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UNIVERSIDADE DE LISBOA Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação A EDUCAÇÃO CORRECCIONAL DE MENORES EM INTERNATO D iscurso pedagógico e práticas DISCIPLINARES DA MODERNIDADE Por César Rufino Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação História da Educação e Educação Comparada Lisboa, 2004

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Page 1: A EDUCAÇÃO CORRECCIONAL DE MENORES EM ......UNIVERSIDADE DE LISBOA Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação A EDUCAÇÃO CORRECCIONAL DE MENORES EM INTERNATO Discurso

U N I V E R S I D A D E D E L I S B O A

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

A EDUCAÇÃO CORRECCIONAL DE

MENORES EM INTERNATO

D isc u r so p e d a g ó g ic o e p r á t ic a s

DISCIPLINARES DA MODERNIDADE

Por

César Rufino

Dissertação de M estrado em Ciências da Educação

História da Educação e Educação Comparada

Lisboa, 2004

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5 ( B I BL I OTECA

U N I V E R S I D A D E D E L I S B O A

Faculdade de Psicologia e de Gêndas da Educação

A EDUCAÇÃO CORRECCIONAL DE

MENORES EM INTERNATO

DISCURSO PEDAGÓGICO E PRÁTICAS DISCIPLINARES DA MODERNIDADE

Por

César A ugusto da Fonseca Rufino

Dissertação de Mestrado em G êndas da Educação

História da Educação e Educação Comparada

Sob a orientação do Professor Doutor António Nóvoa

Lisboa, 2004

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Resumo

Durante o século XIX, o surgimento de novas economias

políticas centradas nos indivíduos e não só nas populações, bem

como outras formas de conhecimento especializado de base

científica, criaram novos domínios de acção que moldaram a

emergência de instituições disciplinares, como a escola, que

reflectiam uma nova atitude no govemo da criança, constituindo-se

como uma expressão da modernidade. Entre elas, as instituições

correccionais de menores, constituem um conjunto possível para

analisar de que forma se desenvolveram um conjunto de artefactos

disciplinares, que se foram deslocando do domínio dos corpos para

a construção moral, de maneira não coerciva mas persuasiva. O

objectivo deste texto é a busca da compreensão de como os regimes

fortemente disciplinares, combinados com um discurso pedagógico

sobre como actuar com a criança, pretendiam produzir uma

transformação nas aptidões do menor marginal de modo a que

aceitassem uma certa medida de normalização social, pela

construção da sua autonomia e responsabilidade através do

internamento numa instituição educativa. Para isso, procedeu-se à

análise da evolução das instituições correccionais que em Portugal

instauraram modalidades regimentais inovadoras e consentâneas

com a modernidade, bem como à discursividade da. pedagogia

científica que acompanhou essa evolução.

.Palavras-chave: alunos; disciplina; educação correccional; internato;

Tutoria de infância; modernidade pedagógica.

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Abstract

The main purpose of this text is to trace how the disciplinary

regimes combined with the pedagogical discourse intended to

produce a transformation in the marginal children, so that they accept

moral normalized social rules and become autonomous and

productive. During the 19th century, the arising of new politic

economies, centered now in the individuals and not only in

populations, and the emergence of new discourses of specialized

knowledge, created also new domains of action that shaped new

social disciplinary institutions, in a context of pedagogical modernity

and new social attitude to the children. Among them, the correctional

institutions for children developed a set of disciplinary devices,

gradually progressing from the exercise over the body of subjects to

become addressed and persuasive to the self of the subject, seeking to

shape his conduct but maintaining the use of a disciplinary regulation.

Those institutions, and their regimes of practices, are the technical

support of the path of modernity to regenerate and educate the

delinquent and deprived children. To accomplish the aim of this

study, were analyzed the progression of the regimental practices and

pedagogical discourses of those institutions in Portugal.

Keywords: Correctional institutions; disciplinary regimes; pupils;

boarding schools; pedagogical modernity.

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ÍNDICE

Agradecimentos ix

Introdução 13

PARTE I 29

O b je c t o , c o n c e it o s e m e t o d o l o g ia 29Considerações iniciais 31

O objecto de estudo e a sua dimensão 37

Alguns conceitos adoptados 45

A correcção social 46

A semiótica da modernidade 48

Uma analítica do discurso 52

Disciplina e instituições disciplinares de controlo social 55

A disciplina e o castigo na acção pedagógica 60

A govemamentalidade 63

Percurso metodológico 67

PARTE II 71

A CRIANÇA E AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS 71A configuração de uma necessidade 73

Entre a Igreja e o Estado, o privado e o público 87

A disciplina enquanto artefacto pedagógico 99

A clausura e a distribuição celular 111

A educação tutelar institucional 127

A incorporação dos chegados 134

A aprendizagem do e s ta r e dos s a b e r e s 140

v

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A devolução social do internado 146

A Real Casa Pia de Lisboa e a correcção social 153

Uma ideia fundadora e várias populações 161

A ordem disciplinar casapiana e o normativismo 171

PARTE III J85

EDUCAÇÃO ÇORRECCIONAL E MODERNIDADE 185

Uma leitura de modernidade no campo reeducativo 187

As instituições modernas (1871-1962) 199

A Casa de Detenção e Correcção ( 1871 ) 203

A Colónia Agrícola Correccional ( 1880) 219

A Correcção Feminina ( 1903) 224

A tutela jurisdicional de menores (1910) 227

A Tutoria e o Refúgio da Infância (1911) 230

O Refugio da Tutoria (1911) 246

As instituições Médico-Pedagógicas (1915) 251

A Escola Agrícola de Reforma (1919) 258

Considerações finais 261

FONTES DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS 269

Arquivos e Centros documentais 271

. Fontes documentais 272

Fontes bibliográficas 277

Referências bibliográficas 286

vi

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 — A disciplina higienista dos corpos e o exemplo pedagógico

da excepção..................................................................................................118

Figura 2 — Os uniformes na Casa Pia na década de 1920................................143

Figura 3 — Entrada, processo e devolução..........................................................151

Figura 4 - 0 “currículo” casapiano em meados de Oitocentos....................156

Figura 5 — Dois dos primeiros internos na Casa de Correcção de

Homens da Casa Pia.................................................................................. 165

Figura 6 - A ocupação total do tempo de um dia lectivo............................... 167

Figura 7 - Evolução dos castigos físicos e morais na CPL............................173

Figura 8 — A celebração colectiva da refeição................................................. 175

Figura 9 - A ginástica, o corpus e a formação militar.........................................183

Figura 10 - A dieta científica casapiana...............................................................190

Figura 11 — Cronologia da especialização correctiva institucional..............197

Figura 12 - Asilo Nuno Álvares, fundado em 1911; lotação: 600

alunos.............................................................................................................201

Figure 13 - Caracterização dos colonos e seus antecedentes........................ 220

Figura 1 4 - 0 economato disciplinar na Colónia Correcdonal de Vila

Fernando.......................................................................................................223

Figura 15 - Correcção Feminina..........................................................................225

Figura 16 - Processos contra menores, entrados na Tutoria Central

de Lisboa......................................................................................................234

Figura 17 — Movimento, categorias, infracções e demografia de

internos..........................................................................................................240

Figura 18 - Estatística Judiciária de 1956........................................................... 251

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Figura 19 — “O Sr. Presidente da República [Teixeira Gomes]

assistindo a um dos exercícios no Instituto de Surdos-mudos” 255

V lll

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Agradecimentos

Não posso deixar de agradecer a todos aqueles que de alguma

forma contribuíram para que este trabalho pudesse decorrer na

melhor feição. Cometendo a injustiça de não poder citar os nomes de

todos, quero endereçar um sentimento de gratidão muito especial ao

Professor António Nóvoa, cujo profundo saber e constante

disponibilidade permitiram o estímulo necessário para que

conseguisse levar a bom termo este estudo; ao meu querido amigo e

companheiro de luta (e labuta) Jorge Ramos do Ó, pela sua amizade,

pelos saberes que aceitou partilhar comigo e pelas nossas

intermináveis conversas em tomo da arte da vida. Sem ambos, que

para além de tudo são seres humanos que privilegiam pelo exemplo

quem com eles trabalha, nunca teria encontrado sentido para tão

árdua tarefa. Ao Professor Rogério Fernandes, por tudo o que me

ensinou, também aqui deixo um agradecimento muito sincero.

Reservo um lugar muito especial ao João Freire, que comigo

iniciou a pré-investigaçao e de quem me tomei um amigo eterno (e

que eterno crítico ele é...).

Quero agradecer também a todos os meus colegas do Curso

de Mestrado, pelo bom espírito de colaboração e entreajuda que

instauraram e de que tanto benefidei, e a todos aqueles, muitos,

funaonários anónimos de diversas instituições que pela sua

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predisposição, competência e empenho, contribuíram para tomar este

trabalho mais fácil e gratificante.

Quero deixar também uma palavra especial para pessoas que

sempre me foram próximas como companheiras de trabalho e a

quem considero também amigas: à Antónia Luz com quem

compartilhei dramas e angústias próprias da vida académica, mas

também o privilégio de conviver com a sua cultura e demais

qualidades pessoais; ao Carlos Abreu, que de início quase me

conduziu pela mão e com quem tanto aprendi, com os votos sinceros

para que se junte de novo a esta comunidade a que pertence pelo

direito que conquistou; à Laura Girão; ao António Carlos Correia e

ao Luís Miguel Carvalho, por toda a ajuda que me deram e pelo bom

tempo que passamos juntos.

Do arquitecto Hestnes Ferreira registo a amabilidade com que

me recebeu e disponibilizou o espólio particular de seu avô, o

vereador Alexandre Ferreira, e à minha colega Sílvia que a ele me

conduziu e acompanhou nessa parte do trabalho.

Ao professor Fernando Ilharco quero deixar o meu

agradecimento público por tantos anos de um estímulo intelectual de

que me tomei adicto.

Á Ana Bela, fico extremamente grato não só pela revisão da

escrita mas sobretudo pela amizade e apoio pessoal que me prestou

nos momentos mais difíceis. Também à Mónica Raleiras, pelo seu

profissionalismo e pela preciosidade da sua ajuda, quero deixar uma

palavra de estima e agradecimento. A ambas se deve terem conferido

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ao meu trabalho uma legibilidade e apresentação, que eu não

conseguiria.

O saber constrói-se sobre outros saberes previamente

disponibilizados e, em respeito por quem construiu algum de todo

esse conhecimento prévio que procurei incorporar no meu trabalho,

diligenciei ser o mais justo e correcto possível nas dtações dos

autores de trabalhos usados como referência. Se omissões houverem,

não poderão ser menos intencionais e injustas, tal o respeito, prazer e

gratidão que nutro pelos autores e obras que foram mobilizados para

este trabalho.

rpsar.rufino@ netcabo.pt

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SIGLAS

ANTT — Arquivo Nadonal da Torre do Tombo

ATIL — Arquivo do Tribunal de Infanda de Lisboa

ATML - Arquivo do Tribunal de Menores de Lisboa

BN - Biblioteca Nadonal

CCC - Centro Cultural Casapiano

CPL - Casa Pia de Lisboa

DGSJ - Direcção Geral dos Serviços Judidários

DGSJM - Direcção Geral dos Serviços Judidais de Menores

FPCE - Faculdade de Psicologia e de Gênaas da Educação

da Universidade de Lisboa

IHE - Instituto Histórico da Educação

INE - Instituto Nadonal de Estatística

LPI - Lei de protecção à infanda

SJTM - Serviços Jurisdidonais e Tutelares de Menores

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Introdução

Este texto procura ser a síntese de um trabalho de investigação

iniciado no âmbito de um vasto projecto europeu denominado P restig

(Problems of Educational Standardisation and Transitions in a Global

Environment), cuja linha de estudos se encontra centrada na difusão

mundial dos sistemas educativos e escolares. Por isso, o trajecto deste

trabalho inscreve-se também no campo de análise adoptado pelo grupo de

investigadores portugueses, que foi dividido por quatro eixos temáticos —

alunos, professores, currículo e pedagogia.

A opção tomada pelo estudo dos alunos, enquadrando-os num

propósito de construção social da criança foi, num primeiro momento,í

justificada pela tomada de consciência de como os alunos são silenciosos

nos registos escolares históricos. Posteriormente, durante uma fase

prospectiva da pré-investigação confirmou-se não só uma rarefacção

documental produzida por alunos, como se revelou a existência de um

campo de estudos muito específico, o da educação correcdonal em

internato, com zonas muito propícias ao detalhe analítico e a uma margem

interpretativa ainda não ensaiada sobre esse objecto. As racionalidades que

imperam sobre esses alunos, as observações e exames a que são sujeitos, os

programas e regimes que seguem e mesmo os testemunhos materiais que

restam da sua presença escolar acabam por ser, afinal, construções de

especialistas adultos que filtram, contabilizam, medem, avaliam e anotam,

segundo uma lógica exocêntrica à conveniência pessoal do aluno, mas

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\

realizada em seu nome e sob uma moldura pedagógica assente no interesse

pela criança como sujeito moral e social.

Assim, a intenção deste estudo é, para além de ensaiar uma

interpretação crítica do campo das disciplinas e das tecnologias

disciplinares, a consolidação de uma proposta metodológica que permita

abordar, pelo ângulo das práticas reeducativas institucionais, os

mecanismos de construção moral e social da criança, num contexto

educativo institucional e tutelar mais lato—

Essas instituições que dedicaram o seu exercício às crianças que

( genericamente careciam de ajuda fora do seio das famílias, foram

precursoras na procura do estabelecimento de uma ligação dos indivíduos a

um sentido comum de participação numa missão colectiva de progresso,

através de processos mediados pela educação escolar (Popkewitz & Bloch,

2000). Tal mobilização em tomo de uma ideia de colectivismo social pelo

progresso e bem comum, veiculada pela retórica pedagógica, tem na

expansão dos sistemas escolares o seu instrumento mais adequado.

Trata-se, também, de cumprir uma “digressão sobre um programa

de investigação”, debruçada sobre a configuração dos regimes que

governavam as crianças internadas e de que forma a prescrição de

comportamentos, aliada aos discursos especializados, procurava

“configurar uma .ideia de aluno e construir a sua subjectividade”,

produzindo sujeitos autónomos e responsáveis, constituindo uma

tecnologia política que se poderá chamar de governação dos escolares,

tendo como objecto, no caso vertente, os indivíduos subordinados a um

regime de educação coerdva (Nóvoa, 2000: 134-135; Ó 2001).

É ainda o início de um possível estudo mais vasto sobre o internato,

o seu uso educativo, sobre a forma como a operacionalidade dos regimes

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disciplinares que incluíam a clausura, foi apropriada pelo sistema educativo

público e se desenvolveu segundo um modelo que se impôs e difundiu

com a “escola de massas”. É que se no âmbito correccional a educação é

completamente tutelada e coerdva, no caso da expansão universal da

escolaridade de massas, a educação não deixa de ser compulsória e

rigorosamente vigiada, adoptando mesmo a modalidade e designação de

“escolaridade obrigatória”, aspirando a vigorar por períodos

> tendendalmente sempre mais alargados. Espera-se que este campo de

análise se revele ainda como um contributo para a cksocultação de como a

criança e a sua família foram objecto do discurso e das práticas educativas

fomentadas pelo Estado, enquanto expressão política dos cuidados e

atenção com a infanda e juventude.

Procura-se assim descortinar não só a subjectividade dos desígnios

' educativos ou sociais expressos e aceites, mas ensaiar também uma reflexão

através da descrição da escola monitorial, enquanto um ambiente

pedagógico propositadamente construído a partir de uma combinação de

elementos físicos e morais que induam: uma arquitectura espedalizada;

dispositivos para a organização do espaço e do tempo; técnicas corporais;

práticas de vigilância e supervisão; rdaçôes pedagógicas; procedimentos de

supervisão e exame, etc. (Hunter, 1996). Não é uma analítica das estruturas

ou uma narrativa de competêndas mas sim uma “análise dos sistemas de

conhecimento, avaliados como elementos constitutivos das regras e

padrões que ligam as radonalidades políticas aos princípios que ordenam e

disdplinam a acção dos indivíduos, na sua condiita pessoal e na relação que

estabelecem com o mundo que os rodeia” (Popkewitz & Bloch, 2000: 33).

É este primado ordenador de conhecimento, associado à acção prática da

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governação, que enforma o conceito de “govemamentalidade” expresso

por Michel Foucault1.

Podemos então assodar a governação das pessoas à forma como

são conduzidas, em função dos cálculos a que são submetidas e das

radonalidades saberes e tecnologias empregues para ordenar a sua conduta.

Mitchel Dean procura sintetizar esta ideia da seguinte forma:

“Government is any more or less calculated and rational activity, undertaken by a multiplidty o f authorities and agendes, employing a variety o f techniques and forms of knowledge, that seeks to shape conduct by working through our desires, aspirations, interests and beliefs, for definite but shifting ends and with a diverse set o f relatively unpredictable consequences, effects and outcomes” (Dean, 1999: 209).

E que aos sistemas de gestão moral dos sujdtos não subjaz somente

um quadro discursivo de tipo doutrinário, mas também uma aplicação

material constituída por diversas práticas calculadas, exerddas sobre os

corpos desses mesmos indivíduos arregimentados num colectivo, também

destinadas a produzir efeitos na sua construção moral. E o que se pode

designar por “regimes” ou “práticas de governação”, enquanto conjunto

relativamente organizado de acções e maneiras de fazer no que conceme

aos cuidados tidos na conduta de si mesmo e dos outros (Dean, 1999: 211).

Há portanto, em alguns momentos dessa acção, uma dimensão operatória

de gestão local, relativa à regulação exercida de fa cto entre os actores que,

por ser reveladora da diferenciação dos métodos e organização das práticas

1 Para um aprofundamento dos objectivos que balizam esta investigação e da filiação conceptual a que este texto está afecto, no que respeita ao quadro de investigação do Prestige, cfr. respectivamente Nóvoa, António (2000). Tempos da Escola no Espaço Portugal-Brasil-Moçambique. In: A. Nóvoa and J. Schriewer [eds.], A DtjusÕo Mundial da Escola: 121-142 Lisboa: Educa; O, Jorge Ramos (2001). O Governo dos Escolares - Uma Aproximação Teórica às Perspectivas de M ichel Foucault. Cadernos Prestige vol. n°. 4. Lisboa: Educa.

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escolares com que visa obter resultados, não pode ser tida como

despidenda. Esse conjunto de normas reladonais expressas ou intuídas e a

sua gestão, em suma, uma disciplina, estão presentes nos sistemas escolares

contemporâneos, sendo muitas vezes uma dimensão considerada de uma

forma unicamente fundonalista, desligada de uma ldtura política mais

ampla da acção pedagógica e por vezes até em seu antagonismo.

Nos regimes educativos é possível identificar, ao nível do exerado

de uma instituição escolar, uma nítida instrumentalidade gerencial enquanto

aliada física de uma matriz disdplinar, ordenada por uma construção

política de governação. Investigações desenvolvidas sob a égide reflexiva

foucaultiana, conduziram à caracterização do managcment como uma micro-

física de poder sustentada numa base disdplinar, realçando o movimento

de ocultação de uma razão política por detrás de uma linguagem “neutra”

da dênda — a_gestão será vista então como um forma de organização

estruturada por uma radonalidade assente numa ideologia

pretensiosamente neutra, mas sendo, na prática, uma “tecnologia política”

(Bali, 1990: 194). E, indubitavelmente, uma acção estratégica, mas nos

sentidos em que Foucault considerava a radonalidade estratégica na sua

relação, com o poder-saber. primeiro, descrevendo como os diversos e

dispersos micro-poderes, na sua capilaridade, se ligam de forma a

constituírem condições de dominação organizada, sob alguma unidade e

coerênda; segundo, para descrever a acção global sobre esses poderes, a

fim de levá-los a adoptarem um sentido comum (Dean, 1997: 157). À

medida que a gestão das organizações escolares se vai também

“dentificando”, outros recursos se vão estabelecendo e afirmando por uma

pretensa radonalidade tecnocrática e, simultaneamente, vão-se tomando

progressivamente mais invisíveis pela rotina do seu uso. É assim que novas

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racionalidades, como a gestão escolar, “ao gerarem uma nova disciplina

para as escolas, geram também novas modalidades para os tecnologistas

morais” (Bali, 1990: 165).

Um conjunto de procedimentos funcionais foi sendo devidamente

organizado e justificado, de modo a estarem disponíveis para a aplicação

prática de todas essas racionalidades reguladoras, físicas e morais. Corrigan

e Sayer, no seu estudo de 1985, The Great Arch, sobre a formação do

Estado inglês, referem-se à dimensão da acção moral do Estado nos

seguintes termos: “Moral regulation is above ali a project of normalisation

and naturalisation of the premises of a spedfic social order. It concems the

meaning of State activities for the constitution and regulation of social

identities and subjectivities” (Bali, 1990: 149). Para além das subjectividades

que estão adjacentes a essas actividades normalizadoras, juntam-se também

os meios disponíveis para o seu exerddo: uma burocrada disdphnar

emergindo-das necessidades de uma governação sodal, porventura herdeira

da ordem edesiástica, com a qual o Estado administrativo procura

corresponder a essas exigênaas de acção (Hunter, 1996). Essa arte de

governação, com todas as suas técnicas de actuação, não representa apenas

1 uma raaonalidade de tipo “tayloriano”, mecaniasta e burocrática de

articulação dos actos meramente produtivos dos indivíduos, representa

sobretudo um contributo que é dedsivo na construção de uma consdênda

moral e sodal de um colectivo de sujdtos agregados pela acção política.

- Conforme os sistemas escolares se foram edificando e exercendo

progressivamente a sua acção reguladora, foi crescendo também a vontade

de submeter a esse efeito todos aqueles que, de alguma forma, teimavam

em permanecer afastados de mecanismos simples de indusão sodal, como

o trabalho, a família ou a escola. Tratando-se de uma população infanto-

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juvenil, o aparato escolar com as suas técnicas de relacionamento

pedagógico depressa se perfila para substituir o sistema judicial penal no

tratamento dessa “anomia”, para usar a expressão de Durkheim. Esse

compromisso entre o sistema punitivo judicial e o escolar, surge-nos

paradigmaticamente sob a forma de internato tutelar, o que vai conduzir à

iniciativa de generalização de um regime correctivo de acção institucional.

Modalidades de excepção, como as decorrentes da vontade de rectificação

e integração social de algumas crianças, produziram tecnologias, destinadas

à criação de subjectividades estruturantes da sua “re-construção”, cuja

aplicação se processou através de instituições que tinham como referência

formal a ideia de escola.

Foi pela sua faceta experimentalista que os regimes correccionais '

educativos que incluíam o internamento da criança assumiram relevância

na constituição de diferentes modalidades governativas — algumas ainda

vigentes no sistema educativo actual -,Jevando essas práticas relacionais .a

contribuir para a evolução de uma ordem política que se estabeleceu a par

com a generalização da escolaridade. Trata-se de um terreno privilegiado de

observação, um ponto de encontro da escola com a prisão, onde uma

pluralidade de saberes, disputando entre si o predomínio dos seus

discursos, conjuga o exercício das suas tecnologias numa acção unitária

sobre a mesma população.

Este campo de estudo estende-se por um arco temporal que lhe

confere uma antiguidade abrangente de alterações muito expressivas, não

só na percepção social da criança como no campo teórico da pedagogia,

assistindo-se a mudanças que vão sendo o efeito de sucessivas apropriações

de vária ordem na praxis da governação dos escolares. Ao longo de três

séculos, diferentes instituições vão surgindo de forma cada vez mais

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articulada e, sob diversas formas e pretextos, vão construindo

gradualmente a prerrogativa da tutela parcial ou completa de grupos

especialmente definidos de crianças, aplicando sobre elas um conjunto de

artefactos e discursos educacionais. Essa combinatória desenvolveu-se e

sofisticou-se segundo um rumo preciso: evoluindo no sentido de uma

racionalidade produtiva e orgânica, o alvo dessas técnicas foi-se desviando

do controlo restritivo do corpo da criança — um exercício de soberania —

para começar a. dirigir-se ao seu self, na procura de uma progressiva

construção moral da infância através de registos de liberdade cada vez mais

íntimos e subtis — um exercício liberal

Uma genealogia discursiva edificou-se em tomo da condição social

da criança favorecendo a evolução e consolidação do discurso pedagógico

no terreno educativo das crianças desfavorecidas. Assim, o tipo de

instituições de tutela completa do menor revelou-se um instrumento

privilegiado para a observação de comportamentos dos sujeitos, para a

experimentação de formas de os dispor e para o exercício de diversos

saberes vocacionados para o seu governo. Tais artefactos, objectivados por

inúmeras restrições e actividades distributivas, foram progressivamente

desenvolvidos a fim de produzirem alterações previamente legitimadas pelo

discurso de uma pedagogia moral sobre a conduta dos sujeitos. Essas

alterações prendem-se não só com os comportamentos visíveis mas,

sobretudo, com axonstruçao de como o indivíduo se pensa a si próprio e

aquilo que acredita.ser (Marshall, 1990).

A aproximação privilegiada nesta abordagem será ao uso de

tecnologias disciplinares cuja matriz processual se inspirou nas práticas

militares e conventuais, a sua relação com o discurso pedagógico e a forma

como se conjugaram e evoluíram durante a modernidade. Foram as

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práticas disciplinares que introduziram o estabelecimento de uma ordem

repartida, hierarquizada e sincronizada na vida escolar, uma racionalidade

que remonta algures aos meados do século XVI e que se foi afirmando

como praticamente exclusiva até aos finais do século XVin, altura em que

novas metodologias surgiram, trazendo consigo outro tipo de legitimações

que acabaram apropriadas para o uso no território tecmco-político da

governação dos indivíduos num contexto escolar. Ainda hoje, como é fácil

perceber, todos esses mecanismos que foram e são, digamos, uma

componente instrumental da pedagogia, continuam fortemente presentes,

com maior ou menor visibilidade, nos actuais regimes educativos, sendo

esse facto, essa aparente indissociabilidade, uma das justificações, da

abordagem aqui proposta. Entre esses elementos que se perpetuaram no

território escolar, são fáceis de discernir a arquitectura poralas; corredores

preenchidos por células sucessivas; distribuição matricial de equipamentos

e indivíduos; divisão, atribuição e sincronia do tempo; vigilânda

permanente; regulação pela norma e pelo uso de diversos

constrangimentos; controlo preséndal e burocrático; práticas de exame;

organização em grupos constantemente controlados e avaliados, etc.

O surgimento de uma grande profusão de instituições relaaonadas

•com a atenção protectora dedicada à • criança constitui um emaranhado

complexo que toma muito difícil a sua contabilização e análise, justificando

a procura de outro tipo de aproximação, através de campos e epistemes

menos explorados. E por isso que se segue a opção metodológica de

ensaiar um excurso genealógico por essas instituições, buscando uma

interpretação dos regimes que nelas imperavam e as configurações que

adoptaram para cumprir os seus propósitos, pelo que se procura adoptar,

de um ponto de. vista teórico e metodológico, as perspectivas foucaultianas

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sobre as relações de poderJ saber e as construções de recentes trabalhos

realizados no campo educacional que nelas se suportam. Uma ideia

panorâmica da assistendalidade educativa prestada à criança toma-se assim

um contributo necessário para a interpretação dos contextos sociais, morais

e assistendais em que cada instituição actuava e, eventualmente, de que

forma se estabeleceu a secularização dessa assistendalidade e. da sua

influênda nos sistemas educativos de origem estatal mas, acima de tudo,

procura desvendar um pouco do que tem sido a história da criança

internada.

O recurso à narração genealógica justifica-se também pela

necessidade, por um lado, de estabelecer um quadro evolutivo dos regimes

de governação da criança num contexto educativo de tipo escolar, em

Portugal,—um campo de investigação ainda pouco explorado na sua

extensão, por outro lado, ensaia-se uma aproximação ao objecto

procurando um afastamento dos quadros analíticos mais estereotipados, ou

fundados em categorias de pensamento que se têm revelado limitativos no

seu potencial explicativo. E oportuno invocar aqui as palavras de Michel

Foucault numa das suas aulas no curso de 1975/76 no Collège de France, a

propósito, exactamente, da institucionalização do saber científico e dos

efeitos centralizadores na sociedade, desse poder discursivo organizado: “A

genealogia seria, pois, relativamente ao projecto de uma inserção dos

saberes na hierarquia do poder próprio da ciência, uma espécie de

empreendimento para dessujeitar os saberes históricos e tomá-los livres,

isto é, capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso

teórico unitário, formal, e científico” (Foucault, 2000: 15), tomando-se a

essência de um exercício imanente ao pensamento crítico.

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Por vezes não é fácil estabelecer uma única questão para definir a

investigação que se pretende realizar. Se, como sublinha Antoine Prost

(1996: 80-100), é verdade que não há história sem uma questão, tomada

como um recorte num conjunto ilimitado de factos e documentos

possíveis, também acrescenta que “o historiador nunca coloca uma

«simples questão», mesmo quando se trate de uma questão simples”. É

ainda verdade que a mesma questão pode ser formulada sob diversas

formas e cada questão que se elege transporta outras consigo,- cada

metodologia que se adopta é uma alternativa entre outras que acarretam em

si o contraditório sempre necessário e saudável, tal como nem todos os

objectos, pelas subjectividades que implicam, são fáceis de definir. Apesar

disso — e por isso —, procura-se em seguida dar a compreender de molde

simples e aproximado, o objecto, a intenção e a metodologia aplicados na

tese, matérias que serão aprofundadas em momento mais adiantado, tendo-

se no imediato ensaiado o seguinte registo sinóptico: - -

1. 'Problemática - De que forma são usados os regimes disciplinares

de internato na educação correcdonal de menores e como essas práticas

partilham a sua acção com a discursividade pedagógica, ou seja, como os

diferentes artefactos disciplinares se inserem numa pedagogia da conversão

social da criança. • . • •

2. Propósito - Compreensão das relações de poder entre a

discursividade da pedagogia e as práticas regimentais, das instituições

educativas que tinham especificamente como objectivo a reconstrução

moral e social das aptidões dos alunos.

3. Significado - Perceber a funcionalidade educativa das práticas

disciplinares e a sua presença como marcador da relação pedagógica na

modernidade, através da evolução dos seus artefactos e da partilha de

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poder com outros discursos. Uma aproximação genealógica permitirá

ajudar a compreender a proveniência do exercício disciplinar educativo do

presente.

4. Dimensão - Ao nível institucional, o universo em análise é

constituído por estabelecimentos que se dedicaram à missão de

reenquadrar socialmente menores, que de uma forma ou outra estavam

desviados d e . uma dada normalidade social, através de modalidades

educativas e regimentais de excepção surgidas na modernidade.

r 5. Premissas - Os principais conceitos teóricos e critérios de selecção

e análise das fontes usados nesta tese procuram manter uma afinidade

estreita com a ideia de “disciplina”, tal como foi expressa por Michel

Foucault em Vigiar e Punir,; bem como à sua teoria geral sobre os efeitos

das relações de poder. Procura-se assim seguir uma estirpe do pensamento

genealógico oriundo de Friederich Nietzsche em Para uma g n ea b g a da

M oral - influência que Foucault acolheu sem preconceitos — prolongando-

se nas mais recentes propostas presentes em trabalhos resultantes dessa

linha e que têm vindo a fazer sentir a sua influênda no campo educativo

onde, em Portugal, assume especial relevo o trabalho de Jorge Ramos do Ó

consumado em 0 governo de s i mesmo (2003).

.. No campo da configuração e significado do . internamento

institucional recorre-se ao modelo de “instituição total” consagrado por

Erving Goffinan em Manicômios, Prisões e Conventos. Quanto à História Social

da criança, a principal referência de partida é o trabalho de Phillipe Ariès,

não só sobre as metamorfoses da atenção social que lhe foi dedicada

durante o Antigo Regime* como as consequências disciplinares que daí

advieram. O estudo do relacionamento pedagógico com a criança, a sua

condição social e o grau de liberdade que auferiam nessa época pré-

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modema, toma-se é essencial para atingir o simbolismo das alterações que

ocorreram posteriormente. Para acrescentar uma leitura sobre certos

aspectos da situação social da criança portuguesa dessa época, matéria à

qual faltava especificidade no trabalho de Ariès, recorreu-se ao contributo

de António Gomes Ferreira com Gerar Criar Educar — A Criança no Portugal

do Antigo Regime, uma vez que abrange matéria essencial para o

desenvolvimento deste estudo e permite confirmar a harmonia da obra de

Ariès com certos aspectos tão importantes na condição portuguesa. . .

Para finalizar, segue-se um roteiro para a leitura deste texto,

apresentando-se muito sumariamente cada um dos capítulos e o que com

eles se procura expor:

Parte I — Pretende explanar a filiação teórica e conceptual, o âmbito

do estudo e a metodologia usada.

Parte II — Procura reconstruir algumas circunstâncias marcantes na

história social da criança, recorrendo a uma genealogia da utilização moral

das técnicas disciplinares como o castigo e o internamento, contemplando

também’a partilha entre a Igreja e do Estado da assistência social a grupos

definidos, apresentando também mais alguma exploração teórica. O

surgimento da Real Casa Pia de Lisboa e a sua influência nas modalidades

educativas de excepção como prenúncio de uma ideia de modernidade

fecham esta parte.

Parte- UI — Inicia-se com uma reflexão sobre o surgimento e

modernização dos regimes correccionais e a evolução das suas estratégias

disciplinares e ambições morais. Dedica-se ainda à cronologia das

instituições educativas de correcção social que inauguraram modalidades

regimentais marcantes na construção do projecto da modernidade e-em

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que moldes foram accionados esses regimes, matéria iniciada na parte

anterior com a Casa Pia.

Ensaia-se assim a construção de um texto marcado por três partes

sequenciais. Uma primeira parte, predominantemente teórica, estabelece

uma instrumentalidade conceptual e analítica centrada no discurso

disciplinar, ao mesmo tempo que procura elucidar sobre a filiação

intelectual que segue. Uma segunda parte, onde se contextualiza o

desempenho social das instituições de educação coerciva das crianças

através da apreciação das práticas de algumas instituições pré-modemas, ao

mesmo tempo que se aprofundam alguns conceitos através da evocação de

discursos que estabeleçam uma continuidade com as práticas no terreno

educativo. Na terceira e última parte, em que se recorre essencialmente ao

-material empírico contido numa baliza temporal mais estreita que tem

como limites os anos de 1871 a 1962, procura entender-se a fundação e o

percurso de um discurso de modernidade surgido nas instituições

correcáonais públicas que, de forma marcante, imprimiram uma profunda

alteração às práticas até aí seguidas pelos regimes de governo de crianças

socialmente desenquadradas.

Tenta-se estabelecer entre as três partes do texto uma conexão

genealógica que possa contribuir para esclarecer como as práticas

disciplinares têm sido um dispositivo instrumental ao dispor da pedagogia e

de como essas práticas contribuem para a transferência do menor, de uma

situação de sujeito dependente para uma autonomia regulada, produtiva e

socialmente aceite, através de uma mediação educativa de modelo escolar,

conduzindo-nos a uma “história do presente”. Esse tipo de continuidade

genealógica solicita muitas vezes o ordenamento da escrita pela tópica em

análise e não por uma sequenda de factos, uma formulação nem sempre

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conveniente para uma interpretação linear da temporalidade, o que se tenta

compensar com uma pequena ordenação cronológica das instituições

modernas referenciadas. Quanto às imagens inseridas no texto e

enumeradas no ‘Índice de Ilustrações”, pretende-se que sejam de. facto

uma ilustração do texto, mas não só, que pertençam ao texto e até que

sejam, elas próprias, também texto, um texto que cada um lerá segundo os

que os seus olhos quiserem ver em cada imagem. Será como que uma co-

autoria pela interpretação pessoal que o leitor poderá estabelecer pelo seu

olhar.

A terminar apresenta-se, em jeito de conclusão, algumas ideias que

se podem reter do que ao longo do texto se procurou evidenciar " e

justificar. São conclusões que nao concluem, no sentido em que nao

finalizam questões mas que, pelo contrário, admitem lançar novas questões

que estimulem novos percursos sobre este ou outros territórios. Se isso for

conseguido, este trabalho sentir-se-á justificado.

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P a r t e I

OBJECTO, CONCEITOS E METODOLOGIA

Enfance

IV

Je suis le saint, en prière sur la terrasse, comme les bêtes pacifiques paissent

jusqu’à la mair de Palestine.

Je suis le savant au fauteuil sombre. Les branches et la pluie se jettent à la croisée

de la biblioteque.

Je suis le piéton de la grand’route par les bois nains; la rumeuer des écluses

couvre mes pas. Je vois longtemps la mélancolique lessive d’or du couchant

Je serais bien l’enfant abandonné sur la jetée partie à la haute mer, le petit valet

suivant l’allée dont le front touche le deL

Les sentiers sont après. Les monticules se couvrent de genêts. L’air

est immobile. Que les oiseauz et les sources son loin! Ce ne peut être que la fin du

monde en avançant

‘Illuminations", Arthur Rimbaud

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Infanda

IV

Eu sou o santo rezando no terraço —, como pastam os pláddos bichos até ao mar da

Palestina.

Eu sou o sábio da poltrona sombria. Os ramos e a chuva projectam-se na vidraça da

biblioteca.

Eu sou o peão da estrada larga através dos bosques recentes; abafa-me os passos os

rumor das comportas. Durante largo tempo, do meu olhar não se esvai a

melancólica limpeza d’oiro do poente.

Eu bem poderia ser a criança abandonada no quebra-mar que saiu para o alto mar, o

criadito que caminha pela álea cuja ponta extrema toca o céu.

São rudes as veredas. Os outeiros cobrem-se de giestas. Está uma atmosfera estática.

Como estão longe os pássaros e as nascentes! Continuando em frente, só ao fim

do mundo se pod’Ír.

“Illuminations”, Arthur Rimbaud. Tradução: M aria Gabhela Llansol

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C o n s id e r a ç õ e s in ic ia is

Ao tentar definir e delimitar um problema e analisá-lo para elaborar

sobre ele uma tese — esta — pode-se começar por enunciá-lo, de forma lata,

pelo relacionamento entre as práticas regimentais e o discurso pedagógico

na modernidade, e questioná-lo. Essa poderá ser a questão que conduza a

outras questões que tracem de forma subjectiva os limites desta

investigação, ou seja, dada a matéria em apreço, é mais pelas ligações que

certos acontecimentos estabelecem com outros que se desenvolvem os

pressupostos analíticos utilizados e não pela exclusão de material

significativo, nem é em nome de uma objectivação “factual” que se irão

restringir as lateralidades que se podem despertar a partir de certas

temáticas. Afigura-se delicado abordar a reeducação de menores sem o. < * i ' •. . - i . « > , v

fazer através da história das mutações do seu papel soaal, tal como é difícil

tratar os regimes escolares fortemente disciplinares sem reflectir sobre a

punição, ou pensar o internato como uma simples hospedagem,

desconsiderando o seu carácter de institucionalização dc uma construção

política ou menosprezando o papel da escola e da pedagogia na construção

do “indivíduo modemo”. Não se trata de um sintoma de excessiva

ambição, bem pelo contrário, mas de uma busca genealógica das conexões

que podem determinar as proveniências de certos efeitos em campos

aparentemente distantes, o que confere a este texto um carácter não

propriamente disperso mas que não está concentrado numa única matéria

de estudo.

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Também não se pretende produzir aqui uma reflexão teórica

extensa sobre os dilemas que atravessam presentemente as epistemes em

que se sustenta alguma historiografia da educação que tem permitido

abordagens mais criticas e diferenciadas, nem ter pretensões de solidez

filosófica ou sequer tentar enveredar por um quadro metodológico

demasiadamente minucioso, mas também não se pode deixar de ensaiar a

explicitação das coordenadas conceptuais que pautam a construção

metodológica e a hermenêutica adoptada, bem como algumas balizas que

recortem o objecto em estudo e contextualizem o âmbito da sua análise.

.Em primeiro lugar, o teor deste texto procura, de um ponto de vista

historiográfico, adoptar uma modalidade de investigação afiliada à

descendência de correntes teóricas que são comummente designadas por

“pós-estruturalistas” ou mesmo “estruturalismo simbólico” ou, mais

genericamente, “teorias críticas”. Em rigor, procura-se uma sustentação no

legado teórico de Michel Foucault que permitiu que a sua descendência

intelectual tenha vindo a ocupar de forma crescente um lugar central nos

estudos sobre educação. São teorias que comportam ntm analítica que

reconhece os elementos da vida social como sendo construções discursivas,

onde se demarca uma diferenciação entre o sujeitoy as suas práticas e a

retórica que o representa e constrói, questionando a noçao de verdade

através da procura de correspondência entre os objectos e a sua

representação discursiva,. ou seja, uma análise possibilitada pelo

enaltedmento do .carácter linguístico das suas referências, reconhecida pela

expressão “viragem linguística”. Citando LaCapra em abono desta opção

metodológica, é porque se pensa “a viragem linguística como tendo trazido

uma abertura à teoria crítica e literária, incluindo aspectos filosóficos, num

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esforço para repensar a natureza e as fronteiras aceitáveis da historiografia”

(LaCapra, 1995: 803).

Os riscos da opção por uma historiografia que inclua algum suporte

narrativo têm pontuado a controvérsia em tomo da participação

personalizada do autor na (re)construção dos factos, argumento segundo-o

qual a investigação se afasta de uma pretensa objectividade asséptica,

assegurada pela correcção dos procedimentos adoptados e que durante

tanto tempo foi a|mejada. Esta perspectiva personalizada do autor deve ser

reconhecida como um lugar constitutivo do historiador ha investigação,

vendo a “objectividade” nao como simples oposto a “subjectividade” mas

como um potencial de negociação pela critica e autocrítica. Os documentos

devem então ser lidos textualmente e a maneira como eles constroem o seu

objecto num campo institucional e ideológico deve ser uma questão de

escrutínio critico, enquanto a dimensão documental dos textos deve ser

colocada como um problema explídto e elucidado (LaCapra, 1995: 805).' •

É precisamente através deste exercido recente do discurso histórico

fundado na “viragem linguística”, na analogia textual e mesmo na teoria das

recepções (Frago, 1996), que se irá procurar reconstruir um percurso que

conjugue o relato e a narrativa, a verificação e a interpretação, as

interrogações e as explicações, o enundado e o empírico, através de um

excurso temporal pelas práticas e discursos pedagógicos, ^endógenos ou

exógenos ao sistema educativo, que se constituíram em tomo criança com

uma inserção familiar ou sodal problemática. Será afinal o efeito discursivo

do texto e a sua capaadade de ilustrar o presente através de factos

passados que irá • orientar a elaboração da escrita. E a natureza desse

discurso, referente aos processos reguladores das situações de

ensino/aprendizagem, que atribui significados aos concdtos que se

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empregam ,e que categoriza e, ordena os sentidos atribuídos a. determinadas

práticas tidas como pedagógicas (Norodowski, s. d.: 10).

Sobre o objecto de estudo* o texto tenta alinhar-se pelas vias que

têm marcado uma História da Educação centrada na criança enquanto

aluno, embora vista não como um receptáculo de saberes, mas sim como

um sujeito integral, ou seja, procurando ir ao encontro de uma

historiografia social e cultural que enquadre a criança não só num sistema

educativo que a treina e avalia, que a abranja ou exclua, mas que a

contemple também como protagonista social.

Este posicionamento é, evidentemente, um rumo, um ponto que

complementa o foco da pesquisa, pois seria demasiado pretensioso desejar

atribuir-lhe um peso específico, quer sob o ponto de vista dos estudos

culturais quer .sociais. Trata-se de História da Educação que pode e deve

.constituir um investimento no conhecimento social e ria produção cultural,

mas em que esta investigação rejeita usurpar o que esteja vocacionado para

outras disciplinas das Gêndas Sociais que, no entanto, aqui trazem um

valioso contributo. É, tão-somente, um salvaguardar de exigências porque,

como nota António Nóvoa (1998: 16), “a importância do pensamento

histórico .contemporâneo assenta mais na necessidade da apreensão

histórica do pensamento científico que na sua compartimentação

disciplinar, relevando daí a riqueza da historicidade das maneiras de pensar

e abordar o mundo físico e sodal, constituindo um contributo maior para a

compreensão da sobrevivência do passado nas linguagens do presente”. Já

Paul.Veyne preconizava uma “história total” em resultado da anexação pela

história de disciplinas como “a demografia, a economia^ a sociedade, as

mentalidades”, criando uma dinâmica no sentido da história social (Veyne,

1983:31-32). ■

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Esta pilhagem multidisdplinar induz à procura de uma pluralidade e

diversidade de fontes que por vezes podem parecer extravagantes mas que

é ditada pela necessidade de compreensão de discursos produzidos nas

periferias dos sistemas mais institucionalizados ou de como uma

determinada discursividade, temporalmente situada, interagia com os

dispositivos práticos por ela caucionados (ou que a ela se opunham) e de

como esses dispositivos eram socialmente recebidos e assimilados.

Procura-se mesmo descortinar o facto “não-aconteámental”, isto é, a

procura de acontecimentos ainda não consagrados pela história. As únicas

fronteiras serão então, reiterando Veyne, as “convenções variáveis do

género”, que se alargam constantemente (Veyne, 1983: 31-32).

Uma componente de estudos de Educação Comparada está

também presente neste texto, uma vez que incorpora um paper publicado

com as investigadoras Ana Laurá Godinho Lima e Flávia Sílvia Rodrigues

sobre a história dos discursos e instituições de reeducação e assistência a

menores em Portugal e no Brasil dos séculos XIX e XX, com uma

introdução de Jorge Ramos do Ó (Rufino et al., 2003). Nesta dimensão da

Educação Comparada, adopta-se umà perspectiva sódo-histórica,

procurando uma abordagem que se desloque da “análise dos factos” à

“análise do sentido dos factos”. Como refere António Nóvoa, são

perspectivas de pesquisa centradas não somente na materialidade dos

factos educadonais, mas também nas comunidades discursivas que os

descrevem, os interpretam e os localizam num determinado espaço-tempo.

São percursos alternativos dos métodos comparativos que já não se

sustentam exdusivamente nos indicadores quantitativos ou em retratos

etnográficos. A análise dos objectos de comparação já não toma como

referência os contextos definidos segundo a visibilidade dos seus contornos

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“físicos”, mas de contextos definidos segundo a invisibilidade das práticas

discursivas que os habitam (Nóvoa, 1998: 80).

Sobre o campo da Educação Comparada, António Nóvoa coloca

três questões centrais para a reconfiguração multidisdplinar da História:

“Novos problemas, novos modelos, novas abordagens”. E uma

perspectiva que inclui a construção de novos objectos de estudo centrados

no interior das instituições educativas que procura novos modelos de

análise, não somente suportados por dados estruturais mas que privilegie as

práticas discursivas dos actores e que estimule novas abordagens baseadas

no alargamento do repertório metodológico. Trata-se de lançar um olhar

sobre o contextuai mas, também, sobre o textual, “a fim de construir novas

compreensões sobre a forma como as práticas discursivas operam no

interior dos espaços sociais” (Nóvoa, 1998: 81-84). É esta a perspectiva que

também norteia este texto, na procura de ensaiar um olhar menos

espartilhado por instrumentos interpretativos muito especializados.

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O OBJECTO DE ESTUDO E A SUA DIMENSÃO

O objecto central do estudo será a genealogia das diferentes práticas

de regimes disciplinares usados na correcção educativa de menores e da sua

reciprocidade com a discursividade da pedagogia correccional durante a

modernidade.

A extensão empírica deste objecto circunscreve-se às instituições

que tinham como missão proporcionar, sob tutela, uma reintegração da

criança pela construção da sua autonomia, através de algum tipo de

formação, educação ou encaminhamento, recorrendo para esse fim a

regimes que incluíam o internato e que estavam para isso especialmente

concebidas. Apesar de o internamento constituir por si só uma tecnologia

muito específica, procurou-se exponendá-lo delimitando-o a situações

excessivas na sua forma, quando associada a uma intenção educativa, tais

como as que se encontram nas metodologias disciplinares das instituições

de correcção social. Assim, instituições como a Casa Pia, Casas de

Correcção, Reformatórios, ou outras congéneres, serão eleitas como

matéria de estudo das referidas práticas e como referência no

estabelecimento de etapas inovadoras nas modalidades regimentais que

foram significativas para a sedimentação da modernidade na educação

correccional. Entre essas práticas regimentais das instituições, deu-se

preferência às alterações das rotinas disciplinares que significaram uma

inovação em termos de tecnologia educativa e à forma como pretendiam

actuar no domínio moral, uma vez que reflectiam bem a percepção do

tratamento social da criança em determinadas épocas, revelada pelo37

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discurso de uma ideia de progresso pela humanização no tratamento

relacional com a criança.

O discurso pedagógico da reeducação de menores estava

endereçado num plano teórico para uma idealização dos métodos de uma

educação mais eficaz, construindo esse discurso os códigos interpretatiyos

das metodologias das instituições de enquadramento social da criança. Na

dimensão da análise discursiva será usado material documental que possa

revelar uma pedagogia prescritiva ditada por um posicionamento doutrinal.

Também serão aceites fontes que, de algum modo possuam conteúdos que

sendo ínfimos sejam detalhados, revelando factos que por terem sido

comuns foram dados como esquecidos e esvaziados de significado. Assim,

é possível serem invocadas fontes documentais muito diversas, mas que

podem evidenciar determinadas racionalidades nos discursos que contêm.

Sobre a dimensão do objecto empírico, ao invés de procurar

delimitá-lo rigorosamente, ou mesmo quantificá-lo por excessiva minúcia

de enunciação, prefere-se antes conferir-lhe visibilidade e procurar focalizá-

lo como matéria de análise, construindo gradualmente ao longo do texto

um entendimento das representações que foram sendo geradas por múltiplos

discursos e efeitos que se entrecruzam, esbatendo por vezes o objecto de

estudo. Não só na sua temporalidade esse universo se pode dilatar ou

contrair, especializando-se mais ou menos segundo o seu significado

genealógico e não cronológico, assim como na sua dimensão espacial muitas

questões abordadas vão assumir a exigência do exercício comparativo,

invocando factos relevantes em campos por vezes muito alargados. Devido

a este constrangimento da dispersão axial dos atributos em análise, prefere-

se usar a expressão nitide\ do objecto, no sentido de procurar tomá-lo nítido

através da compreensão' dos conceitos e métodos eni uso, em lugar de

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limitá-lo por uma definição quantificada do arquivo. É o recurso a uma

metáfora óptica, o ramo da Física que estuda a visibilidade dos objectos,

que parece ajustar-se ao enquadramento cultural e aos pressupostos

analíticos em que este texto assenta e à maneira como aborda o objecto.

Sobre a problemática das diferentes perspectivas em História sobre

o uso do - espaço e do tempo, “pode-se acompanhar uma deslocação da

investigação de um nível local para o enquadramento nacional, de uma

territorialidade para um complexo de interdependências a nível mundial.

Ela passou dos acontecimentos à delimitação de épocas, de uma

periodização restrita para a fluidez de tempo cada vez mais alongado.

Trata-se, num caso como noutro, de evoluções que marcam mais

mudanças de escala que mudanças de natureza, porque a definição fisica do

espaço e cronológica do tempo não são postas em causa” (Nóvoa, 1998: .15).

A problemática da “correcção social” é aqui usada para evocar uma

vontade de generalização terapêutica, uma teleologia muito abrangente das

técnicas de rectificação moral - não se debruçando por isso sobre o mais

antigo “amparo” —, sendo uma opção usada em detrimento de uma

acentuação na tónica de expressões como “reeducação” ou “reinserção”.

Enquanto termos relativamente mais recentes, serão usados em citações ou

quando o texto exigir a correspondência semântica mais aproximada ao

contexto da época, de outro modo, mantém-se a preferência pela expressão

“correcção . sodal”, numa interpretação que expressa genericamente a

“vontade de mudar” as práticas de interacção social do menor, incluindo o

amparo à orfandade. Quer o menor esteja. em risco moral, seja órfão,

desamparado, indigente, deficiente, delinquente, anormal, incorrigível, ou

qualquer outra sorte de categorização que tenha sido constituída, todos os

métodos adoptados tinham como. justificação moral o bem social que

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adviria duma ortopedia moral aplicada aos sujeitos. A centralidade deste

trabalho não se'fixa assim na categorização médica, social ou jurídica desses

indivíduos, nem na sua etnografia de internos, mas recupera-as como

contributo genealógico dos regimes educativos que se foram constituindo

como referência através dos seus processos.

Parece permissível estabelecer num certo sentido um paralelismo

algo ousado entre a missão da escola de massas e o internato correcdonal,

uma vez que ambos os sub-sistemas educativos têm uma teleologia

transformadora e um e outro recorrem à regulação disciplinar sendo

ambos, de um ponto de vista político, “instituições disciplinares de

controlo social” agindo sobre populações distintas e definidas. Essa acção

sobre-um conjunto vasto de indivíduos tem na correcção social a extensão

moral da metáfora ortopédica de Michel Foucault sobre a rectificação

forçada dos corpos que ele tão bem ilustra ao expor em Vigiar e Punir as

gravuras de A Ortopedia ou a A rte de Prevenir e Corrigir; nas Crianças, as

Deformidades do Corpo [1749], uma das quais estipula um padrão: uhec est regula

recti” (Foucault, 1987: figs. 1-30). E a genealogia discursiva dessas técnicas

de ortopedia social, as aplicações pedagógicas que gerou e as populações em

que os regimes disciplinares foram exercidos, que se procuram evidenciar

para definir uma perceptibilidade do nosso objecto de análise.

r Há campos • de estudo que não são facilmente definíveis ou

identificáveis, muitas vezes não por serem de difídl visibilidade, mas

porque o olhar que nos acostumámos a lançar-lhes está acomodado a

categorias mais confortavelmente reconhecidas e arrumadas. Ao eleger-se

as instituições de correcção de menores como espelho de alterações

importantes nos métodos de organização de populações escolares e

procurando fazê-lo de um ponto de vista pluridisdplinar, foi precisamente

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para descompartimentar as categorias em que é habitual arrumar a actividade

dessas instituições e procurando correlacionar entre si os múltiplos

elementos do seu exercício. São locais onde se estabelecem situações-limite,

“instituições totais” destinadas à “solidificação do eu”, merecedoras de

uma análise microssodológica de interacções (Corcuff, 1997: 119;

Goffrman, 1999a).

O arco temporal contemplado tem duas cambiantes distintas: uma,

de cariz genealógico e início pouco definido, estende-se até ao final do

século XIX, período marcador de uma profunda alteração paradigmática no

relacionamento do Estado com os “menores desavindos” e no

reconhecimento destes como uma população delimitável, a partir da qual

se poderia então proceder à individualização de cada um, devendo ser

gerida pela aplicação de racionalidades fundadas em discursos modernos e

científicos, tomando-se expressão prática duma vontade política. A esse

vínculo da correcção de menores à modernidade pode ser atribuída uma

data simbólica - o ano de 1870, data da separação da população criminal de

menores de 18 anos dos outros presos. É essa a data do início da segunda

cambiante do arco temporal em estudo, que finaliza em 1962 aquando da

reforma da reinserção social de menores que veio consolidar, pode-se dizê-

lo, o alvor da pós-modemidade nas tecnologias correccionais.

Procura-se ainda, produzir um texto de síntese utilizando recursos

conceptuais menos explorados, pretendendo sustentá-lo também com o

complemento da mediação de outros trabalhos empíricos já cumpridos em

estudos mais especializados e recorrendo também a registos documentais já

coligidos. É essa a razão porque nos dispensamos de publicar em apêndice

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uma panóplia documental cuja edição foi já contemplada1. Não se trata de

eximir a consulta e tratamento do material de arquivo, o que,

evidentemente, foi feito, mas sim de evitar uma recorrência editorial de

dados que já estão compilados e disponíveis.

De qualquer forma, a ideia de arquivo aqui perfilhada não se ajusta

ao simples acumular de um cotpus documental traduzível em dados

empíricos, ou em análise de conteúdo dos textos. São pertença do

“arquivo”, mas este, na acepção foucaultiana aqui adoptada, traduz-se por

um conjunto de regras que num dado período e para uma determinada

sociedade “permitem definir as limitações e as formas de expressividade;

conservação; memória e reactivação ” ou seja, aquilo que permite ser dito, o que

forma os enunciados e discursos duma temporalidade, mas também o que

é condenado a desaparecer, a ser lembrado ou esquecido ou ainda

recuperado em determinado momento (McHoul & Grace, 1993: 30; Silva,

2000).

Michel Foucault nunca foi presctitivo e, procurando traduzir esse

preconceito, esta investigação procura não emitir juízos de valor, embora a

aparente crueza da argumentação e a natureza muitas vezes dolorosa da

1 Destas, talvez a compilação mais exaustiva (cerca de 500 páginas) conste no vol. II da Tese de Mestrado de Em esto Candeias Martins (1994). No plano iconográfico e sociológico releva-se Carmo, Dam ela Sá & Lopes, João Teixeira (2001). A Tutoria do Torto - Estudo sobre a M orte Social Temporária. Porto: Edições Afrontamento. Sobre o refugio da Tutoria de Lisboa, Santo, João Miguel R. S. (2000). "Crianças Malfeitoras" a contas com a Justiça — Os menores catalogados pelo Refugio da Tutoria Central da Infanda da Comarca de Lisboa 1920-1930. Dissertação de Mestrado - Universidade de Lisboa — Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Lisboa. No plano europeu, considerando as limitações linguísticas, é de realçar o trabalho de Jeroen Dekker, no que concerne aos estudos comparados e, sobre a história das instituições espanholas, Santolaria, Félix (1997). M argnaàôn y Educación - Historia de ta Educación Social en la Espana M odernay Contemporânea. Barcelona: Ariel.

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matéria empírica por vezes o sugira. Encerrando esta parte e a esse

propósito, ficam estas eloquentes palavras de Mitchell Dean (1999: 40):

“An analytics of government gain a critical purchase on regimes of

practices by making clear the forms of thought implicated in them. It may

point to ‘inconvenient facts’ such as the disjunction between the stated

aims of particular programs and other explicit rationalities and the logic or

strategy of such practices that can be known through their diverse effects.

More broadly, however, an analytics of government can be employed from

a variety of ethic and politic perspectives”.

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A l g u n s c o n c e it o s a d o p t a d o s

Começa-se por enunciar e procurar explicitar alguns conceitos

essenciais sobre os quais se desenvolve a analítica proposta neste trabalho.

Mais que inventariar ou procurar explanar teorias, trabalho

abundantemente já feito e qualificado, procura-se no entanto esclarecer

alguns conceitos aqui empregues, imprescindíveis para a filiação e

construção do trabalho e que ajudem a suportar uma hermenêutica da

forma mais coerente possível.

Apesar da introdução inicial de algumas concepções, ao longo do

texto encontrar-se-âo outros paradigmas interpretativos, como “clausura”,

“iniciação”, “regime”, “castigo”, “população”, etc., que serão solicitados e

mais ou menos aprofundados à medida que pareça justificar-se. Por

comodidade e fluência, o termo “menor” é usado genericamente em

referência ao jovem ou à criança e inclui a infanda e a adolescência,

preferindo não se adoptar nenhuma terminologia de ffacdonamento etário,

embora fosse possível recorrer a diversas taxionomias disponíveis para as

“idades da criança”1, mas é bem perceptível, contextualmente, que não se

1 Cfr. Ariès, Phillipe (1973). UEnfant et ia viefam iliale sous tancien régime. Paris: Editions du SeuiL No século IX usava-se o termo injans paxa designar crianças de 2 a 15 anos. A tradição hipocrádca medieval, já de raiz médica, portanto, dividia a infanda nos seguintes estádios: infantia — do nascimento até aos 7 anos; pum tia — dos 7 aos 12 para as raparigas e dos 7 aos 14 para os rapazes; adokscentia — dos 12 ou 14, até aos 21 anos, cfr. Heywood, Colin (2001). A History o f Chiídbood - Chiidren andC hildhoodin the Westfrom Medieval to Modem Times. Cambridge: Polity Press. Para Comenius, que se baseava no desenvolvimento da linguagem, seria a primeira infância; segunda infância; juventude e adulte% No culminar da Modernidade, Jean Piaget fundou uma categorização pela evolução lógica da criança, iniciando uma epistemologia genética das aptidões e do desenvolvimento. Também Almeida Garrett teorizou sobre este tópico, cfr. O, Jorge

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trata de crianças de tenra idade mas sim de jovens sujeitos a medidas

correcdonais, tendo a abrangência dessas medidas incidido sobre um leque

etário normalmente variável entre os 7 - 10 anos e os 18 - 21 anos.

Segue-se a explanação de alguns dos referidos conceitos adoptados.

A correcção social

A expressão “correcção social” e a noção de “correcção” ou

“reeducação” são empregues no sentido de representarem uma acção que

corrija no menor os distúrbios comportamentais que o impedem de ser

integrado numa ordem social tida como normal.

São termos tomados em sentido muito amplo, uma vez que numa

dimensão temporal tão grande como a modernidade - e só há correcção

social na modernidade — esses termos foram assumindo diferentes nuances

simbólicas como as de castigo ou correctivo, ou de ortopedia social e moral

ou de reinserção, sendo normalmente interpretadas à luz de uma

discursividade de cunho moralista. Esta opção por uma designação muito

genérica — correcção social — deve-se às técnicas reeducativas empregues

em diferentes modalidades serem mais do âmbito ou especialidade da

acção da instituição que das suas metodologias. A diferença organizacional

entre um.asilo e um orfanato, ou entre uma casa de correcção e uma

prisão, residiam .mais nos regimes disponíveis à época que nas finalidades

Ramos do (2002). O Govemo de Si Mesmo — Modernidade pedagógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX - meados do século XX). Dissertação de doutoramento em Ciências da Educação (História da Educação) — Universidade de Lisboa, Lisboa. Sobre as idades da criança no Portugal de seiscentos e setecentos, cfr. Ferreira, António Gomes (2000: 347-386). Gerar Criar Educar—A Criança no Portugal do Antigo Regime. Teses voL 7. Coimbra: Quarteto.

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da instituição, que basicamente era a mesma em todas: a recuperação social

de indivíduos através da sua correcção pelo adestramento, para que se

pudessem tomar indivíduos aptos a toma vida social normal e participada.

Mas esses regimes não eram muito distintos entre si, permitindo encontrar

entre eles um conjunto de continuidades nas práticas disciplinares a que

recorriam. Mesmo os alunos que não estivessem em regime de internato,

acabavam por estar de alguma forma sujeitos às obrigações e imperativos

das instituições, patronatos ou famílias que os regiam, procurando

emendar-lhes o curso da vida.

Esta ideia de correcção social, almejando uma plena integração

participada de todos os sujeitos numa ideia de bem comum, desenvolve em

Portugal uma aplicação especialmente dedicada a estimular essa procura e

que foi consagrada através da criação em 1935 do Instituto de Serviço

Social, uma escola de assistentes sociais. A missão do serviço social era

justamente, nao só assistir materialmente mas, “essencialmente, uma forma

de acção cujo fim é a instauração e a restauração da ordem social, pela

adaptação dos indivíduos à sociedade e pela adaptação das condições

económicas e sociais às necessidade do indivíduo” (Nunes, 1943: 154).

Essa intenção de uma integração ajustada procurou expressar-se

através dum conjunto de dispositivos disciplinares que foram procurando

acompanhar o discurso da pedagogia dentífica e 'do Direito Penal nessa

demanda de uma indusãó pacífica de todos os menores. Entre a mera

punição retributiva de uma dívida sodal originada por uma infracção é a

procura de recriação de um ambiente familiar em tomo da criança que,

embora severo, facilitasse a regeneração pelas virtudes conviviais, desde o

trabalho à aposta na educação, ou seja, variando as tecnologias empregues

e muito mais òs discursos prescritivos, o fundamento de um conjunto de

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instituições destinadas ao exercício de uma racionalidade política e social

foi basicamente. semelhante — efectivar uma “correcção social” que

permitisse a „inclusão pacífica e autónoma de todos os sujeitos numa

moldura social normal ■

A vontade de alterar a situação social da criança esteve presente em

diferentes subsistemas sociais, entre os quais a escola, mas no caso da

criança cuja tutela não dependa da família mas sim de um colectivo

institucional, assume então o carácter de um exercido de “correcção

soaal” que tem por fim a sua devolução sorial, tomando-o autónomo de

qualquer tutela. Quer dizer, não havendo uma tutela familiar e uma

envolvente natural e eficazmente integradora, dispositivos disaplinares

artificiais substituíam os riscos desse caminho natural corrigindo um percurso

que doutro modo dele se desviaria, sendo este argumento um suporte à

construção do discurso sobre a criança em risco moral.

A sem iótica da modernidade

Uma dificuldade metodológica, apresenta-se com a interpretação de

uma sinalética da modernidade, segundo um conjunto nítido de

indicadores que possam ser alusivos a diferentes etapas de um período dito

“moderno”, obrigando a lidar com inúmeras ambiguidades, sobretudo no

que diz respeito ao seu inído, ao seu culminar e às suas viragens ou

momentos mais marcantes. Começando pelo fim, alguns designam esse

terminus por pós-modernidade, soaedade do conhecimento, pós-industrial,

da informação, do.indivíduo, da troca do proteçdonismo.pela mutualidade

do risco, do pós-positivismo e, ultimamente, a “globalização” tem servido

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como o mais recente dos apontadores desse período. Para outros, a

modernidade não atingiu nenhum clímax e os momentos “pós”, não são

mais que extensões e efeitos da mesma modernidade.

Para o caso vertente deste estudo, o fim do segmento de

modernidade em apreço é o ano de 1962, data em que se deu início às

reformas constantes no Decreto-Lei n.° 44287 de 20 de Abril desse ano,

contemplando a Reforma dos Serviços Tutelares de Menores e o Decreto-

Lei n.° 44288, promulgado em simultâneo com o anterior, que determina-a

Organização Tutelar de Menores e que, por brevidade, se assinala como

uma viragem marcada pelo inído do uso consistente de técnicas com

características ditas “pós-modemas” no campo correcaonal.

Quanto ao inído dessa temporalidade, ele demarca-se segundo a

perspectiva adoptada na percepção de modernidade. Se foi Chateaubriand

[1768-1848] que criou e universalizou o termo “modernidade”, fê-lo tendo

em mente o firuto das reformas religiosas, do Renascimento, das Luzes, do

positivismo e do radonalismo ou da dênda experimental, recortando uma

época inidada no século XVI e que vdo a estender-se até à

contemporanddade (Clément et al., 1999). Essa é a acepção mais

generalista, adoptada de uma consideração comum na filosofia do concdto

de modernidade e que se pode adequar a um determinado período e

confinar a um espaço geográfico e cultural europeu. Essa abrangênda

representa um conjunto de efeitos que significaram profundas alterações

nas dimensões individuais e sociais, como seja a construção de uma

“autonomia” — e, consequentemente, de uma responsabilidade pessoal —

ou pela diferenciação institudonal expressa na progressiva secularização e

radonaüzação dos processos empregues no seu exeraao e na sua

sustentação sodal e política, reflexo também da consolidação dos Estados

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modernos. No entanto, é o projecto iluminista que mais se evidencia em

finais do século Xvni e que parece ter criado uma influência ascendente

sobre todo o século seguinte.

Foi já em meados do século XX que Hanna Arendt [1906-1975]

conotou a modernidade com uma diluição da esfera do interesse “público”

com o, “privado”, numa simbiose entre a ordem económica da produção

.com a ordem política da acção, mas estudos mais recentes entendem a ideia

.de ruptura da modernidade como possuindo marcadores diferentes. Para

Michel Foucault, essa viragem situa-se nos finais do século XVm e inícios

do século XIX quando surgiram nas ciências humanas novas formações

discursivas evidentes na trilogia formada pela biologia, pela economia

política e pela linguística. Certos autores viram esse corte como sendo o

fim da história natural, outros, como Koselleck ou Habermas, situando-se

no mesmo período, realçam uma viragem na política e na filosofia, que se

tomaram auto-reflexivas e se alargaram temporalmente, adquirindo a

capacidade de reflexão sobre a construção da história (Wagner, 1994: 29).

As instituições desempenharam sempre uma papel central na

construção moderna, ou projecto de modernidade, sendo as suas

expressões práticas o fulcro onde as racionalidades fundonais e a vontade

de poder político se conjugam. Era nesse ponto de apoio que se jogavam

os equilíbrios entre a liberdade do indivíduo e as forças que o continham

dentro de. certos limites de acção moral e social. Aí se jogava também a

transferência de .uma certeza espiritual para a dúvida metódica da. razão

dentífica, deslocando consigo uma fonte e um método de libertação/domínio

que teriam como consequência a construção de uma ideia materializável de

bem. Esta bipolandade entre a fonte de legitimidade e o método, entre a

razão, e a acção, o . interesse individual e o colectivo, os enunciados e as

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visibilidades, a autonomia e a submissão, os ideais e as práticas sociais,

confirma a natureza ambígua da modernidade e têm congregado, muitas

vezes mais de um lado que de outro, o interesse dos que sobre ela

reflectem e discorrem.

As possibilidades abertas por • uma leitura assimétrica, com

andamentos diferentes, do arco temporal da modernidade e • dos seus

efeitos é, sobretudo, uma variável ditada pela dissemelhança entre diversas

actividades e discursos presentes na dênda, nas artes, na política, ou nos

comportamentos e costumes culturalmente proeminentes em

determinados períodos, o que significa provavelmente que cada discurso

fará a sua interpretação não só do culminar dá modernidade mas também

do seu início e de como e onde se manifestou. Peter Wagner (1994: 58-60),

prefere analisar a modernidade agrupando em três categorias as suas

práticas: as de atribuição de recursos materiais, as de poder autoritário ou

de domínio e as de significação ou representação simbólica. Essas práticas

serão institucionalizadas quando se convertem em hábitos e se implantam

através de regras de âmbito social. Interessa também apreciar como

diversas racionalidades se inscrevem nessas práticas regimentais e que papel

têm no estabelecimento da norma nas instituições disciplinares.

No contorno deste trabalho não cabe uma análise detalhada dos

enigmas que a teorização sobre a modernidade suscita, mas sim o dever de

contextualizá-lo brevemente num espaço temporal onde, apesar de haver

um aparente consenso em tomo do período em que se produziram

acontecimentos decisivos • para as viragens da modernidade, seja a

revolução industrial ou as rupturas de regimes políticos com as revoluções

francesa e americana, o mais relevante para este estudo é a nomeação da

educação, por Michel Foucault, como sendo um elemento central na

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construção da modernidade (Hoskin, 1990: 20).-Por isso, importa tentar

traduzir aqui para o campo educacional, fazendo-o pelo recurso a uma

abordagem genealógica, -o que certas práticas regimentais educativas de

excepção representaram para essa construção do projecto da modernidade

e em que medida podem contribuir, pela interpretação das suas

metamorfoses, para a compreensão da evolução dos métodos pedagógicos

de governação da criança e, em última análise, dos regimes escolares do

presente.

U m a analítica do discurso

A palavra discurso é usada aqui no sentido foucaultiano de

construção e expressão de uma realidade a que pertence. No entanto,

“discurso”, pode ser usado em diversos sentidos, segundo o contexto e a

análise que se lhe referem. Concentrando-se os seus inúmeros significados

sobretudo em tomo da Teoria Literária, da Crítica Literária ou da Teoria

Cultural, para além da apropriação por outras disciplinas, como a

Sociologia, a Psicologia Social, a Teoria da Comunicação o Marketing, etc.,

interessa-nos particularmente de que modo os discursos arquitectam os

modos disciplinares que pretendem teorizar e sustentar. Clarificando,

perfilha-se a leitura do termo “discurso” como correspondendo à

expressão do conceito foucaultiano de um “corpo de conhecimentos”

onde o encadeado verbal significa mais que a semântica que contém,

perfilhando as teorias críticas pós-estruturalistas que colocam a ênfase no

“carácter, linguístico do processo de construção do mundo social” (Silva,

2000: 43).

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A análise das práticas discursivas das disciplinas seria, para Foucault,

uma forma de revelar os’ discursos como “práticas que sistematicamente

formam os objectos sobre os quais se pronunciam”, constituindo domínios

de poder que são negados a uns e concedidos a outros (Michel Foucault,

1997: 40; Shaafsma, 1998: 256). O sistema educativo seria assim uma

“maneira política de manter ou modificar a' apropriação dos discursos, com

os saberes e os poderes que transporta consigo” (Foucault, 1997: '33). O

discurso deve então ser, nesse sentido político, interpretado à' luz -dàs

especifiddades em que ocorre, da sua correlação com outras declarações,

das ligações que a partir daí se estabelecem ou como outros discursos por

ele são omitidos, considerando que os ‘ discursos são “práticas

descontínuas” uma vez que interagem mas também se ignoram ou excluem

(Foucault, 1997: 39).

As regras e estruturas discursivas não são então originárias de

factores sodoculturais oú económicos, são sim um atributo do próprio

discurso, formado pelos mecanismos internos do próprio discurso, pela sua

disaplina, enquanto “prinapio de controlo da produção do discurso”

(Foucault, 1997: 28). São essas estruturas do discurso que fazem com que

os factos nos pareçam credívds e adquiram materialidade, tomando-se

assim uma forma de interpretação da realidade que, não sendo a realidade em

si, é uma forma de a pensar. Tais disposições estruturais do discurso não

são construções institudonais de origem deliberada, ou premeditadas por

um grupo, são antes tidas como uma combinatória de forças de pressão

cultural e institudonal que, em conjunto com a estrutura intrínseca do

discurso, acabam sempre por exceder os desejos, a dimensão ou os planos

dessas instituições ou grupos de poder que os protagonizam (Mills, 1997:

48-56). Os discursos podem especializar-se e assim corporizarem saberes

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organizados em tomo de disciplinas ou grupos de interesses, sendo então

apreciados face às relações de poder que estabelecem. Essas regulações de

poder são assim estabelecidas através do controlo, da selecção, da

organização e redistribuição da produção social discursiva (Foucault, 1997:

9).

Nessas trajectórias dos discursos assiste-se ao ganho de uma

preponderância temporal de alguns deles, uma espécie de triunfo social de

determinadas ideias, próximo do que Foucault designa por “apropriação

social dos discursos”. Há uma distinção precisa da natureza desse poder,

que não é um poder necessariamente coercivo: “O discurso não é

simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas

aquilo pelo qual se luta, o poder pelo qual nos queremos apoderar”

(Foucault, 1997: 10), o que faz que a luta pelo poder não seja algo de

belicoso mas mais de relacionamento por envolvimento táctico, em que

uma .acção orientada em direcção a algo, desencadeia uma consequência,

ou efeito, merecedora de nova acção.

O sistema educativo, por muito democrático que seja, está

permanentemente sujeito a uma selecção e arranjo discursivo submetido a

uma disciplina própria que terá sempre uma expressão dominante, uma

resultante das lutas sociais de cada época, tomando-se génese de

determinadas práticas, também elas transitoriamente dominantes, o que lhe

confere um carácter instrumental, uma vez que todo o sistema de educação

conjuga “uma maneira política, de manter ou de modificar a apropriação

dos discursos com os saberes e os poderes que eles transportam consigo”:

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“O que é afinal um sistema de ensino senão uma atualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário pelo menos difuso; senão uma distribuição e apropriação do discurso com os seus poderes e os seus saberes?” (Foucault, 1997: 34).

D isciplina e instituições disciplinares de controlo social

Procura agora clarificar-se o conceito foucaultiano de “disciplina”,

aqui adoptado, bem como das possibilidades de acção de instituições de

regulação é controlo social.

Para além de Marx, que associava a disciplina ao controlo produtivo

do trabalho, também Max Weber não se afastou completamente dessa via,

ao procurar estudar a disciplina através de organizações sociais, embora

não exclusivamente laborais, assentando a sua visão numa ideia* de

disciplina como um corpo burocrático de regras determinantes para o

exercício da autoridade política. O entendimento marxista da disciplina

como um artefacto industrial, destinado a organizar os operários, tomá-los

pontuais, responsáveis e moralmente estáveis nos seus trabalhos, continha

em si algumas limitações, evoluindo naturalmente com Max Weber para a

análise de outros processos de actividade do poder, menos óbvios mas

bem presentes na acção de instituições de dimensão social. Mas enquanto

Weber se concentrava no crescimento do aparatus legal e burocrático,

nunca deu especial relevo aos efeitos que o exercício desse poder

desempenhava sobre o corpo politico (O'Neill, 1986: 45). Foucault centra-se

exactamente sobre um alargamento dessa leitura mecanidsta do corpo para

um conceito de população regulada por diferentes formações discursivas e

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controlos reguladores, ou seja, por uma “bio-política” das populações.

Foucault teria assim complementado “o conceito radonal-formal de

burocrada e dominação legal, com uma fisiologia da burocracia e do poder que é,

definitivamente, uma marca das sodedades disciplinares” (O'Neill, 1986:

45), mas não deixando de reconhecer o papel do poder disciplinar nas

regulações laborais e no desenvolvimento do capitalismo:

“O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à . . . . modalidade específica do poder disaplinar, cujas fórmulas

gerais, cujos processos de submissão das forças e dos corpos, cuja «anatomia política», em uma palavra, podem ser postos em fundonamento através de regimes políticos, de aparelhos ou de instituições muito diversas” (Foucault, 1987: 182).

.No século XVIII, esses processos de difusão do poder atingem um

nível a partir dp qual se consolidam a si próprios através de uma

racionalidade não só de. pensamento como de acção, numa circularidade

que optimiza os processos de fazer, potenciando a sua eficácia e marcando

um novo limiar tecnológico. Foucault aponta-nos., essa visibilidade no

campo das instituições educacionais com as seguintes palavras:

“O hospital primeiro, depois a escola, mais tarde ainda a ofidna, não foram simplesmente «postos em ordem» pelas disciplinas; tomaram-se, graças a elas, aparelhos tais que

• qualquer mecanismo. de objectivaçao pode valer neles como instrumento de sujeição, e qualquer crescimento de poder dá neles liigar a conhecimehtos possíveis; foi a partir desse laço, próprio dos sistemas tecnológicos, que se puderam formar no elemento disciplinar a medicina clínica, a psiquiatria, a

. psicologia da criança, a psicopedagogia; a racionalização do •trabalho. Duplo processo, portanto: arrancada epistemológica a partir de um afinamento das relações de podér; multiplicação dos- efeitos de poder graças à formação e à acumulação de novos conhecimentos” (Foucault, 1987: 184-185).

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- A história das práticas disciplinares -aplicadas por instituições pode

ser bem o reflexo da evolução do papel social do sujeito, quando

acompanha a transição da exclusividade do domínio físico dos corpos,

garantia de vassalagem dos súbditos, até tecnologias que visam não o corpo

mas outros mecanismos e discursos que conduzam os sujeitos, de forma

cada vez menos ostensiva e fisicamente violenta, a uma determinada

configuração social e moral preestabelecida.

E através desse salto temporal e tecnológico que se pode

compreender a distância entre a forma violenta de agregar, punindo os

indivíduos e uma via que, mantendo as suas características disciplinares

mas recorrendo a outras práticas, substituiu a coacção sobre os corpos pela

persuasão, pela crença, pela auto-regulação e controlo, pela procura de um

voluntarismo moral, enfim, por uma terapêutica da alma. As instituições que

puniam, passam a tratar a origem da infracção, isto é, o sujeito vê-se agora

na situação de responder não propriamente pelos actos que praticou, mas

pela eficácia da prescrição que lhe for aplicada, a fim de o remir de outros

castigos. O discurso dessa terapêutica institucional vai alterar a natureza

visível dos regimes, que então passam a vigorar não para castigar mas para

aàdar.

A aplicação de tecnologias disciplinares estimulou o surgimento de

novas instituições e também levou a que outras se começassem-a regular de

forma diferente. Assim aconteceu com o surgimento* da prisão, dos

hospitais, da casa de correcção, da escola e mesmo dos locais de trabalho.

Neste tipo de instituições desenvolveu-se, devido à permanente

disponibilidade das suas populações e ao desenvolvimento da ciência

experimental, um conhecimento muito aprofundado das atitudes,

comportamentos e desejos das pessoas, formando um saber que se vai

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desenvolvendo no sentido de melhor e mais facilmente as aperfeiçoar

consoante as disponibilidades institucionais. Esses discursos e as suas

expressões materiais, para além da sua feição modelar, são também a fonte

de legitimação de si próprios, à medida que o saber que os legitima se vai

estabelecendo e difundindo como ‘Verdade”.

A este tipo de conhecimento, desenvolvido pelo exercício do poder

sobre populações bem definidas e à sua respectiva legitimação, Michel

Foucault designa-o genericamente por saber! poder e as instituições onde é

exercido são designadas por “instituições disciplinares”. São locais onde o

tempo e o espaço são organizados segundo actividades susceptíveis de

provocar mudanças nos comportamentos dos sujeitos, em subordinação a

um determinado conjunto de parâmetros e onde a “observação” é um

elemento essencial, não só para o diagnóstico que afere se é possível os

indivíduos assumirem uma vida dódl e produtiva, “inserida socialmente”,

como também identifica para cada um o seu verdadeiro s e f arrumando-o

pelo contraste com os outros. Essa arrumação taxionómica produz uma

crença por parte do sujeito quanto à natureza do seu “true self”, uma vez

que ao ser avaliado e categorizado (delinquente, em risco moral, nervoso,

sexualmente discordante com os cânones da época, apático, incorrigível,

etc.), adquire uma determinada consciência de si, que a acção da instituição

lhe proporcionou através de um discurso cientificamente caucionado como

verdadeiro. Uma vez que a verdade ontológica riaò se determina e o conceito

de “homem” autónomo, capaz de se autogovernar, é uma representação

pós-iluminista, o recorte do s e f de cada um é pois uma construção ficcional

humanista (Marshall, 1990: 15-16). '

Mesmo a relação dos sujeitos com a liberdade era regulada pôr iima

disciplina que se aproveitava do erro para possibilitar a emenda, uma

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versão racional da penitência que, ao contrário, estabelecia • a relação

disciplinar com o arrependimento e a dor. O conceito de autonomia dos

indivíduos através de um programa disciplinar que venha- de dentro permitiu

estabelecer uma relação pragmática e secularizada com a fa lta , tomando-a

produtiva e exequível pela liberdade exercida sob autodisdplina, até o

estoicismo se tomar num “impulso espontâneo”. Uma boa síntese

encontra-se nas palavras de um professor primáno dissertando sobre

disciplina, liberdade e educação, no início do século XX:

“Não é baseando-nos em qualquer coisa que só fora de nós existe que havemos de conseguir ser homens livres, dispondo . conscientemente de nós próprios. Livre só o pode ser quem resiste a solicitações que lhe repugnam; livre quem mudando de meio não muda de pensar, livre quem não faz depender a sua acção da sanção alheia; livre só o é aquele que, arrostando com censuras e perseguições, prossegue no caminho que vem trilhando., convicto de que não vai errado; livre quem, por amor à verdade, e num impulso espontâneo a que não poderia fugir, se declara em erro sempre que nele reconhecer ter incorrido (Santos, 1917: 4).

A disciplina não pode ser então percebida como um simples meio

de observação e controlo, de estabelecimento de uma determinada ordem

ou de exercício do poder, mas sim como um artefacto pontuado por

detalhes de dimensão ínfima, componentes instrumentais de um saber

endereçado a uma determinada configuração moral para que foi concebida,

tendo a sua discursividade deslocado o centro da sua origem contratual

para a relação dos sujeitos consigo próprios e com a sua aceitação, social.

. Essa inserção social tinha não só um sentido dócil mas também

produtivo na sua interacção com os outros. Os poderes disdplinadores

tinham a missão de ensinar os sujeitos a enquadrarem- se socialmente sendo

auto-suficientes perante os outros. Michel Foucault (1987: 143) retrata o

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adestramento disciplinar como um “recurso” - que poderá- ser usado

instrumentalmente:

“O poder disciplinar é com efeito um pòder que, em vez de se apropriar e. de retirar, tem como função maior «adestrar»; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor: Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá- las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. (...) A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objectos e como instrumentos do seu exercido.”

A disciplina e o castigo na acção pedagógica

O uso técnico do castigo sempre foi alvo de uma avaliação moral

por. parte de diversos pensadores e pedagogos, que foram encontrando

leituras diferentes para o seu efeito social. É importante clarificar que nem

o castigo é uma inevitável consequência disciplinar, como também não são

tecnologias semelhantes, pelo contrário, a disciplina visa esvaziar a

necessidade da punição, até porque o próprio cumprimento dos rituais

disciplinares pelo exerdáo da obediência constitui em si um castigo

libertador da punição. O uso social e educativo da punição nunca foi

ignorado nem a sua aplicação se extinguiu do exercício pedagógico,

adquirindo sim um conjunto de cambiantes que a imaginação sempre

ditou. A noção , de punição ou castigo , aqui adoptada faz parte de uma

concepção disciplinar foucauldiana — um dos instrumentos da toolbox,

como lhe chamava Deleuze (1998) - partilhando a ideia de que o conceito

de castigo, disciplinar e a abordagem praticada por Michel Foucault é a mais

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apropriada para a compreensão do significado e justificação do castigo em

educação (Marshall, 1996: 215).

Os castigos foram sempre sendo aplicados em actos educacionais,

apesar de Comenius em pleno século XVH já preconizar na sua ‘‘Didáctica

Magna” um ensino afectivo na relação pedagógica, uma vez que o castigo

violento afastava a criança da escola e da vontade de aprender (Marques,

2001: 117), produzindo uma distinção inequívoca-entre ordem disciplinar e

castigo. No século seguinte é quando se começa a sentir uma maior

propensão para amenizar os castigos, ainda aplicados pela invocação de

citações bíblicas que prescreviam “correcções austeras e dura” mas

submetidos a um doseamento quanto ao grau e à oportunidade com que

deveriam ser aplicados (Ferreira, 2000: 317-334).

O sociólogo Émile Durkheim [1858-1917], pela época em que

viveu, pela influência na construção discursiva de uma nòva epistemologia

e pelas afinidades com Foucault no interesse por determinados objectos de

investigação, não pode deixar de ser aqui tido em atenção. Durkheim

considerava a penalidade como um dispositivo de formação moral e um

constrangimento natural inerente às necessidades de construção sodal, uma

vez que o indivíduo, através do seu comportamento moral, seria também

um revigorante da democracia, não podendo esperar infringir determinadas

normas sem as respectivas consequências. O castigo escolar reforçaria

então um tipo de autoridade social perante a criança, não sendo

propriamente um instrumento de reabilitação mas sim de reforço da

afirmação de valores morais partilhados (Cladis, 1999). Nessa visão de

Durkheim, essencialmente expressa' no seu livro M oral Education, o castigo

èra um exemplo de uma “consciência' colectiva” a funcionar, uma

expressão regeneradora de valores sociais e de um reforço da acção moral

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onde a coesão social for frouxa. A punição seria assim, a seu ver, um

mecanismo de produção de solidariedade social que, nas suas dimensões

morais e sociais, teria por isso assumido características “modernas” porque,

como constrangimento, passou a existir de forma mais latente, encoberta,

subjacente a contratos, normas e regulamentos, assumindo pois essas

dissimulações como marcas distintivas da modernidade (Garland, 1999).

A punição não seria então um constituinte da ordem moral, mas

sim um elemento que asseguraria que a infracção, o desvio e a

desobediência não produzissem efeitos “desmoralizadores”. Como tal, o

indivíduo não seria punido pelo mal causado no imediato mas pelas

consequências que a violação traria para o nível da ordem moral

estabelecida. Seria uma sanção mais dirigida aos espectadores que ao

próprio, não tendo grande utilidade na prevenção da infracção mas sendo

um eficaz instrumento de “afirmação moral”. Haveria pois uma espécie de

exigênda de manutenção do próprio sistema, através do castigo, que

adquiria uma enorme visibilidade na situação escolar de uma aula, onde “a

ordem moral é frágil e estreitamente dependente das acções do professor”

(Garland, 1999: 24). Em finais do século XIX, procurava humanizar-se a

ideia de punição, havendo uma manifesta preferência pelos castigos ditos

“mofais” em detrimento dos que recorriam às penas físicas, como se o

castigo físico não acarretasse um dano moral no justiçado.

Conforme essa ordem moral se ia estabilizando e o ordenamento

pela obediência disciplinar se consolidava, assim a punição física se tomava

mais dispensável, mas não se extinguia. Nietzsche revelou-nos uma

interpretação que relaciona proporcionalmente o uso da acção punitiva

com a integração no colectivo, atenuando-se mas mantendo sempre uma

reversibilidade, ou seja, quando se toma necessário, o castigo está

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disponível: “À medida que cresce o poder e a consciência de uma

comunidade, o direito penal toma-se sempre mais brando; qualquer sinal

de fraqueza, qualquer ameaça mais profunda, voltam a trazer ao de cima as

formas mais duras desse direito” (Nietzsche, 2000: 80).

A govemamentalidade

A assimilação do conceito de govemamentalidade toma-se folcral

para o desenvolvimento metodológico aqui usado. Sem isso, não faria

sentido ligar a disciplina a um uso gerendal de populações através de

instituições educativas. O estudo da genealogia disciplinar e da evolução

das racionalidades políticas não pode ser conduzido separadamente.

Ambas contêm no seu universo de interesses um denominador comum: o

sentido incremental de progresso através da mobilização para uma maior

produtividade colectiva, estimulada pelo exercício de mecanismos

governativos accionados por um saber.

Philippe Ariès (1973: 278-281) emprega essa simetria a propósito

da génese da disciplina escolar do século XV, uma mentalidade de

organização que não se vai generalizar e corporizar socialmente antes dos

séculos XVIII e XIX, altura em que se estabelece necessariamente “um

sentido técnico e tecnocrático, um espírito cartesiano, uma procura de

ordem, de regularidade, de classificação, de hierarquia, de organização”. A

construção dessa ordem era conseguida pela imposição disciplinar de

inúmeras restrições que reflectiam, numa nova forma de lidar com a

criança e de a educar. .

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Apesar de não ter talvez. explorado em, profundidade as suas

investigações sobre este tema, uma vez que se concentrou na finalização

àz.-H istória da Sexualidade, as lições de Michel Foucault sobre uma certa

moldura de razão usada para o exercício da governação foram

consistentes, sobretudo durante os cursos que ministrou e investigações

que dirigiu nas suas estadias nos Estados Unidos.da América, originando

um . legado conceptual que tem sido ap licadona compreensão de

determinados sistemas de organização social, entre os quais se contam os

sistemas de educação. Ao longo do texto serão invocadas várias

referências e comentários adidonais sobre a temática da

“govemamentalidade”, tentando contextualizar e complementar esse

conceito, mas procurando expor desde já o essencial desta analítica do

governo.

A tópica dos estudos de Foucault sobre “racionalidade de

governação” (govemmental rationality) inddia na forma como se *

estabeleciam técnicas de exerddo de poder, de forma a conduzir a

conduta de cada um. Para ele, “governação” ou “govemo” tinha duas

possibilidades de leitura, uma mais ampla e outra mais estrdta. Num

sentido geral, era exactamente a “condução da conduta” (conduct of

conduct), isto é, uma forma de actividade que tem por finalidade moldar,

guiar, ou afectar a conduta de pessoas ou grupos. Mas seria também “o

cuidado de si”1 uma actividade respeitante ao relacionamento de cada um

consigo mesmo, ao relacionamento interpessoal que envolva alguma

1 Cfr. Foucault, Michel (2001). L' herméneutique du sujet In: François Ewald and Alessandro Fontana [eds.j, Seuil/Gallimard, Paris; Ó, Jorge Ramos do (2002). O Govemo de Si Mesmo - Modernidade pedagógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX.- meados do século XX). Dissertação de doutoramento em Ciências da Educação (História da Educação) — Universidade de Lisboa, Lisboa.

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forma de orientação, às relações no interior de instituições sociais e ao

exercício da soberania política.

O desígnio da governação como problemática remonta, de acordo

com Foucault, ao século XVI, quando se começaram a colocar questões

sobre a forma como cada um se deve governar, como construir uma

ritualização do problema da conduta pessoal, o que era característico do

revivalismo estóico desse século. O mesmo problema também absorvia a

atenção das igrejas Católica e Protestante sobre a doutrina pastoral a

seguir para um bom governo das almas e das vidas1. Foi igualmente nesse

século que emergiram as grandes problemáticas da pedagogia e dá forma

de governar as crianças (Foucault, 1991: 87): A reflexão e as acções

decorrentes dessas necessidades sociais originaram uma proposta de

transposição para a dimensão do Estado dos cuidados postos na

governação dos bens e pessoas de uma família e no empenho que o chefe

dessa família lhes dedica na procura de um crescente benefício dos seus

membros. A relação estabelecida ao longo deste texto entre o discurso

pedagógico correccional e a qualidade produtiva que se exige à inserção

social dos sujeitos escora-se exactamente na intromissão de uma

economia na prática política, através do estabelecimento duma “arte-de

governo” (Foucault, 1991: 92).

É o neologismo “govemamentalidade” (govemmentalitè),

proveniente de “mentalité de govemement”, que vai passar a ser a

designação mais comum de uma “racionalidade” ou “arte” de governar

1 Cfr. Dean, Mitchell (1999). Govemmentality: Power and Pule in Modem Society. London: Sage Publications; Simola, Hannu; Heikkinen, Sakaii & Silvonen, Jussi (1998). A Catalog of Possibilities: Foucaultian History of Truth and Education Research. In: T. Popkewitz and M. Brennan [eds.], Foucault's Challenge - discourse, knowledge and power in education. 64- 90. New York: Teachers College Press.

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por meio de páncípios racionais e ordenadores do conhecimento,

mantendo-se como designação da procura de estabelecer um sistema de

pensar a natureza das práticas de governação. (Dean, 1999; Gordon,

1991; Ó 2002).

A mesma analítica usada no estudo de técnicas e práticas

particularmente endereçadas aos sujeitos individuais e a instituições locais,

pode também ser usada para apreciar técnicas e práticas para governar

populações de sujeitos ao nível da soberania política sobre uma inteira

sociedade (Gordon, 1991: 4), princípio adoptado nesta investigação, ao

procurar identificar algumas continuidades entre um sistema educativo

“em massa” e o regimento disciplinar dos internatos especializados, não

sendo, afinal, senão um modo crítico endereçado à inteligibilidade dessas

práticas e à forma como se estabelecem essas sinapses do poder.

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PERCURSO METODOLÓGICO

Mais que uma referenda, Michel Foucault está presente neste texto

como elemento inspirador da caracterização do objecto e da preferência

pela sua abordagem. Ao dedicar o seu interesse à clausura, à

instrumentalidade disciplinar, ao domínio dos corpos e aos percursos

normalizadores dos sujeitos, inscrevendo um novo território num campo

de análise onde predominavam as aproximações jurídico-penais, Michel

Foucault com Vigiar e Curtir (1987) [1.* ed. 1975] tomou-se, directamente

ou por descendência intelectual, praticamente incontomávd na abordagem

ao universo da criança internada. E que Foucault não nos fala aí

propriamente da prisão, enquanto artefacto penal e corrector, mas sim dos

efeitos que determinados regimes disciplinares pretendem produzir quando

usados como tecnologia social de governação de grupos sociais específicos.

A importância do trabalho de Foucault para a investigação em

Educação não advém exclusivamente das suas propostas para a

compreensão dos sistemas de regulação disciplinar e das instituições que a

usam como método, uma vez que os seus textos se alargam a outras

tecnologias e outros conceitos, também reconhecíveis como epistemologia

social. Michel Foucault, ao questionar os fundamentos conceptuais que

suportavam determinadas disciplinas que se tomaram marcantes a partir do

século XVIII, tais como a linguística, a economia, a medicina ou os sistemas

educativos, construiu uma teoria crítica que abarca “as estruturas cognitivas

e os arranjos institucionais das sociedades modernas”, colocando no seu

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centro a questão de como o homem se elegeu a si próprio como objecto de

conhecimento (Roth, 1992: 684).

Enquanto processo científico de aproximação a um objecto

empírico, o distanciamento, ou um certo desprendimento até, que o

pensamento de Foucault sugere — Ewald refere-se-lhe como “um

pensamento sem compromissos” (Ewald, 2000: 10) — constitui por si um

estímulo importante para ensaiar uma nova abordagem, uma viragem

linguística que, do ponto de vista historiográfico, possibilite também a

edificação de uma problemática aberta ao aprofundamento da sua

exploração e à revelação de uma invariante, uma constante que permita

conhecer a variedade dos fenómenos (Veyne, 1989).

Tal como Foucault, também o sociólogo americano Erving

Goffinan se toma uma referência indispensável, através do seu estudo das

“instituições totais”. As instituições dedicadas ao internamento de

indivíduos, como manicômios, prisões, conventos, colégios internos, asilos,

orfanatos, etc., em suma, as que se apoderam dos sujeitos, criando-lhes um

quotidiano do qual eles dependem completamente, são designadas por

instituições “completas”, ou “totais”. A situação do internado, a forma

como se sodabiliza e a dependência institucional do seu quotidiano

introduzem noções como “mortificação do eiT e sugerem a metáfora

orgânica do produto dessas instituições que “digerem” o indivíduo. Foi na

motivação destes dois eixos principais — o padrão disciplinar de Foucault,

enquanto “relação de poder” e a noção derivada de Goffman de “escola

total” - que foi construído o esboço epistemológico deste texto.

Quanto à dimensão representada pelas tecnologias disciplinares, a

sua abordagem far-se-á através da identificação do papel desempenhado

pela presença dos três dispositivos maiores em que Foucault dividia as

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tecnologias disciplinares, quando usadas na inculcação de novas formas de

conhecimento (Hoskin, 1990; Roth, 1992), a saber:

1. Tecnologias de viglância - Mesmo numa simples escola, a vigilância

sobre os alunos pretende-se que seja continuada, o que só é possível pela

ordenação dos corpos no espaço, sendo distribuídos por salas de- aula

celulares, divididos em grupos e juntados por idades, mantendo-se em

simultâneo sob a vista atenta do professor. O uso do tempo também é

prescrito e conjugado com a ordem que permite a sincronia. Em

instituições disciplinares todas essas técnicas ostentam deliberadamente

uma intensidade que as representa como centrais para a eficácia do

processo educativo, assegurando a ocupação da totalidade do tempo dos

alunos.

2. Técnicas de registo — Englobam os dados que se reúnem sobre os

sujeitos ao longo do tempo. Há normalmente um “registo biográfico”,

resultados de exames, comportamento, avaliações, dados médicos e

pessoais que se desmultiplicam por diferentes especialidades, sendo

registados e acumuladas ao longo dos anos que durar a relação pedagógica.

São possibilidades que se desenvolveram com a estatística, permitindo a

numeralização de inúmeras classes.

3. Técnicas de normalização — São criações de categorias, o que só se

toma possível a partir das técnicas anteriores de observação e registo que

permitem a comparação mensurada de indivíduos com outros, produzindo

fronteiras e quotas de “normalidade”. A partir de uma média pode-se criar

um padrão ideal de cuja proximidade dependa o grau normalização social

ou.0 tipo de homogeneidade das populações.

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Para ser bem sucedida a escrita de um texto que traduza uma

narrativa dos conteúdos e significados das fontes, ele terá que representar,

nas palavras de António Vifiao Frago, “ (...) uma reorganização da

informação que implicar relações e ligações, associações de causa efeito,

bem como a configuração de uma totalidade coerente e explicativa na qual

os seus componentes façam sentido, não de forma isolada mas pela sua

relação com o resto. Uma reorganização que seja, à vez, explicação e

interpretação” (Frago, 1996: 180-181).

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P a r t e I I

A CRIANÇA E AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS

‘Tinha lido que na prisão se perde a noção do tempo. Mas para mim isto não

fazia sentido. Não compreendera ainda até que ponto os dias podiam ser ao mesmo

tempo curtos e longos. Longos para viver, sem dúvida, mas de tal modo distendidos que

acabavam por se sobrepor uns aos outros e por perder o nome. As palavras ontem ou

amanhã eram as nniras que conservavam sentido.”

“O Estrangeiro”, Albert Camus

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A CONFIGURAÇÃO DE UMA NECESSIDADE

Desde que a criança começou a ser percepcionada socialmente

como merecedora de uma nova atenção, ou sentiment como diria Ariès

(1973), que nunca antes conhecera tal forma, iniciou-se assim o

estabelecimento de um novo conjunto de laços relacionais, familiares e

sociais, substancialmente rearranjados nas suas distribuições. Desde aí, a

história da criança tomou-se inseparável da história da sua reeducação

social.

Quando se refere uma nova atenção para com a criança, não

significa que ela não a tivesse anteriormente, mas sim que passou a ocupar

um protagonismo social diferente do que antes tivera: C£We conclude that

childhood (and adolescence) during the Middle Ages were not so much

ignored as loosely defined and sometimes disdained” (Heywood, 2001: 17).

Ariès tem sido muito contestado por esta questão mas, em harmonia com

o pensamento de Foucault sobre o impacto social da era industrial, há que

ter em conta o facto de esse olhar limitado sobre a criança decorrer num

contexto pré-industrial.

Um dos impactos que a nova atenção dedicada à infanda terá

provocado, a partir de meados do século XVI, poderá ter sido o aumento

dos castigos ditados por uma maior preocupação com a sua formação

moral à luz das doutrinas edesiásticas, num duplo efeito que tinha, por um

lado, a vontade de disdplinar mais a criança, tomando-a obediente e

receptiva, por outró lado, essa instrumentalização dos corpos tomara-se

uma condição para possibilitar e valorizar uma acção educativa73

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consequente (Ferreira, 2000: 21). Ou seja, começara a manifestar-se

socialmente uma maior determinação e orientação no governo de uma

população de menores que, até aí pouco estavam enquadrados numa

racionalidade política.

E que essa diferenciação na atenção dispensada ao posicionamento

social da criança, favorecida por um recorte populacional cada vez mais

fino, conduziu (ou foi conduzida) à disposição de novas ordens relacionais

e novas sensibilidades sociais que produziram novos efeitos de poder. O

encadeado desses efeitos podem ser minuciosamente apreciados nas

instituições que, em nome do interesse da criança, passaram a poder tutelá-

la integralmente, com uma intencionalidade educativa e socialmente

normalizadora. Essa reeducação social que se foi confirmando desde o

século XVI que, sendo compulsiva, beneficiou de condições excepcionais

para ir desenvolvendo de forma continuada os recursos e os artefactos de

que necessitava para agir sobre uma população que, estando desenquadrada

da organização social e moral vigentes, deveria ser reconduzida, quisesse ou

não, para uma zona de maior inclusão, aceitação, obediência e

produtividade. Para tal, tomava-se necessário um conjunto de instrumentos

que; pudessem ser aplicados a uma população para a qual fosse criado um

quadro de dependência quotidiana que submetesse naturalmente os sujeitos

a uma ordem distributiva e articulada por uma hierarquia orientada por

uma finalidade social e moral.

A necessidade crescente de estabelecer um quadro de relações bem

definidas, em que os actores exercessem os seus papéis de forma ordenada

e síncrona com os outros, é a que se vai encontrar também na progressiva

escolarização das populações e nas . molduras discursivas pedagógicas de

diferentes épocas. Essa consciência diferente, fruto de uma nova

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interpretação social da criança, permitiu estabelecer relações de poder que,

pela forma como se articularam os seus vários agentes, se tomou um poder

fecundo, gerado em tomo da criança. Foi o estabelecimento de um regime

correctivo e normalizador e a evolução dos seus dispositivos funcionais

que constitui aqui o ponto de abordagem das instituições de correcção

social da criança.

A ilustração de marginalidade como uma fronteira flutuante surgiu

teorizada por Stuart Wolf e Bronislaw Geremek, vindo situar os indivíduos

inevitavelmente de um lado ou outro dessa fronteira, existindo assim um

espaço social compreendendo uma região central e uma margem, “frágil”,

que não está aí incluída. Essa metáfora levanta no entanto um problema: ao

representar duas zonas sociais separadas por uma fronteira sugere-se que

os indivíduos se deslocam subitamente de uma área inclusiva para outra

exclusiva, sem espaços de transição. Jeroen Dekker (2001) propõe uma

resolução para esta dificuldade recorrendo a uma terceira zona, intermédia,

de existência frágil, ajustando a representação do espaço social a três

círculos concêntricos dos quais, um interior, o de normalidade social, outro

exterior, representando a marginalidade e, entre eles, uma zona onde

cabem aqueles que, devido a diversas vicissitudes, se encontram nos limites

entre uma região interna e inclusiva e outra externa e de exclusão. Enesse

espaço liminar que se situam aqueles a quem, pela sua vulnerabilidade - de

ordem económica, comportamental ou outras - se lhes reconhece estarem

numa situação de risco, que os poderá conduzir à deslocação para as zonas

marginais.

E normalmente sob esta perspectiva sociológica de espaço social,

ou; pela prestação assistendal ou amparo, que se- configura a visão mais

comum como percepcionamos à debilidade social, advindo daí também a

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imagem das correspondentes instituições que supostamente se dedicam a

comgir ou atenuar essas deslocações entre zonas sociais limites. A

abordagem assistendalista à educação correctiva - que é talvez a mais

frequente, a par com a penalista — sugere um percurso de aproximação às

instituições que a exerdam partindo dos conceitos de. pobreza e da

problematização do que é o “pobre”. É essencialmente a herança da ideia

de benemerência e caridade que sugere essa abordagem, porém, é o

conceito de criança em risco que nos aproxima mais de uma linguagem que

recorre à geografia soaal e às noções de marginalidade para representar

essas crianças como carentes e aptas para a sua conversão social.

Embora considerando esta geografia social da criança, não é este o

alinhamento conceptual aqui adoptado para abordar as instituições de

reconversão soaal da criança. Apesar dos estudos centrados nos contextos

sociais e nas instituições geradas serem imprescindíveis, é importante uma

deslocação analítica dos métodos para os meios que os constituíram e para

os sistemas que lhes conferiram os saberes. De facto, há necessidade de

complementar alguns estudos dispersos e localizados com uma visão

espadalmente mais panorâmica e temporalmente muito distendida, de

modo que possa conferir um significado mais abrangente e preciso, do

ponto de vista do uso das aplicações pedagógicas disponíveis, ao

tratamento que as instituições aplicam, basicamente desde o século XVI, às

crianças em situação de grande vulnerabilidade social.

Embora seja a história da criança enquanto aluno - em relação com

uma instituição educativa, portanto - , que nos absorve, não é pela sua

relação com a pobreza mas sim pelo eixo técnico-institudonal que

tentaremos sistematizar e compreender as categorizações sociais que as

crianças protagonizaram, através das práticas e dos discursos que têm

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sustentado aquilo que designamos aqui por regime educativo, neste caso,

socialmente correctivo. O enfoque recai preferencialmente sobre a análise

de artefactos disciplinares de controlo e configuração presentes nas

instituições que, embora possuam uma forte dimensão política, não se

pretende confundir com as políticas sodais de relação com a pobreza e as

perspectivas assistenáais que as justificam. Trata-se de dispositivos

regimentais usados na governação dos internos, um conjunto de

tecnologias institucionais, constitutivas de uma economia de poder e que,

do ponto de vista da sua aplicação nas crianças, constituem uma tecnologia

social, moralmente sustentada.

Muitas vezes, a mendicidade que inicialmente justificava o

internamento perpetuava-se por acção da própria instituição que então

passava a organizar, controlar e gerir o peditório de esmolas para seu

próprio sustento. Agora as crianças passavam a pedir não para si mesmas,

mas para a casa que as adoptara e sob uma forma organizada e acrescida de

mais algum prestígio e justificação: esse dinheiro não seria “mal gasto”.

Atente-se na angariação de recursos financeiros do Colégio dos Meninos

Órfãos do Porto, sob a direcção do Padre Baltazar Guedes, em 16511: o

alvará que autoriza a fundação do colégio manda que se dê uma esmola

1 A vida e obra do Padre Baltazar Guedes foram profusamente biografadas por Frei Fernando da Soledada. A meio do século XX, Artur de Magalhães Basto, chefe dos Serviços Sociais e Culturais na década de 1950, coordenou a publicação de uma edição comemorativa do tricentenário do colégio, que incluía uma monografia de sua autoria, e o livro que o Padre escrevera sobre a sua vida, as suas motivações e sobre os passos que deu para a edificação do colégio, para além de incluir os Estatutos que o regiam. Trata-se da Breve rellação da fundação deste C ollego dos M ini nos O ifãos de N. S m da Graça ato fora da porta do Olival desta Cidade do Porto em a qual se eontbem tudo o que na fundação dele lhe sucedeu, bem como do seu Testamento datado de 1680. Também-em 1739 o padre Manuel Vieira de Sousa, ao tempo reitor do Colégio, fez imprimir os Estatutos e outros textos referentes à sua constituição, com comentários de sua autoria. O trabalho de Ana Isabel Guedes (1993), A assistência e a educação dos órfãos durante o antigo regime, também está construído sobre o estudo deste Colégio.

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anual para o vestuáno dos órfãos em reconhecimento da piedade da obra.

O seu orçamento era suportado por benemerência particular. Muitas vezes,

no início, o Padre e os órfãos iam para a igreja pedir esmola por não terem

sequer para comer (Basto, 1951).

[1651] “Todas as quartas-feiras, não sendo dia santo, sairão quatro órfãos pela cidade com os seus alforges e caixinhas, a pedir esmolas para este Colégio, as quais entregarão ao P.Reitor, para que as assente num livro” (Estatutos do Real Colégio de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos da Cidade do Porto, 1739).

Também esmolavam aos sábados e domingos à tarde, uma

ocupação que se vai multiplicando e racionalizando durante o século

seguinte de forma a tomar-se mais eficiente. Em 1739 já podemos

encontrar uma melhor repartição dos órfãos encarregados do peditório,

bem como a multiplicação dos agentes e a sua distribuição sincronizada já

orientada para um conceito mais evoluído e produtivo que o da mera

aleatoriedade da colecta:

“Os peditórios dos sábados são mudados para os Domingos,(...) indo mais seis órfãos, pela manhã, pedir pela cidade, dois por cada freguesia, os quais vão também às quartas-feiras, e no Domingo de tarde vai um pedir ao convento de Monchique e outro a Santa Clara e ao cimo da vila, e às sextas-feiras, em hora desocupada, vai um pedir ao Mosteiro das religiosas de S.Bento” (Estatutos do Real Colégio de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos da Cidade do Porto, 1739).

Não que*a mendicidade fosse socialmente reprovável à época e

mesmo ainda no século XIX, nos mapas estatísticos Oficiais do Ministério

do Reino, inspecção escolar de 1886, se pode encontrar na contabilização

das profissões dos pais dos alunos a categoria de “mendigo”, já impressa

para ser preenchida quando fosse o caso e em paridade com qualquer

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outra, sem nenhum destaque especial que a considerasse uma situação

merecedora de alguma atenção particular que a demarcasse de uma

normalidade natural1. Simplesmente, a difusão de um discurso centrado na

dualidade bem-estar/pobreza não estava ainda devidamente enquadrada numa

economia política que pretendesse actuar sobre a materialidade das

transformações no domínio social, uma materialidade constituída também

por uma multiplicidade de relações localizadas, reveladoras de uma

pluralidade de modos de ser e de comportamentos que deverão ser ou

promovidos ou contrariados através de tecnologias sociais de governação

dos indivíduos (Procacd, 1991).

Só no século XVIII se assiste à mutação das habituais perspectivas

caritativas num espírito filantropista emergente do contexto de novos

problemas sociais que o industrialismo estava a criar. Já não se tratava só de

bem-estar/pobreza, a partir daí há qué lidar também com o binómiò

emprego/desemprega levando a que o discurso filantrópico se aliasse a uma

economia social que estabelecesse um relacionamento entre a esfera da

economia política e as populações que não fosse unicamente estabelecido

através das relações de trabalho. Essa economia política,' até aí “clássica”,

não tinha até então recorrido a uma “política de pobreza”, ou seja, não

fizera ainda uso de um discurso que incorporasse a ideia de bem-

estar/ pobreza nas tecnologias sociais de governação (Dean, 1991; Procacd,

1991).

Em pleno século XIX, os asilos e afins recorriam, agora de forma

comum, a uma modalidade clássica de autofinandamento, acdtando

pordonistas.

1 3.* Repartição da Direcção Geral da Instrução Pública,-modelo do mapa escolar da Inspecção de 1866, Arquivo Nadooal da Torre do Tombo, m ç 4100.

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“Os asilos recebem também pensionista de. ambos'os sexos, aos quais prestam igualmente hospitalidade, educação e instrução, conjuntamente com os alunos gratuitos, e mediante a retribuição e com as condições que o mesmo regulamento estatuir, de tal modo que não receba com isto senão vantagens, a classe desvalida” (Regulamento geral ou Estatutos da Sodedade de Beneficência de Coimbra para Asilos da Infanda Desvalida, 1850).

Esta abertura das instituições ao exterior acabava por ter efeitos que

transcendiam o mero pragmatismo, financeiro ao alargar a influência social

do exercido-das suas tecnologias educativas, dirigindo-se precisamente a

um público nos antípodas do que era o seu habitual: os mais protegidos.

Foi por esta época que os interesses do Estado na governação social dos

indivíduos se foram avolumando. Até ao século XVIII não existira a

distinção entre alunos externos e internos; até aí, os exttrm eram os alunos

que não pertendam à Companhia de Jesus, os que conhecemos hoje como

externos eram então os auditores (Ariès, 1973). O internato educativo não se

tinha ainda estabelecido como modalidade regimental; só mesmo a

.Companhia era percursora desses quadros disaplinares que impunham

uma vida colectivamente regulada, temporalmente constante e vivida num

. espaço muito restrito.

Mais tarde, a acção republicana vai impulsionar com firmeza o

tratamento social da mendicidade, através da Organização dos serviços de

Assistência Pública e consagrada no decreto-lei de 25 de Maio de 1911.

Agora, a visibilidade da pobreza e a mendicidade têm que ser amenizadas

por uma política concertada em que “a acção. privada é guiada pela

pública”, baseando-se ambas na “tácita recusa de esmolas de rua”. E havia

uma acção prática exercida pelos “cívicos” no controlo da evidência da

mendicidade, estimulada pelo próprio provedor da assistência que em 1914

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instava o Govemo Civil-“para que haja o máximo rigor na repressão da

mendicidade, sendo os indivíduos presos nessas condições enviados à

Provedoria, á fim de serem internados no Refugio” (Barbas, 1914: 101). O

que também conduzia a exageros, uma vez que no mesmo número da

revista A Tutoria se pode encontrar um firme protesto pela prisão de dois

menores que se encontravam simplesmente a brincar junto ao Largo de

Camões e tinham sido conduzidos aos calabouços sendo afinai anónimos

mas filhos de gente conhecida (um antigo empresário teatral e uma actriz),

sendo soltos pela intervenção de um major que, tomando conhecimento

do caso, mandou prontamente soltá-los. Censurava-se então os cívicos

porque “os factos estão a provar todos os dias que é urgente reformar essa

coisa da polida É necessário que nessa corporação estejam homens de

sentimento e de cultura”. A formação dos indivíduos que lidavam com

crianças, neste caso os “cívicos” mas normalmente os “educadores” e

“guardas” de instituições de jovens, era motivo recorrente de grandes

lamentos por parte dos dirigentes, o que permite_perceber o grande fosso

entre os que diriam e os que fa liam , exigindo a estes últimos um conjunto

de qualificações que incluíam um nível de “sentimento e cultura” que,

obviamente, não possuíam. Os guardas dos internos eram normalmente

antigos militares ou avicos que lidavam com as crianças de forma algo

rude, o que era agravado pelo diminuto ratio por aluno, conduzindo a

práticas por vezes violentas para manutenção da ordem pela qual tinham

de responder e para afirmação da sua soberania.

Essa política assistendal possuía também uma vertente reguladora

social e de controlo populacional, ao pretender regular os fluxos

espontâneos das populações em tomo de aglomerados mais prósperos,

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procurando um equilíbrio ditado pelos interesses do Estado na ocupação

do território.

“Assim foi que se estabeleceu desde já a d es urbanização dos assistidos,, por meio da- sua colocação em famílias rurais e por meio de colónias agrícolas para menores a cargo da Casa Pia e do Asilo Mana Pia, e se determinou a transferência do Asilo de Mendicidade para fora de Lisboa, dando aos asilados ocupações agrícolas compatíveis com as suas forças físicas” (Organização dos Serviços de Assistência Pública, 1911).

Era o reforço de uma vida rural que pretendia concomitantemente

abrandar o crescimento desordenado da capital; as rríanras “indigentes”

eram colocadas em famílias rurais (Organização dos Serviços de Assistência

Pública, 1911: art° 23.°) ou colónias agrícolas e usadas como força de

trabalho. Com a ideia de regeneração pelo trabalho, acrescenta-se uma

nova fonte de proventos para as instituições, como prova a vida nas

colónias correcdonais tão em voga na viragem do século XIX para o século

XX.

“Os géneros alimentícios de primeira necessidade, como o pão, o azeite, a batata, as frutas, os legumes, etc., sao colhidos em quantidade nas propriedades da Colónia e, além de bastarem às necessidades da alimentação dos internados, constituem a melhor fonte de receita do Estabelecimento” (Rombo, 1931:8) . '

Aó economato' da Colónia Correccional de Izêda acrescentava-se

ainda o-rendimento de várias propriedades agrícolas e o aluguer de uma

debulhadora às populações circunvizinhas. A mão-de-obra era fornecida

pelos colonos, sob a direcção de um guarda. Este recurso à força produtiva

dos alunos para a manutenção do seu próprio regime chega até às Tutorias.

Perante a falta de instalações, o Juiz Presidente da Tutoria Central da

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Infanda- de Lisboa, em Novembro de 1911, poucos meses depois da

abertura dos serviços, sugere:

“Nas casas de Reforma já existentes e nas que se vierem a criar, deveriam fúndonar oficinas • em que de. preferência se ministrasse a aprendizagem dos ofíaos concernentes a construções av is, para que o Estado, aproveitando o trabalho dos menores, edificasse com assinalada economia as novas instalações que é indispensável fazer-se, visto estar mais que reconheádo que as adaptações ranssimas ■ vezes satisfazem”(Castro, 1911: 32).

Esta capaddade utilitarista difunde-se por outras necessidades,

chegando mais tarde a estar projectado um ££Reformatório Marítimo” para

fundonar a bordo de um navio (Castro, 1931).

O combate à mendiddade não se ficava pela generosidade da acção

sodal pública e privada, continuando a produzir-se legislação adequada

para a eliminação da sua visibilidade e exposição pública. O Decreto-ld n.°

36448 de 1947 respdtava, no seu art° 3o, à repressão à mendiddade de

menores:

“Proibição da mendiddade — art.° 3o: Os inválidos ou incapazes e os menores de 16 anos encontrados a mendigar serão, conforme os casos: a) Entregues às famílias ou a quem se responsabilize pelo seu sustento e agasalho, gratuitamente ou mediante remuneração; b) Internados em estabelecimentos adequados; c) remetidos à comissão de assistência do domicilio de socorro. § Io Os menores em perigo moral serão enviados ao tribunal de menores, que poderá promover o seu internamento em estabelecimento de assistência. § 2o As medidas previstas neste artigo cessam logo que os assistidos, por si ou por outras famílias, possam prover ao seu sustento, não devendo o internamento prolongar-se além do tempo indispensável.”

Nos anos de 1960 continuava ainda a difundir-se as virtudes

educativas do internato junto das classes mais emergentes e com mais

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aspirações educativas.para os seus. filhos, como aliás sempre se fizera um

pouco desde o Colégio dos Nobres. O internato foi um regime que os mais

abastados nunca renegaram, pelo menos desde a fundação deste Colégio

criado por Carta Régia de 1761 e extinto em 1837 devido precisamente ao

seu carácter elitista1. Acrescente-se que funcionou sempre num edifício

construído pelos jesuítas no início do século XVII, como noviciado. O

estudo em colégios sempre foi por alguns considerado um sistema ideal de

educação, uma “escola de virtudes” capaz de preparar as crianças para as

difíceis realidades sociais.

Essa crença nas possibilidades do internato continuou a ter adeptos

em Portugal até muito tarde, não só como modalidade correcàonal ou

simplesmente disdplinadora de rapazes difíceis como também elitista. No

início da década de 1960, a revista Crónica Feminina,, uma revista de

referência para o universo feminino da época com uma tiragem semanal de

120.000 exemplares, questionava se o colégio interno deveria ser visto

como os franceses o encaravam, condenando-o, ou como os ingleses,

adeptos fervorosos dessa modalidade educativa:

1 Sobre o Colégio Real dos Nobres de Lisboa, entre outros, Cfr. Carvalho, Rómulo de (1959). História da fundação do Colégio P eai dos Nobres de Lisboa. Coimbra: Adântida; Herculano, Alexandre (1842). Da Escola Politécnica e do Colégio dos'Nobres. Lisboa: A. Herculano; Páscoa, Mário (1994) r O Noviciado da Cotovia e o Colégio dos Nobres - conferência. Lisboa: Academia de Cultura e Cooperação.

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Será realmente-bom? Será realmente mau? Internada, uma • criança deixa de ser o eixo da terra para ser, apenas, uma criança no meio doutras crianças. Perde em ternura, em compreensão, ganha em trato social, em autodomínio. Se suportar o internamento, adquire uma vantagem importante.(...) Antigamente, havia a tendência de enviar para colégios internos as crianças complicadas. Foi bem necessário reconhecer que tal procedimento era um erro grave. O constrangimento nunca curou uma criança difícil. (...) Porém, de uma maneira geral, as crianças normais beneficiam em ser internadas, porque adquirem uma força moral què lhes permite, . mais tarde, viverem no mundo sem sofrerem demasiado com o convívio nem sempre amavel dos seus semelhantes. Além disso, a vida regrada impõem-lhes uma - disciplina que lhes facilitará o ingresso nos empregos ou numa profissão um pouco dura” (Eles e os Colégios Internos, 1961.Crónica Fem inina, n. ° 217) l .

Não seria recomendável para crianças sensíveis nem para a

regeneração, como o texto aconselhava, mas percebia-se que a opção

inglesa era preferida. Síntese do pensamento da época sobre o internato

educativo e particular, teve algo de premonitório sobre a chegada de uma

transição rumo ao pensamento pós-modemo em Portugal sobre a realidade

correcdonal, cuja reforma legal vai surgir no ano imediatamente seguinte

de 1962. É justamente nesse ano e nos seguintes que se começam a

multiplicar instituições impulsionadas por necessidades novas de albergar

maiores populações de órfãos, refugiados, indisciplinados do ensino

público e filhos de militares que partiam para a Guerra Colonial. Nas ex-

colónias, os filhos da burguesia africana, normalmente de origem

portuguesa, já tinham no internato um recurso habitual quando residiam

em zonas remotas e precisavam de continuar os estudos, ficando

1 O uso desta fonte é sugestivo da seguinte citação: “Anything is evidence wich is used as evidence, and no one can know what is going to be useful as evidence until he has had occasion to use it” R. G. Collingwood, The Idea o f H istoiy, p. 289, dtado em Prost (1996: 81).

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normalmente nas capitais de província onde existiam colégios dirigidos por

religiosos. Mas isso é outra História.

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E n t r e a Ig r e ja e o E s t a d o , o p r iv a d o e o p ú b l ic o

O louvor do auxílio privado aos mendigos e desamparados

praticamente sempre existiu, mas a institudonalÍ2ação dessa ajuda e a sua

conjugação com a intervenção do Estado começam a manifestar-se

somente a partir do século XVI. Por essa época, são criados os primeiros

Hospitais Gerais e as Misericórdias por iniciativa da Coroa, revelando as

primeiras manifestações de vontade de intervenção estatal em assuntos

caridosos, num tempo em que a mendicidade denunciava já uma vontade

de intervenção organizada em tomo de confrarias e irmandades que agiam

sempre com um enquadramento religioso1. Essa modalidade de auto-

subsistênda, ou mais individual e espontânea ou mais colectiva e

organizada, não se vai extinguindo, bem pelo contráno, permanece e chega

a sustentar instituições, sendo o surgimento da intervenção estatal um facto

relevante e inédito, ao mostrar um interesse político activo numa área onde

até então permanecera ausente (Bastos, 1997).

Mas foi precisamente através dessa acção social veiculada por

ordens religiosas, Misericórdias, Irmandades e confrarias, que se

começaram a institucionalizar na segunda metade do século XIX os

princípios que distinguem a benemerência de um certo sentido mais

político de solidariedade social. A evolução organizativa dessas associações

1 A Hisfinçàn entre confrarias e irmandades é polémica. É comum associar-se a confrana ao auxílio mutualista e a irmandade ao caridoso, e mesmo na definição juridico-legal das Santas Casas da Misericórdia, ela aparece com uma ou outra designação, ou ambas simultaneamente. Cfr. Fonseca, Carlos Dinis (1996). História e Actualidade das Misericórdias. Mem Martins: Inquérito.

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é nítida e a sua importância social e política é crescente, levando D.

António Costa a considerar a sua acção como “fundadora de um espírito

liberal e democrático no seio dos regimes absolutistas” (Costa, 1885). Em

coerência com a legislação liberal de 1834, que pretendia acabar com as

ordens religiosas, o Estado, com a criação do Conselho Geral de

Beneficência em 1835, pretende representar o início da assistência social

pública em Portugal, o que vai conduzir um ano depois à abertura de um

conjunto de estabelecimentos de asilo de mendicidade e de infanda

(Carvalho, 1998).

Pode-se apontar o ano de 1759 e a acção política do Marquês de

Pombal como o inírio de um processo que conduziu ao afastamento dos

jesuítas, e ao lançamento das bases de um sistema de ensino de iniciativa do

Estado, facilitando o processo de secularização do ensino e estabelecendo

um meio adidonal de controlo político, base essencial em que assentou a

configuração dos estados-nação. O lançamento, na reforma de 1772, de um

imposto destinado a fomentar a actuação da Real Mesa Censória,

instituição encarregada da administração dos estudos dos menores, coloca

o país como inovador no estabelecimento de instrumentos de acção

governativa através dessa tributação designada por Subsídio Literário. As

consequências vão fazer-se sentir também na transição da dependência

directa do professorado pelas comunidades onde actuavam, para se

subordinarem ao Erário Régio que passou a distribuir os recursos que

previamente colectava junto dessa comunidades (Gouveia, 1993; Nóvoa,

1994).

E uma profunda rotura com o passado, o estabelecimento de uma

razão e uma p n vd s política que vai, abarcar diversas áreas da vida do reino,

em consonância com a ilustração das luzes que tinha chegado a Portugal

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(Gouveia, 1993). A acção do Estado sobre a criança pobre, a miséria e os

indivíduos que supostamente não agiam como súbditos, foi orientada para

a repartição entre os poderes eclesiásticos e seculares, sendo o lançamento

da Real Casa Pia de Lisboa, em 1780, um marco no desenvolvimento de

uma aplicação específica destinada ao controlo e rectificação da situação

social da criança. Nesse ano, as despesas públicas com a educação

praticamente duplicaram em relação a anos anteriores, evidenciando um

esforço de investimento em novas instituições e modalidades.

Mas é de sublinhar que estas instituições não estavam propriamente

vocacionadas para prestar educação escolar aos seus protegidos, preferindo

treiná-las numa profissão para uma vida pós-institucional activa, um

modelo ainda perdurável, mas, não se colocava muita preocupação no

ensino que ultrapassasse as primeiras letras. Em meados do século XIX é

que se começa a proporcionar ensino gratuito às cnanças sob protecção,

não sem antes ter que ser vencida alguma animosidade popular pela ideia

de escolaridade: em 1877 abria no Campo Grande, em Lisboa, uma escola

da Ordem Terceira para instrução nocturna de operários, encerrada cinco

meses depois, uma vez que os alunos que a frequentavam a foram

abandonando, desanimados pela censura e escárnio dos que se opunham a

semelhantes iniciativas (Costa, 1885). Não se pense que por. serem

operários seriam homens feitos; nesse tempo as crianças trabalhavam e o

ensino não estava ainda compartimentado por escalões etários, pelo que

era natural que entre os alunos (23, inicialmente), houvesse um amplo leque

de idades.

Só em finais de oitocentos é que já se encontram cerca de

novecentos alunos: de ambos, os sexos, nas escolas de ensino gratuito da

Ordem Terceira do Carmo, da Trindade e de.S. Francisco. Um ensino de

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iniciativa e patrocínio religioso, sem dúvida, mas que ensinava não só a

“cantar e a tanger” como nos tempos do Colégio do padre Baltazar

Guedes, sendo então leccionadas algumas aulas de comércio já com uma

feição profissionalizante. Um panorama semelhante verificava-se no Porto

e em outras cidades do país, onde a benemerência privada continuava a

exercer um papel muito importante na fundação e financiamento de

escolas cuja regência e estudos ficavam entregues a religiosos.

E em meados desse século XIX que se assiste à diluição dessa

modalidade cívica de patrocínio, consolidando-se, por outro lado, uma nova

dinâmica no enquadramento da assistência social prestada pelo Estado. A

fundação da Sociedade de Beneficência para Asilos da Infância Desvalida

de Coimbra, em 1850, é paradigmática da parceria entre a organização

política do Estado modemo e os interesses morais expressos pela

organização eclesiástica. Aquele, patrocinando e regulando, esta, detendo as

competências práticas do exercício de auxílio. O pedido de alvará que foi

presente à aprovação da Rainha garantia a “fiel observância das Leis e

Regulamentos da Pública Administração e Polícia” (Regulamento geral ou

Estatutos da Sociedade de Beneficência de Coimbra para Asilos da Infanda

Desvalida, 1850) e, simultaneamente, confirmava a quem pertencia a

prerrogativa da - concessão de direitos, assegurava o cumprimento do

quadro jurídico vigente e esdarecendo publicamente sobre quem detinha a

sua tutela. O regulamento da instituição consagrava também a repartição

das responsabilidades governativas e morais:

“A educação consiste em promover o desenvolvimento das suas faculdades físicas e morais; habituá-los ao asseio, ordem . obediência e respeito; e em fazer desenvolver e radicar em seus corações o amor de Deus e do próximo” (Regulamento geral ou Estatutos da Sociedade de Beneficência de Coimbra para Asilos da Infanda Desvalida, 1850).

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Continuava a haver em tudo isso, uma presença do “claustro, da

prisão, do colégio, do regimento”, para usar as palavras de Foucault (1987:

243).

Em finais do século XIX, o pensamento científico e liberal

começava a imiscuir-se entre as frentes eclesiásticas mais antigas e os novos

poderes e racionalidades conotados com os Estado modernos que

sustentavam na razão científica a sua acção no espaço público da

governação política. Eça de Queirós, atento à sua época como poucos,

expressou pela voz de um personagem, o médico e liberal Dr. Gouveia,

uma síntese mordaz e lapidar da disputa entre os poderes seculares e

temporais pelo domínio dos sujeitos [1875]:

“E agora (...) que eu introduzi a criança no mundo, os senhores (e quando digo os senhores, quero dizer a Igreja) apoderam-se dele e não o largam até a morte, por outro lado, ainda que menos sofregamente, o Estado não o perde de vista... E aí começa o desgraçado a sua jornada do berço à sepultura, entre um padre e um cabo de polícia!” (Queirós, 2002: 326).

Com o advento da República, questões antigas voltam a ocupar o

palco da disputa pelo domínio do. sector educativo, instrumento que

adquiria então uma importância tão crescente quanto o. aumento das

populações escolares. Uma das problemáticas herdadas da governação

pombalina centrava-se recorrentemente no exercício educativo das

congregações religiosas. Quando em Outubro de 1912 é lançada a revista

A Tutoria, pouco mais de um ano tinha passado sobre a iniciativa de

legislação orgânica e princípios republicanos de protecção à infância. O seu

número inaugural assemelha-se, compreensivelmente, a uma carta de

princípios, não sendo no entanto descurada a vertente divulgadora e a

propagandística. O que estava' em causa era exposto sob a forma de

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epístola ao seu director e proprietário, também juiz presidente da Tutoria

Central da Infanda, Pedro de Castro, assinada por António Madeira. Era

um discurso também eluadativo do quadro de referendas morais

constituintes do novo poder político. As palavras que entendeu usar foram

as seguintes:

“A rede formidável que, de novo lançada em 1860 já em 1901 cobria todo o país, forte nos seus fios de ouro caçado aos ingénuos, teve a veleidade de acreditar que a República ainda teria que chorar por essas alma«? cândidas que, sob um falso critério de protecção e educação, descaracterizava os seres que lhe caíam nas apertadas malhas, sujeitando-os à máxima fraqueza, fazendo-lhes esquecer todos os sentimentos de família, apagando-lhes o ardor patriótico, esmagando-lhes a capacidade de raciocínio, a própria determinação na escolha de motivos orientadores das suas acções, tomando-os obedientes a princípios cuja aceitação era imposta sem discussão, fazendo- os, numa palavra, escravos de si mesmos em proveito duma minoria que considera o trabalho uma expiação e a emancipação política uma afronta a Deus, para que esse Deus, cuja doutrina deturparam sempre, seja senhor absoluto na vida material dos homens. (...) Sob os princípios constitucionais da neutralidade religiosa, a escola, a assistência e a prisão, continuam exercendo as suas fúnçÕes sociais, aliviadas do peso da influência congreganista e jesuíta” (Macieira, 1912:2-3).

Esta discursividade moral de feição persecutória tinha um

contraponto factual que, pelo lado das práticas institucionais, contrastava

profundamente com os pressupostos subjacentes ao discurso pedagógico,

como iremos ver sempre que nos aproximarmos dos quotidianos

institucionais, uma vez que as metodologias escolares não se alteraram

muito, sobretudo devido às apropriações da maneira jesuíta de exercer o

ensino e a disciplina. Aliado ao protesto da “doçura” dos métodos e dos

discursos que a vida vivida desmentia, estava sempre presente a

superioridade que o reforço de uma “certeza” científica trazia. Quanto à

92

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superioridade da “certeza” moral, ela autojustificava-se pela sua qualidade

naturalista.

Esse ambiente de hostilidade política levou a que em 1910 o colégio

jesuíta de Campolide, que funcionava desde.1858, fosse, instalar-se em 1912

perto de Bruxelas, num episódio que ilustra o jogo de poder entre um

Estado laico e carenciado que se queria afirmar no sector educativo e a

experiência e os recursos da Companhia de Jesus. As requintadas

instalações do Chateau de Dielighem, que abrangiam 13 hectares com

campos de futebol, ténis bosque, lago para remo e patinagem, jardins e

pomares, estavam ao dispor dos 50 alunos portugueses iniciais. Dois anos

depois, o agora Instituto Niu^Álvares, deslocava-se para perto de Portugal,

em Pontevedra (Galiza), continuando a seguir o programa Liceal e o Curso

de Comércio. Mais dois anos passados e essa proximidade geográfica

estreitou-se ainda mais quando em 1916 o Instituto passa para La Guardia,

na margem direita do Minho frente a Caminha. A qualidade das instalações

mantinha-se, com laboratórios modelares, Museu de Ciências Naturais,

bibliotecas e os habituais campos desportivos. Entretanto o número de

alunos elevara-se para 270. Em 1932 vamos encontrar o mesmo instituto

nas instalações da estância termal das Caldas da Saúde, entre Famalicao e

Santo Tirso (Ideário dos Colégios da Companhia de Jesus em Pòrtugál,

1980).

A complementaridade entre a assistência pública e a privada é

enaltédda pelo Estado quando se organiza a Assistência em Portugal

[1931]. A estrutura orgânica da Direcção Geral de Assistênda, ao tempo,

estava assente em duas repartições especialmente criadas para gerir as

seguintes vertentes:

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I. Assistência Pública — Estava-lhe atribuída a “assistência sodal” e

tinha a seu cargo os asilos, a assistência médica e os

recolhimentos;

- Asilos de maiores;

- Asilos de menores;

- Asilos mistos;

- Assistência médica;

- Assistência dos funcionários civis tuberculosos;

- Recolhimentos-

II. Assistência Privada — Estava-lhe atribuída a “assistência moral” e

era coordenada por um Conselho de Inspecção das

Misericórdias e estava dispersa por diversas modalidades

. institucionais:

- Sopa dos pobres;

- Postos médicos;

- Dispensários;

Sanatórios;

- Preventários;

Cantinas;

- Lactário,

- Creches;

- Albergues;

- Asilos de menores;

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- Asilos de Maiores; • ■ ' -

- Hospitais sem Misericórdia;

Hospitais com Misericórdia.

O Estado solicitava a institucionalização da benemerência,

enquadrando-a, sujeitando-a às suas modalidades e regulando as suas

actividades. Por essa altura, a acção das instituições privadas era muito mais

relevante que a das públicas, contabilizando-se, por exemplo, só na cidade

de Lisboa um total de 83 casas de apoio à criança, repartidas nas seguintes

modalidades: Internato, 21; Externato, 14; Semi-intemato, 2; Lactário, 4;

Cantina, 23. As restantes, prestavam apoio directo e variado como, auxílio

a parturientes, fornecimento de apoio médico e farmacêutico, roupa, etc.

(Esquema da Organização da Assistência, 1931).

Mas, regressando aos aspectos educativos, a receptividade social ao

protagonismo do Estado não foi aceite com naturalidade. Ao contráno,

todo um discurso político teve que ser edificado antes de se processar essa

transferência de responsabilidades e essa deslocação de poder. Esse

discurso público fundou-se na ideia de pedagogiiçaçâo da criança, da qual

Comenius terá sido o seu precursor. Para além de na sua Didáctica Magna

propor uma educação universal, remetendo-a inevitavelmente para o cargo

da esfera pública, a ideia do afastamento da família da responsabilidade de

educação da infância, criava a necessidade do estabelecimento de um pacto

de confiança entre pais e professores, entre família e escola (Norodowski,

s. d.). Mas, mesmo com essa condição estabelecida, havia ainda a

necessidade de promover mecanismos próprios e inéditos que

proporcionassem a capacidade de produzir uma educação para todos,

95

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segundo uma distribuição social pública e em concordância com uma

determinada racionalidade pedagógica.

Em meados do século XX, na Europa, sobretudo em Inglaterra e

França, declarações de pós-modemidade marcavam presença no discurso

terapêutico e nas instituições que surgiam com regimes experimentais mais

abertos, como comunidades ou outras formas de alojamento de espírito

mais familiar, acrescendo-se à diversidade de modalidades institucionais

que já existia. Em Inglaterra, por norma as instituições de reeducação eram

gendas por privados ou colectividades locais, tal como em França, onde a

maioria das instituições são privadas, tendo aqui o Estado um papel

regulador e de gestor de projectos educativos pilotos.

Pode-se então agrupar, segundo critérios regimentais latos, as

seguintes modalidades institucionais mais comuns na Europa dessa época

(Costa, 1951: 6-7) e também em Portugal:

- Instituições fechadas de correcção, tipo prisão-escola, onde

os objectivos securitários suplantam os reeducativos (que

continuam, obviamente, a existir), recebendo alunos

considerados incorrigíveis por outros estabelecimentos.

- Instituições mais clássicas, de internato, conhecidas em

França por “instituições públicas de educação vigiada” em

Inglaterra por “home office schools”; na Bélgica,

“internatos” dependentes do Estado; na Suéda, “escolas de

protecção da juventude”.

- Casas de acolhimento, lares, ou de semi-liberdade,

correspondendo a uma tendência recente para reeducar em

liberdade, embora suficientemente vigiada para que o

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menor fosse protegido da influência de • meios

desfavoráveis.

- Comunidades de crianças que recriavam o meio social e a

inerente responsabilização que daí advinha.

- Centros de acolhimento, observação e triagem, com o fim de

encaminhar o menor para a modalidade mais adequada ao

seu caso e dar andamento à tramitação judicial requerida. •

A educação, o amparo e a correcção disciplinar sempre foram afinal

repartidas por diferentes forças sociais, ou sob a forma de administração

directa ou por subsídios ou parcerias. A benemerência privada não

desapareceu mas foi sendo' substituída pelos contributos institucionais,

mormente os do Estado, com o surgimento de novos instrumentos

políticos destinados ao bem-tstar social. Em 1943, o Decreto-lei n.° 33262

de 24 de Novembro determinava que os reformatórios e colónias

correcáonais dependentes da DGSJM poderiam ser entregues em regime

de cooperação e simples administração a entidades particulares

especializadas (art° 1°). Essas entidades, passariam a ter a seu cargo, em

regime livre e autónomo, a educação, reforma e correcção dos menores

internados (art° 3^.

Fechava-se um ciclo que tinha começado com a entrada do Estado

nas metodologias disciplinares e correctivas de menores, papel

primordialmente desempenhado pela Igreja, endossando agora a

administração dessas técnicas à iniciativa privada de entidades sociais

devidamente caucionadas.

97

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A DISCIPLINA ENQUANTO ARTEFACTO PEDAGÓGICO

Desde o seu étimo, a palavra “disciplina” está indelevelmente ligada

à “educação”. Ele reside no latim disciplina, que significa simultaneamente

uma referência ao antigo conhecimento da filosofia, da retórica, da música,

mas também se reporta a problemas de uma ordem de poder, como por

exemplo os da disciplina miãtaris. A origem do termo remonta a disápuÜna

que significava dar aprendizagem às crianças. Portanto, desde o seu início,

“disciplina” é um termo educacional que reflecte duas vertentes: uma, que

representa a apresentação de um certo saber perante o aprendente e outra,

que permite manter o aprendente perante um certo saber (Hoskin, 1990

30), não sendo de estranhar a simbiose entre os sistemas disciplinares e os

educativos.

Foi Ariès (1973) quem primeiro reclamou a importância da

problemática disciplinar para o campo educativo e estabeleceu uma ligação

entre o exercido das tecnologias disdplinares disponíveis e a construção

cultural e social da criança. Ao procurar espedficar momentos de

emergência de novas práticas disdplinares nos locais de ensino procurou

estabelecer uma assoaação entre esses novos regimes e as alterações na

percepção e tratamento social da infanda, erigindo novas categorias para

“as idades dos escolares”. Não eram mutações que se operavam

exclusivamente no espaço escolar, mas eram indissodávds de todas as

novas formas de economia de govemo das instituições. A gestão não

surgiu com a Teòria das Organizações, havendo desde sempre um

conjunto de práticas empíricas orientadas para os resultados, mesmo não99

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estando enquadradas por uma determinada racionalidade ou por um

discurso socialmente relevante.

As técnicas de internato • do Antigo Regime fundavam a sua

disciplina no temor, orientando-se para uma utilidade social que espelhava

a vontade prosélita, oferecendo aos discípulos, fáceis de recrutar entre a

orfandade, a possibilidade de obterem conforto e educação. Em 1739, o

padre Manuel Vieira de Sousa, numa introdução aos Estatutos do Colégio

dos Meninos Órfãos do Porto datados de 1653, referia-se à finalidade e à

regra vigente na instituição que à altura regia:

[1651] “ (...) Para criar os meninos que, desamparados de pai e de bens, estando em sua própria terra, lhes seja forçoso viverem como peregrinos nela e, sendo daí naturais, andarem a pedir como estranhos, sem pai que os crie, sem bens que os sustentem e sem mestre que os doutrine. Se buscarmos os efeitos, entre muitos, os principais são os seguintes, que estes meninos neste colégio com um Reitor hão de te r encontraram pai que os castigue e alimente e mestre que os ensine, resultando disto que estes, que deviam andar vadios, aqui estão em clausura e, se teriam a quem temer, aqui têm a quem obedecer e a quem temer; se haviam de começar a viver como

' - quisessem, aqui só hão-de saber o que no aperto de um colégiofechado se aprende, e só hão-de viver apertados no recolhimento” (Sousa, 1739).

Também se exigia aos que lá entravam que, junto com o enxoval,

levassem ‘‘horas de N. Senhora e disciplinas”. A clausura, a orientação

moral, a hierarquia, a aprendizagem, o exame, o temor e o castigo, eram

os “efeitos” que iriam criar os meninos, servindo para os “adestrar”.

No início do século XIX, a monarquia constitucional continua a

busca de um métodó eficaz na correcção da infância e assiste-se à

publicação pela Imprensa Nacional [1822], a mando das Cortes, da obra do

utilitarista inglês Jeremias Bentham [1748-1832], autor da teorização do

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Panóptico, tomando-se as suas ideias disciplinadoras bastante divulgadas e

influentes no Portugal da época. Inspirando-se nos métodos das

comunidades Quaker da Pensilvânia, estado americano apontado como o

berço das técnicas penitenciárias, preconizava a repartição dos indivíduos

em pequenos grupos, contornando assim “todos os inconvenientes que

resultavam de estarem a monte, misturados uns com os outros”, mantidos

sob uma “inspecção constante cuja finalidade era a de tirar o poder de fazer

mal”. O método seria aplicado, fosse qual fosse o resultado da ‘fceforma

interior, que emenda a vontade em si mesma” (Bentham, 1822).

Esta elementaridade conceptual e instrumental da disciplina vai

sofrer uma evolução que irá conduzir progressivamente à dilatação do seu

universo, a uma sofisticação dos seus mecanismos e a uma deslocação da

exclusividade de acção sobre o corpo dos sujeitos para incidir sobre uma

esfera de influência moral. Não chega já o intuito de evitar inconveniências e

começa a ampliar-se o discurso que dilata a disciplina para uma teleologia

do carácter. É assim que, em finais do século XIX, se consagra não só uma

reprovação já antiga do uso restritivo da disciplina e das penalizações físicas

como, cumulativamente, se clarifica o alcance preferencial da ordem

disciplinar

“Il y a deux méthodes en présence, la méthode autoritaire et la méthode libéral; il y a une discipline qui agit surtout du dehors et une autre surtout du dedans; l’une prescrit et defénd au nom du droit qu’a le maitre, elle ne souffre ni résistences ni exceptions, elle s’impose comme règle indiscutable; l ’autre tient plus encore à se faire comprendre qu’a se faire obéir, à etre approuvée qu’à' être suivie; c’est l ’élève plutôt qui le maître qui l’établit, et son empire dépend plus de la persuasion que de l’autorité. (...) Le système de discipline qui convient le mieux à l’enfant est celui qui lui apprendra le mieux à se contrôler lui- mème” (Gaillard, 1887: 716).

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Essa disciplina que vem de dentro, era a grande meta liberal da

aplicação da regra. A deslocação de constrangimentos de fo ra para dentro e

a crescente importância do discurso tomaram-se indicadores de uma

modernidade pedagógica que se vai sedimentar com a Escola Nova,

abrindo as portas ao. reforço e à disseminação de técnicas p s i na educação

e governo de populações escolares.

Esse fim . de século assiste à consolidação da defesa de uma

disciplina “adaptativa” preferencialmente à “regulativa”, o que criava a

dificuldade nas práticas pedagógicas de ter de “impor” o aprendizado e a

execução de exercícios reguladores e, simultaneamente, a boa aceitação

pelo aluno desses “complexos de regras”. A proposta de resolução de tal

paradoxo é sugerida pela transferência através da habituação, de um nível

alto de consciência das aplicações disciplinares para níveis mais baixos de

percepção dos dispositivos aplicados, conduzindo a uma maior docilidade

na aprendizagem que deveria abranger os saberes necessários à edificação

moral e física dos sujeitos como condição essencial à génese da sua

autonomia:

“A higiene, a lógica, a estética e a moral, numa concepção educativa bem equilibrada, devem constituir para o aluno como que o elevar-se até à consciênáa da longa série de hábitos estratificados que inconscientemente adquiriu sob a acção do educador, e ainda còmo que um gu ia seguro para se lançar de per si na senda de futuros aperfeiçoamentos” (Coelho, 1893:400).

A aprendizagem seria então o “complemento consdente de uma

longa adaptação inconsdente”, um tirocínio que depois de cumprido

dispensaria a intervenção de outros no seu próprio controlo, isto é,

terminada a “operação educativa que os outros nele realizaram, poder,

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entregue'só-a si, aperfeiçoar e conservar os bons hábitos adquiridos”

(Coelho, 1893: 400).

A educação moral dependia dessa transição subtil de acções livres

para “hábitos organizados” que, uma vez assimilados constituiriam

motivo de satisfação do aluno. A higiene e as condições físicas, bem

como as influências do ambiente social, mantinham uma estreita simbiose

com a “higiene moral”, uma mens sana in corpore sano, onde o equilíbrio

conduzia à “saúde do corpo” e à “formosura moral” (Coelho, 1893b:

491-509). Esta fé no potencial regenerador do <chábito” mantém-se,

sendo os internatos o território de excelência para o estabelecimento de

rotinas fecundas na habituação.

A causa republicana aplicou-se na terapêutica da sòdedade e das

crianças que sofriam as consequências dos seus males, propondo-se

substituir a punição pdo empenho na construção de valores dentro de

cada um dos pequenos delinquentes:

“Em toda a parte aonde a moral dogmática deu lugar à moral natural, se dá à luta contra a criminalidade infantil um aspecto mais humano, todo conforme aos dados da dên da. Ao castigosevero, bárbaro tantas vezes, infligido a vítimas de complexascondições sociais, está sucedendo um estudo metódico dascausas determinantes do crime para se eliminarem, recolhendo ao mesmo tempo esses desgraçados que tinham em prisões indecorosas o diploma do criminoso profissional, na Tutoria da Infanda, a nobilitante instituição da nossa República, na qual está escrupulosamente em vigor o regime pedagógico que lhes forme o carácter, e não o regime penal que lhes torça e mutile a vontade” (Castro & Barbas, 1912: 16).

Em pleno Estado Novo, as teorias sobre disdplina mais

mecanidstas e restritivas do século XIX continuavam a ter acérrimos

defensores e teóricos, o que só poderia ter obtido boa receptividade do

regime autoritário de então. Entre des, figurava Mário Gonçalves Viana,103

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à época [1945] director do Instituto Nacional de Educação Física (INEF),

que publica na sua Pedagoga Geral, uma minuciosa sistematização da

aplicação de artefactos disciplinares. A intenção continuava vinculada à

criação de hábitos de substituição, uma vez que “a proibição pouco

consegue; a repreensão intimida, mas não vence. A maneira mais eficaz de

vencer os hábitos maus e os instintos nocivos, consiste em implantar

hábitos novos, bons e úteis”, o que não se apresentava tarefa difícil ao

autor, uma vez que, “se os domesticadores conseguem alterar os instintos

dos animais, com muito mais razão isso deve poder verificar-se entre os

homens” (Viana, 1946b: 320-321).

A minúcia da análise e a procura de sistematização dos regimes

disciplinares muito hierarquizados e normativos, uma tecnologia

excessiva já caída há muito em desuso noutros países, justifica que se

atente um pouco mais no normativismo que o autor propõe, começando

pela simbiose da educação com a disciplina:

“Não é possível conceber qualquer educação sem a existência de um mínimo de ordem: Educar nada mais é que disciplinar. (...)A pedagogia necessita da disciplina para um quádruplo fim!

Vara educar, pois disciplina e Educação são conceitos tão estreitamente unidos, que se confundem.

Para tomar possível a actividade escolar. Se todos fizessem valer, dentro da Escola, os seus caprichos ou vontades, ninguém se entenderia (...).

Para se obter o máximo rendimento • com o mínimo de esforço. (...) O trabalho desordenado não só rende menos como gasta mais energia (...).

104

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• Para • prepa rar o indivíduo para a vida s o c i a londe todas as actividades estão hierarquizadas e onde, fora da disciplina, só existe a confusão, o tumulto e a anarquia. O homem é tanto mais educado quanto mais disciplinado se revelar” (Viana, .194ó: 507-508)^

A disciplina era assumida não só em todo o seu potencial educativo,

mas estava também ligada a um sentido social produtivo. Era uma

tecnologia gerendal assente na autoridade, procurando reduzir os sujeitos a

uma obediência passiva às ordens e activa no trabalho. A justificação da

regra assentava num discurso alocêntrico, não visando somente facilitar a

manutenção da ordem ao professor, a sua teleologia estava endereçada ao

interesse do próprio sujeito, o seu primeiro beneficiário. Esses “fins mais

altos”, constavam do seguinte:

“1.° - Formação equilibrada de um indivíduo saudável.

2.° - Preparação de um indivíduo capaz de se aperfeiçoar.

3.° - Formação de um indivíduo com carácter. O homem indisciplinado não tem carácter: é um elemento de constante perturbação.

( 4.° j Preparação de cidadãos conscientes, capazes de se integrarem ^•com dignidade na vida sodal. O indivíduo inadaptado é

sempre um deseducado: protesta, reclama, não trabalha nem deixa trabalhar, comete abusos e prepotêndas, etc.” (Viana,1946a: 509).

Para o autor, a disciplina tinha uma dupla finalidade que se

materializava num utilitarismo fundonalista de uma ordem gerendal, mas

também transportava consigo dementos morais invisíveis na construção do

“carácter” dos sujeitos, designando essas duas dimensões por objectivos

próximos e remotos:105

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“ O b jectivos. próxim os- ou im ediatos: Manutenção, do silêncio (sobrepondo ao silêndo exterior, o silêncio provocado pelo trabalho e pela ordem), manutenção da ordem, assiduidade escolar, pontualidade, regularidade do estudo, perfeição, do trabalho, higiene pessoal e social, ordem na carteira, conduta leal, respeito pela lei, aproveitamento metódico do tempo, respeito pela hierarquia dos valores.

Ob/ectivos afastados ou rem otos: Obediênda honesta e dignamente praticada; fortalecimento do poder da vontade; formação da consdênda moral, formação de bons hábitos de perseverança, pontualidade, economia, previdência, higiene moral, higiene intelectual, higiene física, etc.; formação do espírito de inidativa; respdto pelos valores morais e intelectuais.

Actualmente, a Pedagogia consagra a maior atenção à disciplina preventiva, tendente a evitar a desordem. Os m dos geralmente aconselhávds para o efdto , são: isolam ento dos alunos difíceis, irrequietos, etc., emprego adequado do tem po; preparação m etódica das lições; recurso a um progressivo tacto pedagógico; emprego in teligente da emulação; acordo entre o s p rofessores; preparação de um p lano g lob a l pedagógico, etc.” (Viana, 1946a: 510).

Mas continuavam também as ideias ligadas ao usufruto da

liberdade pelo autogoverno. Não era um regime autoritário ou um

anárquico que estabeleceriam as melhores condições de aprendizagem,

mas sim um que criasse uma liberdade que não prescindisse da autoridade

orientadora do educador. Seria uma condição auto-regulada sob limitação

superior, uma vez que “a liberdade deve ser a possibilidade de fazer o que

deve ser feito, quando deve. ser feito”:

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• "Cette maîtrise de soi, dans la famille, à l'école, dans la société, est la vraie liberté. Elle suppose une autorité libératrice qui s'exerce au profit du subordonné. Cette conception, on a tâché de la réaliser dans la plupart des écoles nouvelles; c'est la 'school-dty' où se pratique le 'self-govemment'. On est parfois tombé dans des excès, mais quand cette pratique est réalisée avec la clairvoyance intelligente des maîtres et qu'elle aboutit à une discipline intérieure comprise et volontairement acceptée, on ne se peut que l'approuver” (Planchard, 1948: 309).

A propósito dos vinte anos sobre a publicação de Surveiller e t Punir,

Jeróen Dekker aparta distintamente a normalização e a disciplina, das

intenções e práticas pedagógicas que, a par com elas, se desenrolaram

(Dekker, 1996b). É exactamente esta compartimentação, pedagogia para

um lado, norma/punição para outro, que ilustra uma perspectiva

aprioristicamente benévola da educação, obscurecendo assim, não raras

vezes, os meios usados para a sua administração. Ao contrário, os

métodos disciplinares são um elemento essencial, pela sua produtividade,

para a acção pedagógica considerando também que, com o tempo, a

aplicação desse quadro disciplinar, de início violento e soberano, tem

vindo, sob os auspícios de um discurso da modernidade, a transferir-se

progressiva e metodicamente, do exterior para o interior dos sujeitos.

A disciplina nunca deixou de constituir um elemento da economia

pedagógica da escola, um artefacto gerendal de grupos e de indivíduos

regulado por um discurso pedagógico científico e endereçado à

construção moral do todo, através de cada um (não era Comenius que já

dizia que uma escola sem disciplina era como um moinho sem água?). A

crescente invisibilidade das técnicas disciplinares não eliminaram os

regimes, eles permaneceram de forma subtil, passando os enunciados

morais a prevalecer sobre as contingências do corpo. Esse todo,

construído pela soma dos indivíduos, carecia da formulação de um

: ■ 107

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programa de acção moral endereçado a cada um, preconizado pelos

pedagogistas do início do século XX que, no contexto da procura de

construção da modernidade, procurava afastar-se do utilitarismo de

Bentham e aproximar-se mais de Kant

Tratava-se do encontro da satisfação pessoal com o contributo

para a feliddade alheia: a felicidade pessoal surgia como efeito do dever

cumprido. A educação pelo hábito, uma disciplina da repetição, era

fundamental ser aplicada em conjugação com um sentido de abnegação e

devia ser orientada da seguinte forma:

“Para o aperfeiçoam ento do indivíduo: Desenvolvimento da vontade e inibição de actos contrários a esse aperfeiçoamento. Domínio sobre si, o se/f govem m ent dos pedagogistas ingleses. Rigidez para consigo próprio, endurecimento. Autodisdplina. Pontualidade.Ordem. Diligencia (zelo). Limpeza. Espírito de iniciativa.Esforço. Constância. Perseverança. Brio. Honra. Aspiração ao progresso. Sentimento de dignidade, de personalidade. Reconhecimento dos erros, disposição para os emendar. Coragem. Modéstia. Exactidão” (Coelho, 1915: 2).

É difídl encontrar-se um discurso disciplinar mais exigente e

prescritivo, excepto num ponto: a benevolência do castigo estava já

presente, abdicando da violência física, sendo necessária a capacidade de

ganhar a confiança dos educandos e, “só em casos de grande gravidade o

professor manifestará indignação e em casos extremos a cólera, fazendo

em geral um uso moderado do louvor ou da censura”, permanecendo

sempre a exigência benthamiana de “disposições materiais que permitam

a fácil vigilância” (Coelho, 1915: 2).

A essa constante disciplinar, que tem estado sempre presente

através das relações de poder nas práticas pedagógicas, alguns autores

referem-se-lhe como um “regime de pedagogia” ou regime pedagógico,

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enquanto um conjunto de relações de poder/saber, -de discursos e de

práticas exclusivas - da escola como instituição educativa (Gore, 1998:

232). Num estudo empírico, esta autora sistematiza e agrupa em oito

modalidades não hierarquizadas as práticas disciplinares na interacção

pedagógica:

1. Vigilância — exercício de supervisão, observação, expectativa de

se ser observado, etc.

2. Normalização — julgamento normalizador, uso da comparação, da

estatística, da regra e espaço de diferenciação.

3. Exclusão — lado negativo da normalização, processos de rejeição

do não aceitável.

4. Classificação - a pedagogia exerce-se por mecanismos

classificatórios, ordenando saberes e proficiências.

5. Distribuição - técnicas de dispor os indivíduos, organização de

espaços, constituição de grupos, etc.

6. Individualização - recorte do carácter de cada um perante os

outros, separação a qualquer pretexto e endereçamento particular.

7. Totaüzação — criação de grupos que funcionam como unidades, a

fim de facilitar a regulação.

8. Regulação — evocação da regra, da punição ou recompensa, etc.

Tendo adoptado esta grelha ao estudo das práticas pedagógicas

escolares ao nível micro da sala de aula, a autora conclui haver uma série

de continuidades espaciais e temporais na institucionalização das práticas

pedagógicas contemporâneas (Gore, 1998).

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Para terminar esta parte, poder-se-ia sintetizá-la citando as palavras

provocativas de Ian Hunter.

“The school" system, I suggest, is not bureaucratic and disciplinary by default, having betrayed its mission o f human self-realisation to a repressive State or a rapacious economy. It is positively and irrevocably bureaucratic and disciplinary, emerging as it does from the exigencies o f social governance and from the pastoral disciplines with which the administrative State attempt to meet these exigencies. This does not mean that the school system has been inimiral to the goal o f self- realisation. On the contrary, one of the most distinctive characteristics o f the modem “popular” school — the one that makes its so difficult for its critical theorists to understand — is that, in adapting the milieu o f pastoral guidance to its own uses, State schooling made self-realization into a central disciplinary objective” (Hunter, 1996: 149).

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A CLAUSURA E A DISTRIBUIÇÃO CELULAR

Se os artefactos estão já disponíveis antes de se racionalizar um uso

para eles, como sugere Nietzsche (2000: 87) a propósito da génese e das

finalidades da punição, também a reclusão surgiu muito antes de ser posta

ao serviço do uso judicial. Na sua História da Beneficência Pública, Vítor

Ribeiro remete-nos para a transição entre os séculos XII e XIII, quando se

refere a uma forma primitiva e rigorosa de clausura, praticada nesse tempo

por religiosas que se fechavam em celas de onde não mais saíam,

denominando-se de “encelladas, inclusas ou emparedadas” (Ribeiro,

1907:10). Esse regime de clausura absoluta, de origem ainda mais antiga,

era disperso e obedecia a uma decisão pessoal normalmente motivada por

“desgostos, demência ou fanatismo”, tendo-se tomado uma prática algo

comum na Europa. O isolamento do exterior era praticamente total, o que

justificava a designação de emparedados aos seus adeptos, sendo a sua

sobrevivência sustentada por alguma comida dada por esmola. Aqui se

encontrava já uma confinação celular associada ao hábito de assistência por

esmolas, embora o carácter espontâneo, desarticulado e disperso, sem

alguma finalidade intencional ordenada por uma razão, não permita falar

ainda de uma tecnologia.

A partir do século XII e até ao século XV, o bispado começou a

congregar os casos isolados de devotos emparedados, reunindo-os

principalmente nas grandes cidades e impondo-lhes regras e vidas

monásticas (Ribeiro, 1907: 10-14). Criou-se assim um sistema de

enquadramento e controlo de um grupo de indivíduos que se dedicavam a111

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uma prática comum, mas destituída de alguma orientação ou objectivo

prático. Da sua clausura, da constituição desse universo populacional, não

poderia portanto resultar-nenhum benefício comum.

Essa vida celular estava restrita ao ambiente monástico, não tendo

ainda paralelo na organização social vigente. Foi em finais do século XVII e

durante o século XVIII que se produziu uma profunda alteração na

percepção que a família passou a ter de si própria, percepção essa que,

conjugada com uma nova arquitectura doméstica que permitia modos de

relacionamento inéditos, conduziu a uma retracção da vida social do

espaço público para o do lar. A novidade da redistribuição do espaço

habitacional consistia numa disposição das divisões por um corredor,

criando talvez assim o primeiro dispositivo generalizado de distribuição

espacial celular dos indivíduos, modelo que vai rapidamente difundir-se

noutros' aspectos práticos da vida social (Ariès, 1973: xvi). É uma herança

conventual que se mostrou produtivamente eficaz ao serviço de outras

actividades sociais, permitindo a difusão do enclausuramento como prática

institucional aceitável. Sobre a influência desses novos entrançados

relacionais possibilitados por novos recortes espaciais, Foucault refere-se*

lhes em síntese:

“São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos” (Foucault, 1987: 126).

Também as técnicas de distribuição e hierarquização dos sujeitos

vão chegar à aplicação de uma didáctica escolar reprodutiva. De um ponto

de vista estritamente disciplinar, a articulação proposta na segunda metade

do século XVIII por Joseph Lancaster e Andrew Bell, conhecida por ensino

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mútuo, tinha um efeito multiplicador da presença, do mestre, normalmente

à razão de. um para dez. Cada um dos melhores alunos, ao tomar-se

decurião por incumbência do professor, ocupava-se de dez condiscípulos,

o que tomava possível um ensino de escala, ideal para a massificação

educativa que se vai ensaiar durante o século XIX. Toda a engrenagem que

se estabelecia, o sincronismo, a vigilância, a didáctica que ainda não

ultrapassara o processo recitativo e o exame, eram protagonizados pelos

alunos mas segundo um código pautado pelas regras dos mestres e

pontuado pela sinalética por estes empregue. Não é um olhar exclusivista,

simplesmente está concentrada em formas disciplinares de distribuição de

sujeitos que transportam e transmitem saberes ou estão encarregados de

manter uma ordem escolar. No entanto esta táctica pode ser lida, como o

faz Caruso (2003), contemplando uma obediência colectiva através do

conhecimento e não exclusivamente por dispositivos de cariz militar,

buscando assim encontrar um significado cultural nas técnicas de

disciplina.

Acrescente-se que numa perspectiva meramente gerencial,

arredando as intenções do método e concentrando-nos na sua forma e

estrutura, afigura-se que a táctica do ensino mútuo era. um dispositivo

praticado há muito nos colégios jesuítas, tendo sido apropriado por um

discurso secular propício à escolarização de populações cada vez mais

vastas. Mandava-se em 1739 no Colégio dos Meninos Õrfaos do Porto,

que o Padre Vice-reitor e o mestre de latim, que poderia ser secular ou

eclesiástico e vir de fora, “nomeassem na classe decuriões, que dessem as

lições aos que eles não podiam dar e também quando por ocasião de

alguma ocupação não pudessem ir ao estudo, dariam lição aos decuriões

que, na aula seguinte, prestariam contas ao Padre Mestre” (Basto, 1951:

: 113

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320). Mesmo que faltassem às aulas dos órfãos, devido a algum

impedimento, os padres ou seculares faltosos tèriam forçosamente, a fim

de completarem o horário, de dar lição aos pordonistas, aqueles que

prestavam um contributo pecuniário e prestígio sodal fundamentais para o

Colégio.

Dessa vertente de economato da distribuição como elemento

primordial de governo - uma radonalidade gerencial de proveniênda

empírica, estava consdente o filósofo utilitarista Jeremy Bentham [1748-

1822] ao dissertar sobre as virtudes da clausura correcaonal: “O provdto

que se pode tirar no dia de hoje de uma casa de correcção bem governada,

já não é hoje uma simples probabilidade fundada sobre radoanios; é uma

experiência que tem sortido o seu efeito ainda muito além do que se

esperava” (Bentham, 1822:183).

Toda uma sorte de instituições geradoras de determinados

constrangimentos, onde também pontificavam os colégios, estabeleceu-se

no iníao do século XIX, gerando uma forma social de poder que criou as

condições para que se desenvolvessem modos de produção

sufidentemente generalizados e orientados para um incremento dos

resultados finais. Esta organização de corpos e actividades vai permitir o

áparedmento da produção industrial e, genericamente, do capitalismo

(Foucault, 1994). Aos resistentes a essa agregação sodal produtiva,

esperava-os um qualquer dispositivo que, mesmo que não os reintegrasse,

poderia corporizar uma ameaça sufidentemente eloquente para todos,

evidenciando as virtudes de uma integração social adequada.

Coinadente com o esvaimento da monarquia absolutista, o poder

governamental começa a ser exerddo através de dedsões baseadas em

conhecimentos especializados nos processos económicos, sociais e

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demográficos, constituindo-se uma aliança qualificada entre. o saber e a

capacidade de o incorporar na acção executiva. ....................

Essa matriz distributiva dos sujeitos, um arranjo que se tomava

mais proveitoso e com um valor produtivo próprio, estava associada a um

fim específico que seria a construção idealizada de indivíduos que deveriam

cumprir, também eles, um ideal de sociedade. Tal, não seria possível sem

uma prévia hierarquização no. reduto escolar: no século XVm, ‘TJne

discipline autoritaire et hiérarchique s’établissait au collège”, alterando

profundamente o uso que as crianças faziam de si e das relações escolares

com os “pedagogos” (Ariès, 1973: 316). Seria portanto uma disposição

ordenada e sincronizada no espaço e no tempo mas, sobretudo,

hierarquizada.

Do pedagogo que albergava os escolares, desfrutando estes fora das

aulas de plena liberdade, transita-se para um modelo no qual a tutela

completa da criança se transfere para uma realidade institucional e distinta

da anterior, situação nova e estimulada pela necessidade de restringir a

capacidade das crianças disporem de si próprias, quando fora das aulas e

das suas obrigações misseiras (Ariès, 1973: 298-317). Da força da vergasta

pessoal dos “pedagogos” à força do colectivo institucional, das obrigações

pontuais das aulas à regulação constante da sua vida pessoal, há todo um

conjunto de processos que se foram sofisticando em tomo de necessidades

novas, cuja evolução fadlita a compreensão da retórica pedagógica e da sua

utilização.

Só no fim do século XIX, com o desenvolvimento das ciências,

mecanismos de avaliação e validação científica eram concorrenciais entre

vários saberes e academias na procura de diagnósticos e prescrições para os

desvios de um comportamento aceitável. A antropologia criminal

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contrapunham-se a sociologia, e a psicologia criminal, como Deusdado

explicita, refutando as teorias da escola de Lombroso sobre a caracterização

anatómica da criminalidade:

“A resolução do problema da criminalidade não pode vir da análise física do exterior do delinquente, da assimetria facial, do estrabismo, da tatuagem, da desproporção na dinamometria-e no calor, do prognatismo, e de outras anomalias somáticas.Estes materiais terão valor como elemento indirectamente subsidiário para o estudo da natureza psíquica, da sua forma e da' sua evolução, mas a luz há-de nascer do conhecimento dos fenómenos da consciência e dos factos externos e internos que sobre ele actuem” (Ferreira-Deusdado, 1889: 23).

Essa deslocação do enfoque no corpo dos indivíduos para os

mecanismos mais subtis da sua natureza psicológica, é uma

preferendalidade que se irá acentuar cada vez mais. Erigiu-se assim um

poder crescente, alicerçado num vínculo ao radonalismo científico, através

dá apropriação dos seus mecanismos de produção de verdade,

congregando um saber e um poder constitutivos das relações sociais em geral

e dos regimes escolares em particular. E na aplicação desse “sistema de

disciplina”, bem visível nos discursos e nas práticas, que reside uma

prescrição constante, um agente cientificamente legitimador do controlo

produtivo dos corpos e dos quadros de constituição moral propostos.

Na segunda metade do século XIX a nomenclatura médica foi-se

cruzando com a razão teórica da pedagogia, introduzindo assim sistemas

empíricos em quadros exclusivamente morais e filosóficos, alterando

profundamente a natureza da fundamentação da prescrição pedagógica

(Dekker, 1996a). A medicab^ação da sociedade surge então como um

mecanismo de configuração e controlo social, sendo a higiene escolar a sua

expressão poBcial junto do quadro educativo público (Abreu, 1999). O

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higienismo associava-se às virtudes regeneradoras , do trabalho e disciplina,

prescrevendo modalidades de acção - e instalando-se firmemente nas

instituições que melhor dispunham de grupos populacionais. .

“E necessário realizar nas cadeias a regeneração, e condliá-la com o interesse da saúde e da vida. E necessário que se saiba que nem todos os que lá entram ficam impossibilitados de se reformar, ou condenados a morrer. E uma das maneiras de os conduzir para a regeneração física e moral é o estabelecimento de trabalhos industriais e agrícolas acompanhados de-uma certa disciplina, que lhes crie. o horror ,à ociosidade. Só assim se compreende a reforma penitenciária, à face da higiene” (Namorado, 1877:46).

Começava a tomar-se mais nítido um quadro institucional

multidisciplinar e especializado, em que cada tecnologia deveria dar o seu

contributo para a acção cotrecdonal, chegando a designar-se por

“antropotecnia” o conjunto das “artes que têm por fim dirigir o homem —

medicina, higiene, moral, educação, direito e política” (Ferreira-Deusdado,

1889:211).

Essa acção disdplinadora, resultante da aplicação de diferentes

especialidades, prolonga-se pelo século XX, tendo-se estendido a uma

população escolar em constante crescimento, marcando a sua presença

curricular e exercendo-se principalmente junto daqueles que foram os

primeiros alvos dessas tecnologias: os mais desfavoreddos (Nóvoa, 1994).

Essas tecnologias de regulação dos indivíduos e a sua finalidade ou efeito

produtivo, são centrais para o esforço da compreensão do que Foucault

refere como uma economia de poder. Aqui, um poder muito mobilizador e

em expansão constante, suportado por práticas pedagógicas que se foram

construindo e sustentando por uma discursividade crescente em recursos

teóricos e científicos. Essa extensão pedagógica da medidna, essa

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“medicalizaçao geral dos comportamentos, das condutas, dos discursos,

dos desejos, etc.,” pode-se considerar ser o ponto de encontro entre um

princípio ■ de ordem jurídica è soberana e uma frente de articulação

mecanidsta e disciplinar (Foucault, 2000).

Em classe, Posiçüo asseniaàa com os braços ao longo do corpo.-Monitora aaziliaodo ama inspiração. Àtençào geral. Uma excepçio-por vaidade. Demonstração pedagógica.

Figura 1 — A disciplina higienista dos corpos e o

exemplo pedagógico da excepção.

Fonte: Organização da pré-aprendizagem (1931).

O internato correctivo — a clausura pedagógica — é também a forma

mais distinta de traçar fronteiras de inclusão e exclusão. Aos novos

sistemas de administração • social vão aliar-se os novos métodos

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psicológicos que, ao aferirem os menores por referência a um padrão,.as

qualificam ou desqualificam segundo um registo de normalidade

estabelecido pela relação com o que seriam os princípios expressos e

traduzidos e aferidos por uma racionalidade científica.

As inspecções médicas e antropométricas, bem como a avaliação

psicológica, eram regulares e periódicas nos institutos dedicados à

observação e categorização de menores, entre os quais, o modelo dos

Refúgios da Tutoria, a que não faltava matéria de estudo. Aos que

entravam era elaborado um “Registo Biográfico” que ficava apenso ao seu

processo judicial. Eram minuciosamente mensurados e classificados

taxinomicamente; a sua situação social e a da sua família, tal como os seus

antecedentes, incluindo a condição de saúde e as causas de morte dos

progenitores, eram também esmiuçadas, sendo a representação da crença

científica na responsabilidade das origens hereditárias e deformações

fisiológicas responsáveis por desvios comportamentais, não se colocando

ainda por essa altura uma grande ênfase nas causas sociais e na sua

profilaxia. O registo biográfico, sempre assinado por um Director-médico,

terminava com o exame psicológico. Desse registo constavam, entre

outros: “Dados pessoais; Antecedentes hereditários; Influências a que o

menor esteve sujeito; Educação recebida; Antecedentes pessoais; Vacinas;

Exame antropológico e Exames psicológicos”. A avaliação psicológica

inquiria sobre itens como “o sentimento do dever; o amor pelo trabalho; o

medo aos castigos; o amor-próprio; a inveja; a vaidade; a taciturnidade ou

loquacidade; a afeição pelos pais e pelos mestres; o humor habitual; os

maus hábitos”, etc (Portaria n.° 4:463, 1925). A medicina, com a sua

discursividade e tecnologia próprias, vem aliviar a métrica universalmente

aplicada, substituindo-a por uma individualização mais específica e

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detalhada, dingindo-se agora também ao indivíduo e não somente ao todo,

observando-o, controlando-o e solidtando-lhe o seu empenhamento.

Detenhamo-nos no discurso pedagógico sobre a virtude da

disciplina escolar na viragem do século XIX. O palco é o dicionário

Buisson:

‘Tendant les mouvements généraux, entrée en classe, changements de place, sortie, le plus, grand silence est observe dans les rangs; les élèves marchent en ligne, le corps droit, le bras dans une position uniforme, sois croisés sur la poitrine, soit rejetés en amère avex les mains au dos. On a beaucoup critiqué cette dernière posture qui, dit-on, donne aux enfants l’air de petits

. captifs; elle est cependant, de l’avis des medicines, préférable à la première au point de vue de l’hygiène, car elle favorise le développement de la poitrine et force l’enfant à se tenir droit.Dans les marches ainsi conduits, on ne voit jamais les enfants se bousculer et même se batter, comme cela arrive lorsqu’ils conservent la liberté complete de leur attitude et de leurs mouvements: ils contractent de précieuses habitudes d’ordre er sè préparent au travail par une sorte dé recueillement. Quand ils ont pénétré dans la classe, ils ne se précipitent pas en désordre vers leurs places respectives mais ils marchent d’abord autour des tables en marquant légèrement le pas; souvent un chant ou une récitation cadencée accompagne la marche; chacun alors, au signal donné , se rend à sa place, s’y assied en plaçant ses bras dans la position indiqué par l’usage de la classe. Les enfants aiment ces marches en bon ordre, qui leur évitent beaucoup de punitions, car la repression devient inutile quan le désordre est prévenue” (Gaillard, 1887: 717).

A metáfora ortopédica exerdda sobre os corpos provinha do saber

médico da higiene e a sua distribuição e ordem eram ainda muito militares,

funcionando de acordo com o princípio da obediência aos toques e vozes

de comando. A “saúde” era a contrapartida a uma docilidade que

acarretava frequentemente a humilhação; a gratificação imediata era a

ausência do castigo. A referência a “disciplina” não significa então, por

paradoxal que pareça, a evocação do comportamento dos escolares ou dos

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castigos nas suas diversas modalidades; não se trata aqui de: rigidez no

cumprimento de normas ou de .intolerância; só num sentido muito

simplista é tudo isso um pouco.mas, essencialmente, é aquilo que pode ser

um instrumento de “submissão da vontade” a uma metodologia de cariz

tecno-político, uma expressão prática de um saber/poder dedicado à

distribuição e controlo dos indivíduos de modo a que se tomassem

colectiva e individualmente mais dóceis, governáveis-e produtivos — um

objectivo básico e comum nos Estados modernos. Assim, nao sendo a

disciplina impositiva mas relacional, tal como a pedagogia, é nos espaços

celulares de educação compulsiva que melhor se cruzam o discurso

pedagógico e as práticas das disciplinas, numa expressão de exigência moral

materializada pela obediência.

A disciplina é um elemento central de uma “economia de govemo”,

não num sentido de rigor, mas no do estabelecimento de uma determinada

ordem, um ordenamento espacial e temporal dos indivíduos, uma gestão de

recursos através de uma disposição matridal de dispositivos e agentes,

correspondendo a uma finalidade politicamente aferida. A esse nível, toda

uma troca de poderes se manifesta em acções, muito diversas em

intensidade ou influência e muitas vezes reduzidas à dimensão do detalhe,

mas sempre produtivas.

“A minúcia dos regulamentos, o . olhar esmiuçante das inspecções, o controlo das m í n i m a s parcelas da vida e do corpo darão em breve, no quadro da escola, do quartel, do hospital. ou da oficina, um conteúdo laicizado, . uma racionalidade económica ou técnica a esse cálculo místico do ínfimo e do infinito” (Foucault, 1987: 121).

Não se trata portanto de uma disciplina regulamentar, reduzida ao

prémio e à sanção, nem cumprida na sacralização da norma. Nos regimes

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disciplinares as punições não necessitam de ser aplicadas para se

sustentarem: a aplicação do castigo é um inconveniente que gera

hostilidades, ressentimento e por vezes a vingança. A verdadeira função das

sanções, a sua universalidade na abrangência de todos os indivíduos, é a sua

existência, a ameaça que induzem, o seu enunciado e a possibilidade

iminente da sua aplicação. A configuração do castigo é o código

institucional de comportamento, mas também é o estímulo à sua fuga: nem

todã a acção é inibida, pelo contrário, ela é muitas vezes estimulada pela

possibilidade de cumulativamente praticar a infracção e conseguir a isenção

sandonatória. A ausênda de castigo esvaziaria este último estímulo. É a

capaddade produtiva do poder que está aqui ilustrada.

“A Cesta — Algumas vezes põem-se os meninos dentro de um saco ou cesta, suspensos no tecto da sala, à vista de todos os outros, que frequentemente se riem dos pássaros na gaiola.Este castigo é o mais terrível que se pode dar aos discípulos de

• senso e habilidade; sobretudo é temido pelos decuriões. O seu nome é bastante, e portanto poucas vezes é usado” (Lancaster,1823: 60).

Os outros castigos menos terríveis induíam as práticas confessionais

de admissão pública de culpa, o uso de uma canga ao pescoço e outra nos

pés, por vezes aplicada a um grupo, a humilhação dos meninos sujos por

uma menina, (<fUm castigo desta qualidade faz com que os meninos

tenham a cara lavada por dois anos” [Lancaster, 1823: 60]), a prisão depois

das aulas, etc.

Os recursòs disciplinares não são opressivos, mas sim, desde a

idade clássica, libertadores dos constrangimentos do ser humano e da sua

condição, são criadores de responsabilidades consdèntes e objectivadores

de todas as sujeições e necessidades que pendem sobre a sua própria

espécie.122

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“As disciplinas sào, em primeiro lugar, uma física do espaço .e - do tempo: antes de serem formas da sensibilidade, o espaço e o tempo são fabricações do poder. Trata-se de dispor espaços, constituir células, de .quadricular, de. ordenar,, de definir empregos do tempo, de os acumular, de os programar, de os compor de acordo com exercícios, manobras1 e tácticas, o espaço e o tempo talvez sejam formas, mas formas de poder constitutivas da nòssa sensibilidadè” (Ewald, 2000: 52).

Num regime, de correcção disciplinar não são, somente as

tecnologias distributivas que agem; elas não teriam talvez a eficácia

pretendida sem o acto derradeiro e omnipresente de controlo. E um

terreno fértil, onde todos os dispositivos de vigilância e atenção se

evidenciam pela constância da sua presença, acentuando os efeitos e a

visibilidade da sua actuação, tomando-se reconhecíveis também através da

multiplicidade desses ínfimos detalhes que constituem uma racionalidade

técnica, ou seja, uma economia de poder presente num locus de observação

privilegiada. São essas mesmas técnicas que mantêm uma estreita relação

com os registos de verdade e com a produção de discursos e saber, numa

legitimação mútua e indispensável à construção e apresentação de uma

realidade (Ewald, 2000: 14-15), revelando-se a disciplina como um

elemento essencial de articulação entre os diversos eixos de exercício de

poder, renovando a sua forma de actuação e expnmindo assim o seu

sentido produtivo (Deleuze, 1998).

“Nessa grande tradição da eminência do detalhe viriam a localizar-se, sem dificuldade, todas as metáculosidades da educação cristã, da pedagogia escolar ou militar, de todas as formas, finalmente, de treinamento. Para o homem disciplinado, como para o verdadeiro crente, nenhum detalhe é indiferente, mas menos pelo sentido que nele se esconde que pela entrada que aí encontra o poder que quer apanhá-lo” (Foucault, 1987: 120).

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Dois aspectos hajam a reter: o carácter transitório da exclusividade

dos dispositivos disciplinares de controlo estritamente corporal e o

esbatimento da sua presença no discurso pedagógico. Quanto à

transitividade da sua: predominância, ela advém do facto de serem uma

técnica intermédia entre a absoluta desorganização do espaço escolar, tão

ilustrada por imagens anteriores ao século XVII, onde pontuam os pedag>g>s

inseparáveis das chibatas, instauradores de uma ordem única e imediata,

sustentada pelo temor à dor física e o surgimento de artefactos pedagógicos

mais brandos, sofisticados e persuasivos, decorrentes da aplicação de

dispositivos “científicos” de natureza médica, conjugados com políticas

sociais enquadradas por discursos democráticos ou liberais. Quanto à

discrição do protagonismo dessas práticas no discurso pedagógico, pode-se

constatar uma progressiva suavização do uso da coerção físir^

transferindo-se á tónica para a prescrição científica, bem como pela

existênda de um certo distanciamento entre a conceptualidade do actò

pedagógico e as práticas efectivas dos actores nos terrenos educativos. Esse

tempo de transição disdplinar acompanha também uma apropriação

gradual das regras escolares dos colégios religiosos por parte do Estado

que, recorrendo a outras legitimidades morais, pretendia substituir-se numa

grande parcela da função educativa e tutelar que a igreja preenchera até

então. ...

O controlo da criança num regime de escolaridade externa é

repartido entre o espaço escolar, aquele que é supervisionado pela escola e

um outro espaço' privado, onde é tutelado por um poder de tipo familiar.

Com o recurso ao internato, os espaços privados tomam-se de acesso

comum, deixando de sê-lo; a criança estuda, alimenta-se, veste-se, brinca,

ou seja, cresce num únicò espaço no qual todas as suas actividades são

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determinadas, • controladas e avaliadas pela mesma entidade e à vista de

todos. Assim, esse tipo de instituições tomou-se um instrumento

privilegiado para a observação de comportamentos das pessoas e para a

experimentação de disposições que, embora sob argumentação diversa,

estão vocacionadas para o condicionamento regulado dos sujeitos.

No presente, marcado por uma evolução tecnológica profunda, ao

ponto de criar e difundir rapidamente um conjunto de novas práticas

sociais, possibilitou um pensamento construído por possibilidades hi-tech de

relacionamento de diferentes recursos. A distribuição celular pós-modema

acabou por concretizar o seu paradigma no uso de uma pulseira electrónica

nos reclusos: estando fixos num ponto — a pulseira —, a presença do seu

corpo é dispensada, tomando-se dócil não pela subjugação física do cárcere

mas exactamente pela sua ausênda, criando ao sujeito a responsabilidade

de se constringir a si mesmo na sua componente corporal. Está fixado, por

isso disponível, mas dispensada a sua presença física pelos inconvenientes

que acarreta, continuando a ser um corpo dócil, embora ausente. E, como

vimos com Foucault, a fixação dos sujeitos é uma missão vital da disdplina.

O pensamento tecnológico contemporâneo criou outros inúmeros

pontos de distribuição de saberes e fixação de corpos, colocando a

educação perante dilemas que a forçam a uma competição entre saberes e

imagens discursivas, rivalizando a escola com a institudonalização mediática,

campo onde a percepção de novos paradigmas educaaonais e disaplinares

só agora está a começar. A sodedade tecnológica vdo reproduzir , velhos

mecanismos de controlo e fixação mas dispensou as velhas metodologias.

O Panóptico tomou-se na vídeo-vigilânda e as novas divisões cdulares já

não são fixas mas móvds, sendo agora simbolizadas pelo governo

electrónico, pela tdevisão, pdo terminal, da internet ou o monitor do

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computador, pelo habitáculo do automóvel, pelas divisões da casa - que

volta mais uma vez a ser central nos hábitos da vida sodal, restaurada pela

necessidade de acesso tecnológico e reforçada pela paranóia securitária —,

para além do paradoxo do telemóvel (cellular phone) que, apesar de

permitir uma autonomia comunicadonal sem precedentes, tomou-se o

equivalente benévolo e inviável da pulseira electrónica que fixa e admite a

disponibilidade constante dos sujeitos.

126

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A EDUCAÇÃO TUTELAR INSTITUCIONAL

As condições em que se exerce o regime de tutela educativa

completa comportam várias especificidades: primeira, trata-se dè uma

população rigorosamente definida, seleccionada e normalmente aferida por

uma avaliação médico-pedadagógica, sob enquadramento jurídico; em

segundo lugar, as suas actividades escolares e educativas em geral,

decorrem num espaço muito restritivo ou confinado e são submetidas a

um estrito planeamento e controlo; em terceiro, a avaliação dos resultados

escolares e do comportamento privado e quotidiano dos internos

sobrepõem-se e condidonam-se entre si, por exigência da regulação intema

da instituição; em quarto lugar, o imperativo da sua educação e dos

parâmetros em que ocorre é definido e imposto por uma instituição e não

pela família; por último, há uma configuração preasa dos resultados que

devem ser obtidos, que é administrativamente definida e justificada pela

invocação de razões morais e sociais particulares, onde o benefído do

sujeito surge assodado ao bem colectivo. Esse conjunto de singularidades

confere à educação tutdar a prerrogativa de se constituir como escola,

família e modelo de articulação social.

O conjunto de contributos para a compreensão da genealogia dos

sistemas tutelares e de compartimentação celular da infância é já vasto e

eluddativo. Alguns autores remontam a Comenius [1592-1670] como

sendo o primeiro pensador a produzir uma obra de síntese, mas também

de rotura, que conduziu ao inído da acdtação da idda de tutela educativa

da criança, chegando por vezes a afirmar-se, como o faz Norodowski, que127

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dos seus textos, “emana quase imperceptivelmente o esboço da construção

de uma instituição de.sequestro” (Norodowski, s. d.).

O sodólògo Erwin: Goffman, que se fez internar num hospício

durante mais de um ano para melhor vivendar as experiências do internato,

refere no seu estudo sobre a população submetida ao internamento

terapêutico, o que é a plena posse institucional dos indivíduos (Goffman,

1993,1999a). O seu conceito de “instituição total” é um elemento essencial

à compreensão da dependência completa do indivíduo, criada pelas

restrições sociais que lhe são impostas. Esse conjunto de constrangimentos

que o internamento proporciona é único e vital para que as disciplinas

possam imperar sem grande resistência. Uma vez sob tutela, as linhas de

conduta dos indivíduos são traçadas sem permitir largas margens de

variação, reduzindo a capacidade de criação de alternativas próprias e de

exercício • de alguma autonomia social das crianças. Michel Foucault

designava este tipo de instituições por “completas e austeras” (Foucault,

1979:195).

Quando o regime correctivo inclui o internamento da criança, ou

seja, quando a tutela é completa, ou total, Goffman remete-nos para o

contexto de um regime disciplinar de clausura da criança onde a

mortificação do eu é facilitada pela separação dos objectos externos a que o

seu ser se encontra ligado, não conseguindo entretanto libertar-se do

ambiente interno que o envolve. A presença absoluta da instituição

fúndona também como elemento exponencial da acção por ela exerdda.

128

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. CfNas instituições totais há outra forma de mortificação; a partir da admissão, ocorre uma espécie de exposição contaminadora.No mundo extemo, o indivíduo pode manter objectos que se ligam aos.seus sentimentos do,eu.— por exemplo, o seu corpo, as suas acções imediatas, seus pensamentos e alguns dos seus

■ bens — • fora de contacto com coisas estranhas e contaminadoras. No entanto, nas instituições totais esses territórios do èu são violados; a fronteira que o indivíduo estabelece entre o seu ser e o ambiente-é invadida, e as encarnações do eu são profanadas (Goffman, 1999a: 31)”.

Há, uma condição pessoal que se altera duplamente ao inverter-se a

relação que se tinha com a sua pertença externa e a imposição da- sua

transferência para uma domínio interno e isolado, passando o seu ambiente

a ser o que não se construiu nem seria desejado caso imperasse a vontade

do indivíduo. Este quadro configura-se como um elemento muito

favorável à aplicação coerciva ou subjectiva de tecnologias sociais sobre o

sujeito, tais como a disciplina, a pedagogia, o exame, a higiene ou, dito mais

genericamente, toma-se favorecedor da aplicação de uma determinada

economia regimental

Quando, num contexto de receptividade social favorável, os

escolares passaram de comuns pensionistas dos . seus pedagogas, para internos

dos colégios, conseguiu-se estabelecer uma relação hierarquizada com os

mestres e, simultaneamente, estender-se a acção pedagógica à regulação-da

vida privada dos indivíduos. Essa relação, estratificada pelo domínio, entre

grupos, mestres e .escolares, reforçou a natureza institucional da relação

pedagógica^ traduzindo-se no controlo que passou a exercer-se sobre os

pensionistas e nas restrições das liberdades que desfrutavam. Essa separação

de vidas favoreceu o estabelecimento de uma categorização social dos jovens

que, até aí, comungavam a sua vida praticamente em paridade com os

adultos.

129

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Bastante mais tarde, quando a tutela exerdda sobre a criança

começou a ser levada a cabo por instituições de controlo estatal — um

colectivo burocrático no lugar de indivíduos com laços , afectivos ou

familiares mais ou menos próximos do menor —, atentando nos diferentes

desenhos dessas organizações e nas suas práticas de regime, percebe-se

uma procura evolutiva de relacionamentos com características mais

funcionais e acções mais pautadas pelo pragmatismo, de tal forma que os

internados chegam a- ser. instruídos em leques profissionais, necessários à

autoconstruçao e sustento das próprias instituições que os encarceram.

Sem perder de vista a diferenciação entre as distintas naturezas e

políticas institucionais — sejam elas protectoras, correcdonais,

reeducadoras, “estimuladoras de vocações”, "anganadoras de mão-de-

obra” ou como as queiramos encarar —, constata-se que muitas instituições

foram, ao passar do tempo, praticando modalidades muito idênticas de

assistendalidade, embora sob designações diferentes ou prestando

assistência diferenciada mas sob uma mesma designação — colégios, asilos,

orfanatos, sociedades de benemerência, refúgios, etc. Essa multiplicidade

de designações constitui por si um empirismo pouco esclarecedor de

conceitos em tomo do auxílio social de menores, dificultado uma

ordenação tipológica das instituições que a têm prestado. À excepção do

título de órfão, fadl de atribuir, o subjectivismo em tomo de termos como

"em risco” ou "desamparado”, “em perigo moral”, “delinquente” ou

“anormal”, “mendigo” ou “indigente”, esconde-se por trás de concdtos

sodalmente construídos em determinados momentos, sendo complicado o

seu uso e a manutenção de fidelidade aos discursos que transportavam essa

terminologia.

130

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Quando o discurso científico da medicina se introduziu no

território pedagógico e se aliou à construção jurídica, todas as

categorizações se tomaram definíveis com um rigor até aí inédito. O

congresso científico realizado em Lyon e Bordeaux em Outubro de 1911,

aprovou por unanimidade duas conclusões - uma delas, procurava

estabelecer um princípio • gèral que • delineasse üma fronteira da

normalidade; a partir daí poder-se-ia então criar uma miríade de conceitos

que contribuíssem para uma melhor arrumação social das crianças: '

“Dizem-se anormais, ' todos os indivíduos portadores ' de defeitos constitucionais de . ordem intelectual e . moral, associados frequentemente a defeitos físicos; ao seu tratamento são indispensáveis métodos especiais de assistência educativa”(Castro, 1912: 4).

Quanto à segunda conclusão desse congresso, ela era condsa e

inequívoca ao referir-se aos “métodos especiais”:

“Só o regime de internato pode assegurar a cura e a educação dos menores anormais” (Castro, 1912: 4). . . . .

A inevitável reordenação jurídica em tomo da infanda, que permitiu

indusivamente que o Estado chamasse a si as obrigações dos pais, recortou

no plano tutelar o perfil dos sujdtos da sua acção. Tomaram-se assim

inequívocas, face ao Dirdto Penal, categorias como “delinquente”,

“anormal”, “em risco moral”, “libertino”, etc., para que um quadro judidal

lhes pudesse ser aplicado.

Ao tempo em que foram surgindo essas novas disposições para as

crianças, iam-se desenvolvendo novas possibilidades de articulação política

e novos discursos pedagógicos, constituindo um conjunto de tecnologias

sodais que se entre-legitimam, afiançando entre si um padrão de

“verdade”. Além desse caudonamento redproco, essas artes passam a131

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conseguir m ultip licar os recursos- d isponíveis, tom ando-os mais eficazes e

universais, m uitas das vezes usando essas populações de crianças, para

sobre elas exercitarem um a experim entalidade científica e consolidadora

dos seus próprios discursos. Veja-se por exem plo o m ovim ento higienista,

ou o aparecim ento em finais do século XIX da psicologia den tífica ,

estím ulo essencial para que a pedagogia tam bém se dentificasse.

Estava-se numa altura em que a educação compulsiva tinha bom

acolhimento reforçando a ideia de maior eficácia da educação institudonal

e abrindo novos caminhos aos discursos tutelares.

“Bem sabemos a relutância das famílias, filha dos preconceitos seculares, contra a dvilizadora educação. Para extirpar essa relutância assassina é que as nações cultas inventaram um prinapio, que se chama «a educação obrigatória»” (Costa,1885:124).

' ' São as Tutorias que, no inído do século XX, vieram consagrar a

prerrogativa tutelar que o Estado se atribuiu, ao verter em Lei uma

moldura burocrática e minuaosa, orientadora dos prindpios de posse e

reladonamento com a criança arredada de um enquadramento familiar e

social que fosse consistente e regulador. Apesar das distinções jurídicas

entre o que era um delinquente, anormal ou em risco moral, as aplicações

dispõnívds eram semelhantes para todos, aplicando-se-lhes um conjunto

de regras' que acabavam de fa cto por se tomarem indiferenciadas na sua

aplicação. Um simples beneficiário de assistência, p. ex., poderia cair sob a

alçada do Tribunal sendo acusado de indisciplinado caso a instituição a que

estivesse sujeito o considerasse incorrigível (Lei de Protecção à Infanda,

1911: art° 69.° b) e, uma vez internado, acabava por ser tratado sob as

mesmas condições de todos os outrós, sújeitando-se igualmente à

possibilidade de extensão da pena que lhe fosse aplicada, uma vez que

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careciam até à maioridade de um parecer favorável da instituição de

internamento para obterem a sua devolução à liberdade que, sublinhe-se,-

não era automática, dependendo da resolução jurídica que a instituição

propusesse: ’

Para a Lei de 1911 o menor delinquente “é aquele qiie for julgado

autor de uma contravenção, òu autor, encobridor ou cúmplice de um

crime, punido respectivamente por um regulamento, postura ou lei penal”

(Lei de Protecção à Infanda, 1911: art° 62.^.

Pdo meio-século XX, a UNESCO assumia a categorização do

delinquente como uma “manifestação psico-sodal definida por uma

instituição jurídica”. Perante a generalização progressiva da escolaridade

universal e obrigatória, uma pedagogia preventiva da delinquência era então

preconizada, remetendo para as escolas esse encargo sociaL Compunha-se

assim o triângulo pedagogia/psicologia/aparelho jurídico onde: à escola

caberia a prevenção da delinquência através do exerdao, sobre uma

população progressivamente mais vasta, de uma pedagogia formadora da

personalidade e que arquitectasse uma individualidade autónoma, senhora

de todas as suas faculdades e recursos fisiológicos e psicológicos; à psicologia

caberia tratar o “doente e não a doença”, uma vez que o delinquente seria

um indivíduo que, por alterações de saúde psíquica, contraía

comportamentos anti-sodais que se repercutiam na sua envolvente sodal —

ao tratar o indivíduo, curava-se a sodedade; à legislação incumbia a definição

dos limites que remetiam para a acção judicial adequada (Brosse, 1950).

Este é talvez o momento de evocar a distinção entre o dirdto e a

sua expressão formal, entre ld e jurídico, que Foucault sempre sublinhava,

onde o jogo da norma adquire um poder crescente face ao sistema jurídico

da ld (Ewald, 2000: .77-78; Foucault, 1987).

133

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A incorporação dos chegados

Os rituais inidádcos sempre foram importantes como

instrumentos de configuração cultural e marcadores de pertença social. No

campo educativo desde os primeiros colégios do Antigo Regime que há

relatos de “ritos de passagem”, usando a expressão de Van Gennep, que

deveriam ser cumpridos pelos escolares ou, não o fazendo, sofreriam as

consequências da sua recusa.

A constituição de um público para essas instituições de educação

completamente tuteladas também se foi alterando com o decorrer do

tempo. A formação de um corpo de alunos obedecia à definição de

critérios estabelecidos segundo os propósitos da instituição e das categorias

de margnais a que se dedicava. A admissão das crianças era então uma

primeira distribuição a que eram submetidos (dentro/fora), através de um

primeiro exame às condições que a criança deveria preencher.

A primeira configuração desse público é feita pelo estabelecimento

de um conjunto de condições que o candidato deveria preencher. Para se

perceber um pouco como era constituído o corpo de internos de um

colégio do Antigo Regime, padrão pouco alterado durante quase dois

séculos, recorre-se agora a alguns excertos dos normativos dessas

instituições. O capítulo VI do Estatuto do Colégio dos Meninos Orfaos do

Porto relata-nos as exigências de admissão dos internos:

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“Como estes meninos se rriam em comunidade e-em colégio fechado, parece justo que sejam limpos de toda a raça de judeus, mouros, mulatos ou outra qualquer infecta nação (...); serão órfãos de pai e mãe, serão pobres e miseráveis (...) e quando entrarem saberão já alguma coisa de ler e escrever, sendo possível. Serão de sete anos para dma,' até à idade de doze ou treze porque sendo de mais idade não são tão bons de domar” (Estatutos do Real Colégio de Nossa Senhora da Graça dos meninos órfãos da cidade do Porto,-1653).

Para além das suas origens, estava bem presente a exigência de

grande vulnerabilidade da criança, geradora de dependência absoluta, com

o quesito cumulativo de ser órfa de ambos os progenitores, pobre e

miserável.

Quanto à sua política etária de admissão, esta, ainda é mais

exigente quase noventa anos depois. O padre Manuel Vieira de Sousa,

reitor do colégio entre 1723 e 1750, ao publicar e comentar os escritos de

Baltazar Guedes sobre as condições de admissão [1653], anota o seguinte:

“O costume que hoje [1739] se observa neste Colégio acerca da idade com que hão-de entrar os órfãos, é que, para entrarem devem ter entre quatro e sete anos, oito no máximo, porque a experiência mostrou que, sendo de mais idade (...) não são tão bons de domar e, como conhecem já a vida secular, custa-lhes a sujeitar-se aos rigores desta clausura” (Estatutos do Real Colégio de Nossa Senhora da Graça dos meninos órfãos da cidade do Porto, 1653).

Neste comentário, é nítido o desejo de posse e controlo da criança

para a moldar ao quotidiano e costumes da instituição, tanto melhor

quanto mais novo fosse o órfão, o que facilitaria a adaptação e o êxito da

missão regeneradora. A criança mais nova centrava as preferências por não

trazer vícios de fora, nem ter ainda muito enraizada dentro de si as

vivências da liberdade secular do exterior. Esse patamar etário apresentava-

se assim desligado de qualquer necessidade da criança ou de alguma função

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social assistendalista, prendendo-se. antes com a procura de efidência

metodológica da instituição no cumprimento dos seus desígnios religiosos.

. Também a certificação de puritate sanguinis continuava a ser exigida

cem anos depois, em meados do século Xvm, tal como não bastava ser

órfao para entrar no colégio: para mais tarde espalhar a fé, tinha que se

fazer acompanhar • duma- certidão de que era filho de um casamento

legítimo, outra do seu baptismo e do de seus pais e avós (Sousa, 1739).

■ As actividades do colégio estavam centradas no seu próprio

interesse, afastando os órfãos que não correspondessem ao que lhes tinha

sido destinado. Os que não colaborassem com os procedimentos

educativos, os “naturalmente maus e de má inclinação, de quem não se

espere emenda, seriam apartados dos bons, para que não os pervertam” e,

a quem reincidisse nas faltas...

“ (...) depois de bem castigado, lhe despirá o padre Reitor o hábito, (...) e o mandarão para o Brasil ou índia, servir a sua Majestade, e não poderá andar nesta cidade, passados três dias sem que logo o prendam e o mandem embarcar, para não servir de desonra a este Colégio” (Sousa, 1739: cap. v ii).

O rigor disciplinar era um elemento constante e praticamente

exclusivo no que concerne aos elos relacionais entre internos e tutores,

assentando esse relacionamento entre tutores e tutelados predominante no

domínio dos corpos através do medo. Por essa altura, era natural o recurso

ao medo como “o principal dissuasor da assumpção de comportamentos

contrários à ordem social e mental de então”, uma técnica sustentada num

“medo legitimado pela própria Igreja e sublinhado pela temerosa relação

com os fenómenos incompreensíveis” (Ferreira, 2000: 335).

No dia da inauguração do colégio, em 1651, o padre Baltazar

Guedes ordenou às polícias que fizessem uma rusga nas docas, donde

136

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acabaram por trazer “sete maraus” que por alivse dedicavam à indigência e

que foram imediatamente internados. Estava assim constituído o primeiro

contingente de crianças destinadas a propagar a fé e a tomarem-se uma

expressão dos interesses da Igreja e da Coroa nos temtórios da expansão.

A chegada dos alunos aos colégios era um momento importante e

solene, pontuado por rituais que marcavam o corte com o mundo exterior

e lhes assinalavam a entrada para uma nova sociabilidade, através de uma

encenação ritualizada, colectiva e marcada pela religião. Em 1865, o asilo

D. Maria Pia, em Coimbra, tinha regulamentado detalhadamente o

protocolo que assinalava a entrada dos admitidos:

“No dia e hora marcada para a admissão, que deve ser um domingo ou dia santo, se apresentará o admitido à porta do estabelecimento, e será recebido pela regente e todos os asilados no cimo da escada (...).

Colocar-se-ão em alas com a regente ao fundo, e o novo asilado à direita daquela, caminharão para o oratório e ali recitarão em voz alta as seguintes orações (...). Findas as orações, todos os asilados abraçarão o admitido, beijando a mão à mestra em primeiro lugar.

. . Em seguida será o mesmo lavado, tosquiado e vestido com o uniforme do estabelecimento” (Regulamento Interno para oAsilo de D. Maria Pia, 1867: art.° 4). .

Nas Casas de Detenção e Correcção do início do século XX, os

menores que chegavam começavam por se apresentarem na secretaria,

onde lhes era atribuído um número, a divisão e secção onde ficariam

incorporados. A roupa que traziam era queimada (art° 134.°) e eram

colocados em completo isolamento logo de início, para aprenderem a

disciplina que deveriam cumprir na instituição. Todo o primeiro mês era

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chamado de “observação e castigo” e só então poderiam começar a

frequentar as aulas, as oficinas e a ginástica, sempre sob estreita vigilânda

dos guardas (art° 161.° e 169.°). Esse período inidal era muito importante

para a doutrinação e submissão à autoridade da instituição.

“Art.° 156 — A prisão de qualquer menor principia pela incomunicabilidade. Esta incomunicabilidade não será inferior a três dias, nem superior a oito, e durante este período tempo o menor será sempre vigiado por um guarda, e amiudadas vezes visitado pelo. director, subdirector,.capelão e médico, a fim de se apreciar o seu estado moral, tendências, estigmas de degenerescêndas e outras manifestações dignas de observação.

§ Único — O preso durante o período de tempo da incomunicabilidade não será empregado em serviço algum e gozará de toda a liberdade dentro da cela” (Regulamento Geral da Casa de Detenção e Correcção de Lisboa, 1901).

Durante esse período mortificador, o interno deveria dedicar-se,

sob a orientação do capelão, ao aprendizado do “Guia dos Deveres

Regulamentares e Morais dos Menores”. Tratava-se de um inventário da

obrigação aos deveres regulamentares, religiosos e sociais, composto por

uma escolhida colecção de máximas morais. Mesmo nos tempos livres

(aceitando-se que um recluso tem tempo üvre), a instituição não abrandava a

sua presença e o seu exercício:

“Art.° 163, § 2.° — Aos presos deverá conceder-se toda a liberdade durante os recreios, porque será a melhor maneira de serem observados” (Regulamento Geral da Casa de Detenção e Correcção de Lisboa, 1901).

No princípio da década de 1930, já no tempo dos reformatórios, ós

rècém chegados continuavam a ser agrupados com os indisciplinados,

passando por um período probatório de rigor que ditaria o diagnóstico e a

sua posterior distribuição (Patacho, 1931). A instituição deveria fazer sentir138

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aos seus internos a sua presença constante e -o -significado do .seu

internamento. Também a Colónia Correcdonal feminina de S. Bemardino,

em Peniche [1931], tinha um programa de recepção às .menores que eram

cuidadosamente examinadas à entrada e, segundo a sua idade e “grau de

perversão”, seriam distribuídas por diferentes grupos disciplinares:

“O tempo de internamento ou a vida social cios menòres dentro da .Colónia divide-se em dois períodos. Durante o primeiro, chamado de observação, que pode durar mais ou menos tempo conforme a acessibilidade que a menor oferece, a internada é sujeita, sem dar por isso, a um estudo consciencioso das suas faculdades psíquicas e tendências profissionais” (Sena, 1931: 8).

O Refugio da Tutoria, local onde os menores iniciavam a sua

conversão social, apesar de ser um hospício transitório fazia-os permanecer

lá pelo menos dois meses, antes de serem levados a julgamento, “não só

para sentirem um certo rigor disdplinár pelo acto que motivou a sua

entrada no estabelecimento, mas para melhor serem estudados e receberem

os primeiros elementos de educação moral” (Projecto do Regulamento dos

Serviços do Refugio da Tutoria Central da Infanda da Comarca de Lisboa,

1928: § 9.^. Aquando da sua entrada, os menores eram apresentados na

°Secretaria onde se registava a sua identidade, os motivos do seu

internamento e sob que autoridade fora ordenado, sendo imediatamente de

seguida fotografados, entregues ao enfermeiro què procedia à sua limpeza e

desinfecção, apresentando-os. já uniformizados ao Director-médico que os

aguardava no posto antropométrico. Aí, procedia-se às primeiras

observações científicas, atribuía-se-lhe um número, abria-se um boletim

biográfico e enviava-se o menor para o isolamento e observação, onde

aguardavam os resultados que o iriam qualificar para ser colocado na

constituição de um subgrupo e classe. .139

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A aprendizagem do es/are dos saberes

Depois de.se apossar do indivíduo, a instituição poderia então

dedicar-se a exercer sobre ele um conjunto de técnicas educativas,

determinadas pela natureza,, estrutura e finalidades da organização, segundo

a interpretação que delas fazia cada um dos seus protagonistas. O seu

desígnio mais evidente era a alteração compulsiva do comportamento

social dos indivíduos - previamente considerado como inadequado pelo

que, durante a presença da criança na instituição ela seria objecto da

interpretação quotidiana de vários actos educativos visando a modelação da

sua conduta, a fim de que adoptasse um padrão normalizado e nitidamente

distinto — pelo menos na sua aparência — daquele que ostentava à entrada.

Esses mecanismos utilizados, associados a uma intencionalidade

educativa tendente a regular a “condução da conduta” (conduct o f conduct) dos

sujeitos e destinados a fomecer-lhes uma determinada capacidade de se

autogovernarem, acabam por se revelar numa imagem em quatro

dimensões: ontológico, sobre o que se pretende governar em nós e nos

outros através dessas práticas; deontológica, sobre o que se procura produzir,

ascética, referente ao como, que meios e técnicas são utilizados; e numa

teleologa do alcance dessas práticas no que respeita àquilo que queremos ser

(Dean, 1997). São, em suma, técnicas ditadas por uma apredaçao temporal

e socialmente localizada da condição de criança/aluno e. dos discursos e

processos que, sob um formato e conteúdo dito pedagógico, têm sido

criados e aplicados na sua transformação.

A orgânica que sustentava as instituições correctivas da criança vai,

a partir de meados do século XEX, comungar dos dispositivos de relação

entre o poder e os corpos, surgidos com as reformas do sistema penal e do

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progresso da medicina, contribuindo para uma fis ica característica da

“modernidade” dos Estados. O desenvolvimento axial de diversas dessas

aplicações práticas pode então ser segmentado e agrupado da* seguinte

forma: • • •

Controlo 1 - Observação e vigilância constantes; obrigação panóptica

de tudo ver e transmitir, estabelecimento de uma poliàa> instituição de um

sistema de arquivos e contabilização.

Disciplina 2 - Isolamento e reagrupamento hierarquizado dos

indivíduos; localização dos corpos; utilização conjugada das forças, do

tempo e dos espaços; controlo do rendimento.

Fisiologia — Definição de normas; exclusão e rejeição do não-

conforme; recurso à intervenção correctiva segundo uma ambiguidade

terapêutica e punitiva (Foucault, 1994).

Essas tecnologias de regulação dos indivíduos e a sua finalidade òu

o seu efeito produtivo, são centrais para a compreensão do que Foucault

refere como uma economia de poder. Trata-se de um poder suportado

pelo discurso da pedagogia social correctiva, construído e alimentado num

crescente de recursos teóricos, científicos e técnicos, procurando expandir-

se até à abrangência da totalidade de uma população específica. A natureza

desses artefactos educativos, da sua evolução, disponibilidade e aceitação,

pode-se expor através de uma imagem da vida quotidiana dos educandos

sob diferentes modalidades regimentais e recortes temporais. É uma arte

constitutiva de uma razão pedagógica, ou seja, um exercício técnico-

político de um p od erj saber destinado a “ (...) to observe, monitor, shape and

' Michel Foucault emprega no original a expressão “Optique”.2 Mécanique, no original (idem).

141

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control the behaviour of individuais situated whitin a range of social and

economic institutions such as the school (...)” (Gordon, 1991).

O primeiro propósito da acçào regularizadora dessas instituições era

a mortificação do eu do intemo. Os processos inidavam-se logo nos rituais

de admissão: a criança deveria começar a perceber desde o inído que o

mundo exterior que conhecera e vivendara ficaria à porta aguardando a sua

devolução. Durante a sua estadia, os processos de mortificação

multiplicavam-se e manifestavam-se diariamente através das várias facetas

da vida privada da criança — os recursos mortificadores foram praticamente

até onde a imaginação poderia ir, constituindo uma panóplia que se

estendia até às indignidades físicas (Goffman, 1999a). A sua acçào

prolongava-se pelos castigos que procuravam a humilhação (uma

modalidade evoluída que contornava a aplicação de dor física); pela exigência

de reverência, exacerbada pela instituição; pelo tratamento por alcunhas ou

números, estes, usuais nas modalidades de tipo militar, visando a anulação

do nome de baptismo, símbolo de uma outra identidade da criança, a do

exterior, a responsabilização do colectivo das crianças pelo comportamento

individual dos seus membros, o que implicava a aplicação de castigos entre

si e o aparecimento de lideranças suportadas pela força; o uso de

uniformes, anulando assim os bens e as preferências pessoais do indivíduo;

pela regulação burocrática da higiene pessoal; através da responsabilização

individual e colectiva pelo prestígio institucional, ignorando a decisão

individual de adesão, entre tantos outros detalhes que se revelam quando se

avaliam as tecnologias disciplinares aplicadas no esquecimento de uma

identidade pré-institudonal.

142

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Figura 2 - Os uniformes na Casa Pia na década de1920.

Fonte: CPL, “Celebração do 150.° aniversário da sua fundação” (1930).

143

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. É claro que também a criação de situações que visavam essa

mortificação do eu se foram sofisticando, assumindo formas

progressivamente mais subtis. Com o surgimento de novas modalidades de

aplicação disciplinar e a extensão do seu alcance à vida íntima dos

indivíduos, fadlitou-se o exercício de configuração do se/f de cada um.

A alimentação era uma actividade diária e rotineira, algo atualizada

e celebrada em colectivo, mas transcendendo o plano simbólico uma vez

que estava ligada, à necessidade de sobrevivência física, como nos sugere,

por exemplo, a pirâmide das necessidades pessoais de Abraham Maslow

[1943], que pode traduzir bem o tipo de dependência absoluta da

instituição. Muitos castigos giravam em tomo desse tipo de necessidades

mais básicas, como os relacionados com a privação temporária de

alimentação ou outros interditos fisiológicos. A meio do século XIX, na

CPL, a privação de alimentos era usada como castigo físico, a par das

palmatoadas e da tortura:

“ Art.° 6 - As órfas que perturbarem o silêncio e qualquer acto ou reunião aonde se deva guardar silêncio, serão punidas pela primeira vez assistindo de pé e com as mãos presas ao jantar no refeitório, pela segunda vez comas mãos presas e de joelhos e, pela terceira vez, com vinte e quatro horas de reclusão.

Art.° 8 — As órfas que furtarem alguma coisa pertencente a outras órfas, a empregadas ou à casa, irão com o objecto furtado pendurado ao pescoço assistir por espaço de três dias ao refeitório. Se cometerem o mesmo delito segunda vez, além da assistência no refeitório, jejuarão três dias a pão e água alternadamente” (Regulamento para os castigos das órfas,1850). -

Situações banais do quotidiano sao elaboradas de forma a tecerem

em tomo das refeições um conjunto de acções simbólicas que suscitassem

144

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concordância ou discordância, sendo entao apropriadas como estímulo

para á construção de uma determinada consciência moral dos sujeitos: ”

“A I.* secção tem para seu uso apenas colher, tigela e uma caneca. As da II.* juntam àqueles utensílios mais o garfo e o prato. As da III.1 têm o talher completo, o copo, não faltando a toalha de mesa, o guardanapo e as suas flores.' Usufruem assim comodidades a que todas aspiram e para o que se aperfeiçoam, algumas com tenacidade.

Numa das Divisões em que o número das internadas é já : grande e incompatível com as dimensões da sala e número de mesas, as menores da III.* secção sentam-se à mesa das empregadas. É este, talvez, o estímulo de mais valia para a criança, que se vê cercada duma consideração que quase a nivela, no seu espírito, à empregada” (Marques, 1931: 10).

A crença regeneradora no trabalho era . associada à via para a

construção de uma nova consciência de si e da sua interacção com os

outros:

“ (...) Como despertar-lhes na alma esses sentimentos que formam o "substratum" da nossa vida psíquica? Pela assòdação e pelo trabalho; pela associação que os fratemize e pelo trabalho que os movimente” (Castro & Barbas, 1912: 16).

Essa fraternidade pela associação nem sempre beneficiou o

indivíduo, revertendo habitualmente para a ideia de satisfação através da

sua inserção no bem colectivo. A maneira de estar com os outros era

condicionada pelo regime escolar em vigor e era desenhada conforme o

que se queria obter do carácter do aluno em determinado'momento -

seria um regime que devesse agir sobre esse “substratum da nossa vida

psíquica”. O timbre de diferentes tecnologias disseminou-se sobre as

formaturas, os rituais de reverência, a segregação dos géneros, o silêncio,

a aparência física consentida, bem como o vestuário e, sobretudo, o

145

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aproveitamento disciplinar da prática antiga da delação e do seu incentivo.

A relação com o- outro é constantemente regulada, não pode ser

espontânea porque cada um está sempre enquadrado por uma acção

colectiva onde a sua margem de acção é muito restrita. A sociabilização

que lhe for imposta, por vezes até o isolamento, pode não ser aceite, mas

é a que tem que ser vivida de forma igual todos os dias.

A devolução social do internado

Uma vez internados, depois de submetidos aos propósitos

educacionais da instituição, havia que devolver os sujeitos ao exterior,

embora em situação diferente da que os conduziu lá. O sociólogo e

antropólogo Erving Goffman estabeleceu uma metáfora orgânica dessa

transição para a autonomia pessoal, descrevendo a acção das “instituições

totais” como um “ciclo metabólico” em que a instituição recrutava o seu

público, o digeria e, por fim, o expulsava para o exterior, numa analogia

que, aliada à linguagem usada, suscitou alguma rejeição dos seu pares -

Goffman chegou a usar a expressão “dejectos”, para se referir aos saídos

das instituições (Goffman, 1999: 122-146).

Esse cuidado de estabelecer uma intermediação entre a vida

dependente da instituição e a plena autonomia é uma preocupação antiga:

[1651] “Os que até aos quinze anos de idade não tiverem habilidade para o

estudo ou canto, serão postos a ofício limpo ou mandados para o mar”, a

menos que revelem aptidões para o estudo, saindo então aos vinte anos e já

ordenados, prontos para as missões ultramarinas (Estatutos do Real

Colégio de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos da Gdade do

146

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Porto, 1739). Os colégios religiosos funcionavam assimcomo estimulantes

da vocação missionária dos seus asilados, ao assegurar-lhes o futuro ou,

como alternativa para os que tinham pouco empenho ou aptidão para as

artes doutrinárias, os devolviam, sob vigilância, para o trabalho ou para o

desterro na índia, cortando abruptamente a relação do interno com a

“casa”.

O destino pós-institucional continuou a ser uma das preocupações

manifestas no início do século XIX, nomeadamente por Jeremy Bentham, o

influente pensador inglês e autor do estabelecimento de correcção

Panóptico, paradigma da idealização correcdonal da época. Na orgânica

dessa instituição estava prevista a possibilidade de os presos acumularem

poupanças que eram o produto do seu trabalho durante o internamento, a

fim de disporem de um suporte económico inicial, devendo, aquando da

sua devolução à liberdade, passarem por um período de adaptação num

estabelecimento auxiliar, para que não chocassem subitamente com a

liberdade e pudessem organizar com tempo as suas vidas. Teriam ali

também uma oportunidade de mostrar a “sinceridade da sua emenda”,

uma vez que se estava perante indivíduos “a quem não se pode conceder,

sem perigo, uma confiança imediata e absoluta” (Bentham, 1822: 180).

Esse acompanhamento institucional durante um período transitório, em

instalações próprias, consagrava a vontade de reintegração plena dos

reclusos, afastando-se de uma acção exclusivamente punitiva.

O método regenerador apoiava-se numa combinatória de trabalho e

educação, cada um com sua virtude: do trabalho, sairia o seu sustento e o

da organização, dirigida por úm particular que colheria os benefícios da

forma còmo organizasse os processos, obrigando pelo trabalho ao

aprendizado dè um ofício: A educação deveria preencher os tempos que

147

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sobrassem das outras actividades para que nunca houvessem pausas na

acção, condição tão necessária para que os internados não prevaricassem:

“A indigência, a ignorância e ' o crime têm ‘ uma estreita afinidade.. Instruir os presos que estão na idade em que as lições facilmente se imprimem, é fazer muitos bens ao mesmo tempo. O ensino é de um grande socorro para mudar os maus hábitos, enriquece o espírito e engrandece o homem aos seus próprios olhos” (Bentham, 1822:176).

A preocupação com o destino dos sujeitos depois da acção

institucional era um problema para a credibilidade que ajudava a legitimar

os métodos empregues pela instituição, que necessitava de contabilizar,

estimar e louvar os casos de sucesso, embora Bentham desconfiasse da

existência de capacidade regeneradora em indivíduos de certas classes

“inferiores” - ex nihib n ih ilfit - dizia. A Colónia Correcdonal de Izêda, no

ano de 1931, contabilizava em 116 os “menores” que, até aí, por lá tinham

passado, tentando a direcção manter-se em contacto com os “reformados”

e inteirar-se das actividades exercidas em liberdade. Foi assim possível

apurar-se que, desses, “82 passaram a viver honestamente, 19 voltaram à

prática do crime e, dos 15 restantes, alguns têm vida duvidosa e outros

ignorada, não se lhes conhecendo o paradeiro” (Rombo, 1931: 10).

O encaminhamento para o aprendizado profissional como via para

o auto-sustento tomou-se uma prática comum nas instituições de

acolhimento, fossem elas religipsas ou laicas. A Casa Pia de Lisboa, na

segunda metade do século XIX, estabelecia acordos com patronos que

subsidiava para o recolhimento e ensino de. um mester aos menores que

estivessem em condições para tal, aproximando-os assim da vida laborai do

exterior. Também neste aspecto, a Federação Nacional das Instituições de

Protecção à Infância, uma instituição republicana, tinha por incumbência

148

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estabelecer a ligação entre os Tribunais da Infanda e o patronato,

procurando encontrar colocação para os . seus redusos. A incorporação

militar era. um dos destinos que os tribunais aceitavam com bom agrado,

devido aos considerados benefíaos do seu regime disaplinar. Assim,

muitos menores que nao se sujeitavam de bom grado ao sistema laborai,

facto sufidente para serem considerados não regenerados, procuravam na

vida militar um alívio para os anos correcdonais.

A Casa Pia também foi inovadora neste capítulo quando, em 1889,

formou “batalhões escolares” constituintes de um “corpo escolar

militarizado” e criou em 1903 (Decreto de 29 de Setembro) uma escola de

sargentos que se reorganizou por determinação do diploma da Secretaria

da Guerra de 2 de Maio de 1914, tomando-se bastante activa nesses

tempos da edosão da primeira guerra mundial, onde vieram a partidpar (e

a morrer, certamente) muitos casapianos. Em finais do século XIX, a

condição de aluno e a de militar eram distintas mas fundíveis: o

“adiantamento literário” não tinha nenhuma correspondência com a

hierarquia militar, mas a sanção às infracções eram aplicadas

indistintamente e segundo a lei dviL

Na CPL, a disáplina castrense era imposta também através das

aulas de ginástica sendo ambas, invariavelmente e até muito tarde,

lecaonadas por militares, segundo uma repartição muito hierarquizada

entre inspector do ensino, professores, mestres e demonstradores.

“O professor de ginástica e exercidos militares será o inspector de todo esse ensino, que se professará sob sua inteira e - completa responsabilidade” (CPL - Regulamento para o ensino de Ginástica pura e aplicada, 1895).

A disdplina militar também convivia muito com as crianças

internadas noutras instituições, não só pda ordem imposta e pelas149

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disposições hierarquizadas, como também nos aspectos mais banais e

simbólicas das suas vidas (uniformes, praxes, hierarquia muito vertical,

distribuição, sincronismo, formaturas, refeições, sinais de comando, etc).

Na Casa de Correcção de Lisboa, as actividades quotidianas eram regidas a

toque de clarim, o que era considerado “um meio de educação militar

bastante útil” devido à quantidade de menores reclusos que, quando saíam,

ingressavam no exército (Azevedo, 1892: 5). A instrução militar,

inicialmente justificada pela iminência de uma ameaça bélica, vai manter-se

para além dessa conjuntura e ser usada, em parceria com a ginástica, como

uma aplicação disciplinar muito profilática nas práticas de obediência.

A saída militar era tão estimulada que mesmo uma casa como a

Colónia Agrícola Correcdonal de Vila Fernando, em Eivas, vocacionada

para o aprendizado rural, no exercício dos anos entre 1897 e 1902, num

total de 89 alunos colocou 25 como voluntários no exército e somente 15

como trabalhadores rurais. Na mesma Colónia, num total de 62 alunos, dos

que estavam sob a responsabilidade das famílias foram 5 para o exército e

10 para trabalhadores rurais (Vasconcelos, 1904).

Os diplomas de 1911 (LPl) e mais tarde o de 1925 (Decreto n.°

10767) ratificam o alistamento no exército ou na armada como medidas

complementares das punitivas, aplicadas na prevenção, reforma ou

correcção dos delinquentes. Foi assim que a Tutoria de Infanda adquiriu

capaddade jurídica para impor o alistamento obrigatório no exérato ou na

armada dos • menores internados nos Reformatórios e Colónias

Correcaonais com dezoito anos de idade e tendo completado seis anos de

internamento (Castro, 1931:-22; Decreto n.° 10767 de 15 de Maio, 1925).

Numa acta do Tribunal de Infanda exarada em 1928, autorizando a

liberdade de um menor internado há 5 anos por “não querer trabalhar” e

• 150

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que tinha atingido a maioridade de 18 anos, pode ler-se que .estava

autorizado a ser incorporado no exérdto como voluntário, “pois aí poderá

ainda completar, se ainda o não está completamente, a regeneração aqui

começada, por no exército haver ao lado de uma certa liberdade uma

disciplina , não menor do que aqui há” (ATML-DGSJ, Mç. :94, proc. 84

[1923]).

O aluno 5714, o m ais nouo nesta d a ta Ú aluno 19 após a re fo rm aFigura 3 — Entrada, processo e devolução.

Fonte: CPL, Celebração do 150.° aniversário da sua fundação (1930). ' '

A preparação militar, quando aliada à educação primária, facilitava o

prosseguimento de uma carreira no exército e a quebra da dependência do

asilo. Instituições de.benemerência particular, .exclusivamente dedicadas ao

amparo, também não dispensaram as possibilidades disciplinares, oferecidas

pela formação castrense, como-o Asilo ..Profissional. do Terço que, em

151

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1931, perante o Congresso da Assodação Internacional de Protecção à

Infanda, elogiava assim as virtudes do seu “Ensino Militar Preparatório”:

“E de ver com orgulho a maneira como os nossos queridos rapazes se conduzem, já enfileirados com a mais norteada disciplina, já ostentando os preceitos cívicos de que se vêem possuídos, e em que se assinalam com um garbo admirável” (Monografia do Asilo Profissional do Terço, 1931: 25).

Pelo final do século XIX já estava muito enraizada a preocupação

das saídas profissionais para os asilados. O visconde de Ribamar tinha já

fundado o ensino profissional de forma a preparar os asilados para o

“momento perigoso de ficarem entregues a si próprios”. As educandas

também se procurava proporcionar “casamentos convenientes,” prática

que a Casa Pia também seguiu, bem como deixá-las “aptas para costureiras,

modistas, criadas de servir e outros mesteres apropriados” (Costa, 1885:

201) mas, em meados do século XX, criava uma “Comissão de Orientação

Profissional”, constituída pelos chefes dos Serviços Escolares e de

Assistência Médica e o Subchefe dos Serviços médico-pedagógicos, tendo

por encargo “reunir e coordenar os elementos necessários ao estudo da

orientação profissional de cada aluno”, sendo estes observados para esse

fim até aos 14 anos (Orientação profissional dos alunos da Casa Pia, 1945).

Na década de 1950, no Reformatório Central de Lisboa, a passagem

para a vida livre era feita já depois de um aprendizado profissional, mesmo

assim temia-se que a transição fosse brusca, pois haveriam “muitos

internados para quem uma libertação completa, a seguir ao internamento,

poderia prejudicar gravemente as vantagens adquiridas durante este”.

Criaram então uma secção de semi-intemato para os que estavam prestes a

sair, como meio de os preparar de forma gradual para a liberdade, mas

também para os pôr à prova e melhor os conhecer (Fernandes, 1958: 96).

152

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A R e a l Ca s a P ia d e L is b o a e a c o r r e c ç ã o s o c ia l

Não é neste momento nem na dimensão deste trabalho que cabe

uma análise rigorosa e profunda da história da Casa Pia de Lisboa, por

isso, não é tal o que aqui se pretende verter, mas não é possível dissociar

essa instituição da influência e, sobretudo, do pioneirismo que

representou nas tecnologias de correcção social da criança, o que a situa

num percurso muito particular da evolução na modernidade das

instituições correcdonais. A extensão temporal da sua acção, as suas

ongens e os métodos empregues sobre as populações a que se dedicou,

aliadas a algumas personalidades que a lideraram desde a sua fundação,

posicionam a Casa Pia como a mais paradigmática instituição correccional

portuguesa e conferem-lhe um papel distinto e notável no panorama das

suas congéneres europeias. Não comportando aqui, como já se disse, uma

história da instituição, por muito ligeira que fosse, opta-se por traçar

cortes temporais suficientemente alargados para permitirem percepcionar

algumas descontinuidades significativas nos discursos pedagógicos e nas

práticas regimentais que lá vigoraram.

No universo das instituições dedicadas à protecção e acção

pedagógica de reenquadramento social da criança, a Casa Pia evidenda-se

por inúmeras razões, algumas já suficientemente estudadas e

referenciadas, mas nao exclui que se procure aprofundar, sob diferentes

aproximações conceptuais e metodológicas, uma clarificação dos

contributos trazidos à genealogia das instituições correctivas. Entre tantos153

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dos seus traços distintivos evidencia-se facilmente a antiguidade da

instituição, a procura consistente de novas metodologias educativas e as

modalidades e especializações adoptadas.

Quanto à precocidade da Casa Pia na instauração de um regime de

apropriação dos indivíduos e ao recurso a práticas escolares que incluíam

afinidades carcerárias, mesmo sem estar a considerar o fim com que o

fazia, se punitivo, educativo, de amparo ou regenerador, recorde-se que, no

sistema penal europeu, o encarceramento como punição não está vigente

antes das reformas francesas de 1780 - 1820 (Foucault, 1997: 23), existindo

formas de detenção sim, mas não consagradas como punição criminal ou

reformadora. A Casa Pia, ao estabelecer-se em 1780 e demarcando já duas

populações distintas, uma, sujeita à punição da Casa da Força, outra,

beneficiando do auxílio do asilo educativo e profissional, toma-se uma

instituição reguladora de comportamentos sociais, recorrendo a um regime

disciplinar de clausura e internato, conjugando-o com uma acção educativa

de tipo escolar ou formativa. Como pretexto de reflexão e estímulo à

investigação, faça-se desde já a justiça de perceber que a mítica casa de

Mettray só surgiu 60 anos depois.

No contexto escolar, no mínimo, a Casa Pia acompanhava as

recentes modalidades surgidas em França, ou em Inglaterra nas pubkc schools

do final do século XVm, mas antedpava-se certamente, embora nem

sempre com o reconhecimento merecido, às instituições que acabaram por

aparecer por vários países da Europa no início do século XIX. Teófilo

Braga, insere-a mesmo na promoção de um movimento crescente de

descoberta da “afectividade” e da “igualdade humana perante o

sofrimento” que, segundo ele, marcou a segunda metade do século XVm

(Braga, 1896).

154

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Referindo-se à CPL de finais do século XIX, António Costa, sobre a

CPL, colocava a ênfase na constância de todos os momentos educativos è

da sua importância para a interiorização de valores na construção moral

dos sujeitos:

"A educação moral exerce-se a todos os momentos, em todos os lugares e em todos os assuntos, subordinada aos seguintes preceitos fundamentais: Amor de Deus, da humanidade, da família, da verdade da justiça, da liberdade, da instrução, do trabalho, da economia, e das virtudes domésticas. Em cada uma das aulas se ministram aqueles princípios. É a Moral prática da vida. Deste modo os princípios da moral não são papagueados, para já nos últimos a razão infantil se ter esquecido dos primeiros, mas vão-se entranhando no entendimento dos moços, que em lugar de os dizerem só de memória, os recebem praticamente dos professores, dos prefeitos, do director, ficando-lhes assim gravados, como um cunho de oiro em espíritos de cera”(Costa, 1885: 121).

Foi por esses tempos que se iniciou um conjunto de práticas

assentes no pressuposto da eficácia educativa do regime de internamento

dos escolares, revelando uma visão instrumental e disciplinar da escola e

que teria como fim a constituição de um ser humano idealizado.

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QUADRO SYNOPTICO

Vista Taclo

Educação dos sentidos ̂OuvidoOlphato Paladar

Educação physica

Educação intellectual

RespiraçãoAlimentaçãoVestuárioAceioHabitaçãoHygieneGymnaslica

Desenvolver as{acuidades 4a alma

SensibilidadePercepçãoAtiençãoJoizoRaciocioioMemoriaImaginaçãoReflexãoVonladeTeudeuciasHábitos

IX “anàlyticaRedacção

Escripta Gallygraphia

descriptiva

Figura 4 — 0 “currículo” casapiano em meados de Oitocentos.

Fonte: (Raposo, 1869).

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DE EDUCAÇÍO REAL

Educação moral

Princípios naturaes

Sentimento religioso da verdade da justiça da familia da humanidade

Amor

l Historicos 1 Princípios adquiridos Î Tradicionacs

I Convcncionaes

I individual e domestica

rural i 3gnColarural ! eiploraliva

Educação economica induslrial ârtisticafabril

Educação social

commercial

Governos

^Leis

Direitose

Deveres

internaexterna

Monarcbia absoluta ou despótica Monarcbia aristocrata Monarchia roixta ou constitucional Republica ou democracia

Poder legislador Poder executivo Poder judicial Poder moderadorindividuaes familiares civis e políticos sociacs moraes

157

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A CPL também foi pioneira nos estudos antropométricos,

começando a estabelecer registos biográficos das observações desde o

último quartel do século XIX, muito antes de a Tutoria existir e poder

utilizá-los. Pela inidativa de José Maria Eugênio de Almeida — um

refundador, mais que um reformista — o emprego de racionalidades de

suporte das funções gerendais aprimoraram-se pelo determinismo

dentífico, sobretudo através da distribuição regulada pda estatística, a

dênda que simultaneamente permite colectivizar e individualizar.

Diferentes aspectos subjectivos da tomada de decisão passam a ter uma

justificação objectiva e harmoniosa com os ditames morais em vigor,

desenhando um circulo de conveniência de exercício de poder em que

havia como que uma administração subjectivamente moral do uso dos

instrumentos radonalistas. Questões- como a logística, distribuição,

qualidade e tipo dos alimentos, o espaço, a cubicagem de ar por aluno, as

normas de higiene, a adequação específica do vestuário e outras condições

sanitárias, passam a ser ordenadas por raaonalidades aplicadas a um

contexto educativo e institudonal muito controlado. A partir de 1860

começaram a instaurar-se na CPL “as novas bases que assentavam sobre os

melhores princípios de administração económica e disdplinar, de higiene e

organização escolar” (Silva, 1899: 12), as bases em que afinal assentavam

também alguns dos fundamentos da modernidade.

É com ó advento da República, que a medicina e os métodos

científicos de observação e tratamento mais se reforçam na CPL pela mão

do seu director, o médico António Aurélio da Costa Ferreira. Depois de

muitas décadas de regimes disciplinares centrados na ordem militar, o novo

poderjsaber da medicina passou a impor o contraponto de uma nova ordem

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científica aos hábitos inquestionáveis das rotinas castrenses, consolidando-

se assim o modelo médico-pedagógico. Costa Ferreira instruiu o pessoal

auxiliar em outras formas de tratamento com as crianças, seguindo

princípios médicos que determinavam novas formas de analisar

determinados problemas.

Como exemplo avulso dessas alterações de procedimentos, veja-se

como actuou no caso problemático da “micção involuntária nocturna”,

recorrendo aos estudos médicos, à observação comportamental e ; ao.

enquadramento do discurso pedagógico. A incontinência juvenil era um

distúrbio no govemo do internato, implicando consequências gerenciais

com as despesas em oleados e expondo como ineficazes as práticas até aí

seguidas, que consistiam basicamente em castigos e ameaças ao deitar.

Costa Ferreira decidiu que “em todos os colégios se acordassem os

incontinentes, durante o primeiro sono, que os acordassem bruscamente, e

os fizessem urinar e que ao deitar da cama lhes recomendassem sempre,

em tom firme e enérgico, que não urinassem durante a noite ou que se

levantassem para o fazer” (Ferreira, 1913: 230). Após observar diariamente

durante quatro meses os alunos mais regularmente incontinentes, estava

em condições de os classificar em “emotivos” e “apáticos”, sendo “os

m otivos mais fáceis de curar que os apáticos. Na realidade os que mais têm

resistido ao tratamento pedagógico são apáticos e os que mais depressa têm

deixado de urinar são emotivos” (Ferreira, 1913: 232).

Note-se á designação de “tratamento pedagógico” para os estudos

efectuados e medidas de gestão tomadas, tendo Costa Ferreira concluído

no fim do estudo que os incontinentes observados na CPL: “1.°, se

comportam, em regra, nas aulas e recreios, como anormais; 2.°, que se

agrupam em emotivos e apáticos; 3.°, - que o processo de acordar os

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incontinentes durante o primeiro sono para os fazer urinar, não é, como

muitos julgam, um simples processo paliativo; 4.°, que com simples meios

pedagógicos se pode com vantagem intervir no tratamento da micção

involuntária nocturna e 5.°, (...) pode-se no entanto dizer que a micção

involuntária nocturna é, em grande parte, uma questão de educação”

(Ferreira, 1913: 233). O estudo, originalmente publicado na revista Medicina

Contemporânea de 27 de Julho de 1903 termina com uma frase “de fé e de

razão: Creio napedagogd*.

O professor Palyart Pinto Ferreira, professor primário que se irá

tomar muito relevante na direcção de Costa Ferreira, na sua candidatura à

CPL para professor de Trabalhos Manuais — considerados na época com

uma grande modernidade pedagógica —, expressa bem a relação simbiótica

mas submissa que o discurso pedagógico pretendia manter com o

progresso da dênda, o que supostamente facilitaria o discernimento entre a

adequação ou não da acção pedagógica:

“ Desde que a pedagogia se tomou experimental’ desdobrando- se em arte e ciência, entre os que estudam e aplicam, não pode, ou antes, não deve haver duas opiniões. E o papel do professor primário, do mestre-escola de hoje, deve ser, por um lado, submeter-se às leis que o psicólogo e o pedagogista descobrem todos os dias, orientando o ensino segundo os dados recolhidos; por outro, perscrutar, observar atentamente as mínimas manifestações da actividade infantil e comunicá-las, concorrendo assim para o desenvolvimento da mais sublime das ciências actuais” (Ferreira, 1913: 248).

A “medicina pedagógica” . tinha-se afirmado no discurso

educacional, abrindo caminho a partir daí a especialidades técnicas menos

centradas no controle médico, permitindo que a psicologia e a assistência

social adquirissem uma presença que foi crescendo conforme foi

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diminuindo a necessidade de exercer constrangimentos < físicos sobre* os

internos. ■ ' . • . •

Uma ideia fundadora e várias populações

A Casa Pia surge num contexto particular do século XVIü, quando

se pretende avançar com a secularização do ensino e destituir de poder a

Companhia de Jesus, cujos métodos praticamente monopolizavam o

ensino e a consequente doutrinação dos escolares. Por isso, o método

educativo adoptado desde o início da CPL foi o da Congregação do

Oratório, que há muito rivalizava com os jesuítas pela supremacia dos

métodos que instituíam nos seus colégios.

Para além de toda a documentação conhecida sobre a vida e a obra

de Pina Manique, talvez a mais antiga narrativa sobre a Casa Pia seja o

manuscrito de Veríssimo Amador Patrício, N arração histórica da fundação e

do estado da Casa Pia no castelo de U sboa (...), foi publicado por Oliveira

Martins (1948) e, por ser contemporâneo dos acontecimentos aí narrados,

tem um valor inestimável. Se muitas personalidades traçaram o rumo da

instituição casapiana, outras definiram a sua história a partir das narrativas

que construíram, gerando assim uma representação praticamente

irrevogável e persistente. É esse o caso de César da Silva [1859-1942]

quando, em 1896, este professor-regente e bibliotecário casapiano publica

a sua Breve H istória, prefaciada por Teófilo Braga, produzindo aquilo que é

e sempre foi uma referência incontomável para quem se dedique ao

estudo da Casa Pia. Embora escrita um século após a sua fundação foi

feita com um profundo conhecimento da matéria em causa e ampla

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disponibilidade de acesso às fontes, uma vez que além de professor foi

também bibliotecário da instituição, mas que não dissipa dúvidas sobre a

sua isenção como historiador. Além disso, as suas fontes primárias eram

praticamente inexistentes no que concerne ao primeiro período da

instituição [1780-1807] - que vai da sua fundação no castelo de S. Jorge

até ao encerramento devido às consequências das invasões napoleónicas -

o que seria fundamental para o discernimento da sua natureza e orgânica,

do tipo de populações abrangidas e dos resultados da sua acção,

contrastando-as com outras inovações da pedagogia social no contexto

europeu da época. Apesar de tudo estão disponíveis os livros de assentos

dos que ingressaram na Casa de Correcção para homens desde o seu

início, permitindo obter uma caracterização da população inicial de

internados para fins correcdonais (Real Casa Pia de Lisboa - Casa de

Correcção paira homensi 1780-1785).

Sendo uma obra apologética, como o é aliás a generalidade da

literatura dedicada à instituição, normalmente também produzida por

autores a ela ligados, a primeira Breve H istória da Real Casa Pia foi

publicada por ordem da administração com uma intenção desde logo

manifestada pelo autor.

“Este livro têm por destino ser dado aos alunos, no momento de saírem do.estabelecimento, para que fiquem sabendo o que é e o que foi essa mãe adoptiva, mas desvelada, de cujo regaço se desprendem nessa ocasião” (Silva, 1896: xm).

. A fundação da Casa Pia deve ser compreendida à luz das

circunstâncias particulares da época: para César da Silva, invocando

Latino Coelho e a sua H istória Político M ilitar, o país estava convalescente do

despotismo autoritário do Marquês de Pombal e, com a morte do rei D.

José [1777] e a ascensão ao trono de sua beata filha, D. Maria, os ódios de 162

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que Sebastião José era alvo acabaram por conduziTlo à queda política e ao

desterro. Os efeitos. de uma crise social grave, tendo como fundo o

desnorte da administração pública que se fazia sentir, lançando para. as

ruas uma legião de vagabundos e criminosos, abriu caminho para que o

Intendente Diogo Inácio de Pina Manique [1733-1805], adquirisse um

poder em tudo equivalente a um exercício ministerial, já que tinha no

aparato policial um forte instrumento e o seu pleno uso era-lhe

frequentemente solicitado, não se fazendo ele rogado no seu exerddo.

César da Silva não reconhece muita intencionalidade inicial ao

Intendente em criar uma “casa de educação”, referindo-se aos homens e

mulheres que primeiro foram albergados no Castelo como “gente de

maus costumes, que vagueavam pelas ruas”, tendo vindo depois as

crianças miseráveis e abandonadas que povoavam a cidade. Referia-se

certamente à Casa de Correcção de Homens, que seria o estabelecimento

institucional de um meio coercivo de travar a delituosidade a que se

ofereciam, entregando-os ao trabalho nas oficinas do Castelo e que

albergava gente de praticamente todas as idades já que, se a malfeitoria

grassava pelas ruas, os garotos simplesmente miseráveis acabariam por

arrastamento a cair nos mesmos vícios.

Mas a CPL não limitava a sua acção ao trabalho e disciplina

compulsiva, as vertentes de amparo social e intenção educativa também

marcavam presença. Há, nas palavras de César da Silva, dois aspectos

distintos: a da coerção e castigo para os adultos e amparo e protecção

para os mais novos. A Real Casa Pia não se poderia confundir então com

uma penitenciária para os niais velhos, embora possuísse dela algumas

características, um facto já de si absolutamente notável parà à épóca,

como também não era um orfanato, uma vez que os mais novos que lá

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estavam não eram todos órfãos nem todos delinquentes. Apesar disso,

todos os que lá se recolhiam eram designados por órfãos, levando a que

muitas vezes se referisse e pensasse a Casa como mais um simples

orfanato.

Nesse primeiro ano, [inauguração solene em 3 de Julho de 1780]

entre 1780 e 1781, o livro de assentos da população correccional

masculina, milagrosamente salvaguardado, regista uma heterogeneidade

verdadeiramente impressionante. Desde idosos de 90 anos, o mais velho

encontrado nos registos, até rapazes normalmente de 15, 16 anos ou um

pouco mais, encontrava-se um leque etário completo e, muitos dos que lá

estavam não eram procurados pela autoridade, apresentavam-se por não

terem meio de subsistência no exterior, como se pode comprovar pelos

registos ou pelos averbamentos que lhes eram feitos.

• Os livros de registo dos entrados eram incipientes, anotando-se,

quando era possível, o nome do sujeito, os pais, a naturalidade, onde fora

baptizado e a idade. Como os assentos eram manuscritos em folhas

grandes, haviam margens onde se anotavam algumas particularidades dos

internos, elementos preciosos para se tentar caracterizar a população,

avaliar o seu tempo de permanência ou perceber alguns procedimentos

administrativos. O que mais se evidenda, para além do já referido amplo

leque etário da população, era o poder absoluto do Intendente: havia

notas de inúmeras deasões tomadas por portarias de Diogo Inádo, como

enviar sujdtos de navio para o Brasil ou autorizar saídas para ofíaos que

entretanto aprenderam ou já exerdam antes de entrar.

164

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Figura 5 - Dois dos primeiros internos na Casa de Correcção de Homens da Casa Pia. ‘

‘ Fonte: CPL, Livro de assentos 1780.

Muitos idosos certamente lá se recolhiam por não terem formas de

sustento e mesmo um casal de 60 anos se apresentou, tendo certamente

ficado separado mas sob abrigo. Outros fugiam, sendo por vezes

apanhados ou não. A alguns está anotado a palavra “voluntário”, outros

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eram militares ou marinheiros desertores, voltando ao fim de uma estadia

correctiva para as suas unidades. Na letra “M” do índice estão registados

alguns mudos, no registo individual está simplesmente escrito “O Mudo”,

pessoas de quem pouco se poderia apurar e alguns cegos também lá se

encontravam.

Uma coisa parece certa e afigura-se importante: as crianças, que

inicialmente não estava previsto serem alvo da acção institucional,

passaram a beneficiar de uma maior abrangência etária, ficando

albergadas em instalações propositadamente ampliadas para o efeito, ou

seja, as crianças estavam separadas de facto da população de adultos, pelo

menos no que respeita ao seu albergue. A 29 de Outubro de 1780, foram

inauguradas as instalações para os mais novos, na presença do próprio

Pina Manique, inaugurando-se também na Casa Pia o carácter de “casa de

educação” que até ali não tivera (Silva, 1896: 16).

No relato de César da Silva, no Castelo passou a haver aulas

formais segundo um currículo desenhado por José Anastácio da Cunha -

um matemático e astrónomo cuja dedicação às letras lhe tinha valido o

desterro aplicado pelo Santo Ofício —, que veio a tomar-se a alma

educativa da instituição e um homem chave para o Intendente. No

Castelo começou a ensinar-se Matemática, Óptica, Química, Artilharia e

Fortificação, Astronomia, Inglês, Francês, Latim, Alemão, Contabilidade

Comercial, Anatomia, Princípios Cirúrgicos, e Obstetrícia (Silva, 1896:

18). Fora para reconduzir esses desditosos e regenerá-los pelo trabalho,

em ambiente de internamento que embora compulsivo não era de

encarceramento, que a Casa Pia foi idealizada.

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De«iyott^âo do« « torc ld oj» Bmtm '

L e re n to r .......................................................................Knttr, íizer a limpe» e »5 ramaSj e b r e r .....................Vir f»ra oclaoáifo e recreio . . . . . . . .GyirmaJJto peral do e b it t tro .............................................Almoço dos »Uimnaa . . ............................................Aliiwço dos empregados e recreia A » zIüojbcs . . . .Aulas gerees - . . .Aula <le eyiramtica a uma e h s » .......................................Aob de ueamlio a uma elarse............................................Rccrcto do» »lomoos das aulas e gymn&sitca aoto* de jantarJantar dos alumous....................................................... .....Jawar dos emproados e recréâo dos afmbrwj . . . .A ala* p e r a n .......................................................................Aula do pvmuastkaa uma cJasso . . . . , . .Aula de (fesenlu a uma cbsse ......................Merenda dos alamnos das aulas g o n u u ............................Kccreto â excepção da aab <U #ym uasüc»......................Merenda aos aluuuos do deseobo................................... .Gymnastiea geral . . . . . . . . . . . . . .ftieráo g e ra í........................................................Estudo peral ............................................................Ceia dos a lu m u o s ....................................................... .....CVia dos emprrçados e rffrtío geral dos aJamoos , . Ir para o» eútíegios, rezar t d e i t t r .................................

5 i / i ' n f/*-6 6-éi/2 ‘

e i/i-7 t/í 7 1/4-7 3/i7 3/4-« i / i8 1/2-11 i/i

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i ' i 3/4-1 1/2 i 1/2-4 i / i

3-6 3 1/2-8 1/2

4 1/2-5 5 -5 3/4

5 1/2 -53/45 3/4-6 1/46 1/4-6 l/ í 6 1/2-7 1/2

7 1 /2 -8 8-8 1/2 • • 8 1 /2 -9

Nóla Moitas rena ctrtomstauebs eitraordinariase imprevistas 6xtgem<|ac so façam alto- raçúes »o amUmealo, ordem ou regularidade dos exerci««; pare rcwtedbr estes ineo&vemea- tes ttturádiarámeaie «ma ordew de direcção apontando as alterações que Itourer a Cuer.

O D trecter

Figura 6 — A ocupação total do tempo de um dia

lectivo.

Fonte: Portarias da Administração, CPL (1869).

A polivalência da CPL inaugural, que seguramente incluía técnicas

correccionais que mais tarde se vão especializar em Mettray, vai esbater-se

na segunda metade do século XIX, assumindo-se então como vocação

principal — ou orientação estratégica — o cuidado de órfãos. Mas as

necessidades regimentais que se manifestavam nessa época não

retrocederam para a ideia inaugural do Intendente, uma vez que Mettray

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já funcionava e se tinha im posto com o m odelo . É im portante rem eterm o-

nos para o que escreveu sobre este assunto o hom em que deu um

segundo fô lego à CPL — e que praticam ente in iciou um a d irecção

dinástica —, Jo sé M aria E ugênio de A lm eida:

“Fora muito melhor ainda que se fundassem entre nós colónias penitenciárias semelhantes, por exemplo, à que há dois anos, tive ocasião de examinar em Mettray (França), obra do célebre e virtuoso Demetz. Esses rapazes incorrigíveis para

. ali são mandados, por um certo tempo, e sujeitos a um regime austero, que reprime o espírito de insubordinação e as tendências funesta que manifestam. Isolados da sociedade, separados por classes, fora de todas as distracções, sem contacto uns com os outros, ocupados sempre, tomam-se acessíveis às boas influências, e muitos deles voltam à sociedade corrigidos e regenerados. São inumeráveis as curas morais operadas nessas colónias penitenciárias.

Nessas mesmas colónias, ou em outras de um regime análogo, fazem entrar, para ali receber uma purificação moral, os rapazes vagabundos, que aparecem sempre no meio das grandes cidades, e que não podem ser retirados logo das ruas para os colégios de educação como este é, sem vir corrompê- los com a sua dissolução e com os seus vícios.

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Já ouvi num lugar onde menos esperava,' censurar a administração da Casa Pia, porque, em vez de praticar esses actos dè disciplina de que acima fiz menção, muitó ‘incompletos sem dúvida, mas únicos que se podem praticar e alem disso manifestamente legais, não tinha estabelecido na cerca da Casa Pia uma colónia penitenciária. Sem falar da- • impropriedade insanável, que a todos os respeitos oferece para aquele fim o local que se apontou; sem falar das muitas despesas que a fundação dele exige, e para- as quais faltam os recursos, do muito tempo que é preciso para o formar, sem falar da falta que há entre nós de homens, de um homem sequer, para dirigir esse estabelecimento novo; sem falar das muitas despesas que a fundação dele éxige, e para as quais faltam os recursos, do muito tempo que é preciso para o formar, da pretensão quimérica de expor, nesse longo intervalo, uma tão populosa casa de educação a v iver' no abandono moral sem temor das correcções, uma razão só explica por que a Casa Pia não fez nem fará, na cerca ou noutra parte, a colónia penitenciária que se lhe recomendou. É porque falta uma lei que permita que essa colónia uma vez criada não se tome um objecto de brinco ou irrisão. Quando o provedor da Casa Pia, depois de ter fundado com muitas fadigas e despesas uma colónia penitenciária, mandasse para ela, a fim de lá estarem por tempo indeterminado, os órfãos para os quais ela se havia feito, no dia seguinte as mães ou'as famílias deles podiam bater à porta, e exigir que lhes entregassem os seus filhos. E não havia direito de lhos recusar, porque, enquanto não houver lei que autorize essa retenção, tal acto seria uma sequestração arbitrária e um atentado contra os direitos da família” (Almeida, 1862: 28-29).

Essa lei chegaria uma década depois, libertando a CPL para a

assumpçào da sua valência de orfanato e amparo, afastando-se das

técnicas e intenções que certamente presidiram à fundação da Casa no

Castelo mas nunca abandonando o rigor disciplinar que, apesar de não

incluir a clausura, não dispensava as atribuições e severidade próprias do

internato.

Todo um conjunto de indícios faz crer que as reformas

Pombalinas pretenderiam incluir a CPL num projecto político orientado,

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onde se considerasse o éncarceramento não só como dispositivo penal,

mas incluísse também intenções educativas e de recuperação social por

uma via disciplinar não exclusivamente punitiva, o que certamente

justificará um aprofundamento da investigação destes aspectos

fundadores. A CPL simplesmente não era uma instituição especializada

como viria a ser Mettray, mas algumas das tecnologias que se

generalizaram no século seguinte estavam já precocemente embrionárias

na Casa Pia do Castelo. Já dispunha de uma segmentação selectiva e

especializada da sua população, bem como de instalações especificamente

construídas para cada uma delas — a Casa da Força, a Casa de Correcção

para homens, albergando indivíduos que voluntária ou coercivamente

trabalhavam nas oficinas de tecelagem das instalações e havia ainda

colégios e assistência para órfãos. Para a Casa da Força, a secção

correccional, eram enviados os indivíduos de ambos os sexos que

estavam sujeitos ao trabalho e a medidas disciplinares severas devido aós

seus delitos. No seu conjunto, as váriás secções da Casa Pia e da Casa da

Força tinha previsto o albergue de 2.500 pessoas, mas as instalações

nunca chegaram a ser construídas e a população nunca ultrapassou, à

época, de umas escassas centenas. Acresce que a CPL proporcionava a

vertente educativa e o desejo de inserção social através do aprendizado

profissional, do ensino das primeiras letras ou do patronato de estudantes

que se notabilizavam em diversas áreas, como relata César da Silva,

chegando a regressar a Lisboa estudantes vindos de Roma, fugidos dos

exércitos napoleónico que acabaram por chegar também ao Castelo de S.

Jorge.

Um século depois do relatório de José Maria Eugênio dé Almeida,

nos anos de 1960, à semelhança de inúmeras instituições congéneres,

170

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também a CPL protagoniza uma imensa reforma que a conduz a um

expansionismo aberto a formas diferenciadas de auxílio a populações

escolares muito diversificadas e cada vez mais numerosas.

. A ordem disciplinar casapiana e o normativismo

Como que metaforicamente, a Casa Pia no seu início sempre

ocupou instalações militares ou religiosas: entre 3 de Julho de 1780 e 29

de Novembro ,1807 - o Castelo de S. Jorge; entre 1807 e 1811 - não

funcionou; entre 11 de Agosto de 1811 e 24 de Julho de 1833 - Convento

do Desterro e entre 28 de Dezembro de 1833 e Outubro de 1859 -

Convento dos Jerónimos.

A CPL foi sempre uma instituição disciplinar de controlo social,

desde a sua abertura. O leque populacional nesse final de século XVTII em

que foi fundada e as diferentes modalidades em que eram ocupados os

internos, exigiram desde sempre uma rigorosa disposição disciplinar e um

exercício de controlo e logística complicado, o que requeria um sólido

economato de govemo. Quanto às práticas regimentais, elas iniciaram-se

por uma disciplina industrial organizada em tomo do trabalho ,e foram

evoluindo durante o século seguinte para a militarização das suas técnicas

de regulação dos sujeitos, adoptando o uso de uniformes e os alunos em

“Companhias”. A um exercido rigoroso deveria, corresponder uma

disdplina férrea e uma racionalidade gerendal que pudesse governar um

sistema a diversos nívds complexo, mesmo dispondo de recursos

económicos abundantes (Silva, 1896).

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O- normativo disciplinar escrito era o meio de estabelecer uma

ordem de relacionamento interno, embora haja desde sempre neste tipo

de instituições fechadas, uma ordem informal, não escrita mas também

disciplinar e estritamente rigorosa, que reja a conduta dos sujeitos entre si

sem a intermediação institucional. Na CPL tudo se registava e

descriminava, numa operação contabilística que foi sempre crescendo em

volume, em pormenor e, sobretudo, na capacidade de cálculo, tendo

muito provavelmente essas tecnologias sido apropriadas dos

conhecimentos da logística e intendência militar, dada a influência

castrense na governação da Casa. Desde 1780, começou-se a inscrever

sumariamente os entrados, más ainda com poucos indicadores: o nome, a

idade, a naturalidade, o lugar e a data de baptismo e um ou outro dado

considerado relevante, por vezes a causa da sua permanência lá. Com a

sua saída, anotava-se na margem do livro a data, o despacho que o tinha

libertado e ocasionalmente o seu destino.

Çerca de cem anos depois, a especialização contabilística tinha-se

desenvolvido e ocupava-se agora dos corpos dos alunos, da sua medição,

ponderação e caracterização, da normalização da sua higiene, do

nutriáonismo, da lavandaria, do cálculo das despesas correntes e

extraordinárias, da gestão de um imenso património, das relações com o

patronato externo, das despesas com o pessoal e com os fornecedores,

dos resultados académicos, da tipologia das doenças, do gado, da

agricultura, da militarização e de todas as outras actividades

indispensáveis à economia de instituições congéneres.

O regulamento disciplinar dos órfãos da Casa Pia — de 1850 e que

ainda vigorou bastantes anos — era lido obrigatoriamente aos sábados em

todos os colégios, testemunhando bem da centralidade da norma no

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governo da instituição. A contabilidade disciplinar- casapiana dessa época

fez um grande esforço na diminuição dos castigos e -na regressão mais

rápida dos físicos que dos morais, uma vez que em 1867 o total de castigos

registados pela administração ascendia aos 7520 (fig. 4), fazendo supor uma

cadeia administrativa de gestão das aplicações e registos disciplinares.

8000

7000

6000

5000

4000

3000

2000

10000

I

* ,* > * > '»■ ; ■ « v » ; • >j % j f r- k? f C l ’ .V > a * ; .

&

I S » !KSS*1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 (...) 1878 1879 1880

□ Castigos morais □ Castigos físicos

Figura 7 — Evolução dos castigos físicos e morais na

CPL.

Fonte: CPL. Relatório da administração (1881).

Fica por contabilizar o que não era contabilizável, ou seja, os

castigos extrajudiciais aplicados inter-pares e que sempre constituíram uma

regulação hierarquizada no interior daquele tipo de populações a viverem

sob o mesmo tecto para além, claro, dos castigos informalmente aplicados

por funcionários ou professores e que não seriam registados. Muitas dessas

regulações disciplinares aplicadas aos alunos por outros alunos tinham o

beneplácito do corpo institucional, que via assim aliviada uma tarefa

173

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sempre, desagradável de exercer, reforçando por interpostos agentes uma

regulação moral interna dos diferentes grupos, justificada por códigos de

honra consentidos pela instituição, não lhe convindo levar essas situações

para o terreno pedagógico, ou seja, tomar para si a responsabilidade de

institucionalizar e gerir algo que era auto-regulável, alijando o dever de

cuidar das eventuais vítimas de abusos internos não abrangidos por

normativos.

A autoridade pela norma e o recurso a processos hoje conhecidos

como burocráticos conduziam a CPL nos seus mais pequenos detalhes.

Na colecção de Portarias da Administração da P ea i Casa Pia de U sboa

publicadas pelo provedor José Mana Eugênio de Almeida (1862) podem-

se encontrar exemplos de como a norma devia pautar os mais pequenos

gestos de alunos, professores e funcionários, chegando a encontrar-se

uma portaria ordenando que “o vaqueiro chame as vacas pelo seu nome”,

evocando o respeito pelos animais. Tudo era anotado e regulado pelas

omnipotentes fórmulas das portarias da direcção, um procedimento dos

tempos de Pina Manique:

“Os regentes mandarão lavar os pés aos alunos uma vez em cada semana, e sendo de verão duas vezes (art.° 16.°, p. 209);

Nos dias em que • deva haver passeio se distribuirão os bonets aos alunos e debaixo de forma sairão do estabelecimento”(art.° 11.°, p. 208).

Com a crescente especialização disciplinar chegou-se à

individualização dos internos e à sua inserção numa contabilidade

composta pela discursividade do higienismo. O corpo orgânico do sujeito

tinha deixado de ser unicamente um alvo de submissão física, tomando-se

174

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merecedor de um trato que, enquanto elemento socialmente produtivo, o

optimizasse nas suas aptidões físicas:-

Figura 8 - A celebração colectiva da refeição.

Fonte: Boletim de Assistência, n.° 1 (1931).

Alguns elementos dos batalhões escolares da CPL, como as chefias

e alguns subordinados que fariam maiores esforços, como os corneteiros,

quando autorizados tinham direito a ração reforçada. A nutrição tomara-se

um princípio essencial para a formulação do cálculo logístico, mas também

para a autenticação dos princípios científicos do higienismo e da biologia,

constituindo um dispositivo disciplinar com uma valia da qual as

instituições se sentiam bem conscientes. As refeições possuíam um valor

simultaneamente funcional e simbólico na ordem disciplinar casapiana —

como em todas as instituições congéneres devido à situação de sequestro

em que se encontravam os alunos e ao palco que o refeitório constituía ao175

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reunir todo o público interno da instituição num local e num momento,

assistindo às punições que procuravam dissuadir o cometimento de

desvios, lembrando, neste último aspecto, a exposição pública dos

supliciados e o vexame.

Pela capacidade de ilustrar de forma tão clara o regime disciplinar

do meio século XIX na CPL e que, certamente, não seria muito diferente

em outras instituições, merecem uma atenção especial alguns articulados do

“Regulamento para os castigos dos alunos, mandado observar pela

comissão administrativa da Casa Pia em sessão de 20 de Março de 1850”:

“Art.° 1 — Os alunos que nos respectivos colégios cometerem faltas leves serão punidos, pela primeira vez, com o castigo de estarem de joelhos por um quarto de hora no mesmo lugar onde tiverem cometido a falta, péla segunda vez de joelhos por meia hora e pela terceira vez uma hora.

Art.° 2 — Os alunos que, por negligência, forem pouco asseados no seu vestuário, serão punidos, pela primeira vez com quatro palmatoadas, pela segunda vez com seis, e além deste castigo trarão, por espaço de seis dias, no braço esquerdo, uma tira de pano branco com a palavra «Desleixado».

Art.° 3 — Os órfãos que, sem motivo justificado, faltarem a qualquer toque de chamada para reunião, pela primeira vez assistirão de pé sobre um banco ao jantar, pela segunda vez levarão seis palmatoadas quando estiverem para entrar para o refeitório. § Único — Se a falta for cometida à hora da reza, os que faltarem serão obrigados a rezar de joelhos, no seu respectivo lugar, durante meia hora.

176

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Art.° 4 T- Gs alunos que forem encontrados, - sem motivo • justificado fora do lugar que lhes estiver destinado, serão punidos pela primeira vez estando de joelhos no púlpito assistindo ao jantar, pela segunda vez o mesmo castigo, mas lendo em voz alta um livro. Se porém não souber ler, o castigo será repetido durante dois dias.

Art.° 11 — Os órfãos que forem encontrados a jogar às cartas, ou qualquer outro jogo proibido serão, pela primeira vez punidos com doze palmatoadas, que lhes serão dadas na frente de todos os órfãos formados em quadrado, depois assistirão ao jantar, onde estarão de joelhos com as cartas ao pescoço.

Art.° 12 — Os alunos que proferirem palavras desonestas, serão punidos com oito palmatoadas e assistirão de joelhos ao almoço, jantar e ceia.

Art.° 16 - Os alunos que tiverem desordens ou desavenças entre si, serão castigados, pela primeira vez assistindo ao almoço e jantar de joelhos e com as mãos presas; pela segunda vez com o mesmo castigo e oito palmatoadas.

Art.° 19 — Os alunos que desertarem do estabelecimento ou da casa dos mestres onde se encontrem a aprender ofícios, quando forem de novo conduzidos ao estabelecimento,-serão punidos pela primeira vez com dez palmatoadas em cada um dos três dias sucessivos à apresentação; pela segunda vez com o mesmo castigo e nesses dias serão sustentados somente a pão e água.”

A dependência fisiológica da alimentação da criança em. relação à

instituição era constantemente exposta, evidenciando o tipo de submissão

que era exigida aos alunos. Um deles tinha caído de uma escada, ferindo-se,

sendo necessário tomar medidas para impedir a recorrência desse

acontecimento perturbador:

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“Art.° 7 — Para evitar a repetição de quedas, todos os alunos que forem encontrados debruçando-se sobre os corrimões das escadas, serão punidos, pela ' primeira vez com oito palmatoadas e um dia de serviço extraordinário no refeitório ou colégio, pela segunda vez com o mesmo castigo, assistindo além disso de joelhos ao almoço, jantar e ceia no refeitório.”

Os castigos, embora de uma proporcionalidade discutível, eram

graduados e progressivos sendo administrados imediatamente após as

averiguações, que. deveriam ser brevíssimas. . Eram técnicas físicas de

recurso à dor, à humilhação, ao espectáculo colectivo do exemplo

individual, estabelecendo uma ligação ao espiritual pela genuflexão e pelas

rezas, o que lhes acrescentava um simbolismo penitencial. Esse tipo de

situações,’ embora com menos aspereza, mantêm-se até muito tarde e,

claro, eram momentos que os supliciados também podiam capitalizar pela

oportunidade que tinham de demonstrarem a sua coragem física, pela perca

do medo ao castigo1, servindo também para reajustar as lideranças que

disputavam entre si. Os castigos não só eram hierarquizados segundo a

gravidade e recorrência da falta como, eles próprios, eram hierarquizadores,

na medida em que eram aplicações que orientavam e ordenavam relações

de poder dentro das comunidades onde existiam.

Á este propósito, é oportuno fazer um salto temporal até à primeira

década da República para ouvirmos Aurélio da Cósta Ferreira, um espírito

científico com uma curiosidade inesgotável, que tanto estudava à socapa as

ossadas de D. Catarina de Bragança no Mosteiro dos Jerónimos como as

patologias das crianças, chegando mesmo a gabar-se de diagnosticar o

carácter dos alunos pelo aperto de mão. Com essa agudeza dedicou-se

1 Cfr. Ferreira, António Gomes (2000: 319). Gerar Criar E ducar—A Criança no Portugal do Antigo Regime. Teses, vol. 7. Coimbra: Quarteto.

178

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pessoalmente ao estudo da linguagem usada pelos alunos mais antigos da

instituição, o calão utilizado.na Casa em meados do século XIX, que ele se

propôs registar. Foi assim que se referiu aos témpos da aplicação do

regulamento de 1850:

“Há vocábulos e expressões que merecem atenção especial. A expressão andar ou marchar à forte, que se emprega quando alguém anda de cabeça levantada e bamboleando-se, vem do tempo em que todos os dias, a hora certa, em regra antes das refeições, formavam os colégios todos para assistirem à aplicação; dos castigos corporais, na presença do Director ou seu representante, hora em que o prefeito geral ia chamando os alunos condenados para lhes aplicar as palmatoadas que a- autoridade superior prescrevia. Os fortes estendiam alternativamente e à altura do ombro, ora uma ora a outra mão e depois iam para o seu lugar com os olhos enxutos, de cabeça erguida e bamboleando-se, caminhando à fo r t t ’ (Ferreira, 1914:327).

Em 1895 é publicado o Regulamento da Ginástica onde se tabelam

e graduam todos os exercícios que deviam preencher os currículos das

diferentes classes, conferindo mais eficiência disciplinar às técnicas de

distribuição pela conjugação da instrução militar com a ginástica. Não só se

geria através delas a organização regimental da Casa, como se organizava

melhor os actos individuais dos alunos e se dispunha melhor do colectivo.

“Compete aos alunos graduados das respectivas .companhias, conduzir os mesmos dos claustros para as camaratas e daí para

('i todos os pontos que se destinem, com excepção das aulas, .dando-lhes as vozes que forem convenientes, em harmonia . com a ordenança e ficando responsávéis pelos erros que cometerem (art.® 41°).

179

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Para lavagens na casa de banho, banhos no mar ou corte de cabelos, o aluno graduado que conduzir os outros, chegando ao • ponto a que se destina, mandará sair da forma todos os graduados oficiais e, depois da voz à vontade, entregará o grupo que conduzir ao empregado encarregado do serviço, de quem depois os receberá mandando entrar em forma e seguir todos os demais movimentos da ordenança para se pôr em marcha (art. 42° § único).

É da exclusiva competência do comando geral a distribuição . pelas companhias, não só do pessoa e alunos graduados, como ainda dos simples alunos que devam constituir os efectivos. §Único. Sempre que seja necessário transferir alunos de uma para outra companhia, essa transferência será indicada na ordem dos batalhões escolaref* (CPL - Regulamento para o ensino de Ginástica pura e aplicada, 1895: art.° 46°).

Uma racionalidade sobre a organização e comando dos alunos,

seguindo um figurino militar, continuou a desenvolver-se depois da

viragem do século e de duas guerras mundiais, acolhendo o Estado Novo

de bom grado esses regimes disciplinares e a intensa regulação normativa

interna que também abarcava a vigilância moral, num ambiente de domínio

fácil e redutor dos problemas às disposições escritas. Em 22 de Julho de

1945, o Provedor manda publicar uma Ordem regulamentando toda a

organização è funcionamento dos acampamentos de férias em 75 artigos

onde, mesmo havendo um Director e um comandante nomeados para o

acampamento, todas as actividades e ocupação de tempo estavam previstas

pela provedoria, não deixando espaços para improvisos ou desvios morais

ou doutrinários. Antes do recolher, entre as 20: 30 e as 21: 30, o serão era

ocupado da seguinte forma:

180

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“17 — À noite reunir-se-rão todos os alunos e terá lugar-a «Chama da Mocidade». Deverá executar-se um programa que abranja canções, • música,. recitações, anedotas ou quaisquer outras distracções, além das observações que o Director e o comandante do acampamento julguem oportunas.

Impnmir-se-á a esta reunião um ambiente alegre, sem esquecer que ela tem por fim criar uma oportunidade, para num meio são, se lhes elevar o espírito dos alunos. Por consequência, não deverá dar-se-lhe um aspecto de diversão tão acentuado que deixe de ser possível tratar com gravidade qualquer assunto de carácter moral ou disciplinar. O Director deverá proceder a uma censura dos vános números apresentados pelos alunos de modo a evitar qualquer canção, redtativo ou anedota com aspectos menos educativos.

A «Chama da Mocidade» terminará com os Hinos da Mocidade Portuguesa e o arrear da Bandeira. Seguir-se-ão as orações da noite.” (Instruções sobre a organização dos Serviços dos Acampamentos de Férias, 1945).

Os trabalhos para as férias também não estava esquecidos, servindo

como elemento de propaganda cívica pela ligação às comunidades onde

estivessem acampados:

“42 — Realizar-se-ão nos acampamentos trabalhos de utilidade pública, como construção e reparação de caminhos, construção e reparação de muros e vedações, cruzeiros, etc., devendo cada acampamento ao levantar deixar nos trabalhos realizados uma inscrição onde fique assinalado o trabalho dos alunos da Casa Pia” (Instruções sobre a organização dos Serviços dos Acampamentos de Férias, 1945)..

Apesar de os castigos corporais terem sido formalmente abolidos

e de se ter proibido o uso da palmatória desde 1889, a sua prática

continuou de forma corrente:

181

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<<Lembrome que no dia 30 de Abril de 1926, dia em que completei 12 anos, fui chamado a Aritmética. Falhei e apanhei meia dúzia de reguadas, bela prenda!...” (Poiares, 1994: 20).

As normas procuravam abarcar o maior número. de situações

possíveis, ora através de uma grande abrangência ou de uma especificidade

minudosa que queria regularizar o estar dos alunos nos seus mais pequenos

gestos. A evolução da regulação pela regra para o normativo ocorreu na

CPL durante a segunda metade do século XIX, na sequênaa das reformas

iniciadas por José Maria Eugênio de Almeida. Foi durante esse período que

a norma se toma uma particularização da regra, produzindo-se de uma

maneira própria e segundo um prinapio de valorização. A norma, afere-se

pela regra, mas já não se reporta a uma ideia de rectidão mas a uma média

que distingue o normal do anormal. Foucault (1987: 173) via nesta

transição da regra para a norma uma alteração ria natureza da disaplina, a

que chamava uma “inversão fundonal das disdplinas”, já que deixavam de

servir exdusivamente como coerção e bloqudo de acções não autorizadas,

para se tomarem estimulantes e orientadoras dos actos no sentido da

obtenção de maiores benefíaos.

“A norma é predsamente aquilo pelo qual e mediante o qual a sodedade comunica consigo própria a partir do momento em

• que se toma disdplinar. A norma articula as instituições disciplinares de produção, de saber, de riqueza, de finança, toma-as intmüsdplinares, homogeneíza o espaço social, se é que não o unifica” (Ewald, 2000: 83).

182

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Uma lição de ginastica

Oatra lição de ginastica

Figura 9 — A ginástica, o corpus e a formação militar. Fonte: Boletim de Assistência, n.° 1, Outubro de 1931.

183

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P A R T E I I I

EDUCAÇÃO CORRECCIONAL E MODERNIDADE

Art° 29.° — Nào darão mostras de amizades particulares aos companheiros, separando-se para falar a sós e em segredo, escrevendo bilhetes entre si, ou buscando

com preferência os mesmos companheiros. Regulamento do Colégio dos alunos do Maria S.S. Imaculada (1875)

0 racfbor <fc níraSe tu quisesses que as pessoas desejassem ser tuas amigas, o que dirias para

realçar as tuas qualidades? O que dirias para as convencer de que seria estupendo para elas conhecerem-te

e terem a tua amizade? Quais são as tuas características mais positivas?

‘E nsinara estudar - A prender a estudar”, Porto Editora (2000: 28)

185

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U m a le it u r a de m odernidade no cam po reeducativo

A conexão entre a condição modema e as instituições de correcção

social aqui apresentada justifica-se pelo surgimento de teorias críticas que

apontam para um despertar de liberdade mas também de submissão

institucional, no período moderno. Segundo Peter Wagner (1994), ao

quadro de libertação e estímulo do individualismo proporcionado pelas

garantias das instituições modernas opôs-se, precisamente através das

mesmas instituições, um quadro de submissão. Isto é, o desenvolvimento

de novas racionalidades e aplicações institucionais libertadoras enunciava

simultaneamente a existência de novas aplicações constrangedoras. Se o

discurso optimista e libertador das instituições modernas tem sido

predominante durante mais de duzentos anos, o que parece legítimo, isso

legitima também que se lhe possa contrastar um discurso dos efeitos da

submissão que foi necessária, e exigida, pelos regimes decorrentes dessas

mesmas instituições. Wagner (1994), avança mesmo que a primeira

justificação para a atitude crítica do discurso da submissão é o facto de as

liberdades nunca terem ocorrido da forma como as ideias liberais as

haviam concebido.

Como já vimos atrás, a ambiguidade a que se presta a temática da

modernidade, importa clarificar como se podem identificar alterações

regimentais tomadas como manifestações simbólicas do pensamento

moderno. Em primeiro lugar, é preciso estar consciente de que, nunca

estando a instituição estática, embora por vezes pareça cristalizada, a erosão

temporal e a invisibilidade que se vai apoderando dos gestos mais187

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quotidianos acentuam o exercício de um poder constante de que nos fala

Foucault, produzindo efeitos que, por sua vez, conduzem a outras acções,

num “perpetuai motion” como Bemadette Baker (2001) descreve a

natureza desse poder. Nesta linha de pensamento que atribui uma natureza

constante e fluida aos efeitos de poder, este, não se exerce directa e

impositivamente entre sujeitos, mas através do exercício de “acções sobre

acções de outros”, num jogo estratégico aberto de possibilidades éticas e

práticas. Essa necessidade de o poder agir sobre as acções dos outros,

implica que os outros tenham sempre uma margem para algum tipo de

acção (Gordon, 1991: 5), tomando possíveis contínuas trocas de poder em

que se desenvolve sempre um efeito de corrosão, mesmo que as práticas

permaneçam inalteradas.

Em segundo lugar, o arco temporal necessário ao surgimento de

determinadas práticas não é coincidente com a emergência textual referente

a essas práticas. Por vezes, determinadas concepções pedagógicas

antecediam em séculos o vislumbre do seu uso efectivo. Outras vezes, as

mesmíssimas aplicações eram apropriadas por diferentes discursos que se

sucediam em busca de novas verdades. Como tal, o surgimento de

discursos que procuraram induzir rupturas e as práticas que neles se

sustentaram não são elementos síncronos mas diacrónicos. Michel

Foucault (1997: 40) alerta ainda para que a análise do atributo de

“exterioridade” do discurso deva ser feita partindo das suas regularidades e

recorrências até às “condições externas de possibilidade” de ocorrências

aleatórias mas de fronteiras demarcadas.

Por conseguinte, pelo desfasamento temporal entre práticas e

discursos, como observa Wagner (1994: 29), “entre as ideias e as

instituições da modernidade, existe afinidade, mas não identidade”. Por

188

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fim, o padrão usado na procura de viragens regimentais ou textuais não se

fundamenta somente nas alterações normativas, o que não .faria .sentido,

mas numa leitura do arquivo que atribui provavelmente tanta importância a

um decreto como a um acontecimento obscuro.

Veja-se, num pequeno parêntesis, . como uma ilustração de

“acontecimento obscuro” e de “margem de acção” necessária para que o

jogo de poder se efective, o desfecho do caso de uma menor que, ao atingir

a maioridade num reformatório, vê a liberdade ser-lhe negada por um

parecer técnico que a remetia para uma colónia correcdonal, decidindo

então ingerir mercurocromo numa tentativa de suicídio. O Conselho

Técnico vai visitá-la ao hospital e estabelece um pacto com a menor: a

liberdade será concedida contra uma promessa escrita afirmando a “boa

resolução de bom comportamento futuro” (ATIL, 1924-9, proc.° n.° 180).

Ocorrem as palavras que encerram o livro de Colin Heywood (2001: 171),

A H istory o f Childhood - Children and Childhood in tbe West jrorn M edieval to

Modem Tvner. ‘Terhaps one should never underestimate the power of a

child”.

Prosseguindo, Phillipe Ariès foi talvez quem primeiro articulou a hierarquia

e a disciplina com o processo educativo, além de ter sido ele quem

primeiro assinalou a sua implantação como um momento de.ruptura aquele

em que “o estabelecimento definitivo de uma regra disciplinar consegue a

evolução que conduz a escola medieval ao colégio modemo, instituição

não somente de ensino, mas de vigilância e enquadramento da juventude”

(Ariès, 1973: 185). A partir daí marca os progressos das práticas de

disdplina, desde a hierarquia, a delação e a punição até ao abandono dos

castigos e do estabelecimento de uma ordenação de tipo militar.

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Considerações para provar qne a riç io diaría dada aos orphSos da Casa Pia è mais qao soQ3cieD(e

Para a eon&crvaçío da vida no nsindo imrmal, atlentas as perdas oecasionadas pela rcspirnçfli» «•. cxcrcçóüs, d necessário fornecer ao organismo sultsljinrin* que «m lm iliniu proximamente 310 grauiinas de earbonio c SO de awiUs.

ft esta á iiuHLia achada pelo disliiiclo chimico Pavon para os adul­tos.

lícUieby preeisn m ais a «jnctilflo, o nprosetiia a seguinte labella para regular a alimoulaçâo ti cxla idade, cunformd o grau do traba- ÍIk).

Axata C a to o »

Trabalho a c t i v o ................................. 53 ,9 ' 378,5Trabalho usual...................................... 50.7 373,0Sem t r a b a lh o ................................... 15,t 219.7

As quantidades de azolo e earbonio, indispensáveis para a s repa-raçOcs das perdas oceasionadas un organismo, variara portim rom as idades e cstSo mais ou raeucu cui Ivu-monia cora o peso do indiví­duo.

Apresenta-nos Sinilli o seguinin quadro regulador:Puerícia (<l«rx m m os): nçso nirdio — Precisa azole, por k i-

logram ura do i* .«) vivo, 0*A 9 ; carimnio, 7s,2.Pubcrdndo (dnrcscis aonns): irrao médio 43l .62 .— Precisa azote,

por kilogramma de peso vivo, (fcylG; earboni», 5a,0.Portanto, para av an ças «mire riex e dezoilo nnnos, servitido-iios

da percentagom maiur, ad iflm «« «pio a nlimetitacSo devo conter azotç c carlronio uas seguintes propnrç«»*: azole, 15,20; carlmnio, 518.10.

Uma cotnmissáo c-|>ecial, t(iiii|Hista do mediros dístindos (cm França), Bérard, GilcUc, l-uvram l o Alibert, fumlailus nas observaçOes foilas nos melhoics hospitaes. prescreveram, como mgra a seguir, que a carne para alimentação do nrvauças entro quinze o dezuito nnuoa, fosse de 280 çrwniuns, crua ou raizida, o snm oaao 140; do doze a

Suínze annos, 540 graniuias, cm 151) sem n sso ; o pura as do novo a ozo annos 200 gramtnas crua, uu 100 cozida n sem osso.Façamos aptdieaçio aos orpltaos «la Gasn Pia, ap rcsa itam b a re-

íe iç io do ura dia nas poiores comlipJes.

A lm oço

CJri cora leito e pâo sccco. Asola1 gramroa de ehá da lu d ia . . . 0,01

■ Leite; O1, ! ou 103*.2 . . . . . 0,08P io, 500 g r a m m a s ......................... 3,00Assúcar, 10 g ram m as....................

4,50

Figura 10 — A dieta científica casapiana. Fonte CPL — Relatório da administração (1881).

Uutn»0,108,25

76,005,12

89,47

190

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*53..

Note-se que os aluirmos uiaiores (teui 26o gramraas de ração do pão.

Jan ta r

Carne cozida, sopa.de pão, pão, JVucta, vinho. Carne de vaccu 160 granimos, descontando '/i de osso íkam 128 granuuaa.

A to le Caxboulo

Cnrne, 128 grammas................ a.84 14,08Pão, 151 grammas..........................2,70 57JIO\iüho, 0',05 ou 5 grarnmas . . - 0,20Toucinho, 5 grammas................... 0,05 3,551 la ran ja ........................................ - ^

6,50 75,13

Bolacha d merenda, 50 grammas 1,10 15,50

Ceia

Carne guisaria com balatas, pão. Carue de vacca 130 granunos, ou sem osso 104 granunas.

A to ie Cartwnio

Caroo. ....................................... 3,12 11,44 .Batatas, 60 grarnmas................... 0,19 6,00Pão, 100 granunas....................... 1,80 38,00Toucinho, 5 gramraas................... 0,05 • 3,55

5,10 59,50

Total, 17,13 de azo te; 239.69 de carbonio. Total da carne ci-ua 290 graminas; sem osso, 232 grarnmas.

Os physiolo^istas estabelecem que a carne deve entrar no sustento na rasSo dc 2j por cento do peso lotai da comida. O peso total da comida que figura no nosso exemplo è de ()k,890,2 ; 25 por cento 222 graminas, c nós damos 232 gramraas; logo a nossa ração de carue d avantajada.

Begulando-nos pelo hygiunisla Smilh, o nual exige para a epochn da puberdade elementos nutritivos, que contenham em si equivalen­tes de azote 15,26 c 218,10 de carhouio, vemos qua u ração adoptada na Casa Pia,'no easo mais desfavoravél de alimentação, satisfaz ple­namente, por isso que os seus equivalentes perfazem 17,13 de azoto e í39,G9 de carbonio.- -

Comparaudo com as indicações da commissSo francesa, chegãmnx ao segninlé resultado:

Temos na actualidade 274 orphãos de seis a doze annos, 54 d» di»e a quinze, e 6 de quinze a dezoito annos; ao lodo 334.

Sfio as quantidades estabelecidas pela commissão franeeza. como dissemos, dc 200 graramas para os primeiros, 240 para os segundos e 820 grainmas para os terceiros..

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Da escola medieval que homogeneizava a criança e o adulto passou-

se ao colégio que estabeleceu um princípio de modernidade regimental de

governação hierarquizada, embora pedagogicamente ainda aglutinasse

crianças e adolescentes numa mesma massa de escolares. No século xvm ,

o uniforme militar vai ajudar a destrinçar as crianças dos jovens, reforçando

junto destes uma imagem de virilidade que não se associava à meninice:

“Cette notion d’adolescence transformera la pédagogie: les. éducateurs reconnaissent désormais à l’uniforme et a la

discipline militaire une valeur morale. T .’assimilation de l’adolescent et du soldat, à l’école, conduit à accentuer des caractères jusqu’alors négligés, de rudesse, de virilité, désormais recherchés pour eux-mêmes. Un sentiment nouveau est apparu, quoique encore embryonnaire distint de celui de l’enfance: le sentiment de l’adolescence” (Ariès, 1973: 297). '

As ideias científicas positivistas e a ascensão da psicologia como

métodó diagnóstico e prescritivo dotaram essas instituições correctivas

com uma função terapêutica que exigia avaliação científica do estado da

criança, bem como a posterior avaliação do resultado das suas aplicações

educativas. Essa acção continuada de classificar/configurar/devolver, constituiu

uma genuína contabilidade pedagógica, facilitando o estudo e a aferição

permanente de resultados denotando, através dessa conjugação de práticas

e discursos educativos, a‘evolução da condição e responsabilidade social da

criança perante um Estado que pretendia consumar a integração de todos

òs segmentos populacionais da infanda nos seus mecanismos de

governação política.

Embora os regimes de correcção se constituíssem por técnicas e

conceitos disponíveis em cada momento, sendo pois evolutivos e não

disruptivos, pode-se discernir alguns pontos de viragem na formulação

regimental que distinguia essas instituições e, Sobretudo, na evolução dos

192

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discursos institucionais sobre “o que é a criança”, subjacentes à sua acção.

Alguns desses “momentos de viragem”, nas formas de govemo da criança

delinquente adquiriram expressão prática através -de instituições pioneiras

numa acção correctiva que traduzisse os enunciados da modernidade, ao

assumirem modalidades inovadoras de terapia e inclusão social que se foram

desenvolvendo por vias progressivamente mais especializadas e liberalistas.:

Partindo de uma metáfora de camadas sedimentares como uma

ideia da progressão da .modernidade, pode-se adoptar o exercício de

aglutinar determinados regimes disciplinares numa temporalidade

fraccionada em fases ou camadas sedimentares, uma vez que cada novo

período de vigência regimental, resultante de novas formações discursivas e

de novos saberes, surgia por ter adquirido o seu espaço de poder

conquistado a uma ordem antecedente. Pode então fazer-se uma tentativa

simplista de operadonalizar temporalmente algumas inovações regimentais

na correcção social de menores, agregando as instituições mais

paradigmáticas dos diferentes modelos disciplinares do seguinte modo: .

I Fase -1780-1870:

Instauração de um regime correcaonal com intenções educativas e

de auxílio público, graças à abertura da Casa Pia de Lisboa. A originalidade

da instituição, a sua abertura à flexibilidade educativa e a experimentalidade

dos seus métodos pedagógicos e de interacção soaal, apontam a CPL

como deasiva. para o inído da modernidade no campo das práticas

disaplinares que ambidonavam corrigir por mdos institudonais as crianças

sodalmente desreguladas. . ..

. II Fase-1870-1911:

Trata-se de um período relativamente curto, para a época em

apreço, mas representativo de uma. grande transição nas prátiças

193

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regimentais e no discurso pedagógico, afirmando definitivamente um

pensamento moderno. A legislação que concede a abertura da Casa de

Detenção e ■ Correcção de Lisboa, ao separar definitivamente a

responsabilização penal dos menores da dos adultos, consagra a criança

como uma população autónoma e passível de aplicações de práticas de

govemo especializadas, tal como a expansão da escola de massas fazia

junto de populações de menores socialmente enquadradas pelo govemo da

família. Este período coincide com a acção do P.e António de Oliveira,

figura central nessas reformas políticas que estabeleceram em definitivo as

formulações da modernidade no que respeita à relação com a criança

marginal.

- m Fase-1911-1962:

j Materializa-se o alastramento e consolidação da intervenção do

Estado,, que erige um modelo duradouro segundo a orientação das ideias

republicanas; prevalência crescente dos métodos científicos de avaliar e

medir, introdução da psicologia e das noções terapêuticas; obscurecimento

gradual da evidência dos métodos disciplinares na relação pedagógica.

Elevado número de pequenas reformas mas sem grandes rupturas.

IV Fase-1962: ' >

- Reforma de fundo com a criação dos institutos de reeducação. E

uma décâda em que se inicia o declínio do internamento compulsivo como

dispositivo recomendado. Nikolas Rose (1999: 237), invocando Stan

Cohen (1985), aponta os finais dos anos sessenta como o início do

“desencarceramento”, caracterizando assim uma mudança nas estratégias

de controlo social que se traduziu na prática pela diminuição significativa

das populações em instituições de sequestro e controlo e, por outro lado,

assistiu-se ao incremento dos dispositivos médico-psiquiátricos e dos

194

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cuidados comunitários. Não foram • as instituições e os sistemas que

desapareceram, foi o esbatimento das fronteiras entre o “dentro” e o

“fora” dos sistemas de controlo social devido à dispersão de mecanismos,

contribuindo para a invisibilidade dos sistemas • que, ao espalharem-se. e

especializarem-se ainda mais, se dedicaram a infracções da. ordem

normativa cada vez menores (Rose, 1999: 238). :

O presente está-muito -marcado pelas mudanças no paradigma

relacional com a criança, ocorridas numa década que deu início a um

pensamento designado por muitos como “pós-modemo”, período em que

a publicação da Carta dos Direitos da Criança contribuiu para desencadear

consequências fundamentais nos discursos da “pedagogia social” , da

infância, mas essa proximidade do objecto afasta-se do âmbito deste

trabalho, delimitando assim o arco temporal escolhido. Pode-se

acrescentar, no mínimo, que em Portugal, pela natureza do regime da

época e pelo contexto criado pela administração dos territórios coloniais, as

mudanças podem ter chegado mais tarde mas acabaram por se produzir,

pelo menos no que toca às práticas correccionais de menores.

O excurso seguinte, , feito pelas instituições de correcção social, não

pretende ser um inventário dos estabelecimentos de reeducação — que se

foram sempre multiplicando sob diversas e inúmeras formas, embora

mantendo entre si uma uniformidade em tomo das posições discursivas

dos pedagogistas .sociais pretende, sim, traçar um- quadro , breve mas

expressivo dos estabelecimentos onde se inauguraram modalidades

regimentais até aí inéditas, segundo1 o ângulo da emergência de uma

tecnologia educativa e disciplinar específicas, aprofundando mais o olhar

sobre aquelas que talvez tenham originado rupturas mais- significativas e

fomentado uma descendência genealógica das pedagogias correctivas que

195

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representaram. Exemplificando, a Colónia Correcdonal de Izêda, aquela

que se tòmou talvez a mais importante entre as suas congéneres, não

inaugurou nenhuma modalidade disciplinar ou educativa inédita, pelo que

não é aqui destacada na proporção do prestígio institucional que adquiriu.

O mesmo se aplica à Colónia Correcdonal de S. Bemardino para o sexo

feminino, uma população que desde 1903 dispunha de instituições que

sobre ela aplicavam espeaalidades correctivas, apesar de o seu Director o

negar expressamente na Monografia que traçou da instituição, quando se

lhe refere como uma “Colónia Correcdonal para o sexo feminino, tipo de

estabdedmento que até então não existia em Portugal” (Sena, 1931: 14) ou

o caso do Instituto Navarro de Paiva, continuador e não fundador da

institudonalização das técnicas empregues no Instituto Aurélio da Costa

Ferreira havia quinze anos.

O período selecaonado [1870-1962], para além da CPL já ter sido

abordada no final da parte anterior, é aquele em que mais se intensificou e

acelerou a produção discursiva pedagógica e a difusão de instituições que

procuraram práticas educativas e regimentais que se pudessem associar a

viragens na evolução da modernidade pedagógica no âmbito correcdonal.

Pára facilitar uma visão macro desse arco temporal tão extenso e

das zonas tecnológicas que o ocuparam, segue-se um quadro sinóptico que

servirá de introdução e referênaa cronológica à parte seguinte, sendo

deliberadamente pouco detalhado, pois a investigação sistemática e

rigorosá dò percurso de todas as instituições que se dedicaram à correcção

sodal dos menores é um empreendimento a que este estudo não procura

dar resposta.

196

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D etenção e Correcção

Colónia Penal Agrícola

CorrecçãoFem inina

T ribunais de M enores

M edicinaPedagógica

1871

*

1880

Casa de Detenção e Correcção ■

Colónia Agrícola de Vila Fernando

(Eivas)■

1895 (Mórõcasaté1903) (Inibo de

actividade)

1903 Casa de Detenção e

Correcção de Lisboa

(feminino)1911

1915 Eseob Central de Reforma de

Lisboa

Escohde Reforma de

Lisboa

Tutoria de ln ân cb

Refugio da Tutoria1925

Reform ator» Central de

Lisboa “PadreColónia Agrícola Correcdonal de

Refoccnatódo de Lisboa

Instituto Médico-

. Pedagógico

1927 António de Obvein

V ib Fernando Colónia • Correcbonal de S. Bernardino,

Peniche (feminino)

1962 InstinitDS de Reeducação

Figura 11 — Cronologia da especialização correctiva institucional

197

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A S INSTITUIÇÕES MODERNAS (1871-1962)

Embora as questões regimentais sobre a educação da infanria e as

modalidades de governação dos escolares obedeçam a racionalidades e a

tempos próprios, elas não ficaram imunes a uma aceleração reformista que

se notabiliza sobretudo no último quartel do século XIX, começando o

Estado a empenhar-se progressivamente no estabelecimento de instituições

especificamente dedicadas à regularização do comportamento social da infância.

Os territórios tutelares de crianças, fossem eles lares, colégios,

seminários, asilos ou orfanatos, constituíram sempre um campo empírico

rico e inovador, tomando-se por isso atractivos para um grande número de

pedagogos e estudiosos àcntíficos. Essa disponibilidade experimental de

populações em restrição é identificada por Foucault como já estando

presente na concepção panóptica de Bentham, no início do século XIX,

sendo essa disponibilidade essencial para que os seus efeitos práticos

produzissem resultados. O pensamento foucaulriano debruçou-se sobre

aspectos aparentemente funcionais e mecanidstas, mostrando-se

indiferente à natureza cruel de certos procedimentos, mas detendo-se

imenso nas possibilidades de amplificação do poder, contidas nesses

processos. Assim, permite-se inventariar a polivalência das suas aplicações:

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“Serve para emendar os prisioneiros, mas também para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalÍ2ar os operários, fa2ef trabalhar os mendigos e ociosos. E um tipo de implantação dos corpos no espaço, de distribuição dos indivíduos em relação mútua, de organização hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de poder, de definição dos seus instrumentos e de modos de intervenção, que se podem utilizar nos hospitais, nas oficinas, nas escolas, nas prisões.Cada. vez que se tratar de uma multiplicidade de indivíduos a que se deve impor uma tarefa ou um comportamento, o esquema panóptico poderá ser utilizado; (...) é um intensificador para qualquer aparelho de poder: assegura uma economia (em pessoal, em tempo, em material); assegura a sua eficácia pelo seu carácter preventivo, pelo funcionamento contínuo e pelos seus automatismos. E uma maneira de obter poder” (Foucault, 1987: 170).

Trata-se de uma visão tecnológica e experimental, uma maneira

melhor de fazer que pode ser aplicada a vários saberes e de cujas

potencialidades Bentham estava bem consciente, nomeadamente da

aptidão produtiva que tinha “uma casa bem governada”. O que distinguia

este género de poder de um poder de tipo soberano, era o facto de o

incremento na obtenção de resultados vir de dentro, ou seja, provinha da

inerência contida no artefacto em si mesmo, tomando-se assim o poder

mais subtil, mas mais presente pela sua constância, facilitando o exerddo

de uma economia mais produtiva.

Quanto à vigilânda fixa, ao olhar permanente, pode-se considerá-la

como um dispositivo de evolução moral pois dispensava a prática da

delação de que nos fala Ariès (1973): a partir do século XV, quando se

hierarquizaram as rdações dentro dos colégios, estabelecendo uma nova

disaplina de governo da instituição, o director deixou de ser o primeiro

entre os seus pares, para passar a scr o depositário de uma autoridade

superior. A partir desse momento, ainda segundo Ariès, o rigor desse tipo

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de disdplina pode caracterizar-se pela presença de uma vigilância constante

de origem monástica; pela delação como princípio de govemo institucional;

pela aplicação de punições corporais. A vigilância assegurava a delação, o

que implicava o castigo (Ariès, 1973: .265-297). Enquanto técnica de

informação e regulação disciplinar — “la discipline est fondée sur la

délation”1 - a delação foi usada até muito tarde, sendo inclusivamente um

recurso do ensino mútuo, usando-se ainda hoje de forma remanescente.

Um grupo de alunos

Figura 12 — Asilo Nuno Álvares, fundado cm 1911; • lotação: 600 alunos. '

Fonte: Boletim de Assistência, n.° 1,(1931).

1 C£r. Règlement des Écoles chrétiennes de La Salle, in Ariès, Phillipe (1973: 284). UEnfant et la viefamiliale sous fanden régime. Paris: Editions du Seuil.

201

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Foucault considerava o autor do pahóptico e Rousseau como sendo

ambos representativos do Iluminismo, acrescentando com alguma ironia

que, por meios distintos, Bentham complementava Rousseau, pois este,

com a sua nòção de transparência sodal, poderia encontrar através do

inglês a possibilidade de se dispor um olhar omnipresente (Dekker &

Lechner, 1999: 43).

A herança benthamiana deixou raízes nos sistemas educacionais

com recurso ao internamento, cruzando-se aí as situações mais extremadas

e delineando-se com rigor institucional o papel social da infanda perante o

Estado. Se cumpre à Escola desenvolver sujeitos socialmente aceites e

capazes, o desafio que os menores tutelados constituíam oferecia também

uma oportunidade soberana para se desenvolverem metodologias

pedagógicas que, em prindpio, funaonando com populações complicadas

seriam, depois de devidamente adaptadas, instrumentos útds para as

cn an çá s normais numa escolaridade normal A vigilânda era, contudo, uma

técnica rapidamente tomada indispensável mas insufidente do ponto de

vista pedagógico, atraindo o espírito aentífico experimental e o seu lote de

discursos de diferentes disriplinas radonalistas para a procura de outras

soluções complementares.

Muitò da discursividade de índole pedagógica alimentava-se da

apropriação de práticas empíricas ditadas por necessidades pragmáticas,

teorizando sobre esses gestos práticos e assumindo sobranceiramente a sua

autoria ou abjurando-as. Novas lógicas procuraram enquadrar problemas

antigos, obtendo por vezes as mesmas soluções para as mesmas questões,

enunriadas e problematizadas à luz de novos discursos, novas

sensibilidades e melhores possibilidades técnicas.

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Embora contemplasse, apenas os escalões etários mais baixos, o

Código Penal de 1852 e posteriormente o de 1886, já reservavam uma

especificidade no tratamento da infanda, ao criarem casas de correcção ou

educação e colónias pemtendárias para os imputáveis —.primeiro até aos

sete anos, depois até aos dez —, ou para os que, tendo menos de catorze

anos, agiam “sem discernimento”. Aos restantes estava destinado o regime

prisional geral (Castro, 1931).

Em finais do século XIX, pela Carta de Lei de 19 de Junho de 1871,

cria-se em Lisboa a primeira Casa de Detenção e Correcção, abrindo no

ano seguinte no Convento das Mónicas onde permanece até 1903,

passando depois desse ano a alojar uma população feminina. Dedicava-se

ao internamento de menores delinquentes do sexo masculino dos 10 até

aos 18 anos e para os menores de 21 anos que fossem desobedientes e

incorrigíveis, sujeitos à correcção patema Era uma vulgar cadeia, apenas só

com menores, sofrendo das deficiências mais tarde apontadas pelo padre

António Oliveira, que lá iniciou a sua acção como capelão: sem ar nem luz

ou conforto de qualquer espécie e que, em lugar de recuperar, se limitava a

punir (Camacho, s.d.: 32). O P.' António Oliveira [1867-1923] inidara o

seu trabalho junto da instituição quatro anos após a abertura, em Junho de

1899; das suas funções iniciais de Capelão, tomou-se Sub-director e,

posteriormente, .Director e mentor da acção reformista das instituições

correccionais, sendo a sua obra indissociável da modernização da

Tedagogia Social” e das práticas das instituições de amparo e recuperação

de jovens delinquentes.

A Casa de Detenção e Correcção (1871)

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O regime vigente no estabelecimento, decorrente ainda do Código

Penal de 1886, era em tudo semelhante ao prisional, com um grande rigor

de processos e controlo dos internados, mantidos afastados de contactos

com o exterior. Com a Casa de Detenção e Correcção formava-se uma

delimitação da população juvenil delinquente, separando-a definitivamente

dos adultos mas não; trazendo ainda nenhuma prática inovadora na

recuperação e reintegração dos jovens. Seria uma instituição cuja acção se

apoiava ainda no pensamento clássico dos penitendalistas e

correcdonalistas (Martins, 1995: 169-174), embora a norma legal que a

constituiu já consagrasse princípios reveladores de preocupações

“profiláticas” e “terapêuticas”.

Essa consagração da especificidade jurídica de uma população,

definida pelo seu nível etário, não constituía novidade nem no direito penal

nem nas práticas institucionais. Em Espanha, desde 1834 que essa realidade

fora estabelecida paia os menores de 18 anos, não havendo porém uma

concordância sistemática entre o discurso jurídico e o que acontecia nas

instituições, entre outras, a obrigação legal de as Casas proporcionarem

escolaridade básica aos internos nas instituições de correcção, uma medida

que seria importante tomar mas .que nunca se efectivou (Santolaria, 1997:

294). Em Ingfaterra, a separação. dos menores da demais população

prisional só se concretiza em 1905 com o “Child*s Act”, enquanto no

Brasil, só em 1890 se legislou para colocar em estabelecimentos espeaais os

maiores de 9 e menores de 14 anos e em 1916 se publica um decreto

colocando os menores abandonados sob alçada de um juiz que lhes

nomeava um tutor ou os colocava numa instituição e, em 1927, é

promulgado um decreto conhecido como Código de Menores, abrangendo

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os menores de 18 anos de ambos os sexos, abandonados ou delinquentes

(Lima & Rodrigues, 2003).

O projecto dé lei propondo a fundação da Casa de Correcção de

Lisboa, apresentado à Câmara de Deputados em 1 de Junho de ' 1871,

identificava os perigos do contágio entre “aqueles a quem o crime

endureceu e os que, no verdor dos anos, fugiram do Berii sem o conhecer

ainda, e talvez praticaram o crime por não ‘o compreenderem”.

Consideravam que essa mistura etária conduzia a que muitos entrados na

prisão por delitos leves, depois de frequentarem essa universidade do crime, e

terem sido punidos, voltavam para a sociedade cometendo piores crimes.

Acreditava-se, no efeito reprodutivo da cadeia, tomando tambcm os mais

jovens como os mais permeáveis.

No final de 1870, estavam detidos na Cadeia Gvil de Lisboa 487

menores de 20 anos, misturados com adultos condenados por todo o tipò

de crimes. Quando a Casa de Correcção é inaugurada, a 20 de Oütubro de

1872, nela deram entrada 32 reclusos menores de 18 anos, vindos do

Limoeiro (Azevedo, 1892: 4), um número muito reduzido para que tivesse

capacidade de substituir a Cadeia Civil. Era a capacidade das instálações

que condicionava as populações de delinquentes e nãò a aplicação da

norma jundica ou do exercício judieiáno. Da necessidade de ampliação e

melhoramento das instalações dava conta, em 1900, o próprio director da

Casa dé Correcção, ao justificar “Aqui èstão 120 rapazes, mas mais do

dobro necessita entrar para cá. Há juiz que se vê constrangido a absolver

pequenos delinquentes [por falta de vagas], quer dizer, voltám para o

caminho da perdição!” (Pinto, 1905: 7-8). Apesar de tudò, a média anual de

intemòs foi subindo sempre, até aos 140, tendo nos primeiros vinte anos

[1872-1891], por lá passado mais de 7.000 rapazes (Azevedo, 1892: 7). A

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Casa Pia, compare-se, predsou de. um século, para receber 11.401 alunos,

114 de média anual (Valladas, 1881).

A proposta legislativa para a criação da instituição, em boa verdade,

reconhecia à partida a insuficiência da actuação dos estabelecimentos que

pretendia fundar, uma vez que teriam “muito de detenção e pouco de

correcção”, mas manifesta simultaneamente uma ideia de acção

regeneradora associada à educação, ao trabalho e à privação da liberdade.

No seu preâmbulo, considerava-se que, com esses regimes que só

proporcionavam a clausura, não ficaria completo o sistema sem o

suplemento das instituições de assistência:

“Depois destas casas de correcção vêm os estabelecimentos que vão ali buscar os que já cumpriram a pena, ou os que entram na liberdade provisória. A educação correcdonal, para produzir os seus. verdadeiros frutos deve ter por complemento as instituições de protecção” (Projecto de Lei n.° 29,1871).

Essas instituições de. protecção eram bem consideradas, e as

referências feitas aos Asilos na proposta de Lei de 1871 situava-os como

detentores de uma acção e de um modelo reconhecido como eficaz,

embora os parlamentares não o seguissem. Ou seja, apesar de se considerar

a acção ;das cadeias de menores como insuficientes na recuperação da

delinquência juvenil, sendo inclusivamente acusadas até de exercerem um

efeito contaminador, havendo já essa expressão de impotência, mantinha-

se a ideia de continuar a ser necessário a aplicação de um castigo adequado,

recorrendo para isso à privação de liberdade dos menores. Esta distinção,

não só definia uma população de menores que se constituía através da

delinquência, como se reconhecia tardiamente uma certa incapacidade do

Estado, sobretudo quando contrastado com outras instituições congéneres,

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para agir na reeducação e devolução social integrada desses menores. A

acção dos asilos era, no referido diploma, elogiada nos seguintes termos: '

“O asilo vai procurar a infahcia desvalida ou abandonada,. educa-a, ensina-lhe.a religião, a moral e os costumes,-prepara-a. para o trabalho, e entrega mais tarde à sociedade ddadàos úteis, os que poucos anos antes fora buscar ao seio da miséria e do abandono” (Projecto de Lei n.° 29,1871).

Mas, àpesar de as Casas de Correcção não serem instituições de

beneficência, estavam equiparadas a “asilo dé mendiàdàde,

estabelecimento pio, de beneficência ou de educação gratuita”, para

poderem beneficiar de doações, legados ou heranças (Diário do Governo

de 19 de Junho - Carta de Lei, 1871: art.0 14.°).

O modelo apontado para a criação de um novo estabelecimento,

que corporizasse essa separação dos menores e os reeducasse, encontrava-

se em Mettray, França1, e não, surpreendentemente, na Casa Pia de Lisboa,

instituição que afinal se enquadrava perfeitamente nos processos e no ideal

regenerador dos asilos, tão do agrado dos políticos. O argumento aduzido

era o dos excelentes resultados obtidos pela famosa Colónia Correcdonal

francesa na integração social dos seus internos, chegando os sêüs

defensores e proponentes da legislação ao óbvio exagero de pretender que,

“de entre 1040 mancebos saídos da colónia”, a totalidade, contabilizada por

profissões, se tinha estabelecido num ofício, quando anteriormente áo

estabelecimento dessa- “exemplar escola” a média de reincidência era de

1 C est là, à cinq kilomètres au nord de Tours, que se trouve le vaste domaine de 700 hectares que le vicomte Bretigmères de Courteilles donna, en-1838 à.la société La Paternelle pour y implanter une colonie agricole destinée à recevoir les enfants acquittés par les tribunaux ou placés par mesure de correction paternelle pour y être élevés et enfermes pendant tel nombre d'années que le jugement détermine”, in

httP.7/WWW,1U5Dce-PQiJV.fr/motscles/alphabet.htm site ofidal do Ministério da Justiça do Govemo Francês, Agosto de 2001.

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75%,, alegando isso em seu abono. A . alteração regimental ocorrida em

Mettray, que aparentemente proporcionara tão bons resultados, residia no

facto de se ter passado a acumular o cumprimento da pena.com o trabalho,

levando agora os internos consigo, quando saíam do estabelecimento, “a

habilitação do trabalho”. -

“Incumbe à sociedade, que deve castigar o crime, aliar a expiação com a ideia de reabilitar moralmente o culpado. Este princípio, base hoje do nosso sistema penal, aplicado à correcção dos menores, exige o emprego de um sistema baseado todo na educação moral e nos hábitos do trabalho” (Projecto de Lei n.° 29,1871).

Não era uma solução consensual, a do trabalho, e muitos teóricos

se insurgiam contra o recurso ao “trabalho educativo” como elemento

correcdonal argumentando que, sendo esse trabalho coercivo, os sujeitos

não reconheceriam o seu efeito benéfico e, uma vez em liberdade, os

delinquentes voltariam à mesma vida (Ferreira-Deusdado, 1889: 147).

O uso de técnicas carcerárias nas populações juvenis e o seu

carácter disciplinar, estão bem presentes nas palavras dispensadas por

Foucault sobre a instituição que serviu de modelo e pretexto ao surgimento

de congéneres suas em Portugal, tal como em outros países europeus.

“Tivesse eu que fixar a data em que se completa a formação do sistema carcerário, não escolheria 1810 e o Código Penal, nem mesmo 1844, com a lei que estabelecia o princípio do internamento celular; talvez não escolhesse 1838, mas 22 de Janeiro de 1840, diata da abertura ofidal de Mettray. (...) Porquê Mettray? Porque é a forma disciplinar no estado mais intenso, o modelo em que se concentram todas as tecnologias coercitivas do comportamento. Tem algufna coisa “do claustro, da prisão, do colégio, do ;regimento” (Foucault, 1987:243).

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É também nesse fim de século que o Estado reforça a vontade de

instituir a capacidade de retirar- a' tutela dos- filhos' aos familiares

considerados incapazes de os sustentar, ou de lhes oferecer cuidados

suficientes ou tratò adequado. A proposta de Lei que criava a detenção de

menores, estabelecia já uma equivalência entre os cuidados institucionais e

OS da fa m íl ia .

“A educação da família é o preceito moral da natureza; para os moços delinquentes privados de f a m í l i a ou sujeitos ao domínio de pais imorais, o irformatório completado pelas instituições de protecção, ocupa o lugar dos pais e é assim o refugio aberto para a emenda futura” (Projecto de Lei n.° 29,1871).

Em 1877, Joaquim Namorado, 0 médico das Cadeias Civis e da

Casa de Correcção, pessoa influente e conhecedora da situação e historial

dos internos, maiores e menores, dirigindo-se directamente ao Conselheiro

Procurador Régio — e não à direcção do estabelecimento, como a

hierarquia faria supor —, recomendava a criação de “uma severa legislação

penal” aplicável aos pais que não cuidassem devidamente dos seus filhos,

incluindo aí uma responsabilização colectiva, pautada por um dever de

vigilância que recaía sobre toda a sociedade. Continuava-se assim a abrir

caminho para que, em certos casos a definir, o Estado assumisse a tutela

directa dos menores é a inibir a prerrogativa familiar sobre a súâ educação.

“Deve também ‘ fiscalizar os exemplos de mais ou menos moralidade que 6s pais dão aos filhos; deve punir severamente o desprezo com que aqueles olham para os indivíduos a quem deram existência, importando-lhes pouco ou nada quê estes trilhem a vereda do vido e frequentem a escola do crime; tutelas desta ordem devem ser proibidas pela lei, porque os maus exemplos são ainda mais pemidõsos que o próprio abandono” (Namorado, 1877: 9).

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Na sua exposição, clamava também pelo alargamento do número

de instituições correctivas, e pela sua abrangência ao género feminino (foi

necessário esperar 26 anos, até 1903), e reivindicava a necessidade de

construir de raiz edifícios apropriados à função que iriam desempenhar,

pois apenas estavam a ser usados para esse fim antigos conventos. Ao

invocar a sua ciência médica para a justeza de certas opções, procurava

dilatar os limites da sua acção até à distribuição da aprendizagem dos

ofícios:

“E o que é facto é que na distribuição que se faz consultam-se as vocações do menor, em lugar de ouvir previamente a voz da ciência. (...) Quando o menor entra, o médico deve imediatamente observá-lo e dar opinião sobre a indústria em que pode exerdtar-se” (Namorado, 1877: 12).

... .O aprendizado nas oficinas do estabelecimento era incipiente e a

especialidade era escolhida por vontade dos internos. Só a instrução

elementar, a cargo do capelão, era de frequência obrigatória. Mas, não só o

ensino dos ofícios não representava propriamente uma formação eficaz, na

medida em que muitos reclusos saíam antes de ter adquirido razoável

proficiência para em liberdade poderem exercer autonomamente uma

profissão, como algumas oficinas eram encerradas se os seus produtos não

tivessem boa receptividade no exterior. Havia no entanto a preocupação de

remunerar os rapazes pelo trabalho das oficinas, dando-lhes a prerrogativa

de o gastarem como entendessem (Azevedo, 1892: 4-5).

O higienismo, uma corrente forte e em crescimento na época,

estava também presente nas preocupações que o médico manifestava pelas

condições de salubridade e alimentação que eram proporcionadas aos

internos, exigindo a criação de amor ao trabalho; alimentação abundante e

variada; agasalho conveniente; e “exercitá-los na ginástica de modo a

2 10

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acompanhar a evolução natural dos órgãos” (Namorado,' 1877: 12). A sua

acção deveria' dirigir-se aos indivíduos, mas sobretudo aó conjunto que

formavam, transpondo a medicina para uma tecnologia de intervenção

alargada, ao serviço do Estado e da sociedade. O seu discurso assentava na

ciência médica, pois era “o médico que, como sacerdote da higiene, deve

aconselhar medidas que a ciência recomenda não só para bem dó indivíduo

mas paira bem da comunidade” (Namorado, ! 877: 15).

O Regulamento Geral de 1901 vem consagrar um novo

reconhecimento, do valor social da educação: “a finalidade educativa

fomece ao indivíduo os méios indispensáveis para melhorar a süa própria

existência no seio da família, da natureza e da sociedade”, tal como a

reivindicação do dever moral de maior intervenção do Estado ou dos seus

agentes na esfera familiar, se vai reforçar depois de consignada em letra de

Lei:

“Na oficina, na aula, no recreio e no descanso, incumbe aos ’ ' ‘mestres, aos professores, aos empregados menores e aos t ; • dirigentes uma parcela de paternidade” (Regulamento Geral da Casa de Detenção e Correcção de Lisboa, 1901).

Eram soluções de natureza administrativa e não ainda de natureza

jurisdidonal, mas o caminho já se prenunciava. A evolução das estratégias

de administração social vai produzir-se pela apropriação da linguagem

científica e das suas racionalidades, acreditando-se que assim se permitiria a

organização de políticas sociais coerentes, capazes de dar resposta através

de formas de governação racionalizadas, às necessidades de construção da

individualidade das crianças e dos pais (Popkewitz & Bloch, 2000). Os

recursos humanos à disposição do pessoal dirigente eram entretanto

escassos e de formação incipiente: para todos os alunos havia apenas três

guardas e três prefeitos-professores que tinham uma sobrecarga enorme211

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uma vez que se encarregavam da segurança das .pessoas e instalações onde

também viviam, d a . vigilância e observação individual dos alunos, da

logística e, no.caso dos prefeitos-professores, ainda tinham de leccionar, o

q u e os obrigava a viver, dentro da instituição.

Nessa viragem de século, aumentavam as preocupações com a

humanidade dos regimes,, aproximando-os mais da ideia de escola (a

correcção não é, pois, um asilo, como não é uma prisão) e de uma crescente

orientação, para as saídas profissionais. Algumas instituições

proporcionavam instrução profissional para ofícios artesanais como

alfaiate, sapateiro, marceneiro serralheiro e latoeiro, cursos submetidos a

exames periódicos, teóricos e práticos; os resultados — que incluíam a

avaliação do carácter moral dos internos - eram estimulados por prémios

públicos, somente simbólicos ou mesmo pecuniários (Regulamento Geral

da Casa.de Detenção e Correcção de Lisboa, 1901).

Com a reforma de 1901, pertencendo a tutela correcdonal ao

Ministério dos.Negócios Eclesiásticos e da Justiça, confirmava-se o papel

.clerical no delinear e na supervisão dos contornos morais que presidiam a

esse tipo de instituições. Na Casa de Correcção, o padre capelão tinha por

obrigação... ,

“...estudar cada um dos menores; visitar as oficinas, as aulas, os recreios, as prisões, as camaratas e as enfermarias; assistir aos exercícios ginásticos, às refeições, aos exames médicos e a

. todos os actos onde possa observar as aptidões intelectuais, físicas e morais dos reclusos, para, com conhecimento próprio,

' poder'graduar e régular os seus ensinamentos evangélicos, de maneira que o carácter moral e cristão dos menores, se forme a par do seu desenvolvimento físico e intelectual” (Regulamento Geral da Casa de Detenção e Correcção de Lisboa, 1901).

212

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Na Casa funcionava um ordenamento por secções, correspondendo

a situações jurídicas diferentes com os seus respectivos regimes:

I* Secção: Detenção Preventiva; para os menores que esperam

sentença ou estão às ordens das autoridades administrativas, sendo tratados

por “detidos”

II* Secção: Detenção Prisional;• para os menores que cumprem

pena de prisão, sendo chamados “presos”. Por aqui passavam ainda

aqueles que, durante um mês, iam “expurgar-se de velhos e maus hábitos

inveterados, tomando-se aptos para ir receber instrução junto dos seus

companheiros”. .............................................

Hl.* Secção: Correcção; os menores são “alunos”.'

Os que lá cumpriam pena poderiam aí ser retidos, de forma quase

meramente burocrática, até atingir os 21 anos mas, ainda assim, o art°

256.° do Código Penal permitia que depois de cumprida à pena os “vadios

e mendigos” fossem entregues ao Govemo “para lhes dar trabalho pelo

tempo que pareça conveniente’ (Henriques, 1901: 10). Os menores vadios’ou

mendigos que fossem postos à disposição do govemo e tivessem origem

em meios rurais eram enviados para a Colónia Agrícola Correcdonal de

Vila Fernando, assim como os que estando fisicamente debilitados

pudessem melhorar com o ar do campo (Regulamento Geral da Casa de

Detenção e Correcção de Lisboa, 1901: art° 21.°). Seriàm também

enviados para o trabalho agrícola de Vila Fernando os que não

demonstrassem habilidade para nenhuma aprendizagem ministrada na Casa

(Regulamento Geral da Casa de Detenção e Correcção de Lisboa, 1901:

art° 213.°). . ..

Este modelo correcdonal estabelece-se também no norte, com a

criação por Carta de Ld de 17 de Abril de 1902 da Casa de Detenção e

2 13

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Correcção do distrito , do Porto, inaugurada .com 13 menores que se

instalaram no Convento de Santa Clara. Entre 1902 e 1931, por lá

passaram 344 internados, dos quais, 302 foram condenados por vadiagem e

furto. Com as reformas republicanas transforma-se em reformatório e em

1944 é entregue aos Salesianos, que elegeram a designação de Esçola

Profissional de Santa Clara, evitando conotações pejorativas e adoptando

os métodos mais humanísticos pregados por D. João Bosco, o seu patrono

(Canavarro,-1931; Santos, 1984).

Novos modelos institucionais vão suceder-se em boa cadênda, cada

um pretendendo constituir uma inovação no campo da correcção de

crianças, produzindo uma discursividade concorrencial e rdvindicativa de

originalidade e efiaênda. Basta ver quantas instituições reclamavam ter

sido as primeiras a ensinar Trabalhos Manuais, Ginástica ou Música e

como buscavam entre os seus educandos aqueles que mais se

notabilizavam publicamente. É também com uma certa urgênda de

desdobrar o modelo, multiplicando-o para absorver uma população

crescente, que o P.c Oliveira é encarregado de estabelecer uma instituição

congénere no Porto, logo em 1902. Essa necessidade de expansão é um

demento , recorrente, até muito tarde, exigindo-se sempre mais instituições,

sobretudo, a partir do momento em que os discursos se especializam cada

yez mais, trazendo as suas categorizações, terapêuticas e necessidades

fundonais próprias.

O carácter educativo e regenerador da Casa de Correcção só é

verdadeiramente reforçado com a reforma proposta pdo P.* António de

Oliveira, substantivada no Decreto de 27 de Maio de 1911, que vai fazer

transparecer esse intuito reeducativo logo na sua designação, passando a

ostentar o nome de Escola Central de Reforma, expressão de um modelo

214

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que irá manter-se até 1962, o “reformatório”, altura em que, através de

revisão legislativa, se consagra a'designação de “instituto de reeducação”1.

O P.c António de Oliveira continuou assim o - seu projecto em plena

transição da Monarquia para a Republicai tomando-se a personalidade mais

decisiva na progressão da modernidade dessas instituições, na atenção

pedagógica e na evolução da-iristrumentalidade disciplinar para lidar com

os menores desviados dos normativos sociais -é 'morais vigentes, que

cairiam sob a alçada da lei ao ritmo que as instituições o permitissem.

Nesse virar dó século XIX para o XX, procuravam afirmar-se então

os discursos pedagógicos da “Escola Activa” e da “Arte na Escola”,

consubstanciados em actividades curriculares como: a “Ginástica Succa,

em classe, com o tronco nu, ao ar livre e com qualquer tempo”; as Ciências

Naturais, “como meio de observação e cultura”; a Música e o Canto Coral,

vistos como “elementos de educação estética e auxiliares de regeneração

moral dos internados”, ou os Trabalhos Manuais e o Desenho, disciplinas

então consideradas como “elemento de observação e estudo das tendências

e predisposições dos alunos para as profissões existentes”. Para além destes

métodos escolares, a experimentalidade científica estendeu-sé pela criação dè

um ‘Tosto Antropométrico” para a observação médico-pedagógica,' por

actividades de jardinagem e horticultura, pelo inquérito sódal, etc.,

(Monografia do Re formatóno Central de Lisboa "Padre António de

Oliveira", 1931: 9-10) perfazendo um conjunto de instrumentos que se

estabeleceram na época e passaram a sustentar também à acção pedagógica

1 Entre os anos de 1995 e 2000, estas instituições designaram-se por “Colégios de Acolhimento, Educação e-Formação”. Com a Lei Tutelar Educativa, promulgada em Janeiro de 2001, adoptou-se a designação de “Centro Educativo”.

■ 215

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de outras instituições como a Tutoria e o Refugio, indo posteriormente

difundir-se por inúmeras outras instituições1.

No ano de 1931, no Convento da Cartuxa, em Caxias [1903-1958],

a população do Reformatório era de 140 internos, sendo a média de

duração do internamento de seis anos, fazendo com que a maioria dos

rapazes saísse com a idáde de dezanove anos. A organização disciplinar do

Reformatório fora reformulada em 1927, e obrigava agora à frequência do

curso de ensino primário, para além do aprendizado profissional e da

música, sendo de frequência obrigatória o Orfeão e a Ginástica, sobretudo

a respiratória, considerada como “meio útil e eficaz de educação da

atenção” (Monografia do Reformatório Central de Lisboa "Padre António

de Oliveira", 1931:15).

A simples repartição dos alunos em secções, segundo o seu estado

de cura moraly mantinha-se, mas sendo agora ordenada pela divisão etária:

pré-púberes, púberes e pós-púberes. Cada uma dessas divisões etárias é

então seccionada segundo “critérios de selecção e agrupamento de valores

morais idênticos”, sendo distribuídos pelos que estão “em prova”, ou seja,

que ainda não tinham dado provas de confiança; pelos “melhorados”, que

já registavam evolução na sua obediência, e pelos “apurados”. Por cada

uma dessas' divisões etárias existia um preceptor, com um auxiliar e um

guarda, que acompanhavam os menores em todas as actividades

desenvolvidas no internato e tinham por missão “a sua reeducação moral,

devendo orientar-lhes a actividade no sentido de fazer nascer e alimentar

todos os sentimentos que possa lèvá-los à prática do que é bom, belo e

1 Sobre o higienismo e a medicina escolar, entre outros, cfr. Abreu, Carlos (1999). Limpos, Sadios e Dóceis. Dissertação de Mestrado em Oénáas da Edfcft^w-Universidade de Lisboa, Lisboa.

216

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A Colónia Agrícola Correcdonal (1880)

A primeira instituição rural de correcção foi criada pela Carta de Lei

de 22 de Junho de 1880, em Vila Fernando, perto de Eivas. Começará a

funcionar somente quinze anos depois de autorizada, em 6 de Outubro de

1895 e destinava-se à “correcção e educação de menores delinquentes de

10 a 18 anos, que por despacho judicial sejam postos à disposição do

governo ou aqui são internados a requerimento dos pais ou .tutores que

subsidiem a sua sustentação” (Colónia Agrícola de Vila Fernando

Catálogo.dos artigos com que concorre à Exposição Agrícola do:Paládo de

Cristal Portuense, 1903)..

A instrução proporcionada limitava-se ao exame do 1.° grau, mas o

leque de aprendizados era vasto, incluindo especialidades agrícolas,

artesanais, de vestuáno e calçado, vinícolas, tratamento de gado, etc.. Este

potencial de mão-de-obra disponibilizado por 230 internos [1908] tomava

a instituição completamente auto-sufidente, obtendo ainda importantes

recdtas com a venda dos excedentes de produção e de outros serviços. A

quantidade e qualidade dos seus produtos provava “como são

vantajosamente aprovdtadas as forças e . aptidões de indivíduos nela

recolhidos que, há instantes, eram um perigo social, um factor mesmo de

perturbação, e que hoje. marcham progressivamente para. uma reabilitação

completa por meio do trabalho” (Colónia Correcdonal Agrícola de Vila

Fernando - Catálogo dos artigos com que concorre à Exposição .Nadpnal

do Rio de Janeiro, 1908: 6).-E marchavam mesmo para o trabalho, como se

pode observar em fotografias da época, com as enxadas no lugar de

espingardas. Os internados organizavam-se em formaturas e, sob vozes de

2 19

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comando, dirigiam-se para o trabalho rural segundo um recorte

caracteristicamente militar.

Inquérito fe ito no acto da m atrfcvh aos 64 colonos entrados no anno economko th 1903-1904

Situação moral e sodal das farelBas

u ObtifytfSiiar

(P m .......................................................... i9 8 d'cst** eeloaosFalledâosi M ie .......................................................... 20 ts e a mais d» dex

(Pm « Ufta ............................................... S prisSe* • 81 dotPim , eojo du tiae A itK M h è d d o ........................ 9 rostaates mais doPae e Ml© em boa eitaaçto moral * social. 6 does prisOes.E xportes...................................................................... 4Paca cri min o*oa............................. ............................. 1Inalo* corrcocton*«* ............................................... 7Pm * tíwm m** «p arado * ..................................... tsAmsacebadojj * M

14Pm * ak eeU co s ........................................................... 33Paes a ü so a d o s ...........................................................

Crimes porque foram enviados

,WstBTSl* dos crimos QlMtidl*

4ts

loeonrigÍT*i* A' sdoesçlo potorno (pmdooUtos)..............................Vadiagem.................. ..... .................................................... ..... . . .P o rte s ..........................................................................................................

3ta8

£naaca . . . 64

Instrecção roBgíosa

Com regalar iostroççlo. ....................................................................... 8Ssbsado o Psârs»Mosse o A v e -U ari* ................................................ 27Igooraooia completa d’eota lostnieçio . ..........................................

goeunfl . 64

Figure 13 — Caracterização dos colonos e seus

antecedentes.

Fonte: Vasconcelos (1905: 26).

220

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A natureza economidsta do estabelecimento era assumida como

uma vantagem associada à regeneração dos colonos, como o seu director

afirmava:

“A grande obra de reabilitação moral para delinquentes desta natureza e de graduação mais-ou menos delituosa, estaria com grande êxito financeiro na organização simples e eminentemente moral dos pequenos estabelecimentos agrícolas que são, sem contestação, uma.escola de virtudes do trabalho, e que têm uma característica tão salutarmente económica” (Vasconcelos, 1905: 9).

O uso do campo como espaço educativo vem constituir uma

novidade decorrente de outras experiências instrumentais do século XIX,

mas que, no particular caso português, foi reforçada também por uma

necessidade demográfica, embora a razão expressa fosse a eficiência do

método correcdonal desenvolvido em tomo do trabalho no meio rural:

“O regime correcdonal ao ar livre, que. é o fundamento pnmário desta instituição, testemunha com este estabelecimento a superioridade política, económica e higiénica sobre os outros processos correcaonais” (Colónia Agrícola de Vila Fernando - Catálogo dos artigos com que concorre à Exposição Agrícola do Paláao de Cristal Portuense, 1903).

A questão da distribuição demográfica levava a que o sistema de

patronato, ao procurar absorver os alunos, os fixasse na região, sendo

vistos com suspdção os colonos que pretendiam abandonar os locais onde

se tinham inidado no trabalho. Esse problema levou mesmo a que o seu

director pugnasse pela fundação de uma aldeia no Alentejo que, “sob as

vistas da sodedade de patronato, se formasse nem dos baldios desta

extensa provinda e que fosse povoada por casais tirados dos antigos

correcaonais” (Vasconcelos, 1905: 30).

221

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Se a instrução literária era considerada como meio para diminuir o

analfabetismo associado a alguma origem criminal (os internados eram

praticamente todos analfabetos), não havendo ainda uma grande crença na

sua capacidade regeneradora, já quanto à educação religiosa, as suas

virtudes regeneradoras eram incontestáveis. O ensino da música era

considerado como uma boa via profissional e um “auxiliar do

desenvolvimento e da transformação moral” capaz de despertar

sentimentos elevados nos colonos (Vasconcelos, 1905:21-22). Havia a

vontade de distribuir os indivíduos segundo as “causas da cnminalidade”,

não juntando os que sofriam de “epilepsia ou taras indeléveis”, que

deveriam ser enviados para um manicômio, com os incorrigíveis, que

deveriam estar noutro estabelecimento correcdonal, de maior rigor

disciplinar.

Esta modalidade correcdonal sustentava-se pela alegação de ser

capaz de sanear os jovens delinquentes “na sua moralidade e na sua

afectividade, dependendo esse êxito dos meios necessários que é predso

empregar individualmente, da oportunidade da sua sequestração e da

duração indeterminada seu internato consoante o seu progresso moral e o

grau de confiança que possa porventura merecer” (Vasconcelos, 1905: 35).

222

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Figure 14 — Movimento disciplinar em Vila Fernando.

Fonte: Vasconcelos (1905: 52)

223

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A Correcção Feminina (1903)

Pela Carta de Lei de 27 de Abril de 1903, inaugurou-se exactamente

um ano depois um estabelecimento para a detenção de menores do sexo

feminino entre os 10 e os 18 anos, delinquentes, vadias e mendigas,

desobedientes e incorrigíveis, funcionando sob a designação de Casa de

Detenção e Correcção, estabelecida no antigo convento de S. Agostinho

(conhecido pelas Mónicas), em Lisboa (Castro, 1931). Nesse ano, o P.c

António de Oliveira é nomeado também capelão e superintendente da

Casa de Correcção Feminina e, com as reformas que impulsionou e com o

capital político que entretanto tinha granjeado, consegue que em 1911 a

instituição passe a funcionar na Costa do Castelo e a partir de 1927 na Cruz

da Pedra, em Benfica.

Quando entravam, era-lhes cortado o cabelo curto, passando a ser

tratadas por um número de ordem (Patacho, 1926: 5). Seguidamente, as

alunas eram arrumadas no reformatório em três grandes classes ou

“famílias”, como também eram designadas: “impúberes, púberes e pós-

púberes”. As discípulas de cada uma dessas famílias estavam

completamente isoladas do contacto com as de outras famjQias, mesmo no

recreio. Cada um desses grupos estava, por sua vez, subdividido em três

secções, “apuradas, melhoradas e entradas e difíceis”, numa relação em que

a hierarquia entre as internadas era estabelecida segundo as “concessões de

ordem moral” por parte das alunas e traduzia-se pelas condições materiais

que lhes eram proporcionadas no quotidiano: higiene, conforto, vigilância,

alimentação, mobiliário, roupa, etc. As refeições, agrupavam-se por mesas

que eram “iguais na forma, mas caracterizadas pelo lugar que ocupam e

pela forma como estão guameddas” (Patacho, 1931: 6).

■ 224

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R e fe itó r io s d a scc çS o fem in in a

i n t e r n a d a s em trab a lh o s a g r íc o la s

Figura 15 - Correcção Feminina

Fonte: Monografia da Tutoria do Porto

O pessoal erá praticamente todo interno, acentuando a sua

permanência junto dos alunos, anotando os seus comportamentos, o que

: 225

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se iria juntar ao registo de tudo o que dissesse respeito às alunas, como

“exames médicos, físicos, psíquicos, antropométricos, periódicos, faltas,

castigos, recompensas, bons movimentos e acções”. A vigilância, o

controlo e avaliação eram contínuas, possuindo as preceptoras, as mestras e

as auxiliares, cadernetas com fichas nominais onde figuravam “as notas dos

factos, das suas observações e das suas impressões pessoais. O extracto

destas notas - indispensáveis nas deliberações do conselho técnico ~ e

todas as observações e exames, são coligidos nos cademos-boletins,

destinados a acompanhar o processo quando da saída do Reformatório,

seja qual for os seu destino” (Patacho, 1931: 12).

Ministrava-se o ensino primário e elementar em salas de aula, mas a

ocupação mais importante das àlunas era o ensino educativo doméstico,

desenvolvido entre sessões de culinária e salas de costura para confecção e

arranjo de roupa, que incluíam gabinetes de provas para os clientes do

estabelecimento. A finalidade do Reformatório afirmava-se, no plano

material, com tendo por pririieira ambiçãõ “preparar cada internada com o

máximo possível de conhecimentos necessários ao bom desempenho do

papel superior da mulher no lar, aspiração que, infelizmente, tantas vezes

não é possível conseguir” (Patacho, 1931). Todas as internas aprendiam a

ler, escrever e contar e, para as que não eram protegidas pelos laços do

matrimónio, procurava dar-se-lhes recursos que as habilitassem como

profissionais de costura ou serviçais, sendo assim capazes de subsistirem

por si próprias.

\226

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* * .

Com a República surgiu uma actividade legislativa intensa, onde a

necessidade de profundas alterações jurídicas motivadas pela mudança de

Regime vai abranger igualmente o universo das crianças. Assim, vai

desenhar-se uma profunda alteração no campo jurídico e judiciário,

expressão de um grande e voluntarioso desejo de actuação no âmbito do

relacionamento do Estado com a infância. Uma nova logística vem

substituir os sistemas punitivos e terminar gradualmente com a submissão

da infância aos Códigos Penais dos adultos. Verifica-se, a partir de então, o

aparecimento de detalhada e profusa legislação de enquadramento

assistendal e educativo, a par do nascimento de diversas instituições ou do

ajustamento ao recente quadro legal de outras já existentes.

A Lei de Protecção à Infanda vdo marcar a distinção da criança

perante a organização -judicial, ao estabelecer um aparelho jurídico e

institudonal inteiramente dedicado às crianças, ,separando-as decisivamente

do quadro penal aplicado aos adultos. O surgimento de tribunais especiais

dedicados aos problemas do controlo de populações juvenis

desenquadradas de determinada ordem social e familiar, foi acompanhado

pela criação de instituições adequadas ao encaminhamento desses menores,

tendo em vista o seu reenquadramento social e a sua posterior inserção no

mundo do trabalho. Essa separação da população juvenil da adulta foi

decisiva para a aplicação de práticas pedagógicas em lugar das penais.

Alguns meses antes da criação das Tutorias, de que foi um embrião,

uma Comissão de protecção a menores de 16 anos foi lançada a titulo227

A TUTELA JURISDICIONAL DE MENORES (1910)

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experimental e presidida pelo P.c António de Oliveira, destinando-se a

ambos os sexos, em perigo moral, pervertidos ou delinquentes, que fossem

encontrados na via pública na área de Lisboa, com os fins de preservação e

reforma, sendo sua função “examinar investigar e classificar, sob o aspecto

físico, mental, moral . e social, os menores detidos que lhe fossem

presentes” (Castro, 1931; LPI, 1911). O P.c António de Oliveira, um

homem “com o pensamento mais elevado que os domínios da Disciplina”

(Pinto, 1905: 5), pode dizer-se, foi quem melhor personificou a evolução

dos regimes punitivos para os regenerativos, tomando como princípio

pedagógico a “conversão da prisão em casa de educação” (Martins, 1995:

59; Pinto, 1905: 6).

É nessa distinção populacional de ordem etária perante a norma

jurídica do Direito Penal que reside a origem formal das Tutorias,

instituições que vêm representar um enorme avanço na atenção social de

que as crianças são objecto, bem como na inovação de metodologias

relacionais enquadradas por uma racionalidade subjacente ao discurso

médico e à norma jurídica, a que se juntava a pedagogia científica. A

própria orgânica do Tribunal de menores traduzia essa combinação, sendo

os julgamentos realizados por um juiz de Direito e dois juizes assistentes

sendo um, o médico da Tutoria, o outro, um professor do liceu, fechando

assim o triângulo da Medicina, do Direito e da Pedagogia.

* As questões educativas ocupavam então um papel de relevo,

estando já consolidada a ideia de serviço público, considerando-se a

instrução um dever e um direito do Estado, não se podendo dizer no

entanto que houvesse já uma rede escolar abrangente, uma vez que a

escolarização em Portugal encontrava-se com um grande atraso em relação

a outros países da Europa.

228

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O esforço de sistematização da escolaridade e a adesão das

instituições correcdonais às práticas pedagógicas podem ser interpretadas

como o esforço de instauração de uma nova ordem social, funcionando

assim a instrução e as escolas, como uma racionalidade de configuração

dos indivíduos, fruto de um novo alinhamento dos poderes políticos e de

novas técnicas de governação. Nesse sentido, pronuncia-se António Nóvoa

(1994: 187) nos seguintes termos:

“O interesse republicano pela coisa educativa não se funda numa preocupação essencialmente pedagógica, mas antes na convicção de que a ‘Verdadeira” República só será possível através de uma outra educação, pois as instituições revolucionárias não podem construir-se a partir de um sistema escolar do passado. A ruptura tem de ser radical, como em 1789. Trata-se de um duplo desafio: por um lado, a cidade republicana será o produto de um homem novo, formado no seio de instituições libertas do espírito jesuítico e monárquico; por outro lado, a organização de uma educação republicana s ó . se poderá fazer no quadro de uma sociedade nova.”

As competências das Tutorias vão-se alargando e, com a criação das

Tutorias Comarcãs, pretende cobrir-se o máximo de população possível. O

decreto n.° 10767 de 1925 ambiciona estender o seu alcance a toda a

população de delinquentes entre os 16 e os 18 anos. Nesse ano começam a

funcionar as Tutorias de provinda, ultrapassando a centena e meia e

continuando a exigir-se mais estabelecimentos, mas a portaria n.° 4882 de

1927 achou mais realista retirar competêndas às Tutorias provinciais, uma

vez que não dispunham de sufidente pessoal habilitado nem postos de

observação, remetendo-as para instituições complementares das Tutorias

Centrais (Amaral, 1931). Em .1930, pelo decreto n.° 18996, toma-se

competência das Tutorias a aplicação de medidas de - protecção aos

229

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menores filhos de casamentos desfeitos e proceder criminalmente contra

aqueles que, tendo por obrigação alimentar um menor, não o fizessem.

A Tutoria e o Refugio da Infanda (1911)

O decreto de 27 de Maio de 1911 criava a Tutoria da Infanda,

tribunal colectivo, especial de equidade, destinado a “guardar, defender e

proteger os menores em perigo moral, desamparados e delinquentes, sob a

divisa: Educação e Trabalho”. Era uma descendência assumida do primeiro

tribunal de. infância fundado em Chicago em 1899, e destinava-se a

menores com menos de 16 anos de idade de ambos os sexos. Actuando em

conjunto com o. Tribunal, os Refúgios, eram instituições destinadas à

observação e detenção provisória de menores de ambos os sexos. Foi

também instituída pelo mesmo diploma a Federação Nacional dos Amigos

e Defensores das Crianças, como união jurídica e moral das instituições de

protecção à infanda, oficiais e privadas. Após essa iniciativa legislativa, os

institutos particulares de acolhimento e reforma já existentes, foram

devidamente informados dos novos prinapios orgânicos e educativos a

seguir, subordinando assim as suas iniriativas a uma metodologia definida

por uma entidade que procurava unificar, de um ponto de vista técnico e

dos preceitos morais, os procedimentos aplicados às crianças beneficiárias

dessas casas, o que pretendia ser uma grande inovação como estratégia

preventiva de administração social.

Com a Tutoria da Infanda, o Estado estende a sua jurisdição à

condição familiar, instaurando novas e diferentes normas de inibição do

poder paternal. Essas modalidades tutelares tinham o seu extremo na

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fórmula “sob a guarda, defesa e protecção da República”, que produzia a

inibição total do poder paternal ou tutelar, abrangendo todos os direitos

conferidos legalmente ao pai e à mãe sobre todos os seus filhos ou pupilos,

maiores e menores de 16 anos, e seus descendentes (Lei de Protecção à

Infanda, 1911), o que vinha constituir uma possibilidade até aí inédita.

Os defensores da Tutoria consideravam vergonhosa a sujeição de

menorés aos tribunais criminais comuns, o que fez com que encenassem os

julgamentos dos menores ou das famílias em salas comuns, de aspecto

doméstico como uma sala de família, ou em bibliotecas convertidas em sala

de audiências, sem lugares para público ou assistentes, procurando

produzir um ambiente familiar e bondoso. Assim o atestava a propaganda

què os próprios faziam na época, ao publicarem fotografias comparativas

dos seus tribunais com os outros, os tribunais comuns, procurando transmitir

pelas imagens um ambiente acolhedor e paterno (Moura & Amaral, 1931),

o que fazia todo o sentido, já que se tinham criado tribunais especialmente

para menores, pretendendo-se diferentes e mais adequados à população

que recebiam.

A. reforma de 1925

. . . Com a publicação do Decreto n.°- 10767 foram., alargadas as

competências , dos tribunais .de menores, introduzindo , assim, com a

reforma a cargo dos Serviços Jurisdidonais e Tutelares de Menores,

algumas alterações na.taxinomia .de menores e na sua sequente distribuição

institudonal, especialmente com a ..criação de instituições devotadas ao

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tratamento da “anormalidade”, embora as aplicações no terreno

continuassem praticamente inalteradas.

Lei de Protecção à Infanda 1911:

Em perigo moral (abandonados, pobres, maltratados)

Menores desamparados (ociosos, vadios, mendigos, libertinos)

- Indisciplinados

- Delinquentes .

- Anormais patológicos

Decreto n.° 10767 de 15 de Maio de 1925:

- Em perigo moral

- Indisciplinados

- Delinquentes (dos 9 aos 16 anos, culpados de delitos).

Com o decreto n.° 10:767 de 15 de Maio de 1925, fomenta-se uma

extensão- das competências das Tutorias e é estabelecida uma nova

nomendatura para os institutos de detenção (Refógios), reforma

(Reformatórios) e correcção (Colónias Correcáonais). Assim, de acordo

com a lei:

Refugos. - são estabelecimentos de detenção e . internamento

provisório destinados a receber e guardar os menores sujeitos a julgamento

e a proceder ao seu exame e observação (art° 101.°);'

Reformatórios - são destinados a regenerar os menores que por

decisão das Tutorias neles devam ser internados por não se encontrarem

ainda gravemente pervertidos, sendo susceptíveis de se corrigirem

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mediante uma acção reformadora pelo trabalho profissional, pela educação

moral e pelos meios disciplinares adequados (art° 107.°);

Colónias com cáonais - são as destinadas a corrigir os menores que por

sentença das Tutorias nelas devem intemar-se por se julgarem em

adiantado estado, de perversão mas ainda susceptíveis de sèr regenerados

pelo trabalho profissional, pela educação moral e mediante uma rigorosa

acção disciplinar, acompanhada ou não de detenção (art 108.°).

A intervenção discursiva da psicologia científica está

definitivamente presente no diploma — o distiguindo-o bastante da LPI —,

sendo o seu preâmbulo sustentado por fundamentos que invocam, entre

outros, Claparède, Biner, Simon, Decroly, para tentar superar as

dificuldades apresentadas pela definição das categorias e da fronteira entre

a patologia e a anomalia.

Veja-se. por exemplo como o Decreto n.° 10.767 altera a categoria

de “desamparado”, extinguindo-a, redistribuindo os sujeitos entre a

“delinquência” e o “perigo moral” (Cfr. Ilustração 10). Esses novos

movimentos taxionómicos e distributivos, impulsionados pela nova

legislação, levaram a que os menores processados pela Tutoria por “perigo

moral” aumentassem de 76 em 1927 para 361 e chegassem a 1.065 no-ano

de 1930. Era uma política preventiva, aquela que passou a remeter os

menores . para a categoria de “perigo moral”, em risco de serem

contaminados socialmente mas ainda recuperáveis: “agindo cedo,

preveniam-se males maiores”. -

233

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1200

— Delinquentes —a— Desamparados

—o— Perigo Mora! —* — tndiscipünados

Figura 16 — Processos contra menores, entrados na

Tutoria Central de Lisboa.

Fonte: Relatório da Tutoria (1931).

Uma rede vasta, mas insuficiente para os seus propósitos, pretendia

cobrir o país através de unidades locais designadas por Tutorias Comarcas,

e que se contabilizavam já em 154 unidades disseminadas pelo território

(Castro, 1931). O decreto vai complicar ainda mais a já quase inextricável

legislação orgânica existente e contribuir para uma crescente inoperânda e

dificuldade no uso coerente de critérios e procedimentos, continuando a

falta de pessoal qualificado para as diversas funções exigidas a ser outro

grande entrave ao bom funcionamento do aparato correctivo.

No âmbito do tratamento de anormais patológicos, o diploma

previa simplesmente que, à falta de estabelecimento adequado ao

internamento dessa população, fossem subsidiadas as instituições que se

dispusessem a essa encargo. Na prática, tal não sucedia, acabando os

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anormais internados no manicômio ou a deixando a Tutoria da Infanda a

braços com o seu destino que, invariavelmente, os remetia para uma secção

espeaal do Reformatório Central de Lisboa ‘Tadre António Vieira”.

0 elenco de interditos

A consulta do Arquivo do Refugio e Tutoria Central, da Infanda de

Lisboa, presentemente à guarda do Tribunal da Infanda de Lisboa,

permite-nos perceber a facilidade de acusação de menores, sob os mais

diferentes pretextos1. O menor, que nunca prestavajdedaraçÕes, podia ser

inicialmente julgado e condenado a uma pena leve mas, se não se adaptasse

à disaplina da instituição e ao meio social onde estava compulsivamente

inserido, a sua estadia ia-se dilatando, por vezes até à maioridade, porque

era preciso que o parecer do Conselho Técnico da instituição, presente ao

tribunal, fosse favorável, dando a criança como apta à libertação. Veja-se,

como ilustração do teor dessas deliberações, parte da acta do Conselho

Técnico do Reformatório Central de Lisboa ‘Tadre. António de Oliveira” a

propor a libertação de um menor, datada de 8 de Janeiro de 1930:

“- Fez exame de instrução primária - 4* classe. -

1 Sobre os processos penais de menores na Tutoria e no Refugio e demais documentação processual, cfr. Carmo, Daniela Sá & Lopes, João Teixeira (2001). A Tutoria do Torto - Estudo sobre a Morte Social Temporária. Porto: Edições Afrontamento; Martins, Ernesto Candeias (1995). A Problemática Sodo-Educativa da Protecção e da Reeducação dos Menores Delinquentes e Inadaptados entre 1871 a 196Z Dissertação de Mestrado- Faculdade de Gêndas Humanas da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa; Santo, João Miguel R S. (2000). "Crianças Malfdtoras" a contas com a Justiça - Os menores catalogados pelo Refugio da Tutoria Central da Infanda da Comarca de Lisboa 1920- 1930. Dissertação de Aíftrt>wdi>-Universidade de Lisboa — Faculdade de Psicologia e de Gêndas da Educação, Lisboa.

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, - Faz - parte da Banda do Reformatório, sendo um vulgar executante,. nao tendo revelado disposições especiais para a música.

- Aprende o ofício de marceneiro não tendo ainda concluído a aprendizagem do ofício. (...) Não tem faculdades de trabalho, sendo de seu natural indolente e apático. Nao tem também iniciativa própria, pouco cuidado pondo na confecção dos trabalhos de que o mestre o encarrega.

- E m :19-1-1929 tentou suicidar-se por enforcamento. Em 19- 3-1929 foi em isolamento para as celas por, juntamente com outro companheiro, ter tentado evadir-se.

- É um onanista inveterado, que chegou muito cedo à idade da puberdade. De temperamento sensual, masturba-se frequentemente e apaixonou-se por certos companheiros a quem escreve cartas amorosas, ficando desolado, deixando mesmo de comer, quando são interrompidas essas ligações.

- A sua actividade é nula. Apresenta-se sempre de fisionomia parada, inexpressiva. É dotado de inteligência e possui alguma habilidade tanto para o ofício como para o desenho. Tem-se

. mostrado insensível a qualquer espécie de estímulo.

- A mãe é uma pobre pessoa, muito amiga do filho, que sempre que pode o visita. Trabalha como “governanta” numa casa de gente rica. Sofre do . coração e dão-lhe frequentemente ataques epilépticos que a prostram como morta por longos

' espaços de tempo.”

Resta acrescentar que a criança ficou internada durante seis anos, na

sequência da queixa apresentada pela própria mãe, a 6 de Janeiro de 1924,

onde consta o seguinte teor da acusação ao seu filho...

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“ (...) menor de 13 anos, e consigo residente, em virtude de terem resultado infrutíferos os seus esforços para bem o encaminhar nos seus primeiros passos da vida, recusando-se este a trabalhar e, nas poucas vezes que o faz, gasta em seu proveito as pequenas férias, abandonando a casa materna por dias e noites seguidas, vagueando pela cidade e tendo já por várias vezes descido à prática de pequenos furtos,. que a suplicante vem pagando com sacrifício, por ser extremamente pobre” (Arquivo do Refugio e Tutoria Central da Infância de Lisboa).

No seguimento da denúnáa, o juíz-presidente manda à Inspecção

de Assistência a Menores Desamparados e Delinquentes que investigue a

vida do menor, e sintetiza a natureza dos delitos: “Relutânda para o

trabalho, furto e vadiagem”. O menor arguido “confessou os delitos”. Esse

género de infracções ocupou a maior parte dos casos da Tutoria logo no

primeiro ano do seu exerado judicial, quando as acusações de roubo,

mendiadade e vadiagem, preencheram 197 casos num total de 337. Essas

condenações eram muitas das vezes sustentadas por testemunhos de

terceiros, geralmente familiares ou vizinhos, que tinham “ouvido dizer”. O

menor não era ouvido nem na instrução do processo nem durante o

julgamento. Tal não seria necessário, dado que todos ali estavam para o seu

bem e mais tarde haveria de ser cuidadosamente “observado”.

Se a vadiagem e a mendiadade eram as acusações mais comuns nos

primeiros tempos, estando intimamente ligadas por causas sodais, havia

uma distinção moral no tipo de acusações, mais grave no caso da

vadiagem, estando esta intimamente associada aos mecanismos políticos de

regulação social, devido à demissão das obrigações da família e do laxismo

moral que isso evidenciava. Como tal, havia também que agir junto do

sentimento das populações através de uma determinada representação

sodal da criança: havia que refrear a visibilidade da condição da criança,

237

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recolhendo-a ou tutelando , a sua vida privada e a sua envolvente social e,

simultaneamente, obnubilando a imagem da criança ao escamotear os

factos noticiosos mais negativos sobre o comportamento moral da

infanda. Para esta segunda medida, o governo dispunha de um mecanismo

censório desde que a LPI de 1911 decretara a proibição de notídas

envolvendo casos de delinquência juvenil:

“E expressamente proibida a narração dos casos de vadiagem, mendiadade, libertinagem, contravenções ou crimes cometidos pelos menores de que trata este decreto, ou suiadios dos mesmos, com ou sem a publicação dos seus retratos, ou mesmo a notícia simples daqueles casos, ou ainda a publicação de extractos dos respectivos julgamentos” (LPI,1911 — art.° 103.°).

A legislação reformadora de 1925 vdo reforçar esta disposição,

chamando para ela particular atenção e exigindo o seu cumprimento no

art° 120, incorrendo os infractores em multas ou penas de prisão. Esta

procura de ocultar a situação de crianças problemáticas e a mendicidade, é

um sintoma da modernidade que surge porque se alterou a percepção

política do potencial da educação e construção moral da infância,

originando dispositivos como o exemplo referido.

As infracções dos menores estavam associadas aos “maus hábitos”,

normalmente apontados como sendo vícios de carácter. Algumas dessas

ilegalidades morais eram cometidas através de práticas sociais como o

tabagismo, o abandono ou rejeição do trabalho, a frequência de

animatógrafos, de salas de jogo ou de prostíbulos, constituindo um corpo

de interditos que demarcava os limites da correcção social do menor. Devia

trabalhar mas não deveria ir ao cinema, ou isso seria um agravante.

Sobre as raparigas era recorrente a acusação de prostituição, na rua

ou em casas de “toleradas”. Se fossem criadas de servir em casa de

' 238

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“senhores”, sendo trabalhadoras e obedientes, significava um bom cenário,

de cumprimento de um papel social que lhes evitava degradação maior.-A

visibilidade da mendicidade e da prostituição tomara-se ‘ insuportável,

conduzindo à procura da remoção das ruas de todas que as exerciam,

criando necessidades institucionais incomportáveis, no mínimo, pela

quantidade, embora o preâmbulo do decreto de 27 de Maio de 1911

atribuísse como primeira das medidas “o furtar a criança desprovida aos

ambientes viciados, que lhe envenenam a alma e o corpo,' aos meios de

infecção íntima que depravam e inutilizam uma parte considerável da nossa

população”.

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M apa dem onstrativo do m ovimento da T u toria C entral d a Infancia-' de Lisboa, no m£s de J tâ h o de 1913

HUBMcaftao

KM TOTAL-

9 1 to97 11 108

, . . . y 99 10 6b197 17 144

S a l t u ................... 1 128 1 299 2

F k v ta liU m ta .< 1 __ 18 3

• «6 17 109tu traeçU ............. 57 5 63

15 151 _ 1

n i i i ç i i ................. '14 110

69 8 70104 14 118

HatsnlMtd*............ 50 8. 58Coloniza................ ............................ ................ 9

9 2>• 36 _ 86

4 9883 1 3319 8 97

8 8$ • 69 •2 9 4

l i t h i ia o ír t d i . 6 9 fc4 48 _ 6

1Anna proibida............. ................................ . 1

4— 1

41 1

1 11 a4 4

83 1 6467 67

Mendicidade....................................................... 544

— 544

Prh*a u tírier- s o t i u f r U a . .

2 _ 2.7 _8 • 1 • 46 b5 _ 5

Transgressão............................... ....................... 163

47

9010

8 8

JtKNORES E x is m r r s s m 31 OS JUNHO dx 1913:R efugio 1.* Secçfto .............................................. * 1*5Refugio a-1 SeççSo-..................... ............... 36Escola de Reforma d e L é b ô a . . ............ 95 "

Secretaria da Tutoria Central da Infaoda de Lisbôa, 31 de Julho de 1913.

- O juiz Presideote da' Tutoria — 5Wn> 9L iP ereira d e C astro. .

Figura 17 - Movimento, categorias, infracções e

demografia de internos. . .

Fonte: A Tutoria, n.° 11, Setembro de 1913.

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A natureza das interdições formava uma assimetria entre as mais

antigas, tais como os comportamentos sexuais, o roubo ou a agressão, e os

que mais recentemente tinham surgido na vida urbana e de cariz mais

cosmopolita, como o tabaco, o “foot-ball”, andar de bicicleta ou o

animatógrafo. Este último item foi alvo de particular atenção, talvez por se

considerar ter um efeito contaminador e corruptor mõraL Depois de feita a

prova em tribunal,, o inquérito social apenso aos autos, a cargo dos

Assistentes Sociais, entre inúmeros quesitos sobre a vida privada da família

e sobre o ambiente que envolvia a criança, interrogava cuidadosamente os

hábitos do menor “É amigo dos pais, dos amigos, dos animais, das

plantas?"’ — “Quais os seus divertimentos predilectos?” — “Frequentando

animatógrafos, quais preferia?” - “Fumava?” - jogava?” (Portaria n.°

4463, 1925). A questão sobre o jogo referia-se, nessa segunda década do

século passado, não só aos jogos de azar mas também ao futebol1,

modalidade referida com frequência nos inquéritos dos Assistentes Sociais,

fazendo pensar sobre o impacto cultural que esta modalidade desportiva, a

par e em simultâneo com o moderno animatógrafo — a televisão —

produzem nos jovens de hoje.

A vigilância e a censura sobre os.cinemas, que se irá manter

durante muito tempo, estavam ligadas ao discurso das más influências

contaminadoras a que o menor poderia estar exposto, por isso, “pelo que

se refere a lugares de diversão - melhor dito de corrupção (...), não basta

cuidar do menor no seu ambiente estritamente familiar é preciso também

1 Tratava-se de futebol de rua, espontâneo, pois a sua prática organizada em clubes, sob supervisão, era louvada pelas suas virtudes. Praticava-se na Casa Pia desde 1893, constituindo a sua equipa um grande motivo de orgulho para a instituição. C£r. Rocha, Moraes & Barreto, Fernando (1987). Subsídios para a H istória da Educação Física na Casa Pia de Lisboa (1780-1987). Lisboa. No início dos anos de 1960 ainda a polícia continuava a perseguir as brincadeiras de futebol de rua nas áreas urbanas.

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estar atento aos lugares que ele — para trabalho ou diversão frequenta”

(Fonseca, 1949: 113). Esta vigilância estava rigorosamente consagrada na

letra da reforma de 1925, conferindo competências à Tutoria para instaurar

processos e julgar donos e porteiros de estabelecimentos que permitissem a

infracção. .

“Os menores com menos de 16 anos completos não podem frequentar, sob pretexto algum, casas de toleradas ou de passe, de jogo proibido, clubes e tabernas nem assistir a espectáculos em cinematógrafos que possam ferir o seu pudor, desmoralizá- los ou pervertê-los (Decreto n.° 10767 de 15 de Maio, 1925: art.° 120.°)

Mais tarde, nos anos de 1950, vão-se encontrar novas preocupações

dentro dos inquéritos sociais. A pergunta sobre as influências do meio

soaal a que o menor esteve sujeito começam a surgir respostas

contemplando outras práticas cosmopolitas acrescentadas às anteriores,

como “muito influenciado por guloseimas, jogo dos bonecos nas tabernas,

tabaco, cinema, más companhias e táxis” (ATEL-DGSJ [1956], Mç. 1154).

Os matraquilhos, as gulodices, o andar de táxi, o luxo e a autonomia que

projectavam na aparência social, eram considerados impróprios para

menores e incluídos num enunciado de interditos.

Uma distribuição demográfica

Quanto à capacidade judicial de intervenção demográfica e

temtorial, a rede já estabelecida de Tribunais de Infanda dispunha de

mecanismos que repatriavam para as terras de origem as crianças apanhadas

pelos “avicos” nas ruas de Lisboa, sob os mais diversos pretextos. A

população da capital crescera praticamente para o dobro, entre 1890 e 1930242

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(Sétimo Recenseamento Geral da População, 1931), engrossando também

ó número de menores abandonados, indigentes ou delinquentes, o que vai

constituir uma legitimação política suficiente para ós que nâó tivessem a

sua origem na capital, fossem devolvidos às suas terras de origem. Aliás,

um dos motivos de entrada na Tutoria era o de “emigração clandestina”,

um sinal nítido da pretensão de controlo demográfico.

O desejo de fixar os menores transparece bem nas palavras com

que o Director da Golónia Correcdonal de Izêda,José Rombo, encerra a

monografia da instituição que dirige. Depois de dogiar as virtudes do

regime correcdonal, atando caso exemplares de regeneração, como o de

“L. A. R., condenado por tríplice assassinato, estupro e roubo, actualmente

um dos colonos melhor comportados e mais trabalhadores, tendo até

mesmo sido um dos candidatos à última distribuição de prémios”, remata o

seu rdatório com um curto parágrafo:

“Alguns colonos, provindos dos meios urbanos, têm-se fixado nesta região, nela constituindo família e exercendo a profissão que aprenderam no estabelecimento.” (Rombo, 1931: 11).

Avançava-se na distribuição e fixação demográfica. Não se tratava

só de devolver os rurais à ruralidade, mas conseguir que alguns urbanos

por lá se fixassem e o uso dessas técnicas não ficou por aí, pois havia

também os territórios de além-mar.

O decreto de 1 de Janeiro de 1911 que criava a já referida Comissão

de protecção a menores, presidida pelo P.c António de Oliveira,

considerava no seu preâmbulo que “as colónias muito terão a aproveitar na

sua riqueza e prosperidade, quando a elas afluírem operários portugueses

com uma excelente preparação geral e uma sólida competência

profissional” (Protecção à Infânda - decreto de 1 de Janeiro, 1911).

243

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. . A. ideia de utilizar crianças com intuitos colonizadores, depois de

preparadas para algum fim, era uma apropriação republicana de uma

aptidão desenhada pela Igreja: o sentido missionário. Já vimos como o

Colégio, dos meninos órfãos do Porto, desde o tempo do P.e Baltazar

Guedes,. no século X vn , enviava crianças para as colónias portuguesas,

introduzindo uma prática que persistiu e que nos conduz ao P.c Joaquim

Alves Correia e à sua tese apresentada ao X-° Congresso Internacional de

Protecção.à Infanda [1931], onde, sobre a necessidade do povoamento de

Angola, sugere:

• “Il faut absolument trouver une population pour occuper ces vastes étendues inoccupées. Où la trouver plus prête à servir que dans ces pépinières, dont les jeunes plantes n’ont encore ancune attache, qu’il leur soit bien pénible de rompre au sol que les a vues naître?” (Correia, 1931: 7).

Era uma intenção que recolhia no campo político o entusiasmo de

Norton de Matos e que as instituições interessadas acolheram de bom

grado tendo, em 20 de Maio de 1927, o Conselho dos Serviços Tutelares

de Menores do Ministério da Justiça, enviado ao Ministério das Colónias

um parecer preconizando a colonização europeia por crianças abandonadas

da metrópole (Correia,1931).

• Como potência colonial, Portugal tinha de estender a jurisdição do

direito penal de menores às. populações dos territórios ultramarinos, onde

existiam as mais diversas culturas e religiões. Em Março de 1925 reuniu-se

em Nova Goa o AT Congresso Provincial da índia Portuguesa, concluindo

pela carência de uma casa de educação para crianças, um instituto

correcdonal agrícola e um tribunal de tutela de infanda, ordenando que

fossem estabeleados, a fim de se. prevenir “as pragas sociais que podem

244

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trazer a perversão ou « 'criminalidade” a crianças dé ambos os sexos até aos

catorze anos.

Em Angola fixou-se em 1930 a Liga Protectora de Infanda, sob os

auspídos da esposa do Govemador-geral, uma obra de assistência social,

não havendo ainda nenhuma casa destinada ao trato da delinquência,

embora em Moçambique já existisse desde 1905 instituições de ensino

profissional aos filhos dos deportados. Mais tarde, é a Casa Pia que

estabelece lá uma secção, para onde eram encaminhados os rapazes

recolhidos na rua por infracções, sendo dirigida por um sargento da Polida.

Na Guiné, os diplomas n.° 282, de Julho de 1925 e n.p 415, de Julho

dc 1928 dcddiam pela fundação dc uma Colónia Agrícola Correcdonal. O

seu regulamento previa uma escola de regeneração de menores do sexo

masculino, previamente divididos em três categorias:

- Delinquentes irresponsávds, pela sua pouca idade ou falta de

discernimento;

- Vagabundos ou mendigos, sujdtos à tutela do Estado;

- Reincidentes para internar, sob pedido dos pais ou tutores.

As estadias na Colónia teriam obrigatoriamente uma' duração' entre

5 e 8 anos, ministrando cursos de literatura elementar, ensino básico de

artes e ofícios, agricultura e seus derivados, moral e cultura física, regidos

pelos princípios fundamentais da “prática regular da higiene, da moral do

trabalho e da disciplina”, devendo os colonos combater firmemente “os

defeitos e os maus hábitos que provêni dos usos e costumes indígenas,

incompatíveis com o espírito fraternal e ó amor da humanidade”

(Gonçalves, 1931). ; ~ : "

Em Cabo Verde, não havia queixas significativas de delinquência

juvenil, tal como em Timor, onde a pobreza do território não constituía um

245

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problema judicial mas de carênda educativa, tendo o Decreto n.° 12485 de

1926, o Estatuto, das Missões, autorizava um colégio para educação de

rapazes e três conventos para raparigas..

' “Fixar é um dós primeiros objectivos das disdplinas” (Foucault, 1987: 180).

' O Refugio da Tutoria (1911)

Os menores detidos, enquanto aguardavam a definição do seu

destino, permaneciam à guarda de um estabelecimento de transição, onde

eram observados para que os deasores possuíssem um conjunto de dados

“dentíficos”, de ordem antropométrica, médico-pedagógica, psicológica e

sodal, que os orientasse no destino a, dar aos menores. Instituído em

conjunto com as Tutorias e . a Federação Nadonal dos Amigos e

Defensores das Crianças, o Refugio da Tutoria reflectia bem a tendência

para a especialização no tratamento dos assuntos relativos aos menores sob

alçada, judicial. Sendo a sua orgânica enquadrada pela legislação em vigor,

as suas -funções e estrutura interna pautavam-se pela “obediência aos

preceitos . da ; modema orientação . dentífica” e . pela procura de

desenvolvimento em “harmonia com a evolução, das dêndas biológicas e

soaais” (Fonseca, 1928).

O carácter , experimental-das . aplicações exerddas sobre os alunos

era muito valorizado nesse tipo de instituições. Não . só os seus directores

eram . normalmente médicos e estavam em condições de: levar a cabo os

seus estudos, como dispunham de populações controladas e disponíveis.-O

Refugio, no final da década de 1920, dispunha de “serviços sanitários de

246

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higiene e profilaxia”, de “serviços de investigação científica, fundada nos

modernos princípios da antropologia criminal e psicologia experimental”.

No plano curricular, a Educação Física e os Trabalhos Manuais, estavam

associados aos “estudos das tendências ou aptidões manifestadas por cada

menor”, mas também o Canto Coral, a Ginástica e os Exercícios Militares

eram cursos usados para a recolha de informações que constavam nos

boletins biográficos. Essas observações destinavam-se também a detectar e

separar os anormais patológicos e a classificá-los segundo a suas

“diferentes manifestações e formas de anomalia” (Fonseca, 1920). Pelos

estudos de orientação profissional, responsabilizava-se o próprio director,

segundo relatório da “secção cspedal de psicologia aplicada” (Fonseca,

1928).

Quer os Trabalhos Manuais que a Ginástica eram agora

apresentados como científicos, ou pedagógicos, criando um distanciamento

discursivo sobre as mesmas práticas. A Ginástica pedagógica era . uma

alternativa, civil à Instrução Militar Preparatória e a sua utilidade era

defendida pelo professor de, repare-se na designação, “Educação Física”

no Refugio do Porto com as seguintes palavras: “A nossa juventude tem

muito a lucrar com a sua prática, quando- orientada por professores

perfeitamente conhecedores do método e com dedicação • para

introduzirem o gosto pela sua prática, tomando as lições atraentes,- e

dando-lhe uma feição científica e não empírica como se pratica nos outros

sistemas, infelizmente ainda hoje sem adeptos, mais por ignorância do que

por outro motivo ponderável” (Aragão, 1913: 92).

' ' No regime disciplinar do Refugio figurava um controlo minucioso

de toda a.vida dos internos, exercido por “dois guardas que se substituem,

de forma a exercerem uma' vigilância permanente sobre os menores,

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acompanhando-os de dia e de noite em todos os actos da vida do

internato, excepto nas aulas” (Projecto do Regulamento dos Serviços do

Refugio da Tutoria Central da Infanda da Comarca de Lisboa, 1928:§40.C).

Os menores internados eram agrupados por idades - 9 a 12,12 a 14 e 14 a

16 em três secções denominadas “Classes disciplinares”. Cada uma

dessas classes estava por sua vez “dividida e subdividida em grupos e

subgrupos”, de cerca de quarenta alunos cada uma, frequentando a

instrução primária. Esses grupos eram constituídos, por cada classe, por: a)

entrados pela primeira vez e não julgados; b) julgados para detenção até

seis meses; c) reincidentes ou julgados para Reformatórios ou Colónias

Correcdonais. Era um arranjo de alunos que ignorava o dito “efeito de

contágio”, ao privilegiar o seccionamento por idades, separando os mais

velhos dos mais novos, mas juntando os mais reincidentes com os entrados

sem cadastro e sem sequer terem ido a julgamento.

A organização estava encabeçada pelos “Serviços de Investigação

Científica”, que tinham a seu cargo a observação médico-pedagógica,

antropométrica e psicológica, além da investigação e estudo das condições

jurídicas e sociais dos menores e das suas famílias. A disdplina e a

instrução eram dingidas pelo mesmo gabinete, denominado “Serviços

disciplinares e de instrução”, a que incumbia a organização e regime da vida

do internato, a instrução literária, a educação moral e dvica, de observação

psicológica, educação física, trabalhos manuais e estudos das tendências e

aptidões dos menores. A orgânica da instituição estava complementada

pdos “Serviços Sanitários” e pelos “Serviços Administrativos”.

• . . O número de processos instaurados a menores sofre um acréscimo

muito significativo no ano de 1928, com um total de 1.028 casos, contra

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616 no ano anterior, um aumento que se contabiliza pelo acréscimo de

acusações d e ‘Terigo Moral” (1927-76 casos; 1928-369 casos).

Para além duma métrica de avaliação, classificação e distribuição, os

tribunais de infância exerciam' a sua influência social segundo uma

racionalidade exercida à dimensão micro da- célula familiar, -mas

projectando também a sua intervenção à escala do controlo demográfico^

distribuindo os tutelados por diversas instituições que se vão dispersar pelo

território.

Perante os pais e tutores, em casos particulares, tinham a capacidade

jurídica de lhes retirar a tutela completa ou parcial dos menores a seu cargo,

substituindo*se em representação do Estado nessa responsabilidade, c

tinham o poder oposto de substituir os pais a pedido destes, uma vez que

os pais podiam internar os filhos considerados “indisciplinados”. Embora

de início estivesse previsto que fossem internados na qualidade de

pensionistas, ou seja, as famílias teriam de possuir meios para pagar

antecipadamente o internamento por periodos de seis meses (Decreto de

27 de Maio de 1911, art° 71, 72), depressa se vai tomar relativamente fácil

para os pais internarem os filhos que não podiam ou queriam sustentar, ou

que eram relapsos ao trabalho e relutantes à autoridade dos progenitores

ou tutores. Era uma prática antiga, cujo uso correcdonal foi retomado na

Casa de Correcção de Lisboa, receber gratuitamente os filhos considerados

incorrigíveis pelos seus pais, que para lá os enviavam sob ordem do

respectivo juiz (Azevedo, 1892: 6). A reforma de.1925 continua a permitir

essa possibilidade, mas a troco de uma pensão paga pelos pais.

O recorte disciplinar do-Refugio da Tutoria, pelo seu regulamento

de 1926, mantinha técnicas antigas com algumas adaptações e mais alguma

humanização, mas procurando alargar a sua eficácia através do acréscimo

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de outras subjectividades. A prática da delação já não era sistemática e

adquinu uma funcionalidade moral que previamente não tivera, pois tinha

que ser justa, uma vez que a instituição pretendia acrescer ao olhar vigilante

entre pares, a capacidade de um juízo prévio do delator ‘Toda a queixa ou

acusação contra os seus companheiros ou contra os empregados, que seja

reconhecidamente falsa ou caluniosa será severamente punida” (Projecto

de Regulamento dos Serviços do Refugio da Tutoria Central da infância da

Comarca de Lisboa: 1928, art° 131.?, § segundo).

Embora com uma suavidade maior e contemplando algumas

espedfiddades individualizadoras dos sujeitos, as punições associadas à

humilhação, à privacidade, à alimentação, à exposição perante o colectivo e

à clausura continuam presentes, mantendo-se técnicas há muito usadas,

como se pode apreciar nas disposições sobre a aplicação de penas

disciplinares que poderiam se aplicadas aos menores, segundo a gravidade

dos factos:

“1.° - Repreensão particular ou perante a classe;

, 2.° - Privação de recreio, passeios e outros favores;

3.° - Privação de visitas e da correspondência à família;

4.° - Redução da alimentação;

5.° - Estacionamento de pé no recreio ou refeitório;

6.° - Serviços na cava na cerca, ou corte de lenha;

7.° - Isolamento na cela até oito dias.

250

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§ Único — A aplicação destes castigos fica subordinada ao amor-próprio, temperamento e carácter de cada internado.” (Projecto de Regulamento dos Serviços dò‘ Refugio da Tutoria Central da Infanda da Comarca de Lisboa: 1928, art.° 133.°).

Uma constante, foi sempre a lotação completa das instalações

existentes e a redamaçào da sua ampliação. A mdo do século XX, quarenta

anos depois do aparecimento das Tutorias e dos Refúgios, o número de

internados não cessa de aumentar, sendo agora ■ tantos' * quantos’ os

processos judiciais instaurados no referido ano de 1938, còncentrando-sè

mais de metade nos Refúgios.

MENORES INTERNADOS

ANO 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956

Estabelecimentos de observação, correcção e vigilância de menores

1104 1171 1485 1316 1317 1128 1239

Colónias Comccionais 101 68 117 82 64 123 92

Escolas Profissionais 14 22 36 32 38 25 16

Pçformatórios 161 129 152 198 167 150 158

Pxfúgos das Tutorias Centrais ■ 798. 933 1130 964 995 784 945Institutos Particulares de Pegnerafão 30 19 50 40 53 46 28

Figura 18 — Estatística Judiciária de 1956. Fonte: INE.

As instituições Médico-Pedagógicas (1915)

Mobilizado em tomo de um discurso dentífico impositivo, o

aparato médico e a sua plêiade de especialistas vai reforçar-se com a criação

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em 1915 do Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia, sob a iniciativa e

direcção de António Aurélio da Costa Ferreira, um médico que já fora

director interino da Provedoria da Assistência Pública de Lisboa que, com

esta instituição especializada, vai definir uma população carente de

cuidados médicos e educativos especiais.

Com Costa Ferreira está também o professor Palyart Pinto Ferreira,

pedagogo que levou muitas novidades à CPL, entre elas, a recuperação dos

mutilados de guerra que não faltavam no fim do conflito de 1914-18. Em

1918, Palyart Ferreira, então Chefe da Repartição Pedagógica de Instrução

Primária e Normal e Professor do Instituto Médico-Pedagógico, publicava

um trabalho sobre a reeducação profissional dos mutilados de guerra,

sendo bastante critico em relação à situação em França onde, por

conhecimento directo, comentava: “ (...) escolas de reeducação profissional é

coisa que não existe em França”, acrescentando, “Há uma ausência completa

de educação em todas as escolas que visitei”.

Em 1927 começa-se a cuidar da população feminina com o

Instituto Médico-Pedagógico das Florinhas da Rua, mas só em 1930, com

o legado pessoal do Juiz Navarro de Paiva, é criado o instituto que recebe o

seu nome, destinado a “anormais” do sexo masculino, que no ano seguinte

recebe, para além dos enviados por outras instituições, 12 anormais

patológicos enviados pelo Reformatório. Albergando inicialmente um

grupo reduzido de internos (45) e dirigido por pessoas de sólida formação

técnica, o instituto cuidava de preocupações reveladoras de uma

sensibilidade especializada que começava a afirmar-se nos enunciados

pedagógicos. Na concepção arquitectónica do edifício, oficialmente

aprovada em 1931, pode encontrar-se uma preocupação de separação

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populacional por pavilhões divididos em células individuais. Encontra-se

uma justificação.neste trecho da monografia:

“ (...) convinha não perder de vista que se tra de uma população a que foi imposta, contra a sua vontade, por vezes violenta, muitas vezes astuciosa, a perda da liberdade. E se a melhor maneira de conduzir uma população destas é . a de a aproximar tanto quanto possível da vida real de todos nós e de todos os dias, afastando sobretudo dos seus olhos os sinais evidentes da sua clausura, tinha no entanto . de . tomar-se medidas de segurança de precaução, indispensáveis. (...) Para servir esta preocupação, em certa medida, cada rapaz terá o seu •- • quarto que será tanto melhor arranjado quanto melhor for o seii aproveitamento moral. A camarata é uma instituição abolida neste estabelecimento; não convém por aquelas razões . .. e mais porque é preciso evitar o contágio dos vícios sexuais que com aquele sistema de vida de internato mais se * desenvolvem e progridem” (Instituto Dr. Navarro de Paiva para Anormais do Sexo Masculino, 1931:10-11).

O que mais distinguia este instituto do de Aurélio Costa Ferreira .era

a natureza da sua população, uma vez que aqui não eram aceites anormais

por deficiências sensoriais, estropiados carentes de reeducação ortopédica

ou outros necessitados de cuidados médicos continuados. Sob o patrocínio

de Faria-de Vasconcelos, Director do Instituto de Orientação.Profissional e

do Instituto de Reeducação Mental e Pedagógica, o “Navarro de Paiva”

destinava-se aos anormais delinquentes do sexo masculino dos. 9 aos 16

anos. As suas bases educativas e o seu programa regimental assentavam nas

seguintes técnicas:

“1) Internato no campo — como o meio mais completo e favorável

não só sob o. ponto de vista, físico, mas também psico-pedagógico.para a

sua educação; . . . . . . . ,

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2) Agrupamento dos menores — nunca em número superior a

quinze, em pequenas famílias, tendo por chefe um preceptor, de modo a

assegurar uma vida familiar adequada, benéfica para a sua formação;

3) Os menores são distribuídos em grupos homogéneos em

harmonia com a natureza e grau da sua anormalidade e as suas condições

de educabilidade;

• 4) Individualização da educação e ensino tomando em conta as

particularidades fisio-psicológicas dos menores, com o fim de obter um

maior rendimento educativo e social pelo tratamento apropriado a cada

caso;

5) Aplicação de métodos e processos de educação e ensino

fundados na actividade pessoa e integral do menor - física, manual,

intelectual, moral e social —, nos seus interesses, tendências e capacidades,

com o fim de cultivar o corpo e o espírito;

6) Programa de actividade tendo por objecto:

a — a ginástica fisiológica e psicológica dos menores para

exercício e treino das suas capacidades físicas e mentais;

b — a aquisição dos conhecimentos indispensáveis para a vida

e para á prática de um ofício, em harmonia com as aptidões dos

menores (...)” (Instituto Dr. Navarro de Paiva para Anormais do

Sexo Masculino, 1931:13-14).

A educação elementar compreendia “noções relativas à natureza, ao

meio físico, social e ao trabalho”, assim como “cálculo, leitura, escrita e

desenho”. A educação profissional proporcionava o aprendizado dos

ofícios de “jardinagem, trabalhos agrícolas, fabrico de cestos, fabrico de

cordas, fabrico de escovas e capachos e serviços domésticos”.

254

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A partir de 1942, depois da morte do- seu fundador, o

estabelecimento-então-dependente do Ministério. da Educação Nacional,

enceta uma série-de reformas que estabelecem por lei as seguintes

valências:

— Constituir um centro de observação para os menores portadores

de anomalias mentais; •

• Preparar • o * pessoal técnico destinado aos, serviços de higiene

mental infantil;

— Suscitar a criação de instituições diferenciadas para administrar o

ensino, tratamento e assistência às crianças nas condições acima

mencionadas;

— Proceder a pesquisas nesta especialidade (Fontes, s. d.).

. Figura 19 —“O Sr. Presidente da Republica [Teixeira

Gomes] assistindo a um dos exercidos no Instituto

de Surdos-mudos”.

Fonte: Anuário da CPL (1924).255

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. . . O pessoal incluía um director, .médico psiquiatra, três médicos

adjuntos com a mesma especialidade, seis psico-pedagogos, dois assistentes

sociais e um auxiliar social, um enfermeiro, um preparador de laboratório,

vigilantes e pessoal administrativo. A sua população de internos era

constituída por menores oriundos de escolas, assistência pública, dos

serviços jurisdidonais de menores, de clínicas de pediatria e psiquiatria,

atendendo também o público em geral que se lhes dirigisse. Após um

primeiro diagnóstico eram constituídas classes de observação e deadia-se

se o menor deveria ficar internado ou não, considerando-se as vantagens

do internato as seguintes:

“Outra d as . possibilidades de observação que dá o internamento é ser o lugar de apredaçâo do seu valor terapêutico. A vida de internato, judiciosamente orientada e agrupando os menores segundo determinadas características psicológicas, constitui uma verdadeira terapêutica de grupo e além disso ela é benéfica à criança não somente pela simples mudança de atmosfera, mas também porque-a sua actividade se encontra regulada” (Fontes, s. d.).

Em simultâneo com a terapêutica do menor, intensificava-se a

acção das assistentes sociais que agiam junto das famílias, procurando

estruturá-las melhor e. instruí-las sobre como deviam voltar a acolher os

menores quando saíam do internamento. A essas assistentes incumbia a

observação dos sujeitos e a organização de um arquivo que permitisse o

conhecimento e a gestão. minudosa dessas populações problemáticas,

através da elaboração de três tipos de fichas:

- ficha s familiares, onde se registava o apelido, morada, nome das

pessoas que a constituíam, idades, naturalidade, estado, grau de instrução e

habilitações, observações psicológicas, estado de saúde dos vários

membros da família, legalidade da mesma, religião que professa, situação

256

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económica, características da habitação, diligências feitas pela assistente

sodal e resultados obtidos; •

- Fichas individuais, contendo um resumo da vida da criança desde o

nascimento até a data da entrada no Instituto, com referências de carácter

médico, psicológico, escolar e sodal;

- Inquéritos médico-socims, onde se pretendia captar - para além de

todas as minúdas possívds que os médicos e os psicólogos pudessem

detectar — as condições económicas e morais da família e os seus

antecedentes hereditários.

O historial da família conduzia a uma lógica causal quanto aos

efdtos nefastos que poderia ter o mdo familiar

“ Os antecedentes pessoais sâo, nos inquéritos, capítulo de grande interesse pelo que podem eluddar acerca da origem e passado das alterações o observando, descrevendo-se a m a n e ir a como decorreu a gravidez e o parto, as doenças que teve, a evolução do desenvolvimento físico e mental, os vidos adquiridos, o carácter, as tendências manifestadas em casa e fora do ambiente f a m i l i a r , as adtudes usadas para com as outras crianças e os demais detalhes que a assistente sodal julgue necessários para um melhore estudo da criança, finalizando com um resumo da impressão geral que tem sobre. o caso, e sugerindo mesmo a solução que reputa mais conveniente sodalmente, em vista das condições do mdo da ' famüia” (Nunes, 1943:156).

A observação e terapêutica estavam centradas nos fundamentos da

psicanálise, que tarhbém interpretava a origem dos problemas: <fNous ne

pouvons pas jamais oublier qu'une grande partie des attitudes des élèves

son le résultat de complexes qu'ils n’ont pas résolu: Et l’étude et la

thérapeutique psycho^pédagogique de l'enfant sera possible lorsqu’on

envisage aussi la thérapeutique des adultes” (Fontes, s. d.).

257

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São* instituições regradas pela ordem jurídica e pela ciência médica

que, em nome duma causa pública se dedicam à aplicação de sistemas de

contabilização, avaliação, terapia e controlo das suas populações internas

“especiais”, constituindo-as em tomo de um exercício segrtdador,

contribuindo também com essa economia de sujeitos “anormais”, com o

detalhe do seu conhecimento e govemo especializados, para a instauração

de uma progressiva numeraU^ação do mundo - “the world is becoming

numerical” (Hacking, 1990).

A Escola Agrícola de Reforma (1919)

Este estabelecimento correcdonal, inserido na especialidade rural da

reeducação, sequela da colónia de Vila Fernando, foi criado pelo Decreto

n.°.6117, de Setembro de 1919, promulgado pelo Ministro da Justiça, o Juiz

Conselheiro Artur Lopes Cardoso, que tinha vivido na região. Situado a

cerca de 40 km de Bragança, fúndonava num edifíao que, com o advento

da República, fora usurpado a uma congregação religiosa de padres

espanhóis. A. sua valência prinapal era o trabalho agrícola, onde se

aplicavam os colonos internados. Havia também oficinas de sapateiro,

alfaiate, carpinteiro e . serralheiro. Foram os próprios colonos, aliás, a

reconstruir em boa parte. o edifíao que, de iníao, poucas condições

ofereda para os albergar.

A partir das reformas de 1925 adopta a designação de Colónia

Correcdonal de Izêda, com a promulgação do Decreto n.°10767 de 15 de

Maio. Em 1951, começa a ser construído com mão-de-obra prisional um

novo edifíao, passando o estabelecimento a chamar-se Escola Profissional

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de Santo António, sendo a sua. administração e direcção entregue em 1961

aos missionários da Sociedade Portuguesa-Salesiana, que lá permanecem

até 1977, altura em que o antigo director, um médico militar que lhes tinha

entregue a Colónia em 1961, para lá voltou. Para gerir essa mão-de-obra

para a construção civil foi especialmente criada a Brigada de Trabalho

Prisional de Izêda que funcionou durante nove anos, os necessários para

acabar a obra (Beça,. 1985: 6-9).

Na década de 1920, os internados estavam divididos, em três

escalões de acordo com o grau de desenvolvimento físico e etário e, dentro

de cada escalão, estavam divididos segundo a evolução comportamental

apresentada, um procedimento comum na época, simbolizando para cada

criança o grau de proficiência adquirida, atribuído pela instituição por

contraste com os outros. Assim, existiam as habituais três secções: l . a,

correspondente aos “recém chegados”; 2.a, os “melhorados” e a 3.a para os

“apurados”. A pertença a determinada secção trazia regalias diferenciadas e

a sua identificação fazia-se através de três tamanhos diferentes de uma

estrela usada nos uniformes.

As crianças trabalhavam oito horas por dia (10-14 e 16-20) para

além da limpeza e outras tarefas próprias da vida em clausura. Entre as 7:30

e as 9:30 frequentavam aulas de instrução primária onde aprendiam a ler, a

escrever e a contar, embora não fosse um estudo muito aprofundado.

Queixava-se o seu director José Pinto Rombo, na monografia que assina

em 1931, que os trabalhos agrícolas prejudicavam a aprendizagem e, apesar

de se congratular com o facto de 15 alunos em dois anos terem obtido o

exame da 2.a classe, para um universo de 80 alunos, revelava - poucas

aspirações relativamente ao sucesso da escolarização dos internados.

259

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Aos domingos a rotina diária era alterada. Havia aulas de ginástica

entre as 8 e as 9:30 e entre as 14 e as 16 a Banda tocava música, um ensino

que era ministrado a todos. Mais tarde, reservava-se uma hora para a leitura

de “qualquer trecho educativo e instrutivo que um colono costuma fazer à

comunidade, com a assistência de um funcionário superior” (Rombo, 1931:

9)-Quando em 1961 começa a funcionar como escola profissional,

ministra-se o ensino básico mas as actividades centram-se na

aprendizagem, mantendo-se a formação mais tradicional como a sapataria

ou a agricultura dos 150 hectares de terreno, mas criando também

especializações mais modernas como o melhoramento das instalações

tipográficas e os primeiros cursos de mecânica.

260

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C o n s id e r a ç õ e s f in a is

A genealogia que aqui se expôs procurou revelar uma

indissociabilidade entre os regimes disciplinares e a vontade de

transformação da criança através da acção educativa institucional, o que faz

das práticas regimentais uma articulação funcional intimamente associada

às práticas pedagógicas. O discurso disciplinar da modernidade foi-se

progressivamente ausentando, dissimulando-se sob a discursividade

pedagógica concentrada na “suavidade dos métodos”, isto é, a pedagogia

tem-se socorrido mais da articulação funcional da disciplina, do que a sua

presença no discurso pedagógico faria supor.

Nem sempre foi assim. Tempos houve em que a obediência e a

disciplina foram louvados pelas suas virtudes de construção moral mas,

com o surgimento do liberalismo, da secularização da providência e de um

discurso pedagógico cientificado, o exercício soberano dos rigores

disciplinares foi gradualmente conduzido para um governo de estilo mais

pastoral e menos evidente, não significando o seu desaparecimento mas a

assunção de formas de governação dos escolares menos violentas fisicamente

e, por isso, menos visíveis.

Foi Foucault quem teorizou sobre o exercício de um poder pastoral,

ilustrando-o metaforicamente com as relações entre pastor (representante de

Deus) e o rebanho (comunidade), presentes na cristandade. Essa relação

manifesta-se pelo trabalho do pastor na constituição e reunião do grupo, na

sua condução, na salvação de cada um e de todos no seu conjunto e na

devoção ao conhecimento de todos os elementos e de cada um na sua261

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individualidade. As instituições modernas que aqui foram apresentadas

representam bem esse momento de viragem no protagonismo dos regimes

disciplinares, devido à emergênda desses novos artefactos pedagógicos

suportados no plano textual pelo discurso dentífico, numa relação que se

consolidava em tomo da configuração moral dos indivíduos. Essa inflexão

da configuração moral sob “sujeição” para um regime de “liberdade

regulada”, constitui um traço genealógico da modernidade nas instituições

educativas.

Este texto é também uma procura de aproximação ao universo

vivendal da criança em regime de internato educativo, matéria

abundantemente ilustrada na literatura ficdonal alemã conhecida por

Btldungsromany ou romance de formação,1 por vezes designada em

português por “romance psicológico”, género que retrata a existendalidade

da infância e adolescênda num ambiente educativo compulsório. A

literatura portuguesa também é fecunda, senão em dimensão e escolástica,

■ pelo menos na qualidade dos romances dedicados a essa situação particular

da criança, contando-se entre os autores, João Gaspar Simões com

‘Internato”; Urbano Tavares Rodrigues com “Casa de Correcção”; João

Marmelo e Silva com “O Adolescente Agrilhoado”; José Régio com “Uma

Gota de Sangue”; Aquilino Ribeiro com “Uma Luz ao Longe” e Virgílio

Ferreira com “Manhã Submersa”, entre certamente alguns outros.

Em toda essa literatura perpassa um assombro da criança perante a

sua condição, o • seu quotidiano e a envolvênda social que o rodeia e

condiciona em todos os actos da sua vida, mesmo os mais íntimos,

justificando que se esmiúce de forma metódica e multidisdplinar, o

1 Sobre este género literário cfir. Carmo, Carina Infante do (1998). A doksctr m Clausura.Faro: Universidade do Algarve - Centro de Estudos Aquilino Ribeiro.

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nascimento desse universo tão singular como é o da educação da criança

em clausura, bem como a imagem que a literatura construiu a .partir dela. A

presente abordagem ao universo correcdonal de menores, procura, balizar

um campo de investigação e. buscar uma validação metodológica e

conceptual também nesse sentido.

Há, portanto, um conjunto de linhas de investigação a.aprofiindar,

no sentido de perceber melhor como interagiam os discursos pedagógicos

com as práticas disciplinares nos territórios educativos preenchidos pela

criança totalmente governada por uma instituição tutelar, ou com regime

semelhante. Um desses rumos passa pela Casa Pia de Lisboa, uma

instituição que foi pioneira na modernidade disaplinar e pedagógica dos.

seus regimes de práticas, tendo ultrapassado já os 200 anos de existência e

visto, a luz de quatro séculos diferentes. As metamorfoses que sofreu

reflectem bem a vontade de adaptação às alterações sodais.. que

testemunhou, assim como constituem um objecto merecedor de uma

análise mais detalhada que deverá ser, pela exigência da sua dimensão,

melhor abordada e em momento mais adequado.

Este trajecto pelas instituições que pretenderam transformar

coercivamente a criança, transporta-nos a um universo .educativo, tantas

vezes esquecido no meio da proficuidade discursiva da pedagogia

contemporânea e da divergência política, campos esses quase

exclusivamente preenchidos pelas questões em tomo da. universalidade da

“escola de massas” e da sua. eficácia social. No entanto, se essa menor

atenção do interesse, pedagógico. se deve talvez ao diminuto universo

abrangido, por. algum tipo., de educação correctiva, ..já é. menos

compreensível o afastamento do tipo de regimentalidade a que esses alunos

são constrangidos e dos processos educativos de submissão absoluta, para

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que se opere neles uma profunda alteração do eu, capaz de lhes incutir uma

capacidade de se autogovernarem e integrarem, da forma mais pacífica e

produtiva, numa sociedade moralmente “normalizada”. É nesse sentido

que a Escolà assume também uma função terapêutica, ao procurar agir

precocemente sobre a integração social dos menores

As sucessivas revelações públicas de abusos cometidos sobre

internos, surgidas-um pouco de todos os lados, desde os anos de 1970

sobre um internato para aculturação de índios no : Canadá até às mais

recentes sobre a Casa Pia, para não falar das instituições religiosas, vieram

validar socialmente a maior atenção que as circunstâncias do quotidiano

dessas crianças devem merecer, não só do ponto de vista dos seus direitos

sociais mas, principalmente, no uso escolar dos artefactos tutelares

caucionados pelo discurso pedagógico e integrantes dos regimes educativos

que lhes são aplicados. São consequências favorecidas por sistemas pouco

centrados no objecto da sua existência, os menores que ficam dependentes

de sistemas institucionais predominantemente administrativos e

descaracterizados do ponto de vista afectivo sendo, pela natureza do seu

fechamento, pouco acessíveis a um controlo extemo que não se limite à

consistência burocrática.

Esta'espécie de consciência tardia veio criar uma necessidade de

rever as condições em que são albergados e educados os menores sob

tutela institucional e, sobremaneira, compreender os regimes disciplinares

em que a sua educação deve decorrer. A questão da disciplina não se refere

ao comportamento dos aliinos — com o qual muitas vezes é confundida —,

mas ã toda a panóplia de práticas dirigidas ao arranjo das pessoas, dentro da

organização, enquanto- expressão do enquadramento de uma entidade

pedagógica.

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Se as ordens religiosas foram durante séculos detentoras dos rigores

e mestria disciplinar, com a secularização gradual de instituições sociais, as

disciplinas de índole militar foram substituindo as pontuações monásticas.

A regulação das práticas de regime procuraram ser inicialmente

uma expressão do discurso pedagógico, um espaço que a partir da

segunda metade do século XIX se foi repartindo entre o discurso médico e

o jurídico. Ao infiltrarem um campo discursivo predominantemente

pedagógico, a ciência médica e a norma jurídica continuaram a manter

como referente os próprios enunciados da pedagogia, mas passavam a

espartilhá-los por uma ratificação científica e quantificada -dos-ideais

filosóficos da razão pedagógica. Esta relação conduzia, por sua vez, a que

o discurso pedagógico sofresse ajustamentos impulsionados pelos

contributos do discurso científico. Nada pode ilustrar melhor a

concepção foucaultiana de poder que esta constante perturbação de

entropia, cujo movimento alguns autores como Baker (2001) ilustram

com uma metáfora de movimento perpétuo ou dança, ou como Ó (2003)

quando se refere a um “tango”, uma acção que não é isolada e onde um

avança e outro recua mas deslocando-se ambos para a mesma direcção

indeterminada, num movimento constante em que -se houvesse .uma

ruptura a eficácia produzida pela consonância se apagaria. Nietzsche

referiu-se a essa progressão do poder, tal como Foucault, como. não

tendo uma orientação ou. um centro de emanação, algo onde “a forma é

fluida, o «sentido» é-o ainda mais...” (Nietzsche 2000 [1887]: 87).- ■

No virar do século XIX para o XX, com a crescente afirmação do

positivismo e da psicologia científica, os requisitos técnicos para o

desempenho funcional nas instituições, correccionais tomaram-se mais

exigentes, contrastando com a formação incipiente dos que tinham a seu

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cargo aplicar novos modelos de relacionamento pedagógico, bem como a

aplicação de práticas científicas novas que procuravam expandir-se e

generalizar-se. Esta dissonância entre a lex e nprax is produzia um abismo

quase paradoxal entre a retórica política e a realidade vivida no seio das

instituições.

Pode-se imaginar, que os regimes disciplinares produzem os seus

efeitos através da relação pedagógica em dois planos: um, de tipo gerendal

e tendendalmente mais objectivo na sua acção, exerce-se essencialmente

sobre os corpos e a forma de os agregar e sincronizar, outro, de índole

moral e subjectivo, agindo sobre os valores e a sobre a forma como nos

percebemos e relacionamos com nós próprios e com os outros. Numa

dimensão de economia política de governo dos alunos, a articulação física

dos seus corpos permite a sua presença — embora nem sempre a sua

disponibilidade para o exercício de uma relação pedagógica; na dimensão

moral, as práticas disciplinares estão orientadas para uma orientação

pessoal no sentido dos valores colectivos. Ambas, conjugadas pelos

auspícios da pedagogia, orientam os menores no sentido das articulações

sociais com os outros e das suas escolhas morais para a interacção consigo

próprio e com o colectivo em que deverá participar de uma forma activa e

útil. ■

Se em cada um desses planos procurar-mos particularizar alguns

exercícios, num, pode-se descortinar uma objectividade estrutural e

fúndonalista em tomo da repartição do tempo e do espaço, na forma de

agregar os indivíduos e de racionalizar a disponibilização dos seus corpos e

gestos para determinado fim de ordem gerendal. São exemplo os horários,

a indumentária, a maneira de assodar os alunos, a distribuição dos tempos

livres, as refdções oü a margem de disporem de si que a instituição lhes

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concede. Não se nega que hajam aqui efeitos de subjectivação, mas sim

que, axialmente, são actividades que tendem para o extremo mais

objectivo. Já num plano' mais subjectivo e menos evidente, a acção

disciplinar está intimamente ligada'à prática do exame, ao discurso dos

valores, à relação com o sentimento de dever e à culpa e gravidade do

gesto, sendo aferida por regulamentos e princípios não escritos mas

previamente inculcados. É uma variável disciplinar que impulsiona a

descoberta dentro-de cada um dos defeitos que possa emendar em si, uma

prática confessional a que as técnicas “psi” conferiram um grande

incremento ao longo, do século XX, favorecendo a edificação de uma

almejada “disciplina que vem de dentro”, herdada de finais do século XIX,

permitindo assim a transição da ênfase na penitência para a culpa. Do

castigo que punia passou-se à cura e depois à autocura: a emenda pelo

“cuidado de si” que permite que os sujeitos se auto governem.

Esses enunciados e modalidades regimentais, extremados na

procura de corrigir socialmente crianças ingovemadas, ou seja, que não

estavam submissas à soberania educativa e sociabilizadora de uma família ̂

de um patronato ou instituto, são mecanismos que perduram e se

encontram transversalmente presentes nos sistemas educativos

contemporâneos através das práticas de relacionamento pedagógico. Nas

instituições • correccionais, solicitava-se aos menores que,

simultaneamente, representassem o papel de alunos, aprendizes de um

ofício, trabalhadores,-por vezes militares, elementos de um corpo social

de pares que os obrigava aos deveres de pertença,. produtores,

consumidores, etc., tudo como hipoteca do seu futuro.

O internato educativo, particularmente a visão do seu potencial

correctivo, que conheceu grande popularidade durante quase.um século,

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começou em declínio na segunda metade do século XX, tomando-se uma

modalidade menos credível e algo dissonante dos valores sociais

contemporâneos.

Actualmente, os discursos pedagógicos podem estar cada vez mais

moderados e inócuos e as práticas disciplinares mais brandas e

esterilizadas, rejeitando abertamente o contacto corporal, mas isso não

significa a sua ausência pois as mesmas necessidades de construção dos

sujeitos e o mesmo tipo de problemas ditados pela necessidade de

promover uma integração social pacífica de todos manter-se-ão enquanto

continuar o mesmo tipo de paradigma educativo da “escola de massas”,

ditado pela necessidade de construir e governar populações escolares cada

vez mais vastas.

Algures e em algum tempo das nossas vidas, um subsistema social

govemamentalizado vai reclamar a nossa “passagem” e exigir uma

prestação de cada um de nós. Com o desaparecimento gradual da

obrigatoriedade universal de cumprimento do serviço militar, com a

dispersão das práticas religiosas e da descentralização e pulverização dos

cuidados de saúde, a equidistância politicamente ponderada entre a

administração da justiça e o risco, o fim do Estado providência, as

alterações demográficas e os cambiantes da família como célula social,

entre tantas outras mudanças sociais ocorridas na segunda metade do

século XX, alterando os papéis institucionais de sociabilização e

construção social da criança, resta ao Estado modemo pouco mais que a

disponibilidade regimental de um aparelho disciplinar centralizado e

universal que continua a consolidar-se e a expandir-se: a Escola.

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FONTES DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS

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