias e interpretaes errneas.

    Diante destas controvrsias e interpretaes erradas da declarao acerca do Logos joanino, surgindo, portanto doutrinas herticas, os pais da Igreja se levantaram para defender a f no Deus-Logos. Atravs de estudos, cartas e tratados, muitos

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    apresentados em Conclios, criados especificamente para esse fim, mostraram ao mundo a firmeza da sua f.

    Atravs das diversas fontes bibliogrficas pesquisadas para o estudo em questo aplicadas ao corpo geral do trabalho e anlise exegtica, ficou evidenciado que os pais da Igreja no se curvaram diante das heresias presentes no contexto em que viveram, mas, com ousadia e coragem defenderam a divindade de Cristo de forma categrica. Embora muitos se contradissessem em alguns pontos de suas defesas, o teor geral da mensagem foi mantido, fato que culminou nos grandes Conclios, contribuindo para a sistematizao da f na divindade da Pessoa de Cristo.

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