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A EPOPIA IGNORADA

A EPOPIA IGNORADA

(A Pessoa Deficiente na Histria do Mundo de Ontem e de Hoje)

Autor: Otto Marques da Silva

Editada pelo CEDAS -1987

Copyright de Otto Marques da Silva

Direitos reservados do

CEDAS--Centro So Camilo de Desenvolvimento em Administrao da Sade

Rua Baro do Bananal, 1111 --05024--So Paulo--SP.

Capa de Jlio Braga

Estela egpcia da XIX Dinastia: o porteiro de nome Roma faz oferendas Deusa Astarte Sria (acervo da Glyptotek Ny Carlsberg--Copenhague, Dinamarca).

Dados Catalogrficos

SILVA, Otto Marques da

A EPOPIA IGNORADA--A Pessoa Deficiente na Histria do Mundo de Ontem e de Hoje

So Paulo--CEDAS, 1987.

470 pginas - 2 partes - 5 anexos - 17 ilustraes

Relaes bibliogrficas

Contedo:

I Parte-- Deficincias e pessoas deficientes nos seguintes Perodos ou pocas: Pr-Histria, Histria Antiga (Egpcios, Hebreus, Gregos e Romanos), Advento do Cristianismo, Imprio Bizantino, Idade Mdia, Histria Moderna e Histria Contempornea (At 1981, Ano Internacional das Pessoas Deficientes).

II Parte-- Causas da marginalizao das pessoas portadoras de deficincias, o significado da integrao social, a questo da adequao da adequao pessoal como objetivo ltimo da reabilitao, o preparo para a vida de trabalho, as equipes de reabilitao, a avaliao e o controle das atividades dos centros e programas de reabilitao.

Para Nely

Ana Maria

Otto, Filho

Jos Gustavo

pela fora que sempre me transmitem.

Para Jary Maria

Pela enorme lio de vida

("in memoriam")

NDICE

A Orao da Pessoa Deficiente...

Apresentao...

Introduo...

PRIMEIRA PARTE

A POSIO DAS PESSOAS DEFICIENTES NAS SOCIEDADES DE ONTEM E DE HOJE

Captulo Primeiro

A Pessoa Deficiente no Mundo Primitivo...

O homem neoltico no Brasil de hoje - As primeiras civilizaes do mundo...

1. O Alvorecer da Humanidade...

Os males incapacitantes de sempre - O ambiente fsico - Os desafios para a vida do homem primitivo. O cuidado para com doentes e a incipiente medicina - As fraturas na Pr-Histria - O que nos ensinam os ossos pr-histricos -- Freqncia do reumatismo -- A origem dos males que afetavam os homens - O tratamento primitivo e as deficincias O destino das pessoas deficientes na Pr-Histria.

2. Culturas Mesolticas e Neolticas mais Recentes...

O porqu das atitudes face a grupos minoritrios Atitudes de aceitao, apoio e assimilao - Causas das atitudes de abandono, segregao ou destruio - O extermnio de pessoas deficientes - A pessoa deficiente como objeto de ridculo - O povo inca e as trepanaes cranianas. As deficincias fsicas h mais de 20 sculos na Califrnia.

Captulo Segundo

A Pessoa Deficiente dentro das Culturas Antigas...

1. Os Egpcios e seus Vizinhos...

A ateno mdica no Egito Antigo - A medicina egpcia e os males incapacitantes - Os famosos papiros e os problemas de deficincias As deficincias fsicas no Antigo Egito - Os males que levavam a deficincias fsicas - Casos concretos de leses incapacitantes - A incidncia de fraturas e outros problemas - Os anes na vida e na arte egpcias - Uma estela votiva dedicada deusa Astarte da Sria por um porteiro - As especialidades mdicas e o problema das deficincias no Egito - Conceitos da medicina egpcia na Odissia de Homero - Anisis, fara cego da IV Dinastia: sculo XXV a.C. - A deficincia visual na mitologia egpcia - Um coral de homens cegos para Amenhotep IV - As penas mutiladoras no Egito Antigo - Mdico egpcio especializado em males da viso na corte de reis persas - Gaumata, um famoso mago de orelhas amputadas - Zpiro: tudo pela vitria de Dario I em Babilnia - A Escola de Anatomia da cidade de Alexandria: sculo IV a.C. - Os egpcios sob os olhos crticos de um Imperador romano.

2. O Hebreus...

No: a primeira pessoa com deficincia? -- As deficincias fsicas entre os hebreus -- A cegueira de Isaac por 80 anos - Moiss e suas srias dificuldades em falar com clareza -As leis criadas no deserto do Sinai O Cdigo de Hamurabi: severidade vizinha dos hebreus - Sedecias, rei de Jud: cego por Nabucodonosor - O preo da paz: um olho de cada habitante - Mais normas e o papel do mdico - As causas das deficincias entre os hebreus - A medicina dos hebreus - Tobias fica cego e recupera a viso: caso de leucoma? - Os cegos na cultura hebria antiga - Zacarias castigado por no ter acreditado em Gabriel - As pessoas deficientes nos Evangelhos - Os milagres de Jesus e as pessoas deficientes - A cegueira de So Paulo, Apstolo.

3. Os Gregos...

As deficincias na mitologia grega - Lenda e realidade: Hefesto na vida dos gregos - Outros seres mitolgicos e as deficincias fsicas e sensoriais - As deficincias fsicas na realidade da vida militar grega As principais causas de deficincias na Grcia Antiga - Tirteu, poeta lrico com deficincia fsica - As leis que favoreciam as pessoas deficientes - A medicina grega e as deficincias fsicas - A medicina de Hipcrates e as deficincias - Hipcrates e suas idias quanto epilepsia Adaptaes para prevenir deformaes em crianas - Cludio Galeno e sua importncia - Demcrito e Homero: homens cegos e muito famosos - Demstenes e seus pouco conhecidos problemas - Pessoas deficientes trabalhando citadas em obras gregas - Creso, o mais feliz dos homens A importncia dos orculos e adivinhos na vida grega - A histria de um adivinho famoso que era cego - As prteses de Hegesstrato, adivinho grego - Peste Ateniense: o terror generalizado A ateno a soldados feridos ou doentes: Anbase, de Xenofonte - Homens com srias luxaes nas pernas: sapateiros, ferreiros, seleiros - Alexandre, o Grande: sua ateno a soldados com deficincia - Asclepia de Epidauros: seu significado para pessoas deficientes - As famosas instalaes de Epidauros - O sistema de funcionamento de Epidauros - Pluto, deus da riqueza, curado por Asclpios - Os testemunhos das muitas curas - "Apothetai" do monte Taygetos, em Esparta - Como era o ambiente de Esparta - Outras formas de eliminar crianas defeituosas na Grcia Antiga - A histria de Labda, me de um rei de Corinto - Os costumes em Atenas face a deficincias fsicas O legado da Grcia Antiga.

4. Os Romanos...

O problema da forma humana no direito e nos costumes de Roma - O destino das crianas deficientes em Roma -- O deus da medicina: Esculpio--Horcio Cocles, um heri com deficincias--pio Cludio, Censor: sculo IV a.C - Amputao como penalidade nas legies romanas--Caio Jlio Csar: atitudes face a seus males--Ferimentos graves e deficincias fsicas em batalhas -- Cludio I, um imperador bastante controvertido -- Galba, imperador romano com diversas deficincias - Othon, um imperador nascido com malformaes - Vitlio, imperador romano por oito meses--Os milagres de Vespasiano - As deficincias citadas por Plnio, em sua "Histria Natural" -As automutilaes para dispensa do servio militar--Males incapacitantes e solues paliativas - O problema da surdez na opinio de Ccero--Deficincias mltiplas e morte - A medicina grega e sua infiltrao no Imprio Romano - Mdicos romanos famosos e os males incapacitantes - Os servios mdicos e os hospitais militares romanos - As "valetudinaria" descobertas em estudos arqueolgicos - Os auxiliares de mdicos nas legies romanas O sistema hospitalar romano - O ensino da medicina no Imprio Romano Categorias de mdicos em Roma - Implantao de servios de assistncia mdica - A higiene e os banhos pblicosAs pessoas deficientes nas artes romanas - Valores espirituais em pessoas deficientes.

Captulo Terceiro

O Cristianismo, o Imprio Bizantino e a Idade Mdia face as Pessoas Deficientes ...

1. O Advento do Cristianismo ...

As perseguies aos cristos nos primeiros sculos - Stimo Severo, o sbio e firme imperador - "Praecepta Medica" e os males incapacitantes - Galrio, imperador que morre com deficincia sriaMutilaes em cristos: a Lngua de So Romo - Alteraes substanciais provocadas pelo Cristianismo -- Um bispo com deficincia: Castigo de Deus? -

Ddimo, telogo cego: Diretor da Escola de Alexandria -- Os primeiros hospitais cristos e as pessoas deficientes - Fabola e Pammachius associados num hospital de caridade - A hospitalidade crist e o papel dos bispos - Notcias de organizaes para pessoas deficientes - A questo das deficincias fsicas em sacerdotes cristos - Papel dos mosteiros na assistncia aos miserveis.

2. O Imprio Bizantino e as Deficincias...

Constantinopla, o "Reino de Deus na Terra" - A pompa e a circunstncia na corte bizantina - As grandes e poderosas famlias do Imprio - A misria na capital bizantina e as pessoas deficientes - As doenas e as deficincias fsicas e sensoriais - Os miserveis no "Reino de Deus" - As organizaes assistenciais de Constantinopla - O imperador Justiniano e as pessoas enfermas e deficientes - O desenvolvimento da medicina e dos hospitais - A mutilao nas leis bizantinas - Perodos principais do Direito Penal Bizantino - A moderao nas penalidades impostas no tempo de Justiniano - As "Novas Constituies" de Leo III: "leis mais crists" - A defesa de um direito dos cegos: fazer testamento - Penalidade prevista para o vazamento dos olhos de outrem - Crime de rapto e sua condenao nos tempos de Leo III - General Belisrio: lenda e realidade de sua carreira - Notcia sobre uma prtese no sculo IV -- Abrigos para cegos e outros refgios para doentes e deficientes - Assistncia a soldados a partir do sculo VI - Os primeiros hospitais da Terra Santa e de Bagd - Castigos brbaros levam a deficincias no Imprio Bizantino - A Imperatriz Irene e sua luta para conquista do trono - Os primeiros castigos contra conspiradores dentro da famlia - Punies severas continuam na corte bizantina - A selvageria de uma imperatriz na defesa de seu trono - Mutilao documentada em pintura do sculo IX -- Barbries que levaram a deficincias fsicas - Constantino VIII: "a violncia dos fracos e dos poltres" - Miguel V: imperador bizantino por apenas 132 dias -Constantino IX, Monmaco: limitaes fsicas muito srias -- Romano IV, Digenes: presa de um soldado com deficincias - Enrico Dandolo: "doge" veneziano cego - Isaac II, Angelus: olhos vazados, volta a ser imperador - Outros eventos que levaram a deficincias fsicas e sensoriais - Ato friamente planejado instala a Dinastia dos Palelogus -- O dilema de Joo V, Palelogus (1319 a 1389).

3. As Pessoas Deficientes na Idade Mdia...

A criao de hospitais e abrigos para pobres - Um santo cego na histria da Bretanha do sculo VI - Santo Egdio, padroeiro dos deficientes - Assistncia aos pobres pela Igreja - A mutilao como castigo no sculo VII - O milagre de fazer um mudo falar Amputaes como penalidade por crimes cometidos - A evidncia de dupla amputao: sculo VII - Os hospitais criados pela Igreja na Europa - A profisso de massagista no Japo do sculo IX - Bispo Hincmar, vtima da crueldade de seus algozes - Deficincia fsica na mitologia germnica - As deficincias em sacerdotes cristos na Idade Mdia - Luiz III, o "Cego",

rei da Provena e da Itlia - Deficientes fsicos impedidos de participar da Primeira Cruzada - Barbeiros-cirurgies na Idade Mdia - A evoluo dos hospitais medievais e as eficincias - O estigma da hansenase durante toda a Idade Mdia - Ricardo Corao-de-Leo e sua vingana - Hospitais proliferam no Oriente Prximo: sculo XIII - Os progressos da medicina at o sculo XIV - Epidemias na Idade Mdia e suas conseqncias: "Castigo de Deus"? - A medicina qualificada e a falta de assistncia geral - As solues populares e as crendices - O destino das pessoas deficientes na Idade Mdia - O significado das eficincias na Idade Mdia - Os privilgios para cegos durante a Idade Mdia - Dois heris histricos com deficincias nos sculos XIII e XIV Os hospitais face s pessoas deficientes nos sculos XIV e XV.

Captulo Quarto

A Pessoa Deficiente do Renascimento at o Sculo XIX ...

O problema dos hospitais e abrigos ao incio da Renascena - Os problemas dos deficientes auditivos no sculo XVI - A pintura renascentista e as pessoas com deficincias - Ambroise Par: os primeiros passos da futura "ortopedia" - Antonio de Cabezn: compositor cego Goetz von Berlichingen, o "Mo de Ferro" - O problema da mendicncia organizada nos sculos XVI e XVII - A grande malha organizacional dos miserveis na Frana - O problema da mendicncia organizada em outros pases - Deficientes mentais no sculo XVI: entidades no-humanas - A "Lei dos Pobres" e as pessoas deficientes na Inglaterra O atendimento s crianas deficientes na Inglaterra: sculo XVI O "Grand Bureau des Pauvres" da Frana Classificao de indigentes na Frana no sculo XVI Luiz de Cames, o poeta pico portugus por excelncia - Pintor mudo decora El Escorial, na Espanha Continua a epopia dos hospitais nos sculos XVI e XVII - Galileo Galilei, matemtico, astrnomo e fsico - O contnuo problema dos soldados mutilados - Os trabalhos com os deficientes auditivos no sculo XVII - Johannes Kepler, astrnomo alemo - Padre Lejeune, maior pregador do sculo XVII - Novas formas de utilizar os hospitais - As deficincias fsicas em peas de Shakespeare - A superao de deficincias no sculo XVII: um exemplo - John Milton: o significado de sua cegueira - So Vicente de Paulo: suas obras face s tendncias do sculo XVII - A "Velha Lei dos Pobres" da Inglaterra - O nascer da ortopedia como especialidade -- Quatro cegos brilhantes: Sauderson, Metcalf, Euler e Blacklock - Alexandre Pope: um poeta com deficincias fsicas - A reformulao hospitalar inglesa - A "Ortopedia" de Nicholas Andry - Maria Tereza von Paradis: pianista e compositora cega - A assistncia aos cegos: final do sculo XVIII - Valentin Hay, "Pai e Apstolo dos Cegos" -- Educao dos deficientes auditivos no sculo XVIII - Os primeiros sinais de assistncia nas Amricas - O desencontro de atitudes na Europa - Inovaes nas "Leis dos Pobres" - Bloqueios ao sacerdcio para pessoas deficientes - Hospitais pblicos na Frana: final do sculo XVIII -- Progressos no campo do atendimento cegueira: sculo XIX - Ludwig van Beethoven: a trgica surdez -Nelson, heri da Marinha Britnica - Os progressos nos Estados Unidos da Amrica do Norte - Os sinais de melhor compreenso dos problemas dos deficientes - Uma iniciativa de Napoleo Bonaparte - Madre Agostinha, fundadora das Irms Irlandesas da Caridade - Lord Byron, poeta e satirista ingls - Antnio Feliciano de Castilho, um dos maiores literatos portugueses - Outros cegos do sculo XIX que ficaram famosos - A ortopedia do sculo XIX e as deficincias fsicas - Atendimento mais especializado aos cegos - A pessoa deficiente vista com potencial para o trabalho - O problema dos surdos e dos surdos-mudos e suas solues Proteo ao acidentado de trabalho por legislao recente A modernizao da cirurgia ortopdica e as pessoas deficientes - Reabilitao desabrocha num Centro de Atendimento, em Cleveland - Helen Keller, cega, surda e muda: um marco indelvel.

Captulo Quinto

A Pessoa Deficiente no Brasil Colonial e Imperial...

Os primeiros hospitais do Brasil Colonial - Anchieta e seu exemplo de assistncia aos doentes -- Males incapacitantes nos primeiros anos de Brasil -- Cegueira noturna no Brasil dos sculos XVI e XVII -- Os problemas mdicos nos sculos XVI e XVII no Brasil --Mdico com deficincia fsica na Histria de Pernambuco - O problema das paralisias no

Brasil do sculo XVII -- A medicina do sculo XVIII entre ns Males limitadores que afetavam muito os negros escravos - Deficincias fsicas e sensoriais entre nossos ndios --Antnio Francisco Lisboa, o "Aleijadinho" -- Uma primeira tentativa em projeto de lei: ajuda a cegos e aos surdos -- O problema das amputaes do sculo XVI ao XIX A influncia europia no Brasil -- Organizaes para pessoas deficientes criadas por Dom Pedro II.

Captulo Sexto

O Sculo XX e os Caminhos da Reabilitao no Mundo...

O panorama europeu da assistncia a deficientes no incio do sculo--EUA: um primeiro congresso mundial de deficientes auditivos--A gradativa implantao da reabilitao--As tentativas iniciais para a soluo do problema de trabalho--Implantao de servios de naturezas diversas--Os esforos de ps-guerra--Surge a "Easter Seal Society" - O Cdigo de Direito Cannico e os bloqueios a homens deficientes--Reconhecimento das verdadeiras necessidades das pessoas deficientesA previdncia social e os acidentes de trabalho--A reabilitao de jovens veteranos da Marinha e do Exrcito--A retrao dos anos trinta e as pessoas deficientes nos EUA--A influncia da Segunda Guerra Mundial na reabilitao -- A criao de sociedades internacionais privadas - O envolvimento das organizaes intergovernamentais -- Centros de demonstrao de tcnicas de reabilitao--O Instituto de Reabilitao: vida e morte--A evoluo mais recente da reabilitao.

Captulo Stimo

1981--Ano Internacional das Pessoas Deficientes...

As declaraes de direitos e sua importncia --O significado de um "Ano Internacional" -- O Ano Internacional das Pessoas Deficientes: trabalhos iniciais -- O contedo bsico das idias consensuais para um plano de ao mundial - As recomendaes para atividades a nvel nacional -- O Ano Internacional das Pessoas Deficientes a nvel de Brasil -- A Comisso do Estado de So Paulo e seu relatrio - As propostas para ao em So Paulo -- As realizaes da Secretaria Executiva da Comisso Estadual -- Dois Encontros Regionais discutem as propostas da Comisso Estadual--Conscientizao: a meta para 1981 --O apagar das luzes para o Ano Internacional -- Recomendaes finais de todas as Comisses: um desafio para o futuro.

Bibliografia da Primeira Parte...

SEGUNDA PARTE

A INTEGRAO DAS PESSOAS DEFICIENTES NA SOCIEDADE -- O DESAFIO DE NOSSOS DIAS

Introduo ...

Captulo Primeiro

As Causas da Marginalidade das Pessoas Deficientes ...

Normal ou anormal: Eis o problema -- As "diferenas" assimilveis ou inaceitveis -- A questo em termos de Brasil -- A visibilidade da deficincia -- O problema do "comum" e do "normal" -- A grande variedade de condies marginalizantes -- Como classificar as condies marginalizantes (desvios intelectuais, desvios motores, desvios sensoriais, desvios funcionais, desvios orgnicos, desvios de personalidade, desvios sociais e problemas de idade avanada) - Outras condies que levam marginalidade--Deficincia e incapacidade: distino importante.

Captulo Segundo

O Significado da Integrao Social das Pessoas Deficientes...

A complexidade do desafio--A integrao social e seus "porqus" (O elevado nmero de pessoas consideradas como "deficientes", o valor prprio do ser humano, o valor econmico da mo-de-obra no utilizada)--Os princpios bsicos da reabilitao -- O despreparo nos programas reabilitacionais -- A complexidade do trabalho de equipe em reabilitao--Os programas necessrios em nosso meio.

Captulo Terceiro

Adequao Pessoal -- O Objetivo ltimo da Reabilitao ...

Impedimento, deficincia e incapacidade -- Programas de reabilitao global -- Condicionamento fsico em reabilitao -- O ajustamento psico-social no processo de reabilitao -- Ajustamento vida de trabalho --Hbitos, atitudes e comportamentos--A adequao pessoal e seu significado -- Adequao pessoal-fator decisrio na integrao social -- Anexo I (Indicativo para Identificao de Comportamentos) -- Anexo II (Lista de Comportamentos ou Hbitos Inadequados).

Captulo Quarto

Preparo para a Vida de Trabalho

Aconselhamento para a vida de trabalho (Caractersticas pessoais, experincia educacional e profissional, aptides e potencialidades, interesses, capacidade fsica, capacidade mental) -- Avaliao e ajustamento ao trabalho (potencial do indivduo para o trabalho, significado para o indivduo, o processo de ajustamento vida de trabalho, a importncia dos instrumentais de avaliao) -- O treinamento profissional em programas de reabilitao--Colocao em emprego--Anexo I (Relatrio de Aconselhamento em Reabilitao-instrumental) -- Anexo II (Relatrio de Avaliao Inicial-instrumental)--Anexo III (Relatrio Evolutivo do Caso-instrumental).

Captulo Quinto

Equipes de Reabilitao nos Programas de Hoje ...

trabalho de equipe em reabilitao--As garantias para um verdadeiro trabalho de equipe --A liderana de uma equipe de reabilitao--A ausncia da coordenao formal de uma equipe -- As dificuldades principais em coordenar uma equipe--Problemas tpicos encontrados num trabalho de equipe (falta de confiana e respeito mtuos, excesso de importncia prpria atuao, desconhecimento das demais profisses, falta de atitudes de cooperao sistemtica, comportamentos inadequados numa equipe, falta de experincia em trabalho de equipe, estilo inadequado de relatrio, metodologia de cooperao quase inexistente, jogos de prestgio e de poder e seus malefcios, ausncia de uma boa poltica de pessoal)--A necessidade de tratamento global do cliente --Superposio de atividades em equipes de reabilitao -- O trabalho de equipe: perspectivas.

Captulo Sexto

A Avaliao e o Controle nos Programas de Reabilitao...

Os profissionais envolvidos em reabilitao--A falta de especializao e suas conseqncias--Mtodos de avaliao em centros de reabilitao- Modelos de avaliao--Sistemas de avaliao (O pblico em geral, o "pblico" financiador, o "pblico" clientela, o "pblico" das famlias da clientela, o "pblico" das entidades) - Conseqncias de uma avaliao (deciso poltica, deciso estratgica, deciso ttica) Controle num centro de reabilitao--Sistemas de controle utilizveis em centros de reabilitao--Caractersticas do sistema de controle.

Bibliografia da Segunda Parte...

NDICE DE ILUSTRAES

Porteiro egpcio com deficincia fsica ...

Harpista cego no Antigo Egito ...

Soberano assrio cegando prisioneiros de guerra...

Paraltico de Cafarnaum apresentado a Jesus.................

Ulisses consultando o cego adivinho Tirsias........

Mosaico de Lescar (Frana)--Homem com deficincia fsica . . .

Coluna de Trajano--Atendimento a feridos em batalha ....

Exorcismo de um catecmeno com deficincias fsicas .....

Castigo na Idade Mdia: amputao de mo ..........

Negociaes com cruzados--Ancio com muletas........

Hanseniano e deficiente fsico impedidos de entrar em cidade . .

Meios de locomoo e transporte de pessoas com deficincias . .

O transporte de pessoas deficientes no sculo XVI ..........

A mo artificial do pequeno Lorenense ..........

Cegos, deficiente fsico e um dos famosos "Sabouleux" . .

Mendigos com deficincias no perodo ps-Renascena.

Restos da batalha de Lens - soldados com deficincias. . .

Deficiente fsico vindo da Guerra do Paraguai .....

A ORAO DA PESSOA DEFICIENTE

Pedi a Deus foras para poder realizar muitas coisas

E fui feito fraco para poder aprender humildemente a obedecer;

Pedi-lhe ajuda para que eu pudesse fazer coisas grandiosas

E foi-me dada a enfermidade para que eu pudesse fazer coisas melhores;

Pedi riquezas e bens para que eu pudesse ser feliz,

Foi-me dada a pobreza para eu poder ser sbio;

Pedi poderes a fim de receber a admirao dos homens,

Foi-me dada a fraqueza para eu poder sentir a necessidade de Deus;

Pedi-lhe tudo o que fosse necessrio para eu gozar a vida

E foi-me dada a vida, para eu poder gozar de todas as coisas.

Eu no obtive nada do que havia pedido,

Mas recebi tudo o que eu havia almejado.

A despeito de mim mesmo quase,

Minhas silenciosas preces foram atendidas.

E dentre todos os homens

Sou o mais ricamente abenoado!...

(Autor desconhecido - Texto divulgado pelo Institute of Rehabilitation Medicine da New York University e pela Abilities, Inc. de Albertson - Long Island-NY EUA)

APRESENTAO

Para reforar a credibilidade em torno do que dizem, certos catedrticos costumam se apresentar dizendo que tm tantos anos de ctedra, de cadeira. Se isto ajuda na apresentao de "A EPOPIA IGNORADA", direi que tenho quase vinte anos de . . . cadeira de roda! Direi tambm que este o livro que gostaria de ter lido logo no incio de minha pequena epopia. Quantas dificuldades teria superado com menos lgrimas e decepes no tantas! E quantas palavras teriam poupado comigo alguns mdicos, psiclogos e fisioterapeutas, se tambm eles tivessem lido obras como esta! Mas obras como esta, to completa, humana, formativa e informativa sobre certas deficincias que acompanham a Humanidade desde seu bero, no existiam . . . at agora ( por isto, talvez, que existem tantos deficientes, fsicos e sensoriais, incapazes de conviver mais naturalmente com suas deficincias). Mas agora chega Otto Marques da Silva com a Histria na mo. E a Histria mestra. (Aqui ela ensina que, se duro constatar que perante a paraplegia, por exemplo, a medicina tradicional ainda aprendiz, ensina tambm - e com muito jeito e humanismo - a evitar decepes e conviver dignamente com tais deficincias). Otto nos leva pela mo atravs da Histria da Humanidade e nos faz conhecer gente que, sem condies fsicas, fizeram captulos importantes da Histria. Competncia para isso o Otto tem: formado pela Universidade Catlica de So Paulo e pela Universidade de New York na rea de Servio Social e de Reabilitao, contratado pela Organizao das Naes Unidas como especialista nesses assuntos, trabalhou em colaborao com programas de 29 pases na implantao de projetos para a reabilitao profissional de pessoas deficientes.

Atualmente Otto Diretor executivo da SORRI-SO PAULO (Sociedade para a Reabilitao e Reintegrao do Incapacitado: "uma experincia que deu certo").

J que me coube a honra de apresentar "A EPOPIA IGNORADA", aproveito a oportunidade para convidar meus colegas deficientes fsicos e, sobretudo, os profissionais ligados sade, a tornarem menos ignorada esta grande epopia que a reabilitao e reintegrao da pessoa sociedade. E meus agradecimentos a voc, Otto,

por este importante trabalho, e Unio Social Camiliana por t-lo editado.

INTRODUO

Uma boa porcentagem de nossa populao ficou muito surpresa com dados divulgados por todos os meios de comunicao ao final de 1980 quanto ao universo das pessoas que viviam as conseqncias de males incapacitantes, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Esse esforo de divulgao aconteceu devido aos preparativos para 1981, o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. At ento muito pouca divulgao tinha ocorrido quanto verdadeira extenso de problemas dessa natureza e de repente atirava-se populao uma assustadora porcentagem: 10% de nossa populao tm deficincias!

Enquanto muitos espantavam-se com o incrvel volume de pessoas envolvidas na questo de deficincias fsicas, sensoriais, orgnicas e mentais, os cticos, que esto sempre muito desconfiados de porcentagens mal calculadas e por vezes improvisadas para assustar os incautos, no chegaram a se impressionar. Comentavam eles, que se essas estimativas mal fundamentadas fossem rigorosamente levadas a srio, nem 10% de nossa populao estaria livre de problemas graves ou de estigmas, tais como alcoolismo, abuso de drogas, prostituio, deficincia mental, psicopatia, neurose, tuberculose, tenso grave, cegueira, surdez, reumatismo, cncer, tantas so as porcentagens alegadas.

Pode bem ser verdade que no temos 10% de nossa populao com deficincia certamente que poderemos ter mais ou ter menos! No h dados oficiais a respeito, no sendo possvel contestar ou confirmar. A preciso da cifra, que no passa de uma estimativa internacional para dar o toque inicial a uma campanha de conscientizao, no tem muita relevncia, na verdade. O que importa que todos fiquemos muito cnscios das dificuldades sentidas pelas pessoas que no tm a capacidade mxima de uso do seu corpo ou de sua inteligncia, ao tentar seu pequeno lugar ao sol. E mais ainda, fundamental que todos saibamos que um bom volume de providncias para eliminao das desvantagens que elas sentem depende do envolvimento de cada um, individualmente, e no apenas de figuras abstratas e impessoais de "entidades" ou do "governo".

Na verdade, essas estimativas mundiais,que foram divulgadas por documentos formais da ONU e de suas Agncias Especializadas, tm alertado muita gente para a existncia de um certo percentual de pessoas que so marginalizadas injustamente devido a problemas fsicos ou mentais, todas elas detentoras de seus direitos fundamentais como seres humanos que so.

Todos aqueles que sentem na prpria carne essa rejeio e que tem parentes ou amigos nessa situao, abismam-se com a lentido incrvel de reao da sociedade como um todo em aceitar sua parcela de responsabilidade na soluo desses problemas, sem atinar com as causas dessa espcie de imobilismo. Alega-se sempre falta de informaes oficiais, falta de um posicionamento poltico, falta de condies para o estabelecimento de prioridades por parte dos rgos do governo. E justifica-se a falta de um envolvimento maior chamando a ateno para o vasto programa de reabilitao profissional mantido pelo INPS em muitas capitais e cidades maiores do Brasil e seus suntuosos e carssimos centros de reabilitao que do atendimento apenas a casos de acidentados do trabalho.

No entanto, no s por inexistirem informaes precisas que a nossa sociedade quase que ignora o problema. H, bem no fundo, um sentimento velado de rejeio contra tudo o que diferente, que "defeituoso" e que causa certo mal-estar. Rejeita-se, afasta-se do convvio de um lado, mas procura-se tambm, de outro, manter algumas organizaes que se dedicam ao problema sob pretextos os mais variados. Alguns trabalham e lutam pela causa das crianas carentes e portadoras de deficincias porque tm um parente com deficincia; outros o fazem devido a uma formao profissional; outros envolvem-se para recuperar investimentos financeiros em pequenos centros de finalidade lucrativa. E, embora em nmero reduzido, encontraremos tambm aqueles que se dedicam ao trabalho com pessoas deficientes devido a um posicionamento pessoal srio e muito bem pensado.

Precisamos, todavia, ceder evidncia e reconhecer que faltam requisitos bsicos para o desenvolvimento seguro de programas mais significativos do que aqueles que nossa sociedade tem mantido. Dentre esses requisitos inexistentes destacamos o seguinte: no h entre ns uniformidade e solidez de conhecimentos quanto seriedade da situao, mesmo entre algumas pessoas mais envolvidas. H por vezes uma noo deturpada quanto realidade dos problemas e suas melhores e mais recomendveis solues por parte daqueles que so detentores de condies para muito srias tomadas de posio e que certamente poderiam dar s pessoas deficientes tudo aquilo de que elas precisam para uma participao social efetiva.

Aqueles que trabalham em programas reabilitacionais de carter global ou que tm uma formao tcnica adequada detectam com muita preciso atitudes descabidas, programas superados, posicionamentos desastrosos, que levam confuso, ao fracasso tcnico, ao descrdito e, pior do que tudo, ao atendimento falho e inadequado.

A anlise do quadro completo da evoluo, do progresso ou do retrocesso no atendimento a pessoas deficientes no Brasil uma tarefa impossvel, enquanto que um simples olhar para o futuro poder nos parecer nebuloso e sinistro, se algo de decisivo no for feito com urgncia. Talvez o que realmente poder nos ajudar seja um olhar demorado para o passado, pois sempre houve pessoas deficientes no mundo e as que sobreviveram fizeram-no de alguma forma com a ajuda de algum, alm de um enorme esforo pessoal.

A sobrevivncia das pessoas com deficincias aqui no Brasil e em boa parte do mundo, na grande maioria dos casos, tem sido uma verdadeira epopia. Essa epopia nunca deixou de ser uma luta quase que fatalmente ignorada pela sociedade e pelos governos como um todo--uma verdadeira saga melanclica--assim como o foi em todas as culturas pelos muitos sculos da existncia do homem. Ignorada, no por desconhecimento acidental ou por falta de informaes, mas por no se desejar dela tomar conhecimento.

Ao tentarmos voltar no tempo, todavia, algumas questes afloram de imediato: O que pensavam nossos antepassados distantes de pessoas que tinham defeitos fsicos ou problemas mentais? O que faziam as sociedades hoje inexistentes com pessoas portadoras de deficincias?

E talvez as suposies do que seriam as respostas a essas perguntas indiquem uma certa posio nossa cultural, ou quem sabe pessoal, velada, secreta, muito ntima - e preconceituosa!

Muitas outras perguntas podem ser levantadas, como, por exemplo: Qual tem sido o destino de crianas nascidas com deformaes entre culturas primitivas que ainda hoje existem? Qual ter sido o destino de soldados com seus braos ou mos decepados nos violentos combates corpo a corpo das campanhas romanas, gregas, egpcias, hebrias? Como foi possvel a alguns poucos homens passar para a Histria, apesar de suas deficincias? Mesmo que poucos, o que tornou esses homens e mulheres diferentes para serem aceitos, assimilados e respeitados?

Anomalias fsicas ou mentais, deformaes congnitas, amputaes traumticas, doenas graves e de conseqncias incapacitantes, sejam elas de natureza transitria ou permanente, so to antigas quanto a prpria humanidade. Atravs dos muitos sculos da vida do homem sobre a Terra, os grupos humanos de uma forma ou de outra tiveram que parar e analisar o desafio que significavam seus membros mais fracos e menos teis, tais como as crianas e os velhos de um lado, e aqueles que, vtimas de algum mal por vezes misterioso ou de algum acidente, passavam a no enxergar mais as coisas, a no andar mais, a no dispor da mesma agilidade anterior, a se comportar de forma estranha, a depender dos demais para sua movimentao, para alimentao,

para abrigo e agasalho.

Muitos dos que comeam a estudar o assunto deduzem apressadamente que o indivduo doente, deficiente ou portador de um problema srio qualquer, era exterminado pelo grupo primitivo. Outros acham que no. Apresentam como prova eventual o aparecimento e a evoluo da medicina, a existncia de esqueletos com sinais de fraturas solidificadas e o achado de crnios trepanados.

O levantamento histrico apresentado na primeira parte desta obra, cobrindo desde os tempos sem registro da Pr-Histria at o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981) no teria muita utilidade nem justificativa sem objetivos mais amplos e mais ambiciosos. Ele poder, por exemplo, levar a um entendimento de certas atitudes e de muitas das preocupaes de nossos dias quanto a deficincias que atingem o ser humano, pois de acordo com a incisiva afirmao do historiador Will Durant, "o estudo da Antigidade perde o valor, exceto quando se torna um drama vivo, ou quando lana luz em nosso viver contemporneo".

H, no entanto, outros motivos para o trabalho apresentado na primeira parte deste livro, e dentre eles um poder ser expresso com palavras escritas por Flvio Josefo, historiador judeu do primeiro sculo da Era Crist: "Aqueles que se determinam a escrever histria a isso nem sempre so levados pela mesma razo". E, ao alinhar algumas dessas possveis razes, indica como ltima a seguinte: ... e outros, por fim, o fazem porque no podem tolerar que coisas dignas de serem conhecidas fiquem sepultadas no silncio".

No entanto, no apenas a curiosa, tocante e por vezes trgica referncia histrica que tem relevncia neste trabalho sobre as pessoas deficientes no mundo de ontem e de hoje. Ressaltemos que, dentre os variados aspectos de toda a questo que no podem de maneira alguma ficar "sepultados no silncio", esquecidos, deturpados ou minimizados, esto aqueles que retratam a maneira como a humanidade de hoje v as pessoas portadoras de deficincias e tambm aqueles relacionados com os caminhos novos - tcnicos, bem cuidados e criteriosos da chamada "reabilitao" - para colaborar com essas mesmas pessoas para poderem ser inseridas em determinado contexto, assumindo seu papel com dignidade e competncia.

PRIMEIRA PARTE

A POSIO DAS PESSOAS DEFICIENTES NAS SOCIEDADES DE ONTEM E DE HOJE

"Toda filosofia depende da Histria" (Nietzsche)

"O estudo da antigidade perde o valor, exceto quando se torna um drama vivo, ou quando lana luz em nosso viver contemporneo" (Durant)

CAPTULO PRIMEIRO

A PESSOA DEFICIENTE NO MUNDO PRIMITIVO

Se tomarmos, como elemento de classificao das diversas etapas da vida do homem sobre a Terra, o material principal e mais relevante com que procurava ele fabricar todos os seus utenslios e instrumentos destinados sua sobrevivncia e conforto, poderemos dividi-las em:

-- Idade da Pedra Lascada

-- Idade da Pedra Polida

-- Idade do Bronze

-- Idade do Ferro.

A Idade da Pedra Lascada corresponde a uma boa parte do tambm chamado Perodo Paleoltico -- uma vastido de tempo, com milhares de sculos muito obscuros, iniciados provavelmente h mais de um milho de anos atrs. A Idade da Pedra Polida j corresponde aos Perodos conhecidos como Mesoltico e Neoltico, isto , a pocas correspondentes a 10.000 anos antes da Era Crist at 2.500 a.C.

Os tempos que costumamos chamar de histricos comearam a ser vislumbrados com a Idade do Bronze e definidos com a Idade do Ferro.

Essas Idades ou Perodos indicam graus de desenvolvimento e no necessariamente perodos cronolgicos da histria do homem sobre a Terra. Esses graus de desenvolvimento, nos quais alguns poucos povos at hoje existentes encontram-se mergulhados por milnios, foram por vezes atingidos com rapidez por algumas raas.

Para ilustrar essa disparidade de momentos de desenvolvimento basta lembrar que, enquanto os egpcios j viviam na Idade do Ferro, os gregos estavam vivendo sua Idade do Bronze e as tribos brbaras do norte europeu viviam na Idade da Pedra Polida. Em regies onde a natureza sempre foi mais prdiga e o tempo mais acolhedor e ameno, a velocidade do desenvolvimento foi muito menor. Ainda hoje vemos em zonas tropicais ou temperadas do globo terrestre -- inclusive no Brasil - povos que vivem vidas altamente primitivas e sem qualquer contato com a civilizao, como homens das Eras Mesoltica e Neoltica.

- *O homem neoltico no Brasil de hoje.*

"No dia 8 os kranhacrores esto de volta ao mesmo local. Nova correria no acampamento. Orlando, que havia rumado para l logo que soube do primeiro contato, apanha os presentes e corre para a canoa. Avana lpido pela picada, apesar do corpo volumoso e apesar de quase no enxergar com um olho, operado de catarata. A canoa sai carregada de gente. Os kranhacrores esto na outra margem, a 100 metros. Entre a canoa e os kranhacrores, 100 metros de gua e 30.000 anos de cultura. o homem que j ronda as estrelas, atrs do seu irmo da Idade da Pedra Polida" ... "entre os presentes h um machado que o kranhacrore mais jovem apanha e examina com curiosidade. Solta um grito, interpretado como de contentamento e vai para junto de uma rvore. Ergue os braos rgidos e vibra um golpe vigoroso, soltando outro grito. O machado escorrega de suas mos, indo parar perigosamente perto de seu p".

"E se o kranhacrore se ferir e interpretar aquilo como uma artimanha dos brancos? o que a maioria pensa. Mas nada acontece. O kranhacrore ergue o machado novamente e encaixa um golpe profundo no tronco. A pancada ecoa pela mata e o kranhacrore d o grande salto da Idade da Pedra para a Idade do Bronze" (in "Realidade", de abril de 1978, reportagem e texto de Luigi Mamprin).

- *As primeiras civilizaes do mundo.*

As primeiras civilizaes de alguma sofisticao comearam a desenvolver-se nas proximidades dos rios e em especial junto aos grandes rios que banhavam terras planas e de boa qualidade, tais como o Eufrates, Tigre, Nilo, Ganges, Amarelo e Indo.

Foi exatamente ao longo desses grandes rios que, no ponto do Oriente conhecido como "Crescente Frtil" - situado entre o norte da frica e o Oriente Mdio -- logo distinguiram-se muitos grupos humanos que, devido s caractersticas de ento e ao seu isolamento quase que contnuo, alm de um incontido receio pelo desconhecido, formaram as primeiras civilizaes: egpcios, assrios, babilnios, hebreus, fencios, mesopersas e outros.

Do Oriente, as facilidades de vida individual e de grupo conhecidas por ns como civilizao foram levadas muito vagarosamente para o Ocidente, tendo chegado primeiramente Grcia, antes de chegar a Roma, o que sucedeu diversos sculos depois. De Roma elas foram levadas tambm s regies mais ocidentais da Europa, tendo afinal chegado ao Novo Mundo e Oceania.

1. O Alvorecer da Humanidade.

Nada de concreto existe quanto vida de pessoas com deficincias fsicas ou mentais, do velho e do doente nos primeiros nebulosos e muitas vezes enigmticos milnios da vida do homem sobre a Terra, a no ser supostas situaes que esto baseadas em indcios extremamente tnues. evidente que fatos concretos ou situaes comprovadas de vida, em toda a fase pr-histrica da Histria da Humanidade, so impossveis de serem estabelecidos, mesmo com o magnfico concurso dos sbios que dominam muito bem toda a cincia arqueolgica e reas afins.

Poderemos, sim, tentar imaginar o ambiente de ento e o que ele poderia significar para a sobrevivncia dos grupos humanos como um todo, elaborando um pouco quanto s hipotticas situaes a serem enfrentadas por um eventual portador de alguma deficincia limitadora de suas funes bsicas daquelas mesmas pocas.

- *Os males incapacitantes de sempre*

Lembremo-nos de incio que muitos dos males incapacitantes de hoje sempre existiram, desde os primeiros dias do homem sobre a Terra. Muitos deles por muitos milnios foram fatais devido falta de recursos no seio das populaes primitivas. Apesar de nos encontrarmos diante da impossibilidade de citar com segurana os males que rapidamente deterioravam a vida do homem pr-histrico, ainda achamos vlido, apenas para ajudar nossa imaginao e nosso raciocnio, anotar mentalmente que os seguintes males sempre foram e sempre sero muito srios para a sobrevivncia do homem, ou para sua integrao ao seu grupo principal como elemento participante:

-- Amputaes em vrios nveis e membros

-- Artrites em suas vrias caracterizaes

-- Cegueira ou limitaes de viso

-- Defeitos de nascimento ou malformaes

-- Surdez ou redues graves de audio

-- Afasia ou problemas de comunicao oral

-- Desordens sanguneas graves

-- Problemas cerebrais

-- Cncer nas muitas de suas caracterizaes

-- Queimaduras em vrios graus e localizaes

-- Desordens cardacas de gravidades diversas

-- Paralisia cerebral de intensidades diversas

-- Fibrose cstica

-- Problemas de abuso de medicamentos ou de lcool

-- Epilepsia

-- Diabete

-- Problemas renais

-- Doenas mentais das mais variadas intensidades

-- Deficincias mentais nos variados graus

-- Esclerose mltipla

-- Distrofia muscular

-- Gota em suas manifestaes mais graves

-- Desordens neurolgicas diversas

-- Fraturas e problemas ortopdicos os mais variados

-- Problemas respiratrios e/ou pulmonares

-- Paralisias (paraplegia, tetraplegia, hemiplegia)

-- Doenas venreas

-- Fissuras lbio-palatais

-- Hemofilia

-- Sndromes incapacitantes diversas

-- Hansenase

-- Paralisia infantil

-- Incapacidades mltiplas

-- Doenas crnicas

-- Doenas dermatolgicas transmissveis

-- Idade avanada

Para vrios dos males indicados poderemos de alguma forma imaginar as solues dadas durante aquelas longnquas pocas, por paralelos ou comparaes que fazemos com populaes de cultura primitiva ainda existentes. Para alguns males muito difcil elaborarmos qualquer quadro, como em casos de steoartrite. Existe evidncia de sua ao no s no esqueleto de um homem de Neanderthal, de mais de 40.000 anos atrs, mas tambm de sua devastadora existncia em dinossauros do perodo Mesozico.

- *O ambiente fsico*

H muitos milhares de anos o homem vivia desprotegido num mundo hostil, habitando em abrigos naturais de pedra ou em cavernas. O nmero dessas cavernas era exguo para toda a humanidade francamente em expanso e s vezes imobilizada por invernos rigorosos. praticamente certo que as melhores e mais protegidas cavernas foram sendo ocupadas e defendidas por muitas geraes de um mesmo grupo.

Dentre os primeiros habitantes de cavernas que povoaram esparsamente a Europa pr-histrica, devemos destacar o Homem de Neanderthal, que viveu h uns 70.000 anos. Pelos achados ocorridos em cavernas da Europa utilizadas naquelas pocas, podemos chegar a algumas concluses. Uma delas que em geral tratava-se de grupos humanos que adotavam cuidados bsicos muito rudimentares com tudo. Em boa parte dos casos estudados, eram seres humanos pouco dados ordem ou limpeza de seus ambientes. Praticamente tudo o que utilizavam ou que deixavam de usar por ser considerado como intil, e mesmo restos de animais devorados eram jogados fora em cantos das cavernas habitadas, o que levava formao gradativa de camadas de depsitos de detritos, incluindo neles pedaos de armas, ossos, cinzas de fogueiras destinadas ao aquecimento ou ao preparo de alimentos.

Algumas das cavernas utilizadas pelo homem primitivo eram grandes, escuras e um tanto tenebrosas, mesmo para os dias de hoje. Mas seus ocupantes viviam apenas nas reas prximas entrada, como bem o demonstram os estudos arqueolgicos. L eles se sentiam no s protegidos do vento, da chuva, do calor e do frio, como tambm das incertezas da noite, das grandes tempestades, dos animais ferozes e dos inimigos que continuamente procuravam desaloj-los.

Os homens hoje conhecidos como Cro-Magnon, surgidos ao final da Idade do Gelo h mais ou menos 30.000 anos e muito parecidos com algumas raas de homens da atualidade, comearam a povoar esparsamente diversas partes da Europa, pois aos poucos tinham conseguido explorar e descobrir locais mais longnquos de seus abrigos originais, permanentemente ameaados por tribos rivais. Tinham aprendido a construir abrigos provisrios de peles de animais abatidos e tinham tambm descoberto stios mais adequados para caadas mais promissoras. Esses foram os homens que comearam a documentar o mundo que os cercava, os animais que caavam ou que os ameaavam nas caadas sem fim, para as quais plena agilidade, fora e domnio do corpo eram fundamentais, num esforo de grupo. Bises, mamutes, ursos, velozes javalis e geis cervos foram desenhados, entalhados e mesmo pintados com pormenores de cores vivas em pedras, pedaos de osso, paredes e tetos das cavernas. Esses desenhos e peas entalhadas so encontradios principalmente nas cavernas ao sul da Frana e ao norte da Espanha.

O interessante que essas obras, em quase sua totalidade, no esto nem foram encontradas na boca das cavernas, mas em pontos bem mais afastados do ambiente habitado, e s vezes beira de grandes buracos, em pontos de difcil acesso at para os nossos recursos de hoje, inclusive nos tetos das cavernas.

Para l trabalhar nas muitas horas e dias de dedicao obra, durante os longos invernos, o supersticioso homem primitivo certamente precisou primeiro vencer o medo que sentia pela escurido sempre povoada por seres tenebrosos e o prprio ambiente mais profundo e misterioso das cavernas que refletiam sombras confusas luz de tochas fumarentas.

Junto aos desenhos desses bises e demais animais da poca, existem contornos de mos -- muitas mos --inclusive diversas com dedos visivelmente em falta!

- *Os desafios para a vida do homem primitivo*

Dentre os principais problemas enfrentados pelo homem pr-histrico para poder sobreviver, estavam no apenas o abrigo e o aquecimento durante os meses de inverno ou durante as intempries, mas tambm as dificuldades, quase que dirias durante as pocas mais quentes do ano, para obter alimento fresco. Ele no dispunha de meios para manter em bom estado de conservao para consumo a carne dos animais caados nos dias de muito calor, enquanto que durante os meses de inverno a caa tornava-se rarefeita e ele mesmo dispunha de poucas condies para sobreviver por longos perodos de tempo fora de seus abrigos.

O homem das pocas Paleoltica e Mesoltica praticamente no plantava e no dispunha de animais domesticados, tais como os bovinos e eqinos, que poderiam ser sacrificados para resolver o problema da falta de caa para alimentar o grupo. Alm disso, ele dependia quase que exclusivamente da caa de certos animais muito cobiados, se quisesse garantir peles quentes e adequadas para cobrir seu corpo e proteger seus ps durante o inverno, sem o que no conseguiria expor-se por longo tempo ao frio para matar animais atentos e muito velozes.

Assim, durante muitos milnios dominando apenas armas de curto alcance, no h dvida que os requisitos bsicos para a atividade principal, que era a caa, eram a sua inteligncia muito superior dos animais cobiados, a capacidade de atuar em grupos bem coordenados e criativos e . . . uma capacidade fsica total. Dessa forma, muito difcil imaginarmos como um homem ou uma mulher poderiam sobreviver naquelas remotas eras com uma deficincia fsica muito limitadora.

Mas o homem primitivo aprimorou suas condies de vida e j na poca Neoltica (h aproximadamente 10.000 anos), em parte graas ao gradativo trmino da chamada Idade do Gelo e progressiva e amena mudana de temperaturas nas vrias regies do globo terrestre, notamos que ele comeou a ter melhores condies para explorar por muito mais tempo territrios jamais trilhados, com suas campinas, florestas e rios. Foi exatamente o homem neoltico que conseguiu tornar a caa muito mais racional, montando armadilhas, redes, chegando mesmo a construir represamentos de riachos para obteno mais fcil de peixes para seu consumo. E, avano muito significativo, inventou armas de mais longo alcance. Foi ele tambm que comeou a solidificar o grupo familiar, que acabou por se tornar uma unidade social bsica. Foi igualmente esse primitivo homem neoltico que tornou mais elaborada a idia de um Deus ou das muitas divindades, e mesmo de seu culto e das religies. Em suas exploraes longnquas encontrou, talvez com surpresa, novos grupos de homens e com eles misturou-se. Segundo nos relatam especialistas no assunto, foi o homem neoltico que se organizou em grupos mais heterogneos e que certamente comeou a desenvolver uma primitiva, mas marcante, conscincia social.

- *O cuidado para com doentes e a incipiente medicina*

Como das demais pocas, desta poca Neoltica tambm no temos dados ou sinais de qualquer significado quanto ao problema causado pelas eventuais incapacidades fsicas ou mentais em membros dos vrios grupos humanos, a no ser presumirmos que, no s com um paciente e sempre muito curioso olhar, comparar e tambm estudar o comportamento animal (por exemplo, a absoluta solidariedade dos elefantes para com seus membros feridos), mas com o despertar dos vnculos mais fortes de ordem familiar, e com o surgimento da conscincia social, o homem comeou a atuar diferentemente. J havia a linguagem falada em plena evoluo e mais, a idia de um ser superior - ou seres superiores - ainda de carter punitivo e severo, o que talvez tenha levado o homem primitivo a melhor considerar as pessoas adoentadas, as acidentadas em atividades de caa e pesca, as vitimadas por ciladas ou agresses de grupos rivais. Provavelmente dessas no registradas pocas da vida do homem sobre a Terra foram surgindo os primeiros passos para uma medicina no s de medicamentos provenientes de plantas, frutos e alguns minerais, mas tambm as primeiras tentativas cirrgicas mais srias. Dedos das mos amputados, no se sabe por que causas, j haviam surgido por milhares de anos em desenhos das cavernas habitadas.

Ao final da poca Mesoltica, passando aos poucos para a Neoltica, amputaes de ps, de mos e tambm a incrvel cirurgia craniana conhecida como "trepanao", com a comprovada sobrevivncia do "operado", foram realizadas, conforme indicam achados da poca.

Facas, serras, instrumentos pontiagudos haviam surgido para utilizao nas atividades principais relacionadas alimentao e vesturio de todo o grupo. Talvez que de sua contnua utilizao para esquartejamento de caa, retirada e preparo de suas peles, diviso das carnes em pedaos menores e mesmo preparo de algumas armas, tenha surgido a idia de, com cuidados bem maiores, us-los para intervenes cirrgicas.

O homem primitivo que se dedicava arte de aliviar dores, estancar sangue e mesmo curar males, tinha seus conhecimentos de anatomia derivados exclusivamente da observao constante e da contnua e necessria atuao e experimentao. Essas experincias foram sendo acumuladas por alguns homens considerados como especiais, depois chamados de feiticeiros, magos, druidas, pajs, alm de seus auxiliares e foram sendo passadas de gerao para gerao, de grupo para grupo, de milnio para milnio, propagando-se e enriquecendo-se continuamente.

Na poca conhecida como Neoltica, ou seja, aproximadamente 8.000 anos atrs, o homem descobriu muitos dos segredos bsicos da natureza, da vida e da prpria terra, tais como a domesticao de animais e a agricultura. Assim, a vida de cada grupo foi-se tornando cada vez menos difcil e menos perigosa uma vez que esse domnio maior do ambiente que o cercava acabava por no exigir grandes riscos de vida para garantir a sobrevivncia pela caa quase que diria.

O homem tornou-se dono de sua vida, de seu relativo bem-estar e de seu futuro, embora ainda vivendo em situaes bastante precrias, como diversas das raas primitivas de hoje que ainda vivem como homens neolticos.

- *As fraturas na Pr-Histria*

Membros fraturados certamente que eram tratados semelhana da forma como animais superiores o fazem, muito mais por instinto do que por conhecimento de causa ou raciocnio, descansando a parte afetada ou deixando de utiliz-la. Provavelmente ainda na Era Paleoltica, durante a qual o homem esteve mais do que nunca sujeito a grandes quedas e a pancadas violentas, seja de inimigos portadores de armas contundentes, seja de animais acuados durante uma caada, a prpria vitima ou seus companheiros aliviariam o membro atingido com uma primitiva imobilizao, por meio de pedaos de ramos de rvores ou pequenos arbustos atados por tiras de couro de animal, tufos ou cordas de capim, de cascas de rvores ou de outra natureza.

Segundo o Dr. Edgard M.Bick, citado por Agero, o homem pr-histrico que inventou a imobilizao de um membro fraturado mereceria a mesma honra e teria os mesmos mritos que aquele que idealizou a roda ou que descobriu a forma de fazer e de controlar o fogo.

Logo antes de partir para uma caada ou para uma operao guerreira, os homens pr-histricos reuniam-se ao redor do fogo, em algum tipo de cerimnia religiosa, que certamente demonstrava a importncia e o significado do empreendimento. Nessas atividades perigosas e muitas vezes imprevisveis, fraturas por golpes de clavas, patadas, quedas e mesmo pelos azares do dia-a-dia eram freqentes. E certamente devido a essa freqncia, nas cavernas, abrigos e casas primitivas de ento os acidentados j deveriam contar com homens mais idosos que tinham experincia e que sabiam como tratar com certo sucesso casos dessa natureza. Nas diversas cavernas pesquisadas pelos arquelogos, e nos locais onde foram encontrados muitos esqueletos pr-histricos, vrios ossos apresentam-se com fraturas solidificadas e bem tratadas.

Esses ossos solidificados e com evidentes sinais de fraturas anteriores foram estudados meticulosamente por cientistas diversos que notaram a ocorrncia maior e mais significativa de fraturas do ante-brao (radius). Nesses esqueletos pr-histricos encontrados e analisados at hoje, podemos citar sinais de fratura tratada em ossos de omoplata (em Vendreste), de tbia (encontrados em dlmens da frica do Sul e em Meudon), do pernio (tero superior), do fmur (bastante comum), do hmerus, da clavcula e mesmo do metatarso.

Em sua obra "La Mdecine chez les Peuples Primitifs (Prhistoriques et Contemporains)", Stphen-Chauvet afirma que um grande estudioso dos achados pr-histricos, o Dr. Raymond, pde estudar um fmur direito encontrado numa gruta do vale Petit-Morin que havia sido fraturado em seu tero inferior, e que apresentava um forte deslocamento. O fragmento inferior tinha sua ponta, na linha spera e quebrada, solidificada extremidade baixa do pedao superior do fmur, mas com grande desvio. Assim, o conjunto envolvido numa calosidade ssea de aproximadamente 20 cm de circunferncia, da resultando um considervel encurtamento da coxa.

Todas essas fraturas mesmo a do metatarso chegavam a impedir o homem primitivo da participao em atividades de caa ou de guerra praticamente durante meses. Viviam com seus membros imobilizados - ou pelo menos no usados - sobrevivendo na dependncia dos demais. Eram, assim, transitrias, mas seriamente deficientes.

No entanto, seja pelos dedos amputados, que podem ser notados nos desenhos das cavernas habitadas, seja pelo exemplo da incrvel calosidade ssea com grande desvio da linha do fmur e evidente encurtamento da perna, tivemos na Pr-Histria pessoas deficientes que sobreviveram por muitos anos. Como sobreviveu esse homem de perna com fratura solidificada com srio desvio? Como conseguiu integrar-se ao seu grupo, e com que tipo de papel? Sim, pois se no tivesse sido integrado, seus ossos no estariam na caverna em que foram encontrados... Como participou, pelo resto de sua longa vida, das atividades de sua famlia ou de seu grupo? Seu vulto, coxeando pelos agrestes e perigosos caminhos, num ponto perdido da Pr-Histria, permanecer sem maiores explicaes em nossa imaginao.

Alm das providncias de imobilizao para os casos de fraturas, membros ou partes do corpo atingidos por um golpe devem ter sido instintivamente socorridos por massagens do prprio indivduo, da mesma forma como certas dores reumticas podem ter sido aliviadas com o calor das fogueiras ou das pedras aquecidas ao seu redor nas primeiras cavernas habitadas pelos grupos humanos.

- *O que nos ensinam os ossos pr-histricos*

Os homens que se dedicam ao estudo de ossos pr-histricos tm desenvolvido denodados esforos para a criao de uma nova especialidade: a paleopatologia. Praticamente toda a especialidade aqui referida volta-se para achados que indicam a existncia de patologias incapacitantes. Seus estudos no podem desconsiderar desenhos, estatuetas, relevos, alm da anlise sistemtica de ossos que apresentam anomalias.

A nova cincia da paleopatologia nos ensina que a doena e a deficincia fsica so to antigas quanto a prpria vida sobre a Terra.

Pois bem, a paleopatologia que nos diz que ossos de animais de todas as pocas indicam a presena de distrofias - sejam elas congnitas ou adquiridas - e leses traumticas ou infecciosas. Dentre os ossos encontrados na Frana, na Espanha e na Arglia, existe mais de uma centena que apresenta anomalias. Vejamos alguns exemplos mais marcantes:

a) Pythecanthropus Erectus - Existem poucos ossos do tipo conhecido por esse nome cientfico: uma calota craniana, trs dentes e um fmur. O fmur apresenta uma espcie de tumor sseo bem volumoso no tero superior, prximo sua cabea, atribudo pelos estudiosos a uma fratura ou a um aneurisma.

b) Homem de Neanderthal -- H ossos do chamado Homem de Neanderthal que apresentam traos de traumatismo. H, por exemplo, no mero esquerdo, uma cicatriz que corresponde a uma leso sria. No esqueleto desta espcie, descoberto em Krapina, existe um sinal de fratura solidificada na clavcula. O esqueleto de La Chapelle-aux-Saints mostra sinais de artrite deformante.

c) O esqueleto analisado por Raymond - O fmur com grande desvio citado mais atrs, foi descoberto por Raymond na gruta de Baye. interessante notar que ossos provenientes dessa mesma caverna apresentam, quase todos, sinais de osteoartrite de natureza reumtica. Segundo alguns especialistas, essa afeco apresenta-se como um real obstculo boa solidificao de uma fratura.

d) Homem Cro-Magnon -- A espondilose foi encontrada num esqueleto de homem pr-histrico conhecido como Cro-Magnon. Trata-se de um mal de efeitos muito limitadores, pois a espinha dorsal em geral fica com uma curvatura bastante acentuada, a cabea inclina-se para a frente e as coxas flexionam-se.

e) Freqncia do reumatismo -- O reumatismo foi muito freqente e devastador na Pr-Histria. Havia casos que iam desde a chamada osteopatia peri-articular, at a total imobilizao do homem primitivo. Um exemplo marcante encontrado em ossos do Homem de Neanderthal, descobertos em La Chapelle-aux-Saints, na Frana. Pela anlise dos mesmos, especialistas constataram sinais claros de articulaes coxo-femurais com artrite seca e com poli-artrite.

Na Era Neoltica a presena mdia do reumatismo estimada em 20% dos esqueletos ou ossos encontrados. A incidncia do mal talvez esteja relacionada m qualidade da alimentao (que pode tambm ter causado muitos casos de cegueira), devido a infeces e tambm devido exposio umidade e ao frio. Convm que lembremos ter o homem primitivo vivido muito exposto s alteraes do clima, muitas vezes em cavernas cheias de umidade. Assim, os casos de reumatismo no aconteciam apenas em faixas etrias mais elevadas; ocorriam tambm muito antes dos 30 anos de idade (Ver Goldstein, Guthrie, Gonzales, Stephen-Chauvet e Dastugue).

- *A origem dos males que afetavam os homens*

A rude e muito difcil vida do homem em seus primeiros milnios de existncia sobre a Terra no admitiam fraquezas. A doena e os acidentes aconteciam, muitas vezes avassaladores e de muito rpido desfecho; mas por vezes o homem vencia, e uma primitiva medicina -- se assim poder ser chamada -- ajudava com um socorro paliativo, cada vez mais eficaz, por meio de homens observadores, muito voltados para os recursos da natureza e para os misteriosos segredos do "desconhecido".

Afirmam Graa, Rocca e Graa Jr. em "Las Trepanaciones Craneanas em el Per en la poca Pr-Hispnica": "Se considera una doctrina plenamente confirmada que el hombre primitivo, a travs de todos los tiempos y en todas las regiones del globo, observ las mismas creencias, iguales supersticiones y atraves por semejantes etapas de cultura".

"Y as, concurren a una interpretacin comn las leyendas y tradiciones ms remotas sobre el origen de las enfermidades. Ignoradas las causas reales, el hombre invocaba lo ignoto y misterioso, lo invisible e palpable, o sea, el concepto de los espritos y la influencia de la divindad. Desde este punto de vista el folk-lore mdico es el mismo en todas las civilizaciones primitivas".

"Elocuente demonstracin de estos hechos ofrecen ciertas prcticas quirrgicas registradas en la histria de los pueblos ms antiguos, y una de verdadera significacin y importncia es, sin duda, el caso de las trepanaciones craneales, realizadas desde muchos milenios anteriores a nuestra era. Ya en el perodo neoltico se realizaba con extraordinaria frecuencia esta grave y dificil intervencin, juzgada" como la operacin ms antigua de la cual existen huelas comprobadas". Como demonstracin palmaria de las ideas enunciadas antes, podemos aducir que dicha intervencin en el pasado lejano se llev a cabo en las regiones ms distantes de la tierra: Africa y Asia, entre los "Chaouias" de la Algeria, las tribus Bere-Bere, que la practican an hoy. Se han

descubierto crnios horadados en Herzogovina, Montenegro Y Albania; igualmente em las islas del Pacifico, la Malasia, Polinesia, Tahiti. En Nueva Bretaria, en el Archipilago de las Bismark; en diversos paises del Mediterrneo, Itlia, Francia. En Inglaterra y Austria; en las Islas Canarias y, bien lo sabemos, en diversos paises de la Amrica Del Sur, Per, Bolivia y Colombia".

indiscutvel que o homem pr-histrico procurava a origem das enfermidades em crendices de natureza mstica ou fantasiosa, mais de ordem demonaca ou resultante de atitudes punitivas das divindades ou seres superiores. Apesar de podermos duvidar da profundidade ou da diversidade de conhecimentos dos aplicadores da primitiva medicina, a eficcia de muitos tratamentos fato inquestionvel.

Data, por exemplo, de tempos imemoriais a utilizao de uma lama especial para muitos casos de afeces cutneas, bem como o uso de teias de aranha em cortes e feridas, com resultados positivos, Embora ainda no fosse do conhecimento do homem primitivo, hoje sabemos que os produtos naturais indicados acima contm uma espcie de elemento protetor quase to eficaz quanto a penicilina. Certamente que so surpreendentes para todos ns conhecimentos primitivos quanto eliminao da dor, ao estancamento de sangue, assepsia ou s tcnicas operatrias, porque no h dvida de que de alguma forma eles existiram.

- *O tratamento primitivo e as deficincias*

Comprovadamente tanto a existncia quanto o tratamento de males diversos no seio das populaes primitivas e pr-histricas sempre estiveram ligados magia.

A prpria trepanao -- ou seja, a abertura de um orifcio em alguma parte do crnio -- indica uma crena primitiva quase que demonolgica ou maligna de origem desconhecida de certos males fsicos ou mentais. No entanto, o tratamento dos feiticeiros ou mgicos daquelas pocas inclua, alm de cerimoniais com evidente simbologia, providncias de natureza objetiva, muitas vezes hoje utilizadas em tratamentos de urgncia ou tratamento mdico regular, como o calor, o frio, a sangria, os banhos, a suco, dentre muitos outros meios que apenas podemos imaginar.

Conforme referimos anteriormente, a massagem, certamente descoberta por mero acaso num momento perdido de dor na histria do homem, levava como sempre levou -- a uma sensao de alvio; assim tambm a proximidade com o calor do fogo, ou o amortecimento em contato com o gelo ou neve. O uso eventual de uma erva -- semelhana do que fazem certos animais em momentos de dor -- pode ter levado a alvios pouco esperados.

Cada povo ou cada tribo, por experincias acumuladas e por observaes prprias, foi desenvolvendo seus prprios meios de tratamento de males. Por uma questo de sobrevivncia da raa apenas, cuidados um pouco diferenciados podem ter sido dados s mes e aos recm-nascidos -- desde que perfeitos e, conforme as circunstncias, desde que do sexo masculino. quase certo que uma criana nascida com aleijes ou aparentando fraqueza extrema ter sido eliminada de alguma forma, tanto por no apresentar condies de sobrevivncia, quanto por crendices que a vinculavam a maus espritos, a castigos de divindades ou mesmo por motivos utilitrios.

Os primeiros auxlios prestados pelos homens primitivos foram relacionados a leses do tipo traumtico, como as feridas, os dilaceramentos causados por pedras, espinhos, flechas, lanas, garras ou presas de animais caados, todas elas provocadoras de perda de sangue ou de fraturas. As circunstncias da ocorrncia desses fatos ou acidentes certamente levaram os companheiros ou a prpria vtima a buscar na natureza que os cercava os remdios necessrios. A compresso normalmente feita pelas mos e as protees por ataduras primitivas estavam includas nessas providncias iniciais.

Ressaltemos que os homens pr-histricos, assim como os nativos de certas tribos existentes hoje em dia, dispunham de armas de curto alcance, tanto para caar como para se defender, sendo a maioria delas de efeito contundente (bastes, marretas, porretes, tacapes ou algo semelhantes). Essas armas e seu uso contra outros homens tambm levavam existncia de contuses ou de ferimentos srios que nem sempre causavam a morte. Assim, seja durante um ataque ou uma operao de defesa contra inimigos racionais, ou mesmo durante uma caada, o homem atingido por uma flechada, por uma pancada mais forte ou por garras afiadas, era socorrido --como no poderia deixar de ser -- pelos companheiros, que o abrigavam ou cuidavam dos ferimentos por meios rudimentares e naturais, e o levavam de volta ao ncleo de habitao, onde recursos maiores deveriam existir. Em alguns casos o indivduo gravemente ferido no falecia, mas podia ficar vitimado por uma seqela qualquer e se tornava limitado para a atividade principal da qual originalmente participara: a caa ou a guerra.

- *O destino das pessoas deficientes na Pr-Histria*

O que sucedia a esse homem? Ele fora valente, respeitado e til ao grupo, mas a partir de ento no tinha mais utilidade. Seria ele mantido pelo grupo na esperana de voltar atividade? Seria ele utilizado em funes menos exigentes de perfeito domnio da fora e do fsico? Seria ele levado s plancies ou s armadilhas para, num ltimo gesto de colaborao com o grupo, servir de isca para animais ferozes? Aceitaria ele funes menos briosas, ao lado de mulheres e crianas?

Nada disso sabemos. S conjecturas podem ser feitas e talvez com boas oportunidades de estarem certas.

Lembremo-nos que, de acordo com o progresso lento da humanidade e o gradativo domnio dos ambientes e da natureza, certas funes comearam a existir: os fabricantes de cestos ou de armadilhas, os preparadores de peles para vrios fins, os fabricantes de esteiras e de vasos para armazenamento de gua, dentre muitas outras coisas. Por que um homem brioso, valente, lutador, corajoso, no poderia ter sido usado para esses fins, seja provisoriamente, seja permanentemente?

Dos perodos mais adiantados da Pr-Histria para os dias de hoje, na Era Neoltica, vasos e urnas foram sendo decorados das mais variadas maneiras e com os mais incrveis motivos. Foram encontrados em alguns desses vasos ou urnas homens com evidentes sinais de deformidades de natureza permanente, sendo algumas delas conseqentes de mal-formaes congnitas: corcundas, coxos, anes e amputados. Isso nos indica que desde pocas as mais remotas as deficincias e mesmo as deformidades de nascimento ou adquiridas por traumatismos e doenas j eram um verdadeiro flagelo da humanidade. Indicam-nos tambm esses objetos da primitiva arte neoltica que esses homens sobreviviam at a idade adulta e poderiam ter algum valor, seja por motivos de supersties, seja por real utilidade, para merecer sua representao num utenslio permanente e de vital utilidade para os grupos sociais de ento.

2. Culturas Mesolticas e Neolticas mais Recentes

Muitos daqueles que se interessam por pessoas deficientes ou por grupos minoritrios em culturas pr-histricas e em culturas primitivas dos dias de hoje, seja por falta de maiores informaes, seja devido a uma projeo das tendncias subjetivas de cada um, consideram inevitvel generalizar a aplicao de procedimentos adotados por muitos sculos e defendidos at em uma lei bsica de Roma ou em costumes adotados em Esparta, que determinavam a eliminao de crianas nascidas com deficincias fsicas. No entanto, esses procedimentos no foram e nunca poderiam ter sido generalizados ou generalizveis.

Muitos dos hbitos e costumes adotados em culturas muito mais antigas que a nossa so at hoje aceitos por povos bastante primitivos que vivem uma vida praticamente ao nvel dos antigos homens das pocas conhecidas como neolticas. Alguns deles referem-se aos seus componentes mais fracos, mais idosos ou defeituosos.

Exemplos concretos, coletados por antroplogos pacientes, podem de fato ser citados s dezenas.

- *O porqu das atitudes face a grupos minoritrios*

Na abalizada opinio de antroplogos e mesmo de historiadores da medicina, pode-se observar basicamente dois tipos de atitudes para com pessoas doentes, idosas ou portadoras de deficincias: uma atitude de aceitao, tolerncia, apoio e assimilao e uma outra, de eliminao, menosprezo ou destruio.

Na primeira, as pessoas que esto margem do grupo principal devido a doenas, acidentes, velhice ou defeitos fsicos so em geral aceitas das mais variadas maneiras, incluindo-se a tolerncia pura e simples, chegando at ao tratamento carinhoso, ao recebimento de honrarias e obteno de um papel relevante na comunidade.

Na segunda, todavia, essas mesmas pessoas so destrudas tambm de formas variadas, incluindo-se desde o abandono prpria sorte em ambientes agrestes e perigosos, at a morte violenta, a morte por inanio ou o prprio banimento.

Esses mesmos antroplogos e historiadores observam que as encontradias atitudes positivas e de aceitao no correspondiam necessariamente a raas mais cultas, experimentadas ou evoludas.

Na verdade, o que sucedia com os grupos que precisavam coletar alimentos, pescar e caar era que, apesar de haver um bom tratamento para com doentes e deficientes e mesmo para com os mais idosos de seus membros, de um modo especial na garantia da alimentao, o grupo maior tinha necessidade de livrar-se do peso que significavam as dificuldades na movimentao geral quando do escasseamento da caa, da pesca e dos outros tipos de alimentos. Problemas muito srios surgiam com a mudana para regies mais frteis e mais promissoras.

Essa atitude bem diferente daquela da destruio habitual e sistemtica adotada por grupos primitivos mais complexos dedicados agricultura e tambm ao pastoreio e uma incipiente pecuria. A causa principal da destruio das pessoas era evidentemente, econmica, face quase inutilidade das mesmas. No entanto, observa-se tambm que a partilha de alimentos nesses mesmos grupos parece ter declinado em importncia com os gradativos progressos verificados na agricultura e no pastoreio. Foi exatamente nesses grupos que aos poucos comeou a surgir a caridade organizada, em seus primeiros sintomas.

- *Atitudes de aceitao, apoio e assimilao*

Vejamos, por exemplo, povos primitivos que adotam atitudes de apoio, assimilao, aceitao ou tolerncia para com pessoas portadoras de deficincias, problemas mentais ou velhice:

-- Aona: Os Aona residem ainda hoje beira do lago salgado de Rudolf, no Qunia, numa ilha conhecida como Elmolo. De nmades que eram, transformaram-se em pescadores. Segundo eles acreditam, os cegos mantm relao direta com o sobrenatural e os espritos do sobrenatural moram no fundo do lago salgado e previnem diretamente os cegos quanto aos locais onde h peixe. Assim, os cegos sempre participam das pescarias primitivas, levando em considerao a lana atirada por eles que so sempre bem tratados e respeitados.

-- Azande: Trata-se de um povo muito primitivo que habita as florestas situadas entre o sul do Sudo e o Congo, caracterizando-se pelo seu nomadismo espordico. Todos os componentes dessa raa acreditam muito em feitiaria. No entanto, no chegam a relacionar defeitos fsicos e anomalias com intervenes sobrenaturais. Crianas anormais nunca so abandonadas ou mortas. No lhes falta carinho dos pais ou de parentes mais prximos. Segundo antroplogos estudiosos de seus costumes, dedos adicionais nas mos ou nos ps so bastante comuns e eles se orgulham de os possuir.

-- Ashanti: Habitam a parte sul de Gana, a oeste da frica, totalizando mais de um milho de membros. Quando constituam um reino prprio era costumeiro enviar corte crianas com defeitos fsicos para serem treinadas como arautos do rei. Esses mensageiros com deficincia fsica eram destacados para misses delicadas, como, por exemplo, a iminncia de guerras com tribos vizinhas. Em geral a mensagem do rei Ashanti era incisiva e terminava com um recado do arauto: "se esses termos no forem aceitos, poderei ser morto agora mesmo".

No entanto, parece que isso no acontecia, pois limitavam-se os inimigos a cortar um dos dedos do arauto, o que equivalia a uma declarao de guerra. Alm dessa perigosa misso, os arautos eram tambm utilizados como inspetores sanitrios ou coletores de impostos. Eram igualmente usados como bufes e tinham o privilgio de dizer a seus mestres o que bem entendiam. Foram tambm usados como espies.

-- Dahomey: Entre os habitantes mais antigos do Dahomey atual, localizado na frica Ocidental, sempre foi considerado como fato costumeiro -- apesar de singular na grande maioria dos povos primitivos que as autoridades conhecidas como "condestveis do Estado" fossem selecionadas principalmente entre pessoas portadoras de deficincias fsicas ou sensoriais. Em vrias aldeias do pas crianas nascidas com anomalias fsicas srias eram tidas como protegidas por agentes sobrenaturais especiais. Segundo crena popular, essas crianas existem para trazer sorte aldeia. No entanto, em tempos passados, o destino de muitas delas dependia de alguns sinais supostamente sobrenaturais que podiam decretar seu abandono beira de um rio.

-- Macri: Pessoas deformadas ou portadoras de deficincias no so mortas nem abandonadas nas aldeias dos Macri, nativos da Nova Zelndia. Elas sobrevivem, embora com dificuldades, pois no encontram muito apoio e chegam mesmo a receber tratamento ou apelidos de natureza desagradvel.

-- Ps Negros: Tribo praticamente extinta da Amrica do Norte, entre os Ps Negros cuidava-se bem de familiares com deficincia. Essas pessoas eram responsabilidade do prprio grupo familiar, mesmo que isso chegasse a acarretar sacrifcios.

-- Ponap: Nas ilhas Carolinas Orientais, entre seus primitivos habitantes pertencentes tribo dos Ponap, crianas com defeitos fsicos ou evidentes sinais de retardo mental sempre foram bem tratadas como se fossem normais.

-- Semang: Entre os nativos da raa Semang, habitantes de parte da Malsia, s pessoas que se movem com o auxilio de um basto ou de uma muleta, devido a um defeito fsico ou cegueira, que so procuradas para conselhos ou para decidir disputas. Trata-se de uma tribo Negrito, muito primitiva, que ainda vive em cavernas ou em abrigos de folhas.

-- Truk: Para os nativos da ilha Truk -- uma das Carolinas -- as pessoas portadoras de deficincias das mais diversas naturezas e tambm as pessoas muito idosas que no podem prover seu prprio sustento ou que dependem necessariamente dos outros -- so consideradas como suprfluas. No entanto, esses aborgenes no tomam qualquer providncia para sua segregao ou eliminao.

-- Xagga (ou Chaggal): Nas fraldas do monte Kilimanjaro, ao norte da Tanznia (leste da frica), vivem os nativos do grupo Xagga. No seio dessa tribo primitiva ningum se atreve a prejudicar ou a matar crianas ou adultos com deficincias, pois segundo acreditam, os maus espritos habitam nessas pessoas e nelas se aquietam e se deliciam, o que torna a normalidade possvel a todos os demais.

-- Tupinambs -- Entre os nossos antigos ndios da grande raa Tupinamb do sculo XVI, o adulto doente ou deficiente por ferimentos graves de guerra, de caa ou devido a acidentes da vida na floresta era deixado vontade em sua cabana, praticamente sem contato algum com o restante da tribo. Ficava sem comer se assim o desejasse, pois podia pedir alimentos, que lhe seria fornecido pelo tempo que achasse necessrio, mesmo que pelo resto de sua vida. O que em geral acontecia, porm, por posicionamento do guerreiro ferido, era que acabava morrendo mngua.

-- *Causas das atitudes de abandono, segregao ou destruio*

Alguns dos povos primitivos a respeito dos quais obtivemos informaes no se preocupam ou no se preocupavam (conforme o caso) com as pessoas deficientes em termos de vida ou de morte, mas tomavam atitudes discriminatrias contra elas, como nos casos ainda hoje verificados dos habitantes da ilha de Bali -- Os nativos da ilha de Bali, na Indonsia, esto tradicionalmente impedidos de manter contatos amorosos com pessoas muito diferentes do normal, ou seja, albinas, retardadas, hansenianas, e em geral com pessoas portadoras de defeitos fsicos srios ou problemas mentais.

Por vezes, no entanto, a presso pela sobrevivncia que determina certas tomadas de posio quanto a pessoas idosas, doentes ou deficientes. o que acontece com os ndios Chiricoa -- eles habitam as matas colombianas e mudam-se com facilidade ou de acordo com as exigncias para sobrevivncia do grupo. Esses ndios, tanto quanto certas tribos do Caribe antigo tambm o faziam, abandonam pessoas muito idosas ou incapacitadas por doenas ou por mutilaes por ocasio de suas mudanas. Cada membro da comunidade carrega tudo o que pode levar e transportar pela selva, e que considerado como estritamente necessrio. Essas pessoas deficientes ou muito velhas e doentes terminam seus dias abandonadas nos antigos stios de morada da tribo, por no poderem se movimentar ou por no serem consideradas como fundamentais para a sobrevivncia do grupo.

Em alguns casos pesquisados, o abandono e a morte por opo do prprio indivduo idoso, doente ou portador de deficincia sria, para benefcio da tribo ou mesmo da raa, tambm acontecem. o caso observado entre os Esquims -- Entre os esquims mais antigos que mantiveram contatos com missionrios franceses nos sculos XVII e XVIII nos territrios canadenses de hoje, as pessoas idosas ou deficientes eram deixadas, por sua prpria orientao e muitas vezes por sua prpria escolha e vontade, num local mais propcio e prximo dos pontos onde todos sabiam ser a rea de convergncia contnua e de aparecimento de ursos brancos, para serem por eles devoradas. Segundo acreditavam, os ursos brancos eram considerados como animais sagrados e de grande utilidade para a tribo e que deviam manter-se sempre bem alimentados. Assim, sua pele mantinha-se tambm em timo estado para, quando mortos, bem agasalharem a populao.

Existem relatos de abandono mais evidente e aberto, ou um tanto velado, como no caso dos Tupinambs, acima indicado. O abandono intencional ocorre com os Siriono - Esses ndios so seminmades e de lngua Guarani, e habitam nas selvas da Bolvia, prximo ao Brasil. Para eles a doena e a incapacidade fsica, bem como a velhice, podem levar ao abandono e mesmo morte com certa freqncia, devido a constante movimentao da tribo. O mesmo sucede com os pertences ou com a cabana de algum que morre, que so destrudos pelo fogo.

-- *O extermnio de pessoas deficientes*

A maioria dos povos primitivos, no entanto, indicava o extermnio como soluo para o problema de crianas ou adultos com deficincias fsicas ou mentais. Vejamos alguns casos mais marcantes:

-- Ajores -- Os ndios Ajores vivem ainda hoje como nmades, em regio pantanosa, entre os rios Otuquis e Paraguai, nos isolados confins da Bolvia e do Paraguai. So ndios orgulhosos do Gran Chaco. Devido ao nomadismo, todos os recm-nascidos com deficincias, ou mesmo aqueles no desejados, so enterrados juntamente com a placenta, ao nascer. Os velhos Ajores, ou aqueles que devido s circunstncias ficaram deficientes, so enterrados vivos, por solicitao prpria ou mesmo contra sua vontade. Consideram alguns esse tipo de morte altamente desejvel, pois a terra os proteger contra tudo e contra todos.

-- Creek -- Velhos doentes e vtimas de males crnicos eram mortos por misericrdia. Acreditavam os Creek que esses velhos ou doentes poderiam acabar por cair nas mos do inimigo e sofrer muito mais. Os demais idosos sempre foram respeitados e mesmo reverenciados por todos os componentes da tribo.

-- Dene -- Entre os ndios Dene, do Noroeste do Canad, bem como junto aos esquims da regio e algumas tribos da Sibria antiga, era costume eliminar pessoas incapacitadas seja por idade, seja devido deformidade apresentada. Eram abandonadas nas plancies geladas de seus imensos territrios.

-- Dieri -- O infanticdio acontece com freqncia na tribo dos Dieri que ocupa algumas regies do Centro da Austrlia. Dele so vtimas no apenas crianas que nascem com defeitos fsicos, mas tambm, por motivos de ordem social, os filhos de mes solteiras. No entanto, nessa e em vrias outras tribos australianas, o respeito pelos idosos constantemente citado pelos antroplogos que se dedicam ao seu estudo. Em quase todas as tribos da Austrlia os velhos so respeitados como lderes e como conselheiros.

-- Jukun -- Trata-se de uma tribo da Nigria, na qual as crianas que nascem com deformaes no sobrevivem. Elas so abandonadas nas matas ou nos lugares ermos onde logo encontram a morte. Acreditam os nativos Jukun que as crianas com defeitos fsicos so tomadas, ainda no ventre da me, por espritos malignos.

-- Masai -- Os nativos da raa Masai so os sempre elegantes, magros e muito altos componentes de uma definida origem nilo-hamtica nmade. Eles tiram a vida das crianas recm-nascidas que se apresentam muito fracas ou que j apresentam deformaes ao nascer.

-- Navajos -- Os ndios Navajos, aparentados dos Apaches e formadores da maior raa indgena norte-americana, no passado distante no permitiam que uma criana com defeito fsico sobrevivesse. Ela era asfixiada ou afogada, abandonada no meio do mato ou ocasionalmente queimada viva. Mesmo hoje em dia os Navajos no se sentem muito vontade diante de pessoas com deficincias, por considerar em seu ntimo que elas esto fora da harmonia das foras da natureza e que o contato com elas acabar trazendo desarmonia na vida de cada um.

-- Ojibwa -- Conhecido grupo tnico de ndios norte-americanos, existem famlias Ojibwa residentes ainda hoje nas ilhas Parry (Canad) que acreditavam (e que talvez ainda acreditem) que pessoas com defeitos fsicos eram feiticeiras e que sofriam com seus problemas fsicos porque os seus poderes de cura acabavam voltando-se contra elas mesmas. Essas pessoas com deficincias podiam ser acusadas de feitiaria e se fossem condenadas eram mortas a pauladas.

-- Slvia -- Nas matas fechadas da selva amaznica vivem os ndios Slvia, em extino. Eles costumam dar a morte aos fisicamente deficientes por serem considerados como elementos claramente marcados por espritos malignos.

-- Saulteaux -- Pertencentes grande raa dos Ojibwa, os Saulteaux esto espalhados tanto pelos Estados Unidos quanto pelo Canad, na regio dos Grandes Lagos e tambm do lago Winnipeg. Pensavam esses ndios que as pessoas com deficincias fsicas eram possudas por espritos malignos, o que levava a tribo a mat-las. Eram tambm consideradas como verdadeiras ameaas aos deuses que, com sua morte, mantinham-se pacificados e contentes.

-- Uitoto -- Segundo costume observado pelos integrantes dessa tribo do alto Amazonas, a sudeste da Colmbia e nas proximidades do Peru, o recm-nascido era sempre submerso num riacho prximo sua aldeia, por alguns segundos, a pretexto de sua limpeza e tambm para verificar sua resistncia fsica. Segundo acreditavam, caso a criana no fosse suficientemente saudvel e bem constituda, melhor seria morrer naquela hora do que passar uma vida toda de atribulaes para si e para sua famlia, devido fraqueza ou deficincia fsica. No caso especfico de ser portadora de alguma deformidade durante seu crescimento, o feiticeiro da tribo declarava abertamente que ela havia sido vtima de algum mau esprito, podendo causar malefcios para toda a aldeia. A esse pretexto ela acabava sendo eliminada.

-- Wageo -- Entre esses primitivos habitantes da Nova Guin, as crianas com deformidades fsicas eram enterradas logo aps o seu nascimento. No entanto, se a deficincia ocorresse durante a vida, as vtimas eram tratadas com cuidado e mesmo com carinho.

-- Xagga - Muito embora os Xagga jamais procurassem se livrar de uma criana ou de um adulto com defeitos fsicos ou problemas mentais, conforme vimos anteriormente, tinham atitude diferente face ao nascimento de uma criana defeituosa. A parteira, ou o prprio pai, tinham o direito de tomar uma deciso quanto vida ou a morte de um beb nascido com deformidades, no prprio ato do nascimento, se as circunstncias assim o recomendassem.

Nota-se nessas vrias culturas aqui citadas que muitas vezes a no-sobrevivncia ocorria mais devido presso causada pelas dificuldades na obteno de alimentos ou mesmo de auto-suficincia e agilidade para cuidar de si mesmo em hora de perigo, quando no devido a questes de utilidade do componente do grupo. H vrios casos de eliminao de velhos ou de deficientes devido ignorncia das causas dos males considerados como misteriosos, ou por medo das divindades vingativas que poderiam estar envolvidas ou mesmo interessadas.

No entanto muito raramente a rejeio ou a morte ocorriam devido a atitudes de ostracismo ou de discriminao intencional que, segundo nos parece, so produtos de civilizaes mais sofisticadas.

-- *A pessoa deficiente como objeto de ridculo*

Um exemplo da pessoa deficiente como objeto de ridculo nos citado por Wolfensberger: Entre os Aztecas da poca de Montezuma (1466 a 1520) havia uma espcie de jardim zoolgico na capital do Imprio, Tenochtitln (hoje Mxico, D.F.), que chegou a impressionar os homens do conquistador Corts pela sua organizao e variedade de animais. O que mais chocou os homens espanhis, porm, foi o fato de Montezuma ter em instalaes separadas homens e mulheres defeituosos, deformados, corcundas, anes, albinos, onde eram apupados, provocados e ridicularizados.

Infelizmente em quase todas as culturas que indicamos restavam s pessoas marcadas pela incapacidade ou pela idade apenas duas alternativas: resignao situao ou a morte.

-- *O povo Inca e as trepanaes crani